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SumárioAs mudas romperam o silêncio ................................................................................... 4Elogio do Aprendizado ................................................................................................ 6Cartas de Amor — Nº 170: À dialética do futebol ..................................................... 7I – As mudanças no mundo e os desafios civilizatórios ............................................. 8II – Olhando para a esquerda .................................................................................... 11III – A organização e a emancipação de classe ......................................................... 34

IV – A luta pelo poder ............................................................................................... 50V – A história de um país que quer existir ................................................................ 58

VI – A Bolivia, Honduras e o resto do Mundo: ........................................................ 61

VII – Sementes, terra e água: os idos de março ....................................................... 63VIII – Concentração da indústria mundial de sementes - 2005 ............................... 65IX – Oligopóio S. A. 2005: Concentração do Poder Corporativo ........................... 78X – Elementos para um balanço de conjuntura nacional ......................................... 97XI – Noticias da economia e da sociedade brasileira .............................................106XII – No Brasil, número de ricos cresce mais que no mundo ............................... 115XIII – Construir um projeto nacional, popular, unitário entre todas

as forças sociais do Brasil ........................................................................... 117XIV – Plataforma política para uma agricultura soberana e popular .....................124

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IHavia um silêncio sepulcral

sobre dezoito mil hectares roubados dos povos tupi-guaranisobre dez mil famílias quilombolas expulsas de seus territórios

sobre milhões de litros de herbicidas derramados nas plantaçõesHavia um silêncio promíscuo

sobre o cloro utilizado no branqueamento do papel a produzir toxinas cancerígenas que agridemplantas, bichos e gentes

sobre o desaparecimento de mais de quatrocentas espécies de aves e quarenta de mamíferosdo norte do Espírito Santo

Havia um silêncio intransponívelsobre a natureza de uma planta que consome trinta litros de água-dia e não dá flores nem

sementessobre uma plantação que produzia bilhões e mais bilhões de dólares para apenas meia dúzia de

senhoresHavia um silêncio espesso

sobre milhares de hectares acumulados no Espírito Santo, Minas, Bahia e no Rio Grande do SulHavia um silêncio cúmplice

sobre a destruição da Mata Atlântica e dos pampas pelo cultivo homogêneo de uma só árvore:o eucalipto.

Havia um silêncio compradosobre a volúpia do lucro

Sim, havia um silêncio globalsobre os capitais suecos

sobre as empresas norueguesassobre a grande banca nacional

Por fimhavia um imenso deserto verde em concerto com o silêncio.

IIDe repente

milhares de mulheres se juntaram e destruíram mudas a opressão e a mentira

As mudas romperam o silêncioManifesto de homens e mulheres em solidariedade

às mulherescamponesas da Via Campesina

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As mudas gritaram de repentee não mais que de repente

o riso da burguesia fez-se espantotornou-se esgar, desconcerto.

IIIA ordem levantou-se incrédulaclamando progresso e ciênciaimprecando em termos chulos

obscenidades e calãoJornais, rádios, revistas, a internet e a TV,

as empresas anunciantesexecutivos bem-falantesassessores rastejantes

técnicos bem-pensantesos governos vacilantesa direita vociferante

e todos os extremistas de centro fizeram coro, eco, comício e declarações defendendo o capital:“Elas não podem romper o silêncio!”

E clamaram por degola.

IVDe repente

não mais que de repentemilhares de mulheresdestruíram o silêncio.

VNaquele dia

as terras ditas da Aracruzas mulheres da Via Campesina

foram o nosso gestoforam a nossa fala.

17 abril de 2006 Dia internacional da luta camponesa

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Aprenda o mais simples!Para aqueles cuja hora chegou

Nunca é tarde demais!Aprenda o ABC; não basta, mas aprenda!

Não desanime! Comece! É preciso saber tudo!Você tem que assumir o comando!

Aprenda, homem no asilo!Aprenda, homem na prisão!Aprenda, mulher na cozinha!

Aprenda, ancião!Você tem que assumir o comando!

Freqüente a escola, você que não tem casa!Adquira conhecimento, você que sente frio!

Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma.Você tem que assumir o comando.

Não se envergonhe de perguntar, camarada!Não se deixe convencer!

Veja com seus próprios olhos!O que não sabe por conta própria, não sabe.

Verifique a conta É você que vai pagar.Ponha o dedo sobre cada item

Pergunte: o que é isso?Você tem que assumir o comando.

“Elogio do Aprendizado”,Poemas 1913-1956.

Elogio do AprendizadoBertolt Brecht

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Ademar Bogo

Bendito seja o futebol que une a humanidade sob o sol. Que transforma os povos em torcidas, que asdiferenças, entre eles, são em campo resolvidas e os ataques são para forjar a alegria. O gol é a utopia, ondeas nações almejam a todo instante. É um lugar próximo e às vezes tão distante, que os atletas, para chegar,gastam todas as energias.

O futebol é um divertimento tenso. Mas é uma aposta de bom senso, onde a luta dos contrários énecessária. A bola é adversária e ao mesmo tempo companheira. As torcidas, inimigas, são de brincadeira,que empurram seus times para frente; gritam e festejam alegremente, quando as vitórias chegam porinteiras.

A bola está em todos os lugares. Habita nossos lares e brinca com as crianças. Mas nos jogos, avança,ataca e deixa as torcidas até sem fala; depois da investida, cala, realizando um golaço, como se mostrasseo seu cansaço, deixa-se pegar novamente com as mãos; ela se aquieta, enquanto a multidão; festeja,gagueja e ergue os braços.

A torcida parece enfurecida, tudo o que pensa diz. Xinga a mãe do juiz, mas briga se alguém ofende asua. A bola, como uma fêmea nua, quer sempre se esquivar do adversário; desperta a euforia e o imaginá-rio, com os seus movimentos mais sutis. Quanto mais humilha, mais deixa feliz, quem sempre vai, emsentido contrário.

A bola então rola, rola, rebola, por diversas vezes; se parece com o traseiro das rezes em movimento.Como no acasalamento, chama o atleta que tem habilidade; com ele tem fidelidade, como a comida quesacia a fome; nesse gingar não importa o nome, podem ser Pelés ou Manés, no futebol se ama com os pés,e não há força que esta fúria dome.

O futebol é uma janela, aberta na parede da favela. De lá, ainda pequenino, o menino se põe a sonhar,em um dia poder viajar, jogar em estádios lotados. E sentir por instantes silenciados os representantes daclasse dominante, que na política são tão arrogantes, mas no esporte se dobram diante, de quem sempreconsideraram ignorantes.

O futebol provoca fortes emoções, faz bem aos corações. Reúne as multidões e as faz sonhar com umdegrau acima; ele também resgata a auto-estima daqueles que por vezes se sentem derrotados. O esportecoletivo é indicado, para combater os individualistas; nele não entram os pessimistas, pois a derrota, deimediato, vira coisa do passado.

Hoje, mesmo no capitalismo, o futebol move o internacionalismo. Atletas de línguas diferentes, emcampo se entendem facilmente. Se as guerras fratricidas, que, a cada ano ceifam milhares de vidas, destro-em áreas construídas, igrejas, pontes e escolas, se tornassem disputas esportivas, a humanidade tornar-se-ia uma irmandade viva, pois ao invés de balas, produziria bolas.

No futuro, quando os governantes deixarem de ser tão burros, ao invés de presídios cada vez maisseguros, construirão campos e estádios iluminados. Farão leis, onde será obrigado, praticar esporte todoo dia. E a sociedade que hoje é uma utopia, estará ao alcance das mãos; e viveremos como irmãos, poisestará derrotada a burguesia.

Mas ainda não estaremos satisfeitos, para que se mantenha o respeito e cada qual saiba a sua função;o esporte não será mais profissão e passará a ser parte da cultura. Assim a gentileza e a ternura, serãocomuns como os pratos e os talheres. E então, alcançaremos o desejo mais profundo, de termos em cadaano uma copa do mundo; uma de homens e outra de mulheres.

À dialética do futebolCartas de Amor — Nº 170

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I. As mudanças no mundo e os desafios civilizatóriosAnotações pessoais, copiadas da palestra do Pe. Inácio Neutzling (jesuíta, professor da Unisinose diretor do Instituto Humanitas Unisinos - IHU) durante a Convenção Internacional da Ordem

dos Capuchinhos, sobre Ecologia, Justiça e Paz- Porto alegre, 13 de março de 2006.

1. Houveram mudanças profundas nomundo do domínio do capital e no tra-balho. Estamos numa nova etapa docapitalismo. A humanidade entrounuma fase de transitoriedade. Comoem outras raras ocasiões históricas.

2. Agora, o capital transforma tudo emmercadoria. E procura explorar tudona pessoa, não apenas o trabalho(como era na fase do capitalismo in-dustrial). Até a crença e a religiosida-de das pessoas são transformados emmercadoria, para obter lucro.

3. Há uma transição na sociedade. Pas-samos do capitalismo industrial poruma situação de liberdade econômicatotal. A economia moderna explora ese baseia na escassez. Já não buscaatender as necessidades das pessoas.

4. Não existe mais sociedade, no sentidoque as pessoas são sócias, parceirascomuns de uma sociedade. Agora sóexiste mercado. Onde se compra evendem coisas.

5. A tese principal do capital é combatera pobreza e a desigualdade pelas for-ças naturais do mercado, pelo livre co-

Pe. Inácio Neutzling

mércio.

6. E quando há crises desse mercado,todo fundamento do pensamento eco-nômico ocidental, capitalista é que sedeve resolver com guerras. A guerra éa maneira de obter vitória impondo omedo. Subjugando as pessoas.

7. Vivemos uma ideologia da abundanciade bens, mas apenas para poucos. Quenão tem limites éticos de consumo. Eaos que passam até fome, é um pro-blema político, de distribuição, não defalta de comida. Pela primeira vez nahistória da humanidade as pessoaspassam fome, por razões políticas enão por escassez.

8. A abundancia não está sob signo daigualdade de condições. Por tanto anível institucional, das leis, renunciou-se à condição de que as pessoas sãotodas iguais, como estava previsto naRepublica. Agora, as leis, o estado, opoder econômico, assume explicita-mente que somos todos “diferentes”perante o mercado e os direitos.

9. O capital consegue acumular e se re-produzir sem que as pessoas necessi-

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tem trabalhar, ser exploradas. É umaruptura com a essência do capitalis-mo.

10. As pessoas estão sendo treinadas ide-ologicamente para viverem apenas in-tensamente o momento presente. Ex-cluem da vida, o passado e o futuro.Agora o tempo tem apenas o sentidodo presente, e isso é uma ruptura como sentido da história, da humanidade,da civilização.

11.A sociedade capitalista industrial ha-via herdado e foi construída sobre abase dos princípios filosóficos cristãos-judaicos baseado na necessidade dotrabalho, de medir o tempo entre pas-sado e presente e planejar o futuro.As pessoas eram induzidas a acumu-lar para melhorar as condições de vidano futuro. O atual modo de acumularrompe com essa tradição judaica-cris-tão.

12.Numa sociedade agora dominada pelocapital financeiro, o dinheiro virou obem material invisível, é a nova for-ma de dominação, de exploração. Bas-ta saber que existem hoje 1,5 trilhõesde dólares que circulam diariamenteexplorando e se reproduzindo no mun-do. Mas ele não representa, não temmais nenhuma contrapartida na pro-dução real.

13.Há mudanças também no comporta-mento da antiga classe operária. Ago-ra há uma elite que se formou ao re-dor dos fundos de pensão. Esses fun-dos representam um rompimento coma classe. Eles são a financeirização daclasse trabalhadora. É supra sumo de

seu individualismo. Eles pensam acu-mular apenas para que uma parteminoritária da classe viva melhor. Éo fim do sentido de solidariedade. E éo fim do compromisso de uma gera-ção de trabalhadores com a outra. Háuma ruptura do contrato social quehavia na sociedade industrial, que ostrabalhadores sabiam que seu ganhodependia da produção. Agora vai de-pender da especulação. Em diversospaíses, inclusive os fundos de pensãorealizaram investimentos especulativosque aumentaram o desemprego, portanto foram investidos contra a pró-pria classe social.

14.O combate a pobreza, vai dependerde um novo contrato social, que ain-da não está no horizonte da luta declasses.

15.Na sociedade moderna do capitalis-mo industrial houve uma substituiçãodo mundo religioso, da fé (da idademédia) pelo sentido do contrato soci-al, da existência do estado. Agora, háuma nova substituição do social, dasociedade, do estado, pelo hiper-indi-vidualismo, que é representado na ide-ologia de que o sujeito só é feliz e serealiza consumindo. E consumindomuito. Mas são soluções individuais,para si apenas.

16.Como então combater a pobreza e adesigualdade, que é o maior flagelo dasociedade, se mesmo os pobres sonhamapenas com uma saída individual re-presentada na oportunidade deles tam-bém poderem consumir, individual-mente. E como não podem consumir,se iludem com as fantasias.

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17.Como combater a violência social pre-sente nas cidades, se ela é apenas con-seqüência dessa vontade doconsumismo? Ela é anti-tese do valorda solidariedade que estava presenteem todas as outras etapas da socieda-de. Não é por acaso, que a violência épraticada com mais freqüência de po-bres, marginais contra outros pobres.

18.Há uma situação em que temos umamáquina estrutural, do capital, quegera cada vez mais pobres, mais desi-guais. E no máximo que o estado éimpelido a fazer é colocar um band-aid/ um esparadrapo nessa chaga so-cial. Será que as congregações religi-osas que tiveram um papel importan-te na luta contra a desigualdade agoratambém querem apenas colocar o es-paradrapo?

19.Essa lógica econômica produz umacrise ideológica profunda, porque háuma ruptura entre a esfera da acumu-lação financeira e as necessidades dosindivíduos.

20.O Movimento ambientalista, ecológi-co nesse sentido é vanguardista por-que ele denuncia e chama atenção deque é impossível seguir acumulandodestruindo o meio ambiente que colo-ca em risco a sobrevivência. Pode-secombater a pobreza também denun-ciando os resultados da super-explo-ração. (Talvez seja por essa razão queo capital e seus asseclas reagiram comtanta virulência contra a denuncia quea manifestação das mulherescampesinas fizeram no dia 8 de mar-ço.) No fundo elas denunciaram osuper-consumismo que não mede con-

seqüências ambientais.

21.Como pensar um novo modo de vidade novas relações solidárias entre aspessoas, que não se baseia noconsumismo, no individualismo, nooportunismo pessoal? Esse é o ver-dadeiro dilema da sociedade nessequadrante de nossa historia. E paraisso enfrentará a ordem dominanteque prega apenas o direito a lucros,juros, consumo. E o resto salve-sequem puder!

22.A Nova ordem devera estar baseadanecessariamente nos valores da igual-dade, da solidariedade e da justiça so-cial.

23.A sociedade capitalista neoliberal éuma sociedade post-cristianismo. Nãotem nada a ver com os princípios docristianismo. Os cristãos não podeme não devem ser apenas bombeirosdo capital. Nós precisamos nos per-guntar para as organizações dos po-bres, como devemos lutar para com-bater a pobreza e a desigualdade, enão apenas querer ensinar...

24.Nosso compromisso deve ser buscar“um outro mundo necessário”! E issose constrói dialeticamente entre asmudanças sociais e as mudanças pes-soais e vice-versa, para construir umanova sociedade sobre a base de no-vos parâmetros.

25.As religiões e as pessoas religiosaspodem contribuir para encontrar assaídas para esses desafios. E mudar asociedade, com base em novos valo-res e princípios éticos. Há tempo edisposição para isso?

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II – Olhando para a esquerda1

Jose Luís Fiori

“De nada serve partir das coisas boas de sempre, massim das coisas novas e ruins”

(Bertold Brecht)

1. O mapa conjuntural da esquerda.Neste início do Século XXI, está

acontecendo algo inédito na América La-tina, um continente que se move de for-ma sempre sincrônica, apesar de suaenorme heterogeneidade interna. Bastaolhar para trás para perceber as notáveisconvergências de sua história, durantesuas “guerras de formação”, na primeirametade do século XIX; na hora de suaintegração “primário-exportadora” à eco-nomia industrial européia, depois de 1870;ou mesmo, no momento de sua reaçãodefensiva e “desenvolvimentista”, frenteà crise mundial, da década de 1930. Uma

Neste início do Século XXI, uma sucessão de vitórias eleitorais coloca a esquerda latino-americanafrente ao desafio de governar democraticamente, como os europeus fizeram, sobretudo na segundametade do século XX. Mas nesta hora, a esquerda européia está vivendo uma crise de identidade,depois de uma sucessão de derrotas eleitorais e de divisões internas, cada vez mais profundas.Mesmo assim, a experiência européia segue sendo uma referencia decisiva, para repensar o queseja uma “gestão socialista” de uma sociedade nacional e de um capitalismo periférico, que vivena sombra imediata do poder norte americano? Para desbloquear seus caminhos, entretanto, aesquerda precisa recolocar-se o problema histórico e teórico das relações entre os processos deglobalização do poder e do capital, com as lutas políticas dos povos, e o crescimento desigual dariqueza das nações.

RESUMO

“convergência” que aumentou ainda mais,depois da II Guerra Mundial, com a aju-da da política externa dos Estados Uni-dos de combate sistemático a todos ospartidos e governos que fossem ou ti-vessem qualquer tipo de inclinação deesquerda.

Logo depois do início da Guerra Fria,ainda nos anos 40, quase todos os paísesdo continente colocaram na ilegalidade,simultaneamente, os seus Partidos Comu-nistas. Apesar de que só em alguns casosa perseguição aos comunistas tenha che-gado ao extremo do Chile, que os pren-deu e confinou em campos de concentra-ção, nas regiões mais frias e desérticas dopaís. Na década de 50, esta mesma “con-vergência latino-americana” reapareceu naderrubada simultânea de vários governos

1 Este artigo foi escrito originariamente para a revistaalemã “International Journal of Action Research”.

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eleitos democraticamente, como no casoda Guatemala, do Brasil, da Argentina eda Colômbia. Apesar de que só no casoda Guatemala houve uma intervenção nor-te-americana direta e a repressão e o as-sassinato de mais de 200 mil pessoas.Muito mais do que na Colômbia do dita-dor Perez Jimenez, na Nicarágua e Cubados ditadores Anastázio Somoza eFulgêncio Batista, apoiados igualmentepelos Estados Unidos. Logo em seguida,nas décadas de 1960 e 1970, esta velhasintonia continental aumentou ainda maisdepois da frustrada invasão de Cuba, em1961, seguida de uma série de golpes mili-tares que instalaram regimes ditatoriais emquase toda a América Latina. Apesar deque nem todas as ditaduras tenham tido omesmo nível de violência do Chile, ondese estima que tenham morrido mais de 20mil pessoas, e da Argentina, onde foramassassinados ou desapareceram cerca de35 mil pessoas. Na década de 80, aredemocratização simultânea do continenteocorreu no mesmo momento em que aviolência da “2ª. Guerra Fria” (1982-1985)do presidente Ronald Reagan atingiu aAmérica Central e o Caribe, como se fos-se um tufão. Mesmo quando ela não te-nha atingido a todos com a mesma inten-sidade que El Salvador, onde foram mor-tos ou assassinadas, em poucos anos, maisde 75.000 salvadorenhos.

Com o fim da Guerra Fria, na déca-da de 1990, a “indução” norte-americanae a convergência dos “latinos” se desloca-ram para o campo das políticas econômi-cas. Como parte da renegociação de suasdívidas externas, quase todos os governosda região adotaram um programa comum

de políticas e reformas liberais que abriu,desregulou e privatizou suas economiasnacionais, “clonificando” os governosneoliberais de Carlos Salinas, no México,Andrés Perez, na Venezuela, CarlosMenem, na Argentina, Fernando H. Car-doso, no Brasil e Alberto Fujimori, noPeru, entre outros. Com o passar do tem-po, entretanto, o novo modelo econômicoinstalado pelas políticas liberais não cum-priu sua promessa de crescimento econô-mico sustentado e diminuição das desigual-dades sociais. Na virada do novo milênio,a frustração destas expectativas contribuiu,decisivamente, para a nova inflexãosincrônica do continente que está em ple-no curso: uma virada democrática e à es-querda, dos governos de quase todos ospaíses da América do Sul, e talvez, embreve, do México.

A eleição para presidente do líder in-dígena e socialista Evo Morales, na Bolí-via, no final de 2005, e da militante socia-lista Michele Bachelet, no Chile, no iníciode 2006, foram apenas dois pontos de umatrajetória vitoriosa que começou, no Bra-sil, em 2002 e que seguiu na Argentina,Venezuela e Uruguai, podendo chegar aoPeru, Equador e México, ainda em 2006.Uma verdadeira revolução político-eleito-ral, sem precedentes na história latino-americana e que coloca a esquerda frenteao desafio de governar democraticamen-te, convivendo – em geral – com a mávontade dos “mercados” e a hostilidadepermanente da grande imprensa. Um de-safio que foi vivido pela esquerda euro-péia no século XX, mas que só foi experi-mentado tangencialmente pela esquerdalatino-americana no século passado.

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O grande paradoxo é que estas vi-tórias e novos desafios latino-americanossurgem no momento em que as esquer-das européias vêm sofrendo sucessivasrevezes eleitorais e divisões políticos. Asderrotas começaram na Itália e na Fran-ça, em 2001 e 2002, e se repetiram, maisrecentemente, na Alemanha e Portugal,em 2005 e 2006. Mas a divisão e perdade rumo ficaram muito mais claras noReferendo sobre a Constituição européia,rejeitada pelos franceses e holandeses em2005, e no caso da revolta dos jovens daperiferia das grandes cidades francesas,no final do mesmo ano. Para não falarda decisão da social-democracia alemã departicipar de um governo de coalizão comseus adversários da União DemocrataCristã e da União Social Cristã. É verda-de que neste mesmo período os socialis-tas espanhóis venceram as eleições ge-rais de 2004, mas isto aconteceu com aajuda indiscutível de uma tragédia “ex-terna” que reverteu as expectativas elei-torais favoráveis aos conservadores, atéa véspera das eleições. E também é ver-dade que os ingleses reelegeram o pri-meiro-ministro trabalhista Tony Blair, emmarço de 2005, mas seu governo e seupartido têm se mostrado cada vez maisfrágeis e divididos sobre todos os temasda agenda política britânica e européia.Mais ao leste, entretanto, na Europa Cen-tral os resultados eleitorais e as tendênci-as da opinião pública tem sido igualmen-te negativos para as forças de esquerda.Na Polônia, a aliança Social-Democrata,que teve 41% dos votos nas eleições de2001, acaba de ser derrotada por umacoalizão de extrema-direita. Na Repúbli-ca Tcheca já houve três mudanças de

primeiro-ministro desde a sua entrada naEU, mas seu governo está cada vez maisdividido e os social-democratas, que ti-veram 2/3 dos eleitores, agora estão comapenas 11% dos votos prováveis. O mes-mo vem acontecendo na Hungria e co-meça a se anunciar em outros países daregião.

Nesse contexto, os latino-america-nos estão obrigados a discutir seus novoscaminhos numa hora em que a esquerdaeuropéia perdeu o seu rumo e vive umaprofunda crise de identidade.

Ninguém duvida que o “mundo dasidéias” de esquerda tem estado na defen-siva e não existe, neste momento, em lu-gar algum, novas “sínteses teóricas”, “uto-pias empacotadas”, ou projetos acabados,como gostariam de ter alguns intelectu-ais. Talvez por isso, na América Latina,quem está agora abrindo ou tentando abrirnovos caminhos são homens que nãopertencem às elites intelectualizadas e quenão estão em geral familiarizados com osdebates clássicos da esquerda socialistaou marxista européia. São homens quedefendem valores éticos, sociais e políti-cos populares, nacionais e igualitários, eque criticam as políticas neoliberais (pelomenos no plano retórico) e ointervencionismo imperial dos EstadosUnidos e, ao mesmo tempo, defendemum projeto político e econômico sul-americanista. Mas assim mesmo, a expe-riência européia do século XIX e XX se-gue sendo uma referência decisiva paraquem queira repensar – no início do sé-culo XXI – o que seja ou deva ser umgoverno democrático e de esquerda, ouuma “gestão socialista” do capitalismo,

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uma vez excluída a possibilidade de rup-tura revolucionária de contratos e insti-tuições? Mais ainda, numa sociedade ex-tremamente desigual e numa economiaperiférica, num momento de auge daglobalização financeira e do poder norte-americano?

2. O debate e a experiência governamentalda esquerda européia.

Do ponto de vista propositivo, oponto de partida da esquerda européia foi,sem dúvida alguma, o debate dos “de-mocratas populares”, do exército revolu-cionário de Oliver Cromwell, de 1648.De um lado, estavam as propostas políti-cas e jurídicas dos “niveladores”, de JohnLilburne e Richard Overton, que estãona origem do “liberalismo revolucioná-rio” e da “democracia radical” dos sécu-los XVIII e XIX, e do outro, o projetoeconômico dos “cavadores”, de GerrardWestanley, que está na origem de todosos “socialismos utópicos” da históriamoderna. Os primeiros, reivindicandoreformas que garantissem a igualdade ju-rídica e política de todos os indivíduosda nação inglesa. E o segundo, propondoum “comunismo agrário” que se trans-formou no primeiro programa revolucio-nário, feito para um governo parlamen-tar e republicano. Para GerrardWestanley, não era possível conceber aexistência de liberdade e igualdade políti-ca sem que houvesse igualdade econô-mica, e não haveria igualdade econômicaenquanto existisse a propriedade priva-da. Ele estava falando da propriedadeprivada da terra e dos seus frutos e por

isto propunha sua coletivização. Mas, aomesmo tempo, ele propunha uma teseque ia muito além da questão da terra, eque se transformou de fato, a partir deentão, na aporia fundamental da esquer-da e de todo e qualquer socialismo, emqualquer tempo ou lugar.

No século seguinte, os francesesMeslier, Mably, Morelly, Marechal eBabeuf repetiram, em distintas claves, omesmo argumento e a mesma propostade Gerrard Winstanley: só poderia haverigualdade social com o fim da proprieda-de privada da terra. Rousseau, entretan-to, abriu um novo caminho“programático”, ao defender que o Es-tado assumisse a propriedade coletiva dasterras, no seu “Projeto de Constituiçãopara a Córsega”. Uma sugestão que foiretomada por Marx, no seu programamínimo de governo, no fim do Manifes-to Comunista, de 1848, onde ele propõea estatização progressiva da propriedadeprivada e se separa definitivamente dos“socialista utópicos” que permaneceramfiéis ao “comunismo agrário” deWinstanley.

Os “utópicos” não se colocavam oproblema da conquista do poder, porqueeles sempre foram favoráveis às experi-ências econômicas comunitárias, coope-rativas ou solidárias, e às experiênciaspolíticas locais de democracia direta ouparticipativa. Por razões distintas, o pro-blema da gestão estatal e socialista docapitalismo tampouco se colocou para asrevoluções comunistas do século XX, quecoletivizaram a propriedade privada econstruíram economias de planejamentocentral. A crise recente dessas experiên-

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cias eliminou-as do debate da esquerda,apesar de que até hoje ainda não tenhasido feita uma avaliação rigorosa dos seusresultados. De qualquer maneira, elas nãose propuseram nem enfrentaram o pro-blema da “gestão socialista” do capitalis-mo. Depois de Marx, este tema só foidiscutido, efetivamente, pelos partidossocialistas, social-democratas e comunis-tas europeus, que participaram dos go-vernos de “unidade nacional’ e das” fren-tes populares “, constituídos durante a IGuerra Mundial e na crise dos anos 1920/30, antes que se formassem os primeirosgovernos de maioria socialista, quase to-dos depois da II Guerra Mundial.

Para reconstruir a história destedebate sobre estratégias eleitorais e pro-gramas de governo dos partidos de es-querda europeus, é melhor separar asexperiências de governo, propriamenteditas, dos debates doutrinários. Foi em1917, durante a 1ª. Guerra Mundial, queos social-democratas participaram, pelaprimeira vez, de um governo de coali-zão, na Dinamarca. Depois, durante todoo Século XX, a experiência de governodos partidos de esquerda pode seraglutinada em três grandes períodos: i)de 1917 a 1938, entre as duas GrandesGuerras Mundiais, durante a “era da ca-tástrofe”; ii) de 1964 a 1983, em plenaGuerra Fria, durante a “era de ouro” docapitalismo; e, finalmente, iii) de 1992 a2005, depois da queda do Muro deBerlim, durante o apogeu da utopia daglobalização e das políticas neoliberais.Por outro lado, o debate doutrinário eestratégico dos partidos de esquerda eu-ropeus também pode ser organizado em

três momentos fundamentais a partir dastrês grandes “revisões” a que foi subme-tida a matriz marxista, que havia se trans-formado na ideologia oficial do partidosocial-democrata alemão, o mais forte ebem sucedido da Europa, até o início da1º Guerra Mundial.

O primeiro e mais conhecido dos“revisionismos” - liderado por EduardBernstein – propôs em 1894, um primei-ro “ajuste” das idéias de Marx às “novasformas” assumidas pelo capitalismo, nofinal do século XIX, e um ajuste dos ob-jetivos programáticos dos social-demo-cratas às exigências democráticas da com-petição eleitoral e da luta parlamentar.Segundo Bernstein, o progresso técnicoe a internacionalização do capital haviammudado a natureza da classe operária edo sistema capitalista, cujo desenvolvi-mento histórico concreto não estaria maisapontando na direção prevista por Marx,da “pauperização crescente” e da “crisefinal”. Como conseqüência, Bernsteinpropunha o abandono do socialismo comoobjetivo final e a opção por uma trans-formação permanente e sem fim, de den-tro do próprio capitalismo. O essencial,neste primeiro momento, foi a opção pelavia eleitoral, com todas as suas conseqü-ências estratégicas e programáticas, comoficou cada vez mais claro, através do sé-culo XX, e em particular, nos novos “ci-clos revisionistas”, das décadas de 1950/60 e de 1980/90

Entre as duas grandes Guerras Mun-diais, e durante a crise econômica da dé-cada de 30, os partidos social-democratase socialistas europeus participaram de al-guns governos de “união nacional”, na

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década de 20, e de “frente popular”, nadécada de 30. Sempre em situações deemergência nacional ou internacional emque os partidos de esquerda tiveram queresponder ao desafio imediato e abrir mãodos seus projetos reformistas. Os grandesproblemas que estavam colocados sobrea mesma pelas guerras e pela crise, eramo colapso econômico, o desemprego e ainflação e os socialistas, social-democra-tas e comunistas não tinham uma posiçãoprópria sobre o assunto, nem sabiam rigo-rosamente o que fazer numa situação quenão estava prevista em suas discussões te-óricas e doutrinárias. Por isso acabaramacompanhando, invariavelmente, as idéi-as, propostas e políticas dos próprios con-servadores, inclusive suas experiências pi-oneiras de planejamento de guerra. Coma grande exceção dos social-democratassuecos, que responderam à crise econô-mica de 30 com uma proposta original eousada de incentivo ao crescimento eco-nômico e pleno emprego, através de polí-ticas anticíclicas desenvolvidas porWicksell e os economistas da Escola deEstocolmo, e implementadas pelo seu mi-nistro da fazenda, Ernst Wigforss. Com ouso combinado e simultâneo de “acordossociais” entre empresários e sindicalistas,para o controle da evolução dos preços edos salários. Mas este foi um caso raro desucesso, no meio de um sem numero defracassos dos social-democratas no co-mando da política econômica da Alema-nha, entre 1928-30; da Grã Bretanha, en-tre 1929-31; da Espanha, entre 1928-30;e da França, entre 1936-37.

As “políticas anticíclicas”, os “pac-tos sociais” e a experiência do planeja-

mento de guerra foram aproveitadas peloprimeiro governo trabalhista inglês doimediato pós-guerra, entre 1945 e 1950,e pelos vários governos social-democra-tas dos pequenos países europeus, comoÁustria, Bélgica, Holanda, e os própriospaíses nórdicos que seguiram sendo go-vernados pelos social-democratas, depoisda guerra. Mas além disto, estas idéias eexperiências influenciaram decisivamenteas duas grandes estratégias e propostasde governo que foram experimentadaspela esquerda, depois da II Guerra Mun-dial. A primeira e mais bem sucedida,foi a do “estado de bem estar social”,adotado por todos os governos social-democratas e trabalhistas, no períodoentre 1964 e 1983. Combinava políticaseconômicas keynesianas pró-crescimentoe pleno emprego com uma política fis-cal de construção de redes estatais deinfra-estrutura e proteção social univer-sal. E a segunda proposta, foi a de “ca-pitalismo de estado” adotada pelo Parti-do Comunista Francês, mas que teveuma influência difusa sobre a esquerdaem vários lugares do mundo. Partia doconceito de “capitalismo organizado” -formulado por Hilferding - e de sua hi-pótese de que a centralização do capi-tal, que havia se acelerado a partir dofinal do século XIX, facilitava uma ges-tão planejada do capitalismo, desde queo estado contasse com um “núcleo eco-nômico estratégico” de propriedade es-tatal.

A opção majoritária dos social-de-mocratas europeus pelo projeto do es-tado de bem estar social, ocorreu na dé-cada de 50, junto com uma segunda

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grande “rodada revisionista” que culmi-nou no Congresso da social-democraciaalemã, em Bad Godesberg, em 1959.Foi nesta segunda “revisão”, que umaparte significativa da esquerda européiaabandonou definitivamente as propos-tas clássicas – que às vezes ainda reapa-reciam no plano retórico – da revoluçãosocialista e da eliminação da proprieda-de privada e do estado. O mais impor-tante, entretanto, foi o giro de 180 grausque se completou naquele momento,dentro do pensamento socialista. Comovimos, o pensamento da esquerda mo-derna começa com uma tese e uma pro-posta muito claras, ainda que a equaçãopudesse ser utópica: “liberdade política= igualdade econômica = fim ou dimi-nuição do peso da propriedade privada”.Deste ponto de vista, o que passou deessencial na década de 50, foi a trans-formação desta proposta originária,numa nova equação, que pode ser resu-mida de forma muito simples: “liberda-de política = igualdade social = cresci-mento econômico = sucesso capitalista”.Foi a hora em que os socialistas e soci-al-democratas deixaram de esperar ouapostar numa “crise final” do capitalis-mo, e passaram a lutar pelo sucesso dopróprio capitalismo, o maior sucessopossível, como forma de criar empre-gos e financiar políticas distributivistas.É neste exato momento que uma partesignificativa da esquerda européia aban-dona o “objetivo final socialista”, mes-mo no plano retórico, e assume umaposição definitivamente “pró-capital”.Na primeira equação, formulada porGerrard Winstanley, a liberdade socia-lista só existiria quando houvesse igual-

dade econômica entre as pessoas, e istosó ocorreria quando se eliminasse ou di-minuísse o peso da propriedade priva-da. Mas a partir da revisão da décadade 50, só haveria aumento da liberdadee da igualdade se houvesse mais empre-gos e mais recursos fiscais e, portanto,mais crescimento econômico ou desen-volvimento acelerado do capitalismo. Eportanto – em termos estritamente lógi-cos - o sucesso do capitalismo passou aser uma condição indispensável do su-cesso da própria esquerda. O que esta-va suposto e legitimava esta grande mu-dança de posição era a hipótese de nomédio prazo, pelo menos, as políticas“pró-capital” teriam conseqüências “pró-trabalho” e “pró-igualdade”. Essa talveztenha sido a mudança teórica e doutri-nária que teve efeitos mais radicais, emtoda a história da esquerda, desde o de-bate entre “democratas populares” e os“comunistas utópicos”, dos exércitos deCromwell. Neste novo contexto, as“estatizações” de grandes empresas – co-muns na Inglaterra e na França do pós-guerra - perderam importância e só fo-ram recomendadas, nos casos indispen-sáveis, em nome da “eficiência econô-mica” e não da criação de um núcleoestratégico estatal “, como no caso do”capitalismo de estado” dos comunistasfranceses.

Três décadas depois, iniciava-semais uma “rodada revisionista”, na horaem que os socialistas e social-democra-tas europeus abandonam o keynesianismoe a própria defesa do estado de bem es-tar social, e adotam as novas teses, re-formas e políticas neoliberais, propostas,inicialmente, pelos governos conservado-

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res dos países anglo-saxões. Quase aomesmo tempo em que a União Soviéticae os países da Europa Central viviam acrise final do seu “socialismo real”, deorigem revolucionária. Esta nova “revi-são” doutrinária foi menos surpreenden-te e disruptiva do que as duas anteriores.Afinal, agora se tratava apenas de seguira opção dos anos 50, de acompanhar eestimular os “caminhos do capital”. Poristo Tony Blair pode declarar com legíti-mo orgulho numa entrevista para oFinancial Times de janeiro de 1997, queo Labour “havia se transformado numpartido ‘pró-business’ ”. Esta nova mu-dança de rumo se deu de forma quasecontínua, a partir de 80, na Espanha deFelipe Gonzalez e na França de FrançoisMitterand, e também na Itália de BettinoCraxi, e na Grécia de Andreas Papandreu.Na década de 90, entretanto, todos osventos sopravam numa só direçãoliberalizante, e todos já repetiam comoalgo absolutamente óbvio o mantra da“necessidade das reformas” neoliberaispara aumentar a competitividade interna-cional da Europa. E uma boa parte daesquerda já não se sentia mais na obriga-ção de qualificar as reformas ou discutirquem eram seus principais beneficiáriose perdedores. Como se elas fossem neu-tras ou completamente voltadas para o“bem comum”. Foi a hora em que nas-ceu a “terceira via”, uma sistematizaçãoinglesa das novas teses, propostas e pro-gramas justificados com argumentos mui-to parecidos aos de Eduard Bernstein, nofinal do século XIX: segundo os traba-lhistas ingleses da terceira via, de novoestão em curso mudanças globais queestão alterando a estrutura de classes e a

capacidade de ação dos estados nacio-nais, o que exige uma adaptação das idéi-as e programas de esquerda a este novomundo globalizado e desproletarizado,como explica Anthony Giddens, no seulivro, “The Third Way”, uma pequenaintrodução ao novo revisionismo.

Nesta virada neoliberal dos anos 80/90, o “caso” espanhol foi o que teve mai-or repercussão e influência sobre a es-querda latino-americana, transformando-se numa espécie de paradigma do “novosocialismo europeu”. González foi eleitocom um programa de governo de tipokeynesiano, junto com um plano negoci-ado de estabilização e crescimento eco-nômico voltado para o pleno emprego ea eqüidade social. Mas logo no início doseu governo abandonou o seu programakeynesiano e trocou a “concertação so-cial” - como forma de coordenação depreços e salários – pelo rigor fiscal e odesemprego, como preconizava o mode-lo neoliberal.

No final do século XX, entretanto,foi ficando cada vez mais claro que as no-vas políticas e reformas tinham diminuídoa participação dos salários na renda nacio-nal, restringido e condicionado os gastossociais, diminuído a segurança do trabalha-dor e tinham promovido uma concentra-ção/centralização de capital e renda em to-dos os países europeus. Ficou claro tratar-se de um conjunto de reformas e políticas“pró-capital” que não produziam os mes-mos efeitos de médio prazo a favor do tra-balho e pleno emprego, como no caso daspolíticas keynesianas do período 1864-1983. Não é de estranhar, portanto, que aesquerda européia venha sofrendo sucessi-

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vas derrotas eleitorais, e revezes políticosainda mais graves, depois de 2001. Apesarde sua enorme diversidade, é possível iden-tificar uma certa recorrência, em todos es-tes casos europeus: são partidos e gover-nos socialistas, social-democratas, comunis-tas ou verdes, que sozinhos ou coligados,adotaram a agenda e as políticas neoliberais,na década de 80 ou 90, e agora vem sendoderrotados pelo seu próprio eleitorado tra-dicional. O mais perturbador, entretanto, éque a esquerda vem sendo derrotada porpartidos conservadores de diferentes mati-zes, mas que defendem as mesmas políti-cas neoliberais, às vezes de forma aindamais radical, como no caso recente da de-mocracia cristã alemã, o que reforça a con-vergência ideológica e perda de identidade,como se a velha esquerda européia tivessechegado a um “beco sem saída”, neste iní-cio do século XXI. Mas quando se olha asua história de uma perspectiva de longoprazo, se percebe que a esquerda não estávivendo apenas uma crise conjuntural e cir-cunstancial, ela está vivendo o limite lógi-co de um projeto que foi nascendo de su-cessivas decisões estratégicas e que esgo-tou completamente sua capacidade“projetual”. De “revisão” em “revisão”, ospartidos de esquerda europeus abrirammão, primeiro, da idéia da revolução socia-lista e depois do próprio socialismo comoobjetivo ou “estado-final” a ser alcançadono longo prazo. Mais à frente, deixaram delado o projeto de socialização da proprie-dade privada, e no final do século XX, abri-ram mão, inclusive, das políticas de cresci-mento, pleno emprego e proteção social uni-versal que foi a sua principal contribuiçãoao século XX.

