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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA CAROLINE WELTER VARGAS AS DIFERENTES NOÇÕES DE MODA EM ROLAND BARTHES Trabalho de Conclusão de Curso SÃO BORJA 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA

CAROLINE WELTER VARGAS

AS DIFERENTES NOÇÕES DE MODA EM ROLAND BARTHES

Trabalho de Conclusão de Curso

SÃO BORJA

2015

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CAROLINE WELTER VARGAS

AS DIFERENTES NOÇÕES DE MODA EM ROLAND BARTHES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de Relações Públicas – Ênfase em

Produção Cultural da Universidade Federal do

Pampa, como requisito parcial para obtenção

do Título de Bacharel em Relações Públicas.

Orientador: Gabriel Sausen Feil

São Borja

2015

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Dedico este trabalho à minha família, pelo

companheirismo, amor e carinho de sempre.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Maria Teresinha, pelo incentivo e apoio nas horas mais difíceis.

À minha tia, Laci, pelo carinho nas atividades básicas do dia a dia.

À minha irmã Melissa pelos conselhos e companheirismo.

Às minhas sobrinhas Júlia e Laura pelos momentos de descontração, alegrias, carinho e amor.

Ao meu noivo, Everson, pela paciência ao dividir o seu tempo com o tempo da faculdade.

Ao professor e orientador Gabriel Sausen Feil pelas orientações, dúvidas e acompanhamento

durante o trabalho.

Às minhas colegas Juliane, Aline, Patrícia, Anelice e Louise, que estiveram comigo durante

esses quatro anos de curso, quando pudemos aprender e trocar experiências, sempre ajudando

umas às outras.

Agradeço a todos que, de alguma forma, colaboraram para a elaboração deste trabalho.

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Todos os dias, sob todos os pontos de vista,

vou cada vez melhor.

Émile Coué.

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RESUMO

A presente pesquisa tem por objetivo mostrar as diferentes concepções de Moda

presentes nas obras de Roland Barthes, bem como estabelecer um comparativo entre cada

uma dessas concepções, de modo a elencar suas diferenças e semelhanças. A partir de uma

pesquisa bibliográfica no livro Sistema da Moda (2009), no texto “Dandismo e Moda” (2005),

no livro Sade, Fourier, Loyola (2005), e no texto “Streaptease” do livro Mitologias (2006),

pensa-se que é possível estabelecer um quadro comparativo de características que podem

diferir umas das outras em alguns pontos importantes para o objeto em questão: a Moda.

Trata-se de uma pesquisa pura, ou seja, são explorados acontecimentos teórico-conceituais

acerca do objeto. A pesquisa busca trazer aqueles textos e/ou livros em que o autor tem a

Moda como uma noção central. E desta forma surge como questão problema: como a moda se

dá nas questões barthesianas? Existem diferenças e semelhanças entre as diferentes obras do

autor sobre o objeto citado?

Palavras-chave: Moda. Roland Barthes. Diferenças e semelhanças.

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ABSTRACT

This research aims to show the different conceptions of Fashion in the works of Roland

Barthes, and to establish a comparison between each of these conceptions, so to list their

differences and similarities. From a literature search in the book of Fashion System (2009),

the text "dandyism and Fashion" (2005), the book Sade, Fourier, Loyola (2005), and the text

"streaptease" the book Mythologies (2006), it is thought that it is possible to establish a

comparative table of characteristics that may differ from each other in some important points

for the object in question: the Fashion. This is a pure research, that is, are explored theoretical

and conceptual developments on the object. The research seeks to bring those texts and / or

books in which the author has the Fashion as a central notion. And thus arises as a matter

problem: how fashion is given in barthesianas questions? There are differences and

similarities between the different works of the author on the said object?

Keywords: Fashion. Roland Barthes. Differences and similarities.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO__________________________________________________________ 10

DESENVOLVIMENTO____________________________________________________14

CAPÍTULO I - Livro Sistema da moda ________________________________________15

CAPÍTULO II - Texto “Dandismo e moda” do Livro Mitologias___________________28

CAPÍTULO III - Livro Sade, Fourier, Loyola___________________________________33

CAPÍTULO IV - Livro Mitologias ____________________________________________40

CAPÍTULO V – Comparativo_______________________________________________ 43

CONCLUSÃO____________________________________________________________ 48

REFERÊNCIAS __________________________________________________________ 50

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INTRODUÇÃO

Este trabalho busca mostrar as diferentes concepções de moda encontradas nas obras

de Roland Barthes, bem como estabelecer um comparativo entre cada uma dessas concepções,

de modo a elencar as suas diferenças e semelhanças.

Apesar de usar a mesma palavra, “moda”, Barthes nem sempre a usa da mesma

maneira. Em sua obra mais enfática sobre o assunto, o livro Sistema da moda (BARTHES,

2009), o autor traz a moda num sentido sistemático, num livro de método, estabelecendo

sentidos através da ciência dos signos, a semiologia. Em outro momento, no livro Inéditos vol.

3 – Imagem e Moda, mais especificamente no texto “Dandismo e moda”, Barthes (2005)

apropria-se do conceito de dandismo para falar da moda, apropriação que se diferencia

bastante da primeira.

No livro Sistema da moda, Barthes (2009) traz as noções de moda no âmbito da

linguagem: a sua análise é exatamente nesse ponto, em que enfatiza o vestuário escrito, as

suas significações verbais. Já no texto “Dandismo e moda”(2005), o autor mostra uma visão

diferente acerca da moda: uma visão sobre o dandismo, entendido como um movimento de

grande força em meados dos séculos XVIII e XIX. Nesses dois momentos, já há uma

diferença: no primeiro, a análise recai sobre o vestuário feminino, visto que essa pesquisa é

realizada com base em revistas femininas (Elle e Le Jardin dês Modes), e, no segundo, trata-

se de um movimento do vestuário masculino.

Em Sade, Fourier, Loyola, Barthes (2005) fala sobre a criação de uma nova língua.

Não se trata da língua comum, nem da língua utilizada na comunicação, pois se essas

bastassem os autores, mencionados no título, segundo Barthes (2005), não sentiriam a

necessidade da criação de uma nova. A língua criada que aqui interessa é a criada por

Marquês de Sade, justamente, porque o autor maldito faz isso usando, dentre outras

estratégias, o vestuário. Trata-se de um vestuário que se destina a diferentes públicos

existentes dentro da sua sociedade (aquela que ele mesmo cria: a libertina), em que cada qual

se veste de maneira fantasiosa para compor aquele grande espetáculo do mundo sadiano. Uma

língua que vem apresentar o vestuário de uma maneira funcional: trazer significações.

Em Mitologias (BARTHES, 2006), a ênfase está no vestuário envolvido no striptease:

plumas, meias e adornos que vêm para trazer significações, para desmistificar o lado erótico

do espetáculo e para transformar o próprio nu da dança em um vestuário. Cenários, assim

como as concepções de Sade, também são importantes compositores para a magia da dança

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em questão. E se tratando das vestes, para Barthes (2006), se essas não compusessem o

espetáculo, de nada valeriam, pois, mesmo após a retirada dos adornos, o que realmente traz

sentido ao striptease é o vestuário inicial.

Este trabalho justifica-se acadêmica e intelectualmente no momento em que Barthes é

um autor reconhecidamente importante para a área da Comunicação, sobretudo, no que tange

aos seus trabalhos semiológicos; tem grande importância no campo comunicacional, pois

auxilia no entendimento de como os sentidos compõem-se, na busca pela significação através

da linguagem, a qual possibilita uma informação mais detalhada sobre o assunto. Sendo a

informação precisa um dos objetivos principais de um comunicador, esta pesquisa acaba por

também se justificar no âmbito profissional.

Justifica-se ainda porque não existem trabalhos que estudem a moda em Barthes a

partir da presente perspectiva, que tange diferenciar e comparar suas diferentes noções acerca

de um mesmo objeto. Dessa maneira, trata-se de uma contribuição para os estudos que se

concentram nas peculiaridades dos pensamentos desse autor.

Muito embora seja possível citar o artigo intitulado “Indumentária e Moda: seleção

bibliográfica em português”, de Adilson José de Almeida (1995) como referência, o texto se

difere no sentido de que elenca diferenças e semelhanças entre conceitos e sistemas de moda

não somente relacionados a Barthes, como também relacionados a outros autores. Ou seja, o

pensador francês entra nesse mencionado artigo como apenas mais um a falar de moda.

O que se busca aqui é identificar e, dessa forma, estudar as diferentes noções de moda

em Barthes, através das obras já citadas. Para que isso aconteça, é preciso verificar as

possíveis diferenças e semelhanças entre os conceitos de moda abordados em Barthes,

comparar a sistemática de estudo entre uma obra e outra e elencar os tipos de vestuário

estudados pelo autor.

O trabalho é realizado sob a forma de uma revisão bibliográfica: as leituras servem à

reflexão acerca das diferentes noções de moda em Roland Barthes, explorando as concepções

em Sistema da Moda (2009), Inéditos vol. 3 – Imagem e Moda (“Dandismo e Moda”) (2005),

Mitologias (2006) e Sade, Fourier, Loyola (“Sade I” e “Sade II”) (2005). Em suma, busca

verificar como a noção de moda apresenta-se em Barthes, quais as possíveis diferenças de

uma obra para outra e, como isso, dá-se com reflexões acerca de vestuários diferentes. Num

primeiro momento, o trabalho é mais expositivo; num segundo, torna-se mais analítico (é

quando elenca as possíveis diferenças e semelhanças entre cada uma das aparições da noção

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de moda).

A pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa pura, ou seja, são explorados

acontecimentos teórico-conceituais realizados por Roland Barthes a respeito do objeto em

questão: a moda. É possível fazer uma busca pelas noções de moda abordadas nos diferentes

livros (já citados) do mencionado autor. A pesquisa não busca dar, necessariamente, conta de

todas as vezes em que o autor menciona a moda; porém, busca trazer aqueles textos e/ou

livros em que o autor tem a moda como uma noção central.

Sendo esta uma pesquisa de cunho teórico, o método apresenta-se por si só: a própria

revisão de literatura mostra os resultados obtidos através das leituras abordadas. Trata-se,

então, de uma pesquisa bibliográfica, um estudo exploratório acerca dos variados “conceitos”

de moda abordados por Barthes, nas suas diferentes obras. Ou seja, a pesquisa observa as

diversas posições acerca do “mesmo” objeto, para a realização de uma revisão das ideias ou,

para usar expressões de Gil (2002), para a descoberta de intuições.

Uma pesquisa bibliográfica, segundo Gil (2002), é sempre desenvolvida com base em

algum material já elaborado, o qual se constitui de livros e artigos científicos, na maioria dos

casos. O autor ainda diz que, muito embora, em quase todos os estudos se exija algum tipo de

trabalho dessa natureza, existem também pesquisas desenvolvidas exclusivamente de fontes

bibliográficas. Um exemplo desse tipo de pesquisa são aquelas que se desenvolvem sobre

ideologias, ou àquelas as quais se propõem à análise das diversas posições acerca de um

problema.

A escolha em estudar a semiologia dentro do objeto moda levanta as referências de

Barthes como viés principal. Isso porque o autor traz diferentes concepções sobre o assunto, e

dessa forma, surge a seguinte questão: como a moda se dá nas questões barthesianas? Existem

diferenças e semelhanças entre as diferentes obras do autor sobre o objeto citado?

A escolha do tema é de grande importância em uma pesquisa, para o seu

desenvolvimento e processo de elaboração. Segundo Gil (2002), isso não significa,

necessariamente que o pesquisador de posse de um tema esteja em condições de formular seu

problema de pesquisa. Trata-se de um processo bastante complexo, por isso da importância de

se fazer um levantamento bibliográfico a ser utilizado durante a pesquisa. Esse processo

facilitará a formulação da questão problema.

Dessa forma, após a escolha do tema e o delineamento da questão problema, pela

pesquisa prévia já se percebe que o autor em questão explora a noção escolhida nas seguintes

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obras:

Elementos de Semiologia, Roland Barthes;

Inéditos vol. 3 – Imagem e Moda, Roland Barthes;

Mitologias, Roland Barthes;

Sade, Fourier, Loyola, Roland Barthes;

Sistema da Moda, Roland Barthes.

