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Caro leitor, pare de ler isto, agora. Livre-se desta obra. Antes fosse, mas não é nenhuma piada. E, se fosse mesmo uma, seria de muito mal gosto. Por favor, entenda, eu não sou o responsável por isso. Pode parecer loucura, mas é verdadeiro e é real, você acreditando em mim ou não. Eu estou preso aqui. Isso não é um conto ou história qualquer para se passar o tempo. Aqui é outro mundo, outro lugar além de sua compreensão e, pelo que parece, sem saída. A autora desta obra diz que sou o personagem perfeito que faltava em sua criação. Ela diz muitas coisas – algumas até sem nexo algum. Inclusive, eu não devia estar quebrando barreiras para avisar-lhe de que não deve continuar. Não vire a página, por favor. Mesmo em atos ingênuos, sofremos consequências irreparáveis e este é o meu caso. Não prossiga, não duvide, não desafie. Este é o tipo de obra que deve ficar longe do alcance de crianças e de qualquer ser existente neste e em outros planetas. Então, por favor, guarde este livro em um lugar seguro sem que ninguém e nem você mesmo possa alcançar. Não o destrua, eu imploro. Isso seria horrível. Apenas o guarde em um lugar isolado, sem que ninguém mexa. Faça isso antes que seja tarde para você, também.

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Caro leitor, pare de ler isto, agora.

Livre-se desta obra. Antes fosse, mas não é

nenhuma piada. E, se fosse mesmo uma, seria de

muito mal gosto. Por favor, entenda, eu não sou o

responsável por isso. Pode parecer loucura, mas é

verdadeiro e é real, você acreditando em mim ou

não. Eu estou preso aqui. Isso não é um conto ou

história qualquer para se passar o tempo. Aqui é

outro mundo, outro lugar além de sua compreensão

e, pelo que parece, sem saída. A autora desta obra

diz que sou o personagem perfeito que faltava em

sua criação. Ela diz muitas coisas – algumas até sem

nexo algum. Inclusive, eu não devia estar quebrando

barreiras para avisar-lhe de que não deve continuar.

Não vire a página, por favor. Mesmo em atos

ingênuos, sofremos consequências irreparáveis e

este é o meu caso. Não prossiga, não duvide, não

desafie. Este é o tipo de obra que deve ficar longe do

alcance de crianças e de qualquer ser existente neste

e em outros planetas.

Então, por favor, guarde este livro em um

lugar seguro sem que ninguém e nem você mesmo

possa alcançar. Não o destrua, eu imploro. Isso seria

horrível. Apenas o guarde em um lugar isolado, sem

que ninguém mexa. Faça isso antes que seja tarde

para você, também.

*Agradecimentos especiais ao George Cambeiro

pelas fotografias recortadas e montadas para as

ilustrações desta obra*

CAPÍTULO 1: “Jardim de Filhotes”

Caminhava, andava, peregrinava e não

chegava a lugar algum. Uma longa e cansativa trilha

de terra por entre um campo florido, colorido e bem

tratado. Eram de verdade, mas o material parecia

plástico e elas também brilhavam belissimamente

naquela escuridão azulada de um céu estrelado. Era

tudo, como poderia dizer, “fantasioso e fabricado”.

Uma mistura de algo místico com artificial, uma coisa

natural e falsa, ao mesmo tempo. Quanto ao céu, de

vista admirável, também haviam estrelas cadentes

seguindo para vários lados diferentes. Entre tantas

luzes reluzentes riscando o céu, voou um corvo para

além da direção que eu seguia.

Poderia dizer que estava sonhando. Não

costumo ter sonhos lúcidos, então, não pensei nessa

hipótese na hora. Eu apenas estava ali. Não me

recordo do que aconteceu. Na verdade, eu só lembro

de ter-me mudado para uma nova casa e ter

encontrado um livro abandonado neste lugar. O

título era: “Devaneios de Pesadelo”. Comecei a

folhear algumas páginas só para saber melhor do que

se tratava. A julgar pela capa, que continha uma

grande árvore roxa de folhas coloridas e estranhos

casulos brancos, parecia tratar-se de um livro de

contos de fada ou, simplesmente, fantasia. O antigo

dono o esqueceu na casa? Eu estava tão cansado

com o dia corrido da mudança que só o fiz guardá-lo

comigo e fui dormir. Desde então, me encontrei

neste estranho sonho. E, andando por aquela trilha

sem motivo algum, também desconhecia meu

destino.

Não sei dizer se já estava ali antes ou se

apareceu um tempo depois feito uma ilusão.

Confesso que não tinha prestado tanta atenção,

embora eu ache que, sim, já estava ali. Uma humilde

casa de madeira de colorização roxa. Dois andares.

Não havia mais nada por perto a não ser aquela casa.

O corvo que citei antes, inclusive, pousou em uma

das laterais do telhado e, ali, ficou, quase como se

estivesse me guiando até lá e esperando por mim. De

qualquer forma, decidi pedir por informações. Uma

senhorinha corcunda vestida de vermelho atendeu-

-me na porta após algumas batidas.

