cartilha - campanha tarifa zero são paulo

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São Paulo sem catracas CARTILHA DA CAMPANHA

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Cartilha da Campanha pela Tarifa Zero em São Paulo

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São Paulo sem catracasCARTILHA DA CAMPANHA

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Não é de hoje que a luta por transporte tem lugar recorrente nas reivindica-ções sociais dos habitantes da cidade. Os obstáculos para nossa locomoção são muitos, como suas condições precárias, as grandes distâncias percorridas por boa parte da população, os congestionamentos e, por fim, o preço da passagem.

Já em 1992, algumas pessoas enxergaram esses problemas e pensaram em maneiras de solucioná-los. O então Secretário de Transportes Lúcio Gregori ela-borou uma proposta de Tarifa Zero nos ônibus municipais. O projeto não chegou a ser implantado por questões exclusivamente políticas, pois se mostrou com-provadamente viável dos pontos de vista técnico e econômico, tanto na época quanto hoje.

Desde então, ocorreram mobilizações contra os aumentos sucessivos na tarifa e por um transporte público de qualidade em diversas cidades. Em 2004 e 2005, Florianópolis viveu a chamada “Revolta da Catraca”, em que a população orga-nizada foi às ruas e pressionou a prefeitura até que o aumento fosse revogado. No ano seguinte, o mesmo aconteceu em Vitória. Em São Paulo, desde 2005, os aumentos na tarifa vêm acompanhados de lutas por sua revogação. Neste ano de 2011, elas tomaram grandes proporções: foram 12 manifestações de rua com milhares de pessoas que ocuparam importantes avenidas e terminais de ônibus. O aumento não foi revertido, mas com a luta fomos percebendo que deixou de ser suficiente lutar pela redução do preço da passagem. Era preciso questionar o modelo de transporte existente, dentro do qual a tarifa jamais deixará de subir.

É diante desse histórico de proposições e de lutas que foi possível pensar em uma campanha pela Tarifa Zero, recolhendo assinaturas para propor ao poder público um projeto de lei de iniciativa popular.

Esta cartilha convida todos a refletir sobre a importância do transporte, ex-plica o que é a Tarifa Zero e quais as suas possibilidades de concretização, no que consiste um projeto de lei de iniciativa popular e de que maneira você pode contribuir com tudo isso.

A luta por Tarifa Zero é fundamental para que as pessoas possam ter seu acesso ao transporte público garantido . Mais do que isso, porém, ela é funda-mental porque o acesso ao transporte significa maior acesso a todos os outros di-reitos, tais como escolas, hospitais, teatros e afins. Ela une, portanto, o conjunto das lutas sociais.

Essa campanha não surgiu do nada: é resultado não só de muitos anos de trabalho daqueles que acreditam que a Tarifa Zero é possível e necessária, mas principalmente da luta de todas as pessoas que nos últimos anos estiveram em algum momento nas ruas exigindo uma cidade mais justa.

Uma cidade só existe para quem pode se movimentar por ela!

Apresentação

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Atualmente, o transporte coletivo não é um serviço realmente público, pois não é entendido como um direito, e sim como uma mercadoria. Isso porque o poder de decisão sobre o sistema de ônibus está praticamente todo nas mãos das empresas do ramo. Assim, o planejamento do transporte é inteiro pensado visando ao lucro dos empresários e não ao bem-estar da população.

No centro dessa lógica mercantilista está a tarifa. A tarifa pressupõe que quem deve pagar pelo serviço é o próprio usuário, e não todo o conjunto da população que, de alguma forma, é beneficiado indiretamente pelo transporte coletivo. Assim, diferentemente de todos os outros direitos sociais, o transporte é pago no momento de sua utilização.

Já pensou como seria se todas as vezes que a gente fosse passear em um par-que público tivéssemos que parar em um pedágio e pagar tarifa? Se para tomar uma vacina em um hospital público fosse preciso pagar uma taxa? Parece im-pensável e inadmissível, mas é assim que funcionam os ônibus, trens e metrôs.

