cartas psicografadas como prova em processo penal · a psicografia no direito processual penal...

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367 Revista JurisFIB | ISSN 2236-4498 | Volume III | Ano III | Dezembro 2012 | Bauru - SP RESUMO Apresentação dos princípios, normas e técnicas de maior importância, que contribuem para a aceitação da carta psicografada como meio probatório para o direito processual penal. Identificação de teses e estudos realizados acerca do assunto para um resultado eficaz e seguro, por meio de revisão bibliográfica seletiva, a fim de contribuir para a esfera penal, possibilitando a defesa, de participar do verdadeiro princípio da verdade real e exercer o seu direito ao contraditório de maneira justa e legal. Além dos princípios e conceitos, foram identificadas e descritas algumas práticas periciais para que o leitor possa superficialmente entender um pouco dessa atividade que auxilia o magistrado na hora de explanar suas decisões e fundamentos. Apresentam- se também algumas curiosidades acerca do espiritismo, como mediunidade e fatos concretos onde as cartas psicografadas já foram utilizadas como prova para desentranhar o processo e fizeram a diferença para a parte acusada. Palavras-Chave: Processo penal. Provas. Cartas psicografadas. Cartas psicografadas como prova em processo penal Rodrigo Amaral Catto* *Acadêmico do 5º ano do Curso de Direito das Faculdades Integradas de Bauru.

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367Revista JurisFIB | ISSN 2236-4498 | Volume III | Ano III | Dezembro 2012 | Bauru - SP

RESUMO

Apresentação dos princípios, normas e técnicas de maior importância, que contribuem para a aceitação da carta psicografada como meio probatório para o direito processual penal. Identificação de teses e estudos realizados acerca do assunto para um resultado eficaz e seguro, por meio de revisão bibliográfica seletiva, a fim de contribuir para a esfera penal, possibilitando a defesa, de participar do verdadeiro princípio da verdade real e exercer o seu direito ao contraditório de maneira justa e legal. Além dos princípios e conceitos, foram identificadas e descritas algumas práticas periciais para que o leitor possa superficialmente entender um pouco dessa atividade que auxilia o magistrado na hora de explanar suas decisões e fundamentos. Apresentam-se também algumas curiosidades acerca do espiritismo, como mediunidade e fatos concretos onde as cartas psicografadas já foram utilizadas como prova para desentranhar o processo e fizeram a diferença para a parte acusada.

Palavras-Chave: Processo penal. Provas. Cartas psicografadas.

Cartas psicografadas como prova em processo penalRodrigo Amaral Catto*

*Acadêmico do 5º ano do Curso de Direito das Faculdades Integradas de Bauru.

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1 INTRODUÇÃO

A psicografia no direito processual penal brasileiro é um assunto muito controvertido nos dias atuais, principalmente quando falamos sobre o assunto na esfera penal, onde através de cartas psicografadas podemos colocar em questão a liberdade ou condenação de alguém. Afinal como devemos encarar esse assunto? Qual a garantia de que essas redações do “além” são confiáveis ou não?

Como em qualquer assunto controvertido, nesse em específico, existem juristas que defendem e que atacam essa modalidade de prova, alguns entendem que as cartas psicografadas não devem em hipótese nenhuma serem admitidas como prova, pois se trata de prova ilícita, que agride diretamente o nosso ordenamento jurídico.

Obstante a isso, existem alguns juristas que entendem que as cartas psicografadas em determinadas situações devem sim ser aceitas como provas, principalmente por acharem que tal anuência está assegurada pelo princípio da verdade real e também respaldada pela “mãe” de todas as leis, a nossa Constituição Federal em seu artigo 5º, caput, e inciso LV que assegura os princípios da igualdade, do contraditório e da ampla defesa, onde são dadas ao réu todas as possibilidades de trazer ao processo os elementos necessários para que a verdade seja esclarecida. (BRASIL, 1988)

A norma segundo a qual todos são iguais perante a lei traduz-se, em juízo, como a igualdade dos sujeitos processuais (acusação e defesa), sem que sua religião possa ser levada em conta.

Nessa breve introdução verifica-se que existem fatores que admitem e proíbem a prova espiritual, por esse motivo o trabalho será auxiliado também pelas obras básicas do espiritismo, codificada pelo científico e professor Hippolyte Léon Denizard Rivail, conhecido pelo seu pseudônimo de Allan Kardec, que vai elucidar melhor essas ações mediúnicas e mostrar o caminho correto para identificar as mistificações e as cartas que realmente merecem atenção. Teremos também o auxílio da grafoscopia, que é a ciência que estuda os grafismos, ou seja, a escrita como marca pessoal, a identidade das pessoas através de sua escrita, mostrando que através dessas perícias já foram identificadas e confirmadas as autorias de algumas cartas psicografadas de pessoas que já desencarnaram.

Se essas cartas podem realmente dizer em alguns casos a verdade, devolvendo a uma pessoa a sua liberdade, o que poderia ter sido retirada, por uma simples convicção ou preconceito religioso, pergunta-se seria racional ignora-las?

Esse assunto deverá ser apreciado de uma maneira muito minuciosa, pois exige muita atenção e compreensão, principalmente por tentar atrelar temas técnicos aos

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temas espirituais, independente de qualquer condição religiosa o assunto merece uma apreciação totalmente imparcial e técnica.

Nesse trabalho monográfico, foram apresentadas as provas admitidas e as provas que são consideradas inadmissíveis em nosso ordenamento jurídico, como essas provas são avaliadas, o trabalho da grafoscopia como perícia autenticando essas cartas e como o juiz através do seu livre convencimento avalia as questões “paranormais” dentro de um processo.

Essa monografia tem por objetivo contribuir para o ramo judicial, não é um trabalho exaustivo e sim um norteador dos principais pensamentos acerca do assunto, por isso deve ser encarado como uma obra advinda das grandes figuras da nossa esfera penal.

2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL

O princípio para o ordenamento jurídico serve como uma base histórica dos bons costumes de uma determinada população, para cobrir lacunas que a lei em determinado momento não conseguiu prever, ou melhor, pode também servir de reforço para complementar uma lei, um pensamento etc., a saber:

Os princípios gerais do direito dão premissas éticas extraídas da legislação e do ordenamento jurídico em geral. São eles estabelecidos com a consciência ética do povo em determinada civilização, e podem suprir lacunas e omissões da lei, adaptados às circunstâncias do caso concreto. O Direito Processual Penal está sujeito às influências desses princípios, como os referentes á liberdade, à igualdade, ao direito natural etc. É o que estabelece expressamente, aliás, o artigo 3º do Código de Processo Penal, ao considerá-lo como uma fonte suplementar da lei processual. (MIRABETE, 2003, p. 54)

Aqui o autor faz uma apresentação sobre os princípios gerais do direito para a esfera do processo penal, mostrando que os princípios condicionam e influenciam a todo o momento o andamento processual, o que o nosso código de processo penal trata em seu artigo 3º: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito”.

2.1 PRINCÍPIO DA VERDADE REAL

Como é de conhecimento, o processo penal é o ramo do direito que regula e conduz todas as “regras” e etapa do direito penal, ou seja, a condução eficaz diante de um conflito penal real.

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Dentre os vários tipos de princípios que regulam o ordenamento jurídico na esfera penal, está o princípio da verdade real, considerado um dos princípios mais importantes que serve de norteador para a finalização de um processo, esse princípio auxilia o magistrado para que finalize um processo com uma decisão segura e justa.

Para elucidar melhor o que é o princípio da verdade real, serão apresentadas algumas palavras do estudioso Nicola Framarino Dei Malatesta (2003), que poderia ser considerado hoje como um dos principais ícones no que tange a matéria das provas penais, sendo este considerado pessoa de conhecimentos e experiências incontestáveis:

Quando de uma verdade real se supõe que o espírito humano tenha atingido a certeza, seria acadêmico falar ainda de credibilidade. Quando, relativamente a uma verdade real, se supõe que o espírito humano tenha atingido o provável, mais que a credibilidade nua, seria acadêmico falar ainda do crível puro e simples. O crível, enquanto incluído no certo e provável, não é mais que uma tácita premissa da certeza e da probabilidade, de que já falamos. Resta-nos falar do crível no sentido específico: procuremos determinar sua noção. (MALATESTA, 2003, p. 64).

Ainda o mesmo autor:

O que é possível ontologicamente, que pode ter tido vida no mundo da realidade, é logicamente crível no mundo do espírito, porque pode ter sido reputado objeto real do conhecimento. O possível é a potencia capaz de atuar e, do nosso ponto de vista, o ter podido ser uma realidade. A realidade é a potência atuada. A percepção de um objeto, como possibilidade de realidade já explicada, é para nós o crível; a percepção de um objeto

como realidade incontestável é, para nós, certeza. (MALATESTA, 2003, P. 63)

Em resumo a citação acima, o autor faz questão de deixar bem nítido que nenhuma possibilidade de certeza deve ser deixada de lado, todas as possibilidades no processo penal devem ser analisadas, por mais absurda que possa parecer não deve ter a atenção desviada, tanto porque na esfera penal o objetivo é único, a real certeza dos fatos, sendo assim, todas as provas tem o seu valor considerável.

Em seqüência o professor Fernando Capez (2011) traz de maneira bem explicativa o que os estudiosos entendem acerca da limitação das provas, a saber:

Como é sabido, vigora no direito processual penal o princípio da verdade real, de tal sorte que não há que de se cogitar qualquer espécie de limitação à prova, sob pena de se frustrar o interesse estatal na justa aplicação da lei. Tanto é verdade essa afirmação que a doutrina e a jurisprudência são unânimes em assentir que os meios de prova elencados no Código de Processo Penal são meramente exemplificativos, sendo perfeitamente possível a produção de outras provas, distintas daquelas ali enumeradas. (CAPEZ, 2011, p. 378)

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O autor com o seu tamanho conhecimento sobre as provas, não oculta os afazeres mínimos do magistrado, inclusive ele deixa estampado em sua obra que o magistrado não deve ficar vinculado somente às provas nominadas, pois elas são apenas um exemplo das provas que podem ser analisadas no processo penal e que o magistrado deve estar bem “antenado” para outras modalidades de provas, buscando a verdade de fato.

No processo penal o juiz tem o dever de investigar como os fatos se passaram na realidade, não se conformando com a verdade formal constante dos autos. (CAPEZ, 2011, p. 73).

Sobre o assunto o estudioso Edílson Mougenot Bonfim (2009) diz:

Prevalece, via de regra, no processo penal, a liberdade dos meios probatórios, desde que não violem o ordenamento jurídico (art. 155, parágrafo único, do CPP). Não mais vigora, assim, o sistema das provas típicas, em que apenas aquelas provas expressamente previstas

tinham valor perante o juízo. (BONFIM, 2009, p.48)

O autor complementa o que vimos na citação anterior, ou seja, as provas atípicas devem ser levadas em consideração para resultado final da decisão do magistrado. Todas as atividades processuais, em especial a produção das provas, devem conduzir ao descobrimento dos fatos conforme se passaram na realidade. (BONFIM, 2009, p. 47).

O professor Tourinho Filho (2009) se expressa sobre do assunto, dizendo:

A função punitiva do Estado preleciona Fenech, só pode fazer-se valer em face daquele que, realmente, tenha cometido uma infração; portanto o Processo Penal deve tender à averiguação e descobrimento da verdade real, da verdade material, como fundamento da

sentença. (TOURINHO FILHO, 2009, p. 37)

Mirabette (2003) acerca desse assunto se manifesta da seguinte maneira:

Com o princípio da verdade real se procura estabelecer que o jus puniendi somente seja exercido contra aquele que praticou a infração penal e nos exatos limites de sua culpa numa investigação que não encontra limites na forma ou na iniciativa das partes. Com eles se excluem os limites artificiais da verdade formal, eventualmente criados por atos ou omissões das partes, presunções, ficções, transações etc.,tão comuns no processo civil. Decorre desse princípio o dever do juiz de dar segmento à relação processual quando da inércia da parte e mesmo de determinar, ex officio, provas necessárias à instrução do processo, a fim de que possa, tanto quanto possível, descobrir a verdade dos fatos objetos da ação penal. (MIRABETE, 2003, p. 44)

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Essa citação acaba concluindo o que realmente é o princípio da verdade real, ou seja, em poucas palavras: “numa investigação que não encontra limites na forma ou na iniciativa das partes.” (MIRABETE, 2003, p. 44). Assim:

Não iremos muito longe. A busca da verdade real, em seus tempos ainda recentes, comandou a instalação de práticas probatórias as mais diversas, ainda que sem previsão legal, autorizadas que estariam pela nobreza de seus propósitos: a verdade. (OLIVEIRA, 2009, p. 293)

Fica claro que no princípio da verdade real, o juiz em qualquer condição que se encontre, nunca deve se conformar apenas com a verdade formal e sim como regra, deve sempre buscar a verdade real, por mais que uma prova “a priori” não atenda as expectativas do julgador naquele momento ela deve ser analisada, apreciada e ter o seu peso relevante para a decisão final, porque querendo ou não o que está em jogo é a liberdade de alguém, e para isso a cautela para o julgamento deve ser imprescindível.