- Pois não, estranho?

- Com licença, mas é que estou um pouco perdido.

Poderia me dar alguma informação, por favor?

- Você é humano?

- Sim...? – Não compreendi a pergunta.

- Oh, claro. Mas antes, não gostaria de entrar? – Ela

abriu mais a porta para que eu pudesse passar.

- Não, senhora. Eu só...

- Será um longo caminho e já está tarde. – Ela me

interrompeu. – E, além disso, também está frio. Eu

vou preparar um chá quente!

Mais uma vez, eu recusei. Não queria

incomodar ninguém. Ela insistiu de novo e, só por

educação, resolvi deixar-me ser bem-vindo àquela

casa. Era bem enfeitada e, graças à luz das velas,

tudo ali ganhara um tom alaranjado-dourado.

A simpática senhora me trouxe um cobertor,

convidou-me para sentar à mesa de sua sala de estar

e adentrou à cozinha de sua casa. Perguntei se

precisava de ajuda e ela recusou. Dali da sala, eu

podia ouvi-la cantarolar músicas de vogais soltas que

não faziam sentido algum. Ela parecia bastante feliz e

satisfeita com a vida que levava naquela casa...

Isolada. Raios, eu só queria saber onde estava, para

onde iria e como fui parar em meio àquelas flores

estranhas e chamativas.

Não sou de procurar saber da vida dos outros,

mas enquanto esperava o chá – ou, melhor dizendo,

alguma informação, como era meu plano desde o

início –, estranhei que não haviam quaisquer quadros

de família em nenhum lugar. Nem nas paredes, nem

em prateleiras ou estantes. Nada. O que você mais

encontra na casa de uma senhora de idade são

retratos dos pais, marido, filhos, netos e, também, de

si mesma quando mais jovem. Fotografias cinzas ou

meio amareladas, sempre há. Não era o caso ali.

Realmente, não havia nada que indicasse que ela

tinha uma família.

Isso me fez um pouco triste. Me fez lembrar

também de minha família que, até então, eu não

tinha. Minha mãe faleceu há alguns meses atrás

devido a uma doença e eu nunca conheci meu pai.

Mamãe dizia que ele tinha viajado em uma

importante missão militar e nunca mais voltou.

Sequer respondeu nossas cartas. Não tinha irmãos e

meus tios e primos eram muito distantes. Além disso,

mamãe nunca foi de falar muito sobre sua família,

então, eu também não conheci ninguém. Daí, eu me

perguntei se, idoso, também moraria sozinho em

uma casa sem retrato algum...

A não ser o de minha mãe.

- Aqui está, meu jovem. – Voltando da cozinha, ela

ofereceu-me uma xícara de chá.

- Obrigado, senhora. Eu realmente não quero causar

nenhum incômodo...

- Deixe disso. Eu adoro receber visitas!

- Eu só estou perdido, mesmo. Esse lugar é um pouco

excêntrico, não?

- Como assim?

- Não falo de sua casa. Ela é bonita e agradável. Estou

falando do céu, das flores lá fora... Parece algo tão

irreal.

- Oh, pobrezinho. Deve estar adoecendo, também...

Mesmo curioso, resolvi me aquietar antes que

ela pensasse que eu era algum bêbado maluco e me

expulsasse de sua casa sem dar informação alguma.

- Apenas sabe me dizer onde estou?

- Bom, você está em minha casa, em meu jardim de

flores biônicas.

- Aquelas flores são suas?

- Elas já estavam aqui antes mesmo de mim e de

minha casa. E eu te aconselho a ignorar a estradinha

de terra e virar para o leste. Lá, você encontrará uma

pequena aldeia que te guiará melhor mais para

frente.

- Certo. Obrigado.

- Não vai beber seu chá, querido? Vai esfriar!

Eu estava tão confuso sobre onde estava e

para onde iria que eu acabei me esquecendo do chá

preparado com tanto amor e carinho por aquela

senhora acolhedora. Confesso, não me senti muito

instigado a beber o chá no momento, mas o fiz

mesmo assim só pela educação. Até porque, não me

faria mal. Certo? Errado.

A este ponto, eu estava mais perdido e

atordoado que antes. Só me lembro de ter bebido

uns cinco ou seis goles e de ter apagado de repente.

Eis que despertei sentindo um aperto nos braços e

nas pernas enquanto uma voz infantil, que soava

vinda do meu lado, pedia-me para acordar de uma

vez. Eu levei um susto. Estava amarrado dentro de

um caldeirão que fervia ao fogo, pouco a pouco. A

pobre criança ao meu lado, também amarrada,

estava se afogando com o caldo.

- Fique quieto, filhote de árvore! – Exclamou a

velhinha enquanto derramava um tipo de erva

alimentícia ao caldeirão.

- O que é isso? – Eu tentei, em vão, levantar. – O que

está acontecendo!?

