carta da terra - uefsproex.uefs.br/arquivos/file/jornalfuxico47.pdf · 2020. 9. 1. · carta da...

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1 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47 ções e modos de vida. Devemos entender que, quando as neces- sidades básicas forem supridas, o desenvolvimento humano será primariamente voltado a ser mais e não a ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia ne- cessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos no meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está criando novas oportunidades para construir um mundo de- mocrático e humano. Nossos desafios ambientais, econômi- cos, políticos, sociais e espiritu- ais estão interligados e juntos podemos forjar soluções inclu- sivas. Para realizar estas aspira- ções, devemos decidir viver com um sentido de responsabi- lidade universal, identificando- nos com a comunidade terres- tre como um todo, bem como com nossas comunidades lo- cais. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual as di- mensões local e global estão ligadas. Cada um compartilha responsabilidade pelo presente e pelo futuro bem-estar da fa- mília humana e de todo o mun- do dos seres vivos. O espírito de solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existên- cia, com gratidão pelo dom da vida e com humildade em relação ao lugar que o ser humano ocupa na natureza. Necessitamos com urgência de uma visão compartilhada de va- lores básicos para proporcionar um fundamento ético à comuni- dade mundial emergente. Trechos da Carta da Terra Fonte: www.cartadaterrabrasil. org/prt/text.html Carta da Terra Núcleo de Investigações Transdisciplinares-NIT – Departamento de Educação/UEFS Ano XVII – Nº 47 – Maio/Agosto 2020 Feira de Santana-BA – ISSN 2179-1139 Estamos diante de um momen- to crítico na história da Terra, numa época em que a humanida- de deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro reserva, ao mes- mo tempo, grande perigo e gran- de esperança. Para seguir adian- te, devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversi- dade de culturas e formas de vida, somos uma família huma- na e uma comunidade terrestre com um destino comum. Deve- mos nos juntar para gerar uma sociedade sustentável global fundada no respeito pela natu- reza, nos direitos humanos uni- versais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para che- gar a este propósito, é imperati- vo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabili- dade uns para com os outros, com a grande comunidade de vida e com as futuras gerações. A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, é viva como uma comunidade de vida in- comparável. As forças da natu- reza fazem da existência uma aventura exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais para a evolução da vida. A capacidade de recuperação da comunidade de vida e o bem-estar da huma- nidade dependem da preservação de uma biosfera saudável com todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e animais, solos férteis, águas pu- ras e ar limpo. O meio ambiente global com seus recursos finitos é uma preocupação comum de todos os povos. A proteção da vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado. Os padrões dominantes de pro- dução e consumo estão causando devastação ambiental, esgota- mento dos recursos e uma mas- siva extinção de espécies. Co- munidades estão sendo arruina- das. Os benefícios do desenvol- vimento não estão sendo dividi- dos eqüitativamente e a dife- rença entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a po- breza, a ignorância e os confli- tos violentos têm aumentado e são causas de grande sofrimen- to. O crescimento sem prece- dentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão ameaça- das. Essas tendências são peri- gosas, mas não inevitáveis. A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São ne- cessárias mudanças fundamen- tais em nossos valores, institui- Nizete Araújo

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  • 1 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    ções e modos de vida. Devemos entender que, quando as neces-sidades básicas forem supridas, o desenvolvimento humano será primariamente voltado a ser mais e não a ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia ne-cessários para abastecer a todos e reduzir nossos impactos no meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está

    criando novas oportunidades para construir um mundo de-mocrático e humano. Nossos desafios ambientais, econômi-cos, políticos, sociais e espiritu-ais estão interligados e juntos podemos forjar soluções inclu-sivas. Para realizar estas aspira-

    ções, devemos decidir viver com um sentido de responsabi-lidade universal, identificando-nos com a comunidade terres-tre como um todo, bem como com nossas comunidades lo-cais. Somos, ao mesmo tempo,

    cidadãos de nações diferentes e de um mundo no qual as di-mensões local e global estão ligadas. Cada um compartilha responsabilidade pelo presente e pelo futuro bem-estar da fa-mília humana e de todo o mun-do dos seres vivos. O espírito de solidariedade humana e de

    parentesco com toda a vida é fortalecido quando vivemos com reverência o mistério da existên-cia, com gratidão pelo dom da vida e com humildade em relação ao lugar que o ser humano ocupa na natureza.

    Necessitamos com urgência de uma visão compartilhada de va-lores básicos para proporcionar um fundamento ético à comuni-dade mundial emergente.

    Trechos da Carta da Terra Fonte: www.cartadaterrabrasil.

    org/prt/text.html

    Carta da Terra

    Núcleo de Investigações Transdisciplinares-NIT – Departamento de Educação/UEFS

    Ano XVII – Nº 47 – Maio/Agosto 2020 – Feira de Santana-BA – ISSN 2179-1139

    Estamos diante de um momen-to crítico na história da Terra, numa época em que a humanida-de deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro reserva, ao mes-mo tempo, grande perigo e gran-de esperança. Para seguir adian-te, devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversi-dade de culturas e formas de vida, somos uma família huma-na e uma comunidade terrestre com um destino comum. Deve-mos nos juntar para gerar uma sociedade sustentável global fundada no respeito pela natu-reza, nos direitos humanos uni-versais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para che-gar a este propósito, é imperati-vo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabili-dade uns para com os outros, com a grande comunidade de vida e com as futuras gerações.

    A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, é viva como uma comunidade de vida in-comparável. As forças da natu-reza fazem da existência uma aventura exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais para a evolução da vida. A capacidade de recuperação da comunidade de vida e o bem-estar da huma-nidade dependem da preservação de uma biosfera saudável com todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e animais, solos férteis, águas pu-ras e ar limpo. O meio ambiente global com seus recursos finitos é uma preocupação comum de todos os povos. A proteção da vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado.

    Os padrões dominantes de pro-dução e consumo estão causando

    devastação ambiental, esgota-mento dos recursos e uma mas-siva extinção de espécies. Co-munidades estão sendo arruina-das. Os benefícios do desenvol-vimento não estão sendo dividi-dos eqüitativamente e a dife-rença entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a po-breza, a ignorância e os confli-tos violentos têm aumentado e

    são causas de grande sofrimen-to. O crescimento sem prece-dentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão ameaça-das. Essas tendências são peri-gosas, mas não inevitáveis.

    A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São ne-cessárias mudanças fundamen-tais em nossos valores, institui-

    Nizete Araújo

  • 2 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    Comissão Editorial Miguel Almir (Coord.)

    Luís Ferreira Rayssa Aragão

    Romildo Carneiro Alves Roquenei F. Lima (Cid Fiuza)

    Colaboradores

    Alice do Carmo Souza (UEFS) Ana Gabriela Araujo (UEFS) André Nunes (Queimadas)

    Andrea N. M. Silva (UNEB) Andressa S. da Cruz (Simões Filho)

    Bruno Freitas (UEFS) Carlos Alberto Lopes (Paulo Afonso)

    Carlos Silva (Mutuípe) Cremilson Alves Silva (UEFS)

    Cristiano Silva (Sapeaçu) Cristóvão S. Rodrigues (Jeremoabo)

    Danilo Cerqueira (FSA) Davi S. Silva (Riachão do Jacuípe) Edite Maria da S. de Faria (UNEB)

    Edivania S. de Carvalho (SSA) Fabrício de Souza (SSA)

    Humberto Miranda (UNICAMP) Ivanildo Cajazeira (SSA)

    Jamerson V. de Lima (UEFS) João José de S. Borges (UNEB)

    João Irineu (UEPB) João Paulino (UFR)

    Jobson Souza Cunha (Santaluz) Lívia de O. Ferreira (UEFS)

    Luciano Ferreira (C. de Maria) Luiz Brandão (Ipirá)

    Maria José Firmino (Tucano) Mynuska de Lima (Camaçari)

    Pedro Henrique M. de Jesus (UEFS) Pedro Juarez (Araci)

    Renailda F. Cazumbá (UEFS) Renato Tavares Santana (UESB)

    Weslley M. Almeida - Revisor (FSA)

    Conselho Editorial Dr. Eduardo Oliveira (UFBA)

    Dr. Miguel Almir L. de Araújo(UEFS) Dr. João José de S. Borges (UNEB) Dr. João F. R. de Morais (UNICAMP)

    Drª. Mirela Figueredo Santos (UEFS) Drª. Sandra S. Morais Pacheco (UNEB) Dr. Roberval Alves Pereira (UEFS) Dr. João Irineu de F. Neto (UEPB) Drª Andrea do N. M. Silva (UNEB)

    Editoração Eletrônica

    e Web designer Roquenei F. Lima (Cid Fiuza)

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE

    FEIRA DE SANTANA - UEFS

    Reitor Evandro do Nascimento Silva

    Pró-Reitora de Extensão Rita de Cássia Brêda M. Lima

    Diretor do Departamento de Educação

    Ivan Faria

    Coordenador do NIT Miguel Almir L. de Araújo

    Editorial

    Informes

    UEFS promove Jornada Virtual 13ª Feira do Livro de Feira de Santana - Flifs Virtual - p. 3

    Artigos

    A imagem da percepção como um diálogo contínuo entre o nascer e o morrer – Willian Falcão Lopes – p. 4 Currículo e relações étnico-raciais: uma perspectiva

    para além da sala de aula – Josanille Glenda do Nascimento Ribeiro e Francisco Edinaldo de Pontes – p. 5

    O avesso do avesso do avesso – Emilly Reis – Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?

    – Luís Carlos Ferreira dos Santos – p. 7

    Contos e crônicas

    Ué, era racismo?! – Henrique Britto Terra inquieta – Raphael Andrade – p. 9

    Vinte do quatro de dois mil e vinte – Najin Lima – p. 10 O resgate – Ronaldo Magalhães – p. 11

    Poemas

    Da pandemia ao cuidado com a coexistência solidária – Miguel Almir

    É tempo de epitáfia – Elias Rasta Cara ou coroa – Adrine Souza Borges – p. 13

    "O dia que Salvador comemorou seu aniversário 'Dendicasa' por causa de um perigoso intruso " – Sérgio Bahialista - p. 14

    Intertexto – Bertolt Brecht – Não te rendas – Mario Benedetti Noturno – Daniel Gomez – p. 15

    No ar, como as estrelas – Carlos Kahê Fuxico Poético – Francisco Setúval

    Desencontro / Estudo 2 – Nívia Maria Vasconcellos – p. 16

    Acesso Senti-dos do Amor

    Fuxico Virtual www.uefs.br

    (publicações...)

    uma vez que, a meu ver, sumário

    O homem se sentará à mesa editorial

    Sois todos muito sábios, expediente

    Eis o Fuxico 47! Este contém informes sobre dois eventos que foram planejados para acontecer virtualmente, a Jornada Virtual da UEFS e a 13ª edição da FLIFS. Apresenta pequenos artigos sobre temas diversificados.

