catia antonia da silva

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PESCADORES ARTESANAIS E TERRITÓRIO: POSSIBILIDADES E LIMITES AO ACESSO AOS DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PUBLICAS Catia Antonia da Silva Docente Universidade do Estado do Rio Janeiro – [email protected] Nara Oliveira do Nascimento Bolsista de Iniciação a Docência da UERJ Rhanna Cristina das Chagas Leoncio Bolsista CETREINA/UERJ-FFP INTRODUÇÃO No decorrer dos anos de 2012 e 2013, através do projeto “Pescando por meio de Redes Sociais: promoção e facilitação de pescadores artesanais aos direitos e políticas públicas para capacitação de organização social e de apoio a autogestão de empreendimentos”(PROEXT MEC e FAPERJ), foram realizadas atividades a fim de compreender o nível de envolvimento, conhecimento e acesso do pescador artesanal do Rio de Janeiro às politicas públicas do Pronaf, do defeso e o acesso ao processo de aposentadoria. Neste artigo estaremos debatendo sobre o registro de pescador profissional, defeso e a aposentadoria são algumas das referencias legais e institucionais do Estado que passam a atuam na garantia dos direitos sociais referente aos pescadores artesanais profissionais, haja vista a carência que este grupo sofre perante a obtenção e garantia de seu direito ao trabalho e renda. Estas políticas oriundas da luta pelos direitos trabalhistas, que seja dos pescadores bem como de outras categorias profissionais se dão de maneira diferenciada, no território, fazendo assim que a compreensão se dê com maior dificuldade, visto o tempo de vigor de cada legislação. Compreender possibilidades e limites do acesso aos direitos sociais dos pescadores e sua relação com o território é o desafio desse trabalho.

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Page 1: Catia Antonia da Silva

PESCADORES ARTESANAIS E TERRITÓRIO: POSSIBILIDADES E LIMITES AO

ACESSO AOS DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PUBLICAS

Catia Antonia da Silva

Docente Universidade do Estado do Rio Janeiro – [email protected]

Nara Oliveira do Nascimento

Bolsista de Iniciação a Docência da UERJ

Rhanna Cristina das Chagas Leoncio

Bolsista CETREINA/UERJ-FFP

INTRODUÇÃO

No decorrer dos anos de 2012 e 2013, através do projeto “Pescando por meio de

Redes Sociais: promoção e facilitação de pescadores artesanais aos direitos e políticas

públicas para capacitação de organização social e de apoio a autogestão de

empreendimentos”(PROEXT MEC e FAPERJ), foram realizadas atividades a fim de

compreender o nível de envolvimento, conhecimento e acesso do pescador artesanal do

Rio de Janeiro às politicas públicas do Pronaf, do defeso e o acesso ao processo de

aposentadoria.

Neste artigo estaremos debatendo sobre o registro de pescador profissional, defeso

e a aposentadoria são algumas das referencias legais e institucionais do Estado que

passam a atuam na garantia dos direitos sociais referente aos pescadores artesanais

profissionais, haja vista a carência que este grupo sofre perante a obtenção e garantia de

seu direito ao trabalho e renda. Estas políticas oriundas da luta pelos direitos

trabalhistas, que seja dos pescadores bem como de outras categorias profissionais se dão

de maneira diferenciada, no território, fazendo assim que a compreensão se dê com

maior dificuldade, visto o tempo de vigor de cada legislação. Compreender

possibilidades e limites do acesso aos direitos sociais dos pescadores e sua relação com

o território é o desafio desse trabalho.

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METODOLOGIA

A pesquisa e atividade extensionista se deram por meio de oficinas nas

localidades de pescadores da área metropolitana do Rio de Janeiro e a forma da

realização destas se dá através de encontros itinerantes. Através de apresentação e com

material de apoio criado é feita a disseminação para os participantes. Os resultados

alcançados são preliminares, porque a pesquisa se encontra em andamento, é

identificamos limites e possibilidades na requisição destas políticas.

