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CARTOGRAFIA E PERFORMANCE: por uma transgressão experimental Autor: Iure Santos de Souza Mestrando em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo, bolsista pela CAPES. Orientado pela professora: Gisele Girardi Email. [email protected] INTRODUÇÃO O espaço, como compreendemos, é dinâmico, complexo, com conexões e desconexões, com fluxos e dinâmicas já constituídas e outras tantas a se constituírem, ou não, permanecendo apenas como possibilidades. Junte-se a isso que não existe uma realidade esperando para ser descoberta, mas que o espaço é construído entre as interferências de cada pessoa, influenciada por suas próprias geografias vividas e por uma cultura, em particular, tornada globalizada. Construir representações que compreendam todos esses fatores e ainda as múltiplas complexidades espaciais de maneira que elas não se tornem camadas como num arenito, mas que coexistam simultaneamente, constitui um desafio considerável à cartografia contemporânea. Estimulados por esses, dentre outros desafios, que enveredamos no desenvolvimento deste trabalho. OBJETIVOS Estudar o espaço enquanto construção entre sujeito\objeto, imbuído pela cultura que sustenta o capitalismo e desterritorializa o próprio homem, o qual carrega consigo grafias de um espaço experimentado e construído simultaneamente em\com seu corpo\mapa num processo inestancável. Por o mapa em movimento. Buscar a coetaneidade numa representação cartográfica. Estudar o espaço do homem contemporâneo nas grafias corporais. Experimentar novas possibilidades de mapeamento. Utilizar a performance teatral como elemento potencializador para estudo do espaço. DA CARTOGRAFIA MODERNA À PÓS-REPRESENTACIONAL

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CARTOGRAFIA E PERFORMANCE: por uma transgressão experimental

Autor: Iure Santos de Souza

Mestrando em Geografia pela Universidade

Federal do Espírito Santo, bolsista pela CAPES.

Orientado pela professora: Gisele Girardi

Email. [email protected]

INTRODUÇÃO

O espaço, como compreendemos, é dinâmico, complexo, com conexões e desconexões, com

fluxos e dinâmicas já constituídas e outras tantas a se constituírem, ou não, permanecendo apenas

como possibilidades. Junte-se a isso que não existe uma realidade esperando para ser descoberta,

mas que o espaço é construído entre as interferências de cada pessoa, influenciada por suas próprias

geografias vividas e por uma cultura, em particular, tornada globalizada. Construir representações

que compreendam todos esses fatores e ainda as múltiplas complexidades espaciais de maneira que

elas não se tornem camadas como num arenito, mas que coexistam simultaneamente, constitui um

desafio considerável à cartografia contemporânea. Estimulados por esses, dentre outros desafios,

que enveredamos no desenvolvimento deste trabalho.

OBJETIVOS

Estudar o espaço enquanto construção entre sujeito\objeto, imbuído pela cultura que sustenta o

capitalismo e desterritorializa o próprio homem, o qual carrega consigo grafias de um espaço

experimentado e construído simultaneamente em\com seu corpo\mapa num processo inestancável.

Por o mapa em movimento.

Buscar a coetaneidade numa representação cartográfica.

Estudar o espaço do homem contemporâneo nas grafias corporais.

Experimentar novas possibilidades de mapeamento.

Utilizar a performance teatral como elemento potencializador para estudo do espaço.

DA CARTOGRAFIA MODERNA À PÓS-REPRESENTACIONAL

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Existem várias conceituações a respeito da cartografia, no entanto, este trabalho se propõe a

trabalhar com a cartografia pós-representacional e para isso pretendemos realizar um breve

levantamento histórico das principais teorias cartográficas da modernidade até culminar na ruptura,

ou tencionamento, representacional.Para tanto, vamos iniciar com as idéias que defendem o mapa

como verdade, inseridos no que se pode chamar de Cartografia representacional.