3. Caminhos e paradoxosNão é impossível identificar algu-

mas tendências e paradoxos na históriada esquerda européia, que devem estarno ponto de partida de qualquer discus-são sobre o futuro do socialismo, no XXI,e que são também uma lição para a es-querda latino-americana que começa agovernar quase um século depois doseuropeus:

i) a unidade e identidade da esquerda eu-ropéia foi desmontada, no século XX,pelas sucessivas revisões doutrinári-as e estratégicas de sua matriz origi-nária, de inspiração marxista. Depoisda “desconstrução” do materialismohistórico, não surgiu nenhuma outrateoria com a mesma capacidade lógi-ca de definir atores, interesses e es-tratégias, a partir de um diagnósticoconjuntural das tendências críticas docapitalismo Muito menos ainda, nocaso da combinação contemporâneada teoria da “globalização econômi-ca”, da “sociedade em redes” e da“governança progressiva” é uma ver-dadeira geléia, amorfa do ponto devista teórico e inconclusiva do pontode vista político.

ii) com a progressiva erosão da unidadeteórica e lógica do materialismo his-tórico, aumentou cada vez mais a di-visão interna da esquerda. Suas dis-cussões doutrinárias sobre a sua pró-pria identidade, e o seu juízo sobre a“correção” de suas posições e políti-cas conjunturais, transformaram-senum verdadeiro “jogo de cabra-cega”.Uma polêmica permanente e

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inconclusiva, e um consenso impos-sível devido à ausência de qualquertipo de baliza ou ponto de referenciaunânime, do ponto de vista ético outeórico. A definição das “posições ofi-ciais” dos partidos ou organizaçõesde esquerda ficou cada vez mais fe-chada e autoritária e foi cada vez maiscontestada pelos militantes e pelaintelectualidade, até 1991, e depoisdisto, a esquerda se transformou de-finitivamente numa “torre de Babel”.

iii) as sucessivas revisões doutrináriasforam criando – durante o século XX- um verdadeiro “Frankstein” teóri-co, um remendo de decisões e con-vicções pragmáticas, cada vez maiscontraditórias, que se transformaramnuma camisa-de-força que hoje apri-siona e paralisa a esquerda do séculoXXI. A primeira revisão, do final doséculo XIX, foi uma opção estraté-gica e de longo prazo pela “via eleito-ral”, com todas as suas conseqüênci-as, do ponto de vista da organizaçãopartidária, da competição política edas alianças parlamentares e de go-verno. Mas ao mesmo tempo, e ine-vitavelmente, significou o abandonodo projeto ou da hipótese de rupturarevolucionária dos contratos e insti-tuições responsáveis pelo funciona-mento desigual do capitalismo, e por-tando, a desistência de tocar na pro-priedade privada. A segunda revisão,da década de 1950, do ponto de vistaimediato, foi uma mera mudançaprogramática, mas do ponto de vistade longo prazo, representou o aban-dono definitivo da idéia, do projeto edo objetivo de uma sociedade socia-

lista, diferente do capitalismo. De talmaneira que a terceira revisãoneoliberal dos anos 90, acabou sen-do apenas uma conseqüência inevi-tável das decisões anteriores, em par-ticular da decisão de promover ativa-mente o desenvolvimento capitalistae ajustar-se permanentemente às“inovações do Capital”.

iv) talvez por isto mesmo, nunca existiuuma originalidade total, nas três gran-des experiências de governo da es-querda européia. E ficou cada vezmais difícil definir o que o fosse umprograma de governo ou uma políti-ca específica econômica ou interna-cional de esquerda. Na verdade, exis-tiu um “diálogo” permanente e umamútua influência, durante todo o sé-culo XX, entre as idéias, projetos egovernos conservadores e de esquer-da, como no caso da relação entre asidéias social-democratas da EscolaEconômica de Estocolmo, e as idéiasliberais do Lord Keynes, ou mesmo,da relação entre a idéia e a estratégiade planejamento soviético com as ex-periências de planejamento de guerradas economias “ocidentais”.Num pri-meiro momento, no período do “en-tre-guerras”, a esquerda participou degovernos de emergência ou unidadenacional e praticamente acompanhouou replicou as políticas dos conser-vadores. Mas depois da II GuerraMundial, esta relação foi mais com-plexa e criativa, porque a disputa sedeu dentro de um campo comum ede um pensamento hegemônico maisà esquerda, na hora em que tambémos conservadores defendiam políticas

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keynesianas de pleno emprego e pro-teção social universal. E, em algunscasos, como na Alemanha, tambémapoiavam a idéia da “pactação soci-al”, entre o capital e o trabalho. Masa verdade é que depois de 1991, noperíodo áureo da hegemonianeoliberal, os governos de esquerdavoltaram a repetir ou replicar apenas,sem nenhuma inventividade, as polí-ticas e reformas preconizadas pelosconservadores.

v) esta relação fica muito visível nos cam-pos da política econômica e das rela-ções internacionais. No campomacroeconômico, os governos de es-querda foram quase sempre conser-vadores e ortodoxos, como no casoclássico de Rudolf Hilferding, ao as-sumir o Ministério da Fazenda da Ale-manha, em 1928. Mas também nocaso do Partido Laborista inglês queoptou em 1929 pela “visão do Te-souro”, contra a opinião liberal deJohn Keynes e David George, a mes-ma opção feita pelo governo social-democrata de Leon Blum, na Fran-ça, em 1936. Mesmo depois da IIGuerra Mundial, os social-democra-tas e socialistas seguiram ortodoxos,e só se “converteram” às políticaskeynesianas na década de 60. Masassim mesmo, nas crises monetáriasde 1966 e 1972, os governos deHarold Wilson e Helmut Schmid vol-taram rapidamente ao trilho conser-vador da ortodoxia monetarista. Aexperiência sueca da década de 1930,foi uma exceção dentro desta histó-ria, uma verdadeira inovação social-

democrata feita na contramão da or-todoxia do seu tempo.

vi) o mesmo pode se dizer com relação àpolítica externa dos governos de es-querda europeus do século XX, quenunca foi homogênea nem inovadora.Como se sabe, sua primeira grande di-visão interna já começou com a vota-ção dos orçamentos de guerra, em1914. Mas depois, na década de 30,as coalizões de governo com partici-pação socialista ou social-democrata,também se dividiram frente à GuerraCivil Espanhola e aos primeiros pas-sos da escalada nazista. E voltaram ase dividir durante a Guerra Fria, comoagora de novo, na discussão das rela-ções da União Européia com os Esta-dos Unidos e com a Rússia, depois dofim da União Soviética. Em todo oséculo XX, uma das raras iniciativasrealmente originais e autônomas da es-querda no campo da política interna-cional, afora sua solidariedade genéri-ca com o “terceiro mundo”, foi aOstpolitik do governo social-democra-ta de Willy Brandt, em 1969, queviabilizou os acordos de desarmamen-to, da década de 70 em 80 e iniciou ogrande movimento “ao leste” da Ale-manha, que segue ainda hoje.

vii) esta falta de iniciativa ou originalida-de – na maioria dos casos - com rela-ção às políticas dos conservadoresexplica o fato que tenha sido duranteseus governos que a esquerda tenhase dividido de forma mais profunda eradical. Foi aí que se cristalizou, deforma definitiva e irreversível, a divi-são “funcional”, dentro da esquerda,

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entre a) a “crítica intelectual”, b) a“mobilização social”, e a c) e a “ges-tão de governo”. Uma divisão quechegou no limite da ruptura definiti-va, depois da “virada revisionista” dosanos 50, e durante os governos soci-al-democratas que começam na dé-cada de 60. Foi o período das gran-des revoltas sociais e sindicais quequestionaram a estratégia e a organi-zação da “velha esquerda” e criaramas bases dos novos movimentos so-ciais com sua proposta de volta àsraízes anárquicas e comunitárias do“socialismo utópico”, e sua recusa dapolítica partidária e da participaçãoem governos. Mas apesar de todasas críticas e divisões, e da pouca ori-ginalidade experimental da maioria dosgovernos socialistas e social-democra-tas da segunda metade do século XX,eles deram uma contribuição absolu-tamente decisiva e definitiva ao avan-ço mais democrático e igualitário dassociedades européias. Este talvez te-nha sido o grande paradoxo de todaesta história da esquerda européia:suas políticas e iniciativas parciais ti-veram sempre uma forte componen-te conservadora, mas no final, o con-junto da obra, foi criativo e contri-buiu decisivamente para o aumentoda igualdade econômica e oaprofundamento da democracia polí-tica européia.

viii) talvez por isto mesmo, depois da dé-cada de 60, a esquerda européia setransformou num fenômeno cada vezmais facetado e global. Sua identidadee sua força já não se encontravam maisem nenhuma de suas facções ou agru-

pamentos e governos nacionais, toma-dos individualmente, e só existiam napercepção e no movimento do seuconjunto e de sua inserção mundial.Os governos socialistas e social-demo-cratas eram cada vez mais criticadosnacionalmente, mas seguiam sendoconsiderados pelos “estrangeiros”como partes constitutivas e importan-tes - em alguns casos – da esquerdaeuropéia e mundial. Nesse sentido,radicalizando o argumento, se podedizer que estes partidos e governossocial-democratas só conseguiammanter sua identidade de esquerda,do ponto de vista do conjunto do mo-vimento global. Isto é, enquanto exis-tiram partidos comunistas que não ha-viam governado e que seguiam sendoos portadores do “catastrofismo utó-pico” do socialismo e do marxismooriginário. E enquanto existiram tam-bém, no “terceiro mundo”, movimen-tos de libertação nacional vitoriosos,em quase todas as ex-colônias euro-péias. E por fim, o que é mais parado-xal, enquanto existiu a União Soviéti-ca, que durante todo este tempo cum-priu o papel de “caso limite”, o únicoeuropeu que levou até as últimas con-seqüências as propostas originárias deGerrard Winstanley e Karl Marx, deabolição da propriedade privada eestatização da economia, incluindo acláusula marxista, da ditadura do pro-letariado. De tal maneira que, apesardas críticas generalizadas, seguiu sen-do a baliza de referência das demaisexperiências e governos de esquerda,no imaginário coletivo europeu e mun-dial.

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ix) neste sentido, se pode fazer uma lei-tura complementar das crises atuaisdos socialistas, social-democratas, co-munistas e verdes europeus. Do pontode vista estritamente programático,não estão numa situação muito dife-rente, desde a década de 60. Mas ago-ra não contam mais com a “parceriaoculta” do “socialismo real’, dos ve-lhos partidos comunistas e dos movi-mentos de libertação nacional dospaíses do Terceiro Mundo, que sem-pre contribuíram para a preservaçãode sua identidade coletiva de esquer-da. E, neste sentido, sua falta de iden-tidade atual é também, em grandemedida, um sub-produto dadesmontagem, depois de 1991, deuma arquitetura político-ideológica”global”, extremamente complexa,que foi responsável pela preservaçãoda vitalidade da esquerda internacio-nal, entre 1968 e 1991. Mas não éimpossível que esta arquitetura pos-sa ser refeita, lentamente, começan-do pelas novas experiência de gover-no de esquerda da América Latina.

4. O debate e a experiência da esquerdalatino-americana

O Plano Ayala, proposto em 1911,pelo líder camponês da Revolução Mexi-cana, Emiliano Zapata, pode ser consi-derado o equivalente latino-americano do“comunismo agrário”, de GerrardWinstanley, o líder “democrata popular”da Revolução Inglesa de 1648. O Planode Zapata propunha a coletivização dapropriedade da terra e sua devolução à

comunidade dos índios e camponesesmexicanos. Zapata foi derrotado e mor-to, mas seu programa agrário foi retoma-do alguns anos depois, pelo presidenteLázaro Cardenas, um militar que gover-nou o México na década de 1930 e criouo Partido Revolucionário Institucional(PRI). O governo de Cárdenas foi nacio-nalista; fez a reforma agrária; estatizouas empresas estrangeiras produtoras depetróleo; criou os primeiros bancos esta-tais de desenvolvimento industrial e decomercio exterior da América Latina; in-vestiu em infra-estrutura; fez políticas deindustrialização e proteção do mercadointerno mexicano; criou uma legislaçãotrabalhista e tomou medidas de proteçãosocial; e manteve uma política externaindependente e antiimperialista. Em gran-des linhas, e com pequenas variações,este programa se transformou no deno-minador comum de vários governos lati-no-americanos “nacional-populares” ou“nacional-desenvolvimentistas”, como nocaso de Perón, na Argentina, de Vargas,no Brasil, de Velasco Ibarra, no Equadore de Paz Estenssoro, na Bolívia. Nenhumdeles foi socialista, comunista ou social-democrata, mas suas propostas, políticase posições internacionais se transforma-ram também no programa básico de go-verno apoiado por quase toda a esquerdareformista latino-americana, pelo menosaté 1980. Foi este mesmo programa queinspirou a revolução camponesa bolivia-na, de 1952; o governo democrático deesquerda de Jacobo Arbenz, naGuatemala, entre 1951 e 1954; a pri-meira fase da revolução cubana, entre1959 e 1962; o governo militar e refor-mista do general Velasco Alvarado, no

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Peru, entre 1968 e 1975, e o próprio go-verno de Salvador Allende, no Chile, en-tre 1970 e 1973.. No caso de Cuba, en-tretanto, a invasão de 1961 e as pressõesamericanas apressaram uma opção soci-alista mais radical, pela coletivização daterra e a estatização e planejamento cen-tral da economia. Modelo que orientoutambém as primeiras iniciativas da revo-lução sandinista da Nicarágua, de 1979.

Apesar de sua fragilidade, na maio-ria dos países, os Partidos Comunistasforam a principal organização e referên-cia doutrinária da esquerda latino-ameri-cana, entre 1920 e 1960. Eles foram umaespécie de “primos pobres” dos comu-nistas europeus e asiáticos, e nunca tive-ram uma estratégia autônoma da Inter-nacional Comunista. Sua criação teóricafoi pouco inovadora, e em geral se man-tiveram dentro dos limites estreitos dateoria militante do imperialismo, de Lênin,e da teoria da “revolução democrático-burguesa”, de Kautski. Mas foi exatamen-te esta visão “etapista” do desenvolvimen-to capitalista e da revolução socialista quepermitiu e legitimou a estratégia demo-crática e a adesão precoce dos comunis-tas à lógica do projeto desenvolvimentista,que os europeus aceitaram e adotaramsó depois de 1950. Isto é, desde cedo, naAmérica Latina, a equação foi a mesma:transição ao socialismo e igualdade =crescimento econômico e desenvolvimen-to capitalista. Com a diferença, com re-lação aos europeus, que a esquerda lati-no-americana considerava o pleno desen-volvimento das forças produtivas capita-listas como caminho de transição para osocialismo que seguia sendo o objetivofinal. Esta visão estratégica dos comu-

nistas, permitiu também um diálogo fe-cundo com as idéias convergentes da“economia política” da Comissão Eco-nômica para a América Latina (CEPAL),organismo das Nações Unidas, criadoem 1949, e sediado em Santiago do Chi-le. A CEPAL propunha para a AméricaLatina, desde o início da década de 1950,um projeto nacional de industrialização edesenvolvimento, liderado pelo estado,mas com apoio do capital privado estran-geiro. E defendia, ao mesmo tempo, anecessidade do planejamento estratégicode longo prazo, dos investimentos eminfra-estrutura, e das políticas de apoio àindustrialização. Uma versão mais elabo-rada tecnicamente do “modelo mexica-no”, apesar de não ter o seu mesmo teorantiimperialista.

Esta relação intelectual e política, doscomunistas com o “nacional-desenvolvimentismo”, existiu em quasetodos os países da região, mas foi no Bra-sil e no Chile que ela foi mais original,fecunda e duradoura. No Brasil, esta rela-ção ficou marcada, desde o início, por doisacontecimentos fundamentais, da décadade 1930. O primeiro, foi o desaparecimentoprecoce da Aliança Nacional Libertadora(ANL) - uma espécie de embrião das Fren-tes Populares espanhola, francesa e chile-na – que foi dissolvida depois do fracassode uma rebelião militar comunista, em1935. E o segundo, foi o golpe de estadode 1937, que deu origem ao regime dita-torial do Estado Novo e transferiu para osconservadores a liderança no Brasil doprojeto de industrializaçãodesenvolvimentista, e das primeiras políti-cas sociais e trabalhistas de corte urbano.Talvez por isto mesmo, o Partido Comu-

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nista Brasileiro (PCB) só tenha abando-nado sua estratégia revolucionária, da“Frente Democrática de Libertação Naci-onal”, na década de 50, quando aderiu aoreformismo democrático e à estratégia da“revolução democrático-burguesa”, que jáhavia sido adotada por quase todos os par-tidos comunistas do continente. Foi nestemomento que os comunistas brasileiros co-meçaram sua aproximação “programática”do “desenvolvimentismo conservador” deGetulio Vargas. Mais a frente, no início dadécada de 60, esta vertente de esquerdado desenvolvimentismo propôs um pro-grama de reformas que acelerassem a de-mocratização da terra, da riqueza, do sis-tema educacional e do sistema político quefoi sintetizado, em parte, no Plano Eco-nômico Trienal, formulado pelo economis-ta Celso Furtado, em 1963, e abortadopelo golpe militar de 1964. Antes do golpemilitar, entretanto, e do aparecimento da“esquerda armada”, a aliança e o progra-ma “nacional-desenvolvimentista” apoia-do pelo PCB foram objeto de uma críticateórica sistemática, por parte de um grupode intelectuais marxistas, da Universidadede São Paulo. Esta crítica teórica, entre-tanto, não produziu imediatamente nenhumtipo de programa alternativo aodesenvolvimentismo. E para complicar ain-da mais o quadro, o regime militar, insta-lado em 1964, apesar do seu radicalismoanticomunista e de sua primeira opção li-beral, acabou adotando na década de 70uma estratégia nacional-desenvolvimentista, o que aumentou ain-da mais o embaraço da esquerdadesenvolvimentista. Talvez por isto mes-mo, quando a esquerda brasileira volta àcena política democrática, na década de

80, a maior parte de sua militância jovemtinha um forte viés antiestatal,antinacionalista e antidesenvolvimentista.Só um pequeno grupo minoritário de inte-lectuais propôs naquele momento umanova versão do desenvolvimentismo, queera de fato uma combinação do “capita-lismo organizado de estado”, da esquerdafrancesa, com o projeto de “estado de bemestar social”, do resto da social-democra-cia européia. Mas a grande maioria dosnovos militantes, movimentos e partidosde esquerda tomaram outro rumo. Umaparte importante foi para os movimentossociais e as “comunidades de base” queretomaram a trilha do socialismo utópicoe sua crítica cada vez mais dura da es-querda tradicional e de sua opção estatista.E outra parte tomou o caminho da social-democracia, mantendo-se no campo daluta política tradicional pelo poder do es-tado, e propondo o abandono das políti-cas desenvolvimentistas e aimplementação imediata das reformas epolíticas neoliberais. Este projeto se ma-terializou no Partido Social-DemocrataBrasileiro (PSDB), criado no final dos anos80 e liderado por alguns intelectuais mar-xistas que haviam participado do movimen-to de crítica ao nacional-desenvolvimentismo, da década de 60.Mas suas idéias influenciaram tambémuma boa parte da intelectualidade maisjovem do Partido dos Trabalhadores (PT),que também nasceu na década de 80, li-derado por um grupo de sindicalistas deSão Paulo.

No Chile, esta relação entre a esquer-da e o desenvolvimentismo foi completa-mente diferente e ocupou um lugar únicona história latino-americana. Na década de

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1930, os socialistas e comunistas chilenosformaram uma Frente Popular com o Par-tido Radical, que ganhou as eleições pre-sidenciais de 1938, e foi reeleita três ve-zes, antes de ser desfeita em 1947, pelapressão americana, no início da GuerraFria. Os governos da Frente Popular chi-lena seguiram basicamente o mesmo figu-rino mexicano, sobretudo no planejamen-to e financiamento das políticas de indus-trialização, proteção do mercado interno econstrução de infra-estrutura, além da le-gislação trabalhista e dos programas deuniversalização da educação e da saúdepublica. Em 1970, esta coalizão políticarenasceu no Chile com o nome de Unida-de Popular, agora sob a hegemonia dossocialistas e comunistas, e com uma novaproposta de “transição democrática parao socialismo”. Na prática, entretanto, oprograma de governo de Salvador Allenderadicalizou o “modelo mexicano” na dire-ção do “capitalismo de estado”, concebi-do pelos comunistas franceses. Allendeacelerou a reforma agrária e a nacionali-zação das empresas estrangeiras produto-ras de cobre, mas ao mesmo tempo, sepropôs criar um “núcleo industrial estraté-gico”, de propriedade estatal, que deveriater sido o embrião de uma futura econo-mia socialista. Este foi, aliás, o pomo dediscórdia que dividiu a esquerda durantetodo o governo da Unidade Popular, che-gando até o ponto da ruptura, entre os quequeriam limitar as estatizações industriaisaos setores estratégicos da economia, e osque queriam estendê-las, até originar umnovo “modo de produção”, sob controleestatal. A “transição democrática para osocialismo”, de Salvador Allende, foi in-terrompida pela intervenção norte-ameri-

cana e o golpe militar liderado pelo gene-ral Augusto Pinochet. E o debate da es-querda chilena sobre o “capitalismo orga-nizado de estado” como forma de transi-ção para o socialismo ficou sem uma con-clusão. Em 1989, o Partido Socialista doChile voltou ao governo, aliado com osdemocrata-cristãos mas, naquele momen-to, já havia mudado sua posição e aceitoas novas teses e políticas neoliberais queeram dominantes entre os socialistas esocial-democratas europeus. Seu objetivojá não era mais “transitar” para o socialis-mo, era administrar com eficiência o capi-talismo e um conjunto de políticas sociais“focalizadas”, segundo o modeloneoliberal.

Em maio de 1995, o Financial Ti-mes saudou esta conversão das elites inte-lectuais, políticas e econômicas latino-ame-ricanas - em particular as de esquerda -ao novo consenso que se difundia pelomundo, desde a década anterior. A ver-dade, entretanto, é que o Chile do Gene-ral Pinochet, havia sido – depois de 1973- o primeiro laboratório mundial de expe-rimentação do novo modelo econômico,que Paul Samuelson chamou de “fascis-mo de mercado”. Mas não há dúvida quefoi na segunda metade dos anos 80, e du-rante a década de 90, que se generaliza-ram no continente as novas políticas pre-conizadas pelo “Consenso de Washing-ton”, e induzidas pela renegociação dasdívidas externas dos principais países daregião. Um programa ortodoxo de estabi-lização monetária acompanhado por umpacote de reformas estruturais ouinstitucionais voltadas para a abertura,desregulação e privatização das economi-as nacionais da região. No caso do Méxi-

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co, a mudança neoliberal ocorreu na dé-cada de 80, e foi liderada pelo PRI, o par-tido criado por Lázaro Cardenas, o “pai”do nacionaldesenvolvimentismo. No casoda Argentina, a mudança se deu no iníciodos anos 90, liderada pelos peronistas deCarlos Menem. No caso do Chile, foramos próprios socialistas que, aliados com osdemocrata-cristãos, assumiram o governoem 88 e mantiveram, em grandes linhas,a política de corte liberal que vinha do pe-ríodo militar. Por fim, no caso brasileiro,a desmontagem do desenvolvimentismofoi liderada por uma coalizão de centro-direita, liderada pelos social-democratas doPSDB. Em todos os casos, as novas polí-ticas foram justificadas com os mesmosargumentos usados pela social-democra-cia européia: a globalização era um fatonovo, promissor e irrecusável que impu-nha uma política de abertura einterdependência irrestrita, como únicocaminho de defesa dos interesses nacio-nais, num mundo onde já não existiammais as fronteiras nacionais, nem se justi-ficavam portanto ideologias ou políticasnacionalistas. Com a diferença que, naEuropa, a esquerda neoliberal governousociedades que seguem sendo ricas e ho-mogêneas, apesar do desemprego, e quejá possuíam excelentes redes de proteçãosocial universal, no início do processo dedesregulação e/ou privatização de suaseconomias e de parte de seus sistemas deproteção social. Ao contrário da AméricaLatina, onde as mesmas políticas foramaplicadas em sociedades extremamenteheterogêneas e desiguais, com gigantescosbolsões de miséria e com redes de prote-ção social muito limitadas.

De qualquer maneira, no fim da

década de 90, se pode dizer que a es-querda latino-americana também haviafeito um giro de 180º graus com relaçãoao seu projeto originário que propunha areforma agrária e políticas estatais deinfra-estrutura e industrialização, substi-tuídas pelas políticas de desregulação,privatização e abertura dos mercados. Nocampo teórico, também na América La-tina, uma boa parte da esquerda substi-tuiu o conceito de “sociedade de classes”,pelo da “sociedade em redes”; e trocou acrítica ao imperialismo, pela defesa do“desenvolvimento associado”.

Depois de uma década de experi-mentação neoliberal o balanço global énegativo, e em alguns casos, como naArgentina, os efeitos foram catastróficos.Em quase todos os países, os resultadosforam os mesmos, apontando na direçãodo baixo crescimento econômico, e doaprofundamento das desigualdades soci-ais. A frustração das expectativas criadasnos anos 90, pela utopia da globalizaçãoe pelas novas políticas neoliberais, con-tribuiu para a multiplicação e fortaleci-mento dos movimentos sociaisantiestatistas que se recusam, cada vezmais, a tarefa de governar. Mas ao mes-mo tempo, também contribuiu para asvitórias eleitorais de líderes que se pro-põe governar e inovar a esquerda latino-americana. Apesar de que ainda não seconsiga ver com nitidez o que será estenovo caminho “pós-neoliberal”.

5. Os projetos e a fronteira teórica.Na América Latina, a teoria da “re-

volução democrático-burguesa”, perdeucredibilidade histórica a partir da década

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de 60, e as “teorias da dependência” nun-ca ”decantaram” uma estratégia políticae democrática consensual, e em algunscasos, inclusive, atuaram como “guarda-chuva” teórico da luta armada. Por isso,na hora da crise de 1991, e da hegemonianeoliberal, a esquerda latino-americanaestava desguarnecida, e foi presa fácil dasnovas idéias. E hoje, existe um denomi-nador comum, entre as posições da “es-querda neoliberal” e da “esquerda pós-moderna”: o conformismo com os desíg-nios da globalização. Os argumentos sãodiferentes, mas os dois interpretam a“mundialização” capitalista de maneiraanáloga: como um produto necessário eincontornável da expansão dos mercados,ou do “capital em geral”, e os dois serecusam a entender ou incorporar no seucálculo político, o papel do poder dasGrandes Potências - sobretudo da GrãBretanha e dos Estados Unidos – na aber-tura das fronteiras econômicas e na ace-leração da globalização financeira, no fi-nal dos séculos XIX e XX. Uma leiturados fatos que poderia ser apenas umponto de vista teórico entre outros, se nãoescondesse um passe de mágica muitomais complicado. Ao eliminar o papel dopoder político no processo deglobalização econômica, esta visão líbero-marxista da história despolitiza as mu-danças recentes do capitalismo e, comisto, transforma muitas coisas que sãodecisões ou imposições políticas dasGrandes Potências, num imperativoinapelável dos Mercados. Como conse-qüência, todos os atos de submissão po-lítica dos governos periféricos passam serconsiderados uma manifestação de rea-lismo e sensatez com relação aos desíg-

nios dos Mercados ou do Capital; e to-dos os atos de resistência dos povos me-nos favorecidos, se transformam automa-ticamente em sinais de irresponsabilidadee “populismo econômico”.

Esta foi e segue sendo a posição da“esquerda neoliberal’, que foi hegemônicana década de 90, e que ainda ocupa umaposição importante nos debates acadêmi-cos e políticos da América Latina, apesardos resultados medíocres e, em muitoscasos, catastróficos, das políticas liberaisna América Latina. Mas aquela mesmaposição reaparece – de outra forma, ecom outros argumentos - dentro dos mo-vimentos sociais e das “organizações nãogovernamentais” que se multiplicaram apartir da década de 80. E entre váriosintelectuais que criticam a “globalizaçãoneoliberal” e propõem uma “democraciacosmopolita” – como é o caso, por exem-plo, do sociólogo norte-americano,Immanuel Wallerstein e do filósofo itali-ano, Antonio Negri – mas de fato tam-bém consideram que a globalização eli-minou as fronteiras econômicas e o po-der dos estados nacionais. Neste sentido,repetem quase as mesmas teses e argu-mentos de Rosa de Luxemburgo, em1908, a propósito da irrelevância das lu-tas políticas nacionais, para os movimen-tos de esquerda. Rosa de Luxemburgofalava de um “estado supranacional”, naera imperialista, e Antonio Negri fala deum “império pós-nacional”, na era daglobalização. Negri ainda vai mais longee considera que “a construção do Impé-rio é um passo a frente para se desemba-raçar de toda nostalgia com relação àsvelhas estruturas de poder que o prece-deram, e para recusar toda estratégia po-

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lítica que implique no retorno aos velhosdispositivos de poder, como seria o casodos que se propõem ressuscitar o Esta-do-Nação, para se proteger contra o ca-pital mundial.” ( Hardt e Negri, 2000,p: 73). O argumento de Wallerstein é di-ferente: ele supõe que esteja em cursouma crise terminal do “sistema mundialmoderno” e uma “transição” para umnovo um novo mundo ou “universo” pós-moderno, que ele prevê para 2050. Comoconseqüência, quem quiser “influir demaneira efetiva nesta transição geral dosistema mundial, para que ela avance emcerta direção e não em outra, o Estadonão é o principal veículo de ação. Na ver-dade, ele é um grande obstáculo. Por isso,o objetivo não deve ser mais a tomadado poder estatal, é assegurar a criação deum novo sistema histórico, agindo aomesmo tempo no nível local e global” (Wallerstein, 1995 p: 6 e 7). Em síntese,os argumentos variam mas a conclusão éuma só: todos consideram inútil a lutapolítica da esquerda, pelo controle dopoder dos estados nacionais.

Do ponto de vista estritamente polí-tico e programático, esta propostaantiestatal e de recusa do governo se en-frenta com a mesma dificuldade de todosos “internacionalismos” anteriores: ela re-úne um número muito grande e heterogê-neo de reivindicações que só podem avan-çar quando são confrontadas com algumpoder capaz de resistir ou de atendê-las. Eeste poder segue organizado de formaterritorial e nacional, os estados ainda nãodesapareceram, pelo contrário, seguem semultiplicando. Como se pode sustentar atese de que globalização está acabandocom os estados nacionais se pelo contrá-

rio, ela tem sido uma grande multiplicadorados próprios estados. No início do séculoXX, os estados nacionais não passavamde 30 ou 40 e hoje são cerca de 190 gera-dos na forma de três grandes ondas: a pri-meira, logo depois da 1º GM, quando sedissolvem os impérios austro-húngaro eotomano; a segunda, depois da 2 º GM,quando se dissolvem os impérios europeusna Ásia e na África e a terceira, finalmen-te, quando se desintegra o espaço territorialdo velho império russo, logo depois do fimda URSS. Neste sentido, se os estadosnacionais originários nasceram na Europado século XVI, e não eram mais do quesete ou oito, foi no século vinte que elesse transformaram num fenômeno univer-sal ou global. Fica difícil, nesse sentido,anunciar a “morte dos estados” na horaexata em que eles se multiplicam e inten-sificam a sua competição, sobretudo se ti-vermos em conta que a maioria dos quaseduzentos estados nacionais existentes nas-ceram durante o período áureo daglobalização, ou seja na segunda metadedo século vinte ? (Fiori, 1997, p: 133) Tal-vez por isto mesmo, apesar da retóricaglobalista, a luta pela democratização dassociedades capitalistas e pela conquista dacidadania, segue se dando no espaço depoder dos estados nacionais. Ou seja, exis-tem ‘causas’ e reivindicações que sãointernacionalistas, mas as lutas e conquis-tas fundamentais seguem sendo travadasterritório por território, estado por estado,onde os pobres e “excluídos” da terra são‘estocados’, e onde se geram e acumulamos recursos capazes de alterar a distribui-ção desigual da riqueza e do poder entreos grupos sociais. Além disto, não há indí-cios de que a globalização econômica e as

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novas tecnologias de comunicação consi-gam por si só viabilizar algum tipo de ‘de-mocracia cosmopolita’, que segue sendouma hipótese muito longínqua e imprová-vel, uma verdadeira utopia, quasemetafísica. Por fim, a globalização não al-terou algumas condições e contradiçõesbásicas do capitalismo, por isso, no planoretórico se pode falar de uma “globalizaçãosolidária” porque é uma forma de protes-tar. Mas na verdade é impossível pensarnuma globalização capitalista que seja “fra-terna”, porque afinal, a ‘globalização’ éapenas um novo nome de uma tendênciasecular do desenvolvimento desigual docapitalismo, da mesma forma que a pola-rização da riqueza entre as nações e asclasses sociais.

Por outro lado, do ponto de vista doargumento e da proposta econômica da“esquerda globalista”, deve-se reconhecerque existem muitos estados e economiasnacionais que não tem soberania real e têmenorme dificuldade de levar à frente o seudesenvolvimento econômico. Mas, aomesmo tempo, existem outros países quedevido às suas dimensões, não têm outrocaminho senão lutar pelo seu próprio de-senvolvimento. E nestes casos, a pergun-ta que fica é sobre o que pode proporeste novo socialismo utópico e esta es-querda globalista, no caso destas econo-mias e estados nacionais que não tendem,nem podem desaparecer? A simples mul-tiplicação de experiências econômicas lo-cais de tipo solidário ou do “terceiro se-tor” não acabaria se transformando numprojeto permanente de criação de “ilhasde felicidade solidária”, numa espécie de“micro-tribos” ou seitas urbanas e rurais,a espera do fim do capitalismo?

Às vezes, parece que algumas idéi-as e polêmicas ficam congeladas e esque-cidas por longos períodos, e depois rea-parecem, de tempos em tempos, quaseidênticas, deixando claro que o problemapersiste e não foi resolvido teoricamente.Como no caso desta discussão sobre osprocessos históricos de globalização dopoder e do capital, e suas relações comas lutas políticas nacionais dos povos. AInternacional Socialista, em 1896 e a so-cial-democracia russa, em 1903, incluí-ram nos seus programas, pela primeiravez, o direito universal à autodetermina-ção das nações. Mas ao mesmo tempo,Rosa de Luxemburgo, Karl Rádek,Joseph Strasser e vários outros membrosda chamada “oposição de esquerda”,minoritária dentro da Internacional, senegaram a reconhecer este direito, ou aparticipar da luta pela autonomia das na-ções, que segundo eles se encontrava nacontra-mão do movimento geral do capi-talismo e do internacionalismo proletário.Eles também achavam – no início do sé-culo XX - que o “tempo” dos movimen-tos nacionais havia terminado, e que ospovos oprimidos não tinham mais solu-ções econômicas e políticas nacionais.Este conflito tem raízes teóricas antigas,e no caso dos marxistas, talvez remonteao próprio Marx e sua teoria da acumu-lação do capital e da globalização do“modo de produção burguês”, onde nãoaparece o poder político e os estados na-cionais, que viriam a ser o tema centralda teoria “marxista” do imperialismo. Masassim mesmo, a ambigüidade se man-tém, na teoria do “capital financeiro” e da“economia mundial” de Rudolf Hilferdinge Nicolai Bukarin. Ambos falam de uma

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tendência do desenvolvimento capitalistaque aponta na direção do “império glo-bal” do capital financeiro. e ao mesmo tem-po reconhecem o papel decisivo do poderpolítico e dos Estados Nacionais, para osucesso “global” dos seus capitais finan-ceiros. (Fiori, 1997, p:141 e 142) Logodepois, veio o debate do marxismo “aus-tríaco” sobre a importância da “questãonacional” e, mais à frente, a defesa sovié-tica dos movimentos de “libertação nacio-nal”, na Ásia e na África, mas a questãoteórica e histórica fundamental seguiu semuma resposta definitiva. Portanto, não éde se estranhar que o tema das relaçõesentre a luta política da esquerda, com osestados nacionais, os impérios e aglobalização do capitalismo tenha reapa-recido com tamanha intensidade, depoisda derrocada de 1991. Mais do que isto,do nosso ponto de vista, esta é a verda-deira fronteira teórica que divide hoje aesquerda internacional, impondo-se, por-tanto, uma retomada histórica e teórica doproblema, como condição para odesbloqueio dos caminhos do futuro.

Charles Tilly, sociólogo norte-ame-ricano que fez longa pesquisa sobre a for-mação dos estados europeus, forneceuma pista histórica importante para re-pensar a origem e a ambigüidade perma-nente destas relações entre o capitalismoe o sistema interestatal. No final de suapesquisa, Tilly conclui que “no momentoem que os impérios se estavam desfa-zendo dentro da Europa, os principaisestados europeus criavam impérios forada Europa, nas Américas, na África, naÁsia e no Pacífico. E portanto, a cons-trução destes novos impérios externospropiciou alguns dos meios e parte do

ímpeto de moldar, dentro do continente,estados nacionais relativamente podero-sos, centralizados e homogeneizados,enquanto as potências européias passa-vam a lutar entre si nessas zonas imperi-ais”. (Tilly, 1996 p:244). Este fato histó-rico permite falar da existência de umverdadeiro paradoxo na origem do siste-ma estatal: “ao nascerem, seus primeirosestados se expandiram imediatamentepara fora de seus próprios territóriostransformando-se em seres híbridos, umaespécie de “minotauros”, meio estado-meio império. Enquanto lutavam paraimpor seu poder e sua soberania interna,já estavam se expandindo para fora dosseus territórios e construindo seus domí-nios coloniais. E, nesse sentido, se podedizer que o “império” foi uma dimensãoessencial destes primeiros estados nacio-nais europeus” que se transformaram no“núcleo central” competitivo do sistemaestatal europeu, o núcleo dos “estados-impérios ou das Grandes Potências”.(Fiori, 2004, p: 38). Ao pesquisar estemesmo processo de formação, MaxWeber identificou um tipo de relaciona-mento indissolúvel entre esta competiçãopolítica dos estados e o processo simul-tâneo de acumulação do capital: “os es-tados nacionais concorrentes viviamnuma situação de luta perpétua pelo po-der, na paz ou na guerra, mas essa lutacompetitiva criou as mais amplas opor-tunidades para o moderno capitalismoocidental... (neste sentido) foi o Estadonacional bem delimitado que proporcio-nou ao capitalismo sua oportunidade dedesenvolvimento...”. (Weber, 1961: 249).Os ganhadores desta competição foram,sempre, os que conseguiram chegar mais

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longe e garantir o controle de “territóriospolíticos e econômicos” supranacionaismais amplos do que o de seus concor-rentes, seja na forma de colônias, domí-nios ou de periferias independentes. “Eneste sentido, se pode entender melhorporque a “expansão e universalização dosistema capitalista não foi uma obra ape-nas , foi e será sempre o resultado dacompetição entre “estados-economiasnacionais” que conseguem impor a suamoeda, a sua “dívida pública”, o seu sis-tema de crédito” e o seu sistema de “tri-butação”, como lastro monetário do seucapital financeiro dentro destes territóri-os econômicos supranacionais em expan-são contínua” (Fiori, 2004, p:46)

Resumindo nosso ponto de vista: osistema político e econômico mundial,não é o produto de uma somatória sim-ples e progressiva de territórios, merca-dos, países e regiões. Do ponto de vistahistórico, o sistema mundial foi uma cri-ação do poder, do poder expansivo e con-quistador de alguns estados e economiasnacionais européias, que se constituírame se transformaram, durante o séculoXVII, no pequeno grupo das GrandesPotências. Até o século XIX, o sistemapolítico mundial se restringia quase ex-clusivamente aos estados europeus, aosque se agregaram, no século XIX, os no-vos estados independentes americanos.Mas foi só na primeira metade do séculoXX que o Sistema incorporou, no seunúcleo central, duas potências “expansi-vas” e extra-européias, os Estados Uni-dos e o Japão, um pouco antes que segeneralizasse, na segunda metade do sé-culo XX, o estado nacional como a for-ma dominante de organização do poder

político territorial, através do mundo.

