cartografia, arqueologia e história das minas gerais (séculos xviii
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Anais do I Simpósio Brasileiro de Cartografia Histórica 1
Cartografia, Arqueologia e História das Minas Gerais
(Séculos XVIII e XIX)
Carlos Magno Guimarães1
Coordenador do Laboratório de Arqueologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG -
Mariana Gonçalves Moreira2 Pesquisadora do Laboratório de Arqueologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG -
RESUMO Este trabalho trata da utilização da Cartografia Histórica para o desenvolvimento de pesquisas arqueológicas, visando uma melhor compreensão da dinâmica histórico-social regional. São apresentados estudos de caso nos quais fontes cartográficas foram utilizadas em pesquisas do Laboratório de Arqueologia da Fafich/UFMG, permitindo uma visão contextualizada dos vestígios arqueológicos e uma melhor percepção das suas correlações com elementos da paisagem. Entre os sítios estudados, que remontam aos séculos XVIII e XIX, destacam-se: Aredes, expressivo sítio de mineração de ouro localizado próximo ao Pico do Itabirito; parte do sistema viário integrante da denominada Estrada Real, em segmento localizado entre Ouro Preto e Ouro Branco; o Capão do Lana, uma estalagem que foi pouso de viajantes e tropeiros; e o Morro da Queimada, que guarda os vestígios da Revolta de 1720.
PALAVRAS-CHAVE: Cartografia, Arqueologia, História Colonial, Minas Gerais ABSTRACT This paper discusses the use of Historical Cartography in the development of archaeological research, in order to a better understanding of regional socio-historical dynamics. It presents case studies in which cartographic sources were used in researches at Laboratório de Arqueologia da Fafich / UFMG, allowing a contextualized view of the archaeological remains and a better understanding of its correlations with landscape features. Among the sites, whose occupation dates from the eighteenth and nineteenth centuries, there is: Aredes, significant gold mining site located near the peak of Itabirito; a part of the system of the Estrada Real, in the stretch between Ouro Preto and Ouro Branco; the Capão do Lana, an inn that landed travelers and drovers, and the Morro da Queimada, which contains vestiges of the 1720’s Revolt.
KEYWORDS: Cartography, Archaeology, Colonial History, Minas Gerais
1 Historiador, Arqueólogo, Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia.
2 Cientista Social, Arqueóloga.
Anais do I Simpósio Brasileiro de Cartografia Histórica 2
I - INTRODUÇÃO
Neste trabalho, a metodologia adotada se fundamenta na interdisciplinaridade, articulando
informações provenientes de diferentes áreas do conhecimento, entre elas: a História, a Cartografia e a
Arqueologia. Essa perspectiva contribui para ampliar o volume de informações para a compreensão de
diferentes aspectos do processo de formação histórico-social da sociedade mineira.
Os dados de origem documental (históricos e cartográficos) e os de natureza arqueológica podem
fornecer informações únicas e complementares, e seu cruzamento permite um conhecimento do passado
de forma mais completa e integrada.
Nessa perspectiva, são apresentados quatro sítios arqueológicos: Aredes, Estrada Real, Capão do Lana
e Morro da Queimada – localizados na região denominada Quadrilátero Ferrífero, caracterizada pela
ocorrência de abundantes jazidas minerais de ouro, ferro e manganês, etc.
A região teve grande importância durante o denominado Ciclo do Ouro onde teve início o processo
de ocupação do interior da Colônia em fins do século XVII e começos do século XVIII, o que se reflete na
concentração de núcleos urbanos surgidos na época, como Ouro Preto, Mariana, Itabirito dentre outros.
II - AREDES
Aredes foi uma unidade mineradora nos séculos XVIII e XIX. Ali a exploração do ouro ocorreu tanto
nos terraços quanto nos leitos de rios, com a utilização de diferentes técnicas. Apesar do impacto e
destruição gerados pelas atividades minerárias desenvolvidas nas últimas décadas, ainda existem marcas
visíveis no ambiente constituindo um importante acervo arqueológico (GUIMARÃES, 2010).
O nome do sítio remete à ocupação indígena anterior da região. No momento da colonização da área
de Itabirito, esta era habitada por diferentes etnias indígenas. Dentre elas a tribo Aredês (ou Aredes ou
Aredez), habitantes da Cadeia do Espinhaço.