    No texto “Um novo olhar sobre a relação entre morte e vida” o autor traz reflexões acerca dos desafios da relação entre a morte e a vida mediante as imagens que se pro-duz sobre estas em nossa cultura.

    No artigo “Currículo e relações étnico-raciais: uma perspectiva para além da sala de aula”, os au-tores debatem a relação entre cur-rículo e questões étnico-raciais, no intuito de conhecer a diversidade cultural e valorização da própria história.

    O texto “Ué, era racismo” apre-senta um triste relato sobre os re-flexos do racismo no mercado de trabalho, dialogando com a pauta dos movimentos antiracistas atu-ais. Outro texto com uma temática atual é “O avesso do avesso do avesso”, que fala sobre a angústia e as estranhezas de viver em qua-rentena, sobre as frustrações e o peso da cobrança por produtivida-

    de quando não há perspectiva, mas também convida a acreditar que os sonhos não morrerão.

    Em "Terra inquieta" o autor des-creve, de forma poética, aspectos da natureza e as mudanças que ela sofre constantemente, principal-mente por influência do ser huma-no, mostrando como essas cicatri-zes deixadas pela vida urbana transformam a paisagem e a vida na natureza.

    No texto “Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?”, o autor estabelece uma relação com a poé-tica de Milton Nascimento e Fernan-do Brant, através da canção Pro-messas do Sol, para problematizar a poética do genocídio que insiste em nos habitar nestes tempos.

    Os contos desta edição falam, ca-da uma com sua abordagem e parti-cularidade, das mudanças que o mundo e a sociedade sofreram sem sequer perceber. Os poemas e ima-gens versam sobre temas como as dores e delícias das expectativas, a necessidade do olhar crítico/político, os efeitos do tempo nas relações e pessoas, trazendo também críticas aos abusos numa perspectiva poéti-ca e simbólica.

  • 3 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    informes

    sugestão de filmes

    - Conversas com meu jardineiro – Jean Becker - Caminho da liberdade – Peter Weir - De amor de sombra – Betty Kaplan - Desobediência – Sebastián Lelio - Em um mundo melhor – Susanne Bier - E se vivêssemos todos juntos? – Stephane Robelin - Gabbeh – Mohsen Makhmalbaf - Himalaia – Eric Valli

    - A pedra do reino – Ariano Suasssuna - O bem viver – Alberto Costa - A criação – Gore Vidal - O filósofo do deserto – Márcio Salgado - O pensamento do tremor – Edouard Glissant - Livro sobre o nada – Manoel de Barros - O universo num grão de areia – Mia Couto - O alienista – Machado de Assis

    –Recebemos artigos, poemas, crônicas, contos e imagens com temáticas diversas que sejam relevantes para o _cuidado com a dignidade e com a boniteza humanas.

    –Textos de artigos devem ter até três páginas; espaço simples; fonte Times New Roman 12; parágrafo com _recuo; colocar dados do autor após o título.

    –Enviar o material para: [email protected]

    Orientações para envio de textos etc.

    UEFS promove Jornada Virtual

    Com o propósito de dar continui-

    dade aos trabalhos acadêmicos e aos serviços prestados à sociedade e seguindo as medidas de isola-mento social em tempos de pande-mia, a Universidade Estadual de Feira de Santana-UEFS realizou, entre os dias 27 de julho a 01 de agosto, a sua Jornada Virtual.

    Além das cerimônias de abertura e de encerramento, foram realiza-das 122 mesas-redondas, 60 mini-cursos, 27 oficinas, 100 vídeos, 64 podcasts e 5 grandes debates tra-tando das mais diversas temáticas dentro do eixo de seu tema geral “Trilhas para a pluriversidade” . Prezando pela acessibilidade, algu-mas das atividades também foram traduzidas por intérpretes de libras do Núcleo de Acessibilidade UEFS.

    Desde o tema “Trilhas para a pluriversidade” traduzida imageti-camente com uma lo-gomarca inspirada na obra de Juraci Dórea e nos saberes do Sertão, o objetivo do evento foi dar continuidade à tro-ca de conhecimentos, experiências e aprendi-zados, adaptando-se às possibilidades atuais.

    A organização da Jor-nada Virtual contou com a participação de colaboradores das mais diversas áreas da Uni-versidade, desde pro-

    fessores e alunos até técnicos e telespectadores muito variados, atingindo o objetivo de construir um ambiente democrático que fosse além do espaço da UEFS e envolva toda a sociedade.

    Em apenas seis dias, o evento alcançou um número aproximado de 22 mil telespectadores. Sua transmissão foi feita ao vivo atra-vés do portal já mencionado, sen-do gerenciada pela EComp Jr e auxiliada pelas empresas juniores de Engenharia Civil e de Alimen-tos, e também pelo canal da TV Olhos D’Água no Youtube.

    Promovendo trocas e diálogos promissores e fecundos em diver-sas áreas do conhecimento, a Jor-nada Virtual foi considerada ex-pressivamente relevante para os que se propuseram a participar desta e o resultado desse grande encontro virtual ficou gravado e ainda pode ser assistido no You-tube.

    Imagem de divulgação do evento

    sugestão de livros

    13ª Feira do Livro de Feira de Santana - Flifs Virtual

    A Uefs divulgou Em notícia oficial

    O lançamento da Flifs No formato virtual.

    Feira do Livro de Feira Flifs - toda digital.

    Esse ano, já sabemos: Todo mundo "dendicasa".

    Nada de se aglomerar Pra, assim, cortar a asa Desse vírus "maledito"

    Que, pra morte, não atrasa.

    Adotando essas medidas A Flifs será online Tudo pela internet

    Em imagem e design Tudo isso em setembro Fique atento ao deadline

    Vinte e dois a vinte e seis Tudo vai acontecer

    Palestras, mesas-redondas... Vai no site pra saber De toda programação

    Pra depois não se perder.

    Vai ter shows e muita prosa Pra pensar e refletir

    Sobre diversas temáticas Vale a pena conferir Lá no site da Uefs Anote, se preferir.

    Esse evento importante Dessa Universidade Tem o apoio do Sesc Do Estado, da Cidade

    E da Arquidiocese Com sua comunidade.

    oCordel

  • 4 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    No livro Sobre o poder pessoal, Carl artigos

    Dizem as escrituras sagradas: “Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer”. A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A “reverência pela vida” exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida dese-ja ir (ALVES, 2003, p. 03).

    A imagem da percepção consiste em uma configuração atravessada por intenções, as quais desvelam os fenômenos a partir das suas semelhanças com as imagens até então percebidas, para que em se-guida seja possível notá-los pelas suas diferenças, ou seja, essa ima-gem “nasce” da tentativa de com-posição das experiências imaginá-rias em representar um fenômeno que se mostra.

    Como uma tentativa de aproxi-mar a imagem da percepção com o fenômeno existente desvelado, a percepção vai ganhando contato com esse fenômeno, ao mesmo tempo em que vai reconfigurando e “matando” a sua própria ima-gem. “Portanto, há na percepção a incitação para uma infinidade de imagens; mas estas só podem

    constituir-se ao preço da aniquila-ção das consciências percepti-vas” (SARTRE, 1996, p. 162).

    Diante disso, acredito que a imagem da percepção consiste em um diálogo obstinado entre o nascer e o morrer. De maneira sucinta, nascer e morrer são duas experiências que estão no pré-

    reflexivo, antes mesmo do plano conceitual. Enquanto conceitos, esses são disserta-dos pelas mais diversas áreas do conhecimento (filosófico, biológico, artístico, literário, mítico-religioso, entre ou-tros). Além disso, quando in-tegrados garantem a constru-ção de uma totalidade dialéti-ca complexa e capaz de possi-bilitar na imagem a ideia de continuidade, de renovação, de transformação, de desen-volvimento e de complemen-tarização. Convém ressaltar que a morte é um grande tabu soci-al, que é encarada com resis-tência por diversos campos do conhecimento, mesmo essa sendo um atravessamento existente e contínuo nos mais variados contextos socioambi-entais. Uma ressalva é de que a ciência estuda a morte, con-tudo os seus estudos buscam combatê-la a fim de que a vida seja expandida. Em ge-

    ral, a cultura ocidental teme a morte. No entanto, existem cren-ças de que a morte não é a finitu-de da vida e sim a passagem para uma outra vida, tais crenças ten-dem a promover sensações de tranquilidade entre os sujeitos que nelas estão filiados. Na Feno-menologia isso não é diferente, há pouquíssimas produções tex-tuais relacionadas à imagem da morte (GOMES; SOUZA, 2017).

    A morte da percepção na feno-menologia não cessa de se ins-crever, não se esgota, não se acaba, não dá fim as experiências e nem ao plano do vivido, pois as percepções que nascem, mesmo sendo outras, carregam consigo traços das que se foram. Nossos filhos, estudantes, orientandos carregam traços das nossas per-

    cepções reconfiguradas pelas suas experiências imaginárias, suas percepções não são idênticas as nossas, mas impedem que o tem-po nos apague do mundo. Para Gomes e Souza (2017) a morte da percepção consiste em processos de mudanças que atravessam o tempo por meio de um diálogo contínuo entre o nascer e o mor-rer.

    É por meio desse diálogo que a fenomenologia se desenvolve para além do plano do vivido-percebido, uma vez que perceber é, também, matar as imagens da percepção dando possibilidade de gestação para o nascimento de uma nova imagem. Vale salientar que a nova imagem permanece sendo afetada pelo diálogo ininterrupto entre o nascer e o morrer, garantindo na percepção o exercício contínuo de refazer imagens.

    Em síntese, a imagem da per-cepção compõe-se pelo diálogo contínuo entre o nascer e a morte, uma vez que essa imagem perma-nece obstinadamente sendo trans-formada pela percepção. A percep-ção cria uma imagem sobre um fenômeno desvelado e tendo cons-ciência da incompletude dessa imagem ela a refaz. No refazer da percepção a imagem inicial é mor-ta, pois ao ser transformada ela não é mais a mesma, mas, ao mesmo tempo a imagem que nas-ce nunca é neutra ou pura, pois a sua construção nunca parte do va-zio e carrega sempre traços da imagem que se foi. A imagem da percepção antes de mais nada é uma reconfiguração contínua de um fenômeno manifestado e tra-duzido pelas experiências imaginá-rias.

