Ícaro francesconi gatti · 2013. 6. 5. · obra convencionalmente denominada crestomatia e...
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Iacutecaro Francesconi Gatti
A CRESTOMATIA DE PROCLO
Traduccedilatildeo integral notas e estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
VERSAtildeO REVISADA
Dissertaccedilatildeo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre
pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Letras
Claacutessicas da Faculdade de Filosofia Letras e
Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo
Paulo
Orientador Prof Dr Marcos Martinho dos
Santos
Satildeo Paulo
2012
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A meus pais que sempre me deram tudo quando foi possiacutevel
A minha irmatilde agrave sua capacidade e agrave sua trajetoacuteria exemplares
A Maria Beatriz Bouissou Macecircdo que com seu coraccedilatildeo encerra sua primeira dissertaccedilatildeo
de mestrado
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AGRADECIMENTOS
Agrave CAPES pelo auxiacutelio concedido que me permitiu grande foco no uacuteltimo ano de
pesquisa
A meu grande orientador Prof Dr Marcos Martinho dos Santos que eacute uma inspiraccedilatildeo
desde a primeira aula do curso de Introduccedilatildeo aos Estudos Claacutessicos que ministrou no ano de
2003 a que assisti tatildeo logo ingressei na Universidade de Satildeo Paulo Que o decoro deste
gecircnero ldquoagradecimentos de dissertaccedilatildeo de mestradordquo me perdoe mas minha admiraccedilatildeo por
ele como acadecircmico talvez soacute se compare a minha admiraccedilatildeo pelo Led Zeppelin como banda
Ao Prof Dr Jacyntho Lins Brandatildeo que aceitou o convite para compor a banca e me
levou a reflexotildees teoacutericas imprescindiacuteveis e salutares contribuindo com sua vastiacutessima
experiecircncia no estudo de tatildeo fascinante objeto a Poeacutetica Antiga
Ao Prof Dr Joatildeo Acircngelo Oliva Neto por aceitar o mesmo convite e pelos proveitosos
conselhos que ateacute agora me deu natildeo soacute no exame de qualificaccedilatildeo e no exame de conclusatildeo
como tambeacutem desde que fui seu aluno pela primeira vez ainda na graduaccedilatildeo e em sucessivas
ocasiotildees Agradeccedilo-lhe por todas as questotildees de ordem tradutoloacutegica tambeacutem salutares que
me impocircs desde o princiacutepio de sua participaccedilatildeo neste processo Sem elas minha traduccedilatildeo
ainda estaria muito aqueacutem do esperado E como se natildeo bastasse tudo isso por ser o professor
mais engraccedilado com que tive aula na minha vida
Ao Prof Dr Alexandre Pinheiro Hasegawa que aleacutem dos importantes apontamentos
feitos no exame de qualificaccedilatildeo ajudou a refletir sobre os desdobramentos dados agrave pesquisa
Para noacutes neoacuteteroi ele eacute um clacissista modelar
A outros cariacutessimos professores que sempre foram capazes de muito me ensinar com
uma simples conversa durante o cafeacute Ao inesqueciacutevel mestre o professor Joatildeo Adolfo
Hansen agrave professora Paula da Cunha Correa ao professor Daniel Rossi Nunes Lopes ao
professor Maacuterio Eduardo Viaro
A meus pais pelo amor gritante e pelo amor taacutecito A minha irmatilde e agrave chatice de sua
companhia de que sinto falta a cada dia mais e mais Aos treze catildees da minha casa cujas
macias barrigas pude usar como travesseiro quando estava cansado Ao gato Fecircnix que possui
muito mais de sete ou nove vidas por seu fofo sobrepeso
A Maria Beatriz Bouissou Macecircdo por tudo que haacute de sincero
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A Ticiano Curvelo Estrela Lacerda e a Artur Costrino irmatildeos cujas tatildeo notaacuteveis
qualidades sempre me incentivam como estudioso Agrave brilhante e mais cara amiga Tarsila
Donaacute e a Gabriel Lohner Groacutef e ao imprescindiacutevel auxiacutelio prestado por ambos na Casa de
Socorro aos Mestrandos Desesperados com a Corda no Pescoccedilo A Rafael Frate o
ldquoplenibroacutederrdquo
Agrave indissociaacutevel Amanda Lenharo di Santis e agrave afaacutevel companhia do gato Pimenta
A Diego Ydalgo Mateus Macedo Pires Samuel Gadia Rafael Pompiacutelio Gustavo
Motta e Fernando Baratella ternos amigos da terna idade de viacutedeo-game RPG HQ futebol e
(jaacute natildeo mais tatildeo terna) The Doors Como esquecer o primeiro Camotildees o primeiro Boccage o
primeiro Aacutelvares de Azevedo Gonccedilalves Dias Bandeira Drummond lidos nessa eacutepoca
A Rafael Brunhara Marcus Baccega Alexandre Almeida Marcussi e a outros
estimados amigos e colegas que jamais faria natildeo fossem as Letras e a FFLCH
5
RESUMO
A presente dissertaccedilatildeo visa agrave traduccedilatildeo anotada dos textos que nos datildeo a conhecer a
obra convencionalmente denominada Crestomatia e atribuiacuteda a Proclo junto de um estudo
que caracterize o quanto possiacutevel essa obra que permanece tatildeo obscura quanto relevante para
os Estudos Claacutessicos Traduziram-se tanto os fragmentos referentes ao Ciclo Eacutepico provaacuteveis
excertos diretos da obra como o resumo que dela restou na Biblioteca de Foacutecio coacutedice 239
A anotaccedilatildeo se ateacutem ao coacutedice 239 a fim de tornar conhecido o que fosse o variado conteuacutedo
geral da obra O coacutedice tambeacutem eacute o foco do estudo que pretende em trecircs capiacutetulos 1o)
discutir os problemas em torno do texto ie a atribuiccedilatildeo o tiacutetulo a constituiccedilatildeo da obra sua
histoacuteria etc 2o) tendo estabelecido algumas hipoacuteteses sobre essa constituiccedilatildeo diversa
explicitaacute-la comentando a primeira seccedilatildeo do texto e a confluecircncia de saberes diversos sobre as
Letras da Antiguidade fossem a Retoacuterica a Gramaacutetica a Poeacutetica considerando seus limites
3o) considerando a seccedilatildeo posterior do texto sobre a classificaccedilatildeo geneacuterica da poesia antiga
relacionaacute-lo com outros que versem sobre a classificaccedilatildeo dos gecircneros poeacuteticos em especial o
