cartÉis brasileiros e formas de repressÃo a luz do …siaibib01.univali.br/pdf/monique pedroso...

73
1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO CARTÉIS BRASILEIROS E FORMAS DE REPRESSÃO A LUZ DO DIREITO ECONÔMICO MONIQUE VIZONI MATTOS PEDROSO OLIVEIRA DECLARAÇÃO “DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PUBLICA EXAMINADORA”. ITAJAÍ (sc), de Novembro de 2010. ___________________________________________ Professora Orientadora: MSc. Adriana Maria Gomes de Souza Spengler UNIVALI – Campus Itajaí-SC

Upload: others

Post on 19-Feb-2021

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 1

    UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

    CARTÉIS BRASILEIROS E FORMAS DE REPRESSÃO A LUZ DO DIREITO ECONÔMICO

    MONIQUE VIZONI MATTOS PEDROSO OLIVEIRA

    DECLARAÇÃO

    “DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PUBLICA EXAMINADORA”.

    ITAJAÍ (sc), de Novembro de 2010.

    ___________________________________________ Professora Orientadora: MSc. Adriana Maria Gomes de Souza Spengler

    UNIVALI – Campus Itajaí-SC

  • i

    UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

    CARTÉIS BRASILEIROS E FORMAS DE REPRESSÃO A LUZ DO DIREITO ECONÔMICO

    MONIQUE VIZONI MATTOS PEDROSO DE OLIVEIRA

    Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel

    em Direito. Orientadora: Professora MSc. Adriana Maria Gomes de Souza Spengler

    Itajaí, Novembro de 2010

  • ii

    AGRADECIMENTO

    A amiga e Professora MSC. Adriana, minha orientadora, pelo apoio, dedicação e colaboração

    no auxilio das orientações transmitidas para a conclusão desta monografia.

  • iii

    DEDICATÓRIA

    Ao meu pai, Marcus, por sua presença excepcional em minha vida, a minha mãe Claudia

    pelo incansável amor dedicado a toda essa trajetória.

    A minha irmã Penelope, pelo grande exemplo de vitória e determinação.

    Ao meus avós Tony e Josette, por todo o amor e ternura a mim dedicados, mesmo na ausência.

    Ao, Marcio, pelo grande apoio e companheirismo, o qual me proporcionou em minha trajetória

    acadêmica.

    A Deus por sempre ter iluminado meu caminho e ter estado ao meu lado sempre.

    A todos aqueles que, ainda, não podem vivenciar

    seus amores em plenitude, como tributo a dignidade da pessoa humana.

  • iv

    TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

    Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

    ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

    Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

    toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

    Itajaí, Novembro de 2010

    Monique Vizoni Mattos Pedroso de Oliveira Graduanda

  • v

    PÁGINA DE APROVAÇÃO

    A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

    Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Monique Vizoni Mattos Pedroso de

    Oliveira, sob o título Cartéis Brasileiros e formas de repressão a luz do Direito

    Econômico, foi submetida em 25 de novembro à banca examinadora composta

    pelos seguintes professores: Adriana Maria Gomes de Souza Spengler (orientadora

    e presidente da banca e Wellington Cesar de Souza (membro da banca) a nota

    ________________________(____).

    Itajaí, Novembro de 2010

    Professora MSc. Adriana Maria Souza Gomes Spengler Orientador e Presidente da Banca

    Professor MSc. Antonio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

  • vi

    ROL DE CATEGORIAS

    CARTEL

    “É um acordo explicito ou implícito entre concorrentes para principalmente, fixação

    de preços ou quotas de produção, divisão de clientes ou de mercados de atuação. É

    considerado o mais grave lesão à concorrência1”

    CRIME ECONOMICO ORGANIZADO

    “A criminalidade organizada é um fenômeno cambiante que segue mais ou menos

    as tendências dos mercados nacionais e internacionais, o que torna difícil de ser

    isolada; compreende uma gama de delitos sem vítimas imediatas ou com vítimas

    difusas, que não são levadas ao conhecimento das autoridades [...]; possuem

    tradicionais solos férteis em base nacionais e em outros países; dispõe de múltiplos

    disfarces e simulações2”

    DIREITO CONCORRENCIAL

    “O direito concorrencial pode ser entendido como o ramo do Direito Penal-

    Econômico que disciplina as relações de mercado entre os agentes econômicos e os

    consumidores, tutelando-lhes, sob sanção, o pleno exercício do direito à livre

    concorrência como instrumento da livre iniciativa, em prol da coletividade3.

    DIREITO ECONÔMICO

    “O direito Econômico é o direito da economia dirigida [...] surge como conjunto das

    técnicas jurídicas de que lança mão o Estado contemporâneo na realização de sua

    política econômica. Ele constitui assim, a disciplina normativa da ação estatal sobre

    as estruturas do sistema econômico”4

    DIREITO PENAL ECONÔMICO

    1 GULLO, Roberto Santiago Ferreira. Direito penal econômico . Rio de Janeiro: lúmen júris, 2001.p.3 2 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direito Penal Econômico e Direito Penal dos Negócio s. p.43 3 MARTINS, Rogério Gandra da Silva. Direito Concorrencial – aspectos jurídicos e econômicos.p.78 4 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Direito Penal Econômico e Direito Penal dos Negócio s. p. 43

  • vii

    “É um conjunto de normas que tem por objeto sancionar, com as penas que lhe são

    próprias, as condutas que, no âmbito das relações econômicas, ofendam ou ponham

    em perigo bens ou interesses juridicamente relevantes.5

    LIVRE CONCORRÊNCIA

    “A livre concorrência pode ser definida como situação em que encontram os diversos

    agentes econômicos de competirem, entre si, de forma leal [...] a livre concorrência

    pressupõe liberdade de competitividade, de rivalidade, com a atuação de vários

    agentes econômico no mesmo sentido, de forma a garantir a liberdade de

    permanecia no mercado [...]”6.

    LIVRE INICIATIVA

    “A livre iniciativa é como um princípio de decorrência lógica da proteção ao principio

    da livre concorrência, eis que todos devem ter o direito de se inserir no mercado

    contestando os que já se encontram nele, buscando a melhor qualidade dos

    produtos e fixando preços mais competitivos.”7

    5 GULLO, Roberto Santiago Pereira.Direito Penal Econômico .p.3 6 GATTO. A. C dos Santos. A defesa da livre concorrência e a Proteção do Cons umidor . Revista

    do Ibrac, São Paulo,v.9;2002.p.176 7 PRADO, Luiz Regis.Direito Penal Econômico . 3ª Ed. São Paulo. RT. 2009.p.35

  • viii

    SUMÁRIO

    RESUMO............................................................................................ X

    INTRODUÇÃO ..................................................................................11

    CAPÍTULO 1 ......................................... ............................................13

    DIREITO PENAL ECONÔMICO............................ ............................13

    1.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS ............................ ................................................ 13 1.1.1 A ordem econômica ............................ ...................................................... 13 1.1.2 Disciplina Constitucional.................... ...................................................... 16

    1.2 DIREITO PENAL ECONOMICO ........................ ............................................ 18 1.2.1 Conceituação................................. ............................................................ 18 1.2.2 Delito econômico ............................. ......................................................... 21

    1.3 CRIME ECONOMICO ORGANIZADO..................... ...................................... 23 1.3.1 Característica do Crime Organizado.......... ............................................. 23 1.3.2 Transnacionalidade........................... ........................................................ 25

    CAPÍTULO 2 ......................................... ............................................28

    DIREITO CONCORRENCIAL .............................. .............................28

    2.1 CONCORRÊNCIA COMO INSTITUTO JURÍDICO RELEVANTE . ................ 28 2.1.1 Notas introdutórias .......................... ......................................................... 28 2.1.2 Antecedentes Históricos ...................... .................................................... 28

    2.2 EVOLUÇÃO DO DIREITO CONCORRENCIAL NO BRASIL E S EU PANORAMA ATUAL ..................................... ...................................................... 30 2.2.1 Considerações iniciais....................... ....................................................... 30 2.2.2 Breve conceituação do Direito Concorrencial. ...................................... 33

    2.3 DOS PRINCÍPIOS DE DIREITO ECONÔMICO E DA CONCORRÊNCIA..... 34 2.3.1 Livre Iniciativa ............................. .............................................................. 36 2.3.2 Livre concorrência ........................... ......................................................... 37 2.3.3 O abuso do poder econômico................... ............................................... 39

    2.4 A LEGISLAÇÃO ANTITRUSTE – LEI 8.884 DE 11.06.19 94. ....................... 42

    CAPÍTULO 3 ......................................... ............................................45

    OS CARTÉIS BRASILEIROS E FORMA DE REPRESSÃO A LUZ D O DIREITO ECONÔMICO.....................................................................45

  • ix

    3.1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 45 3.1.1 O crime de cartel na legislação brasileira. .. ............................................ 46 3.1.2 Conduta típica ............................... ............................................................ 50

    3.2 O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA À CONCORRÊNCIA - SBDC - E SUAS ESTRUTURAS ORGANIZACIONAIS NO COMBATE AO CRIME DE CARTEL............................................. .................................................................. 51 3.2.1 Controle de estruturas de mercado............ ............................................. 52 3.2.2 Repressão a condutas anticompetitivas ........ ......................................... 53 3.2.2.1 CADE – Conselho Administrativo de Defesa Ec onômica ...............................54 3.2.2.2 SDE – Secretaria de Direito Economico ...... .....................................................55 3.2.2.3 SEAE – Secretaria de Acompanhamento Econômi co .....................................56

    3.3 MEIOS DE PROVAS E INVESTIGAÇÃO NA APURAÇÃO DO C RIME DE CARTEL............................................. .................................................................. 57

    3.4 PERSECUÇÃO CRIMINAL – AÇÃO PENAL EM CASOS DE FO RMAÇÃO DE CARTEL............................................. .................................................................. 59 3.4.1 O acordo de leniência ........................ ....................................................... 60 3.4.2 Requisitos ................................... ............................................................... 62 3.4.3 Das conseqüências do acordo de leniência ..... ...................................... 64 3.4.3.1 Das conseqüências administrativas.......... .......................................................64 3.4.3.2 Das conseqüências criminais ................ ...........................................................66

    CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................69

    REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS...................... .....................71

  • x

    RESUMO

    O tema proposto no presente trabalho de monografia objetiva

    analisar sob o enfoque do Direito Concorrencial a perniciosa prática de cartéis. Para

    tal fim, com escopo na Lei Antitruste e demais disposições legais afins, será

    enfatizado num primeiro momento o Direito Penal econômico como um ramo que se

    ocupa em tutelar a ordem econômica através da tipificação de condutas. A partir do

    estudo do Direito Penal Econômico e suas características, segue-se com as

    características do crime econômico organizado com enfoque na formação de cartéis,

    prática que interfere na livre concorrência e deve ser combatida. Faz-se um

    levantamento dos instrumentos à disposição do Estado para reprimir essa prática, os

    meios de investigação usuais e o acordo de leniência com suas características e

    conseqüências práticas.