    Referências ALVES, Rubem. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Folha de S. Pau-lo. 12 out. 2003. GOMES, Daniele Moreira; SOUZA, Airle Miranda de. A morte sob o olhar fenomenológico: uma revisão integrativa. Revista do NUFEN, v. 9, p. 164-176, 2017. SARTRE, Jean-Paul Charles Aymard. O imaginário: psicologia fenomeno-lógica da imaginação. São Paulo: Ática, p. 256, 1996.

    Sarah Pequeno

    A imagem da percepção como um diálogo contínuo

    entre o nascer e o morrer

    Willian Falcão Lopes Doutorando em Educação na UNEB

    Liége Maria Queiroz Sitja Professora da UNEB

  • 5 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    Currículo e relações étnico-raciais: uma perspectiva para além da sala de aula

    Josanille Glenda do Nascimento Ribeiro Especialista em Gênero e Diversidade na Escola pela UFPB-Virtual

    Francisco Edinaldo de Pontes Mestrando em Literatura e Interculturalidade na MLI/PPGLI/UEPB

    pontos que envolvem currículo e as questões étnico-raciais. Desse modo, acreditamos que, essa di-minuta reflexão possa contribuir para o âmbito educacional por-que diz respeito à formação hu-mana, sobretudo, à desconstru-ção do pensamento discriminató-

    rio e preconceituoso. Assim, o nosso objetivo é ampliar essa discussão/ação tão urgente para que as minorias políticas não per-maneçam no esquecimento, fa-zendo com que a nossa socieda-de não se torne um lugar apenas para indivíduos privilegiados.

    Assim, nossa pesquisa tem co-mo finalidade abordar as ques-tões étnico-raciais e o currículo escolar, visto que, entendemos que a nossa sociedade necessita de discussões mais abertas como essa, pois, de fato, as ações ape-nas acontecem através de uma reflexão inicial. Nesse sentido, acreditamos que, essas nossas sucintas considerações influencia-rão a nossa prática pedagógica, propiciando e contribuindo, em vários aspectos, para a nossa fle-xibilidade em saber lidar e con-textualizar tais temáticas em sala de aula. Uma vez que, a Cultura Africana e a História da África não devem ser lembradas apenas nas datas comemorativas, mas sim, como primordiais para a for-mação da identidade do povo brasileiro.

    Segundo Bordieu (2007 apud VASCONCELOS & VIRGÍNIO, 2012, p. 103), “o currículo é utensílio de reprodução cultural que faz com que o sujeito incor-

    pore, introjete ou internalize deter-minados valores dominantes”. Desse modo, como dito anterior-mente, pensar sobre currículo vai muito mais além dos conteúdos das disciplinas escolares. O currí-culo serve aos propósitos de quem os elabora, ou dos que o mandam.

    De fato, a elite não tem nenhum interesse que a sociedade se transforme, mas nós, enquanto cidadãos e educadores/as não:

    Uma sociedade estratificada é aquela que atribui importância e poder aos diversos segmen-tos, hierarquizando-os, seja por atributos aparentes e su-postamente ‘naturais’ (como cor, sexo, idade) ou prático-associativos (como as profis-sões, as religiões ou os com-portamentos) (CARRARA et al, 2009, p. 177).

    De acordo com a citação aci-ma, vemos que as verdades são construídas, naturalizadas e per-petuadas, reforçando uma cultu-ra eurocêntrica, androcêntrica e patriarcal. Portanto, todas as

    pessoas que fugirem desse modelo irão sofrer algum tipo de discrimi-nação, ou seja, a própria socieda-de hierarquiza e delimita papéis sociais.

    É recente a ideia de inserir o en-sino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana por institui-ções públicas e particulares em todos os níveis de ensino, mas nem por isso menos necessária. Pelo contrário, essa lei foi instituí-da há dezessete anos e pouco se discute sobre as relações étnico-raciais em sala de aula, exceto nas datas comemorativas. Salientamos que, é necessário mais do que is-so, pois incluir como currículo obri-gatório não muda a realidade da qual nós somos apresentados to-dos os dias, desde os livros infantis até a falta e o acesso aos serviços básicos.

    No artigo intitulado “Questões Étnico-raciais e Currículo: uma abordagem reflexiva” (2011), de Tássia Fernanda de Oliveira Silva, acontece uma abordagem reflexiva sobre as questões étnico-raciais consubstanciada pela Lei 10.639/03 (Cf. MEC, 2006), que altera a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB – 9.394/96); e que torna obrigatório em estabelecimentos de ensino público e privado, o ensino da His-

    Nilzete Araújo

    É fato que, atualmente, as dis-cussões sobre as questões curricu-lares e as relações étnico-raciais estão se tornando mais recorren-tes nos meios educacionais. Entre-tanto, nem sempre foi assim, ten-do em vista que, a visão anterior que se tinha sobre currículo era a de que este se restringia apenas à delimitação do conteúdo das disciplinas. Mas, felizmente, ho-je o currículo é visto como um processo que envolve reflexão, especialmente no que se refere à diversidade cultural. No Brasil, apesar de ser considerado um país multicultural, plural e mis-cigenado, a discriminação con-tra negros/as ainda é muito marcante. Prova disso, são as estatísticas, por exemplo, em que a média de anos de estudo consiste em 7,0 para brancos/as e 5,0 para pretos/as e pardos/as (Cf. CARRARA et al, 2009, p. 230).

    Nesse sentido, a reflexão so-bre o currículo e as questões étnico-raciais é de grande im-portância para a educação e pa-ra a nossa sociedade, uma vez que a cultura eurocêntrica, se reforça-da, favorece ao preconceito e a reprodução de estereótipos. Des-tarte, esperamos contribuir teori-camente para a ampliação das dis-cussões já existentes acerca da relação entre currículo e questões étnico-raciais, pois, conhecer e (re) conhecer a diversidade cultu-ral, especialmente a diversidade étnico-racial, consiste em valorizar a nossa própria história.

    Portanto, como embasamento teórico para a nossa breve discus-são, foram dispostas de pesquisas bibliográficas, de cunho qualitati-vo, visando as concepções de Car-rara (2009); Gomes (2011); Lima (2006); Silva (2011); e, Vasconce-los e Virgínio (2012). A partir da leitura, apreciação e análise desses textos, percebemos ainda mais a necessidade de trabalhar as ques-tões étnico-raciais atreladas às no-vas concepções de currículo, – na prática em sala de aula de forma mais crítica e mais presente – com o intuito de colaborar para a for-mação, a reflexão, a prática e a experiência pedagógica do profissi-onal docente.

    Como educadores/as, entende-mos que, a escola é um espaço privilegiado que deve promover a reflexão e a conscientização sobre

  • 6 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    de pode traduzir etnocentrismos e justificar preconceitos, mas, ele se caracteriza hoje, fundamentalmen-te, por ser um tipo de conheci-mento que se mantém por repeti-ção, ignorância e preconceito.

    Portanto, essas diminutas consi-derações a respeito do currículo e das questões étnico-raciais nos possibilitam compreender alguns fatores que influenciam a prática de subordinação, imposição e ver-dades construídas pela classe do-minante, e que, consequentemen-te, se transformam em práticas discriminatórias, caracterizando as desigualdades sociais. Por isso, as questões que envolvem o currículo são tão importantes se não quiser-mos que esse seja veículo de do-minação, mas sim, de transforma-ção.

    Referências BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases. In: Lei nº 9.394/96, de dezembro de 1996. Disponível em: por-tal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf. Acesso em: 16 de fevereiro de 2020. Às 15h 48min. CARRARA, Sérgio. et al. Gênero e Diversidade na Escola: Formação de professoras/es em gênero, ori-entação sexual e relações étnico-raciais. Caderno de Atividades. Versão 2009. Rio de Janeiro: CE-PESC; Brasília: SPM, 2009. p. 177- 225. CARRARA, Sérgio. et al. Gênero e Diversidade na Escola: Formação de professoras/es em gênero, ori-entação sexual e relações étnico-raciais. Versão 2009. Rio de Janei-ro: CEPESC; Brasília: SPM, 2009. p. 191-265. GOMES, Nilma Lino. Diversidade Étnico-racial, Inclusão e Equidade na Educação Brasileira: desafios, políticas e práticas. RBPAE. v. 27, n. 01, p. 109-121, jan./abr.

    tória e Cultura Afro-brasileira e Africana, no âmbito de todo cur-rículo. Ademais, a autora argu-menta que as proposições trazi-das pela lei nos convidam a pen-sar no currículo como uma ferra-menta capaz de contribuir para o ensino politizado das questões étnico-raciais em questões que envolvem saber, poder e identi-dade.

    No texto intitulado “Diversi-dade Étnico-racial, Inclusão e Equidade na Educação Brasileira: desafios, políticas e práti-cas” (2011), da autora Nilma Li-no Gomes, ela argumenta que a educação brasileira tem sido apontada pelas pesquisas oficiais e acadêmicas, assim como, pelos movimentos sociais e, em especi-al, pelo Movimento Negro, como um espaço/tempo no qual persis-tem históricas desigualdades soci-ais e raciais. Nesse contexto, o debate sobre inclusão, diversidade e equidade na educação começa a ocupar um lugar de destaque, pos-sibilitando indagações, problemati-zações, desafios e redirecionamen-tos das políticas e das práticas re-alizadas pelo Ministério da Educa-ção (MEC), pelos sistemas de ensi-no e pelas escolas.

    Nesse sentido, compartilhamos com o pensamento de Silva (2011), visto que, para ela, o cur-rículo é um importante elemento sociocultural, assim, podemos tra-balhar utilizando-o em uma pers-pectiva antirracista, empoderando as minorias, na tentativa de trans-formar a nossa sociedade. Dessa forma, os dois textos ressaltam que a diversidade étnico-racial dentro do currículo ainda é um de-safio, porque apesar da abertura após os Estudos Culturais (1950), a reformulação curricular, assim como, a história das minorias, de-pendem de um sistema que não prioriza a educação como forma-ção cidadã.

    Assim, consideramos que, o tra-balho com o currículo e as ques-tões étnico-raciais é essencial para o desenvolvimento de uma socie-dade mais igualitária e mais justa. Desse modo, após as leituras so-bre o currículo envolvendo ques-tões étnico-raciais, – especialmen-te nos dois artigos que servem co-mo base para a nossa breve refle-xão – entendemos que ainda é re-cente a ampliação de questões que envolvem as minorias, de forma geral, dentro do currículo e que muito ainda é preciso ser feito.