De Poematibus de Diomedes
PALAVRAS-CHAVE poeacutetica gramaacutetica retoacuterica poesia antiga gecircneros literaacuterios
6
ABSTRACT
The scope of the current dissertation is to present a commented translation in
Portuguese of the group of texts that gives us knowledge of the work conventionaly called
Chrestomathy ascribed to Proclus We present as well a study that characterizes as much as
possible this work that remains as obscure as relevant to the Classical Studies The fragments
that refer to the Epic Cycle which are probably direct excerpts of the original work were
translated as well as the summary which was preseved in Photiusrsquo Library the 239 codex
The commentary is about the 239 codex with the purpose of give knowledge of the
miscellaneous general content of the work The codex is also the focus of the study where in
three chapters 1) it will be discussed the questions around the text ie the ascription the
title the constitution of the work its history 2) having been established some hypothesis
about this diverse constitution it will be exposed on commenting the first section of the text
and the confluency as well as the limits of multiple knowledges of Literature in Antiquity
comprehending Rhetorics Grammar and Poetics 3) considering the later section of the text
concerning to the generic classification of ancient poetry we will relate the text with others
that deal with the classification of poetic genres especially Diomedesrsquo De Poematibus
KEYWORDS poetics grammar rhetoric ancient poetry literary genres
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IacuteNDICE
Apresentaccedilatildeo9
Parte I ndash Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
Capiacutetulo 1 ndash CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO10
11 VESTIacuteGIOS DA OBRA10
12 AUTORIA E ATRIBUUICcedilAtildeO12
13 O NOME E A OBRA18
131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio18
132 A intitulaccedilatildeo do coacutedice 23925
133 O termo ldquocrestomatiardquo32
134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra38
Capiacutetulo 2 ndash A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA
ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA50
21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO50
22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO52
221 O molde copioso55
222 O molde tecircnue57
223 O molde meacutedio59
224 O molde florido61
225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo62
Capiacutetulo 3 ndash A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA67
31 SEUS GEcircNEROS67
32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS
DE DIOMEDES74
33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO81
331 Epos83
3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria83
3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico86
332 Elegia90
333 Iambo94
334 Meacutelica96
Parte II ndash Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
1 COacuteDICE 23998
11 TEXTO98
12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO109
2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO
8
CICLO EacutePICO128
21 VIDA DE HOMERO128
22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO132
221 Ciacuteprias132
222 Etioacutepida137
223 Pequenas Iliacuteada139
224 Saque de Iacutelio141
225 Retornos143
226 Telegonia145
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS148
9
Apresentaccedilatildeo
Esta dissertaccedilatildeo de mestrado se debruccedila sobre o texto tradicionalmente denominado
Crestomatia e apenas atribuiacutedo a um Proclo cuja identidade permanece em litiacutegio Sem que
isso tenha sido um impedimento para muitos antes de mim proponho aqui considerada a
imensidatildeo de toacutepicos apenas aludidos ou sugeridos por tal objeto textual (alguns carentes de
investigaccedilatildeo)
a) uma traduccedilatildeo integral do que o tempo nos legou da obra um resumo preservado
por Foacutecio de Constantinopla seacutec IX dC e os excertos aceites pelos estudiosos como seus
uacutenicos fragmentos ldquooriginaisrdquo
b) um estudo introduzindo a traduccedilatildeo que se focou em questotildees de composiccedilatildeo da
obra (da sua atribuiccedilatildeo agrave sua abrangecircncia) partes organizaccedilatildeo teorias que continha ou
propunha intenccedilatildeo e finalidade Em funccedilatildeo desse enfoque questotildees agraves quais a Crestomatia
de Proclo muitas vezes serve de ponto de partida como por exemplo a aplicaccedilatildeo das
categorias antigas de interpretaccedilatildeo poeacutetica agrave poesia liacuterica da Greacutecia Antiga os testemunhos
que conteacutem dessa interpretaccedilatildeo de base heleniacutestica etc foram em parte contemplados e em
parte deixados de lado em funccedilatildeo de um objetivo primeiro refletir sobre o que seria essa obra
e sua relaccedilatildeo com textos que lidam com assuntos semelhantes
Desta maneira portanto se organiza o texto
PARTE I ndash Um estudo em trecircs capiacutetulos o 1o abordando as questotildees baacutesicas sobre o
objeto escrito (tiacutetulo autoria) e como eacute transmitido a noacutes o 2o abordando o que aqui se
delimita como sua primeira seccedilatildeo em que se definia seu objeto e uma abordagem para ele a
fim de se conseguir uma caracterizaccedilatildeo da obra o 3o propondo a partir dos elementos
estudados uma comparaccedilatildeo com outro texto semelhante a fim de discutir os criteacuterios de
anaacutelise da poesia que na Crestomatia seratildeo empregados ateacute o fim do texto com o objetivo de
classificar a antiga poesia liacuterica ou meacutelica (sendo as especificidades dessa apresentadas ao
longo das nostas agrave traduccedilatildeo agrave medida do necessaacuterio)
PARTE II ndash A traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio que resume
a Crestomatia e a traduccedilatildeo dos resumos do chamado ciclo eacutepico que chega ateacute noacutes atraveacutes de
manuscritos de Homero
10
PARTE I
Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO
11VESTIacuteGIOS DA OBRA
Qualquer um cujo interesse seja desperto por isso que geralmente se denomina a
Crestomatia de Proclo tatildeo logo busque se aproximar do objeto deparar-se-aacute com fragmentos
que unidos ao fim nos forneceratildeo somente o espectro de uma obra que parece ter sido uma
importante e abrangente compilaccedilatildeo sobre as letras antigas algo semelhante ao que hoje
chamariacuteamos um manual de literatura
Haacute dois grupos de textos que juntos compotildeem o quanto se pode acessar do que a
julgar pelo que nos diz Foacutecio no coacutedice 239 de sua Biblioteca teria sido uma obra composta
de quatro livros1 e que sem duacutevida a despeito das discussotildees acerca do primeiro paraacutegrafo do
coacutedice (concernente ao nome) teria em seu tiacutetulo o termo ldquocrestomatiardquo
A comeccedilar pela Biblioteca como se sabe consiste em resumos epiacutetomes cuja
confecccedilatildeo2 para aleacutem do interesse do irmatildeo de Foacutecio3 serviria em uacuteltima instacircncia agraves duas
funccedilotildees mais baacutesicas que se podem supor dar a conhecer os textos resumidos a quem natildeo
poderia acessaacute-los integralmente e fornecer diferentes saberes numa mesma fonte ie reunir
informaccedilatildeo diversa preservando para um leitor que natildeo tivesse acesso a essa informaccedilatildeo agrave
medida do possiacutevel o mais relevante dos originais
Um conjunto de textos consiste portanto nos diferentes manuscritos que seguramente
contecircm a Biblioteca de Foacutecio E eacute entre diferentes obras reunidas para a Biblioteca portanto
que se resume no coacutedice 239 (de um modo a ser discutido) a obra em questatildeo
convencionalmente designada Crestomatia Trata-se pois de tradiccedilatildeo indireta
1 Severyns A Recherches sur la Chrestomathie de Proclos Le Codex 239 de Photius Eacutetude Paleacuteographique et
Critique (t I) Texte Traduction Commentaire (t II) La Vita Homeri et les Sommaires du Cycle Eacutetude
Paleacuteographique et Critique (t III) Texte et Traduction (t IV) Paris Belles Lettres 1977 Tomo II paacuteg 31 2 Severyns op cit tome I paacuteg 1 ndash 6 3 Foacutecio Biblioteca paacuteg 1
11
O outro conjunto de textos eacute bem mais visado pelos estudos claacutessicos em geral dado o
que conteacutem Consiste nos 14 manuscritos da Iliacuteada dos quais todos como uma introduccedilatildeo
trazem uma Vida de Homero4 Deles 10 tambeacutem trazem um texto designado
um apenas Venetus A (o mais velho) traz na sequecircncia
e Aquela Vida
como se vecirc pelo nome eacute uma breve biografia de Homero mas satildeo estes que foram por muito
tempo objeto dos estudiosos pois consistem em resumos aparentemente completos embora
bem pontuais dos poemas ciacuteclicos ou pelo menos de alguns deles ie os poemas que narram
os demais episoacutedios do ldquochamado ciclo eacutepicordquo (para usar os proacuteprios termos do epiacutetome do
coacutedice 239) o qual numa definiccedilatildeo mais teacutecnica seria a somatoacuteria de todas as narraccedilotildees
eacutepicas ou mais rigorosamente todos os (eacutepe)6 circunscritos a um conjunto de episoacutedios
que vai desde a origem do universo ateacute a morte de Odisseu A despeito do que se possa
conjeturar mais pormenorizadamente sobre o que de fato pleiteavam tais poemas o proacuteprio
texto do epiacutetome fociano no seu paraacutegrafo 19 eacute um de nossos principais testemunhos de
como tais poemas eram entendidos por diferentes autores que versaram sobre poeacutetica
integrando um todo ldquo
rdquo7 ndash ldquoFecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo
de diferentes poetasrdquo
Antes desse paraacutegrafo na seccedilatildeo do epiacutetome dedicada ao epos (sect13 a 23) apoacutes a
invenccedilatildeo do metro sua mateacuteria (sect13) como o nome se fixa (sect14) e o elenco de seus melhores
poetas (sect15) o paraacutegrafo 16 nos informa que ldquoele [o provaacutevel autor Proclo] discorre na
medida do possiacutevel sobre a origem a paacutetria e algumas histoacuterias particulares a respeito de tais
poetasrdquo e o paraacutegrafo 17 por sua vez diz que [ele] ldquoentatildeo inicia as consideraccedilotildees sobre o
chamado ciclo eacutepicordquo e assinala seu iniacutecio no intercurso entre Ceacuteu e Terra O verbo
(dialambaacuteno) que inicia o paraacutegrafo tem o sentido forte de ldquojulgar avaliar
tomar como objeto de consideraccedilatildeordquo O verbo que inicia o paraacutegrafo seguinte (sect18)
possui o sentido metafoacuterico de abrir caminho em um texto em uma mateacuteria
em um objeto ie ldquoexaminaacute-lordquo Diz-se que ldquoele [autor] segue examinando diversas coisas
concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticasrdquo Os paraacutegrafos 20 a 23 satildeo dedicados a peculiaridades
referentes ao ciclo que no entendimento do resumidor merecem destaque a razatildeo pela qual
4 Designaccedilatildeo latina do texto que no grego vem designado como ou como Venetus A
ou Homero eacutepoca vida caracteriacutestica tiacutetulo de poemas 5 Que traduzi na ordem por ldquo(sobre) a(s) Ciacuteprias Etioacutepida Pequena Iliacuteada Saque de Iacutelio Retornos Telegoniardquo 6 Entendendo-se aqui no sentido amplo do texto uma composiccedilatildeo hexameacutetrica narrativa A discussatildeo
pormenorizada vem a seguir 7 Severyns 1977 pg 36 Grifo do autor
12
os poemas do ciclo foram preservados o nome e a paacutetria dos poetas que se ocuparam dele e
especificidades sobre a atribuiccedilatildeo e o nome das Ciacuteprias
Considerando-se que ao longo de seu texto o epiacutetome se caracteriza ou por de um
lado apenas notificar aquilo que o suposto autor diz de mais relevante sem entrar nos
detalhes de seu conteuacutedo ou de outro por pontuar informaccedilotildees bem especiacuteficas com o intuito
de daacute-las a conhecer (provavelmente como uma novidade) a seu leitor tanto os dois verbos
referidos que descrevem aquilo que ocorre no texto resumido como as vicissitudes de 20 a