O mapa que se segue, datado do século XVIII, faz referência à presença dos Aredes próximo ao que
hoje corresponde ao município de Montes Claros. Esta ocupação teria se dado após serem expulsos da
área na qual o sítio arqueológico está localizado nos vales do Rio das Velhas e do Paraopeba.
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Figura 01: Demonstração dos afluentes do Rio São Francisco, em Minas Gerais: mapa com texto sobre os “Aredês, Araraos e Taboyaras”. Fonte: Biblioteca Nacional e Biblioteca Digital Mundial.
Figura 02: Demonstração dos afluentes do Rio São Francisco, em Minas Gerais: mapa com texto sobre os “Aredês, Araraos e Taboyaras” - detalhe. Fonte: Biblioteca Nacional e Biblioteca Digital Mundial. Destaque para referência aos Aredes.
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Sobre as atividades minerárias desenvolvidas em Aredes não foram encontradas representações
cartográficas. A falta de representação e registro das áreas de mineração colonial é apontada pelo barão
Wilhelm Ludwig von Eschwege, que esteve no Brasil na primeira metade do século XIX na tentativa de
reativar a decadente atividade minerária (do ouro) e trabalhar na implantação da siderurgia que estava
surgindo. Para ele
o que hoje em dia dificulta ainda mais o mineiro em seu trabalho nos rios é a incerteza de encontrar cascalho no ponto em que vai realizar o serviço, pois ninguém se lembrou de deixar mapas, notícias por escrito, ou sinais de passagem nas margens, por onde se possam conhecer os lugares já explorados. Por essa razão, acontece muitas vezes construir-se uma represa em pontos já explorados desde muito, o que faz com que os gastos sejam completamente inúteis (ESCHWEGE, 1979, p.169).
Entretanto, é possível encontrar representações cartográficas de outras áreas de mineração produzidas
durante o período colonial, como o detalhe que se segue, retirado de um mapa da época:
Figura 03: “S. Caetano...”. Original atribuído a Joaquim Cardoso Xavier, no Arquivo Ultramarino, Lisboa [1732]. Pág. 378. In: REIS, 2000, p. 232.
Na Figura 03, o círculo indica uma área de mineração colonial com algumas que apresenta
características clássicas: a presença de mão-de-obra escrava, a utilização de um rosário para deságüe da cava,
um desvio no leito do rio para captação de água para apuração do ouro.
Embora a mineração tenha sido o foco principal das atividades em Aredes, outras ali também foram
desenvolvidas, havia:
(...) huma Fazenda com lavras, seos capoens com campos de criar, cazas de vivenda, senzalas, capela, huma caza grande de pedra que serve de venda, todas cobertas de telha com suas agoas respetivas que parte de hum lado com terras do falecido Domingos Pereira e com terras do Reverendo Padre Merciano de Almeida Sande, e com terras do gambá (...) (AHCP/MI).
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A referência é à Fazenda Aredes e às suas divisas com a propriedade do falecido “Domingos Pereira” e
com as “terras do Reverendo Padre Merciano de Almeida Sande”, e “do gambá”.
Figura 04: Mapa do século XIX, no qual se observa a referência ao povoado/fazenda de Sande, associado ao Padre Merciano de Almeida Sande, referido no documento supracitado. Fonte: APM-080.
Em 1822, a Fazenda Aredes era uma propriedade rural com benfeitorias, habitações, senzala, capela e
uma venda, cujos vestígios arqueológicos remanescentes ainda estão presentes no local, confirmando as
informações documentais. São encontrados ainda vestígios de currais, que indicam a prática da pecuária.
Figura 05: Ruínas da Casa-sede – janela – vista externa. Fonte: Laboratório de Arqueologia da Fafich / UFMG, 2010.
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Figura 06: Ruínas da Capela – fachada frontal. Fonte: Laboratório de Arqueologia da Fafich / UFMG, 2010.
Ressalta-se que a presença da venda indica a circulação de pessoas que garantiam a sustentabilidade
de uma atividade comercial e a necessidade de relações em um mercado mais amplo, para aquisição de
mercadorias.
As atividades comerciais referidas a Aredes foram registradas pelo naturalista inglês Richard Francis
Burton em 1867:
Os terrenos da mina, inclusive a fazenda Santo Antonio, que foi comprada, e Aredes, que foi arrendada, ficam em boa situação, a 1.450 metros acima do nível do mar, a menos de duas milhas da aldeia de Córrego Seco, a uma distância de quatro a seis milhas, pela estrada real, da cidade de Itabira e a 35 da capital provincial. O terreno era pobre, mas nas proximidades, havia grandes roças ou fazendas, que forneciam mantimento a Ouro Preto (...)(BURTON, 1976, p. 163-164).