Além disto, do nosso ponto de vis-ta, o sistema mundial não existiria na suaforma atual caso não tivesse ocorrido, naEuropa, o casamento entre os estados eas economias nacionais. E, a partir destemomento, o que se chama muitas vezesde globalização, é o processo e o resulta-do de uma competição secular entre es-tes estados-economias nacionais. A hie-rarquia, a competição e a guerra, dentrodo núcleo central do Sistema Mundial,marcaram o ritmo e a tendência do con-junto, na direção de um império ou esta-do universal, e de uma economia global.Mas este movimento não tem nada a vercom o avanço de uma espécie de “razãohegeliana” de natureza global e conver-gente. Pelo contrário, é um movimentoque avança sempre liderado por algumestado e economia nacional em particu-lar. E, por isto mesmo, nunca se comple-ta, porque acaba se encontrando com aresistência das demais “vocações imperi-ais” do sistema. Os ganhadores transitó-rios, desta competição, foram sempre osque conseguiram chegar mais longe e ga-rantir de forma mais permanente o con-trole de “territórios políticos e econômi-cos” supra-nacionais, mantidos na formade colônias, domínios ou de periferiasindependentes, mas pouco soberanas.Você já disse isto um pouquinho à fren-te, portanto, retome de outro jeito. Massó duas das Grandes Potências lograramimpor o seu poder e expandir as frontei-ras de suas economias nacionais, até qua-se o limite da constituição de um impériomundial: a Inglaterra e os Estados Uni-dos. Esse processo deu um passo enor-me, depois da generalização do padrão

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ouro e da desregulação financeira, pro-movida pela Inglaterra, na década de1870. E deu outro passo gigantesco de-pois da generalização do padrão “dólar-flexível” e da desregulação financeira,promovida pelos Estados Unidos, a par-tir da década de 1970. (Fiori, 2005)

Em 1944, Karl Polanyi formulouuma tese original e provocadora a respei-to desta contradição do sistema mundiale do seu impacto dentro das sociedadesnacionais. Polanyi identifica um “duplomovimento” na história do capitalismo,provocado pela ação de dois princípiosuniversais do sistema. Um, seria o “prin-cípio do liberalismo” econômico quemove a globalização ou universalizaçãopermanente dos mercados auto-regulados.E o outro, seria o princípio da“autoproteção social” que aparece comouma reação defensiva e nacional das“substâncias sociais ameaçadas pelosmercados”. (Polanyi [1944], 1980: 164).Muitos interpretam o “duplo movimen-to” de Polanyi como se fosse uma se-qüência no tempo ou como se tratassede um movimento pendular ao longo dahistória. Do nosso ponto de vista , entre-tanto, se trata, uma vez mais, de umarelação dialética entre o nacional e o in-ternacional, o econômico e o político,entre o curto prazo das lutas sociais e olongo prazo das grandes transformaçõesmundiais. (Fiori, 1999, p:63) As resistên-cias que acabam paralisando e corrigindoa expansão entrópica dos mercados auto-regulados nascem de dentro da própriaexpansão mercantil, se manifestam nosinterstícios do mundo liberal, e se forta-lecem com a destruição que os mercados

desregulados produzem, no longo prazo,no mundo do trabalho, da terra, do di-nheiro e da própria capacidade produtivadas nações. Segundo Polanyi, foi isto queocorreu na Europa, entre os séculos XIXe o XX, quando nasce e se expande ummovimento simultâneo de defesa nacio-nal e social contra o “moinho satânico”dos mercados desregulados, o movimen-to que está na origem macro-histórica dosgrandes progressos democráticos, sociaise políticos, do pós II Guerra Mundial.

Polanyi não previu o retorno, no fi-nal do século XX, do “princípio do libe-ralismo” e da crença cega nos mercadosauto-regulados. Do nosso ponto de vista,entretanto, não é impossível que a Amé-rica Latina esteja vivendo o início de umanova etapa de convergência entre as lu-tas nacionais e sociais dos povos menosfavorecidos. A euforia liberal arrefeceudepois de 2000 e a guerra e o “poder dasarmas” voltaram ao epicentro do Siste-ma Mundial, ao mesmo tempo em quese multiplicam as novas formas de prote-cionismo das Grandes Potências econô-micas. Mas à sombra imediata do poderglobal dos Estados Unidos, pode estar seabrindo um novo espaço e uma grandeoportunidade para uma convergência“virtuosa” entre a ação “autoprotetora”,nacional ou regional, dos novos gover-nos de esquerda latino-americanos, e aação reivindicativa e mobilizadora dosmovimentos sociais e partidos de esquer-da que lutam na região, contra a desi-gualdade e a polarização da riqueza e dapropriedade privada. Pelo menos, esta éa esperança que circula nas “veias aber-tas” deste continente, neste início do Sé-culo XXI.

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III – A organização e a emancipação de classeAdemar BogoMarço 2006

Não há dúvidas de que a organiza-ção é a forma universal de reunir em ummesmo contingente as idéias e a forçapara alcançar as mudanças pretendidas.Também é universal que, a classe traba-lhadora é a classe em ascenção na lutapelo poder, para organizar o socialismo eisto se torna cada vez mais evidente quan-to mais o capital procura invadir todos osespaços mundiais; e faz as forças contra-revolucionárias também se organizarem.

Esta relação de elementos contradi-tórios ganha forma e conteúdo quandoestabelece a sua estrutura de funciona-mento e elabora os métodos para colocarem movimento as forças e as idéias.

Na estrutura está o perfil da organi-zação, ou seja, ela tem o papel de darsuporte a imagem organizativa que, de-pendendo das circunstâncias históricas edo tipo de táticas que deve desenvolverpara alcançar o objetivo final, pode sermais centralizada ou mais participativa.

Há nisso tudo a possibilidade davariação de momentos diferenciados. Ouseja, as forças em confronto podem, porpressão social ou por audácia estratégi-ca, reformular as táticas, e por isso, aestrutura da organização ampliar-se ou en-colher-se para qualificar-se.

O fato é que, se a organização avan-ça para táticas mais radicais, os inimigos

procuram destruí-la a partir dos aspectosmais frágeis que esta estrutura possui.Neste sentido, a estrutura ganha qualida-de quanto maior for a intensidade de gol-pes do inimigo, isto porque ela jamaispode se deixar destruir. É a força contrá-ria que “qualifica” a força a favor. Ouela se qualifica ou desaparece.

Estabelecida a estrutura básica, aorganização pensa e elabora os métodosde ação. Neste item reside a esperteza,tanto para derrotar o inimigo, quanto paracativar as forças externas que devem,concretamente, ou psicologicamente, co-locarem-se a favor.

O método, ou a colocação dos mei-os para a construção do caminho, parachegar ao determinado fim ( por isso aimportância da definição estratégica, semela não se sabe para onde ir), utiliza-sedas circunstâncias históricas e da estru-tura orgânica para desencadear as açõestáticas.

O desencadear das táticas, cria earticula cenários. É a dinâmica do movi-mento das forças que provoca estas mo-dificações permanentes. Ganha terreno aforça que conseguir enfraquecer a outra.

O objetivo da organização não é atática ( luta, produção, escola...) estasservem de meio. O objetivo é ir até ofim. Para isto é que se torna fundamen-

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tal o uso da inteligência, pois, dependen-do da capacidade, há avanços que se podeconseguir com o uso variado de táticascombinadas. As ações táticas podem serde massa, mas também de outra nature-za. O inimigo tem que ser levado a cedere a derrota.

Logo, a organização precisa estarpreparada para agir em diferentes cenári-os. A distribuição de tarefas, dependen-do do avanço, necessita cada vez maispreparação. Há tarefas para grandes con-tingentes de massas, mas também parapequenos grupos. Como essas forças semovem, depende da capacidade de pla-nejamento, colocação e direção das mes-mas.

Em qualquer circunstância históri-ca o papel de quem dirige é ser parte deum coletivo. Depender dele e não ao con-trário.

Este coletivo é que avalia os avan-ços e os recuos no planejamento. Esta-belece a política de alianças com outrasforças e tem a capacidade de redifinir àstáticas, sempre em função da estratégia;elaborar os métodos de ação, garantindoos meios e a qualificação dos executores,e orientar a colocação das forças, seja anível de produção de uma opinião favo-rável ou a participação direta nas ações.

A natureza das táticas determina osmeios que devem ser usados. Quandoduas forças se enfrentam, uma semprepretende derrotar a outra. O alcance des-ta vontade é que obriga o uso de certosmeios.

Quando se trata de uma luta social,articulada por um movimento, a força

contrária, e, principalmente dentro da le-galidade, pode visar mais a derrota da tá-tica escolhida e menos o aniquilamentoda organização.

Neste caso, se o movimento socialé maior, mais vigoroso, que a tática queutiliza naquele local de enfrentamento,tem maiores garantias de sobrevivência,mesmo que aquela parte da força locali-zada tenha sido aniquilada. A continuida-de dos enfrentamentos estratégicos de-pende dos meios utilizados e dos resulta-dos dos enfrentamentos táticos.

O que buscamos com uma organi-zação é a emancipação da classe traba-lhadora. Não é somente a luta e oenfrentamento tático e estratégico, mas aconstrução da consciência que sustenta aconquista estratégica, e elevar o ser hu-mano a uma nova condição social e polí-tica. Então, ninguém luta para os outros,cada qual deve participar por si próprio,representar-se e tornar-se a própria re-volução.

O caminho para isto é rápido compequenos grupos, mas longo para gran-des contingentes de massas.

O que mais devemos considerarneste ordenamento lógico dos elementos?

Vamos relacionar três aspectos quenos ajudam a ir além do que a simplesforça e a inteligência: 1) O Fetiche daPropriedade 2) A Alienação da Organiza-ção; 3) A Emancipação dos direitos. Em-bora não se deva separá-los, pela suainterligação concreta, mas por recursometodológico, aqui o faremos.

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I – O fetiche da propriedadeEsta palavra é pouco usada nas dis-

cussões políticas, mas está muito freqüen-te na vida cotidiana, onde é conhecidacomo “feitiço”.

Se buscarmos em qualquer dicio-nário, vamos encontrar o básico destadefinição. Fetiche: “Objeto animado ouinanimado, feito pelo homem ou produ-zido pela natureza, ao qual se atribui po-der sobrenatural e se presta culto”.

De forma simplificada, podemosdizer que, o fetiche é uma invenção hu-mana, ou criado por força da naturezaque, pelo poder da imaginação, acrescen-ta-se aos objetos um poder que estes nãotinham, a partir disso, passam a dominaras relações sociais.

Esta relação com o objeto se dá demúltiplas formas. Ao tratar do assunto,(ao contrário de Feurbach que tomouDeus como invenção humana, como pro-duto de sua imaginação ou objetivação),Marx, identificou nos produtos do traba-lho, a mercadoria, como referência, parademonstrar que nela se esconde algo“misterioso”, pois ela é “cheia de sutile-zas metafísicas e argúcias teológicas.”1

Significa então, que a mercadoria,contém em si uma força “estranha”, cri-ada pelo trabalho e pela capacidade hu-mana. A partir da sua constituição, a mer-cadoria torna-se “misteriosa” simplesmen-te por encobrir as características sociaisdo próprio trabalho, diz Marx, logo, ao

ocultar as características do trabalho em-pregado para produzi-la, ela adquire umaforça que determina as próprias relaçõessociais.

Marx procurou interpretar atravésda “teoria do valor”, onde percebeu que,um objeto tem duplo valor: de uso e detroca.

Ao ir para o mercado, o objeto per-de o valor de uso e adquire um valor detroca. Este valor a princípio é calculadopelo “tempo social” gasto para produzi-lo. Como por exemplo, uma blusa de lãfeita manualmente e um armário que umartesão faz, preparando ele mesmo amadeira. Se o armário levou 10 dias paraser feito e a blusa 8 dias, significa que,ao se comparar os objetos, os valores sãodiferentes, então, um dos dois merece umcomplemento no pagamento.

Com o passar do tempo ocorreramduas grandes mudanças: a) os produtosdeixaram de ser produzidos individual-mente e muitos objetos foram feitos coma matéria prima produzida por outras pes-soas, sendo também vendidos por outrastantas, e ficou difícil calcular o temposocial gasto para produzir; b) Surgiu odinheiro, e com isso um dos lados da tro-ca antiga, deixou de ser produto concre-to. O dinheiro tem um valor abstrato, poisnão se sabe quanto tempo social existeem uma nota de R$ 1 real.

Mas o dinheiro também é uma mer-cadoria, porém com um poder “mágico”abstrato. Ele comanda as relações entreas pessoas. Qualquer coisa que não sejapara uso próprio, ao ser produzida, temo objetivo de ser trocada por dinheiro,1 Karl Marx. O Capital. Vol. 1. pg 79

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porque somente através dele é que sepode adquirir outro objeto que está navitrine da loja, que faz as pessoas dialo-garem sobre ele; pensarem intensamentecomo se estivessem apaixonadas, modi-ficarem até mesmo os hábitos de com-portamento e de consumo se preciso for,para economizar e adquirir aquela mer-cadoria que tem um valor de troca esta-belecido em preço.

Então se forma o fetiche. Ao ver-mos o objeto na vitrine, seja um tênis ouuma camisa, vemos a mercadoria e nãoo processo de sua produção. Por isso asrelações no mercado vão se dar entre ascoisas e não entre as pessoas.

Se não vejamos, quando alguém vaià loja onde está a mercadoria exposta,dirige-se diretamente à vitrine e não aodono, ou ao vendedor. O comprador querencontrar-se com o produto e não comas pessoas. Essas, pouco interessa, ser-vem de meio para o encontro. O vende-dor, tem nome, problemas pessoais etc.mas isto tudo some. Tanto o vendedorquanto o comprador estão ali por causadas mercadorias, sem elas não haveriaaquele encontro. Um tem o tênis paravender, o outro tem o dinheiro para com-prar. De onde vieram? Não importa.

Como este fetiche ocorre em nossaorganização? Vejamos alguns dos diferen-tes aspectos.

a) Na propriedade individual daterra.

A propriedade da terra é um di-reito constituído pela moral egarantido pela lei.

Embora ela não seja paga emdinheiro pelo beneficiário da re-forma agrária, mas este empre-ga um tempo social determina-do para conquistá-la que lhes dáo direito a ser dono.

Embora a terra seja um bem danatureza, está no mercado comoqualquer outro objeto, e o títulode propriedade é a autorizaçãopara trocá-la por dinheiro, oumesmo que não seja colocada àvenda, o proprietário tem nela oobjeto do fetiche, criado pelaimaginação na diversidade deplanos que faz.

Atribui-se à propriedade indivi-dual um poder sobrenatural. Ini-cialmente o latifundiário mobili-za todos os poderes humanospara garantir que a propriedadecontinue intacta. Depois de con-quistada e dividida, para que“ninguém pise” sobre ela, o pe-queno proprietário, cerca-a comarame e passa a vê-la como va-lor de troca, ou reserva de valor,herança etc.

Este poder sagrado dado à pro-priedade é que atrai o acampa-do. Dizer que ele não tem direi-to a seu lote, é como alguém pre-gar, em uma Igreja, que Deusnão existe! De imediato, os quepensam diferente, vão para ou-tro local, onde se confirme o seuimaginário.

E por fim, o fetiche do valor detroca da propriedade da terra,

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baseado no preço de mercadoestá sempre presente. Cada umcalcula quanto deve valer o seulote se quiser trocar por dinhei-ro.

Esta contradição é oriunda domodelo de reforma agrária insti-tuído pelo Estado e o mercadono capitalismo. Não é permitidaa estatização da terra, funda-mentalmente porque a proprie-dade dela tornou-se simples mer-cadoria. Então ela adquire umvalor de troca regional, que nãose apega à quantidade debenfeitorias, fruto do trabalho,mas ao preço estabelecido pormedidas, hectare, alqueire etc.

b) No recebimento dos créditos

O crédito é dinheiro, e como taltem um valor abstrato. Mas ele,a partir do recebimento, tem va-lor de troca absoluto.

Por que em primeiro lugar, in-duz a desconfianças e a desa-venças internas a partir de sualiberação?

Porque as mercadorias (o dinhei-ro e o objeto sonhado, roupa,colchão etc) “querem se encon-trar” e, cada “credor”, ( assen-tado) precisa levar a sua parte (o dinheiro) para o mercado.

Então, com a mercadoria dinhei-ro na mão, o imaginário dá vidaaos objetos que passam a influirnas relações sociais e políticas eperde-se a oportunidade do pla-nejamento e do crescimento co-

letivo.

Deixa-se não só de perceber otempo social gasto para produ-zir aquelas mercadorias adquiri-das, como também, há muita re-jeição para fazer um novo bemde uso com tempo social ou tra-balho coletivo.

c) Na produção e venda da pro-dução.

A produção agrícola também, aoser trocada por dinheiro, viramercadoria. Perde com isso opoder de competição moral comoalimento, que não deveria sermercadoria.

Quem produz o alimento não ovê como tal, mas como uma mer-cadoria que deve ser trocada pordinheiro, que possibilitará a aqui-sição de outra mercadoria sonha-da.

A produção então não é vistacomo um meio de combate eenfrentamento, mas apenas comouma possibilidade de ir e conse-guir espaço no mercado. Logo, aescolha do que plantar se funda-menta primeiramente napotencialidade de lucro. Nestesentido, o uso dos mesmosinsumos e da matriz tecnológicado agronegócio, é a perda da no-ção do significado do alimentocomo relação social e política.

Isto influi diretamente nas rela-ções sociais. Ou seja, a socieda-de que compra não diferencia,nem percebe que benefícios a

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reforma agrária lhes traz.

d) No desejo e o prazer individu-al da compra

O desejo de liberdade diz respei-to a negação de aplicar coletiva-mente o tempo social para pro-duzir novas mercadorias ou bensde uso.

Como as relações se dão entreas mercadorias e não entre aspessoas, ou seja, as pessoas sãointermediárias para levar as mer-cadorias ao mercado, as relaçõeshumanas “perdem” a importân-cia, e, a relação entre mercado-ria e dinheiro, ganha força.

Em uma sociedade de consumoexacerbado, fazer pelos outros nocoletivo ( compras por exemplo)ou impedir que alguém se colo-que como intermediário, para, irao mercado trocar mercadorias,é tirar dele o direito sagrado dese relacionar com a “divindade”que há nas mercadorias. Fazercompras no capitalismo é um pra-zer, e cada um quer ter o seu.

Isto ocorre porque, para o capi-tal, antes de ser uma sociedadede pessoas, há uma sociedade demercadorias que precisam se re-lacionar para gerar lucro. Daí vemum dos aspectos da resistência emrelação à cooperação.

e) Na perda do espírito da convi-vência social.

A cooperação no sentido maisprimário frente a propriedade da

terra, é vista como ameaça aosplanos individuais e não comomeio para diminuir os sacrifíciose aumentar as facilidades.

Contrariamente ao operário queproduz lado a lado com outrooperário, onde a sua obrigaçãodiária está determinada pelas ho-ras trabalhadas, o restante estálivre para visitar as mercadoriasque pretende comprar no fim domês com o salário que receberá.O camponês cooperado tem ou-tras obrigações, com reuniões,planejamentos, trabalho voluntá-rio etc. que ocupa seu tempo e oimpede de exercer a sua “liber-dade”.

Então se revolta toda vez que acoletividade limita seus interes-ses particulares e por isso, buscasempre alternativas de individu-alizar-se e isolar-se cada vezmais.

Podemos então concluir este tó-pico, chamando a atenção paraa necessidade da mudança da fi-nalidade do trabalho. Se ele estávoltado para a produção de mer-cadorias, as relações sociais es-tarão sempre revestidas do feti-che da troca material por dinhei-ro.

Se ele for visto como meio detransformação da sociedade, asações sejam elas no campo daprodução, na educação nas es-colas ou no esforço da preserva-ção ambiental, ganham o signifi-

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cado de meios de combate aopoder da classe dominante.

A superação do fetiche ou destepoder que as coisas tem sobre aspessoas, como se tivessem umaforça sagrada que as domina,somente virá pelo avanço daconsciência da inutilidade destarelação. Como bem disse Marx:

“...O reflexo religioso do mun-do real só pode desaparecer,quando as condições práticasdas atividades cotidianas dohomem representem, normal-mente, relações racionais cla-ras entre os homens e entre estee a natureza...”2

Ou seja, somente no dia em queas pessoas conseguirem livremen-te estabelecer, através da coope-ração e da convivência, o con-trole do que fazem e, planeja-rem conscientemente a sua uti-lidade, estarão em condições desuperar o fetiche e deixar de serdominados pelas mercadorias.

Somente se conseguirá retirar ofetiche da mercadoria quando eladeixar de ser um objeto de trocae passar a ser um bem de uso,neste caso, a produção de ali-mentos para uso benéfico da so-ciedade é o primeiro passo.

II – A alienação da organizaçãoA palavra “Alienação”deriva do la-

tim “ALIUS” que significa, “outro”. Se-parar-se do outro (pessoa ou objeto pro-duzido), é perder o controle sobre si pró-prio, deixar de ser sujeito do resultado deseu próprio esforço. É neste sentido queaqui é empregado o conceito.

Se Marx utilizou o conceito ligadoao trabalho, não significa que tenhadesconsiderado a mesma aplicação noresultado de qualquer outro tipo de es-forço humano.

Em nossa reflexão, e por necessi-dade, teremos que empregar o conceitode alienação nas relações sociais e políti-cas, quando o “outro” é a própria organi-zação, fruto do esforço de “militância”,e os que arriscam a vida neste objetivocomum.

Podemos então aqui relacionar trêsaspectos básicos que caracterizam estaalienação na organização:

1o – Não se reconhecer no objetoque produz.

O objeto aqui é a organização queintegra quem tem necessidades concretaspara resolver. Estes empenham o tempo,investem a si mesmos e suas famílias, esubmetem-se a todos os “contratos” ouacordos necessários para a boa conduçãoda produção do resultado proposto.

Ao chegar a este resultado estabe-lecido pelo objetivo inicial, o “contrato”é desfeito ou pelo menos sofre mudan-ças no seu conteúdo, porque até entãonão havia a propriedade comointermediadora.2 Karl Marx. O Capital. Vol.1. pg 88

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Ao conquistar a propriedade ( combaixo nível de consciência) o acampadovira assentado, adquire nova natureza epassa a se relacionar com outro objeto, (apropriedade), e se aliena da causa que vi-nha produzindo na organização políticapara conquistar a propriedade, mas tam-bém outros direitos até então abstratos.

A partir deste momento, há uma“ruptura”. O “sujeito” deparara-se como velho dilema: “ser ou não ser”. Ou seja,ser, significa submeter-se a certas restri-ções, normas e obrigações, como porexemplo, um dia de trabalho coletivo porsemana. Não ser, significa risco de perdade benefícios etc. de modo que, o queinteressa não é o aperfeiçoamento doobjeto inicial ( a organização), mas a sa-tisfação de seus próprios interesses en-raizados no fetiche da propriedade. Elaera um meio ( descartável) para chegar aum fim ( a propriedade) definitivo.

2o – Não reconhecer as mudan-ças em si.

O processo de convivência socialcria mudanças na cnsciência e no com-portamento social. Quando este proces-so não é consciente, o “sujeito”tem difi-culdades em reconhecer o seu crescimen-to, desconhece que a nova identidade lhestrouxe um novo conhecimento.

O resultado é medido pelo alcancedo objetivo material. Se conquistou a terraentão houve avanços, se não, perdeu seutempo.

Como não consegue se percebercomo o agente fundamental da luta polí-tica pela reforma agrária, este acampadodesconsidera a sua força e a sua impor-

tância, e em muitos casos, não eleva asua auto-estima.

Submete-se, por interesse e não par-ticipa por consciência e afinidade políti-ca. Tanto que a grande maioria dos acam-pamentos funciona com um coordena-dor geral, ele ( embora tenha coordena-ção, setores e comissões) faz o papel dedireção, de regimento interno, pois apli-ca as normas feitas ou as cria instantane-amente pelo poder que tem, e cria umadependência de si, de sua presença, desua palavra etc.

Esta prática não sobrevive no as-sentamento. Lá as atividades cotidianassão mais dispersas. Cada família tem in-formalmente o seu planejamento, a suaautonomia e seus desejos futuros.

Significa que este ser acampado, dei-xa de existir ao ser assentado, lá é um novoaprendizado com uma nova estrutura derelações sociais, com uma dispersão polí-tica maior. O aprendizado anterior nemsempre se sustenta, pois mudaram as con-dições materiais; elas passam a determi-nar o tipo de comportamento.

É neste contexto que se percebe oconfronto teórico com a prática dos va-lores. Afloram os valores burgueses, poisestes são determinantes na sociedade con-creta, e se chocam com a moral imaginá-ria de uma outra sociedade abstrata.

3o – Não reconhecer os outroscomo companheiros e companheiras.

Nem sempre o vizinho é um aliado,às vezes é um competidor. A perda doreferencial político leva a ver os “iguais”como diferentes. Aqueles que junto luta-ram receberam separadamente sua re-

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compensa.

Os projetos e anseios são diferen-tes, por isso as pessoas não se enxergamenquanto classe, mas apenas como pro-prietários isolados.

Isto tudo nos traz, a princípio, trêsconseqüências desastrosas, que é impor-tante partir delas para reconstruir as for-mas organizativas.

a) O produto produzido ( a or-ganização) pela prática militante, lhesé estranho.

A alienação, ou seja, a separa-ção do outro, leva adesconsideração daquilo que foiedificado. A organização tem im-portância relativa; os bens parti-culares, importância absoluta.

A organização não tem impor-tância, a não ser nos momentosde precisão como ocorre com adivindade; só é interessante nashoras de aperto, no resto dotempo a consideram uma forçatemerária, que, não devemprovocá-la, mas podem ignorá-la.

b) As conquistas alcançadas co-letivamente não orgulham os conquis-tadores, nem ligam o resultado aomeio para consegui-lo.

Quando um operário que produzcarros sai às ruas e se depara comos carros estacionados, dificil-mente sai a procura daquele queajudou a produzir, nem tampoucodivulga aos que passam que,aquele carro é fruto de seu tra-

balho, feito em tal fábrica. Aocontrário, a alienação ( a separa-ção entre ele e o objeto) o im-pede até de ter orgulho do quefez.

Na organização, que leva as pes-soas a participarem, mais por ne-cessidade do que por ideologia econsciência, a relação é seme-lhante. O operário precisa da fá-brica para ganhar o seu salário,o camponês do movimento paraconquistar a sua terra. Mas apósconquistá-la a organização per-de a importância como acontececom o operário no dia que seaposenta. Agora são outros ob-jetivos que nem sempre ele con-corda. Organizar para ocupar édiferente do que organizar-separa produzir, morar etc.

A organização para o alienado éum estorvo, um impedimentopara realizar seus interesses, équem impõe restrições, e por issonão lhes trás satisfação algumaem participar dela. Ela foi impor-tante para gerar o objeto da pro-priedade, mas já não é mais.

c) Perda do interesse da sociabi-lidade.

A quilo que tende para o indivi-dualismo é mais atrativo. Nestecampo nada é estranho ao indi-víduo. Compreende as decisõesque toma, faz de seu jeito, ga-nha tempo, evita discussões econflitos, sente-se mais livre etc.

Há por outro lado que verificar o

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conteúdo do conceito de sociabi-lidade. Na maioria das vezes da-mos a este conceito o conteúdode vida em “comunidade”, ondetudo é regulado, programado e aindividualidade dilui-se neste sersocial coletivo insuportável.

Esta prática, mais do que umaconcepção, inibe a realização demuitas vontades e, em lugares deforças produtivas atrasadas, há-bitos culturais contraditórios, atendência é a experiência não so-breviver.

Na sociabilidade verdadeira, aspessoas tem função social. Elassão o projeto e não os investi-mentos. Ou seja, as pessoas nãoestão a serviço das estruturas queconstroem, estas servem de meiopara as pessoas desempenhemsua função social.

Possibilidades de superaçãoA superação é possível se houver a

construção coletiva e consciente do ob-jeto que neste caso é o projeto de produ-ção e a organização política para novosfins. Quando alguém vai para a ocupa-ção, tem um fim interesseiro que é ter asua terra, e, a organização serve para isto.

Então o tempo de trabalho empre-gado individualmente pode ser diferenci-ado na sua forma e lugar, mas o produtoa ser produzido, a circulação e o consu-mo, e a transformação da sociedade pelarevolução, estão interligados no mesmoprocesso consciente.

É claro que temos limitações nistoque estamos chamando de “reforma agrá-ria popular”3, como período de transiçãodo capitalismo para o socialismo. Maspodemos estabelecer alguns requisitosfundamentais para orientar o que produ-zir, como circular esta produção e o queconsumir, seja a nível de insumos,tecnologias e máquinas, e a função dotrabalho, do trabalhador e da trabalhado-ra neste conviver, para edificar novas re-lações. Destacamos três relações comofundamentais:

a) A produção da renda e a cul-tura não se separam

Planificar a produção também écultura, mas há outros aspectosque estão associados, como omorar, o conviver, o lazer, o co-nhecer (escolar ou não), o parti-cipar, o reconhecimento e proje-ção, a emulação, a confraterni-zação, o bem estar familiar, a lutapolítica e de classes, e outros as-pectos.

b) A satisfação dos desejos coma elevação da consciência

A vida social também é a realiza-ção individual. Há desejos a se-rem alcançados

Como, metas imaginárias quenem sempre estão sintonizadascom as metas sociais. Elimina-se os excessos e desvios as ve-

3 Conceito referenciado por João Pedro Stédile no es-tudo sobre os tipos de reforma agrária.

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zes pelas normas, mas é mais efi-ciente a eliminação quando aconsciência compreende por quefaz ou porque deve deixar de fa-zer.

Uma sociedade livre é uma soci-edade culta. Sem elevar a cons-ciência em suas diferentes for-mas é impossível construir onovo durável. Se o assentamen-to é uma escola, há que ter aulatodos os dias no sentido da cons-trução do ser humano e na ele-vação da consciência.

c) A construção da organizaçãoorientada por princípios e métodosparticipativos.

Ninguém se apaixona por aquiloque não o satisfaz. A organiza-ção é o resultado daquilo quepensamos e fazemos. Mas estepensar e fazer, devem ter funda-mentos que são os princípios queorientam os métodos do fazerespecífico.

Estudar, planejar e realizar, sãotrês partes da ação que andamjuntas. Se apenas uma pequenaporcentagem de pessoas dominao todo, e a maioria só aparecena hora da ação, é “massa de ma-nobra”, que tanto faz estar ali ouem qualquer outro lugar, comovemos às vezes peões ( sem-ter-ra) participando das mobilizaçõesdos latifundiários.

Então, partir sempre dos princí-pios, da cooperação para coope-rar, da educação para educar, da

formação para formar, da revo-lução para transformar e do so-cialismo para edificar a nova so-ciedade. Sem eles, corre-se o ris-co de errar. Como disse Ho ChiMinh: “Um erro de uma polega-da pode provocar um desvio deuma légua”.4

III - A emancipação humanaMarx ao tratar da questão da eman-

cipação, diferenciou aquilo que chamoude “emancipação política”, ou seja, a con-quista dos direitos políticos e sociais, e a“emancipação humana” que significa aeliminação de todas as imposições e sub-missões, morais, nas relações de produ-ção, sociais, ao capital e ao Estado. Tra-ta-se portanto, da elevação da sociedadeao nível de igualdade e liberdade em to-dos os sentidos.

Descreveu ele como exemplifi-cação a passagem do feudalismo para ocapitalismo. É claro que representou umavanço para a sociedade civil; mas signi-ficou emancipação para os trabalhadores?É claro que não. O que mudou de ummodo de produção para outro, foram asformas de dominação e subordinação daspessoas. Então afirmou Marx:

“Por conseguinte, o homem não selibertou da religião; obteve liberdadereligiosa. Não se libertou da proprieda-de, obteve a liberdade de propriedade.

4 Ho Chi Minh. Política. Pg 175

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Não se libertou do egoísmo da indús-tria, obteve liberdade industrial”.5

Logo, podemos atualizar a reflexãoe dizer que, a conquista dos direitos quea República trouxe para as sociedadesburguesas ocorreu da seguinte forma: oser humano não se libertou da ignorân-cia, obteve direito à escola, escola, asmulheres no se libertaram da discrimina-ção, obtiveram direito ao voto; nem apopulação de baixa renda conquistou di-reito à saúde, mas obteve o direito a con-sultas mais baratas; posteriormente osdireitos trabalhistas ( férias, décimo ter-ceiro salário e aposentadoria); e para nósatualmente, terra, créditos, ensino gratuitoetc. não significou emancipação, mascomo disse o próprio Marx – levou a re-dução do homem, de um lado, a mem-bro da sociedade burguesa, a indivíduoegoísta independente e, de outro, a cida-dão do Estado, a pessoa moral. Ou seja,bem comportada.

É a inclusão na sociedade burguesadas pessoas por ela rejeitadas para se equi-pararem ao grau conformador de cida-dãos. Agora temos todos os documen-tos, propriedade, conta bancária, paga-mos impostos, votamos nas eleições etc.

Como pouco se discute este assun-to nos meios políticos, de esquerda, con-funde-se a conquista de direitos comtransformações políticas revolucionárias.

A luta política permanecendo na es-fera dos direitos favorece o capital, omercado, o Estado e a moral burguesa, e

deixa intacto o modo de produção. Con-tinua a dominação a partir daí pela coni-vência. A luta de classes é o estágio su-perior da luta política, porque enfrenta opoder coletivo da classe, onde, disputa-se o projeto e não apenas direitos.

A conquista dos direitos, da “cida-dania”, é chegar ao nível de cidadão quealcança a condição de pagar pelos seusbenefícios ou que tem os requisitos bási-cos, para tentar buscá-los na democraciada ordem burguesa.

Não significa que não se deva lutarpelos direitos estabelecidos. O errado nãoé lutar por eles, e nem esforçar-se paraconquistá-los, (eles são o ponto de parti-da para as lutas de massas), mas sim acre-ditar que isto seja suficiente e que, atra-vés disto chega-se à emancipação, istoporque, o próprio Estado que, em certasépocas reconhece esses direitos, em ou-tras, os tira, em sintonia com o capitalpara favorecê-lo.

Alcança-se a emancipação segundoas palavras do próprio Marx, quando,“... o homem individual real recuperarem si o cidadão abstrato e se converte,como homem individual, em ser genéri-co, em seu trabalho individual e em suasrelações individuais; somente quando ohomem tenha reconhecido e organizadosuas próprias forças como forças soci-ais e quando, portanto, já não separade si a força social sob a forma de forçapolítica, somente então se processa aemancipação humana”6

6 Karl Marx. A Questão Judaica.5 Karl Marx. A Questão Judaica.

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Se considerarmos do ponto de vistaconcreto, o cidadão está um passo a cimado indigente destituído de todos os direi-tos. Emancipa-se quando se torna sujei-to coletivo, com determinação de organi-zar conscientemente as próprias relaçõessem distinção entre social e política, essasociedade foi elevada ao nível superiorda esfera de dominação.

Neste sentido as palavras de ordemprecisam ir além do “direito nosso, deverdo Estado”, pois a emancipação comple-ta exige também a tomada do Estado e asua destruição.

A luta de classes é responsável pelamudança de cenários, em busca sempreda superação das relações de dependên-cia, seja do capital ou do Estado. Ela é ocaminho da construção da verdadeiraautônima onde não haja nem fetiche, nemalienação, mas emancipação completa daspessoas e da sociedade.

Neste sentido é que podemos for-mular em três questões para verificar arelação dos movimentos sociais do cam-po com o Estado e dele criam dependên-cia, como é o caso dos créditos, assistên-cia técnica, convênios na área de educa-ção e capacitação, reprodução de mudase sementes, a transformação social e aemancipação dos seres humanos.

1o – Qual é o papel do Estado edos movimentos que fazem a luta declasses.

Até onde deve ir o papel do Estadoe quais são as tarefas políticas que ultra-passam os limites e as barreiras coloca-das por ele, que impede o avanço paraconstrução da autonomia?

“A reforma agrária é dever do Esta-do”. É meia verdade. Como sabemos, oEstado capitalista não tem interesse ne-nhum em fazer a reforma agrária, nempela ótica do desenvolvimento das for-ças produtivas, nem para a solução dosproblemas sociais. Já sabemos que sema ocupação o Estado não age.

Voltemos a idéia de transição, colo-cada acima através da “reforma agráriapopular”. Transição significa negociar,mas não pode significar submissão, aco-modação, ao contrário, deve haver mui-to esforço e autonomia para passar deum estágio para outro. Então podemosformular novas questões:

a) Como exigir educação de quemnão quer educar?

Se observarmos no campo daeducação, vinculada à origem doconceito, “EDUCERE”, que sig-nifica tirar de dentro. A realida-de, o ser humano, a convivên-cia, o trabalho etc, nos leva a crerque, não podemos “tirar de den-tro” das políticas do Estado aqui-lo que deve ir além da simplesconquista do direito.

Isto porque, a Escola tem umadupla definição; “lugar onde seeduca” e “corpo de idéias”.Costumeiramente o Estado ofe-rece e impõe ambas as coisas. Olugar, construindo o prédio esco-lar, e as ideais que sãoestabelecidas no currículo, ondeos agentes executores não abremmão de suas ementas e propos-tas, basta verificar as discussões

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feitas com os departamentos deagronomia nas universidades, ounas Secretarias de Educação, nosmunicípios, para entendermos oque significa o poder de domina-ção do Estado.

Mas acomodar-se dentro desteslimites é concordar com a domi-nação do Estado que está a ser-viço da classe dominante, logo,nosso papel é ir além. No quediz respeito ao corpo das idéias,é avançarmos mais e mais, para“tirar de dentro” da terra, da re-sistência, do cultivo tradicionaldas sementes, da prática da coo-peração, da convivência social,o conteúdo da educação. É utili-zar de todos os recursos para for-talecer a luta de classes em qual-quer atividade.

b) Como exigir assistência técni-ca de quem não quer produzir alimen-tos?

Os convênios de assistência téc-nica temporários, reproduzemapenas o modelo do“extencionista” que não se inte-gra ao projeto e sim reproduz osinteresses de sua matriz.

Ficar no limite dos convêniospara a assistência técnica é satis-fazer-se com a matriz tecnológicadominante e cumprir o papel deextencionista do Estado, e emmuitos casos, de fiscais dos Ban-cos financiadores.

A produção precisa ser vista

como meio para a luta de clas-ses, contra o agronegócio e oEstado, ao mesmo tempo, comoa assistência técnica integrada econtinuada, como a educação, amudanças de hábitos, consumode insumos orgânicos, feitos pelopróprio trabalho local, a transfor-mação dos produtos, acomercialização e o consumo,com a agitação e a propaganda.Nisso está o nosso papel e não opapel do Estado.

c) Como dar função social àpropriedade se a referência imposta éo módulo familiar, se os cadastros ecréditos são individualizados?

Na luta de classes as responsabi-lidades são coletivas, mas a lutapela terra reduz a classe em rela-ção individual com o Estado.Embora se encaminhem as ne-gociações de forma coletiva, masesta não persiste como prática dacooperação e da planificaçãoampliada.

Pode-se decidir investir os cré-ditos coletivamente, mas o valortotal não são as necessidades dosinvestimentos ou dos projetos,mas a parcela de cada família.Porque não há um plano de pro-dução que o Estado tenha inte-resse que seja levado à frente.

2o – Qual é o papel dos movi-mentos sociais na destruição do Esta-do?

O Estado aqui é visto com duplaconstituição: a) Pela estrutura de poder,

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“sociedade política” e b) Pela estruturadas classes sociais em confronto perma-nente.

Negociar como Estado não signifi-ca preservá-lo da destruição. Ele é oreferencial do poder da classe dominanteque tem responsabilidades sociais no pe-ríodo em que o poder está com a classedominante, neste caso a burguesia.

Os movimentos sociais estãoimersos na luta de classes, embora mui-tas vezes acreditem que apenas lutam porconquistas imediatas. Os interesses sãode classes e os movimentos também sãode classes. Os trabalhadores tem os seusaparelhos, assim como os dominadorestem os seus.

Os interesses da classe dominantearticulam-se através de seus instrumen-tos de poder, ora por dentro do Estado,ora por fora. O que não impede de queestes utilizem o Estado como estruturalegal de poder para reprimir os movimen-tos sociais.

