cavalin, viviane aparecida - a história da educação dos surdos
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A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DOS SURDOS E A PROBLEMÁTICA
DA INCLUSÃO ESCOLAR
CAVALIN, Viviane Aparecida1
CAVALARI, Nilton 2
RESUMO
O presente artigo trata do desenvolvimento no decorrer da história da educação escolar das pessoas surdas. Destacando como ao longo dos séculos a preferência dos educadores pelo método oralista em detrimento da língua de sinais vem trazido prejuízos aos educandos surdos, uma vez que a educação bilíngue é a mais recomendada. Outro aspecto tratado neste artigo é a questão da inclusão escolar.
Palavras - chave: História. Educação. Surdo. Inclusão.
1 INTRODUÇÃO
Ao contrário do que se possa supor, a surdez não implica obrigatoriamente em déficit
intelectual, psicológico, desvio de conduta e/ou físico. Suas maiores implicações estão
centradas no desenvolvimento do sistema fonoarticulatório, interferindo diretamente na
aquisição da comunicação oral e na interação social da pessoa surda.
Sendo o surdo considerado de modo errôneo, também foi errôneo o direcionamento
dado ao seu processo educativo, negando-se a ele o direito de conviver socialmente, de
receber educação adequada, de manifestar seus pensamentos e de utilizar sua linguagem (a
Língua de Sinais).
1 Viviane Aparecida Cavalin, graduada em História, pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e cursando pós graduação em Educação Especial pela UCP e Instituto Rhema Educação em Munhoz de Mello – Paraná. 2 Nilton Cavalari, professor orientador, mestre em Matemática, pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) – Paraná e ex-docente da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade Paranaense (UNIPAR), Universidade Norte do Paraná (UNOPAR) e professor do Instituto Rhema Educação.
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Todo individuo tem a capacidade de se apropriar, aprender e interagir frente ao meio
social do qual faz parte, todos nós já sabemos da existência dessas regras da sociedade, agora
e em particular quanto a linguagem, independente de como ela se realiza, nos remete a
questionar até que ponto essa forma de interação linguística quando valorizada, aceitada e
defendida passa a fazer parte de um contexto social.
Existem casos de grupos socialmente formados, pelo menos em termos
sociolinguísticos, no sentido da troca de informações, reciprocamente, essa forma de
linguagem, tende a se perpetuar, e estes grupos quando capazes de expressar seus anseios e
seus desejos em todos os sentidos da liberdade de expressão passam a fazer parte do jogo
social. Criam suas próprias regras para a escrita e a fala, estes pontos chaves incita-nos a
pensar que na questão da surdez, tem mais um caráter de déficit de comunicação por falta de
instrumentos capazes de supri-la do que uma deficiência propriamente dita, que impossibilita
a realização de qualquer tarefa da mais simples a mais complexa, daí o fator da exclusão que
se perpetua.
Mas enfim, para o sujeito surdo, o que melhor lhe convêm para a sua formação social
e educacional? Existem duas formas de linguagem: a língua natural, aprendida desde o
nascimento como sendo a primeira língua e outra como sendo a segunda língua. No caso do
surdo brasileiro, deve ter a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como uma primeira língua e
o Português como sendo uma segunda. Assim, o sujeito surdo deve ser conhecedor da língua
de sinais e em seguida ter o português como forma de expressão com o mundo oralista, desta
forma seria o sujeito surdo possuidor de uma comunicação total.
Ao discutir a educação e a comunicação dos surdos com o restante da sociedade
implica discutir também o tema da inclusão escolar, tratado mundialmente. Na década de
1990, muitos países assumiram a inclusão como tarefa fundamental da educação pública e
diferentes tentativas foram colocadas em prática buscando viabilizá-la. Estudiosos
argumentam que todos os alunos devem ter as mesmas oportunidades de frequenta classes
regulares próximas à sua moradia, defendem a necessidade de um programa educacional
adequado às capacidades dos diferentes alunos, e que promova desafios a todas as crianças
atendidas. Destacam também a importância de oferecimento de suporte a assistência às
crianças com necessidades especiais e aos professores, para que o atendimento seja o melhor
possível.
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Entretanto, vários estudos, realizados em países do primeiro mundo, com condições
gerais de educação satisfatórias, indicam dificuldades de implantação dessas propostas, que
são definidas legalmente de forma ideal, mas que na prática são de difícil implementação.
