cartilha de formação negras e negros

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  • 8/18/2019 Cartilha de Formação Negras e Negros

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    ATIVO ESTADUAL DE FORMAÇÃO DE NEGRAS E NEGROS

    JUNTOS – SÃO PAULO

    1 – INTRODUÇÃO ‐ SOB A PROTEÇÃO DO CAPITALISMO ASCONTRADIÇÕES: EXPLORAÇÃO E OPRESSÃO DO SER HUMANO PELO

    SER HUMANO

    A sociedade na qual vivemos é organizada em torno de um modo de produção (e de distribuição dessa produção), que divide as pessoas em classes sociais. Está basicamente dividida antagonicamente entre aqueles que têm o controle da produção e aqueles que vendem sua força de trabalho para sobreviver, grosso modo. Isso é o que temos hoje: o capitalismo, que cada dia mais se comprova como um projeto político e econômico falido, que caminha para seu esgotamento, porque o capitalismo não é capaz de responder aos problemas e demandas da maioria da população.

    E dizer que o capitalismo é incapaz de responder aos problemas da ampla maioria da população, que surgem e se desenvolvem dentro dele ‐ inclusive, problemas que surgem para a própria manutenção do capitalismo, que são na verdade problemas para os trabalhadores, mas solução para os ricos – significa dizer que o capitalismo está erguido sob a proteção das injustiças e contradições sociais. Significa dizer que o capitalismo, em sua essência, só sobrevive onde há exploração e opressão do ser humano pelo ser humano.

    Debater todas as contradições que têm o capitalismo como pano de fundo

    demandaria centenas de ativo de formação como este. Por isso, em nosso ativo de negras e negros debateremos uma pequena parte dessas contradições, da totalidade, que se manifestam através das relações raciais de exploração e opressão.

    É importante ressaltar que apesar de se tratar apenas uma fração na disputa política pela totalidade, o racismo cumpre um papel “estruturante” na sociedade capitalista e afeta direta e cruelmente ampla parte da classe trabalhadora, sobretudo no Brasil. Portanto, precisamos aprofundar a formulação e os métodos da luta contra o racismo.

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    E como fruto da necessidade do aprofundamento de um debate racial responsável, formulamos essa cartilha como primeiro passo para uma formulação mais ampla de um estudo a cerca do debate sobre o racismo inserido na noção de totalidade política, o que norteará nossa atuação para um debate responsável.

    Esperamos que aproveitem o ativo de formação, extraindo‐lhe o máximo possível de informações e formação voltadas para a atuação prática na disputa da realidade. Boa leitura.

    2) A CARNE MAIS BARATA DO MERCADO É A CARNE NEGRA:POR QUE FOMOS TIRADOS DA ÁFRICA?

    Os questionamentos que nortearão boa parte do nosso estudo sobre a opressão racial se resumem a responder, primeiro: por que fomos tirados da África? Em segundo, e não menos importante: quais fatores tornaram possível a transformação dos africanos em produtos?

    Ambos os questionamentos só podem ser respondidos com base no materialismo histórico e nas categorias analíticas desenvolvidas pelo marxismo: infraestutura (ou forças produtivas), estrutura (ou relações de produção) e superestrutura.

    2.1) O que são as categorias analíticas do marxismo?

    As categorias analíticas são ferramentas desenvolvidas por Marx e Hengels para

    a análise dos momentos históricos. Fica a sugestão de leitura de “Os conceitos Básicos do Materialismo Histórico”, de N. Moreno, e “Introdução ao marxismo a partir da leitura do Manifesto Comunista”, do dirigente trotskistas Israel Dutra.

    Basicamente, podemos definir do seguinte modo as três categorias analíticas:

    A) Forças Produtivas / Infraestrutura – Modo como o ser humano se relaciona com a natureza, o que extrai dela para produzir e o que produz em determinada etapa histórica.