23 que ressaltam especificidades julgadas pelo resumidor como relevantes a um leitor que
recorreria ao epiacutetome satildeo muito favoraacuteveis a que natildeo se ponha em duacutevida a atribuiccedilatildeo dos 14
manuscritos a Proclo ou pelo menos ao mesmo autor resumido no coacutedice 239 Ao que tudo
indica portanto os sete textos que compotildeem o Venetus A8 a julgar pela congruecircncia no que
possui em comum com os demais (que ou trazem a Vida de Homero ou essa mais o resumo
das Ciacuteprias) seriam sete excertos integrais da Crestomatia provavelmente ndash a julgar pelo
resumo ndash referentes agrave seccedilatildeo em que discutindo o epos o autor nos daria suas consideraccedilotildees
sobre quem foi Homero bem como resumos factuais acontecimento a acontecimento dos
demais poemas que compunham o chamado ciclo eacutepico
Eis a nossa obra de um lado um resumo e de outro sete outros breves textos que
pelas indicaccedilotildees nos manuscritos de Homero e pela congruecircncia de assunto brevemente
demonstrada seriam os uacutenicos excertos integrais que chegaram a noacutes De fato ambos
parecem corresponder a uma obra cujo conteuacutedo resumido ainda circulava no acircmbito das
letras bizantinas pelo menos desde algum periacuteodo um pouco anterior ao seacuteculo IX (pois pode
ser que Foacutecio teve acesso a ela integralmente) ateacute aproximadamente o seacuteculo XV seacuteculo a
que remontam os manuscritos mais recentes9 Todas as ediccedilotildees impressas portanto atribuem-
na a Proclo
12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO
8 Nesse manuscrito o resumo das Ciacuteprias encontra-se mutilado mas pode ser reconstituiacutedo pelo manuscrito F
Neapolitanus que de acordo com Severynns derivaria de um manuscrito em comum Cf Severyns tomo III
245 ndash 52 9 A propoacutesito dos uacuteltimos manuscritos Severynns (III 317 ndash 324) identifica o Ottobonianus G e H como
derivados de um arqueacutetipo entre os quais haacute um corretor que identifica como Joatildeo Tzetzes principalmente
por especificar na denominaccedilatildeo dos resumos a atribuiccedilatildeo a ldquoProclo platocircnico Diaacutedocordquo Mesmo que se recuse a
hipoacutetese essa correccedilatildeo e a proacutepria atribuiccedilatildeo revelam natildeo soacute uma atividade filoloacutegica que se debruccedilava sobre o
texto mas a preocupaccedilatildeo em atribuir-lhe a origem precisa
13
Uma vez que todos os manuscritos da Vida e dos Resumos atribuem o texto
indubitavelmente a Proclo e apenas um preocupa-se em explicitar de que Proclo se trata
restaria saber se de fato o suposto autor do texto eacute esse explicitado pelo corretor o Proclo
de quem mais se tecircm notiacutecias e obras o chamado diaacutedokhos ou ldquosucessorrdquo assim
designado por ser o renomado disciacutepulo e sucessor de Siriano na nova escola platocircnica de
Atenas onde estudou tambeacutem com Plutarco (de Atenas) apoacutes ser disciacutepulo de Olimpiodoro o
Velho em Alexandria provavelmente onde ainda jovem obteve sua primeira formaccedilatildeo com
o gramaacutetico Oacuterion de Tebas (Egito)10 de quem adiquiriu sua formaccedilatildeo nas letras ndash se para o
estudo da filosofia sua filiaccedilatildeo aos referidos filoacutesofos eacute fundamental para o estudo da obra
aqui abordada sua filiaccedilatildeo a esse gramaacutetico egiacutepicio seja talvez determinante como logo se
discutiraacute Foi no seacuteculo V dC um dos principais nomes do que denominamos
neoplatonismo e hoje eacute conhecido principalmente por seus comentaacuterios a Platatildeo Nosso
principal testemunho aqui a respeito desse Proclo eacute o Suda Diz-nos dele o Liacutecio (pois era
originaacuterio da Liacutecia) que para aleacutem de seus trabalhos filosoacuteficos escreveu muitas obras de
filosofia e gramaacutetica e aiacute nesse mesmo passo ldquoum comentaacuterio agrave obra de Homero um
comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo e trecircs livros sobre crestomatiardquo que se
entendermos como o tiacutetulo levaraacute agrave grafia ldquoSobre Crestomatiardquo Talvez fosse essa a obra que
nos permitiria identificar Proclo o Sucessor ou o Liacutecio como o autor do texto que
conhecemos pelo epiacutetome fociano Eacute necessaacuterio ressaltar que neste caso como natildeo eacute possiacutevel
fazer mais do que conjeturar o que se faraacute aqui eacute julgar a verossimilhanccedila das hipoacuteteses
Primeiro se deve julgar se eacute possiacutevel identificar essa obra de que o Suda fala agrave obra
resumida na Biblioteca Eacute de se crer que sim pelos seguintes motivos dos quais o primeiro eacute
cronoloacutegico a Biblioteca em que se encontra o epiacutetome foi composta seguramente no seacuteculo
IX no profiacutecuo contexto da atividade copista bizantina (a julgar pelo que se diz na sua
dedicatoacuteria preparada durante a viagem agrave corte dos Abaacutessidas em Bagdaacute e enviada ao irmatildeo
de Foacutecio que natildeo pudera ir e ficara em Constantinopla) o mesmo contexto do qual floresce o
Suda aproximadamente um seacuteculo depois Temos portanto coerecircncia temporal e regional
entre o epiacutetome da Biblioteca de Foacutecio e o leacutexico Em segundo lugar o Suda nos descreve um
neoplatocircnico que (falando de acordo com nossos termos) teria se dedicado natildeo soacute agrave filosofia
embora principalmente mas tambeacutem agrave ldquocriacutetica literaacuteriardquo ou filoloacutegica aqui designada
simplesmente por ldquogramaacuteticardquo (questatildeo terminoloacutegica que logo seraacute abordada) Que isso fosse
10 Ateacute pelo nome da conhecida constelaccedilatildeo julgou-se esse nome consagrado demais para ser vertido segundo o
criteacuterio aqui adotado para outros semelhantes (Oriatildeo) Vale mencionar que foi autor de um Leacutexico que foi
aproveitado por outros duas valiosas obras semelhantes a saber o Etymologicum Gudianum e o Etymologicum
Magnum
14
verdade pelo menos os exemplos parecem confirmaacute-lo uma vez que as obras arroladas