OBJETIVOS

Destarte, com este trabalho pretende-se 1. Apresentar e analisar o teor dessas

políticas e direitos – sua ossatura estruturante e 2. abordar os limites a partir das

experiências com as oficinas realizadas.

COMPREENDENDO A PROBLEMÁTICA DA OSSATURA DOS DIREITOS E

POLITICAS PÚBLICAS VOLTADA AOS PESCADORES ARTESANAIS

Neste trabalho, a análise das legislações que orientam os direitos sociais e as

políticas publicas dos pescadores soma-se ao longo estudo anteriores sobre as politicas

publicas, politicas de qualificação profissional e sobre politica urbana, a partir do

esforço de compreensão das politicas em contexto da metrópole do Rio de Janeiro, a

partir do esforço de entendimento da relação entre economia brasileira e o projeto de

qualificação profissional (SILVA, 2002). Outra oportunidade de estudo da relação entre

politicas publicas e território ocorreu quando participei do projeto “20 anos de

redemocratização”, no âmbito do balanço das políticas publicas de trabalho, no

Observatório de Favelas. A partir de 2010, iniciamos o estudo com as politicas de

normatização e de legalização sobre a pesca artesanal. Em 2011 iniciamos o projeto

pescando por meio de rede sociais e fizemos desde 2012 várias oficinas em áreas de

localidade de pescadores, que nos ajuda a pensar sobre os direitos sociais e política

pública e usa relação com a sociedade e o território. Sem dúvida a um conjunto de

legislação e de planos voltado para os trabalhadores da pesca artesanal, no entanto, nas

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pesquisas de campo, observamos um conjunto de limites que impedem o pescador de

acessar integralmente direitos e políticas voltadas ao trabalho e renda.

POSSIBILIDADES E MELHORIAS A PARTIR DA AÇÃO DO ESTADO

O histórico dos elos institucionais do Estado com os trabalhadores da pesca

artesanal são antigos. De acordo com Resende (2010), na Primeira Constituição

Republicana do Brasil, promulgada em 1891, teve a Marinha como o primeiro braço

institucional do Estado a regionalizar, regulamentar a atividade e a institucionalizar a

pesca artesanal. Já no século XIX, durante o império, é importante ressaltar que a

atividade da pesca contribui para ser um dos braços da Marinha Brasileira de domínio,

ocupação e proteção do litoral Brasil no qual o pescador era considerado como trabalho

livre. A criação das colônias de pescadores e as federações estaduais de pesca ocorrem,

em 1919, quando a Marinha Brasileira cria as “Zonas de Pesca”, núcleos de pescadores

levando em conta quantidade e distância em todas as sedes mapeada que já tinham a

tradição de ser chamadas de “Colônia de pescadores. Em 1926, a atividade passa para

responsabilidade do Ministério da Agricultura, que assume a responsabilidade pelo

reconhecimento da pesca como posto de trabalho, comparado ao agricultor de pequena

escala. Mais recentemente, em 2003 que é criada Secretaria Especial de Aquicultura e

Pesca – SEAP, e em 2009 é institucionalizada o Ministério da Pesca e Aquicultura.

Desde a implementação da industrialização brasileira, a atividade da pesca também

experimenta um processo de especialização e de divisão social do trabalho, criando-se a

pesca industrial, a aqüicultura, a pesca amadora e a pesca artesanal.

No que se refere aos marcos institucionais atuais, a LEI Nº 11.959, de 29 de

junho de 2009, é o principal instrumento de regulação da pesca, definindo-a como toda

operação, ação ou ato tendente a extrair, colher, apanhar, apreender ou capturar recursos

pesqueiros. No Artigo 4o , a atividade pesqueira compreende todos os processos de

pesca, explotação e exploração, cultivo, conservação, processamento, transporte,

comercialização e pesquisa dos recursos pesqueiros. Consideram-se atividade pesqueira

artesanal, para os efeitos desta Lei, os trabalhos de confecção e de reparos de artes e

petrechos de pesca, os reparos realizados em embarcações de pequeno porte e o

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processamento do produto da pesca artesanal. Desse modo, conformando o circuito

produtivo da pesca artesanal. Vale ressaltar que no Artigo 8o Pesca, para os efeitos desta

