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Belo Horizonte 2006 Casa Fiat de Cultura

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Belo Horizonte2006

Casa Fiat de Cultura

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Copyright © 2005 CRIA!CULTURADireitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização prévia, por escrito, da editora.

Fiat Mostra Brasil. Belo Horizonte : Cria!Cultura, 2006.160p. 22,5cm.

ISBN 85-60399-00-3

1. Arte contemporânea

CDD 700

Impresso no Brasil 2006

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f i a t mos t r a b ra s i l

“A Fiat convida você a pensar o futuro”.

Este foi o tema escolhido por nós para assinalar os trinta anos de presença da Fiat no Brasil. Nenhuma outra frase espelharia melhor nossa atitude, nossa decisão, nossa escolha de viver o futuro no presente.

O projeto Fiat Mostra Brasil se insere nessa perspectiva de antecipação da realidade como forma de conquistar o sucesso.

Nos primórdios da informática, um de seus mais brilhantes pioneiros, Alan Kay, afirmava que “a melhor maneira de predizer o futuro é inventá-lo”.

O nosso convite continua de pé. Pensemos o futuro, vivamos o futuro, inventemos o futuro na indústria e nas artes, na tecnologia e nos processos políticos, na educação e no esporte, na saúde e na inclusão social.

Nós, da Fiat, buscamos fazer a nossa parte. E assim o faremos sempre, porque, daqui a trinta anos, o futuro ainda estará por ser inventado e nós seremos atores dessa nova aventura.

Cledorvino BeliniPresidente | Fiat Automóveis Brasil

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Apresentação projetoInformações sobre o projeto

Apresentação MostraBloco imagens

artistasadriana barreto e bruna mansani (projeto)

andrei thomazbruno de faria (projeto)

cristiano lenhardtdaniel escobar

daniel trench e felipe cohenfabiana wielewicki

fabíola tascagrupo empreza (projeto)

grupo giahenrique oliveira

kátia pratesleonora weissmann

luiz roquemarcus bastos (projeto)

mariana silva da silvamariane rotter (projeto)

marta neves (projeto)martha gabriel

milena travassosmm não é confete (projeto)nydia negromonte (projeto)

raquel stolfricardo cristófaro

rodrigo borgesrodrigo freitas

thais ueda (utopédia)vera bighetti

vulgo (wellington cançado e simone cortezão)Processo de montagem

Equipe de curadoresmarcos hill

eduardo de jesusgiselle beiguelman

járed domíciomaria ivone dos santos

mariza mokarzelstéphane huchet

considerações finais

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Histórico do projeto26 de junho Lançamento do hot site27 de junho Lançamento do edital27 de junho a25 de agosto Inscrições22 de setembro Divulgação dos selecionados 27 de outubro Montagem6 de novembro Abertura2 de dezembro Encerramento

2.221 artistas inscritos2.833 trabalhos inscritos30 obras selecionadas

21 prontas9 em projeto

R$ 360.000,00 concedidos em prêmios aos artistas 96.661 visitas ao hot sitewww.fiatmostrabrasil.com.br

Realizada no Porão das Artes da Fundação Bienal,durante a 27a. Bienal de São Paulo, Como Viver Junto – cura-doria geral: Lisette Lagnado

f i a t mos t r a b ra s i l

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| Adriana Barreto | São José dos Campos, SP, 1969 |

| Bruna Mansani | Siqueira Campos, PR, 1979 |

| Graduadas em arte e mestrandas em poéticas visuais pela Universidade do Estado de Santa

Catarina, realizam em parceria, desde 2004, trabalhos que buscam relações no sistema das

artes e além dele. Participaram de workshop de performance realizado durante o 15º Festival

Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil (São Paulo, 2005). Vivem e trabalham em Floria-

nópolis, onde mantêm o projeto móvel Espaço contramão, que propõe intervenções artísticas

dentro de ambientes domésticos. |

| Bruno Aranha | convidado | São Paulo, 1982 |

| Formado em cinema pela Fundação Armando Alvares Penteado, trabalhou com direção de

arte e figurino para publicidade e curtas-metragens. Estudante de moda na FAAP, ingressa,

com Vale lugar ao sol, no campo das artes visuais. Vive e trabalha em São Paulo. |

ad r i ana ba r r e to e b runa mansan i

adriana barreto e bruna mansani| bruno aranha | convidado

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OS tRABALHOS DA DUPLA ACIONAM UMA ESPéCIE DE JOGO-tEIA que procura não apenas o infiltramento no entorno, mas a inclu-são participativa do público, tanto da instituição quanto de outros espaços da cidade. Vale lugar ao sol inclui a criação, o lançamento e o sorteio de um vale que dá ao vencedor o direito de participar de uma performance com as artistas. O contemplado escolhe o lugar do Brasil para onde viajará, com todas as despesas pagas, para passar 24 horas e participar da obra. Ganha ainda o direito de ter seu nome incluído na lista de participantes do Fiat Mostra Brasil. Na volta da viagem, o trio apresenta um registro da viagem.

f i a t mos t r a b ra s i l

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O projeto

Em qual lugar do Brasil você gostaria de passar um dia entre 2 e 8 de novembro de 2006 com as artistas Adriana Barreto e Bruna Mansani?

“A partir de nossa posição de inter-relação social, pensamos, à maneira de Bourriaud, que o lugar de exibição pode ser visto como um espaço de coabitação, um cenário aberto aos acontecimentos, onde é possível ressignificar pequenos atos e colocar em questão os valores da arte.Esta ação colaborativa segue a lógica de uma série de trabalhos nos quais nos apropriamos da situação (evento) que nos acolhe para criar uma estratégia bem-humorada de interação com seu environment (organização, funcionários, artistas, curadoria, público). Denominamos isso Situation Specific, Dispositivo Relacional ou Performance Expandida. A série inclui RIFA BENEFICENtE Passe um dia ou uma noite conosco (performance na qual buscávamos recursos para financiar nossa tese de conclusão de curso) e RIFA BENEFICENtE - 2 Leve duas artistas periféricas para um passeio em São Paulo (realizada na tentativa de pagar nossa permanência em São Paulo durante workshop de performance no Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil), ambos de 2005. Em Vale lugar ao sol, invertemos essa lógica, levando em consideração o pró-labore oferecido pelo Fiat Mostra Brasil. Fomos promotoras e financiadoras da situação criada: um sorteio que deu ao vencedor uma viagem de um dia para qualquer lugar do Brasil em companhia das artistas.”

ad r i ana ba r r e to e b runa mansan i 1 6 | 1 7

vale lugar ao sol | perfomance | 2006

f i a t mos t r a b ra s i l

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a r t i s t a sf i a t mos t r a b ra s i l

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| Andrei thamaz | Porto Alegre, 1981 | Mestrando em artes pela Escola de Comunicações e

Artes da USP, desenvolve pesquisa relacionada às manifestações do labirinto nos jogos eletrô-

nicos. O tema é central nos trabalhos de web arte que vem criando desde 2000, que exibe em

festivais e exposições de arte eletrônica no Brasil e no exterior. Vive e trabalha em São Paulo |

www.rgbdesigndigital.com.br |

andre i thomaz

andrei thomaz

UMA DAS PáGINAS DO LIVRO tHE LANGUAGE OF NEw MEDIA, de Lev Manovich, é percorrida por pequenos círculos verme-lhos. Cada círculo é acompanhado por um som em looping e possui seu próprio tempo de animação. À medida que os círculos entram em cena, novos loopings sonoros, de diferen-tes durações, são acionados, tornando ainda mais complexo um resultado que nunca é constante.

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f i a t mos t r a b ra s i l and re i thomaz quando uma página torna-se um labirinto | web arte | 2006

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| Bruno Faria | Recife, 1981 | é graduando em artes plásticas pela Fundação Armando Alvares

Penteado. Vive e trabalha em São Paulo e Recife. |

bruno f a r i a

bruno faria

O tRABALHO ABORDA tEMAS PERtINENtES AO MUNDO DA arte, como a questão mercadológica e a noção de propriedade particular por trás das coleções. também toca um dos gêneros mais recorrentes na história da arte. Uma paisagem é adqui-rida em um programa de leilões na tV. Além do registro da aquisição, o artista expõe a própria tela.

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bruno f a r i a

delivery: coleção particular | Videoinstalação/teleintervenção | 2006

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| Cristiano Lenhardt | Itaara, RS, 1975 | wwFormado em desenho e plástica pela Universi-

dade Federal de Santa Maria (RS), estudou no torreão, em Porto Alegre, sob a orientação

do artista gaúcho Jailton Moreira. Integra, desde 2002, o Grupo Laranjas, que realiza ações

urbanas. Recebeu a Bolsa Prêmio do 26° Salão de Artes de Pernambuco (2005). Vive e tra-

balha em Recife. |

c r i s t i ano l enha rd t

cristiano lenhardt

O tRABALHO SE INSERE EM UM CONtExtO ExPANDIDO DE representação da realidade, deslocando-se para dentro da atmos-fera na qual enfrentamos, com nosso corpo/matéria, tudo que nos envolve. Uma bandeira que é colocada, solitária, num contexto vazio de pessoas, numa paisagem desértica ou no aglomerado da multidão, cria uma espécie de contrafluxo, onde se ganha visibilidade acentuada do entorno e a noção de permanência/exis-tência do local ou situação, independentemente da presença do espectador. Instaura-se, assim, uma reflexão sobre o tempo, a permanência, a ilusão e a edição.

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c r i s t i ano l enha rd t

ao vivo | instalação | 2002

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| Daniel Escobar | Santo Ângelo, RS, 1982 | Graduado em artes visuais pelo Instituto de Artes

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, participou do 19º Salão Jovem do MARGS e foi

premiado no 17º Salão de Artes Plásticas da Câmara Municipal de Porto Alegre (2006). Um ano

antes, escolhido entre os participantes do VI Concurso de Artes Plásticas Contemporâneas do

Goethe-Institut de Porto Alegre, apresenta a individual Perto demais na instituição. Vive e trabalha

em Porto Alegre. |

dan i e l e s coba r

daniel escobar

A SéRIE PERtO DEMAIS PARtE DE UMA ALIANçA COM O PROCESSO de um meio de comunicação de massa em ininterrupta mutação: o outdoor. O fluxo de sobreposições indiscriminadas que decorre desse sistema norteia a construção dessas pinturas, produzidas a partir de fragmentos de cartazes publicitários. Com a interferência de peque-nos furos, as imagens são transformadas em grandes rendas que deixam transparecer suas sucessivas camadas. O trabalho passa a ser determinado por essa dinâmica geradora de metamorfoses.

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permeável I | (série Perto Demais) | Pintura – papel de outdoor e verniz | 3,1 m x 2,25 m | 2006

dan i e l e s coba rf i a t mos t r a b ra s i l 3 4 | 3 5

permeável II | (série Perto Demais) | Pintura – papel de outdoor e verniz | 1,6 m x 2,2 m | 2006

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Não vou aqui investigar a etimologia ou mesmo o sentido jurídico da palava. Nem tampouco tentar descobrir o motivo de tanto interesse por parte do público neste tema. A idéia é in-tensificar o debate a cerca das curadorias, especificamente a que gerou a Fiat Mostra Brasil. Antes de mais nada é preciso pensar a produção artística contemporânea como um território móvel, uma plataforma movediça que desliza incessantemente en-tre os mais diversos e complexos agenciamentos sociais, culturais, políticos e econômicos entre outros. Não se assemelha em nada a um discurso concluído, mas sim a um tatear constante, uma inundação de dúvidas vindas da produção e da reflexão artísticas realizadas no domínio do tempo presente. Múltiplas li-nhas de força caracterizam estas atividades que sempre atuam nesta urgência. Situações diversas e em movimento constante. Arte contemporânea talvez seja isto. Se pensarmos nestes mesmos termos sobre a produção ar-tística brasileira, talvez seja possível ver o território se desdobrar, ainda mais, ampliando-se em novas situações e direções que inevitavelmen-te passam pelos inúmeros problemas políticos e sociais enfrentados hoje em dia, que refletem, de uma forma ou de outra, nos modos de produção, exibição, conservação e fomento da produção artística. A situção, aqui sim, é de extrema urgência. Questões curatoriais em situações tão extremas como as do Brasil aumentam a complexidade da produção e da reflexão artística. Em uma série de pequenos livros de bolso o Centro de Arte Contemporânea BALtIC , da Inglaterra ligado a Universidade de New Castle, publicou a transcrição de encontros entre curadores e artistas. A conversa, apesar de amistosa, mostra a tensões típicas do sistema da arte contemporânea. Em um dos debates a ex-curadora do P.S.1, espaço vin-culado ao Moma e dedicado a arte contemporânea, Carolyn Cristov-Bakargiev aponta suas dúvidas nos processos curatoriais e afirma se sentir mais confortável nas curadorias para exposições individuais do que em coletivas, já que acredita estar desenvolvendo uma espécie de monografia sobre o artista . Esta analogia desenvolvida por Cristov-Bakargiev aproximando as curadorias de monografias é interessante para vermos as muitas possibilidades de desenvolvimento curatorial A idéia de desenvolver uma curadoria como espaço de reflexão e de debate parece aproximar as idéias de Cristov-Bakargiev das de Jean-Christophe Royoux, experiente crítico de arte e curador francês que em uma mesa redonda durante jornada de debates da 26ª Bienal de São Paulo em 2004, apontou o trabalho do curador como um gerador de discursos junto com o artista. Para Royoux: “o exercício da curadoria é uma extensão da crítica de arte, e portanto constitui uma forma de discurso. Uma exposição é um discurso que um curador elabora junto com o artista” . As duas posições explicitam, entre outros pontos, que alguns processos de cura-doria se estruturam na tentativa de colocar o pensamento em ação em busca de situações de confronto e de diálogo entre a produção artística, a vida social e o campo teórico. Conseguindo com isso provocar no público reflexões e aproxima-ções que podem reverberar em uma experiência ampliadora dos sentidos e do pensamento. A minha experiência na curadoria da Fiat Mostra Brasil, apesar de ser um exposição coletiva, seguiu esta direção. Encontramos diver-sidade, aberturas e contaminações de toda ordem, sobreposições e justaposições entre o global e o local, pesquisas com os mais diversos

f i a t mos t r a b ra s i l b log

Decidimos apontar vetores da arte contemporânea brasilei-ra em detrimento de tendências. Optamos por assumir o ris-co de apostar também naquilo que está à margem do circui-to da arte contemporânea (incluindo-se aí galerias, museus, festivais tradicionais e inserção midiática). 9 Para os cura-dores do Fiat Mostra Brasil, esse prêmio cumpre um papel de evidenciar possibilidades em aberto, que podem se consoli-dar ou não. Interessou-nos, sobretudo, liquidificar territórios. Esquecemos, intencionalmente, a ordem das previsibilidades e do supostamente coerente com o mercado de arte e seus implacáveis trends. 9 Não se trata aqui de conferir uma espécie de ISO 9000 das artes, atestado por um grupo de curadores. trata-se, ao contrário, de investir no arrojo, nos conceitos e no debate. 9 Investimos, neste momento, em idéias e projetos que pudessem refletir: 9 a) Compromisso com pesquisa. 9 b) Politização dos meios, das formas e de seus resultados. 9 c) Postura crítica em relação ao que “con-vém ser” arte. 9 Resolvemos que falar de futuro é jogar com probabilidades, incorrer, circunstancialmente, em erros para permitir resultados não projetados. Interessou-nos chamar a atenção para a idéia e a prática dos processos, encampando todas as vicissitudes que essa decisão implica. 9 Curadores do Fiat Mostra Brasil. (“blogarte”, 22.09.06, 11h44) tenho várias perguntas sobre o critério de seleção. 1) “Vetores da arte” é um nome mais bonito para novas tendências? 2) O que vocês quiseram dizer com “liquidificação de territórios”? (“mouse”, 22.09.06, 12h16) Interessante o projeto. Pena que será exibido num porão feio e escuro, numa cidade farta de opções de arte, e não aqui em Belo Horizonte, na Casa Fiat ou nos espaços desta cidade carente de mostras importantes. (“romina”, 24.09.06, 7h21) Pensamos em “vetores” porque os trabalhos selecionados representam fluxos de energia distin-tos e representativos de expressivos processos. Sobre “liquidificação de territórios”, constatamos que há uma grande experimentação e mistu-ra de gêneros, demonstrando que temos de observar com atenção a expansão do fazer para além das práticas artísticas consolidadas. (Ma-ria Ivone, 24.09.06, 8h33) Qualquer seleção dessa nature-za sempre contará inclusive com a subjetividade de quem seleciona. Não quero isentar-me da possibilidade de erro ou de alguma miopia involuntária. Quando assumi a responsabilidade de selecionar trinta propostas entre 2800, sabia muito bem dos riscos. Por outro lado,

me animou a postura generosa dos fomentadores do Fiat Mos-tra Brasil de respaldar a idéia de apostar no pouco conhecido, no pouco inserido, no pouco “badalado”; além da autonomia dada à curadoria, formada por brasileiros de norte a sul do país e mais comprometidos com a educação e o fomento artístico do que com o glamouroso mainstream. (Marcos Hill, 27.09.06, 8h56) Existem trabalhos selecionados que estão envol-vidos em processos intensos de pesquisa e nem por isso são tec-nológicos. Às vezes estão ligados a processos artísticos que não se pautam por qualquer questão tecnológica, como performance ou pintura. E qual o problema em se ter formação acadêmica e atuar como artista? Artistas autodidatas ou com formação acadêmica estão no mesmo barco e podem, cada um a seu modo, dentro de suas pesquisas, desenvolver bons trabalhos. (Edu Jesus, 27.09.06, 17h34) Concordo com o que o Eduardo de Jesus disse. A técnica e a pesquisa são muito importantes na arte. Sem pesquisa os irmãos Van Dyck não nos trariam a pintura a óleo e os renascentistas não resgatariam a perspectiva. Se o tempo passa, a arte anda com ele, e isso acontece graças à busca que o artista faz. Não importa o caminho. (“mouse”, 28.09.06, 7h32)

* trechos de discussão registrada no Blogarte, es-paço virtual criado pelos curadores do Fiat Mostra Brasil e aberto à participação de públi-co, artistas e organizadores. A íntegra dessa discussão está em blogearte.blogspot.com.

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| Fabiana wielewicki | Londrina, PR, 1977 | Bacharel em artes plásticas pela Universidade do

Estado de Santa Catarina e mestre em artes visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do

Sul, produz desde 2000 uma obra na qual utiliza artifícios do dispositivo fotográfico para criar

situações de ficção. Entre 2002 e 2006, participou de coletivas em Curitiba, Belo Horizonte,

Florianópolis e Porto Alegre. Realizou as individuais Paisagem programada (Pinacoteca Barão

de Santo Ângelo, Porto Alegre, 2005), Os segredos da boa fotografia (MASC, Florianópolis,

2003) e Paralaxe (MIS, Florianópolis, 2001). Dá aulas de fotografia e arte contemporânea no

SESC SC. Vive e trabalha em Florianópolis. |

f ab i ana w ie l ew i ck i

fabiana wielewicki

ALGUMAS PAISAGENS IDEALIzADAS NOS REMEtEM À PRóPRIA situação da fotografia: o pôr-do-sol, o mar, as montanhas e ou-tros “temas” registrados incansavelmente parecem se converter em imagem fotográfica antes mesmo de serem fotografados. A série foi estruturada a partir do interesse de estabelecer um confronto entre esses “temas” e a paisagem urbana vista da janela de um apartamento em Florianópolis. As imagens de paisagens inseridas nas janelas e na sacada do apartamento têm como elemento comum o mar. O fato de viver em uma ilha instigou a artista na escolha e na “invenção” de uma ilha frágil no 8º andar de um edifício, construída com paisagens de papel também frágeis – física e conceitualmente. Produzidas a partir desse confronto, estampas do mar, vistas da cidade e fotografias resultam em situações de uma segunda natureza.

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sem título | (da série 2ª natureza: 8º andar) |

fotografia | 0,8 m x 1,05 m | 2006

sem título | (da série 2ª natureza: 8º andar) |

fotografia | 0,8 m x 1,05 m | 2006

f ab i ana w ie l ew i ck i

sem título | (da série 2ª natureza: 8º andar) | fotografia | 1,05 m x 0,8 m | 2006

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| Fabíola tasca | JJuiz de Fora, MG, 1969 | Graduada em psicologia pela Universidade Federal

de Minas Gerais e em artes plásticas pela Escola Guignard, tem mestrado em artes visuais pela

Escola de Belas Artes da UFMG. Iniciou seu percurso artístico por meio de experiências com a

pintura. Atua como professora de crítica de arte na Escola Guignard, onde desenvolve projeto

de pesquisa sobre a produção de site-specifics, financiado pela Fundação de Amparo à Pesqui-

sa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Vive e trabalha em Belo Horizonte. |

f ab ío l a t a s caf i a t mos t r a b ra s i l

fabíola tasca

O INtERESSE PELAS DINÂMICAS DE RELAçãO AUtOR-LEItOR, pelos processos e estratégias de inserção do trabalho no siste-ma da arte e pela disposição do projeto artístico em relação a um contexto mais amplo de práticas sociais marca o trabalho da artista. Escritura é o título de um livro que narra seu encon-tro com um morador de rua de Diamantina chamado Sabá. também é o título do procedimento de circulação do livro que, desde janeiro de 2003, vem sendo oferecido a leitores deter-minados. O que se expõe é o resultado do endereçamento de Escritura: os nomes dos leitores e o período de empréstimo. O acesso facilitado ao livro visa envolver os interessados, tanto como usuários quanto como articuladores da história.

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f ab ío l a t a s ca

escritura | instalação | 2006

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| Felipe Cohen (foto)| São Paulo, 1976 | é bacharel em artes plásticas pela Fundação Armando

Alvares Penteado. Realiza objetos, instalações, desenhos e vídeos. Participou do programa de

exposições no Centro Cultural São Paulo em 2002. Apresentou individuais na Galeria Virgílio e

no Centro Cultural Maria Antônia, em São Paulo. Vive e trabalha em São Paulo. |

| Daniel trench | São Paulo, 1978 | Bacharel em artes plásticas pela Fundação Armando Al-

vares Penteado e mestrando em poéticas visuais pela Escola de Comunicações e Artes da USP,

atua como designer gráfico e artista plástico. Realizou individuais no Ateliê 397 (2006) e Paço

das Artes (2004) e coordenou a instalação Grande linha no SESC Pompéia (2005), São Paulo.

Esteve na coletiva Brasil em cartaz (Chamount, França, 2005) e na Bienal de Design Gráfico

da ADG (2004-05). Participou, como artista convidado, da seção Contemporâneo, da revista

Bravo! (2005). Foi selecionado para o Prêmio Porto Seguro de Fotografia e para o 14º Festival

Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil (2003). Vive e trabalha em São Paulo. |

f e l i pe cohen e dan i e l t r ench

felipe cohene daniel trench

NA CONtRAMãO DA LINGUAGEM DO VIDEOCLIPE, O tRABALHO tem vocação contemplativa, característica que parece apro-ximá-lo da linguagem da pintura. O formato widescreen do monitor reforça essa vontade: sua horizontalidade nos remete às clássicas proporções da pintura de paisagem.

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f i a t mos t r a b ra s i l f e l i pe cohen e dan i e l t r ench

o sonho de constantino | videoarte | 2006

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| Coletivo formado em 2002 em Salvador pelos artistas visuais e designers Cristiano Piton (Sal-

vador, 1979), Everton Marco Santos (Salvador, 1981), Ludmila Britto (Rio de Janeiro, 1980),

Mark Dayves (Boston, Massachusetts, EUA, 1982), Pedro Marighella (Salvador, 1979) e tiago

Ribeiro (Conceição do Coité, BA, 1979). Aproximando arte e cotidiano, busca mídias alterna-

tivas e formas não-oficiais de disseminar reflexões críticas, propor uma apreensão diferencia-

da do meio urbano e romper a monotonia anestésica do dia-a-dia. Vivem e trabalham em

Salvador. |

g ia

gia grupo de interferência ambiental

EM SUAS AçõES URBANAS, O GIA PROPõE AOS PASSANtES ExPERIêNCIAS estéticas inesperadas. Apropriando-se da estética do efêmero e do cotidiano – e lembrando que “O museu é o mundo”, nas palavras de Hélio Oiticica –, se utiliza de instrumentos da arte contemporânea como performance, instalação, objetos, ações, intervenções e design gráfico para experimentar com o corriqueiro. O espaço público torna-se propício a novas experiências sensitivas e o território de uma arte não-autoral, de situações. O grupo transita pelas margens do circuito oficial como difusor de operações artísticas efêmeras, nas quais o espectador tem papel ativo e participativo. Projeta-se à deriva e caminha por meios nômades, reflexo de sua formação heterogênea.

5 0 | 5 1f i a t mos t r a b ra s i l

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O projeto

Projeto de interferências prevê a execução do repertório do grupo em novos contextos, apropriando-se de situações cotidianas para maximizar as possibilidades de interação e imersão do público. Resulta de um método que o grupo desenvolveu para executar seus trabalhos em diferentes contextos, conservando características originais (estrutura material e tática) e adaptando-as às novas imposições e possibilidades. A intenção é garantir os estágios que inspiram os processos coletivos e permitem a inclusão dos transeuntes no universo reinventado pelo grupo, como co-autores de uma obra que somente assim se completa.

A proposta é construir ambientes efêmeros e móveis (Caramujos) que circularão pela cidade servindo de base de apoio ao grupo. Nos ambientes, público, amigos e convidados serão estimulados a reproduzir o itinerário de trabalhos do grupo ou fazer propostas.

Acontecimentos relevantes e os trabalhos serão registrados. As imagens serão expostas no Caramujo, ao lado de mapas e objetos que componham um diário e sirvam de sinalização e agenda para o público.Os procedimentos previstos para guiar as situações são:

Estágio 1 – Abertura dos trabalhos (Samba do GIA)Criação do Caramujo em locais de acesso irrestrito. Os integrantes do grupo iniciam uma roda de samba e fornecem instrumentos a pessoas que aparecerem e convidados. O acontecimento servirá como apresentação das intenções e pedido simbólico de licença do grupo à cidade.

Estágio 2 – Execução do repertórioOs trabalhos deverão ser executados ao longo de quinze dias, com intervalo de um dia entre as interferências. Serão realizadas nove: Caramujo, Balões, A fila, Pipoca, Não-propaganda, A cama, Régua, Pic-nic e Presente.

ação 1: caramujo | O Caramujo é uma tenda de lona amarela (cor que representa

o grupo) cuja função é questionar a própria função: as pessoas são convidadas a interagir com

ela e atribuir-lhe a utilidade que lhes for conveniente. “A estrutura questiona a função primária

do abrigo, a ocupação de um lugar, o processo de territorialização e expectativa de um espaço

sem imagem (a fachada representativa), sem forma e sem função (a planta distributiva de usos

e divisões do espaço) pré-estabelecidas.” (Alejandra Muñoz) | Largo São Francisco, dia 07 de

novembro.

5 2 | 5 3f i a t mos t r a b ra s i l g i a

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5 4 | 5 5

ação 3: a fila | Consiste em formar uma fila desnecessária em

frente a algum lugar inusitado. Propõe reflexões sobre a organização

do ambiente e a alienação da vida cotidiana. Remete a espera, regras,

respeito, democracia. | Praça da República. Dia 14 de novembro.

g iaf i a t mos t r a b ra s i l

ação 2: balões | Em 2003, durante a guerra do Iraque, foram

soltos dezenas de balões vermelhos de um edifício alto de Salvador.

Nos balões, as pessoas liam em tiras de papel: “E se fosse uma arma

química?” ou “E se fosse terrorismo?” A obra propõe uma bela imagem

e questiona a vulnerabilidade das pessoas diante de uma realidade

aparentemente distante, num ato de protesto.

Na versão adaptada, serão soltos mil balões de um edifício alto, com

dizeres que estabeleçam um diálogo com um acontecimento da época.

| Av. Paulista, dia 17 de novembro. Ação concebida em parceria com o

grupo PORO (Belo Horizonte/MG).

ação 4: pipoca | Pipoqueiros profissionais convidados vão

distribuir mil sacos de pipoca carimbados com mensagens de impac-

to criadas pelo GIA. | Spa da artes, Recife PE - dia 12 de outubro de

2005 (dia das crianças).

ação 5: não-propaganda | Criticar o consumismo e a submissão do cidadão aos veículos publici-

tários que tomam o espaço público. Em alguma localidade movimentada de São Paulo, serão distribuídos panfle-

tos amarelos e um “homem-sanduíche” circulará carregando uma placa amarela, sem propaganda ou mensagem.

| Dia 13 de novembro

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5 6 | 5 7g iaf i a t mos t r a b ra s i l

ação 6: a cama | Uma cama será posicionada em algum ponto de São Paulo, de preferência perto de

moradores de rua. O objetivo é questionar a condição dessas pessoas, que a sociedade já se acostumou a ver

espalhadas pelas ruas. | Cruzamento da Av. Paulista com a Consolação, dia 16 de novembro.

ação 7: régua | Uma cama será posicionada em algum ponto de São Paulo, de preferência perto de

moradores de rua. O objetivo é questionar a condição dessas pessoas, que a sociedade já se acostumou a ver

espalhadas pelas ruas. | Banheiros de butecos do centro da cidade, dia 09 de novembro.

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5 8 | 5 9f i a t mos t r a b ra s i l g i a

ação 8: pic-nic | Consiste em montar um piquenique (toalha,

cesta com alimentos etc.) em algum local da cidade em que desigualdades

sociais sejam visíveis, e convidar moradores de rua para participar. traz à

tona a questão da fome e da pobreza generalizada que assola o país. |

Viaduto do Chá, Vale do Anhangabaú, dia 15 de novembro.

ação 9: presente | O grupo posiciona um “presente” em algum

ponto da cidade, deixando o pacote à mercê das possibilidades. O objetivo

é instigar a curiosidade do passante diante da possibilidade de haver algo

valioso no pacote. | Metrô Vila Mariana dia 11 e Higienópolis, dia 16 de

novembro.

agradecimentos | Grupo Empreza, Riachão, André Mesquita, Fernanda Albu-

querque, Marco Antônio Silva dos Santos, Dona Ivone Lara, Alexandre Fehr, zeca Ferraz,

Marcos Kiyoto, EIA, Paloma, moradores de rua de São Paulo(principalmente Sandro) e todos

aqueles que ajudaram para a concretização das intervenções...