Porém, hoje o sistema de transporte custa bem caro e já não é mais possível que seja pago apenas pelos usuários. Por isso, além da nossa contribuição direta, a prefeitura injeta um pesado subsídio para sua manutenção. Em 2009, foi de R$

Como é o transporte hoje?808 milhões, em 2010 foi de R$ 660 milhões e pra 2011 o subsídio deve chegar a R$ 743 milhões.

Mesmo com os aumentos no subsídio, a população tem sofrido anualmente com aumentos no preço da passagem. Ainda que a prefeitura e os empresários apresentem os mais diversos pretextos, não existe justificativa para um aumento, se olharmos do ponto de vista do bem-estar da população e do direito à cidade: a cada aumento na passagem, mais pessoas deixam de ter acesso ao transporte coletivo e passam a ser excluídas da vida na cidade, sem contar que hoje a tarifa é puramente um objeto de manipulação política e seu valor pode subir ou des-cer independentemente de um motivo lógico.

Assim como os aumentos, a péssima qualidade do serviço de transporte co-letivo também é consequência da lógica do lucro. Para os empresários, o que importa é quantas vezes a catraca gira. Quanto mais gente pagar a tarifa, mais dinheiro. Não importam as condições em que as pessoas viajam. Por isso, é mais lucrativo que haja poucos ônibus circulando nas ruas e que todos estejam lota-dos, pois isso significa reduzir gastos com manutenção, combustível, emprega-dos, etc. Todos os aspectos do planejamento do sistema de transporte coletivo, desde os trajetos das linhas até quais serão os horários de circulação, estão atu-almente organizados em prol dos interesses de empresários.

A mobilidade foi transformada em mercadoria e, como toda mercadoria, ela não é acessível a todos. No entanto, esse modelo não é e nem precisa ser o único. É possível e mais do que nunca necessário que criemos um modelo de transporte que não seja baseado na tarifa e que beneficie os usuários.

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Não fomos os primeiros a pensar em um transporte sem tarifa. Em 1992, o en-tão secretário de transportes Lúcio Gregori propôs uma alteração substancial na organização dos ônibus da cidade a partir da eliminação do custo da passagem. Era o projeto Tarifa Zero, que, por falta de força política, jamais foi implemen-tado completamente, ainda que linhas experimentais tenham existido no bairro Cidade Tiradentes, na Zona Leste de São Paulo.

Mas se o ônibus for de graça, quem vai pagar a conta? O projeto de Lúcio trazia uma resposta simples e lógica: para que houvesse

transporte sem tarifa, bastaria que este fosse pago indiretamente. Assim como a saúde e educação, o transporte teria seu custo dividido entre todos, pelo dinhei-ro arrecadado nos impostos e taxas. Para isso, haveria um aumento na arrecada-ção de impostos progressivos, ou seja: pagaria mais quem tivesse mais, menos quem tivesse menos e quem não tivesse nada não pagaria nada.

Seria necessária também a municipalização do sistema de transportes, que nada mais é do que uma mudança no tipo de contratação do serviço. A tarifa deixaria de ser o principal meio de negociação com os empresários. Funcionaria desta forma: em vez de a prefeitura remunerar as empresas de ônibus de acordo com a quantidade de passageiros transportados, ela contrataria um serviço fe-chado, como se fosse um fretado em que se paga pelo preço do serviço inteiro de locomoção e não pela quantidade de pessoas que usaram o ônibus.

Para custear o transporte propomos a criação de um fundo municipal de transportes, o FUMTRANS. Esse fundo seria responsável por concentrar as arre-cadações para o transporte. Além da verba já destinada ao transporte, possíveis fontes de arrecadação seriam os IPTUs de shopping centers, de bancos e de ter-renos muito grandes (como o Jóquei Clube de São Paulo, que possui um terreno com 151 mil metros quadrados e deve 150 milhões de IPTU para a Prefeitura).

Tarifa zero é possívelMas haveria transporte para todo mundo? Seria necessário um aumento significativo da frota e isso deve estar previsto

nos custos da implantação do projeto. Em 1992, esperava-se comprar 4 mil novos ônibus. Vinte anos depois, esse número deve ser ainda maior. É importante dizer que não consideramos isso um problema de forma alguma: se mais ônibus são necessários, é justamente porque muita gente que precisava, não tinha acesso a eles antes.

