casos de amor (quando viver é mais do que um caso de amor)

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História contada por alguns dos mais velhos camponeses do meu povo.

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Confesso-me embaraçado.O título desta crônica soa pomposo demais

para a simplicidade da históriaque estou para lhe contar.

De fato, o que fizfoi ilustrar um caso que,

volta e meia, é contado por algumdos cidadãos mais velhos do meu povo:

camponeses por origem, homens da terra.

E ainda devo explicar que,embora esta terra do meu povo esteja

no coração do Brasil, a sua parte mais ao norte(a partir de onde viveu o escritor Guimarães Rosa,

autor do famoso livro Grande Sertão: Veredas),há muito foi incluída no “Polígono das Secas”,

referente ao estado das terras nordestinas;

esta terra, então, não pode ounão pode mais ser incluída no que

os próprios nordestinos chamam de“sul maravilha”

...

Os velhos contam que numa época passada,em algum lugar perto daqui, existiu um homem

que vivia com sua mulher em quase total isolamento.

Trabalhavam de sol a sol naquela faixa de terraque haviam comprado com grande sacrifício,

onde, ano após ano, tiravam o sustento.

Mas houve dois longos períodos de seca,a terra rachou e as plantas morreram.

E chegou o dia em que a mulher disse ao maridoque teria de usar para comer as sementes

de feijão que estavam guardadas,destinadas à lavoura

ou ao plantio.

O homem coçou sua cabeça e retrucou:

“Se comermos estas sementes será o fim;não haverá mais qualquer esperança.”

“Esperança...”,ela sussurrou com um meio-sorriso triste.

“Vamos embora daqui. Não há mais o que fazer.”

“Você me pede para abandonar minha terrae ir para a cidade?... Mas, se já não existe alimento aqui,

encontraremos alimentos lá?...”

Ela não pensou sequer, antes de dizer:

“Lá é outro mundo..., nem precisa de chuva.O que nós dois precisamos é arrumar emprego

e, com o dinheiro, comprar os alimentos.”

Ele riu e, em seguida, tristemente, disse: “Você está delirando, pobre mulher,cidades não produzem alimentos.”

Enfim,depois de um longo silêncio,

ela suspirou antes de arrematar:

“Eu não sei de onde os alimentos saem;só sei que eles podem ser encontrados lá,

em grandes sacos nos armazéns.Olhe.

Eu também estou triste,mas o que posso fazer...?

Esta nossa terra já se esgotou.E se você prefere ficar aqui, fique.

Eu vou-me embora.”

“Vai me abandonar?... Não posso viver sem o seu amor.”

Completamente solitárioele passou três dias sem dormir,

andando sonâmbulo pelos arredorescom aquela última imagem em sua cabeça...

Até que decidiu ir embora também.Amava demais aquela mulher.

Arrumou sua trouxa,fechou a porta de sua casa

e se pôs a caminho ...

Mas, então, de repente,um vento novo e estranho soprou forte,

e, sobre a sua cabeça, o céu se transformou.Nuvens negras pesadas de chuvas

vieram..., sabe-se lá de onde.

E logo o chão se encheude gotas d´água.

E aquele homemgirou o corpo em direção ao céu,

para receber a chuva que,para ele, era a própria vida.

Voltou correndo para casa;pegou a sua enxada e

foi para o campo.

Poucos dias depoisele já estava a semear

...

Tinha pressa.

Daquela vez, precisava colher muitas sementes...,

para com elas encher grandes sacos...,

que seriam levados para a cidade...,que seriam levados para a cidade...,

onde vivia sua mulheronde vivia sua mulher.

Foi o que ele fez, porque, para um filho da terra,o papel de quem realmente amava

era alimentar.

Quanto ao desfechodo caso de amor daquele homem

por sua mulher...,

foi este..., eu imagino.

E quanto ao outro caso de amor,por sua terra, provavelmente

ele o traduziu assim:

“Vou continuar a amar a Terrae a cuidar dela, para que

ela mesma continue a me amare então a me alimentar.”

Lanier Wcr