Essa última vem a ser o material principal, pois se trata de uma obra diferenciada do

autor em questão, que traz a moda de um jeito antes nunca estudado.

A revisão conceitual é realizada através das obras acima citadas em busca das

diferentes ou semelhantes contextualizações sobre a moda em Barthes. A revisão busca a

contextualização teórica do problema e o seu relacionamento com o que tem sido investigado

a seu respeito (BARTHES, 2009).

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DESENVOLVIMENTO

Buscando elencar diferenças e semelhanças entre as obras em que Barthes fala sobre a

moda, o presente trabalho traz algumas indicações que podem dar uma ideia do que o autor

enxerga nesse objeto: por vezes de forma sistemática, por vezes em oposição ao que defende

de fato, e por outras fazendo uma releitura sobre o que outros autores pensam. As seções a

seguir identificam algumas diferenças, sejam de tipos de vestuários, como de conceitos e

maneiras de analisar movimentos sociais. Tais diferenças ajudam a elencar as características

que convergem e divergem entre as diferentes noções de moda.

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CAPÍTULO I - Livro Sistema da moda

O livro Sistema da Moda é uma obra especificamente e totalmente dedicada ao objeto

de pesquisa aqui em questão: a Moda para Roland Barthes. Nessa primeira obra, vemo-la

analisada através da sistematização da linguagem: signos, significantes e significados. Esses e

mais outros conceitos podem surgir através dessa reflexão.

Condicionado a apresentar-se por si só, Sistema da Moda é um livro de método,

inspirado pela ciência dos signos, a semiologia (neste caso, modificada). Dessa forma, seu

resultado e doutrina são incertos, mas é possível descobrir e explorar o seu sentido, a sua

utilidade.

A obra traz uma análise do sistema da moda, em que há a linguagem como objeto

principal: sua análise é baseada no vestuário escrito. Barthes (2009, p. 14) traz uma

inquietação: “A fala não será o intermediador inevitável de toda ordem significante?”;

respondendo logo após com a seguinte afirmação: “A linguagem humana não é apenas o

modelo do sentido, mas também o seu fundamento”.

Dessa maneira, o livro traz a moda para além do vestuário, para além de sua imagem

física. Trata-se daquilo que a linguagem condiciona como sentido, pois, segundo Barthes

(2009, p. 16), “o que faz desejar não é o objeto, é o nome; o que faz vender não é o sonho, é o

sentido”.

O livro apresenta-se através de três métodos: o vestuário-imagem é aquele desenhado

ou fotografado, que tem suas unidades no nível das formas; o vestuário-escrito (que aqui é o

que mais interessa) é aquele que descreve os detalhes, as peculiaridades daquilo que se vê e

também daquilo que, por vezes, não se vê fisicamente na imagem, e que está relacionado ao

nível vocabular; e, por fim, o vestuário-real, em que se vê o modelo que guia os dois

primeiros, trazendo a parte material, aquilo que é palpável, físico, e que está relacionado à

tecnologia, à fabricação.

A obra traz o conceito de shifters, referente àqueles elementos intermediários entre o

código e a mensagem, porém, ampliando esse termo: dependendo da configuração entre

imagem, linguagem, vestuário e aquilo que é real, é possível destacar os tipos de shifters. O

autor traz, então, três configurações: do real à imagem, do real à linguagem e da imagem à

linguagem. No primeiro, o que aparece como shifter principal é o molde do vestuário; no

segundo, o shifter apresenta-se como sendo a receita de programa de costura, aquilo que fica

entre o ser e o fazer; já no último, os shifters apresentam-se através de palavras que possam

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explicitar o valor do vestuário.

Conforme é feita a interpretação do vestuário escrito, o que se pode perceber é que

toda descrição possui uma finalidade, que nada mais é que manifestar ou transmitir a moda.

Dessa forma, o que se observa é que o esquema da moda entra nas peculiaridades da

comutação, estabelecendo sempre uma troca, uma permuta, a qual aparece geralmente em

pares. Essas classes comutativas apresentam-se da seguinte forma:

Classe A: refere-se ao vestuário S mundo;

Classe B: refere-se ao vestuário S moda.

Essas classes comutativas entram em um processo de equivalência, a qual determina a

relação significante do sistema. Vestuário e mundo podem entrar em qualquer tipo de relação,

pois se trata de fatores infinitos, é uma equivalência constante devido à variedade das figuras

que se tem e que se pode vir a ter.

Para exemplificar melhor essa relação, observam-se aqui alguns exemplos do livro:

“Os estampados vencem o dérbi”. A frase ilustra o signo. Seu significante

indumentário tange “os estampados”. E seu significado mundano é “o dérbi”. Aqui

aparece um sistema que enfatiza a relação vestuário S mundo;

“Casaquinho curto totalmente abotoado nas costas, gola amarrada como uma

pequena echarpe”. Esse é o signo completo. O significante é “o casaquinho curto”, e o

significado implícito (moda) é “totalmente abotoado nas costas, gola amarrada como

uma pequena echarpe”.

Uma vez que o signo indumentário se oferece à leitura através de um discurso que o

transforma em função (este vestuário serve para tal uso mundano), ou em asserção

de valor (este vestuário está na moda), podemos concluir que o vestuário escrito

comporta pelo menos dois tipos de relação significante (BARTHES, 2009, p. 53).

Para um signo, o mais importante é que se destaque a sua extensão, o que o difere e o

que o relaciona com outros signos, ou seja, o papel que ele desempenha com relação a outros

signos. Dessa forma, em um enunciado de moda aparecem dois sistemas de informação do

signo:

Sistema linguístico: língua;

Sistema indumentário: vestuário (o qual por vezes significa o mundo e por vezes

significa a moda).

Assim, esses dois planos formam uma relação, a qual, para Barthes, explica o Sistema

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da Moda, em que o sistema indumentário aparece aqui assumido pelo linguístico.

Falando sobre a autonomia dos sistemas, pode-se dizer que um sistema é independente

se, subtraindo-se o seu significante do conjunto, ele ainda seja capaz de fazer um remanejo no

restante do enunciado sem alteração em seu sentido. O sistema retórico é sempre

independente e, dessa forma, não se pode submeter à conotação Moda a uma análise

independente.

O sistema terminológico enfatizará o código indumentário real. Isso porque se trata

aqui dos termos técnicos do sistema. Porém, esses dois sistemas serão independentes, visto

que são construídos por substâncias diferentes: o sistema terminológico por vocábulos e o

código indumentário real por objetos e situações. O sistema terminológico, então, só poderia

existir caso não se referisse à suposta existência de uma equivalência real entre o mundo e o

vestuário, entre a Moda e o vestuário.

Fazendo um recorte na língua, já se vê uma construção: ela não transfere a realidade,

somente a distingue, descreve-a através das palavras. Segundo Barthes (2009, p. 76), a

validade do sistema terminológico depende das regras gerais da língua; a validade do código

indumentário real depende da revista. Entre esses dois sistemas há autonomia de princípios.

Em algum momento, Barthes refere-se aos sistemas usando a expressão “vestuário

sem fim”. Isso se dá porque onde se vê possibilidades de se apresentar um texto sem fim, se

vê também um vestuário sem fim, praticamente infinito, assim como as possibilidades da

língua ao descrevê-lo. Podem-se recortar unidades significantes, para comparar entre si e

reconstituir a significação geral da Moda. Em alguns momentos, podem surgir blocos

sobrepostos, e esses são os sistemas ou códigos, em outros podem surgir os segmentos

justapostos, que serão o significante e o significado. A união dos blocos sobrepostos e dos

segmentos justapostos serão os signos. Barthes mostra o exemplo a seguir:

“Um debrunzinho faz todo o alinho”. Nessa frase, já se identifica o bloco sobreposto

subtraído: a conotação de Moda. Como segmentos justapostos, aparecem o significante (um

debrunzinho) e o significado (o alinho). Nesse sistema, identificam-se dois tipos de operação:

a transformação e a divisão.

A transformação visa aos sistemas em profundidade: a divisão visa aos signos de

cada um deles em extensão. Transformações e divisões devem ser decididas com a

garantia da prova de comutação: no vestuário sem fim só deveremos considerar os

elementos cuja variação acarrete uma variação de significado: inversamente, todo

elemento cuja alteração não tiver efeito sobre nenhum significado deverá se

declarado insignificante (BARTHES 2009, p. 78).

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Nesse caso, aparecem duas transformações: do sistema retórico para o código

indumentário escrito e do código indumentário escrito para o código indumentário real.

Relacionando com as divisões, pode-se dizer que nem todas são necessárias e possíveis, com

exceção da divisão do sistema retórico que, não somente é necessária, como possível. Já para

o código indumentário real, é preciso prever a submissão do vestuário sem fim a duas

operações de transformação e a duas operações de divisão. Isso porque esse código só pode

ser considerado através da língua e exige esse tipo de preparação.

Transformando do retórico ao terminológico, o primeiro passo é desfazer a frase de

seus valores retóricos, reduzindo-a apenas para seus enunciados verbais, os denotados, todos

relacionados à verbalização indumentária, conforme exemplo citado pelo autor:

De "A tarde exige franzido ou que toda mulher use escarpins de duas cores", para "o

franzido é signo da tarde ou os escarpins de duas cores significam Moda". Nessas frases,

nota-se a transformação pela qual passa: do conotado ao denotado. Continuam tendo um

significante e um significado, porém, são duas formas diferentes de escrevê-las, as quais não

deixam o sentido se perder. O sentido, em ambas as frases, é o mesmo, apenas sofreu a

transformação chamada de número um: do retórico ao terminológico.

Alguns termos trarão dúvidas a respeito de seu significado.Um exemplo é a palavra

“petit” trazida pelo autor, a qual por vezes identifica-se como se fizesse parte do sistema

retórico, e, por outras, como sendo parte do sistema terminológico. Isso se dá porque essa

palavra apresenta uma condição lexical que não se distingue tão de imediato e traz valores

diversos, por isso essa condição de pertencimento aos dois sistemas. Quando expressar

medida, a palavra aparece no sentido denotado, no seu sentido literal. Quando remeter à

modéstia, o termo aparece no sentido conotado, ou seja, metafórico.

Para a transformação de número dois, que vai do terminológico ao código

indumentário, teremos algumas diferenças se comparado ao sistema anterior. Isso porque o

sentido indumentário é estreitamente dependente do nível verbal. Segundo Barthes (2009), "a

língua tem um limite além do qual o sentido se irrealiza".

Embora o sistema terminológico vise ao código real, esse código nunca se realiza

fora dos vocábulos que o traduzem; sua autonomia é suficiente para obrigar a uma

decifração original, necessariamente diferente da decifração (puramente linguística)

da língua; ela é insuficiente para que se possa esperar trabalhar com uma

equivalência entre mundo e vestuário inteiramente separada da língua (BARTHES,

2009, p. 81).

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As articulações que estão desvinculadas da gramática terão a finalidade única de

manifestar um sentido indumentário e não mais uma inteligibilidade discursiva. Assim,têm-se

aqui como código para entendermos melhor a sistematização de Barthes, a equivalência (=) e

a combinação (.). Trazemos agora, o exemplo que o autor nos mostra:

Traje.Pontos.Branco = Passeio. Esse é o melhor estado da transformação. Assim,

trata-se do código misto, também chamado de pseudorreal: o que está entre o código

indumentário escrito e o código indumentário real. Esse código faz o intermédio entre os dois

outros, por isso devemos dar um destaque especial para esse sistema. A experimentação que

Barthes sugere, é a de separar a palavra traje, porém, estaríamos saindo da língua ou

recorrendo a um conhecimento técnico ou visual do vestuário.

Em síntese, segundo Barthes (2009), todos os termos da equação acima têm valor

significante (no nível do código indumentário, e não mais no nível da língua), pois

modificando-se um deles, muda-se o sentido indumentário da frase: não se pode substituir

branco por azul sem tornar problemática a equivalência entre traje e passeio, ou seja, sem

alterar o conjunto da significação.

Sendo assim, temos então os três sistemas exemplificados:

Retórico: os trajes de passeio se pontuam de branco.

Terminológico: pontos brancos num traje significam passeio.

Pseudorreal: traje.Pontos.Branco = passeio.