Lei, classifica-se como atividade comercial, seguindo dois tipos: a) artesanal: quando

praticada diretamente por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de

economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria,

desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte e extraindo no máximo

10 toneladas mensal; e b) industrial: quando praticada por pessoa física ou jurídica e

envolver pescadores profissionais, empregados assalariados ou em regime de parceria

por cotas-partes, utilizando embarcações de pequeno, médio ou grande porte, com

finalidade comercial extraindo mensalmente mais de 10 toneladas.

Deste modo desde a década de 1960, o vinculo normativo com o Ministério da

Agricultura junto ao SUDEPE (SILVA, 1988, NOBREGA, 2011), o reconhecimento do

chamado pescador artesanal profissional ou simplesmente Registro de pescador

artesanal inicia-se a inserção deste trabalhador aos direitos sociais e trabalhistas, o que

se deu tardiamente se comparado ao trabalhador urbano (SILVA, 2002). Outra forma

de institucionalidade e de legalidade do pescador se dá pela mediação junto às colônias

de pescadores, que desde sua criação não foram criadas como sindicatos, mas como

braço do Estado, e os primeiros presidentes eram funcionários da Marinha, ou

funcionários de outra instituição estatal. A luta dos pescadores foi e é muito grande para

se apoderarem da direção das colônias. Com a constituição de 1988, e o conjunto de

conflitos advindo dos processos de modernização industrial e também pala maior

conscientização dos pescadores quanto aos seus direitos trabalhistas, aos acessos às

politicas publica e o reconhecimento das colônias como lugar politica da mediação com

o Estado, observa-se que houve maior apoderamento dos pescadores na direção de

algumas colônias e federação, no entanto, naqueles território em que há grande conflitos

políticos Associações de pescadores tem aparecido, o que passa a ampliar o cenário de

conflitos pela luta de legalidade junto aos órgãos estatais. No território nacional é

comum observar o conjunto de conflitos de legitimidade e de legalidade, construída a

partir desse nexo Estado – pescadores, permeada por ações clientelistas e populistas,

pouco democráticas, principalmente no que se refere às transmissões de poder. Durante

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muito tempo, essa estrutura legal, que consideramos braço do estado, era o nexo que

garantia ou impedia o acesso dos pescadores ao registro profissional (Primeiro pelo

Ministério da Agricultura) agora atribuição do Ministério da pesca.

No Parágrafo 3o da citada Lei, para fins creditícios, são considerados

instrumentos de trabalho as embarcações, as redes e os demais petrechos e

equipamentos utilizados na pesca artesanal, e o parágrafo 4o ressalta que a embarcação

utilizada na pesca artesanal, quando não estiver envolvida na atividade pesqueira,

poderá transportar as famílias dos pescadores, os produtos da pequena lavoura e da

indústria doméstica, observadas as normas da autoridade marítima aplicáveis ao tipo de

embarcação. No parágrafo 5o , por sua vez, especifica que é permitida a admissão, em

embarcações pesqueiras, de menores a partir de 14 (catorze) anos de idade, na condição

de aprendizes de pesca, observadas as legislações trabalhista, previdenciária e de

proteção à criança e ao adolescente, bem como as normas da autoridade marítima.

Desse modo, tanto a regulação do trabalho como da embarcação (meios de

produção), não significa que todos os trabalhadores tem acesso igualmente aos direitos

sociais e trabalhistas, nem às politicas pública para o setor.

A legislação que regulamenta a pesca artesanal é construída de acordo com a

compreensão e os limites da modernização do setor, por isso que a normatização acaba

contribuindo para a manutenção da tradição das forças produtivas, das técnicas na pesca

artesanal e das condições de trabalho do pescador que remonta as bases mais antigas.