Nessa perspectiva a cartografia busca representar o mais fielmente possível os arranjos

espaciais dos fenômenos na superfície terrestre, os mapas se esforçam para serem documentos

verdadeiros e confiáveis. Um autor que se destaca nessa linha de pensamento é Arthur Robinson,

citado em Kitchin, Perkins, Dodge (2009). Esse pesquisador se debruçou sobre o detalhamento

sistemático dos princípios do design de mapa, tendo em mente o usuário do mapa. Dessa maneira o

contexto social foi considerado irrelevante, de modo que o mundo existia independentemente do

observador. Arte e beleza não puderam participar deste modo de se compreender a cartografia já

que o objetivo era unicamente sua funcionalidade.

Por volta dos anos 1980 o desenvolvimento tecnológico permitiu que usuários pudessem se

tornar, também, mapeadores. Diversos tipos de mapas surgiram nesse momento. O mapa pôde ser

criado de maneira colaborativa, contudo o processo de mapear ainda se tratava da revelação da

verdade por meio de uma abordagem científica.

Essa visão de que a cartografia produzia verdade objetiva e neutra passou a ser questionada

no fim dos anos 1980 pelos trabalhos de Brian Harley (1989). Em seu artigo “Desconstruindo

mapas” o autor questiona a idéia de que os cartógrafos são cientistas que detém a verdade quanto ao

conceito do que é mapa. Pois tornando o mapa obrigatoriamente científico e como produto de um

cartógrafo o autor questiona o método normativo científico de cartografia e busca desconstruí-lo,

convidando o leitor a ler as entrelinhas do mapa. Pois ao se questionar o mapa como um espelho da

natureza Harley questiona também a ideia de que o mundo caminha para um progresso, ao mesmo

tempo em que questiona o poder dos cartógrafos, os quais colocam no mapa símbolos para

expressar uma possível força de verdade nesses mapas científicos e portanto, “verdadeiros”. Assim

ele vê o processo de mapeamento mais como uma criação do que uma revelação da verdade.

Já Wood (2010) utilizou a semiótica para argumentar que o poder dos mapas atua regido

pelos interesses de quem os criava, sendo muitas vezes o próprio estado. Assim mapas possuem

signos impostos pelo estado, que apresentam a idéia de verdade, apesar dos mapas parecerem

inocentes eles são construções dotadas de intencionalidades. Portanto o mapa “finge” ser neutro,

contudo, todos os seus códigos são escolhidos com intencionalidades, essas são criadas; são

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construções sociais, geralmente, a serviço do estado que exerce seu poder sem que o leitor do mapa

perceba.

Harley, Wood e Harvey corroboravam uma perspectiva que florescia nos anos 1990 e que

ficou conhecida como cartografia crítica. O que não era propriamente sobre encontrar a maneira

correta de se fazer um mapa, mas uma chamada de atenção às políticas e ao contexto da elaboração

de um mapa.

A partir de então começam a surgir as bases para cartografia pós-representacional, na qual,

os pesquisadores não acharam suficientes as críticas da geografia crítica, mas questionavam o

próprio pensamento representacional. Autores como Crampton apud Kitchin, Perkins, Dodge

(2009) diziam que Harley ainda acreditava que a verdade da paisagem poderia ser revelada, desde

que, levasse-se em conta a ideologia inerente à representação. A crítica de Crampton a Harley era

de que seus trabalhos buscavam destacar a ideologia “escondida” no mapa ao invés de questionar o

próprio mapeamento e sua representação.

Um passo marcante foi quando Crampton questiona a história do desenvolvimento

progressista da história colocando os mapas de seu tempo, não como superiores aos de seus

antepassados e com tecnologias inferiores, mas que os mapas contemporâneos eram apenas

diferentes dos anteriores.

Seguindo nesta análise temos os autores que entendiam o mapa como inscrições, contrários

à representação ou construção. Eles rejeitavam a ideia de verdade, para eles, os mapas não eram

espelhos da natureza, antes, eram produtores da natureza. Dentre esses autores destaque para John

Pickles citados em Kitchin, Perkins, Dodge (2009).