Mas se for de graça, a população não vai depredar? Você já viu por aí alguém quebrando hospitais ou museus? Não é porque o

transporte será gratuito que as pessoas irão depredá-lo. Quando foi implantado o circular à Tarifa Zero na Cidade Tiradentes, a população não só não o depre-dava como o preservava, afinal as pessoas queriam poder circular livremente.

Agora vamos pensar um pouco sobre o que mudaria na cidade com o trans-porte sem tarifa. Nós poderíamos visitar nossos familiares, encontrar nossos amigos, nos organizarmos com pessoas que não moram em nosso bairro para reivindicarmos nossos direitos, acessar as instituições culturais, os hospitais, as escolas. A tarifa zero mudaria tudo na cidade!

Sabemos que a viabilidade técnica existia e existe! A Tarifa Zero não só é pos-sível como já foi implementada em outros países, como na cidade de Hasselt, na Bélgica, onde o transporte é gratuito há 10 anos, além de Changzhi, na China, Gibraltar, ou mesmo em Porto Real, no Rio de Janeiro e Potirendaba e Agudos, ambas no interior de SP.

O que falta mesmo para conseguirmos Tarifa Zero em São Paulo é vontade política e é por isso que precisamos nos mobilizar, pressionar para que nosso projeto seja aprovado.

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Muita gente não sabe, mas a população pode propor projetos de lei. Os pro-jetos de lei de iniciativa popular são uma forma de se propor leis que hoje é muito pouco utilizada no Brasil, que surgiu em um momento de ampla luta pela democratização do Estado brasileiro. Desde então, qualquer pessoa pode escre-ver um projeto de lei para mudar algo na cidade, no estado ou no país.

Quando o projeto está pronto, no caso de um município, é necessária a ar-recadação de assinaturas de 5% do eleitorado da cidade para que ele seja enca-minhado à câmara dos vereadores. Depois disso ainda é preciso que a proposta passe por uma votação, ou seja, as assinaturas não garantem a aprovação da lei. Assim, é imprescindível que a população esteja organizada e mobilizada, pressionando o poder público para que a votação ocorra e seja favorável às suas vontades.

O projeto de lei de iniciativa popular pela Tarifa Zero nos ônibus de São Pau-lo foi feito para o município, pois essa parte do transporte público é de respon-sabilidade da prefeitura. Dessa forma, para conseguirmos enviá-lo à câmara será necessário que pelo menos 500 mil pessoas tenham assinado, conheçam o proje-to, entendam a Tarifa Zero e participem da campanha para atingi-la.

Acreditamos que o projeto de lei de iniciativa popular pela Tarifa Zero se tra-ta da maneira mais viável de propor e exigir do poder público o reconhecimento do transporte como direito, ou seja, sem a tarifa.

Mais do que isso, enxergamos essa iniciativa como uma forma de nos organi-zarmos para reivindicarmos uma cidade mais justa. Isso se dá não por tratar-se de uma lei, mas porque ao longo do processo de coleta de assinaturas esperamos que as pessoas possam começar a falar mais sobre política, discutir os assuntos da sua cidade, os problemas do seu bairro. A ideia é, portanto, que todos possam participar ativamente da construção da própria realidade, não só durante a cam-panha, mas também depois da implantação do projeto, por meio, por exemplo, do Conselho Municipal de Transportes citado anteriormente.

Assim, a campanha não se trata da simples arrecadação de assinaturas. De-fendemos amplos debates em todos os espaços e com todos os setores da popu-lação, pensando juntos o que significaria uma São Paulo sem catracas, onde as pessoas poderiam se locomover livremente sem pagar tarifa.

O que estamos propondo com o Tarifa Zero é a mudança na lógica do trans-porte, e essa mudança dependerá da participação direta de todos aqueles que são usuários e que constroem coletivamente a cidade.