2.2 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

Eis que chegamos a uns dos mais preciosos princípios do processo penal, o princípio do contraditório, o garantidor de todas as defesas, o princípio que rege a estrutura judicial e garante um julgamento justo.

A nossa constituição Federal, artigo 5º, inciso LV, o apresenta da seguinte maneira: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerente”. (BRASIL, 1988). Portanto, pode-se dizer que:

Tal princípio consubstancia-se na velha parêmia audiatur et altera pars – a parte contrária deve ser ouvida. Assim, a defesa não pode sofrer restrições, mesmo porque o princípio supõe completa igualdade entre acusação e defesa. Uma e outra estão situadas no mesmo plano, em igualdade de condições, com os mesmos direitos, poderes e ônus, e, acima delas, o Órgão Jurisdicional, como órgão “superpartes”, para, afinal depois de ouvir as alegações das partes, depois de apreciar as provas, dar a cada um o que é seu. (TOURINHO FILHO,

2009, p. 48)

Como se vê tal princípio se torna inefável para o bom andamento do processo, esse princípio nada mais é como uma garantia que o réu tem de se defender das acusações feitas pelo o autor da ação, sem qualquer restrição, exceto as restringidas por lei.

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Complementando a citação anterior o mesmo autor diz:

Do princípio do contraditório decorrem duas regras importantes: a da igualdade processual e a liberdade processual. Está última consiste na faculdade que tem o acusado de nomear o advogado que bem quiser e entender; na faculdade que possui de apresentar provas que entender convinháveis, desde que permitidas em Direito, de formular ou não

reperguntas às testemunhas etc. (TOURINHO FILHO, 2009, p. 50)

Esse princípio é muito favorável quando falamos das provas, tanto porque para que o réu exerça com extrema segurança o seu contraditório ele não pode ser limitado na questão das provas, ou seja, ele poderá apresentar as provas que lhe sejam convinháveis na tentativa de assegurar a sua liberdade.

É o que reforça o grande estudioso Julio Fabbrini Mirabete (2003) dizendo:

Dos mais importantes no processo acusatório é o princípio do contraditório (ou da bilateralidade da audiência), garantia constitucional que assegura a ampla defesa do acusado (art. 5º, LV). Segundo ele, o acusado goza do direito de defesa sem restrições, num processo em que deve estar assegurada a igualdade das partes. (MIRABETE, 2003, p. 43)

Mais uma vez o pensamento que não se deve existir restrições quando o assunto é a busca da verdade real, em especial nesse principio em que o réu tem o amparo da lei para gozar de tal oportunidade e provar a sua inocência.

Nessa linha de pensamento o professor Eugênio Pacelli de Oliveira (2009) conclui dizendo que o princípio do contraditório é o que ajuda a construir um processo justo e equitativo, a saber:

O contraditório, portanto, junto ao princípio da ampla defesa, institui-se como a pedra fundamental de todo o processo e, particularmente, do processo penal. E assim é porque, como cláusula de garantia instituída para a proteção do cidadão diante do aparato persecutório penal, encontra-se solidamente encastelado no interesse público da realização de um processo justo e equitativo, único caminho para a imposição da sanção de natureza penal. (OLIVEIRA, 2009, p. 34)

O professor Eugênio Pacelli de Oliveira (2009) fala da ampla defesa da seguinte maneira:

Com a ampla defesa, ou com o princípio da ampla defesa, a participação do acusado no processo penal completa-se (e agiganta-se), pois passa a ser exigida não só a garantia de participação, mas a efetiva participação, assegurando que o réu tenha uma efetiva

contribuição no resultado final do processo. (OLIVEIRA, 2009, p. 290)

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Enquanto o contraditório assegura a participação e garantia de se contrapor, a ampla defesa garante a manifestação efetiva no processo. “Enquanto o contraditório exige a garantia de participação, o princípio da ampla defesa vai além, impondo a realização efetiva desta participação, sob pena de nulidade, se e quando prejudicial ao acusado”. (OLIVEIRA, 2009, p. 35)

O mesmo autor conclui: “E, por fim, é de se registrar, mais uma vez, que a ampla defesa autoriza até mesmo o ingresso de provas obtidas ilicitamente, desde que, é claro favoráveis a defesa”. (OLIVEIRA, 2009 p. 291)

2.3 PRINCÍPIO DA LIBERDADE PROBATÓRIA

Em nosso sistema processual penal vale ressaltar que nenhuma prova tem valor absoluto, o magistrado atribui às provas o valor que achar necessário para a sua convicção mesmo porque, não existem limites para a admissibilidade das provas, salvo as não permitidas por lei.

Sobre esse prisma o professor Edgar Magalhães Noronha (1969) leciona:

No Direito Processual Penal não há limitação dos meios de prova. Nesse particular impera a autonomia: não contém ele as restrições das leis civis ou do direito privado. Bem se compreende essa amplitude, se tiver em consideração, que, ao contrário deste, ele não atende a interesses particulares, não tutela os deste ou daquele individuo, mas visa sobretudo ao interesse público ou social de repressão ao crime. Conseqüentemente, é ampla a investigação, são dilatados os meios probatórios, colimando-se alcançar a verdade do fato e da autoria, ou seja, da imputação. (NORONHA, 1969, p. 97)

Pode-se entender que o princípio da liberdade probatória nada mais é que um complemento do princípio da verdade real, onde essa liberdade ampla existe para se chegar ao verdadeiro objetivo que é a certeza dos fatos, não sofrendo qualquer limitação na hora da parte acusada se expor.

3 PROVAS NO PROCESSO PENAL

Como se sabe a prova é o principal elemento que as partes têm para convencer o magistrado da verdadeira realidade dos fatos, esse momento poderíamos dizer, é o que tem mais peso no trâmite do processo, é o momento que vai fazer o magistrado criar uma estrutura para a sua convicção sobre os fatos e fazê-lo acreditar na verdade que ali se faz presente.

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Diria Malatesta (2003) na sua imensa sabedoria:

Isto posto, podemos considerar a prova, referindo-nos principalmente à certeza, única base legítima da condenação judicial. Considerando-a assim, a prova é a relação concreta entre a verdade objetiva e a certeza subjetiva. E como a certeza encontra a sua perfeição na convicção racional, que se resolve na consciência da certeza consentida e segura, assim, concluindo, pode-se dizer que a prova é a relação particular e concreta entre a verdade e a convicção racional. (MALATESTA, 2003, p. 86)

O autor traz a importância que a prova exerce na convicção do magistrado para que o mesmo busque em seu interior a verdade subjetiva e se convença dos fatos alegados no processo.

Para elucidar melhor o assunto o professor Aury Lopes Jr.(2010) diz:

O processo penal, inserido na complexidade do ritual judiciário, busca fazer uma reconstrução (aproximada) de um fato passado. Através – essencialmente – das provas, o processo pretende criar condições para que o juiz exerça sua atividade recognitiva, a partir da qual se produzirá o convencimento externado na sentença. É a prova que permite a atividade recognoscitiva do juiz em relação ao fato histórico (story of the case) narrado na peça acusatória. O processo penal e a prova nele admitida integram o que se poderia chamar de modos de construção do convencimento do julgador, que formará sua

convicção e legitimará o poder contido na sentença. (LOPES Jr., 2010, p. 500)

Percebe o quanto a prova pode interferir no processo, a sua principal característica é o auxílio da construção dos fatos passados, ajudando a montar um mundo “imaginário” mais próximo da realidade para que o julgador, fazendo parte desse mundo paralelo, possa dar o seu veredicto final com segurança e justiça. Vale lembrar que:

Para que o juiz declare a existência da responsabilidade criminal e imponha sanção penal a uma determinada pessoa é necessário que adquira a certeza de que se foi cometido um ilícito penal e que seja ela a autora. Para isso deve convencer-se de que são verdadeiros determinados fatos, chegando à verdade quando a idéia que forma em sua mente se ajusta perfeitamente com a realidade dos fatos. Da apuração dessa verdade trata a instrução, fase do processo em que as partes procuram demonstrar o que objetivam, sobretudo para demonstrar ao juiz a veracidade ou a falsidade da imputação feita ao réu e das circunstâncias que possam influir no julgamento da responsabilidade e na individualização das penas. Essa demonstração que deve gerar no juiz a convicção de que necessita para o seu pronunciamento é o que constitui prova. (MIRABETE, 2003, p. 256)

“A prova é apenas a irradiação da verdade na consciência”. (MALATESTA, 2003, p. 87)

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3.1 MEIOS DE PROVA

Os meios de provas são todas as provas que podem ser utilizadas dentro do processo, exceto as não permitidas por lei.

Os autores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2010) dizem: “Os meios de prova são os recursos de percepção da verdade e formação do convencimento. É tudo aquilo que pode ser utilizado, direta ou indiretamente, para demonstrar o que se alega no processo”. (ALENCAR; TÁVORA, 2010, p. 349)

Quando o autor diz direta ou indiretamente, ele quer dizer que temos dois tipos de provas em nosso ordenamento jurídico, e são as provas nominadas e as provas inominadas, a primeira está prevista em nossa legislação, porém não devendo só elas ser aceitas no processo, o nosso ordenamento jurídico, aceita as provas atípicas, ou inominadas, para se construir a realidade dos fatos, a saber:

A busca da demonstração da verdade nos faz assumir uma vertente libertária na produção probatória. O CPP não traz de forma exaustiva todos os meios de provas admissíveis. Podemos, neste viés, utilizar as provas nominadas, que são aquelas disciplinadas na legislação, trazidas nos arts 158 a 250 do CPP, e também as inominadas, é dizer, aquelas ainda não normatizadas (atípicas). O princípio da verdade real (verdade processual, rectius), iluminando a persecução criminal, permite a utilização de meios probatórios não disciplinados em lei, desde que moralmente legítimos e não afrontadores do próprio

ordenamento. (ALENCAR; TÁVORA, 2010, p. 349)

As provas elencadas em nosso Código de Processo Penal não são taxativas e sim exemplificativas, se fossem taxativas poderiam limitar o acusado de apresentar determinadas provas que teriam um peso fundamental em seu julgamento, além de ferir diretamente os princípios da verdade real, o princípio do contraditório, ampla defesa e o princípio da liberdade das provas.

3.2 PROVAS INADMISSÍVEIS

As provas inadmissíveis são aquelas que teoricamente não devem ser aceitas na resolução processual. Em nosso ordenamento jurídico quanto às provas inadmissíveis, se classificam em provas ilegítimas e provas ilícitas, a saber:

Provas ilegítimas: são aquelas que se produzem com a vulneração das normas de direito processual.Provas ilícitas: aquelas que são colhidas com transgressão das regras de direito material. Exemplo: inviolabilidade domiciliar, inviolabilidade telefônica, direito ao sigilo, à intimidade e demais direitos garantidos aos cidadãos. (SMANIO, 1999, p. 76)

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A Constituição Federal em seu artigo 5º inciso LVI diz: “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Já o Código de Processo Penal em seu artigo 157 complementa: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.

Aqui se deve fazer a seguinte distinção, as provas ilegítimas são aquelas obtidas com desrespeito ao processo penal, que viola as garantias do devido processo penal e demais garantias constitucionais, enquanto as provas ilícitas são aquelas obtidas com o “ferimento” ao direito material, ou seja, a forma pela qual a prova é colhida, porém algumas provas ilícitas podem ao mesmo tempo ser ilegítimas, se a lei processual também impedir a sua produção em juízo.

