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Tente ser menos idiota com Olavo de Carvalho

O polemista prega a regeneração do brasileiro pela educação e a cultura. Mas ninguém parece ouvi-lo

LUÍS ANTÔNIO GIRON

Época, 5 de setembro de 2013

Quase ninguém mais presta atenção ao escritor campineiro Olavo de Carvalho. Sua nova coletânea de textos, O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota(Record, 616 páginas, R$ 65), é um apanhado de artigos escritos entre 1997 e 2013 em vários veículos, sobre os mais diversos assuntos, da militância política à juventude, da educação às misérias da cultura brasileira, além de religião, aborto, inveja, complexo de inferioridade. Como diz o título, trata-se de um manual para o leitor evitar aquilo que para ele é o pior dos pecados e o mais fácil de ser cometido: tornar-se um idiota completo. Ou seja, o que Olavo pretende é que o leitor se torne minimamente civilizado e razoável. O que não deixa de ser uma meta bastante alta, em se tratando de Brasil, onde os cretinos em geral triunfam sobre os que se acham menos idiotas. Admiro a ambição restauradora de Olavo. Mas até agora ele não obteve o que mais queria, a repercussão de seu tacape polêmico. Isso torna o livro ainda mais relevante, pelo silêncio com que a intelligentsia (que ele candidamente chama de “máfia”) cercou o livro – embora já esteja em segunda edição. O fato de não ser considerado de forma alguma torna Olavo de Carvalho um intelectual a ser refugado. Ao contrário, ele é mais influente quanto menos repercute.

Já vão longe os tempos de seu prestígio. Ele fez sucesso no fim do século passado com a coletânea de artigos polêmicos O imbecil coletivo. Chamava atenção pela verve e o veneno sulfúrico. E, apesar de ter sido uma espécie de precursor dos críticos de ultradireita em moda nos dias de hoje, saiu de moda. É o preço pago por um pensador que se dedicou à degradante atividade jornalística - desprezada por ele próprio. Talvez o fracasso atual se deva a sua

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assombrosa verborragia, que perdeu o fio e deixou de surtir o efeito de persuasão. Como todo mundo sabe, Olavo está sentado à direita de Átila, o Huno. Sua visão de mundo é tão conservadora que, pelas voltas que o mundo dá, pode soar revolucionária. Só que não: no Brasil, ainda é glamoroso ser ou ter sido de esquerda.

Olavo recende a naftalina. Acha que Lula, Serra e Fernando Henrique Cardoso são farinha do mesmo saco. E Dilma Rousseff não passa de um fantoche do criptocomunismo emergente e corrupto dos últimos dez anos de governo petista. Assim como afirma que os acadêmicos brasileiros são epígonos desprezíveis da grande tradição europeia e a cultura brasileira não só não existe, como jamais existiu. Ele tem razão em muitas de suas observações, ainda que sob toneladas de entulho de preconceitos. Eu me pergunto por que alguém que deveria ser ouvido é ignorado de forma tão plangente. Sua naftalina é letal.

Eu devo ser um dos poucos jornalistas que ainda o levam em conta, isso apesar de ele ter me mandado voltar aos meus “disquinhos” em uma polêmica que travamos aí por 1998, quando eu observei que ele havia traduzido um tratado de Arthur Schopenhauer a partir do espanhol, com a ajuda de uma professora de alemão. Ora, isso para um professor de filosofia pode soar ultrajante. Para mim, o caso só mostrava mais uma das fragilidades dos intelectuais brasileiros, e vinda de um de seus representantes mais soberbos. Olavo, como todo mundo sabe, não gosta de ser atacado (quem gosta?). Ele previsivelmente se ofendeu. A solução que encontrou foi tentar rebaixar o oponente a reles crítico de música. Não estava longe de acertar. E me incluiu como exemplo do cordão dos aspirantes a intelectuais ridículos que ele arrola em uma edição recente de O imbecil coletivo. Mesmo assim, não o odeio. Ao contrário, o fato de ele ter me enxovalhado só acrescentou vidinhas no videogame de minha escassa glória.

