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CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PARA CONCURSOS 11ª. edição Fábio Roque Araújo Nestor Távora ATUALIZAÇÃO Art. 3º O Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações: COMENTÁRIOS A Lei Anticrime promoveu uma série de alterações no Código de Processo Penal. Algumas destas mudanças ainda ensejam polêmicas e controvérsias entre os operadores do Direito. É o caso da figura do juiz das garantias. Outras tantas mudanças, a despeito de merecerem menos holofotes por parte dos meios de comunicação, também alteram substancialmente a estrutura do processo penal no Brasil. É o que ocorre, por exemplo, com a mudança do art. 28, CPP, cuja pretensão é a de fortalecer o sistema processual acusatório. Vale recordar que o nosso Código de Processo Penal é de 1941, aprovado no auge da ditadura do Estado Novo, sob declarada inspiração do Código de Processo Penal da Itália fascista, idealizado pelo renomado penalista Arturo Rocco. Evidentemente, a estrutura normativa de um Código autoritário de viés ideológico fascista (ou de qualquer outra bandeira autoritária ou totalitária) é incompatível com as balizas democráticas de nossa Constituição Federal de 1988. Por esta razão, o nosso Código sofreu, no decorrer das últimas décadas, uma considerável quantidade de alterações que, entre outras finalidades, pretendiam adequar o texto legislativo ao sistema constitucional. Mais do que isto, mais de uma vez houve a tentativa de elaboração de um novo Código de Processo Penal, e existe, em trâmite no Congresso Nacional, projeto nesse sentido. A Lei Anticrime, ao promover substanciais mudanças no atual Código de Processo Penal, arrefece a probabilidade de aprovação iminente de um novo Código. Conforme veremos adiante, as

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CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

PARA CONCURSOS

11ª. edição

Fábio Roque Araújo

Nestor Távora

ATUALIZAÇÃO

Art. 3º O Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a

vigorar com as seguintes alterações:

COMENTÁRIOS

A Lei Anticrime promoveu uma série de alterações no Código de Processo Penal. Algumas destas

mudanças ainda ensejam polêmicas e controvérsias entre os operadores do Direito. É o caso da figura

do juiz das garantias. Outras tantas mudanças, a despeito de merecerem menos holofotes por parte dos

meios de comunicação, também alteram substancialmente a estrutura do processo penal no Brasil. É o

que ocorre, por exemplo, com a mudança do art. 28, CPP, cuja pretensão é a de fortalecer o sistema

processual acusatório.

Vale recordar que o nosso Código de Processo Penal é de 1941, aprovado no auge da ditadura

do Estado Novo, sob declarada inspiração do Código de Processo Penal da Itália fascista, idealizado

pelo renomado penalista Arturo Rocco. Evidentemente, a estrutura normativa de um Código autoritário

de viés ideológico fascista (ou de qualquer outra bandeira autoritária ou totalitária) é incompatível com

as balizas democráticas de nossa Constituição Federal de 1988.

Por esta razão, o nosso Código sofreu, no decorrer das últimas décadas, uma considerável

quantidade de alterações que, entre outras finalidades, pretendiam adequar o texto legislativo ao

sistema constitucional. Mais do que isto, mais de uma vez houve a tentativa de elaboração de um novo

Código de Processo Penal, e existe, em trâmite no Congresso Nacional, projeto nesse sentido.

A Lei Anticrime, ao promover substanciais mudanças no atual Código de Processo Penal,

arrefece a probabilidade de aprovação iminente de um novo Código. Conforme veremos adiante, as

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mudanças levadas a cabo no Código de Processo Penal são muito mais robustas (quantitativa e

qualitativamente) do que, por exemplo, as alterações no Código Penal. Vamos a elas.

“Juiz das Garantias

1. JUIZ DAS GARANTIAS E A IMPARCIALIDADE DO JULGADOR

A primeira das relevantes mudanças promovidas pela Lei Anticrime no Código de Processo

Penal foi a instituição da figura do juiz das garantias. O tema está tratado na atual redação do Código

de Processo Penal entre os artigos 3º–A e 3º–F.

Até a instituição do juiz das garantias, a regra no nosso sistema era a de que o magistrado que

tivesse atuado na fase pré-processual, decidindo sobre matérias afetas à investigação criminal e que

dependessem de sua intervenção ficaria vinculado ao processo que se seguiria.

Com o juiz das garantias, teremos um magistrado atuando nesta fase de investigação criminal, e

que ficará proibido de atuar na fase processual relativa àquela investigação. De modo mais simples,

podemos dizer que o juiz que atuou na fase de investigação não poderá atuar na fase de processo.

A finalidade do instituto é reforçar a imparcialidade do julgador, mantendo-o distante dos fatos

em um momento que antecede o processo judicial.

Para explicar melhor esta afirmação, devemos recordar que a imparcialidade é caracterizada

pelo distanciamento do julgador da causa. Não se confunde com neutralidade (axiológica), cuja

existência atualmente é bastante questionável. Com efeito, não se espera do juiz que ele seja neutro.

Ninguém o é. Todos trazemos conosco nossas cargas valorativas, oriundas de nossa formação,

princípios, educação etc. o que se espera (e a legislação exige) do julgador é imparcialidade, que deve

estar consubstanciada no devido afastamento em relação à causa.

Antes da consagração do juiz das garantias, tínhamos esse afastamento do julgador em relação

à causa mitigado por força da atuação do juiz na fase de investigação, decidindo sobre questões a ela

relativas, em um momento no qual não havia contraditório. Com isto, o juiz passava a ter contato com

a matéria, com a causa, sempre sob o ponto de vista da persecução, sem que se pudesse oportunizar o

amplo contraditório.

Com o juiz das garantias, este julgador que atuar na fase de investigação, decidindo questões a

ela relacionadas não poderá atuar na fase processual. Consequentemente, o julgador que for atuar na

fase de processo não terá conhecimento prévio da matéria, ou seja, já a conhecerá sob os auspícios do

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contraditório e da ampla defesa, reforçando o seu distanciamento da causa em momento anterior ao

início da instrução.

Procuramos deixar bem claro que o objetivo do juiz das garantias é, portanto, reforçar a

imparcialidade do julgador. Com isto, pretendemos esclarecer que a instituição do juiz das garantias

não significa que o sistema anterior não fosse compatível com a imparcialidade do julgador, ou, ainda

menos, que os processos em trâmite ou encerrados em momento anterior à entrada em vigor da figura

do juiz das garantias estiveram sob a condução de julgadores destituídos de imparcialidade. Tal

afirmação, muito mais do que temerária, constituiria rematado absurdo.

É evidente que a imparcialidade do julgador já existia, era possível, alcançável e alcançada na

larga maioria dos casos. O juiz das garantias – repita-se à exaustão – não pretende instituir, mas sim

reforçar a imparcialidade do julgador.

2. JUIZ DAS GARANTIAS NÃO É INVESTIGADOR

É muito importante termos em mente que o juiz das garantias não é investigador, e nem agente

público dotado de primazia ou evidência na fase de persecução criminal pré processual. Deste modo,

as investigações criminais devem continuar a se desenvolver sob a presidência dos órgãos com

capacidade de investigação (Polícia Judiciária, Ministério Público, Comissão Parlamentar de Inquérito

etc.).

O magistrado – da mesma forma que funcionava no sistema anterior ao juiz das garantias –

somente será chamado a atuar naqueles casos em que haja a necessidade de adoção de alguma medida

acobertada pela cláusula de reserva jurisdicional, isto é, medidas que somente podem ser adotadas pelo

julgador (interceptação telefônica, prisão preventiva, prisão temporária, busca e apreensão domiciliar

etc).

Conforme mencionamos, a distinção em relação ao sistema anterior reside no fato de que este

juiz que atuar na fase de investigação criminal não poderá atuar na fase de processo penal. Mas o “juiz

das garantias”, instituído pela Lei Anticrime, não significa que nosso sistema legislativo outorgou ao

magistrado poderes de investigação ou concedeu-lhe destaque ou preponderância durante este

momento da persecução criminal.

3. (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO JUIZ DAS GARANTIAS

Antes da entrada em vigor da Lei Anticrime, no julgamento de medida cautelar nas Ações

Diretas de Inconstitucionalidade n. 6.298, 6.209 e 6.300, o Ministro Dias Toffoli, no plantão do

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Supremo Tribunal Federal, determinou a interpretação deste dispositivo conforme à Constituição, de

modo a excluir o juiz das garantas das seguintes hipóteses: a) processos criminais de competência

originária dos Tribunais (Lei n. 8.038/90); b) processos de competência do Tribunal do Júri; c)

processos criminais envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei n. 11.340/06); d)

processos criminais de competência da Justiça Eleitoral.

Vale recordar que, dias após a decisão do Ministro Dias Toffoli, o Ministro Luiz Fux assumiu o

plantão judiciário e, revogando a decisão anterior, concedeu liminar para suspender a implantação do

juiz das garantias para todo e qualquer processo. O primeiro fundamento utilizado pelo Ministro foi a

inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, pois a medida alteraria a organização do Poder

Judiciário e, por isto, somente poderia ser levada a efeito por meio de lei de iniciativa do Poder

Judiciário. O segundo fundamento foi a ausência de dotação orçamentária específica, o que constituiria

afronta ao art. 169, CF e também à independência financeira do Poder Judiciário (art. 99, CF).

Com a devida vênia, não nos parece haver qualquer inconstitucionalidade na Lei Anticrime, na

parte que se refere à instituição da figura do juiz das garantias. Trata-se de medida que altera

competência funcional (e, portanto, questão de processo penal), e não organização do Poder Judiciário.

A instituição do juiz das garantias não implica, necessariamente, criação de órgãos ou cargos, pois a

previsão era, justamente, de utilização do aparato de que já dispõe o Judiciário para encontrar

alternativas, tais como a utilização do sistema de substituição de juízes, que já existe. Por isso, não nos

parece acertado fazer menção à ausência de dotação orçamentária, já que a medida não

necessariamente implicaria aumento de despesas.

De todo, resta aguardar a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal.

‘Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de

investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.’

COMENTÁRIOS

O art. 3º-A, acrescentado ao CPP pela Lei Anticrime, inova em nosso sistema ao prever

expressamente a adoção do sistema processual acusatório. Com efeito, muito embora o entendimento

majoritário em nossa doutrina já fosse no sentido de que tínhamos aderido à estrutura acusatória de

processo penal, a legislação não era expressa nesse sentido.

A concepção majoritária em doutrina caminhava no sentido de reconhecer o nosso sistema

processual como acusatório por força, sobretudo, do disposto no art. 129, I da Constituição Federal

que, ao outorgar ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública, sepultou os

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chamados “procedimentos judicialiformes, até então existentes, por meio dos quais se permitia ao

julgador iniciar o processo criminal de ofício.

Por outras palavras, com o advento do atual texto constitucional, restou evidente que o juiz não

poderia atuar como julgador. E, vale recordar que, a principal característica do sistema acusatório é

que as funções de acusação, defesa e julgamento estão separadas. O órgão acusatório não se confunde

com o julgador. Convém esclarecer, todavia, que não adotamos o sistema acusatório puro, ortodoxo,

pois, no Brasil, permite-se ao magistrado, excepcionalmente, produzir provas (art. 156, CPP), conceder

habeas corpus de ofício e, até mesmo, decretar medidas cautelares e decretar prisão preventiva de

ofício durante o processo.

Ocorre que tantas eram – e ainda são – as exceções à iniciativa do julgador, que significativa

parte da nossa doutrina chegava a questionar se realmente possuíamos um sistema acusatório ou se a

separação das funções de “acusar” e “julgar” não seria meramente formal, mas estaria mantida a

estrutura inquisitiva em que se permite ao juiz substituir-se à função do acusador.

A redação do art. 3º-A, acrescentado ao CPP pela Lei Anticrime não apenas faz previsão

expressão da adesão do nosso sistema processual à estrutura acusatória, mas também veda a iniciativa

do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. Por outras

palavras, quem deve produzir a prova é Ministério Público, e não o julgador.

Importa destacar, porém, que a Lei Anticrime não promoveu a expressa revogação do art. 156

do Código de Processo Penal, que permite ao juiz produzir prova de ofício nos seguintes casos:

a) Ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas

consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da

medida;

b) Determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências

para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

‘Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação

criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à

autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:

I - receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da

Constituição Federal;

II - receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o

disposto no art. 310 deste Código;

III - zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à

sua presença, a qualquer tempo;

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IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal;

V - decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar, observado o

disposto no § 1º deste artigo;

VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-

las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na

forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente;

VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e

não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral;

VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das

razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo;

IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável

para sua instauração ou prosseguimento;

X - requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da

investigação;

XI - decidir sobre os requerimentos de:

a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou

de outras formas de comunicação;

b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;

c) busca e apreensão domiciliar;

d) acesso a informações sigilosas;

e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado;

XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;

XIII - determinar a instauração de incidente de insanidade mental;

XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código;

XV - assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao

seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da

investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento;

XVI - deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia;

XVII - decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração

premiada, quando formalizados durante a investigação;

XVIII - outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.

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§ 1º (VETADO).

§ 2º Se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da

autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do

inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a

prisão será imediatamente relaxada.’

COMENTÁRIOS

O art. 3º-B, acrescentado ao Código de Processo Penal pela Lei Anticrime (Lei n. 13.964/19)

estabelece as medidas que podem e devem ser adotada pelo juiz das garantias. O dispositivo deixa

claro que a atuação do juiz das garantias não é a de um investigador, mas sim de um julgador que atua

no controle de legalidade das medidas e na preservação dos direitos individuais, adotando medidas que

se encontram acobertadas pela cláusula de reserva jurisdicional.

Conforme se pode perceber, a partir da enumeração de atividades do juiz das garantias trazida

nos incisos deste artigo, competirá a este magistrado a adoção de todas as medidas que incumbe ao

Judiciário no momento da investigação criminal. Isto compreende desde as medidas mais drásticas,

como decretação de prisões e aferição da legalidade de flagrantes, até medidas mais simples, como ser

informado da instauração da investigação criminal.

A propósito, dispõe o inciso IV que compete ao juiz das garantias “ser informado sobre a

instauração de qualquer investigação criminal”. Com isto, percebemos que todas as investigações

criminais devem ser informadas ao Judiciário, muito embora saibamos que não haverá atuação judicial

em todas elas.

Com efeito, a investigação criminal é um procedimento administrativo, levada a cabo pelos

órgãos da persecução criminal que possuem poderes de investigação, e a atuação judicial é,

efetivamente, excepcional. Por tal motivo, não se fará necessária a atuação do juiz das garantias em

todas as investigações, mas apenas naquelas em que surja a necessidade de intervenção jurisdicional.

Porém, deve o juiz das garantias ser informado da instauração de todas as investigações criminais.

Outro ponto de extrema relevância no novel dispositivo diz respeito à possibilidade de o juiz

das garantias prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito policial por até 15 (quinze) dias. Após a

conclusão do referido prazo, se a investigação não for concluída, haverá o relaxamento da prisão. Esta

nova sistemática legislativa altera a regra do CPP, que não previa a possibilidade de prorrogação do

prazo para a conclusão do inquérito policial, quando o investigado se encontrar preso.

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‘Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de

menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399

deste Código.

§ 1º Recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução

e julgamento.

§ 2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz da instrução e

julgamento, que, após o recebimento da denúncia ou queixa, deverá reexaminar a necessidade

das medidas cautelares em curso, no prazo máximo de 10 (dez) dias.

§ 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados

na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados

aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos

relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que

deverão ser remetidos para apensamento em apartado.

§ 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das

garantias.’

COMENTÁRIOS

A redação do art. 3º-C, dada pela Lei Anticrime, é categórica, no sentido de que a figura do juiz

das garantias deveria se aplicar a todas as infrações penais, excepcionando-se, apenas, aquelas tidas

como de menor potencial ofensivo, vale dizer, as contravenções penais e os crimes com pena máxima

até dois anos. Para estes casos, aplica-se a Lei de Juizados Especiais, e seu rito sumaríssimo.

Inicialmente, no julgamento da medida cautelar nas ações diretas de inconstitucionalidade n.

6.298, 6.299 e 6.300, o Ministro Dias Toffoli, dando interpretação conforme à Constituição a este

dispositivo, entendeu que estariam fora do âmbito de abrangência do juiz das garantias os processos

envolvendo:

a) Competência originária dos Tribunais, regidos pela Lei n. 8.038/90;

b) Competência do tribunal do júri;

c) Violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei Maria da Penha – Lei n. 11.340/06);

d) Competência da Justiça Eleitoral.

Posteriormente, conforme já asseveramos, o Ministro Luiz Fux (relator das ações mencionadas)

revogou esta decisão, reconhecendo a inconstitucionalidade do juiz das garantias.

O juiz das garantias atua até o momento do recebimento da denúncia ou queixa. Após este

momento, é o juiz da instrução quem deverá assumir o feito. Deste modo, a legislação assegura que o

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juiz da instrução somente terá contato com a prova produzida sob o crivo do contraditório, evitando-se

o vínculo psicológico do julgador com a diligência da fase inquisitorial.

E tanto isto é verdade que o § 3º do artigo em apreço determina que “os autos que compõem as

matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à

disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao

juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de

obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em

apartado”.