    Nesse sentido, Carrara (2009) diz que o racismo não é, portanto, apenas uma reação ao/a outro/a, mas uma forma de subordinar o/a outro/a. O racismo enquanto atitu-

    2011. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/view/19971/11602. Acesso em: 28 fevereiro de 2020. Às 18h e 33min. LIMA, Elvira de Souza. Currículo e desenvolvimento humano. In: MOREIRA, Antônio Flávio e AR-ROYO, Miguel. Indagações sobre Currículo. Brasília: Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, 2006. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Ori-entações e Ações para Educação das Relações Étnico-raciais. Mi-nistério da Educação / Secretaria da Educação Continuada, Alfabe-tização e Diversidade. Brasília: SECAD, 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdo cuments/orientacoes_etnico raciais.pdf. Acesso em: 03 de

    março de 2020. Às 21h e 23min. SILVA, Tássia Fernanda de Olivei-ra. Questões Étnico-raciais e Currí-culo: uma abordagem reflexiva. Revista Fórum Identidades. Itabai-ana: GEPIADE, ano 5, volume 9, p. 95-106, Jan – Jun de 2011. Dispo-nível em: https://seer.ufs.br/index.php/forumidentidades/article/view/2074. Acesso em: 27 fevereiro de 2020. Às 20h e 00min. VASCONCELOS, Giuliana Cavalcan-ti de; VIRGÍNIO, Maria Helena da Silva. O currículo educacional e a educação infantil emancipatória. In: BRENNAND, Edna Gusmão de Góes; VIRGÍNIO Maria Helena da Silva (Org.). Gestão, aprendiza-gens e currículo como processo social. João Pessoa: Editora da UFPB, 2012. p. 91-145.

    Nilzete Araújo

    Adriano Machado

    http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/orientacoes_etnicoraciais.pdfhttp://portal.mec.gov.br/dmdocuments/orientacoes_etnicoraciais.pdfhttp://portal.mec.gov.br/dmdocuments/orientacoes_etnicoraciais.pdf

  • 7 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    Hoje caminhando até minha ca-sa percebi que as placas que es-tampavam “vende-se geladinho” foram substituídas por “vende-se álcool em gel e máscara”.

    Pois, digo do avesso e é como ando me sentindo. Pelo avesso. Sinto o mundo pelo avesso.

    Há uns dias atrás nossas preo-cupações cotidianas nos geravam angústias, pensávamos nas con-tas, na universidade, na família, nos planos de amanhã, de depois de amanhã, no mês que vem… Que vem? A angústia que assola nossas mentes e nossos corpos é do que veio, do que na verdade já pairava por aqui, hoje se escanca-ra e nos deixa do avesso, sem nem termos a possibilidade de sonhar.

    Não quero ser pessimista, mas a cada notícia que chega até nos-sos olhos de manhã deixam a im-pressão de que nossos sonhos se afastam causando um rebuliço por dentro, trazendo uma grande nu-vem de inércia e um imenso mar de contradições.

    Falo de sonhos a curto, médio e longo prazo. Sonhos de estudan-

    tes, sonhos de trabalhadoras e trabalhadores em suas lutas diá-rias. Sonhos que navegam em um mar de incertezas, angústias e desconfortos. Alguns desistiram de tentar remar contra essa ma-ré, se afogaram.

    Nesse período, sonhos e vidas foram levados. Pensar sobre isso enquanto abro e leio mais uma matéria ruim, dilacera, dói, des-trói as esperanças.

    É necessário falar da dor além de senti-la, pois, a sensação de estranheza causada pela dificul-dade de enxergar novos horizon-tes e possibilidades é latente, é difícil de explicar. As possibilida-des que estão ao nosso alcance são as de ocupar o vazio baru-lhento que é nossa cabeça. Pro-duzir, fazer coisas “que não tí-nhamos tempo”, manter a distân-cia e aceitar diariamente nossas lutas internas em isolamento. O mais dolorido é também não con-seguir exercer essa superestima-da produtividade para manter a mente em desfalque dos aconte-cimentos lá fora.

    Vou ser bem intimista e dizer diretamente para você que não há problema algum na dor que sente, na inércia pesada que im-pede de nos movermos - e nem sabermos pensarmos como nos movimentarmos - calma! Não é você. Estamos vivendo o avesso do que imaginamos, do que so-nhamos em ter e merecer, esta-mos sentindo na verdade, o peso de viver num sistema capitalista que ameaça cotidianamente nos-sa sobrevivência. Em casos de negros e negras - sobretudo peri-féricos e periféricas - esse siste-ma passa de uma ameaça cons-tante para o ato de literalmente tirar a vida, conjuntamente os sonhos.

    Por fim, poderia fazer uma con-clusão trazendo todo idealismo que é colocado nesse cenário quando se é exposto um conteúdo relacionado à saúde mental nesse momento, mas depois de pensar sobre todas as nuances acerca do sofrimento que vem sendo sobreviver aos de-satinos desse período, percebo a necessidade imensa de entender-mos a realidade que estamos inse-ridos. É importante nos livramos da culpa dolorosa compreendendo as contradições e opressões condicio-nadas a nós por uma política fascis-ta. Enxergar que a conjuntura está nos adoecendo porque priorizam o lucro e não nossas vidas é compre-ender a movimentação da luta de classes, cuja vem demarcada do extermínio massificado de negros, negras, indígenas, lgbt’s… da cama-da mais pobre, digo, a classe traba-lhadora.

    Que possamos sentir este avesso doído abrindo nossos olhares para as opressões que recaem sobre nossos corpos, sobre nossa classe e ferem nossos direitos, nossa saúde, nossa ancestralidade. Mas, que também conjuntamente e coletiva-mente possamos abrir esses olha-res como uma ferramenta de dar-mos passos rumo à superação das estruturas que nos adoecem, que nos tiram os sonhos. Percebendo então que juntos somos capazes de construirmos novos possíveis hori-zontes para vivermos, e que eles não estejam tão distantes quanto parecem, unificando nossas vozes, nossas lutas para um poder que seja popular, fruto de nossas mãos. Do povo para o povo.

    Olhe ao seu redor, estamos jun-tos, camarada. Temos a arte, te-mos a cultura, temos todos aqueles que sentem o peito pesar pela dor do avesso.

    Nossos sonhos não morrerão! Nilzete Araújo

    O avesso do avesso do avesso

    Emilly Reis

    Estudante de Letras Vernáculas na UEFS

    Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?

    Luís Carlos Ferreira dos Santos Professor da UEFS

    No ano de 1976, Milton Nasci-mento lançou, no álbum Geraes, uma canção composta por ele, em parceria com Fernando Brant, cha-mada “Promessas do sol”. Nela, Nascimento e Brant denunciam o genocídio dos povos originários, dos ameríndios, que, historica-mente, resistem aos projetos polí-ticos de extermínio físico e simbó-lico. No final da canção, de forma

    melancólica, o eu lírico lança a seguinte questão: “Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?”.

    Hoje, no ano de 2020, essa in-terrogação nos espanta. O absur-do do tempo que experienciamos nos mobiliza para um melhor en-tendimento da imagem da poética do genocídio, que nos atravessa, e da qualificação das percepções que este genocídio nos causa.

    A tragédia que cai sobre todos nós é parte de uma rede comple-xa. Nós, no Brasil, vivemos uma crise de ordem econômica – vide as escolhas necro-neo-desen-volvimentistas atuantes no nosso território; política – caracterizada pela ausência do dissenso, do bem comum, da coabitação das singula-ridades irredutíveis, da morte da palavra; social – traduzida nas de-

  • 8 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    sigualdades cada vez mais pro-fundas que se consolidam co-mo um projeto de Estado; espi-ritual – a partir da retirada do pertencimento ancestral, tor-nando o sujeito deserdado de si mesmo e, consequentemente, do “todo-mundo”; e, atrelada a esse projeto, temos uma crise sanitária, neste momento, para combater.

    A pergunta lançada na can-ção evidencia a poética do ge-nocídio a qual se retroalimenta desde um necropoder, que tem o poder soberano de matar. Um poder do grotesco que per-siste na órbita da sensibilidade. A estética do grotesco atua na produção de alterar o outro à sua semelhança. Isto é, na re-lação com o outro, este será a produção da transparência do mesmo. Neste aspecto, não existe o justo. A ética, na relação de uma política de morte com uma estética do grotesco, constrói na-quele que sofre a violência a au-sência de força (poder-política), beleza (estética) e justiça (ética). O terror e o horror dos projetos que condicionam a vida à produção de morte são potencializados pelos agenciamentos eco-nômicos, políti-cos e pelos regimes culturais, ten-do como fonte o racismo, ou como chama o Achille Mbembe (2018), a necropolítica.

    O Tempo da poética do genocí-dio, a tragédia, opera na morte da criação. Ele tem como finalidade a transparência, numa potência re-produtivista da repetição, do mes-mo, do inferno do igual. A imagi-nação é aniquilada. E, para fecun-dar outras imaginações, é necessá-rio agarrar-se à força, à beleza e à justiça da memória. O tempo con-voca para a necessidade de outras paisagens que não sejam filiadas aos projetos da transparência. Por isso, o combate ao projeto de apa-gamento da memória é de muita importância para habitar outras temporalidades inventivas.

    O passado precisa estar presente para que as pessoas se conectem com o lamento. “A sociedade do cansaço e da informação”, termo cunhado pelo filósofo coreano Byung-Chul Han (2015), tem as escutas embrutecidas frente ao grito por justiça. O espanto desa-pareceu frente ao tempo do horror e do terror. É o tempo do grotesco e isso é consequência de um pas-sado que tem sido frequentemente apagado. O apagamento das paisa-gens diversas que compõem o pas-sado é um dos elementos cruciais para a tragédia do presente.

