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RAM Residência Artística na Mutuca 2012

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A residência Artística na Mutuca | 2012, aconteceu entre os dias 07 e 22 de julho, realizada pelo coletivo Estandelau, Juliana Gontijo e Rafael Mattos, contando com a presença das artistas residêntes Anna Arbo, Carolina Botura, Adriana Penido e Marlucia Temponi e dos artistas e orientadores Paulo Nazareth, Letícia Weiduschadt.

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RAMResidência

Artística na Mutuca 2012

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Publicado em 2012

Textos:Anna Arbo, Adriana Penido, Carolina Botura, Estandelau, Juliana Gontijo, Marlucia Temponi, Rafael Mattos.Projeto gráfico: Juliana GontijoCapa - fotografia: Juliana GontijoRevisão: Estandelau e Rafael Mattos

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A residência Artística na Mutuca | 2012, aconteceu entre os dias 07 e 22 de julho, realizada pelo coletivo Estandelau, Juliana Gontijo e Rafael Mattos, contando com a presença das artistas residêntes Anna Arbo, Carolina Botura, Adriana Penido e Marlucia Temponi e dos artistas e orientadores Paulo Nazareth, Letícia Weiduschadt. Nesse tempo também tivemos a presença dos artistas Karina Felipe, André Gontijo, Marina de Paula Lima, Kennedy Rafael, Nerino de Campos e Nemer Sanches. Agradecemos a todos pela colaboração, ao patrocinador MUM | Museu da Mutuca pela parceria na realização e EXA [Espaço experimental de Arte] , LASTRO [Intercâmbios livres em arte] e Casa Camelo e Marco Paulo Rolla pelo apoio. Agradecemos principalmente à comunidade de Atamira que nos recebeu e nos ajudou a contruir esse projeto.

RAMResidência

Artística na Mutuca 2012

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EDITORIAL

O material gráfico elaborado para essa primeira edição da Residência Artística na Mutuca tem por intensão apresentar a iniciativa proposta pelos três artistas envolvidos na produção deste movimento cultural. A RAM é uma nova porta de comunicação que se abre para receber artistas em um pequeno distrito no qual a vida segue num ritmo diferente do das grandes cidades, a dificuldade de comunicação, por telefone, internet, traz aos artistas residentes uma possibilidade de imersão em seu próprio trabalho, tempo para produzir, ler, discutir e compartilhar experiências e conhecimentos sobre arte com outros artistas e moradores locais. Apresentamos à seguir textos sobre as pesquisas artísticas desenvolvidas nessa primeira edição RAM | 2012 e ao final deste catálogo um DVD contendo imagens e vídeos dos trabalhos em questão. Para comunicar-se com a RAM entre em contato pelo e-mail: [email protected]

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fotorafia: Juliana Gontijo

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Anna ArboEspera Feliz, Minas Gerais, Brasil

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Pulso/ fontepor Anna arbo

eu queria ver os contornos do rio e das pedrasescutar nos buracos da água o seu silenciosoescorrer

o mineral explodiu

ao tato é como uma folha como a areiaa raiz brilha no olhar

olho a montanha o rio a árvore a linha das mãos

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investigando a superfície da água chega um feixe de luz e faz brilhar o fundo de um buraco