A luta de classes, é luta continuadae cada vez mais acirrada. Neste períodode “baixo perfil” repressivo, devido aoenfraquecimento da luta sindical queconflitava com o capital e, os partidospolíticos aceitaram o desafio de gerenciaro Estado em troca da legalidade, os mo-vimentos sentiram que se desfez o “blo-co histórico” anterior e devem pensar emreconstruí-lo em outro patamar.

Então coube aos movimentos maisavançados o dever da convocação para aelaboração do projeto político, da classetrabalhadora, com as forças sociais inte-ressadas.

Os camponeses e os indígenas hoje,inicialmente cumprem o papel da classeoperária de ontem que mantinha o capi-tal em estado de alerta. A luta de classesmais acirrada na atualidade desloca-separa o campo, onde está a água doce, osminérios, as florestas e a biodiversidade;as terras férteis e a reprodução das se-mentes. O capital precisa deste espaçopara revigorar-se.

Falar em reforma agrária hoje, éprovocativo, quase como no período dadécada de 1960 falar em comunismo, in-comoda demais o capital financeiro. Logo,a luta reinvindicatória, a luta econômicaou qualquer outro tipo de luta, tende a cho-car-se com interesses de grupos e não maisde indivíduos separados. Por isso, tudo oque fizermos é luta de classes.

Neste sentido a classe e o Estadoestão juntos no mesmo projeto de domi-nação. Lutar contra um é enfrentar a re-ação dos dois. Por isso a revolta da clas-se dominante quando Lula colocou o bonédo MST. Foi como se o centro avante dotime tivesse feito um gol contra. É umacoisa inexplicável.

Então a luta de classes deve atingira essência da consciência das massas.Não pode estar apenas na cabeça do cír-culo dirigente. Cada ação, por mais pe-quena que seja, deve ser combustívelpara esta grande luta pela destruição doEstado atual e o controle do capital.

Os camponeses deste século estãoconvidados a construírem com solidez assuas organizações, com quadros e a es-trutura organizativa capaz de enfrentar osgrandes inimigos de sua existência. De-vem a partir disso virarem-se para fora

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da propriedade. Olharem para o horizon-te onde está a sociedade e o restante daluta de classes. A aliança entre as forçasa nível nacional e internacional nunca foitão importante.

3o – A Luta é pela construção daemancipação social ou para reprodu-zir o imaginário anterior?

Destruído o Estado e a dominado ocapital, resta modificar as relações soci-ais e de produção. Estas últimas talvezsejam as tarefas mais difíceis.

A emancipação é mais do que con-quistar direitos que são legitimados pelasociedade, como o de cada um ser livrepara constituir o seu lar e ter a sua pro-priedade. Isto é apenas a redução do serhumano a cidadão obediente e cumpridorde normas imposta pela moral burguesa.

Mas há um perigo ainda maior que étentar reproduzir aquilo que deveria serum espaço diferenciador, o imaginário an-terior, como se a repulsa tivesse sido con-vertida em atração. A abertura de peque-nas vendas de comércio ou de bares indi-viduais, o aluguel da terra, o transportedas crianças para as escolas da cidade, anão participação das atividades regular-mente, a exclusão da mulher das decisões,são resquícios do que se vivenciou na faseanterior ao assentamento.

Se retomarmos o raciocínio deMarx, quando fala que a mercadoria “écheia de mistérios, sutilezas e argúciasteológicas” vemos que há uma relaçãointima entre dinheiro, propriedade e reli-gião. São meios que orientam a edificaçãodos assentamentos e determinam as rela-ções internas. Se não vejamos:

Que tipo de estrutura social, costu-mamos edificar nos assentamentos? Quetipos de invenções são “adoradas” comonossa própria criação? A bodega e outrostipos de sub-exploração, não seriam ofetiche que precisaria de algo material parase reproduzir? A diversidade de cultos eseitas, não seriam criações adaptadas dedivindades coniventes? Como emanci-par-se se o fetiche da propriedade atentapara as ilusões do progresso individual enão coletivo?

Constata-se então que somente aluta, a mobilização não é suficiente paraelevar a consciência. Ao terminar a luta,os velhos hábitos renascem e os mesmoscomportamentos anteriores se revelam,como, venda ou aluguel da terra, trans-porte escolar como fonte de renda, pe-quenas vendas de comercialização deobjetos supérfluos etc.

O assentamento é um mundo que sereduz no mapa da pequena propriedade.Fazer ver além é nossa tarefa se quisermosque este esforço anterior seja aproveitado.

Emancipar é de fato construir no-vas relações sem se deixar alienar e nemdominar pelo fetiche da propriedade e dopoder individual ou de grupos menoresdentro da classe e da organização.

A emancipação se alcança quandoconseguimos relacionar as idéias e as prá-ticas diversas. O particular, na área doconhecimento e na execução de tarefas,nos setores, existe apenas para efeitometodológico. A linha política e as dire-trizes do programa estratégico sempre sãoas referências para os planejamentos eas práticas concretas.

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IV – A luta pelo poder1

Ademar Bogo

A história da humanidade é marcadapor intensas lutas pelo poder. Pessoas,grupos e classes sociais buscaram na or-ganização das forças, o caminho para fa-zer valer os seus interesses, contra inte-resses contrários. Para melhor conduzira discussão vamso nos orientar por qua-tro questões:

1 - O que é o poder?Se pararmos para observar o que

significa esta grande cobiça humana, ondese mata e se morre para realiza-la, ire-mos perceber que é difícil defini-la de umasó vez.

Iniciamos dizendo que é um lugarna sociedade, um território, controladopor uma força política organizada. Mas aresposta é insuficiente. No “território”existem muitas forças e classes que semovem e se articulam com outras forçase classes mais amplas, por isso, o parti-cular do território é superado pelas con-tradições do território mais amplo.

Podemos dar dois exemplos a esserespeito. A nível de território particular,um assentamento em um município.Embora haja organização e controle doespaço, mas sua força de influência no

funcionamento da sociedade urbana domunicípio é muito pequena. Isto porque,aquela está articulada com o poder maisamplo da sociedade instituída. E, um se-gundo exemplo, pode ser um país ou umaregião que ascende para o socialismo, masque, pela insuficiência de sua força, per-mite que o modo de produção capitalistacontinue determinando a as relações so-ciais e econômicas da maior parte do ter-ritório oposto. Sobrevive por um certotempo, mas tende a ser derrotado comofoi o caso dos países socialistas do LesteEuropeu, desconstruidos do sistema nadécada de 1990.

Então, numa segunda tentativa po-demos dizer que o poder é uma organi-zação, política e militar que controla, de-cide e dirige o destino de outras pessoas.Mas neste caso seria uma ditadura, ondehaveria total falta de liberdade. As dita-duras e os partidos autoritários ecentralizadores também não se sustentampor muito tempo.

Poderíamos dizer, para nos aproxi-mar mais da definição de poder, de queele é um projeto. Um projeto que se cons-titui de três capacidades: a) capacidadede pensar; b) capacidade de organizar; c)capacidade de agir. Mas isto poderia noslevar a pensar que somente a capacidadedemocrática de um grupo poderia ser su-ficiente para construir e manter o poder.

Na história das sociedades, podemos

1 Palestra proferida em Cascavel no Paraná, na IV se-mana de Agroecologia promovida pela Via Campesina.,em 9 de junho de 2006.

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perceber que o poder, tradicionalmente,se constituiu de três elementos: a) Umaforça dominante b) Uma força dominadac) Um programa, que estabeleceu as nor-mas nas relações sociais e de produção.

2 - Por que o poder se constituiu desta forma?Simplesmente porque a sociedade

viveu a maior parte de sua existência di-vidida em classes. Significa que ela sem-pre abrigou em si, diferentes interesses,por isso é que este poder maior, superior,exercido por grupos minoritários, ramifi-cou-se em outras formas de poder me-nores, mas que são de grande valor parase manter a dominação. Vejamos comoexemplo:

Temos na família patriarcal o poderdo pai sobre a mãe e os filhos. Na esco-la, o poder do professor sobre os estu-dantes. No sistema de saúde, o poder domédico sobre o doente. No trabalho, opoder do patrão sobre os trabalhadores ena sociedade, o poder das instituiçõessobre os cidadãos.

Então, se olharmos ao redor, vamosperceber que, em tudo com que nos rela-cionamos, há poder. Até no ônibus quan-do viajamos, o poder está com o moto-rista e com o cobrador da passagem.

Mas tudo isso, embora seja impor-tante, está submetido a centralidade dopoder que articula três domínios: a) Docapital; b) Do Estado; c) Das relações nasociedade civil. Controlar um e não osoutros, não leva ao domínio do poder pelaclasse dos explorados. Preocupar-se comas relações pessoais, na família ou no gru-

po social e desconsiderar as relações deprodução, ou seja, com a propriedade dosmeios de produção que gera a miséria, éorientar-se apenas pela moral e não pelapolítica.

O filósofo, Isaac Rousseau, nasci-do em Genebra, na Suíça em 1712, foiquem nos alertou para esta questão quan-do estudou a origem da sociedade. Dis-se: “O primeiro que, tendo cercado umterreno, lembrou-se de dizer: “Isto émeu”, e encontrou pessoas bastante sim-ples para crê-lo, foi o verdadeiro funda-dor da sociedade civil.”

Podemos perceber que, a origem dopoder está na propriedade privada. Delase origina as diferenças sociais e osurgimento das classes que por sua vezdeu origem ao Estado, mais tarde cha-mada de “sociedade política”, ou a es-trutura institucional, política e jurídica,para fazer com que as relações sociais ede produção funcionem a partir dos inte-resses de um grupo ou de uma classe.

Significa dizer que, na sociedadecapitalista o poder sempre está com umgrupo ou com uma classe; no nosso caso,com a classe burguesa, que controla osmeios de produção e por isso elabora asleis civis e morais para ordenar as rela-ções sociais.

Resumindo, a centralidade do po-der está na força do capital, no Estado,nas relações sociais e de produção. Semmodificar estes três campos conjuntamen-te, por mais que se conquiste pequenos“territórios” no espaço social e na vidapolítica, jamais se conseguirá derrotar aclasse dominante capitalista. É com esta

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visão que entendemos que o poder per-tence a uma classe, e, pelo menos en-quanto existirem as classes será assim.

Não é por nada que os capitalistastemem tanto a revolução e não temem aseleições. Porque a revolução desestruturao poder de propriedade dos meios de pro-dução, juntamente com o poder político,e, assim, modifica as relações sociais.

Isto posto, não significa dizer quenão devemos lutar por conquistas locali-zadas que aumentem o poder popular.Todas as lutas que fazemos vão constru-indo o poder da classe trabalhadora e ex-plorada, modificando hábitos e criandonovo conteúdo para os valores, que con-tribuirão para dar qualidade ao poderquando conquistado na totalidade. Mas,se no espaço territorial não houver de fatoascenso da luta de classes, para confron-tar-se com o capital, o poder, apenas naesfera da disputa política, será uma eter-na utopia.

3 – Que características tem o poder dos ex-plorados?A luta pelo poder entre explorado-

res e explorados, exige que ele (sobre osmesmos sustentáculos), adquira caracte-rísticas e conteúdo diferentes. No casodos explorados há um antagonismo poiso seu poder está na continuidade dialéticada revolução.

Vamos, para efeito de compreen-são, relacionar algumas características quedeve ter o poder da classe explorada, paraque possamos situar como ele aparecena sociedade.

1o – Elaboração de idéias e pro-postas.

As idéias políticas da classe são maisdo que intenções e vontades descritas,são revelações e propósitos que convo-cam e convencem as forças políticas esociais a percorrerem o mesmo trajeto.

As idéias dominantes de uma épo-ca, sempre são as idéias da classe domi-nante, disse Karl Marx. Significa que, asidéias principais que circulam na socie-dade, são as idéias de quem detém o po-der do capital, do Estado e controla asrelações sociais.

Estas idéias estão nos livros, nosmeios de comunicação, nas escolas, nasreligiões, nos princípios, na ética, na mo-ral, nos valores e também nas conversascotidianas. É através delas que circulamas propostas, as intenções políticas e asdecisões tomadas.

As idéias têm muita força na organi-zação e no controle político da sociedade;quem produz idéias comanda as reflexõescoletivas e, através delas estabelece o con-senso e a consciência coletiva.

É bem verdade que as idéias nãosurgem do nada. São as ações que aju-dam a produzi-las. Por esta razão é queuma revolução é fruto da prática de idéi-as e da reflexão sobre a mesma evitarerros e desvios.

A classe explorada precisa produziras suas próprias idéias. Elas representamo conteúdo da luta de classes que ajuda aorganizar as formas para derrotar os ini-migos. Sem idéias próprias a luta pelopoder não tem juízo.

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2o – A organização política dosexplorados.

As pessoas se organizam na socie-dade de acordo com seus interesses, mastambém coordenadas por interesses alhei-os. Há momentos em que vemos peõesde fazendas, empregados e demais tra-balhadores da agricultura comercial, par-ticipando das mobilizações dos fazendei-ros e latifundiários. Isto significa que,embora os interesses não sejam seus pro-priamente, mas foram convencidos a lu-tarem por seus patrões. Assumiram a po-sição de classe de seus dominadores. As-sim ocorre com o voto que leva ao go-verno políticos profissionais que, queembora oriundos da classe trabalhadora,eleitos, assumem a posição de classe dosexploradores..

Há infinitas formas de organizaçãoda sociedade, mas na sua grande maio-ria, todas elas subordinadas às leisestabelecidas. Os movimentos sociais sãoos que mais livremente atuam porque nãoestão presos às limitações legais e, porestarem apegados a coisas concretas evisíveis, facilmente distinguem quem sãoaliados e inimigos. Mas como vimos an-teriormente, pouco pode ajudar a luta senão temos claro quem devemos derrotarpara construir outro poder com novasrelações sociais e de produção.

A classe dominante sabe como éimportante a organização política, por issosempre que pode procura impedir a or-ganização dos trabalhadores. Embora naatualidade os partidos políticos estejamdesmoralizados, não significa que estamesma classe esteja desarticulada. Elamantém as estruturas políticas e jurídi-

cas muito bem controladas.

Quem se organiza tem poder. Quan-to mais gente mobilizada, mais força tempara alcançar as mudanças. Por isso de-vemos utilizar todas as formas de organi-zação, sejam elas através de categorias,por território ou por necessidades espe-cíficas.

3o – A colocação das forças

Poder também é saber colocar asforças para agirem na sociedade. A clas-se dominante coloca suas forças na es-trutura do Estado, como, as polícias, asforças armadas, os meios de comunica-ção, os políticos etc. e na sociedade civil,através de associações, sindicatos, Orga-nizações Não Governamentais ( ONGs)e tantas outras, para enraizar o poder nasociedade civil.

No meio popular há infinitas formasde colocação das forças, mas nem sem-pre estão voltadas para enfrentar as for-ças dominantes de forma articulada. Ogrande desafio atual é organizar as for-ças sociais para extrair delas a força diri-gente que deverá orientar a construçãodo poder. Esta força pode ser de umaclasse ou um ajuntamento de militantesconscientes e comprometidos com a re-volução.

É na colocação correta das forçasque saberemos quais são as tarefas quecada qual tem a cumprir. Os capitalistassabem muito bem quais são as tarefasdos banqueiros, dos latifundiários, dosmeios de comunicação, da polícia, dospolíticos e das empresas. Ao organizar aluta pelo poder, precisamos estabelecerquais são as tarefas cotidianas de todas

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as forças populares e políticas da revolu-ção brasileira.

Quem tem maior capacidade de co-locar as forças leva vantagem na disputapelo poder.

A classe dominante coloca as suasforças para produzir produtos de exporta-ção, nós precisamos organizar as nossasforças para produzir alimentos. Eles im-põe a tecnologia que modifica as semen-tes; nós precisamos defender as sementese desenvolver a agricultura orgânica. Elesimpõe o que devemos consumir, nós de-vemos protestar e não comprar. E assimsão colocadas as forças para disputar opoder tanto no campo quanto na cidade.

4o – Controle da ordem pública.

Os capitalistas se apegam a ordemde direito. Significa que eles elaboram asleis para proteger os seus interesses e de-pois usam a força para garantir que asleis sejam respeitadas.

A desobediência civil é uma formaque a sociedade tem para se defender dasimposições feitas pelos governantes e pelaclasse dominante. Na luta contra a or-dem os explorados edificam a sua ordem.

Há três aspectos que afirmam a or-dem capitalista:

a) Direito de propriedade.

A classe dominante só é domi-nante porque a ela é garantida odireito de ter a propriedade pri-vada sobre os meios de produ-ção. No dia em que ela perderesta condição, perderá tambémo poder político e jurídico. Porisso é que, qualquer ameaça con-

tra a propriedade é consideradacrime. Em qualquer situação enível da luta de classes, a demo-cratização da propriedade priva-da deve ser o alvo principal.

b) As leis

O conjunto das leis elaboradas éque garantem a ordem capitalis-ta. Quando falha uma lei, logo éelaborada outra. Assim estrutu-ra-se o poder jurídico. A conse-qüência para quem não respeitaa lei, é a punição.

Devido ao dinamismo das lutassociais, parte das leis rapidamentese tornam ineficientes, então aburguesia precisa manter umgrupo, selecionado no parlamen-to, permanentemente para fazerleis contra aqueles que lutampara mudar a ordem.

c) A Moral

A moral também é constituídade normas que estão em acordocom os dois primeiros elemen-tos. Ela induz para se respeitar àpropriedade: “Não cobiçar ascoisas alheias”. É claro que as“coisas” são as propriedades quecada capitalista pode ter quantasquiser.

Pela moral, a propriedade se tor-na intocável com a concordân-cia pacífica daqueles que não atem.

A luta social e política devem irestabelecendo uma nova moralque ajudem a sociedade ser ver-

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dadeiramente livre. Através dis-so edifica-se também uma novacultura, eliminando dela todos ospreconceitos e discriminaçõesentre os explorados.

5o- A cultura

Os poderosos acham que existe so-mente a sua cultura. Tudo aquilo que osexplorados fazem para elite não é cultu-ra, tanto assim que consideram “culto”somente quem estudou em universidades.

A classe trabalhadora precisa derro-tar a cultura de dominação da classe do-minante e desenvolver uma nova cultura.

A cultura dominante é um lixo do-minante. Está presa ao consumo, porquepara ela tudo passa pelo mercado. Nósacreditamos que a cultura é tudo aquiloque fazemos para aperfeiçoar a vida so-cial e não para gerar lucro. Por isso pre-cisamos lançar mão de todos os recursosculturais para enfrentar e derrotar a clas-se dominante.

As relações sociais e humanas setornam cultura, assim como o preconcei-to e a discriminação. É na organizaçãopopular e política que vamos exercitadomaneiras de eliminar o lixo cultural im-posto e criando a verdadeira cultura daigualdade e da democracia participativa.

Então estas são algumas caracterís-ticas do poder. É através dela que o po-der se enraíza na vida da sociedade emantém os privilégios de gruposminoritários.

Diante disso que vimos, resta a nósalgumas tarefas imediatas que precisamosdesenvolver para desencadear a luta pelopoder.

4 – Quais são as tarefas atuais da luta4 – Quais são as tarefas atuais da luta4 – Quais são as tarefas atuais da luta4 – Quais são as tarefas atuais da luta4 – Quais são as tarefas atuais da lutapelo poder?pelo poder?pelo poder?pelo poder?pelo poder?Sabemos que as tarefas são muitas,

mesmo porque, elas são extraídas dosproblemas colocados pela classe domi-nante. Vejamos então algumas delas.

1a – Construir o poder com to-das as forças da classe.

Muitas vezes temos a tendência denos organizar por movimentos ou cate-gorias. É importante porque as pessoasnão começam a lutar se não for para re-solver seus problemas concretos. Ocorreque, isso tem nos levado a cada um cui-dar do seu problema e então as categori-as nunca se transformam em classe, por-que lutam por interesses isolados.

Precisamos compreender que somosparte da mesma classe, mas se estas par-tes ficarem isoladas, a classe não se cons-titui e não terá força nenhuma. A luta édos pobres contra os ricos, ou dos domi-nados contra os dominadores. No finalnenhum dos dois lados poderá existir; ouseja, nem os pobres continuarão pobres,nem os ricos continuarão ricos. As rique-zas serão democratizadas.

A nossa tarefa é constituir o “blocohistórico” onde todas as forças se unemem uma só direção. Somente assim con-seguiremos derrotar os inimigos comuns.

A Via Campesina é o instrumentoque temos para a unificação das váriaslutas no campo. Precisamos de uma or-ganização política que nos ligue com aslutas urbanas.

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2a – Estabelecer o projeto comumna luta de classes.

Os planos tem que ser amplos quesirvam para todas as pessoas da classe.O nosso projeto de agricultura consideratodos os pequenos agricultores, Sem Ter-ra, Atingidos por Barragens, MulheresAgricultoras e Comunidades Indígenas.

O capital quando se instala num ter-ritório finge ser a favor de todos, com afalsa idéia de desenvolvimento e menteque “gerará empregos”. Na verdade eleé contra todos mesmo que alguns consi-gam emprego.

Então os planos precisam ser dospequenos agricultores, da classe; dasMulheres Agricultoras, da classe; dos jo-vens, da classe; dos índios, da classe. Eassim os operários e os favelados, todoscompõe a classe trabalhadora, mesmoaqueles que estão desempregados devemser articulados para lutar e compor a clas-se. Desta forma se estrutura o projetocomum que nos leva ao poder da classeexplorada.

3o – Construir a autonomia.

Autonomia significa não depender deninguém para fazer o que queremos. Osmovimentos do campo precisam saber queem si está a solução, e é através de seupróprio esforço que virá a emancipação.

Esta autonomia precisa se dar atra-vés de militantes próprios, finanças pró-prias e idéias próprias.

No passado os movimentos sociaisancoravam-se nos partidos ou nas igre-jas. Destas instituições saiam as diretri-zes para as lutas táticas. Delas também

derivavam os quadros e as finanças. Comisso também, quando elas se equivoca-vam levam todos a se equivocarem.

A realidade e o desenvolvimentohistórico levou-nos ao amadurecimentodas análises, por isso compreendemosque os quadros devem ser formados apartir da realidade onde atuam e cada or-ganização deve ter seus militantes embo-ra o conteúdo filosófico, político emetodológico pode ser unificado.

Quem não é capaz de andar com aspróprias pernas, não pode apostar corri-da com ninguém. O vigor da luta está nacapacidade de independência que cadamovimento tem das forças externa à clas-se. A solidariedade quando se torna men-dicância deixa de ser solidariedade e érebaixada para caridade. A luta de clas-ses embora precise de todas as energias,jamais será vitoriosa com mendicância ecaridade.

4a – Defender a Soberania

Soberania é não se subordinar a nin-guém. Soberania se conquista na políti-ca. Soberano é alguém livre de todas aslimitações que o impede de ser livre.

O território é a referência para asoberania política. Nele está o potencialde desenvolvimento. Ninguém pode im-por a sua vontade se alguém é soberano.

A nossa tarefa é fazer com que opovo brasileiro tenha soberania alimen-tar, tecnológica e territorial. Esta idéia nosremete a lutar contra todas as forças doimperialismo em qualquer lugar que es-tas se manifestem.

5a) Cultivar a mística

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É difícil vencer, mas não é impossí-vel. Quando duvidamos das possibilida-des estamos duvidando de nós mesmose, de outra forma, estamos dizendo queestamos desistindo.

Tudo aquilo que não se cultiva mor-re. A mística é esta força que precisa sercultivada com exercícios práticos, mes-mo quando a vontade aponte para o ladoinverso.

Olhar para o horizonte e perceber,antecipadamente, onde vamos nos colo-car nele. Acreditar na possibilidade devencer as distâncias. Para isto precisa-mos encontrar o caminho que nos leveao topo apesar de todos os desafios.

Confúcio, um sábio chinês, pergun-tou a um curioso: “Você me consideraum homem instruído?”. – “Claro quesim!”- respondeu o outro. –“Engano seu”– disse Confúcio – “apenas descobri ofio da meada”.

Quem descobre o fio da meada vaiaté o fim. Quem não descobre está sem-pre em dúvida e jamais chega ao topo damontanha. Quem perde o ânimo, perdeuapenas o fio da meada, é preciso ajudara encontra-lo.

O poder popular, da classe explora-da, é uma construção coletiva e consci-ente. Constrói-se como qualquer outraconstrução, para que não caia. O podernão tem proprietário individual, por issoele somente vigora se for democrático.

Podemos encerrar esta reflexão comuma pequena história do rio e o pântanosujo.

Um riacho que descia das montanhas

com águas muito limpas, rasgando a terrae desviando as pedras com muito esforço,avistou, já perto de chegar ao mar, umpântano de água suja e temeu chegar atéele. Revoltado protestou contra a monta-nha que o havia incentivado a descer.

— Eu sou um riacho limpo e vocême obrigará a misturar-me a àquele pân-tano sujo? De que valeu todo meu esfor-ço para manter-me limpo até aqui? Porque esse castigo agora?

A montanha que tudo presenciavarespondeu:

— Depende da maneira como vocêvai encarar o pântano. Se ficar com medo,vai diminuir o ritmo de sua descida, darávoltas, e inevitavelmente, sem forças, aca-bará se misturando com as águas sujas dopântano e será para sempre parte dele. Masse você enfrenta-lo com velocidade, forçae determinação, vai atravessá-lo ao meioe jogará toda a sujeira para as margens,que, com o tempo, será absorvida pelaterra tornando-se coisa do passado. Você,como prêmio pelo esforço, permanecerácomo rio, chegará ao mar e participará desua grandeza.

Na luta pelo poder as duas coisasnos esperam: o pântano e o mar. Se en-trarmos indecisos, nos misturaremos aopântano da política burguesa e perecere-mos afogados na lama dos desvios; mas,se atacarmos com força e determinação,abriremos os velhos hábitos e vícios aomeio, afastando-os para as margens daprática política e chegaremos ao outrolado onde estará o mar que tem o poderde jamais deixar-se dominar. É a eman-cipação que sonhamos.

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V – A história de um país que quer existir

Eduardo Galeano

A tragédia se repete, girando como um peão: há cinco séculos, a fabulosa riqueza da Bolívia amaldiçoa os bolivianos, que são os

pobres mais pobres da América do Sul. "A Bolívia não existe": não existe para seus filhos.

Uma imensa explosão de gás: essefoi o desfecho popular que sacudiu toda aBolívia e culminou com a renúncia do pre-sidente Sánchez de Lozada, que fugiu dei-xando atrás de si um rastro de mortos.

O gás iria ser enviado para aCalifórnia, a preço ruim e a troco de mes-quinhas regalias, através de terras chile-nas que em outros tempos haviam sidobolivianas. A saída do gás por um portodo Chile colocou sal na ferida, em umpaís que há mais de um século vem exi-gindo, em vão, a recuperação do cami-nho para o mar que perdeu em 1883, naguerra vencida pelo Chile.

A rota do gás, no entanto, não foi omotivo mais importante da fúria que ar-deu por todas as partes. Outra fonte es-sencial foi a indignação popular, que ogoverno respondeu a balas, como de cos-tume, regando de mortos ruas e cami-nhos. As pessoas se indignaram porquese negaram a aceitar que ocorra com ogás o que antes ocorreu com a prata, osalitre, o estanho e todo o resto.

A memória dói, mas ensina: os re-cursos naturais não renováveis se vão semdizer adeus, e jamais regressam. ..

Por volta de 1870, um diplomatainglês sofreu, na Bolívia, um desagradá-vel incidente. O ditador MarianoMelgarejo lhe ofereceu uma taça de

chicha, uma bebida nacional feita de raizfermentada; o diplomata agradeceu, masdisse que preferia chocolate. Melgarejo,com sua habitual delicadeza, obrigou-o abeber uma enorme tigela quente de cho-colate e depois o fez passear em um bur-ro, montado ao contrário, pelas ruas deLa Paz. Quando a rainha Victória, emLondres, tomou conhecimento do assun-to, mandou trazer um mapa, colocou umacruz de tinta sobre o país e sentenciou:“A Bolívia não existe!”.

Várias vezes ouvi esta história.Ocorreu assim? Pode ser que sim, podeser que não.

Mas a frase, atribuída à arrogânciaimperial, se pode ler também como umainvoluntária síntese da atormentada his-tória do povo boliviano. A tragédia se re-pete, girando como um peão: há cincoséculos, a fabulosa riqueza da Bolíviaamaldiçoa os bolivianos, que são os po-bres mais pobres da América do Sul. “ABolívia não existe”: não existe para seusfilhos.

Na época colônia, a prata de Potosifoi, durante mais de dois séculos, o princi-pal alimento do desenvolvimento capita-lista da Europa. “Vale um Potosi” se diziapara elogiar algo que não tinha preço.

Em meados do século 16, a cidademais populosa, mais cara e mais deca-

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dente do mundo brotou e cresceu aos pésda montanha da qual provinha a prata.Essa montanha, a chamada Cerro Rico,tragava os índios.

“Estavam os caminhos cobertos,que parecia que se mudava o reino” es-creveu um rico mineiro de Potosi: as co-munidades se esvaziavam de homens, quede todas as partes marchavam, prisionei-ros, rumo à boca que conduzia às esca-vações. Do lado de fora, temperatura deinverno. Dentro, o inferno. De cada dezhomens que entravam, somente três saí-am vivos. Mas os condenados à mina,que pouco duravam, geravam a fortunados banqueiros flamencos, genoveses ealemães, credores da coroa espanhola, eeram esses índios que possibilitaram aacumulação de capitais que converteu aEuropa no que a Europa é.

O que obteve a Bolívia com tudoisso? Uma montanha oca, uma incontávelquantidade de índios assassinados pelocansaço, e uns tantos palácios habitadospor fantasmas.

No século 19, quando a Bolívia foiderrotada na chamada Guerra do Pacífi-co, não só perdeu sua saída para o mar eficou encurralada no coração da Américado Sul. Perdeu, também, seu salitre.

A história oficial, que é a históriamilitar, conta que o Chile ganhou essaguerra. Mas a história real comprova queo vencedor foi o empresário britânicoJohn Thomas North. Sem disparar umtiro ou gastar um centavo, North con-quistou territórios que haviam sido daBolívia e do Peru e se converteu no reido salitre, que era à época o fertilizanteimprescindível para alimentar as cansa-

das terras da Europa.

No século 20, a Bolívia foi o princi-pal abastecedor de estanho do mercadointernacional.

As latas de sopa, que deram fama aAndy Warhol, provinham das minas queproduziam estanho e viúvas. Nas profun-didades das escavações, o implacável póde silício matava por asfixia. Os operáriosapodreciam seus pulmões para que o mun-do pudesse consumir estanho barato.

Durante a segunda Guerra Mundi-al, a Bolívia contribuiu para a causa alia-da vendendo seu mineral a um preço dezvezes mais baixo do que o baixo preçode sempre. Os salários dos operários sereduziram a nada, houve greve, as me-tralhadoras cuspiram fogo. Simon Patiño,dono do negócio e senhor do país, nãoteve que pagar indenizações porque a ma-tança por metralhadas não é acidente detrabalho.

À época, o senhor Simon pagava 50dólares de imposto de renda, mas pagavamuito mais para o presidente da nação e atodo seu gabinete. Ele havia sido um mor-to de fome tocado pela varinha mágica dafortuna. Suas netas e netos ingressaramna nobreza européia; casaram-se com con-des, marqueses e parentes de reis.

Quando a revolução de 1952 des-tronou Patiño e nacionalizou o estanho,restava pouco mineral, não mais que res-tos de meio século de desaforada explo-ração a serviço do mercado mundial.

Há mais de 100 anos, o historiadorGabriel René Moreno descobriu que o povoboliviano era “cerebralmente incapaz”. Elehavia posto na balança um cérebro indíge-

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na e outro mestiço e havia comprovado quepesavam entre cinco e dez onças a menosque o cérebro da raça branca.

Com o passar do tempo, o país quenão existe segue enfermo de racismo. Maso país que quer existir, onde a maioriaindígena não tem vergonha de ser o queé, não culpa o espelho.

Essa Bolívia, farta de viver em fun-ção do progresso alheio, é o país de ver-dade. Sua história, ignorada, abunda emderrotas e traições, mas também em mi-lagres dos quais são capazes de fazer osdesapreciados, quando deixam dedesapreciar a si mesmos e quando dei-xam de brigar entre si.

No ano 2000 ocorreu um caso úni-co no mundo: uma populaçãodesprivatizou a água. A chamada “guerrada água” ocorreu em Cochabamba. Oscamponeses marcharam desde os vales ebloquearam a cidade. A população apoiou.Foram atacados com balas e gases, o go-verno decretou estado de sítio. No en-tanto, a rebelião coletiva continuou, semrecuar, até que na investida final a águafoi arrancada das mãos da empresaBechtel. (A empresa, com sede naCalifórnia, recebe agora um consolo dopresidente Bush, que a premia com con-tratos milionários no Iraque.).

Faz alguns meses, outra explosãopopular em toda Bolívia venceu nadamenos que o Fundo Monetário Interna-cional. No entanto, o FMI vendeu carosua derrota, cobrou mais de 30 vidas as-sassinadas pelas chamadas forças da or-dem, mas o povo cumpriu sua façanha.

O governo não teve outro remédio a nãoser anular o imposto aos salários, que oFMI havia mandado aplicar.

Agora, é a guerra do gás. A Bolíviadispõe de enormes reservas de gás natu-ral. Sanches de Lozada havia chamado de“capitalização” à sua privatização mal dis-simulada, mas o país que quer existir aca-ba de demonstrar que não tem memóriafraca. Outra vez a velha história de rique-za que se evapora em mãos alheias? “Ogás é nosso direito” proclamam os panfle-tos e as manifestações. O povo exigia eseguirá exigindo, uma vez mais, que o gásseja posto a serviço da Bolívia, em lugarde a Bolívia se submeter, novamente, àditadura de seu subsolo. O direito à auto-determinação, que tanto se invoca e tãopouco se respeita, começa por aí.

A desobediência popular fez acorporação Pacific LNG, integrada pelaRepsol, British Gás e Panamericana Gas(que se supõe ser sócia da empresaEnron, famosa por seus virtuosos costu-mes) perder um valioso negócio. Tudoindica que a corporação viera com inten-ção de ganhar US$ 10 para cada dólarinvestido.

Por sua parte, o fugitivo Sánchezde Lozada perdeu a presidência. Segura-mente, não perdeu o sono. Sobre suaconsciência pesa o crime de mais de 80manifestantes, mas essa não foi sua pri-meira carnificina e este porta-voz da mo-dernização não se atormenta por nada quenão seja rentável. Afinal, ele pensa e falaem inglês, mas não é o inglês deShakespeare: é o de Bush.

El país que quiere existir”, de Eduardo Galeano, foi publicado originalmente nos jornais Pagina 12 (Argen-tina), El Mundo (Espanha), e Bolpress (Bolivia).Tradução: Norian Segatto

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VI – A Bolivia, Honduras e o resto do Mundo1

Jose Luís Fiori

Primeiro foi a Bolívia, mas duas se-manas depois, o novo presidente deHonduras, Manuel Zelaya Rosales, tambémanunciou sua intenção de renegociar con-tratos e “preços justos”, com as empresaspetroleiras, instaladas no seu país (O Glo-bo, 13/5/06). Um fenômeno que vem serepetindo em quase todos os países expor-tadores de recursos energéticos, que naci-onalizam suas empresas ou refazem seuscontratos, desde que os preços do petróleodispararam no mercado internacional. Ocaso mais importante foi sem duvida o dare-estatização da empresa Gazprom, em2004/2005, que recolocou a Rússia na con-dição de “gigante mundial da energia”. Maseste também foi o caminho tomado pelosgovernos da Nigéria e do Kazakhstan, e pelaprópria Grã Bretanha, que aumentou em10%, seus impostos sobre o petróleo doMar do Norte, no início de 2006. A mesmapolítica que agora está sendo discutida den-tro da União Européia, e que já foi aprovadapelo Congresso norte-americano, que de-cidiu recentemente “punir as empresas querejeitem uma mudança nos seus contratosde operação que dará ao governo uma fatiamaior dos lucros com o petróleo”( Valor,22/5/06). Uma decisão que já havia sidotomada pela Venezuela, e que está sendonegociada, neste momento, pelo Equador.Portanto, o que se vê, por todo lado, é umatendência geral, que o New York Times iden-tificou como uma “ressurgência mundialdas políticas nacionalistas” (NYT. 6/5/06).Confirmando esta hipótese, faz algumas

semanas, o ministro japonês Shinzo Abe -provável sucessor de Junichiro Koizume –denunciou numa entrevista ao jornalFinancial Times, o “renascimento do naci-onalismo asiático” (F.T.28/4/06), em parti-cular na China e na Coréia, exatamente nosdois países onde mais se tem criticado – nadireção inversa – a volta do “nacionalismojaponês”. Quase ao mesmo tempo em queo vice-presidente norte-americano, DickCheney acusava a Russia, no último dia 5de maio, de usar seus recursos energéticoscom objetivos nacionalistas e expansio-nistas. Enquanto o ministro da defesa po-lonês, Radek Sikorski criticava a Alema-nha e a Rússia por estarem construindo umagasoduto entre os dois países, através doMar Báltico, que exclui a Europa Central eque segundo ele, relembra o acordo de1938, entre Moltov e Ribbentrof.(F.T. 4/5/06) Por outro lado, dentro da própria UniãoEuropéia, multiplicaram-se recentementeas políticas defensivas e as intervençõesdos governos para impedir aquisições e fu-sões empresariais que possam desnacionali-zar suas empresas energéticas, como no casomais surpreendente, do veto inglês à com-pra pela Gazprom, da Centric PLC, a maiordistribuidora de energia do Reino Unido. Poristo, num artigo recente, Matthew Lynn, doBloomber News, fala explicitamente, da “vol-ta do nacionalismo europeu”, e denuncia ofato das “economias européias estarem seconservado obstinadamente nacionais” (Va-lor, 4/4/06). Como explicar esta inflexãonacionalista, tão rápida e universal? Parece

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tratar-se de um fenômeno de mais longo pra-zo e que não tem uma causa única. Mas deforma mais imediata, no curto prazo, não hádúvida que esta “onda” vem sendo alimenta-da pelo problema da “segurança energética”da nova “máquina de crescimento mundial”,liderada pelo eixo entre os Estados Unidose a China/Índia.

Em conjunto, a China e a Índia, detémum terço da população mundial, e vêm cres-cendo nas duas últimas décadas a uma taxamédia de 6 a 10% ao ano, e a previsão é queaté 2020, a China deverá aumentar em150%, o seu consumo energético, e a Índiaem 100%, se forem mantidas suas atuaistaxas de crescimento econômico. A Chinajá foi exportadora de petróleo, mas hoje, jáé a segunda maior importadora do mundo,para atender um terço de suas necessidadesinternas. No caso da Índia, sua dependênciado fornecimento externo de petróleo é ain-da maior do que a da China, e nestes últi-mos 15 anos, passou de 70 para 85% do seuconsumo interno. Ao mesmo tempo, o Ja-pão e a Coréia seguem sendo grandes im-portadores de energia, o que explica suacorrida conjunta e competitiva em direçãoà Ásia Central, África e até mesmo, à Amé-rica Latina. O Instituto Internacional de Es-tudos Estratégicos de Londres atribui a estamesma disputa energética, a recentereestruturação naval e a presença militarcrescente dos chineses e indianos no Marda Índia e no Oriente Médio.

No outro lado do “eixo”, os EstadosUnidos seguem sendo os maiores consumi-dores de energia do mundo, e vem deslo-cando seu fornecimento para dentro de suazona de segurança estratégica, no México eno Canadá, ou mesmo na Venezuela. Mas

apesar disto, seguem atuando de maneiraofensiva e “nacionalista”, em todo mundo,buscando um acordo estratégico de longoprazo com a Rússia, e tentando garantir ocontrole dos novos territórios petrolíferosda África sub-sahariana, e da Ásia Central.Nesta luta, a Europa entra como “primo po-bre” depois que a Grã-Bretanha voltou a suacondição de importadora de petróleo, en-quanto o resto da União importa da Rússia,hoje, 49% do seu gás, e deverá estar impor-tando da mesma Rússia, algo em torno de80%, por volta de 2030. Por isto, em com-pensação, a Rússia vem ressurgindo comopotência, com mais rapidez do que era es-perado, não apenas por deter o segundomaior arsenal nuclear do mundo, mas tam-bém ser a fornecedora de energia , tam-bém, da China, Índia e Estados Unidos.