Mas vamos às ideias olavianas – justamente aquelas que ninguém tem mais paciência de considerar. Não pule este parágrafo, se puder. Creia, são considerações interessantes, em especial no que se refere à questão cultural. A intenção de Olavo em O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota é moralizadora. Faz a apologia da restauração da ética entre os jovens, a

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quem deposita esperança para combater o caráter imoral e miserável da incultura brasileira.

Diz ele: “Em quinhentos anos de existência, a cultura deste país não deu ao mundo um único registro de experiência cognitiva originária. Nossa contribuição ao conhecimento do sentido espiritual é, rigorosamente, nula. Não há nas correntes culturais do mundo um único símbolo, conceito, ideia ou palavra essencial ao conhecimento que tenha sido descoberta de um brasileiro.” Para ele, nossas manifestações culturais são inócuas e periféricas, meras cópias das grandes tradições europeias. Um país gigantesco e uma população de centenas de milhões de habitantes destaca-se de forma espantosa pela nulidade, o desinteresse espiritual, a letargia. Aqueles que deveriam ter consciência da condição precária do espírito brasileiro, os sábios e educadores, não são nem mesmo capazes de compreender a pasmaceira que os cerca. Dessa forma, a ambição do Brasil de se tornar um potência mundial só pode estar fadada ao fracasso. Na melhor das hipóteses, na possibilidade de uma pujança econômica, o Brasil se tornará o flagelo da humanidade, pois imporá valores bárbaros e mergulhará o planeta em uma nova e longuíssima era de trevas.

Há, porém, uma solução, segundo Olavo. Os brasileiros de boa vontade terão de lutar “para que a cultura brasileira se ligue às fontes centrais e permanentes do conhecimento espiritual, para que a experiência da visão espiritual ingresse no nosso horizonte de aspirações humanas e, uma vez obtida, faça explodir, com a força das intuições originárias todo um mundo de formas imitativas e periféricas, gerando uma nova vida”. Esse renascimento à brasileira, no entanto, só poderia se realizar caso os jovens começassem agora a estudar de fato e adquirissem um domínio sistemático do conhecimento e da cultura, algo que a Europa já realizou há séculos. Isso garantiria a supremacia cultural em cinco gerações. Mas falta aos brasileiros racionalidade e devoção suficientes para essa missão, nem mesmo em duzentos anos.

As afirmações do parágrafo acima parecem mais bárbaras que a barbárie que elas pretendem denunciar. Ora, Olavo é o derradeiro polemista brasileiro, na tradição de Carlos de Laet, Sílvio Romero e Paulo Francis. Como tal, ele não pretende conquistar o consenso, e sim balançar as convicções mais arraigadas.

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Pena que não parece haver mais espaço para controvérsias nem na blogosfera e muito menos na imprensa tradicional. Isso porque todo mundo se tornou a um só tempo um emissor de polêmicas e um participante em zonas de consenso. O que nivela tudo por baixo. Se todo mundo é simultaneamente polêmico e não polêmico, por que Olavo seria mais importante que os outros? A resposta poderia ser esta: porque Olavo tem formação, tem certa coerência no seu sistema de pensamento e é um idealista incorrigível (mas ninguém chegou até aqui para ler minha tentativa de resposta).

Como numa fábula reciclada de Esopo, Olavo de Carvalho irritou tanta gente graúda que agora ninguém consegue acreditar nele – salvo este crítico de música e outros poucos fãs, como o jovem organizador do amazônico volume, Felipe Moura Brasil. De alguma forma, Olavo preconiza a volta do Latim, da decoreba e da palmatória para fornecer alguma cultura ao bando de ignorantes que povoa o Brasil. Eu até lhe dou razão. Um pouco disso tudo seria um santo remédio para alguns idiotas que se têm na mais alta conta. Só que os idiotas não leram o livro nem estão lendo este ponto final.