Mesmo existindo a vedação da prova ilícita, pode-se dizer que em alguns casos ela deve ser apreciada no desentranhar de um processo, a saber:

Exceção: princípio da proporcionalidade (princípio do interesse preponderante): originário dos Tribunais alemães, que em caráter excepcional e em casos extremamente graves, tem admitido a prova ilícita, baseando-se no princípio do equilíbrio entre valores fundamentais contrastantes.Nenhuma liberdade publica é absoluta. Assim, haveria possibilidade, em casos em que se percebesse que o direito social tutelado teria maior valor do que o direito a inviolabilidade telefônica, por exemplo, permitir-se-ia a utilização de provas ilícitas. Usada em casos de terrorismo, por exemplo.Quando a prova ilícita favorece o próprio réu: o princípio da inocência é mais relevante que o da intimidade, por exemplo. A prova ilícita seria admitida desde que provasse a inocência do réu. (SMANIO, 1999, p. 76)

A prova ilícita como regra não deve ser aceita, porém em caráter de exceção, quando favorecer o acusado, ela deve ser apreciada e se necessário admitida.

3.3 PSICOGRAFIA COMO DOCUMENTO

Documento é um dos meios probatórios admitidos em nosso ordenamento jurídico no qual, o acusado pode utilizar para a sua defesa.

Nesta seara o código de processo penal em seu artigo 232 fundamenta: “Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares”.

Se a legislação garante a utilização de qualquer documento particular como prova, a psicografia então teria que ser um documento para ser admitida em um processo, agora, se a psicografia é um pensamento transmitido do mundo espiritual

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para o mundo material através de uma pessoa que possui a faculdade de médium, poderia ela ser considerada um documento e conseqüentemente admitida como prova?

Nessa óptica o professor Fernando Capez (2011) explica:

Em sentido estrito, documento é o escrito que condensa graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou a realização de algum ato de relevância jurídica. É a coisa ou papel sobre o qual o homem insere, mediante qualquer expressão gráfica um

pensamento. (CAPEZ, 2011, P. 438)

Nessa mesma linha de raciocínio o professor Julio Fabrinni Mirabete (2003) leciona:

O documento pode ser considerado de forma amplo ou de modo estrito. Em sentido amplo, é o objeto idôneo a servir de prova, que inclui não só o escrito, mas também objetos outros, como fotografias, filmes, discos etc. Em sentido estrito, pode-se defini-lo como toda a peça escrita que condensa graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou a realização de algum ato dotado de significação ou relevância jurídica. É nesse sentido que é empregada a palavra “documento” nos referidos dispositivos.O escrito deve ser feito sobre coisa móvel, que possa ser transportada e transmissível, não importando a substância empregada para a sua inscrição ou o seu suporte, desde que idôneos para a documentação. É entretanto necessário que no escrito seja identificado o seu autor pela aposição de assinatura, rubrica, sinal de autenticação ou mesmo pelo seu próprio conteúdo, nos casos em que a lei não exija expressamente a sua subscrição. O escrito anônimo não é documento e não presta estabelecer-se a identidade do autor com base em elementos estranhos ao próprio escrito. É prova, mas não é documento. (MIRABETE, 2003, p. 245)

Um fato bem interessante que traz o autor na citação anterior é que mesmo que não reconheça a autenticidade de um escrito, mesmo ele não sendo considerado um documento ele deve ser válido como prova e em alguns casos até pelo próprio conteúdo, mesmo que sem a subscrição do autor, de acordo com a legislação, o objeto escrito pode ser considerado tranquilamente um documento e conseqüentemente uma prova.

O Código de Processo Penal em seu artigo 234 ainda exibe:

Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos se possível.

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Assim sendo, se o magistrado tiver conhecimento de algum documento que beneficie o processo, principalmente a parte acusada, deverá se manifestar para que esse documento integre o processo, exercendo então o princípio da verdade real.

Se o documento é um pensamento grafado em algo móvel por alguém, a psicografia grafada pela mão do médium em um papel ou algo semelhante será então considerada como um documento e automaticamente poderá ser admitida como meio probatório no processo. Se em alguns casos até a prova ilícita é aceita como prova a favor do réu, por que então a psicografia não poderia ser encarada como um meio probatório?

4 O QUE É DE FATO O ESPIRITISMO E QUAL SEU OBJETIVO?

Longe do que muitos imaginam o espiritismo não segue nenhum tipo de ritual, não se baseia em altares, em velas, em sacrificar os animais etc. Ao contrário disso, o espiritismo é totalmente desapegado a essas questões rituais e materiais, porém, sempre respeitando as pessoas que utilizam dessas práticas para aumentarem a sua fé.

A primeira finalidade do espiritismo foi à preocupação e curiosidade de estudar as manifestações espirituais, que desde o velho testamento, redigido por Moisés, onde relata questões de manifestações, até os dias atuais, existiam contatos com o mundo dos mortos, ou seja, o espiritismo nasceu através de estudos acerca das práticas de manifestações, onde o pedagogo e professor Hippolite Léon Denizard Rivail, de pseudônimo Allan Kardec, intrigado com esses acontecimentos que aparentemente não tinham explicações, dedicou a sua vida inteira a esses estudos, elaborando as codificações que foram os frutos de suas pesquisas e experiências, onde utilizou seus métodos pedagógicos através de perguntas e respostas, para criar a sua primeira e mais conhecida obra espiritualista, o livro dos espíritos.

Além de ciência o espiritismo elaborou sua filosofia de vida sempre pregando a caridade ao próximo e que o ser humano está em progresso constante, nunca aceitando que qualquer criatura humana já tenha nascido inclinada para o mal e sim interpretando essas pessoas como seres em estágios menos evoluídos e que um dia poderão superar essa ignorância através das reencarnações e atingir um estágio mais evoluído através dessa oportunidade de se desenvolver. E por natureza acabou se tornando uma religião completa por existir uma ciência, com estudos e experimentos e uma filosofia de vida.

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A doutrina espírita tem como objetivo: “A melhoria dos seres humanos, no que diz respeito ao seu progresso moral e intelectual, com ênfase no incentivo da compreensão, amor ao próximo e caridade”. (LEESUS, 2003, p. 26)

Leva sempre contigo a pequena frase que, sem caridade não há salvação. O que o afasta de qualquer acusação referente à maldade ou ao apego aos bens matérias. (KARDEC, 2007)

4.1 MEDIUNIDADE

A mediunidade é a qualidade de uma pessoa e deriva da palavra médium (do latim ”mediu”. meio, intermediário). (FERNANDES; LUFT; GUIMARÃES; 1993)

A expressão médium, segundo o espiritismo, define uma pessoa que pode servir de intermediário entre o mundo físico e o mundo espiritual, ou seja, é a “ferramenta” que os espíritos utilizam para transmitir suas mensagens. A expressão mediunidade é a faculdade que algumas pessoas têm, em maior ou menor grau de receber comunicações ou perceber os espíritos ou o mundo espiritual. Faculdade dos médiuns. (KARDEC, 2007)

Como define o professor Allan Kardec (2007) em sua questão 159:

Toda pessoa que sente a influência dos Espíritos, em qualquer grau de intensidade é médium. Essa faculdade é inerente ao homem. Por isso mesmo não constitui privilégio e são raras as pessoas que não a possuem pelo menos em estado rudimentar. Pode-se dizer, pois, que todos são mais ou menos médiuns [...]. (KARDEC, 2007, p.139)

Como aponta o estudioso e escritor espírita bauruense Richard Simonetti (2003):

Em sua expressão mais simples, trata-se da sensibilidade à influência do mundo espiritual. É o “sexto sentido”, que nos coloca em contato com o mundo dos espíritos, assim como o tato, o paladar, o olfato, a visão e a audição nos coloca em contato com o mundo dos homens. (SIMONETTI, 2003, p.15)

Cabe-nos também citar o maior médium, divulgador, apoiador e interprete da doutrina cristã que estuda esses fenômenos, o espírita Francisco Cândido Xavier (2007) que explica em seu simples linguajar a definição de médium ditado pelo seu guia espiritual Emmanuel, a saber:

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Assim também a mediunidade, pela qual, sem maior obstáculo, te eriges em mensageiro de instrução e refazimento. Esperança e consolo. Através dela, recolhes o influxo da Esfera Superior sem compartilhar-lhe a grandeza, mas se guardas contigo humildade e correção, converter-te-ás no instrumento ao socorro moral de muitos. (XAVIER, 2007, p. 103)

Conclui-se então, que a mediunidade é a conexão do mundo dos vivos com o mundo dos desencarnados, com a verdadeira finalidade de utilizar essas mensagens para o bem e para o auxílio das pessoas.

4.2 MODALIDADES DE MEDIUNIDADE

Como se sabe a mediunidade é o contato do médium com o mundo espiritual em qualquer situação, de maior ou menor grau de influência espiritual, porém tal ação foi classificada e definida por Allan Kardec exatamente por existirem vários métodos que possibilitam esse contato extracorpóreo.

Existem vários estilos ou modalidades de mediunidade que são elas: médium de efeito físico, médium sensitivo, médium audiente, médium falante, médium vidente, médium sonâmbulo, médium curadores, médium pneumatógrafos, médium escreventes e etc.

Será dada maior ênfase e estudo para a mediunidade que deverá ser estudada para o desenvolvimento desse trabalho que é a psicografia ou médium escrevente. Segundo o modo de execução, o professor Allan Kardec (2007) em sua questão 191 diferencia, esses médiuns e seus modos de execução, como mecânico, semi-mecânico, intuitivo, polígrafos, poliglotas e analfabetos. (KARDEC, 2007, p. 163)

5 CONCEITO DE PSICOGRAFIA

Palavra de origem grega phyche, que significa alma, borboleta, e graphe, que significa escrever. A psicografia nada mais é do que a influência espiritual através da escrita é o médium que transmite as mensagens do mundo espiritual pelas mãos. (FERNANDES; LUFT; GUIMARÃES; 1993)

A psicografia sempre foi uma prática utilizada pela humanidade desde os tempos remotos até os dias atuais, é de grande valia lembrar que a psicografia não pode ser atrelada somente as práticas espíritas pelo qual ficou tão popularizada. O espiritismo apenas conceituou e estudou uma prática que já acontecia antes mesmo de sua criação, ou seja, uma prática que já acontecia antes mesmo do nascimento de Cristo.

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A primeira escrita psicográfica que temos ciência foi a escrita dos 10 mandamentos, leis reconhecidas em qualquer tempo por qualquer religião cristã, leis adotadas como base e exemplo de vida para qualquer indivíduo que adote como filosofia o cristianismo.

Em uma ocasião muito especial, diante de uma rede nacional de televisão, o mundialmente renomado médium, Francisco Cândido Xavier através de uma mensagem psicografada do seu guia espiritual Emmanuel disse:

Em nossa vida cristã, o livro é um instrumento de cultura extraordinário, um instrumento que está entre este mundo e o outro mundo, é tão importante que o primeiro livro dado à humanidade, é um livro do mundo espiritual, Os Dez Mandamentos, psicografia católica

de Moisés (TV TUPI, 1971).

Não obstante a isso é de supra importância citar o livro mais vendido do mundo, onde sua principal característica é a psicografia e a influência espiritual, o livro referido é a própria bíblia, mesmo algumas pessoas não concordando com tal posicionamento sobre a sua grafia, não podemos esquecer que as religiões utilizam como argumento, que essas escritas foram obras de inspirações divinas, porém foram escritas por homens, o que já configura a psicografia, pois existe nela a intervenção de algo superior materializada e concretizada por um ser humano.

O termo psicografia não deve ser atrelado ao espiritismo, sendo assim tratado como uma religião, e sim devemos enxergar o espiritismo, primeiramente, como uma ciência que estudou e discorreu acerca de uma ação que já era praticada há milênios pelos homens, ou seja, foi a ciência que detalhou e aperfeiçoou a de algo fora da nossa realidade e alcance material.

A expressão psicografia, como já foi visto, se refere ao ato de uma pessoa em seu estado consciente ou inconsciente escrever um texto, influenciada por algo inerente à sua condição psíquica, é o ato de escrever algo que não tinha intenção de escrever, porém o fez por alguma influência externa a sua vontade.

5.1 VARIEDADES DE MÉDIUNS ESCREVENTES QUANTO À SUA EXECUÇÃO

5.1.1 Mecânico

Essa modalidade de psicografia consiste na escrita de forma mecânica e inconsciente do médium digitar um texto, ou seja, o médium não tem o controle da função motora de seu punho durante a execução do ato, além de não ter o domínio

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do seu punho nesse momento o médium fica inconsciente durante o ato não se lembrando das palavras que escreveu.