    As lutas pelas memórias estão atreladas ao poder. O jogo de se-

    dução, frente as disputas pela vida, desdobra-se pelas memó-rias. Retomando novamente a canção de Nascimento e Brant, o eu lírico lamenta “você me quer forte/E eu não sou forte mais/Sou o fim da raça, o velho que se foi”. A perda da potência é a tradução da morte espiritual, da aniquila-ção da beleza e da legitimidade das injustiças. Por isso, como po-de lhe querer forte, se as memó-rias dos grupos retirados da zona do ser são combatidas pelos dis-cursos oficiais? Portanto, ne-nhum grupo pode abrir mão das suas memórias. As tragédias físi-ca e simbólica que caem sobre todos nós é de morte das tradi-ções, como anuncia o eu lírico da canção. É um projeto de combate dos nossos deuses, das nossas

    matas e do nosso próprio cor-po, a fim de perpetuar uma agenda de destruição do mundo. O espanto ecoado na can-ção nos convoca a “impedir o desaparecimento do passa-do” (SAID, 2007, p. 170) e a persistir na contramão da po-lítica do ódio, seguindo na luta pela “construção de cam-pos de coexistência, em lugar de campos de batalha” (SAID, 2007, p. 171). A (re)invenção de mundos é o exercício de resistência ao projeto do ima-ginário que se mobiliza pela lógica de construção do inimi-go. O ódio potencializa uma máquina política que tem co-mo finalidade destituir a for-ça, a beleza e a justiça da-queles retirados da partilha sensível do mundo. A renova-

    ção do imaginário e a fecundação de imagens que potencializem o diverso do mundo, em relação, é uma maneira de espantar, por um curto período, o tempo do horror e do terror. O grande desafio é não ser, em algum momento, seduzido pela barbárie.

    O questionamento realizado na canção nos interpela, nos provo-cando a estar sensibilizados sobre o tempo e, com isso, movimentar (im)possibilidades, delirar e estar relacionado com o tremor e o ba-rulhamento do mundo. É seguir acreditando no mundo, no devir-mundo. O sentimento de crença no presente e apresentar alternativas outras talvez sejam duas das mai-ores belezas e dois dos principais papéis dos artistas, dos ativistas e dos intelectuais. Isto é, a luta pela construção de espaços de coexis-tência em que as singularidades irredutíveis não sejam dobradas pela transparência. Para tanto, é preciso povoar a imaginação dialó-gica, com o objetivo de estabele-cer uma poética da relação. Porque é no diverso, pela diferença, que a existência é exaltada.

    Referências GLISSANT, Édouard. O pensamen-to do tremor. La cohée du Lamen-tin. Juiz de Fora: Gallimard/Editora UFJF, 2014. HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de ex-ceção, política de morte. São Pau-lo: N-1 edições, 2018. NASCIMENTO, Milton; BRANT, Fer-nando. Promessas do Sol. Geraes, EMI, 1976. SAID, Edward W. Humanismo e crítica democrática. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

    Suzane Lopes

    Adriano Mahcado

  • 9 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    “Ué, era racismo?!”

    Henrique Britto

    Lençóis-BA

    Coincidência infeliz e infeliz ao mesmo tempo - Era pra ser feliz: Todas as vezes em que eu fui em-pregado de alguém (foram pou-cas, pois hoje tenho um pequeno comércio), tive patroas mulheres e isso é SENSACIONAL. A parte infeliz é que em 90% das vezes (tendo apenas DUAS criaturas maravilhosas como exceção) elas eram: Loiras de farmácia, possuí-am algum envolvimento político ou de influência (ou de extremo puxa-saquismo) com quem quer que as tenha colocado ali… e eram incrivelmente OPRESSORAS. Num patamar que muitas vezes achei que era pessoal. O problema é que sempre foi difícil saber se era perseguição ou não, na época. Eu simplesmente acreditava que o trabalho não estava bom e que a culpa ERA MINHA. E você acredita nisso na hora… todo mundo sem-pre acredita nisso… porque geral-mente, É O QUE PATRÕES DIZEM. Muitas vezes um homem ou uma mulher, morre se achando medío-cre. Se achando realmente inútil. Pois é o que seus patrões querem que eles creiam…

    As qualidades nunca são ditas e isso muitas vezes é de propósito. Qualquer luz que lhes mostre sinal de inteligência acima de sua FUN-ÇÃO é perigosa… Pois representa sua emancipação, sua curiosidade,

    seu estudo e questionamento… a sua saída da empresa. E quem sabe até uma concorrência. PER-GUNTA: “Isso é racismo?!” Será que estou sendo parte de uma “Comoção Geral Mundial” (que está longe de ser infundada) quando relembro que geralmente eramos sim, em maioria… Todos pretos e em serviços medíocres, enquanto os patrões tinham bar-rigas enormes e ternos com um-bigo de fora? E nossas patroas chegavam fuzilando seus saltos altos em nossas cabeças? Será que não era racismo, da parte DELES e também de minha parte quando eu chamava aquilo era “VIDA”? Seria “MÁ SORTE”? Real-mente eu não sabia… Simples-mente só me sentia “parte daqui-lo” e aquilo era sim, a “VIDA”. Naquele momento nós – aparen-temente – não achávamos nada de tão insuportável na “VIDA”. Era normal, era tranquilo… E pra muitos era até “Muito Bom”. Pois é fácil demais: num lugar em que ZERO é opção… você receber UM e achar que seu deu bem.

    Lindas, brancas, diretamente vindas de shoppings e salões de beleza, o tratamento que recebí-amos, hoje muitos anos depois (aqui quieto em quarentena) me lembro de como aquilo se pare-cia com as novelas de época… e

    todo aquele suposto “amor e ódio” das patroas com os seus negri-nhos. A tensão estava sempre no ar e quem acertasse ganhava uma coçadinha na cabeça, seguido de um “ufa! Hoje eu volto com um emprego pra casa!”. E quem erra-va era posto num “Pau de Arara Psicológico” e ainda sentia-se gra-to… quando era tirado de lá (justamente por quem lhe sur-rou). “Era racismo?!”. Éramos treinados pra acreditar que eram outras coisas… “Burrice”, “Despreparo”, o famoso “ah, não estudou porque não quis”, e “Incompetência”.

    Só que hoje estamos assistindo de camarote diversos mandatos de diversas ordens, de diversos países, diversos poderes… Político, Judicial, Policial, Social e Etc de Tal, e estamos vendo que a tal “Burrice”, o tal “Despreparo” e a decisiva e fatal “Incompetência” são entidades quase sempre pre-sentes, mas… ESSES CARAS CON-TINUAM LÁ! Por quê tudo soa gri-tante, quando acontecia nos luga-res onde trabalhei (e em tantos outros) com as maravilhosas e Legalmente Loiras no poder (sem contar os barrigudinhos)? Será que tínhamos “A FACE DE QUEM NÃO PODIA REVIDAR”?? “Era ra-cismo?!”

    Sim. ERA… É claro que era.

    Terra Inquieta

    Raphael Andrade Lima Recife-PE

    Veja bem, nem todos os dias serão bons, nem todas as imagens serão nítidas e nem todas as gelei-

    Nilzete Araújo

    contos e crônicas

    ras permaneceram sólidas para sempre. O mundo está em ruí-nas, porém, eu detenho compai-xão aos seres, mas isso não me basta, entretanto eu conheço as matas verdes e me encanto com a natureza abundante e viril. Tal-vez não tão mais verde e alegre quanto há anos atrás onde eu me lançava na relva e comtemplava o divino amanhecer dos dias de verão amarelo.

    Os homens deixam cicatrizes na terra e semeiam fogo e calor, as últimas chuvas fazem diminuir mais um pouco o sofrimento da mata verdinha, mas não é o sufi-ciente. Estamos em meados de outubro e o calor está matando qualquer um. País tropical e de vegetação fértil e encantadora,

    mas que está definhando. O sol ilumina dia após dia, delineando um contorno amarelinho em sua verde vegetação. O ar aqui era tão fresquinho, mas está um pouco denso, pesado. Pelos caminhos que passam os animais, as estra-das ficam carimbadas com o pesar de seus cascos e mostra-se uma terra fértil onde o animal vive em harmonia com a biota verde, azul, vermelha, amarela. Porém eu per-cebi que durante vários anos os quais eu moro nesse lugar, a natu-reza está cansada e exaurida de tanto resistir a nós.

    Estou avistando a estrada de barro que se mistura com a estra-da de asfalto cheia de vestígios de uma terra desgastada viva e morta ao mesmo tempo. Nas estradas dá

  • 10 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    Lembro-me bem de quando ter-minei de ler Ensaio sobre a Ce-gueira. Era 2004, eu e um grupo de amigos do mestrado havíamos decidido passar um feriado, talvez o de Páscoa, em Carneiros, PE. A praia ainda não era o destino turís-tico que é hoje e só chegamos até lá porque uma amiga da turma ti-nha um amigo, que tinha uma ca-sa, que era herança de família, que ficava num terreno quase sítio, e que ele alugava para amigos ínti-mos, a qual se chegava por uma estradinha estreita, coberta com cascas de coco seca.

    Lembro-me que quando nossa amiga sugeriu Carneiros, ainda ti-ve a inocência, que hoje seria au-dácia, de pensar: "Mas não seria melhor Porto?" Felizmente o pen-samento não se transformou em efeito sonoro.

    A casa, embora espaçosa, não tinha luxo algum. Ficava no meio de um coqueiral e a nossa frente só o mar.

    Passamos ali, acho que três ler-dos e vagarosos dias. Alternáva-mos as horas entre acordar mais tarde, comer algo, se banhar nas águas verdes e mornas daquilo que parecia ser uma baía só para nós. Não lembro de naqueles dias termos cruzados com outras pes-soas...talvez um caminhante o ou-tro de alguma outra casa vizinha. Não havia CVC.

    Eu terminei de ler Ensaio sobre a Cegueira, deitado numa rede no terraço. Quando fechei o livro e o encaixei do lado da barriga, entrei na lista dos admiradores de Sara-

    mago. Fiquei pensando como ti-nha me acostumado à sua escrita (inicialmente caótica), em tão pouco tempo. Mas sobretudo ad-mirei como alguém conseguia cri-ar um mundo de ficção com tan-tos detalhes a ponto de eu achar que aquilo seria possível em algu-ma dimensão desse mundo. Pen-sei mesmo que esse era o poder dos artistas, de nos levar para o irreal, o improvável, o impossí-vel.... Uma brisa mais forte so-prou gostosa pelos meus ouvidos.

    O universo criado por Sarama-go em nada se parecia com meu mundo imediato: o mar era cal-mo; a brisa era tranquila, cons-tante e soprava no meu ouvido; o silêncio, tranquilizador; o distan-ciamento dos que haviam ficado em Recife, uma opção e o país, a despeito das mazelas de sempre, só parecia ter um destino, o cres-cimento constante e democrático.

    2020 Finalmente meu voo de Chape-

    có aterrissa em São Paulo. Em pouco tempo a mala chega. Nun-ca vi Guarulhos tão vazio. Tam-bém não demoro para conseguir o uber. Os espaços vazios e o si-lêncio incomodam.

    O trajeto do aeroporto até o centro nunca foi tão rápido.