Uma vez que a transformação de número dois é incompleta, pois não consegue

transformar exaustivamente o código indumentário escrito em código indumentário

real, mas se limita a produzir um código liberto da sintaxe linguística, porém ainda

parcialmente escrito, submete a análise a certa ditadura (BARTHES, 2009, p.86).

E é aí que aparece um conflito, pois é proibido transgredir a natureza denominativa do

vestuário em questão, pois assim estaríamos passando dos vocábulos às técnicas ou às

imagens.

A revista detém-se no nível da espécie, e não se pode ir mais longe do que ela. Por

exemplo, se o gorro está na Moda, não é por ser alto e sem abas, mas simplesmente por já não

ser touca e ainda não ser capelina. Se deixou de estar na Moda, é porque não apresenta as

características condizentes com o real do momento: a Moda está caracterizada através do que

se vive hoje. O que está na Moda hoje, não estava cinco ou dez anos atrás, e vice-versa.

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Ultrapassando a espécie estaríamos naturalizando o processo indumentário, e, dessa forma,

estaríamos em falta com a Moda. A regra terminológica não é uma ditadura sem sentido, mas

sim o viés por onde passa a Moda, ou melhor, o sentido dela. Isso acontece porque sem os

seus sentidos a Moda nada mais seria do que o entusiasmo, o gosto por certas formas e

características, certos detalhes, o que sempre foi característico na indumentária de todos os

tempos.

Dentro dessa transformação, teremos algumas liberdades. Tendo essa informação,

constatamos que a língua não é completa, pois caso fosse essas transformações não seriam

possíveis.

É possível substituir livremente alguns vocábulos por outros, desde que essa

substituição não acarrete mudança do significado indumentário; se dois termos

remetem ao mesmo significado, é porque sua variação é insignificante, e podemos

substituir um pelo outro sem alterar a estrutura do vestuário escrito: de-alto-a-baixo

e em-todo-o-comprimento (BARTHES, 2009, p. 87).

O autor cita outros exemplos, como: aveludado e veludoso, em que ambos significam

macio como o veludo. Ou no ano passado/neste ano; fora-de-moda; na Moda.

Segundo Barthes (2009, p. 88), “a sinonímia linguística não abrange obrigatoriamente

a sinonímia indumentária, pois o plano de referência do código indumentário (pseudorreal)

não é língua, é equivalência entre vestuário, mundo e Moda”. Sendo assim, determinadas

palavras poderiam ter o mesmo significado se estivessem fora do sistema indumentário,

porém, dentro da Moda, elas podem se distinguir, ou seja, um conjunto de palavras na língua

pode ser sinônimo e para a moda pode ser antônimo.

Dentro de todo esse sistema, ainda podemos ter as chamadas reduções e ampliações.

Mas para se utilizar desse mecanismo, precisaremos da estrutura geral, a inicial, caso

contrário não conseguiremos dar conta de todos os enunciados de Moda. As reduções podem

acontecer do sistema terminológico ao indumentário, também chamado de código

pseudorreal. Para que isso aconteça, esse mecanismo deve ser guiado pela procura de funções

simples, comuns ao maior número possível de enunciados: transvasar os enunciados é o nosso

intuito, para que, mesmo reduzidos, do código indumentário pseudorreal para um pequeno

número de modelos, o sentido indumentário não seja modificado. Com a redução, o

enunciado de Moda aparece da seguinte maneira: “traje .pontos. branco = passeio”. Na

transformação de número dois não teremos essa economia, mas sim uma preocupação com a

generalização, com a ampliação: “os trajes de passeio se pontuam de branco”.

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A revista acaba se configurando como uma máquina: a máquina de fazer Moda. É ela

que ditará as tendências, as opções para cada estação e o que deve e não deve ser usado

naquele espaço de tempo, ou para determinados tipos de corpo. O trabalho dessa máquina é o

grande responsável pelo código pseudorreal.

No caso do conjunto A, em que temos uma combinação entre vestuário e mundo, há

entre o significante e o significado uma designação recíproca. Dessa forma, podemos perceber

que basta organizar o discurso contido na revista em torno dos sentidos indumentários que ela

mesma tem o cuidado de formular. Barthes (2009) diz que toda frase saturada por dois

objetos, um mundano (M) e outro indumentário (I), sejam quais forem os circuncolóquios da

escrita, constitui uma equação semântica do tipo I=M, ficando da seguinte forma:

Os estampados vencem o dérbi.

O acessório faz a primavera.

Estes sapatos são ideais para a caminhada.

Todas essas frases que aparecem aqui no sistema retórico apresentam enunciados da

significação, e isso ocorre porque cada uma delas está inteiramente saturada por um

significante (estampados, acessórios, sapatos) e um significado (dérbi, primavera,

caminhada).

A extensão e a complexidade dos enunciados não são motivo de preocupação, isso

porque podem existir enunciados longos e curtos, mas que, de qualquer forma, se apresentam

somente com uma única unidade de significação, com somente dois campos, sendo então

tratados como enunciados simples, porque neles a significação só mobiliza um significante e

um significado. Porém, pode acontecer de termos dois significados para um significante: “um

casaco de linho para meia-estação ou para as noites frescas de verão”; ou dois significantes

para um significado: “flanela listrada ou twill com bolinhas, se de manhã ou de noite”.

Se nos ativéssemos ao nível terminológico, deveríamos ver nesses exemplos apenas

um enunciado da significação, pois a frase abrange uma relação de mão única; mas,

se quisermos apreender o código indumentário, deveremos sempre tentar atingir a

menos parcela produtora de sentido; do ponto de vista operacional, portanto, é

preferível contar tantos enunciados da significação quantas forem as uniões de um

significante e um significado, mesmo que um desses termos seja implícito no nível

terminológico (BARTHES, 2009, p. 93).

No caso dos conjuntos B, em que teremos a combinação de vestuário e Moda, estes

não seguem os mesmos critérios dos conjuntos A, pois no B o significado é implícito. Nesses

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conjuntos as descrições indumentárias estão contidas em um único e imenso significante, pois

todas as descrições correspondem ao mesmo significado. Porém, assim como acontece com a

língua, significantes distintos podem remeter ao mesmo significado (sinônimos), e é lícito

prever que a massa significante se fragmenta em unidades de significação que a revista não

atualiza ao mesmo tempo (no mínimo por distribuí-las em várias páginas), conta Barthes

(2009).

Dividindo os enunciado de tipo B, lembraremos que na revista de Moda, nas

descrições do vestuário, as informações aparecem duplicadas, vindas de estruturas que não

tangem a fala, seja ela imagem ou técnica. Trata-se de um acompanhamento para uma

fotografia ou uma receita. Barthes (2009) diz que, para passar dessas estruturas à fala, a

revista dispõe de certos operadores, que chamamos de shifters. Assim, basta considerarmos

como enunciado da significação, nos conjuntos B, toda porção de descrição indumentária

introduzida por um shifter, conforme o autor exemplifica nas frases abaixo:

“Aí está o bolero curto e justo” – shifter: aí está.

“Rosa aplicada no cinto” – shifter: anafórico no grau zero.

“Faça você mesma o casaquinho abotoado nas costas” – shifter: faça você

mesma.

Feita a divisão do vestuário sem fim em enunciados da significação, temos agora a

divisão de número dois, caracterizada por enunciados subsidiários. Para os conjuntos A e B, o

enunciado do significante serão todos os traços indumentários contidos em um único

enunciado da significação. Para os conjuntos A, serão todos os traços mundanos contidos num

enunciado da significação; e para os conjuntos B, este acaba sendo por definição desprovido

de enunciado, já que seu significado é implícito.

O significante do código indumentário é todo enunciado que a revista dedique ao

vestuário, e esse código é compreendido na unidade de significação. Porém, as situações e

opções são imensas e por ora algumas frases aparecem enormes para compor esse significado

e por outras aparecem em forma de apenas uma palavra.

A distinção das unidades significantes seria imediata se toda mudança de significado

acarretasse obrigatoriamente uma mudança integral do significante: cada significado

possuiria seu próprio significante, que lhe estaria ligado de um modo até certo ponto

imóvel: a unidade significante teria então a medida do enunciado do significante e

haveria tantas unidades diferentes quantos fossem os enunciados diferentes; a

definição das unidades sintagmáticas então seria muito fácil, mas, em contrapartida,

a reconstituição das listas de oposições virtuais seria quase impossível, pois seria

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preciso fazer que todas as unidades enunciadas coubessem num paradigma único e

interminável, o que seria renunciar a qualquer estruturação (BARTHES, 2009,

p.100).

Sendo assim, caso nos utilizássemos desse discurso estaríamos abortando a ideia de

divisão de enunciados, pois não teria nexo ir em busca dos sentidos diferentes que o vestuário

escrito produz, porque, caso fossem imóveis, iam compor apenas a um significado e não a

outros. Mas não é o que acontece com discursos de vestuário escrito, pois esses são

compostos por elementos comuns, o que significa que se caracterizam como móveis e podem

ter sentido diferentes nos enunciados, mesmo quando se trata do mesmo elemento. O autor

cita o exemplo da palavra “comprimento”, que pode estar associada a saias, calças, mangas.

Ou seja, não se trata de um elemento imóvel, pois esse pode compor diversos enunciados e ser

relacionado a diversos objetos indumentários. Isso quer dizer que o sentido não depende do

objeto em questão, mas sim da combinação que há entre ele e o significante.

Para exemplificar essa sistematização com a seguinte frase, trazida por Barthes (2009)

em sua obra, e para detectar a variação de sentido que a frase produz: “cardigã esporte ou

formal, gola aberta ou fechada”. Pode-se ver que temos aqui uma dupla significação:

Cardigã .gola. aberta = esporte.

Cardigã .gola. fechada = formal.

Ou seja, o que caracteriza a mudança de significado é a oposição entre o aberto e o

fechado, sendo a abertura ou o fechamento de um elemento que comporta o poder

significante. Mesmo assim, os outros elementos do enunciado também participam da

significação (sem os demais elementos compondo a frase, a significação seria impossível),

porém, de maneira diferente. Entre o cardigã e a gola há uma responsabilidade diferente, pois

o primeiro é o mais estável, não muda, é o elemento mais afastado da variação, mesmo sendo

caracterizado por vezes como esporte e, por vezes, como formal. Já o segundo ocupa um

espaço intermediário entre o elemento variante (aberto ou fechado) e o elemento receptor

(cardigã), mas existente de qualquer forma esteja aberta ou fechada.

Segundo Barthes (2009, p.103), “em suma, num enunciado desse tipo, a significação

parece seguir uma espécie de itinerário: partindo de uma alternativa (aberto/fechado),

atravessa um elemento parcial (gola) e vai tocar e, digamos, impregnar o vestuário” (cardigã).

A partir daí, teremos a matriz significante, a qual é composta por um elemento que

recebe a significação, outro elemento que a suporta e um terceiro que a constitui. No exemplo

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trazido por Barthes “cardigã esporte ou formal, gola aberta ou fechada”, o primeiro elemento

é o cardigã, o segundo elemento é a gola e o terceiro é o aberta ou fechada. Isso chama-se

economia do sistema, o qual aparece aqui para dar conta do trajeto do sentido e, a partir daí,

ele pode atingir diretamente o vestuário que deve modificar. Conforme diz Barthes (2009), é

sempre possível encontrar em qualquer enunciado de significante um objeto visado pela

significação, um suporte da significação e um terceiro elemento, propriamente variante, os

quais são inseparáveis e funcionalmente diferentes e compõem a chamada matriz da

significação, que é designada pela sigla OSV. Vejamos os exemplos abaixo:

Um pulôver de gola fechada = habillé.

Um suéter de decote canoa = Moda.

Um chapéu de copa arredondada = Moda.

Destacam-se aqui como objetos visados pela significação: pulôver, suéter, chapéu. O

suporte aparece em: gola, decote, copa. E a variante de cada frase está em: fechada, canoa,

arredondada.

O que se vê, então, é que a matriz possibilita uma análise econômica dos enunciados, e

é considerada a unidade ideal para se fazer isso, e fundamenta-se a partir da ideia de que

possibilita dar conta de todos os enunciados, mediante alguns ajustes regulares que, por vezes,

se fazem necessários.