Tais relações comerciais, desenvolvidas por tropeiros, eram favorecidas pela posição estratégica de
Itabirito (originalmente denominado Nossa Senhora da Boa Viagem de Itaubira), implantado na
confluência das comarcas de Vila Rica (com sede no arraial de mesmo nome), Rio das Velhas (com sede
em Sabará) e Rio das Mortes, (com sede em São João Del Rei), estabelecidas por provisão de 6 de abril de
1714.
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Figura 07: Neste mapa de 1778, observa-se a posição de Itabirito nos limites de três comarcas das Minas Gerais em posição privilegiada com relação às suas sedes. Fonte: APM-085 Doc.01.
As ligações comerciais entre Aredes e Vila Rica se processavam através da circulação de produtos e
pessoas mediante comboios de tropeiros. Para tanto, um marco geográfico teve grande importância como
orientador de tais deslocamentos: o Pico do Itabirito.
Desde o início da ocupação das Minas, o Pico do Itabirito foi um referencial para o trânsito na região,
orientando tropeiros e viajantes devido à sua visibilidade na paisagem. Sua importância influenciou o
surgimento do arraial de Nossa Senhora da Boa Viagem de Itaubira (Itabirito), que se desenvolveu,
principalmente, em função de estar próxima do Pico, tendo sido ponto de apoio aos tropeiros que
circulavam entre Sabará e Ouro Preto.
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Figura 08: Mapa de 1821, onde se vê: 1) Pico do Itabirito; 2) Atual distrito sede de Itabirito; 3) Região de implantação de Aredes. Fonte: JACOB, 1922, p.193.
O tema da circulação no território de Minas nos remete ao próximo item: a Estrada Real.
III - ESTRADA REAL
Os vestígios analisados são remanescentes dos caminhos oficiais abertos e controlados pela Coroa (na
Colônia) e no Império, abarcando os séculos XVIII e XIX.
O trecho do sistema viário analisado foi implantado na região central de Minas Gerais (entre as
cidades de Ouro Preto e Ouro Branco) e apresenta vestígios de estruturas construídas para permitir a
passagem sobre drenagens, vales ou terrenos inclinados, bem como escoar a água de seus leitos (cortes,
arrimos, pontes e estruturas de drenagem, como galerias, bueiros, canais, etc.). Estes vestígios estão
distribuídos ao longo de três segmentos: o Caminho Novo (datado de princípios do século XVIII), o
segmento inacabado da Estrada do Paraibuna (construído entre 1836 e 1855) e outro segmento da Estrada
do Paraibuna (construído ente 1836 e 1860) (GUIMARÃES, 2007).
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Figura 09: Caminho Novo – segmento de estrada cortada na rocha. Fonte: Laboratório de Arqueologia da Fafich / UFMG, 2007.
Figura 10: Estrada do Paraibuna - Ponte do Falcão. Fonte: Laboratório de Arqueologia da Fafich / UFMG, 2007.
Figura 11: Estrada Inacabada do Paraibuna – arrimo. Fonte: Laboratório de Arqueologia da Fafich / UFMG, 2007.
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Estes diferentes segmentos hoje são vistos como integrantes da denominada Estrada Real e seu estudo
permite obter importantes informações sobre o processo de ocupação do território de Minas Gerais,
através do conhecimento das rotas estabelecidas e da identificação de vestígios das antigas pousadas
(ranchos, vendas ou fazendas).
No período colonial, a abertura de estradas e seu controle foi uma das medidas adotadas pela Coroa
Portuguesa para evitar o contrabando de ouro e outras irregularidades. A circulação de tropeiros,
mercadorias e animais, deveria ser feita obrigatoriamente pelas Estradas Reais.
Nessas estradas eram estabelecidos os registros - postos fiscais cuja principal incumbência era o
recolhimento dos tributos devidos à Coroa. Cabe ressaltar, no entanto, que tais medidas nem sempre
foram eficazes, uma vez que constantemente eram feitas “picadas”, (para cortar caminhos ou fugir dos
registros), cuja abertura e utilização foram consideradas crime.
O sistema viário foi fundamental para a ocupação do interior brasileiro no período colonial, e
integrou as diferentes áreas de assentamento, tendo sido de grande importância para o abastecimento
através do comércio estabelecido entre os centros urbanos e as comunidades rurais.