“Médiuns escreventes mecânicos – Os que escrevem recebendo um impulso involuntário na mão, sem ter nenhuma consciência do que escrevem. Muito raros”. (KARDEC, 2007, p.163)

5.1.2 Semi-mecânico

Já nessa modalidade o médium tem a sua mão conduzida por uma força estranha, porém a sua consciência permanece intacta, ele tem consciência do que escreve nesse momento conforme vai fazendo a leitura do texto. “Médiuns semimecânicos - Os que escrevem por impulso involuntário na mão, têm consciência imediata das palavras e das frases que vai escrevendo. Os mais comuns”. (KARDEC, 2007, p. 163)

5.1.3 Intuitivo

Nesse caso o médium intuitivo atua de maneira integral nos seus movimentos e consciência, no ato da escrita o próprio médium movimenta seu punho e tem consciência disso, ele apenas recebe a influência mental do espírito e escreve a mensagem, é uma espécie de intérprete. Já o médium inspirado é uma força oculta que ocorre com menos sensibilidade, é uma inspiração que nos influência para o bem ou para o mal.

Médiuns Intuitivos – Os que recebem as comunicações dos Espíritos mentalmente, mas escrevem por vontade própria. Diferem dos médiuns inspirados porque estes não tem necessidade de escrever, enquanto o médium intuitivo registra o pensamento que lhe é sugerido rapidamente sobre determinado assunto que lhe foi proposto. (KARDEC, 2007,p.163)

Dentro das classificações acima citadas sobre a psicografia, temos dentro dessa modalidade algumas particularidades que cada médium escrevente exerce com mais habilidade, o que diferenciam uns dos outros. Inseridos na psicografia existem médiuns, poliglotas, polígrafos, analfabetos, poéticos versificadores, enfim, uma série bem variada de acordo com suas funções, como o objetivo é identificar a autoria das cartas psicografadas e o conteúdo das mensagens dissertadas do “além”, veremos a variedade que trata dessa mudança de caligrafia que são os médiuns Polígrafos.

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5.1.4 Médiuns polígrafos

Essa modalidade de psicografia acontece quando ocorre alteração na grafia do médium durante o seu intermédio com o mundo espiritual, essa alteração é freqüente para os médiuns que possuem essa faculdade, nessas situações são raras às vezes em que o médium transcreve a grafia do “morto” de maneira idêntica, porém acontece.

O professor Allan Kardec (2007) explica o fenômeno da seguinte maneira:

Médiuns Polígrafos – Os que mudam de caligrafia segundo o Espírito que se comunica ou têm a aptidão de reproduzir a letra que o Espírito comunicante tinha em vida. O primeiro caso é muito comum. O segundo, o da identidade da letra, é mais raro. (KARDEC, 2007, p. 163)

Concluindo o conceito acima, Allan Kardec (2007) em sua questão 219 complementa:

Fenômeno muito comum entre os médiuns escreventes é o da mudança de caligrafia, segundo os Espíritos que se comunicam. E o mais notável é que a mesma caligrafia se repete sempre com o mesmo Espírito e Às vezes é idêntica à que ele tinha em vida. Essa mudança só ocorre com os médiuns mecânicos e semi-mecânicos, porque neles o movimento da é involuntário e dirigido pelo Espírito. Não se dá o mesmo com os médiuns puramente intuitivos, pois neste o Espírito age apenas sobre o pensamento e a mão é dirigida pela vontade do médium, como nas circunstâncias comuns.Mas a uniformidade da escrita, mesmo num médium mecânico, nada prova absolutamente sobre a sua faculdade, pois a mudança de caligrafia não é condição absoluta na manifestação dos Espíritos, mas decorre de uma aptidão especial, de que os médiuns mais decisivamente mecânicos nem sempre são dotados. Designamos os que a possuem por médiuns polígrafos. (KARDEC, 2007, p.180)

Dentro da psicografia conforme foi analisado existem algumas classificações que diferem alguns médiuns escreventes. Afunilaremos nessa primeira ocasião o estudo a modalidade de médium que é relevante nesse momento que são os médiuns polígrafos, ou seja, os médiuns que possuem a faculdade de alterar a sua grafia durante a manifestação de algum espírito, alguns até escrevendo com a mesma grafia quando estava em vida, até porque adiante será estudada a possibilidade de se comprovar a autenticidade das escritas espirituais, devido à necessidade ou solicitação do magistrado, utilizando a grafoscopia para tal analise.

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6 GRAFOSCOPIA COMO EXAME PERICIAL

A grafoscopia é a ciência responsável por analisar a autenticidade ou a autoria de um documento. A sua criação foi destinada para apoiar a questão criminalística, que é a ciência que estuda os vestígios relacionados com o crime, porém a grafoscopia abrange muito mais do que a esfera criminal, e assim sendo, apesar de sua intensa aplicação na área da criminologia seria incorreto afirmar essa ciência está exclusivamente ligada a tal esfera. Apesar da maior aplicação da grafoscopia nas questões policiais e jurídicas, a sua utilização abrange outras áreas do conhecimento humano, tais como o Direito, as Artes, a História, a Medicina, a Administração de Empresas, a Informática, Instituições Financeiras, etc. (PERANDRÉA, 1991)

Conforme conceitua o respeitoso professor e estudioso Carlos Augusto Perandréa (1991) acerca do assunto, ele explica:

Pode ser definida como um conjunto de conhecimentos norteadores dos exames gráficos, que verifica as causas geradoras e modificadoras da escrita, através de metodologia apropriada, para a determinação de autenticidade gráfica e da autoria gráfica. Dois são, portanto, os objetivos da grafoscopia:Exames para a verificação da autenticidade, que podem resultar em falsidade gráfica ou autenticidade gráfica;Exames para a verificação da autoria, aplicáveis para a determinação da autoria de grafismos

naturais, grafismos disfarçados e grafismos imitados. (PERANDRÉA, 1991, p. 23)

Como se nota, o autor faz referencia sobre a autenticidade e a autoria do texto. Na autenticidade de um texto o perito tem certa facilidade para identificar a escrita, devido a grande quantidade de palavras para analisar, porém somente na autoria, onde o perito tem que identificar a escrita através de uma assinatura o trabalho fica mais complexo e demanda mais tempo, porém não passível de erro.

Na grafoscopia uma simples palavra pode apresentar um universo de particularidades o que possibilita a identificação da palavra e sua autoria com certa tranqüilidade, porém necessitando sempre de conhecimento técnico para tal averiguação.

Outro ponto importante que deve ser observado é a apresentação da escrita, não se pode atrelar a grafoscopia a palavras iguais, pode-se até dizer que as palavras são semelhantes, porém nunca se deve dizer que as palavras são exatamente idênticas. A grafoscopia analisa as características que o cérebro de uma pessoa transmite através da escrita, ou seja, a análise existe para averiguar a maneira que individuo escreve, e não a busca de comparações idênticas para o resultado final. (PERANDRÉA, 1991)

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Conforme ilustra o autor Félix Del Val Latierro (1963) em sua obra Grafocítica destaca:

El acto de escribir es um acto extraordinariamente complejo.[...] Alma, cuerpo y matéria escriptoria son los três elementos principales que intervienen en el acto de escribir. [...] el hombre no es igual a si mismo em ningúm momento. [...] la escritura tampoco es igual a si misma em cada momento. (LATIERRO, 1963, p.65)

Nesse trecho o autor diz que em nenhum momento conseguimos igualar uma escrita da outra, principalmente porque não somos iguais, para ser mais exato se tentarmos fazer a mesma assinatura que praticamos durante vários anos, não conseguiremos deixá-las idênticas, porém sabemos que essa assinatura é nossa pelas características que elas apresentam. Nessa mesma linha de raciocínio Perandréa (1991) diz:

Vale lembrar que alguns escritores, com maior regularidade dos gestos gráficos, conseguem executar duas ou mais palavras, ou assinaturas, que, examinadas por transparência, quase se superpõe, mas não ocorre igualdade absoluta em todos os seus pormenores, do ataque inicial ao arremate final. (PERANDRÉA, 1991, p. 25)

O mesmo autor complementa: “No caso de assinaturas, costuma-se dizer que se duas delas forem perfeitamente iguais em suas extensões e em todos os detalhes, uma das duas será falsa, ou ambas provenientes de uma terceira, a matriz”. (PERANDRÉA, 1991, p. 25)

Outro ponto que respalda o pensamento acima são as causas internas ou externas que podem deformar o grafismo do mesmo autor em situações diferentes, e isso não quer dizer que as escritas não semelhantes não sejam da mesma pessoa.

Sobre essas mudanças e alterações o professor Perandréa (1991) informa:

As causas internas são aquelas que atuam sobre o organismo produzindo perturbações , e decorrem do uso do álcool, da droga, do cansaço, da emoção exaltiva ou depressiva, de moléstias em geral, enfim de todos os tipos de patologias temporárias ou permanentes.As causas externas são transitórias e ocasionadas pelo ambiente, tais como iluminação insuficiente, frio ou calor intensos; inadequabilidade do instrumento escritor, ou do tipo do papel ou do suporte; e ainda principalmente a ocasionada pela mudança do pivô gráfico ou ponto de apoio da escrita, em decorrência do mau posicionamento do escritor. (PERANDRÉA, 1991, p.25)

Diante dessa informação, percebe-se quanto o estado físico e mental podem abalar nossa grafia com maior ou menor grau de intensidade.

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Apoiando-nos esse estudo seria de grande valia citar o autor Carlos de Arroxellas Galvão (1936) que diz:

Dentre as influências que caracterizam e deformam o grafismo, está em primeiro lugar a escrita da mão guiada. Essa produção gráfica tem sido estudada por diversos autores, notadamente Solange Pellat, nas perícias dos testamentos, e Edmond Locard, em seu aspecto criminal. Distinguem-se três formas diferentes: a mão guiada propriamente dita, a mão forçada e a mão auxiliada. A mão guiada é a inerte, do paralítico ou do agônico, nem sempre representando uma falsificação. Essa escrita resulta do preconceito de pessoas menos versadas em questões jurídicas, de que a escrita só é válida, em sua autenticidade, quando o pseudo-escritor intervém, mesmo que seja com a sua mão desprovida da ação motora. O resultado é uma deformação de letras muito espaçadas com freqüência de interrupções, irregularidades de ligações, ausência de traços essências, etc.A mão forçada só pode produzir uma escrita sob ação violenta, quando a vítima tem a mão segura por um agressor mais forte, que luta para obriga-la a traçar um texto (Locard). Verificam-se então essas reações da vontade, que provocam traços desordenados e quase ilegíveis.A mão auxiliada é a que, para escrever, se socorre de outrem, para reforçar a sua impotência funcional mais ou menos acentuada: é o caso da escrita senil, das lesões ou feridas no braço ou doenças nervosas, etc. (GALVÃO, 1936, p. 117)

Sobre essa óptica foi apresentado uma noção superficial de quanto o perito tem que estar preparado para a emissão de um laudo grafoscópico. Será utilizado para o estudo, das situações descritas acima, a mão guiada. Foi elaborado um estudo para analisar a mudança da grafia da mão guiada, conforme relata Perandréa (1991), a saber:

As experiências são realizadas com escritores (guia e guiado) de igual cultura gráfica e condições fisicas normais. O guiado é orientado no sentido de manter a mão inerte, não interferindo no ato de escrever. São três as situações:O guiado desconhece o teor do texto, e não se atém ao ato de escrever;O guiado desconhece o teor do texto, mas fica atento ao ato de escrever;O guiado conhece o teor do texto. (PERANDRÉA, 1991, p. 27)

O resultado para o primeiro, segundo e terceiro teste, seguindo a ordem acima foram:

A escrita apresenta características gráficas genéticas do punho do guia, com relativas alterações da forma, em virtude da situação anormal.As características da gênese gráfica ainda é do guia, e as alterações formais acentuam-se nos momentos em que o guiado, conscientizando-se do andamento da mensagem, dificulta os movimentos inconscientemente.Característica genéticas também do guia, com freqüência maior de distorções formais ocasionadas pelo guiado, em decorrência do conhecimento prévio da mensagem a ser grafada. O guiado, mesmo orientado para não intervir, interfere quase num impulso natural, como que desejando participar, sem, no entanto faze-lo, mas ocasionando uma interferência que fica registrada graficamente, com aumento das distorções formais, ocasionadas pela resistência momentânea. (PERANDRÉA, 1991, p. 28)

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Aqui o autor nos traz as situações passíveis da caligrafia do guiado, principalmente quando o guiado sabe do teor do texto ou fica atento no ato de escrever, é um ato de impulso, o que acaba deixando alguns traços de sua caligrafia, é o que acontece com os médiuns semi-mecânicos que tem consciência do que está acontecendo e com os médiuns intuitivos que sabem o que vão escrever sendo impossível não ter os seus traços misturados com os traços dos espíritos comunicantes.

