casos praticos dip actualiz. 2007-01-12

7
1 Casos práticos de direito internacional privado Notas: -Os casos práticos apresentados destinam-se, exclusivamente, aos alunos das 1.ª e da 2.ª turmas práticas da 1.ª turma teórica, da responsabilidade do docente Rui Dias, para discussão e resolução nessas aulas. -Certos casos ou alíneas poderão pressupor o conhecimento de matéria não aprofundada no 1.º semestre, ou não inteiramente leccionada, pelo que não haverá qualquer implicação desta lista sobre o âmbito da matéria questionável nos momentos de avaliação. Serão dadas indicações mais detalhadas ao longo do ano nas aulas práticas. 1.º Semestre A. Direito da nacionalidade; conflitos de jurisdições (no quadro do estudo do âmbito e dos domínios afins do DIP); método 1. Responda sucintamente às seguintes questões, não deixando de as fundamentar em termos normativos de direito interno e, se possível, internacional: a) O Sr. Gastão, descontente com o actual estado do sistema jurídico-político português, pretende renunciar à nacionalidade portuguesa. Em que condições poderá fazê-lo? b) Em contrapartida, o Sr. Dimitri Karpov, russo, residente em Portugal há já 13 anos mas titular de título de residência válida apenas há 8 anos e casado com uma cidadã portuguesa há 2, pretende adquirir a nacionalidade portuguesa. Reunirá as condições para tal? 2. O Sr. Vladimir Jushchenko, simultaneamente cidadão português e ucraniano, pretende contrair casamento com a Sr.ª Batuk Sural, simultaneamente cidadã iraniana e marroquina, em Portugal, por este ser o país de residência habitual de ambos. a) Tendo em conta o disposto no artigo 49.º do Código Civil, a que dados normativos deve o conservador de registo civil recorrer para aferir da capacidade dos nubentes para contrair casamento? b) Supondo que tanto no ordenamento jurídico iraniano como no marroquino é admitida a pluralidade de vínculos matrimoniais e que a Sr.ª Batuk Sural se encontra ainda ligada por um anterior vínculo num desses países, admitiria a celebração do casamento?

Upload: tiago-bono

Post on 02-Jul-2015

257 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: casos praticos dip actualiz. 2007-01-12

1

Casos práticos de direito internacional privado Notas: -Os casos práticos apresentados destinam-se, exclusivamente, aos alunos das 1.ª e da 2.ª turmas práticas da 1.ª turma teórica, da responsabilidade do docente Rui Dias, para discussão e resolução nessas aulas. -Certos casos ou alíneas poderão pressupor o conhecimento de matéria não aprofundada no 1.º semestre, ou não inteiramente leccionada, pelo que não haverá qualquer implicação desta lista sobre o âmbito da matéria questionável nos momentos de avaliação. Serão dadas indicações mais detalhadas ao longo do ano nas aulas práticas.

1.º Semestre

A. Direito da nacionalidade; conflitos de jurisdições (no quadro do estudo do âmbito e

dos domínios afins do DIP); método

1. Responda sucintamente às seguintes questões, não deixando de as fundamentar em

termos normativos de direito interno e, se possível, internacional:

a) O Sr. Gastão, descontente com o actual estado do sistema jurídico-político português,

pretende renunciar à nacionalidade portuguesa. Em que condições poderá fazê-lo?

b) Em contrapartida, o Sr. Dimitri Karpov, russo, residente em Portugal há já 13 anos

mas titular de título de residência válida apenas há 8 anos e casado com uma cidadã

portuguesa há 2, pretende adquirir a nacionalidade portuguesa. Reunirá as condições para

tal?

2. O Sr. Vladimir Jushchenko, simultaneamente cidadão português e ucraniano, pretende

contrair casamento com a Sr.ª Batuk Sural, simultaneamente cidadã iraniana e

marroquina, em Portugal, por este ser o país de residência habitual de ambos.

a) Tendo em conta o disposto no artigo 49.º do Código Civil, a que dados normativos

deve o conservador de registo civil recorrer para aferir da capacidade dos nubentes para

contrair casamento?

b) Supondo que tanto no ordenamento jurídico iraniano como no marroquino é admitida

a pluralidade de vínculos matrimoniais e que a Sr.ª Batuk Sural se encontra ainda ligada

por um anterior vínculo num desses países, admitiria a celebração do casamento?