    B) Relações de Produção / Estrutura ‐ Modo como os seres humanos se

    relacionam entre si, como dividem a produção.

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    C) Superestrutura – Esta, um pouco mais complexa, se divide em dois ramos. O primeiro diz respeito às instituições (Polícia, igreja, Estado, etc.). O Segundo diz respeito às ideologias, à moral dominante.

    Continuando a analisar as perguntas com base nos conhecimentos históricos, podemos ver que o modo de produção feudal tem papel chave na consolidação do período escravagista.

    Com o esgotamento do feudalismo, consequentemente sua queda, surge um período pré‐capitalista, um período onde há a chamada acumulação primitiva do capital. Ou seja, nesse período o ser humano, em especial o europeu, começou a

    desenvolver e preparar as condições para o surgimento do capitalismo, que se consolidou com o advento da Revolução Industrial.

    Por isso, nesse período, quando o modo de produção anterior caiu, aconteceram duras disputas pelo acúmulo de riquezas, que extrapolavam os limites territoriais. Por isso, a colonização de países da América e da África.

    Depois que os primeiros invadiram, os europeus sabiam que das Américas era possível se extrair muito lucro através da relação com a natureza (infraestrutura). Então, em um primeiro momento, mandaram para o Brasil, por exemplo, condenados,

    bandidos e todos os indesejados de Portugal para cá. Para que trabalhassem e mandassem as riquezas para lá. Isso se mostrou insuficiente. Era preciso mais mão de obra que pudesse ser explorada.

    Portanto, os europeus foram à África escravizar negros para que trabalhassem sem qualquer remuneração, para que se tornassem efetivamente propriedade e produzissem nas terras do “novo continente”, que pudessem ser uma fonte de riqueza. Deste modo, foram distribuídos nas Américas, produzindo riquezas que serviram como combustível para o surgimento do capital, de um modo resumido.

    Houve então uma alteração na estrutura. Os africanos trabalhavam para produzir para os senhores sem nada receber em troca, nem uma mínima parcela da produção.

    Isso só foi possível porque a classe dominante à época, junto à sua instituição de maior influência no período, a igreja católica, desenharam no imaginário das pessoas que o negro africano não tinha alma, portanto não era um ser humano como o europeu, podendo ser transformado em mercadoria.

    Ao longo da história, sempre houve escravidão, mas nuncade uma etnia sobre outra etnia determinada e específica. A escravização dos africanos pelos europeus pré

    capitalistas inaugurou o racismo.

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    Inaugurou o racismo, pois a relação entre estrutura e superestrutura é dialética e principalmente não linear ao longo da história. O que isso quer dizer?

    Quer dizer que, ao mesmo passo em que a ideologia da classe dominante, através das instituições (a superestrutura), moldou e possibilitou que se desenvolvesse um modelo de exploração extrema (escravatura), à mesma medida, num esquema dialético, as relações que se desenvolveram sob esse manto influenciaram na superestrutura, ou seja, na ideologia e nas instituições. Fazendo essa análise, fica compreensível à luz da história porque as instituições e a ideologia dominante ainda colocam a negritude em um segundo plano, como se não fossemos seres humanos. Isso porque na história não existequebra linear. A ideologia dos escravocratas ainda se reflete na superestrutura, que num movimento dialético molda a estrutura. Em outras palavras, compelidos pela herança racista na ideologia e nas instituições, os seres humanos desenvolvem e reproduzem nas relações entre si o racismo estrutural, institucional e ideológico.

    Então fica claro o papel que a classe dominante à época exerceu para o surgimento da escravidão e como isso só foi possível por conta das instituições pregando a ideologia da classe dominante. Esse resgate histórico é muito importante, mas não é central para o debate que pretendemos travar nesse momento, podendo ser tratado em um espaço destinado exclusivamente para ele. Por isso a abordagem breve e resumida.

