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Caso Lüth(1958) Uma sentença do Tribunal Constitucional Federal Alemão

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Page 1: Caso Lüth(1958)

Caso Lüth(1958)Uma sentença do Tribunal Constitucional

Federal Alemão

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Os antecedentes históricos da aplicabilidade e vinculatividade dos direitos fundamentais nas relações privadas, implicam uma referência ao caso LÜTH, de 1958, julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão.

Nas palavras de Jürgen SCHWABE, « Trata-se, talvez, da decisão mais conhecida e citada da jurisprudência do TCF. Nela, foram lançadas as bases, não somente da dogmática do direito fundamental da liberdade de expressão e seus limites, como também de uma dogmática geral (Parte Geral) dos direitos fundamentais.

Nela, por exemplo, os direitos fundamentais foram, pela primeira vez, claramente apresentados, ao mesmo tempo, como direitos públicos subjetivos de resistência, direcionados contra o Estado e como ordem ou ordenamento axiológico objetivo.

Também foram lançadas as bases dogmáticas das figuras da Drittwirkung e Ausstrahlungswirkung (eficácia horizontal) dos direitos fundamentais, do efeito limitador dos direitos fundamentais em face de seus limites (Wechselwirkung), da exigência de ponderação no caso concreto e da questão processual do alcance da competência do TCF no julgamento de uma Reclamação Constitucional contra uma decisão judicial civil.»

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APLICABILIDADE DIRECTA DOS DIREITOS FUNDAMENTIAS NAS RELAÇÕES PRIVADAS E VINCULAÇÃO DAS ENTIDADES PRIVADAS: EXAME DO CASO LÜTH

CLAUS-WILHEM CANARIS (no ensaio «A influência dos direitos fundamentais da sobre o direito privado na Alemanha», resume, assim, este caso paradigmático :

«Uma sentença do Tribunal Constitucional Federal, que versou sobre uma colisão entre o direito delitivo (da responsabilidade por atos ilícitos) e a liberdade de opinião, passou a ter fundamental importância para o tratamento da relação ente direitos fundamentais e Direito Privado na Alemanha. No caso em exame, um cidadão de nome Lüth apelara, em 1950, aos proprietários e frequentadores de salas de cinema ao boicote de um novo filme, argumentando que o diretor do mesmo rodara um filme anti-semita durante o período nacional-socialista.

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Os tribunais cíveis consideraram o apelo um acto ilícito, por ofensivo aos bons costumes no sentido do estabelecido pelo § 856 do BGB (Código Civil Alemão) condenando, por conseguinte, o Sr. Lüth a não repeti-lo.

Em resposta ao recurso constitucional impetrado pelo Sr. Lüth, o Tribunal Constitucional Federal cassou a sentença do tribunal cível, pois este teria, na aplicação do § 826 do BGB, violado o direito fundamental à liberdade de opinião do Sr. Lüth, assegurada pelo artigo 5º, inciso I, da LF.

Assim, o Tribunal Constitucional Federal utilizou-se pela, primeira vez, da formulação entrementes célebre, de que a Lei fundamental “ erigiu na seção referente aos direitos fundamentais uma ordem objetiva de valores (...),que deve valer enquanto decisão fundamental de âmbito constitucional para todas as áreas do Direito».

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A decisão em exame diz respeito à questão da exibição de um filme por parte da indústria cinematográfica germânica, tendo sido este filme - que fora produzido por Veit Harlan (1) – boicotado na sua exibição por Erich Lüth, Presidente do Clube de Imprensa da Cidade de Hamburgo.

Na primeira instância, Veit Harlan logrou obter êxito na sua pretensão: decidiu-se no sentido da inadmissibilidade do boicote ao filme, pois o Tribunal Estadual de Hamburgo entendeu que o artigo 826 da Norma Substantiva Civil germânica (“quem causar danos intencionais a outrem, e de maneira ofensiva aos bons costumes, fica obrigado a compensar o dano”) protegia a pretensão de Veit Harlan.

Inconformado com a decisão da primeira instância, Erich Lüth recorreu, por via de recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde) para a Tribunal Constitucional Federal, que decidiu pela afastabilidade do artigo 826, sob a alegação de que não se pode interpretar as cláusulas gerais de direito civil em desacordo com os valores previstos e protegidos pela Constituição.

Veit Harlan(era uma antiga celebridade do cinema nazi e corresponsável pelo incitamento à violência praticada contra os judeus (principalmente por meio do seu filme “Jud Süß”, de 1941).

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Entendeu, ainda, o Tribunal Constitucional Alemão que os direitos fundamentais: - possuem dupla dimensão(subjectiva e objectiva); - têm eficácia irradiante (Drittwirkung), e ainda,- dar acolhimento à tese dos deveres de proteção (Schutzpflicht).

Quanto à eficácia irradiante de direitos fundamentais (ou “vis expansiva dos direitos fundamentais”) defende-se que o direito privado estaria à mercê dos preceitos de caráter constitucional.

Assim, haveria, portanto, uma eficácia absoluta dos direitos fundamentais: na perspectiva estadual dos direitos fundamentais, pode-se afirmar que os direitos jusfundamentais exprimem uma ordem axiológica e que tal opção axiológica há de estar fundada em todo o ordenamento jurídico de um determinado País.

Entretanto, Claus-Wilhelm Canaris […..] veio propor uma nova interpretação do julgamento do caso Lüth. Segundo Canaris existem dois fatores a serem novamente observados:

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1- a necessidade de uma separação estrita entre a eficácia de irradiação e a problemática da super-revisão e;

2- a substituição da tese da “eficácia de irradiação” pelo recurso às funções dos direitos fundamentais de proibição de intervenção e de imperativo de tutela.

Para modificar a natureza jurídico-institucional do Tribunal Constituicional, Canaris assevera que não se pode transformar o Tribunal Constitucional em um órgão de super-revisão do que fora discutido nas variadas áreas de interesse entre os particulares.

Para Canaris, quando se defende, no plano do direito constitucional,a ideia de eficácia de irradiação trata-se uma mera formulação metafórica ( e, portanto, não jurídica) transportada da linguagem coloquial.

Assim, a melhor solução seria a de se substituir o critério vago (do que vem a ser tido como “direito fundamental”) adotado pelo tribunal Constitucional Alemão pelas funções usuais dos direitos fundamentais, mormente a da proibição interventiva e a do imperativo de proteção […]

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Fontes:

CANARIS, Claus-Wilhelm, Direitos Fundamentais e Direito Privado, tradução de Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto, Coimbra, Almedina, 2003

Milhoranza, Mariangela Guerreiro, «A incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares», http://tex.pro.br/tex/listagem-de-artigos/210-artigos-jan-2007/5378-a-incidencia-dos-direitos-fundamentais-nas-relacoes-entre-particulares(23 de Janeiro de 2007)

SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 229-30; INGO WOLFGANG SARLET, por seu turno, também faz uma excelente síntese do caso em tela no ensaio “Direitos Fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais.” In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). A Constituição Concretizada – construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 124 e ss.

SCHWABE, Jürgen, Cinqüenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, org. e coord. Leonardo Martins, Konrad Adenauer Stiftung (Programa Estado de Derecho para Sudamérica), Uruguai, 2005, p.381.