pertencem ou a esta ou agravequela aacuterea do saber antigo duas no entanto configuram um caso
particular por confirmarem que essa distinccedilatildeo de abordagem realmente ocorria Eacute possiacutevel
vislumbrar certo agrupamento temaacutetico parece que estas trecircs primeiras obras elencadas
referem-se agrave atividade filoloacutegica enquanto as que vecircm depois agrave atividade filosoacutefica
[] ἔγραψε πάνυ πολλά φιλόσοφά τε καὶ γραμματικά ὑπόμνημα εἰς
ὅλον τὸν Ὅμηρον ὑπόμνημα εἰς τὰ Ἡσιόδου Ἔργα καὶ Ἡμέρας Περὶ
χρηστομαθείας βιβλία γacute Περὶ ἀγωγῆς βacute Εἰς τὴν πολιτείαν
Πλάτωνος βιβλία δacute Εἰς τὴν Ὀρφέως Θεολογίαν Συμφωνίαν
Ὀρφέως Πυθαγόρου Πλάτωνος περὶ τὰ Λόγια βιβλία ιacute Περὶ τῶν
παρ Ὁμήρῳ θεῶν Ἐπιχειρήματα κατὰ Χριστιανῶν ιηacute
[] Escreveu diversas obras tanto de filosofia como de gramaacutetica Um
comentaacuterio a todo Homero comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de
Hesiacuteodo Acerca de Crestomatia em 3 livros Acerca de Educaccedilatildeo em
2 Sobre a Repuacuteblica de Platatildeo em 4 livros Sobre a Teologia de
Orfeu Consonacircncia de Orfeu Pitaacutegoras Platatildeo acerca dos Oraacuteculos
em 10 livros Sobre os Deuses em Homero 18 Contraprovas aos
Cristatildeos
(Suda 2473 4 ndash 10 traduccedilatildeo e grifos do autor)
De todas essas a recorrecircncia de Homero entre umas e outras parece confirmar mesmo
que neste verbete as obras estatildeo elencadas pela aacuterea a que pertenciam e mais ainda que uma
delas se designa ldquogramaacuteticardquo O suposto argumento de ambas parece tambeacutem confirmar esta
hipoacutetese laacute entre aquelas um comentaacuterio a todo Homero sem uma especificaccedilatildeo do que eacute
abordado o que nos faz pensar em um comentaacuterio a seu texto de forma geral aqui entre as
obras filosoacuteficas um assunto concernente agrave filosofia e ao platonismo a interpretaccedilatildeo da
figuraccedilatildeo dos deuses na obra do poeta
Isso natildeo prova que de fato a obra eacute do Proclo neoplatocircnico mas pelo menos confirma
que sendo posterior o Suda na situaccedilatildeo meramente hipoteacutetica de natildeo possuir nenhuma
referecircncia natildeo vecirc incongruecircncia alguma em atribuir a ele uma Crestomatia que poderia ser
sobre gramaacutetica O Suda pode inclusive ter se fiado agrave mesma tradiccedilatildeo que para Foacutecio jaacute
atribuiacutea a obra ao Proclo platocircnico ou entatildeo como natildeo haacute nenhuma especificaccedilatildeo da parte de
Foacutecio sobre quem seria esse Proclo ter assumido como perfeitamente aceitaacutevel e plausiacutevel na
hipoacutetese extrema de ter como uacutenica fonte a mesma tradiccedilatildeo de Foacutecio ou mais extrema ainda
o proacuteprio epiacutetome que essa ldquocrestomatiardquo versando sobre gramaacutetica fosse de Proclo sem ver
erro nisso ie em atribuir ao filoacutesofo platocircnico uma obra tratando das letras O que de fato
15
parece-nos bem razoaacutevel nesta perspectiva eacute que primeiro natildeo haveria nada de estranho em
atribuir certa crestomatia ao Proclo platocircnico e segundo que essa versava sobre gramaacutetica a
julgar pela aparente divisatildeo em grupos de que o Suda nos fala Mas ainda sobre o primeiro
aspecto natildeo haacute por que duvidar de que o Suda se paute numa tradiccedilatildeo consolidada e
verossiacutemil de atribuiccedilatildeo desse texto a Proclo No seu verbete eacutelegos o Etymologicum
Magnum traz ldquoltἜλεγοςgt Ἐκ τοῦ περὶ Χρηστομαθίας Πρόκλουrdquo ou seja alude a uma obra
de Proclo exatamente da mesma maneira que o verbete do Suda referindo-a como
Crestomatia junto da preposiccedilatildeo ldquoperiacuterdquo nomeando pelo substantivo portanto o conteuacutedo
geral que identificava esse texto no periacuteodo A alusatildeo feita pelo leacutexico portanto
considerando-se que ele eacute apenas um pouco posterior ao Suda sugere que este provavelmente
se insere em um ramo da atividade filoloacutegica bizantina que no mais tardar depois de Foacutecio
identifica sim a Crestomatia em textos de ensejo semelhante como sendo do Proclo Liacutecio ou
Diaacutedoco a congruecircncia formal entre as duas passagens contendo ainda que soacute a mesma
preposiccedilatildeo aleacutem do nome contribui para essa associaccedilatildeo principalmente porque como se
disse os dois textos satildeo praticamente contemporacircneos e pertencem ao mesmo ciacuterculo
filoloacutegico
Natildeo agrave toa o Etymologicum Magnum para explicar o que eacute ldquoeacutelegosrdquo citaraacute o texto que
diz ser de Proclo mas o faraacute praticamente como se encontra no coacutedice da Biblioteca salvo
pela ordem
[]Ὁ μέντοι ἐπικὸς κύκλος ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς μυθολογουμένης
Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μίξεως ἀφ ἧς Ἑκατοντάχειρες γίνονται
Καὶ ἑξῆς
Διαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα
καὶ εἴ που τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται Περατοῦται δὲ ἐξ
διαφόρων ποιητῶν συμπληρούμενος μέχρι Ὀδυσσέως ὧν καὶ
ὀνόματα καὶ πατρίδας φησὶν ὁ αὐτός Σπουδάζεσθαι δὲ τὰ ἐπικοῦ
κύκλου τὰ ποιήματα οὐχ οὕτω διὰ τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν
τῶν ἐν αὐτῷ πραγμάτων Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου
καὶ πενταμέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις καὶ
εὐλογεῖσθαι μὲν ὑπ αὐτοῦ τούτους οἱ μέντοι μεταγενέστεροι ἐπὶ
διαφόροις ὑποθέσεσιν αὐτῷ ἀπεχρήσαντο Τὸ δὲ ἔπος πρῶτον μὲν
ἐφεῦρε Φιμονόη ἡ Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς
[χρησαμένη] Οἷς ἐπεὶ τὰ πράγματα εἵπετο ἔπος τὸ ἐκ μέτρων
ἐκαλεῖτο ἢ διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαι ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς
ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ κοινὸν ὄνομα παντὸς λόγου τὸ
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ἑξάμετρον ἰδιώσατο καθάπερ Ὅμηρον τὸν ποιητὴν καὶ Δημοσθένην
τὸν ῥήτορα ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευσαν
(Etymologicum Magnum 32740 ndash 3283)