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grupo EmpreZa

EM tRêS VIDEOPERFORMANCES REGIStRADAS E ExIBIDAS simultaneamente, o grupo bebe e interage com a câmera diante do Monumento do Ipiranga, enquanto assiste ao filme Independência ou morte, e nos festejos do Dia da Pátria, na Esplanada dos Ministérios. A obra sugere um embate entre o microrritual horizontal do manuseio coletivo da garrafa e os ritos espetaculares e hierárquicos da manipulação do poder e da história. Projetados simultaneamente, os vídeos provocam vertigem no espectador. Sucessivas e progressivas alterações nas paisagens criam um ritmo que reproduz a sensação de embriaguez.

6 0 | 6 1

| Coletivo composto pelos artistas plásticos Alexandre Pereira (Goiânia; vive em Macapá), Ba-

bidu (teresina; vive em Goiânia), Bia Miranda (Goiânia; vive em Goiânia), Christiane Frauzino

(Goiânia; vive em Goiânia), Fabio tremonte (São Paulo; vive em São Paulo), Fernando Peixoto

(Goiânia; vive em Goiânia), Keith Richard (Goiânia; vive em Goiânia), Mariana Marcassa (Bra-

gança Paulista, SP; vive em São Paulo), Paulo Veiga Jordão (Cidade de Goiás, GO; vive em Goiâ-

nia). Formado em Goiânia em 2001, se dedica ao estudo e à prática da performance e de outras

linguagens experimentais. O corpo e seus desdobramentos servem de eixo poético à maioria

das ações, que operam com questões como corpo individual e coletivo, corpo privado e públi-

co, corpo natural e cultural, e questiona como o corpo se situa nos substratos da realidade.|

grupo emprezaf i a t mos t r a b ra s i l

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6 2 | 6 3grupo emprezaf i a t mos t r a b ra s i l

O projeto

Convidados pela Fiat a pensar no Brasil e no futuro, o Grupo Empreza pensa que Salve, salve! traduz alguns aspectos de sua visão sobre o tema, vendo de forma crítica, lírica, romântica, satírica, mas sempre política, os liames temporais e históricos que fazem com que os conflitos do passado se arrastem, indefinidamente reciclados, para o presente. Esta seria, talvez, uma forma inteligente de se começar a pensar no futuro.

Salve, salve! é uma videoinstalação que se compõe da exibição simultânea, em sala fechada, de três videoperformances. Os atos serão realizados em dias e locais diferentes, mas constituem-se da mesma ação básica, dialogando mutuamente e criando uma trama de significados sobre o seu tema comum: representações da Independência do Brasil.

A primeira videoperformance ocorreu no Parque do Ipiranga, em São Paulo, diante do Monumento ao Centenário da Independência, em 7 de julho de 2006. A câmera foi fixada enquadrando o topo do monumento e, diante da lente, foi colocada uma garrafa cheia de cachaça, o que resultou numa deformação da paisagem enquadrada. Os membros do Grupo Empreza iniciaram, então, a ação: beber a cachaça, aos poucos, até o fim, sempre buscando e devolvendo a garrafa para a frente da lente da câmera. Assim, ora o vídeo mostra a paisagem sem interferências (quando a garrafa não esta lá), ora a mostra filtrada e distorcida pelo vidro e pelo líquido. O resultado plástico é surpreendentemente pictórico.

A segunda videoperformance, ainda a ser executada, se dará diante de um aparelho de televisão. A câmera enquadrará exatamente a tela de um televisor, onde estará passando, em looping, uma seqüência do filme Independência ou morte (direção de Carlos Coimbra, 1972, com tarcísio Meira no papel de D. Pedro I). Novamente, uma garrafa com cachaça será colocada entre a câmera e o televisor, e os membros do Grupo Empreza irão beber seu conteúdo, sempre devolvendo-a para a sua marcação em frente à lente da câmera, enquanto conversam e assistem ao filme.

A terceira videoperformance ocorre durante o desfile do Sete de Setembro, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. O Grupo Empreza irá para a capital federal e assistirá ao desfile. A câmera estará fixa, enquadrando o espetáculo. Pela terceira vez, os membros do Grupo Empreza irão destilar a paisagem, filtrando-a através de uma garrafa de cachaça que será lentamente consumida, enquanto acontece o desfile.

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salve salve | vídeoinstalação e performance | 2006

6 4 | 6 5f i a t mos t r a b ra s i l g rupo empreza

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surgem por todo país. Precisamos de mecanismos eficientes para dar voz a essas estratégias. (Járed Domício, 12.07.06, 17h17) Em São Paulo, vi cartazes colados sobre grafites de gente conhecida. Não eram cartazes de shows ou coisa que o valha, mas cartazes relativos ao trabalho de Marcia x censura-do por uma instituição. Então a arte sai do circuitão denuncian-do censura e censurando outros artistas! Que ironia. (Paulo Ito, 27.07.06, 12h51) Desde 1990 os artistas têm buscado construir suas próprias estratégias de visibilidade fora de um programa visando à legitimação de um sistema. Como contraponto, emergem as iniciativas privadas, ligadas à distribuição de lucros de empresas, que entenderam que a atividade artística é, para utilizar um termo do comércio, “um valor agregado”. Ao abordar contexto e produção da arte temos de colocar na balança estas várias realidades. Uma primeira questão se apresenta: como criar condições para que a produção artística possa ser um valor em si? (Maria Ivone, 01.08.06, 5h25) O contexto de produção no Brasil se tra-duz em três questões: recursos, público e fomento. Faltam recur-sos para pesquisa em arte. é difícil levar a obra de arte ao público. O governo não tem linha de fomento para as artes visuais. Mas nós, artistas, seguimos criando. Se não, a vida não vale a pena. (“isabel”, 22.08.06, 15h36) Olhando o outro lado, seria interessante observar como se dá a gestão pública na área da cultura. Como se constituem os programas em aplicação nos museus públicos? A cena nacional não poderia se reconfigu-rar com a troca de experiências entre instituições? Como é a constituição funcional de nossos museus? De que forma os acervos públicos se formam? (Maria Ivone, 01.09.06, 9h34) Percebemos que num país onde aspectos básicos de vida ainda são problema, a arte consegue pairar como elemento vivo e crescente da cultura. Pode não ser valorizada economicamente como muitos gostariam, mas é inegável sua boa aceitação sem-pre que proposta. (Marcos Andruchak, 17.09.06, 13h20)

Como está a produção das artes no Brasil? Qual é o contexto de criação da arte brasileira? Como ele influencia a produção? (“blogarte”, 03.07.06, 11h43) Um projeto como este, que pretende revelar talentos, dará conta de se sobressair por uma forma antiquada de revelação? Levemos para a galeria os “novos artis-tas brasileiros” e, depois, como isso se sustentará? Qual a importância disso para o “contexto de produção” das artes brasileiras? (Carla Andra-de, 04.07.06, 10h15) Essa temática me traz duas questões: a diversidade de uma produção que em raros momentos consegue ser visualizada de forma significativa e um sistema de arte que não dialoga com as necessidades do meio artístico. Quando falamos em contexto de produção, estamos tratando de algo mais amplo. Como produzem nossos artistas? Como veiculam seus resultados? O artista tem hoje de se posicionar não só como realizador, mas como gerenciador da produção. Elaborando portfólios, estudando leis e instituições para compreender onde investir seu tempo e di-nheiro sem ser enganado. Por outro lado, as instituições buscam políticas que preservem seus interesses e novos formatos de estí-mulo à produção. Ainda temos um eixo Rio-São Paulo que respon-de pela “cara” da arte brasileira, e escolas de arte que parecem não acompanhar essas discussões. Não vejo soluções claras. Creio que devem vir dos artistas e de suas ações. (Járed Domício, 08.07.06, 10h41) Concordo que levar novos artistas para uma exposi-ção não é suficiente. Para dar conta do problema dos museus e espaços expositivos públicos sem recursos para sustentar uma programação, temos de admitir que muitas coisas se dão fora da ordem. Como ma-pear essa produção que se dá na informalidade e se manifesta nas mais diversas formas? (Maria Ivone, 08.07.06, 16h39) Como a arte so-brevive no Brasil, senão por iniciativa de artistas informais, que recorrem ao próprio substrato urbano, de ruas e viadutos, como suporte e galeria? A produção contemporânea de arte conse-gue se preservar na medida em que se compromete com a sua informalidade. (“für gestaltung”, 09.07.06, 22h58) A produção de arte no Brasil vem se destacando em regiões das quais antes não ouvíamos falar. Independentemente do contexto do mercado, a produção artística difunde suas manobras de inserção no circuito. (“traplev”, 11.07.06, 7h56) Como exis-tir no circuito de arte? Não basta produzir. é necessário articular o pensamento sobre a produção e se fazer presente. Não perce-bo que “certas regiões” centralizam apenas o mercado de arte, mas também grandes possibilidades (para poucos) de produção e pensamento sobre arte. Acredito nas ações independentes que

f i a t mos t r a b ra s i l b log

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henrique oliveira

DESENHADOS PARA ESCONDER E PROtEGER O CRESCIMENtO da cidade, os tapumes se transformam em índices de deterio-ração da própria paisagem metropolitana. Suas camadas de lâminas, ao se despregar e apodrecer, revelam o orgânico sub-metido à indústria. também criam uma proximidade mais do que alegórica com a pintura modernista, sempre ocupada com os problemas da materialidade do pigmento, da superfície, do procedimento. A arte sempre dispôs de meios para representar a cidade. Aqui, a cidade fornece o corpo capaz de sugerir a representação de uma idéia de arte.

6 8 | 6 9

| Henrique Oliveira | Ourinhos, SP, 1973 | Formado pela Universidade de São Paulo e mestran-

do em poéticas visuais pela Escola de Comunicações e Artes, desenvolve uma produção visual

focada na pintura e na relação suporte pictórico/espaço arquitetônico. Integrou o estúdio-

residência Atelier Amarelo, em São Paulo. Foi um dos ganhadores do Prêmio Projéteis Funarte

de Arte Contemporânea (2005). Participou do Programa de Exposições do Centro Cultural São

Paulo (2006), do 5º Salão Nacional de Arte de Goiás (2005), do Projetéis Funarte na França

(2005) e da 9ª Bienal de Artes Visuais de Santos (2004). Realizou individual na Galeria Baró

Cruz, São Paulo (2006). tem obras em coleções particulares e no acervo do Itaú Cultural (São

Paulo). Vive e trabalha em São Paulo. |

hen r ique o l i v e i r af i a t mos t r a b ra s i l

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f i a t mos t r a b ra s i l a r t i s t a s

tapumes | site specifc |

18,4 m (largura) x 4 m (altura) x

1,2 m (espessura) | 2006

7 0 | 7 1

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katia prates

O tRABALHO é CONStItUíDO POR IMAGENS DE UM úNICO elemento, focalizado em cena de natureza. São fotografias que surgem do cruzamento de dois eixos: a busca pela mais comum das cenas e a aplicação de um corte não-usual ao gênero da paisagem. O resultado acontece em imagens do céu diurno. Frente a elas, estamos diante de uma impossí-vel solidez da atmosfera, resultado da bidimensionalidade fotográfica, e de uma emanação de cor que parece expandir-se no campo visual. A obra propõe um olhar que investiga o contraste entre o visto e o retratado, entre o retratado e o reconhecido, entre o convencionado e o que ainda escapa à convenção na paisagem.

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Katia Prates | Porto Alegre, 1964 | é mestre em poéticas visuais pelo Instituto de Artes da Uni-

versidade Federal do Rio Grande do Sul, com especialização em arte e tecnologia pela School

of the Art Institute of Chicago, EUA. Produz séries fechadas em técnicas e materiais diversos,

que mostrou em individuais como árvores, paisagens, horizontes (Galeria dos Arcos, Porto

Alegre, 2006) e Paisagens (Centro Cultural São Paulo, 2003). Expôs em coletivas no MARGS e

no Museu de Arte Contemporânea, em Porto Alegre, na Funarte (Rio de Janeiro) e nas mostras

Rumos Visuais do Itaú Cultural (São Paulo) e Mostra Rioarte Contemporânea (MAM-RJ). Vive

e trabalha em Porto Alegre. |

ka t i a p ra te sf i a t mos t r a b ra s i l

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paisagens: dia 2 | fotografia analógica | 3 m x 1,8 m cada imagem | 2004paisagens: dia 1 | fotografia analógica | 3 m x 1,8 m cada imagem | 2004

ka t i a p ra te sf i a t mos t r a b ra s i l

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leonora weissmann

A PAIxãO PELO PODER DE PERSUASãO DA IMAGEM E O INtERESSE PELA liberdade de escolha de elementos e processos de criação, como a palavra, a cor e a música, movem a série Corpos-paisagem. São auto-retratos e re-tratos em proporção real de amigos e parentes, feitos em tinta a óleo e/ou acrílica sobre tela. todos encaram o espectador e têm as costas viradas para a paisagem que os envolve. Esse díptico retrata Dudu Nicácio e Leopoldina, músicos parceiros e amigos. Seus corpos se estruturam na pintura a partir de uma paisagem lúdica, que finge ser a mesma, mas que, ao se tornar pintura, duplica-se. Ambos se fazem pintura, corpos e paisagens, e ambos são paisa-gem, pintura e corpos. O espectador externo é responsável por esse infinito e o torna possível: só ele vê paisagem e figura como uma imagem só.

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| Leonora weissmann | Belo Horizonte, 1982 | Bacharel em pintura pela Universidade Federal

de Minas Gerais, é artista plástica e cantora, além de professora da mesma instituição. Utili-

zando principalmente pintura, desenho e objeto, participou de individuais e coletivas no país

e no exterior. Integra o grupo de música Quebrapedra, o grupo cênico-musical Voz & Cia e

a Misturada Orquestra, com os quais conquistou prêmio no projeto telemig Conexão Celular

2005 e outros. Vive e trabalha em Belo Horizonte. |

l eono ra we i s smannf i a t mos t r a b ra s i l

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nome da obra | objeto

xerostrud doluptat la feum vel el ea feugiamet, quat

numsandre venit vent in velenis eugait autat. Ut acilla

coreriusci exer.

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retratos de leopoldina e dudu nicácio sobre a mesma paisagem | díptico | pintura | 1,5 m x 2 m | 2004

l eono ra we i s smannf i a t mos t r a b ra s i l

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luiz roque filho

PROJEtO VERMELHO LIDA COM A REPRESENtAçãO DA PAISAGEM, um dos mais antigos temas da história da arte. A fumaça é utiliza-da como forma de quebrar o aparente naturalismo das imagens. Inicia-se, com ela, um processo de artificialização de espaços natu-rais que leva o espectador a apreciar o filme como obra de ficção, e não mera representação da natureza.

8 0 | 8 1

| Luiz Roque Filho | Cachoeira do Sul, RS, 1979 | trabalha com vídeo, cinema e fotografia.

Participou de coletivas como Mapeamento (Porto Alegre, 2005), territórios (São Paulo, 2005),

Cinema digital (Recife, 2004), Contemporão (Porto Alegre, 2004) e 45th Competition for Film

and Video on Japan (tóquio, Japão, 2001). Recebeu bolsa do SPA das Artes/MAMAM de Recife

para realizar a intervenção urbana Amor na Praia de Boa Viagem (2004). Foi premiado no 36º

Anual de Artes da FAAP (São Paulo, 2004) e um dos realizadores sul-americanos selecionados

para o talent Campus, workshop do Festival de Cinema de Berlim (2005) na Universidad del

Cine em Buenos Aires, Argentina. Organizou a mostra Cinema de artista para o festival Cinees-

quemanovo (Porto Alegre, 2006). Seu Projeto vermelho foi exibido no 25º Festival de Cinema e

Vídeo Experimental de zagreb (Croácia, 2006) e no 9º Salão Victor Meirelles, em Florianópolis.

Vive e trabalha em Porto Alegre. |

l u i z roque f i l hof i a t mos t r a b ra s i l

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projeto vermelho | vídeo-instalação | 2006 |

Direção, roteiro e produção: Luiz Roque Filho | Fotografia e câmera:

Gustavo Jahn | Montagem e som: Letícia Ramos | Aparição: Morgana

Rissinger | Realização: Fazenda Roque Ramos |

8 0 | 8 1lu i z roque f i l hof i a t mos t r a b ra s i l

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marcelo moscheta

A IDéIA DO tRABALHO é A (RE)CONStRUçãO DE PAISAGENS retiradas de velhos cartões-postais e de fotos de lugares onde o avô do artista (que ele nunca conheceu) nasceu e esteve an-tes de imigrar para o Brasil, em 1921. Propondo a análise do próprio processo de construção e representação de uma obra, o artista usa a gravura como meio para discutir as relações de escala real com o espectador e de distância geográfica e tem-poral, além de questões sobre sua multiplicidade e seu diálogo com o universo fragmentado atual e virtual.

8 4 | 8 5

| Marcelo Moscheta | São José do Rio Preto, SP, 1976) | Bacharel em artes plásticas e mes-

tre em artes visuais pela Universidade Estadual de Campinas, suas pesquisas têm foco no

desenho e sua relação com a fotografia. Realizou as individuais Schemata (CCSP, 2006),

Desabitados (Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 2006), Notícias da existência do mundo

(Fundação Jaime Câmara, Goiânia, 2005) e Sobre tudo o que se deve guardar (MAC Campi-

nas, SP, 2004). Foi premiado na coletiva do Centro Cultural São Paulo (2006), no 12º Salão

da Bahia (2005), no 4º Salão Nacional de Arte de Goiás (2004) e no Edital do MAC Campinas

(2003). Finalista da edição 2006/2007 do Prêmio CNI/SESI Marcantônio Vilaça, possui obras

em coleções particulares e acervos públicos, como Coleção Gilberto Chateaubriand/MAM-RJ

e Casa de Las Américas, Havana, Cuba. Integra o Centro de Pesquisa em Gravura da Unicamp.

Vive e trabalha em Campinas, SP. | www.marcelomoscheta.art.br |

marce lo mosche taf i a t mos t r a b ra s i l

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refeitório | Gravura em metal sobre poliestireno | 4 m x 2 m | 2006

marce lo mosche taf i a t mos t r a b ra s i l

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ração histórica, as responsabilidades políticas dos artistas e dos curadores de hoje são algo muito complicado e devem ser analisadas caso a caso. Há artistas e artistas, e curadores e curadores. (Marcos Hill, 14.08.06, 8h) Sem artista não existe curador ou curadoria. Sem curador ou curadoria, a arte vai continuar existente. Isso está na cara de todos. (“nave”, 20.08.06, 5h31) todo mundo no Rio de Janeiro é artista e curador. Arqui-tetamos e promovemos nossas próprias mostras. O que precisa de curadoria é a macroes-cala, senão a Bienal de São Paulo seria um feirão de doer. Mas, no dia-a-dia, o curador é totalmente dispensável. (“isabel”, 22.08.06, 15h44) Nossa, é um alívio saber que pelo menos parte dos curadores dessa Mostra tem a incrível generosidade de discutir no campo mais democrá-tico possível questões tão delicadas e nas quais seu próprio trabalho e ideais artísticos são questionados. (Bruno Gularte Barreto, 28.08.06, 21h36) Curadores são como os deuses no Olimpo das artes. Aqueles que escrevem os dez mandamentos e decretam a destruição de Sodoma e Gomorra. O que farei para ser abençoado nesse universo??? (anônimo, 11.09.06, 7h19) tenho notado que os curadores vêem a arte contemporânea apenas sob a ótica conceitu-al. O artista que não tem linguagem conceitual não é selecionado. (anônimo, 19.09.06, 11h40) No caso do Mostra FIAt, seria muito saudável a rotati-vidade dos curadores nas próximas edições, para que não se crie uma “identidade” fixa, e para que ocorra renovação das cabeças pensantes que escolhem quem participa. (anônimo, 22.09.06, 18h39)

Ao longo de nossa discussão neste blog, vemos que o teor predominante nos temas foi muito o mercado das artes. A figura do curador também é importante nessa discussão. Qual é a sua função nos dias de hoje? Ele é apenas um filtro ou figura determinante de tendências? (“blo-garte”, 12.08.06, 12h48) Acho que o curador é uma invenção que pode ser descartada. Os curadores são pouco atrevidos e se escondem em temas e experiências já incorporadas. ter o domínio da liturgia, da oralidade, não garante nada. O curador precisa de conteúdo, conhe-cimento de arte. Essa questão do curador no Brasil é importante só para as instituições que precisam deles. (“alexis”, 10.08.06, 17h14) Na acepção que nos dá teixeira Coelho no seu Dicionário crítico de política cultural, curadoria define-se como: “tomar emprestado algo e com ele construir outra coisa”. Por outro lado, assume um aspecto pejorativo. A primeira opção diz respeito ao que fazemos com o que vemos e de que forma o agenciamos. A segunda, a um poder que nos é outorgado para decidir por alguém “incapaz”. As duas formas coexistem no nosso sistema de artes. Assumo a curadoria como uma tarefa de olhar, no horizonte do visível, pos-sibilidades de conversa com um artista. Pensar que uma seleção não acaba na escolha, mas continua na forma como a exposi-ção se dará. (Maria Ivone, 10.08.06, 21h30) (No Mostra Fiat Brasil), vários artistas farão envio de obras para a inscrição e serão submetidos a uma avaliação por “curadores” que também deveriam desenvolver mais o seu perfil. Gostaria de abrir um salão para avalia-ção dos curadores, onde possamos ver a relevância dos seus trabalhos. (“alexis”, 11.08.06, 12h01) Além da dimensão conceitual, o assunto da curadoria tem uma dimensão histórica e política que paira sobre o circuito artístico sem nunca merecer um tratamento crítico mais esclarecedor. Não se trata de ignorar ou querer elimi-nar o curador e a curadoria. Não importando qual seja a “torci-da”, curador e curadoria são realidades já bastante intrínsecas ao universo da arte. (...) Vocês lembram da música que diz: “O sonho acabou. Quem não dormiu no sleeping bag nem sequer sonhou”? Pois é. Aquele sonho das neovanguardas dos anos 1950, 1960 e 1970 de, através de um processo revolucionário socialista explí-cito, combater a injustiça social, acabou mesmo. E, certamente, o curador surge de modo profundamente comprometido com as necessidades que as corporações internacionais passam a ter de capitalizar, em seu proveito próprio, todo e qualquer tipo de ma-nifestação cultural e artística. Notem que, a partir dessa conside-

f i a t mos t r a b ra s i l b log

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marcus bastos

VíDEO INtERAtIVO EM QUE OS GEStOS SOBRE UMA tELA touch screen permitem controlar a opacidade de suas várias camadas audiovisuais. O trabalho reúne fragmentos de entrevistas, filmes e sons sobre os temas “liberdades”, “imagens” e “ruídos”. Os depoimentos foram colhidos em 2006, com intelectuais e anônimos que falam sobre utopias libertárias, formas de interdição e sua relação com as imagens e sons que compõem a paisagem contemporânea. São dez fragmentos que surgem como clusters audiovisuais fora de controle. Ao navegar pelo projeto, o interator ajusta o foco de determinadas imagens e sons. Ao fazê-lo, modela da forma que deseja o conteúdo, em processo que faz do agenciamento do interator um mecanismo de exercício do pensamento crítico. Os diferentes temas misturam-se, sem delimitar fronteiras claras entre um e outro.

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| Marcus Bastos | Bauru, SP, 1974 | é doutor em comunicação e semiótica e professor da Pon-

tifícia Universidade Católica de São Paulo. Seus projetos em novas mídias incluem os banners e

vídeos para painel eletrônico usados na infiltração na mídia Calhau (2006), o DVD Minha terra

tem palms (2005) e os sites circ-lular (2004), com o grupo Preguiça Febril, O livro dos cacos

(2002) e webpaisagem0 (2002), com Giselle Beiguelman e Rafael Marchetti, único trabalho

brasileiro indicado para o international/media/art/award 2003 (zKM). Foi selecionado para o

Prêmio Sergio Motta de Arte e tecnologia 2005-2006 com o ensaio audiovisual dez (ou mais?)

minutos de liberdade. traduziu para o português the thoughtbody Interface Environment,

de Bill Seaman e Otto Roesler, e o poema talk You, parte da instalação text Rain, de Camilla

Utterback e Romy Achituv. Vive e trabalha em São Paulo. |

marcus ba s to sf i a t mos t r a b ra s i l

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interface disforme | web arte | 2006 | Direção e desenvolvimento: Marcus Bastos; tecnologia: Jim Andrews (DIALs for Adobe Director); Produção: Marta Scheider;

Músicas: Dudu tsuda; Pesquisa e captação de vídeo: Marcus Bastos e Rodrigo Gontijo; Locução: Daniel Daibem e Joana Ceccato. Agradecimentos: Cicero Inácio da Silva, Daniela

Castro, influenza, Jane de Almeida, Joca Reiners terron, Lucas Bambozzi, Marcelino Freire, mm não é confete, Natália Mallo e Nelma Salomão. A gravação de 1973 da conversa

doméstica entre Inês Knaut e Flávio Porto foi gentilmente cedida por Joana Ceccato, filha do casal.

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O projeto

Não há diferença entre aquilo de que um livro fala e a maneira como é feito. Um livro tampouco tem objeto. Considerado como agenciamento, ele está somente em conexão com outros agenciamentos.(Gilles Deleuze e Félix Guattari, Mil Platôs)

Em Interface disforme, janelas de vídeo sobrepostas compõem um cluster que o interator controla por meio de botões que ajustam o volume dos sons e a opacidade das imagens. O movimento do mouse sobre a tela permite reorganizar os fragmentos disponíveis.

O projeto explora temas relacionados à cultura digital: pirataria, utopias libertárias estimuladas pela internet, práticas de vigilância em rede. Construído a partir de entrevistas e remixes, aproxima o processo de sampleagem dos agenciamentos de sentido. O sampler entendido como forma de polifonia, trama de outros que surgem enquanto alguém fala.

Interface disforme estimula a atenção para a voz do outro, para a alteridade, cada vez mais rara na cultura contemporânea, mundializada, homogênea. A interface oferecida ao usuário é fluida, mas opaca. “é empresa difícil, e mais árdua do que parece, acompanhar o andar do espírito, penetrar-lhe as profundezas opacas e os ocultos recantos” (Montaigne).

Só pelo exercício de buscar as imagens e sons disponíveis, o interator consegue fruir esse pequeno ensaio em que tudo surge quase ao mesmo tempo e raramente desaparece (memória invertida em tempos de excesso de informação). Os volumes de som e as freqüências revelam surpresas audíveis conforme as combinações são experimentadas.

O desenvolvimento do projeto será feito a partir de pesquisa multimídia (no acervo da tV Cultura, da tV PUC e na internet) e de gravações de áudio e vídeo, em locação e estúdio. A pesquisa foi iniciada antes, para desenvolvimento do projeto dez (ou mais?) minutos de liberdade, que recebeu Menção Honrosa no 6º Prêmio Cultural Sérgio Motta, e do curta-metragem radicais livre/os, em desenvolvimento pelo programa Petrobras Cultural 2006/2007.

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mariana silva da silva

O tRABALHO NASCE DE UMA INVEStIGAçãO A RESPEItO das fronteiras do corpo e sua permeabilidade ao exterior. tenta-se mapear uma situação de fronteiras em contato por meio de sua apresentação fotográfica. tocar as fronteiras com a ponta dos dedos, com as palmas das mãos, captu-rar esse contato: momentaneamente os cabelos adquirem movimento, flutuam por uma carga elétrica permeável a um corpo exterior.

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| Mariana Silva da Silva | Porto Alegre, 1978 | Graduada e mestre em poéticas visuais pelo

Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é artista plástica e professora

da Universidade de Caxias de Sul. trabalha com fotografia, vídeo e livro de artista, e centra

sua pesquisa nos conceitos de contato e superfície. Participou das coletivas Pequena distância

(Palácio das Artes, Belo Horizonte, 2006), 9º Salão Victor Meirelles (Museu de Arte de Santa

Catarina, Florianópolis, 2006) e 8èmes Rencontres Internationales Paris/Berlin (Grande Halle

de la Villette, Paris, França, 2004), e realizou as individuais Litoral (Museu Victor Meirelles,

Florianópolis, 2004) e Pontos de contato (Instituto Goethe, Porto Alegre, 2001). Em 2004,

publicou o livreto de artista Para preencher um buraco, a partir de intervenção realizada em

Porto Alegre. Vive em Porto Alegre e trabalha em Caxias do Sul, RS. |

mar i ana s i l v a da s i l v af i a t mos t r a b ra s i l

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à distância (elétrico) | fotografia | 0,40 m x 0,60 m cada | 2003/04

9 6 | 9 7mar i ana s i l v a da s i l v af i a t mos t r a b ra s i l

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mariane rotter

UM LIVRO-OBJEtO COM SEQüêNCIAS DE FOtOGRAFIAS QUE CRIAM diálogos entre imagens do cotidiano da artista em Porto Alegre e em São Paulo. Esse diálogo toma outra dimensão no arranjo das imagens e no contato com o público, que poderá folhear o livro e relacionar seu próprio cotidiano àquele captado pela artista, como que compartilhando de uma intimidade comum. Impresso em formato de bolso, o livro passa por um processo de dispersão e disseminação: será exposto, trocado, doado e esquecido em pontos da cidade.