Os caminhos mais importantes da principal região produtora de ouro nas Minas Setecentistas foram
registrados em um mapa produzido por Cláudio Manoel da Costa entre 1755 e 1766 (COSTA, 2005,
p.98), por encomenda da Câmara de Vila Rica.
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Figura 12: “Carta Geográfica do Termo de Villa Rica, em q se mostra que os Arrayaes de Catas Altas da Noroega, Itaberaba e Carijós lhe ficão mais perto, q ao da Villa de S. José a q pertencem, e igualmente o de S. Antônio do Rio das Pedras, q toca ao do Sabará, o q se mostra, pela Escala, ou Petipe de Léguas”. ca. 1766. In: COSTA, 2005. p. 222.
Pelo documento de Cláudio Manuel da Costa, é possível identificar a localização de estalagens
utilizadas como pouso de tropeiros, como foi o caso de Lavrinha e do Capão do Lana.
IV - CAPÃO DO LANA
A Estalagem do Capão do Lana foi assim expressivo núcleo de apoio aos que transitavam pelas Minas
e de grande relevância regional, durante o século XVIII, da qual ainda existem vestígios remanescentes de
quatro edificações, muros, arrimos, canais, currais, entre outros.
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Figura 13: Ruínas da Casa-sede. Fonte: Laboratório de Arqueologia da Fafich / UFMG, 2008.
Figura 14: Curral – muro de pedras. Fonte: Laboratório de Arqueologia da Fafich / UFMG, 2008.
Figura 15: Muro de pedras com vãos para encaixe de barrotes. Fonte: Laboratório de Arqueologia
da Fafich / UFMG, 2008.
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A primeira informação sobre a estalagem é um registro de autoria de Francisco Tavares de Brito
publicado em 1732.
Tavares de Brito produziu um roteiro para ser utilizado no deslocamento para o interior das Minas,
descrevendo o trajeto, e os pontos de abastecimento e de pouso do Caminho Novo. O autor se refere a
estalagem do Capão do Lana como “Olana”:
Jozeph Rodrigues, Joaõ Rodrigues, Alberto Dias, Passagem, Resaca, Caranday, Outeiro, Os dous Irmãos, Gallo cantante, Rossinha, Amaro Ribeiro, Carijos, Macabello. Aqui se passa o Rodeo, isto he, que se rodea hua Serra, a que chamaõ Ititiaya. Ilheos, Olanâ. [...] e proseguindo ocaminho da Minas Geraes, do Olanâ se vay as tres Cruzes, e da hi a Trapui, que fica huma legoa de Villa Rica [...] (BRITO, 1972, p. 104-105).
Há a possibilidade de que o texto de Tavares de Brito era acompanhado de um mapa que,
lamentavelmente, nunca foi localizado.
Na Carta realizada por Cláudio Manuel da Costa (1765/1766) é possível identificar o Capão do
Lana, conforme referido anteriormente. Tal representação nesse registro da cartografia regional indica a
consolidação e a importância da estalagem naquele momento.
Figura 16: Detalhe da “Carta Geográfica do Termo de Villa Rica, em q se mostra que os Arrayaes de Catas Altas da Noroega, Itaberaba e Carijós lhe ficão mais perto, q ao da Villa de S. José a q pertencem, e igualmente o de S. Antônio do Rio das Pedras, q toca ao do Sabará, o q se mostra, pela Escala, ou Petipe de Léguas”. ca. 1766. In: COSTA, 2005, p. 222.
O Capão do Lana foi um dos importantes tipos de pousos estabelecidos ao longo dos caminhos,
favorecendo a circulação de pessoas, mercadorias e idéias. Tais pontos foram fundamentais também para o
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povoamento das áreas adjacentes, com destaque para Vila Rica, para onde convergiam as principais
estradas de Minas durante os períodos colonial e imperial, como se percebe no mapa a seguir.
Figura 17: Mappa da Comarca de Villa Rica. José Joaquim da Rocha, ca.1740-1804. Fonte: Biblioteca Nacional. Destaque para o Capão do Lana e para Vila Rica.