    3 – RACISMO ESTRUTURAL, INSTITUCIONAL E IDEOLÓGICO:

    QUAL O PAPEL DO CAPITALISMO NESSE ESQUEMA?

    Já verificamos acima que o surgimento do racismo está ligado com o surgimento de uma ideologia de superioridade branca constituída no período pré‐capitalista, ou seja, que diferente do que sempre defenderam os stalinistas e o ultra esquerdismo, o racismo, com certeza, não tem sua origem no capitalismo.

    O racismo é um mal que está impregnado desde antes do capitalismo e que foi aproveitado da melhor forma pelos capitalistaspara construir ainda mais riquezas para os donos da produção.

    Por isso que quando dizemos que o racismo é estrutural no Brasil, em última análise estamos dizendo que a estrutura capitalista, isto é, o modo como os seres humanos se relacionam e dividem a produção, é sustentada pelo racismo. Prova disso é que negras e negros recebem os piores salários, compõe a maior parcela dos

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    negritude e por melhores condições sociais. A luta de negros e negras sempre foi anti sistêmica, conscientemente ou não.

    Tomemos como exemplo os escravos. Os escravos lutavam para arrebentar suas correntes, em busca de sua liberdade, propondo uma nova formade organização social em substituição ao regime escravagista, os quilombos. Os quilombolas lutavam para derrubar a ordem do sistema escravocrata, em defesa de suas liberdades.

    Tomemos agora por exemplo o movimento negro do século XX e XXI sob uma análise mundial. De um modo geral, o movimento lutava contra a ordem estabelecida pela estrutura dentro do sistema capitalista. Ou alguém dúvida que o movimento por direitos civis na América Civil nos anos 1960 não tinha uma origem anticapitalista? Somente alguém que diminui completamente o legado de figuras como Malcolm X pode ignorar o viés anticapitalista da luta de negras e negros.

    Vou além. Tomemos por exemplo as lições do congolês Patrice Lumumba. Lumumba foi um dos principais líderes do movimento anticolonialista no continente africano. Lumumba defendia uma organização internacional capaz de livrar o Congo das correntes do imperialismo belga, considerando, em primeiro lugar, um critério de classe para defender a fraternidade do povo congolês e de toda África.

    Ora, por acaso denfedem os socialistas alguma coisa que não a luta internacional contra os patrões e os capitalistas, para socializar os meios de produção?

    Por que então o setor pós‐moderno insiste em deturpar o legado de Malcolm X, Lumumba, Zumbi, Dandara e todas as figuras negras que lutaram, em algum período, explicitamente contra o capitalismo? A quem serve discursos como o de Carlos Moore, que vive a propagandear que não há diferenças entre os capitalistas e os socialistas no tocante à condição de negras e negros?

    Com certeza, Carlos Moore e toda sua escumalha pós‐moderna de seguidores (e nesse caso, me refiro aos não negros em especial), cumprem o papel de quinta coluna do imperialismo e do capitalismo, erguendo uma nuvem de fumaça diante dos olhos da negritude explorada e oprimida. Eles, os pós‐modernos, vivem a bradar que são completamente livres para defenderem as questões raciais exclusivamente e ocupam seu tempo nos acusando de sermos testa de ferro de nossa organização, mas se esquecem de que eles é que são os verdadeiros testas de ferro do capitalismo. Eles é que não estão interessados em resolver os problemas de toda a negritude, mas apenas de um setor inteletcual universitário com a venda de seus livros.

    Por outro lado, é certo que, enquanto marxistas, precisamos avaliar todos os erros históricos que a esquerda em sentido amplo. Do stalinismo ao petismo, o sistema de concessões aos capitalistas sempre nos retirou direitos. O PT, que outrora ao lado

    do PcdoB foram as maiores referências de organização de negras e negros, hoje estão

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    ao lado do Pézão e têm posturas políticas como a do Rui Costa, da Bahia, que assiste de camarote ao genocídio da negritude.