ldquo lsquoO ciclo eacutepico se inicia do intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra a
partir do qual geram centiacutemanosrsquo
E em senguida
Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre
os deuses dos gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser
verdade em referecircncia agrave histoacuteria Fecha-se sendo completo por
diferentes poetas ateacute de Odisseu Desses ele fala o nome e a paacutetria
Tambeacutem [fala] que os poemas do ciclo eacutepico tecircm recebido atenccedilatildeo
natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele
contidas Que agrave elegia se compotildee de um verso heroacuteico e um
pentacircmetro acomoda-se aos que jaacute partiram e esses eram elogiados
por ele Os poacutesteros usaram-no amplamente para diferentes
argumentos Quem primeiro descobriu o epos foi Femocircnoe a
profetiza de Apolo profetizando oraacuteculos em hexacircmetros A eles
seguiram-se os feitos e ldquoeposrdquo era chamada qualquer composiccedilatildeo no
metro ou pela elaboraccedilatildeo e pela ampla superioridade observada nos
hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo
[epos] bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo e
Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez que alguns tambeacutem denominavam
ldquoeacuteperdquo [falares plura de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetrosrsquordquo
(Traduccedilatildeo e acreacutescimos do autor)
Salvo pela ordem deveras estranha ndash afinal aquilo que o verbete pretende definir
ocorre no excerto muito curto referente agrave definiccedilatildeo de elegia e ainda em meio a inuacutemeros
trechos referentes agrave poesia eacutepica ndash pode-se observar que primeiro o Etymologicum julgou
prudente para definir eacutelegos simplesmente citar uma obra que julgava autorizada para definir
tal palavra apresentando sua seccedilatildeo sobre a elegia e seu antigo uso em contexto fuacutenebre e a
atribuiu a Proclo segundo natildeo soacute essa seccedilatildeo mas os demais trechos trazem as mesmas
palavras do coacutedice de Foacutecio salvas algumas supressotildees e diferenccedilas de escolha Ao que tudo
indica para citar a obra que explicava como se achava devido o significado autorizado da
palavra em questatildeo o autor recorreu ao que sabia sobre ela Comparando esse excerto com o
epiacutetome de Foacutecio pode-se conjecturar que ou o compilador recorreu na confecccedilatildeo do
verbete a um manuscrito outro que continha assim essas informaccedilotildees ou copiou trechos
resumida e aleatoriamente ou ndash ainda uma terceira e mais plausiacutevel opccedilatildeo ndash cita de cabeccedila as
referidas partes da obra que conhece como Crestomatia e adota trecircs procedimentos que
parecem observaacuteveis surprime palavras e topicaliza mais o texto emprega sinocircnimos mas
manteacutem os termos e nomes fundamentais cita as outras passagens do contexto em que a
17
desejada se encontrava Estariam as informaccedilotildees citadas sobre a elegia no meio da seccedilatildeo
sobre epos porque uma vez abordada o vasto leque temaacutetico da eacutepica tratava-se do metro
havendo aiacute uma diferenciaccedilatildeo jaacute que elegia e epos considerados metricamente tecircm em
comum o hexacircmetro que eacute isolado ao fim do excerto Seria essa configuraccedilatildeo pensada pelo
compilador e arranjada para a confecccedilatildeo do verbete em questatildeo Ainda que natildeo haja resposta
a somatoacuteria de textos aponta para o fato de que para esse mesmo ramo de lexicoacutegrafos da
Biblioteca do Suda e do Etymologicum Magnum a Crestomatia em questatildeo fora
confeccionada por Proclo Diaacutedoco ou Liacutecio
Ainda dessa perspectiva parece que o uacutenico outro Proclo dentre aqueles de que temos
notiacutecias ao qual parece verossiacutemil atribuir a Crestomatia seria um que natildeo eacute mencionado
entre os constantes no Suda Eutiacutequio Proclo professor de Marco Aureacutelio gramaacutetico do
seacuteculo II dC Eacute igualmente verossiacutemil tambeacutem pela dataccedilatildeo que seja esse o autor A
associaccedilatildeo do texto agrave tradiccedilatildeo filoloacutegica alexandrina eacute reconhecidamente assumida por
diferentes autores que se debruccedilaram sobre o epiacutetome fociano11 seja por seu amplo conteuacutedo
mitoloacutegico e etioloacutegico presente nas etimologias explicativas dos gecircneros seja pelo proacuteprio
conceito de gramaacutetica em que parece se pautar12 Como se sabe a erudiccedilatildeo alexandrina tem
vasta influecircncia na educaccedilatildeo romana desde a eacutepoca dita claacutessica Natildeo seria de se espantar
pois que tal crestomatia fosse um escrito desse provaacutevel professor de Marco Aureacutelio
ensinando sobre letras em geral e os muitos gecircneros poeacuteticos dos gregos ainda mais se
julgarmos que o texto teria um fim didaacutetico
Haacute que se avaliar entatildeo qual dessas duas hipoacuteteses parece mais verossiacutemil e se natildeo
haacute indiacutecios suficientes para confirmar a primeira parece haver menos para desacreditaacute-la
salvo se julgue radical e absurdamente que como filoacutesofo platocircnico o Proclo do seacutec V natildeo se
ateria agrave poesia e agrave atividade filoloacutegica de que a Crestomatia eacute um testemunho Contudo a natildeo
ser que o Suda esteja profundamente equivocado vemos que como comentador alguma
parcela da atividade do diaacutedochos lidava sem contradiccedilatildeo alguma com isso que designamos
criacutetica filoloacutegica ou literaacuteria
Nesse sentido a filiaccedilatildeo de Proclo a Oacuterion como um de seus professores seria um
argumento determinante primeiro porque o longo cataacutelogo de espeacutecies liacutericas do epiacutetome
11 Sejam os dois principais editores e comentadores do texto ie Severyns e Ferrante sejam quantos percebem a
indissociaacutevel apropriaccedilatildeo da categorizaccedilatildeo aventada pelo gramaacutetico alexandrino Diacutedimo de Calcentero 12 Conceito no qual o gramaacutetico jaacute natildeo era apenas aquele que ensinava as letras mas sim o especialista em tudo