Dividindo suporte, objeto e variante, podemos expor aqui algumas maneiras em que

esses aparecem no vestuário escrito. Pode-se dizer que há uma relação estreita entre o suporte

da significação e o objeto que se tem em vista, o que poderia acarretar uma confusão

terminológica, resultando em dificuldade para distinguir um do outro. Entretanto, para

esclarecer, é necessário primeiramente saber que o suporte é uma parte do objeto, como, por

exemplo, a gola é uma parte do cardigã, logo será o suporte. Barthes traz então outro

exemplo, que aqui é válido estudar:“uma blusa ampla dará um ar romântico à saia”.

A blusa e a saia são peças do vestuário completamente diferentes, e nesse caso,

somente a saia recebe a significação, enquanto que a blusa acaba sendo o intermediador que

vem para sustentar o sentido. Barthes (2009) diz que toda a matéria da saia é insignificante,

inerte, no entanto, é a saia que irradia romantismo. Pode-se perceber que, o que o acaba por

caracterizar o objeto é a permeabilidade ao sentido. Caso houvesse comparação com a língua,

ter-se-iam alguns apontamentos que mostrariam as diferenças, pois na língua tudo se

caracteriza como sendo signo e nada é inerte, tudo é sentido. Na língua tudo significa, o que

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por si só a difere do vestuário, o qual não é em si um sistema de significação. Já aqui, no

código indumentário, a inércia é característica que se faz presente, pois uma vestimenta pode

existir mesmo antes de ter algum significado.

Segundo Barthes (2009, p.107), “a fala (da revista) apreende objetos insignificantes e,

sem modificar sua matéria, imprime-lhes sentido, dá-lhes a vida de um signo”. Por isso, diz-se

que existe uma certa fragilidade na Moda, a qual depende do caráter dos seus signos.

O suporte da significação apresenta-se constituído por um objeto material, um

vestuário, parte de uma peça ou acessório e é o primeiro a receber a alternativa do sentido que

deve transmitir ao objeto visado. Trata-se de um elemento inerte que não produz e nem recebe

o sentido, mas sim o transmite, o que o caracteriza como sendo um elemento original do

sistema da Moda, graças às suas características de materialidade, inércia e condutibilidade.

A variante é o ponto da matriz onde a significação sai e de algum modo se irradia ao

longo de todo o enunciado, diz Barthes (2009). Pode ser encontrada em outros sistemas como,

por exemplo, para medidas, peso, divisão, soma. Sua principal característica é sua

imaterialidade, a qual modifica a matéria do suporte. Nem sempre se pode dizer que ela traz

alternativas, pois não há como afirmar se todas as variantes existentes são binárias. O que se

sabe é que toda a variante procede de um corpo de diferenças.

Materialidade é então característica do objeto e do suporte (pode-se citar aqui como

exemplo: vestido, traje, gola, portinhola). Por outro lado, imaterialidade é um distintivo

adotado pela variante. Trata-se de uma diferença estrutural: o objeto e o suporte fazem parte

do espaço indumentário e a variante é uma reserva de virtualidades.

A melhor metáfora para explicar o funcionamento da matriz OSV talvez seja a da

porta fechada à chave. A porta é o objeto visado pela significação; a fechadura é o

suporte; a chave é a variante. Para produzir sentido, é preciso „introduzir‟ a variante

„no‟ suporte e percorrer os termos do paradigma até que haja produção do sentido;

então a porta se abre, e o objeto ganha sentido; às vezes, a chave não “funciona”: a

variante de comprimento não pode ser aplicada ao suporte Botões; e, quando

funciona, o sentido é diferente conforme a chave gire para a esquerda ou para a

direita, conforme a variante diga comprido ou curto. Nesse aparelho, nenhum

elemento comporta por si só o sentido; todos, de alguma maneira, se parasitam

reciprocamente, ainda que o que atualiza o sentido seja a escolha da variante, tal

como é o gesto da mão que consuma a abertura ou o fechamento da porta

(BARTHES, 2009, p.113).

Por essa razão, pode-se dizer que existe uma relação de interdependência entre os três

elementos que compõem a matriz, não podendo encontrar nenhum dos elementos em estado

isolado. Objeto e suporte possuem uma dependência mútua, uma dependência indumentária,

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pois se trata de dois elementos que têm a imaterialidade como característica principal.

Diferentemente, a variante que tem a característica de ser material acaba sendo sempre a

mesma peça ou pelo menos parte de uma peça, não podendo esta confundir-se com os

suportes e objetos. Nenhuma variante pode transformar-se em objeto ou em suporte. Porém,

objeto e suporte com sua materialidade podem perpassar pelas duas fases do sistema: por ora

um elemento pode aparecer como objeto e por outra esse mesmo elemento pode caracterizar-

se como suporte.

Falando em significado, devemos lembrar que, para o sistema da moda, isso ocorre em

dois conjuntos: conjunto A e conjunto B. O conjunto A diz respeito ao significado mundano e

o conjunto B diz respeito ao significado implícito que é a Moda. O que difere os dois

conjuntos é a forma como o significado aparece, pois a estrutura do significante é a mesma

para ambos os casos: trata-se sempre do vestuário escrito. No conjunto A, o significado possui

uma expressão própria, como por exemplo: fim de semana, passeio, verão, inverno, etc.,

expressões as quais são formadas pela mesma substância do significante, e há aqui um

significado separado do significante, pois o primeiro é intermediado pela língua, e os dois

participam do léxico do vestuário. No conjunto B, significante e significado são dados ao

mesmo tempo, ou seja, a Moda escrita coincide com o modelo linguístico e não dispõe de

nenhuma expressão própria. Trata-se de um significante e um significado isólogos, pois esses

são falados ao mesmo tempo e não é possível vê-los separadamente. Barthes (2009) diz que o

sistema da Moda não é o da língua; na língua, há pluralidade de significados; na Moda, toda

vez que há isologia temos o mesmo significado: a Moda do ano e todos os significantes dos

conjuntos B, os aqui chamados de traços indumentários, não passam de formas metafóricas.

O que se vê aqui é então a Moda tipicamente através da ciência dos signos: a

semiótica. Trata-se de uma análise da escrita e não do objeto em si, pois nessa obra, para

Barthes (2009), o que dá o sentido ao vestuário é aquilo que se diz a respeito do vestuário, a

análise é toda baseada no vestuário escrito. Assim, o vestuário é visto de duas maneiras: com

significado mundano e com significado de Moda, ou seja, o que diz respeito ao mundo não

dirá respeito à Moda, pois se trata de dois significados diferentes, para um mesmo

significante: o vestuário escrito. Mas, o que realmente interessa é o vestuário escrito, esse é o

objeto principal da pesquisa. Entretanto, o livro não deixa de citar o vestuário-imagem que é

aquele desenhado ou fotografado, e o vestuário-real que é aquele relacionado aos processos

fabris, os quais são figuras secundárias nessa obra.

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Aqui há explicitamente a forma de como o vestuário é feito, fabricado, produzido.

Tudo isso para entendermos como a linguagem deve ser utilizada em cada estágio. Portanto,

existe nessa obra em questão, uma sistematização da linguagem.

O vestuário escrito se difere dos demais sistemas semiológicos no sentido de que pode

comportar dois tipos de relação significante: a que se refere ao mundo (que aqui chamamos de

Conjuntos A) e a que se refere à Moda (chamado aqui de Conjuntos B). Outros sistemas

estudados, a partir da ciência dos signos geralmente trazem apenas uma relação significante.

O intuito maior é transmitir a Moda; e essa se refere, nessa obra em específico, à moda

analisada nas revistas Elle e Le Jardin dês Modes, com edições dos anos de 1958-1959, ou

seja, consideramos a Moda diante de uma realidade vista naquela época.

A análise apresentada é então algo que cria um sistema próprio dentro da língua e da

ciência dos signos.

Sistema da Moda

Como se apresenta: Sistematização da Moda

Objeto principal: Linguagem: semiologia

Tipo de vestuário: Vestuário-escrito

Figuras secundárias: Vestuário-imagem e vestuário-real

O que traz: Como o vestuário se constrói

Intuito: Transmitir a Moda

A que época se refere: Década de 50

Cria ou transforma: Transforma a semiologia a seu serviço

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CAPÍTULO II - Texto “Dandismo e moda”

Um movimento que surgiu em meados do século XVIII veio para fazer história: o

Dandismo traz como característica principal a desigualdade, o detalhe e o vestuário

masculino. Essas são algumas formas como se apresenta a moda nesse texto, que traz o

detalhe como significação essencial, entre outros que podemos elencar a partir do

desenvolvimento do trabalho.

O Dandismo tem o seu surgimento no final do século XVIII e início do século XIX, e

traz como conceito a rejeição dos códigos de conduta dos valores burgueses. Tem como

principal distinção em sua composição o detalhe: aquilo que diferencia uma indumentária das

outras. O Dândi ora se apoia na riqueza para que possa se diferenciar das classes menos

favorecidas, e ora se apoia no aspecto desgastado para se distanciar dos ricos.

Segundo Roland Barthes (2005), a função do detalhe é permitir que o Dândi escape da

massa e que nunca seja alcançado por ela; a sua singularidade é absoluta em essência, mas

contida em substância, pois nunca pode cair na excentricidade, para jamais ser algo imitável.

Com a Revolução Francesa e a confecção de vestuário em massa, o Dandismo acaba

perdendo forças, e, nesse momento, é preciso que, para a sua sobrevivência, o movimento seja

mais forte do que a tendência à uniformização. É nesse momento que o vestuário masculino

transformou-se na forma e no espírito: saíam as características de luxo, poder, que eram vistas

através do vestuário, e entravam as características de igualdade e trabalho, devendo agora

adaptar-se a qualquer situação para qualquer pessoa dentro da sociedade.

Na verdade, porém, a separação entre as classes sociais não estava em absoluto

eliminada: vencido politicamente, o nobre ainda detinha forte prestígio, embora

limitado ao estilo de vida; e o próprio burguês precisava defender-se, não contra o

operário (cuja indumentária, aliás, continuava característica), mas contra a ascensão

das classes médias. Foi, portanto, preciso que o vestuário driblasse de algum modo a

uniformidade teórica que a Revolução e o Império lhe haviam dado, e que, sem sair

de um tipo já universal, se conseguisse manter certo número de diferenças formais,

capazes de manifestar a oposição entre as classes sociais (BARTHES, 2005, p.346).

A partir daí, as atitudes foram tomando outro rumo quando se tratava do vestuário

masculino (pois o feminino segue sendo objeto de consumo, como era naquela época): o

homem decidiu inventar, inovar, detalhar, e isso tudo sem ir contra a criação daquela

vestimenta democrática que surgia no momento. Começavam a aparecer então nós de gravata

diferenciados, camisas com tecidos diferentes (os quais antes jamais se usariam em camisas

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masculinas), botões e fivelas. Essas características assumiam a função distintiva na

indumentária e eram suficientes para marcar a distinção social que os homens, os quais

praticavam o Dandismo, tanto prezavam, e que era chamada de bom gosto. O homem que se

utilizava dessa nova forma de vestir não fazia questão do reconhecimento da sociedade no

geral: queria ser reconhecido somente pelos seus pares, e fazia isso através da inserção de

alguns signos discretos nas suas vestes. E esse movimento passou a chamar-se dândi (visto

que o Dandismo acabou sendo bem mais do que um comportamento indumentário), uma

lógica absoluta que radicalizou o vestuário masculino e veio para diferenciar o indivíduo do

vulgo: aqui o indivíduo não é a sociedade no geral, mas sim aquele homem que está em

utilização do movimento do dandismo, o qual, segundo Barthes (2009), está purificado de

todo e qualquer recurso comparativo.

