casos práticos resolvidos sociedades comerciais

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D) SOCIEDADES COMERCIAIS I – CAPITAL SOCIAL E ENTRADAS CASO N.º 26 António, Bento e Carlos constituíram uma sociedade por quotas com o capital social de 30.000$. António e Bento realizaram imediatamente as respectivas entradas, mas Carlos diferiu a sua para quando a sociedade necessitasse dos fundos. Quid Iuris? O problema que aqui se levanta prende-se com o diferimento da entrada de C. O cumprimento das obrigações de entrada, que vêm previstas no Art.º 20, al. a), pode ser diferido nos termos do Art.º 26, nº 3, ou seja, nos casos e nos termos em que a lei o permita. Ora, no presente caso estamos em face de uma sociedade por quotas (regime: Art.ºs 197 e segs.), nas quais o diferimento é possível nos termos do Art.º 203, nº 1 (cf., ainda, os Art.ºs 199, al. b) e 202, nº 4). Esse preceito estipula que o pagamento das entradas diferidas tem de ser efetuado em datas certas, ou ficar dependente de factos certos e determinados. Ora, o diferimento da entrada para “quando a sociedade necessitar de fundos” não corresponde, claramente, a nenhuma dessas situações. Dessa feita, deverá aplicar-se o Art.º 777, nº 1 do CC: a sociedade poderá exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação de entrada de C. CASO N.º 27 David, Elvira, Francisca, Gustavo e Helena decidem constituir uma sociedade anónima. David contribuía com 10.000$ em dinheiro, realizados integralmente no momento da escritura pública; Elvira contribuía com 10.000$, através de um cheque; Francisca contribuía com o direito de arrendamento de uma fracção autónoma em Lisboa, de que era titular por um período de dez anos; Gustavo contribuía com cinco anos de trabalho gratuito para a sociedade; Helena entrava com um direito de crédito sobre Jorge e Ivo entrava com uma patente. Uma vez que a sociedade não tinha grandes necessidades de fundos, ficou acordado que a entrada de

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D) SOCIEDADES COMERCIAIS

I – CAPITAL SOCIAL E ENTRADAS

CASO N.º 26

António, Bento e Carlos constituíram uma sociedade por quotas com o capital social de 30.000$. António e Bento realizaram imediatamente as respectivas entradas, mas Carlos diferiu a sua para quando a sociedade necessitasse dos fundos. Quid Iuris?

O problema que aqui se levanta prende-se com o diferimento da entrada de C. O cumprimento das obrigações de entrada, que vêm previstas no Art.º 20, al. a), pode ser diferido nos termos do Art.º 26, nº 3, ou seja, nos casos e nos termos em que a lei o permita. Ora, no presente caso estamos em face de uma sociedade por quotas (regime: Art.ºs 197 e segs.), nas quais o diferimento é possível nos termos do Art.º 203, nº 1 (cf., ainda, os Art.ºs 199, al. b) e 202, nº 4). Esse preceito estipula que o pagamento das entradas diferidas tem de ser efetuado em datas certas, ou ficar dependente de factos certos e determinados. Ora, o diferimento da entrada para “quando a sociedade necessitar de fundos” não corresponde, claramente, a nenhuma dessas situações. Dessa feita, deverá aplicar-se o Art.º 777, nº 1 do CC: a sociedade poderá exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação de entrada de C.

CASO N.º 27

David, Elvira, Francisca, Gustavo e Helena decidem constituir uma sociedade anónima. David contribuía com 10.000$ em dinheiro, realizados integralmente no momento da escritura pública; Elvira contribuía com 10.000$, através de um cheque; Francisca contribuía com o direito de arrendamento de uma fracção autónoma em Lisboa, de que era titular por um período de dez anos; Gustavo contribuía com cinco anos de trabalho gratuito para a sociedade; Helena entrava com um direito de crédito sobre Jorge e Ivo entrava com uma patente. Uma vez que a sociedade não tinha grandes necessidades de fundos, ficou acordado que a entrada de Elvira seria diferida em 60%, devendo ser realizada dois anos depois. Um ROC avaliou as contribuições dos sócios, considerando que a contribuição de Francisca valia 20.000$ E, a contribuição de Gustavo valia 20.000$ e as contribuições de Helena e Ivo valiam ambas 10.000$.

(i) Decorrido um ano, os sócios zangaram-se e põem em causa a licitude de todas as prestações. Quid Iuris?