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| Mariane Rotter | Ijuí, RS, 1975 | Formada em artes plásticas pelo Instituto de Artes da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul e mestranda em artes pela mesma instituição, dá

continuidade ao projeto de graduação Meu ponto de vista, que consiste em fotografar o pró-

prio cotidiano com enquadramento fixo, na altura do horizonte dos olhos, a 1,30 m do chão.

Vive e trabalha em Porto Alegre. |

mar i ane ro t t e rf i a t mos t r a b ra s i l

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9 8 | 9 9mar i ane ro t t e rf i a t mos t r a b ra s i l

O projeto

“Fotografando com uma câmera portátil digital, tenho agilidade para capturar imagens no dia-a-dia. Revendo fotografias produzidas desde 2003, reúno-as em pares, dípticos de imagens que se relacionam. Reagrupadas, tomam novo sentido.

Muitas vezes pensei minhas fotografias como uma seqüência de gestos, de detalhes revelados pelo corte.

Este projeto quer romper com a lógica do uso banal da imagem no contexto do cotidiano. Ele questiona o uso indiscriminado da imagem que não reclama sentido, valoração e ética em meio à proliferação de cenas reais e objetivas do mundo contemporâneo. Minha proposta é produzir pequenos livros, seqüências de fotografias, diálogos em que imagens do projeto meu ponto de vista: indutor de percepção cotidiana formarão dípticos com as novas imagens captadas durante minha estadia em São Paulo.

Os livros serão confeccionados em tamanho de bolso e impressos em uma tiragem que permita disseminá-los: distribuí-los, deixá-los em bibliotecas, esquecê-los em bancos de praças, trocá-los com artistas e expor exemplares para que sejam manuseados.

As ações serão registradas em imagem, fazendo parte do projeto.”

indutor de percepção cotidiana | Fotografia/livro | 2006

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| Marta Neves | Belo Horizonte, 1964 | é formada em desenho e cinema de animação e mes-

tre em artes plásticas pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais. Par-

ticipou de eventos e coletivas no Brasil e no exterior. Expôs individualmente na Léo Bahia Arte

Contemporânea (Belo Horizonte, 2004), Galeria Circo Bonfim (Belo Horizonte, 2001) e Galeria

Baró Senna (São Paulo, 2001). Dá aulas de estética na UFMG, no Unicentro Newton Paiva e na

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Vive e trabalha em Belo Horizonte. |

mar ta neve sf i a t mos t r a b ra s i l

marta neves

A ARtIStA DESCREVE SUA AtIVIDADE COMO UMA “tENtAtIVA DE IRONIA e jogo com o seriíssimo ridículo cotidiano”. As 12 tarefas exemplifica sua aproximação com o kitsch, “visitado, revisitado, abraçado”. A obra é o registro em vídeo de uma visita guiada por Elke Maravilha a uma exposição de arte contemporânea no Centro Cultural São Paulo, em outubro de 2006. Os visitantes são recrutados entre transeuntes da praça da Sé. Durante o passeio, Elke usa os signos do zodíaco para relacionar arte e vida. As reações das pessoas e os comentários filosóficos são surpreendentes.

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O projeto

“Quem iria a um museu se fosse convidado? Quem se interessaria ou se atreveria a olhar e julgar livremente as peças expostas? O diálogo da arte com o grande público terá se tornado uma utopia? Que relação o público tem (tem?) com a arte dentro dos museus e galerias? Para que, afinal, eles servem? E a grande palavra ARtE? Dá para fazer alguma coisa com ela?

A partir dessas dúvidas surgiu a idéia de fazer um jogo com o público potencial de uma mostra efêmera.

talvez uma celebridade de unanimidade não burra, como Elke Maravilha, como body artist e performer que é (óbvio que o público não sabe desses conceitos acadêmicos, embora, ao ver sua figura, intua muito bem do que se trata), pudesse ser suficientemente convincente para seduzir umas tantas pessoas a entrar numa van e passar alguns minutos numa exposição.

Dentro do projeto proposto, numa tarde de sábado ou domingo, um grupo de pessoas sairá com Elke Maravilha para visitar uma pequena exposição, montada de maneira simples, de forma a não impor gastos à instituição nem danos às obras. A artista funcionará como monitora da mostra.

Cada obra será apresentada conforme texto que me foi mostrado pela própria Elke Maravilha, As doze tarefas, em que fala, de maneira singular e sedutora, dos signos do zodíaco. Cada trabalho torna-se um signo.

Como se vê, não temos aí uma monitoria de caráter didático: Elke, embora possa mencionar título e artista de cada trabalho apresentado, não discursará sobre a história do mesmo ou as intenções de seu criador, nem se atreverá a se apropriar de textos da crítica especializada. A ponte entre as obras de arte e o público é casual como a circunstância, ou como a própria vida e sua ausência de roteiros.

Um professor argumentaria: e o que se lucra com uma coisa dessas? Nenhum conhecimento, nenhuma informação sobre arte, nada foi ‘ensinado’. Só encenado.

Não creio de fato que, numa tarde somente, alguém vá ‘aprender a ver cultura’. Não é essa a intenção. Mas por que não dizer a essas poucas pessoas alguma coisa sobre a vida, sobre as doze tarefas dos signos de todos nós que estamos por aí, presentes nas criações humanas, espelho – embora às vezes estranho e de difícil aproximação – de nossas mentes, projetos, rejeitos, o que for? Afinal de contas, não seria mais agradável, menos presunçoso (embora talvez utópico) mostrar-lhes que, a despeito da esquisitice das obras (e não menos dos artistas, curadores e afins), das faixas de segurança, dos avisos de ‘favor não tocar’, do deleuzismo (e eu gosto do filósofo, viu?) dos discursos especializados, o fio condutor entre a arte e a vida ainda não se desfez?

tarefa difícil, mas agradável. E não uma só: mas doze.”

mar ta neve sf i a t mos t r a b ra s i l

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as 12 tarefas | performance | 2006

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martha gabriel

O tRABALHO FAz CONVERGIR VOz E IMAGEM EM UM mosaico visual/aural na web. Pessoas que interagem por telefone, de qualquer lugar do planeta, integram ao mosaico suas próprias vozes e escolhem as cores das pastilhas que o compõem. A interface acessada via telefone usa síntese de fala e reconhecimento de voz. Cada ligação gera uma pastilha do mosaico. As interações visuais e sonoras que geram a obra representam uma dissolução de fronteiras e uma convergência da mais antiga rede de comunicação global (o telefone) com a maior rede computacional do mundo (a internet).

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| Martha Gabriel | São Paulo, 1962 | Engenheira graduada pela Universidade Estadual de

Campinas, tem pós-graduação em comunicação de marketing pela Escola Superior de Pro-

paganda e Marketing de São Paulo e em design gráfico pelo Centro Universitário Belas Artes

de São Paulo. é mestre em artes pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Professora e

coordenadora na Universidade Anhembi Morumbi, é diretora de tecnologia da NMD (New Me-

dia Developers) e crítica da LEA (Leonardo Electronic Almanac), publicação do Massachusetts

Institute of technology, EUA. Seus trabalhos e pesquisas na área de arte, ciência e tecnologia

foram apresentados em congressos e exposições internacionais como SIGGRAPH (Los Angeles)

e Consciousness Reframed (Plymouth), EUA. Vive e trabalha em São Paulo. | www.martha.

com.br |

| Martin Dahlström-Heuser | convidado | Finlândia, 1979 | Graduou-se em composição pela

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2004. teve composições apresentadas em

recitais públicos no Brasil, incluindo a xV Bienal de Música Brasileira Contemporânea, no Rio

de Janeiro (2003). Vive na Finlândia. | br.geocities.com/maaaaaaaaaartin/ |

mar tha gab r i e lf i a t mos t r a b ra s i l

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mosaico de vozes | web arte | 2004

mar tha gab r i e lf i a t mos t r a b ra s i l

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Mercado de arte? Uma linha de produção de obras que ilustrem as conveniências dos curadores. O que importa aos curadores é a viagem que possam fazer na escolha, e que garanta a harmonia de seus próprios projetos. Eles têm o perfil e o tempo para garantir a montagem do tríptico Contemporâneo: dinheiro, instituição e artista institucional. (anôni-mo, 09.08.06, 15h35) Concordo com o comentário acima.(...) Arte verdadeira, AQUELA que só os grandes criadores sabem fazer, é so-mente pra quem tem cacife para entender o que é. O que se vê hoje é uma parafernália sem eira nem beira, gente que não tem a mínima noção do que a arte representa para o desenvolvimento humano. (anônimo, 06.09.06, 13h30) Uma das nossas posições é a seguinte: buscamos questionar o establishment, mas não pretendemos fazer isso de fora, no anonimato. Queremos nosso espaço para criação e discussão inclusivas! (“adriana e bruna”, 14.10.06, 17h13) Estamos fazendo arte na nossa relação com o mundo, na forma de estabelecer contato com todas as instâncias nas quais gravitamos. tanto o mercado quanto a rua são espaços possíveis, mas não únicos. A questão é saber transitar. A estrutura acadêmica e o recente e crescente maior engajamento de artistas nesse meio está propiciando um trânsito, uma mescla e uma comunhão de artistas e teóricos, dis-cussões descentralizadas, encontros interessantes!!!!!!!!!! Como criar estratégias de atuação social no meio em que se está inseri-do? Como perceber as brechas de inserção, atuação, visibilidade e subsistência? Como construir um meio alternativo ao instituído, que dialogue, que subsista, mas que também questione? Como trabalhar paralelo com os grandes centros, construindo outras histórias, outras vivências, outras experiências? Esse é o movimen-to... (“adriana e bruna”, 20.10.06, 20h30)

Como o mercado influi nas artes e a “rua” influi nas “galerias”? A arte pode ter seus rumos ditados somente pelo mercado? Até que ponto a arte brasileira é orientada pelo mercado das artes? (“blogarte”, 17.07.06, 7h59) é fatal que o mercado mande nas artes. Acho que as galerias só se dão conta da “rua” quando essa é apropriada pelo mercado. Caso de Basquiat e Keith Haring. (“mouse”, 17.07.06, 10h54) Creio que é meio demais falar que o mercado MANDA na produção artística. O que vejo é o mercado se configurando como uma poderosa linha de força, sobretudo no sentido de dar visibilidade. No entanto, não creio que toda a produção artís-tica esteja ligada ao mercado. Acredito que as estratégias artísticas contemporâneas tensionam essa linha de força. Numa sociedade como a nossa, as lógicas de produção dificilmente se des-vinculam do modo de operação do capital, mas algumas vezes artistas importantes conseguem explorar e subverter essa lógica em trabalhos reveladores do estado atual da arte e dos modos de subjetivação. (Edu Jesus, 17.07.06, 15h56) Não preciso comprar arte para ter referências. Preciso só ser eu mes-mo. De forma alguma o mercado dita os rumos da arte. Arte não é moda, é algo que somente quem faz sabe o que é. (...) (“charleysilva”, 19.07.06, 15h59) Essa divisão mercado / rua é bem estrei-ta para que pensemos a arte atual. tem arte de rua chegando na galeria. tem galeria legitimando os trabalhos de rua. talvez devês-semos ampliar o pensamento sobre o que estamos chamando de mercado de arte para compreender como se sustenta a produção artística no Brasil. Não seriam as instituições culturais uma outra parcela desse mercado? Muitos artistas bancam seus próprios tra-balhos. Não seria essa também uma parcela desse mercado? Na maior parte do país sequer existe esse mercado de arte no forma-to tradicional. Mas o que assusta é o poder de legitimação que foi conferido às galerias. tão forte que não se compara a nenhuma estratégia de divulgação da maioria dos artistas. Mesmo o papel dos curadores de muitas exposições fica sujeito ao seu mando. Mesmo assim acredito na postura dos artistas que acabam por subverter essas relações e propor novos caminhos. (Járed Domí-cio, 23.07.2006, 14h49) (...) Penso que o termo “circuito de arte” pode ser bem interessante. Existem muitas propostas que circu-lam e encontram seus pares pela internet, universidades, correios etc., e que não necessariamente passam pelo mercado de galeria. O que a arte na rua está trazendo, a meu ver, é um alargamento do circuito, uma busca de autonomia: a galeria não é canal obrigatório entre ar-tista, obra, público e outros artistas. (“ariel”, 31.07.06, 14h33)

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milena travassos

tRAtA-SE DE UMA VíDEO-INStALAçãO QUE ENCONtRA-SE em meio a uma pesquisa artística intitulada Um lugar fora dele. Vertigem aponta questões acerca do corpo, do lugar, do deslocado, do risco; propõem uma outra apreensão do tempo e do sentido. Ressalta um lugar e um corpo que se tornam mais sutis e afetáveis pelo fora, predispostos a um desloca-mento de sentido. Paisagens e ações que funcionam como in-dicações de um tempo expandido em um território recortado de seu uso convencional. O corpo e suas ações são pensados para subverter um locus previamente escolhido e propõem uma outra apreensão da paisagem, por apresentarem uma ação executada em um território ou contexto improvável.

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| Milena travassos | Recife, 1976 | Formada em artes plásticas e filosofia, produz objetos,

instalações e vídeos que pesquisam a transparência, o corpo e a descontextualização. Expôs

nas individuais Um lugar fora dele (Galeria do Alpendre - Casa de Arte, Pesquisa e Produção,

Fortaleza, 2006), O mergulho e ligações (Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza, 2006 e

2003), no 12º Salão da Bahia (Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, 2005), na 25ª Arte

Pará (Museu do Estado do Pará, Belém, 2006) e na coletiva Projéteis de arte contemporânea

(Galeria do Palácio Gustavo Capanema, Rio de Janeiro, 2006). é coordenadora de artes visuais

da Fundação de Cultura da Prefeitura de Fortaleza e do Núcleo de Artes Visuais do Alpendre

- Casa de Arte, Pesquisa e Produção, em Fortaleza, onde vive e trabalha. |

mi l ena t r a va s so sf i a t mos t r a b ra s i l

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vertigem | videoinstalação | 2006

mi l ena t r a va s so sf i a t mos t r a b ra s i l

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mm não é confete

O CARRINHO DE CAMELô, OBJEtO CARACtERíStICO DA CULtURA popular de centros urbanos, transforma-se em ilha audiovisual móvel, estrutura midiática que capta e transmite, em tempo real, depoimentos audiovisuais colhidos nas ruas de São Paulo. A publicação dos depoimentos na internet (streaming) apresenta a rede também como uma espécie de “espaço público” de “mentes coletivas”. O material colhido na rua é base para uma performance audiovisual na qual a audiência pode ser tão ativa-participativa quanto os emissores das mensagens. Nesta relação social mediada por sons e imagens, a Sociedade da Vigilância se alia à Sociedade do Espetáculo.

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| Mariana K | São Paulo, 1981 | é formada em cinema. | Milena Sz | São Paulo, 1977 |, em

processamento de dados, arquitetura e urbanismo. Juntas, desenvolvem ações de intervenção

pública que podem envolver artes gráficas, vídeos, música, VJing com software livre, camise-

tas, instalações e performances, além de estruturas midiáticas interativas que permitem a par-

ticipação de amigos e do público. Criaram o projeto VJ itinerante, com mixagens e projeções

ao vivo e em tempo real em construções em São Paulo (2005), participaram com performances

do iRAP-Nokia trends (São Paulo, 2005) e do 404 - Festival Internacional de Arte Eletrônica

(Argentina, 2004). Expuseram no MAM-RJ (2004-2005). Vivem e trabalham em São Paulo. |

mm não é con fe tef i a t mos t r a b ra s i l

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manisfeste-se 2.0 | Intervenção urbana & live performance | 2006

1 2 0 | 1 2 1mm não é con fe tef i a t mos t r a b ra s i l

O projeto

“Este trabalho faz parte de nosso work in progress the Everydayness Manifesto, desenvolvido a partir de pesquisas sobre as flaneries do século xIx (‘As ruas são a moradia coletiva. O coletivo é uma essência incansável e eternamente movediça; entre as fachadas dos edifícios, suporta, experimenta, aprende e sente tanto quanto indivíduos dentro da proteção de suas quatro paredes’, walter Benjamin) e de estudos que inter-relacionam a Sociedade da Vigilância e a Sociedade do Espetáculo: ‘O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens’ (Guy Debord, 1967).

A estrutura midiática será levada a espaços públicos de grande contingência populacional itinerante, como um canal aberto de manifestação para captação e transmissão de depoimentos audiovisuais para interação online. Na última semana da exposição, apresentaremos a performance.”

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1 2 2 | 1 2 3mm não é con fe tef i a t mos t r a b ra s i l

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nydia negromonte

Em regime de retroalimentação, a obra proporciona a imersão de fluxos contínuos, catalisados pela extração e distribuição de sucos de frutas variadas. O sistema se move a partir de um eixo central: uma caixa d’água que, sustentada pela verticalidade da torre de trabalho (espécie de coluna dorsal), alimenta e dá suporte à ação. Dela, migram três mesas retangulares, dispostas em hélice, cada uma com seu tanque, liquidificador e acessórios. Como extensão, gôndolas-fruteiras, dispostas na parede, são abastecidas periodicamente, convidando o público a tomar partido do sistema rotativo. O núcleo extrator de sucos, misto de zona de trabalho e espaço de convívio, expõe modos de abastecimento, armazenamento e escoamento, sedimentados por meio de relações estabelecidas e liquidificadas.

As ações que integram a instalação constituem um grande sistema, que se desenvolverá em regime de retroalimentaçao. As imagens e o mobiliário utilizados na obra resultam de uma pesquisa sobre modos de fazer e incluem resíduos de funcionamento de locais semelhantes. A obra consiste em:

1. Pólo de extração de suco de frutas: estação de preparo e distribuição de suco de frutas.

2. Audiovisual: exibição de imagens da ação, registradas ao longo do período da exposição, em dois plasmas.

3. Gôndolas: mobiliário para o armazenamento das frutas e utensílios nas paredes, com espelhos e lixeira.

1 2 4 | 1 2 5

| Nydia Negromonte | Lima, Peru, 1965 – naturalizada brasileira | Graduada em desenho pela

Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, tem especialização em gravura

pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona. Foi artista residente no Atelier

HANGAR, de Barcelona, Espanha, em 1999. Participou da ARCO Feria Internacional de Arte

Contemporáneo (Madri) e das coletivas Corpo seco (Galeria Sicart, Barcelona) e Urbild (Galeria

Antonio de Barnola, Barcelona). No Brasil, realizou individuais na Galeria thomas Cohn (Rio de

Janeiro, 2005), na Galeria Manoel Macedo (Belo Horizonte, 2004), no torreão (Porto Alegre,

2003), no Centro Universitário Maria Antonia (São Paulo, 2000) e na Valu Oria Galeria de Arte

(São Paulo, 1995). Vive e trabalha em Belo Horizonte. |

nyd ia neg romontef i a t mos t r a b ra s i l

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casa das vitaminas II | Ação/instalação | 2006

1 2 4 | 1 2 5

nyd ia neg romontef i a t mos t r a b ra s i l

colaboradores | Fernando Maculan,

Marcelo Drumond, Marconi Drummond,

Francilins, João Castilho e Pedro David

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f i a t mos t r a b ra s i l a r t i s t a s 1 2 6 | 1 2 7

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raquel stolf

A MICROINtERVENçãO SONORA CONSIStE EM VEICULAR o áudio de um grilo entre contextos específicos da cidade, por meio de carros de som ou de bicicletas que circulam em diferentes trajetos. Nesse conceito de proposição artística, situ-ações sonoras são propostas em espaços e tempos habitados-percorridos por alguém, ora explorando relações de imersão e inserção nos múltiplos sons dos espaços urbanos, ora suscitan-do interrupções ou pausas sonoras mínimas.

1 3 0 | 1 3 1

| Raquel Stolf | Indaial, SC, 1975 | Artista plástica e escritora, é mestre em poéticas visuais pela

Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora de artes plásticas na Universidade do

Estado de Santa Catarina. Investiga intersecções, ressonâncias e estranhamentos entre palavra

e silêncio em fotografias, objetos, instalações, vídeos, desenhos, livros de artista, proposições

sonoras e intervenções. Realizou as individuais Projeto secreto [estadias instáveis] (Criciúma,

SC, 2005), Fora [do art] (Florianópolis, 2004) e Céu regravável (Florianópolis, 2003) e partici-

pou de coletivas como Entorno de operações mentais (Belém, 2006) e Panorama da Arte Brasi-

leira (São Paulo, 2005). Esteve no 15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil (São

Paulo, 2005) e no 61º Salão Paranaense (Curitiba, 2005). Coordena a publicação experimental

Sofá e o Projeto de Extensão Membrana, na Udesc. Vive e trabalha em Florianópolis. |

r aque l s to l ff i a t mos t r a b ra s i l

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grilo | intervenção sonora | 2006

1 3 2 | 1 3 3raque l s to l ff i a t mos t r a b ra s i l

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ricardo cristofaro

O ARtIStA INVEStIGA EStRUtURAS DE REALIDADE VIRtUAL EM sistemas como internet, CD-ROM e videoinstalação, demarcan-do e explorando ambientes de percepção tridimensional. Sua “arte objetual numérica” é construída a partir da apropriação, deslocamento e ressignificação de matérias-primas coletadas na internet. trabalhando com modelagem 3D, edição de imagens e animação, ele reagrupa fragmentos de objetos co-tidianos, texturas e sons em estruturas cinéticas insólitas, que valorizam e contrariam os contextos de percepção. Aqui, dois objetos numéricos fazem movimentos de expansão, retração e rotação, construindo, em diálogos constantes, um processo de reconhecimento das relações físicas, matéricas, formais e funcionais entre eles. Uma performance de incongruências, redefinições e indecisões.

1 3 4 | 1 3 5

| Ricardo Cristofaro | Juiz de Fora, MG, 1964 | é graduado em artes visuais pela Universidade

Federal de Juiz de Fora, mestre em arte e tecnologia da imagem pela Universidade de Brasília e

doutorando em artes visuais pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do

Sul. Participou do 15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil (2005), do Festival

Internacional de Vídeo y Artes Eletrônicas (Cidade do México, 2005), do File - Electronic Lan-

guage International Festival (São Paulo, 2004) e do 404 Festival Internacional de Arte Electro-

nica (Rosário, Argentina, 2004). Esteve na mostra Cinético digital, no Itaú Cultural (São Paulo,

2005). Recebeu o 1º Prêmio no Festival de Arte Eletrônica INCUBA, na Argentina (2005) e o

Prêmio Pesquisa no setor Artemídia do projeto Rumos Itaú Cultural (2003). Em 2006 realiza

estágio de doutorado no laboratório AtI - Arts et technologies de l’Image da Université Paris 8.

é professor do Instituto de Artes e Design da UFJF. Vive e trabalha em Juiz de Fora, MG. |

r i c a rdo c r i s to fa rof i a t mos t r a b ra s i l

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1 3 6 | 1 3 7

objetos ansiosos | videoinstalação/animação numérica | 2005

r i c a rdo c r i s to fa rof i a t mos t r a b ra s i l

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Mas que ela existe, existe. Como las brujas. (“avaliadordear-te”, 02.08.06, 7h46) Gostei muito das considerações do Ariel. “Se artistas que trabalham com computadores reclamam da senilidade institucional, bem-vindos ao time!” No caso da artemí-dia (termo mais adequado para dar conta dos desdobramentos das práticas artísticas que usam dispositivos e técnicas digitais e/ou maquínicas), as exposições são caras e o circuito, restrito. Creio que a artemídia vai precisar de um novo conjunto teórico, que certamente vem de um embaraçamento complexo entre o que já existe e as atualizações. Ruptura e, ao mesmo tempo, con-tinuidade. (Edu Jesus, 05.08.06, 5h49) Ainda que a arte digital seja também contemporânea, o auxílio de uma ferramenta que trabalha de acordo com algoritmos pré-elaborados e que executa milhões de processos não deve estar no mesmo nível de um pincel que se limita a armazenar algumas gotas de tinta. Da mesma forma, um desenho em grafite é diferenciado de um acrílico sobre tela. Um não é melhor ou pior que o outro, mas são diferentes. (Marcos Andruchak, 17.09.06, 22h41) O que mais me chamou atenção nessa matéria da Folha foi a questão do artista que não domina o software e por isso é dominado por ele. trabalho com grandes nomes da media art que não conseguem abrir um e-mail, não conhecem a diferença entre NtSC e PAL, não conseguem fazer um post em um blog. Imagina, então, conseguir saber como funcionam os algoritmos, os modelos 3Ds, os efeitos (tão abusados pelos que são “dominados” pelo software). Acho que a arte digital, com mídia eletrônica, é em geral fraca, cheia de clichês técnicos, burocrática e bruta. Não existem olhos para a sutileza. Existem olhos de quem quer fazer melhor sem realmente mergulhar no mar escuro... (“f.w.”, 28.09.06, 2h15)

Com base na matéria publicada pela Folha de S.Paulo no dia 18 de julho, discutiremos nes-te tópico as diferenças entre arte digital e arte contemporânea. Até que ponto “a arte digital está no pára-choque da arte contemporânea?” Como está a participação da arte digital no mercado? (“blogarte”, 25.07.06, 9h30) Por que arte digital não é arte contemporânea? Contemporâneo não é o atual?? (Monique Scarazzi, 25.07.06, 13h51) Para mim isso não importa nem um pouco. Lógico que os artistas plásticos irão defender a arte tradi-cional e ridicularizar a arte digital e as “facilidades” das técnicas criadas pelos softwares. Sou mais aquela história: “o meio (não) é a mensagem”. (anônimo, 27.07.06, 11h17) Realmente essas divisões existem. talvez seja o mesmo que aconteceu com o ví-deo, que precisou de alguns anos para entrar no circuito e no mercado das artes. Antes, estava sempre fora, em anexos, como o inflável que abrigava videoinstalações na 22a. Bienal de São Paulo (ao contrário do que seria razoável, para citar a Giselle: “Do cubo branco à caixa preta, mais propícia para projeções”). Lembro-me de uma complexa instala-ção interativa de Paul Garrin (white Devil), que funcionava aos tran-cos e barrancos e já anunciava essa interatividade possibilitada pela interface maquínica, bastante diferenciada daquilo que Lygia Clark e Oiticica genialmente anunciaram. A raiz talvez seja a mesma, o que Cuchot chama de corrente participacionista. Creio que essas separa-ções sejam parte de um processo de desenvolvimento. Brevemente, os artistas vão incorporar procedimentos tecnológicos e/ou científicos a suas obras, o que vai servir para diminuir essa estranha barreira entre a arte contemporânea e digital. (Edu Jesus, 28.07.06, 12h12) A computação gráfica é apenas uma ferramenta. Como um pincel ou um buril. O que se faz com essas ferramentas é que é arte ou não. (Ruy Souza, 28.07.06, 20h16) Gosto muito do Eduardo Kac, não apenas porque ele trabalha com tecnologia, mas porque discute questões éticas, estéticas, sociais, filosóficas, artísticas. O trabalho de Kac não é atual simplesmente porque é tecnológico. Por que segmentações e nichos que restringem discussões mais amplas? Se artistas que trabalham com computadores reclamam da senilidade institucional, bem-vindos ao time! (“ariel”, 31.07.06, 15h48) Existe uma programação visual muito elaborada dentro da estra-tégia de marketing do novo produto da área digital... E nem por isso podemos chamá-lo de arte. Enquanto isso, a arte contempo-rânea pode usar algum meio digital para melhor expressão de sua idéia criativa. Acho bem tênue a linha que separa uma da outra.

f i a t mos t r a b ra s i l b log

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rodrigo borges

A OBRA é COMPOStA POR FItAS ADESIVAS DE CORES e larguras variadas, estendidas no espaço e fixadas na arquite-tura. Articula-se através do contato da superfície das fitas com a superfície do chão, da parede e de elementos estruturais do lugar de instalação, como vigas e colunas. Sua conformação espacial busca envolver o espectador em uma experiência sensual, abstrata e mais alargada do espaço, atuando nas relações entre material (fita adesiva) e lugar onde se instala, guardando uma autonomia que lhe permite aderir-se a outros (novos) espaços.

1 4 0 | 1 4 1

| Rodrigo Borges | Governador Valadares, MG, 1974 | Mestre em artes visuais pela Escola de

Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, tem na prática do desenho seu campo

de pesquisa, e desenvolve trabalhos que buscam uma espacialidade capaz de articular novos

sentidos de envolvimento do espectador. Realizou mostra individual no programa de exposi-

ções 2005 do Centro Cultural São Paulo e participou das coletivas Geometrias impuras (Projeto

Amplificadores, Recife, 2006), Disposição (Palácio das Artes, Belo Horizonte, 2005) e Rumos

da nova arte contemporânea brasileira (Palácio das Artes, Belo Horizonte, 2002). Professor da

EBA/UFMG, vive e trabalha em Belo Horizonte. |

rod r igo bo rgesf i a t mos t r a b ra s i l

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f i a t mos t r a b ra s i l a r t i s t a s

entre tem ar | site-specific/instalação |

5,10 m x 3,5 m x 4 m | 2006

1 4 2 | 1 4 3

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rodrigo freitas

PARtE DE SéRIE DE PINtURAS SOBRE O ESPAçO URBANO, as obras são paisagens pintadas que nascem de percursos pela cidade. No caderno, linhas e manchas se fazem pontes, prédios, praças. No ateliê, a cidade real se funde com outras, fotografadas, escritas, gravadas, compondo o registro dos lu-gares conhecidos nos trajetos diários. Assim, a cidade pintada se constrói no incansável jogo de apresentar-se e ocultar-se sob as camadas de tinta, como a cidade real, construída no ininterrupto ciclo de demolição e reconstrução ao longo do tempo. As cidades pintadas representam uma tentativa de apreensão do espaço urbano por meio de seus arquétipos pos-síveis e propõe a edificação de novos lugares da memória.