O detalhe aqui por vezes pode ser caracterizado como nada: basta estar diferente da

massa, a distinção nem sempre se dá com um objeto concreto, mas sim com o rompimento da

unidade do vestuário, de somar ou subtrair valores. O objeto já não é executável, mas sim

tratável e caracteriza o dandismo não somente como uma ética, mas também como uma

técnica: a técnica de se diferenciar dos demais através dos detalhes. O dândi, então, está

condenado a inventar o tempo todo traços distintivos infinitamente novos: ora apoiado na

riqueza para distanciar os pobres, e ora busca o aspecto desgastado para distanciar os ricos,

permitindo assim que o dândi escape da massa e que nunca seja alcançado por ela, diz Barthes

(2005). Porém, ao analisar-se, dá-se conta de que a excentricidade, que era característica

abominada pelo dandismo, pouco tempo levaria para alcançá-lo, pois as maneiras de se vestir

uma roupa acabam sendo limitadas, logo a renovação se esgotaria. E se esgotou: aconteceu

quando o vestuário masculino tornou-se totalmente industrial, sem os detalhes artesanais. E,

por mais singular que fosse aquela vestimenta, a padronização veio para tirar a unicidade do

vestuário masculino da época: mesmo se tratando de uma peça de luxo, se esta é padronizada,

perde a essência do dândi.

Porém, o dândi acaba por se deparar com a moda, que decreta a sua morte. Em

verdade, a confecção foi o primeiro golpe ao dandismo. Depois, vieram as boutiques de

roupas luxuosas, mas que conferiam certo estilo àqueles que ali compravam, por isso acabava

tirando a sua singularidade. O dandismo era criação, o próprio movimento concebia o seu

traje, e este não poderia ser comprado, pois reduzido à liberdade de compra, ele morreria.

Barthes (2005) afirma que a Moda é a imitação coletiva de uma novidade regular.

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Mesmo quando preza pela individualidade ou pela personalidade, ela é essencialmente um

fenômeno de massa. Esse fenômeno possui o poder de distinguir o indivíduo da coletividade,

é um negócio de todos para todos, em que se caracteriza pela moralidade, pela saúde e aquilo

que não condiz com a moda, acaba caracterizando-se como doença ou perversão. A Moda

então exterminou a singularidade pensada para o vestuário masculino no dandismo, o qual era

radical: ou era ou não era, sem meios termos.

Pode-se dizer então que o que matou o dandismo foi um poder intermediário entre o

indivíduo e a massa, que veio para neutralizar e sutilizar o movimento. A própria sociedade

foi quem instituiu esse organismo de ajuste, de equilíbrio, o qual se chama Moda.

Barthes traz a moda como um grande acontecimento social nesse texto: começa

afirmando que, durante séculos, tivemos tantos trajes quanto classes sociais e que existia um

traje especial para cada tipo de situação, de evento social. Houve épocas em que mudar de

vestes era mudar de classe social, ou seja, as pessoas eram divididas em determinadas classes

dentro de uma sociedade de acordo com aquilo que as suas roupas representavam, a condição

social estava diretamente ligada aos trajes que se apresentavam.

Nesse texto, portanto, Barthes (2005) entende a moda como sendo um fenômeno de

massa confrontando aquilo que o Dandismo tem por primordial: a singularidade.

Para que se possa entender o que foi o movimento do Dandismo, traz-se a ideia do

livro “Sobre a modernidade” de Charles Baudelaire (1996), em que o autor traduz uma

opinião mais enfeitada, fantasiosa sobre o Dandismo. Ele diz que o dândi provém do homem

ocioso, que não possui ocupação, do homem rico e luxuoso, que tem por profissão a elegância

e que apresenta uma fisionomia distinta, que não tem outra ocupação a não ser cultivar a ideia

do belo em suas próprias pessoas. Para ele, o Dandismo é uma instituição, uma religião, com

leis rigorosas, as quais os seus adeptos são submetidos, independente do caráter do indivíduo

de que se fala. Compara o dandismo com o amor e diz que, se não houver dinheiro para

executar o amor, este não passará de uma orgia de plebeu ou de um cumprimento conjugal. E,

dessa maneira, dirige-se ao dandismo. Porém, o dândi não visa ao amor como um fim em si, a

questão do dinheiro está no fato de que ele se torna ferramenta indispensável para quem

cultua uma paixão, entretanto o dândi não tem o dinheiro como uma coisa essencial. Não se

trata de um amor sem medidas pela indumentária e pela elegância física. É apenas um

símbolo da superioridade de seu espírito. O que deve ter destaque é sempre a distinção, e a

sua perfeição está na simplicidade com que essa distinção aparece. Trata-se da necessidade de

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alcançar a originalidade, um culto de si mesmo, o prazer de provocar admiração e satisfação.

Um dândi pode ser entediado, pode ser sofrido, mas jamais será um homem vulgar. Vai desde

o traje impecável a qualquer hora do dia e da noite até as proezas mais perigosas do esporte,

diz Baudelaire (1996). É a doutrina sem leis escritas, que conquistou milhares de adeptos, e

que foi derrubada posteriormente pela democracia. Trata-se de uma religião, a doutrina da

elegância e da originalidade que quer destruir a trivialidade.

Mas, infelizmente, a maré montante da democracia, que invade tudo e que tudo nivela,

afoga dia a dia esses últimos representantes do orgulho humano e despeja vagas de

esquecimento sobre os vestígios desses prodigiosos mirmidões, diz Baudelaire (1996, p. 46).

No livro Abecedário: Educação da Diferença, organizado por Julio Groppa Aquino e

Sandra Mara Corazza, temos a reafirmação e o embasamento daquilo que Baudelaire diz em

“Sobre a modernidade”.

O dandismo é a ascensão de uma mente contra os princípios igualitários. Um dândi

não é apenas alguém que quer ser superior, mas que se torna superior por superar a

ingenuidade da igualdade. É nesse sentido que o dândi rejeita os códigos de conduta

burgueses. A burguesia enfatiza a igualdade, ao passo que o dandismo enfatiza a

superioridade do desigual (FEIL, 2009, p. 49).

O dândi busca realçar a sua diferença e valorizar a distância que há entre ele e a

vulgaridade, e trata-se de uma maneira de trazer a desigualdade: através da diferença

transforma os homens em seres desiguais.

A Moda, neste texto, apresenta-se, então, através de um movimento: o Dandismo.

Segundo essa concepção, o objeto principal será sempre o vestuário masculino: isso acontece

porque ele deixa de ser objeto de consumo, diferente do feminino, que segue assim até mesmo

nos dias de hoje. Durante o Dandismo, o essencial era tornar a indumentária masculina

diferente das demais, servia para delimitar classes sociais: ricos de um lado e pobres de outro.

O vestuário masculino é, sem dúvida, o tipo de vestuário estudado aqui, e a figura secundária

que podemos destacar é a Moda: movimento que era abominado pelo Dandismo, pois se trata

de uma grande ameaça para que o movimento siga vivo.

O texto traz a história do movimento do Dandismo: como surgiu, como se

desenvolveu e como morreu, cujo principal intuito era escapar da massa e da uniformização,

pois essa era a condição essencial para que o movimento existisse, sempre prezando pela

diferença. Refere-se então à época que vai do final do século XVIII até o início do século

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XIX. Isso porque o movimento não teve um grande tempo de duração devido à Revolução

Industrial, que trouxe com ela a uniformização das vestimentas: a produção em massa, e

aquilo que antes era um adjetivo ímpar, a partir desse acontecimento, passou a pertencer à

totalidade da população.

Diante dessas características, pode-se dizer que o Dandismo é um movimento que foi

criado, mas não deixa de ser uma transformação inserida na indumentária masculina,

empenhada em seu objetivo principal que era distinguir os homens de uma determinada classe

social.

Dandismo e Moda

Como se apresenta: Movimento do Dandismo

Objeto principal: Vestuário masculino

Tipo de vestuário Vestuário masculino

Figura secundária: Moda

O que traz: História do movimento

Intuito: Escapar da massa e da uniformização

Época que se refere: Séculos XVIII e XIX

Cria ou transforma: Cria o movimento, transforma a vestimenta

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CAPÍTULO III - Livro Sade, Fourier, Loyola

Excentricidade e fantasia são características inegáveis no raciocínio de Sade a respeito

da Moda. Ele veio mostrar a Moda diante de uma análise criada por ele, em um mundo criado

por ele, onde quem dita as regras é somente ele: libertinos aparecem aqui diferenciados dos

demais, quando o assunto é vestuário. Essa obra veio mostrar o erotismo da indumentária de

uma sociedade de maneira diferente.

Conhecidos como o escritor maldito, o grande utopista e o santo jesuíta, Marquês de

Sade, Charles Fourier e Inácio de Loyola aparecem, em Sade, Fourier, Loyola (2005), como

fundadores de uma nova língua, trazendo o Livro dos Logotetas. Esse termo, “Logoteta”, tem

origem grega e caracteriza-se como sendo aquele que registra, calcula, raciocina. Em suma, é

aquele que define a palavra, aplicando-se aqui como característica aos autores em questão,

justamente pelo fato de estarem construindo uma nova língua.

A língua por eles fundada não se trata de uma língua comum: não é a língua falada,

não é a língua da comunicação. É uma língua nova atravessada pela língua natural, a qual está

sendo criada com o propósito principal de oferecer-se à definição semiológica do texto. Se os

três autores já citados quisessem dizer alguma coisa, trazer algumas mensagens, a língua

linguística bastaria, porém, trata-se de uma intenção que vai além disso.

Essa nova língua criada é dividida em três operações: a primeira é isolar-se. Segundo

Barthes (2005), a língua nova deve surgir de um vazio material; um espaço anterior deve

separá-la das outras línguas comuns, pois qualquer ruído que possa intervir nessa nova língua

pode colocar em risco a sua autenticidade: pode acabar por perturbá-la. A segunda operação é

articular, pois não há língua sem signos distintos.

Segundo Barthes (2005, p. X), “nada há que não seja falado”. Dessa forma, Sade,

Fourier e Loyola fazem exercícios de cortes, combinações, ajustes, produzindo, assim, regras

de junção, de soma para que cheguem a uma reconstituição de uma totalidade.

A terceira e última operação é ordenar para combinar signos elementares.

O discurso novo é dotado de um Ordenador, de um Mestre-de-Cerimônias, de um

retórico: em Inácio, é o diretor do retiro; em Fourier, algum patrão ou patroa; em

Sade, é algum libertino que, sem nenhuma preeminência que não a de uma

responsabilidade passageira e meramente prática, estabelece posturas e dirige o

andamento geral da operação erótica (BARTHES, 2005, p. XII).

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Com o sistema completo o que se vai precisar é de alguém para operar: é o que se

chama de operadores de frases. Esses operadores serão os regentes dos episódios, os que

regulam, mas não regulamentam o exercício.

A nova língua é então um planejamento, em que o fundador é o autor de um sistema,

tendo Sade, Fourier e Loyola como seus formuladores.

Nada mais deprimente do que imaginar o Texto como um objeto intelectual (de

reflexão, de análise, de comparação, de reflexo, etc.). O Texto é um objeto de prazer.

O gozo do Texto muitas vezes é apenas estilístico: há felicidades de expressão, e elas

não faltam nem em Sade nem em Fourier. Por vezes, entretanto, o prazer do Texto se

realiza de maneira mais profunda (e é então que se pode dizer que há Texto): quando

o texto “literário” (o Livro) transmigra para dentro de nossa vida, quando outra

escritura (a escritura do Outro) chega a escrever fragmentos da nossa própria

cotidianidade, enfim, quando se produz uma co-existência (BARTHES, 2005, p.

XIV).

Quando se cria uma nova língua, criam-se também novas formas de se ver objetos,

adornos, alimentos etc. E o que realmente interessa é o que Sade traz a respeito do vestuário:

mostra que um dos elementos para a expressão de seu mundo Sadiano é, justamente, o

vestuário.

Dessa forma, o que se pode observa é um novo enfoque para falar de moda: o sadismo.

Essa é a língua criada por Marquês de Sade, “um mundo profundamente penetrado de

palavra” (BARTHES, 2005, p. 2). No mundo de Sade, nunca há nada de real, a não ser,

precisamente, a narração.

A clausura do lugar sadiano tem uma outra função: funda uma autarquia social. Uma

vez enclausurados, os libertinos, seus ajudantes e sujeitos formam uma sociedade

completa, dotada de uma economia, de uma moral, de uma palavra e de um tempo

articulado em horários, trabalhos e festas. Aí, como noutros lugares, é a clausura que

permite o sistema, isto é, a imaginação (BARTHES, 2005, p. 6).