A medida é salutar, pois a instituição do juiz das garantias é justamente para afastar o julgador

do feito das diligências realizadas sem amplo contraditório, durante a investigação criminal. Ora,

pouco adiantaria termos a figura do juiz das garantias para atuação exclusiva durante a fase de

investigação se fosse franqueado ao juiz da instrução e julgamento o mais amplo acesso a todas as

diligências por ele produzidas.

Importante consignar que a determinação legislativa não é de acautelamento de toda a

investigação criminal na secretaria do juízo, mas apenas aquelas partes que disserem respeito à atuação

do juiz das garantias.

Por outro lado, é de se destacar que o dispositivo legal supratranscrito ressalva “os documentos

relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que

deverão ser remetidos para apensamento em apartado”. A ressalva é válida e pertinente, haja vista o

fato de que as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, produzidas durante a investigação

criminal podem dar ensejo à fundamentação de uma decisão judicial (art. 155, caput, CPP).

Por óbvio, todas as medidas adotadas pelo juiz das garantias, na fase de investigação criminal

poderão ser revistas pelo juiz da instrução. O § 2º do presente artigo chega a determinar que o juiz da

instrução reexamine as medidas cautelares em curso no prazo máximo de 10 (dez) dias, após o

recebimento da denúncia ou queixa.

Por evidente, os autos relacionados à atuação do juiz das garantias ficam à disposição das

partes. O afastamento cognitivo das mencionadas diligências deve se referir ao juiz da instrução e

julgamento, e não às partes que, ao revés, podem atuar desde a fase de investigação.

Assim, é possível que, por exemplo, o juiz das garantias, durante a investigação, decrete a

medida de recolhimento domiciliar (art. 319, V, CPP) em desfavor do investigado. Após o recebimento

da denúncia, nada impede que o juiz da instrução, considerando desnecessária a medida, revogue-a.

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‘Art. 3º-D. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências

dos arts. 4º e 5º deste Código ficará impedido de funcionar no processo.

Parágrafo único. Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um

sistema de rodízio de magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo.’

COMENTÁRIOS

O dispositivo em apreço estabelece o impedimento de o juiz das garantias atuar na fase do

processo. Trata-se, tão-somente, da já mencionada separação da competência funcional entre o juiz das

garantias e o juiz da instrução e julgamento.

Antes da decisão do Ministro Luiz Fux, determinando a suspensão da implementação de todo o

instituto do juiz das garantias, a decisão do Ministro Dias Toffoli já determinava a suspensão do

parágrafo único deste art. 3º-D. conforme a decisão, já revogada, os Tribunais deveriam organizar a

forma de implantação do juiz das garantias, não cabendo à Lei determinar o sistema de rodízios,

inobservando as particularidades do caso concreto.

‘Art. 3º-E. O juiz das garantias será designado conforme as normas de organização judiciária da

União, dos Estados e do Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem periodicamente

divulgados pelo respectivo tribunal.’

COMENTÁRIOS

A determinação de nomeação de juiz das garantias mediante a observância de critérios

objetivos vai ao encontro do princípio do juiz natural, como não poderia deixar de ser. Não fosse

assim, a designação de magistrados estaria ao alvitre de casuísmos incompatíveis com o devido

processo legal.

Por outro lado, conforme se extrai a partir da redação do dispositivo de lei em análise, o

legislador não estabeleceu quais seriam estes critérios, respeitando a autonomia dos Tribunais, para

atuarem conforme as respectivas normas de organização judiciária.

‘Art. 3º-F. O juiz das garantias deverá assegurar o cumprimento das regras para o tratamento

dos presos, impedindo o acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos da imprensa para

explorar a imagem da pessoa submetida à prisão, sob pena de responsabilidade civil,

administrativa e penal.

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Parágrafo único. Por meio de regulamento, as autoridades deverão disciplinar, em 180 (cento e

oitenta) dias, o modo pelo qual as informações sobre a realização da prisão e a identidade do

preso serão, de modo padronizado e respeitada a programação normativa aludida no caput deste

artigo, transmitidas à imprensa, assegurados a efetividade da persecução penal, o direito à

informação e a dignidade da pessoa submetida à prisão.’”

COMENTÁRIOS

O juiz das garantias deve resguardar os direitos individuais dos investigados. E isto abrange a

tutela de sua imagem e vida privada. Evidentemente, há uma questão muito delicada no que concerne à

contraposição entre o direito à imagem do preso e o interesse público na divulgação de informações

que podem promover a elucidação de outros tantos crimes. Contudo, é meramente aparente a

contradição entre estas duas questões.

Com efeito, é plenamente possível que haja a divulgação de informações em torno da

investigação – que atendam ao interesse público e não comprometa as realização das diligências – e

que, concomitantemente, não ocorra a exposição abusiva da imagem do preso. Não se pode olvidar que

referida exposição abusiva traz efeitos extremamente deletérios, sobretudo quando, ao final das

investigações, constata-se a inocência do investigado, que teve sua vida, honra e imagem devassadas

por uma publicidade assaz pejorativa.

“Art. 14-A. Nos casos em que servidores vinculados às instituições dispostas no art. 144 da

Constituição Federal figurarem como investigados em inquéritos policiais, inquéritos policiais

militares e demais procedimentos extrajudiciais, cujo objeto for a investigação de fatos

relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, de forma consumada ou

tentada, incluindo as situações dispostas no art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de

1940 (Código Penal), o indiciado poderá constituir defensor.

§ 1º Para os casos previstos no caput deste artigo, o investigado deverá ser citado da instauração

do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48 (quarenta e oito)

horas a contar do recebimento da citação.

§ 2º Esgotado o prazo disposto no § 1º deste artigo com ausência de nomeação de defensor pelo

investigado, a autoridade responsável pela investigação deverá intimar a instituição a que estava

vinculado o investigado à época da ocorrência dos fatos, para que essa, no prazo de 48 (quarenta

e oito) horas, indique defensor para a representação do investigado.

§ 3º (VETADO).

§ 4º (VETADO).

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§ 5º (VETADO).

§ 6º As disposições constantes deste artigo se aplicam aos servidores militares vinculados às

instituições dispostas no art. 142 da Constituição Federal, desde que os fatos investigados digam

respeito a missões para a Garantia da Lei e da Ordem.”

COMENTÁRIOS

1. OBRIGATORIEDADE DA NOMEAÇÃO DE DEFENSOR

Sempre foi possível a nomeação de defensor, por parte do investigado, para acompanhar para o

acompanhamento dos inquéritos policiais ou investigações criminais de outra natureza. Contudo, com

o advento da Lei Anticrime, passamos a ter uma hipótese de obrigatoriedade de nomeação de defensor.

Com efeito, o caput do artigo em apreço que “o indiciado poderá constituir defensor”. Até aí,

não há qualquer novidade. Em verdade, todo investigado/indiciado pode constituir defensor. A grande

particularidade do art. 14-A, CPP se inicia quando, no seu § 1º, determina que os investigados,

especificados no caput, deverão ser citados “da instauração do procedimento investigatório, podendo

constituir defensor no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a contar do recebimento da citação”.

De início, muito importante esclarecer que há um equívoco conceitual na literalidade

legislativa, quando faz alusão à “citação”. Citação é ato de comunicação que triangulariza a relação

jurídica processual, chamando o citando ao processo. Não há que se falar em citação na fase de

investigação criminal, ao contrário do que diz a lei acima transcrita.

De todo modo, considerando a mencionada “citação” como ato de comunicação/informação, o

que importa é destacar que tal medida destina-se a a concitar o investigado a nomear defensor, no

prazo de 48 (quarenta e oito) horas. Esta, conforme já antecipamos, é, realmente, uma grande novidade

no nosso sistema legal, porquanto não havia previsão de uma provocação para nomeação de defensor

por parte do investigado – em que pese ser-lhe facultada a nomeação há muito tempo.

Mas ainda mais inovador é o disposto no § 2º do art. 144-A, CPP, na medida em que determina

que, escoado o prazo das 48 (quarenta e oito) horas, sem que o investigado tenha nomeado defensor, “a

autoridade responsável pela investigação deverá intimar a instituição a que estava vinculado o

investigado à época da ocorrência dos fatos, para que essa, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas,

indique defensor para a representação do investigado”.

E esta a razão pela qual reafirmamos que a regra do novel art. 14-A, CPP torna obrigatória a

nomeação de defensor para os investigados, nas condições especificadas no caput. Ora, mesmo que o

investigado não faça a nomeação do defensor, caberá à instituição fazê-lo. É verdade que a lei não

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previu consequências para a hipótese na qual a instituição não faz a referida nomeação. E não nos

parece razoável que haja a paralisação da investigação sem previsão legislativa.

Por outras palavras, parece-nos que a leniência institucional na nomeação do defensor não

impedirá o trâmite da investigação. Contudo, há uma determinação legislativa no sentido de que haja a

nomeação do defensor.

2. REQUISITOS PARA A OBRIGATORIEDADE3 DA NOMEAÇÃO

Para que incida a hipótese do art. 14-A, CPP, imprescindível que estejam presentes os seguintes

requisitos:

a) Investigados são servidores das forças de segurança pública: vale lembrar que, consoante

o art. 144, caput, da Constituição Federal, são órgãos da segurança pública: I - polícia federal; II -

polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e

corpos de bombeiros militares; VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.

Importante referir que, conforme regra estampada no § 6º do art. 14-A, a regra acerca da

obrigatoriedade de nomeação de defensor se estende aos casos nos quais os investigados são membros

das forças armadas (art. 142, CF), atuando em missão para a Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A

extensão se justifica diante do fato de que, em tais casos, os militares das forças armadas acabam

atuando em situação similar à do policiamento ostensivo.

b) Investigação criminal cujo objeto são fatos relacionados ao uso da força letal, de forma

consumada ou tentada: a obrigatoriedade de nomeação de defensor não se relaciona com qualquer

fato criminoso investigado, mas apenas aqueles que envolvam força letal, ainda que não haja

consumação (investigação criminal sobre homicídio tentado).

c) Praticados no exercício profissional: é necessário que os fatos investigados possuam

relação com a atividade profissional. Não haverá a incidência da regra do art. 14-A, CPP na hipótese

na qual, por exemplo, um policial, de folga, se envolve em uma briga e é suspeito de prática de

homicídio (art. 121, CP). Neste caso, a conduta não possui relação com a atividade profissional, como

resta evidente.

d) Inclusão das hipóteses contidas no art. 23, CP: A Lei Anticrime alude expressamente à

questão da inclusão, nos casos de obrigatoriedade de nomeação de defensor, às hipóteses relacionadas

ao art. 23 do Código Penal, que enumera as causas excludentes de ilicitude (estado de necessidade,

legítima defesa, estrito cumprimento de um dever legal e exercício regular de direito). Assim, havendo,

por exemplo, uma investigação relativa a um policial que alega ter praticado o homicídio em legítima

defesa, incidirá a regra do art. 14-A, CPP.

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3. ATUAÇÃO DO DEFENSOR

Importante mencionar que a obrigatoriedade de nomeação do defensor não faz com que haja

amplo contraditório na investigação criminal. O defensor do investigado continuará a atuar na defesa

de seu constituinte na perspectiva da discricionariedade e limitações impostas à atuação do defensor

por força do contido no art. 14, CPP (“O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão

requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade”).

“Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos

informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao

investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial

para fins de homologação, na forma da lei.

§ 1º Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito

policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicação, submeter a

matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva

lei orgânica.

§ 2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, Estados e

Municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do

órgão a quem couber a sua representação judicial.” (NR)

COMENTÁRIOS

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O art. 28 do Código de Processo Penal sofreu profunda alteração com o advento da Lei

Anticrime (Lei n. 13.964/19). Importante deixar consignado que a implementação do referido

dispositivo foi suspensa pela decisão do Ministro Luiz Fux na medida cautelar na ADI n. 6.305.

Vejamos como era a redação antiga do art. 28, CPP (ainda em vigor, até que seja julgado o mérito da

ADI) e, em seguida, faremos os comentários em relação à redação dada pela Lei Anticrime.

2. ART. 28, CPP ANTES DA LEI ANTICRIME

Antes da Lei Anticrime, o art. 28, CPP possuía a seguinte redação: “Se o órgão do Ministério

Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de

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quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará

remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia,

designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento,

ao qual só então estará o juiz obrigado a atender”.

Diante do inquérito policial ou de quaisquer outras peças de informação, abrem-se ao MP as

seguintes hipóteses:

a) Oferecimento da denúncia, havendo lastro probatório para tanto;

b) Requisição de novas diligências indispensáveis à denúncia, caso o inquérito não traga lastro

probatório suficiente;

c) Requerimento de arquivamento, não havendo amparo legal para o início do processo;

d) Requerimento de remessa dos autos a outro juízo, se entender que não possui atribuição para

atuar, e por consequência, que o órgão jurisdicional é incompetente.

Havendo pedido de arquivamento, caberá ao magistrado deliberar. Acatando o pedido, irá

homologar, em decisão tipicamente administrativa (pré-processual), que não se submete, em regra, a

imutabilidade pela coisa julgada material. Por essa razão, surgindo novas provas, o MP terá aptidão

para oferecer denúncia, desde que ainda não esteja extinta a punibilidade (enunciado nº 524 da súmula

do STF). É uma decisão sujeita à cláusula rebus sic stantibus, ou seja, ela segue o estado das coisas. Se

a situação mudar, pelo surgimento de novas provas, admite-se o oferecimento da denúncia.

Excepcionalmente, o arquivamento do inquérito é feito por decisão definitiva, apta a

imutabilidade pela coisa julgada material, notadamente quando feito em razão da certeza ministerial

quanto à atipicidade do fato investigado. É o que diz o STF: “O arquivamento requerido pelo

Ministério Público e deferido pelo juiz, com fundamento na atipicidade do fato, produz coisa julgada,

impedindo a instauração de nova ação penal” (HC 80.560/GO – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – j.

20/2/2001 – Informativo nº 218).

Se o juiz discorda do pedido ministerial de arquivamento, irá provocar o Procurador Geral (ou a

Câmara de Coordenação e revisão do Ministério Público Federal, conforme o caso), revelando o que se

convencionou chamar de “princípio da devolução”. Percebe-se que o juiz, ao invocar o artigo 28 do

CPP, está desempenhando uma função anômala, de fiscal do princípio da obrigatoriedade da ação

penal pública.

O Procurador Geral, diante da remessa dos autos, poderá:

a) Oferecer denúncia diretamente em primeiro grau;

b) Designar outro membro do MP para fazê-lo, em respeito à independência funcional do

promotor que requereu o arquivamento e não pode ser compelido pelo Procurador Geral a denunciar.

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O promotor designado estará obrigado a denunciar, funcionando em nome do Procurador Geral, em

verdadeira delegação.

c) Insistir no arquivamento, quando então o magistrado estará obrigado a homologar.

É importante destacar as seguintes modalidades de arquivamento:

a) Arquivamento implícito ou tácito: ocorre quando o MP deixa de se manifestar

expressamente sobre todo o conteúdo do inquérito policial, omitindo da denúncia crimes e/ou

criminosos que foram foco da investigação. Tal omissão permitiria ao magistrado, percebendo-a,

invocar o art. 28, CPP, remetendo os autos ao Procurador Geral. Não o fazendo, quando o MP

sinalizasse com aditamento à denúncia, seria necessário lastro em prova nova. A omissão quanto aos

infratores implica o arquivamento implícito subjetivo. Já a omissão de infrações leva ao arquivamento

implícito objetivo. Todavia, o instituto não encontra ressonância na jurisprudência dos Tribunais

Superiores.

b) Arquivamento originário: é aquele apresentado diretamente pelo Procurador Geral, nas

ações que lhe são originárias, restando como única alternativa ao Tribunal a homologação, sendo

inviável a utilização do art. 28 do CPP. Restaria, por força do art. 12, inc. XI da Lei nº 8.625/1993 (Lei

Orgânica Nacional do MP), provocar administrativamente o Colégio de Procuradores do Ministério

Público, para deliberar se haverá designação de outro membro do MP para denunciar, ou se o

arquivamento será mantido.

c) Arquivamento indireto: caso o MP deixe de oferecer denúncia por entender que o crime

não é de sua atribuição, irá requerer a remessa dos autos ao órgão competente. Se o juiz divergir,

deverá invocar, por analogia, o art. 28 do CPP, provocando o respectivo Procurador Geral.

Convencionou-se atribuir a tal ato a nomenclatura de arquivamento indireto, aplicando-se o art. 28 do

CPP para solucionar a divergência.

d) Arquivamento nas ações privadas: não há de se falar em arquivamento da investigação

que apurou crime de iniciativa privada. Basta que a vítima fique inerte, que a decadência ao direito de

ação ocorrerá. Todavia, havendo proposta de arquivamento do inquérito realizado, isto implica a

renúncia ao direito de ação, desaguando na extinção da punibilidade.

Não há previsão expressa de recurso para a decisão de arquivamento do IP. A partir daí, surgem

duas teorias: a) A decisão é irrecorrível por força da ausência de previsão (princípio da taxatividade

dos recursos) e pela dupla anuência (decisão do Juiz, a requerimento do MP); b) cabe apelação, nos

termos do art. 593, II, CPP, pois se trata de decisão definitiva. Aderimos ao segundo entendimento,

muito embora seja importante salientar que a primeira teoria é a majoritária em doutrina.