- Você é muito bobo de confiar em estranhos,

rapazinho. Você e esse filhote me darão um ótimo

jantar por eras!

Àquele ponto, finalmente, eu tinha entendido

o porquê dela não ter uma família. Ou ela devorou

todo mundo, ou queriam-na longe deles! Tentei me

levantar mais uma vez e voltei a escorregar. Foi difícil

agir quando meus braços e pernas estavam

amarrados em meio à um caldeirão que, logo, logo,

ferveria feito o inferno.

Ela colocou mais alguns ingredientes

estranhos – alguns até nojentos, como pele pútrida

de algum animal que eu desconhecia a espécie –,

fechou o caldeirão com uma pesada tampa de ferro e

foi aí que meu desespero aumentou. A criança, que

tentava manter-se com o nariz e boca o mais

emergido possível, gritava por ajuda.

Não sabia qual era a da velha canibal, mas

parado eu não pude ficar. Tratei logo de me sacudir

ali dentro, de um lado para o outro, até tomar

controle da força daquele caldo que nos cercava e,

em certo momento, consegui derrubar o caldeirão ao

chão no impulso! Sua tampa caiu e eu logo saí de lá

de dentro, rastejando-me. Não demorou muito para

a desgraçada voltar para a cozinha e ter se deparado

com a bagunça que fiz. Ela começou a me chutar com

força. Mesmo recebendo os golpes na barriga, o que

realmente me impressionou naquele momento

foram suas pernas por baixo do vestido vermelho.

Ela tinha oito pernas aracnídeas.

- Bem que dizem que não é fácil cozinhar um humano

adulto e vivo, mesmo amarrado! – Quanto mais ela

me chutava, mais eu rolava prestes a encostar no

fogo ao lado do caldeirão caído. – Ah, que seja. Você

pode morrer. A carne fresca e macia do filhote

compensará!

É preciso pensar rápido numa situação dessas.

Confesso, nunca foi meu forte. Eu sou do tipo que é

necessário passar por uma situação à risca para

encará-la. Rolei no chão perto do fogo o suficiente

para queimar parte da corda e libertei-me. Ainda

queimei um pouco meus braços, mas nada tão grave.

E, como eu não podia desamarrar com minhas

próprias mãos a corda que tanto apertava minhas

pernas – pois estava ocupado demais tentando

segurar os chutes daquela aberração –, tive que usar

a mesma tática do fogo.

Sucesso! Eu estava liberto. Pude me levantar

e, finalmente, ter uma briga justa contra aquele

monstro. Diga-se “justa”, entre aspas, pois eu sou um

jovem adulto contra uma senhora de idade metade

aranha que tentou me cozinhar vivo e, ainda assim,

ela parecia mais forte que eu. Era uma força sobre-

-humana. Não conseguia sequer empurrá-la para

trás, mesmo eu tentando tudo de mim.

Nossa briga por medir forças só não seguiu

adiante graças a um grande lobo de pelagem negra

que invadiu o lugar ao quebrar uma das janelas. Nos

afastamos um do outro preocupados cada um com

sua própria vida e, assim, o lobo feroz que rosnava

faminto teve que escolher um de nós dois para

atacar primeiro. Por sorte a minha – e azar da velha

–, ele a preferiu e começou a cercá-la naquele

pequeno espaço. Tempo o suficiente para que eu

pudesse fugir dali sem virar janta de nenhum dos

dois.

- Moço, me ajuda! Por favor!

Não pude deixar a criança amarrada para trás,

também. Peguei-a em meu colo e corri o máximo que

pude para longe daquela casa isolada. Corri o quão

longe pude alcançar até olhar para trás e não

enxergar mais aquela maldita casa roxa. Também

não ouvi mais os gritos de ajuda da senhora e nem

mesmo os rosnados agressivos do lobo que surgiu

repentinamente e que, por acaso, foi o que me

salvou. Pude sossegar um pouco em meio a altas e

belas árvores para poder desamarrar com calma a

pequena criança que fugira junto comigo.

- Muito obrigado, moço. Você salvou minha vida!

- Não foi nada. Afinal, eu também iria virar sopa... Eu

acho. – E libertei a criança das cordas apertadas.

- Muito obrigado, mesmo! Se não fosse por você, ela

ia me cozinhar igual fez com meus irmãos. – Aquele

corpo miúdo inclinou-se diante de mim como uma

saudação oriental. – Como eu posso retribuir?

- Não precisa disso. Se bem que... Você sabe me dizer

onde estou?

- Você não é daqui?

- Não.

- De onde você é?

- Eu não sei explicar muito bem. Eu mudei de casa e...

A paisagem ao meu redor me interrompeu, calou-me

e me fez ficar perplexo.