Seus trabalhadores e empreendedores, em geral, possuem os meios de produção , exerce

sua atividade de forma autônoma, individualmente, em regime de economia familiar e

vivem em condições de vulnerabilidade e de precariedade. Assim a pesca artesanal

apesar de seu reconhecimento junto ao Estado como atividade econômica e posto de

trabalho vive nos limites da formalidade/informalidade, isto se deve aos vários fatores

que vale a pena desvelar ao longo do desenvolvimento desse projeto de pesquisa, ensino

e extensão, tais como: dificuldade de modernizar o setor, a atividade e os negócios;

dificuldade de infra-estrutura de armazenamento e de abastecimento do pescado e dos

frutos do mar, dificuldades de vender no mercado ampliado (atacado). A perecibilidade

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de seu produto e a dificuldade de organizar seu negócio tornam os pescadores

vulneráveis negociantes, por isso, a atividade vive atrelada às mãos dos

“atravessadores” (comerciantes que realiza a atividade de compra em atacado do

pescador e vende mais caro a outro comerciante - mercado de pescado, supermercado,

feiras, restaurantes etc.). Apesar da pesca artesanal se responsável pela grande maioria

da produção no mercado nacional, em geral e no mercado fluminense, em particular,

atingindo mais de 50% da produção, a atividade vêm passando por forte processo de

crise que tem acelerado sua precarização, apesar do quadro de lutas de seus

trabalhadores, e a reivindicação junto ao Estado por políticas públicas de trabalho e de

estímulo ao desenvolvimento do setor.

Retornando a estruturação do Estado para o posto da pesca artesanal, com o

registro de pescador profissional, o pescador consegue solicitar outros direitos, tais

como o seguro-defeso, semelhante ao seguro desemprego, criado em 2011 (ou 2009)

que consiste numa assistência financeira que protege as espécies e garante renda aos

pescadores. O pescador profissional que exerce suas atividades de forma individual ou

em regime de economia familiar fica impedido de pescar durante a reprodução das

espécies. Nesse período, em que o tempo de proibição é definido por lei junto ao

IBAMA ( que fiscaliza junto com o setor policial), os pescadores profissionais recebem

o Seguro mensalmente, na quantia de um salário mínimo.

Na Instrução Normativa nº 02, de 26 de janeiro de 2011, fala-se que a meta do

Ministério da Pesca e Aquicultura é universalizar o acesso aos pescadores que capturam

espécies controladas. Para receber o benefício é preciso cumprir as novas exigências

contidas.

A grande problemática de acesso ao defeso, assim como ao registro profissional é

que este benefício é regulado pela lei e pelas instruções normativas, que dependendo da

conjuntura, ora obriga o pescador a ter vinculo com as colônias, ora desobriga, depois

de muitos conflitos inclusive mediados pela justiça, pois o vinculo institucional, dito

sindical é livre para o trabalhador. E esta obrigatoriedade, muitas vezes impede o

exercício da cidadania plena.

Page 7: Catia Antonia da Silva

DIREITOS TRABALHISTAS E A APOSENTADORIA

A aposentadoria do pescador é regulada nas normas do trabalhador rural pelo

INSS – Instituto Nacional de Seguro social, é uma entidade de caráter assistencialista e

contributivo, vinculada ao Ministério da Previdência Social – MPS, que tem por

objetivo promover o reconhecimento e conceder benefícios aos trabalhadores de acordo

com o regimento ao qual estão submetidos.

A Constituição de 1988, portanto veio para consolidar o direito desses

trabalhadores buscando promover a universalização da cidadania.

De acordo com Leonardi et al.(2009):

Em assim procedendo, não se pode deixar passar em branco o princípio

constitucional da Seguridade Social inscrito no inciso II, do parágrafo único,do art. 194,

da Constituição Federal de 1988, que determina ao legislador ordinário, ao criar o

Regime Geral de Previdência Social, consoante o disposto no art. 201, da Constituição

Federal de 1988, a observância uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às

populações urbanas e rurais. Por esse princípio, as prestações da seguridade social serão

idênticas para toda a população, independentemente do local onde residam ou trabalhem

as pessoas (uniformidade dos benefícios e serviços), e que deverão ter valores iguais

(equivalência dos benefícios e serviços). Não deixa de ser o principio da uniformidade

um desdobramento do princípio da igualdade, no sentido da impossibilidade de serem

estabelecidas distinções.