O projeto de lei de iniciativa popular

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Pelo fim de todas as catracas

Uma cidade é feita por quem vive nela. Sua infra-estrutura, regras e equipa-mentos são resultado de nossa interação e trabalho coletivo. No entanto, na rea-lidade desigual de São Paulo, a maior parte das pessoas que constroem a cidade não tem acesso a tudo que ela oferece.

São Paulo possui equipamentos de muitos tipos: culturais, como os museus, bibliotecas, cinemas e teatros; de saúde, como postos e hospitais; de lazer, como os parques, e de educação, como as escolas e universidades, além de espaços públicos de circulação, como praças e ruas. O acesso a esses locais compõe, ao lado da moradia digna e da alimentação de qualidade, o conjunto de elementos fundamentais para a satisfação das necessidades básicas e desenvolvimento de cada indivíduo que vive na cidade. É , portanto, um conjunto de direitos sociais que pode ser chamado de direito à cidade.

Como esses direitos não são acessíveis a todos, as pessoas passam a reivin-dicá-los e a lutar pelo direito à cidade, que vai além da conquista desses bens. Se a cidade é feita por todos nós, o direito à cidade deve ser também o direito de construirmos coletivamente o espaço no qual desejamos viver: uma cidade para todos, sem exclusão e segregação.

O que o transporte tem a ver com isso?O transporte é um elemento fundamental, pois é através dele que chegamos

ao trabalho, que vamos as escolas, aos locais de lazer, visitar nossos amigos e familiares, que vamos ao hospital. No entanto, o custo da tarifa hoje representa um impeditivo para o nosso deslocamento. Segundo a Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos (NTU), 37 milhões de brasileiros não têm di-nheiro para pagar a tarifa regularmente, o que significa que estão excluídos não só do transporte, mas de todos os outros direitos.

A catraca que exclui as pessoas não está só no ônibus. A cidade está cheia de catracas, muitas delas invisíveis, que separam as pessoas da saúde, da educação, do esporte, do lazer, dos bairros vizinhos, do Centro. Toda vez que vamos a algum lugar, esbarramos neste obstáculo concreto que é a tarifa; há também as dificuldades de locomoção devidas à falta de linhas e aos ônibus lotados, que isolam cada vez mais grande parte da população nas periferias da cidade. É por isso que lutar por um transporte verdadeiramente acessível, sem tarifa, é tam-bém lutar pelo direito à cidade.

Sem mobilidade não se vive na cidade

São Paulo é uma metrópole de imensas proporções, com 11 milhões de ha-bitantes. Essa população precisa percorrer cotidianamente grandes distâncias e para isso é necessário usar um meio de transporte, seja ônibus, trem, metrô, carro, bicicleta, moto, ou mesmo ir a pé. Porém, devido ao modelo de transporte que existe hoje na cidade, mesmo os deslocamentos rotineiros se transformam em desafio. Não é possível ir de um lugar para outro sem enfrentar o trânsito caótico e congestionado ou a péssima qualidade do transporte público.

Quando olhamos ao redor, percebemos que a cidade está organizada de uma forma muito estranha: há poucos ônibus e linhas de trem e metrô em relação à quantidade de pessoas que necessitam dele, há mais faixas para os automóveis particulares nas ruas do que para os ônibus. Vemos muitos investimentos sendo feitos em avenidas (como a ampliação da Marginal), pontes sobre as quais mui-tas vezes circulam apenas carros (como a ponte Estaiada) e uma tarifa que exclui as pessoas da plena mobilidade e acesso. Mas por que isso tudo acontece?

Isso tudo é resultado da opção do poder público por políticas que priorizam o transporte individual em detrimento do transporte coletivo. Hoje, a cada R$1 investido no transporte coletivo, o governo dá R$12 em incentivos para carros e motos. Enquanto a prefeitura insiste em obras que privilegiam os automóveis particulares, o sistema de ônibus é deixado de lado, tornando-se meio de obten-ção de lucro pelos empresários, com tarifas cada vez mais altas.