    Na primeira semana assistimos incrédulos nos telejornais os ca-minhões do exército italiano leva-rem seus mortos. Países vizinhos, na sua maioria, optam pela qua-rentena como a medida mais acertada para diminuir o impacto do mal que não se vê. Restez

    chez vous pedem os filtros nos sto-ries dos amigos. Apesar disso a França não demora para atingir o número de vinte mil mortos.

    Do outro lado do Atlântico des-dém: We won´t stop. Uma sema-na depois, Nova York conta seus mortos, fecha suas portas e em poucos dias dez milhões de ameri-canos perdem o emprego. 42.082 mortes, me diz o Google agora.

    No Equador os corpos ficam pe-las ruas.

    Em casa, em São Paulo, decidi-

    Pedro Juarez Oliveira

    Vinte do Quatro de Dois Mil e Vinte

    Najin Lima

    Florianópolis-SC

    para se ver umas plantinhas cres-cendo na beira do acostamento perto do mato verdinho e meio amarelado do queimar do constan-te sol forte, e ainda dá para ver uns animaizinhos mortos porque foram atropelados ou morreram por morte morrida pela vida mes-mo. A natureza no interior quase sempre está adormecida aos nos-sos olhos, ela é calminha, passiva, vívida e dança com o vento a cada soprinho da natureza divina.

    Porém, a terra quando não tem toque agressivo do homem, nunca está dormindo por completo, ela está ali paradinha, mas está cres-cendo a cada dia, frutificando e dando amor a terra dos seres vi-vos. O sol que brilha sobre a relva e aquece o seu corpinho e em sua sombra pequenos bichinhos se alo-jam e procuram descansar. Pela

    estrada eu posso ver um jumenti-nho andando bem mansinho e calminho vagando em sua jorna-da pela busca de um pouco de capim para alimentar seu buchi-nho faminto. Sua caminhada pa-recia ser longa e ele aparentava cansaço e resistência, mas sua persistência era instigante em busca de uma refeição saborosa. Seus olhinhos cansados estavam fixados para seguir em frente.

    Seu corpo arde do sol e em sua pele apareciam algumas feri-das causadas provavelmente por alguma planta perfurante ou uma briga com outro animal, mas sua busca era incessante. O bichinho atravessou a estrada passando por uma pequena quantidade de relva e deixou suas pegadinhas marcadas no solo alaranjado e barroso. Ergueu um pouquinho

    sua cabeça pesada do cansaço e avistou um pouco de capim verdi-nho onde perto havia uma poça com um pouco de água límpida. Olhou para cima e aparentava cer-ta excitação de encontrar alimento. Suas perninhas não muito compri-das aparentavam certo tremor causado pela longa caminhada, no entanto, estavam pensando que depois de comer, ficariam fortes novamente e lhe faria caminhar com mais vigor.

    E assim, aquele lugar lhe pare-ceu um ‘‘paraíso de capins’’ e sua longa jornada parecia ter certo fim, mas pelo menos até ali. Inevitavel-mente, lá na frente o jumentinho vai perceber que o caminho é lon-go e sentirá fome novamente e tal-vez não tenha tanta sorte como teve dessa vez.

  • 11 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    mos só ver as notícias à noite, pa-ra tornar o dia mais suportável. Segundo os telejornais os números aumentam de forma exponencial, sem contar as subnotificações. Fico pensando se meus alunos enten-dem o que é exponencial e subno-tificação. Penso que as aulas de formação das palavras de nada servem se não vierem acompanha-das das de semântica. Torço para que eles estejam entendendo.

    Os hospitais em Manaus atin-gem sua capacidade máxima. Sal-vo uma mudança de rota, Fortale-za, Recife, Rio de Janeiro e outras capitais em breve podem ter o mesmo destino. Cemitérios em São Paulo começam a cavar mais valas. Cidades do interior do país começam a apresentar seus pri-meiros casos. Algumas dessas ci-dades têm sete leitos para possí-veis internamentos. Várias outras, nenhum. 2512 mortos no Brasil hoje. 2575, me atualiza o telejor-nal.

    Não consigo deixar de pensar no texto de Saramago. Curiosa-mente, quando decidiu transformar

    o livro em filme, Fernando Meirel-les o ambientou parcialmente no Brasil, mais precisamente em São Paulo. Premonição?

    "Isso não vai chegar até a nossa cidade".

    "É um complô para baixarmos nossos preços"

    "Não podemos parar a econo-mia".

    "E por acaso, você conhece alguém próximo que morreu dis-so?"

    "Por que não isolamos apenas os mais velhos?"

    Ironicamente, nesse período de distanciamento social forçado, tive que iniciar com meus alunos de forma remota reflexões sobre o papel da literatura em nossas vidas. Depois da apresentação do conteúdo e inspirado pelos escri-tos de Antônio Cândido, eu peço pelo Google Forms que eles es-crevam de forma breve porque o ser humano deve ter direito à literatura. Várias respostas me encheram o coração, dentre elas:

    "A literatura expande os pen-samentos, ela dá ideias aos hu-

    O Resgate

    Ronaldo Magalhães Salvador-BA

    Amar é a gente querer se abra-çar com um pássaro que voa. Guimarães Rosa

    Em uma pequena e tranquila cidadezinha do interior morava um grupo de poucas famílias em har-monia que vivia da pesca, da caça e do cultivo de hortaliças e grãos. Elas permaneciam na simplicidade interagindo entre si com respeito e de modo sustentável. Com o pas-sar dos anos, chegou o progresso e, trouxe com ele, o desenvolvi-mento.

    Contudo, a relação entre as

    pessoas foi ficando cada vez mais fria e distante, a ponto da vila que era conhecida pelo aconche-

    go e belezas naturais, com fauna e flora aprazível – repleta de verde e de cores, aro-mas e sabores – e pela boa hospitalidade dos moradores, transfor-mou-se num lugar se-co, sem vida, quase cinza e o que ia por fora era efeito do que vinha por dentro da-quelas tristes almas que passaram a viver condicionadas pela cruel disputa de bens e negócios e pela explo-ração dos recursos na-turais. Certo dia, bem cedo, quando essa situação

    já estava quase insustentável, um garoto maltrapilho perambu-lava por uma das poucas ruelas do vilarejo. Notava-se a sua fra-queza pelo andar vagaroso. Que tristeza ver aquela criança aban-donada, “sem eira nem beira”, sem nenhuma “viva alma” que pudesse lhe ajudar! Ele já era conhecido dali, mas, como as pessoas se tornaram mesquinhas e egoístas, ninguém tinha com-

    paixão e, muitas vezes, o pobre menino passava despercebido.

    Ele saíra para tentar encontrar algo que pudesse matar a sua fo-me ou pelo menos enganá-la. E assim, vivia desacreditado que pu-desse acontecer algo diferente. Lembrava-se da família com muito pesar, mas também suas memó-rias lhe traziam alegria, ao lembrar da mãe sempre solícita, das tias que estavam sempre a conversar e trocar confidências, da solidarieda-de que emanava naqueles morado-res tão felizes com o pouco que tinham. Recordava também de co-mo ali havia muito verde, flores e frutos, água corrente de mananci-ais e um sol tão lindo e brilhante.

    Fora então surpreendido com a buzina de um imponente carro, seguido de um palavrão, proferido pelo motorista que o despertou para a cruel realidade que ele vi-via: céu nublado e cinzento da fu-maça das chaminés, árvores de-senxabidas de folhas quase acin-zentadas, flores murchas, quando havia e frutos pecos em sua maio-ria. Isso o entristeceu ainda mais e o fez pensar no porquê tudo mu-dou assim tão rapidamente.

    Parecia buscar uma resposta para aquela loucura, por que em tão pouco tempo a cidade se transformou, pois, apesar de ter

    Nilzete Araújo

    manos, as pessoas devem ler, uma vez que ler nos deixa mais sábios, mais críticos. Lendo ga-nhamos conhecimentos e entende-mos melhor o mundo, não é à toa que governos totalitários censu-rem a literatura, pois o maior peri-go para eles é a população pensar. Um povo que lê é um povo inteli-gente, reflexivo e de pensamento crítico."

    E... "A literatura é uma das ramifi-

    cações da arte e da cultura, é a beleza da palavra, a imaginação, do sentimento, bom ou agoniante, o real e o irreal. Negar a literatura a alguém é negar-lhe a vida."

    Aquilo me ajudou a vencer o dia.

    Hoje eu sento do lado daquele cara deitado na rede, com um livro apoiado na barriga e sussurro no seu ouvido:

    "Então...não é apenas ficção. A névoa da cegueira está apenas à espreita esperando o momento certo para se espalhar ".

    Mas ele não vai ouvir. A brisa que sopra do mar é mais forte.

  • 12 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    ocorrido um grande progresso com a chegada da fábrica, com mais carros, movimento e novas lojas, veio também poluição, mortandade de peixes, aversão e destruição por causa do estímulo do consumo de álcool entre os pescadores, explo-rados pela mesma fábrica que che-gou com uma proposta maravilho-sa de mudança há tempos. Tudo isso ele não entendia direito, mas de tanto ouvir o pai falar sobre, ele aprendeu a refletir a respeito e, o fato dele não ter conhecimento nem experiência de vida sufici-ente para compreender, tudo isso deixava-o muito confuso.

    Ele seguia concentrado e pensativo e isto servia para fazê-lo esquecer da fome que o castigava. Avistou, a poucos metros, a ponte destruída e as péssimas condições em que se encontrava aquele pequeno povoado, com ruas repletas de lama deixada pela inundação recente da tal barragem. In-trospectivo, ele tropeçou e por alguns instantes, parou para recobrar o fôlego, próximo de uma amendoeira que estava carregada de frutos e, vez por outra, naturalmente caíam al-gumas amêndoas. O menino achava um ato generoso para com ele, que colhia de bom grado, mas ao mesmo tempo, aquela cena o deixava intriga-do: porque somente aquela árvore estava assim tão frondosa, com boas ramagens e floração constan-te? Indagou.

    Quando se abaixou para agarrar o primeiro fruto, ouviu um trinado nervoso no alto da árvore. Nem bem se levantou e o trinado ficou cada vez mais intenso. Ao mover a cabeça para cima, ele viu um socó-mirim preso numa linha de pipa sobre a copa folhosa. Coitadinho! Pensou ele. Eu preciso retirar ele dali. E tentou em vão subir na ár-vore, mas ele não tinha altura sufi-ciente para chegar no primeiro ga-lho, muito menos escalar o tronco.