A Constituição de 1988 já apontava para a necessidade do exercício da seguridade

especial e é a Lei 8.213/91 que passa a regular o exercício e auxiliar os trabalhadores

rurais no sentido de que esses trabalhadores ao invés de comprovar contribuições

passam a comprovar tempo de atividade profissional, além de incluir todos os membros

da família que trabalham na mesma atividade auxiliando o (a) pescador (a) no

beneficiamento do produto, conserto e reparo de redes, entre outras atividades

complementares a pesca, como segurados especiais.

Desse modo, na ótica estatal o trabalhador rural enquadra-se na categoria de

Segurado Especial do INSS, sendo este definido como “o produtor, o parceiro, o

meeiro, e o arrendatário rural, o pescador artesanal e seus assemelhados, que exerçam

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essas atividades individualmente ou em regime de economia familiar1, com ou sem

auxílio eventual de terceiros (mutirão).” (Disponível em: http://www.mpas.gov.br.

Acessado em 06/08/2013) sendo diferenciado dos demais contribuintes pelo caráter de

economia de subsistência do núcleo familiar.

O segurado especial pode utilizar seus serviços em casos de aposentadorias por

idade, por invalidez, por tempo de contribuição e em casos em que fique impossibilitado

para o trabalho por motivos de doença, como o auxílio-doença; em casos de acidente

como o auxílio acidente; em caso de morte, deixando pensão para seus dependentes; em

caso de prisão com o auxílio reclusão; em caso de gravidez e com o salário

maternidade. Os trabalhadores também podem contar com os serviços de reabilitação

profissional, serviço social e perícia médica. Os trabalhadores também podem contar

com os serviços de Reabilitação Profissional, Serviço Social e Perícia Médica.

O trabalhador rural na categoria de segurado especial só pode requerer sua

aposentadoria por Idade, a contar com o mínimo 55 anos (mulher) e 60 anos (homem) e

comprovar 15 anos de atividade, através dos documentos comprobatórios de sua

profissão. categoria em que se inclui o pescador artesanal, contribui com uma alíquota -

2,3% - com um desconto sobre a sua produção de forma diferenciada dos outros

segurados do Regime Geral da Previdência Social, que descontam 20% sobre o salário

de contribuição.

Teoricamente, quando um pescador comercializar a sua produção para uma pessoa

jurídica, consumidora ou consignatária (que vende a produção comprada de outros),

deveria ser obrigado a realizar o desconto de 2,3% e efetuar o recolhimento ao INSS,

mas nem sempre isto acontece. Em geral, o que ocorre por parte daquele que compra a

produção, o próprio pescador é quem efetua recolhimento e efetuar o pagamento,

descontando este percentual o segurado quando se aposentar terá direito a um salário

mínimo mensal.

1 O regime de economia familiar se caracteriza como uma atividade doméstica de pequeno porte, que se

restringe à economia de consumo de uma comunidade familiar, onde os membros de uma família

produzem, sem vínculo empregatício, agindo com espírito comunitário, visando garantir a subsistência

do próprio grupo familiar.

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Além disso, o segurado especial deve comprovar a atividade da pesca artesanal,

para cumprir a carência do benefício pleiteado, através de documentos ao longo de sua

vida laboral. Os limites ao acesso são muitos. Destacamos aqueles que segundo as

oficinas, consideramos principais: durante muito tempo somente se considerava a

declaração da colônia, dentre outros documentos exigidos como obrigatoriedade para

acessar o benefício. No entanto, a partir de 2011, depois de luta, demonstrando a

inconstitucionalidade2, o trabalhador poderá apresentar outros documentos que podemos

comprovar o tempo de atividade na pesca artesanal, e seus vínculos institucionais, tais

como de associação de pescadores, desde que esteja regulamente reconhecida.