O mesmo Pickles e ainda Crampton, Fels e outros (iden) estendem a noção de mapa como

construção social, para eles o mapa não mais representava o mundo, mas, produziam o mundo ao

fazer proposições que são localizadas no espaço do mapa, o mapa produz e reafirma o território ao

invés de unicamente descrevê-lo.

Outra maneira de se pensar um mapa é trazida por Bruno Latour (iden), o autor argumenta

que as bases científicas da produção e do uso de mapas se tornaram convencionalizadas e por isso

os mapas se tornaram móveis imutáveis e atuantes. Dessa maneira os mapas eram uma forma de

conhecimento estável, combinável e transferível, portável no espaço e no tempo. Portanto um mapa

produzido na África poderia ser transportado e legível por pessoas na América do Sul ou Norte,

uma vez que o mapeamento havia se tornado uma prática científica universal.

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Segundo Kitchin, Perkins, Dodge (2009) nos últimos anos floresceu um movimento que

passou a considerar a cartografia a partir de uma perspectiva relacional. Dessa maneira os mapas

não mais seriam representações uniformes, mas constelações de processos em curso, analisando o

contexto histórico e enfatizando a interação entre lugares, tempos, ações e idéias. Os mapas

passaram a ser compreendidos como num constante estado de tornar-se, como em constante

mapeamento, eles seriam ao mesmo tempo produzidos e consumidos, concebidos e utilizados. Tais

autores estariam sugerindo que tanto a investigação quanto a prática cartográfica precisam se

concentrar em ações de mapeamento e em feitos de mapeamento ao invés de exclusivamente na

construção de mapas em si.

Del Casino e Hanna (iden) por exemplo, embasados pela teoria pós-estrutural e nas idéias de

Deleuze e Guattari discutem o mapa num constante estado de tornar-se, de modo que o significado

emerge por meio de praticas sócio-espaciais que se transformam com o contexto, além de serem

intertextuais. Portanto o mapa não estaria pronto no momento da construção inicial, mas em

constante modificação a cada encontro que se faça com o mapa, construindo novos significados e

relações com o mundo. Mapas e espaços se co-produzem.

“Mapas... são táteis, olfativos, objetos\sujeitos, sentidos mediados pela

multiplicidade de conhecimentos que damos a eles e que temos a partir deles em nossas

interações cotidianas e praticas representacionais e discursivas” Del Casino e Hanna apud

Kitchin, Perkins, Dodge (2009, p.20)

E é, portanto a partir dessa perspectiva pós-representacional que construímos nossa base

para pensar, interpretar e produzir mapas.

CORPO/ESPAÇO/CARTOGRAFIA/PERFORMANCE: ORIENTAÇÕES AMALGAMADAS

A mundialização de uma cultura sempre reafirmando o capitalismo e sua ordem de opressão

por meio de ideologias (CHAUÍ, 1980) é uma alternativa eficiente ao uso da força (PUCCI apud

VALADARES, 2000) para manter o “escravo moderno” submisso (Brient, 2009). De modo que

mesmo em seu horário de lazer ele não consegue se desvencilhar da opressão sofrida na fábrica,

revivendo-a enquanto diversão oferecida pela indústria cultural (ADORNO, 1985) e suas

mensagens onipresentes. O trabalhador alienado (MARX, 1996) de sua força de trabalho,

desterritorializa-se (COSTA, 2010) de seu próprio corpo, o qual, por um período de tempo

determinado, se torna uma mercadoria, ao vendê-la o trabalhador recebe um salário. Eis o contrato

básico da escravidão moderna.

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Essa opressão sofrida marca seu corpo que é atravessado por intensidades, nesse caso

opressivas, desterritorializando-se de seu próprio corpo e criando couraças (REICH, 1975),

bloqueios corporais de energia. Tais marcas da opressão ficam grafadas em seu corpo, constituindo,

dentre tantas outras marcas, um mapa. Nunca pronto, mas constantemente se criando; por meio da

performance teatral esse corpo e suas opressões podem ser deflagrados, gerando material riquíssimo

e profundo, constituindo uma cartografia menor1 resultante da simultaneidade de estórias-até-agora

Massey (2009), contribuindo para a discussão da cartografia, da representação, do espaço e

finalmente, do território.

