cartinhas com memórias

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Meu sonho sempre foi acampar no quintal de casa, como acontece nos filmes americanos. Mas como eu tinha medo dele à noite, nunca tive co- ragem. Ainda tenho medo dele à noite. Quando o tanque de enxa- guar roupas estava cheio de água eu logo pegava uma formiga e a deixava boiando em cima de uma tampinha de garrafa. Com as mãos, eu fazia ondas que chacoalhavam e le- vavam a tampinha com a formiga para lá e para cá. Se uma formiga mor- ria afogada, eu ia cor- rendo procurar outra. Certo dia, meu primo foi na minha casa e lá estava eu e meus irmãos jogando video game. Nin- guém conseguia matar o chefão, mas meu pri- mo pegou o controle e deu final num instante. Ele ficou zoando comigo e meus irmãos, dizendo que ele era o melhor. No dia seguinte, eu estava matando o chefão toda hora, e fiquei muito melhor que o meu primo, pelo menos naquela fase do jogo. Eu adorava ir à casa de um primo brincar com o Lego dele. Era uma in- finidade de peças e eu podia montar, com elas, praticamente tudo o que quisesse. O brinquedo de montar que eu tinha em casa era O Construtor, e, por mais que suas pecinhas fossem simples janelinhas e telhadi- nhos, nas minhas mãos estas podiam, como com o lego do meu primo, se transformar em qualquer coisa que me viesse à imaginação.

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cartinhas com memórias

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Meu sonho sempre foi acampar no quintal de casa, como acontece nos filmes americanos. Mas como eu tinha medo dele à noite, nunca tive co-ragem. Ainda tenho medo dele à noite.

Quando o tanque de enxa-guar roupas estava cheio de água eu logo pegava uma formiga e a deixava boiando em cima de uma tampinha de garrafa. Com as mãos, eu fazia ondas que chacoalhavam e le-vavam a tampinha com a formiga para lá e para cá. Se uma formiga mor-ria afogada, eu ia cor-rendo procurar outra.

Certo dia, meu primo foi na minha casa e lá estava eu e meus irmãos jogando video game. Nin-guém conseguia matar o chefão, mas meu pri-mo pegou o controle e deu final num instante. Ele ficou zoando comigo e meus irmãos, dizendo que ele era o melhor. No dia seguinte, eu estava matando o chefão toda hora, e fiquei muito melhor que o meu primo, pelo menos naquela fase do jogo.

Eu adorava ir à casa de um primo brincar com o Lego dele. Era uma in-finidade de peças e eu podia montar, com elas, praticamente tudo o que quisesse. O brinquedo de montar que eu tinha em casa era O Construtor, e, por mais que suas pecinhas fossem simples janelinhas e telhadi-nhos, nas minhas mãos estas podiam, como com o lego do meu primo, se transformar em qualquer coisa que me viesse à imaginação.

Eu e meus amigos, de tem-pos em tempos, brincávamos de esconde-esconde valendo a cidade inteira. A emo-ção desta brincadeira não estava nela em si, mas an-tes, quando estávamos ti-rando Joquempô, pois, nin-guém queria bater cara e ter que adivinhar onde, no espaço de toda a cidade, os outros garotos podiam estar escondidos. De cer-ta forma, esta brincadeira acabava matando a diversão e ela mesma.

Até hoje não me conformo por ter perdido minha co-leção de tazos. Hoje vejo que os tazos eram brinque-dos perfeitos: em uma das faces havia imagens dos desenhos animados que eu mais gostava; era possí-vel jogar com os pontos, brincar de bater e virar, e ainda por cima, eram colecionáveis. Tudo isso numa cartinha fina e re-donda, que vinha de brin-de nos salgadinhos.

Jogando Bomber Man no video game, eu adorava pegar o bônus de ca-veirinha. Esse bônus não tinha um efeito definido. Cada vez que o pegava, acontecia algo diferente, bom ou ruim. Ora meu persona-gem ficava super len-to, ora ficava super rápido. Ora soltava bombas fraquinhas, ora soltava bombas super destrutivas. Ora leva-va à vitória, ora le-vava à morte.

Em uma noite, na rua de casa, eu estava brincando de jogar um galho de árvore para o alto e, depois de tacá-lo com bastante força, ele nunca mais voltou. Eu realmente não sei se foi parar no espa-ço sideral ou se ficou enroscado numa árvore. É este mistério que ainda me faz lembrar daquela noite.

Eu desenhava mapas do tesouro e saia, eu pró-prio, atrás do X riscado no chão. Talvez o legal não fosse caçar o tesou-ro, já que eu mesmo havia desenhado todo o cami-nho, mas era pela possi-bilidade de criar aquele jogo, como um marinheiro solitário em uma ilha.Não dava para brincar de lutinha com meus solda-dinhos de plástico, pois eles eram muito peque-nos. Mas serviam de alvo para minhas pedradas de estilingue.

Teve uma época em que eu ia todas as tardes no campinho de terra ver caras mais ve-lhos jogarem búrica. Era di-ferente, pois, como eram adultos, eles apostavam um monte de búricas e tenta-vam acertar as fileiras de uma distância muito grande. De certa forma eu me sentia traído, pois para mim, aque-le jogo era para as crianças que apostavam uma ou duas bú-ricas, não para caras daque-le tamanho que disputavam as coleções dos outros. Talvez eu ficasse mal porque não me deixavam jogar com eles. Mas ainda assim achava incrível aquele jogo de adultos.

Todas as vezes que pedia para minha mãe deixar eu brincar de fogãozinho no quintal, ela dizia para não usar o álcool para fazer fogo. Mesmo assim eu ia lá, juntava um monte de galhos e folhas secas, jogava ál-cool e ateava fogo. Pra mim era incrível ver aquelas chamas que eu mesmo havia criado. Aquela coisa ama-rela e queimante, por mais perigosa que parecesse ser não chegava aos pés do que surgia em minha cabeça: dra-gões de chamas indomáveis e violentas, e agora, eu os manipulava. Tornava-se um brinquedo.