  • 11

    INTRODUÇÃO

    A presente Monografia tem como objeto, sob o enfoque do

    Direito concorrencial, a formação dos cartéis que atentam contra a livre

    concorrência.

    O seu objetivo geral é o estudo do crime econômico

    organizado, consubstanciados na prática danosa de formação de cartéis e como

    objetivo institucional a obtenção do título de bacharel em Direito pela Universidade

    do Vale do Itajaí – UNIVALI.

    Para tanto, principia–se, no primeiro capítulo, tratando do

    Direito Penal econômico, tendo a ordem econômica como bem jurídico penalmente

    tutelado, passando à análise desse tipo de criminalidade organizada com suas

    características especificas.

    No segundo capitulo, enfoca-se o Direito concorrencial , sua

    evolução e princípios que o norteiam, enfocando, por fim, as situações que

    configuram o abuso do poder econômico e a chamada legislação antitruste.

    No terceiro e último capítulo, abordar-se-á os aspectos

    relativos à prática da formação de cartéis, analisando as condutas relevantes e o

    sistema brasileiro de defesa da concorrência, com os orgãos envolvidos na

    investigação, os meios de provas, finalizando com o acordo de leniência e suas

    conseqüências.

    O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

    Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

    seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a

    criminalidade organizada.

    Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

    Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o

  • 12

    Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia

    é composto na base lógica Indutiva.

    Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

    hipóteses:

    1ª Hipótese: O avanço do poder econômico resulta algumas

    vezes em práticas abusivas que colocam em risco a livre concorrência e a livre

    iniciativa.

    2ª Hipótese: O ordenamento jurídico brasileiro reprime a prática

    de ajustes de preços pela concorrência para evitar prejuízos a ordem econômica.

    3ª Hipótese: Prevê a legislação brasileira que na ocorrência de

    formação de cartel é possível a um participante denunciar essa prática ilícita e obter

    benefícios a partir daí.

    Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas

    do Referente8, da Categoria9, do Conceito Operacional10 e da Pesquisa

    Bibliográfica11.

    8 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o

    alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54.

    9 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25.

    10 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37.

    11 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209.

  • CAPÍTULO 1

    DIREITO PENAL ECONÔMICO

    1.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS

    O mundo contemporâneo tem como um de seus pilares as

    relações econômicas, através da globalização e formação de grandes blocos

    econômicos intensificando-se as relações comerciais entre as nações. Nesse

    contexto o Direito Penal torna-se meio para conter os excessos, tarefa árdua como

    enfatiza a doutrina. Pinheiro Júnior12 assim destaca

    “[...] não é demais presunção apontar que, em determinados casos e dependendo do tamanho do poder que se detém , nem mesmo o Direito Penal pode impor limite ao avanço do poder econômico. Tal aspecto torna-se mais gritante quando constatamos inúmeras lacunas e falhas legislativas na matéria, aliada à impressionante velocidade com que as transformações sociais desenvolvem no campo econômico.”

    O problema coloca-se, então em descobrir se a atual legislação

    penal econômica, em comparação ao que existe em outros sistemas jurídicos,

    consegue aplicabilidade prática para limitar tal poder econômico ou se se destina

    apenas a formalmente impedi-lo.

    1.1.1 A ordem econômica

    A ordem econômica nasce no seio social protegendo, ao final,

    o bem estar coletivo, a sociedade como um todo, sendo que em sentido amplo esta

    fundada:

    [...] na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa enquanto valores sociais, sendo que por expressa disposição constitucional sua finalidade é assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170 da Constituição Federal). Demais

    12 PINHEIRO JÚNIOR, Gilberto José. Crimes Econômicos. As limitações do Direito Penal. p.03

  • 14

    disso, observa-se exsurgir de sua principologia valores como a soberania nacional, a defesa do consumidor a redução das desigualdades sociais etc.13

    A ordem econômica nas palavras de Feldens pode ser assim

    caracterizada:

    [...] traduz a concepção ideológica do Estado para a solução de conflitos sociais resultantes do jogo econômico, refletindo a política econômica e os meios jurídicos de sua consecução, designando, em termos operacionais, não um conjunto de normas reguladoras de relações sociais, mas de uma relação de fenômenos econômicos materiais entre si e entre os sujeitos econômicos14.”

    Verifica-se que a ordem econômica expressa-se de duas

    formas, estrita e ampla, posto que:

    Na primeira, entende-se por ordem econômica e regulação

    jurídica da intervenção do Estado na economia; na segunda, mais abarcante, a

    ordem econômica é conceituada como a “regulação jurídica da produção, distribuição e

    consumo de bens e serviço”.15

    A ordem econômica constitui-se na participação do Estado no

    setor econômico, podendo, restritamente, ser até negativa, no entanto, um amplo

    contexto de valores, notadamente coletivos e sociais está a justificar essa

    intervenção estatal de controle sobre essas relações econômica, principalmente

    porque “as concentrações decorrentes do abuso do poder econômico sujeitam o

    mercado exclusivamente a lógica de mais valia e do acumulo de riquezas, portanto

    despojado do sentido social que deve orientar as relações de produção”16

    protegendo desta forma a regularidade e a desenvoltura do setor econômico.

    Fonseca define ordem econômica como “conjunto estabelecido

    pela Constituição e que tem por objetivo fixar parâmetros da atividade econômica,

    13 JUNIOR, Gonçalo Faria de Oliveira. Ordem econômica e o Direito Penal Antitruste . p. 31 14 FELDENS, Luciano. Tutela penal de interesses difusos e crime do colar inho branco .p.120 15 PRADO, Luiz Regis. Direito Penal Econômico . 3ª Ed. São Paulo. RT. 2009.p.35 16 JUNIOR, Gonçalo Farias de Oliveira. Ordem Econômica e o Direito Penal Antitruste .p.36

  • 15

    coordenando a atuação dos diversos sujeitos que põem em prática aquela mesma

    atividade”.17.

    Há de se levar em conta que o desenvolvimento econômico

    organizado torna-se uma necessidade de toda a sociedade, incluindo-se entre os

    chamados direitos de terceira geração, difusos ou supra-individuais, vez que diz

    respeito a toda coletividade. No entanto, a crescente “quebra da ordem econômica” tem

    chamado a atenção dos criminólogos, que “tem se ocupado do binômio economia-delito, ou

    melhor, atividade econômica e atividade delitiva.”18

    Callegari19 posiciona-se no seguinte sentido:

    [...] o legislador constitucional brasileiro fez referencia expressa aos crimes econômicos na Constituição de 1988 buscando assim reprimir o abuso do poder econômico que visasse a dominação de mercado, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros [...] o fundamento desta idéia é que o sistema econômico é, na realidade, o substrato global de interesses individuais , tratando-se de um bem jurídico individual e autônomo, entretanto, de característica coletiva. Atribui-se esse perfil metaindividual ao objeto de proteção da norma para impedir o comprometimento dos destinos econômicos de toda uma sociedade e evitar a erosão do sistema democrático de direito [...]

    Neste ínterim, torna-se imprescindível distinguir “os

    comportamentos de relevância jurídico-penal dos problemas morais”20, uma vez que

    “a concorrência desleal, as fraudes ao fisco, o contrabando e muita outras figuras

    não são conseqüências de necessidade econômica, no sentido de pobreza do

    sujeito ativo, é um móvel diferente, o enriquecimento ilícito”21, surgindo, então a

    necessidade de tutela penal da ordem econômica.

    17 Lei de Proteção da Concorrência – Comentários à Le i Antitruste . Editora Forense. Rio de

    Janeiro. 1995.p.86 18 GULLO, Roberto Santiago Ferreira. Direito Penal Econômico . p. 09 19 CALLEGARI, André Luis. Lavagem de Dinheiro. Porto Alegre; Livraria dos Advogados

    .2008.p.82;83 20 GULLO, Roberto Santiago Ferreira. Direito Penal Econômico . p. 08 21 ABDALA, Edson Vieira. Comentários à Nova Lei Antitruste . p.54

  • 16

    1.1.2 Disciplina Constitucional

    A ordem econômica foi inserida no texto constitucional somente

    a partir do século XX, “fato impensável nos séculos XVIII e XIX, pois, conforme se

    acreditava, as relações econômicas deveriam estar fora do alcance da intervenção

    do Estado”22, ou seja os particulares que deveriam resolver as questões no tocante à

    ordem econômica.