Na visão do viajante Walsh, o Capão seria um exemplo de pousada de um tipo “pouco comum”:
Nas estradas do Brasil há quatro tipos de pousada. Um é o rancho que significa literalmente “agrupamento de pessoas” e, por conseguinte, designa o lugar onde os viajantes pernoitam; não passa de uma coberta espaçosa, armada sobre estacas e inteiramente aberta dos lados, não dispondo nem de alojamentos, nem de comida; é apenas um abrigo para os tropeiros e os burros. O segundo é a venda, onde se pode comprar comida e bebida. Geralmente há um quarto anexo a ela, às vezes dotado de uma cama. O terceiro tipo é a estalagem, com as acomodações habituais a estabelecimentos dessa espécie. Esse tipo de pousada, entretanto, é pouco comum. Por último vem a fazenda. Comumente o fazendeiro faz as vezes de hospedeiro, acomodando os viajantes em sua própria casa e se valendo disso para dar saída aos seus produtos. Muitas vezes, porém, ele nada cobra pela hospedagem, recebendo o forasteiro simplesmente em nome da hospitalidade (WALSH, 1985, p. 23).
Muitos outros viajantes registraram sua passagem pela Estalagem do Capão do Lana. Em 1811, o
barão W.L. von Eschwege escreveu:
Subi o alto morro do Chiqueiro, de onde fui até Capão do Lana. [...] A principal jazida destas pedras [topázio] é a do Capão. [...] Encontra-se em Capão uma boa pousada pelo padrão local [...]. Depois de almoçar naquela pousada, continuei minha viagem, andando 3 léguas até Vila Rica [...] (ESCHWEGE, 2002, p. 256-257).
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Ao longo de sua permanência no Brasil (entre 1810 a 1821), Eschwege produziu preciosos relatos e
mapas – dos quais um exemplo é o denominado “Parte do Novo Mapa da Capitania de Minas Gerais”, no
qual o Capão do Lana aparece em um dos trajetos que conduzem até Vila Rica.
Figura 18: Detalhe do “Parte do novo Mapa da Capitania de Minas Gerais”. Levantado por... 1821”. Fonte: COSTA, 2004, p. 191.
A cartografia permite identificar a persistência cronológica de sítios arqueológicos e sua localização,
como no caso do Capão do Lana, no qual mapas da época e os vestígios arqueológicos apresentam
informações correspondentes. A importância da estalagem se expressa, de outra forma, por sua ligação com
importantes fatos da História das Minas e do Brasil, como a Inconfidência Mineira.
V - MORRO DA QUEIMADA
Desde o início do processo de ocupação de seu território, Minas apresentou uma sociedade
caracterizada pela diversidade de sua estrutura social e de sua economia, em um contexto instável de
acelerada urbanização provocada pela circulação das notícias da descoberta do ouro. Tais características
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somadas às imposições metropolitanas e ao contexto colonial geraram condições favoráveis a ocorrência de
conflitos e rebeliões de toda ordem.
Durante o processo de constituição da sociedade mineira no período colonial, a insatisfação de
determinados setores quanto às imposições metropolitanas conduziu a inúmeras rebeliões de caráter anti-
fiscal, dentre elas destaca-se a Sedição de Vila Rica, ocorrida em 1720 e que deu origem ao sítio
arqueológico Morro da Queimada (GUIMARÃES, 2004).
A revolta foi uma reação por uma parte da sociedade às medidas tomadas pelo conde de Assumar,
então governador de Minas, para tornar mais consistente a presença da Coroa e garantir a arrecadação dos
quintos.
Como punição pela ocorrência do motim, o conde de Assumar ordenou que ateassem fogo na área
de mineração localizada no Morro do Ouro Podre, também conhecido como Morro do Pascoal. As
edificações foram destruídas e o local passou, desde então, a ser denominado de Morro da Queimada.
Durante a Revolta de 1720, Felipe dos Santos após um julgamento sumário conduzido por Assumar,
foi condenado à morte, tendo sido executado por garroteamento e, posteriormente, esquartejado.
No mapa que se segue, é possível identificar a área do Morro da Queimada, a nordeste do centro da
vila.
Figura 19: “Mappa de Villa Rica” Original manuscrito do Arquivo Histórico do Exército. Rio de Janeiro. ca. 1775-1800. 379. In: REIS, 2000, p. 234.
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Os trabalhos de arqueologia confirmam a existência dos vestígios de uma extensa área de mineração e
de um arraial, atestando as dimensões e a relevância do sítio arqueológico.
Figura 20: Ruínas de edificação. Fonte: Laboratório de Arqueologia da Fafich / UFMG, 2004.
Figura 21: Ruínas de mundéu. Fonte: Laboratório de Arqueologia da Fafich / UFMG, 2004.