3. ART. 28, CPP APÓS DA LEI ANTICRIME

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A grande novidade da regra do art. 28, CPP, após a modificação promovida pela Lei Anticrime,

consiste no fato de que o procedimento de arquivamento passa a se realizar exclusivamente no âmbito

do Ministério Público, sem a participação judicial. Após a nova redação do art. 28, CPP, cabe ao

membro do Ministério Público ordenar (e não mais requerer ao juiz) o arquivamento do inquérito

policial (ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza).

Na nova sistemática, o próprio membro do Ministério Público deverá remeter a ordem de

arquivamento para a instância interna de revisão (Procurador Geral de Justiça, no âmbito do Ministério

Público Estadual e Câmara de Coordenação e Revisão Criminal, no âmbito do Ministério Público

Federal) para homologação.

O maior mérito da nova sistemática do art. 28, CPP é retirar a atuação judicial deste momento

da investigação. É de se notar que, na sistemática anterior, na qual o magistrado fazia o controle de

legalidade dos pedidos de arquivamento, por vezes, ele precisaria atuar como substituto de um

acusador, encaminhando as peças para a instância de revisão ministerial e pleiteando que tais órgãos

oferecessem a denúncia ou nomeassem outro órgão do Ministério Público para fazê-lo. E o que é pior:

este mesmo magistrado continuava à frente do feito, decidindo se receberia ou rejeitaria a denúncia,

oferecida a partir da sua provocação. Como se vê, a violação ao sistema acusatório era bastante

evidente, pois o julgador atuava provocando a atuação do Ministério Público.

Com o novo art. 28, CPP, continua a haver o controle de legalidade (homologação) do

arquivamento do inquérito policial (ou investigação criminal de outra natureza). Mas agora, realizado

exclusivamente pelo Ministério Público.

Para conferir ainda maior legitimidade a este controle de legalidade, a novel redação do art. 28,

CPP determina que o órgão do Ministério Público comunicará a ordem de arquivamento à vítima, ao

investigado e à autoridade policial. Relevante notar que a comunicação é feita, repita-se, pelo órgão do

MP. Ou seja, não há a utilização do aparato do Poder Judiciário (oficiais de justiça, por exemplo). O

procedimento de arquivamento das investigações criminais realmente deixa de passar pelo crivo

judicial.

Consoante disposto no § 1º: ‘Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o

arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da

comunicação, submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme

dispuser a respectiva lei orgânica”. A rigor, o encaminhamento à instância revisora já é realizado pelo

próprio membro do Ministério Público que ordenou o arquivamento. O que, em verdade, faz a vítima,

ou seu representante legal, é apresentar suas razões de discordância em relação à ordem de

arquivamento realizada pelo membro do Ministério Público.

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Em se tratando de crimes perpetrados em detrimento da União, Estados e Municípios, a revisão

do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua

representação judicial, consoante disposto no § 2º. Devemos chamar a atenção para o fato de que o

dispositivo legal não restringe a atuação da procuradoria judicial a qualquer tipo de crime.

Ou seja, não se trata apenas de atuação quando prática de crimes contra a administração

pública. Poderia ser deflagrada a atuação da procuradoria quando, por exemplo, houvesse um crime

contra o patrimônio de qualquer dos entes federados nominados. A propósito, incompreensível a

omissão legislativa em relação às situações nas quais a vítima é o Distrito Federal.

“Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e

circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena

mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução

penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as

seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como

instrumentos, produto ou proveito do crime;

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena

mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da

execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);

IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848,

de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser

indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens

jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que

proporcional e compatível com a infração penal imputada.

§ 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão

consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.

§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:

I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos

da lei;

II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta

criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais

pretéritas;

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III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em

acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e

IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a

mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

§ 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro

do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.

§ 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o

juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu

defensor, e sua legalidade.

§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo

de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a

proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor.

§ 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao

Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal.

§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou

quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo.

§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da

necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia.

§ 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu

descumprimento.

§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o

Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento

de denúncia.

§ 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser

utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de

suspensão condicional do processo.

§ 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de

certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo.

§ 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a

extinção de punibilidade.

§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução

penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28

deste Código.”

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

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O art. 28-A foi acrescentado ao Código de Processo Penal pela Lei Anticrime (Lei n.

13.964/19), e trata do acordo de não persecução penal. Antes da modificação legislativa, este acordo

estava regulamentado pela Resolução n. 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público

(CNMP), que dispõe sobre a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal (PIC).

Em resumo, o acordo de não persecução penal é celebrado entre o Ministério Público e o

investigado, assistido por defensor, e a finalidade é evitar o oferecimento da ação penal. Trata-se,

portanto, de mais uma exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal de iniciativa pública – de

acordo com o qual, quando o MP possui a prova da materialidade e os indícios de autoria ou

participação, está obrigado a oferecer a denúncia – como já ocorre com a transação penal e o acordo de

colaboração premiada.

A grande polêmica que existia em derredor da Resolução n. 181/2017 do CNMP dizia respeito

à sua (in) constitucionalidade formal. De um modo geral, havia duas correntes de pensamento, em

doutrina, quais sejam:

a) Acordo era inconstitucional (1ª corrente): conforme esta primeira linha de pensamento, o

acordo encontrava-se eivado de inconstitucionalidade formnal, pois não poderia ser regulamentado por

uma Resolução, e sim por lei em sentido material e formal. Neste ponto, aa resolução n. 181/2017 do

CNMP constituiria violação ao art. 22, I, CF, que estabelece a competência privativa da União para

legislar sobre normas de direito e processo penal1.

É importante destacar que, ao tratar do acordo de não persecução penal, a Resolução do CNMP

instituía uma medida despenalizadora, mitigava a obrigatoriedade da ação penal de iniciativa pública,

contemplava que os investigados deveriam abrir mão de bens e direitos, previa a adoção de medidas de

cumprimento por parte do investigado que se assemelhavam a penas restritivas de direitos – embora

não tivessem natureza jurídica de sanção penal – enfim, imiscuía-se em uma série de temas que são

objeto de lei em sentido material e formal.

Ademais, a Constituição Federal, em seu art. 130-A, ao tratar do Conselho Nacional do

Ministério Público não lhe outorgou atribuição para ter ingerência na atividade-fim dos membros do

MP.

b) Acordo era constitucional (2ª corrente): uma segunda linha de pensamento sustentava a

constitucionalidade da Resolução n. 181/2017 do CNMP. O principal argumento residia no fato de que

o Supremo Tribunal Federal possui decisões reconhecendo o caráter normativo primário das

resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público

1 ARAÚJO, Fábio Roque; COSTA, Klaus Negri. Processo penal didático. Salvador: Juspodivm, 2018, p.146-147.

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(CNMP). Argumentava-se, ainda, que a Resolução não tratava de “processo penal” propriamente dito,

mas sim da fase pré-processual da persecução, e por isso não haveria afronta ao art. 22, I, CF.

A controvérsia entre as duas correntes de pensamento não chegou a ser apreciada pelo Supremo

Tribunal Federal. De todo modo, com o advento da Lei Anticrime e a regulamentação do acordo de

não persecução penal no art. 28-A do CPP, as controvérsias em derredor de uma suposta

inconstitucionalidade formal do acordo de não persecução penal caem por terra.

Por outras palavras, a partir da entrada em vigor da Lei Anticrime, o acordo de não persecução

penal está previsto em lei em sentido material e formal, razão pela qual não haveria que se falar na

inconstitucionalidade formal.

Ademais, foi negada a cautelar pleiteada pela CONAMP (Associação Nacional dos membros

do Ministério Público) na ADI n. 6.305, na qual pretendia, entre outras coisas, o reconhecimento da

inconstitucionalidade do acordo de não persecução penal, no que tange à parte atinente à homologação

judicial. Ou seja, pelo menos na análise monocrática do Ministro Relator, não há qualquer

inconstitucionalidade no acordo de não persecução penal.

2. MEDIDA DESPENALIZADORA

O acordo de não persecução penal é uma medida despenalizadora, isto é, objetiva solucionar o

caso penal sem a imposição de uma pena. Com efeito, presentes alguns requisitos, poderá ser

celebrado o acordo entre o Ministério Público e o investigado e seu defensor.

Por meio de tal acordo, o investigado se compromete a cumprir determinadas condições e o

Ministério Público abstém-se de processá-lo criminalmente. Cumpridas as condições, haverá a

extinção da punibilidade do então investigado sem que tenha havido processo criminal.

As condições estipuladas no acordo não possuem natureza de pena – se tivessem haveria

manifesta inconstitucionalidade, pois seria a imposição de uma sanção penal sem o devido processo

legal, previsto no art. 5º, LV, CF. Por esta razão, devemos reforçar que o acordo constitui uma medida

despenalizadora.

3. REQUISITOS

São requisitos para que ocorra o acordo de não persecução penal:

a) Que não seja caso de arquivamento: sempre que o membro do Ministério Público entender

que não é caso de oferecimento da denúncia, deverá promover o arquivamento da investigação

criminal. Por isto, a promoção de arquivamento pode estar lastreada em questões como a ausência de

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justa causa, a existência de umaa excludente de ilicitude ou de culpabilidade, uma causa de extinção da

punibilidade etc.

O acordo de não persecução penal não alcança estes casos. Ora, se não há razões para oferecer

a denúncia, cabe ao membro do Parquet promover o arquivamento da investigação, e não propor

acordo de não persecução penal.

b) Confissão do investigado: para que ocorra o acordo, imprescindível que o investigado tenha

confessado formal e circunstancialmente a prática da infração penal. Na confissão, o investigado

deverá estar acompanhado de seu advogado.

c) Infração penal sem violência ou grave ameaça: como se vê, não haverá que se falar em

acordo de não persecução penal nestes casos em que há maior reprovabilidade da conduta, ainda que o

crime estivesse no patamar de pena admitido para o acordo.

d) Infração penal com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos: para a definição de

possibilidade de celebração do acordo de não persecução, o critério é a pena mínima cominada em

abstrato para a infração penal. Neste cômputo, devem ser consideradas as causas de aumento ou de

diminuição de pena, eventualmente existentes.

Tendo em vista que o objetivo é identificar a pena mínima. O cálculo deve se dar da seguinte

forma: havendo causa de aumento de pena, deve-se computar a pena mínima do tipo penal e o mínimo

de aumento previsto. Ex.: crime com pena de 02 (dois) a 08 (oito) anos, e causa de aumento de pena de

1/3 (um terço) até a metade. Neste caso, para identificar a pena mínima, iríamos computar a pena de

dois anos (pena mínima do tipo), aumentada em um terço (aumento mínimo majorante), o que

totalizaria pena mínima de dois anos e oito meses.

Por outro lado, se houvesse uma causa de diminuição de pena, o cálculo deveria ser da seguinte

forma: computa-se a pena mínima do tipo acrescido do máximo de diminuição. Ex.: crime com pena

de três a seis anos, e causa de diminuição de um terço até a metade. Neste caso, a pena mínima seria de

um ano e seis meses (três anos de pena mínima menos metade – diminuição máxima).

e) Não ser cabível a transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais: na

hipótese de caber, no caso, a transação penal, não se poderá oferecer o acordo de não persecução penal.

Nos termos do art. 76 da Lei de Juizados Especiais (Lei n. 9.099/95), caberá transação penal

nas infrações penais de menor potencial ofensivo (contravenções penais e os crimes com pena máxima

até dois anos) desde que: a) não tenha sido o autor da infração condenado pela prática de crime, à pena

privativa de liberdade, por sentença definitiva; b) não ter sido o agente beneficiado com outra

transação penal nos últimos cinco anos; c) indiquem os antecedentes, a conduta social e a

personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção

da medida.

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f) Não ser o investigado reincidente: vale recordar que, conforme regra estampada no art. 63

do Código Penal, “verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar

em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. Por seu

turno, estabelece o art. 7º da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3.688/41): “verifica-se a

reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o

tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de

contravenção”.

Vale recordar, ainda, que não há que se falar em reincidência quando disser respeito a crimes

militares próprios ou crimes políticos. Ademais, já não haverá reincidência quando ultrapassado o

“período depurador”, lapso de tempo de cinco anos após o cumprimento ou extinção da pena.

O art. 28-A apenas faz alusão à proibição de acordo com investigados reincidentes. Não

restringiu a condenados com reincidência específica ou a qualquer modalidade de crime anterior.

Portanto, não caberia a proposta de acordo de não persecução ainda que o investigado seja reincidente

por um crime sem violência ou grave ameaça, por exemplo.

g) Não haver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada

ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas: ainda que o investigado não

seja reincidente, não caberá a proposta de acordo se restar demonstrada a habitualidade criminosa, isto

é, indícios de que o investigado já praticou muitos crimes, ainda que não exista condenação transitada

em julgado em nenhum deles.

A Lei, contudo, faz uma ressalva importante: mesmo que haja indícios de habitualidade

criminal, será possível o acordo de não persecução se as infrações anteriores forem bagatelares, isto é,

insignificantes. Seria o caso, por exemplo, de haver indícios de que o investigado praticou alguns

furtos de bagatela ou foi flagrado algumas vezes praticando descaminho com mercadorias de

montantes ínfimos.

h) Ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração,

em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo: a

celebração do acordo não persecução criminal não constitui condenação criminal – o que seria

inconstitucional, haja vista a ausência de processo desenvolvido em contraditório, com direito a ampla

defesa – e, por isso mesmo, não pode ficar registrado para fins de caracterização de reincidência ou de

antecedentes criminais.

Contudo, haverá registro da existência do acordo para fins de evitar a possibilidade novo

acordo por um período de cinco anos. Trata-se de restrição similar àquela existente para a transação,

em que se veda a obtenção da medida quando o investigado obteve transação anterior nos últimos

cinco anos. No caso do acordo de não persecução penal, contudo, a restrição é maior, porquanto

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proíbe-se a celebração do acordo quando o agente havia se beneficiado, nos últimos cinco anos, de

outro acordo de não persecução penal, mas também de transação penal ou suspensão condicional do

processo.

i) Não se tratar de crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou

praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor: não

haverá que se falar em acordo de não persecução penal quando se tratar de crimes praticados no âmbito

da violência doméstica ou familiar. Vale lembrar que a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06), aso

tratar da violência doméstica ou familiar contra a mulher, faz alusão a cinco modalidades de violência:

física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Também não haverá que se falar em acordo de não persecução quando da prática de crimes

praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (misoginia). Neste caso, não

importa se se trata de crime no âmbito doméstico ou familiar. Não se trata de crimes praticados

mediante violência ou grave ameaça – para estes, já havia a vedação ao acordo, contida no caput do

art. 28-A, CPP. Podemos citar uma agressão à honra da mulher vítima da misoginia, por exemplo. .

4. CONDIÇÕES

No acordo de não persecução penal, constarão as condições previstas no art. 28-A, CPP. Tais

condições podem estar previstas cumulativa ou alternativamente. São elas:

a) Reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo: uma

das grandes características deste modelo de justiça penal consensual – que tem no acordo de não

persecução penal uma das suas manifestações – é a tentativa de reparação do dano causado pela

infração penal.

A ressalva à impossibilidade de reparação/restituição deve ser aquilatada no caso concreto. Ou

seja, não abrange apenas as infrações penais nas quais a reparação é impossível em abstrato, mas

também aquelas nas quais existe impossibilidade fática concreta de reparação. É o exemplo do crime

que ensejou grande prejuízo patrimonial, e o investigado não possui condições financeiras de arcar

com tais despesas.

Ademais, importante recordar que, em alguns casos, a lei prevê que a reparação do dano ou

restituição da coisa extingue a punibilidade do criminoso. É o que ocorre, por exemplo, nos crimes

tributários e também no crime de peculato culposo.

Nestes casos, por evidente, não se haverá de falar na reparação como condição para o acordo de

não persecução penal. Ora, se o investigado tiver condições de reparar o dano ou restituir a coisa, ele o

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fará e isto ensejará a extinção da punibilidade. Logo, não faria sentido, para ele, submeter-se às

condições do acordo de não persecução penal.

b) Renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como

instrumentos, produto ou proveito do crime: instrumentos do crime são os objetos utilizados para a

sua prática, como, por exemplo, a arma de fogo no crime de roubo (art. 157, CP). Produto ou proveito

do crime é o que foi obtido com a prática criminosa.

c) Prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à

pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo

juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código

Penal): a prestação de serviços é uma das penas restritivas de direitos estabelecida no Código Penal.

No acordo de não persecução penal, esta pode ser uma medida aplicada ao investigado, ocorrendo uma

diminuição de um a dois terços em relação à pena mínima prevista no tipo penal.

Vale recordar que a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas deve ser

estabelecida na proporção de uma hora de trabalho para cada dia de pena privativa de liberdade.

Assim, se, por exemplo, a pena mínima era de 03 (três) anos, o Ministério Público pode propor no

acordo uma prestação de serviços à comunidade de um a dois anos (diminuição do patamar da pena

mínima de um a dois terços). Convertendo-se em horas, teríamos de 365 a 730 horas de prestação de

serviços à comunidade.

Não é demasiado reiterar que a medida a ser imposta no acordo de não persecução penal não

possui natureza de pena. Ou seja, aplica-se a prestação de serviços à comunidade (similar à pena

restritiva de direitos), mas não se trata de pena, propriamente dita.

d) Pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº

2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser

indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens

jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou: trata-se de mais uma

medida similar a uma pena restritiva de direitos que pode ser colocada como condição para o acordo de

não persecução penal.