O movimento da chamada educação inclusiva, defende o compromisso que a escola
deve assumir de educar cada estudante, contemplando a pedagogia da diversidade, pois todos
os alunos deverão estar dentro da escola regular, independente de sua origem social, étnica ou
linguística. Assim, a implementação da inclusão tem como pressuposto um modelo no qual
cada criança é importante para garantir a riqueza do conjunto, sendo desejável que na classe
regular estejam presentes todos os tipos de aluno, de tal forma que a escola seja criativa no
sentido de buscar soluções visando manter os diversos alunos no espaço escolar, levando-os a
obtenção de resultados satisfatórios em seu desempenho acadêmico e social.
Mas alguns autores alertam para o fato de que o aluno surdo, frequentemente, não
compartilha uma língua com seus colegas e professores, estando em desigualdade linguística
em sala de aula, sem garantia de acesso aos conhecimentos trabalhados, aspectos estes, em
geral, não problematizados ou contemplados pelas práticas inclusivas.
Assim, acreditar que valores e princípios da educação inclusiva sejam capazes de
promover instituições mais justas do que aquelas que fundamentaram a segregação,
compreender que o discurso em defesa da inclusão se constitui historicamente como oposto ao
da segregação e, nesse contexto, reconhecer a importância de destacar as vantagens da
educação inclusiva não pode ocultar os problemas todos que esta mesma educação inclusiva
impõe aos surdos como veremos em seguida.
2 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
Ao longo da história, os Surdos travaram grandes batalhas pela afirmação da sua
identidade, da comunidade surda, da sua língua e da sua cultura, até alcançarem o
reconhecimento que têm hoje, na era moderna. No Egito, os Surdos eram adorados, como se
fossem deuses, serviam de mediadores entre os deuses e os Faraós, sendo temidos e
respeitados pela população. Na época do povo Hebreu, na Lei Hebraica, aparecem pela
primeira vez, referências aos Surdos.
Na Antiguidade os chineses lançavam-nos ao mar, os gauleses sacrificavam-nos aos
deuses Teutates, em Esparta eram lançados do alto dos rochedos. Na Grécia, os Surdos eram
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encarados como seres incompetentes. Aristóteles, ensinava que os que nasciam surdos, por
não possuírem linguagem, não eram capazes de raciocinar. Essa crença, comum na época,
fazia com que, na Grécia, os Surdos não recebessem educação secular, não tivessem direitos,
fossem marginalizados (juntamente com os deficientes mentais e os doentes) e que muitas
vezes fossem condenados à morte. No entanto, em 360 a.C., Sócrates, declarou que era
aceitável que os Surdos comunicassem com as mãos e o corpo.
Os Romanos, influenciados pelo povo grego, tinham idéias semelhantes acerca dos
Surdos, vendo-o como ser imperfeito, sem direito a pertencer à sociedade, de acordo com
Lucrécio e Plínio. Era comum lançarem as crianças surdas (especialmente as pobres) ao rio
Tibre, para serem cuidados pelas Ninfas. O imperador Justiniano, em 529 a.C., criou uma lei
que impossibilitava os Surdos de celebrar contratos, elaborar testamentos e até de possuir
propriedades ou reclamar heranças (com excepção dos Surdos que falavam). Em
Constantinopla, as regras para os Surdos eram basicamente as mesmas. No entanto, lá os
Surdos realizavam algumas tarefas, tais como o serviço de corte, como pajens das mulheres,
ou como bobos, de entretenimento do sultão.
Mais tarde, Santo Agostinho defendia a idéia de que os pais de filhos Surdos estavam
a pagar por algum pecado que haviam cometido. Acreditava que os Surdos podiam comunicar
por meio de gestos, que, em equivalência à fala, eram aceitos quanto à salvação da alma. A
Igreja Católica, até à Idade Média, cria que os Surdos, diferentemente dos ouvintes, não
possuíam uma alma imortal, uma vez que eram incapazes de proferir os sacramentos.
John Beverley, em 700 d.C., ensinou um Surdo a falar, pela primeira vez (em que há
registro). Por essa razão, ele foi considerado por muitos como o primeiro educador de Surdos.
É só aqui, no fim da Idade Média e inicio do Renascimento, que saímos da perspectiva
religiosa para a perspectiva da razão, em que a deficiência passa a ser analisada sob a óptica
médica e científica.