Em Sade, então, o que se vê é um mundo diferente, um mundo que traz os seus

personagens e os deixa enclausurados num cotidiano específico: alimentação, horários,

vestimentas, instalações mobiliárias etc., tudo existindo apenas nesse mundo, onde há certa

monstruosidade, algo totalmente diferente do habitual.

Com a roupa não é diferente: aparece como sendo algo funcional, e que não se mostra

diferente da alimentação, sendo um jogo de signos e funções. Cada pessoa que se encontra

presente na sociedade de Sade pede um tipo de roupa, e as pessoas se diferem através delas.

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A moda é importante, inclusive, na atividade do striptease: a roupa é regulada segundo

a sua teatralidade. Trata-se de um episódio cultural, ainda que isso implique uma cultura

peculiar à sociedade libertina. O autor utiliza-se de nomes de tecidos e seus predicados,

citando o brilho e a leveza de gazes e tafetá, em que o cor-de-rosa predomina, estando sempre

a trabalho da luxúria.

Trata-se, no caso, de uma verdadeira construção de vestuário em que cada pormenor

é pensado em razão de seu espetáculo (é um pequeno sobretudo estreito, lesto e

desembaraçado como um uniforme prussiano) e da sua função (culote aberto por trás

em forma de coração, e que pode cair de uma só vez ao se desatar o grande laço de

fitas que o segura) (BARTHES, 2005, p. 9).

O mundo Sadiano nada mais é do que uma fábula: fantasioso, dramático, rico em

detalhes, onde cada um dos elementos tem alguma função muito bem especificada. O

vestuário aparece como pertencente a esse mundo e tem a função de diferenciar um

participante do outro: um libertino, por exemplo, jamais usa a mesma vestimenta usada pelo

burguês ou pelo aluno.

O mundo Sadiano é considerado o mundo dos segredos, com a sua sociedade

completa, com economia, moral, palavra e tempo. É a clausura a esse lugar que permite com

que o sistema funcione, ou seja, a imaginação faz com que essa sociedade funcione. Barthes

(2005) costuma dizer que, assim como diz Fourier, o mundo Sadiano nada mais é que um

internato humano que se basta a si mesmo, com a mesma vontade de identificar felicidade a

um espaço finito e organizado, mesma energia em definir os seres por suas funções, mesma

preocupação em instituir uma economia das paixões. Assim funciona o mundo Sadiano, em

seus mais variados aspectos. Para Sade, tudo que é cotidiano é utópico, inclusive os projetos

de vestir.

Tratando-se de vestimentas, Sade segue na mesma linha: a linha da libertinagem, da

luxúria. Por isso, cita o streaptease como um espetáculo cultural de valor funcional. Sade não

se preocupa com a moral quando o assunto é a roupa: o erotismo é característica sempre

presente nas vestimentas do mundo Sadiano, não sendo dispensado em nenhuma situação.

Sade afirma que “o amor se faz imediatamente nu”, por isso, refere-se ao movimento do

streaptease como um grande show. Existe em Sade um jogo de roupa, porém, assim como

acontece na alimentação, esse é um jogo de signos e funções. Caracteriza-se como signo

porque, para ele, o nu acompanha a vestimenta e, por conseguinte, a ela se opõe. O mundo

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Sadiano prevê que, estando fora das orgias, as roupas servem para marcar as pessoas, por isso

a diferenciação de vestes para cada pessoa dentro da sociedade: “todo o serralho está

(provisoriamente) vestido, mas as parentes dos senhores, muito particularmente rebaixadas

como esposas e filhas, ficam nuas”.

Dividindo a população pelas suas vestes, aparecerão aquelas com artifícios bem

regulados como cores, fitas e grinaldas; aquelas que trazem a divisão através das classes dos

sujeitos, em que teremos as classes de idades, as classes de funções (rapazolas, garotinhas,

velhas), as classes de iniciação (virgens – os quais mudam de signo posteriormente) e classes

de propriedades (cada libertino escolhe uma cor para caracterizar a sua escuderia). Aqui as

vestimentas também são reguladas segundo a sua teatralidade, em que são impostos os

protocolos de espetáculo.

Toda e qualquer vestimenta que compõe o mundo Sadiano, está caracterizada como

sendo um espetáculo, um episódio cultural, uma pintura mitológica. E, nesse mundo, as

pessoas aparecem, por vezes, através de quartetos (à asiática, à espanhola, à turca, à grega), as

velhas (de freiras cinzentas, de fadas, de mágicas, de viúvas). Ou seja, é um mundo bem

característico, todas as coisas funcionam conforme prevê a sua sociedade. O que pode ser

imoral para a nossa sociedade pode estar dentro da moral do mundo Sadiano, o que de fato

acontece quando ele se refere ao nu. O nu no mundo de Sade faz parte da sua utopia, faz parte

do seu cotidiano. E o funcional que aqui vemos está diretamente ligado a esse fato, onde

existe uma construção de vestuário em que cada detalhe é pensado em razão do seu

espetáculo, cada vestimenta possui o seu espetáculo individual e da sua função ao se despir.

“O libertino é modelista, como é dieteta, arquiteto, decorador, diretor de teatro, etc.”, afirma

Barthes (2005, p.10).

É importante ressaltarmos os detalhes das pessoas que lá vivem: a raça libertina só

existe a partir dos trinta e cinco anos de idade; todos possuem um belo rosto, hálito fresco e

fogo no olhar, possuem também um ar cruel e maldoso, tanto jovens quanto velhos são úteis à

luxúria. Alguns são realistas, individualistas, os quais mais se parecem com pessoas

“verdadeiras”, possuem características marcantes, outros se apresentam nada funcionais,

depravados, remetem à pintura ou à mitologia e caracteriza-se muito pouco. Segundo Sade

(2005), basta dizer que um corpo é perfeito para que ele o seja: a feiura se descreve, a beleza

se diz. Os libertinos compõem os espetáculos, mas precisam renovar-se: pedem sempre novos

retratos, e dessa forma, novas roupas, precisam estar sempre em processo de se reinventar.

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Esse retrato vem para afirmá-los e não para figurá-los, o que nos leva a crer que essa

figuração que os faz são as vestimentas que os compõem. “Não é pois, nem a feiura nem a

beleza, mas a própria instância do discurso, dividida em retratos-figuras e retratos-signos, que

determina a divisão da humanidade sadiana”, afirma Barthes (2005, p. 13).

O dinheiro Sadiano, assim como as demais coisas, caracteriza-se diferente e aparece

como sendo algo funcional. Possui um papel prático, que permite a compra e a manutenção

dos chamados serralhos (que remete a um harém); não é estimado nem desprezado, o

importante é que ele não seja um obstáculo para a libertinagem.

O dinheiro prova o vício e entretém o gozo: não porque proporciona prazeres (em

Sade, aquilo que “dá prazer” nunca está ali „pelo prazer‟), mas porque garante o

espetáculo da pobreza: a sociedade sadiana não é cínica, é cruel; ela não diz: é

preciso que haja pobres para que haja ricos; diz o contrário: é preciso que haja ricos

para que haja pobres; a riqueza é necessária porque constitui em espetáculo a

desgraça (BARTHES, 2005, p. 14).

Trata-se de uma sociedade em que a ostentação encontra-se presente e, a partir daí,

pode-se entender como o vestuário se configura. Essa sociedade mostra outros aspectos como

a educação, por exemplo, que tem como projeto educativo chegar ao absoluto da

libertinagem, que nunca permite a passagem de uma classe para outra. É uma sociedade

codificada, por um sistema de transmissão que vai das classes maiores para as menores: 1) os

grandes libertinos, 2) os ajudantes maiores, 3) os assistentes (aparecem em forma de aias, de

domésticas), 4) os sujeitos ocasionais ou regulares(famílias, crianças que caíram nas mãos dos

libertinos), 5) as esposas (última classe). Os libertinos não possuem nenhum relacionamento

entre classes, a não ser a prática libertina e se comunicam através de contratos (o que no

mundo ordinário chamaríamos de casamentos) e pactos (amizade).

Sade afirma que “a nossa sociedade jamais enuncia nenhuma prática erótica, somente

desejos, preâmbulos, contextos, sugestões, sublimações ambíguas”, e comparando o seu

erotismo com o citado, Sade já não se configura como um autor erótico. O seu erotismo vai

além, é a chamada erótica assertiva, combinatória, porque descreve com maior precisão a

cena. Já o erotismo da nossa sociedade é sugestivo, metafórico. Barthes diz que a erótica

sadiana é criminosa e a nossa inofensiva. A luxúria é sem freio, porém, não sem ordem, existe

sempre um ordenador para compor e organizar os procedimentos.

Para Sade, só há erotismo se se „raciocina o crime’, raciocinar quer dizer filosofar,

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dissertar, arengar, enfim submeter o crime (termo genérico que designa todas as

paixões sadianas) ao sistema da linguagem articulada; mas isso também quer dizer

combinar segundo regras precisas as ações específicas da luxúria, para fazer dessas

sequências e agrupamentos de ações uma nova “língua”, não falada, mas agida, a

“língua” do crime, ou novo código de amor, tão elaborado quanto o código cortês

(BARTHES, 2005, p.18).

Dessa forma, a língua Sadiana está especificamente ligada ao erotismo, ou seja, a

serviço deste, onde este se difere do erotismo da nossa sociedade. Sade tem a sua sociedade,

com os seus preceitos, a sua Moda, a sua economia, a sua educação e, também, o seu

erotismo, tudo apresentado caracteristicamente conforme o seu mundo.

A Moda, em Sade, Fourier, Loyola (2005), apresenta-se também através da semiótica:

tudo possui signos (os quais possuem significantes e significados) e funções. Porém, não se

trata da mesma semiótica vista em Sistema da Moda (2009), a qual tem função única de

mostrar como o sistema se desenvolve. Aqui, o importante é sempre mostrar como o

movimento do Sadismo acontece: sua sociedade, sua economia, seu dinheiro, sua educação,

suas vestimentas. O que se identifica entre as duas obras é que ambas têm a língua como

objeto principal: porém, já observamos outra diferença: em Sistema da Moda temos a língua

propriamente dita, falada; e em Sade, Fourier, Loyola temos a criação de uma nova língua,

que vem para fazer a diferença no momento da criação do mundo Sadiano. Então, pode-se

notar uma semelhança com o texto Dandismo e Moda: a diferença é a característica essencial

para a diferenciação entre as classes sociais.

Nessa obra, o tipo de vestuário é misto: a análise se dá tanto em vestuários femininos

como masculinos, o que já estabelece uma semelhança com o Sistema da Moda e uma

diferença com o Dandismo e Moda. Pode-se dizer que o tipo de vestuário é então o vestuário

funcional, ou seja, aquele dotado de signos e funções, aparecendo como figura secundária o

erotismo, característica típica do discurso de Sade, o qual enfatiza o espetáculo do

streaptease: semelhança com o livro Mitologias.

O que a obra traz é então a criação de uma nova língua, a qual vai falar ao seu modo,

da sua sociedade, das suas características e do que aqui nos interessa: das suas vestimentas. A

língua fantasiosa vem para fazer da indumentária um espetáculo, que caracteriza cada

indivíduo de acordo com a indumentária de que dispõe. É a criação de uma nova língua para

falar de Moda, com o intuito de diferenciar as pessoas através dela. A obra foi redigida em

junho de 1971, ou seja, os apontamentos e ideias do autor são então de acordo com essa

época, porém, a época em que a obra foi escrita aqui não interfere no movimento, visto que o

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movimento em questão não é real (é real, mas literário), mas sim um movimento em que a

fantasia o desenvolve.

A história está relacionada à criação de uma nova língua e, consequentemente, à

criação de uma nova Moda: a Moda Sadiana, que tem a imaginação como característica para

fazê-la funcionar.

Sade, Fourier, Loyola

Como se apresenta: Semiologia + movimento (sadismo)

Objeto principal: Língua

Tipo de Vestuário: Misto e funcional (signos e funções)

Figura secundária: Erotismo

O que traz: Criação de nova língua e Moda

Intuito: Diferenciar as pessoas

Época que se refere: Junho de 1971

Cria ou transforma: Cria uma nova língua

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CAPÍTULO IV – “Texto Streaptease” do Livro Mitologias

Semiologia é algo muito presente nas obras de Barthes, e é exatamente de uma análise

semiológica que Barthes trata em seu texto sobre o streaptease no Livro Mitologias. Nessa

obra, ele traz o mito como sendo signo composto, secundário, que provém de uma

significação primeira, a qual possui um significante que busca um significado e o transforma

em um signo. Esse signo passa a ser novamente significado, buscando um novo significante e

transformando-se em mito. É, a partir dessa perspectiva semiológica, que segue a análise no

texto “Streaptease”, que compõe esse livro.