Page 2: casos praticos dip actualiz. 2007-01-12

2

c) Transforme a norma do artigo 49.º numa norma de cariz unilateral, definindo a função

das mesmas.

3. François Jambon, francês e residente em Portugal, pretende intentar neste país uma

acção de incumprimento de um contrato de aquisição de diamantes celebrado em

Coimbra com Josué Milhafre, português e residente na Costa do Marfim. Os diamantes

deveriam ter-lhe sido entregues nesta mesma cidade.

a) Terão os Tribunais Portugueses competência internacional para conhecer desta acção?

b) Por que regras se aferiria a competência internacional dos Tribunais portugueses se

Josué, um mês antes da propositura da acção (que teve lugar em Julho de 2006), tiver

deslocado a sua residência para França?

c) Em qualquer dos casos das alíneas anteriores, por que regras se rege o reconhecimento

em Espanha de sentença proferida por Tribunal português?

d) Supondo a aplicação da lei portuguesa, considere que na Costa do Marfim existe uma

legislação imperativa que proíbe, sob pena de nulidade, a venda internacional de

diamantes por privados. Poderá ter esta proibição alguma influência na decisão a proferir

pelos Tribunais portugueses internacionalmente competentes?

4. Em que medida a Convenção de Roma de 1980 sobre a Lei Aplicável às Obrigações

Contratuais se assume como um instrumento normativo que acolhe os principais

contributos críticos da designada revolução norte-americana dos conflitos de leis?

5. O Banco A, instituição de crédito com sede em Portugal, celebrou com a sociedade B,

igualmente sediada em Portugal, com negócios em Angola, um contrato de depósito

bancário na delegação de Luanda do banco português. Hoje, os representantes de B vêm

demandar, perante um Tribunal português, o Banco A para a restituição do depósito e o

pagamento dos juros devidos. Este defende-se com a circunstãncia de a sua dependência

angolana ter sido nacionalizada em 1976 por uma lei do Estado angolano.

Supondo que as partes validamente escolheram a lei portuguesa para reger o contrato,

quid iuris?

Page 3: casos praticos dip actualiz. 2007-01-12

3

B. Qualificação

6. A, suíço, morreu em Portugal tendo deixado em testamento todos os seus bens aos

médicos portugueses que o assistiram. Aberta a sucessão os familiares suíços e que vivem

na Suíça invocam a invalidade do testamento com base no artigo 2194.º do CC português.

O direito suíço não se opõe à validade de tal testamento.

Quid iuris, tendo em conta o disposto nos artigos 25.º e 62.º do CC português.

7. Mary Robertson e Jean Luc Ferrer, canadianos e residentes em Portugal, celebraram

em Coimbra, em 1995, um contrato de mútuo. Alguns meses depois casaram. Em 2001

divorciaram-se e o mutuante intentou em 2004, em Portugal, uma acção declarativa de

condenação para pagamento da dívida. Jean Luc alega a prescrição da dívida, invocando

que, segundo o direito canadiano, o prazo de prescrição geral é de 5 anos, e que não

existiria no Canadá qualquer causa de suspensão semelhante à do artigo 318.º, a) do CC

português. Cfr. tb o art. 309.º do CC.

a) Quid iuris, tendo em conta o disposto nos artigos 10.º, n.º 1, d), e 4.º da

Convenção de Roma, e 52.º do CC?

b) Imagine agora que, no momento da celebração do contrato, Mary e Jean Luc

escolheram como aplicável a legislação canadiana; a sua resposta seria idêntica?

c) Se adoptasse a posição relativa à qualificação, quer de Roberto Ago, quer de

Arthur H. Robertson, como resolveria esta hipótese?

8. Em Fevereiro de 1998, Miguel Portas, português e residente em Munique, e, Paulo

Janelas também português mas residente em Viena – ambos trabalhavam nas respectivas

cidades de residência – celebraram em Roma um contrato de compra e venda de um

prédio urbano situado em Berlim, tendo eleito como lex contractus a lei portuguesa. Dois

meses volvidos, pretendendo Paulo Janelas ocupar o referido prédio, Miguel Portas

recusou-se a entregá-lo. Em seu favor alega ser ainda titular da propriedade do mesmo,

porquanto não se havendo verificado o acto de carácter real exigido pelo direito alemão,

não se deu ainda a transferência do direito de propriedade. Paulo Janelas, por seu turno,

Page 4: casos praticos dip actualiz. 2007-01-12

4

contrapõe, ex vi dos artigos 408.º/1 e 879.º/a) do CC, a transmissão do direito de

propriedade sobre o prédio por mero efeito do contrato.