quanto agraves tangenciava inclusive os instrumentos e doutrinas de retoacuterica e poeacutetica com os quais os antigos faziam
o que hoje diriacuteamos ldquocriacutetica literaacuteriardquo Tal discussatildeo ainda ocuparaacute boa parte de nosso trabalho (134 paacuteg 38)
18
traz em mais de uma passagem similaridades com o Leacutexico do gramaacutetico13 segundo porque
como se sabe tal obra seraacute aproveitada pela profiacutecua atividade lexicograacutefica bizantina dos
seacuteculos posteriores e natildeo eacute nada infundado supor que o proacuteprio Proclo apoia-se nas liccedilotildees do
professor (e esse provavelmente toma por base a obra de Diacutedimo) A julgar pelas
similaridades tal transmissatildeo natildeo eacute absurda e nesse caso o Proclo de quem falamos soacute pode
ser o diaacutedoco
A dificuldade de identificaccedilatildeo resta pois inevitavelmente atrelada ao que seria o
nome dessa obra que se identifica com o resumo de Foacutecio tatildeo somente por uma palavra
levando-nos ao problema mesmo de definir seu conteuacutedo pois se nos fosse perfeitamente
possiacutevel circunscrevecirc-lo obtendo um vislumbre mais amplo dos assuntos do texto seria
possiacutevel caracterizaacute-lo melhor e daiacute compreendendo em que consistiria essa crestomatia
reconsiderar a atribuiccedilatildeo
Inevitavelmente nessa linha de raciociacutenio haacute que se considerar tambeacutem qual
ldquogramaacuteticardquo eacute essa de que falam os testemunhos mais especificamente que noccedilatildeo de
gramaacutetica eacute essa
13 O NOME E A OBRA
131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio
O problema mais imediato referente agrave leitura do texto resumido estaacute logo em sua
primeira linha a ordem das palavras e o arranjo sintaacutetico criam dificuldades para determinar o
quecirc exatamente foi primeiro lido e depois resumido por Foacutecio
Praticamente todos os epiacutetomes de sua Biblioteca se iniciam pela forma
(anegnoacutesthe) que eacute formular nessa obra e se refere mais amplamente natildeo soacute ao que foi lido
mas ao fato de que se realizou mais uma das sessotildees (ou seacuterie de sessotildees) de leituras do
ciacuterculo de letrados em torno do entatildeo embaixador Foacutecio na qual seu irmatildeo Taraacutesio natildeo podia
estar presente por ter ficado em Constantinopla Como se sabe pela dedicatoacuteria mesma da
Biblioteca (Bekker 1824 ndash 25) essa eacute a motivaccedilatildeo primeira para a escrita da extensa obra
13 Cf Traduccedilatildeo n 54 paacuteg 116 e n 56 57 e 58 paacuteg 117
19
tomar nota dos textos que foram tratados e de diferentes coisas relativas a eles Eacute pela referida
forma verbal aliaacutes que se pode identificar quando acaba um resumo e inicia-se outro
A Biblioteca de Foacutecio portanto consiste de diferentes ndash antes de dizermos resumos ndash
notas ou anotaccedilotildees referenciais do que era objeto das sessotildees de leituras Assim eacute que certas
palavras como eacute o caso de eklogaiacute (ldquocoletacircnea extratos excertosrdquo) que figura na introduccedilatildeo
do resumo do coacutedice 239 na liccedilatildeo aqui adotada de Severyns ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τοῦ
ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου χρηστομαθείας γραμματικῆς ἐκλογαίrdquo geram dificuldades
de interpretaccedilatildeo por natildeo permitirem estabelecer com exatidatildeo a que etapa se referem de todo
esse processo que resulta na confecccedilatildeo da Biblioteca se por vezes o termo parece
claramente se referir a um livro que foi tido em matildeos e era ele mesmo uma coletacircnea
excertos coligidos por outras parece que o mesmo termo se refere a uma coletacircnea de textos
ou de grupos de textos mais longos feita pelo proacuteprio grupo senatildeo por Foacutecio ele mesmo
Exemplo bem evidente do primeiro caso eacute o epiacutetome de Estobeu cuja obra eacute
conhecidamente uma coletacircnea assim mesmo nomeada ao longo dos seacuteculos
ldquo[1]14 Ἀνεγνώσθη ltἸωάννου Στοβαίουgt ἐκλογῶν ἀποφθεγμάτων ὑποθηκῶν βιβλία
τέσσαρα ἐν τεύχεσι δυσίrdquo
ldquoLeram-se dos excertos ditos notaacuteveis e conselhos de Joanes Estobeu quatro livros em
dois volumesrdquo
(Foacutecio op cit 167 112a 14 ndash 16 traduccedilatildeo e grifo do autor)
A maior literalidade visada nesta traduccedilatildeo busca nos introduzir a uma das formas
padrotildees de se apresentar os resumos das leituras ao longo da Biblioteca Neste caso a
traduccedilatildeo ao peacute da letra ndash por assim dizer ndash da forma verbal que encabeccedila os epiacutetomes (ldquoleram-
serdquo) eacute simples e imediatamente aceitaacutevel porque ao fim de tudo haacute um nominativo neutro
plural (bibliacutea) que clara e gramaticalmente concorda com a forma verbal de que eacute sujeito O
que se leu aqui foram os ldquoquatro livros em dois tomosrdquo que vecircm definidos pelos genitivos de
conteuacutedo que os precedem que vecircm por sua vez precedidos pelo genitivo de posse ou
origem designando quem apontariacuteamos como autor Aqui portanto a sintaxe natildeo exige para
que se natildeo trunque o portuguecircs um arranjo outro para a forma verbal como o que se adotou
logo agrave primeira linha da traduccedilatildeo do coacutedice 239 (v Traduccedilatildeo paacuteg 109 e nota 1 agrave mesma) A
proacutepria obra de Estobeu eacute conhecida por ser um exemplo de eklogeacute eklogaiacute que se fazia na
14 Numeram-se aqui as introduccedilotildees dos coacutedices citados a fim de se poder citaacute-los como exemplos de construccedilotildees
gramaticais
20
antiguidade ie excertos coligidos de diferentes autores visando agrave reuniatildeo de um saber ou
no caso de Estobeu saberes
No geral a forma verbal concorda com alguma palavra singular geralmente
designando que tipo de obra se leu o gecircnero do escrito uma ldquohistoacuteriardquo ie uma obra
historiograacutefica (as quais sobejam na Biblioteca) uma epiacutestola um discurso etc Exemplos