    Importante mencionar para o presente trabalho que as

    primeiras Constituições que tratarem do tema foram a Constituição Mexicana de

    1917 e a Constituição de Weimar (Weimarer Verfassung) de 1919, as quais

    marcaram a história do processo de juridicização da ordem econômica, sendo que:

    [...] a ordem econômica adquiriu a dimensão jurídica a partir do momento em que as constituições passaram a disciplina-las sistematicamente, o que teve inicio com a Constituição Mexicana de 1917. Mas foi a partir das Constituições que se inspiraram na Carta de Weimar de 1919 – a qual exprimiu a agonia do Estado liberal – que a evolução foi observada, mais frequentemente naquelas que sucederam o Segundo Grande Conflito Mundial.23

    Em conseqüência, a Carta Política de 1937, dispôs nos artigos

    135 a 155, sobre a intervenção do Estado no domínio econômico, sendo que:

    [...] somente legitimava tal recurso “para suprimir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção , de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado.”24

    Denota-se que a Constituição de 1946 tratava do tema

    ordem econômica e social em seu Título V, composto de dezessete artigos,

    destacando-se o artigo 145, determinando que “a ordem econômica fosse organizada

    conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a

    valorização do trabalho humano”25. Importante transcrever o artigo 148 que aduzia:

    22 JUNIOR, Gonçalo Faria de Oliveira. Ordem econômica e o Direito Penal Antitruste .p. 46 23 JUNIOR, Gonçalo Faria de Oliveira. Ordem econômica e o Direito Penal Antitruste .p. 46 24 JUNIOR, Gonçalo Faria de Oliveira. Ordem econômica e o Direito Penal Antitruste .p.47 25 JUNIOR, Gonçalo Faria de Oliveira. Ordem econômica e o Direito Penal Antitruste .p.65

  • 17

    [...] A lei reprimirá todo e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar a arbitrariamente os lucros”

    Por sua vez a nossa Constituição Federal de 1988

    consagrou:

    [...] as idéias de liberdade de iniciativa, condições de consumo, de emprego, e saúde, bem como a de que o Estado possa intervir sempre em que a liberdade de iniciativa não estiver sendo exercida em proveito da sociedade ou em desconformidade com os anseios sociais”26

    No tocante as perspectivas da Ordem Econômica e

    Financeira, tem-se na Carta Política de 1988, a “denominada Constituição

    Econômica, como marco jurídico para a ordem e o processo econômico”27, onde

    vislumbra-se vários princípios constitucionais a justificar a denominação, os quais

    funda-se na:

    [...] valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, de modo a assegurar o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização estatal, salvo nos casos previstos expressamente em lei. Tem por fim garantir a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Desse modo, ressalvadas as hipóteses previstas constitucionalmente, o Estado não deve intervir na atividade econômica, ou seja, apesar de legitimado para tal, está também limitado nos termos da própria Constituição28 [...].

    A ordem econômica na Constituição Federal de 1988,

    está prevista em seu artigo 170.

    Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

    I - soberania nacional;

    26 PRADO, Luis Regis. Direito Penal Econômico .p.37 27 PRADO, Luis Regis. Direito Penal Econômico .p.37 28 JUNIOR, Gonçalo Faria de Oliveira. Ordem econômica e o Direito Penal Antitruste .p.69

  • 18

    II - propriedade privada;

    III - função social da propriedade;

    IV - livre concorrência;

    V - defesa do consumidor;

    VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

    VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

    VIII - busca do pleno emprego;

    IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

    1.2 DIREITO PENAL ECONOMICO

    1.2.1 Conceituação

    A economia e a ordem econômica são reguladas pelas

    normas de Direito Econômico, o qual nas palavras de Gullo29 constituem em “um

    conjunto de técnicas jurídicas de que lança mão o Estado contemporâneo para

    realização de sua política econômica”.

    No entanto:

    [...] já se antevia, desde o início do século XX, um surto de “um novo tipo de criminalidade, fomentado por essa trama complicada que envolvia o mundo dos negócios, fazendo com que a violência cedesse passo à inteligência e a astucia [...].

    Neste viés, percebe-se a necessidade da intervenção do

    Estado no campo das relações econômicas, também porque “deve subsistir a

    29 GULLO, Roberto Santiago Ferreira. Direito Penal Econômico .p.01

  • 19

    liberdade das iniciativas particulares, mas sob a assistência ou controle do Estado

    que intervirá como seu jus imperii, para proteger os interesses justos, para corrigir

    falhas da iniciativa particular, para garantir o interesse nacional”30

    Historicamente, ao se reportar a desordem econômica,

    percebe-se que se agravou a partir da 1º Guerra Mundial:

    [...] momento considerado como de real surgimento do Direito Penal Economico. Realidade nunca antes vista, com repercussões em muitas áreas, abalando estruturas sólidas, mobilizando a economia em esforços de guerra, acaba por obrigar o Estado a intervir no mercado, passando a ser instrumento controlador da vida econômica”31

    E continua:

    [...] a crise de 1929 foi decorrente de uma série de eventos ainda ligados à noção econômica liberal. A evolução das grandes corporações e de verdadeiros monopólios de mercados produziu grande distância entre custos e preços finais, por onde se vislumbraram lucros absolutamente irreais e fora de propósito”.32

    Segue-se assim:

    [...] a 2ª Grande Guerra e mais um período de profunda intervenção estatal, chega-se a segunda metade do século XX, onde novas, outras considerações passam a fazer parte da realidade social. Novos riscos, enfim, vêm a alterar o cotidiano, como até então se conhecia, propiciando fraudes, falências e desvios, até então inimagináveis [...]”33

    Callegari34 discorre sobre o papel do Direito Penal

    Econômico:

    [...] similar às leis mercantis antimonopólio que perseguem, exclusivamente, evitar os abusos. Sobre a base de impossibilidade de uma concorrência perfeita, cuja formulação teórica foi qualificada de idílica, as restrições penais mercantis tratam de criar o marco

    30 BETTI, Francisco de Assis. Aspectos dos crimes contra o sistema financeiro no Brasil .p. 36 31 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal econômico como direito penal de perig o.p.20 32 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal econômico como direito penal de perig o.p.21 33 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal econômico como direito penal de perig o.p.24 34 CALLEGARI, André Luis. Lavagem de Dinheiro.p.19

  • 20

    idôneo em que a concorrência deve-se desenvolver. Afirmo-se que a defesa da concorrência reconhece o direito a competir que detem quem participa profissionalmente no tráfico econômico; a repressão das práticas restritivas estabelece, ademais, o dever de competir, o castigo da concorrência ilícita,o dever de competir lealmente”.

    E conclui que:

    [...] o desenvolvimento e as peculariedades do mundo moderno e da sociedade atual ,mais do que requerem, acabam por exigir um certo controle por parte do Estado. Produzindo uma ruptura no equilíbrio que, pretensamente deve existir para um chamado desenvolvimento normal das etapas das relações econômicas, cuida-se de uma criminalização de condutas que podem por em perigo a própria estrutura econômica.”35

    O Direito Penal Econômico segundo Pimentel36 é:

    [...] o conjunto de normas que tem por objetivo, sancionar com as penas que lhe são próprias, as condutas que, no âmbito das relações econômicas ofendam e ponham em perigo bens ou interesses juridicamentes relevantes”.

    Silveira37 explica que;

    “ [...] o Direito Penal Econômico ganhou ares de neocriminalização, sendo motivo de preocupação de diversos organismos internacionais. A presença crescente do chamado, corporate crime, da criminalidade dos negócios e das empresas na sociedade moderna impôs um repensar quanto à funcionalidade do Direito Penal. Os valores da igualdade e da solidariedade , regentes dos tempos atuais necessitavam de outros meios para se firmarem. Além disso, considerando-se o desequilíbrio entre as forças econômicas bem como a crise pelo qual passou a economia mundial, novos pensamentos foram dados a este novo ramo do Direito Penal [...]”.

    Em uma posição similiar, Penã Cabrera38, assevera:

    “O Direito Penal Econômico é um direito interdisciplinar que protege a ordem econômica como ultima ratio, como último recurso utilizado pelo Estado e logo depois de haver lançado mão de todos os instrumentos de política econômica ou de controle de que dispõe

    35 CALLEGARI, André Luis. Lavagem de Dinheiro .p.23 36 PIMENTEL, Manoel Pedro. Direito Penal Econômico . P10 37 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-Individual . P.142 38 PENA CABRERA, Raul. Tratado de Derecho Penal – parte especial .p.124

  • 21

    para uma eficaz luta contra diversas formas de criminalidade econômica [...]”

    Sendo assim, verifica-se que o Direito Penal Econômico é

    realidade nos dias de hoje, frente as grandes inovações e transformações ocorridas

    na sociedade

    1.2.2 Delito econômico

    O delito econômico tem como sua característica mais

    notória os danos financeiros, os quais, na maioria das vezes resultam no desvio do

    poder econômico. Importante ressaltar, que o poder econômico só pode ser

    reprimido quando orientado a dominação do mercado ou quando atua de forma

    lesiva à concorrência.

    Bulgarelli39 aponta duas definições para o delito econômico

    [...] é infração jurídico penal que lesiona ou põe em perigo a ordem econômica estendida como regulação jurídica do intervencionismo estatal na econômica [...]

    Mais adiante ainda define.