As árvores ao nosso redor. Eu já as tinha visto

antes, em algum lugar. Árvores grandes, formosas e

de coloração roxa. As folhas seguiam as cores do

arco-íris. Enormes e gosmentos casulos permaneciam

dependurados em alguns galhos e poucos estavam

caídos no chão, já murchos. O que quer que

houvesse dentro deles, já tinha ido embora. E uma

sensação ruim veio-me à tona...

Onde mais eu havia visto aquelas árvores tão

excêntricas? A capa do livro que parei para analisar

eram aquelas árvores! As folhas coloridas, os

casulos... Não teria como aquilo ser possível, eu não

uso nenhum tipo de droga e nem bebo nenhum tipo

de álcool. Naquela hora, demorou para a ficha cair,

mas era real: Inexplicavelmente, eu estava dentro do

livro.

- Moço, você tá bem? – A criança cutucou-me na

perna.

- Eu... O quê? – Eu realmente fiquei incrédulo,

cheguei até a gaguejar. – Eu estou dentro do livro?

Como!? Árvores tem caule marrom e folhas verdes,

certo? E aquela senhora tinha... Oito pernas

aracnídeas?? E o que é você!?

Afinal, a criança que estava diante de mim era

outra coisa estranha. Poderia dizer que estava

fantasiada para alguma festa, mas não. Eu sequer sei

dizer se era uma menina ou menino. De qualquer

forma, durante a narração inteira, irei citá-lo no

feminino – afinal, não existe “o criança”.

- Você não sabe? Eu sou que nem eles ali, ó! – A

criança apontou para os casulos presos aos galhos. –

Quando a casca cai, nós saímos de dentro delas. E,

quando ficamos velhinhos até dormir, a terra nos

absorve e nos transforma nessas árvores grandonas!

Fiquei perplexo e sem reação alguma. Acho

que nunca havia me sentido tão abobado assim em

toda a minha vida. Sim, eu estava dentro do livro. O

que aconteceu para resultar nisso? Não sei. Aquilo

não fazia o menor sentido. Nada ali fazia sentido.

Tive uma crise existencial ao mesmo tempo em que

pensava no que estava acontecendo. Eu fiquei

desesperado! “Se estou dentro do livro, como

voltarei?”, me perguntei dezenas de vezes. Notei a

criança olhando-me preocupada como se eu fosse

algum maluco. Procurei me acalmar. Respirar fundo,

contar até dez e respirar fundo de novo é uma tática

que funciona, ao menos, comigo.

- Certo. Vamos por partes. Primeiro: Qual o seu

nome?

- Noah. – Respondeu-me aquela “criança flor”.

- Belo nome. Me chamo Gabrielli, prazer. Segundo:

Eu estou dentro de um livro. Correto?

- É? – Noah olhou-me confusa.

- Terceiro: Como saio daqui?

- Eu não entendi direito o que você quer. Mas

podemos pedir ajuda à Pesadelo!

- Pesadelo? Isso é o nome de alguém?

- Ela é muito poderosa e com certeza pode te ajudar.

Ela muda tudo! Ela pode fazer e desfazer qualquer

coisa de qualquer jeito! Ela não é legal?

- Entendo. É uma espécie de bruxa, entidade ou algo

assim...

- Eu queria ser que nem ela pra poder mostrar à

essas aranhas quem é que manda!

Depois do que aconteceu, não dei tanta

confiança ao caminho indicado por aquele monstro.

No entanto, ironicamente, eu já estava ali. Estava

fora da estrada de terra e em meio a árvores

surreais, a capa do livro. Talvez... Eu tivesse que

seguir com a história para poder sair? Eu também

temi acabar preso para sempre nessa mesma

possibilidade. Bom, se essa tal “Pesadelo” podia me

ajudar, então, minha preocupação naquele momento

era procurá-la o mais rápido possível. Eu esperava

que, se fosse um sonho estranho, que eu despertasse

logo. Para minha infelicidade, não era um sonho.

- Gabrielli...

- Sim?

- Onde você vai?

- Procurar por essa Pesadelo.

- Eu posso ir com você?

Não vi porquê não.

CAPÍTULO 2: “Deserto das Lamúrias”

Não sabia como o dia funcionava no mundo do

livro. Aquela noite perdurou como se não acabasse

mais. O céu continuou azul e constelado, também,

com estrelas cadentes a irem para lá e para cá. Era

uma bela visão. Mas, para quem estava,

supostamente, preso em um livro sem saber se

poderia voltar para casa ou não, aquilo também foi

inquietante. Se eu ficasse preso para sempre, teria

que me acostumar a viver dentro dele. Bom, eu

escapei de ser cozido vivo por uma criatura bizarra,

certo? Talvez não fosse tão difícil. Eu queria, mais

que tudo, sair deste mundo para ficar em paz na

minha nova casa. Quanto ao livro, será que Noah e

todo este lugar deixariam de existir? Não gostei da

ideia de ser a razão para um apocalipse. Talvez eu

apenas o guardasse em um lugar muito bem isolado

e nunca na minha vida ousaria chegar perto dele de

novo. Sequer olharia para ele.