    Procurou uma vara longa que pudesse servir para retirar a linha, mas não conseguiu encontrar. Nes-se ínterim, as pessoas todas da ci-dade já estavam em ritmo aluci-nante com pressa de chegar à fá-brica. Todas ensimesmadas e so-mente preocupadas com seus afa-zeres.

    Ele tentou pedir ajuda, mas nin-guém lhe dava ouvidos, o que o deixou bastante preocupado com o socó agonizando, preso na linha de carretel de uma velha pipa. Ele en-tristeceu-se ainda mais por consta-tar que, talvez não pudesse fazer muita coisa, que estava mesmo sozinho e não tinha muito o que

    esperar. Passou pela sua cabeci-nha que o pobre passarinho vies-se a perder a sua vida e ele co-meçou a chorar.

    Na estrada, que há pouco esta-va deserta e silenciosa, havia um turbilhão de movimento e balbúr-dia de vozes, motores e buzinas, fumaça dos carros, dos cigarros e das chaminés da fábrica já des-perta. E no contra fluxo, um ve-lhinho bem idoso caminhava se-renamente pela estrada com o seu fiel companheiro, um magro,

    porém animado cãozinho vira-lata. Ele já havia percebido todo o movimento a uma certa distância. Apesar de sua avançada idade, ele tinha uma visão privilegiada.

    Então o ancião se aproximou do menino que estava a soluçar e disse: o que houve? Estás com fome? Sim, meu senhor, mas na verdade, eu estou triste assim por causa daquele passarinho que está sofrendo, preso no alto da amendoeira. Juro que tentei reti-rar ele de lá, mas não consegui. Justificou-se. O velho se comoveu com aquilo, mas foi surpreendido quando o garoto, em um rompan-te de desesperada aflição e de-sesperança se antecipou: Porque parou aqui? Não vai adiantar na-da mesmo. O senhor não conse-gue nem andar direito. Pode se-guir sua viagem. O velho olhou compassivo para ele e ainda ges-ticulou uma ou duas palavras com a intenção de responder a tão de-sagradável insulto, mas conteve-se e, ficou em silêncio, apenas olhando para o pequeno que co-meçou a ficar sem graça. Após alguns instantes de meditação, o velhinho esboçou um leve sorriso e começou a caminhar.

    O garoto imaginou que ele es-tivesse mesmo indo embora.

    Quando se deu conta, viu o velho franzino se aproximando da árvore e ficou de “queixo caído” quando avistou ele abraçar o tronco secu-lar e subir com uma certa agilida-de. Em pouco tempo o velho esta-va na copa da árvore e conseguiu com cuidado desalinhar o pobre passarinho daquele emaranhado quase fatal. Pegou um pouco de água em seu alforje e deu de be-ber ao mais novo amigo. A ave fi-cou desorientada, ainda ali sob a guarda do seu benfeitor que a pro-

    tegeu, segurando-a por um tempo até perceber que ela estava recuperando as forças. E o menino só observando lá de baixo, louco de vontade de estar também com o velho, lá em cima. Ele está bem? Gri-tou, apreensivo. Sim, meu jo-vem! Ele está se saindo muito bem. Depois de um certo tem-po, o velho percebeu que a sua missão havia sido cumpri-da e tratou de se despedir do amigo quando se surpreendeu com um belo ninho. Ah! Que felicidade tomou conta do an-cião naquele momento! Parece que o nosso amigo é habitante dessas plagas. Afirmou o ve-lho. Como assim? Interpelou o garoto e o velho gentilmente, com alegria, respondeu que o pássaro construiu seu ninho ali. Oh, meu senhor! Que boa

    notícia! O senhor viu se tem ovos no ninho? Retrucou ele, curioso. O velho deu uma gostosa risada e respondeu: Sim, há quatro ovi-nhos.

    Chegou enfim, a hora do bom velhinho descer da árvore. A crian-ça o ajudou, ao segurar suas per-nas, mesmo desajeitado e sem forças. Já em terra, foi abraçado pelo menino com tanto carinho que, muito emocionado, só conse-guia chorar ao visualizar a fantás-tica transformação que acontecia. Passou a ver tudo se colorindo e, de repente, a paisagem foi ficando mais verde e viçosa, flores nasci-am nos campos e mais pássaros voavam no céu. O velho retribuiu o abraço e perguntou: Por que vo-cê está chorando? O garoto apenas agradecia.

    Nesse instante um coro anima-do se projetou do alto da árvore. O miúdo percebeu que os filhotes haviam nascido. Que alegria to-mou conta de seu pequeno cora-ção! Ficara enternecido e quando deu por si, o bom velho havia su-mido. Ao observar novamente para o ninho surpreendeu-se com dois socós trinando livremente como se também ressoasse em seus cantos aquele momento de gratidão.

    Nilzete Araújo

  • 13 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    poemas

    É tempo de epitáfia

    A realidade que transcende está despida, Este fenômeno lapida a máquina do mundo.

    Ninguém está seguro, É tempo de epitáfia.

    Mais de cem mil corpos arrebatados por uma “gripezinha”. A necropolítica elaborou seu discurso:”e daí?”

    O silêncio é ainda mais assustador. Ninguém está seguro, É tempo de epitáfia

    O isolamento social mudou de cor. A quimera da igualdade veio a óbito

    E a fênix do ódio renasceu medievalesca Ninguém está seguro, É tempo de epitáfia

    Na grande roda da vida o tempo é um só. Sángò, pai da justiça, é Kilombola.

    Ninguém está seguro, É tempo de epitáfia

    Elias Rasta Salvador-BA

    Essa pandemia escancara as chagas dessa sociedade com seu grave adoecimento suas fraturas na biodiversidade modo predatório que dilacera envergonhando a nossa era num turbilhão de barbaridade. Nesse processo civilizatório prevalece a lei da competição em que o ter esmaga o ser e forja humonstros em ação são predadores ensandecidos nas guerras do genoecocídio nos ameaçando de extinção. Há muitos vírus infectando as vidas da raça humana os instintos genoecocidas muita postura tão insana a destruição da natureza individualismo uma torpeza armas da estupidez tirana. O vírus do ódio corrosivo tem devastado muita gente e até em nome de Deus este projeta-se estridente quando instintos são inflados humanos são monstrificados e depredam impiedosamente. Os vírus da sem-vergonhice da rapinagem e da corrpução esfacelam a coisa pública abutres encarniçam a nação na mais letal pandemonia tanta delinquência e vilania as necropolítcas em danação. Os estados de ignorância muito bem regidos e forjados

    grassam parte da população atos de incivilidade declarados os germes dos egocentrismos as mesquinharias e cinismos falta gentileza pra todo lado. O vírus voraz da competição nos devora e nos brutaliza as desigualdades obscenas nos atormenta e barbariza o capitalismo é devastador com sua mecânica de horror humano e natureza agoniza. Quanto mais degradamos a natureza, o ecossistema mais mutilamos nós mesmos mais arruinamos nossa gema esgarçamos todas as vidas debelamos nossas guaridas com perversidade extrema. Quando vamos aprender tal como seres inteligentes que ser humano e natureza são um todo interdependente? somos todos complementares numa teia de entrelaçares de co-pertencimento vivente. Quando teremos consciência de que sós não subsistimos que é na teia da coexistência que todos nos constituímos se não nos entrecuidamos nós todos nos espatifamos ou coexistimos ou sumimos. Todos biopsicosocialmente carecemos da co-laboração os seres vivos não perduram sem vínculos de cooperação a interligação é substancial laços de empatia primordial urge a co-responsabilização.

    Somos todos convocados a cultivar com intensidade os valores que enobrecem e dão boniteza e dignidade o altruísmo e a compaixão a equidade e a fraternização o brio altivo da solidariedade. As tormentas da pandemia como ritos fortes de iniciação potencializam aprendências processos de transformação em que das dores do partejar nova aurora pode despontar em nossos ciclos de evolução. Urge corações espíritos abertos muita recriação e reimaginação incrementar novas formas de ser de estar no mundo em mutação urdindo novas temporalidades as redes vivas de solidariedade nova humanidade em gestação. A coexistência solidária advém da lógica do compartilhamento da superação da indiferença no espírito de despojamento em atos altivos de cooperação na força da roda do mutirão estar juntos em contentamento. Vale a máxima mui realçada ninguém de ninguém solta mão somente juntos podemos viçar buscando a ecofraternização a utopia da ecoamorosidade deve mover nossa humanidade o espírito altaneiro em erupção.

    Da pandemia ao cuidado com a coexistencia solidária

    Miguel Almir Salvador-BA

    Cara ou coroa? Imaginar é um atributo sublime Mas também é fonte de sofrimento Noutras palavras, idealizações são rosas Os fatos, espinhos.

    Decepção é quase sempre o que há Como um perfume que toma o ar E, de repente, cheira menos como flor E mais como um veneno ... Nem toda a experiência adquirida Nem a sabedoria das feridas Nem mesmo a razão e a atitude Podem nos livrar dessa agonia.

    Como ser humano Sensível E (pouco) ponderado Estou fadada a viver jogando para o alto Este objeto de dupla face Pois a expectativa, em verdade, Ora brilha ora arde...

    Adrine Souza Borges Feira de Sanatana-BA

  • 14 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    "O dia que Salvador comemorou seu aniversário ‘Dendicasa’ por causa de um perigoso intruso "

    Minha gente, o que é isso Que estamos passando? Hoje 29 de março Salvador veinha ficando Mas sem um pé de gente Na rua com som potente Pra seguir comemorando Rapaaz. Vivi pa ver isso Ver o povo "intocado" Não sair pra ir pro reggae Nem decretar feriado Sem Veveta com sua graça E sem festa na Praça O povo ta injuriado. Esse tal coronavírus Tá se achando o tal Saindo mundo afora Tocando terror geral Atacando pra valer Fazendo o povo morrer. Ele quer tomar piau É ninhuma, sinha mísera Tu tá pensando que é quem Pra entrar na nossa quebrada Ficar nesse vai e vem? "Ino e vino" pelo ar Em tudo que é de tocar Querendo ficar bem zen? Tu chega cá de avião Tirando sua ondinha Querendo levar meu povo Pro hospital de manhãzinha Pra ficar em respirador? Aqui não, seu matador Deixe dessa picuinha E foi tu dando as caras O prefeito e governador Deu foi a ideia xeque Pa você e Salvador: Seu covid-19, Somos boca de zero nove Aqui tu morre, sim senhor Nós daqui tava vendo Seu estrago mundo afora. Tu, Covid pode até Ser Barril Dobrado agora Mas "nós tudo intocado" Dendicasa informado Tu logo se estopora. Vai morrer desnutrido Sem ninguém pra pegar Meu povo tem guerreiro E guerreira pra danar Que dá um pau da porra E te digo nessa zorra Que essa porra vai virar! Nosso povo guerreiro Expulsou português safado Que aqui queria ficar 2 de Julho tá datado Mil oitocentos e vinte três Pra de covid ser freguês? Oxe, pai. Ta rebocado!