A consequência disso é que a mobilidade passa a ser tão desigual quanto nossa sociedade. Quem circula são aqueles que possuem condições de utilizar o transporte particular ou de pagar a tarifa. A outra parcela simplesmente fica imóvel.

Para que esse quadro se transforme é preciso que o transporte seja tratado como direito e assegurado como tal. Para tanto, é necessário que não exista a tarifa, que não exista uma catraca no meio do caminho. É impossível pensar em educação e saúde como serviços públicos, ou seja, gratuitos e acessíveis a todos, se no transporte existir uma tarifa que impede as pessoas de chegarem a esses lugares. O transporte é um direito fundamental, na medida em que é ele que garante o acesso ao que existe na cidade.

Mas por que tarifa zero?

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As catracas da educação

O direito a educação é hoje assegurado constitucionalmente, sendo os pais obrigados a matricular os filhos na escola, assim como o município e o estado são responsáveis por fornecer educação de nível fundamental e médio a todos, sem restrição. Nenhuma família precisa pagar para que seus filhos estudem.

Porém, hoje o acesso à educação básica esbarra em uma série de problemas. Não apenas a falta de vagas, professores mal remunerados e a degradação do ensino público, mas também as dificuldades de acesso físico. Isto é, a dificuldade que as famílias têm hoje de pagar a passagem da viagem de ida e volta à escola.

Atualmente, o transporte é o terceiro maior gasto de uma família. Para uma família com renda de um salário mínimo mensal, com três filhos em escolas rela-tivamente distantes de seus bairros, mesmo pagando a meia passagem, o gasto chega a representar 33% do salário da mãe. Assim, a capacidade de se deslocar define a permanência ou não dos estudantes nas salas de aula

No que se refere à universidade, o problema também se faz presente. Mesmo que um aluno ultrapasse a barreira do vestibular, a dificuldade na ida e volta da faculdade pode definir sua permanência no curso.

O acesso ao transporte é reconhecido como parte fundamental do acesso à escola. Não é à toa que o passe-livre seja uma reivindicação antiga do movimen-to estudantil. Hoje, a gratuidade para estudantes é realidade em cidades impor-tantes como Rio de Janeiro, Brasília e Cuiabá. No entanto, encarar o transporte como direito envolve entendê-lo como necessário para o acesso a muitas outras coisas que precisamos para viver e não só ir para a escola, e por isso ele deve ser garantido a todos, e não só apenas a uma categoria.

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As catracas da cultura e do lazer

A formação do cidadão não se limita à educação básica, ou seja, ao acesso à escola. Há muitas outras formas de educação que são essenciais para o desen-volvimento mental e físico dos indivíduos. A nossa sociedade desenvolveu e desenvolve diversas formas de manifestações culturais, como o teatro, a dança, as artes plásticas, o cinema e, apesar de São Paulo possuir uma vida cultural intensa, ela é limitada a um pequeno público.

Assim como a mobilidade na cidade se dá de forma desigual, o contato com as formas de expressão abordadas acima também não está disponível em todos os lugares e para todo mundo. A maior parte dos equipamentos culturais está localizada no centro e regiões nobres da cidade, o que dificulta que a população moradora das periferias possa acessá-las. Somando o distanciamento dessas ins-tituições, o preço de entrada em algumas delas (muitas públicas!) e o elevado custo da tarifa do transporte, formam-se as catracas da cultura.

No entanto, as pessoas encontram formas de se manifestarem artisticamente mesmo sem o contato com essas locais oficiais que estão tão distantes. Hoje a periferia de São Paulo tem uma produção intensa: ao andarmos nas ruas vemos muitos grafites nas paredes, há espaços autônomos de cultura compostos por companhias de teatro, grupos de música, coletivos de cinema, espaços que pro-movem saraus e etc. Ainda assim, a tarifa é um problema na vida cultural, pois circular de um bairro para o outro também é muito difícil.