Nossa caminhada resultou em uma desolada

aldeia fantasma. As pequenas e humildes casas,

todas caindo aos pedaços. Duvido que ali houvesse

alguém vivo. Talvez, um mendigo ou sem teto. Afinal,

mesmo correndo o risco de ficar soterrado com os

destroços do próprio abrigo, é melhor do que estar

em meio ao nada com frio e sem proteção alguma.

Francamente, eu não sei. E, naquele momento que

pensei sobre isso, eu estava tão perdido que nada

mais fazia sentido em meus pensamentos. Eu só

queria voltar para casa e fim. Não queria me tornar

um mendigo, sem teto ou, ainda, um peregrino neste

mundo ilógico e fora da minha compreensão.

- Estamos indo no caminho certo? – Perguntei,

perdido.

- Eu não sei. – Respondeu-me Noah. – Eu só tô te

seguindo.

- Isso está errado. Eu pensei que você estivesse me

levando até a Pesadelo...

- Mas eu não sei o caminho! Como faria isso?

- Tudo bem. Sem problemas, eu acho. – Suspirei

fundo, desmotivado. – Vamos apenas continuar

procurando...

Mais adiante, encontramos alguns pontinhos

luminosos em meio à escuridão azulada da noite,

próximos do chão. As luzes provinham de um

pequeno e fino caule de árvore. Quando parei para

analisar melhor, ele possuía uma porta e janelas.

“E agora, gnomos e fadas?”, pensei na hora, confuso

com o surrealismo abstrato do mundo deste livro.

Quando Noah se abaixou para olhar melhor –

afirmando que achou a árvore “fofa” –, uma pequena

criaturinha, de corpo semelhante ao de uma mulher

humana, saiu dali de dentro. O ser possuía feições

lamentáveis, como quem estivesse frequentemente

assustada e aterrorizada com algo.

- Quem são vocês?? – Perguntou-nos, aos berros. – O

que querem aqui!?

- Calma! Nós não viemos fazer mal. – Tentei explicar.

– Nós apenas...

- Vão embora e nos deixem em paz, miseráveis!

- Rep, tenha calma! – Outro deles saiu da árvore para

conter a ira de sua amiga. – Quem sabe, eles sejam

nossos amigos?

- Não me venha com essa, Neg!

- O que está acontecendo? – Outro saiu. – Quem são

eles?? São perigosos!?

- Poxa vida. – E outro. – Não se pode nem mais

procrastinar em paz por aqui?

- Boa noite, todo mundo! – E mais uma. – O céu está

lindo hoje, não acham?

Eram cinco deles! Cada um com seu próprio

jeito de brigar – ou apartar a briga. Eram tantas vozes

mínimas que eu nem pude acompanhar a discussão

muito bem. Houve até agressão por parte da

pequena mulher que gritou conosco! Deu um belo de

um empurrão em um deles que, coitado, recuou feito

um covarde e se escondeu atrás de outro, trêmulo de

medo, enquanto a menor de todos sorria com certo

acanho. Me agachei para contê-los.

- Ei, ei, parem de brigar! – Chamei a atenção deles. –

Pra que tudo isso?

- Liga não. – Respondeu o mais cabisbaixo de todos. –

É assim todo dia...

- Vocês são tão bonitinhos! – Comentou Noah,

também agachada. – Quem são vocês?

- Nós somos os minimidos e eu me chamo Leg.

Prazer! – Apresentou-se a mais contente.

- Eu sou Neg. – Apresentou-se com postura.

- Eu sou Dep. – Apresentou-se o mais deprimido.

- E-eu sou Rej! – Apresentou-se o mais medroso.

- Eu sou Rep! – Apresentou-se a mais raivosa.

Confesso que levei bastante tempo para

decorar o nome de cada um. Os nomes eram muito

parecidos, ficava difícil olhar para cada um deles e

saber quem se chamava quem. Apesar das

personalidades serem totalmente distintas, dava

para se confundir facilmente – ainda bem que eram

só cinco. Se fossem uns dez ou quinze, eu já teria

enlouquecido...

- E vocês, estranhos? Quem são e por que nos

perturbam!? – Perguntou-nos Rep, grosseira.

- Eu sou Noah!

- Eu sou Gabrielli, prazer. E, bem, nós estamos

procurando por Pesadelo.

- Pesadelo!? – Rej arrepiou-se. – Ah, não!

O homenzinho medroso entrou em desespero

e escondeu-se atrás de Neg, trêmulo e pálido, tal

como se tivesse visto um fantasma. Imagino eu que

ele temia tudo – literalmente, tudo –, até mesmo a

própria sombra ou reflexo no espelho.

- Qual o problema? – Perguntei.

- Bem, até onde sabemos, ela é onisciente e

onipresente. – Explicou Neg. – É por isso que o Rej

tem tanto medo dela.

- Ela é tão poderosa assim? – Até eu estava

começando a temê-la, também.