Sendo que na Idade Moderna que se distinguiu, pela primeira vez, surdez de mudez. A
expressão surdo-mudo, deixou de ser a designação do Surdo.
Pedro Ponce de León inicia, mundialmente, a história dos Surdos, tal como a
conhecemos hoje em dia. Além de fundar uma escola para Surdos, em Madrid, ele dedicou
grande parte da sua vida a ensinar os filhos Surdos, de pessoas nobres, as quais que de bom
grado lhe encarregavam os filhos, para que pudessem ter privilégios perante a lei (assim, a
preocupação geral em educar os Surdos, na época, era tão somente econômica). León
desenvolveu um alfabeto manual, que ajudava os Surdos a soletrar as palavras (há quem
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defenda a idéia de que esse alfabeto manual foi baseado nos gestos criados por monges, que
comunicavam entre si desta maneira pelo fato de terem feito voto de silêncio).
Nesta época era costume que as crianças que recebiam este tipo de educação e
tratamento fossem filhas de pessoas que tinham uma situação econômica boa. As demais eram
colocadas em asilos com pessoas das mais diversas origens e problemas, pois não se
acreditava que pudessem se desenvolver em função da sua "anormalidade".
Juan Pablo Bonet, aproveitando o trabalho iniciado por León, foi estudioso dos Surdos
e seu educador. Escreveu sobre as maneiras de ensinar os Surdos a ler e a falar, por meio do
alfabeto manual. Bonet proibia o uso da língua gestual, optando o método oral.
Depois da Revolução Francesa e durante a Revolução Industrial, entrou-se numa era
de disputa entre os métodos oralistas e os baseados na língua gestual. Roch-Ambroise
Cucurron Sicard foi um abade francês, famoso pelo seu trabalho como educador de Surdos;
Sicard fundou a escola de Surdos de Bordéus, em 1782, posteriormente sucedeu a L'Épée,
como diretor do instituto criado pelo mesmo, também apoiou a criação de vários institutos de
surdos em todo o país. Pierre Desloges, francês, tornou-se surdo aos 7 anos, devido à varíola,
foi defensor da língua gestual, tendo sido autor do primeiro livro publicado por um surdo,
onde revelava a sua indignação contra as idéias do Abade Deschamps, que havia publicado
um livro que criticava a língua gestual.
Desloges, em seu livro, defende a idéia de que a língua gestual (Antiga Língua Gestual
Francesa) já existia, mesmo antes do aparecimento das primeiras escolas de surdos, como
criação dos surdos e sua língua natural.
Jean Itard, primeiro médico a interessar-se pelo estudo da surdez e das deficiências
auditivas, usava os seguintes métodos nas suas pesquisas: cargas elétricas, sangramentos,
perfuração de tímpanos, entre outras.
Nesse ínterim, Alexander Graham Bell, cientista estadunidense, trabalhava na
oralização dos surdos. Casou com uma surda, Mabel. Bell era grande defensor do oralismo e
opunha-se à língua gestual e às comunidades de surdos, uma vez que as considerava como um
perigo contra a sociedade. Assim sendo, Bell defendia que os surdos não deveriam poder
casar entre si e deveriam obrigatoriamente frequentar escolas normais, regulares. No entanto,
em 1887 Bell, no Congresso de Milão, admitiu que os surdos deveriam ser oralizados durante
um ano, mas se isso não resultasse, então poderiam ser expostos à língua gestual. Esta luta
entre o oralismo e a língua gestual continua até aos nossos dias.
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Durante o desenvolver dos séculos XVIII e XIX, surgiam duas tendências distintas na
educação dos surdos: o gestualismo (ou método francês) e o oralismo (ou método alemão). A
grande maioria dos surdos defendia o gestualismo enquanto que apenas os ouvintes apoiavam
o oralismo – por exemplo Bell, nos EUA, fazia campanha a favor deste método, entre muitos
outros professores, médicos, etc.
Em resultado da evolução nos campos da tecnologia e da ciência, no século XX,
particularmente no campo da surdez, a educação dos surdos passou a ser dominada pelo
oralismo (que encara a surdez como algo que pode ser corrigido). No entanto, sem a cura da
surdez os insucessos do oralismo começaram a ser evidenciados, pois os surdos educados
neste método não conseguiam um emprego, comunicar com ouvintes desconhecidos ou
manter uma conversa fluída.