Olhando desta forma para a Bolívia eHonduras, o que se vê, em última instancia,é que a globalização do capital acabouglobalizando a demanda e a disputa pelos re-cursos energéticos, e provocou um aumen-to de preços que pode e deve se sustentarpor muito tempo, o que fortalece a posiçãoeconômica e estratégica dos países exporta-dores de recursos energéticos. É esta ten-são que está por trás da nova “onda naciona-lista”, e tudo indica que veio para ficar porum bom tempo, empurrando as Grandes Po-tências na direção da sua velha luta pela con-quista e monopolização de novos “territóri-os econômicos” supra-nacionais. Este tufãoestá recém no início, mas já paralisou a UniãoEuropéia, atropelou o Mercosul, e deve en-terrar brevemente os sonhos liberalizantesda Rodada Doha. Apesar de tudo isto, a“idiotia conservadora” segue falando de“populismo latino-americano”.

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VII – Sementes, terra e água: os idos de marçoSilvia Ribeiro

Investigadora do Grupo ETC, professora e cientista

Curitiba, Brasil. O sul do Brasil,confluência de vários movimentos soci-ais mais fortes desse país e da AméricaLatina, foi durante março, o cenário doconfronto entre os movimentos campo-neses e as transnacionais, tendo comopano de fundo a Organização das Na-ções Unidos. Entre 5 a 31 de março ocor-reram, uma após a outra, a Conferênciadas Nações Unidas sobre Reforma Agrá-ria e Desenvolvimento Rural, a terceiraReunião das Partes do Protocolo Inter-nacional de Cartagena sobreBiossegurança e a oitava Conferência dasPartes do Convênio de Diversidade Bio-lógica das Nações Unidas. Enquanto isso,no México, se reunia o quarto FórumMundial da Água.

Sem pedir permissão, os “condena-dos da terra” na voz de milhares de cam-poneses, trabalhadores rurais sem-terra,atingidos por barragens, vítimas damonocultura de árvores e dos transgênicosdo Brasil e do mundo, interromperam acena das conferências das Nações Uni-das que ocorreram em Porto Alegre eCuritiba, enquanto dezenas de milharesmarcharam no México em defesa da águae contra a sua privatização.

Com a calma e a firmeza dos moti-vos justos, armados de sementes, ban-deiras e canções, mulheres, crianças ehomens deixaram atônitos os diplomatas

do mundo – lembrando eles que o mun-do real está fora das mesas de negocia-ção – e furiosos os diretores dastransnacionais.

Na marcha final convocada pela ViaCampesina em 31 de março, em frenteao centro de convenções de Curitiba, maisde cinco mil camponeses e integrantes doMST colocaram uma enorme faixa queresumiu o que está em jogo: “A naturezae a biodiversidade são dos povos, nãodos governos nem das transnacionais”.

No Brasil, a Via Campesina mar-cou o campo de jogo desde o início: em8 de março, as mulheres do movimentoocuparam um laboratório e viveiro deeucaliptos clonados da empresa Aracruz,em protesto contra o deserto verde e aexpulsão de indígenas e camponeses pe-los monocultivos florestais. Em seguida,marcharam e fecharam por quatro horaso acesso a Conferência de Reforma Agrá-ria. Dois dias depois, conseguiram que adeclaração do fórum paralelo Terra, Ter-ritório e Dignidade fosse incluída comodocumento da conferência oficial de Re-forma Agrária e Desenvolvimento Rural.

A reunião do Protocolo deBiossegurança começou com marchas ea ocupação feita pela Via Campesina emum terreno onde a empresa Syngenta es-tava plantando milho e soja transgênicos

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ilegalmente, em uma zona de amorteci-mento do Parque Nacional do Iguaçu,onde ficam as famosas cataratas com omesmo nome. A ocupação continua.

Na semana seguinte, em uma vitó-ria contundente da sociedade civil inter-nacional, o Convênio de Diversidade Bi-ológica (CDB) manteve e reafirmou amoratória contra a tecnologia Terminator,que faz sementes suicidas. Moratória queexistia dentro do CDB desde 2000, masque as transnacionais dos transgênicostentaram minar meses antes, em uma reu-nião preparatória do CDB em Granada,na Espanha.

As transnacionais chegaram conten-tes ao Brasil: pelos corredores do CDBpassavam sem pudores em frente aos di-retores globais da Monsanto, Syngenta eDelta & Pine, proprietários da maioria domercado de transgênicos e patentes deTerminator. A vitória em Granada e seusentimento de superioridade sobre os bu-rocratas governamentais, a quem se acos-tumaram a instruir pelo meio do subornoe outros similares, lhes dava ânimo.

Receberam uma bofetada em plenacara. O arco-íris dos protestos diários daVia Campesina nas ruas e dentro do cen-tro de conferências, a coordenação decentenas de organizações da sociedadecivil na Campanha Internacional contraTerminator, com ações simultâneas noBrasil e em outros países, as interven-ções de jovens e indígenas, incluindo de-legados especialmente enviados do povohuichol de Jalisco e do povo guambianoda Colômbia, as atividades paralelas como Fórum Brasileiro das organizações não

governamentais e movimentos sociais,conseguiram, finalmente, que fossem re-vertidos os textos vindos de Granada,para desespero das transnacionais e dosdelegados dos Estados Unidos, Canadá,Austrália e Nova Zelândia, principais go-vernos que queriam romper a moratória.Os delegados do México, até o últimomomento, também trabalharam para con-vencer os outros governos para quebrara moratória, seguindo o costume vergo-nhoso que tiveram em todas as confe-rências de março, onde defenderam astransnacionais.

O momento mais forte e simbólicodo CDB foi a entrada das mulheres daVia Campesina no plenário de negocia-ções: com a bandeira verde dos movi-mentos e velas, abriram diante dos dele-gado oficiais dezenas de cartazes escri-tos em vários idiomas exigindo a proibi-ção da Terminator.O presidente da ses-são anunciou que levaria em conta essa“intervenção”, e diante da frustração dodiretor da Delta & Pine, que pediu que asegurança entrasse na sala, a maioria doplenário se levantou e aplaudiu.

Manter a moratória contra aTerminator é um feito importante e rele-vante para milhares de camponeses e in-dígenas, assim como para as possibilida-des de todos decidirem o que comemospara que as transnacionais não o façam.Mas talvez a mensagem principal sejaoutra, que não fica em papel e não seapaga: os condenados da terra não acei-tam sua condenação, nem seus algozesnem aqueles que, mediante as leis nacio-nais e internacionais, legalizaram os pri-vilégios dos poderosos.

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VIII – Concentração da indústria mundial de sementes - 2005

Concentração da indústria mundial de sementes – 2005

Oligopólio – Substantivo: estado de com-petência limitada, onde o mercado reparte-se entre um pequeno número de produtorese vendedores. (Fonte: Askoxford.com)

O grupo ETC publicará Oligopólio,S.A. 2005 no final deste ano, possibili-tando examinar a concentração no podercorporativo em outros setores como agro-químicos, biotecnologia, farmacêutica,veterinária, distribuição e processamentode alimentos e bebidas.

Qual é o valor do mercado mun-dial de sementes?

As opiniões dos especialistas sãodiversificadas. Segundo a Federação In-ternacional de Sementes, o valor estima-

ASSUNTO: Em 2004 e parte de 2005 presenciamos um auge nas fusões da indústria de sementese uma reacomodação de seus lugares de importância no mercado mundial. Hoje, 10 das maisimportantes companhias do mundo controlam a metade das vendas de sementes. Com um mercadomundial com valor total de aproximadamente 21 bilhões de dólares por ano, o comércio de sementesé relativamente pequeno se comparado com o mercado mundial de pesticidas (35,4 bilhões dedólares) e muito frágil se comparado com as vendas da indústria farmacêutica (466 bilhões dedólares). Entretanto, o controle corporativo e a propriedade sobre sementes – primeiro elo dacadeia alimentar – tem implicações de grande alcance para a segurança alimentar mundial.

IMPACTO: Estando em poucas mãos o controle de sementes e investigação agrícola, ofornecimento de alimentos do planeta torna-se muito vulnerável aos caprichos dos artífices domercado. As corporações tomam decisões que servem a seus interesses e assegurem os lucros dosintervencionistas, além de não garantir a segurança alimentar. Por fim, a existência de um monopóliona indústria de sementes implica na diminuição de opções para os agricultores. Um novo estudodo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos examina o impacto da concentração daindústria de sementes sobre a investigação agrícola. O estudo conclui que a redução da competênciaassocia-se com a redução da investigação e desenvolvimento. Mesmo com a indústria de sementesafirmando o contrário, a concentração no ramo resulta em menor inovação.

JOGADORES: Um punhado de empresas transnacionais - os gigantes genéticos - dominam asvendas mundiais. Monsanto, Dupont, Syngenta – que se encontram também entre as maioresempresas de agrotóxicos do mundo – estão na liderança.

POLÍTICAS: A concentração da indústria de sementes é um ponto culminante nas agendas dasorganizações da sociedade civil e de agricultores que trabalham para manter sistemas de sementescontrolados pelos camponeses e contra as políticas tecnológicas que buscam privatizá-las aindamais.

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do do mercado mundial de sementes eoutros materiais cultiváveis em 56 paísesselecionados em 2005, foi de mais de 25bilhões de dólares. A ETC considera quesubestimam esse valor, pois a Federaçãocontempla ‘outros materiais cultiváveis’não definidos.

Um relatório de julho de 2005, fei-to por Philips McDougall, uma empresade analistas industriais com sede no Rei-no Unido, considera que o valor do mer-cado de sementes é de 19 bilhões de dó-lares e estima-se que 10 companhias con-trolam 51% do total do mercado.

Dada esta disparidade, o grupo ETCpensa que o mercado comercial de se-mentes tem um valor intermediário. Algoem torno de 21 bilhões de dólares emvendas no mundo, o que, conserva-doramente, seria dizer que as 10 mai-ores empresas controlam 49% do mer-cado mundial.

Durante 2005 vimos um auge nasfusões e aquisições da indústria de se-mentes e uma forte reacomodação em

seus lugares de importância. O líder cons-tante, Pioneer Hi-Bred International deDupont, foi destronado quando aMonsanto adquiriu a Seminis em janeirode 2005 por 1,4 bilhões de dólares, con-vertendo-se na líder mundial da indústriasementeira e maior companhia de semen-tes do mundo.

Dado a velocidade das fusões e aqui-sições, achamos que as 10 primeiras posi-ções voltarão a se modificar em breve.

Apesar da controvérsia e da faltade aceitação pública, as sementestransgênicas estão ganhando valor demercado. Segundo Phillips McDougall,elas constituem um quarto do comérciomundial de sementes. O comércio dascaracterísticas biotecnológicas das semen-tes (tolerância a herbicidas e resistência ainsetos) disparou de 280 milhões de dó-lares em 1996 para 4,7 bilhões de dóla-res em 2004, um incremento de 17 ve-zes nos últimos nove anos. Em 2004,Pioneer/Dupont obteve 50% de seu lu-cro com sementes de variedade que in-cluem um caráter transgênico. Em 2005,Dupont vende esses produtos ao merca-do americano:

Pioneer/Dupont oferta de produtos para os EUA,2005.

O crescimento no mercado de se-mentes transgênicas é sobre saliente, es-pecialmente porque têm sido aceitas empoucos países relativamente e continu-am no meio da controvérsia no resto do

China5%

Brasil6%

Canadá6%

Argentina20%

Outros4%

USA59%

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mundo. A lição? Quando empresas gigan-tes decidem quais as marcas entrarão nomercado de sementes transgênicas, nãoé necessário ter um produto superior paraposicionar-se no mercado.

Concentração da indústria de se-mentes, a quem importa?

Mesmo que falemos de tênis, lava-doras, cerveja ou telefones celulares, aconcentração corporativa é ubíqua. Em2005, Adidas aliou-se com a Reebook,Procter & Gamble engoliu a Gillete,Molson devorou a Coors, SBC adquiriua ATT, Verizon se fundiu com MCI e aMaytag está convencendo a Whirlpool.Porém, as sementes são diferentes denavalhas de barbear ou de tênis. Quando

“Que tipo de estratégias industriais – edevemos assumir que há algum tipo de estratégia –tratariam de colocar no mercado, hortaliças,produtos que nada necessitam mas que todos temque consumir, que inclusive o político mais procliveda indústria teria dificuldade em justificar e cuja únicacaracterística boa é que melhora a posição nomercado das companhias que o produzem?”Editorial, Nature Biotechnology, sept. De 2004.

Monsanto – A maior companhia de sementes do mundo – Uma análise.Em 2004, as sementes biotecnológicas da Monsanto e/ou sua tecnologia de mani-

pulação genética foram usados em 88% do total da área mundial plantada com transgênicos.Segundo a Monsanto, a quantidade de hectares cobertos com sua biotecnologia foi de 71 milhõesem 2004, o que equivale ao tamanho da Zâmbia.

Percentual de cultivos transgênicos correspondente a Monsanto:

- Soja transgênica – A soja da Monsanto se cultivou em 91% da área mundial dedicada àsoja transgênica em 2004. (Dos 48 milhões de hectares de soja transgênica no mundo, 44 milhõessão da Monsanto)

- Milho transgênico – O milho transgênico da Monsanto foi semeado em 97% da áreamundial de milho transgênico durante 2004. (Dos 19,3 milhões de hectares no mundo, o milho daMonsanto foi plantado em 18,77 milhões)

- Algodão transgênico – O algodão transgênico da Monsanto foi utilizando em 63,5% detoda a área semeada com esse cultivo. (De 9 milhões de hectares de algodão, a Monsanto plantou5,7 milhões)

- Canola transgênica – A canola transgênica da Monsanto foi semeada em 59% da areamundial dedicada à esse cultivo em 2004. (De 4,3 milhões de hectares de canola transgênica nomundo, a Monsanto usou 2,54 milhões)

Nota: Essas estatísticas se baseiam em fontes da indústria: Monsanto e o ISAAA (ServiçoInternacional para a Aquisição de Aplicações Agrobiotecnológicas).

a propriedade da semente – o primeiroelo da cadeia alimentar – fica nas mãosde poucas companhias transnacionais, ofornecimento mundial de alimentos ficamuito vulnerável aos caprichos dos mer-cadores. Os diretores das corporaçõestomam decisões para cuidar de seus inte-resses e aumentar os lucros e não paraassegurar a alimentação do mundo.

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Percentual do mercado mundial de sementes:

Milho – Monsanto controla 41% do total.

Soja – Monsanto controla 25% do total.

Algodão: Em abril de 2005, a Monsanto adquiriu a Emergent Genetics por 300 milhões dedólares. Emergent, que é a terceira maior companhia de sementes de algodão tanto na Índia comonos Estados Unidos, tem aproximadamente 12% do mercado de sementes de algodão dos EUA e10% do mercado de sementes híbridas de algodão na Índia.

Monsanto se apodera da horta.

Com a aquisição da Seminis por 1,4 bilhões de dólares em 2005, a Monsanto se coloca emuma posição dominante no mercado emergente de sementes de hortaliças, um segmento antesinexplorado pela Monsanto. Com diversas marcas, Seminis fornece mais de 3.500 variedades desementes para produtores de frutas e hortaliças em 150 países. A aquisição da Seminis incluiu asseguintes marcas:

- Royal Sluis- Petoseed- Bruinsma- Asgrow Vegetable Seeds

Para a Monsanto, “as sementes de hortaliças são o próximo movimento estratégico” porque“é um segmento de alto valor e rápido crescimento na agricultura”. Segundo a Monsanto, o percentualde lucro por vendas de sementes e traços é maior para as hortaliças (64%) do que para os feijõesde soja (63%) ou para o milho (57%). Agora a Monsanto assume uma posição líder de mercadomundial de sementes de hortaliças, onde antes era virtualmente invisível.

Feijões – Monsanto controla 31% do comércio mundial de sementesPepinos – Monsanto controla 38% do comércio mundial de sementesPimentas – Monsanto controla 34% do comércio mundial de sementesPimentões – Monsanto controla 29% do comércio mundial de sementesTomates – Monsanto controla 23% do comércio mundial de sementesCebolas – Monsanto controla 25% do comércio mundial de sementes.

Um novo estudo do Departamentode Agricultura dos Estados Unidos anali-sa como a concentração na indústria desementes afeta a investigação. Nos EUA,o investimento do setor privado em in-vestigação e desenvolvimento de varie-dades vegetais incrementou 14 vezes en-tre 1960 e 1997, enquanto que o investi-mento público se estancou.

Sabe-se que as leis de propriedadeintelectual (os direitos de obter e as pa-tentes) que fornecem às empresas os di-

reitos exclusivos sobre as variedades ve-getais estimularam a concentração da in-dústria de sementes. Analisando o milhobiotecnológico, o algodão e a soja, ospesquisadores da USDA encontraramque a intensidade da pesquisa baixou àmedida que os mercados de sementes seconcentravam mais.

“As companhias que sobreviveramà consolidação da indústria de sementesestão financiando menos a investigação doque quando haviam mais empresas envol-

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vidas, segundo o tamanho de seus merca-dos individuais... Também pode ocorrerque, com menos companhias desenvolven-do cultivos e vendendo sementes, hajauma menor quantidade de variedades.”

O estudo da USDA também enfatizaque a pesquisa pública sobre a variedadede cultivos “tem um efeito estimulantesobre a investigação privada debiotecnologia”. Os autores concluem queo aumento do investimento público para apesquisa de fitomelhoramento “não esta-ria somente mantendo as altas taxas dedevolução ao público dos benefícios dapesquisa pública, mas sim que até poderiapromover, de certa forma, o investimentoprivado”.

Qual é a moral da história? No casoda agrobiotecnologia nos Estados Unidos,a redução na concorrência está associadacom a redução em pesquisa e desenvolvi-mento. Apesar da indústria de sementesargumentarem o contrário, a concentra-ção neste setor resultou em pouca inova-ção. Por fim, um mercado de sementesaltamente concentrado significa menores,e não maiores opções para os agriculto-res.

Revolução ou involução? Segun-do os promotores da biotecnologia, “nosprimeiros dias de maio de 2005 um agri-cultor em alguma parte do mundo plantouo hectare número 400 milhões de algumcultivo biotecnológico”. Para os promoto-res dos transgênicos, saber o número totalde hectares plantados com sementestransgênicas é como para o McDonald’scolocar um anúncio do número dehamburguers servidos embaixo de seusarcos dourados:

“Hoje chegamos a um bilhão de acres. Nofuturo, plantarão e colherão tantos bilhões deacres de cultivo biotecnológico no mundo todoque deixaremos de contar cada acre comoMcDonald’s conta seus hamburguers, comotemos feito até agora.” – Thuth About Trade andTechnology, grupo que apóia o livre comércio e abiotecnologia agrícola, com sede em Des Moines,Iowa, EUA.

A proliferação de hambúrgueresvendidos pela mega empresa mundial defast food é uma boa comparação com oalcance que tem as sementes dos Gigan-tes Genéticos: a invasão desses produtosimpõe enormes custos sociais que usual-mente não são reconhecidos nem discu-tidos até que a tecnologia seja encontra-da por todos os lados.

Tomemos a contaminaçãotransgênica, o fluxo genético indesejadotransferido por polinização de cultivostransgênicos (OGMs) para cultivos con-vencionais ou orgânicos que se encon-tram ao redor. Nos primeiros dias dabiotecnologia discutiu-se como possibili-dade remota, mas logo se tornou umarealidade, depois um incômodo e agoraem uma crise (para alguns). Com a rápi-da expansão da área de transgênicos, osagricultores encontram cada vez mais di-ficuldades em produzir variedades não-transgênicas.

Pesquisadores canadenses escreve-ram em Ecological Economics no iníciodeste ano que “a perda ou a limitação daprodução de cultivos não-transgênicoscertificados pode significar a imposiçãode condições externas sobre os produto-res, consumidores e outros usuários aolongo da cadeia”. Enfatizam que os cus-

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tos de oportunidade para os agricultorespoderiam incrementar dramaticamenteenquanto o número de áreas de produ-ção livre de transgênicos se reduziria, seos consumidores aborrecidos decidissemsimplesmente evitar comestíveis com al-gum conteúdo transgênico.

Hoje, os cientistas estão discutindosobre como medir a contaminaçãotransgênica e o que isso significa. Tratamde determinar as distâncias de isolamentopara evitar a dispersão de pólen e apolinização. Pelo menos 28 governos alémda União Européia resistem contra os re-quisitos nos rótulos dos comestíveistransgênicos e por estabelecer níveis detolerância para o conteúdo transgênico emalimentos rotulados. Os consumidores dealguns mercados estão perdendo a capa-cidade de selecionar produtos livres detransgênicos ou têm que pagar mais e evi-tar por completo os comestíveis deriva-dos da biotecnologia. Os agricultores quedecidem não cultivar OGMs enfrentamuma perda de mercado se seus produtosse contaminam, ou respondem legalmen-te se os genes patenteados e não autoriza-dos se encontram em sua propriedade.

Como lidarão as pessoas com oscustos sociais impostos pelos cultivostransgênicos e a contaminaçãotransgênica? Quem julgará e quem paga-rá? Os pesquisadores canadenses ofere-cem duas soluções problemáticas: “queos cultivadores de transgênicos paguemum imposto para compensar aos que nãoquerem semeá-los por qualquer perdagerada pela contaminação ou, alternati-vamente, que os agricultores que não se-meiam transgênicos possam pagar aos

que semeiam para que o façam de ma-neira restrita.” Ambas propostas são ina-ceitáveis porque nenhuma delas impõelimites apropriados para a fonte de con-taminação: a indústria biotecnológica.

Há sinais indignantes de que as de-cisões são tomadas para favorecer aosgigantes genéticos e transferir os custos ea culpa da contaminação transgênica aosagricultores e consumidores.

Nos EUA, os governos dos estadosestão aprovando leis escritasdissimuladamente pela indústriabiotecnológica, tornando ilegal o que osgovernos locais haviam proibido ou res-tringido em relação aos transgênicos.Decididos a não permitir proibições lo-cais de cultivos transgênicos, como asaprovadas em três condados daCalifórnia, a indústria promoveu 14 leisque impedem o protesto por parte de ci-dadãos contra os cultivos transgênicos.

Outro exemplo é que a indústria dassementes e governos aliados estão pro-movendo agressivamente a tecnologiaTerminator de sementes como um méto-do viável para deter o fluxo genético.

Delta & Pine Land, a companhiacom sede nos Estados Unidos que estádesenvolvendo ativamente a esterilizaçãogenética de sementes, lança o argumentoindignante e cientificamente falaz de queo Terminator “providencia a vantagempara a biosegurança de evitar a mais re-mota possibilidade de movimento detransgenes.”

Muitos países estão adotando no-vas leis de sementes dirigidas a restringiros direitos dos agricultores de controlar e

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usar suas sementes. Um relatório amplode GRAIN examina a imposição de no-vas e repressoras leis de sementes, quesubstituem a anterior legislação em mui-tos países. Segundo GRAIN, “o princi-pal objetivo dessas leis é dar uma melhorproteção às variedades privadas de se-mentes desenvolvidas por empresas edeixar de lado completamente as varie-dades próprias dos agricultores.”

Sementes transgênicas epesticidas: outro mito da indústriadestruído: Desde o início dabiotecnologia, a indústria prometeu queas sementes transgênicas reduziriam o usode agrotóxicos na agricultura. Um estudode Charles Benbrook (2004) analisa o usode agrotóxicos e sua relação com os cul-tivos transgênicos nos Estados Unidos de1993 à 2004 (a área de transgênicos nosEstados Unidos é 60% da área mundial).O estudo conclui que o uso total deagrotóxicos sobre os acres cultivados comtransgênicos aumentou em 4,1% desde1996. Esses resultados contradizem o ar-gumento tão repetido pela indústria de queos OGMs ajudam à reduzir os praguicidasna agricultura. Segundo Benbrook:

Cultivar milho, soja e algodão ge-neticamente modificados (GM) propor-cionou um aumento de 122 milhões delibras no uso de agrotóxicos desde 1996.Se por um lado os cultivos britânicosreduziram o uso de inseticidas duranteeste período em 15, 6 milhões de libras,por outro os cultivos tolerantes aherbicidas aumentaram o uso para 138milhões de libras. Os cultivos britâni-cos reduziram em 5% o uso de insetici-das em milho e algodão, enquanto que

a tecnologia de tolerância à herbicidasocasionou um aumento de 5% nestes trêsprincipais cultivos. Visto que se usa tan-to herbicida em milho, soja e algodão,comparado com o volume de inseticidaaplicado ao milho e ao algodão, o usode agrotóxicos cresceu em 4,1% nos acresplantados com variedade transgênicas.– Charles M. Benbrook, “GeneticallyEngineered Crops and Pesticide Use inthe United States: The First Nine Years.”Biotech InfoNet, Technical PaperNumber 7, octubre de 2004.

Os agricultores estão sendo força-dos a aplicar quantidades maiores deherbicidas sobre as plantaçõestransgênicas tolerantes à herbicidas por-que alguns matos desenvolveram resis-tência, mesmo com a confiança que setinha nos cultivos tolerantes a herbicidas.

Benbrook acha que a “confiança deum herbicida”, o glifosato, como o mé-todo principal para controlar as ervas da-ninhas em milhões de acres cultivadoscom variedades de plantações tolerantesa herbicidas é o fator principal que obri-ga os agricultores a “aplicar maisherbicidas por acre para obter o mesmonível de controle das pragas.”

O glifosato, o agrotóxico mais utili-zado em todo o mundo, é consideradotipicamente menos daninho que outrosherbicidas químicos. Entretanto, novosestudos sobre o glifosato e a fórmula pa-tenteada da Monsanto, RoundUp, levan-tam sérias preocupações sobre a segu-rança deste tóxico para a saúde humanae o ambiente. Aproximadamente trêsquartos da área mundial dedicada a culti-vos transgênicos no ano passado foram

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plantados com cultivos tolerantes à apli-cação de glifosato.

Conclusão: a consolidação da in-dústria de sementes significa menos con-corrência, menor opções aos agricultorese maior vulnerabilidade para as comuni-

dades agrícolas e para a segurança ali-mentar mundial. As opções se reduzemainda mais com o aumento da contami-nação transgênica que invade os cultivostradicionais e orgânicos.

Texto retirado site: www.etcgroup.org

Quem é dono de quem? Concentração na indústria de sementes – 2005

A lista do Grupo ETC inclui muita das companhias de sementes maiores do mundo e suas aquisições ousubsidiárias. Não é uma lista exaustiva de todas as companhias de sementes, mas inclui muita das 20firmas que vendem para a agricultura comercial, sementes para vegetais e para os jardins.

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FARMACEUTICA: As 10 empresas mais importantes do mundo controlam quase 59 % do merca-do dominado por 98 firmas líderes.FARMACÊUTICA VETERINÁRIA: As 10 companhias maiores do planeta controlam 55 % domercado mundial farmacêutico veterinário, que tem um valor de 20.255 milhões de dólares.BIOTECNOLOGIA: As 10 principais companhias de biotecnologias com ações ao público, do-minam quase três quartos do mercado global da biotecnologia.SEMENTES: As 10 maiores companhias do mundo controlam quase a metade do mercado plane-tário de sementes comerciais, com valor de 21 milhões de dólares. Consulte o site do Grupo ETC,onde existem notícias de 2005 sobre a concentração da indústria de sementes:www.etcgroup.org/article.asp?newsid=525.AGROTÓXICOS: As 10 firmas maiores do mundo controlam 84% do mercado global deagrotóxicos, com valor de 29.566 milhões de dólares. Os analistas dizem que somente as trêscompanhias maiores sobreviverão no negócio convencional de agrotóxicos até 2015.DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS: Em 2004, os 10 distribuidores de alimentos mais poderosostiveram vendas aproximadas de 84 milhões de dólares, 24 % do mercado global, com valor apro-ximado de U$3,5 milhões de dólares.PROCESSAMENTO DE BEBIDAS E ALIMENTOS: As 10 maiores companhias dominaram24% do mercado global com valor estimado de $1,25 milhões de dólares por comestíveis empaco-tados. Essas 10 companhias obtêm 36% dos ingressos das 100 principais companhias mundiais dealimentos e bebidas.NANOTECNOLOGIA: A indústria e os governos investiram mais de US 10 milhões em pesquisae desenvolvimento de nanotecnologia em 2004.

IX – Oligopóio S. A. 2005Concentração do Poder Corporativo

Contexto: Não é segredo que atu-almente as corporações exercem um po-der sem precedentes para desenhar aspolíticas sociais, econômicas e comerci-ais. Hoje em dia somos testemunhas deum controle mais concentrado que nun-ca – não só no sistema alimentício – comotambém sobre produtos e processos vi-tais e sobre blocos fundamentais da cons-trução da natureza.

Ao começar essa década, muitasanálises assumiram que o furor das fu-sões coorporativas visto nos anos 90 ti-nha terminado e não se repetiria jamais.Uma razão que fez pensar isto foi o ta-

manho das corporações (e sua participa-ção no mercado) que tem aumentado emum escala que inclusive os reguladoresmais míopes não poderiam seguir igno-rando. Em segundo lugar, a confiança dosinvestidores e o entusiasmo dos capita-listas em financiar novas tecnologias ounovas aquisições que ficaram sumamen-te mermados com a caída dos preços dasações no mercado do ciberespaço. Co-meçando 2004 as preocupações se aba-teram na medida em que mais e maioresfusões se anunciaram. Este ano o valorglobal das fusões e aquisições corporativaschegou a $1 bilhão 950 milhões de dóla-

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res, um brinco de 40% em comparaçãocom $1 bilhão 380 milhões de dólaresem 2003. As vendas combinadas das 200corporações maiores do mundo signifi-cam 29% da atividade econômica do pla-neta em 2004. Devido aos acordos co-merciais entre as próprias firmas, o queaparece como compra e venda entre ospaises é muito freqüente na redistribuiçãodo capital entre subsidiarias da mesmacorporação multinacional “padre”. Aglobalização deslumbrante tem cegado osreguladores ansiosos de que as empresasmultinacionais em seus paises sejam com-petitivas. Frequentemente se passa poralto a denominação do mercado median-te a manipulação da propriedade intelec-tual (como quando se reciclam as inova-ções para estender a patente monopólica)e o comércio da tecnologia que chega aformação de cartazes tecnológicos glo-bais.

Como é comum, o domíniocorporativo é reflexo das crescentesdisparidades entre ricos e pobres, tantodentro como entre as nações da OCDE edo sul. Alguns indicadores são os seguin-tes:

• Os economistas do sistema afirmamque o capital sempre busca os maisaltos rendimentos e que tipicamenteflui dos paises ricos aos pobres – masThe Economist enfatiza que as eco-nomias emergentes enviaram apro-ximadamente 350 milhões de dóla-res aos países ricos em 2004.

• As 400 pessoas mais ricas nos Esta-dos Unidos somam um montanteaproximado de 1 bilhão 130 milhõesde dólares – mais de duas vezes o

Produto Interno Bruto do Brasil.

• Os executivos das corporações dosEstados Unidos ganham mais em umsó dia que um trabalhador em médiaganha em um ano. Em 2004, a com-pensação em média dos diretoresexecutivos estado-unidenses seincrementou em 30%, seis milhõesde dólares por ano.

Oligopólio S.A. 2005 revela que aconcentração corporativa – não só na ali-mentação e a agricultura, como tambémem todos os setores relacionados aos pro-dutos e processos vitais – se incrementounotoriamente desde nossa ultima revisãohá dois anos. Desde esse artigo de 2003o Grupo ETC, as dez companhias de se-mentes mais importantes do mundo, pas-saram a dominar de um terço a pratica-mente a metade do comercio global desementes, e as 10 empresasbiotecnológicas maiores do planeta au-mentaram sua porção, de um pouco maisda metade do mercado, a quase três quar-tos das vendas mundiais nesse setor. Aporção de mercado dos dez fabricantesde agrotóxicos mais poderosos aumen-tou modestamente, de 80% para 84%,mas os analistas prevêem que somentetrês companhias sobreviverão à próximadécada. Se é alarmante uma concentra-ção tão rápida entre as companhias queproduzem insumos agrícolas, o controleexercido pelos 10 processadores e os 10distribuidores de alimentos dominantes éassombroso. Em cada categoria, em mer-cados que deveriam - quase por defini-ção – estar sumamente diversificados, ascompanhias dominantes controlam umaquarta parte dos mercados que valem

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muitos bilhões de dólares. Entretanto,enquanto os produtores e os distribuido-res de mercadorias lutam por sobrevivere dominar, este novo artigo mostra tam-bém que uma luta subterrânea está acon-tecendo na nano escala, para controlaros blocos fundamentais da vida e da na-tureza. O investimento corporativo emnanobioctecnologia (ou biologia sintética)poderia dar o controle final a um conjun-to muito inesperado de fatores.

Indústria Farmacêutica As 10 companhias farmacêuti-cas mais importantes segundo suas vendas, 2004 (emmilhões de dólares)

As 98 companhias de medicamen-tos monitoradas por Scrip´sPharmaceutical League Tables 2005 ti-veram vendas combinadas de 415 milhõesde dólares em 2004. As 10 companhiasdão conta de 59% do total. A fusão entrePfizer e Pharmacia em 2003 originou amaior companhia farmacêutica do plane-ta. Hoje Pfizer domina o ramo em ven-das e lucros. A consolidação continuouem 2004 com a absorção de Aventius porSanofi-Synthelabo, resultando na tercei-ra maior companhia de medicamentos domundo, Sanofi- Aventis.

“Em vez de ser fonte de inovação, são vas-tas maquinas de mercadotecnia. Em vez de serhistorias de sucesso em livre mercado, se aprovei-tam da pesquisa financiada pelo governo e dos di-reitos monopólicos.”

Márcia Angel, The Truth About the DrugCompanies, p.20.

As aflições da indústria farmacêu-tica

Como proteger suas patentes ecomo desencadear a invenção de novosfármacos – aparentemente não há êxitospróximos em porta – continuam sendoos problemas da grande indústria farma-cêutica. Em 2004 a imagem da indústriase deteriorou ainda mais devido aos es-cândalos regulatórios e da retirada demedicamentos do mercado. Merck foiobrigada a retirar seu medicamentoantiinflamatório de muito sucesso comvalor de $2,5 milhões de dólares, Vioxx,depois de que se comprovou que causa-va ataques do coração e derrames. Acompanhia enfrenta mais de sete milações legais relacionadas com Vioxx, eestima-se que os gastos com indenizaçõesirão dos $5 aos $50 milhões de dólares.Merck espera que seus investimentosatraiam outros $2 milhões quando ven-cer a patente de seu medicamento maisvendido, Zocor, em junho de 2006 (osegundo fármaco de maior sucesso doplaneta, responsáveis por 20% das ven-das de Merck). No final de novembro de2005, Merck anunciou que recortaria 7mil empregos e fecharia cinco de suas 31plantas de manufatura.

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“No último quarto de século vimos o nasci-mento de um vasto complexo médico industrial, noqual os médicos, os hospitais e as instituições depesquisa desenvolveram profundos vínculos finan-ceiros com as companhias farmacêuticas e os fabri-cantes de equipamentos. Os conflitos de interessenão são a exceção, são a norma.”

Paul Krugman, New York Times, 16 dezem-bro de 2005

Apesar das enfermidades crônicasda grande indústria farmacêutica, as com-panhias estão usando muitas táticas paramanter saudáveis seus lucros - mais de 6milhões de dólares em 2004. De 51 in-dústrias monitoradas por Fortune, a in-dústria farmacêutica ocupou o terceirolugar em ganâncias (somente a banca e arefinação de petróleo são mais lucrativos).

Por exemplo:

• Nos Estados Unidos, a indústria deprodutos farmacêuticos e para o cui-dado com a saúde gasta mais no quequalquer outra indústria, exceto ascompanhias de seguros que gastamquantidades incríveis em campanhasem conjunto. Em 2004, as compa-nhias farmacêuticas gastaram umaquantia recorde de $123 milhões dedólares em mais de 670 cabilderos,(52% antigos funcionários do gover-no federal).

• As companhias farmacêuticas gastammais em serviços legais que em qual-quer outro ramo industrial, principal-mente para evitar que os rivais pro-duzam versões genéricas dosfármacos de maior venda. Um ad-vogado de patentes estima que, numano qualquer, aproximadamente de

70% dos gastos legais de uma com-panhia farmacêutica grande são porlitígios sobre patentes.

• Uma pesquisa recente da revistaNature revela que os painéis de pro-fissionais que escrevem as diretrizesclínicas - que usam os médicos paradeterminar o diagnostico e o trata-mento - tem enormes compromissosfinanceiros com a indústria farma-cêutica. Profissionais em saúde pú-blica encontram esses conflitos mui-to perturbadores, especialmente por-que as diretrizes são escritas especi-ficamente para influenciar de manei-ra direta em que tipos de fármacosvão a prescrever os médicos. O es-tudo de Nature considerou mais de200 diretrizes de todas as partes domundo. Nem todos os painéis de pro-fissionais que as escrevem deramdetalhes sobre os autores individu-ais. Nos casos em que sim brinda-ram essa informação, encontrou-seque:

• A metade dos painéis tinha pelo me-nos um autor com uma posiçãoconflictiva como conselheiro da in-dústria farmacêutica.

• Mais de um terço dos painéis incluiupelo menos um membro que davaseminários em representação de“uma relevante companhia farma-cêutica”.

• Num caso, cada um dos membrosdo painel havia sido pago pela com-panhia farmacêutica responsável domedicamento que o painel recomen-dava em suas diretrizes médicas.

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“O publico é mais cínico? Sim... Há uma per-cepção de que não nos preocupamos muito com aquestão.”

John LaMattina, presidente de pesquisa glo-bal de Pfizer.

Indústria Farmacêutica veteriná-ria

As 10 companhias farmacêutica veterinárias maisimportantes segundo suas vendas em 2004.

Segundo Animal Pharm Reports, asvendas globais de farmacêutica e nutri-ção veterinária alcançaram os U$20,255milhões em 2004 – uma alta de 6,5%em relação ao ano passado. (O mercadode farmacêutica veterinária inclui vacinase outros aditivos alimentícios biológicos,medicinais e nutricionais).

As 10 companhias mais importan-tes de farmacêutica veterinária consegui-ram 55% das vendas globais do setor em2004. As 20 maiores companhias con-trolam 75% do mercado global. Os pro-dutos para alimentação animal (rebanho,porcos e aves) representam quase doisterços de suas vendas, mas o mercadodos “animais de companhia” (estimação)representa o verdadeiro crescimento do

setor: 36% das vendas globais da farma-cêutica veterinária foram por esse rumoem 2004.

O enorme crescimento nas vendasde produtos para animais de estimação(mais de 6% por ano desde 1991) quaseiguala o crescimento do setor de produ-tos para o cuidado da saúde humana.

Devido aos fortes laços emocionaisentre as pessoas e seus bichos de estima-ção, os analistas da indústria afirmam quehá um “teto econômico muito alto” parao gasto em produtos para estes animais.As tendências da saúde animal são refle-xos das tendências no cuidado da saúdehumana - incluindo mais ênfase nas do-enças geriátricas (medicamentos para tra-tar as artrites caninas e as paradas cardí-acas congestivas) assim como fármacospara a disfunção cognitiva em cães(Alzheimer de cães, segundo site daweb).

Animal Pharm prevê que as ven-das do mercado de animais de estimaçãose incrementarão de 4,5 milhões em 2003para 5,9 bilhões de dólares para o finalda década.

Em contraste, o panorama dosaditivos alimentícios médicos não é mui-to brilhante. Mesmo que alguns gruposcomerciais da indústria recusam as pro-vas, um crescente corpo de evidência ci-entífica demonstra que o falta rotineirode antibióticos aos animais de granja pro-move o desenvolvimento de bactérias re-sistentes a antibióticos que podem trans-ferir-se as pessoas, fazendo mais difíciltratar as infecções bacterianas em huma-nos. A União Européia solicitou que para

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final de 2005 todos os antibióticos pro-motores do crescimento fossem retiradosdo mercado. Como resposta a crescentepreocupação do publico em torno aosperigos do uso excessivo de antibióticos,varias cadeias de restaurantes (inclusiveMc Donald’s) anunciaram políticas paraproibir que seus provedores avícolas usas-sem rotineiramente, como promotores docrescimento, antibióticos que também sãoimportantes na medicina humana. AUnion of Concernes Scientists (União doscientistas comprometidos) estima que70% dos antibióticos que se aplicam afrangos, porcos e rebanho vacinados nosEstados Unidos não se usam para tratardoenças, mas como também aditivos ali-mentícios para promover o crescimentoe compensar as perdas durante o cresci-mento.