Conforme previsão do art. 45, § 1o do Código Penal: “A prestação pecuniária consiste no

pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação

social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360

(trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual

condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários”.

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Assim como ocorre na condição consistente na prestação de serviços à comunidade ou a

entidades públicas, a indicação do local para cumprimento da medida fica a cargo do juízo da execução

penal.

e) Cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público,

desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada: trata-se de uma condição

inominada, porquanto o legislador não a especificou, dando margem de liberdade ao membro do

Ministério Público para, aquilatando as particularidades do caso concreto, propor determinada medida.

A restrição estabelecida na legislação diz respeito ao fato de que a condição deve ser

proporcional e compatível com a infração penal imputada. Celebrado o acordo, caberá ao julgador

analisar eventual excesso na medida adotada como condição.

5. HOMOLOGAÇÃO

O acordo de não persecução possui natureza formal. Por tal razão, deve ser concretizado por

escrito, e subscrito pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor. A

participação de defensor é imprescindível, sob pena de nulidade do acordo celebrado.

Após a celebração do acordo, deve ele ser encaminhado ao Judiciário, para submeter-se à

homologação judicial. Inovando em relação ao teor da Resolução n. 181/2017 do CNMP, que tratava

do acordo de não persecução penal, o art. 28-A passa a prever a existência de uma audiência, na qual o

juiz deverá analisar a voluntariedade da medida, promovendo a oitiva do investigado, na presença de

seu defensor.

Deste modo, a presença do defensor não apenas é imprescindível quando da celebração do

acordo, ainda no Ministério Público, mas também no momento posterior, quando da realização da

audiência em juízo. Caso o investigado não possua defensor, caberá a nomeação de defensor dativo,

preferencialmente a Defensoria Pública.

Na análise da voluntariedade da medida, cabe ao julgador não apenas aferir a (in) existência

dos vícios de vontade tais como erro, dolo e coação, mas também se o investigado possui integral

ciência dos termos do acordo que firmou. Além da análise em derredor da voluntariedade, caberá a

aferição da legalidade do acordo.

Por esta razão, se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições

dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja

reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor (art. 28-A, § 5º,

CPP). Por outro lado, recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a

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análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia (art. 28-

A, § 8º, CPP).

Temos, portanto, duas situações distintas. Na primeira, o juiz entende que as condições

estabelecidas no acordo são inadequadas, insuficientes ou abusivas. Neste caso, caberá a devolução

dos autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo. Situação distinta é

aquela na qual o julgador recusa a homologação. Neste caso, os autos são devolvidos ao Ministério

Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da

denúncia.

Nesta segunda situação, o juiz entende que o acordo de não persecução penal não é cabível. Ou

seja, não há problema com os termos do acordo, as condições firmadas. A questão é que o acordo foi

celebrado sem preenchimentos dos seus requisitos, isto é, em um caso para o qual a lei não previa a

existência do acordo (crime praticado mediante violência ou grave ameaça, por exemplo). Neste caso,

não caberá retificação do acordo, mas sim a sua recusa.

Outra hipótese de recusa à homologação é aquela na qual o juiz já devolveu os autos ao

Ministério Público para a reformulação da proposta e ela não foi realizada. Vale ressaltar que, em caso

de recusa à homologação do acordo de não persecução penal, caberá a interposição de recurso em

sentido estrito, nos termos do art. 581, inciso XXV do Código de Processo Penal, acrescentado pela

Lei Anticrime (Lei n. 13.964/19).

Se o juiz entender que estão presentes os requisitos e as condições estabelecidas atendem à

voluntariedade e legalidade, homologará o acordo de não persecução penal. A vítima deve ser intimada

da homologação do acordo de não persecução penal. Uma vez homologado o acordo, os autos serão

enviados ao juízo da execução penal, para, que acompanhará o cumprimento das condições.

6. DESCUMPRIMENTO

Havendo descumprimento das condições estabelecidas no acordo de não persecução penal, o

Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de

denúncia. A vítima também será intimada deste descumprimento.

Da mesma forma que houve a homologação judicial do acordo, o seu descumprimento também

dará ensejo à rescisão em juízo. Em que pese o cumprimento das medidas dever ser acompanhada pelo

juízo da execução, parece-nos evidente que a rescisão, decorrente de eventual descumprimento das

condições, deva ser realizado pelo juízo que homologou o acordo.

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O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser

utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão

condicional do processo.

7. CUMPRIMENTO

Por outro lado, cumpridas todas as condições estabelecidas no acordo de não persecução penal,

caberá ao juízo competente declarar a extinção da punibilidade do agente.

Vale reiterar que o acordo e as suas respectivas condições, não possuem natureza de pena e, por

esta razão, não se registrará informações sobre o acordo para fins de caracterização de reincidência ou

de antecedentes criminais. Por outro lado, será registrado para evitar que o agente se beneficie de outro

acordo durante o prazo de cinco anos.

8. PRESCRIÇÃO

Importante consignar que, por força do art. 116, IV do Código Penal, incluído pela Lei

Anticrime (Lei n. 13.964/19), não corre a prescrição enquanto não cumprido ou não rescindido o

acordo de não persecução penal.

9. RECUSA EM PROPOR O ACORDO

Conforme previsão do art. 28-A, § 14, CPP: “No caso de recusa, por parte do Ministério

Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos

autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código”. .

Deste modo, se o investigado, devidamente acompanhado de seu defensor, entender que estão

presentes os requisitos para celebrarem o acordo de não persecução penal, e o membro do Ministério

Público divergir, recusando-se a oferecer, poderá o investigado provocar a atuação do órgão de revisão

ministerial (o Procurador Geral de Justiça, no âmbito do Ministério Público Estadual, ou a Câmara de

Coordenação e Revisão Criminal do Ministério Público Federal).

Importante recordar que, no julgamento da medida cautelar na ADI n. 6.305, o Ministro Relator

Luiz Fux suspendeu a implantação da nova redação do art. 28, CPP, que permitia este trâmite direto

das investigações criminais entre o membro do Ministério Público e os respectivos órgãos de revisão.

Tendo em vista que o art. 28-A, § 14, CPP remete ao art. 28, CPP, a referência passa a ser à redação

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antiga do dispositivo, que determinava a submissão das promoções de arquivamento ao juiz, que

deveria submeter ao órgão de revisão.

10. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL E PROCESSOS EM ANDAMENTO

Seria possível a aplicação do acordo de não persecução penal aos processos em andamento

quando da entrada em vigor da Lei Anticrime, que incluiu o art. 28-A no Código de Processo Penal.

Sobre o tema, há três correntes de pensamento.

a) Acordo é possível se ainda não houve oferecimento da denúncia: para esta primeira

corrente de pensamento, não há que se falar em acordo de não persecução penal após o oferecimento

da denúncia por parte do Ministério Público. Como o objetivo do acordo é mitigar o princípio da

obrigatoriedade da ação penal de iniciativa pública, não faria sentido possibilitar o acordo depois que a

peça inicial acusatória já foi oferecida.

b) Acordo é possível se ainda não houve o recebimento da denúncia: para esta segunda

corrente de pensamento, o parâmetro não é o oferecimento da denúncia, por parte do Ministério

Público, mas sim o seu recebimento, por parte do julgador.

c) Acordo é possível até o trânsito em julgado da sentença: para esta terceira corrente de

pensamento, é possível o acordo de não persecução penal mesmo para processos em andamento. O

objetivo do acordo seria reduzir o número de processos criminais que podem ser solucionados sem ele,

e não seria razoável que ele não pudesse se aplicar a processos já iniciados.

Ainda não há manifestação da nossa jurisprudência a respeito do tema.

“Art. 122. Sem prejuízo do disposto no art. 120, as coisas apreendidas serão alienadas nos termos

do disposto no art. 133 deste Código.

Parágrafo único. (Revogado).” (NR)

COMENTÁRIOS

Antes da entrada em vigor da Lei Anticrime, o art. 122, CPP possuía a seguinte redação:

“Art. 122. Sem prejuízo do disposto nos arts. 120 e 133, decorrido o prazo de 90 dias, após

transitar em julgado a sentença condenatória, o juiz decretará, se for caso, a perda, em favor da

União, das coisas apreendidas (art. 74, II, a e b do Código Penal) e ordenará que sejam vendidas em

leilão público. Parágrafo único. Do dinheiro apurado será recolhido ao Tesouro Nacional o que não couber ao

lesado ou a terceiro de boa-fé”.

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A alusão ao art. 120, CPP diz respeito à possibilidade de ocorrer, durante a investigação ou o

processo, a restituição das coisas apreendidas. Não ocorrendo a restituição do objeto apreendido (art.

120, CPP) ou o levantamento do sequestro (art. 131, CPP), os bens, com o trânsito em julgado da

sentença condenatória (efeito automático), serão levados a leilão, e o valor apurado será destinado aos

cofres públicos (mais particularmente ao Fundo Penitenciário Nacional, exceto se houver previsão

diversa em lei especial, conforme previsão do art. 133, §2º, CPP), ressalvado o direito do lesado e do

terceiro de boa-fé.

Conforme se pode perceber, o art. 122, CPP trata da questão atinente aos efeitos extrapenais da

condenação penal. À luz do art. 91, II, do CP, as coisas confiscadas, isto é, perdidas em favor da União

são:

a) Os instrumentos do crime cuja fabricação, uso, porte, alienação ou detenção constitua fato

ilícito.

b) O produto do crime (aquilo que foi conseguido com a atividade ilícita) e o proveito do

crime (especialização do produto). O primeiro é constringido por meio da busca e apreensão, ao passo

que o segundo se submete a sequestro.

Ainda conforme o art. 91-A, CP, incluído pela Lei Anticrime: “Na hipótese de condenação por

infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada

a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do

patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito”.

“Art. 124-A. Na hipótese de decretação de perdimento de obras de arte ou de outros bens de

relevante valor cultural ou artístico, se o crime não tiver vítima determinada, poderá haver

destinação dos bens a museus públicos.”

COMENTÁRIOS

A Lei Anticrime acrescentou ao Código de Processo Penal este dispositivo. Trata-se de exceção

à regra de acordo com a qual os bens deveriam ser levados a leilão e os valores oriundos da alienação

destinados aos cofres públicos. Como se vê, em se tratando de obras de arte ou de outros bens de

relevante valor cultural ou artístico, não haverá o encaminhamento dos bens a leilão, mas sim a

destinação a museus públicos.

Importante atentar para a ressalva contida no dispositivo, no sentido de que isto somente

ocorrerá se o crime não tiver vítima determinada. Por óbvio se ocorrer de, por exemplo, os bens terem

sido furtados de alguém, deverão ser restituídos à vítima.

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“Art. 133. Transitada em julgado a sentença condenatória, o juiz, de ofício ou a requerimento do

interessado ou do Ministério Público, determinará a avaliação e a venda dos bens em leilão

público cujo perdimento tenha sido decretado.

§ 1º Do dinheiro apurado, será recolhido aos cofres públicos o que não couber ao lesado ou a

terceiro de boa-fé.

§ 2º O valor apurado deverá ser recolhido ao Fundo Penitenciário Nacional, exceto se houver

previsão diversa em lei especial.” (NR)

COMENTÁRIOS

A destinação dos bens sequestrados seguirá o seu curso natural após o trânsito em julgado da

sentença condenatória. Para conversão em moeda corrente, serão avaliados e leiloados, para que se

consiga o melhor valor, por determinação do juiz criminal sentenciante.

O resultado da apuração servirá para indenização do ofendido ou do terceiro de boa-fé, e o

remanescente será confiscado (art. 91, II, b, CP), sendo destinado aos cofres públicos. Antes da

alteração promovida no art. 133, CPP pela Lei Anticrime, o dispositivo determinava que a destinação

dos referidos valores fosse feita ao Tesouro Nacional.

Com a alteração legislativa, resta evidenciado que a destinação se dá ao Fundo Penitenciário

Nacional. Trata-se de destinação específica, pois o fundo possui por finalidade o aparelhamento do

sistema carcerário. O artigo ainda faz a ressalva das hipóteses nas quais existe lei específica conferindo

destinação diversa aos valores. É o caso, por exemplo, da Lei de Drogas (Lei n. 11.343/06), que

determina que a destinação dos valores deve se dar ao FUNAD (Fundo Nacional Antidrogas).

“Art. 133-A. O juiz poderá autorizar, constatado o interesse público, a utilização de bem

sequestrado, apreendido ou sujeito a qualquer medida assecuratória pelos órgãos de segurança

pública previstos no art. 144 da Constituição Federal, do sistema prisional, do sistema

socioeducativo, da Força Nacional de Segurança Pública e do Instituto Geral de Perícia, para o

desempenho de suas atividades.

§ 1º O órgão de segurança pública participante das ações de investigação ou repressão da

infração penal que ensejou a constrição do bem terá prioridade na sua utilização.

§ 2º Fora das hipóteses anteriores, demonstrado o interesse público, o juiz poderá autorizar o

uso do bem pelos demais órgãos públicos.

§ 3º Se o bem a que se refere o caput deste artigo for veículo, embarcação ou aeronave, o juiz

ordenará à autoridade de trânsito ou ao órgão de registro e controle a expedição de certificado

provisório de registro e licenciamento em favor do órgão público beneficiário, o qual estará

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isento do pagamento de multas, encargos e tributos anteriores à disponibilização do bem para a

sua utilização, que deverão ser cobrados de seu responsável.

§ 4º Transitada em julgado a sentença penal condenatória com a decretação de perdimento dos

bens, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa-fé, o juiz poderá determinar a

transferência definitiva da propriedade ao órgão público beneficiário ao qual foi custodiado o

bem.”

COMENTÁRIOS

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O art. 133-a do Código de Processo Penal foi acrescentado pela Lei Anticrime (Lei n. 13.964/19), e

passa a prever a possibilidade de se utilizar o bem sequestrado, apreendido ou sujeito a outra medida

assecuratória. Já existia previsão similar em algumas poucas hipóteses da legislação penal especial.

Assim, por exemplo, a redação original do art. 61 da Lei de Drogas (Lei n. 11.343/06) permitia

a utilização temporária dos bens apreendidos pelos órgãos e entidades que atuam na prevenção do uso

indevido, na atenção e reinserção social do uso indevido de drogas e na repressão à produção não

autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, exclusivamente no interesse dessas atividades. A referida

utilização dependia de autorização judicial, ouvido o Ministério Público. Posteriormente, com o

advento da Lei n. 13.840/2019, a redação do dispositivo foi alterada, para prever a alienação

antecipada dos bens apreendidos.

2. MEDIDAS ASSECURATÓRIAS

O art. 133, CPP prevê a possibilidade de decretação das medidas assecuratórias.

Medidas assecuratórias consistem em cautelares reais, isto é, medidas que objetivam tornar útil

o proveito econômico da vítima, evitando que o investigado ou acusado venha a dilapidar o patrimônio

que deverá servir como instrumento para pagamento da indenização, em caso de condenação.

Ademais, estas medidas evitam que o réu se beneficie do patrimônio de origem ilícita.

Medidas assecuratórias são o sequestro, o arresto e a hipoteca legal.

I - Sequestro

a) Cabimento: Caberá o sequestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os

proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro. Poderá ser determinado pelo

juiz de ofício, a requerimento do MP, do ofendido ou por meio de representação da autoridade

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policial. O sequestro pode ser determinado no bojo da investigação ou do processo e, uma vez

decretado, o juiz ordenará sua inscrição no Registro de Imóveis.

O sequestro cessa se a ação penal não for ajuizada no prazo de 60 (sessenta) dias, se o terceiro

prestar caução ou se houver sentença absolutória ou extintiva da punibilidade.

b) Embargos: é facultado ao acusado ou a terceiros interessados ajuizar embargos contra a

medida. Estes embargos constituem ação autônoma. No caso do acusado, pretende demonstrar a

origem lícita dos bens; no caso dos embargos ajuizados por terceiros, pretende demonstrar que os

bens foram adquiridos de boa-fé. Não poderá ser pronunciada decisão nesses embargos antes de

transitar em julgado a sentença penal condenatória.

c) Recurso: da decisão que concede ou nega o pedido de sequestro cabe apelação.

d) Destinação: os bens sequestrados serão levados a leilão. Do dinheiro apurado, será

recolhido ao Tesouro Nacional o que não couber ao lesado ou a terceiro de boa-fé.

II - Hipoteca legal

a) Cabimento: a hipoteca legal recai sobre bens imóveis de origem lícita. Só pode ser

decretada durante o processo, vedando-se, portanto, sua decretação no curso da investigação

criminal. Se o réu oferecer caução suficiente, em dinheiro ou em títulos de dívida pública, pelo valor

de sua cotação em Bolsa, o juiz poderá deixar de mandar proceder à inscrição da hipoteca legal.

Relevante ressaltar, ainda, que, ao fim do processo criminal, os autos da hipoteca legal serão

remetidos ao juízo cível.

b) Recurso: da decisão que concede ou nega a inscrição da hipoteca legal cabe apelação.

c) Levantamento: ocorrerá se o réu for absolvido ou for julgada extinta a sua punibilidade.