No Brasil, a educação voltada aos surdos teve início no século XIX com a vinda do
francês Mr. Huet ao Brasil. Aqui Mr. Huet, que também era surdo, elaborou um programa
especial voltado ao ensino dos surdos baseado no alfabeto manual e na língua de sinais da
França. Como não havia escola especial no Brasil, Huet solicitou ao então Imperador D.
Pedro II um prédio para a fundação da mesma. Então no dia 26 de setembro de 1857 fundou-
se o Instituto Nacional de Educação de Surdos-Mudos, atualmente Instituto Nacional de
Educação de Surdos (INES), no Rio de Janeiro. Mr. Huet foi diretor pelo mesmo e do
Instituto dos Surdos de Paris.
Desde a fundação da primeira escola especial voltada ao ensino de surdos até meados
do século XX, há uma oscilação entre o uso da língua de sinais e o método oralista. Somente
em 2002, o então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, aprova a lei 10.436
em 24 de abril que reconhece a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, como idioma oficial
dos surdos no Brasil.
O primeiro aparelho auditivo surge em 1898. Na Antiguidade, os aparelhos usados
eram cornetas, ou tubos acústicos, mas a ampliação eletrônica começou com Bell, em 1876,
quando inventou o telefone com a intenção de amplificar o som para a sua esposa e mãe,
ambas surdas. Idéia que é concretizada em 1900, em Viena, por Ferdinand Alt. Só em 1948
surgem aparelhos com pilhas incorporadas e em 1953 começou a ser usado o transístor em
próteses.
Em 1970 aparecem as primeiras tentativas de implantação coclear. Esse tipo de
implante sempre gerou muita controvérsia nas comunidades surdas em todo o mundo. Os
argumentos a favor do implante resumem-se ao acesso à língua oral, na idade crítica de
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aquisição, que a cirurgia é simples e segura e com a possibilidade de proporcionar à criança
de ter uma vida social com som, e não com deficiência. No entanto, a comunidade surda,
como um todo, é contra a implantação coclear em crianças surdas, antes da aquisição da
linguagem.
Pensa a comunidade que obrigar a criança surda a ser ouvinte, mesmo não sendo,
influencia outros a negligenciar necessidades e meios de apoio à deficiência. Muitos médicos
recomendam que o implante coclear seja acompanhado com a língua gestual, especialmente
nos primeiros anos da criança, a fim de assegurar o pleno desenvolvimento cognitivo da
criança. Segundo fontes médicas, os riscos do implante coclear incluem: infecção, vertigem,
estimulação retardada, forte exposição a campos magnéticos, necessidade de
acompanhamento médico por toda a vida.
Conceituar surdez num determinado contexto histórico, social ou educacional não é
uma tarefa simples, pois requerem conhecimentos dos diferentes graus de perdas auditivas do
sujeito, seus relacionamentos com os pares, a forma como ele vê e como ouve o mundo que o
cerca é tão importante, para que se possa iniciá-los no mundo das letras.
Pesquisas desenvolvidas no Brasil e no exterior indicam que um número significativo
de sujeitos surdos que passaram por vários anos de escolarização apresenta competência para
aspectos acadêmicos muito aquém do desempenho de alunos ouvintes, apesar de suas
capacidades cognitivas iniciais serem semelhantes. Uma evidente inadequação do sistema de
ensino é denunciada por estes dados, revelando a urgência de medidas que favoreçam o
desenvolvimento pleno destas pessoas (LACERDA, 2006).
No mundo todo, a partir da década de 1990, difundiu-se com força a defesa de uma
política educacional de inclusão dos sujeitos com necessidades educativas especiais, propondo
maior respeito e socialização efetiva destes grupos e contemplando, assim, também a
comunidade surda. O termo inclusão, não significa promover a adequação ou a normalização
de acordo com as características de uma maioria e sim, a um significado de fazer parte,
conviver e não se igualar. A idéia fundamental de inclusão é a de adaptar o sistema escolar às
necessidades dos alunos, com ou sem deficiência e com ou sem outros tipos de condição
atípica. Entretanto, vale ressaltar que não se pode “jogar” a criança surda em uma escola ao
em uma classe comum (regular), alegando a necessidade de “inseri-la” na escola regular, essa
atitude mostra que não há um reconhecimento da necessidade da criança surda de ter um
atendimento cuidadoso, para que ela possa desenvolver suas habilidades comunicativas.