1 4 4 | 1 4 5

| Rodrigo Freitas | Franca, SP, 1983 | Graduado pela Escola de Belas Artes da Universidade

Federal de Minas Gerais com habilitação em pintura, desenvolve trabalhos plásticos usando

desenho, gravura e pintura em têmpera de grande formato. Suas imagens, que evocam paisa-

gens do cotidiano, surgem da sobreposição de outras, desenhadas, fotografadas ou escritas.

Cursa gravura na EBA-UFMG. Vive e trabalha em Belo Horizonte. |

rod r igo f r e i t a sf i a t mos t r a b ra s i l

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1 4 6 | 1 4 7

sem título | Pintura, têmpera sobre tela | 2,2 m x 1,5 m | 2005

rod r igo f r e i t a sf i a t mos t r a b ra s i l

sem título | Pintura, têmpera sobre compensado | 2,2 m x 1,6 m | 2005

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thais ueda

Utopédia VISA AGRUPAR, NA wEB, OS SEtE PRINCIPAIS macroverbetes de uma enciclopédia de utopias que se encaixam, de maneira que formem um todo, uma rede de idéias e informações. Ao convergir, essas informações compõem um túnel do tempo capaz de nos levar ao futuro: sonhos e visões coletados em texto, vídeo e áudio.

1 4 8 | 1 4 9

| thais Ueda | São Paulo, 1977 | é ilustradora e designer gráfica, de web e de objetos. Suas

ilustrações são produzidas principalmente no computador, mas também faz uso do látex para

a pintura de telas e murais, e do kiri-ê, técnica de ilustração japonesa baseada em recortes de

papel. Vive e trabalha em São Paulo. | www.hana-bi.net/home.htm |

tha i s uedaf i a t mos t r a b ra s i l

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utopédia | web arte | 2006

1 5 0 | 1 5 1tha i s uedaf i a t mos t r a b ra s i l

O projeto

Home: os macroverbetes são agrupados de forma circular. No mouse-over, a seta acende a cor que identifica o macroverbete, enquanto uma foto ou imagem ilustra a ação. Quando se clica no macroverbete, três submenus se abrem no centro, formando um túnel para novos verbetes. Um botão com o sinal + indica que há mais informações disponíveis para quem clicá-lo. Uma animação em círculos mostra uma segunda leva de verbetes; ao se clicar o botão mais uma vez, surge uma terceira leva, e assim por diante, até que a primeira leva apareça novamente.

Página-verbete: as páginas seguirão o mesmo padrão, mas serão identificadas por cores ao macroverbete ao qual pertencem. Nessa página-template, são considerados: mini slide show de imagens, link para vídeo, link para o áudio (entrevista ou som relacionado).

Busca: por palavra-chave ou avançada.

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vera bighetti

O COMPUtADOR APRISIONA O OBSERVADOR PELA EStétICA, pela interação, pelas possibilidades de manipulação em tempo real. A interface e sua relação visual permitem um olhar original. O processo de rotinas autogenerativas é seu próprio índice, capaz de transportar a visualização dos meios não-verbais. Parte desta experiência está no prazer de sentir e ver algo que traz um sentido de inusitado. As obras demandam um leitor ergódico, capaz de operar uma configuração física e mental para se deixar interiorizar pela imagem-acontecimento e compreender as regras de interação com o objeto.

1 5 2 | 1 5 3

| Vera Bighetti | São Paulo, 1946 | Mestre e doutoranda em mídias digitais pela Pontifícia Uni-

versidade Católica de São Paulo, migrou das belas artes para a pesquisa em tecnologia digital

em 1998. Desde então, vem desenvolvendo projetos em arte tecnológica e processos com roti-

nas autogenerativas. Participou da Bienal de Havana, Cuba, do Festival webArt da Iugoslávia e

do Diesel New Art Competition da Suécia e Dinamarca, além de eventos em museus e centros

de novas mídias como Ruccas.org, Soundtoys.net, Generative.net, Rhizome.org, Hipersônica

de São Paulo, International Arts and technology Festival, International Conference Information

Visualization. Vive e trabalha em São Paulo. | www.artzero.net |

ve ra b ighe t t if i a t mos t r a b ra s i l

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full fil fulness | web arte | 2006

1 5 4 | 1 5 5ve ra b ighe t t if i a t mos t r a b ra s i l

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vulgo

ROtAtIVOS é UM PILOtO DE OCUPAçãO tRANSItóRIA E móvel de espaços públicos. Uma frota de arquiteturas ambu-lantes que, libertadas da inércia tectônica, veiculam programas variados de acesso público. Veículos utilitários são transfor-mados em ambientes interiores e paisagens sobre rodas e organizados em espaços para descanso, reflexão, diversão e serviços variados. Configuram um sistema de agenciamento de atividades culturais e cotidianas, que oferece cinema, galeria de arte, restaurante e terraços-jardim, além de produzir, expor e disponibilizar vídeos, publicações independentes, trabalhos de artistas e designers, informações, imagens, sabores, objetos e outros suprimentos culturais. O projeto age na ocupação de vagas rotativas em horário comercial em regiões urbanas centrais, durante cinco dias corridos, por meio da aquisição de aproximadamente 350 cartões de zona Azul.

(wellington cançado e simone cortezão)

1 5 6 | 1 5 7

| Vulgo é uma marca de suprimentos culturais. Dedica-se à convergência entre o design, a

comunicação de massa e a ecologia para a produção e disponibilização de cultura nos mais

diversos modos: objetos, imagens, espaços, livros, paisagens, eventos, vídeos, serviços, mul-

timídia etc. | Criada por Simone Cortezão (timóteo, MG, 1983) e wellington Cançado (Belo

Horizonte, 1974) em 2006, lançou a série de screen-savers para download Relógios de parede

(parceria com tANDE), produziu o livro Paisagens engarrafadas. Atualmente desenvolve um

projeto para piscinas públicas em Belo Horizonte. Vivem e trabalham em Belo Horizonte. |

www.vulgosite.com |

vu lgof i a t mos t r a b ra s i l

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1 5 8 | 1 5 9vu lgof i a t mos t r a b ra s i l

O projeto

No contexto atual das cidades baseadas na mobilidade e em regras de ocupação urbana diversas, Rotativos surge como uma infiltração que atua nos limites impostos por essas regras. Se as cidades são pensadas e desenhadas pelas vias de tráfego, que desenham os vetores por onde se circula sem parar, Rotativos é uma tática de utilização de espaços urbanos privatizados. Uma área pública enorme, destinada ao estacionamento cronometrado, à permanência limitada, à ocupação vigiada e paga. Esse contrato de utilização (aluguel? licenciamento?) é feito mediante a compra de um documento que legitima a presença, em um dado intervalo de tempo (uma, duas ou cinco horas), naquele lugar.

Praticamente todas as capitais brasileiras têm um sistema de estacionamento pago para vagas públicas. Conhecido com Rotativo em várias cidades, zona Azul em São Paulo, Faixa-azul em Belo Horizonte, esses espaços são administrados em sua maioria por empresas privadas que detêm concessões e têm como objetivo declarado promover o aumento da oferta de vagas, melhorar a fluidez do tráfego, disciplinar o uso do espaço público, aumentar a circulação de pessoas em determinadas áreas e gerar receita aos cofres do município.

Belo Horizonte, por exemplo, tem 475 quarteirões regulamentados, aproximadamente 60 mil vagas de Faixa-azul. São mais ou menos 70 mil metros quadrados de área ou setenta hectares destinados a vagas pagas, somente na região delimitada da avenida do Contorno, parte planejada da cidade. O Parque Municipal, muita área verde central da cidade, que originalmente possuía 62 hectares, hoje está reduzido a 18,2 (quase um quarto da área do Faixa-azul. Grande parte dessa área pública foi gradativamente substituída, ao longo de um século, por empreendimentos privados, mas principalmente por vias de tráfego, avenidas e

estacionamentos. Esse processo fulminante de substituição dos espaços públicos por domínios privados e da supremacia da engenharia de tráfego, entretanto, não é específico de nenhuma cidade, tendo sido regra geral em várias regiões metropolitanas).O projeto de intervenção Rotativos parte do pressuposto de que as áreas públicas devem ser utilizadas para atividades coletivas de interesse público, sejam elas serviços ou jardins. Para tanto, Rotativos propõe o aluguel e a ocupação de vagas em horário comercial nas regiões centrais, durante sete dias corridos, para uma frota de cinco arquiteturas ambulantes, através da compra de aproximadamente 350 cartões de estacionamento rotativo. Os veículos terão, obrigatoriamente, de circular pela cidade, cumprindo os prazos máximos de ocupação de cada vaga. No último dia, a frota se encontrará em algum ponto da cidade, de acordo com a disponibilidade de vagas contíguas, para uma ocupação coletiva e articulada que resultará num equipamento público e numa praça linear suspensa, formados pelo acoplamento dos cinco veículos.

O projeto prevê a transformação dos veículos utilitários em espaços adaptados aos programas propostos (cinema, galeria de arte, terraço-jardim etc.).

A intervenção deverá ser completada pelo trabalho de colaboradores convidados (videoartistas, músicos, chefs de cozinha, empresários, cabeleireiros, escritores, fotógrafos, artistas multimídia, paisagistas e jardineiros, designers, arquitetos), que poderão disponibilizar trabalhos próprios ou contribuir com a construção.todo o processo de construção, os sete dias de intervenção e seus desdobramentos serão documentados e registrados em vídeo, fotografia e (carto)graficamente.

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rotativos | intervenção urbana | 2006 |

Colaboradores: Dellani Lima [cinema]; Leonardo Cançado [restaurante]; Marcelo Maia [circuito tV]; Renata Marquez [galeria de arte];

Albert Moreira; Felipe Nuno; Milene Nelson; Viviane Spaco. Artistas participantes: Alexandre Milagres, Bruno Mitih, Carlo Sansolo, Carlos

Magno, Cezar Migliorin, Christian Caselli, Cinema de Poesia, Cláudio Santos, Dellani Lima, Erika Frankel, Fábio Carvalho, Gabras, Gui

Castor, Guiwhi Santos, Joacélio Batista, João Manoel Feliciano, Kleber Mendonça Filho, Louise Ganz, Marcellvs L., Marcelo Ikeda, Nilson

Primitivo, P. Bastos, Petter Baiestorf, thiago Arruda, xplastic.net [CINEMA]; Adriana Galuppo, André de Souza, Andrea Costa Gomes, Breno

thadeu, Cássia Macieira, Cícero Menezes, design 1/1 [Eduardo Campos e Ramilson Noronha], Fernando Maculan, Frederico Pessoa, Gui-

lherme Machado, Guto Lacaz, Isabela Prado, Josana Matedi, Lorena Costa Souza, Louise Ganz, Marina Noronha, Marlon dos Santos, Mau-

rício Leonard, Renata Márquez, Ronaldo Macedo, superfície.org [Leandro Araújo e Roberto Andrés], Susana Bastos [GALERIA DE ARtE].

Motoristas: Gilberto Resende; José Almeida; José dos Santos. Agradecimentos: IED - Istituto Europeu de Design, Podium Som e Design.

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e d u a r d o d e j e s u sé graduado em comunicação social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

(1991), mestre em comunicação social pela Universidade Federal de Minas Gerais (2001)

e doutorando da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Professor

da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC-MG, integra a comissão de programação do

Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil. Editou a publicação on-line FF>>Dossier

(www.videobrasil.org.br), foi um dos organizadores do livro Cultura em fluxo (PUC-MG,

2004), com André Brasil, Carlos Falci e Geane Alzamora, e é autor de um panorama da pro-

dução brasileira contemporânea de artemídia publicado pela Intersociety for the Electronic

Arts (www.isea-web.org/inl/inl100.html) em 2005.

g i s e l l e b e i g u e l m a né artista e pesquisadora. Seus projetos, disponíveis no www.desvirtual.com.br, envolvem

dispositivos de comunicação móvel, como em wop Art (2001), e o acesso público a painéis

eletrônicos via web, SMS e MMS, como em egoscópio (2002), Poétrica (2003) e esc for es-

cape (2004). Apresentou trabalhos na 25a. Bienal de São Paulo (2002), Arte/Cidade (2002),

Net_Condition (Alemanha, 1999), el final del eclipse (Espanha, 2001) e Algorithmic Revo-

lution (Alemanha, 2005). é professora da pós-graduação em comunicação e semiótica da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, editora da seção Novo Mundo da revista eletrô-

nica trópico. Publicou O livro depois do livro (2002) e Link-se (2005) e, como co-autora, New

Media Poetics (MIt Press, 2006). Criou o net.art (netart.incubadora.fapesp.br), plataforma de

discussão sobre cultura de rede e net arte.

j à r e d d o m í c i oé artista. Conhecido por suas instalações e intervenções arquitônicas, participou da mostra

Vizinhos, conexões entre artistas do Brasil, no Museumsquartier, Viena (2006); do Salão Na-

cional de Arte Contemporânea do Paraná, no MAC-Curitiba (2005); do programa de exposi-

ções do Centro Cultural São Paulo (2004); da Bolsa Pampulha, em Minas Gerais (2003-2004);

do projeto Rumos Visuais, do Itaú Cultural (2001-2003); e da Bienal Ceará América de Ponta

Cabeça (2002). Graduado em ciências sociais pela Universidade Estadual do Ceará (2001), foi

coordenador de artes visuais da Fundação de Cultura, Esporte e turismo de Fortaleza entre

2005 e 2006.

m a r c o s h i l lé professor de história da arte dos cursos de graduação e pós-graduação da Escola de Belas

Artes da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenador do Centro de Experimentação

e Informação de Arte (Ceia), de Belo Horizonte. Artista plástico, estudioso e investigador

da imagem, é autor de diversos artigos e livros sobre arte contemporânea, como O visível

e invisível na arte (2003) e Manifestação internacional de performance (2005), terreno no

qual se firma como um dos mais importantes pesquisadores do país. é bacharel em gravura,

mestre em história da arte e doutorando em história pela Faculdade de Filosofia e Ciências

Humanas da UFMG.

m a r i a i vo n e d o s s a n t o sé artista plástica e pesquisadora nas áreas de fotografia e escultura, com ênfase para a ação

artística no espaço público. Professora do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul, coordena desde 1999 o programa de extensão Formas de Pensar a Escultura

(www.ufrgs.br/artes/escultura), que discute a produção artística contemporânea e as relações

da arte com o espaço público, e a Galeria da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo (www.ufrgs.

br/galeria/), que exibe a produção da comunidade ligada ao Departamento de Artes Visuais e

ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRGS. Co-organizou o livro A fotogra-

fia nos processos artísticos contemporâneos (2004).

m a r i s a m o k a r z e lé diretora e curadora do Espaço Cultural Casa das Onze Janelas, espaço dedicado à arte

contemporânea e às mostras experimentais em Belém (PA). Foi curadora do programa Rumos

Visuais (2005/2006), do Itaú Cultural, e da mostra Carne/terra, de Berna Reale, na Galeria

Kunsthaus, em wiesbaden, Alemanha (2004). tem atuado como curadora para exposições

de jovens artistas do Pará. Mestre em história da arte pela Universidade Federal do Rio de

Janeiro e doutora em sociologia pela Universidade Federal do Ceará, é professora de história

da arte no curso de Artes Visuais e tecnologia da Imagem da Universidade da Amazônia.

s t é p h a n e h u c h e té formado em história da arte e doutor pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em

Paris. Lecionou na Universidade de Paris VIII entre 1991 e 1995, quando ganhou bolsa do

Ministério das Relações Exteriores da França para pesquisar a arte contemporânea brasileira.

Foi professor visitante na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

(1996). Publicou Le tableau du Monde. Une théorie de l’art des années 1920 (Paris, 1999)

e artigos para Art Press e Beaux-Arts. Foi curador das exposições O contato (Paço das Artes,

São Paulo, 2002) e Contato (Castelo do Flamengo, Rio, 2004). Pesquisador do CNPQ, é pro-

fessor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais desde 1988.

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f i a t mos t r a b ra s i l cu rado re s

Há um certo tempo, em evento ocorrido na cidade de Belo Horizonte,1 o curador Ivo Mesquita insistiu na diferença entre ações assistencialistas

e filantrópicas, propondo uma reflexão crítica sobre os modos de atuação de instituições e iniciativas no campo da arte.

Como o próprio curador assinalou, há hoje uma tão acentuada mobilização de patrocinadores e consumidores que museus, exposições e bienais tornaram-se importantes estratégias financeiras na manutenção de certos programas, insti-tuições e mesmo administrações, públicas ou privadas.2

No decorrer de sua fala, Mesquita constatou a forte tendência assistencialista no contexto político e cultural brasileiro, apontando a possibilidade de neu-tralizá-la por meio de propostas que priorizem uma circulação mais efetiva de informações, propiciando oportunidades emancipadoras e fugindo à regra de apoios que, dissimuladamente, visam manter seus beneficiários em estado de contínua dependência.

O que pude absorver do pensamento de Mesquita está ressoando no momento em que escrevo estas linhas, pois todo o processo no qual me envolvi, ao longo da consolidação do projeto Fiat Mostra Brasil, me possibilitou maior convivên-cia com uma produção cultural patrocinada pelo capital corporativo.

A experiência foi interessante na medida em que, longe de qualquer unilate-ralidade assistencialista ou filantrópica, estabeleceu-se um diálogo no qual as partes envolvidas dispuseram-se espontaneamente a contribuir com o melhor para o êxito do projeto.

tal disponibilidade deve servir como prova de que é possível estabelecer, no de-licado campo da arte e da cultura, parcerias frutíferas entre artistas, produtores culturais e a iniciativa privada.

Sendo assim, enquanto profissional diretamente envolvido com o evento Fiat Mostra Brasil, pude usufruir de suficiente liberdade para, junto com uma valiosa equipe, definir diretrizes cuja motivação principal era a vontade de estimular a potência criativa e crítica de seus participantes.

Nesse sentido, o projeto se destaca, definindo procedimentos pouco comuns em eventos dessa natureza. Entre eles, podemos citar a distribuição de um ge-neroso prêmio de igual valor aos trinta artistas selecionados.

Por outro lado, a inclusão de nove vagas para projetos a ser executados com o apoio material da Mostra visou respaldar a pesquisa em arte, priorizando o desenvolvi-mento de processos em detrimento da usual supervalorização dos resultados.

1 | Seminário Políticas Institucionais, Práticas Curatoriais, organização de Rodrigo Moura, Museu de Arte da Pam-pulha, 2004.

2 | MESQUItA, Ivo, “Longe daqui, aqui mesmo: Museus, silêncio e contemplação” IN: MOURA, Rodrigo (org.), Políticas institucionais, práticas curatoriais, Belo Horizonte, Museu de Arte da Pampulha, 2004, p. 64.

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Diferenças e alteridades | Marcos Hill

“Nosso objetivo deve ser sempre o de aprimorar o consumidor, espiritual e intelectualmente.” | Ivo Mesquita

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Ainda relativizando valores vigentes no circuito da arte, optou-se por ressarcir profissionalmente os cura-dores convidados com o mesmo montante oferecido aos artistas selecionados.

Considero esse um bom começo para um projeto de artes visuais que, mantendo sua periodicidade, pode vir a ampliar práticas de fomento mais efetivas, defini-das por bolsas-residência para artistas brasileiros, sob a mediação de artistas, curadores, críticos e teóricos que, convidados, se disponham a estabelecer inter-locuções motivadoras, animadas por uma itinerância estendida a todo o território nacional.

Se, por um lado, a dimensão nacional do projeto Fiat Mostra Brasil não é inovadora, por outro, sua inten-cional abrangência vem reiterar a necessidade sempre atual de buscar conexões proveitosas com a abundan-te produção artística brasileira.

Desde os anos 1980, a prática do “mapeamento” está presente nos modos de pensar a arte, veiculando ques-tões da expressão humana tanto no âmbito local quan-to no global. Em meio à mundialização determinada pelo advento da informática, várias estratégias emer-giram, aproximando mercado, produção cultural e ar-tística e interesses políticos de ordem muito variada.

Além do aumento de uma produção crítica e teórica mais voltada para os processos, a internacionalização da arte, no Brasil, reforçou o interesse em se inventa-riar a produção artística no âmbito nacional.

Há décadas estabelecido, o próprio eixo Rio-São Paulo reconheceu a necessidade desse rastreamento territo-rial como possibilidade estratégica de realimentação de um circuito instigado a ampliar mundialmente sua visibilidade.

Sem desconsiderar a importância histórica de projetos institucionais que já realizam leituras abrangentes do território artístico brasileiro, o surgimento dessa nova iniciativa revitaliza o desejo de conectar-se com o des-conhecido próximo, superando tendências centraliza-doras das quais nosso contexto cultural nunca esteve totalmente a salvo.

Desse modo, a Fiat Mostra Brasil desobrigou-se de cumprir protocolos já bem estabelecidos no circuito,

3 | www.blogearte.blogspot.com

No blog, a perspicácia das focalizações permitiu não somente um confronto mais imediato com questões cruciais da arte, como possibilitou aos interlocutores uma intensa troca de pontos de vista e informações.

Assuntos tais como o que é a arte contemporânea, o contexto da produção artística no Brasil ou a contro-versa figura do curador serviram como provocações para discussões que configuraram a urgência de mais diálogo.

A falta de repertório por parte de muitos visitantes remeteu-nos a preocupações anteriormente tratadas pelo curador Mesquita: até que ponto eventos como a Fiat Mostra Brasil podem contribuir para a formação de um público mais preparado, uma população mais educada visualmente e sensível à experiência do olhar como forma de conhecimento?4

Refletir sobre “o que é a arte contemporânea” faz emergir um debate importante que precisa ser man-tido vivo. Pois os conteúdos por ele evocados não di-zem apenas respeito ao artístico. Surgido como uma urgência ética vivenciada pela geração sobrevivente à Segunda Guerra Mundial, o ímpeto de diluir os limites entre vida e arte continua atualíssimo.

De lá para cá, os impactos causados pela imposição de um sistema financeiro ávido de lucros especulati-vos geraram problemas que nos afetam diariamente, tais com os desastres ecológicos, a migração de povos espoliados pela miséria e pelas guerras localizadas, a exclusão social, a violência urbana, o fanatismo re-ligioso, a corrupção estatal, o crime organizado e o terrorismo.

Nesse contexto, propostas artísticas mais sintonizadas com o cotidiano passaram a instigar a sociedade pla-netária no sentido de expandir sua consciência sobre si mesma. A aproximação entre arte e vida, fazendo-as muitas vezes coincidir, tornou-se então o indicador de transformações perceptivas para as quais a simples contemplação estética já não tem mais sentido.

Estamos falando de mudanças provocadas não só pela aceleração do tempo, mas também pelos movimentos de questionamento e desconstrução da tradição, das grandes narrativas e das categorias que antes organi-zavam o conhecimento. 4 | Idem, ibdem, p.56.

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interessando-se mais pela produção de artistas que, independentemente da idade e do “tempo de estra-da”, demonstraram compromisso objetivo com a pes-quisa, permitindo-lhes assim, para além da visibilidade e do glamour, a materialização de suas boas idéias.

Os critérios definidos pelos sete curadores indicam com clareza um direcionamento alternativo, evitando tendências recorrentes no grand monde do contem-porâneo e apostando na inteligência de práticas com postura crítica diante do que “convém ser” arte.

Outro investimento motivador foi a inclusão do má-ximo de categorias midiáticas no edital. Longe de querer esgotar ou indexar possibilidades, o reconhe-cimento de dezoito linguagens valoriza a fértil perme-abilidade técnica da qual se serve a produção artística contemporânea.

Esse extenso inventário de linguagens pode inclusive constituir-se em pretexto para uma salutar reflexão sobre a inventividade humana alinhada ao tempo pre-sente. Hoje, antigas e novas tecnologias confirmam suas especificidades, em conversas que desconstroem os fundamentos de uma “pureza” estética comprova-damente desnecessária.

tiram proveito dessa oportuna desconstrução os artis-tas que, sem a preocupação de aprovar ou combater qualquer linguagem, usufruem de todas, praticando estimulantes graus de contaminação entre os meios.

Sendo assim, pinturas, gravuras, fotografias, colagens, objetos, instalações, vídeos, performances, artes digi-tais e intervenções urbanas promovem, na Fiat Mostra Brasil, uma instigante aproximação entre alteridades, tensionando os tradicionais conceitos de obra e espa-ço expositivo.

Visou-se, com isso, a valorização de dimensões éticas intrínsecas ao artístico que, apesar de já vigorarem em discursos circulantes, ainda aparecem como novidade para a grande maioria dos observadores.

Enfrentando o recorrente problema de um público pouco preparado e visualmente pouco educado para a experiência do olhar, o blogearte3 da Mostra constitui-se numa das principais interfaces do projeto, estabele-cendo uma direta interlocução com seus visitantes.

é exatamente esse lastro sobre o qual se fundamenta a produção contemporânea de arte que precisa ser mais bem divulgado ao grande público, desde que o desejo seja o de criar, no campo da arte e da cultura, as tais dinâmicas emancipadoras.

Mais acessíveis, elas podem neutralizar a alienante aceleração do consumo, aproveitando o que de me-lhor o mundo globalizado pode nos oferecer: uma nova concepção de nós mesmos por meio de experi-ências de diferenças e alteridades.

A falta de repertório foi igualmente detectada durante a análise dos mais de 2.800 portfólios inscritos. Ao longo do processo seletivo, os curadores constataram inúmeras dificuldades de entendimento do que é arte, desde suas noções mais básicas.

Enquanto rastreadores de boas propostas, deparamo-nos com situações dilemáticas pontuadas em meio ao volumoso número de inscrições. Diversos sintomas emergiram. Em muitos casos, foi detectado certo “en-curralamento” entre o peso ainda atuante de uma tra-dição acadêmica mal compreendida e os ditames do que é “contemporâneo” para o circuito, impedindo o artista de desenvolver sua própria força expressiva.

Apesar de não constituir nenhuma novidade, a con-centração de poder político e econômico nas princi-pais capitais brasileiras foi reiterada, não apenas pelos diferentes graus de articulação do discurso artístico, mas igualmente pela verificação de diferentes níveis de familiaridade com as novas tecnologias.

Uma avaliação crítica dessa concentração aponta para a já conhecida precariedade em que vive uma impor-tante parcela de brasileiros, no que concerne à redis-tribuição de bens culturais que permitam uma melhor consciência perceptiva.

E isso inclui não apenas a falta de acesso a informa-ções mais pulsantes como também uma série de de-ficiências do sistema de ensino da arte, que lida com dificuldades para melhor preparar consumidores e profissionais desejosos de atuar nesta área.

O problema da formação do artista é crucial porque envolve questões impregnadas de valores dúbios. Con-vencionalmente, ser artista é, no melhor dos casos, ser

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especial, ter sucesso e surpreender. Na pior das hipó-teses, é ser irresponsável, vagabundo e marginal.

Estou tratando aqui de construções moralistas por demais arraigadas nas diversas instituições da socie-dade contemporânea brasileira. Mesmo no caso das escolas de arte com melhores condições estruturais, a consolidação do campo da arte como um campo de produção de conhecimento é dificultada por um modelo acadêmico restritivo.

Nele vigora a hegemonia das Ciências tecnológicas, impondo às outras áreas critérios tecnocráticos de avaliação. Critérios que, sendo pouco adequados ao universo artístico, não contribuem para uma forma-ção na qual rigor técnico e competência na elabora-ção de conteúdos possam convergir.

Apurando a leitura crítica, é importante ressaltar que, dentro das mesmas escolas, existem iniciativas coleti-vas e individuais corajosas. trata-se de professores que, confrontando a inércia institucional, procuram resgatar o que de aproveitável este ensino ainda pode oferecer.

Diante da visão ampliada provocada pela Fiat Mostra Brasil, ficam claros o insuficiente aproveitamento de potenciais inerentes a pessoas desejosas de produzir arte e a impotência das estruturas de ensino frente à burocracia acadêmica.

A oportunidade que tivemos de esboçar diagnósticos nos reaproximou de problemáticas que, longe de se-rem desestimulantes, nos instigam a continuar traba-lhando como educadores, teóricos e fomentadores de agenciamentos condutores de conhecimento.

No Brasil, não há dúvidas: estamos lidando com um solo fertilíssimo no que tange à produção artística. é o que se conclui de uma experiência como essa.

talvez a Fiat Mostra Brasil sirva, desde já, como um indicador convincente do tanto que, atenuando os im-pactos da lógica especulativa, investimentos culturais privados podem viabilizar ações artísticas e culturais capazes de resgatar a qualidade de vida tão necessária a todos os habitantes do nosso planeta.

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1 | www.blogearte.blogspot.com

2 | www.balticmill.com/visit/index.php

3 | HILLER, Susan e MARtIN, Sarah, the Producers: Contemporary Curators in Conversation, Gateshead, BALtIC, 2002.

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No blog1 em que iniciamos uma série de debates após a divulgação do edital da Fiat Mostra Brasil, em junho de 2006, uma das questões

dizia respeito ao processo curatorial. A discussão que se seguiu foi bastante produtiva, até porque o anonimato permitido pelas interfaces da comunicação on-line parece ter possibilitado maior abertura e radicalismo nos comentários. é no mínimo sintomático que este tenha sido o segundo tópico mais comentado entre todos.

Não vou aqui investigar a etimologia ou mesmo o sentido jurídico da palavra curadoria. tampouco tentar descobrir o motivo de tanto interesse por parte do público neste tema. A idéia é intensificar o debate acerca das curadorias, espe-cificamente a que gerou a Fiat Mostra Brasil.

Antes de mais nada, é preciso pensar a produção artística contemporânea como um território móvel, uma plataforma movediça que desliza incessantemente entre os mais diversos e complexos agenciamentos sociais, culturais, políticos e econômicos, entre outros. Algo que não se assemelha em nada a um discurso concluído, mas sim a um tatear constante, uma inundação de dúvidas vindas da produção e da reflexão artísticas realizadas no domínio do tempo presen-te. Múltiplas linhas de força caracterizam essas atividades, além de uma certa urgência. Situações diversas e em movimento constante. Arte contemporânea talvez seja isso.