o meu olhar vai com a luz vermelha que ilumina o lugar

coloco a cabeça no buraco

toco o chão

descubro ali dentro um coração repousado

um coração esculpido pelo rio traçado em vermelhouma serpente um círculo

e eu sinto que a natureza pinta e desenha

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fotorafia: Estandelau

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Como falar com as águas

por juliana gontijo

Caminhar na superfície do tempo é o que se pretende alcançar ao tatear as pedras como se fossem topografias. Buscando vestígios da história da transformação da paisagem sobre as fraturas de pequenos fragmentos de rochas encontramos imagens, formas que se repetem e que de repente parecem querer nos dizer algo: um coração, do grego kardía, também faz referência a pontos cardiais, o centro que orienta a direção. A forma simbólica de um coração parecia mostrar como se ligar à terra, as imagens que se assemelham e se buscam nos trazem mensagens, isso é, se comunicar pela imagem. Imagem como símbolo, imagem como significante e significado, através desses confrontamentos com essa forma a pesquisa de Anna Arbo durante a residência foi tomando outros caminhos, como se o coração orientasse um novo norte, para um lugar de percepção do ciclo do mundo e ciclo da vida que pudesse alcançar um diálogo em Altamira. Semelhança pela forma. Assim deus se aproxima dos homens, a sua imagem e semelhança, assim os homens se aproximam do mundo. Voltar o olhar para baixo na intensão de observar o universo é um gesto humilde de quem reconhece na poética das minúcias a grandeza do mundo, daí nasce a “escultoria” palavra cunhada por Anna durante a Residência Artística na Mutuca, trata-se de uma palavra fundida, escultor e cantor, é preciso observar e escutar o rio. A técnica de colagem e sobreposição não se atém ao teor teórico em seus trabalhos, mas faz parte de sua estratégia para compreender as imagens, os olhos percebem, a camera registra, as mãos colam e a percepção se transforma. Transformar as ranhuras das pedras em caminhos de um rio faz parte desse método, é preciso estar atento e observar as imagens lado a lado para se construir esse possível caminho, que passa pela superfície das pedras e que de alguma maneira revelam o caminho cursado por elas sobre a Terra. Nesse pensamento há um tanto de metafísica. Pensar as pedras, matéria prima no trabalho de Anna Arbo, como formas substanciais, que tratam da matéria, dos elementos que a compõe, e formas acidentais, formas que remetem à uma ideia, a um conceito a um pensamento reconhecível, ao mesmo tempo. O que cerca essa questão, vai além da tentativa empírica de explicar as relações entre o indivíduo e o mundo, e aceitar que

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o homem se relaciona pela forma, pela cor, pela imagem impõe-se para nós como uma questão passível de aceitação. A criação é sempre um reencaixe, não podemos imaginar uma forma, por exemplo, que não seja encontrada em semelhança em algum outro ser ou objeto reconhecível na natureza. Assim como o rio é o agente de transformação, o rio que carrega partículas, areias, pedras, carrega e transforma. O artista também o é na medida em que transforma o simples em belo e a certeza em questão.

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fotorafia: Kennedy Rafael

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Carolina BoturaBotucatu, São Paulo, Brasil

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por carolina botura

Aquele vale. Impossível partir de outra esfera que não a do meio, a do útero, a Mutuca escura do primeiro encontro que esmagou meu peito aberto para o rochedo, para o buraco. A pedra grande, vinda de longe, a pedra a se compreender a água agora, o que acessei como contínuo mistério, a continuidade aguda da flor ocre. A flor fechada, muitas flores por lá são assim, protegidas como a vila com suas duas serras muralhas análogas em forma, com suas cúpulas de costuras invisíveis e de tempo exato, quando elas se abrem é quando, e agora podemos entender o símbolo de toda sua gênese, aquilo que está por trás, é com isso que se joga, está em seu ciclo o que Beuys chama de teoria da plasticidade da planta na tentativa de entender o funcionamento de qualquer organismo vivo através do desenvolvimento da planta a partir do movimento leminiscático[1], a forma chama, a qual está presente e é elemento de investigação sempre explorado dentro das tentativas. Fixar flores dentro da mão à semelhança de ir dos corpos, o interno do manuseio que define a forma de um órgão que também segue a estrutura da chama, existe a busca por uma associação ao corpo, uma possibilidade de aproximação pela forma, pois que o encaixe é orgânico e, portanto passível, receptivo a engrenagem. Me interesso por um intervalo, entre o fim e o recomeço do ciclo, é neste hífen que acolho a planta, no solo antes de se reintegrar ao solo, sem forçar uma pausa, mas na intenção de investigar sua existência e o que ela guarda neste momento entre, suas interlocuções, suas passagens. O rearranjo dos elementos é elegido então para uma criação, no sentido visual, agrícola e etéreo, de uma nova imagem no intuito de que o objeto natural se transponha e ganhe conotações necessárias de um impacto que se quer manter no momento presente, ou seja, não interessa o registro de sua transformação, o que mudou aqui e ali, esta constatação de tonalidade perdida aonde, onde a água se foi, onde a luz ou o ar faltou ou excedeu, suas transformações estão sempre registradas no hoje. O objeto me interessa sempre agora, sem que com isso se anule a passagem do tempo, que é elemento essencial do trabalho carregado de suas impressões, ele é associado à matéria. Não me interessa sua idade, mas posso ver nas suas rugas uma história que passou e que o constitui no momento presente. Neste processo, há uma sobreposição inevitável de tempos posto que cada parte esta dentro de uma esfera temporal diferente, de plantas com idades, ciclos e períodos de amadurecimento diversos.