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Devido a este movimento de inclusão, houve um movimento de desprestigio dos
programas de educação especial e um incentivo maciço para práticas de inclusão de pessoas
surdas em escolas regulares (de ouvintes).
O modelo inclusivo sustenta-se em uma filosofia que advoga a solidariedade e o
respeito mútuo às diferenças individuais, cujo ponto central está na relevância da sociedade
aprender a conviver com as diferenças. Contudo, muitos problemas são enfrentados na
implementação desta proposta, já que a criança com necessidades especiais é diferente, e o
atendimento às suas características particulares implica formação, cuidados individualizados e
revisões curriculares que não ocorrem apenas pelo empenho do professor, mas que dependem
de um trabalho de discussão e formação que envolve custos e que tem sido muito pouco
realizado.
A inclusão apresenta-se como uma proposta adequada para a comunidade escolar, que
se mostra disposta ao contato com as diferenças, porém não necessariamente satisfatória para
aqueles que, tendo necessidades especiais, necessitam de uma série de condições que, na
maioria dos casos não têm sido propiciadas pela escola (LACERDA, 2006).
A dificuldade maior está em oportunizar uma cultura de colaboração entre alunos
surdos e ouvintes, e que professores e especialistas que participam da atividade escolar
constituam uma equipe com tempo reservado para organização de atividades, trabalhando
conjuntamente numa ação efetiva de proposição de atividades que atendam às necessidades de
todos os alunos. Outro ponto abordado é a necessidade de participação de membros da
comunidade surda na escola, favorecendo o desenvolvimento de aspectos de identidade surda
dessas crianças.
Nas propostas de inclusão, se observa a submissão/opressão dos surdos ao processo
educacional ouvinte nas propostas integracionistas, pois o surdo será excluído de seu grupo,
caso não seja possível interagir linguisticamente. Estará presente fisicamente, mas isolado
psiquicamente. Isso tem inicio no condicionamento de todo o processo educacional ao ensino
do português até a descaracterização completa do ser surdo. Para Zych (2003), isto ocorre, em
geral, pelo fato das instituições escolares de ensino regular não terem profissionais
conhecedores da LIBRAS para poderem interagir com os surdos. Pois é ela que permite aos
educandos não ouvintes, além da assimilação do contexto, compreender o que lhes for
ensinado, pensar rápido, tomar decisões inéditas, praticar ações capazes de surpreender pela
criatividade, inovação e construção de novos saberes.
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Portanto, fica claro que ao que se refere a educação de surdos, a questão da inclusão
não é algo que envolve apenas a surdez, mas se refere a uma reflexão mais ampla da
sociedade, buscando formas de melhor se relacionar com sujeitos de outra cultura, que falam
outra língua, que professam outra fé religiosa, entre outros. Trata-se de um tema muito
debatido atualmente e que busca refletir sobra formas adequadas de convivência, ampliando
os conhecimentos sobre os modos de convivência dos grupos humanos nas suas diferenças
que não é simples e que não se mostra ainda bem resolvida, seja na esfera política, religiosa,
econômica ou educacional (LACERDA, 2006).
Nesse cenário, a educação dos surdos é um tema polêmico que gera sempre debates
acalorados, pois, de um lado, estão o respeito às questões da diferença linguística, à
identidade surda, e os modos próprios de relação cultural que os sujeitos surdos têm; de outro
lado, a preocupação com a inclusão deste grupo na comunidade majoritária, respeitando suas
diferenças e necessidades, mas atentando para que não se constitua como uma comunidade à
parte, marginalizada. Este debate acaba se materializando na defesa, de um lado, de escolas de
surdos e, de outro, pela inserção do aluno surdo na escola de todos.
Isto indica o quanto um modelo, ainda que considerado inclusivo por seus
participantes, pode não ser nada inclusivo. O aluno surdo, apesar de presente fisicamente, não
é considerado em muitos aspectos e se cria uma falsa imagem de que a inclusão é um sucesso.
As reflexões apontam que a inclusão no ensino fundamental é muito restritiva para o aluno
surdo, oferecendo oportunidades reduzidas de desenvolvimento de uma série de aspectos
fundamentais (linguísticos, sociais, afetivos, de identidade, entre outros) que se desenvolvem
apoiados nas interações que se dão por meio da linguagem. A não partilha de uma língua
comum impede a participação em eventos discursivos que são fundamentais para a
constituição plena dos sujeitos.