Primeiramente, deve-se entender o conceito de mito, o qual não se trata apenas do

senso comum, que diz que o mito é uma história, um embate, em que cada pessoa pode dar a

sua opinião a respeito, em que cada um pode transformar o seu conceito. O mito a que se

refere aqui é aquele que se apresenta como sistema semiológico. Roland Barthes (2006) diz

que o mito é uma fala, formada por um sistema semiológico segundo, que deriva de um

primeiro, o qual é expresso nos termos de Saussure. O signo é formado por um significante e

um significado, sendo que o primeiro é a imagem acústica e o segundo é o conceito psíquico,

e a soma desses dois elementos desencadeia no signo. A partir desse sistema, resultará um

sistema semiológico segundo, em que o signo transforma-se novamente em significante, o

qual busca outro significado e essa nova união desencadeia no mito. Dessa forma, pode-se

perceber que o sistema mitológico ao qual Barthes se refere implica, no mínimo, a passagem

por dois sistemas semiológicos.

O mito é composto pelo sentido e pela forma, e esses não existem individualmente,

pois a forma possui certa dependência do sentido, e esta conserva o sentido para se alimentar

de sua história, para que, assim, possa manter-se viva, fazendo dele o seu alimento. O sentido

também necessita da forma para ser expresso, e mesmo que a função da forma seja a de

afastar e esvaziar o sentido, na ausência da criação de novos sentidos, a forma terá a reserva

histórica como a garantia de um novo sentido já relacionado a ela, para fazer consultas e

alimentar-se.

É necessário que a cada momento a forma possa reencontrar raízes no sentido e aí se

alimentar; e, sobretudo, é necessário que ela possa se esconder nele. É esse

interessante jogo de esconde-esconde entre sentido e forma que define o mito

(BARTHES, 2006, p.209).

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A forma alimentada produz um conceito e é esse conceito que traz a descrição do mito.

Em Mitologias, o vestuário em questão é aquele utilizado no striptease, em que

Barthes (2006) identifica-o como sendo aquele que dessexualiza a mulher no instante em que

a desnuda. E é nesse momento também que se vê o vestuário como um espetáculo

mistificador (o que não é diferente daquilo que ocorre em Sade, Fourier, Loyola), em que é

possível identificar o lado do erotismo nas vestes citadas (o mesmo ocorrendo nos cenários e

acessórios).

Segundo Barthes (2006), há, portanto, no streaptease, uma série numerosa de

coberturas apostas sobre o corpo da mulher, na medida em que ela finge desnudá-lo. Nesse

momento, o autor novamente elenca as diferentes mulheres e os acessórios que as compõem,

como se cada personagem ali presente necessitasse de determinado cenário ou acessório para

fazer a sua dança dar certo, como se um dependesse do outro para o show acontecer.

Tudo isto tende a constituir desde o início a mulher como um objeto mascarado; a

finalidade do strip-tease deixa de ser então expor em plena luz uma profundidade

secreta, mas sim, graças ao despojamento de vestes barrocas e artificiais, significar a

nudez como uma veste natural da mulher, o que representa a recuperação final de

um estado perfeitamente pudico da carne (BARTHES, 2006, p. 149).

O striptease traz a nudez como algo natural e explicita o uso das vestes: se elas não

compusessem o espetáculo, o striptease de nada valeria, pois o que faz dele um cenário

mágico são exatamente as roupas que, aos poucos, são retiradas do corpo da mulher. Entre

luvas, leques, peles, plumas e meias, o espetáculo acontece e, mesmo após a retirada dos

adornos, a mulher continua em sua virtude mágica: “é evidente que todo strip-tease já está

contido, obrigatoriamente, no vestuário inicial”, afirma Barthes (2005, p. 149).

A dança realizada durante o striptease está longe de se tornar um fator erótico. Ela

aparece para cobrir a nudez da mulher, através dos gestos que ela faz e para trazer doçura à

desenvoltura realizada. Outro fator importante é a experiência da mulher nessa dança: as mais

experientes através de gestos durante a dança são refugiadas na segurança da sua técnica: “seu

conhecimento as veste como um traje”, afirma Barthes (2005, p. 150).

Para o autor, então, quanto maior é a experiência da moça nessa mobilidade, quanto

mais especialista ela é no assunto, menos erotismo há nessa dança e mais natural é o momento

em que a nudez aparece. E quando a moça não tem tanta técnica, a nudez aparece como algo

irreal, trazendo passos desajeitados e até mesmo certo embaraço técnico que nem mesmo as

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plumas e peles podem resolver.

Tem-se então o streaptease caracterizado como mito: ele é o resultado de um sistema

semiológico segundo. Faz-se necessário, então, passar pelo processo de desmistificação, para

entender como esse sistema acontece. Assim, resultará um sistema semiológico: primeiro a

mulher com plumas e peles (significante), a sensualidade (significado), e o signo seria um

espetáculo erótico. Já em um sistema semiológico segundo, o signo volta a ser significante o

qual busca outro significado. O significante seria então um espetáculo erótico, o significado

seria a nudez como veste natural, e o streaptease será como mito. O que aqui se fez foi o

processo de desmistificação do mito streaptease, o qual compõe a sistematização nesta obra.

A obra apresenta o streaptease como um movimento pertencente à semiologia: questão

que traz uma semelhança com o Sistema da Moda e com Sade, Fourier, Loyola, muito embora

o enfoque seja diferente: trata-se do sistema semiológico segundo. O objeto principal é, então,

o streaptease, e o tipo de vestuário é o feminino. A figura secundária é o mito: o movimento

do streaptease vem como elemento mistificador, o qual é também o espetáculo do mito. O

intuito é desmistificar o streaptease. A época a que se refere é à década de 50 e 60 (época em

que a obra foi complementada). É uma Moda que transforma o streaptease como espetáculo

do mito.

Muito embora no livro o objeto principal seja o mito, o que se tem como objeto

principal para o trabalho é o movimento do streaptease, pois a análise é dada pelo âmbito da

Moda: aqui o que interessa é a forma como a Moda se manifesta, o que no caso está

relacionada ao movimento, por isso da escolha do objeto principal ser o streaptease e não o

mito em si.

Mitologias

Como se apresenta: Semiologia + movimento do streaptease

Objeto principal: Streaptease

Tipo de vestuário: Feminino

Figura secundária: Mito

O que traz: Espetáculo do streaptease como mito

Intuito: Desmistificar o streaptease

Época que se refere: Anos 50 e 60

Cria ou transforma: Transforma

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CAPÍTULO V – Comparativo

Diante das análises vistas, tem-se um comparativo mais detalhado, em que o objeto

principal é sempre a Moda, segundo os diferentes olhares de Roland Barthes. O que se

apresentam são diferenças e semelhanças existentes entre as quatro obras do autor; cada obra

traz peculiaridades acerca do assunto.

Em Sistema da Moda (2009), há a moda semiologicamente escrita: a linguagem é o

objeto principal, e há uma sistematização dela para, posteriormente, haver uma sistematização

da Moda. A Moda apresenta-se como um conjunto de signos, que traz um significante e um

significado. Porém, não se trata da semiótica simples, comum, utilizada por Saussure: há nela

novas denominações, as quais acabam se equivalendo dos significados dados por ele: é o

sistema OSV (Objeto, Suporte e Variante). O objeto seria o signo em si, o suporte seria o

significante e a variante seria o significado. É como o sistema da Moda de Barthes apresenta-

se nesta obra, ou seja, de uma maneira diferente, dinâmica, mas não fugindo dos preceitos já

utilizados pelo autor em outras obras, todos estruturados a partir da ciência dos signos de

Saussure.

Então, a semiologia está modificada: tudo isso para criar um novo sistema acerca da

Moda, em que a doutrina é incerta, mas se pode descobrir e explorar o seu sentido. A Moda

em Sistema da Moda, está além da sua imagem física, mas o que aqui interessa é o vestuário-

escrito, ou seja, o livro foi produzido com análises feitas em revistas femininas, em que se

leva em conta o texto por meio do qual a Moda se expressa: a imagem e o real aqui aparecem

somente como ilustração, como contexto para compor o sistema formado pela linguagem. A

Moda é mais forte no momento em que aparece através da língua: para Barthes, o que

realmente traz sentido para o vestuário é a legenda que aparece na revista, é esta que

transformará o vestuário estampado na fotografia em algo démodé ou em algo na Moda. O

que se presume é que a Moda será expressa, diante desta abordagem, somente através das

palavras: a imagem nada falará sem o texto que o acompanhará e ditará a Moda ou não.

Para Barthes, toda e qualquer descrição terá a finalidade de transmitir e manifestar a

Moda; ora, em uma revista de moda o texto jamais irá denegrir a imagem da mesma, a não ser

que seja uma reportagem falando sobre aquilo que se caracteriza como démodé. Mesmo

assim, geralmente quando se depara com esse tipo de reportagem, esta traz o démodé como

sendo tendência do momento: até mesmo o démodé aparece transformado em Moda.

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Nessa abordagem, o signo é a frase inteira, o que não acontece nas demais análises de

Roland Barthes quando este se utiliza da semiótica para expor a Moda. Seu significante e

significado são expressos pelos elementos que compõem a frase: pelo seu suporte e variante.

A abordagem mostrada aqui, para o autor, é a atual. Para ele, a Moda é aquilo que vivemos

hoje. Dessa forma, se as revistas utilizadas por Barthes para a produção desta obra fossem

analisadas, observar-se-ia uma Moda ultrapassada, ou melhor, as indumentárias por ele

citadas nem poderiam mais ser chamadas de Moda.

Outra característica que dificilmente irá surgir nas demais análises que se utilizam da

semiótica para falar de Moda, segundo Barthes, é a ocorrência de dois significados para um

significante, ou a presença de dois significantes para um significado. Geralmente, a semiótica

utiliza-se de um significante, um significado que resultarão em um signo. Caso surja outro

significante, necessitará de outro significado e resultará em um novo signo, o qual é chamado

de Mito: essa é a sistematização que se pode ver em Mitologias.

Diferente do que acontece no Sistema da Moda, o texto “Dandismo e Moda” (2006)

foge da Moda. Não se trata de uma sistematização, mas da apresentação de um movimento

verídico, que ocorreu no final do século XVIII ao início do século XIX. Existe uma diferença

facilmente identificada: enquanto que a primeira obra referia-se a indumentárias masculinas e

femininas, aqui o enfoque é somente para as vestes masculinas. O Dandismo foi então um

movimento relacionado à indumentária masculina, que se caracterizou pela distinção de

classes feitas através das vestimentas. O indivíduo (que aqui não se referia à população em

geral, mas àqueles que participavam do movimento) prezava pela desigualdade, cujo objetivo

era escapar da massa: o oposto da Moda, que atinge a todos igualmente. A característica

primordial era a singularidade, os detalhes surgiam nas vestes para que não fossem imitáveis,

eram contra a uniformização, e a favor da inovação, da criação, da invenção: aquilo que se

criava para distinguir as vestimentas caracterizava o movimento do Dandismo. Por vezes, a

diferença estava na ausência de elementos, porém, tudo aquilo que diferenciasse a

indumentária masculina dos demais trajes caracterizava o Dandismo.

A criatividade talvez seja uma das únicas características que será encontrada aqui

como sinônimo no Dandismo e na Moda, pois o primeiro era alimentado pela criatividade:

estava condenado a inventar e se reinventar o tempo todo para não cair na excentricidade,

porém, as maneiras de se vestir são limitadas e, a partir de um momento, esgotar-se-iam, o

que faria com que a Moda passasse por cima das tendências do movimento. Da mesma

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maneira, a Moda apresenta-se cada vez mais criativa, porém, em série e não em unicidade.