    [...] no conceito amplo é a infração que, afetando um bem jurídico individual, põe em perigo, em segundo plano, a regulação jurídica da produção, distribuição e consumo de bens e serviços. São abrangidas por essa acepção, os crimes falimentares, concorrência desleal, abusos de crédito, estelionato, fraudes nos bens de consumo, os crimes contra a organização do trabalho, os relacionados com as atividades das sociedades mercantis [...]”40

    Conforme Frontini41, o crime econômico:

    39 BULGARELLI, Waldirio. Concentração de empresas e direito antitruste . p.32 40 BULGARELLI, Waldirio. Concentração de empresas e direito antitruste . p.33 41FRONTINI, Salvador. Crime Econômico por meio da empresa. Relevância d a omissão

    causal,in Revista de Direito Mercantil; vol. 5, Ano XI,p.42 e 43.

  • 22

    Trata de condutas que, assimilando as feições por que se exteriorizam nas atividades produtoras, buscam o enriquecimento nas atividades produtoras, buscam o enriquecimento ilícito, através da fraude. Despontam geralmente , sob a aparência de pessoas jurídicas, acenando com promissoras vantagens ao público em geral, Não raro assumem parâmetros oficiais, constituindo-se sob forma legal. E, doutras feitas, essa criminalidade é ainda mais sutil, porque ocorre de modo sub-reptício, mas constante, em meio a atividades ou empreendimentos que, sob todos os outros aspectos, são úteis e válidos à sociedade.

    O crime econômico possui alguns traços que o diferenciam dos

    demais, mas que, por outro lado, o aproxima também do crime organizado em

    alguns aspectos. A formação de um crime econômico passa por alguns traços

    identificadores e individualizantes como assim define Salomão42:

    [...] O delito econômico reza destas principais características: infiltração no governo como meio de corrupção; adoção da estrutura societário – empresarial; intervenção em atividades econômicas de terceiros de forma sub-reptícia; poder de interferir especulando na economia; incriminação por meio de delitos de perigo abstrato, por meio de uma antecipação dos estados de risco; objetivando sempre a rentabilidade da atividade em detrimento a economia; transnacionalidade das células criminosas [...]

    Diante desses fatores, o crime econômico se depara com um

    Estado e um mundo que não estão suficientemente adaptados para puni-los

    eficazmente, o que gera uma hipótese perigosa, como lembra Marcelo Gazzi

    Taddei43:

    [...] Essa nova espécie de criminalidade introduzida pelo processo de globalização da economia, desenvolvida em ambiente macro, mais especificamente, nos processos de integração econômica, tem como protagonistas personagens que sempre figuraram a frente do processo de desenvolvimento econômico das chamadas nações civilizadas. No entanto, nunca fora alcançada uma magnitude tão maléfica dos seus efeitos como a atual. Uma ofensividade de ordem econômica, política e social, nunca vista. É verdadeiramente a criminalidade dos poderosos [..]”

    42 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial – as estruturas .p.215 4343 TADDEI, Marcelo Gazzi. “O CADE e o controle preventivo dos atos de concentr ação

    empresarial ” publicado na Revista de Direito Mercantil.p.86

  • 23

    1.3 CRIME ECONOMICO ORGANIZADO

    1.3.1 Característica do Crime Organizado

    A criminalidade econômica nem sempre está ligada a

    criminalidade organizada, mas na maioria das vezes existe uma organização

    criminosa que atua na comissão destes delitos, seja pela necessidade de uma

    estrutura altamente organizada, com esferas, inclusive, internacionais, seja pelo tipo

    do delito a ser cometido.

    Feldens44 aduz que: [...] pode-se afirmar que os grandes delitos

    econômicos requerem uma estrutura para sua realização [...].

    Nesse sentido, destaca Martins45 no tocante a criminalidade

    organizada:

    [...] a criminalidade organizada é um fenômeno cambiante que segue mais ou menos as tendências dos mercados nacionais e internacionais, o que torna difícil de ser isolada; compreende uma gama de delitos sem vítimas imediatas ou com vítimas difusas, que não são levadas ao conhecimento das autoridades [...] possuem tradicionais solos férteis em base nacionais e em outros países; dispõe de múltiplos disfarces e simulações [...]

    E ainda continua:

    [...] a criminalidade organizada detem de um grande poder baseado numa estratégia global, numa estrutura organizada que permite aproveitar as fragilidades estruturais do sistema penal; provoca grandes danos sociais [...] apresente intricados esquema de conexões com outros grupos criminosos e uma rede subterrânea de ligações com os quadros oficiais da vida social econômica e política da comunidade; expõe um poder de corrupção de difícil visibilidade , em resumo é capaz de tornar inertes o poder público46.”

    Em sentido mais estrito:

    44 FELDENS, Luciano. Tutela penal de interesses difusos e crime do col arinho branco .p133 45 MARTINS, Rogério Gandra da Silva. Direito Concorrencial – aspectos jurídicos e

    econômicos .p.67 46 MARTINS, Rogério Gandra da Silva. Direito Concorrencial – aspectos jurídicos e

    econômicos .p.68

  • 24

    [...] é um fenômeno social, econômico, político, cultural, fruto da sociedade contemporânea, análogo ou relacionado a outros fenômenos, tais como a criminalidade política e econômico-financeira47

    Percebe-se, também, que há uma grande semelhança entre a

    criminalidade organizada e uma instituição, posto que nas palavras de Prado48:

    [...] a medida que a atividade criminosa exibe-se como negocio (business) com o propósito de gerar o Maximo de lucro, em determinado território ou setor da economia como uma estrutura sistematizada apta à pratica lucrativa de ilícitos penais, à imagem de qualquer empreendimento que reúna pessoas e capitais, sob uma direção única, para consecução de objetos pré-estabelecidos”

    A criminalidade organizada vem “incrementado sua dimensão e

    percepção social e caracterizando-se na maioria das vezes pela superação de

    fronteiras [...] 49”

    No entanto, no que diz respeito a criminalidade organizada

    infiltrada no âmbito econômico, verifica-se:

    [...] “referida criminalidade não adota a violência como principal instrumento de trabalho, mas sim a corrupção, e o abuso do poder econômico, que por si só é mais silencioso de modo a favorecer o êxito dos objetivos da organização com riscos menores de persecução50”

    Pode se afirmar, portanto, que a presença da criminalidade

    organizada na economia limita a liberdade de acesso e a oportunidade de outras

    empresas ingressarem na atividade econômica, prejudicando assim a livre

    concorrência e a livre iniciativa, princípios estes previstos constitucionalmente.

    47 PRADO, Luiz Régis. Direito Penal Econômico . p.371 48 PRADO, Luiz Régis. Direito Penal Econômico . p.372 49 PRADO, Luiz Régis. Direito Penal Econômico . p.373 50 PRADO, Luiz Régis. Direito Penal Econômico . p.374

  • 25

    1.3.2 Transnacionalidade

    O mundo encontra-se envolvido numa constante transição,

    sem precedentes da historia da humanidade, tanto é que “as relações econômicas,

    financeiras, sociais, políticas e jurídicas são hoje determinadas, em sua maioria, por

    processos globais, em que culturas e fronteiras internacionais são redimensionadas

    a cada dia.51”

    Não diferente, a criminalidade deixou de ser um problema de

    cunho doméstico dos países, principalmente quando e esta a tratar de crime

    organizado, onde a transnacionalidade ostenta-se num dos principais traços

    distintivos desse tipo de delito, o qual “não se limita a atuar em territórios nacionais;

    ao contrario, espraia-se por outros países”52 é planejado e executado em âmbito

    mundial, atingindo todas as nações e a humanidade como um todo”.53

    O Estado incapaz de organizar métodos de combates

    eficientes, bem como o impacto da macrocriminalidade possibilita que este

    adquirisse características globais, “deixando de ser conseqüência para ser processo

    e forma de desenvolvimento de poder. Sua influência perante a economia o

    transformou de subproduto dos negócios para ser um negocio em si mesmo54,

    potencializando assim seu poder, onde “ampliaram-se os meio para obter resultados

    nos negócios ilícitos [...] e conseqüentemente facilitando a multiplicação dessas

    relações com a economia legal 55”

    Tanto que:

    [...] o chamado “Crime Organizado”, movimenta ao redor do mundo, o montante superior a USS 480bilhoes por ano, o que representa 2%

    51 BARROS,Marco Antonio. Lavagem de capitais e obrigações civis correlattas . 2 ed. São Paulo.

    RT, 2008.p.33 52 BARROS,Marco Antonio. Lavagem de capitais e obrigações civis correlattas .p.35 53 BARROS,Marco Antonio. Lavagem de capitais e obrigações civis correlattas .p.36 54 BULGARELLI, Waldemiro. Concentração de empresas e direito antitruste .p.56 55 BULGARELLI, Waldemiro. Concentração de empresas e direito antitruste .p.56

  • 26

    do PIB mundial, afigurando-se para alguns, individualmente, a maior ameaça global desde da Guerra Fria”56

    Desse modo cumpre se reportar as características da

    transnacionalidade, e verificar as razões que carrearam seu desenvolvimento e os

    mecanismos de sua consolidação.

    Nesse sentido, argumenta Grau57

    [...] o primeiro dos marcos sociais que se pode reputar-se como geratriz desse tipo de criminalidade é o próprio fenômeno da globalização onde o incremento das relações humanas, potencializado pela facilidade das comunicações, transporte, interações das nações e principalmente o novo enfoque do conceito de soberania fizeram com que não só as atividades empresariais lícitas se desenvolvessem internacionalmente.”

    A chamada globalização, tendente a monopolização e à

    multinacionalização do modo de produção capitalista, transformou o mercado

    mundial em um “grande balcão de negócio, onde as grandes empresas negociam

    seus produtos e bens de capital sem as ingerências das políticas de soberania dos

    Estados nacionais, que se contentam com a supervisão por simples amostragem,

    abrindo portas para a criminalidade organizada infiltrar-se no mercado58”.