VI - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os casos apresentados permitem perceber que o cruzamento de informações produzidas por
diferentes áreas do conhecimento pode apresentar resultados consistentes.
A cartografia histórica pode fornecer importantes informações a respeito da localização (espacial e
cronológica) de sítios; das suas relações; da acessibilidade e das conexões proporcionadas pelas estradas; da
identificação de elementos da paisagem como referencial para orientação. Isto a torna um importante fonte
de pesquisa para a compreensão dos processos históricos. Para a Arqueologia, a sua utilização tem
possibilitado esclarecimento de questões importantes bem como enriquecido o conteúdo dos trabalhos
desenvolvidos pelo Laboratório de Arqueologia da Fafich / UFMG.
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VII - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BURTON, F. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. Cap. XIX: “Viagem para cocho D’Água”. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 1976.
COSTA, Antônio G. (org.). Os caminhos do ouro e a Estrada Real. Belo Horizonte: UFMG; Lisboa: Kapa, 2005.
ESCHWEGE, W.L. Pluto Brasiliensis. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1979. Volume I.
_______________. Jornal do Brasil 1811-1817 ou Relatos Diversos do Brasil, coletados durante expedições científicas por
Wilhelm Ludwig von Eschwege. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e
Culturais, 2002.
GUIMARÃES, Carlos Magno (coord.). Levantamento Visual do Patrimônio do Morro da Queimada em Ouro Preto /
MG. Relatório Final. Belo Horizonte: Laboratório de Arqueologia Fafich / UFMG, 2004.
____________________. Levantamento Histórico-Arqueológico da Estrada Real no trecho Ouro Branco – Ouro Preto /
MG. Relatório Final. Belo Horizonte: Laboratório de Arqueologia da Fafich / UFMG, 2007.
____________________. Levantamento histórico-arqueológico da Estrada Real: o Capão do Lana – Ouro Preto / MG.
Relatório Final. Belo Horizonte: Laboratório de Arqueologia da Fafich/UFMG, 2008.
____________________. Pesquisa Histórico-Arqueológica sobre Aredes – Município de Itabirito / MG. Relatório Final.
Belo Horizonte: Cooperativa Cultura, 2010.
RUSSEL-WOOD, A. J. R. “O Brasil Colonial: O Ciclo do Ouro, c. 1690-1750”. In: BETHELL, Leslie (org.).
América Latina Colonial. Vol. II. São Paulo: Edusp – Editora da Universidade de São Paulo, 1999.
VÁRIOS. Barroco. Belo Horizonte: UFMG, 1972; nº 4.
WALSH, Robert. Notícias do Brasil (1828-1829). Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1985. Reconquista do
Brasil; Nova Série, v. 75.
Referências Cartográficas
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lhe ficam mais perto, que ao da Vila de S. José a que pertencem e igualmente o de S. Antônio do Rio das Pedras, que toca ao
do Sabará, o que remonta pela Escala, ou Petipé de léguas. [18--]. APM-080.
Carta Geográfica do Termo de Villa Rica, em q se mostra que os Arrayaes de Catas Altas da Noroega, Itaberaba e Carijós
lhe ficão mais perto, q ao da Villa de S. José a q pertencem, e igualmente o de S. Antônio do Rio das Pedras, q toca ao do
Sabará, o q se mostra, pela Escala, ou Petipe de Léguas. ca. 1766. In: COSTA, Antônio Gilberto (org.). Cartografia da
conquista do território das Minas. Belo Horizonte: Editora UFMG; Lisboa: Kapa Editorial, 2005. p. 222.
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Demonstração dos afluentes do Rio São Francisco, em Minas Gerais: mapa com texto sobre os “Aredês, Araraos e
Taboyaras”. Fonte: Biblioteca Nacional e Biblioteca Digital Mundial.
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Mappa da Comarca de Villa Rica. José Joaquim da Rocha, ca.1740-1804. Fonte: Biblioteca Nacional.
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Paulo Júlio Valentim Bruna), Editora da Universidade de São Paulo/ Imprensa Oficial do Estado de São Paulo /
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Parte do novo Mapa da Capitania de Minas Gerais”. Levantado por... 1821. Fonte: COSTA, Antônio G. (org.).
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Fonte Documental
Auto de Seqüestro. 1822. Códice 342, Auto 7156, 1º Ofício. Arquivo Histórico da Casa do Pilar do Museu da
Inconfidência / AHCPMI (Ouro Preto/MG).