III - Arresto

a) Cabimento: nos termos do art. 137, CPP: “Se o responsável não possuir bens imóveis ou

os possuir de valor insuficiente, poderão ser arrestados bens móveis suscetíveis de penhora, nos

termos em que é facultada a hipoteca legal dos imóveis.” Admite-se, ainda, o arresto de bens

imóveis que, posteriormente, serão submetidos à hipoteca legal. Neste caso, o requerimento da

hipoteca legal deve ser formulado no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de revogação do arresto.

Tal qual ocorre com a hipoteca legal, os autos do arresto também devem ser encaminhados ao juízo

cível.

b) Recurso: a decisão relativa ao arresto é irrecorrível, razão pela qual se admite a

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impetração do mandado de segurança.

c) Levantamento: ocorrerá se o réu for absolvido ou for declarada a extinta a punibilidade.

3. REQUISITOS PARA A UTILIZAÇÃO DO BEM

Conforme se depreende da redação do art. 133-A, CPP, para que seja possibilitada a utilização do

bem apreendido, imprescindível que estejam presentes os seguintes requisitos:

a) Autorização judicial: a definição acerca da utilização do bem não fica a critério dos órgãos de

segurança pública, mas sim da autoridade judicial que estiver atuando no feito.

b) Existência do interesse público: é o que pode ocorrer quando, por exemplo, permite-se à

polícia judiciária utilizar um veículo automotor apreendido, uma vez constatando a carência de

automóveis para o bom desempenho das atividades policiais. Por evidente, a definição da existência do

interesse público ficará a cargo do juiz, em decisão devidamente motivada.

c) Que bem tenha sido sequestrado, apreendido ou sujeito a outra medida assecuratória: a

utilização dos bens recai sobre o patrimônio constrito por uma das medidas assecuratórias.

4. DESTINATÁRIOS DA UTILIZAÇÃO DOS BENS

A decisão judicial que autoriza a utilização dos bens constritos para atender ao interesse público,

deve adotar como destinatários da medida:

a) Polícia federal;

b) Polícia Rodoviária Federal;

c) Polícia Ferroviária Federal;

d) Polícias Civis;

e) Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.

f) Polícias Penais federal, estaduais e distrital.

g) Órgãos do sistema prisional;

h) Órgãos do sistema socioeducativo;

i) Força Nacional de Segurança Pública;

j) Instituto Geral de Perícia

Curioso o legislador aludir aos órgãos do sistema prisional, pois, de um modo geral, tais órgãos

foram transformados em policiais penais pela Emenda Constitucional n. 104/2019, e sua previsão já

consta do catálogo do art. 144, CF, citado no próprio caput do art. 133-A, CPP, em comento.

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O órgão de segurança pública participante das ações de investigação ou repressão da infração

penal que ensejou a constrição do bem terá prioridade – e não exclusividade – na sua utilização. Deste

modo, pode acontecer de, por exemplo, a Polícia Civil ter atuado nas diligências e o bem ser destinado

à utilização da Polícia Militar. Sem dúvida, neste caso, a Polícia Civil terá prioridade na destinação.

4.1. Destinação subsidiária

Conforme previsão do § 2º, “demonstrado o interesse público, o juiz poderá autorizar o uso do

bem pelos demais órgãos públicos”. Por outras palavras, é possível que os bens sejam destinados à

utilização de outros órgãos públicos, que não aqueles enumerados no tópico anterior.

5. CERTIFICADO PROVISÓRIO E TRANSFERÊNCIA DEFINITIVA

Se o bem destinado à utilização pelo órgão público for veículo, embarcação ou aeronave, o juiz

ordenará à autoridade de trânsito ou ao órgão de registro e controle a expedição de certificado

provisório de registro e licenciamento em favor do órgão público beneficiário. Não há, destarte,

margem de discricionariedade por parte da autoridade administrativa, neste caso.

Ainda consoante a literalidade legislativa, nestes casos, os veículos estarão isentos do pagamento

de multas, encargos e tributos anteriores à disponibilização do bem para a sua utilização, que deverão

ser cobrados de seu responsável.

Após o trânsito em julgado da condenação, havendo a decretação do perdimento de bens em favor

do poder público – isto é, não se tratando de hipótese de restituição ou ressarcimento a lesado ou

terceiro de boa-fé – o juiz poderá determinar a transferência definitiva da propriedade ao órgão público

beneficiário ao qual foi custodiado o bem.

“Art. 157. ....

................................................................................................

......................................................................................................................

§ 5º O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a

sentença ou acórdão.” (NR)

COMENTÁRIOS

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A Lei Anticrime acrescentou ao art. 157 do CPP o § 5º, determinando que o magistrado que teve

contato com a prova declarada inadmissível está impedido de proferir sentença ou acórdão. Trata-se da

teoria da contaminação do entendimento, de acordo com a qual o julgador que teve contato com a

prova ilícita perde a imparcialidade para o julgamento do feito.

Vale recordar que a imparcialidade processual corresponde ao distanciamento do julgador em

relação aos fatos. Com isto, o julgador irá se aproximar dos fatos a partir das provas produzidas em

contraditório, cujo objetivo é a reconstrução cognitiva da situação descrita na peça acusatória.

Quando o julgador tem contato com a prova ilícita, ele passa a ter contato com os fatos por meio

de procedimento inadmissível, o que ocasiona uma aproximação que afronta a imparcialidade. A

adoção da teoria da contaminação do entendimento parte do pressuposto de que o juiz que possui

contato com a prova ilícita fica psicologicamente vinculado aos fatos por ela demonstrado, não sendo

razoável esperar do julgador que abstraia totalmente as informações e se distancie novamente dos

fatos.

A teoria da contaminação do entendimento já se encontrava no projeto de lei que deu origem à

Lei n. 11.690/08, que alterou profundamente o art. 157 do CPP, que trata das provas ilícitas. A referida

teoria estaria contemplada no § 4º do mencionado art. 157. Ocorre que houve o veto presidencial a tal

dispositivo. Com a Lei Anticrime, resgata-se a teoria da contaminação do entendimento, que agora se

encontra no § 5º do mesmo artigo.

Todavia, no julgamento da medida cautelar na ADI ´s 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, o Ministro

Luiz Fux suspendeu a eficácia do mencionado § 5º. Portanto, até que haja nova deliberação do

Supremo Tribunal Federal sobre o tema, a teoria da contaminação do entendimento ainda não está em

vigor.

Sustentamos a ideia de acordo com a qual nada impede que o juiz venha a declarar-se ex officio

incompatibilizado (suspeição de foro íntimo, mediante aplicação analógica do art. 145, § 1º, do CPC ),

remetendo os autos ao seu substituto legal.

“‘CAPÍTULO II

DO EXAME DE CORPO DE DELITO, DA CADEIA DE

CUSTÓDIA E DAS PERÍCIAS EM GERAL’

......................................................................................................................

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‘Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados

para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de

crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

§ 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com

procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio.

§ 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção

da prova pericial fica responsável por sua preservação.

§ 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se

relaciona à infração penal.’

COMENTÁRIOS

Parece não haver dúvidas de que o tema “provas” é um dos pilares fundantes de todo o

processo penal. A prova objetiva a reconstrução cognitiva dos fatos ocorridos, porquanto pretende

tornar conhecido, por quem desconhece, o que ocorreu. Além de tal função cognitiva, intelectual,

possui a primordial função persuasiva, na medida em que se destina ao convencimento do julgador.

Por tal razão, extremamente importante a preservação das fontes que deram origem às provas

produzidas, mormente quando se trata de provas produzidas fora do processo, como a coleta de

amostra de DNA e a interceptação telefônica realizada durante a investigação2.

Em sede doutrinária, já se sustentava a necessidade de preservação da cadeia de custódia das

provas. A Lei Anticrime inova, em sede legislativa, ao acrescentar os artigos 158-A ao 158-F, tratando

da cadeia de custódia, que foi definida como o “conjunto de todos os procedimentos utilizados para

manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes,

para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”.

Indubitavelmente, o tratamento legislativo do tema atinente à cadeia de custódia constitui

evolução digna de encômios, sobretudo por consubstanciar evolução e aprimoramento no nosso

sistema processual, ao criar procedimentos de controle dos elementos colhidos na investigação

criminal. Estes procedimentos contribuem não apenas para conferir maior segurança e credibilidade às

provas a serem empregadas na formação do convencimento do julgador, mas também diminui a

margem para eventuais desvios e abusos na coleta dos vestígios.

O objetivo da preservação de todos os elementos que constituem a cadeia de custódia é a

manutenção da legalidade de todo o conjunto probatório, porquanto eventuais vícios ocorridos no

procedimento de coleta de provas podem ocasionar o reconhecimento de sua ilegalidade.

2 LOPES Jr., Aury; ROSA, Alexandre Morais da. A importância da cadeia de custódia para preservar a prova penal. Disponível: https://www.conjur.com.br/2015-jan-16/limite-penal-importancia-cadeia-custodia-prova-penal

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Com efeito, os fins não justificam os meios. A submissão dos elementos probatórios à

legalidade compreende não apenas o resultado produzido, mas todo o procedimento que conduziu a tal

produção. E, de fato, a quebra da cadeia de custódia pode ocasionar o reconhecimento da ilegalidade

da prova, com todos os seus consectários, contidos no art. 157, CPP.

É imprescindível adotar a preservação dos elementos que integram a cadeia de custódia. Esta

preservação observa alguns procedimentos, entendidos como conjunto encadeado de atos. Tais

procedimentos manter e documentar a história da coleta dos vestígios, seja no local do crime, seja em

vítimas.

Isto ganha muita importância quando pensamos, por exemplo, na coleta de material genético

que, posteriormente, poderá ser confrontando com o DNA de suspeitos. É imprescindível manter e

preservar a cronologia da coleta dos vestígios. Saber o que foi coletado, quando, como, onde etc. Esta

preservação deve ser mantida até que o vestígio já não tenha serventia e possa ser descartado – por

exemplo, quando já esta descartada a autoria, quando já utilizado como elemento de prova, quando

findo o processo criminal etc.

Vestígio, conforme definição trazida pelo art. 158-A, § 3º, CPP, é todo objeto ou material

bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal. De um modo geral,

a definição é abrangente, e engloba as coisas que podem ser encontradas no local do crime ou nas

vítimas.

O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da

prova pericial fica responsável por sua preservação (§ 2º). O agente público referido no dispositivo

está relacionado à atuação da investigação criminal. Neste ponto, importante recordar que cabe à

autoridade policial, entre outras coisas, “dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o

estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais” e “apreender os objetos que

tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais” (art. 6º., I e II, CPP).

‘Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas:

I - reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção

da prova pericial;

II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o

ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime;

III - fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo

de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou

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croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável

pelo atendimento;

IV - coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas

características e natureza;

V - acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de

forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para

posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o

acondicionamento;

VI - transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições

adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção

de suas características originais, bem como o controle de sua posse;

VII - recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado

com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia

judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de

rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem

o recebeu;

VIII - processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a

metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o

resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito;

IX - armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a

ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com

vinculação ao número do laudo correspondente;

X - descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e,

quando pertinente, mediante autorização judicial.’

COMENTÁRIOS

O cuidado com a preservação da cadeia de custódia da prova conduziu o legislador a

estabelecer as etapas de rastreamento dos vestígios. O art. 158-B, CPP não apenas enumera as etapas,

mas também as define, apresentando de forma minuciosa os procedimentos a serem observados pelos

agentes públicos quando da preservação dos vestígios que podem servir de elemento de convicção na

instrução processual.

‘Art. 158-C. A coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, que

dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for necessária a

realização de exames complementares.

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§ 1º Todos vestígios coletados no decurso do inquérito ou processo devem ser tratados como

descrito nesta Lei, ficando órgão central de perícia oficial de natureza criminal responsável por

detalhar a forma do seu cumprimento.

§ 2º É proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de

locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude

processual a sua realização.’

COMENTÁRIOS

A ideia central do dispositivo é evitar uma fraude processual, que possa contaminar os vestígios

a serem coletados para a instrução. Fraude processual é um crime contra a administração da justiça,

previsto no art. 347 do Código Penal, nos seguintes termos: “Inovar artificiosamente, na pendência de

processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro

o juiz ou o perito”. Para esta conduta, o Código comina pena de “detenção, de três meses a dois anos, e

multa”.

Como dito, é justamente para evitar – ou, ao menos, diminuir consideravelmente a

possibilidade de – fraude processual que o dispositivo legal em apreço proíbe a entrada em locais

isolados e determina a adoção de algumas medidas por parte do perito. Ademais, ainda determina o

enquadramento no crime de fraude processual na conduta consistente na “remoção de quaisquer

vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável“.

‘Art. 158-D. O recipiente para acondicionamento do vestígio será determinado pela natureza do

material.

§ 1º Todos os recipientes deverão ser selados com lacres, com numeração individualizada, de

forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte.

§ 2º O recipiente deverá individualizar o vestígio, preservar suas características, impedir

contaminação e vazamento, ter grau de resistência adequado e espaço para registro de

informações sobre seu conteúdo.

§ 3º O recipiente só poderá ser aberto pelo perito que vai proceder à análise e, motivadamente,

por pessoa autorizada.

§ 4º Após cada rompimento de lacre, deve se fazer constar na ficha de acompanhamento de

vestígio o nome e a matrícula do responsável, a data, o local, a finalidade, bem como as

informações referentes ao novo lacre utilizado.

§ 5º O lacre rompido deverá ser acondicionado no interior do novo recipiente.’

COMENTÁRIOS

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A preocupação do legislador, quando da elaboração da Lei Anticrime, com a preservação da

cadeia da prova foi de tal monta que o texto legislativo desce a minúcias em relação ao procedimento a

ser realizado. Neste diapasão, o art. 158-D, CPP descreve com riqueza de detalhes o procedimento a

ser observado pelos agentes públicos para o acondicionamento de vestígios. Não será demasiado

observar que a violação às regras contidas no dispositivo legal poderá dar ensejo à quebra da cadeia de

custódia, comprometendo a validade da prova.

‘Art. 158-E. Todos os Institutos de Criminalística deverão ter uma central de custódia destinada

à guarda e controle dos vestígios, e sua gestão deve ser vinculada diretamente ao órgão central

de perícia oficial de natureza criminal.

§ 1º Toda central de custódia deve possuir os serviços de protocolo, com local para conferência,

recepção, devolução de materiais e documentos, possibilitando a seleção, a classificação e a

distribuição de materiais, devendo ser um espaço seguro e apresentar condições ambientais que

não interfiram nas características do vestígio.

§ 2º Na central de custódia, a entrada e a saída de vestígio deverão ser protocoladas,

consignando-se informações sobre a ocorrência no inquérito que a eles se relacionam.

§ 3º Todas as pessoas que tiverem acesso ao vestígio armazenado deverão ser identificadas e

deverão ser registradas a data e a hora do acesso.

§ 4º Por ocasião da tramitação do vestígio armazenado, todas as ações deverão ser registradas,

consignando-se a identificação do responsável pela tramitação, a destinação, a data e horário da

ação.’

‘Art. 158-F. Após a realização da perícia, o material deverá ser devolvido à central de custódia,

devendo nela permanecer.

Parágrafo único. Caso a central de custódia não possua espaço ou condições de armazenar

determinado material, deverá a autoridade policial ou judiciária determinar as condições de

depósito do referido material em local diverso, mediante requerimento do diretor do órgão

central de perícia oficial de natureza criminal.’

........................................................................................................

COMENTÁRIOS

A Lei determina a criação de uma central de custódia em todos os institutos de criminalística.

Além disto, determina uma série de procedimentos que devem ser observados e regras de estruturação

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de tais centrais – como, por exemplo, a vinculação direta ao órgão central de perícia oficial. O

estabelecimento rigoroso de regas minuciosas mais uma vez se faz presente, robustecendo a ideia de

que houve uma acentuada preocupação do legislador com a preservação da cadeia de custódia.

“Art. 282. .................................................................................................

..................................................................................................................

§ 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no

curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante

requerimento do Ministério Público.

§ 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o

pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, para se manifestar no

prazo de 5 (cinco) dias, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias,

permanecendo os autos em juízo, e os casos de urgência ou de perigo deverão ser justificados e

fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que justifiquem essa

medida excepcional.

§ 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, mediante

requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a

medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos

termos do parágrafo único do art. 312 deste Código.

§ 5º O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a medida cautelar ou substituí-la

quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se

sobrevierem razões que a justifiquem.

§ 6º A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição

por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição

por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos

presentes do caso concreto, de forma individualizada.” (NR)

COMENTÁRIOS

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O art. 282 do Código de Processo Penal trata da aplicação das medidas cautelares pessoais. No

processo penal, medidas cautelares são aquelas destinadas a resguardar o resultado útil da investigação

ou do processo. Podemos dividi-las em cautelares reais (patrimoniais ou civis), relativas à prova

(probatórias) e pessoais.

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Cautelares reais recaem sobre coisas e destinam-se a resguardar o resultado útil da investigação

criminal ou da instrução processual penal relativamente à reparação do dano ou ao perdimento das

coisas. Trata-se das medidas assecuratórias (sequestro, arresto e hipoteca legal) previstas entre os

artigos 125 e 144 do presente Código.

Cautelares relativas à prova correspondem à medida de busca e apreensão e à produção

antecipada de prova, mormente para evitar o perecimento de direito, como previsto no artigo 366 do

CPP.