As indústrias de gado e avícola sãoextremamente vulneráveis às catástrofese perdas econômicas ocasionadas pelasepidemias. Mesmo assim, o panoramada enfermidade da vaca louca(encefalopatia espoginforme bovina) épouca coisa comparada com a ameaçade uma epidemia de influencia aviar emaves e em humanos. A gripe aviaria podese espalhar através do contato humanocom aves, mas os estudiosos em saúdepública advertem que o vírus muda deuma forma altamente infecciosa e se con-tagia facilmente de pessoa em pessoa,desembocando em uma epidemia globalde gripe.

Brotos de uma variedade altamentepatogena da influencia aviar (o vírusH5N1) apareceu em meados de 2003 nosudeste da Ásia, onde agora este vírus se

considera endêmico (em partes daIndonésia, Vietnam, Camboja, China,Tailândia e possivelmente Laos), ocasio-nando a morte de 70 pessoas ate dezem-bro de 2005. Também se reportaram bro-tos da influencia aviar na Rússia e Euro-pa do Leste. Segundo a OMS, “nuncaantes na historia das enfermidades tantospaises tem sido afetados simultaneamen-te, resultando na perda de muitíssimasaves”.

Milhões de aves nos criadourosavícolas estão sendo segregadas ou vaci-nadas para eliminar o vírus e controlarseu aparecimento. A globalização e inten-sificação dos procedimentos da avicultu-ra industrial prepararam a evolução dainfluencia aviar.

BIOTECNOLOGIA

As 10 companhias biotecnologias com participaçãopública mais importante, 2004.

Com base na pesquisa anual daNature Biotechnology, as 10 empresasbiotecnológicas mais importantes com

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ações ao público representam menos de3% do número total de companhias nosetor biotecnológico, mas deram conta de72% dos investimentos de todo o setor(33.429 milhões de dólares em ingressos,de um total de 46.533 milhões de 309companhias). Em outras palavras, algu-mas companhias biotecnológicas estãoprosperando – a grande maioria está per-dendo dinheiro e o setor biotecnológicopúblico como um todo está no vermelho,com perdas aproximadas de 4.160 mi-lhões de dólares em 2004. As 309 com-panhias biotecnológicas com ações pú-blicas gastaram 16 milhões de dólares empesquisas e desenvolvimento em 2004, eas 10 mais importantes deram conta desomente 14 % do total.

Envelhecendo? A indústriabiotecnológica traz suas origens da fun-dação de Genetech de 7 de abril de 1976– a primeira companhia de engenhariagenética. Os analistas industriais Ernst &Yong descrevem assim a evolução dabiotecnologia: “Em seu aniversário de 30anos, a indústria está envelhecendo. Davolaticidade de um adolescente passoupara a incerteza de uma idade adulta, amaturidade, o enfoque e a racionalidadede um adulto completo”. Os analistaspoderiam ter agregado quem em sua bus-ca por alcançar a idade a adulta, a grandemaioria das companhias biotecnológicasmorre somente as mais aptas tem sobre-vivido e prosperado.

Três quartos das 309 companhiasbiotecnológicas demonstradas estavamnos Estados Unidos, 15% na Europa e

8% no Canadá. A grande maioria (82%)está voltada ao setor da saúde humana,14% são provedoras de serviços (ofere-cem pesquisas e serviços tecnológicoscomo genoma funcional ou o screeningde alto rendimento o high-throughputscreening (HTS). A agro biotecnologiarepresenta somente 3% do total.

As novas companhiasbiotecnológicas podem criar capitais as-sociando-se com as grandes indústriasfarmacêuticas para investimentos e/ounegociando concessões, ou mediante avenda de ações para o público. Em 2004,50 companhias biotecnológicas fizeramofertas públicas iniciais, gerando quase2.500 milhões de dólares em fundos.

Sem produtos novos, com medodas regulamentações e dos genéricos:

Em 2004, somente seis novosfármaco-biotecnológicos foram aprova-dos pela Administração de Alimentos eMedicamentos dos Estados Unidos, mui-to menos da média de 12 aprovações porano, nos últimos anos. O tempo de de-senvolvimento dos fármacos biológicosestá aumentando em média em 7 anosou mais. Enquanto que as patentes sobreos medicamentos biotecnológicos bemsucedidos expiram rápido, e as compa-nhias estão preocupadas com as conse-qüências. “Se as versões genéricas dosfármacos biotecnológicos inundarem omercado, os ganhos com os medicamen-tos de marcas das maiores empresasbiotecnológicas provavelmente cairão,”advertem os analistas da indústria.

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Os 10 super êxitos biotecnológicos de 2004: Osfármacos geneticamente modificados mais vendidos

Indústria comercial de sementes

Nota sobre o setor da indústriade sementes: É difícil separar osagrotóxicos das sementes porque as mes-mas corporações dominam em ambos ossetores – e porque os produtos de se-mentes e agrotóxicos fazem acordos en-tre si e comercializam frequentemente osprodutos vendendo-os juntos. Em setem-bro de 2005 o Grupo ETC publicou umestudo sobre a consolidação da indústriaglobal de sementes, incluindo uma listadas maiores companhias agrícolas domundo e suas subsidiárias.

Indústria Agroquímica

Segundo Philips McDougall, as ven-das globais de agroquímicos (germicidas,fungicidas e inseticidas) alcançaram os

35.400 milhões de dólares em 2004. As10 maiores companhias tiveram 84% domercado (29.566 milhões de dólares).Destas, as seis maiores controlam 71%do mercado de agrotóxicos e as duas maisimportantes controlam mais de um ter-ço.

As 10 maiores empresas de praguicidas do mundo.

As 10 companhias de sementes mais importantes.

De acordo com a atual taxa de consolidação,não surpreende a previsão dos analistas industri-ais de que somente as três maiores companhiassobreviverão no negócio convencional deagrotóxicos até 2015: Bayer, Syngenta e BASF.

Segundo os analistas, 2004 foi umano difícil para a indústria de agrotóxico,pois somente duas das dez companhias

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tiveram crescimento de dois dígitos emsuas vendas. (Os investimentos daMonsanto em agroquímicos cresceramsomente 5%, em grande parte porque acompanhia está interessada em avançosbiotecnológicos de sementes e em suaestratégia para desenvolver agrotóxicos;os investimentos da Dupont cresceramem 9%).

A ferrugem da soja: a ferrugem dogrão de soja asiático (Phakospsorapachyrhizi) é o principal motivo do au-mento da venda de fungicidas. Disparoua venda dos fungicidas da BASF em 21%e na América Latina contribuiu com oaumento de 18% nas vendas do fungicidada Syngenta, em 2004. Ainda que oesporo tenha sido um problema na Ásiae Austrália por décadas, este fungo aéreoestá se espalhando pelas Américas, todasas variedades comerciais são suscetíveisà enfermidade.

No Brasil, a ferrugem se espalhoudurante mais de três anos em três quar-tos das áreas onde se cultiva a soja. Em2005, se descobriu que o fungo apareceuno sudeste dos Estados Unidos – ondese monitora diariamente sua expansão.Enquanto isso, os cientistas estudam osbancos genéticos e buscam outros tipossilvestres do grão de soja na China e ou-tros países asiáticos (onde os agricultoresdomesticaram o cultivo), na esperança deencontrar variedades que tenham resis-tência genética aos fungos.

Gráfico detalhado de distribuição de comestíveis

Indústria Global de distribuiçãode alimentos.Os 10 distribuidores de alimentos mais importantes domundo

A consolidação, a concorrência mor-tal e a agressiva expansão global são asforças que definem o setor de distribui-ção de comestíveis, tendências que seaceleram a passos largos.

Consolidação da distribuição decomestíveis:

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• No ano passado, os dez maiores dis-tribuidores venderam juntos 840 mi-lhões de dólares, 24% das vendasglobais, estimadas em 3 bilhões emeio de dólares. (Em comparação, oGrupo ETC divulgou em 2001 queos dez mais importantes distribuido-res de produtos tiveram vendas con-juntas de 5 milhões 137 mil dólaresou 18% do mercado global).

• Os 30 maiores distribuidores de co-mestíveis controlam, aproximada-mente, 36% do mercado global dedistribuição de comestíveis (com in-vestimentos conjuntos de 1 milhão262 mil dólares 2003/04).

• Os 10 maiores distribuidores de co-mestíveis do mundo possuem doisterços de todos os investimentos dos30 distribuidores mais importantes doplaneta.

Concorrência de mega mercados:

O formato muito bem denominadode “hipermercado” (um supermercadodentro de um armazém) é o modelo do-minante de distribuição de produtos. OWal-Mart é o maior e mais bem sucedi-do hipermercado e para os mercadosmenores é difícil a concorrência. A fusão

e a cooperação corporativa são algumasdas estratégias de sobrevivência. Doisexemplos atuais:

• Albertson´s, a segunda maior cadeiade produtos dos Estados Unidos, foiposta a venda em setembro de 2005devido à estagnação das vendas, in-capaz de competir com os distribui-dores mais populares.

• Em setembro de 2005 dois dos mai-ores distribuidores de produtos domundo, Carrefour (número 2) eTesco (número 5), anunciaram umatroca de ações. (Carrefour adquiriuas ações da Tesco em Taiwan eTesco as ações do Carrefour na Re-pública Tcheca e Eslováquia). Osanalistas industriais acreditam queuma aliança entre Carrefour e Tesco,mesmo que impensável a médio ecurto prazo, seria uma das poucascombinações que poderiam compe-tir efetivamente com Wal-Mart emnível global.(IGD)

Alcance global: IGD, uma empre-sa de pesquisa de mercado, com sede noReino Unido, estima que a parte do mer-cado de distribuição de produtos que con-trola os 10 mais importantes mercadosnacionais do mundo vale, atualmente,2,45 bilhões de dólares. Os analistas daIGD estimam que o mercado global dedistribuição de bebidas e alimentos vale3,5 bilhões de dólares. Prevêem um cres-cimento explosivo na Ásia e América la-tina – onde o índice de vendas de co-mestíveis no varejo se duplicou entre1988/1997.

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• Os analistas prevêem que a regiãoasiática alcançará 41% do mercadoglobal de distribuição de alimentos em2020, a partir dos 33% que tiveramem 2003.

• A China será o segundo maior mer-cado de distribuição de alimentos,depois dos Estados Unidos. O mer-cado de produtos da China crescerá65%, 456 milhões de dólares nos pró-ximos cinco anos. A china abriu suasfronteiras aos distribuidores estran-geiros no começo dos anos 90, e emdezembro de 2004 o governo dimi-nuiu as restrições aos distribuidoresinternacionais.

• A Índia está muito confiante na aber-tura aos investimentos estrangeiros eo IGD prevê que ela se tornará oquarto mercado de distribuição deprodutos em 2020. O Wal–Martanunciou que está tentando entrarrapidamente na Índia.

• Segundo a FAO, os supermercadosna América Latina “aumentaram suasparticipações em vendas de comestí-veis no varejo em uma década, o queos Estados Unidos fizeram em 50anos”.

Os custos do fortalecimento: pos-suindo um lugar estratégico na indústriade alimentos, os distribuidores de comes-tíveis exercem um extraordinário podereconômico e comercial. Estas empresasdecidem, no final das contas, quando equem produzirá, processará e distribuiráuma impressionante parte da alimentaçãodo planeta. Por exemplo, 80% das seismil fábricas que fabricam os produtos

para o Wal-Mart estão localizadas naChina. Em 2004, Peter Goodman e PhilipPan escreveram no Washington Post:

“Enquanto o capital percorre o mundo embusca de trabalhadores mais baratos e maleáveis, eenquanto os países pobres recorrem àsmultinacionais para gerar empregos e abrir merca-dos para exportação, o Wal-Mart e a China constru-íram uma empresa conjunta de capital de risco mai-or, essa associação influi nas condições de traba-lho e consumo do mundo todo” Washington Post,8 de fevereiro de 2004.

As maiores lojas globais

Carrefour: administra mais de 11.000 lojas(430 mil empregados, em mais de 30 países da Euro-pa, América Latina e Ásia). Somente na França éfeita a metade de suas vendas. No começo de 2005,o Carrefour planejou abrir 70 hipermercados, inclu-indo 15 na China, 7 no Brasil, 6 na Colômbia, 5 naIndonésia, 4 na Tailândia e 3 na Polônia. (IGD)

Wal-Mart: 89% de suas vendas são feitasna América do Norte. (80% nos Estados Unidos).Além dos Estados Unidos, Canadá e México, a Wal-Mart opera em Porto Rico, Brasil, Argentina, ReinoUnido, Alemanha, China e Coréia do Sul. O Wal-Mart se tornou o terceiro maior distribuidor de pro-dutos no Brasil quando comprou uma cadeia delojas líder, a Bom Preço.

Tesco: opera em 13 mercados fora do ReinoUnido e é o líder em seis deles, principalmente noLeste Europeu e na Ásia.

Metro: é o maior distribuidor da Alemanha,tem e administra umas 2.400 lojas na Alemanha eem outros 28 países, incluindo Índia, Rússia eUcrânia.

Em seu informe de 2004 sobre ainsegurança alimentar, a Organização paraAlimentação e Agricultura das NaçõesUnidas (FAO) enfatizou o papel das ca-deias de supermercados multinacionais esuas implicações para a segurança alimen-tar de milhões de agricultores e trabalha-dores rurais. Segundo a FAO, os super-

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mercados podem aumentar as opções dosconsumidores e baixar os preços de acor-do com suas conveniências, mas o do-mínio dos supermercados globais “tam-bém tem feito com que muitos dos gran-des fabricantes e distribuidores tenhamcada vez mais poder de impor padrões,preços e datas de entrega”. O informeenfatiza que os agricultores de pequenaescala não conseguem se estabelecer nomercado globalizado e estão arriscadosa permanecerem como uma minoriamarginalizada, excluídos do sistema ali-mentar, como produtores e como con-sumidores.

“...a globalização das industrias alimentíci-as e a expansão dos supermercados criam oportu-nidades para alcançar novos mercados lucrativos,assim como o risco substancial de aprofundar apobreza.” FAO, Estado de insegurança alimentar,2004

Algumas palavras sobre o Wal-Mart: É a maior corporação do mundo etambém o maior distribuidor de comestí-veis. Com um poder titânico nas vendasglobais no varejo, suas decisõescorporativas afetam o emprego, o comér-cio, o ambiente e a tecnologia em todo oplaneta. Tem 1 milhão e 700 mil empre-gados e cerca de 138 milhões de pessoascompram em suas lojas a cada semana.

A estratégia típica da empresa é ven-der alimentos e mercadorias a preçosmais baixos, aproveitando seu poder decompra massivo, pressionando os forne-cedores locais para que vendam a preçode custo e empregando tecnologia maisavançada no manejo das mercadorias. Éum patrão que paga salário mínimo e pro-

íbe os sindicatos. Em 2004, um vende-dor médio do Walt –Mart , nos EstadosUnidos ganhou 14 mil dólares, salárioabaixo da linha da pobreza nos EstadosUnidos para uma família de 3 pessoas, emenos da metade de seus empregadospuderam pagar o plano de saúde maisbarato oferecido pela própria empresa.

Um informe de 2004, doCongressional Comitee dos Estados Uni-dos concluiu que são os contribuintes queestão tendo que arcar com os baixossalários pagos pelo Walt-Mart e com afalta de convênio médico - um gastocorporativo com assistência médica dequase 2 milhões de dólares ao ano. Oinforme estima que somente uma loja doWalt-Mart com 20 empregados pode cus-tar aos contribuintes dos Estados Unidos,420 mil dólares por ano (com programasde assistência do governo para cuidadoscom as crianças, moradia, impostos, etc.).Segundo a reportagem, “Garantindo ape-nas o mínimo dos direitos trabalhistas,dos salários, de convênio médico, de con-dições de trabalho ou política comercial,o Walt-Mart se tornou um sinônimo dopior exemplo para tratar com a classe tra-balhadora.”

O Walt-Mart tem recorde de açõespor violações aos direitos trabalhistas, in-cluindo a ação mais escandalosa por dis-criminação em local de trabalho na histó-ria dos Estados Unidos: uma ação coleti-va de mais de 1 milhão e meio de mulhe-res contra o Walt-Mart por discrimina-ção na contratação e nas promoções decargos.

Em março de 2005, o Walt-Martconseguiu que lhe retirassem uma acusa-

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ção quando aceitou pagar uma quantiarecorde de 11 milhões de dólares paraque não fosse denunciado por usar cen-tenas de imigrantes ilegais para limparsuas lojas nos Estados Unidos.

Mais de 500 mil trabalhadores deBangladesh, China, Suazilândia (África),Indonésia e Nicarágua propuseram umaação coletiva em setembro de 2005 con-tra Walt-Mart, denunciando as condiçõesde trabalho deploráveis nas fábricas deseus fornecedores.

Em resposta à publicidade negati-va, o Walt-Mart lançou uma poderosacontra ofensiva. Em outubro, seu diretorse comprometeu a reduzir a emissão degases de efeito estufa em suas lojas, em20% nos próximos sete anos; criar pla-nos de assistência de baixo custo para seusempregados e fazer uma proposta aoCongresso para aumentar o salário míni-mo. Um crítico disse que isto era apenas“um golpe publicitário cheio de retórica,que não promete nada aos trabalhado-res”.

As 10 maiores corporações de alimentos e bebidas, 2004.

Indústria de processamento de ali-mentos e bebidas.

• Segundo uma empresa de pesquisade mercado, Leather FoodInternational, as vendas de alimen-tos e bebidas das 10 maiores compa-nhias mundiais foram de 297 milhõesde dólares ou 24% do mercado glo-bal de comestíveis, que tem valorestimado de 1.250 bilhões de dóla-res.

• As 100 empresas mais importantesdo mundo tiveram em 2004 vendassomadas de 829 milhões de dólares,e controlam um terço do mercadoglobal.

• As 10 empresas principais, detêm36% das receitas que ganham juntasas 100 maiores empresas de alimen-tos e bebidas do mundo.

Walmartização da indústria dealimentos e bebidas: Os analistas de in-dústrias afirmam que o domínio do Walt-Mart está chegando a uma concentraçãototal não apenas do mercado de vendasno varejo como em toda a cadeia de ali-mentos. A luta para ganhar espaços nasprateleiras das maiores lojas do mundoestá promovendo uma intensa concorrên-cia entre os fornecedores de alimentos ebebidas. Como afirmou um analista in-dustrial, “o espaço na prateleira é comoum diamante envolto em ouro”.

As fusões e aquisições são uma dasestratégias de sobrevivência usadas pelasempresas de alimentos e bebidas paraconseguir a economia em escala que pre-cisam para responder à imposição de pre-ços baixos do Walt-Mart. Esta tendênciapromove negócios como o que fez aProcter & Gamble, que comprou, em ja-

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neiro de 2005, a empresa Gillete por 57milhões de dólares, uma fusão que re-presentará mais de 60 milhões ao ano.

Quem prepara os sanduíches:Com o Walt-Mart expandindo sua pró-pria marca de alimentos, os fornecedoresde alimentos estão agora no meio do san-duíche, entre o comprador e o vendedormais poderoso do mundo: o Walt-Mart éseu maior cliente e um dos mais ferozescompetidores. As marcas próprias Walt-Mart representam, aproximadamente,40% de suas vendas.

Tecnologia: o Walt-Mart dita a van-guarda tecnológica dos sistemas de con-trole. Para janeiro de 2006, exigirá de seus300 principais fornecedores que usem sis-tema de identificação através deradiofreqüência (RFID por suas sigla eminglês) em todas suas cargas e embala-gens. Outros grandes distribuidores es-tão seguindo esta tendência. As etiquetasRFID são micro chips que transmitem ainformação de um produto a um leitoreletrônico à distância. O objetivo do Walt-Mart é reduzir custos, mantendo as pra-teleiras cheias do essencial e combaten-do o roubo formiga. Um fornecedor co-mum gastaria 9 milhões de dólares paracumprir a exigência de usar RFID duran-te os dois primeiros anos de suaimplementação. Como resultado da or-dem do Walt-Mart, os sistemas RFIDdeixaram de ser uma tecnologia emergentepara ser de vanguarda. Os defensores dosdireitos dos consumidores advertem queos micro chips portadores da informaçãoserão adaptados a todos os produtos nasprateleiras e a leitura e reposição de da-dos não terminará quando o comprador

sair da loja. As etiquetas corporativasRFID marcam o início de uma nova ge-ração de tecnologias de espionagem co-mercial que armazenam dados, violandoa privacidade e as liberdades civis.

Síndrome da China: Com 1.300milhões de consumidores e uma rendaper capita crescente, a China é o lugarideal para a expansão do capital global.Procter & Gamble, Unilever, Kraft eBudweiser se encontram entre as empre-sas que estão criando a moda da lealdadeàs marcas. Procter & Gamble já é o mai-or anunciante na China.

Nanotecnologia

Devido aos processos biológicos queocorrem em escala de nanômetro – a mi-lionésima parte do metro – muitas dasmaiores corporações industriais do mun-do vêem na nanotecnologia o novo con-junto de técnicas para manipular o mate-rial em nano escala – como uma novaplataforma tecnológica para descobrir,manufaturar e fornecer novos medica-mentos e insumos agrícolas, adicionarnovos sabores e nutrientes aos alimen-tos, diagnosticar precocemente as doen-ças e tratá-las de maneira mais efetiva.

Em 2004, os setores público e pri-vado em todo mundo, gastaram em con-junto, aproximadamente, 10 milhões dedólares em pesquisas e desenvolvimentode nanotecnologia. Lux Research, umaempresa de pesquisas de mercado afir-mou que 2005 marcaria o primeiro anoem que a indústria gastaria mais que ogoverno em pesquisa e desenvolvimen-to. Em 2005 também vimos um consen-so entre a indústria, o governo e a uni-

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versidade: todos adotaram o mesmo gri-to de guerra (finalmente entrando emsintonia com a sociedade civil): “Mais fi-nanciamento para pesquisa na área dasaúde e segurança dos materiais de nanoescala”. Na última semana de 2005, ogoverno do Reino Unido publicou suaprimeira reportagem “Characterising thepotential risks posed by engineerednanoparticles” (caracterizando os riscospotenciais que apresentam asnanopartículas projetadas); o WoodrowWilson International Center of Scholarsem Washington publicou uma lista daspesquisas financiadas pelo governo so-bre riscos relacionados à nanotecnologia,com o apoio da NanoBusiness Allince, ea Agência de Proteção Ambiental dosEstados Unidos (US EPA), produziu umdocumento para discussão enfocando osriscos para o ambiente no manejo de nanomateriais.

A toxicologia dos nano materiais,porém, é um terreno desconhecido, nãoexistem regulamentações e a discussãodos impactos sociais é apenas um mur-múrio; entretanto os produtos derivadosde nanotecnologia chegam ao mercado alargos passos.

No final de 2004 o Registro de Pa-tentes e Marcas Registradas dos EstadosUnidos (US PTO) estabeleceu uma clas-sificação especial (Classificação 977) paraas patentes em nanotecnologia. Os exa-minadores estão revisando as patentes jáoutorgadas para reclassificá-las, soman-do-as às novas patentes que surgem acada semana. A classificação 977 não ofe-rece informação clara sobre opatenteamento, todavia, suas mais de

2.600 patentes dão um panorama geralque merece atenção:

Os 10 principais aglomerados de patentesnanotecnológicas, US PTO, classificação 977 (2607patentes pesquisadas, 7 de dezembro de 2005)

Patentes da classificação 977 assinadas pelo governodos Estados Unidos.

Nanobiotecnologia / Biologia sin-tética: Amordaçando a vida?

“Fazer a vida melhor, parte por par-te” esse é o slogan e a missão do Grupode Trabalho em Biologia sintética doMassachusetts Institute of Technology(MIT). Os pesquisadores que trabalhamcom as ciências da vida e a engenhariatentam criar, com esta nova disciplina,moléculas e células biológicas ou orga-nismos inteiros para que desempenhemtarefas úteis, como a produção de com-postos farmacêuticos ou energia. Naspalavras de um dos cientistas do MIT, “abiologia nunca mais será a mesma”.

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O ambicioso projeto da biologia sin-tética – o desenho, modelagem, constru-ção, precisão cibernética e verificação dossistemas vivos artificiais que sirvam paradiversas aplicações - precisa utilizar com-ponentes que existem na natureza ou quesão feitos pelo homem. Nos casos ondeos componentes incluem materiais nanoescalares feito pelo homem,nanobiotecnologia e biologia sintética setornam sinônimos.

“...começa a parecer razoável que os especi-alistas em biologia sintética criem algum dia artefa-tos vivos que possamos usar em nossos carros ecasas ou computadores que usem glicose comofonte de energia”. Pámela Silver e Jeffrey Way,“Cells by Design”, The Scientist, 27 de setembro de2004.

Trata-se de “fazer a vida melhor”que a natureza é a nova fronteira da bio-logia. Como já sabemos, a ciência setransforma mais rápido do que as consi-derações sobre suas implicações e semqualquer debate social. Em junho de2005, três instituições – o J. Craig VenterInstitute, o Center of Strategic &International Studies e o MIT – anuncia-ram que fizeram uma análise conjunta dasimplicações sociais da biologia sintéticaem uma pesquisa que durou 15 meses,financiada em 570 mil dólares pela AlfredP. Sloan Foundation.

Infelizmente os que estão entusias-mados para avaliar as implicações da bi-ologia sintética também estão muito en-volvidos com os que querem fazer negó-cios com ela. Um dos diretores do pro-jeto, Drew Endy do MIT, é co-fundadorda Códon Devices, uma empresa que sin-

tetiza seguimentos de DNA. Outro dosdiretores do projeto, Robert Friedmantrabalha no Instituto Venter, cujo funda-dor, Craig Venter arrecadou 30 milhõesde dólares de acionistas privados paracriar o Synthetic Genomics, para fabri-car organismos para fins industriais.

Consideramos outros marcos naevolução da biologia sintética:

• Em março de 2005, os editores darevista Nature inauguraram um novoboletim nessa linha, o MolecularSystems Biology, dedicado ao cam-po da biologia sintética. A revista éde distribuição gratuita e os autorespagam três dólares por exemplar seseu artigo for aceito.

• Em setembro de 2005 se descobriuuma variação do vírus BacteriófagoT7. Esse vírus existe na natureza etem sido estudado por mais de 50anos, mas o novo T7 é uma criaturadiferente, seus descobridores o cha-maram de “T7.1”. Este vírus é umderivado do T7, com seu genomamodificado em 30%.

• No final de 2005 foi criada a Funda-ção BioBricks (BBF) para desenvol-ver “bens comuns de funções bioló-gicas básicas” (open commons ofbasic biological functions). A BBFestá ligada ao “Registro MIT de par-tes biológicas padrões”, estabelecidoem 2004, que contribui com estesbens comuns relacionando as partesbiológicas que estão sendo construídasatualmente. Também oferecem “ser-viços de síntese e encaixes para aconstrução de novas partes, artefa-tos e sistemas”.

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• Em 2005, equipes de 13 escolas daAmérica do Norte e Europa participa-ram da competição “intercolegial demáquinas planejadas genéticamente(iGEM), que ocorreu no MIT. Utili-zando partes biológicas do registro doMIT, os estudantes criaram sistemasvivos planejados para realizar traba-lhos específicos – neste ano as pro-postas incluíram bactérias que atuam

como sensores ambientais, circuitosgenéticos capazes de fazer contas euma carreira de bactérias. Segundo odiretor do registro, Randy Rettberg, acompetição demonstra que os estudan-tes estão começando a entender que abiologia pode ser usada para fazer qua-se a mesma coisa que os sistemas ele-trônicos ou mecânicos. Já estão plane-jando a próxima competição anual.

Companhia A que se dedica

Amyris Biotechnologies, EEUU www.amyrisbiotech.com

Fundada em 2004, a Amyris é a menina dos olhos da biologia sintética. Com um financiamento de 12,5 milhões de dólares da Fundação Gates, a empresa buscar desenvolver um micróbio que se torne uma fonte barata de medicamento anti malária – uma substância química que se encontra em pequenas quantidades no absinto. A Amyris também usa sua tecnologia patenteada para produzir compostos químicos muito específicos como vitaminas e aromatizantes.

Biótica, Reino Unido www.biotica.co.uk

A Biótica usa a biologia sintética (por exemplo os poliquetidos bioativos) para descobrir medicamentos. Os poliquetidos são uma classe diferente de produtos naturais que a Biótica afirma “ser uma grande fonte de medicamentos com valor comercial significativo, atualmente representam vendas em todo o mundo de mais de 20 milhões de dólares por ano.”

Blue heron Biotechnologies, EEUU www.blueheronbio.com

Blue Heron reproduz genes “ndependente da seqüência, complexidade ou tamanho, com uma exatidão de 100%”, usando sua tecnologia patenteada GeneMarker. A empresa oferece “um preço especial para seus novos clientes: 1,60 dólares por par”.(Inclusive neste preço promocional, estaria sequenciar o genoma completo da menor bactéria { mycoplasma genitalium, com 580.000 pares de base}, o que custa quase um milhão de dólares).

Codon Devices, EEUU www.codonvices.com

Fundada em 2004, a Códon está desenvolvendo uma plataforma de produção patenteada, “BioFAB plataforma de produção” que se espera sintetizar com toda precisão códigos genéticos de quilobase e megabase, mais rápido e mais barato que qualquer tecnologia disponível atualmente. A companhia vende “jogos de partes biológicas para projetos de pesquisa em larga escala, células projetadas para produzir medicamentos, proteínas projetadas para bioterapia e artefatos biosensitivos”. A Codon tem obtido 13 milhões de dólares em capital de risco e espera começar a ter lucros no final de 2005.

Synthetic Genomics, EEUU www.syntheticgenomics.com

Fundada em 2005 por J. Craig Venter, o magnata do genoma, a empresas visa produzir organismos com “necessidades metabólicas reduzidas e reorientadas” que possam “facilitar novos métodos de produção industrial bioprojetados, mais poderosos e diretos”. Slogam “Imagine um futuro... em que os pesquisadores possam usar um produto modular, parecido com um software, para desenvolver novos genomas microbianos que se fabricam em escala industrial”.

GeneArt, Alemanha ww.geneart.com

GeneArt, empresa surgida as Regensburg University em 1999, é um companhia de síntese genética que utiliza sua tecnologia patenteada GeeOptimizer. GeneArt foi classificada como uma das 10 companhias alemãs com o mais rápido crescimento.

Os novos vizinhos: Companhias de biologia sintética

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DNA 2.0, EEUU www.dnaopointo.com

Fundada em 2003, A DNA 2.0 utiliza o processo “DNA -2-Go” para sintetizar genes, especializando-se em tecnologias de otimização de proteínas. No final de 2004, a DNA 2.0 recebeu um financiamento de 1 milhão de dólares da DARPA, Defense Advanced Research Projects Agency para desenvolver plásticos biológicos que podem se converter em combustível.

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Conclusão: As mega empresas quedominam grandes proporções do merca-do estão se tornando cada vez maiores.Somente a ação dos cidadãos e o debateem todos os níveis – local, nacional e in-ternacional – podem questionar signifi-cativamente a hegemonia corporativa.Uma vez que as empresas trabalham compesquisa global, além das fronteiras dequalquer país, a reforma também reque-rerá debate, revisão e monitoramento anível intergovernamental. As NaçõesUnidas junto com a sociedade civil, osagricultores, sindicalistas e movimentossociais, devem recuperar sua capacidadede monitoramento, regular e reformar asatividades das empresas transnacionais.

Há treze anos, devido a pressões dosEstados Unidos, o Centro das NaçõesUnidas para as Corporações Internacio-nais foi fechado e a comunidadeintergovernamental perdeu sua capacida-de de monitorar a atividade corporativaglobal. Os Estados Unidos, sem dúvida,tem menos interesse hoje em monitorar

as empresas do que tinha em 1993. En-tretanto, os governos do Sul e a socieda-de civil precisam que alguém vigie essasempresas. É muito ruim para a OCDEque seus estados não forneçam fundospara criar um órgão de vigilância. É mui-to ruim para a ONU não poder avaliar emonitorar a tecnologia no planeta. Em 12de dezembro em Hong Kong, o GrupoETC apresentou no South Center um es-tudo onde se analisa os principais impac-tos das tecnologias de nano escala sobreos países que dependem da exportaçãode matérias primas. A reportagem está eminglês, em www.southcenter.org . Nela oGrupo ETC reforça a necessidade de cri-ar uma Convenção Internacional para aAvaliação de Novas Tecnologias (ICENT,sigla em inglês), e também descreve nos-so Communiqué “Nanogeopolitcs”, http:// w w w . e t c g r o u p . o r g /article.asp?newsid=520, em castelhano.

Texto retirado do site:www.etcgroup.org

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X – Elementos para um balançode conjuntura nacional

– Maio 06 –

I - Antecedentes históricos1. O Brasil implementou de 1930-1984 o

modelo de industrialização dependen-te (na expressão de FlorestanFernandes) que transformou a matrizprodutiva do país. Saímos de um paísagrário para industrial. De rural paraurbano. Hoje mais de 80% da popu-lação mora nas cidades, embora, 50%ainda em cidades menores. Houve umprocesso de enorme crescimento eco-nômico. Nesse período crescemos emmédia 6,8% ao ano. E renda per capitada população cresceu 4,8% o que sig-nifica que a cada geração (25 anos) arenda das famílias dobrou. Ao longode todo esse período o desempregoera apenas o exército de reserva in-dustrial (no conceito de Marx) e atin-giu no máximo 4% da população, eno inicio da década de 80, tínhamosapenas 2,8 milhões de adultos desem-pregados.

2. Esse modelo entrou em crise na déca-da de 80. A primeira conseqüência foio reascenso do movimento de massase a queda da ditadura militar. Acháva-mos que as eleições resolveriam a cri-se econômica.

3. As eleições de 1989 foram uma dispu-ta de projeto. De um lado, o acúmulo

de forças da classe trabalhadora pro-duzido pelo reascenso e que resultouno surgimento do PT, CUT, MST,pastorais, legalização dos partidos co-munistas, que apresentaram o projetodemocrático-popular. E defendido pelacandidatura Lula. E de outro lado, asclasses dominantes se unificaram eapresentaram a proposta doneoliberalismo. A vitória de Collor foia possibilidade das classes dominan-tes tentarem sair da crise com um novomodelo de acumulação de capital, ago-ra subordinado ao capital financeirointernacional.

4. Os doze anos de políticas neoliberais(1990-2002) foram um desastre paraa sociedade brasileira e em especialpara a classe trabalhadora. O Estadose retirou da economia e entregou asmelhores e mais lucrativas empresasestatais, para os capitalistas internaci-onais ou nacionais. Nada menos doque 15% de toda riqueza nacional, re-presentado pelo patrimônio acumula-do nas empresas, mudou de donos.Isso jamais aconteceu em qualquersociedade do mundo, em tão poucotempo.

5. O Estado foi seqüestrado pelo capitalfinanceiro, nacional e internacional,

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que agora passou a hegemonizar a acu-mulação de capital, através da dos ju-ros. O Governo tem o papel de colo-car altas taxas de juros, como se fos-sem parte do mercado, e a partir dela,o estado transfere, parte de todos osrecursos públicos arrecadados da po-pulação na receita federal, como pa-gamento desses juros, aos bancos pri-vados nacionais e internacionais, de-tentores dos títulos da divida públicainterna.

Os banqueiros tratam de controlar o Ban-co central e através dele, garantemsempre altas taxas de juros. O gover-no brasileiro pagou ao longo de 15anos, as mais altas taxas de juros domundo, chegando a pagar 49% ao anoem 1999, quando a media mundial nospaíses centrais nunca atingiu a maisdo q1ue 4% ao ano.

6. Mesmo assim, a divida publica internasó cresceu. Quando FHC assumiu opoder em 1995, a dívida pública in-terna era de 60 bilhões de reais. Eraconsiderada um problemão. Duranteo primeiro mandato transferiu aos ban-cos em média, 50 bilhões de reais aoano. Ou seja um total de 200 bilhõesde reais. Mas terminou o primeiromandato devendo 300 bilhões. No se-gundo mandato, teve que aumentar osjuros para evitar a crise e a fuga decapital, e pagou em media 70 bilhõesde reais, ao ano. Totalizando outros280 bilhões de reais. E a mesmo as-sim a divida publica interna saltou de300 para 600 bilhões de reais.

7. Crescimento estagnado. A economiaficou paralisada e o crescimento mé-

dio de 2,3ao ano, manteve-se a rigorequivalente ao crescimentodemográfico da população. Ou seja,em doze anos, a renda não aumentoupara a população. De 1984 a 2002, apopulação não melhorou sua renda, aocontrário dos períodos anteriores, nomodelo de industrialização dependen-te.

A política de estimulo ao aumento dasexportações foi apenas conseqüênciada necessidade do capital aumentarseus lucros no comercio exterior eauferir dólares que depois voltavampro Norte, na forma de remessa delucros, pagamentos de juros.

Como disse Delfim Neto, “o sucesso dapolítica exterior, não é o que e quan-to se exporta, mas sim o que se im-porta, como se usa os dólares, parafinanciar os investimentos e a reto-mada do crescimento”. E durante osmandatos do FHC os dólares foramusados apenas para despesas de turis-mo internacional, para pagar juros eremessas de lucros.

8. Do ponto de vista social, as políticaseconômicas neoliberais foram um de-sastre e produziram a maior taxa dedesemprego de toda historia da socie-dade brasileira. Saltamos de 3% para16,9% do total da População Econo-micamente Ativa (PEA). O desempre-go é o pior problema social que afetaa quase todas as famílias brasileiras.

9 .Apesar do discurso liberalizante, du-rante o governo FHC a carga tributa-ria recolhida pelo estado na sociedadeaumentou de 28 para 40% do PIB. O

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que se explica pela necessidade do es-tado recolher a mais-valia social, ou apoupança nacional e repassá-la aocapital financeiro.

10.A principal contradição dessas políti-cas neoliberais é que, na prática elasnão representam um novo modelo dedesenvolvimento, não representam umprojeto nacional, dos interesses da na-ção, do povo. Elas são apenas um con-junto de políticas econômicas para fa-vorecer o processo de acumulaçãoagora na esfera financeira, e que fazcom que se acumule prioritariamentenos bancos, e nas empresas que sededicam às exportações. E ao não serum projeto nacional, gera contradiçõescom frações da classe dominante ecom os interesses do país, enquantonação.

II - O governo Lula 2003-20051. Sentindo “na carne” as conseqüênci-

as de doze anos das políticasneoliberais,nas eleições de 2002, opovo brasileiro vai as urnas e vota con-tra o neoliberalismo. Elege Lula, comodepositário das esperanças de mudan-ças, em função dos vinte anos de pre-gação do PT em torno de um projetodemocrático-popular. Parte das clas-ses dominantes brasileiras, mesmodefensoras do neoliberalismo, se ali-am a candidatura Lula, por medo dacrise argentina e para manter o con-trole sobre a política econômica.

2. O Governo Lula é montado com umacomposição de classes, em que os se-tores neoliberais da classe dominante,

assumem o controle de toda área eco-nômica do governo, desde o BancoCentral, até o Ministério da Agricultu-ra. A rigor o segundo escalão da buro-cracia governamental, que dirigem defato a política econômica, se manteveo mesmo do governo FHC.

3. A eleição do Lula se revestiu de umcerto idealismo por parte da esquerdae do povo brasileiro, ao não entende-rem os limites de poder da Presidên-cia da Republica,e ao acreditar quebastaria eleger o presidente para alte-rar a correlação de forças.

4. O neoliberalismo com sua açãoglobalizada havia também terceirizadoo poder para o capital internacional.Muitas teses acadêmicas explicam hojecomo o verdadeiro poder econômicoé exercido de fato, nas esferas do Gru-po dos sete paises mais ricos, nos or-ganismos internacionais do BancoMundial, FMI, OMC, pelo poder im-perial e hegemônico do Governo dosEstados Unidos, pelo Banco Centraltotalmente dominado pelo capital fi-nanceiro (no caso brasileiro Lula es-colheu o ex-presidente mundial doBanco de Boston, sendo muitoemblemática essa escolha..) e final-mente, num ultimo estágio está a figu-ra do Presidente da Republica. Essaescala de poderes internacionais nãoexime de responsabilidade a Presidên-cia da Republica.