Saiu-se então do luxo e do poder em direção à igualdade e ao trabalho: era o

surgimento da Moda.

A diferença entre Sistema da Moda e “Dandismo e Moda” manifesta-se claramente:

enquanto o primeiro transforma a Moda em um sistema, o segundo cria a sua própria Moda,

mesmo sem admitir que o movimento faça parte da Moda, pois a moda é sinônimo de massa e

consumo, e o consumo é uma atividade que decreta a morte do dandismo. O ajuste, o

equilíbrio da Moda, vinha em contradição ao que o Dandismo prezava, pois se presumia que

em pouco tempo todas as pessoas seriam iguais, devido às vestimentas, e para o dandismo a

vestimenta era distinção de condição social: por isso, prezava pelo detalhe, pela diferença,

pois não queria ser como os demais. Enquanto no Sistema da Moda o objeto principal é o

vestuário-escrito, o objeto principal é o vestuário masculino em sua forma física; o primeiro

traz a sistematização de revistas, objeto que dita a Moda, e aqui o movimento abomina a

Moda. Enquanto o intuito do primeiro é transmitir a Moda, o do segundo é fugir dela.

Já em Sade, Fourier, Loyola (2005) há a imaginação, a excentricidade e a fantasia

como características fundamentais: é através delas que o sistema indumentário desenvolve-se

na sociedade Sadiana, a qual possui uma Moda própria, o que já configura uma diferença com

relação às demais obras. Encontra-se aí uma semelhança com o Sistema da Moda: há a língua

como objeto principal. Aliás, o propósito principal é exatamente a criação de uma nova

língua, para oferecer-se à definição semiológica do texto, o que já configura mais uma

semelhança com o Sistema da Moda, quando se refere à semiologia. O Sadismo tem um novo

enfoque, quando o assunto é a Moda: com o seu mundo profundamente penetrado de palavra,

nele não há nada de real (somente a narração), e essa é mais uma diferença em relação às

outras obras. Elenca-se agora uma semelhança com o Dandismo e Moda: funda uma autarquia

social, para distinguir os indivíduos, ou seja, as pessoas aqui são distinguidas de acordo com

as suas indumentárias. Para Sade, a Moda é importante, diferente do texto de “Dandismo e

Moda”, em que o movimento do Dandismo tinha a característica de fugir da Moda a todo e

qualquer custo. Porém, assemelham-se no momento em que o mundo Sadiano apresenta o

Sadismo: um movimento, uma sociedade, com leis próprias, uma religião, igualmente como

ocorre no movimento do Dandismo.

A semelhança com o livro Mitologias aparece quando Sade cita o streaptease,

inclusive nas suas características: um show com tamanha teatralidade, um episódio cultural,

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um espetáculo composto pelo jogo de roupas. Para Sade, o streaptease acontece a trabalho da

luxúria, o que em Mitologias aparece como sendo algo culturalmente aceito pela sociedade.

Sade refere-se às vestimentas descrevendo-as, e o mesmo ocorre em Mitologias. Cada detalhe

é importante, visto que se trata de um grande espetáculo: plumas, meias, casacos etc. As

roupas são devidamente pensadas especialmente para compô-lo.

Outra semelhança com o Dandismo é a questão de renovar-se, reinventar-se: Sade

preza por essas características, uma vez que a sua sociedade necessita de criatividade, visto

que trabalha com o erotismo praticamente o tempo todo.

Com relação à distinção de classes, Sade diz que é preciso que haja ricos para que,

assim, possa haver os pobres, e vice-e-versa, e esses compõem o espetáculo da desgraça e da

pobreza: é a diferenciação de classes através da indumentária, também presente no

movimento do Dandismo.

O texto “Streaptease”, do livro Mitologias (2009), acaba tendo mais diferenças em

relação aos demais. É um texto mais curto, traz a sensualidade e fala do streaptease, assim

como acontece em Sade, Fourier, Loyola, porém, como se sabe e já foi referido, o erotismo de

Sade acaba sendo um pouco diferente do erotismo que se pode considerar como normal.

Muito embora as características presentes no streapteasede Mitologias sejam praticamente as

mesmas do mundo Sadiano: com plumas, adornos e vestes, todas em virtude da composição

do espetáculo, porém, com intuitos diferentes: enquanto na primeira o importante é o processo

de desmistificação do grande show que é o streaptease, na segunda, o intuito está sempre a

favor do erotismo. Difere do texto “Dandismo e Moda”, pois não se trata de um movimento, e

o dandismo nada traz de sensualidade. E aproxima-se do Sistema da Moda (2005), pois ambos

trazem análises semiológicas acerca da Moda, muito embora cada qual tenha a sua

sistematização mais adequada: em Mitologias em um sistema segundo e em Sistema da Moda

em um sistema primeiro.

Dessa forma, o que se observa é que Roland Barthes estudou a Moda de formas

diversificadas nas obras citadas; porém, em alguns momentos, o autor acaba por trazer

preceitos já utilizados por ele mesmo. Mostrou que é possível estudar o objeto Moda por

diferentes âmbitos, e ter resultados por ora parecidos, e por ora totalmente diferentes. Trouxe

a semiologia, a fantasia, o erotismo e o mundo real para falar da Moda, mostrando que um

mesmo objeto pode por ora representar uma mesma coisa e, por outra, pode ser totalmente

outras coisas muito diferentes.

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Quadro

Comparativo

Sistema da

Moda

Dandismo e

Moda

Sade, Fourier,

Loyola

Streaptease

Como se

apresenta

Sistematização

da Moda

Movimento do

Dandismo

Semiologia +

movimento

(sadismo)

Semiologia +

movimento do

streaptease

Objeto

principal

Linguagem:

semiologia

Vestuário

masculino

Língua Streaptease

Tipo de

vestuário

Vestuário escrito Vestuário

masculino

Misto e

funcional

(signos e

funções)

Vestuário

feminino

Figuras

secundárias

Vestuário-

imagem e

vestuário-real

Moda Erotismo Mito

O que traz Como o

vestuário se

constrói

História do

movimento

Criação de nova

língua e Moda

Espetáculo do

streaptease

como Mito

Intuito Transmitir a

Moda

Escapar da

massa e da

uniformização

Diferenciar as

pessoas

Desmistificar o

streaptease

Época que se

refere

Década de 50 Séculos XVIII e

XIX

Junho 1971 Décadas de 50 e

60

Cria ou

transforma

Transforma a

semiologia a seu

serviço

Cria o

movimento,

transforma a

vestimenta

Cria uma nova

língua

Transforma

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CONCLUSÃO

A Moda em Barthes pode surpreender no que diz respeito à busca de informações e

comparações entre as obras selecionadas: foi possível estabelecer uma conexão entre as obras

escolhidas, relacionando-as com o objeto em questão, a Moda, e buscar as diferenças e

semelhanças que poderiam existir entre elas.

Buscou-se, primeiramente, obras de Roland Barthes que pudessem dar conta de

explicar como seria a Moda para o autor, segundo alguns movimentos, sistematizações e, para

isso, através de um aprofundamento após as leituras, fez-se um quadro comparativo entre as

quatro obras estudadas para saber onde se encontravam essas possíveis diferenças e

semelhanças entre os preceitos estabelecidos pelo autor.

A conclusão é que cada qual se apresenta com as suas particularidades, porém, mesmo

assim, podem trazer semelhanças de início: em Sistema da Moda, a obra apresenta-se através

de uma sistematização da Moda; em “Dandismo e Moda” este vem para apresentar o

movimento em si; em Sade, Fourier, Loyola se vê a semiologia acoplada ao movimento do

Sadismo; e em “Streaptease” também se vê a apresentação através da semiologia mais o

movimento do streaptease. Aqui se encontra a primeira semelhança, e algumas diferenças.

Como objeto principal, o Sistema da Moda traz a linguagem semiológica; o texto

“Dandismo e Moda” traz o vestuário masculino; Sade, Fourier, Loyola traz a língua (o que já

se torna uma semelhança com o Sistema da Moda); e o texto “Streaptease” traz o próprio

streaptease.

Em relação aos tipos de vestuários, cada qual se refere a um tipo. Em Sistema da

Moda o tipo de vestuário é o escrito; em “Dandismo e Moda” é o vestuário masculino; em

Sade, Fourier, Loyola é o vestuário misto e funcional; e em “Steaptease” é o vestuário

feminino que se encontra em questão. Aqui se apontam somente diferenças.

Com relação às figuras secundárias, cada qual possui as suas, todas em diferenças,

pois, como não se trata dos mesmos movimentos e sistematizações, é mais óbvio que elas

existam. Em Sistema da Moda, a figura secundária é o vestuário-imagem e o vestuário-real;

em “Dandismo e Moda” é a própria Moda que aparece como figura secundária (visto a

rejeição do movimento para com o modismo); em Sade, Fourier, Loyola é o erotismo que

aparece; e em “Streaptease” a figura secundária é o Mito.

As diferenças também aparecem no que cada obra traz, ou apresenta: em Sistema da

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Moda a obra traz a história de como o vestuário constrói-se semiologicamente; em “Dandismo

e Moda” o que se vê é a história do movimento; em Sade, Fourier, Loyola têm-se a criação de

uma nova língua, e, através dela, a criação de uma nova moda e um movimento (Sadismo); e,

por fim, em “Streaptease” temos o espetáculo do streaptease como Mito. A primeira e última

obra possuem as suas semelhanças: a semiologia como composição do desenvolvimento da

Moda. Já a segunda e a terceira possuem as suas semelhanças no que diz respeito aos

movimentos: Dandismo e Sadismo. A terceira e a quarta carregam a semelhança do espetáculo

do streaptease.

Cada qual com seu intuito, o Sistema da Moda veio para transmitir a Moda; já o

“Dandismo e Moda” veio expressar outra coisa, seu intuito era fugir da Moda, fugir da massa

e escapar da uniformização; em Sade, Fourier, Loyola o intuito maior era diferenciar as

pessoas, o que de certa forma também era preceito do movimento do Dandismo (movimento

que prezava pela diferença na vestimenta, pelo ser diferente); e em “Streaptease” o intuito se

difere dos demais, em que o importante era a desmistificação do movimento em si.

A diferença também existe na época em que cada obra se refere: Sistema da Moda

refere-se à década de 50; “Dandismo e Moda” refere-se aos séculos XVIII e XIX; Sade,

Fourier, Loyola refere-se à época em que foi escrito, em junho de 1971; e “Streaptease”

refere-se às décadas de 50 e 60.

Existem semelhanças com relação à criação e transformação da Moda. O Sistema da

Moda transforma a semiologia a seu serviço. Da mesma forma, acontece com o texto

“Streaptease”, que transforma as vestimentas como sendo parte fundamental do seu

espetáculo. Já em Sade, Fourier, Loyola existe a criação de uma nova língua e de um novo

movimento. Por fim, em “Dandismo e Moda” tem-se a criação do movimento e a

transformação da vestimenta: aqui se tem diferenças e semelhanças com as demais obras.

Categoricamente, o que se pode ver é que as diferenças são maiores do que as

semelhanças, porém, em suas peculiaridades, no decorrer da sua sistematização, as

semelhanças são muitas e é possível sim identificá-las. O que aqui fica claro é que, para

Barthes, isso é tão notável que se, caso essas diferenças não existissem, não seria necessário

escrever diversas obras sobre o mesmo objeto, a Moda, trazendo enfoques diferentes. Porém,

como se trata do mesmo autor é importante mostrar que algumas características são mantidas.

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7 REFERÊNCIAS

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. São Paulo: Cultrix, 2012.

______. Inéditos vol. 3 – Imagem e Moda. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

______. Mitologias. Rio de Janeiro: Difel, 2006.

______. Sade, Fourier, Loyola. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

______. Sistema da Moda. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

CULT. Disponível em: <http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/perverso-e-delicado/>

Acesso em Julho de 2014.

E. DICIONÁRIOS DE TERMOS LITERÁRIOS. Disponível em:

http://edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id703&Itemid=2

Acesso em Julho de 2014.

FEIL, Gabriel (2009), “Dandismo”, in Julio Aquino e Sandra Corazza (orgs.), Abecedário:

Educação da diferença. Campinas: Papirus, 49-53.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

WIKIPÉDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Logoteta> Acesso em Julho de

2014.