Compreendemos o mapa para além da representação de uma superfície, mas como “sujeitos

móvel, infundidos com significados através de conjuntos de práticas sócio-espaciais controvertidas,

complexas, intertextuais e inter-relacionadas”, bem como processos “desmontáveis, reversíveis,

suscetíveis a modificações constantes” (DEL CASSINO; HANNA, 2006). Portanto buscamos

retirar o mapa de sua imobilidade, de sua representação de um espaço sincrônico, fechado e

homogêneo.

Para tanto defendemos que uma performance pode elucidar a questão de maneira inovadora,

e enriquecedora, uma vez que liberta o corpo/mapa de sua estase costumeira e cotidiana,

explicitando o que não pode ser dito com palavras, como nos esclarece o poeta e dramaturgo teatral

Antonin Artaud (1996, p.38) “esta linguagem permite, todavia, a substituição duma poesia da

linguagem por uma poesia no espaço que será efetivada precisamente num domínio que não

pertence, em exclusivo, as palavras”. Uma vez que elucidar a questão unicamente com palavras

seria impor foco num sentido textual limitado, em detrimento de outros possíveis. Pois o “texto

comemora somente inadequadamente vidas comuns, uma vez que, valoriza o que é escrito ou falado

sobre as práticas e experiências multisensuais” (THRIFT apud DEL CASSINO; HANNA, 2006,

p.41).

Defendemos aqui que corpo e território estão amalgamados, se constroem de maneira

indissociável, de modo que o próprio corpo é, também, um território em construção constante. As

experiências vividas ficam grafadas nesse corpo como nos alerta Cazetta (2013, p.24) ao analisar os

pontos comuns entre Massey e Santos: “para eles o espaço é constituído de toda uma materialidade

animada, misturada e marcada em nossos corpos – expressões últimas das geografias”. É isso que

nos interessa nessa pesquisa: como essas marcas, essas intensidades afetam os corpos? Como a

1A exemplo de (DELEUZE, GATTARI, 1977), aqui a cartografia menor apresenta relação análoga à literatura menor descrita no livro citado.

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relação entre o espaço, a cultura, os corpos e sobretudo, como a desterritorialização do trabalhador

contemporâneo de seu próprio corpo, se reflete nesse corpo-espaço em construção?

Assim como Pina Bausch buscava nas performances de seus dançarinos: o que faziam seus

corpos se moverem? (CAZETTA, 2013) Analogamente nos propomos a analisar o corpo embebido

pelas espacialidades\territorialidades experimentadas, (GODOY apud CAZETTA, 2013, p.25) traz

uma contribuição nesse sentido: para ela Pina Bausch:

Introduz o próprio movimento no pensamento. Não exclusivamente como

movimento do corpo, mas como movimento no corpo. Nesse sentido, faz-se necessário matar

o corpo amestrado, acomodado e anestesiado, aquele que embora individual é produzido

coletivamente, liberando-o, deste modo, dos automatismos que se lhe imputam sob a forma

da constante repetição do mesmo.

E é pela busca desses movimentos que defendemos a criação de uma performance, a fim de

explicitar essas marcas, esses corpos, esses movimentos e pensamentos profundos, arraigados no

âmago do indivíduo que apesar de se manter indivíduo e de lidar com o espaço de maneira ímpar,

sofre as mesmas imposições de uma cultura mundializada. A esse corpo em\no movimento

explicitado pela performance é que faremos uma análise cartográfica, pois analogamente a como

(CAZETTA, 2013, p.27) trata das performances da companhia teatral de Pina:

O teatro da experiência de Bausch constrói realidades que, por sua vez, são

esteticamente comunicadas ao tangenciar uma realidade física: o esgarçamento das fronteiras

geográficas (e suas geografias) e disciplinares. São corpos-geografias. Cada dobra do corpo,

uma dobra do mapa; cada dobra do mapa, uma dobra no corpo.