Tendo em conta os artigos 46.º do CC e 3.º da Convenção de Roma, que solução daria a

esta hipótese prática?

9. Anamar e Juan Carlos, casados e de nacionalidade espanhola, adoptaram plenamente

em Espanha, nos termos do direito espanhol, Manuelinho, uma criança de nacionalidade

portuguesa. Algum tempo depois Jaime, português, pretende reconhecer a paternidade de

Manuelinho. Anamar e Juan Carlos vêm impugnar o reconhecimento da paternidade

biológica invocando o artigo 1987.º do CC português, ao que Jaime contrapõe que o

direito espanhol não conhece nenhum preceito análogo àquela disposição da nossa lei,

dado que essa lei prevê, com vista à protecção do adoptando, que a constituição da

adopção não é prejudicada pelo reconhecimento da paternidade biológica, relevando esta

apenas no reconhecimento de certos direito patrimoniais em face do pai natural.

Quid iuris, atento ao disposto nos artigos 56.º e 60.º do CC?

10. Em Junho de 2000, A, cidadão inglês domiciliado na Inglaterra, foi atropelado em

Coimbra por um cidadão português residente na Lousã. Em Outubro do mesmo ano, A

viria a falecer, solteiro e sem descendentes, em Coimbra, em consequência dos

traumatismos sofridos no referido acidente. Por morte de A, os seus pais, invocando o

disposto nos artigos 496.º e 495.º/3 do CC reclamam uma indemnização por danos não

patrimoniais e pela interrupção dos alimentos que lhe vinham sendo prestados por A e,

agora fundamentados no artigo 2161.º/ 2 do CC, sustentam que são titulares do direito a

metade da herança de A .

Porém, B, herdeira testamentária, pretende ser ela a única titular do direito às referidas

indemnizações, bem como do direito a todos os bens de A, uma vez que o testamento é

válido perante o direito inglês e que este ordenamento jurídico não reconhece qualquer

direito sucessório aos ascendentes. Na verdade, no testamento de A, B era constituída

única e universal herdeira.

a) Considerando os artigos 45.º e 62.º do CC (bem como a circunstância de em

Inglaterra a sucessão ser regulada pela lei do último domicílio do de cuius e a

Page 5: casos praticos dip actualiz. 2007-01-12

5

responsabilidade aquiliana pela lei do local da prática do facto causador do prejuízo),

quid iuris?

b) Se perfilhasse a concepção de Roberto Ago a propósito da qualificação, como

procederia, supondo que o OJ inglês não consagra a responsabilidade por danos não

patrimoniais em favor de ascendentes do de cuius?

11. A, italiana, casou-se com B, português, em 1998, passando ambos a residir em

Portugal. Em Outubro de 2002, foi aberta a sucessão de C, italiana, residente em Portugal

que, em testamento, havia nomeado A como sua herdeira. Todavia, ainda nesse mês, A

declarou, segundo a forma prescrita, o repúdio da sucessão.

Mais tarde, B veio pedir a anulação do repúdio, invocando o n.º 2 do artigo 1683.º

e os n.ºs 1 e 2 do artigo 1687.º do Código Civil português, ao que os herdeiros legítimos

de C contrapuseram que, no ordenamento jurídico italiano – e, designadamente, nos

artigos 59.º e ss. do Código Civil Italiano (que tratam da “renúncia à herança”) – não

existia qualquer disposição idêntica à do n.º 2 do artigo 1683.º citado supra, concluindo

não ser exigível o consentimento do cônjuge do sucessível. Aduziram ainda que, em face

do direito italiano, A não padecia de qualquer incapacidade.

Suponha que o direito italiano adoptava soluções conflituais idênticas às

portuguesas e confira os artigos 25.º, 52.º e 62.º do CC português.

a) Segundo o nosso ordenamento, quid iuris?

b) Se devesse seguir a concepção de Roberto Ago relativa à qualificação, como

resolveria a questão?