    Neste norte, o avanço do capitalismo e a conseqüente difusão

    dos meios de produção “fez com que a economia deixasse de ser sistematicamente

    controlada pelo Estado, regulando-se segunda as leis de mercado”59

    Bandera 60aduz que:

    [...] é lógico que a sociedade evolui e continuara evoluindo com o passar dos anos, considerando que as mudanças estão cada vez mais perceptíveis em todos os níveis, entretanto, identificando o direito como uma ciência social conclui que nele também há uma necessidade de mudança e adequação da realidade [...] ademais

    56 In revista de Direito da Concorrência,nº 13. 2007.p.72 57 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988 .p.65 58 BULGARELLI, Waldemiro. Concentração de empresas e direito antitruste .p.61 59 BULGARELLI, Waldemiro. Concentração de empresas e direito antitruste .p.63 60 BANDERA, Muniz. Cartéis e Desnacionalização . p.34

  • 27

    vislumbra-se, que em decorrência da globalização a criminalidade organizada cresce de foram avassaladora no mundo atual.

    Outrossim, ante a importância da defesa da concorrência para

    o convívio saudável das economias, tanto em níveis internos quanto em níveis

    externos, é que se busca reprimir qualquer infração à ordem econômica entre as

    empresas atuantes, além das suas fronteiras territoriais. Uma das práticas mais

    nocivas do mercado é a formação de cartéis, considerando que as empresas

    tendem a associar-se, realizando acordos a fim de viabilizar a reprodução de

    condições de monopólio e obterem para si vantagens na concorrência, conduta

    estas que vêm se intensificando, ampliando suas barreiras internacionais e técnicas

    de atuação, o qual será objeto de capítulos posteriores.

  • 28

    CAPÍTULO 2

    DIREITO CONCORRENCIAL

    2.1 CONCORRÊNCIA COMO INSTITUTO JURÍDICO RELEVANTE

    2.1.1 Notas introdutórias

    Para iniciar qualquer reflexão acerca do Direito Econômico,

    mais especificamente sobre o Direito da Concorrência, mister se faz uma análise

    histórico-econômica do modo como se processou o nascimento da concorrência

    como categoria da Ciência Econômica. Igualmente, se faz necessário averiguar o

    modo como a concorrência se fixou como objeto relevante nos ordenamentos

    jurídicos de vários países ou, no termo utilizado por Forgioni61, concorrência como

    “valor digno da tutela de um ordenamento jurídico”.

    No campo econômico, “concorrência é o fenômeno que ocorre

    sempre que há duas pessoas dispostas a negociar (sentido amplo), seja para trocar,

    comprar ou vender bens ou serviços62”. Há, desse modo, a formação de um

    processo cíclico em que referidas transações – intermediação – beneficiam os

    concorrentes, na medida em que prevalecerão os ‘mais aptos’; a economia quando

    da maximização dos lucros; e,aos consumidores, quando da geração de maior

    quantidade, qualidade e diversidade de bens e serviços.

    2.1.2 Antecedentes Históricos

    Os primeiros registros sobre temas relacionados à concorrência

    datam da antigüidade grega, onde se constatavam a existência de certas

    regulamentações no que tange às condutas monopolistas, em grande parte,

    impulsionadas pelo Estado. “No mundo romano, o Édito de Zenão, de 483 a.C.,

    61 FORGIONI. Paula A. Os fundamentos do direito antitruste . p.87 62 FORGIONI. Paula A. Os fundamentos do direito antitruste . p.60

  • 29

    regulamentou a política de monopólio, de acordo de preço, a fim de impedir, em

    suma, o abuso de preços”63.

    Campello64 delimita as idéias liberais do início do séc. XXIX,

    ao afirmar que:

    [...] os economistas clássicos não admitiam a interferência governamental nos mecanismos de mercado. Acreditavam que o livre jogo do sistema de preços, providencialmente conduzido pelo interesse próprio e pela competição empresarial livre e perfeita, substituiria vantajosamente as coordenações impostas por mecanismos artificiais. As forças imanentes do mercado tenderiam sempre a corrigir os desequilíbrios econômicos resultantes de eventuais desajustamentos entre as decisões individuais e empresariais de consumo e produção ou de poupança e investimentos.

    E ainda continua:

    “A livre concorrência passa a ser encarada como a solução para os danos causados pelos monopólios. Assim, o mercado, por si só, era capaz de auto-regular-se, ou seja, a partir do momento em que a concorrência tornou-se instituto a ser buscado, ou melhor, a ser desejado pelos agentes econômicos, as condutas prejudiciais de um mercado monopolista seriam rechaçadas, beneficiando, em contrapartida, o próprio consumidor65”.

    Foi no o século XIX, sob o prisma de uma produção em massa,

    que os empresários constataram, que a concorrência pura e simples, ou seja, nos

    moldes inicialmente sustentados, não trazia todos os benefícios inicialmente

    propagados66 (preços inferiores aos de monopólio, melhora da qualidade dos

    produtos, etc.)

    63 FONSECA. João Bosco Leopoldino. Lei da Proteção de Concorrência . 1ed. Rio de Janeiro;

    Forense.p.52 64 CAMPELLO, Dyle. O Direito da Concorrência no Direito Comunitário Eu ropeu: uma

    contribuição ao Mercosul. p. 05 65 CAMPELLO, Dyle. O Direito da Concorrência no Direito Comunitário Eu ropeu : uma

    contribuição ao Mercosul. p. 09 66 CUNHA, Miguel Maria Tavares Festas da, apud FORGIONI, Paula, Os fundamentos do antitrust

    São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 31.

  • 30

    Destarte, sob essa nova redimensão do aspecto

    concorrencial restou promulgado nos EUA, em 1890, o Sherman Act67, considerado

    o marco normativo do antitruste, complementado em 1914 pelo Clayton Act68.

    No Brasil, “o primeiro69 dispositivo legal seja datado de

    1945, com o Decreto-Lei 7.666, foi somente com a Lei 8.884/94 que a concorrência

    tornou-se instituto juridicamente relevante, na acepção strito sensu do termo”.

    2.2 EVOLUÇÃO DO DIREITO CONCORRENCIAL NO BRASIL E S EU

    PANORAMA ATUAL

    2.2.1 Considerações iniciais

    Antes de adentrar nas características, conceitos, bem como

    abordar todo os aspectos do direito concorrencial (ou direito antitruste), para o

    estudo que se inicia importante correlacionar um breve apontamento histórico,

    apontando como o direito concorrencial nasceu no Brasil.

    Bastos70 faz um breve apontamento no direito de concorrência

    no Brasil na época do Império:

    [...] com a Constituição de 1824 se adotava um princípio plenamente liberalista exaltando o pleno direito de propriedade, sob a ótica na qual o mercado com a atuação natural entre os seus participantes, livre de qualquer interferência ou intervenção estatal, seria o modelo ideal cujo equilíbrio seria inerente à esta liberdade. Tal crença, inclusive quanto á livre iniciativa aplicada sem restrições ao mercado, se manteve com a Constituição de 1891. Este panorama de ausência de regulamentação, e que revela a própria auto regulamentação do mercado e seus agentes econômicos, se exprimia pelo disposto no artigos 179 e 72, das Constituições de 1824 e 1891 respectivamente,

    67 Criada em 1890 o Sherman Act regulava o monopólio e a monopolização. 68 Criada em 1914 e regulava as fusões,ambas lançaram bases da política antitruste no mundo. 69 CAMPELLO, Dyle. O Direito da Concorrência no Direito Comunitário Eu ropeu: uma

    contribuição ao Mercosul . Rio de Janeiro, 2001, p. 59. 70 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico . São Paulo. Celso Bastos. 2004.p.80

  • 31

    nos quais o Estado apenas assegurava a garantia do exercício das liberdades individuais.

    Ainda ensina:

    “Com a Constituição de 1934, ratificada pela de 1937, é que veio a surgir as primeiras linhas desta preocupação do Estado brasileiro em regulamentar a concorrência, acompanhando uma tendência ideológica mundial advinda do período pós primeira guerra mundial. Estabelecia-se que a ordem econômica deveria ser organizada pelo Estado, cabendo a garantia da liberdade econômica de atuação no mercado, atendendo aos princípios da Justiça e segundo os a necessidade nacional. Na carta de 37, constou, ainda, que caberia ao Estado coordenar os fatores de produção de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses do País [...]71”

    E continua:

    [...]Com supedâneo neste dispositivo constitucional vigente, foi promulgado o primeiro texto infra legal, o Decreto-Lei 869 de 1938, que tratava de maneira específica a questão da concorrência, tipificando como crimes condutas tendentes a afrontar a economia popular, equiparando-os a crimes contra o Estado. Foram tipificadas condutas como: promover ou participar de consórcio, convênio, ajuste, aliança ou fusão de capitais, com o fim de dificultar ou impedir a concorrência em matéria de produção, transporte e comércio, com finalidade de aumento arbitrário de lucros. Ou ainda, gerenciar, dirigir ou administrar mais de uma empresa do mesmo ramo, com finalidade de tolher a concorrência72”.