Será utilizada neste estudo a mão guiada, porque é a ação mais próxima da psicografia, e que melhor elucida o conceito de se escrever sobre a influência de um espírito alheio.

Como então identificar esses traços que indicam que uma escrita pertence a um autor?

O perito avalia duas grafias, a questionada, que é a grafia no qual se pretende provar a autoria e a padrão que é a grafia original, ou a peça de confronto que servirá de base para o exame pericial.

Para se realizar o exame é necessária a averiguação por parte do perito de todos os pontos semelhantes nas grafias questionadas e padrão, esses pontos característicos, grosso modo são: Pressão, direção, velocidade, ataques, remates ligações, linhas de impulso, cortes do “t”, pingos do “i”, calibre, alinhamento gráfico, espaçamento gráfico, valores angulares e curvilíneos e etc.

Após essa analise criteriosa sobre esses pontos, pode-se chegar ao laudo seguro sobre a autenticidade da escrita questionada com a escrita padrão.

Se o perito encontrar números de pontos característicos que permitam proclamar a identificação da autoria de mensagem psicografada, teremos então um laudo pericial expedido por um expert em grafismos, documento que deve merecer credibilidade como prova.

Entende-se então que a grafoscopia seria a impressão digital da pessoa, mesmo que apresente diferenças gráficas devido a condições internas ou externas, os pontos característicos daquela pessoa permanecem, o que mostra o exemplo abaixo:

Figura 1 – escrita padrão

Fonte: Elaborada pelo autor

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Essa assinatura não teve nenhuma adversidade, é a escrita natural da pessoa, porém quando foi solicitado para que a mesma pessoa invertesse a mão e escrevesse, o resultado foi este:

Figura 2 – escrita questionadaFonte: Elaborada pelo autor

A primeiro momento poderia se dizer que essa assinatura não é da mesma pessoa, que foi uma tentativa de fraude, ou cópia, porém se avaliar os pontos característicos das assinaturas, como, o início da letra “a”, a ligação da letra “a” com a letra “l”, a ligação da letra “a” com a letra “n”, o espaçamento de uma palavra para outra, o espaçamento de uma letra para outra, a inclinação e etc. chegará tranquilamente a um resultado positivo quanto a autoria da escrita questionada, porque mesmo a pessoa não tendo a seu favor o domínio da escrita dificilmente ela conseguirá alterar os seus pontos característicos.

6.1 GRAFOSCOPIA E SUAS UTILIDADES PARA O DIREITO

A grafoscopia é uma modalidade de perícia utilizada para avaliar uma prova, ou seja, ela acontece para suprir a falta de conhecimento do magistrado em determinados assuntos e serve como base para uma decisão justa através de um laudo técnico, a saber:

O termo “perícia”, originário do latim peritia (habilidade especial), é um meio de prova que consiste em um exame elaborado por pessoa, em regra profissional, dotada de formação e conhecimentos técnicos específicos, acerca de fatos necessários ao deslinde da causa. Trata-se de um juízo de valoração científico, artístico, contábil, avaliatório ou técnico, exercido por especialista, com o propósito de prestar auxílio ao magistrado em questões fora da sua área de conhecimento. (CAPEZ, 2011, p. 389)

O professor Fernando da Costa Tourinho Filho com sua vasta experiência no assunto, explica:

Tais exames são realizados por pessoas que, pelos seus conhecimentos técnicos, científicos, artísticos ou de qualquer ramo do saber, estão em condições de ilustrar a Justiça. São os

peritos. Estes podem ser oficiais ou inoficiais. (TOURINHO FILHO, 2009, p. 260)

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Nesse mesmo prisma o professor Julio Fabrinni Mirabete diz:

Não possuindo o juiz conhecimentos enciclopédicos e tendo de julgar causas das mais diversas e complexas, surge a necessidade de se recorrer a técnicos e especialistas que, por meio de exames periciais, com suas descrições ou afirmações relativas a fatos que exigem conhecimentos especiais, elucidam e auxiliam no julgamento. (MIRABETE, 2003, p. 267)

Ainda o mesmo autor complementa:

A perícia não é um simples meio de prova. O perito é um apreciador técnico, assessor do juiz, com uma função estatal destinada a fornecer dados instrutórios de ordem técnica e a proceder a verificação e formação do corpo de delito A perícia é um elemento subsidiário, emanado de um órgão auxiliar da Justiça, para a valoração da prova ou solução da prova destinada a descoberta da verdade. Por isso, o Código de Processo Penal inclui os peritos entre os “auxiliares da justiça” sujeitando-os à “disciplina judiciária” (art. 275) e à “suspeição” dos juízes (art. 280), impedindo ainda que as partes intervenham na sua nomeação (art. 276). (MIRABETE, 2003, p. 267)

Note-se a importância da perícia para a conclusão de um processo, ou seja, para a valoração e solução da prova no qual o magistrado em alguns casos, está limitado para analisar, exatamente pela falta de conhecimento técnico, recorrendo assim para os auxiliares da justiça, os peritos.

Para reforçar a necessidade da perícia na avaliação de uma prova, especificamente a escrita, o código de processo penal em seu artigo 174 assegura:

No exame para o reconhecimento de escritos, por comparação de letra, observar-se-á o seguinte:[...]II – para a comparação, poderão servir quaisquer documentos que a dita pessoa reconhecer ou já tiverem sido judicialmente reconhecido como de seu punho, ou sobre cuja autenticidade não houver dúvidas;III – a autoridade, quando necessário, requisitará, para o exame, os documentos que existirem em arquivos ou estabelecimentos públicos, ou nestes realizará a diligência, se daí não puderem ser retirados; [...]

A nomeação dos peritos na esfera penal não deve ser feita pelas partes, e sim pelo magistrado ou autoridade policial para que a possibilidade de fraude seja mínima na hora de se avaliar um laudo, conforme afirma o professor Fernando da Costa Tourinho Filho, a saber:

Sejam oficiais ou não, os peritos não podem ser indicados pela vítima ou indiciado, em mesmo quando realizada a perícia em juízo, não podem eles ser escolhidos pelas partes. No nosso sistema, a nomeação dos peritos é ato exclusivo da Autoridade, seja Judicial, seja

Policial (CPP, art. 276). (TOURINHO FILHO, 2009, p. 260)

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Sobre a utilização da perícia no processo o código de processo penal em seu artigo 235, afirma: “A letra e firma dos documentos particulares serão submetidas a exame pericial, quando contestada a sua autenticidade”.

Se o magistrado tem como opção eleger um perito para avaliar algo fora de sua capacidade técnica, deverá então este ser chamado ao processo quando for necessário, principalmente para ser utilizado como fundamentação na hora de decidir o processo.

6.2 GRAFOSCOPIA E PSICOGRAFIA

A psicografia como já foi citado, pode apresentar a caligrafia do morto semelhante com a caligrafia de quando ele era vivo, isso varia muito da faculdade do médium em transmitir essa mensagem com as características da pessoa em vida, que é o denominado médium polígrafo.

A solicitação da grafoscopia é feita quando se busca saber a autenticidade daquele documento ali presente, não que seja necessária à perícia para concluir que o conteúdo do documento seja verídico, tanto porque ele já se faz verdadeiro ou não pelos seus próprios detalhes comparando com o que já se tem conhecimento no processo, mas o exame serve para dar força ao conteúdo trazido em juízo como prova, principalmente quando o laudo é positivo em sua autenticidade e autoria.

O professor Carlos Augusto Perandréa que até o ano de 1991 quando lançou seu livro, Psicografia à luz da grafoscopia (1991), tinha mais de vinte e cinco anos de experiência como técnico em grafoscopia, e em seus setecentos laudos técnicos não teve sequer uma única contestação, estudou durante treze anos as psicografias até o lançamento de sua obra, que apresenta a fundo as análises das cartas de Francisco Cândido Xavier onde foram confrontadas as escritas das pessoas mortas quando estavam em vida e os resultados foram positivos, e estão abertos para a análise de qualquer perito que deseja realmente avaliar esses laudos, a saber:

Das 400 psicografias, 398 foram também confirmadas por outros peritos da área, ou seja, uma confiabilidade de mais de 99,5%. A autenticidade deste Trabalho foi publicado na Revista Científica da Universidade de Londrina, a Revista Semina, em 1990, e igualmente apresentada, em outra oportunidade, em um Congresso Nacional, diante de mais de 500 Profissionais e Peritos da área, sem uma única contestação (!!!) O método grafoscópico empregado por esse Perito é totalmente aberto a investigações, sendo amplamente utilizado pela Justiça, em casos de âmbito geral (não me refiro à psicografia) de todo o mundo há muito tempo (tanto para condenar um réu, como para absolver). (DENIS, 2005)

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Nesse estudo foram trazidas algumas comparações tanto da escrita original do médium Francisco Cândido Xavier quando não estava em seu estado mediúnico comparando a letra de quando estava escrevendo as mensagens advindas do plano espiritual, do espírito de Ilda Mascaro Saullo. Segue abaixo, imagem com as escritas naturais do médium Francisco Cândido Xavier:

Figura 3: Escrita de dezembro de 1979. (Fig. 5) (PERANDRÉA, 1991, p. 41)

Figura 4: Escrita de dezembro de 1979. (Fig. 6) (PERANDRÉA, 1991, p. 41)

Agora serão apresentadas as escritas do médium em seu estado mediúnico, uma psicografia italiana de Ilda Mascaro Saullo:

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Figura 5: Psicografada em 22 de julho de 1978. (Fig. 10) (PERANDRÉA, 1991, p. 44)

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Essa psicografia em questão tem algo muito interessante, primeiro que a caligrafia do médium comparada com a sua caligrafia natural é totalmente distinta tanto na aparência quanto nos pontos característicos do médium, a segunda questão interessante é que essa psicografia foi escrita em italiano ocorrendo o fenômeno da xenoglossia, que é a escrita de um idioma no qual o médium não tem nenhum conhecimento, definidos como: “Médiuns poliglotas – Os que têm a faculdade de falar ou de escrever em línguas que não conhecem. Muito raros.” (KARDEC, 2007, p. 163).

Para certificar a autoria das escritas, o perito também tomou certo cuidado em analisar em paralelo alguns pontos característicos de determinadas palavras, a saber:

Figuras 6 e 7: Escritas questionadas. (Figs. 29 e 30) (PERANDRÉA, 1991, p. 54)

Figuras 8 e 9: Escritas padrões. (Figs. 31 e 32) (PERANDRÉA, 1991, p. 54)

Figura 10: Escrita questionada. (Fig. 33) (PERANDRÉA, 1991, p. 54)

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Figura 11: Escrita padrão. (Fig. 34) (PERANDRÉA, 1991, p. 54)

Sobre essas escritas Perandréa (1991) assim entendeu:

As formações das preposições “di” são variáveis tanto nas escritas questionadas, como nas padrões, que se apresentam em dois tipos, mas com muita semelhança entre si, inclusive nos pingos dos “i”(igualdade de formação, altura e situação).As figuras 32 e 33 apresentam igualdade no início e na extensão do grama inicial, bem como na formação das letras “e”, que possuem os mesmos sentidos em suas bases com formação plana e não-angulosa, além de arremate em grama retilíneo. (PERANDRÉA, 1991, p. 54)

Estendendo ainda a sua análise:

Figura 12: Escrita questionada. (Fig. 27) (PERANDRÉA, 1991, p. 53)

Figura 13: Escrita padrão. (Fig. 28) (PERANDRÉA, 1991, p. 53)

Figura 14: Escrita questionada. (Fig. 25) (PERANDRÉA, 1991, p. 53)

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Figura 15: Escrita padrão. (Fig. 26) (PERANDRÉA, 1991, p. 53)

O autor apresentou o seguinte parecer:

A letra “o” em todas as peças, apresenta-se com o mesmo tipo de fechamento, mantendo sempre um espaço aberto, com formação de presilha que mantém a mesma altura ao ligar-se ao símbolo “r”.No cotejo entre as figuras 27 e 28, nota-se enorme semelhança na formação do vocábulo cuore, pelas extensões dos gramas de ligações das letras “c” para as letras “u”, e destas para as letras “o”, de forma tal que a junção das três lembra a presença de uma letra “m” maiúscula. (PERANDRÉA, 1991, p. 53)

Foi também rigorosamente analisado um nome que continha na carta do médium com a carta padrão, a saber:

Figura 16: Escrita questionada. (Fig. 13) (PERANDRÉA, 1991, p. 49)

Figura 17: Escrita padrão. (Fig. 24) (PERANDRÉA, 1991, p. 49)

O resultado foi:

No cotejamento dos vocábulos acima, constata-se perfeita igualdade nas letras “t”, bem como nos gramas de ligação entre os símbolos “r” para “t”, “t” para “e”, “e” para “n”. Ainda nas letras “t”, confirma-se igualdade nas extensões e aberturas das hastes com os mesmos “quebramentos” oriundos de um mesmo sentido genético e tendência genética. Igualdade, também, no corte das letras “t”, que apresentas as barras na mesma altura e na mesma

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inclinação. As letras “e” apresentam a mesma concepção genética, lembrando a forma de um losango. (PERANDRÉA, 1991, p. 49)

Após as analises apresentadas foi feito a superposição, que nada mais é que colocar a escrita questionada sobre a escrita padrão:

Figuras. 18, 19, 20 e 21: Superposição da peça questionada com a peça padrão, obtida através de transparência por luz emergente, em seqüência de macrofotografias. (Figs. 35, 36, 37 e

38) (PERANDRÉA, 1991, p. 55)

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O parecer desse teste foi:

A sequência fotográfica por translucidez demonstra claramente a perfeita igualdade existente nos símbolos “t”, “e”,”n” e gramas de ligações, inclusive nos ângulos formados nesses símbolos, bem como nos pontos de tendência genética curvilínea e retilínea, dentro de um mesmo sentido genético.Observa-se, também, perfeito encaixe das barras que cortam os símbolos “t”, confirmando perfeita igualdade de altura e situação, conforme comentários efetuados quando dos exames das figuras 13 e 14. Essas igualdade absolutas, adicionadas às demais, definem o exame de autoria gráfica.Valendo mais a imagem do que as palavras, tornando-se desnecessárias outras fundamentações. (PERANDRÉA, 1991, p. 56)

Após essas análises feitas pelo perito o resultado técnico da carta de Ilda Mascaro Saullo, surpreendentemente foi:

Após os exames efetuados, com base nos estudos técnico-científicos de grafoscopia, conforme comentários, fundamentações e ilustrações em macrofotografias apresentadas, pôde a perícia comprovar, sem dúvidas, e chegar aos seguintes resultados categóricos:A mensagem psicografada por Francisco Cândido Xavier, em 22 de julho de 1978, atribuída a Ilda Mascaro Saullo, contém, conforme demonstração fotográfica (figs. 13 a 18), em “número” e em “qualidade”, consideráveis e irrefutáveis características de gênese gráfica suficientes para a revelação e identificação de Ilda Mascaro Saullo como autora da mensagem questionada.Em menor número, constam, também, elementos de gênese gráfica, que coincidem com os existentes na escrita-padrão de Francisco Cândido Xavier. (PERANDRÉA, 1991, p. 56)

Depois de todo esse trabalho realiza pelo perito, o resultado técnico e seguro sobre a autoria da carta foi positivo sem deixar margem para questionamentos no que diz respeito a análise grafoscópica.

7 CASOS DE PSICOGRAFIAS APLICADAS EM PROCESSOS PENAIS E SUAS CURIOSIDADES ACERCA DO ASSUNTO

Serão ilustrados abaixo casos exibidos no dia quatro de novembro de dois mil e quatro no programa linha direta pela TV Globo, no qual trouxe os relatos dos casos e depoimentos de algumas pessoas acerca do assunto.

Em Goiânia aconteceram dois casos marcantes que envolviam cartas psicografadas conforme veremos.

No dia 10 de fevereiro de 1976, João Batista França e Henrique Emmanuel Gregoris combinaram um encontro em um motel com duas garotas de programa, e através de uma brincadeira a arma acabou disparando contra o Henrique Emmanuel Gregoris

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que veio a falecer no local. Nessa ocasião Francisco Cândido Xavier psicografou uma carta a pedido da vítima, relatando o ocorrido com o intuito de esclarecer os fatos daquela tragédia e solicitando para que sua mãe desistisse do processo porque o acusado era inocente, fazendo o juiz Orimar de Bastos aceitar a carta e inocentar o réu da acusação de crime doloso e culposo, considerando o caso como uma mera fatalidade. A decisão inocenta João Batista França o assassino confesso de Henrique. A pedido da mãe da vítima, Dona Agostinha, que se habilitou como assistente de acusação, para recorrer da sentença, contratou o advogado Vanderlei Medeiro que chegou a interpor o recurso de Apelação, porém no dia seguinte, a mãe de Henrique recebe a visita de Chico Xavier, que tinha sido homenageado em Goiânia e passou ali para conversar sobre o filho Henrique, que esteve em espírito em sua casa em Uberaba/MG e lhe entregando a seguinte mensagem:

O minha velha, não esquente a cabeça, tudo passou, obrigado pelo seu esforço, esforço de não guardar ressentimento, realmente o seu filho estava brincando com a vida, não tinha idéia que o final seria aquele, foi uma zebra sem tamanho que me surpreendeu, mas não há de ser nada, o mãe, não culpe ninguém, eu agradeço o seu pedido ao nosso advogado, Dr. Vanderlei e peço que transmita aos nossos, o amor e respeito que me deram a paz. (REDE GLOBO DE TELEVISÃO, 2004)

Logo após a visita, a família pediu ao advogado que desistisse do recurso, dando fim ao trâmite processual e prevalecendo a decisão judicial do magistrado Orimar de Bastos.

Quando Orimar de Bastos proferiu a sentença do caso de Henrique Emmanuel Gregoris, um fato impressionante aconteceu:

O juiz da época, Orimar de Bastos, foi para o Fórum de Piracanjuba/GO, em junho de 1976 e relata que ali sofreu uma sensação paranormal: começou bater a sentença e, na terceira folha, quando o relógio da cidade bate 21 horas, algo estranho acontece, ou seja, entra em “transe” e até às 24 horas não se recorda do que escreveu. No dia seguinte, toma um susto, pois as 3 primeiras folhas da sentença estavam com erros de datilografia, enquanto as demais 6 folhas, que não se recordava, estavam perfeitas, sem nenhum erro, culminando pela impronúncia do acusado, por falta de dolo, bem como qualquer dos elementos da culpa(negligência, imperícia e imprudência). Considerou uma fatalidade, um acidente. (REDE GLOBO DE TELEVISÃO, 2004)

Outro caso que ficou marcado pela carta psicografada aconteceu no dia 8 de maio de 1976 em Goiânia, um homicídio cometido por José Divino Gomes contra Maurício Garcez Henriques através de um disparo com uma arma de fogo. O caso é bem semelhante ao caso anterior, acontece que a vítima faltou a escola para ir à casa do acusado, a vítima estava querendo um cigarro e começou a procurar pela

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casa, nesse ocasião a mesma achou uma arma que pertencia ao pai do acusado, imediatamente o acusado pediu para que a vítima lhe entregasse a arma para guardá-la, a vítima entregou a arma e foi para a cozinha procurar um cigarro, o acusado ao invés de guardar a arma ficou observando e brincando com ela, quando o mesmo foi mudar a estação de rádio, recebeu uma descarga elétrica disparando a arma sem nenhuma intenção, e o projétil acabou acertando o Maurício Garcez Henriques que veio a falecer antes mesmo de dar entrada no hospital. Esse caso também foi incomum porque teve como prova uma carta psicografada que foi fundamental para absolvição do acusado. O acusado foi levado a júri popular e foi absolvido por seis votos contra apenas um. Abaixo segue um trecho de uma das mensagens enviadas pela vítima através do médium Chico Xavier.

Queridos papai, mamãe, Maria José e Nádia, que Deus nos abençoe, estou aqui com meu avô Henrique e peço a vocês coragem e resignação, é preciso lembrar de Deus nos acontecimentos da terra, faço um pedido, não fiquem pensando na minha volta para cá, criando sentimentos tristes, o Zé Divino não teve culpa no meu caso, se alguém deve pedir perdão sou eu, pois não devia ter ficado brincando ao invés de estudar, prometo melhorar para fazê-los tão felizes quanto eu puder, sou seu filho, irmão saudoso e agradecido, Maurício Garcez Henrique. (REDE GLOBO DE TELEVISÃO, 2004)

Nessa mensagem há alguns fatos curiosos, primeiro a citação dos nomes de algumas pessoas e de seu avô já falecido Henrique. Outro trecho interessante dessa psicografia é o seguinte trecho: “o Zé Divino não teve culpa no meu caso, se alguém deve pedir perdão sou eu, pois não devia ter ficado brincando ao invés de estudar” (linha direta). Fica claro que o conteúdo desse texto é de alguém que conhecia a família e tinha conhecimento do que aconteceu naquela casa no dia da tragédia. Outro fato intrigante é que um dia os pais da vítima, que não tinham conhecimento da assinatura em vida da mesma, resolveram comparar as assinaturas das cartas com a assinatura do RG, o resultado é impressionante, a assinatura é a mesma nos documentos que a vítima tinha em vida e após a sua morte. O que possivelmente pode comprovar a sua autenticidade.

Abaixo segue a sentença do juiz Orimar de Bastos sobre o incidente, e falando do auxílio que a carta psicografada teve para reforçar a sua decisão.

No desenrolar da instrução foram juntados aos autos recortes de Jornal e uma mensagem Espírita enviada pela vítima, através de Chico Xavier, em que na mensagem enviada do além, relata também o fato que originou sua morte. Lemos e relemos depoimentos das Testemunhas, bem como analisamos as perícias efetivadas pela especializada, e ainda mais, atentamos para a mensagem espiritualista enviada, pela vítima aos seus pais. Fizemos análise total de culpabilidade, para podermos entrar com a cautela devida no

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presente feito “sub judice”, em que não nos parece haver o elemento dolo, em que foi enquadrado o denunciado, pela explanação longa que apresentamos. O jovem José Divino Nunes, em pleno vigor de seus 18 anos, vê-se envolvido no presente processo, acusado de delito doloso, em que perdeu a vida de seu amigo inseparável Maurício Garcez Henrique. Na mensagem psicografada retro, a vítima relata o fato isentando-o. Coaduna este relato com as declarações prestadas pelo acusado, quando do seu interrogatório, às fls.100/vs. Por essa análise, fizemos a indagação: “HOUVE A CONDUTA INVOLUNTÁRIA OU VOLUNTÁRIA DO ACUSADO, A FIM DE SE PRODUZIR UM RESULTADO? QUIS O ILÍCITO? Afastado o dolo, poderia aventar-se a hipótese de culpa, mas na culpa existe o nexo de previsibilidade (...). José Divino, estando sozinho em seu quarto, no momento em que foi ligar o rádio, estava cônscio de que ninguém ali se encontrava. Acionou o gatilho inconscientemente. Donde se afastar a culpa, pois o fundamento principal da culpa está na previsibilidade. Julgamos improcedente a denúncia, para absolver, como absolvido temos, a pessoa de JOSÉ DIVINO NUNES, pois o delito por ele praticado não se enquadra em nenhuma das sanções do Código Penal Brasileiro, porque o ato cometido, pelas análises apresentadas, não se caracterizou de nenhuma previsibilidade. Fica portanto, absolvido o acusado da imputação que lhe foi feita. Publique-se, Registre-se e Intimem-se. Goiânia. 16 de julho de 1979 (a) ORIMAR DE BASTOS Juiz de Direito, em plantão na 2ª Vara. (BASTOS, 1979)

Em maio 2006, em Viamão (RS), o Tribunal do Júri absolveu Lara Marques Barcelos, acusada de mandar matar o tabelião Ercy da Silva Cardoso, executado dentro de casa com dois tiros na cabeça 2003. Nesse processo houve apelação no que tange a ilicitude das cartas psicografadas e a instância superior manteve a decisão do magistrado, ficando a acusada em liberdade conforme apresenta a ementa da jurisprudência abaixo:

Ementa: JÚRI. DECISÃO ABSOLUTÓRIA. CARTA PSICOGRAFADA NÃO CONSTITUI MEIO ILÍCITO DE PROVA. DECISÃO QUE NÃO SE MOSTRA MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. Carta psicografada não constitui meio ilícito de prova, podendo, portanto, ser utilizada perante o Tribunal do Júri, cujos julgamentos são proferidos por íntima convicção. Havendo apenas frágeis elementos de prova que imputam à pessoa da ré a autoria do homicídio, consistentes sobretudo em declarações policiais do co-réu, que depois delas se retratou, a decisão absolutória não se mostra manifestamente contrária à prova dos autos e, por isso, deve ser mantida, até em respeito ao preceito constitucional que consagra a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri. Apelo improvido. (Apelação Crime Nº 70016184012, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Manuel José Martinez Lucas, Julgado em 11/11/2009). (LUCAS, 2009)

Em Ourinhos, Estado de São Paulo, aconteceu um fato bem interessante relacionado com uma carta psicografada pelo médium Rogério H. Leite, onde o promotor da comarca Silvio Brandini solicitou a suspensão do julgamento devido à influência que a carta poderia exercer sobre a decisão jurados, e para isso precisava que a carta fosse submetida à perícia, tal solicitação foi deferida pela juíza da comarca responsável Raquel Grellet Pereira.