Se pensarmos nestes mesmos termos sobre a produção artística brasileira, tal-vez seja possível ver o território se desdobrar ainda mais, ampliando-se em no-vas situações e direções que inevitavelmente passam pelos inúmeros problemas políticos e sociais que enfrentamos hoje, e que se refletem, de uma forma ou de outra, nos modos de produção, exibição, conservação e fomento à produção artística. A situação, aqui sim, é de urgência. Situações extremas, como as que vivemos no Brasil, complexificam ainda mais a produção e a reflexão artística – e, por conseqüência, as questões curatoriais.

Em uma série de livros de bolso, o Centro de Arte Contemporânea BALtIC,2 liga-do à Universidade de Newcastle, na Inglaterra, publicou transcrições de encon-tros entre curadores e artistas. As conversas, apesar de amistosas, mostram as tensões típicas do sistema da arte contemporânea. Em um dos debates, Carolyn Cristov-Bakargiev, ex-curadora do P.S.1, espaço vinculado ao MoMA de Nova York e dedicado à arte contemporânea, aponta suas dúvidas sobre os processos curatoriais e afirma se sentir mais confortável em curadorias de exposições indi-viduais do que de coletivas, já que, nas primeiras, acredita estar desenvolvendo uma espécie de monografia sobre o artista.3 A analogia é interessante para examinarmos as muitas possibilidades de desenvolvimento curatorial.

Coordenadas em movimento | Eduardo de Jesus1

assim, o contemporâneo é, de determinada perspectiva, um período de desordem informativa, uma condição de perfeita entropia estética. Hoje não há mais qualquer limite histórico. tudo é permitido. | Arthur C. Dantho

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4 | A cobertura destes debates está disponí-vel no site do Fórum Permanente: Museus de Arte; entre o público e o privado (www.forumpermanente.incu-badora.fapesp.br/portal/.painel/palestras).

5 | BRAGA, Paula, O curador e a instituição de arte. Disponível em: www.forumpermanente.incubadora.fapesp.br/portal/.painel/pales-tras/document.2004-10-05.8927372279.

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A idéia de desenvolver uma curadoria como espaço de reflexão e de debate parece aproximar as idéias de Cristov-Bakargiev das de Jean-Christophe Royoux, ex-periente crítico de arte e curador francês que, durante a jornada de debates4 da 26a. Bienal de São Paulo, em 2004, definiu o curador como alguém que gera discursos em conjunto com o artista. Para Royoux: “O exercício da curadoria é uma extensão da crítica de arte e, portanto, constitui uma forma de discurso. Uma exposição é um discurso que um curador elabora junto com o artista.”5

Confrontos e trocas

As duas posições explicitam, entre outros pontos, que alguns processos de curadoria se estruturam na ten-tativa de colocar o pensamento em ação em busca de situações de confronto e de diálogo entre a produção artística, a vida social e o campo teórico. Com isso, provocam no público reflexões e aproximações que podem reverberar em uma experiência ampliadora dos sentidos e do pensamento. Minha experiência na curadoria da Fiat Mostra Brasil seguiu essa direção.

Ver as obras, ler os projetos, assistir aos vídeos e in-teragir com os trabalhos foi sobretudo um exercício de compreensão das muitas práticas e estratégias que povoam a produção artística brasileira contemporâ-nea. Encontramos diversidade, aberturas e contami-nações de toda ordem, sobreposições e justaposições entre o global e o local, pesquisas com os mais va-riados sentidos e profundidades, em um território ao mesmo tempo pulsante e caótico.

trabalhos das mais diversas intensidades, com múlti-plas possibilidades de reconhecimento e articulação, revelaram a existência de circuitos artísticos de pe-quena escala e de atuação local, mas que configu-ram uma certa situação da arte brasileira e um certo pensamento artístico e crítico. Coordenadas em mo-vimento desenham um espaço expandido do qual fa-zem parte todos esses procedimentos. Propostas que vão da total inocência e distanciamento em relação às questões que experimentamos agora até aquelas que se alinham em torno de tentativas densas de diálogo com os muitos aspectos da realidade brasileira. As li-nhas de fronteira dos campos artísticos se abrem, por

meio de fricções, para situações híbridas nas quais, freqüentemente, a possível especificidade do suporte dá lugar aos procedimentos experimentais.

Foi dentro desse panorama que a seleção dos traba-lhos aconteceu. Um processo coletivo, para o qual cada um dos curadores convidados trouxe em sua ba-gagem distintas visões e experiências teóricas e prá-ticas de contato com a produção artística atual. Um confronto cheio de trocas dentro de uma diversidade de pensamentos acabou, por meio de intenso debate, por configurar a Fiat Mostra Brasil. Como resultado, a exposição aponta para uma certa situação, e não para uma certeza ou tendência. Aposta em uma circula-ção de idéias para mostrar os enfrentamentos entre os discursos da arte, as práticas artísticas solidificadas, o rompimento de barreiras entre suportes e mídias, o campo teórico e a aproximação com os diversos es-paços de convívio que experimentamos na vida con-temporânea.

Estilhaçamento e renovação

Gostaria de chamar a atenção para duas modalidades artísticas dentro do processo curatorial. Os trabalhos em mídias digitais (interativos) e vídeo demonstram como essas plataformas têm se tornado cada vez mais comuns entre os suportes de desenvolvimento e cria-ção artística. No entanto, no caso das mídias digitais, é fundamental que se procure um caminho próprio, que ao mesmo tempo dialogue com a tradição artís-tica e saiba retirar das especificidades de cada meio o que têm de próprio e instigante. A interatividade pre-cisa se contaminar de processos poéticos que abram alguma possibilidade de fruição para além do simples domínio técnico e, com isso, novas possibilidades de produção e outras formas de percepção, como obser-va Couchot:

“Longe de introduzir uma ruptura estraçalhadora na continuidade da arte, e permanecendo bastante frá-gil, o numérico apenas fornece-lhe os meios tecnoló-gicos que lhe convêm. Bem utilizado, submetido a um projeto estético coerente, todo modelo lógico-mate-mático pode ser desviado de suas funções original-mente científicas (tornar o real inteligível). As práticas artísticas numéricas não se dispersam, em conseqü-

6 | COUCHOt, Edmond, A tecnologia na arte – da fotografia à realidade virtual, Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2003, p. 266.

ência, nas práticas preexistentes, elas se hibridizam, reforçando seu estilhaçamento e sua renovação, não sem desencandear certos efeitos perversos.”6

No caso específico do vídeo, apesar da trajetória his-tórica mais longa, o meio ainda acaba seduzindo os mais desavisados com seus frágeis e fáceis efeitos que, algumas vezes, ocultam a inconsistência das propostas artísticas e, em outras, apenas enfatizam um profundo conhecimento técnico. Relacionar-se com as imagens em movimento, ao contrário do que muitos pensam, vem se tornando cada vez mais difícil, sobretudo pelo fato de o real estar tomado de imagens, reforçando o que afirmava Serge Daney: “filmar é ver ao quadrado”. Neste colapsado circuito de imagens, é importante que a multiplicidade dos tempos e as possibilidades de criação valorizem uma imagem capaz de resistir às facilidades dos procedimentos técnicos, garantindo outros sentidos para a imagem em movimento.

Rede de subjetividades

O que houve de mais importante em todo o proces-so de concepção da Fiat Mostra Brasil foi uma refle-xão, que acredito ter atravessado todos os curadores, sobre a arte brasileira atual e sobre nosso papel na configuração final da exposição. Fugindo da posição

de avaliadores da qualidade ou de “certificadores do ISO 9000 das artes”, como enfatizamos no texto so-bre a seleção dos trabalhos, os curadores buscaram uma reflexão e uma aposta na expansão dos limites da prática artística para além dos já estabelecidos e consolidados. Nessa perspectiva, possibilidades de contaminação de toda ordem abrem espaço para ou-tras abordagens das questões sociais ou tecnológicas que se aproximam da produção artística brasileira. O próprio limite do espaço expositivo também foi am-pliado com uma série de obras que dialogam inten-samente com a cidade e seus fluxos. Possibilidades de ampliação do fenômeno artístico para além do pró-prio espaço expositivo.

Agora podemos confrontar o resultado desta mostra, buscando nos situar sobre uma pequena e significa-tiva parcela da produção artística nacional. Mesmo que a Fiat Mostra Brasil não esteja organizada em re-presentações estaduais, que explicitem as bordas do território físico, acaba sendo o resultado dos múltiplos agenciamentos neste espaço imaginário e real que é o Brasil. Uma complexa rede de subjetividades em uma cena social entremeada de confrontos e tensões. Nesse contexto, a exposição pode revelar, mesmo que com distintas intensidades, uma produção artística que surpreende ao conseguir criar possibilidades de diálogo, de interlocuções e de reflexões que nos per-mitem alcançar novos modos de perceber a vida.

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1 | Este conjunto de afir-mativas de Roland Bar-thes integra o livro Como viver junto: Simulações romanescas de alguns espaços cotidianos, São Paulo, Martins Fontes, 2003. O livro recebe o mesmo título do curso realizado no Collège de France. Os trechos citados correspondem à aula de 12 de janeiro de 1977, referem-se mais precisamente ao item fantasia e podem ser encontrados nas páginas 9 a 11.

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Nos espaços moventes da arte | Marisa Mokarzel1

Em exposições é comum o visitante locomover-se em várias direções para olhar, perceber e se relacionar com o objeto que, organizado

no espaço, se articula com outras obras, permitindo, ou não, distinguir um con-ceito. As relações que se estabelecem são de várias ordens, podendo ocorrer entre o visitante, o espaço e a obra ou entre os próprios visitantes. Moventes desenhos se formam, fornecendo uma dinâmica por onde percorrem sensa-ções, sentimentos, formulações de pensamento e deslocamentos físicos.

Na Fiat Mostra Brasil, como em outras situações expositivas semelhantes, as relações começam a ser tecidas bem antes, seja no período organizacional, seja no momento da seleção. No caso específico desta mostra, há uma relação visível que ocorre entre lugares e entre eventos. trata-se de um espaço compar-tilhado por dois grandes acontecimentos artísticos: um que há anos firma-se como um importante evento nacional, e outro que foi recentemente criado. Em ambos se é partícipe de um olhar que se insere na contemporaneidade, reve-lando as tramas de uma complexa sociedade em que redes culturais, artísticas e econômicas conjugam-se em fluxos dos quais emergem poderes políticos e hegemônicas forças se impõem.

O convívio é firmado em um campo de tensão, na incerta trilha em que insta-bilidades se instalam e pode-se perguntar “como viver junto”? Nesta pergunta encontra-se o fio que interliga lugares, espaços e eventos. O princípio questio-nador proposto por Roland Barthes e adotado pela 27a. Bienal de São Paulo confere o tom de aproximação entre arte e vida. A linguagem promove o pro-cesso comunicador e institui o lugar da sociabilidade, onde vida coletiva e vida individual tentam conciliar-se, pontuando o espaço da afetividade e também da animosidade.

Entre as observações que Barthes faz sobre o Viver-junto, encontra-se a afir-mação de que “não é contraditório querer viver só e querer viver junto” e que esta convivência pode ser tomada “como fato essencialmente espacial (viver num mesmo lugar)”. Esclarece, porém que “em estado bruto, o Viver-junto é também temporal [...]”.1 Na Fiat Mostra Brasil, propostas de caráter mais indivi-dual e subjetivo, que interpretam o mundo por meio de uma poética intimista, convivem com outras cujo tom interpretativo provém do coletivo e ocupa não somente o espaço da exposição, mas se expande além dele, assimilando a vizi-nhança, estabelecendo relações com a Bienal, com o Parque Ibirapuera e com a própria cidade de São Paulo.

Em uma reflexão sobre o cotidiano e a cidade, Michel de Certeau procura deli-mitar um campo, propondo uma distinção entre lugar e espaço. Para o autor, “um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas

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relações de coexistência” e esses elementos estão dis-postos lado a lado, sendo que cada um se situa em um lugar próprio. Um lugar significa “portanto uma con-figuração instantânea de posições. Implica uma indi-cação de estabilidade”.2 No que concerne ao espaço, considera que este existe “sempre que se tomam em conta vetores de direção, quantidades de velocidade e a variável tempo. O espaço é um cruzamento de mó-veis”.3 Para De Certeau, as ruas são geometricamente definidas por um traçado urbano que é transformado em espaço pelo pedestre e é neste espaço que se des-dobra um conjunto de movimentos.

Percebe-se que a arte contemporânea não mais se restringe aos espaços institucionais, ao contrário, lan-ça-se nos espaços urbanos em um processo distante dos monumentos oficiais que, existentes há séculos, demarcam feitos e homenageiam heróis. A arte for-mata hoje geografias, descreve e traça percursos. Ce-nas cotidianas, cenas imaginárias circulam, fixam-se temporariamente em algum lugar, construindo pares substantivos que se desdobram em múltiplas cama-das, deixando visível um estado latente onde transitam a vida, a fantasia. Ficção e realidade misturam-se, pro-movem, ou não, narrativas, muitas vezes desprovidas de uma seqüência lógica, propositoras de inúmeras entradas e saídas. Entrecruzam-se procedimentos que reverberam além das paredes, absorvem a hibridez e, muitas vezes, infiltram-se em campos digitais, navegan-do labirintos que interligam o próximo e o distante.

Altas tecnologias convivem com produções artesanais, com técnicas milenares, com o refugo. Neste entrela-çar cabe o mundo e neste mundo situa-se a trama da arte. A participação do público ocorre junto a perfor-mances, intervenções urbanas, obras eletrônicas ou de outra natureza qualquer. São interações que se pro-cessam instaurando atitudes já existentes no percurso da arte, apontadas no futurismo e dadaísmo e enfa-tizadas nas décadas de 1960, 1970. No Brasil, Hélio Oiticica e Lygia Clark propõem levar “o objeto de arte para o espaço do vivido, espaço compartilhado pelo artista e pelo espectador”.4 Na verdade, como agente da experiência, o público troca o lugar de espectador pelo de participante. O eixo arte-vida emerge com mais força, ganham visibilidade as “vivências”.

Como bem diz Oiticica, “não se trata mais de impor um acervo de idéias e estruturas acabadas [...]”, mas de

procurar descentralizar a arte, por meio do seu deslo-camento. A proposta é transferir o “campo intelectual racional para o da proposição criativa vivencial”, dan-do ao indivíduo “a possibilidade de ‘experimentar a criação’, de descobrir pela participação, esta de diver-sas ordens, algo que para ele possua significado”.5 No século xxI, o pensamento do artista ainda encontra ecos no processo participativo da arte, mas assume esta postura sob outras roupagens. Afinal, houve um deslocamento de tempo e o mundo presenciou troca de valores, queda das crenças universais.

A busca pelo significado da arte ou da vida, neste momento labiríntico, dilui-se nos vários lugares, nos múltiplos espaços em que a incessante movimentação permite poucas condições para que algo mais subs-tancial se fixe e forneça estabilidade. Depara-se com os excessos que provocam o cálculo virtual em que as somatórias de possibilidades e impossibilidades podem se anular e devolver o caos. é nesse estado ilimitado e indefinido que a ordem pode se instalar a qualquer instante, uma vez que se prenuncia e pro-picia o nascimento de algo, de uma nova realidade. Resta saber, no entanto, que tipo de ordem será res-tabelecida e quais valores serão assimilados.

Os valores instáveis, a desconfiança dos discursos uni-versais e totalizantes, a afirmação de um mercado glo-balizado e a flexibilização da economia que reverbera em outras áreas, inclusive da arte, apontam para a condição pós-moderna6 que estava presente bem an-tes, encontrando ressonância nas artes visuais em me-ados dos anos 1950, com a Pop Art. De acordo com Perry Anderson, essa condição, todavia, começa a se difundir de forma mais ampla a partir dos anos 1970. Desde então, encontramo-nos num campo indefinido, em que o próprio nome pós-moderno implica uma re-lação entre o moderno e o prefixo que lhe agrega ou-tro significado, podendo dar margem à compreensão de algo que acontece depois, quando uma condição anterior encontra-se de certa forma esgotada.

David Harvey, por outro lado, interpreta o termo pós-modernismo como uma espécie de reação ou afasta-mento do modernismo. Considera que há uma coe-xistência, estabelecendo um processo relacional, uma vez que a condição moderna ainda existe quando a outra condição se configura. O pós-modernismo ter-mina por revelar uma circunstância que potencializa

2 | As afirmações de Michel de Certeau são provenientes do capítulo Ix, “Relato de espaço” IN: A invenção do cotidiano, v. 1 Artes de fazer, Petrópolis, Rio de Janeiro, Editora Vozes, 2001, p. 201.

3 | dem, p. 202.

4 | Comentário de Ligia Canongia sobre os artistas neoconcretos IN: O legado dos anos 60 e 70, Rio de Janeiro, Jorge zahar Ed., 2005, p. 39.

5 | Hélio Oiticica apre-sentou estas questões durante o seminário Propostas 66. O texto “Situação da vanguarda no Brasil” foi publicado em São Paulo pela Arte em revista, ano I, n° 2, maio-agosto de 1979, p. 31.

6 | Mesmo que este ter-mo possa ser substituído por outros e ainda seja bastante questionado, utilizo-o baseada em vários autores que também o aplicam, como Andréas Huyssen, Frederic Jamenson, David Harvey, Jean-François Lyotard e Perry Anderson. Nas colocações sobre o termo pós-moderno, selecionei especificamen-te as considerações de David Harvey, Condição pós-moderna, São Paulo, Edições Loyola, 1992; e de Perry Anderson, As origens da pós-moder-nidade, Rio de Janeiro, Jorge zahar, 1999.

a fragmentação, o hibridismo, a indeterminação e o transitório. todas essas condições remetem-me a um romance inacabado que se passa em 1913. Em deter-minado momento da narrativa, o personagem Ulrich pressente que “nenhuma coisa, nenhum eu, nenhu-ma forma, nenhum princípio é certo, tudo se encontra numa transformação invisível e incessante, no instável há mais futuro que no estável, e o presente não é se-não uma hipótese que ainda não superamos”.7

Com este argumento, construído no começo do sécu-lo xx, pode-se acreditar que talvez haja mais proximi-dade entre a condição moderna e a pós-moderna do que se possa imaginar. O imediatismo e a instabilida-de que atualmente nos lançam às incertezas do futuro e à provável inviabilidade de projetos em longo prazo são condições que já despontavam há tempo, mesmo que se acreditasse nas forças redentoras e se pautas-se por grandes ideais. “O que é singular na incerteza hoje é que ela existe sem qualquer desastre histórico iminente; ao contrário, está entremeada nas práti-cas cotidianas de um vigoroso capitalismo”.8 A arte situa-se nesse contexto em que estratégias mundiais são elaboradas por meio de valores condizentes com o consumo exacerbado. A cultura e a arte transitam em um campo movediço, coabitando com algo que é alheio a sua natureza e por isso mesmo pode arremes-sá-las a um universo de contradições e paradoxos.

A meu ver, nesse estado de tensão a arte resiste e, apesar de toda instabilidade que a cerca, pode não su-cumbir às estratégias de forças hegemônicas que ten-dem a diluir subjetividades e a nivelar todos os seres e coisas pelo consumismo advindo de um “vigoroso capitalismo” cujos efeitos se alastram em questão de segundos. O tempo, na verdade, torna-se o signo da

nossa época e, contraindo-se cada vez mais, se revela na rapidez incessante, na impossibilidade de fixar coi-sas, na sobreposição do próprio espaço.

No lado oposto, um outro tempo, como um tabulei-ro de xadrez, aguarda lentamente a movimentação das peças, indispondo-se contra os lugares que são ocupados pela agilidade dos corpos e se transformam em incontroláveis espaços moventes. Precisa-se agora de um tempo estendido que permita pensar sem a incansável corrida em direção a um novo produto, à informação acumulativa que transborda, não produz conhecimento e se distancia da arte.

Em meio a tessituras de ordem tão impositiva, a arte busca reordenar seus próprios valores, uma vez que é irredutível à economia e se constitui dentro de suas especificidades, ainda que estas estejam contamina-das pelos alicerces do capital. A arte, mesmo assim, encontra brechas para realizar sua poética e interpre-tar o mundo. O estratagema de Viver-junto encaixa-se em uma vontade de enfrentamento, em uma contra-corrente que enfatiza as relações humanas e faz com que desemboquem no processo artístico.

A Fiat Mostra Brasil é uma das tentativas de fazer cir-cular um potencial da arte que gera propostas e poéti-cas visuais que, inseridas em seu tempo, podem ultra-passar a complexa dinâmica de um período de poucas delicadezas e muitos excessos. Como se vive a fluidez de uma época que nos conduz às incertezas, poucas condições apresentam-se para a formulação de asser-tivas. Com a Mostra, disponibiliza-se ao público um conjunto de obras que pode projetar-se além-muros. todas, contudo, estão expostas a diversos olhares e pensamentos, sujeitas a diferentes interpretações.

7 | Romance que revela o contexto político, social, artístico e cultural da áustria do começo do século xx. Escrito por Robert Musil, teve o primeiro volume publica-do em 1931. O homem sem qualidades, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1989, p. 181.

8 | Pensamento de Ri-chard Sennet encontrado no livro A corrosão do caráter: conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo, Rio de Janeiro, Record, 2000, p. 33.

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O risco como estratégia | Járed Domício1

É do ato simples de rabiscar um papel que muitas idéias podem ganhar cor-po até chegar à concretização. O olhar do artista percebe a força daqueles

traços iniciais e investe naquele pequeno esboço, consciente de que essa etapa inicial é de vital importância para o seu processo criativo. Correr o risco de dar atenção a idéias aparentemente simples pode ser uma atitude estratégica para estabelecer a densidade das questões que o trabalho apresentará no futuro. Sendo essa etapa fundamental para o desenvolvimento de uma poética, o ato de criar torna-se uma aposta em cada nova idéia e põe o artista numa situação de tensão permanente.

Cada artista e cada obra tem um tempo particular, no qual a maturação da proposta e suas respectivas conseqüências vão se construindo a partir das infor-mações que se agregam ao processo e à vivência cotidiana do trabalho. é nesse tempo de concepção, que vamos (no ímpeto da criação) nomear momento-ateliê, que o artista consegue exercer plena liberdade sobre suas intenções para com a obra a ser desenvolvida. Pode ser que tal obra não atinja seus propósitos ou que nunca seja executada, mas é nesse tempo de êxtase criativo que o artis-ta se põe a imaginar que riscos está disposto a correr para pôr suas idéias em prática. Não se trata de propor o risco como estratégia de construção da arte, mas de afirmar que toda obra de arte pressupõe a necessidade de arriscar, caso contrário observaremos somente a repetição de procedimentos e atitudes que resultam em trabalhos isentos do embate criativo.

Analisar uma idéia embrionária e tentar, a partir daqueles poucos elementos, tomar uma série de decisões que vão construindo paralelamente o trabalho e o artista – que, tal qual o esboço de linhas simples, vai também assumindo formas mais precisas no que diz respeito a sua postura com relação ao seu pro-cesso de criação e ao encaminhamento do seu trabalho, no confronto com as diferentes etapas (criação, produção, veiculação e comercialização), que podem ser assimiladas ou não, segundo seus ideais. é esse o momento de definição das parcerias que se deseja, de perceber quais as possibilidades do trabalho. Pontu-ar dúvidas e traçar metas. O que não significa que, ao longo do caminho, as de-cisões não se alterem. Arriscar pressupõe dizer que algumas das regras que vêm sendo seguidas podem ser quebradas a qualquer tempo. Regras dos modos de fazer e pensar arte são reestruturadas para dar margem a outros caminhos, nos quais o ato de criar e recriar passa a ser um exercício natural ao artista.

Esse momento-ateliê, que não raro provoca angústia em muitos artistas, êxtase em outros ou, ainda, um misto das duas sensações, é de fundamental impor-tância e ainda pouco entendido e pouco assistido por grande parte das estru-turas de incentivo à produção artística, devido a seu caráter íntimo e invisível. Assemelha-se a ficar horas na cozinha preparando um delicioso prato. Quem degusta não sabe a maré de odores, sabores, temperaturas e um sem-fim de

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delicadas percepções que são experimentadas antes que o prato seja posto à mesa para ser consumido. A experiência do artista de observar, sentir, propor, de-finir materiais, situações, imagens, formas e relações exige tempo para compreender as conexões que po-dem ser estabelecidas dentro dos critérios da poética a ser construída.

E, afinal, o que estamos chamando de artes visuais? Será que essa designação ainda nos serve? Depois de observar tudo que foi experimentado por Lygia Clark e Hélio Oiticica, é interessante imaginar a distância en-tre a produção contemporânea de arte e sua absorção por parte do público e de muitos profissionais ligados a esse campo. Já ultrapassamos alguns códigos e ter-minologias e ainda assim não soubemos criar outros que pudessem acompanhar de forma coerente essas manifestações da atualidade. O embate da relação en-tre o público e as manifestações contemporâneas de arte tornou-se assunto constante entre as instituições de cultura e de educação.

O fato é que a história da arte caminhou à parte das nossas estruturas educacionais e o trabalho de aproxi-mação depois de tanto tempo só realça o estranhamen-to já contido na maioria das obras. A cada exposição visitada, o público parece abrir um baú de surpresas, no qual essa “nova” condição da produção artística li-teralmente invade os espaços e cria circunstâncias inu-sitadas para aqueles cujo imaginário de arte ainda está ligado às questões clássicas da pintura e escultura.

Estas novas relações com a arte são construídas a partir do contato direto com as obras expostas aos olhares que se dispuserem a vasculhar os detalhes de cada uma delas. O risco, aqui, é estar diante de muitos universos diferentes e ter de enfrentar alguns tabus, situações de tensão e questionamentos sobre nossas convicções aparentemente tão bem estabelecidas nos papéis so-ciais que exercemos no dia-a-dia. O público da arte não é somente aquele que aprecia, mas aquele que se atre-ve. Para gostar de arte é necessário QUERER ver arte.

E arte nem sempre é aquilo que queremos ver. Portan-to, cabe ao público arriscar o convívio com essas ma-nifestações, que podem lhe trazer experiências parti-culares de entendimento sobre o mundo em todos os seus aspectos. As informações da produção artística que neste momento ocupam os espaços expositivos

acabam por se infiltrar em muitas áreas. A arte ali-menta muitas fontes. O design das nossas roupas, re-lógios, carros, as imagens da publicidade, a aparência dos softwares e dos computadores... A informação produzida por artistas, depois de assimilada, é incor-porada em tudo que nos cerca e chega ao cotidiano sem que possamos perceber como essa aproximação acontece. Para um público acostumado à velocidade da televisão, parar e observar o que está acontecendo é uma tarefa árdua.

O diálogo entre público e espaços de arte tem ganha-do cada vez mais atenção e as instituições, por meio de trabalhos educativos, oferecem aos visitantes algu-mas informações essenciais para apreciação das obras de arte. é de fundamental importância colaborar para que uma exposição possa de fato gerar uma discus-são sobre suas temáticas, seja por meio de conversas com artistas e teóricos da arte, seja com monitorias, oficinas ou publicações. Caso contrário, teremos ex-posições que não geram conhecimento nem deixam marcas do trabalho realizado. Embora seja um pro-cesso lento, o trabalho de instigar o público de arte pode ser extremamente favorável ao desenvolvimento de um cidadão mais crítico e maleável com as diferen-ças culturais tão comuns ao nosso país. E quando isso ocorrer, provavelmente teremos criado um público ainda mais assíduo e entusiasmado pelas artes.

Nossas instituições culturais têm tido um papel de destaque como propulsoras da cultura. é inegável o trabalho que realizam e as estruturas que possuem para abrigar as exposições e acervos. Mas a produção de arte brasileira é muito maior do que o número de espaços existentes para absorvê-la. Precisamos então olhar para um formato de instituição mais elementar e de atuação mais silenciosa do que aquele das gran-des corporações, pois nem todos os artistas circulam das formas ou pelos lugares convencionais. Para que algumas organizações de artistas possam garantir sua existência e ter liberdade de se posicionar como ques-tionadoras dos organismos gerenciadores da cultura, existem outros circuitos de arte que não estão nos jor-nais, nem na televisão, mas que funcionam de forma eficiente, em iniciativas que têm na internet seu maior instrumento de divulgação e possuem uma imensa capacidade de agir em rede, acionando os coletivos de várias localidades.

As dimensões do Brasil trazem uma série de conseqü-ências para essas formas de organização. Cada local acaba por ter peculiaridades que passam a determinar certas condições de produção. Para alguns artistas, a presença das condições adversas gera uma produção que se desenvolve com mais desenvoltura e grande li-berdade de experimentação. O lugar alternativo torna-se lugar de fato. A idéia de instituição passa a ser aquela resultante de uma organização espontânea em busca de outras maneiras de visibilidade das ações em arte.

Produzir arte no Brasil significa saber adaptar-se às condições dadas, renovando-as e dialogando com a produção nacional a partir de códigos gerais e par-ticulares. Movimentações como as dos dois coletivos selecionados para a Fiat Mostra Brasil – Grupo Em-preza (GO) e Gia, Grupo de Intervenção Ambiental (BA) – são exemplos de uma produção para a qual a relação com as instituições tradicionais é apenas um dos elementos que podem contribuir para a continui-dade dos seus trabalhos, e que parte da certeza de possuir toda autonomia para agir nos mais variados contextos.

Existem por todo Brasil muitas dessas iniciativas in-dependentes e que respondem por uma boa parcela do que se produz de significativo em arte aqui. Essa postura dos artistas traz uma provocação às formas tradicionais de incentivo cultural. A crítica ao formato exaurido dos salões de arte tornou-se lugar-comum, assim como a ansiosa busca por outros formatos. Vide as ações da Bolsa Pampulha (MG), o Salão de Artes Plásticas de Pernambuco (que, apesar de conservar o termo “salão”, premia artistas com bolsas) e a Bolsa Marcantonio Vilaça do CNI/SESI, talvez uma das ações de maior repercussão nesse sentido. tais iniciativas investem no processo de formação dos artistas, ao contrário dos formatos tradicionais que focavam sua atenção no evento.