Cautelares pessoais, como o nome está a indicar, recaem sobre pessoas, impondo alguma

restrição a direitos do cidadão, objetivando, como não poderia deixar de ser, assegurar a utilidade da

investigação criminal ou da instrução processual penal. A Lei n. 12.403/2011 diz respeito, justamente,

à criação de novas cautelares pessoais. Até então, as cautelares pessoais adstringiam-se às prisões

cautelares e à liberdade provisória. A Lei nº 12.403/2011 encerra este paradigma de bipolaridade das

cautelares pessoais.

Percebemos com isto que, até o advento da Lei nº 12.403/20011, havia uma utilização

extremamente tímida de medidas cautelares no processo penal brasileiro. No mais das vezes, ao

julgador competia a decisão entre a prisão cautelar e a liberdade provisória (com ou sem fiança). As

medidas cautelares não privativas de liberdade existentes no processo penal, até então, circunscreviam-

se ao restrito rol de cautelares reais (sequestro, busca e apreensão etc.).

É certo que a jurisprudência já vinha consagrando a possibilidade de o magistrado adotar

medidas cautelares pessoais, não previstas em lei, valendo-se do poder geral de cautela, similar ao

processo civil. A despeito da crítica de setores da doutrina a este tipo de expediente, práticas como a

apreensão de passaporte encontravam-se consagradas na praxe forense.

A reforma do CPP, introduzida pela Lei n. 12.403/20011, inova de forma bastante positiva a

nossa legislação, estipulando, expressamente, a possibilidade de cominação de medidas cautelares não

constritivas da liberdade, como forma de evitar a prisão preventiva, tornando-a residual (art. 283, § 1º,

CPP, infra).

As medidas cautelares inseridas no CPP em 2011 estão previstas no artigo 319. São elas:

a) comparecimento periódico em juízo;

b) proibição de acesso ou frequência a determinados lugares;

c) proibição de manter contato com pessoa determinada;

d) proibição de ausentar-se da Comarca;

e) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga;

f) suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou

financeira;

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g) internação provisória do acusado (para inimputáveis e semi-imputáveis);

h) fiança.

i) monitoração eletrônica.

2. ALTERAÇÕES DA LEI ANTICRIME

A Lei Anticrime promove algumas alterações na dinâmica de aplicação das medidas cautelares

pessoais contempladas no art. 282, CPP. São as seguintes:

2.1. Proibição de decretação das cautelares pessoas de ofício

A possibilidade de o juiz decretar as cautelares pessoais de ofício estava expressa no § 2º do art.

282, CPP, quando se tratasse de fase processual. Era vedado ao juiz decretar a cautelar de ofício

apenas durante a fase de investigação criminal. Com a nova redação, dada pela Lei Anticrime, as

cautelares pessoais passam a ser decretadas pelo juiz nos seguintes casos:

a) Durante a investigação criminal: mediante requerimento do Ministério Público ou

representação da autoridade policial.

b) Durante o processo: mediante requerimento das partes.

Como se vê, já não é possível a decretação de ofício da medida cautelar pessoal, em qualquer

das fases da persecução criminal.

Até mesmo na hipótese de ocorrer descumprimento da medida cautelar por parte do investigado

ou réu, o juiz não poderá, de ofício, substituir a cautelar, aplicar outra em cumulação ou decretar a

preventiva. Esta possibilidade estava contida no art. 282, § 4º, CPP, e também teve sua redação

alterada pela Lei Anticrime. Desde então, a adoção de tais medidas também exclusivamente de

requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante.

Vale destacar, contudo, que cabe ao juiz, de ofício ou a pedido das partes revogar a medida

cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a

decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. Ou seja, o juiz não toma a iniciativa da decretação

da medida, mas não fica na dependência da manifestação de vontade das partes para revogá-la ou

substituí-la, desde que, evidentemente, verifique a falta de motivo para que subsista. Percebendo o

retorno dos motivos que a justifiquem, o juiz poderá voltar a decretá-la, no que se excepciona a sua

impossibilidade de decretação de ofício, da medida.

2.2. Excepcionalidade da decretação da medida sem intimação da parte contrária

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Desde o advento da Lei n. 12.403/11, o art. 282, § 3º, CPP já previa que seria excepcional a

decretação de alguma medida cautelar pessoal sem intimação da parte contrária. Com a Lei Anticrime,

a excepcionalidade desta medida é reforçada, pois com a alteração promovida no § 3º do art. 282, CPP,

passamos a ter:

a) Prazo de cinco dias para a parte contrária se manifestar: na redação anterior, já havia a

previsão de a parte contrária ser intimada para se manifestar, mas não se contemplava expressamente o

prazo para tanto.

b) decisão fundamentada que justifique a urgência: mesmo antes da Lei Anticrime, já se

exigia que a adoção da medida cautelar sem prévia oitiva da parte contrária ocorresse de modo

excepcional, em casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida. Com a Lei Anticrime, foi

alterada a redação do § 3º do art. 282, para que reste evidenciado que “os casos de urgência ou de

perigo deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto

que justifiquem essa medida excepcional”.

Por outras palavras, não basta invocar a ideia de urgência ou perigo de ineficácia da medida. É

imprescindível demonstrar, concreta e fundamentadamente, que tais requisitos se fazem presentes.

2.3. Reforço à excepcionalidade da decretação da prisão preventiva

Com a Lei n. 12.403/11, a prisão cautelar (sobretudo a preventiva) reveste-se (ainda mais) de

um considerável caráter de excepcionalidade, devendo o magistrado valer-se, ainda, da ideia de

proporcionalidade para a sua decretação. Se as medidas cautelares (aplicadas isolada ou

cumulativamente) forem adequadas e suficientes para acautelar a investigação criminal ou a instrução

processual penal, não há razão para utilização da prisão preventiva.

Não se deve imaginar, com isto, que as medidas cautelares enumeradas no artigo 319 também

não se pautem pelo binômio excepcionalidade/proporcionalidade. Ao revés, o artigo em comento deixa

clara esta excepcionalidade quando exige que o magistrado só recorra às medidas cautelares quando

houver necessidade da medida, para a investigação criminal, a instrução processual penal ou para

evitar a reiteração da prática criminosa (inciso I). Já a proporcionalidade manifesta-se de forma patente

quando se exige que a cautelar seja adequada à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições

pessoais do indiciado ou acusado (inciso II)

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Como já asseveramos, só é possível decretar a preventiva quando as medidas cautelares se

revelarem insuficientes ou inadequadas. Entendemos que o imputado deve ser ouvido previamente, até

para que possa justificar as razões do descumprimento, tentando ilidir a substituição da medida ou a

decretação da preventiva.

Com a Lei Anticrime, foi alterada a redação do § 6º do art. 282, para que reste evidenciado que

o não cabimento da substituição da prisão preventiva “por outra medida cautelar deverá ser justificado

de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada”. Mesmo

antes do advento da Lei Anticrime, já entendíamos que este requisito era necessário.

Ora, se o julgador está decretando uma decisão deve haver a devida fundamentação. E se um

dos requisitos para a decretação da prisão preventiva é a sua subsidiariedade, isto é, que não se mostre

a substituição por uma cautelar alternativa adequada e suficiente, parece-nos evidente que a decisão

judicial deve demonstrar isto de forma concreta. Por outras palavras, a decisão judicial deve

demonstrar, à luz do caso concreto, porque a adoção de uma medida cautelar alternativa à prisão não se

mostra adequada e suficiente.

“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e

fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em

virtude de condenação criminal transitada em julgado.

........................................................................................................ ”(NR)

COMENTÁRIOS

A Lei Anticrime promoveu uma mudança na redação do art. 283 do Código de Processo Penal. Com

efeito, antes da referida alteração, dispunha o artigo: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante

delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de

sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude

de prisão temporária ou prisão preventiva”.

A alteração legislativa, neste ponto, foi mais de forma do que de substância. Sem embargo, a

lógica do art. 283, CPP continua a mesma, no sentido da impossibilidade de se executar a pena

privativa de liberdade provisoriamente. Para que haja a prisão, imprescindível que ocorra uma das

seguintes situações:

a) Prisão em flagrante;

b) Prisão cautelar (atualmente, existem a prisão preventiva e a temporária);

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c) Prisão decorrente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

De acordo com o artigo 5º, LXI da CF, ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem

escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou

crime propriamente militar definido em lei. Tendo em vista que as transgressões e os crimes militares

não são objeto de estudo de nossa disciplina, mas sim do Direito Processual Militar, podemos reduzir

as hipóteses de prisão a duas: decorrente do flagrante delito e de ordem judicial.

Podemos repartir o estudo da prisão da seguinte forma:

a) prisão-pena: é aquela que decorre do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Atualmente não é possível a execução provisória da pena, mesmo já tendo tido o entendimento, pelo

Pleno do STF, julgando o HC nº 126.292, pela admissão da execução provisória da pena, pressupondo

que a condenação seja confirmada por um tribunal. Como consequência, antecipasse o cumprimento

da prisão pena, ao argumento de que é inadmissível a rediscussão do mérito da condenação no recuso

especial ou no recuso extraordinário, que não gozam de efeito suspensivo, de forma a não obstar o

imediato implemento da sanção. Em complemento, na apreciação das Ações Declaratórias de

Constitucionalidade nº 43 e 44, a Corte Suprema ratificou que o artigo em comento não obsta a

execução provisória da pena, ao listar as modalidades prisionais, mitigando a presunção de não

culpabilidade.

Conforme atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, há a impossibilidade da execução

provisória da pena. No julgamento do mérito das ADC´s 43/DF, 44/DF e 54/DF, todas de relatoria do

Ministro Marco Aurélio3, o Plenário do STF, por maioria, julgou procedentes pedidos formulados em

ações declaratórias de constitucionalidade para assentar a constitucionalidade do art. 283 do CPP

(redação anterior à Lei Anticrime). Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator), que foi

acompanhado pelos ministros Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e

Dias Toffoli. O relator julgou procedentes os pedidos formulados nas ações para assentar a

constitucionalidade do referido dispositivo legal e, como consequência, determinou a suspensão de

execução provisória de pena cuja decisão a encerrá-la ainda não tenha transitado em julgado. Desse

modo, determinou a libertação daqueles que tenham sido presos, ante exame de apelação, reservando-

se o recolhimento aos casos verdadeiramente enquadráveis no art. 312 do CPP.

Além disso, julgou procedente o pleito sucessivo, formulado na ADC 43, no sentido de

poderem ser implementadas, analogicamente ao previsto no art. 319 do CPP, medidas alternativas à

custódia quanto a acusado cujo título condenatório não tenha alcançado a preclusão maior. O relator

3 STF. Plenário. ADC 43/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 23 e 24.10.2019. ADC 44/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 23 e 24.10.2019. ADC 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 23 e 24.10.2019. Informativos 957 e 958.

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afirmou que as ações declaratórias versam o reconhecimento da constitucionalidade do art. 283 do

CPP, no que condiciona o início do cumprimento da pena ao trânsito em julgado do título

condenatório, tendo em vista o figurino do art. 5º, LVII, da Constituição Federal.

Assim, de acordo com o referido preceito constitucional, ninguém será considerado culpado até

o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A literalidade do preceito não deixa margem a

dúvidas: a culpa é pressuposto da sanção, e a constatação ocorre apenas com a preclusão maior. A

exceção corre à conta de situações individualizadas nas quais se possa concluir pela aplicação do art.

312 do CPP e, portanto, pelo cabimento da prisão preventiva.

De todo modo, e de acordo com o enunciado n. 716 da súmula do STF, “admite-se a progressão

de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada,

antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”.

b) prisão cautelar (processual, provisória ou sem pena): divide-se em prisão preventiva e

prisão temporária. Havia uma grande discussão doutrinária em torno da natureza jurídica da prisão em

flagrante; discutia-se se ela seria uma modalidade de prisão cautelar ou uma prisão pré-cautelar. Com a

alteração promovida no art. 283 do CPP pela Lei Anticrime, parece não restar dúvida no sentido de

que a opção do legislador foi a de excluir a prisão em flagrante do rol das prisões cautelares. E isto

porque, como se percebe, a partir da atenta leitura do dispositivo, o art. 283, caput, CPP faz menção à

prisão em flagrante e também às prisões cautelares, deixando claro que são institutos distintos.

Até o advento das Leis n. 11.689/2008 e 11.719/2008, havia mais dois tipos de prisão sem

pena: a prisão decorrente da sentença penal condenatória ainda passível de recurso e a decorrente da

decisão de pronúncia, ambas pautadas na presença dos maus antecedentes ou do fato de o réu ser

reincidente. Tais fundamentos eram duramente criticados pela doutrina, já que não justificavam a

necessidade do cárcere. Atualmente, prolatada a sentença condenatória ou proferida a decisão de

pronúncia, o réu, de regra, continuará solto, salvo se presentes os requisitos para decretação da prisão

preventiva.

c) Prisão em flagrante (pré-cautelar): o flagrante é uma prisão pré-cautelar, porquanto não se

destina a instrumentalizar a investigação criminal ou o processo penal. Fundamentalmente, o flagrante

destina-se a interromper a prática delitiva e a coletar elementos de informação.

A reforma oriunda da Lei n. 12.403/2011, deixou expressa a constatação doutrinária de que já

não há que se falar em prisão decorrente da pronúncia ou da sentença condenatória recorrível.

No que tange às prisões cautelares, todavia, o maior mérito da reforma reside no fato de

consignar expressamente que estas possuem natureza residual (art. 282, § 4º, CPP, supra), devendo o

julgador utilizá-las apenas quando as demais medidas cautelares (art. 319, CPP, infra) se mostrarem

insuficientes ou inadequadas. Ora, se a pena privativa de liberdade já é considerada medida extrema,

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devendo se adstringir a casos mais graves, com muito mais razão, a prisão cautelar deve ser reservada

a hipóteses excepcionais. Se as medidas cautelares, inseridas em nossa legislação por força da recente

reforma legislativa, forem suficientes para acautelar a investigação criminal ou a instrução processual

penal, deve o magistrado abster-se de determinar a custódia cautelar.

Deve-se consignar, ainda, que, muito embora as medidas cautelares previstas no artigo 319

possuam natureza muito menos gravosa do que a prisão preventiva, estão revestidas, também, de

natureza excepcional. O julgador só deve invocar a adoção de tais medidas quando se mostrarem

extremamente úteis à investigação criminal ou a instrução processual penal, sendo inadmitidas quando

a infração em apreço não contemplar pena privativa de liberdade. É que nesses casos, o agente já

usufruiria do direito de se “livrar solto”, é dizer, livrar-se-ia incondicionalmente. Ora, se já há o direito

de liberdade incondicional, não assiste razão para que se imponha medida cautelar constritiva.

É o que ocorre com o crime de porte de drogas para consumo pessoal (art. 28, Lei nº

11.343/2006). Para este delito, a legislação não prevê pena privativa de liberdade. Assim descabe a

adoção de prisão processual (em flagrante, preventiva ou temporária) ou de outra medida cautelar.

O § 2º do artigo em comento impõe a observância da inviolabilidade domiciliar, consolidada no

art. 5º, XI da CF, nos seguintes termos: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo

penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar

socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Percebe-se, portanto, que, em matéria de prisão, o

ingresso na residência pode ocorrer de duas formas:

a) prisão em flagrante: admite-se o ingresso no domicílio, a qualquer momento, para que se

faça cessar a agressão. Neste particular, convém assinalar que a expressão delito, empregada no texto

constitucional, que é sinônimo de crime, deve ser interpretada de forma extensiva, para abranger a

contravenção penal.

b) demais tipos de prisão (prisão por ordem escrita da autoridade judiciária): a ordem

judicial só poderá ser cumprida durante o dia, compreendido como o lapso de tempo entre 06 e 18

horas.

Na dicção do CPP, não há outras ressalvas à efetivação da prisão. Não há que se falar, portanto,

em restrições de horários, dias festivos, feriados etc.

É importante destacar que no conceito de domicílio compreende-se não apenas a residência.

Trata da matéria, o artigo 150, do Código Penal que, ao prever o crime de violação de domicílio,

define “casa”, abrangendo: a) qualquer compartimento habitado; b) aposento ocupado de habitação

coletiva; c) compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. Assim, o

STF já reputou como ilícita a prova obtida por violação a quarto de hotel (RHC 90.376/RJ, Rel. Min.

Celso de Mello).

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No tocante ao advogado, o Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/1994), em seu art. 7º, II, assegura a

“inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de

sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da

advocacia”. Devemos destacar que a inviolabilidade é circunscrita ao exercício profissional, não podendo

o advogado ser submetido a medida como forma de angariar provas contra seus clientes. Não há

inviolabilidade se o próprio advogado é o investigado ou acusado.

“Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e

o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado,

para a realização de audiência de custódia.” (NR)

COMENTÁRIOS

A Lei Anticrime promoveu uma alteração na redação do art. 287, CPP para acrescentar a

necessidade de realização da audiência de custódia.

A audiência de custódia, também chamada de audiência de apresentação, pretende aprimorar a

dinâmica para que o magistrado possa deliberar sobre o flagrante e outras modalidades de prisão. Ela

permite ao juiz analisar a legalidade da prisão e a necessidade ou não de continuidade da privação de

liberdade. Apenas com a Lei Anticrime, o CPP passa a prever expressamente a existência da audiência

de custódia.