    Inobstante tais disposições, a referida lei não produziu a

    eficácia esperada, agindo mais na regulamentação de preços e fraudes no comércio,

    “tal falha legislativa foi suprida com o advento do Decreto-Lei 7.666 de 1945, no qual

    foi criado o CADE (na época, significando Comissão Administrativa de Defesa

    Econômica), com as atribuição de viabilizar acordos em casos potencialmente

    aventadores da concorrência, conforme disposto no artigo 11, do referido Decreto

    Lei”.73

    71 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico .p.82 72 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico .p.82 73 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico .p.91

  • 32

    Klein74 é categório ao se reportar sobre o Decreto 7.666/45,

    onde “muito embora tenha significado importante avanço legislativo e administrativo

    no Brasil no que tange à defesa da concorrência, o Decreto, vigeu somente por três

    meses, em conseqüência da queda de Getúlio Vargas, e revogação pelo posterior

    Presidente provisório”

    Nusdeo75 traz a baila um posicionamento no tocante ao Direito

    concorrencial na Constituição de 1946:

    [...] Em 1946, foi promulgada a Constituição Federal de 1946, e muito embora estivesse consagrado o princípio da livre iniciativa no artigo 146, logo adiante no artigo 148 passa a dispor que a lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamento de empresas individuais ou sociais, que tenham por finalidade dominar o mercado e eliminar a concorrência, aumentando arbitrariamente os lucros. [...] E sob a égide desta Carta Constitucional, de forma a regulamentar o artigo 148, é que se editou a Lei 4.137/62, que conceitua as formas de abuso, ressuscita o CADE, trata de seu processo administrativo, o processo judicial, e ainda estabelece a possibilidade de intervenção judicial na empresa, com fulcro no artigo 146, CF/42”.

    Com o advento da atual Constituição Federal, em 1988, houve

    a sedimentação, em capítulo próprio, dos princípios da atividade econômica, assim

    dispondo no artigo 170.

    Finalmente, em 1994, foi promulgada a atual legislação

    antitruste nacional, a Lei 8.884/94, o qual será objeto de análise no presente estudo,

    que dentre outras disposições, vem delimitando conceitos, atos que afrontam a livre

    concorrência, remodelando e estabelecendo competências administrativas ao

    CADE, bem como a SDE e a SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico do

    Ministério da Justiça), órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da

    Concorrência – SBDC, muito embora sob um certo conflito de competências entre si,

    possuem papel ativo de extrema importância na análise e defesa da ordem

    econômica nacional.

    74 KLEIN, Vinicius. O Direito da Concorrência no Mercosul . Revista da Faculdade de Direito da

    Universidade do Paraná. Curitiba. Síntese. 2008.p.76 75 NUSDEO, Ana Maria. Agências Reguladoras e Concorrência . São Paulo, Malheiros. 2007.p.55

  • 33

    2.2.2 Breve conceituação do Direito Concorrencial

    O direito concorrencial, ou direito antitruste, é um ramo

    relativamente novo do direito, estando atualmente em estágio mais aprimorado e

    experimentado em países como os Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, e em

    outros ordenamentos, entretanto, sequer é objeto elaboração legislativa

    Nas palavras de Forgioni76:

    [...] O direito concorrencial representa, em verdade, um instrumento do qual o Estado se vale para implementar sua política econômica, pois constitui um meio do governo orientar as decisões dos empresários de modo a alcançar o desenvolvimento almejado”.

    Nusdeo77 defende que:

    [...] o direito concorrencial “pode ser entendido como o ramo do Direito Penal-Econômico que disciplina as relações de mercado entre os agentes econômicos e os consumidores, tutelando-lhes, sob sanção, o pleno exercício do direito à livre concorrência como instrumento da livre iniciativa, em prol da coletividade”

    As normas de direito concorrencial, na síntese de Salomão

    Filho78: devem tender a: i) impedir grupos o empresas de celebrarem acordos entre

    eles ou entre eles e terceiros, que restrinjam a concorrência; ii) controlar tentativas

    de grupos ou empresas monopolistas com posição dominante de abusarem de tal

    posição e de criarem obstáculos ao surgimento de novos concorrentes; iii) assegurar

    que a concorrência factível seja mantida entre os oligopólios ; iv) monitorar e

    fiscalizar fusões entre grupos de empresas independentes, que possam resultar na

    concentração do mercado e na diminuição da concorrência.

    Este ramo do direito, entrelaçado ao próprio Direito Econômico,

    possui suas raízes na própria Constituição Federal, em seu Título VII, e que no

    76 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do Antitruste . 2º Ed. São Paulo. RT. 2005.p.41 77 NUSDEO, Ana Maria. Agências Reguladoras e Concorrência . São Paulo, Malheiros. 2007.p.98 78 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Concorrência (Estudos e Pareceres) . São Paulo.

    Malheiros.p.208

  • 34

    artigo 170, traz princípios gerais que subsidiam a norma ordinária, e os demais

    princípios aplicáveis.

    Sendo assim, mais do que nunca, é mister a fixação da

    principiologia regente, de modo a solucionar questões hermenêuticas, sempre vivas,

    em situações de lacunas ou para a melhor aplicação e delimitação do sentido das

    normas, numa correta transposição entre o abstrato e o concreto

    2.3 DOS PRINCÍPIOS DE DIREITO ECONÔMICO E DA CONCORRÊNCIA

    Os princípios possuem, em suma, a função de nortear e

    determinar a existência, os sentido, e a finalidade da criação de uma norma, bem

    como auxilia o operador do Direito quando no momento de sua aplicação e

    interpretação. No presente tópico será dado ênfase aos principais princípios dentro

    do Direito Econômico, especificamente, dentro do Direito de Concorrência, quais

    sejam o principio da livre concorrência e da livre iniciativa, que auxiliam e orientam,

    de maneira efetiva a criação de um direito concorrencial.

    Grau79 correlaciona que:

    [...] os princípios encontram-se descritos ora expressamente, ora tacitamente na Constituição e nas leis esparsas que regulam a matéria [...]

    Manifestando-se, ainda, acerca da interpretação dos princípios

    ainda destaca:

    [...] a interpretação do Direito tem caráter constitutivo – não pois, meramente declaratório – e consiste na produção pelo intérprete, a partir de textos normativos e dos fatos atinentes a um determinado caso, de normas jurídicas a serem ponderadas para a solução desse caso, mediante identificação de uma norma de decisão. Aplicar/interpretar é dar concreção ao de decisão. Nesse sentido, a aplicação/interpretação vai do universal ao particular, do

    79 GRAU, Eros Roberto. Ordem Econômica na Constituição de 1988 . 10º Ed. São Paulo;

    Malheiros.2005.p.56

  • 35

    transcendente ao condingente; opera a inserção das leis do Direito no mundo do ser80 [...].

    Bastos81, ao analisar, o fundamento da livre iniciativa e da livre

    concorrência, aponta o modelo capitalista de produção ou economia de mercado,

    como fundamento ideológico dos mesmos.

    E ainda ensina:

    [...] no Brasil, os referidos princípios possuem disposição expressa no caput e inciso IV do art, 170 da CRFB, junto com um rol de princípios gerais de atividade econômica, quais sejam, a soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade privada, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução de desigualdades sócias e regionais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido ás empresas de pequeno porte [...] Na legislação infraconstitucional , os referidos princípios ainda encontram espaço junto ao artigo 1º da Lei 8.884/94 que dispõe sobre a prevenção e repressão das infrações à ordem econômica.82

    Vale transcrever o referido artigo:

    Art. 1º - esta lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelas ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico” (grifo meu)

    Ao estudar a livre iniciativa e a livre concorrência “é

    necessário destacar que eles exprimem sentidos antagônicos que se complementam

    na medida em que o primeiro exige uma interferência de um órgão estatal com

    vistas a reprimir aqueles que estão limitando a concorrência e o segundo exprime

    um direito individual que visa proteger a atividade privada, e portanto, requer,

    omissão estatal83”.

    80 GRAU, Eros Roberto. Ordem Econômica na Constituição de 1988 . p.56 81 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico . São Paulo. Celso Bastos. 2004.p.67 82 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico . p.69 83 SILVEIRA, Paulo Antonio Carvalho Caliendo. Da defesa da concorrência no Mercosul; acordos

    entre empresas, abuso da posição dominante e concen trações . São Paulo LTR. 2000.p.88

  • 36

    2.3.1 Livre Iniciativa

    A livre iniciativa sendo abordada como um princípio da

    ordem econômica, merece um abordagem conceitual, sem deixar de mencionar o

    ponto de vista dos direitos fundamentais e suas limitações sob o enfoque do direito

    concorrencial.

    Petter84 caracteriza a livre iniciativa como:

    [...] um dos fundamentos da ordem econômica. Pode ser traduzida no direito que todos tem de se lançarem ao mercado de produção de bens e serviços por sua conta em risco.”

    Segundo Salomão Calixto85:

    [...] a livre iniciativa deve ser desenvolvida num regime de livre concorrência. Assim, na organização da economia de mercado, deve existir liberdades de iniciativa, se desenvolvendo com mais presença da competitividade, mais constante disputa das livres negociações”.

    Nesse mesmo sentido Tavares86 defende que:

    [...] a livre iniciativa é como um princípio de decorrência lógica da proteção ao principio da livre concorrência, eis que todos devem ter o direito de se inserir no mercado contestando os que já se encontram nele, buscando a melhor qualidade dos produtos e fixando preços mais competitivos”

    Petter87, ressalta que a livre iniciativa:

    [...] consiste no poder reconhecido aos particulares de desenvolverem uma atividade econômica. É mesmo uma fonte axiológica de liberdade perante o Estado e até perante os demais indivíduos, um atributo essencial da pessoa humana em termos de realização de sua capacidade, suas realizações e seu destino.

    84 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica . São Paulo. RT.

    2005.p.90 85 SALOMÇAO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as estruturas . Malheiros. São Paulo.