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Pode-se também observar esta relação através da reação de contato de cada planta ao toque, a manipulação e aglutinação que se dá em momentos particulares a cada uma. Os trabalhos são formados, portanto por sua suscetividade, no que tange a todos os elementos que com ele se relacionam, sua epigenética[2]. A água inevitável e abundante da região esteve sempre muito presente nos textos poéticos que escrevi no livro de artista produzido durante a residência, como não poderia deixar de ser, pois apesar de estar invisível nos trabalhos diretamente, é sobre ela, ou melhor, sobre sua perda que recai a mudança. Atrás do visível há todo um mundo de invisível. Sua ausência transforma a flor que adquire caráter de pedra, a pedra ausente de água é por ela também modificada, um ciclo sem pena das perdas, pois é de nossa natureza o que se perde, nosso sinal de realidade, a perda como germinidade, o estado de graça que nada é fixo num princípio contínuo, dentro daquilo que se pode e não se pode influenciar. Me interessa muito trabalhar com um material realmente vivo cujas respostas surpreendentes a segunda natureza me auxiliam a entender coisas muito simples e essenciais da vida, tudo muito íntimo e muito delicado. Observar o desenho que o vento faz na folha da bananeira, a história na forma, na cor da pedra, um exercício de afeto e transmissão indissociável.Em Altamira, pude experimentar assim, um laboratório natural muito rico, profundo e vivaz. Em sua realidade verticalizada estive atenta, onde eu também nascia com uma célula do que se há a apreender desta natureza.

[1] Movimento lemniscático: derivado de lemniscata, figura geométrica em forma de hélice. Na matemática símbolo do infinito, na antroposofia é usada para descrever o movimento da Terra.

[2] Epigenética: enfoca as interações de todos os insumos que afetam o processo de desenvolvimento de um indivíduo do nível molecular em diante.

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fotorafia: Carolina Botura

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A VIDA COMO ALGO INTRANSFERÍVEL – ARTE COMO TENTATIVA DE TRANSMISSÃO DE UMA EXPERIÊNCIApor estandelau

Existe uma espécie de força natural que compreende e envolve de forma cabal as coisas, faz brotar o inesperado e assim, abarca todas as condições, inclusive a nossa, a humana. O Sol toca a pele ao longo do tempo como um efeito de Reverb[1], lento e ecoante. As folhas das bananeiras balançam em um ritmo sincopado, verdejante. O que irrompe o ritmo calmo, tanto das cores quanto das formas, é a queda de algumas folhas secas no chão oxidado. É inútil tentar qualquer descrição de um espaço convulsinário e tranquilo, pois tal experiência em papel impresso ou em uma tela de monitor sufoca de forma brutal, a infinita delicadeza que surpreende pela simplicidade inerente ao cotidiano vivenciado em Altamira. Se os dias são difíceis, não se aparentam. Do berço ao túmulo em Altamira, uma realidade incontrolável é a única possibilidade. Trapacear essa lógica significa fracasso. Toda geodésia[2] se torna desnecessária quando se percebe tal espaço como um local, simples, seco, verde, objetivo, subjetivo, perdurável, efêmero, válido, sólido, maciço, autêntico e miraculoso. É possível falar de um agente artístico que apresente plasticidade no sentido de moldar tencionando sua proposta de trabalho ao espaço de atuação, ou absorver do mesmo, dimensões particulares simultaneamente a sua elaboração? De forma exemplar, um espaço natural, semi-intocado, mostra como seres de caracteres distintos e em patamares evolutivos variados, podem formar uma concordância na qual estabelecem uma unidade coesa, como células e órgãos de um único mecanismo natural. Mesmo entendendo um trabalho artístico como algo alheio aos processos intrínsecos de Altamira, a atuação de Carolina Botura se pautou em uma relação simbólica de Inquilinismo[3], no que diz respeito a sua produção plástica. Existiu uma associação interespecífica harmônica, na qual a artista foi beneficiada, sem,