A experiência da inclusão parece ser muito benéfica para os alunos ouvintes que têm a
oportunidade de conviver com a diferença, que podem melhor elaborar seus conceitos sobre a
surdez, a língua de sinais e a comunidade surda, desenvolvendo-se como cidadãos menos
preconceituosos. Todavia, o custo dessa aprendizagem não pode ser a restrição de
desenvolvimento do aluno surdo. Será necessário pensar formas de convivência entre crianças
surdas e ouvintes, que tragam benefícios efetivos para ambos os grupos.
Assim, para o aluno surdo, que deve cursar o ensino fundamental, será efetivamente
melhor uma escola na qual os conteúdos sejam ministrados em sua língua de domínio, que ele
tenha professores e companheiros que partilhem com ele a língua de sinais, de modo a poder
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se desenvolver o mais plenamente possível, como é oportunizado para crianaças ouvintes no
ensino fundamental.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A escola inclusiva tem o compromisso com o respeito à pluralidade cultural e o
acolhimento ás diferenças individuais, o que implica reconhecer a diferença linguística
relativa aos surdos que, pela falta da audição, necessitam do acesso a experiências linguísticas
mediadas por uma língua que não ofereça barreiras á sua interação e aprendizagem: a língua
de sinais.
As línguas de sinais são línguas utilizadas pelas comunidades surdas que apresentam
um conjunto de regras fonológicas, morfológicas e sintáticas, ou seja, uma gramática própria,
A ausência de barreiras à sua aprendizagem pelas pessoas surdas se deve ao fato de a língua
de sinais possuir modalidade visual-espacial para sua realização: sua produção é realizada por
meios de processos visuais.
A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é considerada uma língua natural para os
surdos, já que sua apropriação se dará naturalmente, ou seja, nas trocas verbais significativas
entre crianças e surdos adultos que a utilizam como forma de comunicação.
Estudos já desenvolvidos, afirmam que as etapas de aquisição da língua de sinais pelas
crianças surdas são semelhantes àquelas apresentadas por crianças ouvintes com a língua oral,
demonstrando que para o cérebro não importa se a língua é oral-auditiva ou visual-espacial
para o desenvolvimento da linguagem. Ou seja, a capacidade de representação, a simbolização
e a formação de conceitos ocorrem tanto em crianças ouvintes quanto em crianças surdas
expostas à língua de sinais.
Diante dessas constatações, é que atualmente defende-se que a educação dos surdos
deva ser bilíngue, assegurando o acesso à língua própria das comunidades surdas e a língua
oficial do país. A educação bilíngue é uma situação linguística que compreende a utilização
de duas línguas na escolarização dos surdos: a língua brasileira de sinais – Libras e a língua
portuguesa.
Em uma situação de bilinguismo considerada ideal as crianças surdas deveriam
aprender, primeiro, a língua de sinais no ambiente familiar e ter plenamente desenvolvida sua
linguagem. A partir dessa base linguística consolidada, processaria-se o ensino de português,
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na escola, aprendido com base em metodologias voltadas ao ensino de segundas línguas. Esse
aprendizado deveria se iniciar já na Educação Infantil.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A pessoa surda enquanto parte da cultura surda é descoberta fora da escola (quando
isso acontece). Assim, os alunos surdos são constantemente expostos ao fracasso tendo como
causa a sua própria condição (não ouvir) e não as condições reproduzidas pelo sistema. A
consequência dessa tentativa de homogeneização é o fracasso, não só acadêmico, mas na
formação de pessoas com problemas sérios de ordem pessoal, social, cultural e política. Até a
sanidade mental desses alunos é colocada em risco, uma vez que, a formação da identidade é
constituída com base em modelos completamente equivocados (QUADROS, 2003).