Apesar do formato ainda próximo dos salões tradi-cionais, o edital da Fiat Mostra Brasil trouxe uma série de mudanças e muitas questões. tanto para os artis-tas, confusos com as novas regras, quanto para toda a equipe de produção, que buscava se adaptar às novas demandas. ter o risco como estratégia pressupõe um olhar aberto e atento ao grande acúmulo de informa-ções contidas nos mais de 2.800 portfólios analisa-dos. A tarefa de avaliar todo aquele material em busca

de artistas que pudessem compor um olhar sobre a arte brasileira era, de antemão, bastante pretensiosa. A diversidade de idéias deixava bem claro que pode-ríamos selecionar muito mais do que trinta artistas representativos e construir vários tipos de percepção sobre nossa produção.

Mas, então, conseguimos chegar a uma representa-ção real do que se produz na arte brasileira? Sim, mas não a única, e nem definitiva. Apenas um olhar sobre a produção nacional a partir de artistas que não são grandes nomes das artes, provavelmente não estão vinculados a grandes galerias e, em alguns casos, pos-suem obras com características que dificultam sua in-serção no mercado de arte. São obras e artistas que, por um meio ou outro, escolheram ter o risco como estratégia. Seja um risco com tom de delicadeza, como nos trabalhos de Mariana Silva da Silva, Felipe Cohen e Daniel trench, Luis Roque, Raquel Stolf, Fabiana wie-lewicki, Katia Prates e Milena travassos; seja por uma tendência natural ao risco como processo, como nas obras de Bruno Faria, dos coletivos Gia e Grupo Em-preza, de Martha Neves, e das artistas Adriana Barreto e Bruna Mansani.

Nos projetos a ser executados, a atitude não é só apos-tar na idéia, mas no indivíduo que vai executá-la. Suas intenções e a seriedade com que vem desenvolvendo suas obras. trabalhos como as esculturas de Henrique Oliveira, que parecem engolir os espaços expositivos, ou o pequeno livro de fotos de Mariane Rotter são bons exemplos dessas apostas.

A tecnologia, entendida como suporte das poéticas artísticas, é utilizada em trabalhos instigantes como o “objeto ansioso” de Ricardo Cristofaro ou nas obras de Vera Bighetti, Martha Gabriel, Marcus Bastos e An-drei thomaz. As gravuras do artista Marcelo Mosche-ta, as pinturas de Leonora weissmann e as de Rodrigo Freitas convivem com a performance de Nydia Negro-monte, com as “pinturas” de Daniel Escobar e com as instalações de Fabíola tasca e de Rodrigo Borges.

Alguns outros apostam no embate direto com o meio urbano, como nas obras dos coletivos mm não é confe-te e Vulgo, e de Cristiano Lenhardt. temos ainda thais Ueda, selecionada na categoria utopédia (uma das novi-dades do edital). todos compondo uma exposição que ousa ser uma amostra da potência da arte brasileira.

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Osíris contemporâneo | Stéphane Huchet

É habitual exigir da arte que ela inove. Uma grande maioria dos editais de mostras e salões que estabelecem regras e critérios para a recepção e a

seleção de trabalhos artísticos também privilegia a noção de novidade – sem, aliás, nunca dizer o que a define.

Muitas vezes, a lista das tecnologias mais avançadas de produção artística faz ofício de critério. Agora, entregar apenas o cerne do “novo” às categorias técni-cas reduz a questão a seus aspectos práticos e leva a uma operação de captura e de ofuscamento da dimensão temporal, histórica e crítica mais complexa com a qual toda obra de arte se relaciona inevitavelmente. Pensar que o “novo” de-pende do uso de recursos tecnológicos mais recentes para ser averiguado não resolve o teor da inovação, que é, a nosso ver, muito mais de ordem do simbó-lico e de uma concepção crítica das relações criadas pelo trabalho.

No fundo, a exigência ainda obsessiva do “novo” reflete uma situação sintomá-tica, na qual a diminuição real da inovação na arte geraria um misto de relutân-cia e de indisposição ao fato de a criteriologia clara e evidente promulgada pelo modernismo – a história é a história das rupturas – ter perdido sua pertinência hoje. De seis em seis meses, aparece uma chamada de novos rumos, manifes-tando a espécie de “pânico” subconsciente que toma conta de certas instâncias curatoriais frente à inexistência real de inovações que revolucionariam o cenário da arte. Hoje, muitas vezes o chamado “novo” não o é e só parece sê-lo porque existe um esquecimento rapidíssimo da produção recente e menos recente. tra-ta-se da geração quase institucional de um palimpsesto que esvazia a memória para melhor preencher na hora seus vazios.

Ao mesmo tempo, é da natureza da arte criar propostas visuais e plásticas para fazer cintilar algo na noite do sentido. A situação é complexa porque o conceito esvaziado de “novo” não dá conta de preencher um outro conceito, o de “arte”, ele mesmo submetido desde os anos 1960 a turbulências incessantes. Estas, hoje, não são em nada rupturas ou quebras, mas configurações produtivas paradoxais. Com efeito, tal ou tal proposta artística, sua eventual capacidade de aparição e de convicção – capacidade que representa um desafio no meio da proliferação das práticas idiossincráticas e do grande caleidoscópio artístico hodierno – podem muito bem sustentar visualidades e manifestações impac-tantes, mas raramente conseguem apagar o sentimento de não terem mais o poder de se destacarem irredutivelmente das camadas mais letais do espaço da arte no qual se inserem. “Letal”, o grande platô da arte – platô da coabitação e da justaposição das práticas e dos veículos, platô verdadeiramente assumido e consumado do multimídia técnico, no qual cabem todas as categorias propos-tas no edital da Fiat Mostra Brasil, platô no qual as operações artísticas, e as mo-dificações que realizam, não podem remover o subsolo hipersaturado da arte.

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Usamos o termo “modificações” artísticas porque en-volve melhor a idéia de que as diversas propostas hoje em ação no cenário da arte dividem e compartilham um mesmo solo histórico sobre o qual decidem como inventar e criar modos de diferenciação que permitam configurar um ac-cidente simbólico, um evento ter-ritorial. Por ac-cidente (conservando o sufixo latino), não queremos sugerir a não-necessidade da arte, mas o fato de que ela procede hoje à instituição de uma di-nâmica mais breve e telegráfica, na forma – privilegia-da desde o romantismo alemão e reinaugurada pela colagem e pela montagem nas vanguardas do início do século xx – do fragmento cru(el) e crucial. A arte não é mais capaz de estruturar uma visão sintética do mundo. Ela se mostra muito mais interessada em criar cir-cun-stâncias... A arte cerne, circunscreve, circunda; cria ritmos icônicos, intervalos críticos, (in)stâncias. O que caracteriza a arte contemporânea é uma pulsão performática que procura fazer da proposta artística uma maneira móvel de ocorrer. Agora, resta saber se a arte de hoje, por mais próxima que pareça ser das dinâmicas ressaltadas por Jean-François Lyotard na grande época das experimentações artísticas – “e se devêssemos levar a sério não a apresentação, mas a mera produção; não o apagamento (representativo), mas a inscrição; [...] não a significação, mas a energé-tica [...], a imediateza de produzir em qualquer lugar; não a localização, mas a deslocalização perpétua?”1 – não as mimetizaria em seu vigor para melhor re-territorializá-las, confirmando que o desafio hoje fica por parte o mesmo, a força atrativa do subsolo tendo aumentado muito desde 1972...

A arte se propõe também a fazer irrupção na teia das relações sociais, no sentido amplo do termo, articulan-do as várias redes que elas desenham. Aqui, poderia entrar em jogo a lista infinita dos substantivos, adjeti-vos e atributos que a arte tem por vocação interrogar, investigar, diferenciar e espelhar: todas as noções da semântica humana.

Quais são os objetos da arte hoje? A resposta pode-ria corresponder à ficção borgesiana de um mapa – a resposta ideal – que recobriria por inteiro os territó-rios que mapeia, seus relevos, seus vales, seus rios, suas cidades, suas eminências e suas depressões etc., ou caber simplesmente na seguinte frase: toda a ex-periência humana (e, inclusive, a sobre-humana ou a não-humana). Quais objetos, quais dispositivos, quais

propostas os artistas põem em circulação? Os Frag-mentos do Grande Espelho do Mundo... Neles, o pú-blico pode (se) ver, isto é, enxergar o que já conhece, o que diz já saber ou pretender saber do mundo. trata-se de simulacros. No entanto, o público pode ter um outro tipo de contato com os múltiplos pedaços desse Espelho fragmentado: se os conhecer por seus perfis simbólicos cortantes, experimentará seu teor dilacera-dor. O público, como também os críticos e curadores, podem preferir o reflexo como simulacro ou o perfil dilacerador que queima a recepção. São os artistas que decidem investir mais um ou outro aspecto. é o que acontece com os artistas da Fiat Mostra Brasil.

O que interessou à equipe curadora foram as possi-bilidades de mesclar as situações e as especificidades a partir de um material artístico constituído pela por-centagem maior de trabalhos que, durante o processo da escolha, se mostraram em condição de se susten-tarem, contrastando com uma multidão assustadora de propostas oriundas daquilo que os franceses cha-mam de peintres du dimanche. Durante o processo de seleção, cada curador teve a oportunidade de ser confrontado com a questão de definir o que é arte ou não. A hegemonia do kitsch e das fantasias mais escabrosas em 95% dos dossiês mostrou como as monstruosas e fascinantes entranhas do inconscien-te pequeno-burguês – quando este deseja superar o nível reles da existência e a imediatice do sensível, e inventar alguma simbolicidade – não têm a mínima condição de ser depuradas num processo formal e “linguagético”, porque lhes falta, para isso, a cultura artística e histórica necessária.2 Não entraremos aqui na questão abissal de saber o que é arte – ninguém mais responde a essa pergunta –, mas é evidente que cada um de nós precisa pré-solucioná-la para poder começar a trabalhar como historiador ou crítico.

Os artistas da Fiat Mostra Brasil participam todos de um outro meio da arte, isto é, uma microssociedade que tem consciência do que a produção artística significa em termos de desafios e de jogos de linguagem com um certo referencial histórico-crítico. é nessa consci-ência que todos se encontram e convergem. também é por essa razão que, além das disjunções entre pro-postas para o espaço da exposição e propostas para o espaço externo, os artistas da Fiat Mostra Brasil só distribuem suas diferenças dentro de um sistema da arte. As tentativas de expansão fora dele nunca conse-

1 | LYOtARD, Jean-François, “Capitalisme énergumène” IN: Des dispositifs pulsionnels, Paris, Christian Bourgois Editeur, 1980, p. 9.

2 | Ficou claro que esses “proponentes”, através de seus objetos, logravam gritar para serem ouvidos. Gritos usando de recursos for-mais, imaginários visuais demonstrando uma total ausência de cultura no campo da história da arte, uma ausência de distanciamento crítico, a adoção de referenciais formais totalmente obsoletos.

guem destruí-lo: o sistema vive também delas e gosta dos “filhos pródigos” que esticam o cordão umbilical ao extremo sem se decidirem a desamarrá-lo defini-tivamente de seu nó inicial. Na verdade, o fato de a “dissolução da arte na vida” quase nunca ser realizada pelos artistas tem a ver com a lógica artística. Essa diluição apagaria inteiramente o rastro da passagem. Esta última deixaria de existir e de se manter minima-mente visível. O filósofo Jacques Rancière demonstrou muito bem que a arte, para gerar impacto criativo e produtivo na realidade e na vida, não pode renunciar à sua autonomia como espaço experimental e labora-torial. A essência da operação artística é de pro-duzir uma mínima visualidade, de per-formar uma mínima visibilidade, de in-stalar uma mínima aparência, de modular uma mínima aparição e expressão para que a proposta consista, insista e persista.

As práticas de grupos e coletivos, as intervenções di-tas urbanas, as performances na margem do tempo tectônico, as ações interativas, as derivas neo-situa-cionistas, as fascinantes e apaixonantes táticas de reinvenção do cotidiano etc. parecem articular suas lógicas e definir parâmetros que ajuntariam, como pano de fundo, tanto a recente “estética relacional” de Nicolas Bourriaud (anos 2000) quanto as “artes do fazer” de Michel de Certeau (1980), isto é, a articula-ção da “linguagem ordinária” e do “lugar-comum”, do “cada um” e do “ninguém”.3 Constituem encenações que convocam implicitamente o conceito de “arte política”, categoria muito complexa à qual, por falta de espaço, não podemos aqui consagrar as devidas considerações. Na história da arte recente – sem re-gredirmos até o bufão dadaísta – o movimento Fluxus representa sem dúvida uma das mais importantes ex-periências de criação, dos “modelos” de ação artísti-ca ao caráter “político”. é o que lembra o historiador walter zanini quando, ressaltando a “atualidade de Fluxus”, cita Ken Friedmann. Este declara que “Fluxus [tinha] mais valor como idéia e como potencial para a mudança social do que como grupo concreto de pessoas ou como coleção de objetos”, acrescentando que “a visão que Fluxus [tinha] da globalidade ínte-gra um enfoque democrático da cultura e da vida”.4 é fascinante ver que tais motivações, características dos anos 1960, são hoje ainda particularmente presentes no mundo da arte. No entanto, devemos perguntar se esse caráter “político” é monopólio desse tipo de prá-tica. Com efeito, será que, frente às instalações in situ,

às instalações que investem na interespecificidade dos mediums (pintura/escultura, pintura/fotografia etc.), à presença de resquícios aparentemente irredutíveis de patterns icônicos de origem pictórica e gráfica em cer-tos trabalhos digitais – precipitados ao mesmo tempo neo-arcaicos e tecnológicos do cromatismo abstrato –, às não-narrativas de algumas fotografias e de al-guns vídeos, às suas estéticas da desaceleração, da suspensão do tempo e da contemplação e às modali-dades visuais e semióticas do conceitualismo etc., não poderíamos perguntar se e por que esses trabalhos, expostos dentro do cubo branco, seriam finalmente menos “políticos” ou teriam intencionalidades menos “políticas”? é sempre importante refletir se, em certos trabalhos artísticos, o “político” não existiria também na própria articulação dos signos, sem depender de uma situação aparentemente mais próxima do con-ceito em questão, por exemplo, um contexto como a cidade, uma comunidade ou uma coletividade. Em nome de que negaríamos o caráter de serem também “políticos” à lentidão, à afirmação da imagem como correlato de uma contemplação, à transformação da imagem em suporte de meditação? Em nosso mun-do, toda imagem da desaceleração veicula uma inten-cionalidade política, porque já corta o fluxo veloz da mercadoria e os mecanismos violentos de condiciona-mento e da alienação.

No conjunto das propostas e das situações, trata-se, portanto, de diferenças e de uma “política” intra-ar-tística. A Fiat Mostra Brasil participa do mundo e do meio da arte, com a confirmação de que o desloca-mento não escapa à regulação institucional, tanto no sentido do continente quanto no sentido de que cada proposta institui algo. Para mover o grande corpus da arte, é preciso haver múltiplas táticas locais suscetí-veis. O mundo complexo e amplo da arte instituiu de maneira tão bem azeitada suas funções sistêmicas que só resta espaço, na intensidade das propostas even-tuais das quais falamos acima, para movimentos mi-crológicos. Micrologias de uma microssociedade cuja particularidade é ser constituída por seres que direcio-nam seu trabalho para o exercício crítico da liberdade. Saudável exercício. Saudável capacidade de articular propostas, de pensar seu filtro formal e processual, de não baseá-las apenas na imediatice da sensibilidade, realizando o devir-consciente necessário ao ato artís-tico dentro de um conhecimento da cultura material que a história da arte é.

3 | Ludwig wittgenstein confessava que suas investigações filosóficas da linguagem ordinária – a “prosa do mundo” – lhe davam o sentimen-to de se transformar em “selvagem” entendendo equivocadamente a maneira de se exprimir de homens civilizados. De Certeau comenta: essa posição “é aquela que consiste em ser um estrangeiro em casa, um ‘selvagem’ no meio da cultura ordinária, perdido na complexidade do bem-entendido e do bem-entender comum. E como não se ‘sai’ dessa linguagem, que não se pode encontrar um outro lugar de onde interpretá-la, que, portanto, não existem interpretações falsas e outras verda-deiras, mas somente interpretações ilusórias, que, em suma, não há saída, resta o fato de ser estrangeiro dentro mas sem fora e, na linguagem corriqueira, de ‘esbarrar contra seus limites’ (…)”, L’invention du quotidien. 1. Arts de faire, Paris, Gallimard, col. Folio/Es-sais, 1990, pp. 29-30. Qual a relação do artista com a prosa do mundo? Será que o artista, quan-do se transforma em analista de certas práticas ordinárias, não almejaria mimetizar (de) dentro da arte o “selvagem” analítico? 4 | Citado por zANINI, walter, “A atualidade de Fluxus”, ARS, revista do Departamento de Artes Plásticas, ECA/USP, ano 4, nº 3, 2004, p. 18.

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O grande corpus da arte vive precisamente de seus des-locamentos internos, o corpus global acolhendo perfei-tamente as movimentações internas. O sistema da arte é como um grande mecanismo de gravitação universal que pode ser de certa maneira manejado se as tentati-vas de “voar” nele almejarem um tipo de andadura e de energia programáticas ainda próximas – sim – daquelas que Lyotard definia em 1972 quando dizia: “o tempo está chegando de servir e encorajar as divagações, er-rando sobre todas as superfícies e fendas imediatas, enchentes de corpo, de história, de terra, de lingua-gem...”5 A arte contemporânea parece com o corpo de Osíris – o deus egípcio que renasce de seus fragmentos e da noite – flutuando entre as águas dos sentidos e o céu da análise como a jangada da medusa.

5 | LYOtARD, Jean-François, op. cit., p. 10.

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Para além do plug and play | Giselle Beiguelman

A popularização dos meios digitais na produção artística impôs a reflexão, cara ao filósofo Bruno Latour,1 sobre a necessidade de pensar novos for-

matos políticos capazes de lidar com o transitório e os arranjos momentâne-os; colocou em destaque as estratégias de compartilhamento, em detrimento das relações interativas; fomentou o debate sobre a desmaterialização da arte – mas teve alguns efeitos perversos.

Por meio do termo “novas mídias”, revalidou um paradigma incômodo das cha-madas “vanguardas” modernistas: a noção de novidade como parâmetro crí-tico de análise. Absorvendo sem critério nomenclaturas fáceis provenientes de releases “prêt-à-porter”, mistificou o binômio arte/tecnologia, conferindo-lhe um atributo de marco da contemporaneidade.

Fala-se em “novas mídias” como se o adjetivo “novo” fosse capaz de definir um repertório ou uma modalidade de criação. toda mídia, quando surge, é nova. E não é sua novidade o que implica mudança ou transformações culturais, epis-temológicas e estéticas, mas sim, como evidenciou Guattari,2 os graus de com-plexidade e pluralidade simbólica que agenciam na relação homem/máquina.

No que diz respeito ao binômio arte/tecnologia, como suficiente para identifi-car uma determinada produção contemporânea, é preciso ignorar pelo menos quinhentos anos de história e esquecer que a problematização da tecnologia no campo da arte remonta às “máquinas perspécticas” do século xVI3 e, portanto, em nada é tributária ao advento da informática e seus desdobramentos.

Diversos projetos presentes na Fiat Mostra Brasil parecem confrontar essas no-ções. Ao não ceder ao vazio de nomenclaturas do tipo “novas mídias” ou “arte/tecnologia”, obrigam-nos a pensar que esses termos escondem a dificuldade do sistema de arte contemporâneo em absorver a cultura de rede e a digita-lização do cotidiano nas suas expressões mais radicais. Afinal, são definições que pouco se prestam a uma atividade reflexiva que ponha em questão os translimites da interface, as estratégias táticas, as práticas de sampleagem e compartilhamento e os desafios da arte generativa.

Interface disforme, de Marcus Bastos, é um ponto de partida para essas discus-sões. trata-se de um vídeo interativo que disponibiliza em um terminal sons e imagens distribuídos por camadas sobrepostas, num “cluster” audiovisual em que os fragmentos reunidos resultam num todo irregular.

São entrevistas, remixes, arquivos copiados da internet e gravações de vídeo digital, além de sons criados a partir de fragmentos de fala, ruído ambiente, locuções e texturas produzidos a partir de frases de intelectuais e anônimos.

1 | LAtOUR, B., “From Realpolitik to Dingpo-litik – Or How to Make things Public” IN: Bruno Latour & Peter weibel orgs., Making things Public - Atmospheres of Democracy, zKM/MIt Press, 2005, pp. 4-32.

2 | GUAttARI, F., Caosmose – Um novo paradigma estético, trad. Ana Lúcia Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, São Paulo, editora 34, 1992, pp. 45-71.

3 | MANOVICH, L., “the Automation of Sight: From Photography to Computer Vision” IN: timothy Druckery, org., Electronic Culture – technology and Visual Representation, Ontario, Aperture Foundation, 1996, pp. 229-239.

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Ao mover o mouse sobre a tela, o interator ativa a “selva” de camadas midiáticas ali depositadas, obri-gando-nos a lidar com o caos resultante de práticas diversas e simultâneas como a pirataria, as utopias libertárias, as modalidades de rastreamento e a satu-ração de informações.

Impõe-se aí um conjunto de ambientes de fronteiras difusas que, ao permitir a navegação por sons e vídeos sobre “territórios”, “interdições”, “liberdade” e “ruídos”, desafia-nos a explorar formas de alterar e combinar imagem e som que estejam além das rotineiras experi-ências relacionadas ao uso do sampler por DJs e VJs.

Isso porque o projeto estimula a atenção à voz e ao olhar do outro. Ao construir uma trama de falas e imagens em movimento, apaga o registro autoral, em favor da pluralidade de perspectivas.

Bastos comenta:

“o acúmulo de elementos no espaço produz seu estilhaçamento (simultaneidade ao invés da se-qüência — avesso dos livros: página, página, pá-gina; avesso dos filmes: frame, frame, frame). é pelo girar de botões e pelo rastro do cursor que percorre a tela que o interator frui este ensaio em que tudo surge e desaparece de maneira inespe-rada. ou, como diria Jorge Luis Borges: ‘Não tem fim. Sabemos, sim, que houve um dia’.”

E, com esse comentário, evidencia a fragilidade de pensar que é possível refletir sobre os meios, supon-do que teriam algo a nos dizer porque são “novos”, redirecionando a discussão para a interrogação sobre as particularidades ou o estatuto distinto das mídias digitais em relação às mídias analógicas.

Uma primeira distinção reside no fato de que as mí-dias digitais lidam com originais de segunda geração. Não há perda (de definição, qualidade, aura) entre o original e a cópia.

Salve um mesmo arquivo com dois nomes no seu com-putador. Qual é original? Qual é a cópia. Nenhum, ou melhor: ambos.

A informática em si é tecnologia de replicação, clonagem. Ao mesmo tempo em que permite a produção de idênti-

cos múltiplos pela cópia do código, engendra o fenôme-no cultural e estético do “original de segunda geração”.4

Não existe perda de autenticidade no campo da arte digital, e a arte produzida para a internet leva essa afirmação ao limite extremo. O “aqui e agora” se faz pelo fluxo, no deslocamento dos arquivos pela rede.

A obra efetiva-se pela linkagem, perde a precisão de seus limites. O plágio transforma-se em uma estraté-gia recombinatória. Põe em curso uma chamada, para que se abra a base de dados cultural, a fim de deixar que a tecnologia de produção textual, sonora e visual seja usada até sua potência máxima.5

Nesse sentido, restaura a deriva dinâmica do signifi-cado que o jogo ideológico do mercado oculta sob o domínio da citação autorizada, arremessando essa dinâmica em uma rede de multiusuários e colocando agora as estratégias de recombinação e reciclagem como condição de uma “epistemologia anárquica” (Idem, ibidem).

Não se trata de uma apologia da barbárie, da apro-priação pura e simples, mas da revalidação da autoria para além de seus nexos biológicos e ontológicos, e de estratégias de redirecionamento das condições de fomento à criação e circulação do conhecimento.

Esta é a pauta que está em jogo em intervenções como Manifeste-se 2.0, da dupla Milena Sz e Mariana K, conhecida como mm não é confete, e delivery: co-leção particular, de Bruno Faria.

Manifeste-se 2.0 assume o lugar das redes como es-paço público e procura evidenciar suas relações com o espaço urbano. As “mms” constroem, no mesmo in-tuito, uma ilha audiovisual móvel para interação com o público nas ruas, utilizando um carrinho de came-lô, que tomam como objeto característico da cultura popular de centros metropolitanos. Essa ilha móvel funciona também como um aparelho de infiltração no tecido das telecomunicações, uma vez que todo o conteúdo das contestações públicas é transmitido e veiculado na internet.

Em delivery: coleção particular, Bruno Faria enfoca a contramão dos espaços de circulação da cultura e põe em evidência a banalização da arte transformada em

signo de consumo. Ele propõe aplicar seu prêmio na compra de “obras de arte” (sic) vendidas em “telelei-lões” e gravar sua negociação em vídeo, para expor, no Porão das Artes da Bienal de São Paulo, as obras adquiridas e o registro de sua negociação.

Sem concessões, ironiza o mercado de arte em to-dos os seus níveis (fetichismo da obra, dos valores de premiação, dos lugares de exposição, das formas de consumo e circulação), refrescando o que mídia tática, para além do hype, significa.

Se mídia tática é o uso da mídia e de seu potencial até o limite extremo, a incorporação intencional de seus protocolos, em um nível tão radical que leva à pró-pria quebra desses protocolos, conforme definiu Alex Galloway,6 então sua certidão de nascimento precede o artivismo em algumas décadas, deve muito a Or-son welles7 e tem em Bruno Faria um de seus nomes emergentes mais expressivos.

Orson welles, para quem não lembra, entrou para a história do cinema com Cidadão Kane, mas ficou fa-moso com A guerra dos mundos, um exercício de ra-diodramaturgia baseado no romance homônimo de H. G. wells, publicado em 1898.

Era véspera de Halloween, 30 de outubro de 1938, e os prenúncios da eclosão da 2ª Guerra Mundial, fundados no pacto de Munique, firmado um mês antes, criavam um cenário de tensão nada desprezível. Afinal, Ingla-terra e França entregavam a tchecoslováquia a Hitler e vários analistas do período alertavam que esse acordo não estancaria o expansionismo nazista. As notícias so-bre a situação européia interrompiam a programação das rádios continuamente e a incerteza sobre a postura norte-americana deixava apreensivos os ouvintes.

Nesse contexto é que o grupo de teatro Mercury, lide-rado por welles, então com 23 anos, entrou no ar e levou ao pânico mais de 1 milhão de pessoas nos EUA, provocando fugas, abandonos de lares e umas tantas quebradeiras.

welles virou notícia no país todo e, diante das pres-sões e resultados, declarou que nada havia sido in-tencional. Em 1955, contudo, em um especial da BBC (orson Welles Sketchbook), assumiria que o programa não foi tão inocente assim.

O mundo lhe parecia ser alimentado por tudo que saía daquela “caixa mágica” (o rádio, a tal da nova mídia de então) e nesse sentido a transmissão era, nas pa-lavras de welles, “um assalto à credibilidade daquela máquina” e um alerta para que as pessoas deixassem de se orientar por opiniões pré-formatadas, “viessem elas do rádio ou não”.

Em sua ação tática, Bruno, tão jovem quanto welles na época de a guerra dos mundos, decide deixar nus alguns mecanismos perversos do circuito da arte con-temporânea, revalidando o “who Is who”, o “dom”, a originalidade e fazendo picadinho (não há outro ter-mo mais nobre) das estratégias de curadoria, premia-ção, inserção e recepção das obras.

Em oposição à ironia guerrilheira dessa tendência, Ri-cardo Cristofaro pede-nos que deixemos estar. Sus-surra, cheio de delicadezas, que há muitos silêncios ainda por escutar. Com seus objetos ansiosos, relega-nos a uma imobilidade do não-agir.

Ricardo desafia-nos a ser capazes de ler a Caosmose, de Félix Guattari, demandando um espectro semiótico ampliado, no qual a subjetividade é produzida não só psicológica, social e psiquicamente, mas também por diferentes enunciados não-humanos, em módulos de intensidade variada.

Ele nos pede, num murmúrio muito audível: NãO parem as máquinas! Escutem. Elas, por vezes, têm algo a dizer.

Como no Mosaico de vozes de Martha Carrer Cruz Ga-briel (ou moZaico de voSes, como ela prefere).

trata-se de um website cuja homepage é produzida pela ação dos participantes que, ao enviarem men-sagens por telefone, são adicionados à página. Cada pastilha no mosaico representa uma pessoa. é possí-vel escutar as mensagens gravadas pelas pessoas que formam o mosaico e localizá-las pelo número do te-lefone de onde elas gravaram as mensagens. A busca permite que se encontre não só a própria mensagem, mas também todas as pessoas de uma mesma área, fazendo a pesquisa apenas pelo DDD (e deixando o número do telefone em branco).

O resultado, sempre movediço, dessa ação disforme é um corpo remoto difuso que tece outro corpo, num

4 | LUNENFELD, P., “Art Pos-History – Digital Photography & Electronic Semiotics” IN: Photogra-phy after Photography: Memory and Represen-tation in the Digital Age, Amsterdam: G+B Arts, 1996, pp. 92-98.

5 | CRItICAL ARt EN-SEMBLE, Plágio utópico, hipertextualidade e pro-dução cultural eletrônica. Distúrbio eletrônico, São Paulo, Conrad, 2001, pp. 83-100.

6 | GALLOwAY, A. P., Protocol: How Control Exists after Decentraliza-tion, Cambridge/Mass., MIt Press, 2004.