    2000.p.90 86 TAVARES, Andre Ramos. Direito Constitucional Econômico . São Paulo; Método. 2003.p.44 87 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica .p.95

  • 37

    Realçando ainda mais, Bastos88 enfatiza a relação do referido

    principio com a liberdade de contratar:

    [...] a liberdade de iniciativa pressupõe também a existência de uma liberdade contratual. Vale dizer que o compromisso firmado entre agentes econômicos normalmente é realizado por contratos. No nosso direito, todos os civilistas estão de acordo sobre a vigência da ampla liberdade de contratar [...]

    Pensando em frear e impedir o mau uso da livre iniciativa,

    muitos países criaram os Conselho de Concorrência, cada vez mais atuantes e

    eficientes. No Brasil, a situação não é diferente, coma a criação do Conselho

    Administrativo de Defesa Econômica – CADE, que é responsável pela repressão de

    condutas lesivas à concorrência, como o abuso do poder econômico e a pratica de

    cartéis, tema este objeto do estudo da presente monografia.

    2.3.2 Livre concorrência

    O princípio da livre concorrência numa visão estrita de

    Forgioni89 “parte da idéia de garantir aos agentes econômicos o direito de exercer

    seu poder econômico na busca por clientes no mercado. Ele visa à concretização da

    utópica concorrência perfeita, onde a lei da oferta e da procura determina preços dos

    produtos e serviços, atraindo os consumidores de forma igualitária entre os

    concorrentes”

    Ainda discorre:

    [...] o grau do poder econômico é determinado de acordo como conceito de mercado relevante, a sua proteção parte do princípio de que há não só interesse das empresas concorrentes, mas de toda a coletividade de proteger o mercado e a concorrência90 [...]

    Oliveira91 explica que:

    88 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico . p.69 89 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do Antitruste .p.65 90 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do Antitruste .p.67 91 OLIVEIRA, Gesner. Direito e economia da concorrência. Rio de Janeiro . Renovar,2004.p.78

  • 38

    [...] dentro desse ambiente se faz necessário, no entanto, uma intervenção do Estado no sentido de limitar o exercício deste poder econômico que, em determinados casos, pode eliminar a concorrência ou até mesmo levar a dominação de mercado.

    Denota-se que o referido princípio é decorrência lógica do

    modelo econômico adotado pelo Estado. Fonseca92 explica a relação entre a

    concorrência e a economia de mercado.

    “Afirmando uma opção pelo regime de economia de mercado e assumindo essa postura ideológica, a Constituição adota como princípio a mola básica que rege aquele tipo de organização de economia. Garante-se a liberdade de concorrência como forma de alcançar o equilíbrio, não mais aquele atomismo do liberalismo tradicional, mas um equilíbrio entre os grandes grupos e um direito de estar no mercado também para as pequenas empresas”

    Nesta seara, importante ressaltar o posicionamento de

    Tavares93, que destaca a necessária ligação entre a livre concorrência, o capitalismo

    e a economia de mercado “ Sem concorrência livre nãos e pode, efetivamente, falar

    de economia de mercado, de sistema capitalista ou de Estado liberal”

    É nesse sentido que Bastos94 confere a livre concorrência,

    realçando ainda o mau uso e o papel da legislação antitruste em reprimi-lo.

    [...] a livre concorrência é um esteio do sistema liberal porque seu jogo e funcionamento que os consumidores vêem assegurados os seus direitos a consumir produtos a preços justos. E, de outra parte, para quem se lança à atividade econômica é uma forma de obter uma recompensa pela sua maior capacidade, dedicação e empenho, prosperando mais que os concorrentes. No entanto, nem mesmo por via desta vitória na competição pode a empresa manter-se em situação monopolista. De “alguma maneira, há de multiplicar-se o número de agentes nesse ramo econômico para escapar-se das leis antitruste”.

    Aguilar95, faz um breve comentário acerca do referido princípio.

    92 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico . 5ed. Rio de Janeiro. Forense.

    2005.p.97 93 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional econômico . São Paulo. Método. 2003.p.44 94 BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico . p.82 95 AGUILAR, Fernando Herren. Direito econômico. Do direito nacional ao direito s upranacional .

    São Paulo. Atlas, 2008.p.88

  • 39

    A livre concorrência pode ser definida como situação em que encontram os diversos agentes econômicos de competirem, entre si, de forma leal [...] a livre concorrência pressupõe liberdade de competitividade, de rivalidade, com a atuação de vários agentes econômico no mesmo sentido, de forma a garantir a liberdade de permanecia no mercado [...].

    Outrossim, faz uma comparação com o principio da livre

    iniciativa, onde:

    [...] a livre concorrência e a livre iniciativa são princípios intimamente ligados; representam ambas as liberdades, não de caráter absoluto, mas liberdades regradas, condicionadas pelos imperativos da justiça social, da existência digna e da valorização do trabalho humano96”

    Enfatiza, por fim, a lição de Reale97, sobre o atem:

    O conceito da livre concorrência tem caráter instrumental , significando o ‘principio econômico’ segundo o qual a fixação dos preços de mercadorias e serviços não devem resultar de atos de autoridade , mas sim do livre jogo da forças em disputa de clientela na economia de mercado

    Após discorrido acerca dos princípios bem como do histórico

    do direito concorrencial no Brasil, passa-se a análise da lei da defesa da

    concorrência, mais conhecida como lei antitruste.

    2.3.3 O abuso do poder econômico

    Todo abuso do poder econômico resulta, na maioria das vezes

    em desvio do poder econômico “desta forma, vale dizer que o poder econômico só

    pode ser reprimido quando orientado à dominação do mercado ou quando atua de

    forma lesiva à concorrência98”

    Silveira99 destaca que:

    96 AGUILAR, Fernando Herren. Direito econômico. Do direito nacional ao direito supranacional. p.90 97 Citado por Marcos da Costa, in Direito Concorrencial – aspectos jurídicos e econômicos. p.143 98 FORGIONI. P.A Os fundamentos do Antitruste .p.275 99 SILVEIRA, Paulo Antonio de Carvalho Caliendo. Defesa da Concorrência no Mercosul ; acordo

    entre empresas, abuso de posição dominante e concentrações.p.99

  • 40

    Hoje em dia, da mesma forma que se busca preservar a vantagem competitiva, lícita decorrente da aplicação das normas de tutela do livre mercado e da livre concorrência, busca-se criar critérios apropriados para determinar, na pratica, a separação entre a concorrência lícita, cujos prejuízos causados à terceiros baseiam-se em uma vantagem competitiva e a concorrência predatória.

    Outra forma de explicar a licitude ou ilicitude dos efeitos

    decorrentes do uso ou abuso da posição dominante decorreria da “aplicação do

    principio geral que condena, em nosso ordenamento jurídico, o abuso do direito100”.

    Neste sentido a utilização do poder econômico se utilizada de

    forma incompatível, apresentaria restrições, “uma vez que romperia o equilíbrio dos

    interesses em conflito ou do desvio da finalidade do direito, da sua destinação social

    e econômica101”, situação esta, que atingiria não somente os casos de abuso do

    poder econômico, mas também os acordos entre as empresas e concentração

    monopolísticas.

    Gatto102 ensina sobre o abuso do poder econômico

    Por agora fique registrada a noção de que o abuso do poder econômico é o ato praticado de modo a impedir que os concorrentes participem da competição. O resultado do ato portanto, é tira-los do mercado ou evitar que eles entrem no mercado.

    Fonseca103 explana que:

    Havendo abuso do poder econômico, pode-se dizer, que o direito que se abusa propriamente dito, é da liberdade econômica, liberdade de iniciativa, liberdade de concorrência, isto é, todos os poderes que assistem ao agente econômico no Estado Liberal.

    Outrossim:

    100 SILVEIRA, Paulo Antonio de Carvalho Caliendo. Defesa da Concorrência no Mercosul; acordo

    entre empresas, abuso de posição dominante e concentrações.p.105 101 SILVEIRA, Paulo Antonio de Carvalho Caliendo. Defesa da Concorrência no Mercosul; acordo

    entre empresas, abuso de posição dominante e concentrações.p.106 102 GATTO. A. C dos Santos. A defesa da livre concorrência e a Proteção do Cons umidor .

    Revista do Ibrac, São Paulo,v.9;2002.p.176 103 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico .p.67

  • 41

    [...] Não basta ao comerciante que se sente lesado pela concorrência provar que a competição vem lhe trazendo danos econômicos, essa possibilidade de provocar ou sofrer prejuízos faz parte do ‘jogo’. Em suma, na defesa da livre concorrência não se cogita a produção de um dano, mas a maneira como esse dano foi produzida não se reprime o ato de concorrência, mas sim a deslealdade na concorrência104

    Aguilar105 discorre a respeito da deslealdade da concorrência:

    São considerados atos de concorrência desleal aqueles contrários aos usos honestos em matéria comercial ou industrial’ [...] Na caracterização da deslealdade empresarial necessário se faz a presença da má-fé e da culpa, pois não pode haver abuso involuntário, vale lembrar, que mesmo uma concorrência que elimina ou paralisa um adversário pode ser lícita, só será contrária aos bons costumes se visa realmente lesar ou eliminar o concorrente.

    Há portanto, abuso do poder econômico, quando a empresa

    elimina ou tende a eliminar o exercício das forças econômicas, empregando ou não

    um meio fraudulento “nem toda a destruição da concorrência é abusiva. Surgindo

    como exemplo o domínio de mercado a partir de um processo natural fundado na

    maior eficiência do agente econômico em relação à sua concorrência, não poderia o

    agente ser acusado de infrator106”

    Isso porque:

    [...] determinada empresa pode obter a lideração do mercado e conquistá-lo seja pelo seu reduzido custo de produção, obtendo melhores preços finais em seu produto, seja pela melhor qualidade, obtendo mais a ampla satisfação dos consumidores ao oferecer-lhe mais vantagens, ou por qualquer outra estratégia107”

    Por fim, feitas as considerações para a caracterização do

    abuso do poder econômico, mister colacionar que para que haja tal abuso no sentido

    da legislação antitruste,é necessário que ocorra, a eliminação da concorrência ou o

    104 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico .p.76 105 AGUILAR, Fernando Herren. Direito econômico. Do direito nacional ao direito supranacional .