    A esquerda deve ser superada pela própria esquerda constantemente. Por exemplo, é inaceitável que hoje tenhamos as mesmas debilidades que tínhamos há dois anos atrás, assimo como será intolerável que cometamos os mesmos erros políticos e organizativos que cometemos hoje daqui dois anos.

    Mas nossa política jamais pode ter como norte as polêmicas levantadas por setores que estão contra um projeto de tomada do poder pelos trabalhadores.

    Atualmente nossa principal tarefa enquanto militantes da esquerda, na condição de negras e negros está muito clara: precisamos disputar a unhas e dentes a consciência da negritude para um projeto amplo e realmente capaz de derrotar o racismo. Precisamos que negritude deixe de protagonizar suas pautas específicas e particulares, como tem feito seguindo a recomendação dos pós‐modernos e que passem a formular, dirigir e protagonizar a luta pela disputa da totalidade.

    5 – UMA POLÊMICA COM O ULTRAESQUERDIMO: A PAUTA RACIAL E OPROGRAMA DE TRANSIÇÃO DE TROTSKY

    O stalinismo tratou de tentar distorcer toda a formulação marxista e o movimento operário de massas. A experiência fracassada com o stalinismo, em especial após a queda do muro de Berlim, fecharam a porta para um período revolucionário.

    Deste momento, quando a burocracia stalinista se intensificava, Trotsky desenvolveu um programa, chamado Programa de Transição. Em resumo, o programa de transição do Trotsky diz que não existia mais a possibilidade entre o programa máximo e o programa mínimo. O programa mínimo apresentado pela social democracia é um programa exclusivamente de reformas dentro do capitalismo, fadado ao fracasso. O programa máximo prometia a substituição do capitalismo pelo socialismo, por um futuro incerto.

    A verdade é que os anticapitalistas, desde os tempos do Trotsky, precisam mediar um programa entre a atuação no sistema capitalista e a luta pelo socialismo. Precisamos de reivindicações que dialoguem com a consciência média da maioria da classe trabalhadora e seu cotidiano. Nesse sentido, a pauta das mulheres negras, da juventude negra e dos negros em geral, é diretamente uma contribuição preciosa para a atualização do Programa de Transição.

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    O setor do ultra esquerdismo, organizaçõesque padecem da doença infantil da qual já falava Lênin nada fazem senão entregar de bandeija os setores mais avançados e organizados do movimento negro responsável no colo do pós‐modernismo.

    Precisamos combater, inclusive internamente, os desvios que diminuem a luta racial, que não é uma luta secundária. É urgente que a negritude comece a formular na esquerda para além de seus espaços auto organizados, que formulemos para a disputa da totalidade e a negritude protagonize essa disputa.

    Nesse sentido, é fundamental que saibamos exatamente o que falamos e a política que compramos para que não sejamos lunáticos como o pior setor da ultra esquerda.

    CONCLUSÃO

    AS TAREFAS IMEDIATAS DO NOSSO COLETIVO

    É fundamental que a nossa setorial esteja armada no discurso teórico como balizador da atuação prática, queestejadistante de todo sectarismo, mas que sejamos capazes de fazer um enfrentamento muito grande com os setores da ultra e do pós‐modernismo na captação de militantes negras e negros.

    É central e urgente que formemos mais militantes negras e negros com a habilidade de formular política para além de umavisão fragmentada da realidade, mas que também sejam muito capazes e habilidosos para intervir na política especial do movimento negro. E só há uma receita para isso: formar quadros. Precisamos avançar na formação de quadros militantes de negritude, o que demanda também o compromentimento particular de cada militante em relação ao coletivo e o oposto também é válido.

    Por fim, precisamos dialogar com a consciência média da população negra e elevar essa consciência a um nível de compreensão do que é o capitalismo e porque é tão necessário que o derrotemos. É uma tarefa imediata formular um programa de negritude que caminhe num sentido anticapitalista e que tenha mais do que nunca o caráter classista.