Se corpo e espaço estão sendo pensados de maneira inextrincável, é preciso explicitar como

fomos estimulados a pensar esse espaço e para isso encontramos na geógrafa Doreen Massey (2009,

p.160) algumas provocações nos convidando a repensar o espaço e consequentemente, o mapa:

E se o espaço for a esfera não de uma multiplicidade discreta de coisas inertes, ainda

que completamente inter-relacionada? E se, ao contrário, ele nos apresentar uma

heterogeneidade de práticas e processos? Então ele não seria um todo já-interconectado, mas

um produto contínuo de interconexões e não-conexões. Assim ele será sempre inacabado e

aberto.

Conceber o espaço como sempre inacabado, aberto, heterogêneo e com conexões a serem

feitas, alterariam o modo como ele seria representado. Ao mesmo tempo em que constituiria um

desafio para a cartografia, como salienta a própria geógrafa. Ela afirma ainda que mapas não devem

pretender impor sincronias coerentes. Pelo contrário, o mapa precisa explicitar as heterogeneidades,

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conexões e desconexões espaciais, suas incoerências e fragmentações. Isso seria bem diferente do

“mapa ocidental clássico” onde o espaço é uma superfície plana, homogênea e coerente.

A geógrafa e arquiteta Heloísa Neves (2008, p.1) faz uma conceituação de mapa que nos

ajuda a pensá-lo de maneira mais abrangente:

Um mapa de uma cidade, de um mundo, da população desse mundo, o desenho

técnico de uma construção, uma foto, uma pintura, uma instalação, uma performance, uma

peça de teatro ou a maneira como o corpo se organiza para perceber o mundo são exemplos

de mapas.

Concordando com Massey (2009) a autora citada nos exorta que o problema em torno do mapa

como representação não está nesse conceito, mas, na implicação de que tal representação traga em si uma

cópia, uma verdade de um mundo exterior a nós mesmos. Baseada em autores das ciências cognitivas

como Damásio, Lakoff e Johnson a referida autora afirma que ao observar a paisagem, todos criamos

nossas próprias representações, todos a vemos de maneira única, uma vez que:

O cérebro é um sistema criativo que constrói mapas através de seus próprios

parâmetros e de sua própria estrutura interna. Ao invés de refletir ‘fielmente’ o ambiente que

o circunda, cada cérebro constrói mapas desse ambiente usando seus próprios parâmetros e

sua própria estrutura interna NEVES (2008, p.3).

Portanto as imagens que cada um vê não são cópias de algum objeto ou paisagem, mas

criações individuais tão particulares como a própria impressão digital. Dessa forma, cada um

representa o mundo por mapeamentos diferentes, logo o real é inalcançável. A mesma autora

sustentada por Deleuze e Guattari, afirma que o mapa não é uma representação do real, mas antes,

um processo de construção de uma percepção possível. Um ambiente não pode ser compreendido

de forma separada de um corpo. Um mapa é mais o processo, o movimento, a linha de fuga do que

propriamente uma imagem acabada.

Logo, é preciso acabar com os binarismos, as dualidades presentes, muitas vezes

implicitamente, entre produtor e consumidor, sujeito e objeto, representação e prática como nos

sugerem Del Cassino e Hanna (2006, p.36). Eles argumentam que “mapa e mapeamento são

representações e práticas (leia-se: performances) simultaneamente”. Eles defendem uma perspectiva

a respeito da representação, semelhante à exposta acima por Neves. “Representações, incluindo

mapas, são táteis, olfativas, objetos\sujeitos sentidos mediados pela multiplicidade de saberes que

trazemos e levamos através de nossas interações cotidianas e práticas de representação e discursivas

(iden)”.