5. O Governo Lula ao longo de seu man-dato manteve a mesma política eco-nômica neoliberal dos oito anos deFHC. Ou seja, a rigor, as prioridadesda política econômica se mantiveram:

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altas taxas de juros (as mais altas domundo); manutenção do superávit pri-mário, garantia aos banqueiros de queo saldo do superávit para pagar jurosfosse sempre ao redor de 4,25% doPIB (enquanto o crescimento do PIBnunca ultrapassou os 3%..). Aproxi-madamente 30% de toda receita fede-ral foi transferida anualmente para pa-gamento dos juros. O governo mante-ve os subsídios e estímulos as expor-tações como único pólo dinâmico daeconomia, e totalmente controladopelas empresas transnacionais. Me-nos de 500 empresas controlam maisde 90% de todo comercio externo.Essas mesmas empresas especulamcom a taxa de cambio, aproveitandopara importarem ou exportarem deacordo com suas conveniências de lu-cro.

6. Além da política econômica conserva-dora, o governo Lula fez uma admi-nistração com muitos erros políticos,como:

a) acreditar apenas na correlação deforças do parlamento e para issopriorizou alianças com a direita;

b) articular-se apenas com os setoresconservadores e monopólicos daimprensa brasileira, como se elagarantisse o apoio popular ao go-verno;

c) preocupar-se somente com políti-cas de compensação social, comoBolsa-Famíia; Pro-Uni, como prin-cipais bandeiras de conquistas so-ciais..

d) Não cumprimento das promessas

de campanha, como dobrar o salá-rio mínimo e priorizar a geração deempregos.

e) não valorização da participação po-pular como centro de toda ação po-lítica das massas;

f) não realização de reformas políti-cas estruturais que poderia incor-porar democracia direta e exigirmaior fidelidade partidária.

g) Ao contrario, priorizou apenas asreformas no congresso exigidas pelocapital, e que nem mesmo FHChaviam conseguido passar.

7. A manutenção da política econômi-ca neoliberal significou que durante omandato do governo Lula, o estadotransferiu em media 100 bilhões dereais, de dinheiro público por ano, paraos bancos. E mesmo assim, a dividapública recebida em 600 bilhões, che-gou ao final de 2005 a um trilhão dereais.

8. Essa situação começou a produzircontradições com os setores naciona-listas e do empresariado industrial, den-tro do próprio governo. Ficaram evi-dente com a queda do presidente doBNDES e com as crescentes críticasdo Vice-presidente da República, queafirmou: ”nossas promessas de cam-panha ainda não chegaram ao Paláciodo Planalto”.

9. Some-se a esse quadro, uma situa-ção de crise na esquerda partidária,representada pela hegemonia que opartido dos trabalhadores exercia.Essa crise foi resultante dos métodosde trabalho político que os setores

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majoritários do partido adotaram nosúltimos anos e que agora se evidenci-aram, nos esquemas de financiamen-tos escusos de campanha e na priori-dade no marketing eleitoreiro, em vezde debater projetos e propostas, etc..Ou seja, a esquerda adotou os mes-mos métodos da direita e com isso seequiparou ideologicamente e gerouuma enorme frustração na suamilitância social e socialista.

III - Situação atual do Brasil1. Vivemos uma grave crise econômica.

Ao contrário do discurso oficial, a taxade crescimento do PIB é ridícula, pró-xima ao crescimento demográfico. Aeconomia não atende as necessidadesbásicas da população. Isso não signi-fica que a classe dominante não ga-nhe dinheiro, como disse um analis-ta:” A economia brasileira vai muitomal, mas os negócios da classe domi-nante vão muito bem”. Ou seja, hádiversos setores no capital financeiro,aliado com setores oligopólicos da in-dústria e do comercio e serviços quemantêm altas taxas de lucro. Mas osindicadores de produção física indus-trial vem caindo. A taxa de investi-mento está estagnada. Nos últimos trêsanos, o governo investiu apenas 8 bi-lhões de reais anuais, em média, o queé insignificante para o volume do PIBbrasileiro. A dependência externa au-mentou. Vários analistas internacionaistem publicado nos jornais de fora, oaviso de que a farra da abundancia docapital volátil acabou, que se aprofundauma crise no centro do capitalismo, e

que isso terá sérias conseqüências nospaíses periféricos, que não protegeramsuas economias, como o Brasil. Asaltas taxas de juros, as maiores domundo, somados a uma divida publi-ca que beira a um trilhão é o atestadoda falência da política econômicaneoliberal.

2. Vivemos uma crise social grave. Astaxas de desemprego se mantêm. Ofato que se tenha criado 3 milhões deempregos nos últimos três anos, e queesse contingente tenha sido maior doque no governo anterior, é insuficien-te, pois equivale mais ou menos aomesmo numero de jovens trabalhado-res que ingressaram no mercado detrabalho. O Brasil tem hoje 12 milhõesde adultos desempregados, e mais 15milhões de adultos no mercado infor-mal, o que totaliza uma população de27 milhões de brasileiros sem direitossociais e trabalhistas, e fora do pro-cesso produtivo. A conseqüência dis-so é o aumento da violência nas cida-des, a falta de perspectiva para a ju-ventude, e cenas de barbárie social. Amaior cidade do país deu mostras donível de barbárie da marginalidade so-cial e da própria ação da policia, nasprimeiras semanas de maio/06.

3. Vivemos uma crise política. A popula-ção não acredita mais nos políticos,na forma atual de representação polí-tica. Segundo o IBOPE 92% da po-pulação não acredita nos políticos.Essa democracia representativa nãoatende mais as necessidades de exer-cício do poder político. Os políticosestão desmoralizados. E não basta cas-

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sar alguns deputados que não resolveo problema. As elites e a classe domi-nante não tiveram coragem de fazeruma reforma política com medo deperder parcela do poder que exercemno parlamento e no estado. E suasinfluencias paroquiais e oportunistas.O poder desses políticos de carreiravem do uso do dinheiro público. E pelainfluencia que acabam tendo na indi-cação de apadrinhados para os 18 milcargos públicos existentes no governofederal, divididos entre as alianças par-tidárias. (Enquanto na França para seter uma idéia, são menos de mil car-gos. E a França é o país do mundocom maior numero de servidores pú-blicos pela população.).

Há uma crise por tanto da própria demo-cracia burguesa, que caindo a masca-ra, aparece cada vez mais como umagrande hipocrisia. Ás vezes entre ospróprios interesses de classe da bur-guesia, ficam evidentes as contradiçõesentre esses seus interesses econômi-cos, garantidos na política econômicae o comportamento de seus partidosno congresso.

4. O funcionamento dos partidos, semfidelidade, e sem nenhuma ideologia,os transformou em quase todos iguais.A população não nota diferença entreeles. Se algum analista se preocuparem analisar a doutrina e propagandados partidos pelo que seus dirigentesdizem na televisão para as massas, defato, não verá muita diferença entretodos eles.

5. Há uma crise de projeto. A nação bra-sileira não tem projeto, a manutenção

da política econômica neoliberal, mes-mo que gerasse crescimento econô-mico, não é um projeto de desenvol-vimento nacional, a essência da acu-mulação é no sistema financeiro e nasempresas que se dedicam ao comer-cio exterior. A verdadeira crise do Bra-sil é que precisa de um projeto. Umprojeto de nação, que organize a eco-nomia e a política, para resolver osproblemas do povo.

6. Essa situação de crise de projeto seagrava, nesse quadrante da historia doBrasil, porque estamos vivendo um pe-ríodo de refluxo dos movimentos demassas, que leva a desorganização daclasse trabalhadora, apatia da socie-dade em geral para debater política. Oquadro negativo se completa com umasituação que, em função do governoLula, que não cumpriu com suas pro-messas de campanha e gerou uma di-visão nas esquerdas. “Lula-lá” tinhasido a meta síntese que unificou todasas matizes de esquerda nos últimosvinte anos. Essa unidade se rompeu,tanto no plano dos partidos de esquerdainstitucional, (PT, PCdoB, PSB,PSTU, P-Sol, etc..) como na chama-da esquerda social.

IV. Perspectivas1. Diante de um quadro de crise, as pers-

pectivas e rearranjos das forças soci-ais e políticas são complexas, confu-sas e completamente imprevisíveis. Ocerto é apenas que,o processo de en-contrar uma saída para a crise e deconstrução de um novo projeto

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hegemônico, seja qual for, será certa-mente um processo prolongado, demuitos anos.

2. As forças conservadoras, direitistas edefensoras da manutenção da atualpolítica econômica neoliberal, repre-sentadas hoje pelos capitalistas do se-tor financeiro e dos grandes gruposeconômicos, e partidariamente. PeloPSDB e PFL, apresentaram a candi-datura Alkmin, como forma de garan-tir controle absoluto do estado atravésde um governo puro. Temem a conti-nuidade de um certo “o populismo dogoverno Lula”. Ou seja, preferem terum representante mais autentico, doque arriscar-se mais quatro anos comgoverno Lula, apesar dele ter mantidoa política econômica da classe domi-nante neoliberal.

3. Há diversos fatores que levam a clas-se dominante a tentar um Presidentemais confiável:

a) Há preconceitos em relação ao com-portamento do Presidente Lula e suaorigem de classe;

b) critica-se que apesar de manter a polí-tica econômica deseja, o governo te-ria ainda feito elevados gastos públi-cos, com programas de compensaçãosocial, desnecessários na visão deles,como a bolsa-família,

c) Eles não sabem e não controlam qualseria o comportamento do governoLula, num quadro de crise econômicaou de reascenso do movimento de mas-sas. Temem, no fundo que o governoLula não teria coragem nem forças de

reprimir o movimento de massas.

4. E há frações e setores dentro da classedominante que continuam apostandona aliança com o PT e o governo Lula,como forma de manter seus privilégi-os e interesses de classe. É assimque se comportam os velhos setoresda oligarquia rural, incrustado noPMDB, como os Sarney, noMaranhão, Barbalhos do Pará,Suassunas da Paraíba, Calheiros dasAlagoas. E também setores vincula-dos ao mercado externo e aoagronegócio.

5. Os setores desenvolvimentistas-nacio-nalistas, estão muito divididos em ter-mos de agrupamentos partidários. Par-te deles estão dentro do PMDB, ou-tros no PL, PMR, PDT e no PSB.No PMDB, sem nenhuma unidade,alem dos setores da oligarquia rural quejá aderiram ao governo Lula, há umsetor claramente neoliberal que já ade-riu ao candidato Alkmin. Como oPMDB de Pernambuco, Mato Gros-so, Mato Grosso do Sul, e DistritoFederal. Há grupo do Itamar, do PedroSimon, do Governador Requião,Lessa, etc. E há o grupo do Governa-dor Garotinho, que representa umavertente oportunista-populista commeros objetivos pessoais e não de clas-se. Dificilmente o PMDB conseguiraunidade para ter uma candidatura pró-pria, e muito menos representativa dossetores nacional-desenvolvimentista.Na verdade lhes falta representação declasse burguesa nacional, com essavocação, para poder alavancar umacandidatura com essas características.

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6. Outros setores como o PDT e o PPSpodem ter candidaturas próprias. Nocaso do PDT com um caráter anti-neoliberal. Mas nos dois casos aten-dem mais a motivações pessoais, par-tidárias, do que um projeto alternati-vo, que acumule forças políticas e porisso não se viabilizam.

7. A Candidatura a reeleição do Presi-dente Lula provavelmente vencedorano pleito, tampouco representa um al-ternativa de projeto. A perspectiva éque o segundo mandato seguirá repre-sentando um governo ambíguo, decomposição de classe, com várias for-ças políticas e sociais presentes, algu-mas até contraditórias. E representaraa manutenção da atual política econô-mica neoliberal, talvez aprofundandoum pouco mais as políticas sociais.Como explicou recentemente o Minis-tro do Planejamento, a manutenção dosuperávit primário em 4,52% do PIBé uma verdadeira clausula pétrea, parao governo Lula. Ou seja, já o sinalpara os banqueiros, que nessa área,nada mudará. Certamente será então,um governo muito tensionado, de umlado pela direita que seguira na ofen-siva, para que ele não se atreva a mu-dar a política econômica, e de outrolado os setores nacionalistas e de es-querda social, cada vez mais insatis-feitos. A única força que poderia alte-rar o quadro no segundo mandato é apossibilidade de mobilização popular.

8. E há a candidatura de esquerda, dasenadora Heloisa Helena, pelo P-SOL,que a principio se apresentava comouma alternativa socialista, mas não

conseguiu aglutinar amplas forças so-ciais que são anti-neoliberais eantiimperialistas. Ou seja, apesar deum discurso anti-neoliberal eantiimperialista, não conseguiuaglutinar em torno de sua candidaturaas forças que tem essas posições.

9. Uma das características fundamentaisdessa campanha eleitoral é em primeirolugar que não haverá disputa de pro-jetos, de idéias, de propostas de mo-delo econômico. Será uma disputaapenas em torno partidário e pessoal.Por outro lado, pela primeira vez, de-pois da ditadura militar, a esquerdapartidária e social, terá posições elei-torais divididas. Não marchara unida-de. Assim, haverão votos de esquerdano Lula, na Heloisa Helena, no PMDB(se tiver uma candidatura nacionalis-ta) no Cristóvão Buarque. E ainda te-remos gente de esquerda anulando ovoto, em especial grandes parcelas dajuventude que está completamentedesanimada da política eleitoral. E te-remos setores que vão se abster departicipar das eleições.

10. E, independente do resultado eleito-ral, de seus candidatos, o processo elei-toral no meio de uma crise tão grave,não será suficiente para resolver osproblemas do país. E seguramente te-remos um próximo governo mais frá-gil, com menos força social, do queatual, menos representativo, mesmosendo reeleito o atual presidente. Acrise será prolongada e o próximomandato governamental será muitomais tenso e com mais agitação soci-al.

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V. Desafios para os movimentos e aesquerda social

1. Diante de um quadro tão adverso paraas forças populares, de refluxo domovimento de massas, de crise ideo-lógica da esquerda, apatia da socieda-de e ofensiva do capital financeiro, asforças sociais populares precisam tra-balhar com estratégias de longo pra-zo. Não haverá saídas fáceis, nem decurto prazo. Para isso estão coloca-dos diversos desafios que precisam serencarados por todas as forças popula-res, de forma unitária, para poder acu-mular forças e construir saídas a mé-dio e longo prazo.

2. Estimular todo tipo de lutas sociaiscomo forma do povo ir resolvendoseus problemas concretos, elevar seunível de consciência de classe e acu-mulando para um processo dereascenso do movimento de massas.Única forma de alterar a atual correla-ção de forças adversas.

3. Dedicar energias a processos perma-nentes de formação de quadros e demilitantes, em todos os movimentos eespaços.

4. Construir meios de comunicação pró-prios da classe trabalhadora, de todosos tipos, seja rádios, televisões, jor-

nais, boletins, internet, etc.. Como for-ma de disputar as idéias na sociedadee ir construindo hegemonia.

5. Debater em todos os espaços possí-veis a necessidade de construir umnovo projeto para o país, um projetoque seja anti-neoliberal, antiimperia-lista, popular e nacional. E ele somen-te será viabilizado, não apenas pelaformulação de suas propostas que re-solvam os problemas estruturais dopovo brasileiro, mas, sobretudo se con-seguir produzir um verdadeiro mutirãode debate que vai acumulando energi-as, forças, consensos, em torno dele.

6. Realizar atividades e concentrar esfor-ços para elevar o nível de consciênciae de cultura do povo brasileiro.

7. Dedicar esforços e energias paraconscientizar e organizar a juventudepobre das periferias das medias e gran-des cidades, que são hoje mais penali-zadas pelo desemprego, pela desespe-rança, pela falta de alternativas noneoliberalismo, e que ao mesmo guar-dam energias da vontade mudar, deconstruir um futuro melhor.

8. Desenvolver de forma unitária e con-junta calendários nacionais de lutas ede atividades.

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1. Lucro dos bancos brasileiros no primeirotrimestre

O maior banco brasileiro, oBRADESCO, anunciou seu balanço tri-mestral de janeiro a março de 2006.. Olucro líquido do período foi de apenas1,5 bilhões de reais!. O banco Itaú tam-bém publicou o resultado do primeiro tri-mestre: 1,4 bilhões de reais. Facilitandoas contas, cada um deles está ganhandode lucro liquido, ao redor de 500 milhõesde reais por mês, ou se quiserem, 25 mi-lhões de reais por dia útil de trabalho.Depois não sabem por que continua aconcentração de renda no Brasil.

2. Banco Suíço compra mais um bancobrasileiro

O grupo suíço UBS anunciou quevai pagar 2,6 bilhões de dólares, pelocontrole acionário do pequeno banco deinvestimentos brasileiros:o BANCOPACTUAL. O Banco Suíço tem 70 milfuncionários e opera em mais de 50 paí-ses, de todos continentes. E estava pre-cisando de um pé no Brasil para poderatuar na economia brasileira, assim, atra-ir capitais estrangeiros e também ter aces-so a essa galinha dos ovos de ouro, que éa maior taxa de juros praticada no mun-do, e garantida pelo governo: 17% aoano. Na Suíça, para quem não se lem-

XI – Noticias da economia e da sociedade brasileira– Maio 2006 –

bra, a taxa de juros é de 0,2% ao ano. Ézero dois mesmo.

Para quem não está lembradoo Banco Pactual foi fundado por algunstécnicos, ex-funcionários públicos do sis-tema financeiro e intelectuais, no perío-do de ouro do neoliberalismo no primei-ro mandato do FHC. E como vêem, aturminha termina o período neoliberal de15 anos, com uma vaquinha razoável de2, 6 bi de dólares..Mas coitados, o Ban-co Suíço avisou que pagará apenas 1, 4bi de dólares à vista e o restante será emprestações durante cinco anos.

3. Crise do setor calçadista do Rio Grande do SulA crise do setor calçadista do Rio

grande do sul, que vem desde o ano pas-sado, só tem se aprofundado. Isso sedeve em função da taxa de cambio, daisenção de impostos (lei Kandir) para ex-portação de couro, que faz com que osconcorrentes das empresas brasileiras, ita-lianos e chineses, comprem nosso courosem pagar impostos, façam calçados edisputem com nossas fabricas de sapatoo mercado internacional em melhorescondições. Cerca de 13 cidades gaúchasestão seriamente afetadas. Por isso, naprimeira semana de maio, houve umacaravana para Brasília,de prefeitos, em-presários, sindicalistas e trabalhadorespara tentar amenizar a crise. Só neste ano,

Organizadas por Lucas de Oliveira, São Paulo

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já fecharam sete fabricas de calçados ape-nas no município de Novo Hamburgo,que é a capital do calçado nacional. E jáperderam emprego nada menos que 20mil trabalhadores. Segundo os empre-sários, se não houver medidas urgentespara crise outros 25 mil trabalhadorespodem perder o emprego.

Por outro lado, a crise agora chegatambém no setor de material esportivo (tênis, bolas, luvas, etc..) o principal pólode produção, a cidade de Veranópolis jácomeça a sentir os efeitos com o desem-prego de centenas de trabalhadores dasfabricas transnacionais, como aAlpargatas, aí instaladas.

4. Consórcio estrangeiro compra empresa deFerrovias brasileira

O consorcio estrangeiro AméricaLatina Logística- ALL, comprou a redede ferrovias da empresa BRASIL FER-ROVIAS por um 1, 4 bilhões de reais.A empresa ALL já controlava os princi-pais ramais ferroviários da Argentina,Chile e Uruguai. Com essa aquisição setransforma a principal empresa de logísticaferroviária da América Latina.

Por outro lado, continuam sócios daALL, com 28% das ações, os fundos depensão Previ, Funcef, o Banco Morgane o BNDES, repetindo uma velha fór-mula de parceria nas privatizações, emque se mesclam interesses de capital es-trangeiro, fundos de pensão dos “traba-lhadores”, bancos privados e o capitalestatal (BNDES ).

5. FEBRABAN quer melhorar a imagem dosbancos...

A Federação nacional dos Bancos-FEBRABAN anunciou no Rio de Janei-ro que os bancos que operam no Brasilestão preocupados com sua imagem pe-rante a sociedade, devido aos altos lu-cros obtidos nos últimos quatro anos.Assim, os bancos vão adotar a estratégiade aplicar mais recursos em obras sociaise financiamento de projetos e ações so-ciais. Alguns bancos passaram a formarsuas próprias ONGs, como todos temosvisto na propaganda do HSBC (Açãosolidariedade) outros preferem atuar emInstitutos culturais, mais discretos, queademais podem absorver investimentosculturais da Lei Roubnet. É o caso doItaú, do Unibanco, do Real. E oBradesco prefere obras de assistênciasocial com crianças. Segundo aFebraban, os bancos já aplicaram um bi-lhão de reais, durante o ano de 2005, emobras sociais, com o objetivo de melho-rar sua imagem. Notem: pelo menos sãohonestos, admitem que gastam essadinherama toda com as ONGs deles, nãopara resolver problema dos pobres, masapenas para melhorar sua imagem. Ouseja, aplicar em “obras sociais” é umaforma de fazer propaganda mais baratado que a televisão.6. Mais desnacionalização na agroindústria

O grupo Perdigão, uma associaçãode empresários argentinos com o fundode pensão do Banco do Brasil, que con-trola a empresa agroindustrial Perdigãoanunciou que vai comprar a empresaBatávia , de Carambeí, Paraná, por 150

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milhões de reais. Há alguns anos atráso grupo, que era brasileiro, já havia sidodesnacionalizado e vendido para aParmalat. Depois com a crise daParmalat, a justiça entregou a adminis-tração da Batávia para seu principal cre-dor, a Central de Laticínios do Paraná.Bem, agora já saneada financeiramenteirá então para os argentinos. Êta, terrinhagenerosa..

7. Caem as exportações de carne de porcoAs exportações brasileiras de carne

de porco caíram 35% em relação ao anode 2005. A queda se deve ao fato de queem função das noticias de febre aftosa eoutras doenças, as empresas russas dei-xaram de comprar. Acontece que, naânsia de se dedicar ao comercio externo,os frigoríficos brasileiros estavam muitodependentes dos Russos, que represen-tavam 70% de todo mercado externo dacarne de porco brasileira. Ficar depen-dendo de capitalista russo, com toda essafama de mafiosos, não é bom negócio. Aturma do Corinthians que o digam..

8. Notícias da empresa WALL-MARTA empresa Wal-Mart apresentou

seu novo gerente geral para o Brasil. Tra-ta-se do senhor Vicente Trius. Ele é nas-cido em cuba, fugido com os pais na re-volução e se educou nos Estados Uni-dos. Antes foi gerente das empresasCoca-Cola, e da empresa mexicano-estadunidense de sucos, DEL VALLE.Tudo a ver !

A Wall-Mart é a maior empresa ca-

pitalista do mundo, não apenas de suaárea de comercio em supermercados. Eagora, eles tem a determinação de setransformar também na maior empresade supermercados no Brasil. Basta lem-brar que em apenas 5 anos de investi-mentos por aqui, eles já abocanharamvárias empresas nacionais e controlamhoje 28% de todo comércio varejista.

O novo gerente anunciou que a novaestratégia para ampliar o mercado serácriar uma rede de pequenas lojas nas pe-riferias das grandes cidades, destinadasa atrair o consumidor de baixa renda, queé a maior parte da população brasileira.Por ora, estão ampliando as redes TODODIA e BALAIO, e São Paulo, Salva-dor e Recife, mas até 2007 criarão umamarca única, para todas as lojas de po-bre no Brasil. Com esse objetivo a em-presa está comprando mais uma rede bra-sileira, o ATACADÃO, que tem 35 lojasdistribuídas por todo país e faturava 4,5bi de reais por ano. Aguardem então.Que os gringos vão tomar conta até denossos armazéns e botecos de favelas!

9. Até os capitalistas indianos estão chegando...A maior fabricante de açúcar e

etanol da India, a empresa BAJAJ

HINDUSTHAN (BHL) está fazen-do estudos para investir 500 milhões dedólares no Brasil, anunciou o jornal indi-ano The economic Times. A companhiaestá estudando formas de se estabelecerno Brasil, para ampliar suas operaçõesde açúcar e álcool etanol. Leia-se; pro-curando Usinas para comprar.

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10. Acesso a universidade via pro-uniO Ministério da Educação MEC

anunciou que irá abrir vagas do Pro-unipara alunos pobres estudarem em facul-dades também no segundo semestre de2006. Serão 36.162 vagas com bolsa in-tegral e mais 10.897 vagas com bolsaparcial(meia bolsa) totalizando 47.059bolsas no segundo semestre.

Acompanhe a evolução do PRO-UNI desde sua criação.

Se formam a cada ano, nada me-nos do que 3 milhões de jovens na redede ensino do segundo grau.

Em 2005 foram oferecidas 112.275bolsas ( 71905 integral e 40370 parcial)se inscreveram na época apenas 216.021estudantes egressos do segundo grau.

Em 2006 foram oferecidas 91.609bolsas (63.536 integrais e 28073 parcial)para os 797.840 estudantes que passa-ram no ENEM e se candidaram a vagasdas bolsas.

11. Aumenta a responsabilidade das mulherespelo sustento das familias.

O Sistema de informações de Gê-

nero, um banco de dados do IBGE anun-ciou no Rio de Janeiro, dados do com-portamento do trabalho feminino duran-te a década de 1990 a 2000. Segundo oIBGE, as mulheres que chefiam as famí-lias e são responsáveis pelo seu sustento,passou de 7,7 milhões em 1990 para 12,8milhões em 2000, aumentando 66% aparticipação das mulheres na responsa-bilidade das famílias. Naquele ano, asmulheres eram chefes de 26,5% de to-das as famílias brasileiras. Como osdados se referem a seis anos atrás, e háuma tendência a aumento continuo de suaparticipação, é provável que o peso atualseja bem maior.

Apesar disso, as mulheres ganha-vam em média, o equivalente a 70% dosalário de um homem, na mesma funçãoe tempo de serviço.

Por outro lado, a boa novidade queo sistema de acompanhamento revelou,é que atualmente, nada menos que 64%de todas as pessoas que se formam noensino superior, são mulheres.

Quem quiser acessar os dados doIBGE sobre questões de gênero, deveacessar na paginawww.presidencia.gov.br/spmulheres

– Notícias de Junho de 2006 –Organizadas por Lucas de Oliveira, São Paulo

I- Economia 1. Resumo dos indicadores macro-econômi-cos do Brasil

1.1. Superávit primário bate re-corde em 15 anos.

O superávit primário é a diferençaentre o que o governo arrecada na receitafederal e os gastos públicos. Essa diferença

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o governo destina então para o pagamentode juros aos Bancos. No mês de abril, osuperávit atingiu o recorde dos últimos quin-ze anos, quando o governo poupou no mês,nada menos do que 19,42 bilhões de reais.E destes, 12,9 bilhões foram transferidospara pagamento de juros.

1.2. Meta percentual do Superá-vit Primário.

O Governo se comprometeu com oFMI e a banca internacional em manteruma taxa de 4,25% de superávit primá-rio sobre o PIB durante o ano. Nesse mêsde maio o superávit representou 6,26%do PIB.

1.3. Pagamento de juros.

Os últimos doze meses completa-dos em abril/06 totalizaram uma transfe-rência de 163 bilhões de reais dos cofrespúblicos para pagamento de juros. Issorepresentou nada menos do que 8,22%do PIB no mesmo período.

1.4. Dívida pública interna.

Mesmo com toda essa transferên-cia do pagamentos de juros, a dívida pú-blica interna alcançou em final de abril um total de 1,014 trilhões de reais. Comoa taxa básica de juros colocada pelo pró-prio governo está ao redor de 16% aoano. Pode-se calcular que o governo pre-cisará pagar esse ano, mais 160 bilhõesde juros, sem que a dívida diminua.

(Fonte: acredite, tudo isso estavano jornal Estado de São Paulo, dia 26 demaio, pagina B-6 caderno de Economia)

2. Dados do comércio Brasil e China(Estado de São Paulo 5 de junho/

06 - com base em dados do Ministérioda Indústria e Comércio do Brasil)

Período de janeiro a abril de2006- em milhões de dólares

Principais produtos exportadospelo Brasil para a China

Minérios de ferro e seus concentrados:706 milhõesSoja e torta de soja: 621 milhõesPastas de celulose: 128 milhõesÓleos brutos de Petróleo: 121 milhõesCouros: 02 milhões

Principais produtos importadospelo Brasil da China

Aparelhos transmissores e peças: 244 mi-lhõesMaquinas automáticas de proc. Dados:110 milhõesMicro conjuntos eletrônicos: 107 milhõesDisp. Cristal liquido: 98 milhõesPartes e acesso proc. de dados: 93 mi-lhões

A quem interessa esse tipo deintercambio?

3. O oligopólio do comércio de supermerca-dos no Brasil

Vejam o balanço das três maioresredes de supermercados que atuam noBrasil. E o processo de concentração ecentralização que vem ocorrendo no se-tor.

3.1. Pão de Açúcar (associado aum grupo Francês)

Faturamento em 2005: 16 bilhões de reaisNúmero de lojas: 551 (2004) para 556em 2005Empregados: 63.500 em 2004 para

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62.800 (ou seja, aumentou as lojas e di-minuiu os funcionários)

3.2. Carreffour (Francês)

Faturamento em 2005: 12, 5 bilhões dereais.Número de lojas: 390 em 2004 para 399em 2005Empregados: 43.800 em 2004 passoupara 48 mil em 2005.

3.3. Wal- Mart (Estadunidense)

Faturamento em 2005: 11,7 bilhões (do-brou faturamento em relação a 2004)Número de lojas: 149 em 2004 passoupara 295 lojas em 2005.Número de empregados: 28.800 em 2004passou para 50.100 em 2005.(ESP 29 maio 2006)

4. Indústria têxtil em criseHá no Brasil 30 mil empresas do

setor têxtil. A maioria são pequenas emédias. Garantem emprego para1.650.000 trabalhadores, sendo 70%mulheres. Em várias regiões do país,muitas empresas já foram a falência edemitiram seus trabalhadores.

Segundo o empresário Josué Gomesda Silva, filho do vice presidente, e Pre-sidente da Associação de Empresas têxtis,a crise se deve a:

- os preços das roupas vendidas pelosetor aumentou desde 1995, quando se ins-talou o real forte e o neoliberalismo, emmédia apenas 13,8%. Enquanto a inflaçãooficial foi de 167% (FIPE) e energia elétri-ca aumentou em 347%, transporte publico295% e habitação(alugueis) 266%).

- as exportações brasileiras são apenas

de matérias primas, de algodão, etc.que depois voltam como produtos fi-nais, em especial da China.

- A liberação das importações de ou-tros países.

- O baixo poder aquisitivo da popula-ção brasileira.

(ESP 29 05.06)

5. Crise no investimento estrangeiroespeculativo na Bolsa de Valores de São Paulo

Há sinais de perigo no horizonte,que a imprensa se recusa a debater. Osinvestidores estrangeiros sempre vieramao Brasil investir na bolsa de valores, queé um investimento de curto prazo,especulativo. Ganham seus lucros na es-peculação em reais, transformam imedi-atamente em dólar (por isso dólar sem-pre está baixo) e correm de volta pro seuspaises de origem.

- Nesse ano, no entanto, algo esta pas-sado, pois o investimento estrangei-ro na bolsa de valores de São Paulodiminuiu em 140 bilhões de reais. Pordiversos meses seguidos, a retiradade capital e envio ao exterior é mai-or, do que eles reaplicam.

- Como resultado, o preço das açõesdas empresas brasileiras que são ne-gociadas na bolsa vão caindo. Ouseja as empresas perdem o valor to-tal de seu patrimônio. Segundo a Bolsade valores, nesse ultimo ano a perdade patrimônio pela queda do preçodas ações dessa s empresas repre-sentou um prejuízo de 187 bilhõesde dólares.

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- Qual poderia ser a explicação paraisso? Fuga de capitais especulativosporque a taxa de juros nos EstadosUnidos aumentou. Mudanças políti-cas na América Latina. Ou mais umgolpe especulativo, em que eles secombinam, saem do país todos jun-tos, as ações caem, e ai eles voltam ecobram muito barato. Com a palavraos economistas!

- Segundo as mesmas fontes esse mes-mo movimento de perca depatrimônio e prejuízo aconteceu emtodos os paises da América Latinanesse mesmo período.

6.Taxas de juros para a população brasileirasão as maiores do mundo

Vejam as taxas médias de juros co-brado pelos Bancos no Brasil, aos quetomam credito. Em todos os itens são dis-parado os mais altos do mundo.

1. Comércio (venda a crédito e des-conto de duplicatas) 6,35% ao mês,aproximadamente 80% ao ano.

2. Cartão de credito: 10,33 ao mês130% ao ano.

3. Cheque especial: 8,08% ao mês ou100% ao ano.

4. CDC-Bancos: 3,38% ao mês ou 45%ao ano.

5. Juros cobrados pelas financeiraspara pequenos empréstimos:11,60% ou 140% ao ano.

Comparem: na Europa e Estados Uni-dos, Japão a taxa média de jurosaos consumidores é de aproxima-damente 4% ao ano.

7. Multinacionais brasileiras ousubimperialismo associado

Os investimentos diretos das empre-sas brasileiras no exterior alcançou umtotal de US$ 71,6 bilhões até setembrode 2005, informou ontem o presidentedo Banco Central, Henrique Meirelles. Omontante representa expansão de 44,1%em relação aos US$ 49,689 bilhõesregistrados até 2001. Ao participar do se-minário “As novas multinacionais brasi-leiras”, promovido pela Federação dasIndústrias do Estado do Rio de Janeiro(Firjan) e pela Fundação Getulio Vargas(FGV), Meirelles afirmou que o movi-mento está solidamente ancorado e quereduz a vulnerabilidade externa brasilei-ra. (FSP junho 06)

8. Lucro dos bancos aumenta 61,5% noprimeiro trimestre de 2006

Resultado somado das 103 institui-ções do país chega a R$ 10,2 bi, apenasno primeiro trimestre de 2006.

Os bancos que atuam no país lu-craram R$ 10,221 bilhões no primeirotrimestre deste ano, um aumento de61,5% em relação ao resultado apuradono mesmo período de 2005. O ganho re-corde de R$ 2,343 bilhões obtido peloBanco do Brasil foi o fator que mais in-fluenciou na lucratividade.

Os números são de levantamentofeito pelo BC a partir dos balanços das103 instituições financeiras que operamno país. Não foram incluídos bancos deinvestimento e de desenvolvimento, comoo BNDES.

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Lucro dos pequenos

Os quatro maiores bancos do país -BB, Caixa Econômica Federal, Bradescoe Itaú- responderam por 65% do lucrodo sistema financeiro. Duas instituiçõesfinanceiras de menor porte, porém, des-tacam-se no levantamento feito pelo BCpelo forte crescimento de suas rentabili-dades: o Pactual e o Credit Suisse. OPactual, 16º maior banco do país em ati-vos, segundo o BC, lucrou R$ 399 mi-lhões no primeiro trimestre deste ano,resultado que equivale a 12 vezes o gan-ho obtido pela instituição entre janeiro emarço do ano passado. O lucro obtidopelo Pactual no início de 2006 supera ode bancos bem maiores, como o ABNReal e o HSBC.

Essa explosão no lucro reflete osganhos alcançados pelo Pactual nas suasoperações de intermediação financeira -que, nesse caso, consistem na compra evenda de títulos públicos e de papéisemitidos por empresas privadas. (NeyHayashi da Cruz, da Sucursal deBrasília da FSP)

9. Gastos militares no mundo chegam aUS$1,12 TRILHÃO

Estocolmo (Reuters) - Os gastos dosEstados Unidos no Iraque e noAfeganistão ajudaram a aumentar as des-pesas militares no mundo em 3,5 por cen-to, alcançando 1,12 trilhão de dólares em2005, disse um órgão de pesquisa nestasegunda-feira.

Diversos países, incluindo ArábiaSaudita e Rússia, beneficiaram-se do au-mento nos preços de minerais e combus-

tíveis fósseis para impulsionar seus gas-tos com o militarismo, disse o Institutode Pesquisa para a Paz Internacional deEstocolmo, em seu último anuário.

“Os EUA são responsáveis por 48por cento dos gastos no total mundi-al, seguidos à distância por Grã-Bretanha,França, Japão e China, com 5 por centocada”, isso totaliza 68% dos gastos nomundo, e todos os demais paises do mun-do gastam o equivalente a 32% dos gas-tos, acrescentou o instituto sueco.

O relatório afirma que as despesasnorte-americanas estavam cerca de 80 porcento atrás dos ganhos em 2005.

Gastos com armas representaram2,5 por cento do produto interno brutomundial em 2005 — ou uma média dedespesas de 173 dólares per capita.

O aumento global nos preços dematéria-prima ajudou alguns países a gas-tarem mais com armamentos.

“Isso se reflete particularmente naArgélia, Azerbaijão, Rússia e ArábiaSaudita, onde o crescimento dos lucroscom a exploração de gás e petróleo im-pulsionou as receitas governamentais eliberou fundos para despesas militares”,acrescentou.

China e Índia também aumentaramos gastos.

“Em termos absolutos, seus gastosatuais são apenas uma fração das despe-sas norte-americanas. O crescimento nosgastos é largamente proporcional ao cres-cimento econômico dos países”, afirmouo instituto. (Agencia Reuters 12/06/2006)

10.Os lucros das empresas de

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transgênicos

A empresa européia SYGENTA, asegunda maior no mundo e no Brasil queproduz e controla sementes transgênicas,e teve sua área de reprodução de semen-tes no Paraná, ocupada pela via campesinapois era ilegal, anunciou que teve umfaturamento mundial de 8 bilhões de dó-lares em 2005. E que seu lucro foi de770 milhões de dólares.

II- Notícias da sociedade e dos tra-balhadores1.Dados sobre trabalho doméstico no Brasil-PNAD 2003Total de trabalhadores/as: 6.081.497

- com carteira assinada: 1.645.457, ouseja, 27%- sem carteira assinada: 4.436.040, ouseja, 73%Trabalhadoras femininas: 5.683.988 ouseja, 93%Trabalhadores Masculinos: 397.891 ouseja, 7%

Rendimento:

- Não ganham nada pelo trabalho: 36.678ou seja 0,6%- Ganham até meio salário mínimo (175ou 80 us$): 1.684.515 ou seja 28,0%- Ganham entre meio e um salário –até350: 2.512.322 ou seja 41,0%- Ganham mais de um salário mínimo(350 reais): 1.847.692 ou seja 31,o%

2. Demissões em massa na VolkswagenDepois de muitos anos bajulada pe-

los sindicalistas como uma empresa queatuava com responsabilidade social, agoraa Volkswagen mostra sua verdadeira cara,e anunciou, que para fazer frente a con-corrência internacional, vai demitir 25%de todos seus empregados no Brasil.

A medida vai atingir aproximada-mente 6 mil trabalhadores de suas trêsfabricas , Taubaté e Paraná.

3. Os miseráveis de São PauloA Prefeitura Municipal de São Pau-

lo divulgou dados coletados pela Funda-ção de Pesquisas econômicas da USP-FIPE sobre as características dos 8 milpessoas que dormem todas as noites emalbergues da Prefeitura, sem pagar nada.

Vejam os dados.

- 40% deles são jovens de 29 anos.E apenas 9% acima de 55 anos de idade.

-74% deles estão trabalhando, noentanto, 90% sem carteira assinada e portanto sem direitos sociais, e ganham en-tre 35 e 365 reais por mês, apenas.

- 33% nunca dormiu na rua.

- 55% deles, antes de virem para oalbergue moram em casas e apartamen-tos e tiveram que sair porque não tinhammais condições de pagar aluguel.

- Origem: 49% são de estados dosudeste, 19% do próprio estado de SãoPaulo e apenas 41% do nordeste.

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XII – No Brasil, número de ricos cresce mais que no mundo

Vejam alguns dados muito sintomáticos:

1. A população mundial de nosso pla-neta é de aproximadamente 6 bi-lhões de seres humanos. Destes, há8, 7 milhões que são consideradosmilionários, ricos. Pois possuemfortunas pessoais acima de um mi-lhão de dólares. Isso equivale aapenas um por cento da população.

2. Desde que o capitalismo chegou nasua etapa financeira com oneoliberalismo, a concentração deriqueza se acentou ainda mais, e ocrescimento dos ricos aumentou emmedia 8% ao ano. Sendo que, des-de 1996 até hoje, em dez anos, elesdobraram de número, passando de4,5 milhões para 8,7 milhões.

3. O Patrimônio total desses milioná-rios alcança agora a 33 trilhões dedólares. Será necessário a soma doPIB da maioria dos países do mun-do - para poder alcançar o que elescontrolam.