De toda sorte, já se entendia que, a despeito do silêncio do nosso Código de Processo Penal de

1941, a audiência de custódia existia em nosso ordenamento jurídico, porquanto encontra expressa

previsão na Convenção Americana de Direitos Humanos, internalizada em nosso sistema legal por

meio do Decreto n. 678/1992. Com efeito, o art. 7º, item 5º da Convenção estatui: “toda pessoa detida

ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a

exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em

liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias

que assegurem o seu comparecimento em juízo”.

Como se percebe, a audiência de custódia consiste no direito do flagranteado ser conduzido à

presença do magistrado. Reiteramos que, no nosso CPP, não havia previsão expressa deste instituto.

Todavia, como o Brasil aderiu à Convenção Americana de Direitos Humanos, e, conforme

jurisprudência do STF, este ato normativo ingressou no nosso ordenamento jurídico com status de

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norma supralegal, não há razão para que não se considere válida a aplicação de tal audiência. Agora,

com a Lei Anticrime, o CPP também faz expressa menção ao instituto.

“Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e

quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a

presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro

do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:

.................................................................................................................

§ 1º Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato em

qualquer das condições constantes dos incisos I, II ou III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº

2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), poderá, fundamentadamente, conceder ao

acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos

processuais, sob pena de revogação.

§ 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada

ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória,

com ou sem medidas cautelares.

§ 3º A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de

custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa, civil e

penalmente pela omissão.

§ 4º Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste

artigo, a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a

ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade

de imediata decretação de prisão preventiva.” (NR)

COMENTÁRIOS

1. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

A Lei Anticrime promoveu uma alteração na redação do art. 310, CPP para, entre outras coisas,

acrescentar a necessidade de realização da audiência de custódia. Referida audiência já se encontrava

presente no nosso ordenamento jurídico por força do disposto na Convenção Americana de Direitos

Humanos internalizada em nosso sistema legal por meio do Decreto n. 678/1992.

O art. 7º, item 5º da Convenção estatui: “toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem

demora, à presença do juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem

direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que

prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu

comparecimento em juízo”. Apenas com a Lei Anticrime, a audiência de custódia passa a estar

presente também no nosso Código de Processo Penal.

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Uma interpretação do caput do art. 310, CPP em conjunto com o seu § 4º, leva-nos à

constatação de que a autoridade judiciária deveria realizar a audiência de custódia no prazo máximo de

24 (vinte e quatro) horas, contadas a partir do recebimento do auto de prisão em flagrante. Ou seja, a

autoridade policial teria 24 (vinte e quatro) horas, contadas a partir da prisão captura, para lavrar o auto

de prisão em flagrante e encaminhar o Judiciário e, a partir da chegada do auto, o juiz teria mais 24

(vinte e quatro) horas para a realização da audiência de custódia.

A ausência de realização da audiência de custódia neste prazo daria ensejo à ilegalidade da

prisão e, consequentemente, o seu relaxamento. Contudo, pela literalidade legislativa, nada impediria

que o juiz relaxasse a prisão e, de imediato, decretasse a prisão preventiva, caso estivessem previstos

os seus requisitos.

A preocupação do legislador com a realização da audiência de custódia em prazo razoável foi

de tal monta que o § 3º do art. 310 prevê a responsabilização (administrativa, civil e penal) da

autoridade que deu causa, sem motivação idônea à não realização da audiência de custódia.

Evidentemente, em se tratando de responsabilização penal, será necessário analisar a existência do

dolo do agente, para que haja o enquadramento na figura típica respectiva.

De todo modo, importante mencionar que, no julgamento da medida cautelar na ADI n. 6.305,

o Ministro Luiz Fux suspendeu o disposto no § 4º do art. 310, CPP, quando prevê a possibilidade de

relaxamento da prisão pela não realização da audiência de custódia, no prazo de 24 (vinte e quatro

horas). Um dos fundamentos da decisão foi que o dispositivo feria a razoabilidade, ao desconsiderar

uma série de particularidades locais que dificultam o cumprimento do prazo em muitas comarcas do

Brasil. Resta aguardar a manifestação do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.

2. MEDIDAS JUDICIAIS POSSÍVEIS

Em até 24 horas da prisão, o auto de prisão em flagrante deve chegar ao magistrado (art. 306, § 1º,

CPP). Diante do auto, e com a realização da audiência de custódia na presença do Ministério Público e

do Defensor, abrem-se ao juiz as seguintes alternativas:

I – Constatada a ilegalidade da prisão, deve ser prontamente relaxada, com a expedição de alvará

de soltura. O relaxamento caracteriza a libertação incondicional daquele que foi ilegalmente preso (art.

5º, LXV, CF);

II – Se o flagrante é legal, o auto é homologado, representando a chancela judicial de tudo o que

foi feito até aqui: captura, condução coercitiva, termos de oitiva, eventual emprego de algemas,

formalidades na lavratura do auto, entrega da nota de culpa, respeito às prerrogativas do preso etc.

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Com a homologação, é importante decidir, de imediato, sobre a situação prisional do flagranteado,

vejamos:

II.a) Reputando a prisão como estritamente necessária, o flagrante é convertido em preventiva,

pressupondo enquadramento nos artigos 312 e 313 do CPP. Entendemos que a conversão jamais

acontece ex officio, em razão da atual redação do art. 311 do Código. Portanto, é necessário

representação da autoridade policial ou requerimento do MP, antes ou durante a audiência de custódia.

Nada impede que a conversão aconteça em prisão temporária, uma vez atendidos os requisitos do art.

1º da Lei nº 7.960/1989. Aqui, importa fazer os seguintes esclarecimentos:

i) Como o cárcere cautelar é a ultima ratio, a conversão em prisão só acontece se insuficientes as

medidas cautelares não prisionais (art. 319, CPP);

ii) A nova sistemática revela o caráter pré-cautelar da prisão em flagrante, já que a cautelaridade

pressupõe a conversão judicial em alguma medida pessoal, privativa ou não da liberdade.

II.b) Se a prisão é desnecessária, deve o juiz conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. A

liberdade provisória é uma contracautela, instituindo a soltura daquele que foi legalmente preso, ao

constatar-se a desnecessidade do cárcere. Pode ser com ou sem fiança. Trataremos da fiança mais

detidamente nos comentários aos arts. 322 a 350, CPP. Neste momento, enfrentaremos a liberdade

provisória sem fiança, vejamos:

i) Conceito: a “liberdade provisória é um estado de liberdade, circunscrito em condições e reservas,

que impede ou substitui a prisão cautelar, atual ou iminente”4.

ii) Embasamento normativo: art. 5º, LXVI, CF; art. 310, parágrafo único, CPP; art. 321, CPP.

iii) Cabimento:

– quando o capturado atuou amparado por qualquer das excludentes de ilicitude (art. 310, parágrafo

único, CPP e art. 23, CP);

– quando, compulsando o auto de flagrante, percebe-se que não estão presentes os requisitos da

prisão preventiva (art. 321, CPP);

iv) Cumulatividade: concedida a liberdade provisória, pode o juiz aplicar, em acréscimo, qualquer

das medidas cautelares do art. 319, CPP.

v) Restrições: mesmo diante das restrições normativas ao instituto da fiança, os Tribunais

Superiores têm admitido a concessão de liberdade provisória sem fiança. O Supremo declarou

incidentalmente a inconstitucionalidade da vedação à liberdade provisória sem fiança positivada na Lei

de Tóxicos (HC 104.339. rel. Min. Gilmar Mendes).

4. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: Juspodivm, 2016.

p.998.

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O § 2º do art. 310, CPP, acrescentado pela Lei Anticrime (Lei n. 13.964/19) estabelece que se o

juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou

que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas

cautelares.

A definição de organização criminosa nos é dada pela Lei n. 12.850/13, que em seu art. 2º.

Dispõe: “Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas

estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com

objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de

infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter

transnacional”.

No que concerne às milícias, a Lei n. 12.720/12 tratou do tema, mas não deixou a cargo da

doutrina a conceituação da milícia – o que, seguramente, violaria a necessidade de uma lei certa e

precisa, como apregoado pelo princípio da Legalidade –, tipificando a conduta de “constituição de

milícia privada” no art. 288-A, CP, que passa a contar com a seguinte redação: “Constituir, organizar,

integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a

finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código.

“Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão

preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do

assistente, ou por representação da autoridade policial.” (NR)

COMENTÁRIOS

A Lei Anticrime alterou a redação do art. 311, CPP, para excluir a possibilidade de o juiz

decretar a prisão preventiva de ofício, durante o processo penal.

A prisão preventiva só poderá ser decretada pelo órgão judicial competente, estando sujeita à

cláusula de reserva jurisdicional (art. 5º, inc. LXI da CF). Antes do advento da Lei n. 12.403/11, o juiz

tinha poderes para decretar a prisão preventiva de ofício, a qualquer tempo. Com o advento da referida

Lei, a possibilidade de decretação da preventiva de ofício pelo julgador passou a se adstringir à fase de

processo, sendo vedada a iniciativa judicial durante a investigação criminal.

Com isto, o legislador procurou privilegiar o sistema acusatório, acolhido pelo nosso

ordenamento jurídico, no sentido de que as funções de acusação e julgamento devem estar

completamente apartadas. A crítica doutrinária (neste sentido, Eugênio Pacelli) anterior à Lei nº

12.403/2011 destacava que permitir-se ao magistrado tomar a iniciativa prisional em um momento

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anterior à existência do processo constituía uma forma de o julgador se substituir a uma atuação de

órgãos acusatórios.

Agora, com a entrada em vigor da Lei Anticrime, fica proibida a decretação da prisão

preventiva de ofício, pelo juiz, a qualquer tempo, pois tal possibilidade foi retirada da redação do art.

311, CPP.

O art. 20 da Lei n, 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), autoriza a decretação da prisão

preventiva ex officio em qualquer fase da persecução penal. Como a Lei de Violência Doméstica

entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, foi influenciada pela antiga redação do art. 311 do

CPP. Como a reforma do sistema prisional, prestigiando o sistema acusatório, vedou a decretação de

ofício na fase investigativa, entendemos que há reflexo direto na legislação extravagante.

Até a promulgação da Lei n. 12.403/2011, o assistente de acusação não possuía legitimidade

para requerer a medida, sendo que a mencionada reforma legislativa contemplou expressamente a

hipótese.

“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem

econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal,

quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado

pelo estado de liberdade do imputado.

§ 1º .............................................................................................................

§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de

perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da

medida adotada.” (NR)

COMENTÁRIOS

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Como medida cautelar, a preventiva pressupõe a coexistência do fumus commissi delicti (evidência

da prática do delito) e do periculum libertatis (perigo da liberdade), que justifiquem o cárcere cautelar,

vejamos:

a) Fumus commissi delicti: é verdadeiramente a justa causa para a decretação da preventiva,

consolidada na presença dos indícios de autoria que remontam um diagnóstico prévio indicando o

indiciado ou processado como (provável) responsável pelo fato delitivo, além da prova da

materialidade, consubstanciada pelo lastro probatório sólido de que a infração existiu;

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b) Periculum libertatis: é o risco provocado pela manutenção da liberdade do sujeito passivo da

persecução penal, de modo a identificarmos as hipóteses de decretação da preventiva, que merecem

interpretação restritiva. Vejamos:

b.1) Garantia da ordem pública: a expressão ordem pública é por demais imprecisa, dando

margem a diversas interpretações quanto ao seu conteúdo e abrangência. Somos partidários da tese de

que a ordem pública está em risco quando há a probabilidade da reiteração de delitos, em razão da

manutenção da liberdade. Tourinho Filho, em interessante crítica ao fundamento, aviva que quando “se

decreta a prisão preventiva como ‘garantia da ordem pública’ o encarceramento provisório não tem o

menor caráter cautelar. É um rematado abuso de autoridade e uma indisfarçável ofensa à nossa Lei

Magna, mesmo porque a expressão ‘ordem pública’ diz tudo e não diz nada”5. Já Guilherme Nucci, em

interpretação diametralmente oposta, assevera que a “garantia da ordem pública deve ser visualizada

pelo trinômio gravidade da infração + repercussão social + periculosidade do agente”6.

Já o STF, assevera que a gravidade abstrata do crime, por si só, não justifica a preventiva como

garantia da ordem pública (HC 87.041/PA, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 24/11/2006. P. 76). O mesmo

se diga em relação à comoção social (HC 92.368/MG – 2º Turma – Rel. Min. Eros Grau – DJE 70-

18/04/2008).

b.2) Garantia da ordem econômica: o fundamento foi trazido pela Lei nº 8.884/1994 (Lei

Antitruste)7, objetivando coibir a reiteração de condutas que afetem a ordem econômica.

b.3) Conveniência da instrução criminal: o objetivo é a preservação da livre produção

probatória, despida de qualquer tipo de coação que possa ser exercida pelo imputado ou por pessoas

ligadas a ele. Por força da Lei nº 11.900/2009, o temor da vítima e/ou testemunhas quanto à presença

do imputado na audiência de instrução e julgamento pode justificar o emprego da videoconferência

(art. 185, § 2º, III, CPP);

b.4) Assegurar a aplicação da lei penal: decorre do risco considerável de fuga, com fundamentos

concretos que indiquem que o imputado pretende eximir-se da responsabilidade criminal evadindo-se.

A mera ausência do réu a um ato do processo, mesmo que injustificada, não faz presumir a fuga, o que

torna incompatível a preventiva. Quando muito, e para os partidários da sua constitucionalidade, pode-

se determinar a condução coercitiva, conforme o caso (art. 260, CPP);

5. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2003. v. III, p. 510.

6. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo e execução penal. 3. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 547.

7 Os arts. 1º a 85 e 88 a 93 da Lei nº 8.884/1994 foram expressamente revogados pelo art. 127 da Lei nº 12.529/2011.

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b.5) Ausência de identificação civil: dispõe o parágrafo único do art. 313 do CPP que a

preventiva é também admitida quando “houver dúvida sobre a identificação civil da pessoa ou quando

esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la”. Acreditamos que o cárcere só se justifica se

não for suficiente, para a hipótese, a identificação criminal, de acordo com a Lei nº 12.037/2009.

b.6) Descumprimento de medida protetiva de urgência na violência doméstica e familiar: a

Lei Maria da Penha é pródiga na abordagem de medidas cautelares de proteção e resguardo da vítima

de violência doméstica, instituindo a preventiva como ferramenta de coerção pelo descumprimento,

garantindo-se a execução da medida. Importante frisar que além da mulher, a protetividade se estende

ao idoso, criança, adolescente, enfermo ou pessoa com deficiência (art. 313, III, CPP);

b.7) Descumprimento de medidas cautelares não prisionais: a inovação trazida pela Lei n.

12.403/2011 diz respeito à possibilidade de o juiz decretar a prisão preventiva quando houver o

descumprimento de alguma medida cautelar pessoal (art. 319, CPP, infra) aplicada. Tais medidas

devem ser impostas pelo magistrado, reservando-se a prisão preventiva para as hipóteses em que

aquelas se revelam insuficientes ou inadequadas. Ora, o descumprimento da medida cautelar imposta

conduz às seguintes alternativas:

i) Substituição da medida descumprida por outra, mais adequada à situação do agente;

ii) Cumulação da medida com outra, mantendo-se a liberdade;

iii) Decretação, em ultima ratio, da prisão preventiva (art. 282, § 4º, CPP).

b.8) Magnitude da lesão: tratando dos crimes contra o sistema financeiro nacional, a Lei nº

7.492/1986 admite, além das hipóteses já contempladas no art. 312 do CPP, a decretação da preventiva

em razão da magnitude da lesão provocada pelo delito (art. 30). Segundo a doutrina majoritária, o

fundamento não foi recepcionado pela Constituição Federal, afinal, a estatura da lesão, isoladamente,

não pode servir para justificar a constrição da liberdade, sendo consequência do crime, devendo ser

levada em conta para a dosimetria da pena, e não para o cárcere cautelar.

2. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI ANTICRIME

A Lei Anticrime (Lei n. 13.964/19) promoveu duas alterações no art. 312, CPP. Vejamos:

a) Exigência de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado: a primeira alteração foi

promovida pela Lei Anticrime foi na parte final do caput do art. 312, CPP, que passou a exigir a

comprovação da existência perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. Trata-se, em verdade,

de reforço da ideia de demonstração do periculum libertatis, que já estão presentes nos requisitos

enumerados no art. 312, caput, CPP.

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b) Fundamentação concreta: a segunda inovação introduzida no art. 312, CPP foi a inclusão do

§ 2º no art. 312, CPP. Conforme dispõe o mencionado parágrafo, a decisão que decretar a prisão

preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos

ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.

A exigência de uma decisão fundamentada deriva, como sabemos, do art. 93, IX, CF. a previsão

legislativa inserida pela Lei Anticrime inova ao prever expressamente a demonstração da existência

concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a decretação da prisão preventiva. A

medida é salutar, para evitar situações nas quais a prisão preventiva é decretada por conta da

descoberta de fatos antigos que não se reiteraram.

Por outras palavras, por via oblíqua, a Lei passa a vedar expressamente a decretação da prisão

preventiva apenas pela gravidade em abstrato da infração penal, por exemplo. Ou seja, o legislador vai

ao encontro do entendimento consagrado pela jurisprudência pátria.