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Os referidos autores, ainda mantendo pontos em comuns com Neves, defendem que os

mapas são bem mais do que verdades produzidas por cartógrafos, uma vez que também são

produzidos pelos usuários, os quais associam e incrementam esse mapa, com suas visões de mundo,

seus conhecimentos, criando outras geografias, ao mesmo tempo em que permitem que os símbolos

se tornem objetos, relações, eventos e assim por diante, no mundo o qual estão construindo nesse

instante.

Dessa forma o mapa não é teorizado como objeto fechado, muito menos seus significados e

usos podem ser fixados pela produção cartográfica ou acadêmica, ao invés disso ele é

compreendido como operante, uma vez que é praticado. Tanto leitura como autoria são práticas

realizadas em diferentes contextos sócio-culturais, políticos e econômicos. Logo, mapas e espaços

são co-constitutivos.

Esses autores nos auxiliam a transgredir o mapa de um produto, a um processo, a uma

prática, proporcionando um paradigma que implica, não em buscar uma forma, uma linguagem que

seja “correta” de representar a realidade, mas uma linha de fuga da própria linguagem cartográfica

tradicional e limitadora, trata-se de uma desterritorialização da linguagem, a qual constitui a

performance.

A PERFORMANCE COMO PÓS-REPRESENTAÇÃO TEATRAL

Essa manifestação artística surge reconhecidamente a partir dos anos 1970, ocorrendo em

diversas artes como pintura, arquitetura, música, dança, teatro, poesia... surgindo, como oposição às

formas de arte convencionais de seu tempo, contra o racionalismo e objetividade artística, de

Acordo com Carlson (2010) e também Goldberg (2006). O que a arte da performance possuía em

comum entre os movimentos artísticos como teatro e dança no século XX foi o interesse em

desenvolver as qualidades expressivas do corpo, especialmente em oposição ao pensamento e à fala

discursiva e lógica, e em celebrar a forma e o processo em vez do conteúdo e do produto.

A performance atual não se baseia num personagem como no teatro tradicional, mas nos

próprios corpos dos performers, suas autobiografias, suas próprias experiências, numa cultura ou

num mundo que se fizeram performativos pela consciência que tiveram de si e pelo processo de se

exibirem para uma audiência. Desde que a ênfase esteja na performance e em como o corpo ou o

self é articulado por meio da performance, o corpo individual permanece no centro de tais

apresentações. A arte performática típica é arte solo.

Segundo Hassan apud Carlson (2010): o pós-modernismo se volta em direção às formas

abertas, lúdicas optativas, disjuntivas, deslocadas ou indeterminadas, um discurso de fragmentos,

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uma ideologia de ruptura, um desejo de não fazer, uma invocação do silêncio, volta-se em direção a

tudo isso e ainda implica sua própria oposição em realidades antitéticas.

Ao se posicionarem contra o “fingimento” do teatro em buscar uma realidade ausente por

meio de mimese, os happenings e experimentos similares consistiam na pura “presença”. Ou seja, a

orientação semiótica do teatro cedeu lugar à orientação fenomenológica, que é basicamente não

semiótica. A idéia é tornar a audiência mais consciente da situação, de estar lá.

O pós-modernismo pós-estruturalista é baseado numa crítica da representação: Questiona a

verdade contida na representação visual seja ela realista, simbólica ou abstrata, e explora os regimes

de significado e ordem que esses diferentes códigos suportam. Segundo Carlson:

Na expressão pós-moderna, a obra de arte unificada que expressa uma personalidade

unificada é substituída por uma arte “esquizofrênica” que reflete uma cultura fragmentada e

dispersa, (...). Ambos estão profundamente interessados se uma estratégia para a expressão

política pode ser encontrada dentro desse novo modo de pensar e onde ela estaria. Enquanto

a obra minimalista ainda procurou incorporar e codificar alguma espécie de sentido a

performance pós-moderna é uma ‘quebra incoativa’, um ‘movimento contínuo’, um

deslocamento ou reposicionamento (2010, p.152).

Portanto o pós-modernismo nega a possibilidade de um observador objetivo, e emprega

recursos teatrais para subverter a posição estável do observador e assim obter um jogo contínuo de

pontos de vistas parciais, nenhum deles estável, seguro ou completo.