João Pedro StedileEconomista

4. Entre os países com maior númerode ricos, chama atenção a China,que, em apenas dez anos, produziuagora, no capitalismo chinês, nadamenos do que 320 mil milionários.

5. Na América Latina também a con-centração de riqueza é impressio-nante, e aqui temos 350 mil milio-nários entre os 8,7 milhões do mun-do. Destes, aproximadamente 150mil são brasileiros, o quecorresponde mais ou menos ao umpor cento da população mais ricado Brasil, diante dos 188 milhõesde pessoas.

6. E, assim, o capitalismo segue, pro-duzindo, vendendo, acumulando econcentrando cada vez mais rique-za. Mas na etapa do capital finan-ceiro internacionalizado, a velocida-de da concentração é espantosa.Portanto, as desigualdades sociaisvão aumentando em todo mundo. Até que um dia a frase de Marx sejacolocada em prática.

Aumento foi de 11,3%, ante 9,7% na América Latina e 6,5% na média mundial

(a partir de noticias da agencia EFE, publicado no jornal Estado Sao Paulo 21 de junho2006)

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O número de ricos na América Latina au-mentou 9,7% em 2005, a terceira maior taxa decrescimento regional, atrás apenas da África eOriente Médio, segundo o Relatório sobre a Ri-queza no Mundo, publicado ontem pelas empre-sas Merrill Lynch e Capgemini. O Brasil foi o paísda América Latina onde o número demultimilionários apresentou o maior aumento, de11,3%. A alta brasileira foi a décima maior domundo.

O relatório, em sua décima edição, afirmaque a escalada do preço do petróleo foi um dosfatores que contribuíram para a acumulação deriqueza na área, onde o número de pessoas físi-cas com um patrimônio superior a US$ 1 milhão- excluindo a primeira moradia e os investimen-tos tangíveis - aumentou a um ritmo muito superi-or à média mundial, de 6,5%.

Os multimilionários latino-americanos, cer-ca de 350 mil, controlavam no fim do ano passa-do uma riqueza de US$ 4,2 trilhões, 11,8% amais que em 2004.

No total, no fim de 2005 havia 8,7 mi-lhões de ricos no mundo, um número queaumentou 6,5% em relação a 2004 e prati-camente dobrou em dez anos, já que em 1996havia 4,5 milhões de multimilionários.

O volume de riqueza nas mãos dos ricoscresceu no ano passado a um ritmo maior que onúmero de pessoas que se incorporaram a esseseleto clube. Assim, as pessoas com patrimônioselevados controlavam no fim de 2005 ativos fi-nanceiros líquidos no valor de US$ 33,3trilhões, 8,5% a mais que em 2004.

O número de “ultramilionários”, ou seja,pessoas com mais de US$ 30 milhões depatrimônio, chegou a 85,4 mil no mundo todo,10,2% a mais que em 2004.

Segundo o Relatório sobre a Riqueza noMundo, os fatores que alimentaram a geração deriqueza foram os fortes lucros nas bolsas de va-lores pelo terceiro ano consecutivo e o cresci-mento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial,onde um dos setores mais dinâmicos foi o imobi-liário.

O relatório prevê que a riqueza financeiracontrolada pelos ricos chegará a US$ 44,6trilhões em 2010, com taxa anual de crescimentode 6%. A maior parte (US$ 14,5 trilhões) estaránas mãos de multimilionários da América do Nor-te, enquanto os europeus controlarão US$ 11,2trilhões, seguidos pelos asiáticos, com US$ 10,6trilhões, e pelos latino-americanos, com US$ 5,5trilhões.

No caso da América Latina, o número dericos aumentará a um ritmo anual de 5,9% até2010, próximo à média mundial.

OS DEZ MAIS

A Espanha entrou pela primeira vez no gru-po dos dez países com maior número de ricos,com 148,6 mil pessoas com patrimônio superiora US$ 1 milhão, de acordo com os critérios dorelatório das empresas Merrill Lynch e Capgemini.O aumento no número de ricos da Espanha foide 5,7% em 2005, o maior da Europa.

A lista dos dez países com mais ricos é li-derada pelos Estados Unidos (com 2,67 mi-lhões), seguidos do Japão (1,41 milhão), Alema-nha (767 mil), Reino Unido (500 mil), França (367mil), China (320 mil), Canadá (232 mil), Itália(198 mil) e Suíça (191 mil).

(a partir de noticias da agencia EFE,publicado no jornal Estado Sao Paulo 21 dejunho 2006)

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XIII – Construir um projeto nacional, popular, uni-tário entre todas as forças sociais do Brasil

ApresentaçãoEstamos apresentando um texto-sub-

sídio para o debate, na tentativa de con-tribuir para a construção de um projetounitário de todas as forças sociais de nos-so país.

Partimos da análise de que o Brasil viveum longo período de crise de projeto. Eque as classes dominantes, articuladas como capital internacional querem apenas nosimpor políticas neoliberais que visam ape-nas aumentar suas taxas de lucro. Entre-tanto, os problemas sociais de nosso povose agravam, e o país se torna cada vezmais dependente e transferidor de suasriquezas para fora.

Vários movimentos, entidades e for-ças sociais da sociedade brasileira comun-gam dessa avaliação e estão colocandosuas energias para construir um projetopara o país, a partir das necessidades dopovo. Há muitas iniciativas em curso,todas louváveis.

No entanto, diversas forças sociais te-mos refletido sobre a necessidade de fa-zer um esforço coletivo, generoso, semprotagonismo ou vanguardismo, de cons-trução de um texto unitário, que pudessesomar esforços no debate com nossopovo.

Daí, aproveitou-se os textos já exis-tentes e tentou-se construir uma primeiraproposta, para debate.

O texto que segue é apenas um subsi-dio para debater com nossas instancias,nossas bases sociais, em cada movimen-to, entidade ou organização social.

Tampouco tem a pretensão de substi-tuir os processos que cada movimento/entidade esteja desenvolvendo em suasredes e bases para construir de formamais detalhada suas propostas. Maisalém do esforço próprio queremos cons-truir, o que for possível, de forma unitá-ria.

É uma proposta para ser debatida aolongo dos próximos meses, sem estar afe-ta ao calendário eleitoral.

É uma proposta para conscientizar,politizar, gerar união de forças e cons-truir força popular mobilizada.

Assim, após diversas consultas commovimentos/entidades e redes de articu-lação estamos apresentando esse texto,para:

a) Vejam como cada movimento/redespodem fazer o debate nas suasinstancias, e bases sobre a necessida-de de construir um texto unitário, epodem utilizar texto abaixo como sub-sidio.

b)Apresentem sugestões de mudanças,retificando, alterando

c) Mas devemos manter uma combina-ção de procurar construir um texto

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suscinto e didático. É por tanto, umesforço de unidade, de síntese e aomesmo tempo pedagógico, entre nós,e com nossa base social.

e) Propomos, que esse debate político epedagógico seja feito ao longo do se-gundo semestre, e nos preparemospara no inicio do próximo ano realizaruma grande assembléia popular, queaglutinasse o maior numero possível

de redes e forças sociais de nossopovo.

f) Cada movimento, entidade ou redepoderá utilizar esse subsidio da formaque melhor lhe aprouver, em cartilhas,boletins, subsídios, etc.

Propõe-se que as sugestões sejam cen-tralizadas na secretaria da campanha con-tra a ALCA [email protected]

São Paulo, 23 de junho de 2006.

Brasil: Por um projeto de desenvolvimento nacional, popular e democrático

I. Sociedade, valores, e etnias

1. Queremos ser uma sociedade que viveharmonicamente em nosso território,com sua diversidade étnica,cultural,com oportunidades iguais paratodos brasileiro, com democracia eco-nômica, social, política e cultural.Como já determina a constituiçãobrasileira,mas é solenemente ignoradana realidade da economia e da práticados tres poderes constituídos.

2. Precisamos de políticas públicas, quegarantam oportunidades para todos eque de fato combatam os preconcei-tos e as discriminações relacionadascom as condições de gênero, cor, etnia,orientações sexuais, crenças religiosas,idade e classes sociais. E que garan-tam oportunidades e serviços públicospara todos e todas.

3. Precisamos de uma sociedade em queo poder real do país seja exercido pelopovo. E não apenas em seu nome.

4. Precisamos de políticas publicas e demedidas econômicas que tenham nocentro de suas prioridades o combatepermanente à pobreza e a desigualda-de social, como as duas maiores cha-gas de nossa sociedade e do atual mo-delo econômico e social.

5. Queremos construir uma sociedadegenerosa, que reconheça as diferen-ças entre seus membros e respeite ecultive na diversidade: a solidarieda-de, a igualdade e a indignação diantede qualquer injustiça.

II. O sistema político

1. Queremos um país que crie e utilizepermanentemente mecanismos de par-ticipação e decisão direta da popula-ção, nas várias instancias de decisãodo poder político e social, construin-do uma verdadeira democracia popu-lar participativa.

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2. Regulamentar os plebiscitos,referendos e consultas populares paratomada de decisões de importânciapara o povo. Garantindo o direito dopovo convoca-los. Bem como outrosmecanismos permanentes de, audiên-cias publicas, conselhos populares,participação nos orçamentos públicos,garantindo a ampliação da democra-cia direta.

3. Defendemos uma ampla reforma polí-tica que garanta liberdade de organi-zação política e partidária, financia-mento público exclusivo das campa-nhas eleitorais em todos os níveis, con-trole da propaganda mentirosa, fideli-dade partidária, revogação de manda-tos pelo voto popular, fim do sigilobancário, patrimonial e fiscal de todosos candidatos e de todos ocupantes decargos públicos, em todos os níveis.Ajuste dos salários dos eleitos equiva-lente a média dos ganhos dos servido-res públicos .

4. Controle rigoroso por mecanismos po-pulares e punição drástica de todas aspráticas de corrupção, clientelismo,nepotismo, fisiologismos exercidas noscargos públicos nos três poderes daRepublica.

5. Reorganização da atual representaçãopolítica no poder, garantindo a repre-sentação proporcional de toda popu-lação e dos setores minoritários. Quese instituam mecanismos de democra-tização do poder judiciário, colocan-do-o sob controle da sociedade, atra-vés de conselhos populares externos eoutras formas democráticas.

III. A soberania nacional e popular

1. Precisamos de políticas e práticas dosgovernantes que garantam a plena so-berania de nosso povo, sobre nossoterritório, nossas riquezas naturais, mi-nerais, nossa biodiversidade, a água eas sementes.

2. O Estado deve ter o controle, com aparticipação da sociedade e dos traba-lhadores, das empresas estratégicaspara o desenvolvimento nacional quejá existem e criar as que forem neces-sárias, para gerir as riquezas do: pe-tróleo, minérios, energias renováveiscomo a Biomassa, energia elétrica eas comunicações.

3. O governo deve instalar uma auditoriada dívida externa e examinar todos oscontratos, para controlar a transferên-cia de riquezas pro exterior, a titulo dejuros e amortização de dividas e decontratos não transparentes ou ilegaise imorais.

4. O Governo deve controlar a moeda, ataxa de cambio, a taxa de juros e oBanco Central, como questão funda-mental de soberania sobre a econo-mia nacional. Controlar e impedir aremessa de riquezas pro exterior.

5. O Governo deve realizar acordos in-ternacionais apenas em prol daintegração dos povos, do maior entre-laçamento regional e submetidos aosinteresses do povo brasileiro. Buscarintegração latinoamericana que interes-se ao povo, e condenar os acordos delivre comercio (ALCA, TLC, OMC,EU-Mercosur) que são na verdade im-

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posições dos interesses das empresastransnacionais e de seus governos im-periais.

6. Recuperar e valorizar o verdadeiro pa-pel das forças armadas brasileiras,como guardiãs da soberania nacionale dos interesses do povo, exercendo-o com democracia, transparência eampla participação popular. Garan-tindo assim a segurança nacional, opatrimônio nacional de nossas rique-zas, em favor do povo.

IV. Por um desenvolvimento economi-co justo

1. As políticas de desenvolvimento daeconomia devem estar baseadas fun-damentalmente nos interesses demelhoria das condições de vida detoda a população, em especial dosmais pobres. Sua missão é produzirbens, que eliminem o grau pobreza ea desigualdade social existente em nos-so país.

2. A organização da produção deve bus-car em primeiro lugar o atendimentodas necessidades básicas de toda po-pulação brasileira, como: alimentos,vestuário, construção de moradias,transporte publico coletivo, educaçãoe cultura.

3. Devemos investir recursos públicosde forma prioritária, para garantir apesquisa e o desenvolvimento cientí-fico, na busca de soluções mais bara-tas e práticas para o desenvolvimentoda sociedade.

4. O Governo deve orientar suas políti-

cas econômicas de acordo com essesinteresses, e impedir ingerência de or-ganismos internacionais como OMC,FMI, Banco Mundial, ou influenciasde governos imperialistas que queremampliar seu controle sobre nossa eco-nomia. Os recursos públicos devemser aplicados prioritariamente em ser-viços públicos e investimentos sociais. O superávit de contas públicas é umamera exigência do capital financeiro,que quer abocanhar os recursos pú-blicos através do pagamento de juros.As taxas de juros devem ser controla-das pelo estado, aos níveis do merca-do internacional e dos interesses po-pulares. As grandes fortunas e heran-ças acumuladas ao longo de anos deexploração devem ser taxadaspesadamente para buscar a distribui-ção de renda.

5. O Estado deve coordenar a poupan-ça nacional em investimentos produti-vos e de interesse publico, em infra-estrutura social básica, como: trans-porte, energia, portos, escolas, ferro-vias e saneamento básico.

V. O direito ao trabalho

1. O estado deve garantir a todos cida-dãos brasileiros o direito ao trabalho.Como condição de cidadania plena,como direito fundamental de realiza-ção humana. E criar condições paraque seja um trabalho produtivo, cria-tivo, não alienado e voltado para asnecessidades da maioria.

2. A política econômica governamentaldeve ter como objetivo principal os

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investimentos que garantam trabalhoa todos/as brasileiros.

3. O estado deve garantir salários dignospara todos/as trabalhadores, na ativae aposentados. E a valorização ime-diata do salário mínimo, como instru-mento fundamental de repartição dariqueza e da renda.

4. O Estado deve garantir os direitossocais que constam de nossa consti-tuição e amplamente desrespeitados,como o acesso universal a previdên-cia, a garantia de ampla organização eliberdade sindical e sem discriminaçõeslaborais de qualquer tipo. O Estadodeve ir reduzindo paulatinamente ajornada de trabalho dos brasileiros,para ampliar o tempo livre para famí-lia e a elevação cultural.

5. Implementar políticas públicas que es-timulem novas formas de organizaçãoe gestão social da produção pelos tra-balhadores, em todas as áreas da eco-nomia, através de cooperativas, asso-ciações autogestionárias, parcerias, eoutras formas de economia solidária.

VI. A organização das cidades

1. Reorganziar o convívio e o planeja-mento urbano de nossas cidades, bus-cando criar condições humanas devivencia para toda população. Devehaver políticas que evitem o êxodorural, as migrações massivas e a insta-lação de famílias em locais inadequa-dos para a sobrevivência humana.

2. O Estado deve ter uma política públi-ca de garantia de construção de mora-

dias a toda população, utilizando dasmais variadas formas de execução.

3. Implementar políticas publicas quecombatam e punam a especulaçãoexercida pelos grandes proprietários deterrenos nas cidades. Que se busqueacima de tudo o bem comum e os in-teresses da comunidade.

4. Garantir o direito igualitário de acessoa água de qualidade, a saneamentobásico, a coleta de lixo, segurança pu-blica, energia elétrica e ao transportepublico barato e de qualidade, em to-das as cidades brasileiras, em especialnas regiões metropolitanas e suas pe-riferias. O estado deve garantir a to-das famílias pobres, o acesso gratui-to de consumo mínimo necessário deágua e energia.

5. As cidades devem ser espaços, em pri-meiro lugar, de vivencia digna para aspessoas.

VII. Reforma Agrária: A organizaçãoda agricultura e da vida no campo

1. A nação, através do estado, do gover-no, das leis e da organização de seupovo deve zelar permanentemente,pela soberania e pelo patrimônio cole-tivo e pela sanidade ambiental de nos-sa natureza, da biodiversidade, daságuas, da fauna e flora existentes.

2. Realizar uma ampla reforma agrária,popular, para garantir acesso a terra atodos os que nela querem trabalhar.Garantir a posse e uso de todas as co-munidades originárias, dos povos in-dígenas e dos quilombolas. Estabele-

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cer um limite máximo no tamanho dapropriedade da terra, como forma degarantir sua utilização social e racio-nal.

3. Reorganizar a produção agrícola naci-onal tendo como objetivo principal aprodução de alimentos saudáveis,para toda população e aplicando as-sim o principio da soberania alimen-tar. A política de exportações de pro-dutos agrícolas deve ser apenas com-plementar, buscando maior valor agre-gado possível e evitando-se a expor-tação de matérias primas.

4. O estado deve aplicar políticas agríco-las que garantam uma renda mínimajusta a todos os agricultores e mora-dores do meio rural. Que haja estabi-lidade para todas as famílias que vi-vem no meio rural, estimulando a per-manência e o seu desenvolvimentoaonde moram. Garantir alternativasde trabalho e renda para a juventudedo meio rural. E estimular todas asformas associativas e cooperativas deprodução agrícola, e de agroindústrianas comunidades rurais ,interiorizando a industrialização dopaís e descentralizando a geração deempregos.

5. O estado deve estimular e controlar aspesquisas e o desenvolvimento de no-vas técnicas agrícolas que busquem oaumento da produtividade, em equilí-brio com a natureza e o bem estar dapopulação. As sementes são umpatrimônio da humanidade e não podeser objeto de propriedade privada.

VIII. A educação e a cultura

1. A educação e a elevação do nível cul-tural, do conhecimento, de valoriza-ção dos saberes populares, é condi-ção fundamental para a realização dosbrasileiros como seres humanos ple-nos, com dignidade e altivez. Seremosum país desenvolvido e uma socieda-de democrática, somente se conse-guirmos implementar e garantir o di-reito a educação pública e gratuita, emtodos os níveis, a toda população.Precisamos de um sistema educacio-nal que priorize a realização humana,e não apenas treine para funções téc-nicas e do trabalho.

2. É obrigação do estado implementardesde logo e de forma prioritária, to-dos os recursos necessários parauniversalizar o acesso dos brasileiros,de todas as idades, da escolarizaçãopública, em todos os níveis. E, so-bretudo, garantir o acesso a universi-dade pública a todos os jovens.

3. Realizar, imediatamente, em forma demutirão nacional, um programa queerradique num ano, o analfabetismono Brasil.

4. Implementar políticas publicas derevalorização dos professores e edu-cadores, como parte do enorme es-forço social, que precisamos fazer paracolocar a escola no centro de todas asprioridades sociais.

5. Garantir e desenvolver políticas deuniversalização de práticas culturais aonosso povo, valorizando-as e utilizan-do-as como forma de lazer, de eleva-ção espiritual, e da práticas de valores

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sociais.

IX. Comunicação social

1. O povo tem o direito de organizar seuspróprios meios de comunicação soci-al, de forma associativa, seja impres-sos, internet, rádio ou televisão. E oestado deve garantir os recursos paraque exerça esse direito.

2. Democratizar o atual monopólio dosmeios de comunicação de massa exis-tente na televisão, nos jornais, revis-tas e rádios. O estado deve estimular,com políticas e recursos para que seamplie o maior numero possível demeios de comunicação, sob controlesocial, nas mais diferentes formas deorganização popular.

3. Deve ser proibido o uso de conces-sões publicas de meios de comunica-ção como forma de obtenção de lu-cro. A comunicação é, e deve ser,um serviço público em beneficio dopovo, como determina a constituiçãobrasileira e não pode estar subordina-da à lógica do lucro.

4. Deve ser proibido qualquer investimen-to ou ingerência estrangeira em qual-quer meio de comunicação social.

5. O uso e pratica dos meios de comuni-cação social devem ser fiscalizados econtrolados pelo estado e por meca-nismos de conselhos populares locais,para que sua programação e uso se-jam educativos, valorizem nossa cul-tura e garantam o acesso a conheci-

mentos e informações ao povo.

X. Saúde pública

1. O Estado deve garantir e defender asaúde de toda população, implemen-tando políticas públicas, de soberaniaalimentar, de condições de vida dig-nas, como medidas preventivas às do-enças.

2. O sistema de saúde pública ,SUS, deveser ampliado e melhorado, combina-do com o Programa de saúdefamiliar(PSF) preventivo. Incluindo oatendimento médico-odontológico e deenfermagem.

3. O estado deve garantir acesso a aten-dimento médico-odontológico, e me-dicamentos de forma gratuita e racio-nal a toda população necessitada.Deve combater todas as práticas quemercantilizam o atendimento a saúdeda população e se transformaram emmero objeto de lucro.

4. O estado deve organizar um processode formação massiva, ampliando omaior número possível de profissionaisna área de saúde, de agentes popularesde saúde a médicos e especialistas.

5. Implementar políticas públicas queeduquem, orientem a população, empraticas preventivas buscando as me-lhores condições de vida e saúde, sejaatravés da alimentação, de cuidadosde higiene, seja através dos saberespopulares e da medicina preventiva.

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XIV – Plataforma política para uma agriculturasoberana e popular1

Cascavel / PRJunho de 2006

I - IntroduçãoVivemos num sistema econômico

dominante que há séculos se propôs ex-plorar de forma ilimitada todos osecossistemas e seus recursos naturais.Esta estratégia trouxe crescimento eco-nômico e o que se chamou de “desen-volvimento” para algumas nações, e pri-vilegiou o consumo e o bem estar socialde uma parcela muito pequena da huma-nidade. E excluiu infelizmente, das con-dições mínimas de sobrevivência a gran-de maioria da humanidade.

O custo desse sistema de exploraçãoda natureza e das pessoas, junto aoconsumismo desenfreado foi pago pelosacrifício de milhões de trabalhadores po-bres, camponeses, indígenas, pastores,pescadores, e outra s pessoas pobres dasociedade, que entregam suas vidas a cadadia. E pela agressão permanente da natu-reza que foi e continua sendo sistematica-

mente devastada. Sua integridade e a di-versidade de formas de vida, que são osustento da biodiversidade estãoameaçadas. E se a natureza de nosso pla-neta está ameaçada, está ameaçada a pró-pria vida humana, que depende dela. Atéa Avaliação Ecosistêmica do Milênio feitapela ONU e divulgada em 2005 reconhe-ce que “as atividades humanas estão mu-dando fundamentalmente e, em muitoscasos, de forma irreversível a diversidadeda vida no planeta Terra. Estas taxas vãocontinuar ou se acelerar no futuro”. Nes-se importante reconhecimento da crise pla-netária, é também fundamental reconhe-cer que não são todas as atividades huma-nas prejudiciais, mas sobretudo aquelasguiadas pela volúpia de lucro dascorporações transnacionais.

Por causa da dramaticidade desta si-tuação sentimos a necessidade de afirmaralternativas que assegurem um futuro deesperança para a vida, para a humanidadee para a Terra. Precisamos passar de umaSociedade de Produção Industrial,consumista e individualista, que sacrificaos ecosistemas e penaliza as pessoas, des-truindo a sócio-biodiversidade, para umaSociedade de Produtores Associadoscom a Sustentação de Toda a Vida, quese oriente por um modo socialmente justo

1 Este documento foi elaborado como subsídio para aJornada de Agroecologia, em Cascavel/PR (7 a 10 dejunho/06). As idéias aqui contidas, foram extraídas dediversas elaborações, destacando-se os documentosda Via Campesina e o Manifesto das Américas emDefesa da Natureza e da Diversidade Biológica eCultural, sendo organizado por Adalberto Martins(membro do setor de produção do MST).

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e ecológicamente sustentável de viver, quecuide da comunidade de vida e proteja asbases físico-químicas e ecológicas que sus-tentam todos os processos vitais, incluí-dos os humanos.

II – A Plataforma Política

1. A Soberania AlimentarA soberania alimentar para os

camponeses é compreendida como umdireito dos povos de definir sua própriapolítica agrícola e alimentar sem exercer“dumping” (venda a preços abaixo docusto de produção) sobre outros países.Ela compreende como necessidade a pri-oridade para a produção de alimentos sa-dios, de boa qualidade e culturalmenteapropriados, para o mercado interno,mantendo a capacidade dos camponesesproduzirem alimentos com base em umsistema de produção diversificado, sus-tentável, garantindo a independência e asoberania das populações.

A soberania alimentar supõe oacesso à terra, disponibilidade de crédi-to, preços remuneradores para os cam-poneses, comercialização garantida eregulação da produção para o mercadointerno impedindo a formação de exce-dentes. Pressupõem também a elimina-ção de todos os subsídios diretos e indi-retos para às exportações de produtosagrícolas.

Entendemos que a agricultura nãodeve ser objeto de negociações e trata-dos internacionais em instâncias comer-ciais como a OMC (Organização Mundi-

al do Comércio) e nos oporemos a todasas iniciativas dos governos imperialistase de suas empresas transnacionais de que-rem impor os tratados de livre comercioàs nações e aos povos do mundo.

Lutaremos com todas as nossas for-ças contra todas as organismos internaci-onais que cumpre o papel de guardiões docapital (FMI, Banco Mundial, OMC) eatentam contra uma agricultura soberana.

2. A BiodiversidadeA biodiversidade, tem como base

fundamental o reconhecimento da diver-sidade humana, a aceitação de que so-mos diferentes e de que cada povo e cadapessoa tem liberdade para pensar e paraser. Vista desta maneira, a biodiversidadenão é só a flora e fauna, solo, água eecossistemas. É também culturas, siste-mas produtivos, relações humanas e eco-nômicas, formas de governo.

A diversidade é a nossa própria for-ma de vida. A diversidade vegetal nos dáalimentos, remédios, moradia, assimcomo a diversidade humana, com pesso-as de diferentes condições , ideologia ereligião nos dá a riqueza cultural. Issodemonstra que temos que evitar que seimponham modelos onde predomine umasó forma de vida ou um só modelo dedesenvolvimento.

Nós opomos a que se privatizem epatenteiem os materiais genéticos que dãoorigem à vida, à atividade camponesa, àatividade indígena. Os gens, a vida, sãopropriedade da própria vida. Nós, os cam-poneses a temos protegido, cuidando delacom uma educação clara de geração em

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geração, com um profundo respeito ànatureza. Somos nós, os camponeses,que realizamos o melhoramento genéticoe nossa maior contribuição é a evoluçãode cada uma das espécies.

Por isto nos opomos resolutamentea introdução de organismos transgênicosno ambiente, seja na agricultura, nas plan-tações, na pecuária ou qualquer outroscultivos no meio ambiente.

Combateremos decididamente assementes terminator porque elas atentamcontra o sentido da vida e de sua repro-dução, pois se trata de uma semente sui-cida que visa beneficiar apenas as gran-des empresas transnacionais a ampliaremseus lucros.

Nos opomos também à introduçãode espécies exóticas, inadequadas aosnossos ecossistemas, com a introduçãode plantações homogêneas, industriais,como a de eucalipto, pinus, acácia, etc.

Entendemos que a biodiversidadedeve ser a base para garantir a soberaniaalimentar, como um direito fundamen-tal e básico dos povos e não negociável.

Nos propomos a conservar a di-versidade biológica e cultural de nossosecossistemas, cuidando do conjunto dosorganismos vivos em seus habitat e tam-bém as interdependências entre eles den-tro do equilíbrio dinâmico, próprio de cadaregião ecológica e das características sin-gulares das espécies, assim como ainteração social e ecologicamente susten-tável dos povos que vivem na região. Apreservação da diversidade biológica ecultural, da integridade e da beleza dossistemas ecológicos dão sustentabilidade

às múltiplas funções ambientais e aosbenefícios que o ser humano obtém parasi e para as futuras gerações. Entre ou-tros: água potável, alimentos, medicinais,madeiras, fibras, regulação climática, pre-venção de inundações e doenças. Aomesmo tempo que constituem as basesdo sustento da recreação, da estética eda espiritualidade assim como o suporteda conformação do solo, a fotossíntese eo ciclo de nutrientes, entre outras fun-ções vitais para o sustento de toda a hu-manidade.

3. Os Recursos Genéticos, Direitos dos Campo-neses e Comunidades Rurais

Para nós camponeses, as sementessão o quarto recurso que gera a riquezada natureza, depois da terra, da água edo ar. Por isto as sementes são umpatrimônio dos povos, a serviço da hu-manidade. Os recursos genéticos são oselementos básicos para produzir alimen-tos, vestuários, habitação combustíveis,remédios, equilíbrio ecológico, paisagemrural, todos de grande importância paranós e para a sociedade.

O reconhecimento pleno dos direi-tos dos camponeses sobre os recursosgenéticos e seus conhecimentos associa-dos, só podem se explicar na história ena diversidade. Esses direitos ultrapassamos marcos jurídicos da propriedade inte-lectual (privada).

Assim reclamamos o direito à pro-priedade da vida e nos oporemos à pro-priedade intelectual sobre qualquer for-ma de vida.

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Reclamamos o direito ao controledos recursos naturais, bem como o direi-to a decidir sobre o futuro deles e a defi-nir o marco jurídico sobre a propriedadedesses recursos. Entendendo que os di-reitos dos camponeses são de carátereminentemente coletivos.

Lutaremos para que se declare umamoratória à liberação e comercializaçãode organismos genéticamente modifica-dos e seus produtos derivados. Que seaplique o princípio da precaução e pre-venção.

4. Reforma Agrária e as Mudanças Sociais noCampo

4.1. Democratização da Terra,dos Meios de Produção e o Uso daTerra

A propriedade ou posse da terradeve estar subordinada ao cumprimentode sua função social. A posse e uso daterra poderá ser exercida de várias for-mas como: familiar, associativa, coope-rativa, de empresa comunitária, estatal,pública, etc. de acordo com as necessi-dades sociais de cada região.

Para isso se deverá alterar a atualestrutura de propriedade realizando de-sapropriações (com indenizações aos pro-prietários, através de Títulos da DívidaAgrária, correspondente ao valor decla-rado no Imposto Territorial Rural) e ex-propriações (sem indenização, nos casosde: grileiros, criminosos, cultivo de dro-gas, contrabandistas, trabalho escravo,etc...); para que se garanta o direito detodos trabalharem na terra.

Junto a isto também deverá ser es-tabelecido um limite máximo de proprie-dade privada da terra, bem como acres-centar um limite do uso da terra sobmonocultura. Ademais, é fundamentalque seja impedida a expansão da frontei-ra agrícola nos biomas do Cerrados, Flo-resta Amazônica, Pantanal e Mata Atlân-tica através de uma alta tributação denovas áreas colocadas sob produção.

4.2. A Organização da Produçãoe as Mudanças Tecnológicas

Buscaremos organizar uma agricul-tura diversificada, através dospolicultivos, rompendo com amonocultura, buscando promover umaagricultura saudável, limpa de venenos eindependentes dos insumos industriais,gerando uma alimentação de qualidade eem quantidade, viabilizando a soberaniaalimentar do nosso povo. Que este novomodelo produtivo, gere também umanova base alimentar e com ela uma novaforma de consumo, mais equilibrada, ade-quada ao ecossistemas locais e que sejaculturalmente ajustada. Disto depende arealização de um planejamento orientadorda produção, adequando a vocação na-tural das regiões aos mercados próximose às necessidades sociais.

Esta produção estará embasada emdiferentes formas de cooperação, quepermita racionalizar o uso dos recursosnaturais, otimizar o uso do meios de pro-dução e do crédito, proporcionando oaumento da produtividade física e do tra-balho. Estas formas de cooperação de-verão estar ajustas as experiências dostrabalhadores e as suas tradições e reali-dades locais. Bem como, buscaremos

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uma integração permanente da produçãocom a agroindústria, visando aumentar arenda dos camponeses e a qualidade dosalimentos.

Os assalariados deverão se organi-zar para participar, controlar, autogerir,organizar cooperativas, ou co-participa-rem na gestão das empresas aonde tra-balham. Os assalariados terão os direitostrabalhistas e sociais garantidos, comosalário digno, condições de trabalho, jor-nada de trabalho adequada. E participa-ção no resultado econômico das empre-sas. Bem como programas de capacitaçãoe especialização permanentes.

Para a organização desta novo pa-drão produtivo deve-se desenvolver pes-quisas e técnicas agroecológicas adequa-das a cada região, buscando o aumentoda produtividade do trabalho, das terras,mas com equilíbrio do meio ambiente econservação dos recursos naturais. Bemcomo utilizar manejos agroecológicos edesenvolver programas massivos decapacitação técnica dos agricultores emtodas as regiões do país. Especializandoquadros em diferentes áreas específicasdo novo modelo tecnológico, com basena ciência agroecológica, visando a pro-moção de uma agricultura sustentável.

Os serviços de assistência técnica ede extensão rural do Estado deverão es-tar voltados para as prioridades da refor-ma agrária e para a implementação dessenovo modelo agroecológico.

4.3. A Agroindustrialização doCampo

O programa de reforma agrária de-verá ser um instrumento para levar a in-

dustrialização ao interior do país, promo-vendo um desenvolvimento mais harmô-nico entre as regiões, gerando mais em-pregos no interior, e criando oportunida-des para a juventude.

Este programa de agroindústria de-verá proporcionar um processo de desen-volvimento que elimine as diferenciaçõesexistentes entre a vida na cidade e a vidano campo. Esta produção obtida e bene-ficiada deverá ser prioritariamentecomercializada nas respectivas regiões,descentralizando o consumo.

4.4. O Desenvolvimento Social

O desenvolvimento da produçãoagropecuária e agroindustrial deverá seracompanhado por um amplo programade atendimento social, por parte do Esta-do, que garanta a toda a população docampo:

• alfabetização de todos que vivem nocampo, sobretudo os jovens e adul-tos;

• garantia de escola pública e gratuitaaté o segundo grau, em todos muni-cípios, com ensino adequado à reali-dade local.

• valorização dos professores no cam-po, garantindo-lhes remuneração jus-ta e integrando-os às atividades dacomunidade;

• atendimento médico-hospitalar e pro-gramas de saúde preventiva e me-dicina alternativa gratuitos;

• implementação da construção de mo-radia para todo o povo;

• um programa massivo de cultura elazer que represente a democratiza-

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ção e o acesso à cultura a todos tra-balhadores do campo;

• democratização dos meios de comu-nicação social.

4.5. A Política Agrícola

A política agrícola é o conjunto demedidas e instrumentos de que o governodispõe para estimular a produçãoagropecuária e orientá-la de acordo comseus objetivos. Buscando também au-mento de renda para todos os campone-ses que produzem alimentos.

Este aumento de renda virá com pre-ços compensatórios aos camponeses e pelagarantia da compra da produção pelo Es-tado através de compras antecipadas daprodução dos camponeses, auxiliando naplanificação da produção nas regiões, an-tecipando as condições para o desenvol-vimento das atividades agrícolas.

O Estado deverá garantir ainfraestrutura para o comércio (transportee armazenagem) e estimular a produçãode todos os produtos básicos para alimen-tação, e em caso necessário, subsidiar oconsumo, fazendo com que toda popula-ção tenha acesso ao mínimo necessário,para eliminar completamente a fome nopaís. Deve-se evitar a importação de pro-dutos que se pode produzir aqui.

Esta produção camponesa deveráser protegida por um seguro agrícola quegaranta o valor do trabalho e da produ-ção. O crédito rural dos bancos públicosdeverá ser orientado para investimentosprodutivos, para as atividades prioritáriasda reforma agrária e para investimentossociais, tendo programas subsidiados.

O Estado deverá dar estímulos paraa produção agroecológica, buscando umaagricultura sustentável, e incentivar tam-bém a formação de bancos de sementesassociativos.

5. GêneroO modelo econômico neoliberal, que

submente a todos à competição global, émais desvantajoso e injusto com as mu-lheres. Tira os seus direitos de cultivaralimentos e as força a uma luta insegurapela sobrevivência, delas e de suas famí-lias. Traz consigo o êxodo rural, rupturafamiliar e comunitária, desemprego, bai-xos salários e dependência econômica.

As mulheres tem uma longa tradi-ção em recolher, escolher e propagar va-riedades de sementes para usos alimentí-cios e medicinais. São as protetoras pri-márias dos recursos genéticos e dabiodiversidade do mundo. O conhecimen-to tradicional das mulheres deve ser hon-rado e respeitado. Para isto precisam teracesso à terra por direito próprio. Estamoscomprometidos em garantir que as mu-lheres tenham a segurança da posse daterra e o acesso igual ao crédito e àcapacitação necessária para melhorar aprodução dos alimentos.

As mulheres que trabalham na agri-cultura ou nos setores de serviço ruralnão recebem o mesmo pagamento queos homens. A discriminação baseada emgênero é uma injustiça fundamental con-tra as mulheres e isto é intolerável.

A confiança, a auto-estima e o po-tencial humano das mulheres está debili-tado cruelmente pela subjugação e o abu-

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so que sofrem muitas delas dentro dosseus próprios lares. Comprometemo-nosa respeitar as mulheres e a proteger seusdireitos de serem livres de violências do-mésticas e de repressão.

As organizações camponeses devemreconhecer o papel chave das mulheresem suas estruturas organizacionais e po-líticas. A igualdade e a participação de-mocrática completa de mulheres dentrodas nossas próprias organizações devemmodelar a igualdade social e política paraa qual estamos lutando. As mulheres temo direito ao acesso amplo e completo àparticipação nos espaços de tomada dedecisões. As barreiras à participação de-mocrática e de lideranças de mulheresdevem ser sistematicamente apagadas.

6. Os Direitos HumanosReconhecemos que os princípios

fundamentais que governam os direitoshumanos são universais e tem que sermantidos, respeitados e implementadospelo Estado Brasileiro, garantindo o bemestar, a dignidade, a igualdade e a demo-cracia em nosso país.

No entanto, os massacres, os desa-parecimentos, os despejos forçados, astorturas e tratamentos cruéis, acriminalização da atividade social e doprotesto, são todos dramas que vivemcentenas de trabalhadores no Brasil. Nasestatísticas atuais de desigualdade mun-dial (social, econômica, de gênero, polí-tica e cultural) os camponeses ocupamos primeiros lugares de marginalização eisto não é diferente no Brasil.

Lutaremos pelo respeito, promoção

e aplicabilidade dos direitos civis, políti-cos e sociais, em nosso país, sejam aque-les já estabelecidos em leis, sejam aque-les que ainda não foram reconhecidos egarantidos legalmente.

Lutaremos também pelodesmantelamento do aparelho policial-militar repressivo, o que implica nodesmantelamento das polícias militares edos serviços de inteligência interna, sen-do isto uma das condições para o exercí-cio popular da cidadania.

IIIIIII – Os Mecanismos de Implemen-tação desta Plataforma Política

A proposta de mudanças no campo,aqui defendidas e almejadas pela imensamaioria da população que nele vivem, re-presentam um sonho. Em busca da qualseguirá nossa luta permanente.

A correlação de forças existentesatualmente em nossa sociedade não per-mite a sua implementação. As classesdominantes, que controlam o governo eas leis, congregadas pelos interesses doslatifundiários, da burguesia e do capitalestrangeiro, possuem ainda uma enormeforça para manterem por muito tempo aatual situação.

Para que possamos implantar esseprograma e torná-lo realidade, de-pendemos de dois fatores básicos:

11111.Mobilização PopularSomente a construção de um am-

plo movimento popular que reuna os mi-

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lhões de explorados e interessados nasmudanças na sociedade, poderá alterara atual correlação de forças e viabilizar oprograma proposto.

Para isso é necessário massificar,ampliar a participação popular cada vezmais nas lutas e mobilizações.

E esse processo será também a ga-rantia de que as mudanças somente se-rão realizáveis com uma ampla participa-ção popular, antes e durante o processode mudanças.

A luta cotidiana irá modificando eajustando na prática este programa.

2. A Ação do Estado Democrático e PopularA implementação dessas mudanças

implica necessariamente em que o Esta-do, com tudo o que representa de poder(executivo, legislativo, judiciário, seguran-ça e poder econômico) seja o instrumen-to fundamental de implementação daspropostas.

Seguramente deverá ser um Estadodiferente do atual. Deverá ser gerido de-mocraticamente, com ampla participaçãodas massas e buscando sempre o bemcomum.

Por outro lado, deverá haver umnovo nível de colaboração ecomplementariedade, entre os governosfederal, estadual e municipal.

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Site: www.jornadadeagroecologia.com.brE-mail: [email protected]

Julho de 2006

Rua José Loureiro, 464 – Sala 27 – Centro80010-907 – Curitiba – PR

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