Em sala de aula, a criança pode parecer desatenta ou “desligada”, justamente porque
não conseguem processar plenamente as informações auditivas que a cercam. Pode apresentar
trocas fonoarticulatórias (p/b, t/d, f/v), em última análise, essa dificuldade poderá se refletir na
escrita, ocasionando problemas no processo de alfabetização/letramento. Geralmente, a
natureza de suas dificuldades na linguagem oral requer um trabalho realizado por
fonoaudiólogos, já que pressupõem a intervenção terapêutica para correção dos padrões
fonoarticulatórios envolvidos na fala. É comum que perdas auditivas leves e moderadas não
sejam percebidas pela família, vindo a ser detectadas apenas na escola, o que contribui para
que a criança tenha prejudicado o acesso ao conhecimento na principal fase do
desenvolvimento infantil, que ocorre até os seis anos (FERNANDES, 2005).
Obviamente que as questões linguísticas são essenciais, mas não são exclusivas ao se
falar de educação. Há várias implicações de ordem social, cultural e política que fazem parte
da formação educacional do indivíduo. Todos sabem que o processo educacional da forma
como está organizado não é nada ingênuo. As questões relacionadas com a formação de
identidade, os tipos de interações sociais, as representações existentes e os papéis
desempenhados pelos surdos dentro da sociedade estão presentes na sua formação dentro da
escola e na própria discussão referente às línguas e nas línguas. Vale destacar que muito da
experiência visual é confundida com a experiência linguística visual, ou seja, a utilização da
língua de sinais. Assim, ter-se-á o cuidado de analisar as implicações linguísticas sem incorrer
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neste reducionismo, situando sempre que possível, portanto, as questões que possam estar
implicadas no processo (QUADROS, 2003).
Portanto, sendo ofertados aos surdos os instrumentos necessários à sua comunicação,
seu potencial intelectual não será apenas preservado, mas seletamente estimulado. Com a
colaboração de um ambiente favorável capaz de aguçar suas percepções para explorar o
mundo e apropriar-se do conteúdo cultural do contexto sociocultural, seu desenvolvimento
será aprimorado. Além disso, é preciso a tentar para novas formas envolvê-los na coletividade
para que, assim, dinamizem seu potencial e aprimorem suas competências, pois não existe
quase nada que possa evitar que crianças surdas, com inteligência preservada, aprendam.
Assim, podemos observar que a educação escolar dos surdos esteve por muitos séculos
à mercê do poder ouvintista, que dela se servia para impor culturas, valores, saberes e
conhecimentos desvinculados de sua identidade. Por décadas permaneceu subjugada a uma
ideologia determinista, correspondente ao domínio de uma política sedimentada pelas
hipóteses da oralização, distanciada do universo da inaudibilidade.
CONCLUSÃO
O termo inclusão tem sido em muitos casos compreendido de forma errada, têm sido
visto do ponto de vista social em apenas incluir, colocar junto com outros e ponto final, a
inclusão é ante de tudo um processo de se autoanalisar, de procurar no outro o que ele tem a
nos oferecer, a forma como vê a vida, as coisas e as pessoas.
A fragilidade das propostas de inclusão, neste sentido, reside no fato de que,
frequentemente, o discurso contradiz a realidade educacional brasileira, caracterizada por
classes superlotadas, instalações físicas insuficientes, quadros docentes cuja formação deixa a
desejar. Essas condições de existência do sistema educacional põem em questão a própria
idéia de inclusão como política que, simplesmente, propõe a inserção dos alunos nos
contextos escolares presentes.
Na percepção dos surdos, bom sistema de educação é aquele que está aberto ao
diálogo e apto a atender às sugestões de seus educandos, que tende a oferecer maior número
de alternativas, onde o conhecimento atua para que haja equilíbrio e harmonia entre a
competência intelectual e a sensibilidade emocional, favorecendo um crescimento expressivo,
através de uma proposta educacional bilíngue.
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Vivemos numa sociedade cuja era é a do conhecimento, e este é um instrumento de
poder. A busca do conhecimento transformou-se numa explosão universal e a relação entre
conhecimento e poder é uma tendência globalizadora que o surdo precisa conhecer e
aprender. Para ele, a escola constitui-se no grande laboratório de divulgação do conhecimento.
Portanto, cabe à escola o compromisso de gerir e prover o conhecimento necessário para a
construção da cidadania de seus partícipes.
ABSTRACT
This article deals with the development throughout the history of school education of deaf people. Highlighby how over the centuries by the preference of educators oral method at the expense of sign language has brought harm to deaf students, because bilingual education is the most recommended. Another aspect discussed in this article is the issue of school inclusion.
Key - words: History. Education. Deaf. Inclusion.
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