Longe de tentar aproximar as pessoas da cultura, do lazer e da vida na cida-de, o planejamento do transporte coletivo hoje parece entender que nós só pre-cisamos nos deslocar para ir trabalhar. As linhas de ônibus são organizadas de acordo com o percurso das pessoas do lar ao emprego, do emprego ao lar (que geralmente também é o percurso centro-periferia/periferia-centro). O motivo é simples: esses são os trajetos que dão mais lucro para as empresas do setor. Mas a lógica do lucro ignora o desejo e o direito das pessoas de sair para passear, como se isso fosse um prazer supérfluo, e não parte essencial da nossa formação.

É por isso que passam tão poucos ônibus nos finais de semana, por exem-plo. Aos domingos, muitas linhas nem mesmo entram em funcionamento. Outro problema é a ausência de ônibus na madrugada, que impõe um toque de reco-lher silencioso, obrigando quem depende de transporte público a voltar para casa antes da meia noite.

A Tarifa Zero mudaria tudo isso! Poderia haver maior intercâmbio cultural entre as pessoas, contato com diferentes formas de arte e trocas de experiências. O fim das catracas representa um passo fundamental para a produção e o acesso à cultura!

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As catracas da saúde

A saúde pública é um direito essencial para a vida das pessoas. Imagine se só existissem os convênios! Ou, ainda, se houvesse uma catraca na porta do con-sultório médico e, para sermos atendidos, precisássemos pagar uma taxa! Pode soar impensável, mas quando a ida ao médico depende do transporte coletivo, a tarifa do ônibus pode ser um obstáculo tão grande quanto seria uma cobrança na porta do consultório.

A dificuldade não está somente na ida ao médico, pois, devido à falta de vagas, as pessoas precisam ir ao posto várias vezes até conseguir agendar uma consulta ou exame. Para driblar esses problemas, a população desenvolve suas próprias estratégias. É comum, por exemplo, uma só pessoa ir à unidade de saú-de e agendar consultas para vários vizinhos ou familiares.

Além disso, os postos de saúde, geralmente mais próximos da residência, fornecem apenas o atendimento básico. Ou seja, muitas especialidades e tipos de tratamentos ficam a cargo dos hospitais que não estão nos bairros. Assim, uma mãe que precise levar seu filho para fisioterapia, por exemplo, deverá pa-gar a passagem de duas pessoas, a sua e de seu filho. Se o tratamento tiver uma periodicidade semanal, as dificuldades são ainda maiores. Muitos tratamentos gratuitos são interrompidos devido ao elevado custo de locomoção.

A relação entre mobilidade urbana e saúde pública vai além do acesso aos hospitais. O modelo que adotamos de locomoção hoje, que privilegia o uso de automóveis particulares, ocasiona a emissão 70% da poluição do ar o que gera um aumento significativo do índice de doenças respiratórias. Além disso, as pés-simas condições de circulação, nas quais os indivíduos são transportados amon-toados, o estresse no trânsito e no ônibus lotado são motivos reais do aumento de pessoas doentes que o SUS precisa prestar atendimento. A quantidade de automóveis que existe ocasiona uma série de acidentes de trânsito, que é o que mais gera custos ao sistema público de saúde do país.

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A participação popular nas decisões

Nós falamos um pouco de como o transporte está organizado, elencamos alguns problemas, os impeditivos para o acesso a cidade, já propusemos a Tarifa Zero e até discutimos sua viabilidade econômica. No entanto, ainda precisamos falar de algo que é fundamental: participação popular na organização do trans-porte.

Atualmente nossa participação na política fica restrita ao momento de vota-ção e a escolha de quem vai nos representar. No entanto, essa representação qua-se nunca é suficiente para que nossas verdadeiras necessidades sejam escutadas e atendidas.

Os usuários são as pessoas que mais entendem das necessidades no trans-porte: quais linhas precisam ser criadas ou quais horários de circulação dos ônibus são mais importantes, por exemplo. A população é capaz de até mesmo propor soluções um pouco mais técnicas, que geralmente ficam nas mãos dos engenheiros de tráfego, tais como se deve ou não ter farol próximo ao ponto de ônibus ou se devem ou não ser construídos terminais de ônibus em determina-dos lugares. Tudo isso é percebido e discutido cotidianamente (dentro dos pró-prios ônibus) por aqueles que usam o transporte, mas na hora de tomar medidas como aumentar o preço da passagem, construir corredores e terminais, cortar linhas ou diminuir trajetos, não somos sequer consultados.