LIMITES DO ACESSO DIREITOS AOS PESCADORES ARTESANAIS E

REFLEXÃO CONCEITUAL: TECENDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O Estado exerce sua onipresença também pela escrita e sua atuação se materializa

no território no momento em que as normatizações atingem os pescadores, negando (na

maior parte das vezes) o exercício de sua atividade, os seus direitos. A respeito da

escrita como parte fundamental da burocracia do Estado, Poulantzas (2000) argumenta:

Segundo Frey (1999), no caso do Brasil, devemos direcionar a nossa análise sobre

as políticas públicas compreendendo que a estrutura de funcionamento do país se

apresenta nos moldes de uma institucionalidade não consolidada, pois é a partir da

atuação dos mais diversos grupos sociais e atores políticos que se busca manter a coesão

social. Portanto, é seguindo as decisões de determinados grupos oligárquicos que são

privilegiados interesses particulares, dificultando a existência de um padrão de ação que

defenda os direitos coletivos.

Segundo Frey (2000), os resultados obtidos com os programas e projetos

vinculados ao contexto político ganham novos componentes durante o processo de sua

implementação. A diversidade de atores e agentes que caracterizam o percurso da

constituição e da aplicação das políticas públicas enraíza-se em tensões políticas,

fazendo com que os resultados obtidos variem de acordo com os interesses daqueles que

tiverem um maior poder de disposição no decorrer deste processo.

2 A Constituição de 1988 destaca a livre iniciativa de representação associativa e/ou sindical.

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O autor também destaca a importância de compreendermos a trama de interações

entre as diferentes representatividades envolvidas no processo de implementação das

políticas públicas como se fizessem parte de uma rede política. É por meio desta que os

conflitos e as disputas pelo poder são travados, fazendo com que essa se consolide como

uma grande arena de embate entre atores sociais e agentes do Estado (na maioria das

vezes) com leituras de mundo distintas, visando à manutenção e/ou a criação de

condições que assegurem interesses e reivindicações (FREY, 2000). Ressalta-se, ainda,

a existência de interesses político-eleitorais, os quais desconsideram os ente federativos

que mediam as políticas públicas (órgãos federais, órgãos estatais). A mediação no

território, ou seja, na dimensão social e politica do espaço, as ações de Estado se

orientam por ações e poderes locais, que utilizam os recursos públicos, criando redes

mediadas pelas racionalidades instrumentais dominantes (burocratização legal) e os

interesses locais. O território, neste sentido, só faz sendo pensar como categoria

geográfica aproximando ao conceito de espaço banal (cotidiano praticado) e dos usos

múltiplos (SANTOS, 1996).

ÚLTIMAS PARAVRAS

Nos limites deste artigo e na elaboração das análises dos resultados do projeto,

temos identificado um conjunto de problemas de acessos aos direitos sociais e políticas

públicas aos trabalhadores homens e mulheres no posto da pesca artesanal, categoria

profissional que tem larga história com a interação do Estado, mas uma relação de

controle e dominação sobre os sujeitos e suas ações, ao mesmo tempo servia como um

dos braços de domínio territorial. Acessar os direitos trabalhistas de fato vai acontecer

somente na segunda metade do século XX e é com a Constituição de 1988, que

ampliam-se os direitos a partir das legislações complementares e da luta desses

trabalhadores. O território aparece como teia de relações sociais de usos clientelistas e

populistas que impedem o exercício pleno de direitos sociais e de acesso às políticas

públicas. Soma-se a isso a ossatura de Estado, que como ensinam Weber (2000) e

Poulantzas (2000) a estrutura da burocracia legal e a racionalidade técnica e

instrumental (o que inclui normas, a obrigatoriedade de multiplicidade de documentos e

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ações dos técnicos), que nas diferenças socioespaciais acabam por contribuir na

limitação do acesso aos direitos.

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