7 | BEIGUELMAN, G., “O pai da mídia tática” IN: Link-se (arte/mídia/po-lítica/cibercultura), São Paulo, Peirópolis, 2005, pp. 112-115.

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tricô de incontáveis alteridades, que se expressam e se conjugam, ou não, num mosaico capaz de lidar com as interrupções e a lógica do intervalo.

Lógica do intervalo que aparece no livro mágico de Andrei thomaz, arquiteto de interfaces labirínticas que não presumem pontos de partida nem chegada.

Seu Labirintos exibe uma das páginas de um texto se-minal na história da crítica de arte digital (“the Lan-guage of New Media”, de Lev Manovich). A página, escaneada, é dada na superfície da tela a uma leitura táctil-visual, que permite percorrê-la por meio de di-versos pequenos círculos vermelhos.

Cada círculo é acompanhado por um som em loop, sendo que a duração do loop corresponde à duração dos movimentos dos círculos (cada um possui seu pró-prio tempo de animação), explica-me Andrei.

A leitura que era, no início, exercício táctil-visual, ga-nha volume. A página torna-se escritura. À medida que os círculos vão entrando em cena, novos loops de som são executados, traçando caminhos inusitados entre as linhas, conclamando, sem desenhar, a ima-gem da elipse que Derrida8 escolheu como sinônimo do processo de leitura/concretude da escritura.

Dizia o filósofo:

“aqui ou ali, discernimos a escritura: uma parti-lha sem simetria desenhava de um lado o fecha-mento do livro, do outro a abertura do texto. de um lado a enciclopédia teológica e, segundo o seu modelo, o livro do homem. do outro, uma rede de traços marcando o desaparecimento de um deus extenuado ou de um homem elimi-nado. a questão da escritura só se poderia ini-ciar com o livro fechado. a alegre errância do ‘graphein’ era então impossível. a abertura do texto era a aventura, o gasto sem reserva.”

Visualmente, o trabalho tenta revelar o desenho for-mado pelos espaços em branco entre as palavras de uma página de texto, desenho que é um tanto labi-ríntico, e parecido com os mapas urbanos. O trabalho com o som pretende reforçar esta experiência labirín-tica, ao apresentar sons que no início possuem estru-tura reconhecível, mas que, devido à proximidade de

tessitura de cada linha melódica, se tornam cada vez menos reconhecidos individualmente à medida que a obra se desenrola.

Na segunda parte do trabalho, temos o desapareci-mento gradual das palavras da página, e a entrada em cena de novos círculos, acompanhados por novos sons. À medida que as palavras somem, o percurso dos círculos torna-se mais visível, e os sons são troca-dos gradualmente. Por fim, temos a opção de revelar novamente a página inicial, sem sons, à espera da in-tervenção do usuário, para que o trabalho recomece.

tudo sem interação. Apenas colocando em pauta um gasto de energia, que demanda um leitor capaz de operar um investimento de configuração física e men-tal, que se deixa levar pela própria imagem-aconteci-mento e compreende as regras do objeto com o qual se relaciona.9

Como na obra de arte generativa Full Fil Fulness, de Vera Bighetti. A arte generativa baseia-se em instru-ções matemáticas que agenciam rotinas, no caso de Vera, visuais, que podem correr autonomamente, ou ser alteradas pela presença do interator.

A artista aposta nessa tendência mais complexa, exi-gindo o desempenho de um “endoespectador”, aque-le que se integra a um sistema como observador inter-no,10 dotado de olhos em distintas partes do corpo, que se configura e se dá ao trabalho de ser formatado para uma experiência passageira.

Para compreender suas geometrias instáveis, é preci-so deixar-se levar por um mundo sem figuras e sem palavras, imergir, submergir e emergir de um estado de torpor que põe em xeque a anestesia dos portais e seus infindáveis “clique aqui para isso e aquilo”.

é preciso ainda tornar-se cúmplice da máquina e ceder à lógica das parcerias que jogam com a alteridade de papéis de criador e criatura, enfrentando as ambiva-lências entre o visível e o invisível, o lugar do código e o lugar da imagem, sem concessões aos repertórios meramente automáticos.

Baudrillard,11 a respeito disso, pontua:

8 | DERRIDA, J., “Elipse” IN: A escritura e a dife-rença, trad. Maria Beatriz Nizza da Silva, São Paulo, Perspectiva, 1971, pp. 73-83.

9 | AARSEtH, E., Cybertext – Perspectives on Ergodic Literature, Baltimore, the Johns Hopkins University Press, 1997.

10 | GIANEttI, C., Endo-Aesthetics (From ontological discourse to systemic argumenta-tion), 2004. Disponível em: netart.incubadora.fapesp.br/portal/refe-rencias/endoaesthetics.pdf/file_view.

11 | BAUDRILLARD, J., O sistema dos objetos, trad. zulmira Ribeiro tavares, 4ª ed., São Paulo, Perspectiva, 2002, p. 119.

“o automatismo é assim como que um fecha-mento, uma redundância funcional que expulsa o homem em uma irresponsabi-lidade especta-dora. é o sonho de um mundo dominado, de uma tecnicidade formalmente executada a ser-viço de uma humanidade inerte e sonhadora.”

Inércia que Cristiano Lenhardt põe em questão com a instalação ao vivo, constituída por um vídeo com o registro de uma bandeira. A bandeira está hasteada sobre o Copan (um dos edifícios-símbolo de São Pau-lo, mas também um condomínio pelo qual transitam milhares de pessoas todos os dias, entre moradores e passantes) e nela se lê a inscrição “Ao Vivo”. Nada mais acontece.

12 | BENtES, I., Guerrilha de sofá ou a imagem é o novo capital, 2002. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/bentes-ivana-tele-visao-guerrilha.pdf.

E, nesse não-acontecimento, iluminam-se o vazio da imagem e a aglomeração humana, o infundado do “tempo real”, entre outras variáveis que explicitam os regimes de espetacularização do cotidiano, fomenta-dos pelo consumo de câmeras e distribuição massiva de imagens.

Nesse contexto, em que tudo parece ser fabricado para registrar, maquiar e tornar público, os pseudo-fatos se multiplicam, desenhando uma arquitetura overmidiática, que Cristiano enquadra sutilmente. E com essa sutileza, faz lembrar uma chamada – que se torna urgente – feita há alguns anos pela crítica Ivana Bentes:12 é hora de iniciar a Guerrilha do Sofá. A trilha aberta por esses artistas pode ser um bom começo.

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Quem acompanhou as conversas e diálogos tornados públicos no espaço do blog criado como ante-sala da Fiat Mostra Brasil

pôde ter uma idéia das inquietações que antecederam o processo seletivo des-ta Mostra e que seguem ocorrendo.2 Conversamos sobre a produção artística contemporânea brasileira e seu contexto de difusão (formação do artista e do público) abordando a complexa situação da arte em nosso país. As políticas para a área de artes diferem entre os estados, e o sudeste do país concentra um ‘sistema de artes’ (o produtor, o comprador - colecionador ou do aficionado - passando pelos críticos, publicitários, curadores, conservadores, as instituições, os museus...”),3 que não reflete necessariamente a realidade de nossas sensíveis diferenças locais. Isto faz com que, em distintos estados deste país, tenhamos cada qual que reagir às nossas realidades e circunstâncias próprias. Observa-mos que muitas iniciativas extravasam para além de uma lógica mercantilista e fora do apoio do estado, em ações e expansões do fazer artístico. Algumas lo-grando ser efetivamente transformadoras e instauradoras de inusitadas formas de viver a arte e de ‘outros sistemas’.

A atual etapa, e diante das proposições dos trinta artistas escolhidos, nos im-põe um trabalho bastante desafiador: observar este conjunto, operar distinções quando olhamos cada obra, discernindo as passagens entre os meios, assim como as vias abertas pela informação e por obras veiculadas em rede, aproxi-mando-as das proposições realizadas em colaboração e das ações de coletivos. Como os artistas elaboram as questões internas, inerentes às suas obras, com as questões que se relacionam aos contextos de vida e aos modos de organiza-ção e difusão de suas produções no Brasil hoje? Na seqüência deste texto darei continuidade àquelas conversas para expandir e compartilhar a experiência de curadoria, assim como para compreender o que juntas problematizam.

Processos artísticos como pesquisa

Chamaremos de arte como pesquisa o estabelecimento de regras sensíveis e de objetivos que se apresentam primeiramente como uma necessidade para o artista, e a situação na qual a análise do que ocorre entre as obras em processo o auxilia a definir os caminhos para o seu fazer. Isso implica num olhar mais amplo sobre o que vem a ser a prática artística, levando em conta a movimentação que o artista produz, as linguagens convocadas e o conjunto de motivações que articula.

Esta exposição traz à cena um recorte significativo da utilização da fotografia na arte brasileira. As especificidades do meio sendo exploradas pelas poten-cialidades analíticas da captura são um traço comum a algumas pesquisas que detalharemos na seqüência.

Um texto para um contexto: Fiat Mostra Brasil | Maria Ivone dos Santos

Vive-se em algum lugar? Em um país, em uma cidade deste país,em um bairro desta cidade, em uma rua deste bairro, em um apartamento deste prédio.(...)o espaço está em dúvida: é preciso incessantemente que eu o marque, que o designe; ele nunca é meu, ele nunca me foi dado, é preciso que o conquiste.1 | Arthur C. Dantho

1 | PEREC, Georges. Espèce d’espace, Paris, Galilée, 1974, p.122. (tradução de Mariana Silva da Silva). http://blogearte.blogspot.com 2 | CAUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução, São Paulo, Martins, 2005, p. 15.

3 | CAUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução, São Paulo, Martins, 2005, p. 15.

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Mariana Silva da Silva, com fina propriedade, nos in-troduz a essa questão com seu trabalho À distância (Elétrico): “tocar com a ponta dos dedos e com as pal-mas das mãos, tocar as fronteiras rarefeitas, contem-plá-las e observá-las. tentar alcançá-las e contatá-las. Capturar esse contato, apresentá-lo, se possível. Fixar o volátil? À distância (Elétrico) mapeia o percurso de uma situação de fronteiras do contato através de sua apresentação fotográfica. O trabalho consiste de duas fotografias dispostas lado a lado em uma parede, de forma que haja uma espécie de movimento de um mesmo fato”.4 Contemplar esses pontos de contato: a fotografia como meio de retenção de um instante e de descrição da diferença sutil entre dois enquadramentos de uma ação meditada. Quem está por trás da imagem e que pensamentos e premeditações culminaram nes-sas tomadas? A artista aqui expõe não somente uma captação, mas os resultados de um gesto deliberado, pois protagoniza a ação figurada. Discute com o para-digma do instante decisivo, e demonstra, sem dizê-lo, a existência de um dispositivo de registro e de um certo enquadramento. Pratica o contato consciente de que se encontra ao mesmo tempo dentro e fora do seu fazer.

Podemos reconhecer essa mesma atitude investigati-va nas proposições de Fabiana wielewicki. Em 2ª na-tureza: 8º andar, trabalha seguindo um protocolo. A fotografia a auxilia, neste caso, a desenvolver a articu-lação dos temas que lhe são caros: o enquadramento e a paisagem. Esta série de imagens, colocadas lado a lado, exibe uma movimentação da artista diante de sua janela, ora incluindo no enquadramento uma pintura, ora incluindo outra. Parece demonstrar o que ocorre neste jogo: uma paisagem idealizada, um lugar comum da paisagem e a cidade como pano de fundo. Em um texto recente, Fabiana discorre sobre o que costuma pautar suas proposições: “Elaborar algumas diretrizes – pequenas regras – traçadas para organizar e conduzir etapas”. Segundo ela, essas regras permi-tem “organizar as etapas de trabalho, mantendo uma relação intrínseca que estrutura conceitos e soluções formais no processo artístico”.5 Se pudermos deduzir o jogo por ela lançado nesta série, veremos que esse sistema de enquadramentos e de reenvios introduz também o espectador, virtualmente incluído na cena no ‘enquadramento’ de uma exposição. (Vide pág. xxx)

Katia Prates segue a via de uma fotografia mais ana-lítica, que vai, porém, convocar questões sempre pre-

4 | SILVA DA SILVA, Mariana. Superfícies do contato: fronteiras e espaçamentos. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Instituto de Artes, UFRGS, Porto Alegre, 2005.

5 | wIELEwICKI, Fabiana. Investigações fotográficas: paisagem programada. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Instituto de Artes, UFRGS, Porto Alegre, 2005.

6 | VINCI, Leonardo Da. tratado de la Pintura, Buenos Aires, Editorial y Librería Goncourt, 1975.

7 | MONIER, Geneviève. Brève histoire de bleu. Artstudio, n° 16, Monocrome, Paris, 1990, p. 36. Neste texto a autora faz um apanhado de obras envolvendo a cor azul, de Giotto à artistas mais contemporâneos, como Yves Klein que patenteou seu azul IKB.

8 | Projeto vermelho, de Luis Roque Filho, instalação produzida para a exposição homônima (2006). Curadoria de Marcos Sari e Ricardo Barberena,

sentes na prática da arte. Apresenta-nos diante de dois grandes formatos, paisagem: dia / paisagem: dia. Estas imagens de 2003, cujas ampliações resultam do pro-cesso analógico, integram séries fechadas e enquadra-mentos de céu ou da paisagem. Ampliadas nesse for-mato monumental, os dois monocromos incitam-nos igualmente a um sutil jogo de diferenças entre azuis. São instauradores de um tipo de relação sensível pro-duzido em presença dessa cor. Isso faz com que esque-çamos por instantes que estamos diante de fotografias e nos perguntemos: o que é o azul? Esta vasta questão se apresenta novamente, transitando entre meios e lin-guagens, ao longo da história da arte. Lembremos dos imensos planos de imaterialidade que tanto motivaram Giotto(1266-1337), da cor que fugia diante dos olhos atentos de Da Vinci(1452-1519),6 que tentava em vão fixar na tela um céu em constante alteração cromática. Bachelard, citado na ‘Breve história do azul’ de Gene-viève Monier, nos esclarece um pouco sobre a emoção do azul: “Primeiro não há nada, depois vem um nada profundo, em seguida há uma profundidade azul”.7 A cor em questão sendo analisada por sua potência en-quanto fenômeno. (Detalhe acima a esquerda)

Luis Roque, num vídeo realizado na fortaleza de Cam-bará do Sul, no Rio Grande do Sul, espaço natural caracterizado por sua vastidão e silêncio, parece tra-balhar também sob o impacto de uma cor8. A instala-ção projeto Vermelho mostra o artista acionando um sinalizador que dispersa uma nuvem de pigmentos vermelhos na paisagem. O vídeo exibe a magnitude dessas paragens marcadas pela presença da nuvem de cor que emerge do centro do enquadramento da ima-gem pela ação do artista. Luis se insere igualmente no interior de seu enquadramento e, seguindo a mesma preocupação de Katia, explora no espaço expositivo a imersão produzida pela imagem projetada num for-mato de cinema, que ocupa um plano da instalação. Centra-se na denotação cultural e simbólica desta cor e nos coloca, pelo seu gesto de passagem, diante da potência do vermelho. (Veja acima imagem - Céu)

Se nos ativermos aos aspectos físicos da cor verme-lha, poderemos observar que a mesma possui uma extensão sobre o plano visual. Segundo Schefer, “O vermelho da pintura (de quase toda a pintura) não faz o corpo das coisas vermelhas: ele as faz vir o mais pró-ximo da superfície. De que superfície? Da superfície que nós nos tornamos quando olhamos o vermelho.

Galeria da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, Instituto de Artes da UFRGS, Porto Alegre, RS. Essa exposição reunia outras proposições e foi acompanhada de um ciclo de palestras discutindo distintos enfoques da cor vermelha na arte contemporânea. Disponível em: www.ufrgs.br/galeria/ANO2006_1.html.

9 | SCHEFER, J. Louis, Quelles sont les choses rouges?, Artstudio, n° 16, Monocrome, Paris, 1990, p. 19.

10 | Dados colhidos em entrevista que realizei com o artista em outubro de 2006.

E estas coisas dispostas em vermelho não agem, não se anunciam, elas dizem: Isto!”9 O efeito sonoro que acompanha o desenrolar da imagem no vídeo de Luiz Roque Filho parece colaborar com essa indexação cro-mática. Entramos em um universo de imagens espa-çosas e este trabalho poderia inscrever-se igualmente em uma ‘história do vermelho na arte brasileira’, da qual nos vêm rapidamente ao espírito a instalação desvio para o vermelho, de Cildo Meireles (1968-84), as fotografias da Série Vermelha (2001), apropriadas e ressignificadas pela cor por Rosângela Rennó, as-sim como outras obras cinematográficas que tanto alimentam o imaginário de Luis Roque.

N’o Sonho de Constantino, vídeo de Felipe Cohen re-alizado em colaboração com Daniel trench, encontrei características coincidentes, no plano estético, com algumas das mencionadas acima. Neste formato de janela, o vídeo parece induzir a uma parada. Quere-mos ver o que há atrás dessa cortina, o que nos obriga a parar diante dela. A imagem é que “nos escolhe”. Pude entrar nos meandros dessa proposição, cuja len-tidão parece contribuir para uma atitude mais contem-plativa. Perguntei ao artista como ele via esse aspecto ligado a uma contemplação do mundo e ao restabe-lecimento de certa distância de produções mais ruido-sas que trabalham a linguagem do vídeo. “Contem-plar no sentido filosófico do termo. A paisagem deve ser entendida como símbolo de algo maior e o sujeito, alguém que a contempla e procura desvendá-la e de-cifrá-la. Essa relação com o mundo, ou seja, a variação de uma postura contemplativa na qual você aceita o mundo com seus mistérios e contradições. Acho que é a partir dessa vagareza, desse tempo que não nos distrai, que a paisagem nos evoca para pensarmos so-bre sua presença e principalmente a estranharmos.”10

Fiquei interessada em saber mais sobre a retomada de um tema tratado por Piero della Francesca, mas des-locado do contexto da pintura. Perguntei ao artista se seu sonho (e de Daniel) remetia ao figurado naquela pintura do século xV (il sogno di Constantino, Piero della Francesca, Basílica de San Francesco, Arezzo, ca. 1455). “O título da obra veio depois do trabalho. Esta-va folheando um livro de história da arte quando me deparei com a imagem da pintura o sonho de Cons-tantino. O que me chamou a atenção primeiro foi a própria imagem da pintura de Piero della Francesca, na qual o elemento mais forte é a tenda entreaberta onde Constantino dorme, e que formalmente se as-

semelhava muito ao vídeo. Acima da tenda, um anjo vem anunciar ao imperador a vitória na guerra caso ele se converta ao cristianismo. Ou seja, existe aí a idéia da revelação. A verdade, no caso dessa imagem, entra pela abertura da tenda. Achei que tinha aí um paralelo rico com nosso vídeo, no qual algo também é revelado: uma paisagem.” (Detalhe a direita)

Estas e outras pesquisas aqui apresentadas trabalham a idéia de suspensão, utilizando a fotografia e o vídeo. Colocando-se diante do embate com a prática, os ar-tistas apreciam o envolvimento proporcionado por es-ses meios na construção de suas imagens.

Observamos a recorrência do interesse pelo gênero retrato e pela paisagem, por meios deliberadamente mais lentos; a pintura, por exemplo. Leonora weiss-mann propõe-nos dois grandes retratos que deno-mina Retratos de Leopoldina e dudu Nicácio sobre a mesma paisagem. Busquei saber mais sobre o envol-vimento da artista com a pintura, pois, para muitos, pintar é “quase” um sinônimo de fazer arte. Obtive a instigante colocação: “(...) a pintura se transformou e ganhou nova dimensão, se tornou mais corajosa. Na verdade, após essa profusão de novas práticas, não é possível olhar para a pintura na história da arte com os mesmos olhos. E isso é maravilhoso: o presente modi-ficando nosso olhar para o passado”.

Se considerarmos que ela nos diz na seqüência, que uma pintura se complementa na outra, vemos como a prática do ateliê guarda para ela sua potência de labo-ratório e de oratório. O atelier como lugar de um em-bate entre o artista, seu cotidiano e seu mundo, numa ação continuada, física, que encontra, habita e desloca-se sobre um suporte e continua em outra pintura. “No caso dos trabalhos selecionados, isso se torna um pou-co mais específico. Dudu Nicácio e Leopoldina, músicos parceiros e amigos, foram retratados e passaram a fazer parte dos corpos-paisagem. Seus corpos se estruturam na pintura a partir de uma paisagem lúdica, que finge ser a mesma, mas que, quando se torna pintura, mul-tiplica-se. Fico me perguntando: seus corpos estão so-bre a mesma paisagem? Seus corpos são a paisagem? Ambos se fazem pintura, os corpos e as paisagens, e ambos são paisagem, a pintura e os corpos. O corpo externo à imagem, que observa, é responsável por esse infinito, o torna possível. São corpos ilusoriamente eter-nizados por um ponto de vista que é múltiplo.”

O sonho de Constan-tino, imagem da pin-tura de Piero della Francesca

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Rodrigo Freitas recorre aos grandes formatos em suas pinturas, nas quais organiza um criterioso jogo sele-tivo de temas retirados do seu cotidiano na grande cidade (Belo Horizonte), partindo de uma pesquisa anterior com desenhos e fotografia. “Interessa-me o fluxo constante da cidade, seu incessante ciclo de destruição e reconstrução e, conseqüentemente, a convivência de diferentes tempos (passado e presen-te) num mesmo local. Comecei a investigar lugares e elementos urbanos que causavam estranhamento e distanciamento à maioria das pessoas. O aspecto sublime da paisagem me interessa. Essas idéias se tornaram mais consistentes a partir das pinturas que representam um viaduto e o chão de uma praça. O processo de feitura da pintura (têmpera em grossas camadas) de certa forma dialoga com esse ritmo de construção da própria cidade, em que as camadas de pigmento se sobrepõem e velam imagens anteriores. Embora nasçam da fotografia, não busco nas pinturas uma fidelidade fotográfica. Ao contrário, a fotografia é um estímulo inicial e as paisagens pictóricas se cons-troem no próprio fazer, com as sucessivas camadas de tinta.”

Exalta-se aqui o envolvimento dos artistas em seus distintos processos de trabalho, cuja revelação tornou possível sinalizar a recorrência de interesses e temas.11 Vimos que possuem em comum uma pesquisa metódi-ca, que se estende do fazer à exposição e aponta para uma consciência maior de seu papel. Percebemos que muitos seguem reatualizando, por distintos meios, te-mas fundamentais na história da arte: a contemplação do mundo, a paisagem, as meditações. O espaço de vida surge como tema e aparece, em algumas obras, desvendando outras questões problemáticas de seus cotidianos, como se pôde constatar nas pinturas de Rodrigo e de Leonora, assim como nos vídeos e foto-grafias. (Vide pág. xxx)

Passagens entre meios

Os artistas, desde o início da modernidade e do apa-recimento das imagens técnicas, vêm produzindo deslocamentos entre meios e agregando, por meio desta mobilidade, elementos e diferenças em suas práticas: da fotografia à pintura; da fotografia para a gravura; da pintura para a escultura; da escultura para

a web arte; da pintura para o vídeo e cinema. Para além do meio escolhido, o que se joga nestes casos são questões que confirmam as atitudes investigativas dos artistas, ou seja, a busca de amadurecimento de uma prática calcada na observação de fenômenos de passagem. Esses artistas parecem perguntar-se: o que ocorre quando desloco uma situação de um contexto a outro? Isso dentro da prática de ateliê ou na passa-gem de contextos de veiculação.

Os tapumes que Henrique Oliveira nos apresenta nes-ta mostra, uma instalação in situ, foram feitos pela aplicação de camadas de lâminas de madeira com-pensada sobrepostas no plano modificado da parede do porão da Bienal. A obra coloca de maneira exem-plar a questão da passagem entre meios. A história da arte do século xx, suas invenções e transgressões, nos permitem hoje retraçar a ampliação efetiva da prática artística, questão iniciada pela inclusão de procedi-mentos alheios à pintura, como as colagens. O muro que nos propõe Henrique Oliveira expõe as texturas da matéria utilizada e apresenta efeitos visuais impres-sionantes, que nos dão a sensação de estarmos diante de um corpo vivo, que incha e se retrai. O artista dis-cute e se bate com esse “plano” de intervenção, um plano da pintura, inicialmente. Parece consciente que está diante de um terceiro termo, mesmo se mostra apego às referências do gênero do qual partiu e que lhe serve de parâmetro de análise.12 tapume convi-da-nos porém a refletir sobre o que ocorre quando a obra adere ao espaço expositivo e, por conseqüência, o transforma. Pede que a analisemos nos contextos nos quais é apresentada, pois nesse embate parece ganhar organicidade, aparecendo criticamente ao pú-blico como um corpo estranho.

A conjunção da obra com o seu local expositivo é igualmente colocada por Rodrigo Borges, que dialo-ga com as características inerentes desse espaço (ti-pologia, morfologia, fluxos) para com elas desenhar e demarcar intervalos. torna cada proposição parte indissociável dessa arquitetura, acentuada pela tensão provocada pela fragilidade do material empregado: fitas adesivas. Ambas as práticas, de Henrique e de Rodrigo, se fazem a partir da pintura e do lugar es-pecífico, dialogando e propondo inusitadas relações perceptivas, ambicionando e dando continuidade a uma problemática retomada por inúmeros artistas, da arte total de Kurt Schwitters, com a sua obra MERz-

BAU (1920),13 às pontuações de Daniel Buren (1968 até nossos dias).14 (Vide pág. xxx)

As questões do trânsito entre meios aparece distin-tamente nos objetos ansiosos de Ricardo Cristofaro, que passa da prática escultórica para a modelagem digital. Nesta instalação ele propõe a projeção de ani-mações de objetos, onde algumas funções são priori-zadas, que guardam aspectos que lembram os objetos manufaturados.15

Em Refeitório, Marcelo Moscheta opera a passagem de uma imagem de um meio para o outro. O artista observa o que ocorre quando transpõe uma fotografia apropriada de arquivo para a gravura, pacientemente analisada no que diz respeito às suas qualidades tonais. Partindo deste formato portável, busca reencontrar as dimensões originais da cena. O meio escolhido pelo artista é a gravura. Quem conhece este procedimento de reprodução pode medir a tarefa.16 O fazer artístico aqui tem o seu sistema interno centrado na questão da passagem e da transcrição da imagem do refeitório e na devolução da mesma, como uma cena, ao local da exposição. As pequenas parcelas tonais são montadas lado a lado, como um mosaico, buscando reconstituir o efeito tonal da imagem original. Refeitório parece desvendar uma preocupação do artista em elaborar o descarte de nossa sociedade em suas mais diversas for-mas. O que o levaria a passar tanto tempo na realiza-ção de uma obra se não o envolvimento com uma cer-ta resistência ao desgaste de imagens abandonadas?

Daniel Escobar apresenta dois grandes formatos – sé-rie perto demais: permeável i e permeável ii –, inscritos na categoria pintura. trama os suportes, resíduos de outdoors também recuperados de campanhas publi-citárias com seus gestos de interferência. Ao perfurar obsessivamente a superfície desses papéis, produz costuras visuais, cerziduras e rendas, nas quais as ima-gens sobrepostas criam outras tramas, fazendo com que o que está figurado numa camada do fundo apa-reça na superfície. A delicadeza e a fragilidade destas folhas são algo incompatível com o imenso painel que mobiliza nossa atenção. Aqui, uma vez mais, os re-síduos de imagens publicitárias são ressemantizados por um tempo dos gestos lentos, e por um real envol-vimento do artista com o seu fazer. A questão técnica e dos materiais artísticos cede, neste caso, lugar a uma coreografia de gestos que faz obra. (Vide pág. xxx)

O lugar expositivo face aos veículos da arte

Diante da profusão de meios artísticos e de modos de recepção igualmente variados, parece importante tratar das distinções que se operam entre as obras no espaço expositivo. Como cada obra se propõe como uma zona de compartilhamento e que modos de re-cepção implica? Como ganham nexo? Se no caso da instalação, vemos que o artista busca recriar uma zona de visibilidade para suas imagens mentais, como em outras práticas da arte contemporânea é reposi-cionada a questão do contato entre o pensamento do artista e seu público?

Vejamos como abordar o livro de artista, a web arte, as ações que agenciam registros de informação e de difusão e as que tratam da questão ética de tornar público um trabalho, sem exclusão de meios. Pode-se detectar nestas atitudes um movimento e uma von-tade do artista de abrir outras vias expositivas, con-trapondo-se à hegemonia do cultural e ao poder das mídias da comunicação?

O Brasil apresenta um incremento de aparelhos de comunicação e de computadores domésticos conec-tados em rede. Se não podemos ainda medir as con-seqüências desta rede para a criação, desmistificação e democratização do circuito da arte, vemos que os artistas dela têm se apropriado muito rapidamente. A internet tem potencializado a energia de trocas de informação e é hoje também um canal de veiculação de trabalhos de arte. Abrindo-se para o contrafluxo de opiniões e de interações, ela segue sendo esse ri-zomático espaço de conversas e assume-se, em certas circunstâncias, como lugar expositivo. Poderíamos, como se aventura Anne Cauquelin, levantar outro caso, o significado dos Sites artísticos17 como espaços de trocas entre artistas e como zonas de compartilha-mento de suas produções.

Uma expressiva parcela dos selecionados tensiona o aparato expositivo, o museu e as curadorias, conside-radas instâncias de sacralização para a arte. Artistas que se identificam com o espaço da web, assim como os que desenvolvem ações em contextos urbanos, individualmente ou em coletivos, estão interessados em implicar um outro público. Ampliam considera-velmente a questão sobre os modos de veiculação de

11 | As falas dos artistas trazidas a este texto foram colhidas através de entrevistas endereçadas por e-mail entre os meses de outubro e novembro, coincidindo com o processo de escrita deste texto que efetivamente se alimentou dessa interlocução. Buscaremos disponibiliza-las na íntegra no site: www.ufrgs.br/artes/escultura, no qual recolho as informações que concernem à minha participação neste processo de curadoria, como uma das ações do Programa Formas de Pensar a Escultura, DAV-Instituto de Artes da UFRGS.