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entretanto, existir prejuízo para o espaço associado. Foram construídos objetos que ressaltavam reservas de delicadeza e modéstia, também era perceptível a familiaridade da artista com os materiais disponíveis em Altamira. A procura por um local ou material, expressivamente potente para a artista, não foi regida nem por uma postura arrogante que desconsidera o local, muito menos por um exibicionismo que despreza organismos diferentes dos que estamos habitualmente acostumados a pensar como seres vivos. Existiu um engajamento que se mostrou disposto a encarar o estranho e o desafiador como algo íntimo e acolhedor. A relação de Carolina Botura com a materialidade presente em Altamira – plantas, pedras, cachoeiras, terra – está profundamente arraigada a uma intenção sutil de reformulação de elementos biológicos, que são reconduzidos ao poético. Relação essa, que denota aos organismos ou objetos encontrados no caminho, um impulso reivindicatório de uma poesis contida neles. A modelagem ou o agrupamento dos mesmos oferecia, ao público presente na exposição, a experiência potencializada de percepção excepcional do que aparentemente se apresentava como trivial para a população de Altamira. A matéria prima do local foi entendida como símbolo visual e não apenas como objetos naturais. O que tornou filiações – entre espécie – conjunções naturais administradas pelo próprio acaso. Força, fragilidade, durável e efêmero se justapõe de forma intencional em suas Tentativas Orgânicas. A artista influência os princípios construtivos dos elementos coletados, com a intenção de formular uma criação artística que permita aflorar uma inteligência a cerca da multiplicidade das formações orgânicas condensadas e rearranjadas em objetos artísticos. O sentido dos regimentos peculiares e inexplicáveis da natureza não se dissemina por contágios, mas por ressonância. Ou seja, o ato de construir um objeto com elementos naturais que tem o objetivo próprio de ressonância, aponta para a edificação de uma neuroplasticidade[4] no que se refere ao objeto artístico como algo que emite simbolicamente uma acepção a alguém ao mesmo tempo em que recria funções e estruturas perceptivas

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acerca do entendimento da artista sobre a natureza. Esse sentido toma forma de um sinal, que mesmo disperso no espaço e no tempo, consegue impor ritmo a suas próprias oscilações com densidade suficiente para se transmitir um princípio de formação de uma concepção de ordem estética, que é análoga a uma experiência de vida. É por tal motivo, que a transmissão de uma experiência via trabalho artístico, esbarra em uma interpretação subjetiva que ao mesmo tempo, impede que acessemos as barreiras do privado – no caso as motivações internas de Carolina Botura – mas faz florescer também, sentimentos e sensações coletivas que não estão presentes apenas no agente, são também por nós compartilhadas e irrestritas.

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[1] Efeito de ressonância que percorrem um caminho em zigue-zague por todas as direções. Nesse intervalo de tempo, a fonte emite novas ondas que se combinam com as anteriores. As vibrações aumentam, portanto, progressivamente de intensidade até alcançar um valor estacionário. [2] O termo geodésia foi usado, pela primeira vez, por Aristóteles (384-322 a.C.), e pode significar tanto ‘divisões (geográficas) da terra’ como também o ato de ‘dividir a terra’ (por exemplo entre proprietários). [3] Inquilinismo é um tipo de relação ecológica entre organismos de diferentes espécies onde não ocorre prejuízo para a parte que hospeda a outra espécie. Um exemplo clássico é o caso da interação existente entre orquídeas e as árvores em cujo tronco se instalam (não havendo ali a postura de parasitismo). [4] O termo refere-se à capacidade do cérebro de modificar sua composição e desempenho, em decorrência de experiências anteriores, estas podem ocorrer através de processos de aprendizado, devido ao cérebro ser “plástico” e “maleável”.

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fotorafia: Adriana Penido + Marlucia Temponi

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Adriana Penido + Marlucia TemponiMatutina Minas Gerais, BrasilNova Lima Minas Gerais, Brasil

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Se pensarmos o cotidiano como um conjunto de percursos e situações que se repetem dia após dia, nos pressionando, nos impondo o peso de certa maneira de viver, a experiência da paisagem seria então a transmutação, a suspensão, o intervalo.1