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No âmbito da esfera civil tivemos o caso do espírito de Humberto de Campos, acontece que no início do ano de 1944, o médium Francisco Cândido Xavier abriu um envelope enviado pela 8ª Vara Cível do Rio de Janeiro e assustou-se. A viúva e os três filhos do escritor Humberto de Campos moviam um processo contra ele e a Federação Espírita Brasileira.

O fato era que a editora da Federação Espírita Brasileira havia publicado cinco obras, duas delas já em terceira edição, atribuídas ao Espírito do falecido escritor, psicografadas pelo médium Francisco Cândido Xavier. E como de praxe a família queria a participação onerosa da venda dos livros. A família pediu através de uma ação declaratória pediu que a justiça reconhecesse os direitos autorais das obras para terem participação nos lucros ou declarasse que as obras não eram do espírito Humberto de Campos cessando assim, a publicação das obras.

Em sentença o juiz Russel concluiu que a existência da pessoa natural termina com a morte, e que, conseqüentemente, com a morte se extingue a capacidade jurídica de adquirir direitos – mors omnia solvit. (TIMPONI, 2010)

A defesa da Federação Espírita Brasileira e do médium Francisco Cândido Xavier foi feita pelo então advogado Miguel Timponi, um dos fundadores e o primeiro presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, que acerca do assunto lançou um livro relatando todo o processo.

A mãe do já falecido Humberto de Campos, Ana Campos Veras se pronunciou dizendo o seguinte:

[...] li, emocionada, as Crônicas de Além-túmulo, e verifiquei que o estilo é o mesmo de meu filho. Não tenho dúvidas em afirmar isso e não conheço nenhuma explicação científica para esclarecer esse mistério, principalmente, se considerarmos que Francisco Xavier é um cidadão de conhecimentos medíocres. Onde a fraude? Na hipótese de o Tribunal reconhecer aquela obra como realmente da autoria de Humberto, é claro que, por justiça, os direitos autorais venham a pertencer à família. No caso, porém, de os juízes decidirem em contrário, acho que os intelectuais patriotas fariam ato de justiça aceitando Francisco Cândido Xavier na Academia Brasileira de Letras... Só um homem muito inteligente, muito culto e de fino talento literário poderia ter escrito essa produção, tão identificada com a de meu filho. (TIMPONI, 2010, p. 43)

É de se notar que os casos de psicografia não aconteceram somente em uma região do país, levando a crer que existe uma possível corrente fraudulenta agindo em determinada localidade, essa diversidade de lugares torna o fenômeno ainda mais autentico do que ele já é.

Em entrevista, o jornalista Marcel Souto Maior disse a respeito da autenticidade das mensagens psicografadas disse:

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Então até um grafoscopista católico apostólico romano, seriíssimo, pegou mensagens de Chico confrontou as assinaturas de mensagens particulares assinadas por Chico, com as assinaturas autenticas originais dos mortos e chegou ao final e falou assim: “eu posso te

dizer que essa assinatura é a assinatura do morto.(REDE GLOBO DE TELEVISÃO, 2004)

Ainda o mesmo entrevistado:

O chico ele falava sempre que todo médium é falível, todo médium erra e erra muito, você tem que saber muito bem como é que aquela mensagem chegou até aquele médium, o que foi dito pela família antes aquele médium, até essa mensagem ser escrita. (REDE GLOBO

DE TELEVISÃO, 2004)

Um fato que chamou bastante atenção foi uma entrevista concebida pelo então jurista José Carlos Tórtima, que não é adepto as psicografias no âmbito processual: “A justiça não pode aceitar e muito menos basear suas decisões em elementos ou provas, vamos dizer assim, de natureza sobrenatural”. (REDE GLOBO DE TELEVISÃO, 2004)

Porém na mesma ocasião o jurista confirmou o laudo pericial autenticando as cartas, conforme segue: “Parece que alguns peritos sem serem avisados do que estavam por lá era a validade da psicografia, atestaram a validade de determinados textos como sendo do punho da pessoa já falecida”. (REDE GLOBO DE TELEVISÃO, 2004)

O delegado de polícia Cezar Fernando Silva complementa:

O que vai ficar para sempre na história mundial, não só do espiritualismo, como na parte jurídica, porque a carta psicografada por Chico Xavier foi o primeiro documento admitido no tribunal do júri e que serviu de prova e que ocasionou a absolvição do acusado. (REDE

GLOBO DE TELEVISÃO, 2004)

Apesar das polêmicas que envolvem as cartas psicografadas, milhares de pessoas são gratas aos médiuns por terem se comunicados com os mortos. Apenas como uma mera curiosidade para aqueles que ainda restam certa dúvida se realmente as cartas merecem ou não uma apreciação pela sua autenticidade, segue um depoimento da então respeitável atriz Nair Belo que perdeu seu filho devido a um acidente de carro:

Tem uma passagem, por exemplo, em dezembro, que nós estávamos jantando e ele disse: “Olha eu não vou para limeira”. E aí eu tive uma discussão com ele, discussão não, aquela coisa de mãe e filho: “Não você vai, faz vinte anos que a gente vai e você tem que ir”. E a discussão acabou ali. E aí na carta ele se refere a essa discussão, ele diz assim: “Mãezinha na hora que eu disse que eu não ia pra Limeira era mentirinha”. Ninguém lembrava, meu marido não lembrava, meus filhos, só eu lembrei da discussão [...].(REDE GLOBO DE TELEVISÃO, 2004)

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O pastor presbiteriano acerca do assunto comenta:

Portanto a questão da psicografia, ela deve utilizar como critério a dignificação, a divinização do homem, se ela é utilizada para justamente dignificar as pessoas para os quais esse meio o serve, então ela é cristamente falando, ela é perfeita. (REDE GLOBO DE

TELEVISÃO, 2004)

Chico Xavier responsável por psicografar mais de 450 livros, traduzidos em mais de 15 idiomas, sustentava asilos e orfanatos, nunca ficou com um centavo dessas obras, pois ele dizia que não era o autor delas, apenas servia de instrumento para os verdadeiros autores, e por isso não tinha nenhum direito sobre elas, morreu pobre e digno de sua passagem na terra.

Chico dizia: ”Se essas mensagens têm comparecido como peças para a defesa de alguém, não é a meu pedido e nem por interferência minha porque eu respeito as pessoas e respeito os espíritos que se comunicam [...]”. (REDE GLOBO DE TELEVISÃO, 2004).

8 A INFLUÊNCIA QUE A RELIGIÃO PODE EXERCER NO MAGISTRADO NA HORA DE TOMAR UMA DECISÃO

No Brasil, vigora hoje o princípio do livre convencimento motivado, ou seja, o juiz pode dar o valor que quiser e julgar com base na prova que ele bem entender, porém deve fundamentar sempre o seu entendimento, diferente do que acontece no tribunal de júri, onde o princípio que vigora é o da íntima convicção, ou seja, os jurados não precisam fundamentar as suas decisões, a saber:

Pelo sistema da livre convicção ou da verdade real ou do livre convencimento, o juiz forma sua convicção pela livre apreciação da prova. Não fica adstrito a critérios valorativos e apriorísticos e é livre na sua escolha, aceitação e valoração. (MIRABETE, 2003, p. 266)

Nessa linha de raciocínio o professor Edgar Magalhães Noronha assim leciona:

[...] o Magistrado não fica adstrito a critérios valorativos e apriorísticos da prova, mas é livre na sua escolha e aceitação. Não há regras predeterminadas a sua crítica. Assim, v. g., pode ele aceitar o testemunho de um homem de bem contra o de dois de má fama, de vida

escusa e condenável. (NORONHA, 1969, p. 98).

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Sabendo que no nosso sistema vigora a livre apreciação das provas, pode-se entender que por esse motivo o magistrado se torna imparcial quando se depara com uma carta psicografada? Se ele vem de uma cultura religiosa, no qual abomine a carta psicografada, ele será imparcial e julgará de acordo com a situação e os direitos ali presentes?

O que nos resta saber é se, um magistrado pode ser influenciado pela questão religiosa e deixar essa influência tirar a oportunidade do réu se defender.

Pode-se entender que sim, pois o magistrado é uma pessoa comum e como todos nós não está livre de paixões e preconceitos, existindo uma grande possibilidade de resistência quando se depara com uma carta psicografada. Em contrapartida o juiz ali está para representar o Estado e dar a oportunidade a todos de exercerem os seus direitos, mesmo não concordando com tal manifestação ele deve ser imparcial, sabe-se o quanto é difícil concordar com algo no qual não se acredita, porém o fato de não acreditar não significa que não seja verdade, por isso mesmo não acreditando, a oportunidade não deve ser dispensada e deve se policiar para evitar que suas paixões e crenças distorçam a decisão no processo. Malatesta (2003) assim se manifesta:

É preciso, por isso, que nossa vontade não perturbe com sua influência a liberdade e serenidades das visões intelectuais. Esta liberdade e esta serenidade do intelecto não estarão a salvo, se o ânimo que se dispõe a julgar não nos prepara para isso com a expurgação de que falara Platão no Fedon e o grande filósofo julgava ser imprescindível para se chegar à verdade; é preciso expurgar o espírito das paixões.Mas além de natural, o convencimento judicial deve ser também raciocinado. O convencimento de que falamos, já o dissemos, não é o que surge de impulsos cegos e instintivos da alma, como o sentimento da certeza, a que fala Gallupi, nem mesmo o que surge de uma indistinta e involuntária percepção das razões, o que se autorizaria caracteriza-lo simplesmente como racional, mas sim o que se determina pela visão distinta e apreciação das razões: isto é, não deve ser cego, não simplesmente razoável, mas raciocinado. (MALATESTA, 2003, p. 49).

Nesse mesmo prisma Mirabete (2003) ainda explica:

Deve o juiz ser imparcial. Já se escreveu, apropriadamente: “Decidir com isenção. Não dar abrigo ao ódio, não decidir com facciosidade, não ser tendencioso, superar as próprias paixões, julgar com humildade, ponderação e sabedoria, são virtudes essenciais ao magistrado. E quem não as possuir, não pode, por certo, cumprir a mais grave missão dada ao homem, que é a de julgar”. (MIRABETE, 2003, p. 326)

No que tange o princípio do livre convencimento motivado, Tourinho Filho (2009) leciona:

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Esse princípio, consagrado no art. 155 do CPP, impede que o juiz possa julgar com o conhecimento que eventualmente tenha extra-autos. Quod non est in actis non est in hoc mundo. O que não estiver dentro do processo é como se não existisse. E, nesse caso, o processo é um mundo para o Juiz. Trata-se de excelente garantia para impedir julgamentos parciais.A sentença, dizia Florian, não é um ato de fé, mas a exteriorização do convencimento do Juiz diante das provas produzidas.O Juiz, em face das provas existentes nos autos, tem inteira liberdade na sua apreciação. Pode desprezar o depoimento de quatro testemunhas, por exemplo, e respaldar sua decisão num único depoimento. Este é o princípio do livre convencimento. Confere-se ao Juiz inteira liberdade na apreciação das provas, conquanto fundamente sua decisão. Ele só pode proferir uma decisão com fundamento em prova colhida sob o crivo do contraditório, nada o impedindo de reforçar o seu entendimento respaldado em provas cautelares não repetíveis e antecipadas.