    São Paulo. Atlas, 2008.p.129 106 GATTO. A. C dos Santos. A defesa da livre concorrência e a Proteção do Co nsumidor .p.180 107 GATTO. A. C dos Santos. A defesa da livre concorrência e a Proteção do Cons umidor .p.180

  • 42

    aumento arbitrário de lucro, característica marcante da “cartelização” ou seja, a

    formação de cartéis, o qual será objeto de estudo do capítulo posterior.

    2.4 A LEGISLAÇÃO ANTITRUSTE – LEI 8.884 DE 11.06.19 94.

    Seis anos após promulgada a Constituição de 1988 nasce a Lei

    da Defesa da Concorrência, ou Legislação Antitruste, o qual foi promulgada em

    consonância com os preceitos de ordem econômica previsto em nossa Carta

    Magna.

    Antes de adentrar no estudo da referida lei, importante

    destacar que em 1962 foi promulgada a primeira lei da defesa da concorrência

    brasileira (Lei nº 4137/62) criando o Conselho Administrativo de Defesa Econômica –

    CADE. Sendo que “O CADE foi incumbido de, entre outras competências, impedir o

    abuso do poder econômico manifestado por meio da eliminação total ou parcial da

    concorrência [...] no entanto por conta do rígido controle da economia pelo Estado, a

    lei surtiu pouco efeito.108”

    Importante destacar o significado da palavra “antitruste” que

    nas palavras de Gomes109:

    Quando se fala em truste, palavra de origem anglo-saxônica, remete-se a um conceito econômico, de natureza capitalista, que consiste numa concentração de empresas visando a dominação do mercado através da eliminação de concorrência, e conseqüente imposição de preços arbitrários [...]

    Uma das maiores inovações trazidas pela lei antitruste (Lei nº

    884/94) foi a transformação do CADE110 em autarquia federal vinculada, de modo

    indireto ao Ministério da Justiça, além de dispor sobre prevenção e repressão às

    infrações contra a ordem econômica, mais precisamente sobre infrações contra a

    liberdade de iniciativa e a livre concorrência.

    108 BULGARELI. W. Concentração de empresas e direito antitruste .p. 46 109 GOMES.Carlos Jacques Vieira. Os escopos políticos do Direito Antitruste ; Lex Editora. São

    Paulo. 2006.p.134 110 Conselho Administrativo da Defesa da Econômica

  • 43

    Nusdeo111 faz menção à importância da legislação em

    comento:

    [...]Com o advento da Lei 8.884/94, também conhecida com lei antitruste, houve uma melhor sistematização da atuação do Estado brasileiro na proteção da ordem econômica e dos princípios constitucionais atinentes, exaltados no artigo 1º da referida lei, haja vista se tratar de norma que além de elencar condutas e procedimentos administrativos, há a sedimentação de uma estrutura administrativa que vise o resguardo da ordem econômica”.

    Grau112 bem exprime este ideal ao afirmar que "a lei antitruste

    tem como finalidade preservar estes princípios, e principalmente o direito de

    propriedade e o da livre iniciativa dentro do mercado, sendo este uma conseqüência

    lógica do primeiro".

    Vale ressaltar o parágrafo único do artigo 1º, que confere a

    titularidade dos direitos tratados pela lei antitruste à coletividade, consagrando assim

    a importância destes bens jurídicos frente à sociedade e ao consumidor, que está

    intimamente relacionado ao sadio exercício da concorrência.

    A lei foi alterada por três vezes: em 1999, para a imposição de

    uma taxa de notificação, para atos de concentração; em 2000, para conferir ao

    SBDC (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência) novos poderes na condução

    de investigação, notadamente para conduzir buscas e apreensões e instituir o

    programa de leniência e por fim em 2007 para esclarecer procedimentos aplicáveis à

    negociação de acordos em casos de conduta e autorizá-la inclusive em casos

    envolvendo cartéis.

    Destarte, a presente monografia tem como seu foco principal o

    estudo os sobre os cartéis brasileiros, mais precisamente sua forma de atuação, os

    casos existentes e já julgados pelos órgãos competente, tem-se primordialmente o

    objetivo de apresentar e conhecer os órgãos competentes para julgá-los bem como

    conhecer os meios de investigação para a punição desta conduta, eis que conforme

    111 NUSDEO, Ana Maria. Agência Reguladora e Concorrência . p.121 112 GRAU, Eros Roberto. Principio da livre concorrência – função regulament ar e função

    normativa . Revista Trimestral de Direito Público.São Paulo; v.4.2003.p.104

  • 44

    será visto, a formação e cartel é a conduta mais danosa no âmbito do Direito

    Econômico, contudo se fez necessário tecer todo este comentário do direito da

    concorrência, da legislação antitruste, dentro outros tópicos apresentados nos

    capítulos anteriores, para então iniciar o estudo sobre os cartéis no próximo e último

    capítulo.

  • 45

    CAPÍTULO 3

    OS CARTÉIS BRASILEIROS E FORMA DE REPRESSÃO A LUZ D O DIREITO ECONÔMICO

    3.1 INTRODUÇÃO

    Vislumbra-se que os Estados têm como seu foco principal

    a necessidade de seus desenvolvimentos econômicos, surgindo assim à ampliação

    de seus mercados, bem como urge desta ampliação algumas conseqüência.

    Evidencia-se portanto que os países dependem do intercâmbio comercial para

    atender suas necessidades internas e na medida que cresce esse intercambio as

    relações interestatais sofrem algumas transformações.

    E neste contexto do direito econômico internacional e ante

    a importância da defesa da concorrência para o convívio saudável das economias,

    tanto em níveis internos quanto em níveis externos, é que se busca reprimir

    qualquer infração à ordem econômica entre as empresas atuantes além das suas

    fronteiras territoriais.

    Uma das práticas mais nocivas ao mercado é a formação

    de cartéis, considerando a ânsia desmantelada pelos lucros e a busca do melhor

    desempenho comercial bem como a conquista do mercado mundial, as empresas

    tendem a associar-se, consubstancialmente na fusão e aquisição de outras do

    mesmo ramo, realizando acordos à fim de viabilizar a reprodução de condições de

    monopólio e obterem para si vantagens sobre a concorrência113 conduta esta que

    tem se intensificado ampliando suas barreiras e técnicas de atuação, caracterizando

    assim os chamados CARTÉIS.

    113 SILVA, Roberto Luiz.. Belo Horizonte; Del Rey. 2005 Direito Econômico Internacional e Direito

    Comunitáro

  • 46

    Os efeitos negativos dos cartéis sobre a concorrência

    econômica são enormes: o bem-estar do consumidor é cerceado e inumerosas são

    as perdas impostas à sociedade.

    Para o capítulo que se inicia, será analisado as formas de

    atuação dos cartéis, os meios de repressão, bem como suas conseqüências tanto

    na esfera criminal como administrativa. E por fim será explorado a importância do

    acordo de leniência no combate aos cartéis.

    3.1.1 O crime de cartel na legislação brasileira.

    Preliminarmente, importante destacar o conceito de cartel que

    nas palavras de Forgioni114:

    O cartel é uma acordo explicito ou implícito entre concorrentes para principalmente, fixação de preços ou quotas de produção,divisão de clientes e de mercados de atuação”

    Ainda pondera que:

    [...] cartéis são considerados a mais grave lesão à concorrência e prejudicam consumidores ao aumentar preços e restringir oferta, tomando os bens e serviços mais caros e indisponíveis115”

    Gatto116 elucida que:

    Um cartel consiste numa organização de empresas independentes entre si, que produzem o mesmo tipo de bens e que se associam para elevar os preços de venda e limitar a produção, criando assim uma situação semelhante a um monopólio (no sentido em que as empresas cartelizadas funcionam como uma única empresa). Este tipo de acordos podem concretizar-se pela fixação conjunta dos preços de venda, pela divisão do mercada entre si ou pela fixação de quotas de produção para cada uma das empresas participantes

    A resolução nº 20117 do CADE define os cartéis como:

    114 FORGIONI. Paula A. Os fundamentos do direito antitruste . 3 ed. São Paulo: RT. 2008.p.67

    115 FORGIONI. Paula A. Os fundamentos do direito antitruste . .p.6 116 GATTO. A. C dos Santos. A defesa da livre concorrência e a Proteção do Co nsumidor .

    Revista do Ibrac. São Paulo.v.9.2008.p.79

  • 47

    Acordos explícitos ou tácitos entre concorrentes do mesmo mercado, envolvendo parte substancial do mercado relevante, em torno de itens como o preços, quotas de produção e distribuição e divisão territorial, na tentativa de aumentar preços e lucros conjuntamente para níveis mais próximos dos monopólio”

    O cartel é crime contra a ordem econômica previsto no art. 4º

    da Lei n.º 8.137 de 1990. Trata-se da formação de acordo, convênio, ajuste ou

    aliança entre ofertantes, visando à fixação de preços ou quantidades vendidas ou

    produzidas, prevista no inciso II, "a" do dispositivo em questão. A sanção prevista

    para o artigo em questão consiste em pena de reclusão ou multa.

    O cartel é, também, crime concorrencial e, portanto, infraçã