Somos nós, usuários, quem devemos decidir de que forma o transporte pú-blico precisa ser organizado.

Por isso, após a implantação da Tarifa Zero em São Paulo propomos que o planejamento do transporte coletivo aconteça por meio do Conselho Municipal de Transportes. Como esse conselho ainda não existe em São Paulo, será neces-sário criá-lo.

O que faz um conselho de transportes?Nossa ideia é que o conselho seja um órgão que decida sobre os assuntos re-

ferentes à gestão dos transportes. Ele será responsável por gerir o FUMTRANS, estabelecendo as diretrizes políticas do sistema de transporte. Os membros do conselho tomariam decisões tais como o número máximo de passageiros por metro quadrado nas horas de pico, o tempo máximo de espera nos pontos de parada, as linhas que podem ser criadas ou ter seus trajetos alterados, além de aprovar os orçamentos da SPTrans.

O conselho pode ser composto por representantes de usuários de cada região da cidade, representantes de sindicatos, bem como por representantes de órgão de transporte como a SPTrans e a Secretaria de Transportes.

Construir o transporte público A participação popular na implementação do projeto

O projeto de Tarifa Zero elaborado em 1992, apesar de ter amplo apoio e aceitação da população, não chegou a ser votado também por conta da falta mo-bilização popular. Faltou às pessoas irem às ruas, se organizarem e exigirem que aquela lei fosse aprovada. É possível que bons projetos sejam propostos, mas para que eles possam se concretizar de fato é indispensável a participação das pessoas e a sua mobilização. Como isso é possível?

Atualmente existem pouquíssimos espaços de participação popular forma-dos, portanto precisamos inicialmente nos organizarmos para depois sermos ca-pazes de reivindicar transformações. Como podemos fazer isso?

Vejamos algumas sugestões: você pode se reunir no seu bairro, na sua escola ou em qualquer espaço de convivência, com outras pessoas que também este-jam interessadas em discutir os problemas do transporte coletivo e da cidade, dispostas a pensarem sobre o Tarifa Zero. Essa organização pode ser feita de maneira que todos que participem sejam tratados igualmente, com o mesmo poder de voz e decisão, pois se desejamos uma sociedade sem desigualdades, devemos começar tentando eliminar as desigualdades das próprias relações en-tre as pessoas. Partindo daí, pode ser possível criar um coletivo, um movimento social ou até mesmo uma associação de moradores para discutir, reivindicar e propor soluções para o transporte e para o bairro.

Page 11: Cartilha - Campanha Tarifa Zero São Paulo

Você quer implantar o Tarifa Zero na cidade de São Paulo? É possível partici-par da nossa luta de diversas formas.

Imprima as folhas para recolher assinaturas no site www.tarifazerosp.net, ou na página da campanha no Facebook. Junte-se com seus amigos do bairro, escola ou comunidade, e forme um grupo de arrecadação, organize debates e atividades no seu bairro para discutir essas questões com sua comunidade, faça intervenções artísticas na rua pra divulgar a campanha. Ou, se preferir, acesse o calendário da Campanha no site e venha em uma atividade nossa!

Você também pode coletar as assinaturas individualmente. Depois, basta en-trar em contato com a gente por e-mail, ou enviar os papéis para a nossa caixa postal. Atenção! As pessoas que assinarem precisam ser eleitores que votem na cidade de São Paulo.

Outra opção é contribuir no financiamento da campanha fazendo doações por internet. Essa verba é inteira revertida para a impressão de materiais como esta cartilha que você recebeu, panfletos, folhas de assinatura, etc.

Além disso, você pode transformar seu estabelecimento comercial (seja ele qual for) em um ponto de coleta de assinaturas, basta nos comunicar através de um dos meios a seguir para obter instruções sobre a coleta e informações sobre o material necessário.

Como ajudar na campanha

Toda a São Paulo para todos!Por uma vida sem catracas!

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