Vejamos, individualmente, cada entrada [Art.º 20, al. a):A entrada de D não levanta quaisquer problemas. É feita em dinheiro e tempestivamente – Art.ºs 26, nº 1 e 277, nº 3.A entrada de E, também ela feita em dinheiro, é passível de ser diferida nos termos dos Art.ºs 26, nº 3 e 277, nº 2. Cf., ainda, o Art.º 285, nº 1.A entrada de F não levanta quaisquer problemas. É feita em espécie.A entrada de G (em indústria) não é permitida nas Sociedades Anónimas, como é o caso – Art.º 277, nº 1.A entrada de H não levanta quaisquer problemas. É feita em espécie.A entrada de I não levanta quaisquer problemas. É feita em espécie.

(ii) Admita que veio a verificar-se que o ROC fez uma avaliação errada da entrada de Francisca. Quid Iuris?

A avaliação das entradas feitas em espécie é realizada por um técnico revisor oficial de contas, nos termos do Art.º 28, nº 1. No caso de se verificar a existência de erros

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na mesma, o sócio será responsável pela diferença que exista, nos termos do Art.º 25, nº 3.

(iii) Suponha que, logo após a constituição da sociedade, esta adquiriu a David um quadro no valor de 10.000 $, que, no entanto, só valia 7.000$. Quid Iuris?

A aquisição de bens a acionistas deve ser precedida de verificação do valor desses mesmos bens nos termos do Art.º 28, tal como dispõe o Art.º 29, nº 3, 1ª parte. Bem assim, terá que ser previamente aprovada por deliberação da assembleia geral, desde que preenchidos os requisitos cumulativos das várias alíneas do nº 1 do Art.º 29, sob pena de ineficácia (Art.º 29, nº 5). Existe, ainda, um requisito de forma constante do Art.º 29, nº 4. No presente caso, deve questionar-se se não terá havido uma situação de simulação relativa nos termos dos Art.ºs 240 e segs. do CC.

II – CAPACIDADE E OBJECTO

CASO N.º 28

A sociedade Panificadora Ideal, Lda., tem como objecto social a "produção e comercialização de pão e bolos". Um dia, achando que o negócio dos bolos era pouco lucrativo, a Panificadora iniciou um negócio de tecnologias da informação, adquirindo um site na Internet dedicado à compra e venda de roupas usadas. É este negócio válido face às regras de capacidade da sociedade?

A resposta a esta questão deve ser encontrada no preceituado pelo nº 4 do Art.º 6º. O facto de os estatutos da sociedade por quotas (regime: Art.ºs 197 e segs) em questão fixarem à mesma como objeto social a produção e comercialização de pão e bolos (Art.º 11, nº 2) não limita a capacidade da sociedade, mas constitui os seus órgãos no dever de não excederem esse objeto. Considerando-se que tal ocorre quando, atendendo ao momento da sua prática, o ato em causa seja inservível para a realização das atividades que, nos termos dos estatutos, a sociedade possa exercer, estamos certos de que se trataria de um claro caso de excedência do objeto. Dessa feita, caso não tenha sido por deliberação dos sócios (cf. Art.º 11, nº 3) mas sim por imposição da administração que se tenha verificado a cessação da anterior atividade e o início da nova, a violação do supra-referido dever acarretaria a responsabilidade civil dos membros da administração para com a sociedade (Art.ºs 64 e 72), assim como a sua destituição com justa causa (Art.ºs 64, 191, nºs 4 a 7, 257, 403, 430 e 471). No entanto, na medida em que se trata de uma sociedade por quotas, a ineficácia perante a sociedade dos atos praticados praeter objeto social não se verificaria, porquanto os representantes orgânicos teriam poderes de representação suficientes para vincular a sociedade pelos mesmos (Art.º 260, nº 1).

CASO N.º 29

A Petrogal. SA, é titular de uma plataforma petrolífera ao largo do Alentejo, que, por estar desactivada, pretendia destruir e afundar. A intenção, no entanto, provocou a ira das associações ambientalistas, que iniciaram um movimento de boicote à Petrogal e aos seus postos de abastecimento. Face ao enorme sucesso do boicote, a Petrogal, para além de cancelar o afundamento da plataforma, decidiu fazer uma grande doação a um grupo de associações ambientalistas, o que foi, aliás, largamente publicitado nos jornais. Quid juris?

Podemos afirmar que a doação em causa tem, claramente, uma finalidade “interesseira”, que é a de melhorar a imagem da sociedade face a um denegrir da mesma por parte das associações em causa. Nessa medida, ela enquadra-se no disposto no Art.º 6º, nº 2 (ou até mesmo no nº 1

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do mesmo preceito), porquanto o seu desígnio final é o da prossecução do escopo lucrativo que constitui o fim mediato da sociedade.

III – PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO

CASO N.º 30

A, B e C celebraram no dia 1 de Janeiro de 2000, escritura pública de constituição da sociedade Têxteis, Lda. Sucede, no entanto, que, antes de efectuado o registo, se vem a verificar que o notário se esqueceu de incluir no contrato a sede da sociedade. (i) Quid Iuris? (ii) E se já tivesse havido registo?

A sede da sociedade consubstancia menção obrigatória geral do contrato de sociedade, nos termos do Art.º 9º, nº 1, al. e). Assim, nos termos do Art.º 41, nº 1, em conjugação com o Art.º 294 do CC, temos que o contrato seria nulo por violação de norma imperativa. Dessa feita, verificar-se-iam os efeitos decorrentes do Art.º 52, nº 1: a entrada da sociedade em liquidação, nos termos do Art.º 165. No caso de já ter havido registo, verificar-se-ia o disposto no Art.º 42, nº 1, al. b): a nulidade do contrato, sanável, contudo, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, que nos remete para o regime dos Art.ºs 85 e segs.

CASO N.º 31

A, B, C, D, E, F, G e H constituem uma sociedade uma sociedade anónima em 2 de Março de 2001. Três meses depois, a sociedade é registada, Hoje, C revela que só se tornou sócio da sociedade porque a tal foi coagido por A e B, apenas agora tendo cessado a coacção. Pretende, por isso, invalidar o negócio. Quid juris?

Decorre dos Art.ºs 255 e seg. do CC que a coação tem como efeito a anulabilidade da declaração negocial. Esta anulabilidade pode ser arguida nos termos do Art.º 287, nº 1 do mesmo diploma. O Art.º 45, nº1 do CSC prevê que nas sociedades anónimas, a coação possa ser invocada como justa causa de exoneração pelo sócio prejudicado, desde que se verifiquem as circunstâncias de que resulta a sua relevância em termos da lei civil, o que ocorre como supra-referido.

CASO N.º 32

Inês, Jorge e Luís, velhos amigos, reúnem-se em Janeiro de 2005 e combinam constituir uma sociedade por quotas, que teria por objecto a compra e venda de antiguidades. Após alguma indecisão, acordaram que a sociedade se designaria "Antiguidades, Lda." e que a escritura pública seria celebrada em Março, quando todos os pormenores tivessem sido acordados. Logo em Fevereiro os sócios tomaram de arrendamento a Manuel, em nome da sociedade, um imóvel na Av. da Liberdade, onde funcionaria a respectiva sede, e compraram diversos equipamentos a Nuno, também em nome da sociedade. Quem responde pelas dívidas contraídas?

Trata-se de um caso de responsabilidade da pré-sociedade, nos termos do Art.º 36, nº 2. Em particular, de uma responsabilidade a nível das relações externas que deve, por isso, ser regulada segundo o disposto nos Art.ºs 996 e segs. do CC, e maxime, no presente caso, no Art.º 997, nº 1. Assim, segundo o preceituado nessa mesma disposição legal, pelas dívidas contraídas responderá a sociedade e, pessoal e solidariamente, os sócios.

CASO N.º 33

A, B e C celebraram escritura pública de constituição de uma sociedade por quotas, tendo sido A e B designados gerentes. No dia seguinte, requereram a inscrição no registo comercial, que,

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dois meses depois, veio a ser recusada. Durante esse período de dois meses, A e B celebraram diversos contratos na qualidade de gerentes com diversas entidades. Quid Iuris?

Trata-se de uma situação em que o registo é dotado de obrigatoriedade (direta, no dizer do Prof. MC), nos termos dos Art.ºs 3º, nº 1, al. a) e 15, nº 1 do CRCom. O pedido de registo, de acordo com o disposto no Art.º 15, nº 2 do CRCom, é feito tempestivamente. Quanto aos contratos celebrados pelos sócios antes do registo definitivo da sociedade, cabe observar o regime disposto no Art.º 40, nº 1 do CSC, uma vez que se trata de uma sociedade por quotas.

IV – PARTICIPAÇÕES SOCIAIS

CASO N.º 34

A, B e C constituíram uma sociedade por quotas em 1/1/05 com um capital social de 25000 $, tendo A e B ficado com uma quota de 5000$ cada e C com uma quota no valor de 15000$ apesar de B também ter pago 15000$ pela sua quota. No dia 1/3/06, os sócios deliberam distribuir lucros entre si, na proporção das suas quotas. B exige, todavia, que lhe seja atribuído um valor proporcional idêntico ao de C, porque pagou o mesmo valor. Quid Iuris?