12. A, cidadão português morre, sem deixar herdeiros, e deixa bens imóveis sitos em

Inglaterra e Portugal. A lei inglesa permite a apropriação pela coroa dos bens sitos no seu

território nos termos de um direito real de ocupação (ocupação ius imperium). Por seu

turno, o Estado português pretende, segundo o disposto no artigo 2152.º CC ser chamado

a herdar a totalidade da herança.

a) Quid iuris? Cfr. os artigos 46.º e 62.º CC.

b) E se todos os bens estivessem situados em Portugal, mas A fosse inglês?

Page 6: casos praticos dip actualiz. 2007-01-12

6

13. Mahmoud Ahmadinejad, cidadão iraniano, e Anousheh Ansari, cidadã iraniana,

encontram-se refugiados em Portugal, ao abrigo da Convenção de Genebra de 1951

relativa ao estatuto dos refugiados (cfr. o seu art. 12.º, n.º 1, nos termos do qual “o

estatuto pessoal de cada refugiado será regido pela lei do país do seu domicílio, ou, na

falta de domicílio, pela lei do país da residência.”). Este casal contraiu matrimónio no

Irão em Outubro de 2005, sem que nenhum deles se tenha deslocado ao país da sua

nacionalidade: com efeito, o Código Civil iraniano, que regula a celebração do casamento

nos arts. 1071.º a 1074.º, prevê, no art. 1071.º, que “cada nubente pode encarregar um

terceiro da celebração do casamento”, o que significa, naquele sistema jurídico, a

admissibilidade da celebração do casamento na presença de procuradores de cada um dos

nubentes (cfr., no direito português, o art. 1616.º, a), CC), bem como a possibilidade de a

escolha do outro nubente caber ao próprio procurador (o que, porém, não sucedeu no

caso). Pretendendo proceder ao registo civil da união em Portugal, o mesmo é-lhes

negado.

a) Quid iuris, atendendo aos arts. 49 .º e 50.º do CC?

b) E se as procurações tivessem sido outorgadas por cada um dos nubentes, ainda

no Irão, com a atribuição de poderes para o procurador escolher o contraente do seu

representado, muito embora Mahmoud e Anousheh já se houvessem conhecido e

apaixonado em Portugal?

14. A, português, e B, italiana, casaram em 1996 em Milão. À data do casamento, A tinha

77 anos e B apenas 35. Em 1998 fixaram a sua residência com carácter estável e

permanente em Barcelona. Em 2001, na comemoração do 5.º aniversário do seu

casamento, A ofereceu a B um jipe que tinha adquirido meses antes em Coimbra. A

doação realizou-se em Espanha. C, filho de A, pretende invalidar a doação e invoca, para

tanto, os artigos 1720.º/ 1/ b) e 1762.º do CC português. Deveria o tribunal dar razão a C

sabendo que a doação é válida em face do direito espanhol e que este ordenamento

jurídico faz reger as doações entre casados pela lex loci celebrationis.

Cfr. os artigos 25.º, 52.º, 53.º e 42.º do CC português.

Page 7: casos praticos dip actualiz. 2007-01-12

7

15. A, cidadão português e residente em França, casou com B, francesa e residente no

Luxemburgo. O casamento foi celebrado validamente em Junho de 2000, no Porto. Como

A tinha apenas 16 anos de idade obteve a necessária autorização dos pais – nos termos

exigidos pelo artigo 1604.º/ a) do CC português –, que assentiram inteiramente

satisfeitos, tendo em conta a enorme fortuna de que B era possuidora. Com o casamento,

o casal fixou residência no Luxemburgo.

Em Janeiro de 2001, A desloca-se a Portugal para vender uma casa situada em Condeixa

que herdara da sua avó materna em 1990. No momento da escritura, o notário recusa-se à

realização do acto, invocando que o direito competente para reger os efeitos do

casamento não prevê a aquisição da plena capacidade de exercício de direitos por força

do casamento. Efectivamente, no direito luxemburguês não se estipula uma qualquer

disposição com um conteúdo idêntico ao dos artigos 132.º e 133.º do nosso CC, ou seja, o

casamento não desencadeia a emancipação dos menores.

Aprecie os argumentos do notário e diga, justificando legal e doutrinalmente a sua

resposta, quem terá razão. Cfr. os artigos 25.º, 47.º e 52.º do CC.