(TOURINHO FILHO, 2009, p. 45)

Nesta seara o código de processo penal em seu artigo 155 diz:

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e

antecipadas.

Mesmo o magistrado tendo a plena liberdade para escolher e valorar a prova que bem entender, ele deve explicar o que o levou a tal escolha conforme explica o professor Eugênio Pacelli de Oliveira (2009), a saber:

A liberdade quanto ao convencimento não dispensa, porém, a sua fundamentação, ou a sua explicitação. É dizer: embora livre para formar o seu convencimento, o juiz deverá declinar as razões que o levaram a optar por tal ou qual prova, fazendo-o com base em argumentação racional, para que as partes, eventualmente insatisfeitas, possam confrontar a decisão nas mesmas bases argumentativas. (OLIVEIRA, 2009, p. 299)

Nessa óptica o professor Aury Lopes Junior complementa: “A motivação das decisões judiciais é uma garantia expressamente prevista no art. 93 IX, da Constituição e é fundamental para a avaliação do raciocínio desenvolvido na valoração da prova”. (LOPES Jr., 2010, p. 201)

Assim:

É o que constitui o livre convencimento, ou a livre convicção, nos termos do art. 157. Está isso bem longe, como se vê, do arbítrio judicial: primeiro, porque o Magistrado tem que se ater aos autos, depois porque não os pode apreciar segundo seu capricho ou fantasia. (NORONHA, 1969, p.99)

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Mesmo existindo a fundamentação para as decisões do magistrado, não significa que toda psicografia deve ser aceita como prova, porém se o conteúdo não se relaciona com os acontecimentos dos fatos, e não contribui para o bom andamento do processo, a carta deve ser rejeitada, como qualquer outra prova, e naturalmente fundamentada pelo magistrado a sua recusa de maneira imparcial sem mero capricho, preconceito ou fantasia.

9 ASPECTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS DAS CARTAS PSICOGRAFADAS DENTRO DO DIREITO PROCESSUAL PENAL

Serão tratados agora os aspectos contrários e favoráveis das cartas psicografadas dentro do processo penal, alguns autores atacam as cartas como um monte de palavras fraudulentas, sem nenhum valor, e que esse tipo de prova trás muitas inverdades e podem prejudicar o bom andamento do processo.

Ao contrário desse ponto de vista deve-se enxergar da seguinte maneira, se não forem aceitas algumas provas pela sua probabilidade de fraude, estaríamos aqui diante de um grande impasse no ramo judicial, teria então que falar em eliminar todas as provas do processo penal, porque quando se fala de interesses, o ser humano pode em qualquer situação simular um conjunto de provas que não condiz com a sua verdadeira realidade, e porque então se tem o auxílio das perícias? Por mero capricho ou porque realmente a perícia é imprescindível para minimizar o impacto das possíveis fraudes?

Quando se fala de fraudes não está falando somente das provas concretas e sim de todo o universo das provas, as fraudes existem e sempre existirão em nosso ordenamento jurídico, para isso o judiciário tem que trabalhar em caráter preventivo para inibir essas condutas.

Em alguns sistemas jurídicos a testemunha tem que prometer falar a verdade, ficando ciente que se faltar com ela poderá responder criminalmente por tal conduta, isso quando não tem que colocar a mão no peito ou na própria bíblia e jurar dizer a verdade, como se a lei não fosse o suficiente para garantir as fraudes, apelando a Deus força suprema de todo o universo, ficando a testemunha ciente que terá duas punições se faltar com a verdade, além do processo que ela irá responder em vida, terá também que acertar as contas com Deus sobre a sua mentira quando passar dessa para a melhor, ou seja, seria melhor dizer a verdade para não correr o risco de ser julgada duas vezes.

Cartas psicografadas como prova em processo penal

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Como se não bastasse atrelar as cartas psicografadas as fraudes, na falta de argumentação se apela para o Estado laico, aquele Estado que está livre das questões religiosas e que é imparcial, e que se as cartas fossem aceitas como provas estariam indo contra os princípios morais do mesmo, seria algo abominável para o direito.

Quando se afirma que o Estado é Laico temos dois entendimentos, que o Estado não está aberto para qualquer questão religiosa atrelada ao direito, não admitindo as questões ou provas que pendem para o lado religioso, porém se admitirmos essa situação estaria afrontando diretamente a Constituição Federal em seu artigo 5º inciso VI, a saber: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de cultos e suas liturgias”.

Sendo assim, o Estado não pode privar as pessoas de utilizarem os seus direitos devido à sua condição religiosa, porque se assim fizer estaria afrontando diretamente a mãe de todas as leis, a Constituição Federal.

Já a outra forma de interpretar a questão do Estado laico, é entender que o Estado é laico porque não tem religião, porém está aberto para qualquer questão que busque a justiça independente da situação religiosa que ali se encontra o que seria mais racional de interpretar porque além de não afrontar a nossa Constituição Federal Ele daria a oportunidade de ambas as partes exercerem os seus direitos de forma plena e justa.

Ainda para aqueles que continuam insistindo que o Estado é laico e por isso não se deve aceitar as cartas psicografadas, o professor Aury Lopes Jr. (2010) traz uma bela visão desse Estado que não deve ser religioso, a saber:

O ritual judiciário está eivado de simbolismo “sagrado”. As provas desempenham uma função ritual na medida em que são inseridas e chamadas a desempenhar um papel de destaque na complexidade do ritual judiciário. Basta atentar para a arquitetura dos tribunais (principalmente os mais antigos) para verificar que são plágios das construções religiosas (templos e igrejas), com suas portas imensas, estátuas por todos os lados, crucifixo na sala de audiência pendendo sobre a cabeça do juiz etc. Como se não bastasse, os atores que ali circulam utilizam diversas expressões em latim e, pasmem, usam a toga preta! Depois de tudo isso, o depoente ainda presta o compromisso de dizer a verdade (e, em alguns sistemas, presta o juramento colocando a mão no peito ou sobre a bíblia). (LOPES Jr., 2010, p. 502)

Deve-se afirmar que o Estado não tem religião e que está de portas abertas para a busca da verdade real, dando às partes a liberdade de exercer o contraditório a ampla defesa e a liberdade das provas, salvo quando essas não estiverem de acordo com a lei.

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O professor Julio Fabrinni Mirabete (2003, p. 259) faz uma interessante colocação, ensinando que:

A busca da verdade real e o sistema de livre convencimento do juiz, que conduzem ao princípio da liberdade probatória, levam também a doutrina a concluir que não se esgotam nos artigos 158 a 250 do CPP, os meios de prova permitidos na nossa legislação. A previsão legal não é, portanto, exaustiva, mas exemplificativa, sendo admitidas as chamadas provas inominadas, aquelas não previstas expressamente na legislação. Entretanto, nessa ampla liberdade da prova encontra limites além daqueles estabelecidos no artigo 155 do CPP e em outros dispositivos da lei processual. Segundo a doutrina, são também inadmissíveis as provas incompatíveis com os princípios de respeito ao direito de defesa e á dignidade humana, os meios cuja utilização se opõe às normas reguladoras do direito que, com caráter geral, regem a vida social de um povo. Lembra-se também a proibição de provas de invocação ao sobrenatural. (MIRABETE, 2003, p. 259)

Nessa citação o autor coloca que o nosso ordenamento jurídico permite as provas inominadas sendo regradas pelo princípio da liberdade de provas e que o nosso código de processo penal não é taxativo e sim exemplificativo, é claro, respeitando os limites legais. Porém, o autor acaba se contradizendo quando cita a seguinte frase: “Lembra-se também a proibição de provas de invocação ao sobrenatural”. (MIRABETE, 2003, p. 259) O autor além de contradizer todo o texto que falou anteriormente não traz as devidas explicações para tal proibição, isso sem falar que além de não justificar a sua posição ele nem se dá ao trabalho de mencionar os fundamentos legais que se baseia para tal afirmação.

Quando se fala de cartas psicografadas deve-se atentar as fraudes como em todas as provas, pois existem pessoas sérias como também, existem pessoas que não são merecedoras de credibilidade, para isso temos sempre que verificar de onde saíram as informações, a idoneidade do médium responsável pela mensagem e se o mesmo está apto para contribuir com as informações, se o conteúdo e os detalhes das cartas realmente auxiliam no bom andamento do processo, e quando necessário levar as cartas para o exame grafotécnico e etc.

Sobre do assunto Allan Kardec (2001) dizia:

Certas manifestações espíritas prestam-se muito facilmente à imitação. Seria, porém, absurdo deduzir que não existem, pelo fato de serem passíveis de exploração, como outros tantos fenômenos, pelo charlatanismo e pela prestidigitação.Para quem estudou e conhece as condições normais em que se produzem, é fácil distinguir a imitação da realidade. Ademais, a imitação nunca é perfeita, e não pode enganar senão ao ignorante, incapaz de apreciar os matizes característicos do verdadeiro fenômeno. (KARDEC, 2001, p. 116)

Cartas psicografadas como prova em processo penal

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Diante de todo o exposto percebe-se que não existem argumentos que proíbam a utilização das cartas psicografadas na esfera processual penal, a não ser o caráter subjetivo de alguns autores, pelo contrário, as fundamentações são extremamente favoráveis em todos os pontos, e para que, sejam exercidos com segurança, o princípio da verdade real, do contraditório, da ampla defesa e o da liberdade das provas, não há que se falar em limites para essas cartas.

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As cartas psicografadas já foram admitidas como provas em alguns processos penais, inclusive o seu valor probatório em alguns casos foi além do esperado o que naturalmente nos leva a um grande questionamento, se realmente as cartas psicografadas deverão continuar integrando o ordenamento jurídico.

Em nossa legislação não existem fundamentos legais que proíbam a admissão dessas cartas, mesmo que se fundamente que o Estado é laico a nossa Constituição Federal assegura o livre exercício e escolha da religião não podendo, legalmente falando, criar nenhum tipo de limite para o exercício de sua função, principalmente quando nos deparamos com fatos no processo penal onde essa garantia está ainda mais respaldada pelo princípio da verdade real e do contraditório.

Ainda que continue essa divergência quanto ao assunto, deve-se em primeiro lugar entender que o réu não pode ter o seu direito limitado, ou seja, seria mais viável admitir uma prova psicografada do que na dúvida recusá-la e correr o risco de tirar a oportunidade de se comprovar a verdade e absolvê-lo.

Quanto às fraudes, qualquer meio de prova está passível de ser uma inverdade, quando se necessita do homem para promover algo ou provar algo de acordo com o seu grau de interesse, algumas situações podem ficar distorcidas da realidade e para isso é que temos a perícia, que atua como parte fundamental no processo para assegurar que o objeto ali presente se faz verdade. A perícia hoje é utilizada na maioria dos casos, sem nenhum tipo de questionamento, para identificar as impressões digitais, assinaturas, trajetos de projéteis, pingos de sangue no chão, fio de cabelo da vítima, exame de sangue, etc. situações que sem o auxílio técnico e ferramentas próprias, não se chegariam a nenhuma conclusão ou verdade de fato. Mas quando se fala em perícia com cartas psicografadas utilizando os mesmos métodos e ferramentas elas normalmente são contestadas e em alguns casos rejeitadas, ou seja, um trabalho que era muito útil acaba se tornando totalmente inútil.

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Mesmo existindo a perícia para se chegar à autoria ou autenticidade dos textos psicografados, em alguns casos não seriam necessárias as perícias grafotécnicas, tanto porque os próprios conteúdos das cartas já dariam o norte da sua credibilidade ou não. Porém solicitado a perícia para a análise dos casos é de se analisar a condição do médium e se ele possui a faculdade de escrever as cartas de acordo com a escrita que o espírito tinha em vida, se ele tiver essas faculdades o laudo pericial possivelmente será positivo conforme provou o perito Carlos Augusto Perandréa.

Esse assunto vai perdurar durante um bom tempo em nosso sistema jurídico, principalmente porque as cartas continuam a integrar os processos, não mais pelas mãos do médium Francisco Cândido Xavier, e sim por outros médiuns que continuam a servir de ferramentas para o plano espiritual.

O que se deve analisar não são as cartas psicografadas dentro dos processos, e sim se o nosso sistema judiciário está realmente apto e desenvolvido, juridicamente falando, para enfrentar e compreender as provas além de sua capacidade de interpretação e justiça.

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Cartas psicografadas como prova em processo penal