Nas sociedades por quotas, o montante do capital social é livremente fixado no respetivo contrato de sociedade, correspondendo à soma das quotas subscritas pelos sócios (Art.º 201). A cada sócio pertence apenas uma quota, que corresponde à sua entrada (Art.º 219, nº 1). Numa interpretação a contrario sensu do Art.º 25, nº 1, podemos concluir que o valor da quota do sócio pode ser inferior ao valor da respetiva entrada [cf., no mesmo sentido, os Art.ºs 156, nº 2, in fine e 295, nºs 2, al. a) e 3, als. a) e d)]. Tal possibilidade não deve, contudo, obnubilar-nos. Em tais situações, é frequente a atribuição, aos sócios em questão, de direitos especiais (Art.º 24), maxime o de quinhoar mais do que proporcionalmente nos lucros (cf. Art.º 302, nº 1). No que tange à distribuição de lucros pela sociedade, cabe observar o disposto nos Art.ºs 21, nº 1, al. a), 22, nº 1, 31, nº 1 e 217.

CASO N.º 35

João Balão, Gil e Heitor constituem a sociedade "João Balão e associados". João entrou com 2000$, Gil com 500$ e Heitor, tendo menores possibilidades económicas, apenas prestava o seu trabalho à sociedade, tendo ficado acordado que não participaria nas perdas. (i) Quid Iuris? (ii) Quais seriam as consequências de uma eventual participação de Heitor nas perdas?

Desde logo, cabe referir serem possíveis as entradas com indústria nas sociedades em nome coletivo – Art.ºs 20, al. a), 176, nº 1, als. a) e b) e 178. Observemos o que se poderá dizer quanto à cláusula leonina acordada. Esta, nos termos dos Art.ºs 22, nº 3 do CSC e 694 do CC, seria nula. Contudo, o Art.º 20, al. b), quando fala na “obrigação” do sócio a quinhoar nas perdas (que deve, sempre, ser tomada cum grano salis), faz uma ressalva, que respeita ao disposto no Art.º 178, nº 2. Assim, desde que a participação nas perdas seja excluída somente no que tange às relações internas, a mesma será legalmente admissível nos termos deste preceito. No caso de H participar nas mesmas, caberá observar o regime traçado pelo nº 3 do mesmo Artº.

CASO N.º 36

E, F e G constituem uma sociedade comercial, acordando, por exigência de L, que, independentemente de a sociedade obter lucros, L receberá anualmente 5 % do valor nominal da sua participação social. Quid Iuris?

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Está em causa o princípio da intangibilidade do capital social. Veja-se o que dispõem os Art.ºs 21, nº 2, 31, nº 1, 32, nº 1, 33, nº 1 e 34, nº 1, 1ª parte.

CASO N.º 37

M, N e O constituíram uma sociedade por quotas em 1/1/2004 com um capital social de 30000$, ficando os sócios com quotas de valores iguais. No dia 1/4/2005, perante os lucros de exercido obtidos (no valor de 40000 $), os sócios deliberam distribuir integralmente essa quantia por todos os sócios. (i) Quid Iuris? (ii) E poderão ser distribuídos lucros durante o exercício?

CASO N.º 38

A sociedade Automóveis, SA, perante a difícil conjuntura do mercado, tem vindo a diminuir consideravelmente as suas vendas. No dia 1/2/2006, perante as contas do exercício, os administradores verificam que o capital próprio da sociedade é inferior a metade do capital social. Perante a situação, que atitudes devem os administradores tomar?

CASO n.º 39

A, B e C constituíram uma sociedade por quotas com o capital social de 60000E, na qual detêm quotas, respectivamente, no valor de 30000$, 10000$ e 20000$, realizadas, integralmente no momento da escritura pública. Nos termos do contrato de sociedade, B detinha um direito de voto superior a A e C: 2 votos por cada cêntimo do valor nominal da sua quota. Ainda nos termos do contrato, a gerência seria atribuída a um dos sócios por períodos de três anos. Assim, C foi designado gerente para o triénio 2005/2007. Quid Iuris?

CASO n.º 40

A, B, C, D e E constituíram uma sociedade anónima, cujo objecto social era a comercialização de tecidos, com o capital social de 50000$. Cada um dos sócios tinha acções no valor de 10000$, tendo todos realizado integralmente as suas entradas no momento da escritura. No contrato de sociedade, B é designado administrador único.

a) Mais tarde, B resolve abrir um negócio próprio no sector da indústria têxtil. Pode fazê-lo?

b) D e E desconfiam da actuação de B como administrador e, por esse motivo, pedem-lhe que preste informações sobre a mesma. B, passados vinte dias, ainda não respondeu. Quid Iuris?