Karina Dias

Altamira ou Alta (mira). Região compreendida entre a Serra da Mutuca e a Serra de Altamira, em Minas gerais. Foi este o cenário onde contruímos o nosso trabalho intitulado “Eu tenho o dia e a noite”. Trata-se de duas instalações construídas com tijolos de adobe feitos a partir da mistura de terra, palha e estrume e outra de pau-a-pique, técnica de construção ancestral que utiliza bambu, cipó, terra, capim e estrume. Construímos na paisagem paredes ajaneladas ou melhor: construimos visadas, janelas, possibilidades. Tornamos visível a paisagem cotidiana, talvez já nem vista. Quando falamos em paisagem, a primeira ideia que nos chega é a imagem da janela. Esta, então introduzida na pintura pelos pintores flamengos, foi a responsável pela “invenção da paisagem” na pintura ocidental. A janela nos permite”enquadrar” o mundo. São pontos de vista, recortes de paisagens. Paisagem é definida por Miltom Santos, como a parte visível do espaço; ou seja, até onde nossa visão alcança, pode-se chamar paisagem. É também paisagem aquilo que vemos e enquadramos com o nosso olhar-em-paisagem, descrito por Karina Dias como pessoal e íntimo. O recorte ajanelado na parede foi definido in loco, pois este, precisava ser atravessado pela luz do sol, em determinado momento do dia e também para observação do céu à noite. Apesar do recorte na parede ter sido determinado por nós, isto não resultou numa paisagem determinada. A visada será sempre múltipla, pois um simples movimento do corpo faz-nos enquadrar outra paisagem. São desta forma, infinitas as paisagens, assim como são infinitas também as maneiras de olhar. Para Márcio Santos, “Em verdade, a paisagem é uma realidade provisória, que está sempre por se formar; é um quadro de devir, nunca está pronta e muda a cada momento: em suma é uma realidade efêmera.” Recortamos janelas para ver a paisagem grandiosa e também para o ínfimo; o ordinário. Uma visada para o capim, outra para o

EU TENHO O DIA E A NOITE

por Adriana Penido + Marlucia Temponi

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“pequeno mundo”. Ver as montanhas e o seu entorno. Ver o céu e sua constelação, trazer o céu à terra, com um olhar descrito a partir de uma janela aberta numa parede de terra. Trazer para o enquadramento do olhar uma parte do universo que nos cerca. Levantar a terra, fazer dela uma parede, um obstáculo. Um obstáculo que fecha e ao mesmo tempo revela, deixando entrever recortes de paisagens. Uma paisagem que é singular, pessoal. É um olhar na imensidão. Construir e trazer à tona resquícios de uma cultura passada. Tijolos preparados com camadas de terra retiradas de uma encosta sedimentada, carregada de memórias de um tempo. A massa se faz por meio da mistura dessa terra e outros elementos como o estrume de boi fresco e a palha do capim; que dão mais estrutura e resistência ao tijolo. Num buraco cavado no chão prepara-se a massa. Pés revolvem a mistura, fazendo com que a massa se torne lisa e homogênea. Uma parede erguida a partir da terra que se solidificará e como num ciclo, novamente será permeada de memórias e tempo. Uma testemunha da paisagem que se enquadra na abertura que chamamos de janela. Fragmentos poéticos deixados à deriva para quem se presta a enquadrar. Com uma construção de estética simples, neste trabalho a paisagem é um espaço que convida ao movimento. Deixar-se impregnar pela paisagem do mundo a nossa volta dialogando com nossas paisagens interiores.

-DIAS, Karina. Entre Visão e Invisão: Paisagem (Por uma Experiência da Paisagem no Cotidiano). Brasília: Programa de Pós-Graduação em Arte, Universidade de Brasília, 2010.-SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: HUCITEC, 1988, p.61.-SANTOS, Marcio Pereira. O espaço humanizado, a paisagem humanizada e algumas reflexões sobre a paisagem em São Paulo no século XVIII e XIX. 2006, 192 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