“Art. 313. ...........................................................................................

§ 1º ...................................................................................................

§ 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de

cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da

apresentação ou recebimento de denúncia.” (NR)

COMENTÁRIOS

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Como medida de segregação cautelar, a preventiva não é admitida em qualquer infração. Havendo

fumus commissi delicti e periculum libertatis, o critério de seletividade estabelecido nos permite

construir a seguinte filtragem:

a) Regra geral: a preventiva é admitida nos crimes dolosos cuja pena máxima é superior a quatro

anos de privação da liberdade. Ficam excluídos, peremptoriamente, os delitos culposos e as

contravenções. A redação anterior à reforma era explícita, pois o caput do artigo em apreço reservava a

preventiva apenas aos crimes dolosos. Muito embora tal afirmação já não se encontre no caput,

depreende-se da leitura das hipóteses enumeradas no dispositivo que a prisão preventiva continua

incompatível com crimes culposos (e com as contravenções).

De logo, repudiamos qualquer interpretação que enseje a decretação da preventiva, nas hipóteses

dos incisos II e III, que diga respeito a crimes culposos ou, mesmo, contravenções penais. É certo que

aos crimes culposos e às contravenções penais já não se impõe, de regra, pena privativa de liberdade

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(pois é muito provável a conversão em restritiva de direitos, nos termos do art. 44, CP). A preventiva

representa medida mais gravosa do que a própria sanção prevista para o delito, o que não é razoável,

impondo-se o princípio da homogeneidade, já que a cautelar não pode impor regime mais gravoso do

que o da futura pena.

Na redação anterior à reforma de 2011, das infrações dolosas, comportavam preventiva aquelas

apenadas com reclusão, já que a qualidade da pena era decisiva para a admissibilidade da medida. Na

atual sistemática, não importa a qualidade, mas sim a quantidade da pena privativa de liberdade, é

dizer, pena máxima superior a quatro anos.

b) Exceções: eventualmente, a prisão preventiva pode ser decretada independente da quantidade de

pena máxima prevista, nas seguintes hipóteses:

i) Reincidência em crime doloso: a reforma de 2011 restringiu-se, neste ponto, a atualizar a

referência ao artigo do Código Penal, de acordo com a reforma da parte geral, de 1984;

ii) Dúvida sobre a identificação civil, ou não fornecimento de elementos para esclarecê-la;

iii) Garantir a execução das medidas protetivas de urgência, no âmbito da violência doméstica:

decretada uma medida protetiva, de feição cautelar e destinada a resguardar a vítima da violência

doméstica, o seu descumprimento autorizaria a segregação preventiva, independente da pena prevista

para o delito praticado.

2. INOVAÇÃO PROMOVIDA PELA LEI ANTICRIME

A Lei Anticrime acrescentou o § 2º ao art. 313, CPP para deixar claro que não se admite a

decretação da prisão preventiva:

a) Com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena: neste ponto, a legislação respeita

o entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADC´s 43 e 44, quando

a Corte reconheceu a constitucionalidade do art. 283, CPP (redação anterior à reforma promovida pela

Lei Anticrime), repudiando a execução provisória da pena.

Em complemento a este entendimento, o legislador proíbe decisões judiciais que objetivam a

decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipar a execução da pena. Em suma, ou estão

presentes os requisitos da prisão preventiva ou não se decreta tal medida.

b) Como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento

de denúncia: mais uma vez, o legislador procura deixar claro que não se decreta prisão preventiva

sem que estejam presentes os requisitos de cautelaridade prisional estampados no art. 312, CPP. O só

fato de se instaurar uma investigação criminal ou um processo penal não pode ensejar uma prisão

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preventiva. A proceder assim, estaríamos diante de uma prisão destituída de cautelaridade, o que

afronta o princípio da inocência.

“Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre

motivada e fundamentada.

§ 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz

deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a

aplicação da medida adotada.

§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença

ou acórdão, que:

I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua

relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua

incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a

conclusão adotada pelo julgador;

V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos

determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte,

sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do

entendimento.” (NR)

COMENTÁRIOS

A necessidade de fundamentação de toda e qualquer decisão judicial é decorrência direta do art.

93, inc. IX, da Constituição Federal, ao asseverar: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder

Judiciário serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)”. A

fundamentação, entretanto, exige mais do que a mera repetição do texto legal. Nada impede que a

motivação seja concisa, desde que bem articulada. Todavia, é essencial explicitar quais as razões que

justificam a medida, permitindo o enquadramento em uma das hipóteses de decretação, sob pena de

patente ilegalidade, ensejando o relaxamento prisional.

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Exige-se moderação da linguagem, já que a adoção de medida cautelar não pode significar

antecipação do juízo de culpa. Em outro giro, na pluralidade de réus, é necessário a individualização

das razões de decidir, apontando o periculum libertatis que ampara a segregação de cada sujeito.

A reforma legislativa de 2011 corrigiu patente equívoco na redação do dispositivo, que,

anteriormente, fazia menção ao “despacho” que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva.

Trata-se, na verdade, de ato judicial com conteúdo decisório (típica decisão interlocutória).

Agora, com a entrada em vigor da Lei Anticrime, houve três alterações no art. 315, CPP:

a) Alteração no caput: embora em sua redação anterior o art. 315, CPP já exigisse decisão

motivada, houve uma alteração na redação do dispositivo, para mencionar a decisão “motivada e

fundamentada”.

b) Inclusão do § 1º: a inclusão do dispositivo objetiva evidenciar que o magistrado não pode

fundamentar uma decisão de prisão com base em elementos pretéritos, que não se perpetuaram e nem

renovaram. Uma investigação que demonstre um fato ocorrido há tempo, cuja conduta delitiva cessou,

e não existem elementos que evidenciem a presença dos requisitos do art. 312, CPP, não pode ensejar a

decretação de uma prisão preventiva.

c) Inclusão do § 2º: este dispositivo, que reproduz o disposto no art. 489, § 1º, CPC. Procura

estabelecer para orientar o julgador na prolação de uma decisão fundamentada. Assim, não haverá

fundamentação quando a decisão:

c.1) Limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar

sua relação com a causa ou a questão decidida: assim, por exemplo, não há que se falar em decisão

fundamentada se o juiz simplesmente decreta a prisão preventiva para gantia da ordem pública, citando

ou transcrevendo o art. 312, caput do CPP. Será necessário demonstrar as razões pelas quais, naquele

caso concreto, se encontra presente a necessidade de garantir a ordem público por meio da prisão

preventiva.

c.2) Empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua

incidência no caso: conceitos jurídicos indeterminados são constituídos de expressões vagas,

imprecisas, não taxativas. Estas expressões demandam a busca do seu significado, estabelecendo-se

seu alcance e definição. São exemplos as expressões “justa causa”, “boa fé”, “injustificadamente” etc.

tendo em vista que são conceitos amplos, genéricos, somente se poderá falar em decisão fundamentada

quando houver a delimitação do alcance da expressão com e4xplicitação das razões pelas quais há o

cabimento no caso concreto.

c.3) Invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão: não há

fundamentação quando o julgador emprega expressões vagas que se amoldariam a qualquer situação,

como, por exemplo, dizer que é “uma questão de justiça” decidir de tal ou qual forma.

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c.4) Não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese,

infirmar a conclusão adotada pelo julgador: cabe ao julgador apreciar os argumentos deduzidos no

processo, acatando-os ou rechaçando-os, motivadamente. O não enfrentamento de argumentos capazes

de infirmar a decisão do julgador enseja o manejo do recurso de embargos de declaração, haja vista a

omissão do julgado.

c.5) Limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus

fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles

fundamentos: da mesma forma que não há fundamentação quando a decisão adstringe-se a mencionar

ou transcrever texto normativo, também não o será quando simplesmente fizer alusão a verbete de

súmula de jurisprudência. Para que tenhamos uma fundamentação válida, imprescindível a

demonstração de que os fundamentos que sustentam o precedente ou enunciado se adéquam ao caso

concreto.

c.6) Deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela

parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do

entendimento: havendo precedente ou verbete de súmula invocado pela parte, cave ao julgador

enfrentar tais argumentos e demonstrar as razões pelas quais deve ser afastado, demonstrando porque

tais argumentos não se adéquam à situação – isto é, o caso concreto é distinto daqueles que deram

origem ao precedente judicial (distinguishing) – ou porque houve a superação (overruling).

“Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no

correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem

como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a

necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de

ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.” (NR)

COMENTÁRIOS

Não há prazo legal de duração da preventiva, que se estende no tempo em razão da presença

dos requisitos legais. Enquanto estes se fazem presentes, o cárcere cautelar subsistirá. Desaparecendo

os requisitos que autorizam a preventiva, a medida é passível de revogação, em petição endereçada ao

próprio juiz decretante, ou por via de habeas corpus impetrado diretamente no tribunal.

Também é plenamente possível a revogação da prisão preventiva de ofício, e a Lei Anticrime

alterou o caput do art. 316, CPP para deixar isso claro, ao acrescentar a expressão “de ofício ou a

pedido das partes”. Outra alteração promovida pela Lei Anticrime no caput foi a inclusão da expressão

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“da investigação”, pois anteriormente a redação do dispositivo apenas fazia expressa menção à

possibilidade de o juiz revogar a prisão preventiva “no correr do processo”.

Revogada a preventiva, nada impede a nova decretação, desde que, em razão de novas provas,

reapareçam os fundamentos legais. Por essa razão, a preventiva segue a cláusula rebus sic stantibus, e

o seu termômetro é medido pela presença ou ausência das hipóteses de admissibilidade.

Não se pode admitir a dilação temporal indefinida da preventiva. Os excessos, quaisquer que

sejam eles, devem ser combatidos. O direito a razoável duração do processo (art. 5º, inc. LXXVIII,

CF) engloba também o direito a razoável duração da prisão cautelar. Por essa razão, a duração

indevida da preventiva leva a ilegalidade, passível de relaxamento, em petição endereçada ao juiz

decretante, ou via habeas corpus manejado perante o tribunal competente.

Não é razoável que o magistrado, ao relaxar a prisão, renove a prisão preventiva, alterando os

fundamentos da medida. Tal artifício, indiretamente, acaba por burlar a razoável duração do cárcere

cautelar. Não obstante, o STF já o admitiu, notadamente após a prolação da sentença condenatória,

negando ao réu que teve a preventiva relaxada por excesso de prazo, o direito a recorrer em liberdade,

em prol da garantia da ordem pública (HC 103.881, rel. Min. Dias Toffoli, 31.8.2010. 1ª T. Info 598).

Atento à necessidade de se observar a razoabilidade da duração da prisão preventiva, o

legislador inova, com a Lei Anticrime, ao acrescentar o parágrafo único ao art. 316, CPP,

determinando a revisão da decisão que decreta a prisão preventiva a cada noventa dias. Importante

registrar que esta necessidade de revisar a decisão não faz com que a prisão preventiva passe a ter

prazo determinado. Não expira o prazo da preventiva. Apenas existe a necessidade de o magistrado

reapreciar a matéria fática e revisar a necessidade de prisão.

Todavia, se, expirado o prazo, o juiz não promover a reapreciação da decisão que decretou a

preventiva, haverá a ilegalidade da prisão e, consequentemente, seu relaxamento.

“Art. 492. ..................................................................................................

I - ..............................................................................................................

..................................................................................................................

e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes

os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15

(quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do

mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser

interpostos;

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.................................................................................................................

§ 3º O presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas

de que trata a alínea e do inciso I do caput deste artigo, se houver questão substancial cuja

resolução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da

condenação.

§ 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou

superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo.

§ 5º Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação de que trata o §

4º deste artigo, quando verificado cumulativamente que o recurso:

I - não tem propósito meramente protelatório; e

II - levanta questão substancial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo

julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão.

§ 6º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente na apelação ou

por meio de petição em separado dirigida diretamente ao relator, instruída com cópias da

sentença condenatória, das razões da apelação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e

das demais peças necessárias à compreensão da controvérsia.” (NR)

COMENTÁRIOS

O art. 492 do CPP trata da questão atinente à prolação da sentença pelo juiz-presidente do

Tribunal do Júri. No inciso I, que versa, particularmente, sobre a sentença condenatória, a Lei

Anticrime alterou a redação da alínea e, que admitia a prisão do condenado apenas quando da presença

dos requisitos da prisão preventiva.

Com a nova redação legislativa, além desta hipótese, o juiz determinará o recolhimento do

condenado à prisão, para início da execução provisória da pena, quando a condenação for a pena igual

ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão. Em casos que tais, a eventual interposição de apelação não

impedirá a prisão, pois mencionado recursos estará destituído de efeito suspensivo.

Esta continua a ser uma questão bastante polêmica, sobretudo porque o Supremo Tribunal

Federal havia rechaçado a possibilidade de execução provisória da pena, no ano de 2019, quando do

julgamento do mérito das ADI´s 43 e 44, em que a Corte considerou constitucional a redação (anterior

à Lei Anticrime) do art. 283, CPP.

É verdade que o § 3º do art. 492, CPP, acrescentado pela Lei Anticrime, permite,

excepcionalmente, que o juiz-presidente não determine a execução provisória pelo montante de pena

aplicada. Isto se dará quando houver questão substancial cuja resolução pelo tribunal ao qual competir

o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação.

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Ademais, é possível que o próprio Tribunal de segunda instância (Tribunal de Justiça ou

Tribunal Regional Federal, no caso de júri federal) evite a execução provisória da pena, outorgando ao

recurso de apelação efeito suspensivo, isto é, com aptidão para suspender os efeitos da sentença

condenatória. As hipóteses nas quais a apelação terá efeito suspensivo encontram-se contidas no § 5º:

a) não tem propósito meramente protelatório; b) levanta questão substancial e que pode resultar em

absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15

(quinze) anos de reclusão.

Este pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser realizado na própria apelação pedido

de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente na apelação ou por meio de petição

em separado dirigida diretamente ao relator, instruída com cópias da sentença condenatória, das razões

da apelação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e das demais peças necessárias à

compreensão da controvérsia, conforme disposto no § 6º.

Em suma, a partir da entrada em vigor da Lei Anticrime, no caso de condenação, pelo Tribunal

do Júri, a pena igual ou superior a 15 (quinze) anos, a execução provisória da pena passa a ser a regra,

e somente será afastada excepcionalmente.

“Art. 564. ..................................................................................................

..................................................................................................................

V - em decorrência de decisão carente de fundamentação.

.....................................................................................................” (NR)

COMENTÁRIOS

O art. 564, CPP traz as hipóteses de nulidade no processo penal. O rol é meramente

exemplificativo, podendo-se reconhecer outras nulidades advindas de violação a princípios

constitucionais e regras processuais. A Lei Anticrime acrescentou ao rol deste artigo a nulidade da

decisão judicial destituída de fundamentação.

Neste diapasão, importante recordar que, a Constituição Federal prevê que todas as decisões

judiciais devem ser motivadas (art. 93, IX), consagrando, entre nós, o sistema da persuasão racional

(ou livre convencimento motivado do julgador). E, consoante regra contida no art. 315, § 2º do Código

de Processo Penal: “Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória,

sentença ou acórdão, que:

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I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua

relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua

incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a

conclusão adotada pelo julgador;

V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos

determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte,

sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”

“Art. 581. ..............................................................................................

...............................................................................................................

XXV - que recusar homologação à proposta de acordo de não persecução penal, previsto no art.

28-A desta Lei.” (NR)

COMENTÁRIOS

O art. 581 do Código de Processo Penal contempla as hipóteses de cabimento de recurso em

sentido estrito. Com a Lei Anticrime, a este rol foi acrescido o inciso XXV, que prevê a hipótese de

recurso em sentido estrito da decisão judicial que recusar homologação à proposta de acordo de não

persecução penal (art. 28-A, CPP).

Tendo em vista que cabe à autoridade judiciária a homologação do acordo celebrado entre

Ministério Público e investigado, parece-nos bastante evidente que tanto o MP quanto a defesa

possuem legitimidade para recorrer da decisão que recusa a homologação.

“Art. 638. O recurso extraordinário e o recurso especial serão processados e julgados no

Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça na forma estabelecida por leis

especiais, pela lei processual civil e pelos respectivos regimentos internos.” (NR)

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COMENTÁRIOS

A Lei Anticrime conferiu nova redação ao art. 638, CPP. Antes da referida mudança, o artigo

em comento dispunha: “O recurso extraordinário será processado e julgado no Supremo Tribunal

Federal na forma estabelecida pelo respectivo regimento interno”.

Conforme se percebe, a partir da entrada em vigor da Lei Anticrime, o dispositivo legal passou

a contemplar também a questão do recurso especial, dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, nos

termos do art. 105, CF, além de fazer expressa alusão ao emprego da lei processual civil. Atualmente,

o procedimento do recurso extraordinário e especial fica a cargo da Lei nº 8.038/90, do CPC (arts.

1.029 a 1.035) e dos regimentos internos do STF e do STJ, respectivamente.

Deve-se salientar, porém, que a EC n. 45/2004 acrescentou o § 3º ao artigo 102 da Constituição

da República, prevendo um novo requisito para o recurso extraordinário, dispondo que nele “o

recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos

termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela

manifestação de dois terços de seus membros”.

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