12 | OLIVEIRA, Henrique, Matéria e imagem, ARS, Revista do Departamento de Artes Plásticas, n. 6, ano 3, 2005, pp. 66-77. Neste artigo recentemente publicado o artista desenvolve a existência de um fio condutor que mostra a passagem da pintura por várias provas que culminam nas novas ações artísticas. Parece haver um interesse na retomada de um olhar a partir deste gênero para reposicionar às questões colocadas pela diversidade de práticas e gêneros.

Imagem de detalhe da obra de Rodrigo Borges

13 | KLüSER, Bernd, HEGEwISCH, Catarina, (traduzido para o francês por Denis trieweiller), L’Art de la exposition. Une documentation sur trente expositions exemplaires du xxe siècle, Paris, Edition du Regard, 1998. No artigo dedicado a analisar o espaço dos abstratos de El Lissitzky, Beatriz Nobis levanta a importância da obra de Schwitters que se aplicava a estabelecer uma relação obsessiva com os espaços nos quais se inscrevia.

14 | DUARtE, Paulo Sergio (org.), Daniel Buren: textos e entrevistas escolhidos (1967-2000), Rio de Janeiro, Centro de Arte Hélio Oiticica, 2001.

15 | http://www.artes.ufjf.br/cristofaro/ 16 | As técnicas, água-forte, água-tinta e da ponta seca possibilitam a exploração de nuances de tom e qualidades de linha bastante sofisticadas. Integram o conhecimento da gravura em metal. A imagem final é obtida por entintagem e impressão da matriz trabalhada.

17 | CAUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução, São Paulo, Martins, 2005, p. 159. “A idéia que está por trás dessa instalação em rede é a organização de um local para o encontro de artistas, para a troca interativa de projetos em curso, para a construção de uma obra comum, na qual possam intervir os ‘supostos’ utilizadores, que acabariam se tornando os verdadeiros artistas.”18 | Depoimento

Imagem de detalhe bem aproximado da obra do Daniel, na qual aparecem os furos.

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suas poéticas e em alguns casos retornam ao museu, pois é a partir desse lugar que se segue produzindo discursos de discernimento do público. Segundo An-drei thomaz, um dos artistas selecionados, “os traba-lhos de web arte acabam atingindo pessoas que não fazem parte do público de arte contemporânea. Mas me preocupa que os trabalhos não sejam percebidos como produções artísticas. Por mais que alguns artis-tas considerem o sistema artístico um aparato institu-cional desnecessário, me parece importante que eles sejam vistos dentro do contexto da produção artística, e que pontos de contato com outras produções, sejam contemporâneas ou de séculos anteriores, possam ser identificados e estabelecidos pelos fruidores”.

Ao lado de pinturas e obras prontas, encontramos na exposição proposições e projetos envolvendo registro e transmissão e implicando outros tipos de deslocamen-to, virtuais e reais. A função deste espaço se altera. A exposição torna-se uma zona de compartilhamento da diversidade, que não anula as diferenças constitutivas de cada uma das proposições, mas que, ao contrário, propõe ao visitante um exercício de discernimento. tal como está sendo posta a questão, essa compreensão contribui para entender que o papel de espectador diante de formatos expositivos mudou muito, pois ali ele pode ser passivo ou sujeito deliberante. A expo-sição da arte contemporânea apresentando-se como um sofisticado sistema de múltiplos modos cognitivos de recepção. (Vide pág. xxx)

Convocando estes paradoxos, o trabalho de Bruno Fa-ria, delivery: coleção particular, pontua com fina iro-nia a situação banalizada pelas mídias, na qual qual-quer um pode adquirir uma obra de arte pela televisão a partir de sua própria casa. Ele adquire uma pintura, que dispõe lado a lado com o registro videográfico do lance, para quem quiser conferir. Centra-se no que efetivamente está querendo mostrar, inscrevendo esse conjunto de operações, um apontamento político de uma situação pinçada no cotidiano, no prêmio Fiat Mostra Brasil.

“Meus trabalhos estão em suportes distintos, come-çando no desenho, passando pela escultura e mi-grando para qualquer outro tipo de mídia que seja necessária. Cada trabalho pede um suporte por uma necessidade específica. Mas o que os trabalhos têm em comum é uma reflexão, um questionamento que,

na maioria das vezes, pode ter uma leitura como um apontamento político, por querer mostrar alguma si-tuação para o outro, algo que esteja no nosso cotidia-no.” O artista aposta no ato de “exposição do siste-ma”, que permite que uma pintura adquirida em um leilão televisivo integre uma proposição sua, para com ela produzir um estranhamento crítico que, por sua vez, expõe problemas mais amplos. (Vide pág. xxx)

Já Fabíola tasca exibe numa parede a lista de leito-res do livro Escritura, produzido por ela, e fruto de “uma dinâmica de relações interpessoais”. O livro não se encontra no espaço expositivo propriamente dito. Segundo a artista, a experiência da obra ocorre no deslocamento e no espaço entre dois pontos: “Não se trata de proceder com vistas a equacionar uma apreensão completa, totalizante, mas de investir em salientar a dimensão de incompletude. Daí o deslo-camento entre os espaços, entre as etapas às quais o leitor é conduzido/convidado. Ao convocar estratégias algo anômalas em relação a uma concepção da arte como ‘revelação da subjetividade’, talvez o trabalho diga que isso de subjetividade só existe no entre.” Fa-bíola pensa no formato “exposição” como lugar para endereçar um convite, vivendo-o como instância que “remete” a outra experiência que ela deseja compar-tilhar: “A galeria e o tempo de exposição funcionam como um momento de publicização de contatos par-ticulares (quase um outdoor, quem sabe...), enquanto a biblioteca e o possível encontro do leitor com o livro funcionariam como uma conversa ao pé do ouvido, do tipo que se pode ter em uma biblioteca, onde se supõe que a gente fale baixinho”.18 Ao divulgar o cír-culo de leitores dessa obra, a exposição torna-se o lugar desse circuito de relações, ficando ao visitante a iniciativa de integrar-se ou não a essa comunidade de leitores.19

Já no caso do trabalho indutor de percepção cotidia-na, de Marianne Rotter, o livro parece ser o lugar do contato irredutível entre o público e a sua experiência. Mas ela aposta na estratégia de disseminá-lo anoni-mamente em alguns pontos de apoio pré-determina-dos da cidade de São Paulo. Na exposição, ele estará ao lado de outras proposições, em meio a linguagens, apontando sobre a irredutibilidade dessa forma de contato mais intimista e que busca um leitor e uma posição de leitura. No volume apresentado, ela reco-lhe e organiza fotografias de seu cotidiano, recortes

de seu dia-a-dia em Porto Alegre. Interessa-lhe traba-lhar o agenciamento de narrativas visuais instauradas pelo encadeamento das imagens fotográficas na pá-gina, entre páginas, assim como explorar o gesto de folheá-lo. Segundo Paulo Silveira, estudioso das nar-rativas de artistas que utilizam a fotografia no livro, “A palavra-chave que une livros tão especiais talvez seja o nexo, que pode ser o vínculo ou a relação de partes entre si, ou da parte com o todo, ou do evento e sua circunstância, mesmo que qualquer variável seja abs-trata, impalpável. Este nexo, partido de um dado pro-pósito, irá constituir o sistema formador do livro. A fo-tografia não estará ali passivamente”.20 A questão que se coloca neste caso é que certas imagens fotográficas “vivem melhor” na intimidade de um livro do que em uma exposição, desconectadas de sua ordem.

Para Grilo, de Raquel Stolf, por exemplo, o espaço expositivo é o lugar literal de estacionamento de bi-cicletas preparadas para que o “usuário” faça uma de-riva pelo Parque do Ibirapuera ou no seu entorno. O trabalho se dá em movimento e a artista nos propõe uma imersão poético-crítica, embalada pela sonori-dade invocadora do contexto rural. “Esta proposição integra o projeto FoRa [do aR], desenvolvido desde 2002, constituindo a primeira faixa de um CD-objeto com proposições sonoras que podem se desdobrar em intervenções urbanas, microintervenções domés-ticas, inserções em rádios, instalações, vídeos, obje-tos, textos e imagens.”21 Raquel introduz um modo de deslocamento da sua proposição em direção aos espaços da vida, aos quais, a cada dia mais, os artis-tas parecem dirigir-se para intervir.22 Como em uma aventura, continuemos a perseguir a arte pelo cami-nho que ela nos indica, numa condução cuidadosa dos fatos, para evitar atropelos em seus fluxos, pois nesses lugares entramos em outros sistemas, comple-xos e movediços.

Ações coletivas e o espaço relacional

O que pode a arte?23 Fixo-me particularmente nesta questão levantada por Suely Rolnik no texto Geopo-lítica da cafetinagem, pois alguns projetos seleciona-dos para a Fiat Mostra Brasil discutem com proprieda-de aspectos da realidade social brasileira. Pensemos juntos sobre a expansão do campo de ação da arte,

para além das mapeadas nesta Mostra, mas tomando como ponto de partida as proposições coletivas aqui apresentadas. (Vide pág. xxx)

Observemos de que forma dois coletivos e dois trabalhos autorais interceptam os funcionamentos da vida social.

As ações públicas do Grupo de Intervenção Ambiental (GIA) conclamam uma apresentação pormenorizada. o Caramujo é uma estrutura de base, realizada com lonas plásticas amarelas, e que se adapta a lugares e situações as mais inusitadas, podendo ser amarra-do a uma grade do passeio, numa calçada ou entre árvores de um parque. Nesse abrigo, instala-se provi-soriamente uma sede de interações com os passantes, naturalmente atraídos pelo espírito festivo do coleti-vo. As propostas destes artistas, que vivem, estudam e trabalham em Salvador, são embaladas por percus-sões e seguidas pelas máximas publicadas na base de seus panfletos programáticos: Confie em suas ações.

Fila, por exemplo, é uma proposição um tanto nonsen-se. O grupo percebe a facilidade com a qual as pesso-as entram em condicionamentos sociais ao examinar como se forma uma fila e o que ela gera como campo de relações. Colocam-se em linha e rapidamente os passantes se postam atrás, para ver, por exemplo, o pôr-do-sol de Salvador. Os artistas observam e apon-tam suas contradições, divertem-se retirando esses condicionamentos de sua função para provocar ou-tras cenas em outros contextos.

Em outra proposição, Não é propaganda, organizam-se e saem às ruas de Salvador empunhando cartazes sem mensagem, na sua pureza original de plástico amarelo. Por meio dessa apropriação dos meios e dis-positivos de mídias publicitárias, eles se exibem for-mando uma festiva manifestação monocromática. Os retângulos amarelos pontuam o espaço urbano por onde passam. Ao acercar-me dessa proposição, em particular, não posso deixar de lembrar a referência que ela evoca: os Núcleos de Hélio Oiticica e sua má-xima, o museu é o mundo. Retive de Pedro, um dos integrantes do Gia, a seguinte observação: “Os traba-lhos não existem sozinhos. Eles só existem com um contexto”. Em Salvador, o grupo escolhe o contexto do Carnaval, quando as pessoas estão mais dispo-níveis e flexíveis.24 Mantém-se como grupo, mas as formas de inserção de suas proposições lhes deman-

colhido por e-mail datado de 06/10/2006, respondendo a uma questão por mim colocada. MI: “Como pensar a exposição dessas proposições, visto que o objeto está sinalizado pelos leitores, mas ausente do contexto expositivo. O que tu realmente apresenta?” Ft: “Assim, acho que o mais importante a ser fixado seria a questão do convite, uma vez que isso está presente em todo o processo, o convite ao Sabá, o convite aos leitores que contatei, o convite aos visitantes da galeria. todos esses convites implicando em um trabalho de leitura daquele que o aceita, que é também o trabalho de ter que se deslocar por Diamantina, ter que ir ao correio, ter que ir à biblioteca.”

19 | Extraído do projeto avaliado pelos curadores da FMB: Fabíola tasca, Escrituras, 2006. “‘Escritura’ é, portanto, o título desse livro que narra o meu encontro com Sabá, bem como as situações configuradas a partir de então. ‘Escritura’ é também o título do procedimento de circulação desse livro que, desde janeiro de 2003, venho oferecendo a alguns leitores. O livro segue acompanhado de uma ficha de leitura na qual os leitores que autorizam a exposição de seus nomes registram suas assinaturas. (...)”20 | SILVEIRA, Paulo,

A fotografia e o livro de artista. In: SANtOS, Alexandre; DOS SANtOS, Maria Ivone (orgs.), A fotografia nos processos artísticos contemporâneos, Porto Alegre, Unidade Editorial da Secretaria Municipal de Cultura/Editora da UFRGS, 2004, p. 150.

21 | http://www6.ufrgs.br/escultura/fsm2005/intervencoes.htm. A intervenção sonora Grilo consistia em veicular em carro de som o áudio de um grilo, em fins de tarde, em trajetos do centro de algumas cidades. Foi realizada no dia 30 de janeiro entre 18 e 20 horas, no entorno do Parque da Redenção em Porto Alegre, durante o V Fórum Social Mundial de Porto Alegre em 2005. Este trabalho foi reapresentado com a versão documentação no Salão de Joinville e em outras ocasiões.

22 | HUCHEt, Stephanne, “Osíris contemporâneo”, em artigo integrante desta publicação, apresenta o argumento de que estas proposições integram um campo gerado pela arte, seguindo um espírito Fluxus.

23 | ROLNIK, Suely, Geopolítica da cafetinagem. In: SCHüLER, Fernando e Axt, Gunter, Brasil Contemporâneo: crônicas de um país incognito, Proto Alegre. Artes e Ofícios,2006, p. 319-334.

24 | Entrevista de 24 páginas, publicada na íntegra no criterioso estudo realizado por Fernanda Carvalho de Albuquerque. Dissertação de mestrado em História teoria e Crítica, orientada pela Profa. Dra. Blanca Brites e defendida em julho de 2006, no PPGAV do Instituto de Artes da UFRGS em Porto Alegre, 2006, p. 251.25 | COCCHIARALE,

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dam conversas circunstanciadas, conforme a questão acima enunciada. Na Fiat Mostra Brasil, o Gia enfren-ta o desafio de acampar seu caramujo em São Paulo, testando as diferenças sociais e conjunturais de ocu-pação de espaços escolhidos na maior metrópole da América Latina.

O Grupo EMPREzA, por sua vez, negocia com o for-mato exposição para, nessa instância de visibilidade, agenciar a instalação de uma ação performático-exis-tencial. Ao escolher como pano de fundo o Monu-mento da Independência, para dali monitorar a paula-tina perda de controle do grupo sobre seus atos após a ingestão de uma legítima cachaça nacional, e ao apresentar no espaço expositivo a passagem crítica desse descontrole, ao lado de outras imagens relacio-nadas com as datas nacionais, expõem o violento e incômodo do estado de ânimo de um brasileiro nos dias de hoje.

Distintos entre si, esses dois grupos têm em comum a perda da identidade dos integrantes em prol de uma ação coletiva discutida e meditada. Ao abdicar da au-toria, podem pensar nas aglutinações de energia como forma de proteção mútua e como tática gregária, indo da diluição da responsabilidade civil à reunião de for-ças obtidas pelo mutirão e pela prática de discussão coletiva. Ambos trabalham a noção de pertencer, re-tirando da energia das trocas e da amizade substratos para testar os limites de suas zonas de conflito. Como foi levantado anteriormente por outros estudos, have-ria um foco a ser explorado teoricamente que ligaria alguns desses grupos numa filiação ideológica com as atitudes político-anárquicas de artistas e de mo-vimentos (Situacionismo internacional e, no Brasil, a Nova objetividade brasileira). Movimentos que coinci-dem com o início da arte contemporânea.25 Nos anos 1960 estas posições bastante radicais traziam ânimo a uma idéia de “um outro mundo”. Vivemos, é certo, um período no qual as “diluições das certezas” têm produzido como conseqüência a sensação de um es-vaziamento de sentido no campo social, que, por sua vez parece nutrir um foco de resistência como pauta da arte. (Vide imagem acima a esquerda)

Nestes grupos, e em consciências operantes, talvez es-teja ressurgindo, de forma sorrateira, como nos dizia Rolnik, uma outra ética para a política e, por conse-qüência, as bases para se escrever uma outra história

da arte. Podemos pensar que a história da arte, prin-cipalmente durante o modernismo, pecou ao produzir algumas opacidades do processo. Focando-se somen-te sobre a autonomia da obra, sem levar em conta o contexto dessas produções, o que exaltou a ilusão de um sistema. Já esta arte de processo, que remonta ao início da arte contemporânea (anos 60) como recorte histórico, alastra-se e pede que ousemos prospectar de forma complexa as passagens transformadoras da arte nos espaços de vida. Essas passagens apontam, entre outras coisas, para a ampliação do campo da arte e, em alguns casos, para o papel social do artista, ao expor, para além da idéia de obra, os nossos con-textos de vida e seus paradoxos.

O Brasil tem assistido à emergência de fenômenos de coletivos na arte, grupos que tendem a estabelecer seus próprios sistemas, propondo vias paralelas. Como tática de sobrevivência à adversidade, parecem reagir ao caos e à mais completa informalidade propondo outros espaços de convívio e outras formas de pensar a vida. Interceptam igualmente o corpo social, res-pondendo, como ocorre nos casos de outras formas coletivas que vemos emergir na sociedade brasileira, a uma demanda interna reprimida. Interessa-nos incluir estas questões mais polêmicas no debate estético, pois essas outras “formas de vida” e de redistribuição de energias, ao agir na diferença e no contato carnal com o terreno, com o contexto de vida, dialogando com o entorno, com fluxos e com pessoas reais, res-tauram possibilidades utópicas e inventivas importan-tes para pensar o país que vivemos.

“Há inegavelmente uma carga crítica imanente mesmo em grupos descompromissados com qualquer agenda política, e isso devido ao fato do surgimento dos cole-tivos ser algo ainda incompreendido (ou mal-compre-endido) nos meios artísticos e culturais e, com certeza, em sua maioria, alheios a suas instituições. O meio das artes ainda não compreendeu a questão da coletivi-dade em sua profundidade e multiplicidade, porque a lógica da produção coletiva segue padrões de criação, veiculação e fruição totalmente fora dos padrões usu-ais das instituições artísticas tradicionais.”26

Mesmo se agem nos seus espaços de vida, alguns cole-tivos podem, em circunstâncias que lhes convenham, retornar ao campo da arte para tensioná-lo. Qual é efetivamente o lugar da crítica e da política nestes no-

vos tempos da arte contemporânea do Brasil? Como essas atitudes provocam e testam a hegemonia da in-formação e como enfrentam o “campo” de tensões do espaço urbano? Lembremos das palavras de Hen-ri Lefebvre (1901-1991) nos advertindo de que o es-paço urbano não é neutro, mas um espaço político. Entendemos necessário conceber este termo em sua acepção ampla, como lugar das negociações apoiadas pelos que gerem os meios de decisão e tensionadas pelos que “forçam outros tipos de ocupações”.27 Nes-sa arena, encontram-se também os artistas.

Para finalizar este bloco de situações, observando as distinções entre as práticas artísticas que mapeamos nesta Mostra, lancemos um olhar sobre mais tres projetos. Rotativos, proposta assinada pelo codinome Vulgo, interessa-se por problemas urbanos concretos e investiga a adaptação social face à informalidade instaurada, mapeada como sintoma de uma transfor-mação interna da sociedade. Essa dupla de artistas-arquitetos procede de áreas mais utilitaristas, mas ou-sam lançar suas propostas em uma arena de discussão da arte contemporânea. Enfrentando frontalmente os paradoxos da vida urbana, Rotativos não luta contra a “ordem fora da ordem da informalidade”, mas propõe olhá-la através da arte. “A informalidade não é, por-tanto, um método geral a ser aplicado (assim como a ‘formalidade’ tem sido para arquitetos em seus ‘datascapes’), mas um campo de ‘formas prospecti-vas de viver’ disponíveis para os interessados em uma transformação sensível das relações urbanas.” Obser-vando as táticas do comércio ambulante, os artistas perguntam-se o que seria assumir essa informalidade e considerar a mobilidade como uma condição neces-sária ao Brasil. Imaginem uma caminhonete com uma horta suspensa – veículos aparelhados com distintas funções e posicionados em vagas de estacionamen-to temporário. Estes aparecem como “equipamentos atuantes” dentro do cenário urbano e evidenciam um “duplo estacionamento”: na arte e na vida.

O campo da arte os atrai: “O universo da arte, e es-pecialmente da arte contemporânea, parece favore-cer processos dinâmicos e potentes de reinvenção das práticas e procedimentos e se aproxima da arquite-tura, desafiando seus limites. Por outro lado (ou do mesmo?), as empresas movidas pela necessidade de inovação aplicada e pela busca frenética por novos consumidores conseguem alcançar rincões jamais to-

cados (e imaginados) por artistas e arquitetos. Então temos empresas eficientes e poderosamente infiltra-das na vida cotidiana por meio de suas marcas e pro-dutos, temos amostras pontuais e ainda elitistas de reinvenção do mundo pela arte, e temos um enorme potencial de transformação das rotinas desperdiça-do em edifícios pontuais e agendas irrelevantes. é na potencialização dessas características específicas que pretendemos atuar, convergindo para uma prática híbrida, instersticial, mas não marginal”. O ateliê é o estúdio onde organizam os dados, o lugar onde se lançam no desenvolvimento de idéias que implicam o cotidiano, a geografia e o design, a arquitetura e o urbanismo. trabalham avaliando poeticamente fluxos e contextos de ação, buscando contatar seus usuários. Ao inquiri-los sobre as diferenças entre a prática da arquitetura e a artística pude constatar o quanto se tensionam: “Mais do que a ‘possibilidade de inserção no circuito da arte’, nos interessa na Fiat Mostra Brasil a possibilidade de testar situações em contextos dis-tintos, conflituosos e também informais, bem como desvendar os limites de transformação real das roti-nas, dos espaços e das práticas. Além disso, a Mostra apresenta uma qualidade específica, no nosso enten-dimento, que é se abrir para projetos, além das tradi-cionais obras prontas dos salões de arte, bem como contemplar a categoria intervenção urbana. tanto projeto quanto intervenção urbana, são, se não ques-tões, termos bastante familiares a arquitetos, urbanis-tas e outros utilitaristas. Entretanto, os procedimen-tos de se projetar e intervir no espaço e no cotidiano urbano parecem, cada vez mais, não só ineficientes, como agentes de uma brutalização objetiva e medio-crizante da vida, principalmente a coletiva. Para atu-ar nesse contexto, temos de lidar com a disfunção, o imprevisível, o tático, o concreto, a pequena escala, a rotina, muito mais do que com o projeto abstrato do planejamento institucional”. (Vide pág. xxx)

Pensemos no que implica para os artistas e coletivos agir sobre o terreno do urbano, enfrentando seus flu-xos, num corpo-a-corpo com problemas reais. Pense-mos no que significa chegar sem avisar o que é arte, sem ser apresentado, sem estar sob a égide da expe-riência estética, tocando num âmbito mais anônimo e relacional, no qual o artista se funde ao cidadão e ambos se confundem com o cenário de suas interven-ções. Busca-se talvez, por meio da arte, operar peque-nas fraturas, propondo modos de viver compartilha-

Fernando A (outra) arte contemporânea brasileira. Arte & Ensaios, ano x, número 11, Rio de Janeiro, 2004.

26 | ROSAS, Ricardo. Hibridismo coletivo no Brasil: transversalidade ou cooptação, publicada no Canal Contemporâneo da quinta-feira, 22 de setembro de 2005, às 11h49min.27 | LEFEBVRE, Henri. A

revolução urbana, Belo Horizonte, Ed. UFMG, 1999, p. 47. “O urbano? Um campo de tensões altamente complexo; uma virtualidade, um possível-impossível que atrai para si o realizado, uma presença ausência sempre renovada, sempre exigente. A cegueira consiste em não se ver a forma do urbano, os vetores e tensões inerentes ao campo, sua lógica e seu movimento dialético, a exigência imanente; no fato de só se ver coisas, operações, objetos (funcionais e/ou significantes de uma maneira plenamente consumada). No que concerne ao urbano, há uma dupla cegueira. Seu vazio e sua virtualidade são ocultos pelo preenchimento. O fato do seu preenchimento ter o nome de urbanismo ofusca o cego mais cruelmente.” 28 | RANCIÈRE,

Imagem do projeto do Vulgo

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dos, abrindo-se à diferença e questionando modos de vida regrados por um moto contínuo e por uma rotina redutora de nossas capacidades críticas. Jacques Ran-cière, no prólogo do livro a partilha do sensível, nos diz: “A política ocupa-se do que se vê e do que se pode dizer sobre o visto, de quem tem competência para ver e qualidade para dizer, das propriedades do espaço e dos possíveis tempos. (...) A partilha demo-crática do sensível faz do trabalhador um ser duplo. Ela tira o artesão do seu lugar, o espaço doméstico do trabalho, e lhe dá o ‘tempo’ de estar no espaço das discussões públicas e na identidade do cidadão deliberante. (...) Qualquer que seja a especificidade dos circuitos econômicos nos quais se inserem, as prá-ticas artísticas não constituem uma exceção às outras práticas. Elas representam e reconfiguram as partilhas dessas atividades”28. (Vide pág. xxx)

No cotidiano, a arte, na exposição, a vida: inversa-mente ao Vulgo, que penetra nas contradições da vida cotidiana da cidade (Belo Horizonte, São Paulo), a proposição de Nydia Negromonte parece abandonar os meios da arte para, nos seus espaços de trânsito es-pecífico, pontuar um ciclo de vida e de transformação. Enunciando a água e a alimentação como fontes da vida, ela busca situar duas instâncias (sobrevivência e alimento), unificando-as. Nydia propõe que sua praça de alimentação fique no espaço expositivo, à disposi-ção, pronta para funcionar. O aparato inclui as frutas, mesas e demais objetos de uso, para que as pessoas possam processar sucos e se servir deles. Perguntei à artista sobre esse aparato, cuja forma helicoidal evoca a do ato de transformação, seu movimento. Nydia me respondeu: “A ação pretende abranger todo o funcio-namento da praça. Chegada das frutas, lavagem, se-cagem, preparo e distribuição do suco. A estrutura em funcionamento é a ação-instalação. é uma estrutura desenhada, passível de interferência, permeável à par-ticipação. Minha intenção é propiciar, dar condições para que a ação seja disparada. A estrutura é pensada para facilitar e provocar seu funcionamento”.29

Adriana Barreto e Bruna Mansani, abrem o espaço expositivo para inusitados encontros e experiências, ainda sem roteiro e forma. A proposta apresentada consiste em sortear um bônus dando direito ao‘lugar ao sol, sendo o prêmio uma viagem de um dia, com as artistas, para ‘este lugar’ escolhido pelos três. Aqui, uma vez mais, observa-se um apurado senso de hu-

mor e um destaque para ações imprevistas e para o espaço das relações. As artistas implementam em seu processo, estratégias de marqueting para desencade-arem processos que integram a pessoa que se dipôs a jogar o jogo de suas proposições. Isto poderá ser com-provado na documentação fotográfica e nos relatos da viagem que serão tornados público no espaço a elas reservado no decorrer da exposição. (Vide pág. xxx)

Diante destas proposições, e pensando nos limites en-tre arte e vida, trago a esta conversa as questões le-vantadas por Hélio Fervenza em seu texto “Considera-ções da arte que não se parece com a arte”: “Até que ponto uma parcela abrangente da arte que se produz hoje ainda é identificável como arte? Será que o artis-ta é ainda reconhecível e identificável? E com o quê, exatamente?” (...) A maneira como a arte que não se parece com arte se relaciona com a sociedade passa pela atenção a qualquer aspecto das formas, meios e situações de vida dessa sociedade. A atuação desse tipo de arte se produz através da vida social.30

trouxemos para o nosso horizonte crítico tantas ques-tões e formas de viver a arte na contemporaneidade, reatualizando temas ou propondo uma ampliação do campo da própria arte na sua relação com a socieda-de. todo o contexto gerado por essa Mostra podem ser vistos como um grande laboratório crítico, resulta-do de um voto de confiança duplo. Foi dada aos cura-dores e aos artistas, a possibilidade de colocar em visi-bilidade suas reflexões, obras e projetos. Esta mais do que conversa, envolvendo a relação intrínseca entre aspectos constitutivos da nossa arte e suas formas de contato com o seu público, para a platéia geral, para artistas e para especialistas que observam a arte, esta ‘nossa arte’ abre igualmente perspectivas de aprofun-damento de temas, que darão conta na seqüência dos desafios do que ‘pode a arte’ no Brasil. Continuemos praticando juntos ‘outra política das idéias’, que assu-ma a complexidade que nos caracteriza. Diante dos fatos aqui apresentados, a Fiat Mostra Brasil responde a uma questão lançada em um debate ocorrido na casa Fiat, em Belo Horizonte, em setembro de 2006: a nossa arte contemporânea é efetivamente contem-porânea do Brasil, pois se mostra, sem reducionismo, capaz de tocar com pertinência em verdades consti-tutivas dos nossos contextos, exibindo-se como um processo criativo e crítico, vivo e pulsante.

Jacques. A partilha do sensível. São Paulo: ExO experimental org; Ed. 34, 2005.

29 | Nydia Negromonte responde às questões colocadas por mim por e-mail no dia 19/10/2006.

30 | FERVENzA, Hélio. Considerações da arte que não se parece com a arte. In: MARtINS, Alice Fátima; COStA, Edegar; MOtEIRO, Rosana H. (orgs.), Cultura visual e desafios da pesquisa em arte, Goiânia, ANPAP, 2005, pp. 79, 90.

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