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fotorafia: Rafael Mattos

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Altamira, Mutuca, dois nomes, uma região. Localizada dentro da Serra do Espinhaço, maciço de montanhas que percorre o estado de Minas Gerais até a Bahia. Localizada na Area de preservação permanente (APA) Morro da Pedreira, Altamira está inserida na área de amortecimento do Parque Nacional da Serra do Cipó, por ser seu limite ao Sul. A localidade configura-se como um vale conduzido por duas serras, a serra da Mutuca e a serra de Altamira, que chegam a altitude de mais de 1.400 metros. Além disto, Altamira também esta inserida na região metropolitana de Belo Horizonte, sendo seu limite Leste. Trata-se de uma região rural, onde seu principal produto econômico é a banana. Neste contexto a Mutuca se configura como um refugio, um lugar de parar e observar, levando-se em consideração que a estrada termina na região. Chegando-se lá a única opção é permanecer ou voltar. A mutuca nos proporciona outros tempos e vivencias, outros pontos de vista para a produção de arte. É neste contexto que se insere a Residência Artística na Mutuca, Trabalha-se assim com o deslocamento da produção de artística do centro para o limite da região metropolitana de Belo Horizonte. Os artistas participantes foram convidados a interagir com esta região, seus materiais, ambientes e moradores. Deste modo, Marlúcia Temponi e Adriana Penido trabalharam na Mutuca o que há de mais básico, a terra, o barro. Alguns até dizem que fomos moldados nele. Assim, do que era o barranco do zezim (morador da região) deram forma a visualidades que já não faziam parte do cotidiano dos moradores da região. Ergueram três paredes com visadas, duas construídas em Adobe e duas de Pau-a-pique. O Adobe ou Adobro, como chamam na região, já deixou de ser utilizado como forma de construção a pelo menos duas décadas. O processo de aprendizado da produção dos tijolos pelas artistas também foi um reaprendizado para os moradores que participaram do processo. Já o pau-a-pique ainda continua

Janelas para o vale: criando realidades

Por rafael mattos

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sendo utilizado na região, pela facilidade de execução da técnica, mas somente em locais de difícil acesso. As artistas durante o processo de construção das paredes de barro construíram uma grande troca com os moradores da região. Este processo de construção por si só já é carregado de significados e força estética, dialogando com a performance. Ao apresentar aos moradores a possibilidade de se construir sem função prática, Marlúcia Temponi e Adriana Penido conseguiram criar questionamentos em relação ao fazer cotidiano e o fazer artístico. Gerando na população local curiosidade e um outro olhar para a realidade. Ao intervir na paisagem da Mutuca, Marlúcia e Adriana funcionam como verdadeiras demiurgas de realidades mostrando a força da construção estética das artistas e dos artistas em geral. Não podemos esquecer também da falta, do vazio, do espaço criado dentro das paredes de barro, que nos levam para paisagens reenquadradas. Ao deixar visadas nas paredes, as artistas convidam os espectadores para a interação com a obra. “Eu tenho o dia e a noite” se completa ao enquadrar paisagens. Paisagens que são móveis, fluidas, pois depende do ângulo, altura, lado e modo como são observadas. A interação é fundamental para a totalização do trabalho. Para a população local se torna também uma diferente forma de se ver a paisagem cotidiana, onde o enquadramento da paisagem ordinária pode “reapresentar” estas mesmas paisagens para os observadores. No trabalho realizado em Altamira vemos uma sincronicidade na concepção estética alcançada pelas duas artistas. Não diferenciamos, na obra, a influência de dois modos de produção estético. Marlúcia Temponi é ceramista por formação, já Adriana Penido trabalha a paisagem em seu trabalho individual.

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MUM | Museu da mutuca

Agradecemos ao MUM | Museu da Mutuca pelo patrocínio e apoio na realização da RAM | 2012. O Museu da Mutuca se propõe a instaurar um pólo cultural, que visa através de um projeto independente fomentar um ambiente artístico. Tendo em vista a grande concentração de “cultura” nos grandes centros urbanos, propõe-se um deslocamento do ambiente de produção e de conhecimento em arte, para um ambiente rural situado na Serra da Mutuca, Município de Nova União, Minas Gerais, a 84km de Belo Horizonte. Este projeto visa a criação de um diálogo entre os profissionais de vários segmentos das artes e os moradores da localidade, culminando na preparação desta população para a fruição e também para a produção artística. O Museu da Mutuca busca a legitimação da produção artística e artesanal já existente na região. Os artistas visitantes terão a possibilidade de problematizar a questão das artes plásticas e da natureza (outros tempos e vivências), levando em consideração a localidade em que se encontra o projeto, com seus costumes e tradições. Tendo Altamira (Mutuca) a especificidade de se encontrar em uma área de preservação ambiental (APA do Morro da Pedreira), que faz parte da área de amortecimento do parque nacional da Serra do Cipó.

fotorafia: Rafael Mattos

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apoio:

Museu da Mutuca

realização:

RAMResidência

Artística na Mutuca 2012