    E nesse aniversário De Salvador sem som Vamos bater parabéns Dendicasa, sangue bom! Faz video para a Nasa Queta o facho em casa Pois tu não vende Avon Meu povo tão querido Das nossas periferias Não pense que covid É doença da ricaria Se isso pega na gente Mainha é que logo sente Dia e noite, noite e dia O povo lá da Barra E corredor da Vitória Já tá tudo dendicasa Lendo pros filhos história. E Nosso povo do Uruguai Pega e pro baba vai De forma contraditória Pega visão, meu povo! NÃO É DOENÇA DE RICO Agora vai ficar moscando Com essa ideia de girico? Marca a resenha no zap Pra que covid escape E dê pra curtir o Psirico

    E se na sua quebrada Insistir em ter paredão Poo, manos e manas Ooo, na moral, vá não! Deixa esse doido lá Sozinho pra ele se tocar Se sair com cara no chão Ter Sambão na favela Por agora tá por fora Bota Ferrugem no som De casa e se joga. Bote a sofrência danada Pablo e Unha Pintada Pra bater certo agora Vá ler um livro bacana Na Netflix se acabar Série atrás de filme Se acabe de dançar! E no jogo de tabuleiro Junte a família primeiro E vá brincar pra danar!

    Dê ideia de longe, Véio. Para de "nuzoto" relar Oxe. Tu agora é velcro Pra nas coisas se grudar? Dê um salve lá de cima De longe, fale com a mina Breve vamos se beijar! Pensem naqueles da rua Que não tem onde morar Estão expostos demais Ao coronavírus no ar Sem terem o que comer E nada podem fazer Para a vida preservar Dê valor a quem não pode Ter a oportunidade De ficar Dendicasa Em seu canto da cidade. Trabalha tanto por nós Médicos, garis, motoboys Enfermeiras até de idade Farmacêuticos não podem Deixar de ir trabalhar Estoquistas de mercado Também não podem faltar E tantos trabalhadores Que são principais atores Nessa luta a se travar. E vai rolar a festa Oxe..sim! Vai é rolar! E foi o povo geral Que Mandou logo avisar QUE VAI SER DENDICASA Então peço à Embasa Não deixe água faltar Cada um Dendicasa Estufa o peito e grita: Salvador, sua linda! Que meu coração agita Hoje tu tá bem vazia Mas é pra que um dia Todos fiquem bem na fita! Meus parabéns, cidade Minha cidade fortaleza Sua beleza fortalece Esse povo realeza Que se junta nesta luta Reforçando a conduta: Dendicasa com certeza Façamos a nossa parte O corona vai cair Ressaqueado se pique Agora! Vá! Pode sair! Baiano é miserê, papá. Outra batalha bó ganhar Zelar pelo povo já Obrigando o vírus sumir #ficadendicasa

    Sergio Bahialista

    Salvador-BA

    Nizete Araújo

  • 15 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    Intertexto Primeiro levaram os negros Mas não me importei com isso Eu não era negro Em seguida levaram alguns operários Mas não me importei com isso Eu também não era operário Depois prenderam os miseráveis Mas não me importei com isso Porque eu não sou miserável Depois agarraram uns desempregados Mas como tenho meu emprego Também não me importei Agora estão me levando Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém Ninguém se importa comigo.

    Bertolt Brecht

    Não te rendas Não te rendas, ainda estás a tempo de alcançar e começar de novo, aceitar as tuas sombras enterrar os teus medos, largar o lastro, retomar o voo. Não te rendas que a vida é isso, continuar a viagem, perseguir os teus sonhos, destravar os tempos, arrumar os escombros, e destapar o céu. Não te rendas, por favor, não cedas, ainda que o frio queime, ainda que o medo morda, ainda que o sol se esconda, e se cale o vento: ainda há fogo na tua alma ainda existe vida nos teus sonhos. Porque a vida é tua, e teu é também o desejo, porque o quiseste e eu te amo, porque existe o vinho e o amor, porque não existem feridas que o tempo não cure. Abrir as portas, tirar os ferrolhos, abandonar as muralhas que te protegeram, viver a vida e aceitar o desafio, recuperar o riso, ensaiar um canto, baixar a guarda e estender as mãos, abrir as asas e tentar de novo celebrar a vida e relançar-se no infinito. Não te rendas, por favor, não cedas: mesmo que o frio queime, mesmo que o medo morda, mesmo que o sol se ponha e se cale o vento, ainda há fogo na tua alma, ainda existe vida nos teus sonhos. Porque cada dia é um novo início, porque esta é a hora e o melhor momento. Porque não estás só, porque eu te amo.

    Mario Benedetti Pedro Juarez Oliveira

    A tua saudade Apaga a lua O dia tropeça Em nuvens escuras É um abismo Em tempo de vidro Das horas arranhadas De tantas tardes Apáticas. Eu invento Incompletude Ainda que gentil Vagueie O torpe da minha Alucinação. Emboscada Da última esquina E lá dormia

    Em retalhos De nuvens Os escombros Do meu coração. Esquivo a traduzir O seu olhar Quando tu apareces Na curva sorrateira Da rua Embaixo Do alpendre Da velha casa Em ruínas. Pincelando Cenas de vaidade. A tua ausência É maldade

    Que invoca demência Nos traços Da minha respiração. Eu só queria Um pouco De insanidade Dos indeléveis becos Escuros Embrenhados De solidão. É nobreza inútil De tanta espera Prematuras Sem o azougue Do teu sopro Alinhavado na seda Amarrotada De sedução.

    Noturno

    Daniel Gomez Araci-BA

  • 16 Maio/Agosto de 2020 FUXICO Nº 47

    No ar, como as estrelas

    Fui jovem. Todos fomos jovens um dia. Levei anos acreditando que a juventude continuaria como uma peça de exposição de vitrine, um brilhante, sob o domínio de minhas mãos. Não valorizei o tempo, não entendi a linguagem dos dias nem a mensagem das noites. E nas páginas dos livros, a vida sofre do coração. Acreditei que a juventude fosse um pássaro que não voava. O tempo tem asas longas ... Alimentei muitas esperanças ... estas também voaram. Amei muitas mulheres, mas para a glória da delicadeza, lhes rasguei os vestidos. Agora olho a estrada, e não sei mais o que fará sentido. Aos olhos do mundo, o futuro inverteu a caminhada. Perdi muito tempo alongando-me em freguesias ou criticando a vida sempre entrincheirado nos confrontos diários. Quando encontrava algo que valesse à pena, o mundo já o havia destruído. Até entender a força e direção da flecha, o meu cavalo não estava selado ou o trem já havia partido. Dúvidas e incertezas vivem de braços dados ... Tudo pode ser evidente, como parecer encantado. Nas ruas de incertezas, abri lojas de aventuras... Soube que o bem se resguardava do mal, numa casa bem fechada: fui conhecer o bem: o bem está?! ninguém respondeu. Nem sempre há respostas para tudo. A vida cobra caro pela natural gratuidade do mundo. Iludi-me com grande desenvoltura. A beleza é como uma flor: basta-lhe um sopro de vida e ela se esvai. Vivendo em plenas nuvens, conheci Sofia: uma estrela poderosa de dois mil anos, que ainda se mantém jovem. Por ela fiz loucuras, mas o que ela queria de mim era a verdade, a pura compreensão e independência dos meus atos. Não aprendi a mensurar o valor das coisas, especialmente a nobreza das ideias. Feri suas rugas juvenis. Perdi os anéis da juventude, em pleno mergulho no rio do tempo As águas nos lavam tão somente: elas não rejuvenescem os nossos milagres. O tempo não devolveria os anéis da juventude. Os anos me presentearam com colares de rugas ... Mergulhei nos espelhos e trouxe do mergulho fundo, a desconfiança com o futuro. Ao caminhar pela vida, todos os meus amores morreram na viagem, em guerras prematuras com o tempo. Os amigos que me seguiram, foram levados pelas correntezas, talvez não voltem às pedras. ficou pelo caminho, quem também viveu iludido com escolhas mal concebidas. Morei anos e décadas nas nuvens, mas não aprendi a pisar nos astros. Criei o vazio com muito carinho, adotei fieiras de dúvidas, das quais não abrirei mão tão fácil. Vendi alguns bens, como o riso e a alegria aluguei as certezas, agora cultivo lágrimas e ilusões. Um vento de ternura sopra docilmente sobre as minhas asas. Estou mais uma vez no ar ... A possibilidade de tocar as estrelas depende do grau de liberdade, de sutileza e alucinações.

    Carlos Kahê Itabuna-BA

    (Do livro: Comi deliciosamente a vida)

    Desencontro

    Eu tenho Uma mulher Que me tem E, com ela, Um mundo Que minha mãe Finge ignorar E meu pai (Já morto) Não pode Conhecer.

    Estudo 2

    A morte de meu pai

    Diminuiu o meu medo

    Da morte

    Saber dele já morto

    É ter sempre aquela sensação

    (quase religiosa)

    De reencontrá-lo.

    Nívia Maria Vasconcellos Feira de Santana-BA

    Fuxico Poético

    Das rugas epidérmicas em mãos que cingem retalhos Olhares profundos em estampas

    Acolhem saudades de vestidos de outrora Que o tempo não apaga.

    Filetes repousados em testas pelo tempo Traçam distâncias entre olhos e agulhas

    A espera de penetrar invisível linha a ferir fibras Que emolduram a alma a cada ponto franzido

    Das línguas que se esperam molhar a ponta da linha

    Emudecem-se as vozes, ecoam-se as palavras No passar dos segundos e minutos do calor da tarde

    A coser nos retalhos a solidária composição.

    Dos dedos que movimentam linhas em pontos cruzados Agulhas alfinetam a pele a confundir-se nos retalhos

    Do moldurar de fuxicos ao sol entardecido Embebido na paciência de quem espera a noite chegar

    Dessas Marias, Lúcias e tantas outras fuxiqueiras

    Projetar a emenda de cada tecido costurado Para que na métrica mais simples da doação

    A perfeição dos fuxicos seja o mais belo verso da criação.

    Francisco Setúval

    Feira de Santana-BA

    Nilzete Araújo