- De qualquer forma, fisicamente falando, ela se

encontra em algum lugar. Só não sabemos onde...

- Eu já estava procurando-a, mesmo... Onde estamos

no momento?

- Vocês estão em nosso Deserto das Lamúrias! –

Respondeu Leg, gentilmente.

- E nós estávamos quase dormindo, até vocês

chegarem! – Reclamou Rep.

- E eu estava quase me matando. – Resmungou Dep.

- Cala a boca, seu suicida idiota!

- Pessoal, menos! – Leg pediu a atenção de todos. –

Eles só estão perdidos. São gigantes do bem e

precisam da nossa ajuda!

- E, se ajudarmos eles, eles também poderão nos

ajudar. – Concluiu Neg. – Correto?

- Do que vocês precisam?

Após minha dúvida – que não foi respondida

de imediato –, todos os cinco minimidos se

acanharam, cada um ao seu modo e personalidade.

Olharam para os lados, apreensivos e cuidadosos,

como se não quisessem chamar muita atenção.

Olhei, também, esperando que algo acontecesse.

“Não tô vendo nada”, comentou Noah, curiosa.

Aquele silêncio mórbido e constrangedor durou por

alguns segundos até que, enfim, Rej se desesperou e

correu até mim, ajoelhando-se diante de minha

pessoa – para ele, enorme – como se eu fosse

alguma divindade. Ele até debruçou-se em meu

sapato quando, na verdade, parecia querer me

segurar pela gola da roupa.

- Por favor, senhor gigante, leve-me embora daqui!

Eu não aguento mais esse lugar! Quanto mais eu fico

aqui, mais eu sinto que ele vai me envenenar e

devorar meus sonhos!

- Espera, do que está falando? – Perguntei, confuso.

- Não sabe do Eckraneon? Ele é um monstro que

envenena partes do corpo com seu olhar e absorve

sonhos. – Respondeu-me Dep. – Para nosso azar, ele

se estabeleceu aqui.

Caro leitor: Entenda “veneno” como uma

espécie de tumor e “sonho” como “sanidade”. Ou

seja: O azarado que estivesse doente, à medida que

se aproximasse da morte, enlouqueceria, esvaindo

cada vez mais sua sanidade da mente ao estômago

de tal monstro que o prejudicara. Acredite, eu

demorei muito para entender que era isso que os

minimidos queriam me dizer naquele momento.

Como você já deve ter percebido, este é um mundo

fantástico, estranho e surreal. Para ser sincero, há

coisas até hoje que não consigo compreender. Então,

vamos apenas voltar para a história. É disso que um

livro precisa, e não de desabafos melancólicos de

quem gostaria de ter sua pacata vida de volta.

- Ele é grande. Bem maior que vocês dois juntos! –

Completou Leg enquanto estendia suas

pequeníssimas mãos para os lados.

- Aquele desgraçado acabou com toda a nossa

floresta e família! – Prosseguiu Rep. – Eu o odeio,

muito!

- E temos medo de sair daqui por sermos muito

pequenos em comparação à ele. Aquela criatura iria

acabar nos vendo e nos matando, sem pensar duas

vezes, assim como fez com os outros que tentaram

fugir. – Completou Neg. – Vocês são grandes e

correm mais rápido. Podem nos tirar daqui, não

podem?

- Bem, eu suponho que sim... – Fiquei em dúvida. –

Mas agora?

- AGORA!

Todos os cinco correram até mim e

começaram a escalar minhas pernas. Senti-los

agarrarem em minha roupa e subirem por meu corpo

me deu uma leve sensação de cócegas e nervoso.

Eles se acomodaram em bolsos da minha calça,

ombros e até na cabeça!

- Esperem, assim não dá! – Eu realmente me

incomodei com todos eles amontoados em mim. –

Pra onde querem que eu vá?

- Pra qualquer lugar! – Respondeu Neg. – Desde que

seja bem longe daqui!

- E rápido! – Exclamou Rep. – Antes que aquele bicho

feio venha!

De repente, um barulho estranho,

desconhecido e agudo como uma flauta –

assemelhando-se mais ao som que provém de

baleias – ressoou por todo o local deserto. O som,

cada vez mais, aproximava-se de onde estávamos. Eu

descobriria, em instantes, que aquele era o som da

morte.

- É ele! – Gritou Rej, apavorado. – Corram!