A partir dos anos 80, quando muitos teóricos se preocuparam em localizar uma função

crítica séria para a performance, Randy Martin apud Calson (2009), afirma que o corpo

performático está, naturalmente envolvido no que ele chama de “simbólico”, a tentativa da

autoridade da arte ou da política de reforçar uma estrutura monolítica e unificada oposta à qualidade

“fluida” do corpo que se move, que age e deseja. O simbólico tenta limitar tanto em nível pessoal e

público os significados da ação e do corpo para canalizar os fluxos de desejo, contudo tal limitação

está em conflito com o corpo performático potencial, carnavalesco e desafiador do simbólico. A

performance pode criar tensões no corpo social de modo que ao destruir a estrutura plana de

autoridade, nela, sujeito e objeto são realinhados para substituir a “autoridade solitária” do

simbólico com a circulação polifônica dos sentimentos humanos. Desafiando as representações

populares do poder político e sem oferecer “mensagens” mas desafiando o processo de

representação em si.

Já nos anos 90 a arte da performance renunciou ao jogo de ilusões voltando-se para o real

como uma construção política, mostrando o real ligado ao individual. A combinação do estudo de

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identidade individual e de diferentes culturas, com atenção especial aos oprimidos, excluídos ou em

desvantagens – os gays e as lésbicas, os aleijados, os idosos, os pobres, junto com as minorias

raciais e étnicas – caracteriza muito do trabalho de performance mais provocativa e imaginativa dos

EUA no início dos anos 90.

Mais do que entretenimento, mais do que formações didáticas ou persuasivas e mais do que

indulgencias catárticas. Elas são ocasiões sobre as quais, como uma cultura ou como sociedade, nós

refletimos e definimos a nós mesmos, dramatizamos nossos mitos e histórias coletivas,

apresentamos a nós mesmos alternativas.

METODOLOGIA

Inicialmente investir num levantamento bibliográfico intenso, com fichamentos e resumos

para melhor fundamentar o trabalho bem como esclarecimento do caminho a ser percorrido, pois

conforme se aprofunda no conteúdo o próprio caminho passa a dar indicações de por onde seguir.

Uma vez que pensamos o método para além de um território estagnado, fixo e organizado

hierarquicamente. Acreditamos que o mais importante é o que um objeto de pesquisa potencialize

pensamentos, imaginações, que traga possibilidades. A exemplo de Deleuze (2002, p.87) “o que

pode um corpo?”, se pensamos corpo e espaço de maneira indissociável e pensamos, assim como

Massey (2009) que não há regras de espaço e lugar, precisamos igualmente permitir que os métodos

utilizados sejam fluidos assim como os conceitos em Deleuze e Guatarri (1997b), inevitavelmente

haverão variações particulares para cada espaço estudado. E dessa forma, estimular o constante

repensar metodológico a fim de abarcar a complexidade, as incertezas, como nos explicita Morin

(2003), a reinvenção constante de modo que se perder não seja um problema a ser evitado mas uma

certeza a ser enfrentada com estratégias abertas, heterogêneas com conexões e desconexões tal qual

o espaço, possibilitando desterritorializações e reterritorializações, assim como a criação, a

imaginação, a vida, que segue se adaptando onde quer que aconteça.

RESULTADOS PRELIMINARES

Buscamos com esse trabalho construir um corpo conceitual que territorialize um conjunto de

conceitos que estimulem a concepção de uma performance potente para se pensar o espaço

conforme explicitado. De modo que a própria articulação conceitual concebida nesse texto

compreende um resultado preliminar. O qual, ainda se mostra inicial e estimulante, contudo

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indispensável e direcionador para veredas que se constituem ao mesmo tempo em que se

caminha.Contudo inúmeras leituras e estudos são necessários para se aprofundar no tema de modo a

constituir um arsenal de possibilidades a serem exploradas quando iniciarmos a experimentação da

performance teatral que ocorrerá no próximo ano.

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