“Ele é grande. Bem maior que vocês dois

juntos”. Leg tinha razão. Por volta de três metros de

altura, mais ou menos. Não precisava de asas para

poder voar. Presas e olhos aracnídeos. Chifres de

touro. Tromba semelhante ao de um elefante, cuja

pele era escamosa. Corpo comprido e bem articulado

como o de uma cobra, com alguns ossos para fora

das costas – pareciam costelas. Suas patas eram

numerosos braços humanos com afiadíssimas garras

em cada dedo. Sua nojenta baba esverdeada, ao cair

no chão, desintegrava a terra tal como se fosse ácido

sulfúrico. Intimidador, aterrorizante, combustível

para pesadelos. Não me lembro de já ter visto algo

como aquilo antes, mesmo em filmes de ficção. Ver

aquela aberração vindo em minha direção, gritando

ao som de uma baleia, me deixou perplexo por

milésimos de segundos. Com todos os minimidos

gritando pelo meu corpo, apanhei Noah – que estava

tão paralisada quanto eu – em meus braços e corri

como nunca. As minúsculas criaturinhas imploravam

para que não encarássemos o Eckraneon olho-a-olho,

ou iríamos nos envenenar. Eu também não podia

parar de correr. Afinal, se não fosse para ser

envenenado, eu poderia morrer de diferentes formas

possíveis graças à força daquele monstro contra meu

mero corpo humano. Eu me transformaria em

pedaços de carne em instantes.

Não sabia onde estava e, muito menos, para

onde iria. Eu apenas corri. Corri sem rumo,

esperando que aquela criatura grotesca se cansasse

de nós. Sequer conseguíamos nos esconder atrás das

poucas árvores que haviam ao redor, pois o

gigantesco ser vinha e destruía tudo com facilidade.

Nós apenas continuamos a fugir. A nossa sorte é que

aquela coisa não voava e nem corria tão rápido como

imaginei que fosse – talvez ele fosse veloz demais na

perspectiva dos minimidos, e por isso tinham tanto

medo de sair do Deserto das Lamúrias usando suas

pequeníssimas pernas para correr. Imagino quantos

já morreram ao tentar fazer isso.

Carreguei Noah firmemente em meu colo

durante toda a correria. Em meio a isso, devido ao

pânico e instinto de sobrevivência, quase tropecei

algumas vezes em meus próprios passos. No céu

estrelado, sem parar de me seguir, o Eckraneon se

preparava para me atacar assim que me alcançasse.

Eu pude ver, por milésimos de segundos, um

pequeno vulto negro jogar-se contra o que seria a

boca do ser. Ele pareceu ter se engasgado, além de

retorcer-se como se estivesse sofrendo com alguma

convulsão. De lá de cima, ele caiu e fez um barulho

estrondoso no impacto, levantando uma alta fumaça

de terra ao seu redor. Ainda estava vivo! E

continuava se retorcendo. O vulto negro, ou o que

quer que tivesse ido parar dentro dele, movia-se de

um lado para o outro, sem pausa. Sei disto pois pude

perceber pequenas ondulações manifestarem-se por

seu corpo, como um feto chutando a barriga de sua

mãe. Naquele caso, era bem mais violento, intenso e

doloroso. O que era o vulto? Em breve, eu

descobriria.

Apenas agradeci pela sorte e voltei a correr,

carregando Noah comigo nos braços. Corri para

muito longe, tão longe que algumas árvores

começaram a aparecer aos poucos. Cheguei a um

ponto que me cansei de correr, me ajoelhei na terra

fofa e úmida e coloquei Noah de pé no chão – ela

estava chorando, assustada. Os minimidos, cada um

ao seu ritmo, desceram meu corpo e se encontraram

no solo. Parecia começar a amanhecer. Uma cor

amarela tomava conta do azul da noite e, mesmo

assim, ainda era possível enxergar algumas estrelas.

Eis o brilho do dourado celeste.

- Estou exausto. Mal sinto minhas pernas. – Suspirei,

ofegante e cansado. – Noah, por favor, não chore...

- Desculpa. – Ela limpava suas lágrimas. – Eu fiquei

com tanto medo!

- Eu sei. Eu também. Mas está tudo bem agora,

então, fique calma...

- Ei, o que é isso?

Rej apontou para o peito da criança. Havia

uma pequena e estranha mancha acinzentada ali.

Vinha de dentro, por baixo da pele. Ainda assim, eu

tentei limpar, como se fosse uma sujeira de nada,

mas não era.

- Que isso? – Ela perguntou, confusa.

- Isso significa que seu coração está envenenado. –

Respondeu Dep.

- Envenenado!? – Fiquei tenso.

- Você encarou o Eckraneon nos olhos? – Noah

abanou sua cabeça positivamente para Neg. – Mas

nós avisamos para não encarar!

- Desculpa... – Ela ficou acanhada, tal como uma

criança que fez o que não devia por pura inocência.

- Certo. Não dá para voltar atrás. – Preocupado,

tentei manter a calma. – O que fazemos agora?

- Deixe morrer. – Disse Dep, frio e insensível. – Não

há o que possa ser feito.

- Não diga uma coisa dessas, Dep! – Leg o

repreendeu. – Temos que ser otimistas. Vai ficar tudo

bem!

- Sua idiota, ele está envenenado! – Retrucou Rep. –

Não tem como sobreviver. Nunca alguém sobreviveu

ao veneno daquele monstro!

- Essa sensação deve ser horrível! – O pequeno corpo

de Rej tremia só dele imaginar.

- Pessoal, eles nos ajudaram a fugir do Eckraneon.

Temos que ajudá-los, também! – Neg mobilizou

todos os quatro. – Veja bem, Noah: Ao que parece,

felizmente, a parte do seu corpo que foi envenenada

foi o coração. Quando nosso Deserto das Lamúrias

ainda era a Floresta da Fortuna e muitos gigantes

moravam e passeavam por lá, ouvimos falar de um

tal... Como era mesmo o nome? – Ele perguntou aos

seus colegas. – Ele trabalhava com brinquedos...

- O Fabricante de Brinquedos? – Sugeriu Rej.

- Sim. Mas qual era o nome dele?

- E alguém lá sabe o nome daquele sujeito esquisito?

– Disse Rep.

- Tanto faz. Isso não importa. – Neg voltou sua

concentração. – O que quero dizer é que ele pode

fabricar um coração novo para Noah, substituindo o

envenenado!

- Mas ele faz brinquedos. O coração que ele fizer não

será de verdade! – Retrucou Rep.

- Mas pode funcionar em perfeito estado! – Replicou

Leg, animada com a ideia.

- Eu não acho. – Dep tinha dúvidas. – Ele dá vida a

coisas inanimadas. Não quer dizer que ele ressuscite

alguém, por exemplo...

- Eu não tô entendendo... – A voz de Noah soou

meiga, mas penosa. – Vocês estão dizendo que meu

coração vai ser um brinquedo?

- Mais ou menos isso. Agora, ouçam: – Virei minha

atenção para os minimidos. – Esse Fabricante de

Brinquedos pode fazer Noah melhorar, não pode?

- Pode. Mas eu sugiro que você peça com jeito. –

Aconselhou-me Neg. – Como não é para um

brinquedo ou coisa do tipo, é capaz que ele recuse...

- E onde podemos encontrá-lo?

- Ah, eu lembro! Falaram que a loja dele ficava à

cento e sessenta e cinco quilômetros daqui!

- Tudo isso!? – Abismei. – Eu não tenho como ir pra

lá!

- Claro que tem! Você pode pegar carona na barca

que atravessa o Rio Cor de Rosa todos os dias. –

Sugeriu Leg. – Para locais mais distantes, eles

conhecem atalhos para vários lugares. É o que já

ouvimos falar da boca de vários gigantes como você!

- Barca do Rio Cor de Rosa. Entendi... – Memorizei o

nome.

- Que nome engraçado! – Noah riu. Mesmo doente,

estava tão contente!

- Verdade. E onde podemos encontrá-lo?

- O rio fica pra lá. – Todos os cinco minimidos

apontaram para a direita. – Basta seguir reto e

encontrará o rio.

- Certo. Obrigado, pessoal, de verdade! Vamos, Noah.

Nos aprontamos. Os minimidos passaram a

morar naquele pequeno bosque. Afinal, com o

Deserto das Lamúrias do jeito que estava, ficava

impossível continuar vivendo dificultosamente, ainda

mais para seres tão minúsculos como eles.

Apesar de supostamente envenenada e com

aquela estranha mancha no peito, Noah não

demonstrava fraqueza ou debilitação. Do contrário,

parecia tão bem e cheia de energia! Mas eu estava

preocupado, mesmo assim. É bem melhor remediar

antes que seja tarde demais. Não gosto nem de

imaginar o que poderia ter acontecido a Noah caso

sua doença evoluísse para algo pior. Se ela morresse,

será que o veneno permitiria que uma árvore

crescesse de seu corpo? E, se sim, então, a árvore

estaria envenenada, e geraria outros bebês doentes

que, provavelmente, morreriam antes mesmo de

nascerem? Isso é horrível de pensar. Noah é preciosa

demais para perdê-la assim, de uma vez, sem mais

nem menos. Sei do que falo pois, afinal, eu perdi

minha querida mãe e não queria ter que passar por

isso de novo. A doença dela não tinha cura, mas no

caso de Noah, ainda havia uma segunda chance para

a vida. O que eu não pude fazer por minha mãe, quis

fazer por esta criança.

- Gabrielli, eu tô com medo... – Ela desabafou.

- Não fique com medo. Você ficará bem. Prometo!

- Obrigado. Você é um humano muito bonzinho!

Apesar de nem eu mesmo ter tido tanta

certeza assim de minhas próprias palavras, por Noah,

eu tinha que ser forte para tranquilizá-la e protegê-

-la. Ela foi o maior motivo para que eu me

mantivesse calmo, racional e instigado a continuar.

Por mais que a morte seja algo natural e inevitável –

e eu aceito esse fato –, é sempre bom passar mais

um tempo com quem você ama, para aproveitar

bastante do que a vida tem a lhe oferecer, mesmo

que existam alguns beliscos aqui e acolá.

Principalmente para uma criança como Noah, tão

jovem e com toda uma vida pela frente. Não havia

pressa alguma em se tornar árvore para gerar outras

vidas se ela tinha a chance e o direito de ter a sua.