ldquo[2] Ἀνεγνώσθη ltΒασιλείου Κίλικοςgt ἐκκλησιαςτικὴ ἱστορίαrdquo
ldquoLeu-se histoacuteria eclesiaacutestica de Basiacutelio Ciliacuteciordquo
(Idem 42 9a 21)
ldquo[3] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜαξίμουgt λόγος ἀσκητικός εἰς πεῦσιν ἐσχηματισμένος
καὶ ἀπόκρισινrdquo
ldquoLeu-se de Santo Maacuteximo um discurso asceacutetico15 esquematizado em pergunta e
respostardquo
(Idem 193 157b 33 ndash 34)
[4] Ἀνεγνώσθη τοῦ αὐτοῦ ἁγίου ἀνδρὸς πρὸς Γεώργιον ἔπαρχον ἐπιστολήrdquo
ldquoLeu-se do mesmo santo homem uma carta ao prefeito Geoacutergiordquo
(Idem 194 158a 13 ndash 14)
Agraves vezes se nomeia a obra por sua finalidade ou destinaccedilatildeo (e geralmente aiacute se tem
preposiccedilatildeo)
ldquo[5] Ἀνεγνώσθη ltΓρηγορίου Νύσσηςgt ὁμοίως ὑπὲρ Βασιλείου κατὰ Εὐνομίουrdquo
ldquoLeu-se de Gregoacuterio de Nisa igualmente por Basiacutelio contra Eunocircmiordquo
(Idem 6 3b 17 ndash 18)
Em outras palavras um texto apologeacutetico em favor das opiniotildees de Basiacutelio contra Eunocircmio
Contudo por vezes lecirc-se
ldquo[6] Ἀνεγνώσθη ltΘεοπόμπουgt λόγοι ἱστορικοί
rdquo
(Idem 176 120a 6 ndash 7)
15 Asceacutetico de treino preparatoacuterio
21
O nominativo natildeo concorda gramaticalmente com a forma verbal embora como em
todas as linhas introdutoacuterias de um novo resumo apoacutes o verbo haja sempre o genitivo (ora
com preposiccedilatildeo) que nomeia a origem do que se lecirc geralmente a pessoa a quem se atribui o
objeto da leitura Natildeo se diraacute aqui autor porque nosso problema eacute justamente esse Da
traduccedilatildeo literal ndash ldquoleram-se16 de Teopompo discursos [ou arrazoados] histoacutericos De seus
discursos histoacutericos 53 satildeo os preservadosrdquo ndash chama-nos a atenccedilatildeo aqui o segundo periacuteodo
O que se pode inferir (bem como de outras muitas passagens semelhantes) eacute que as sessotildees do
ciacuterculo de Foacutecio em algum momento dedicaram-se agrave leitura do provaacutevel historiador do
seacuteculo IV AC de quem a julgar pelo conteuacutedo do coacutedice (uma avaliaccedilatildeo geral sobre sua
cronologia temas e escritos vida e estilo do autor) 53 peccedilas estiveram em matildeos de Foacutecio e
seus circunstantes e foram objeto de suas leituras Essa passagem nos aproxima daquilo que
provavelmente era o material da Biblioteca como eacute de se esperar o que o grupo tinha em
matildeos eram manuscritos diversos em diversos rolos (tomos) Essa imagem aproximada torna-
se mais viacutevida nas passagens em que haacute uma preocupaccedilatildeo maior em se notificarem as fontes
do que se lecirc como por exemplo nos coacutedices de 172 a 174 dedicados agraves leituras de obras de
Joatildeo Crisoacutestomo
ldquo[7] Ἀνεγνώσθη τοῦ ltΧρυσοστόμουgt ὁμιλίαι εἰς τὴν γένεσιν ξʹ καὶ μία ἐν τεύχεσι
τρισίν ὧν τὸ μὲν πρῶτον ὁμιλίας περιεῖχεν κʹ τὸ δεύτερον δὲ δεκα έξ τὸ τρίτον κεʹrdquo
ldquoLeram-se de Crisoacutestomo 61 homilias agrave Criaccedilatildeo em trecircs rolos [ou volumes tomos]
dos quais o primeiro compreendia 20 o segundo dezesseis o terceiro 25rdquo
(Idem 172 118b 15 ndash 18)
Em se tratando natildeo apenas de um anuacutencio do que se lecirc mas de uma descriccedilatildeo do
objeto a interpretaccedilatildeo mais plausiacutevel para a falta de concordacircncia entre o nominativo e a
forma verbal no grego eacute a de que se trata do ldquotiacutetulordquo natildeo da obra entendida como noacutes
modernos concebemos nossa relaccedilatildeo com os produtos do mercado editorial todos
(teoricamente) individualizados por uma designaccedilatildeo particular (e ldquoparticularizanterdquo) mas
funcionalmente como aquilo que o copista inscreve no topo do manuscrito para nomeaacute-lo e
permitir a identificaccedilatildeo descritiva do objeto um cabeccedilalho Da mesma forma deveriacuteamos
considerar quando dizemos ldquoobrardquo que tambeacutem natildeo se trata de tal como concebemos hoje
16 Marcar-se-atildeo assim as traduccedilotildees de anegnoacutesthe justamente porque se discutiraacute sua adequaccedilatildeo a como se leem
e interpretam suas ocorrecircncias nas diferentes passagens
22
mas do texto o manuscrito que o copista tem em matildeos e esse eacute como o grego os nomeia
ldquologosrdquo um discurso
Assim se observa no texto grego da biblioteca aquilo que na tipografia moderna
indicariacuteamos de diferentes maneiras maiuacutesculas itaacutelico aspas etc o que jaacute implica mesmo
que inconscientemente uma forma outra de conceber o objeto Retomando nosso uacuteltimo
exemplo deveriacuteamos pensar que mesmo pertencentes ao domiacutenio comum dos disciacutepulos de
Foacutecio futuro patriarca da igreja do oriente e mesmo sendo renomados nesse contexto da
religiatildeo ortodoxa abertos os rolos estava-se diante de ldquo61 homilias de Crisoacutestomordquo e natildeo drsquo
ldquoAs Sessenta e Uma [ou quantas sejam] Homilias de Joatildeo Crisoacutestomordquo
Nossa dificuldade entatildeo retomando a palavra que observamos tambeacutem no epiacutetome de
Estobeu torna-se precisar o significado de eklogaiacute nesses diferentes contextos Observemos
por exemplo o que ocorre no coacutedice 273 em que a construccedilatildeo logo apoacutes o verbo assemelha-
se agravequela da introduccedilatildeo da Crestomatia
(8) ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τῶν τοῦ μακαρίου ltΘεοδωρήτουgt λόγων οὓς εἰς τὸν ἐν ἁγίοις
Ἰωάννην τὸν Χρυσόστομον συνετάξατο ὧν ἡμεῖς πέντε τέως εἴδομεν ἐξ ὧν καί τινας
ἐκλογὰς τὰς ὑποτεταγμένας παρεγραψάμεθαrdquo
(Idem 273 507b 15 ndash 18)
Partindo para uma traduccedilatildeo literal o quanto possiacutevel ldquoLeu-se [fez-se leitura] a partir
dos discursos [ou arrazoados] do abenccediloado Teodoreto (que compilou sobre a santidade de
Joatildeo Crisoacutestomo) dos quais estudamos cinco ateacute entatildeo e a partir dos quais copiamos alguns
excertos abaixo arroladosrdquo ndash considere-se que paregrapsaacutemetha ldquocopiamosrdquo indica o
proacuteprio ato de ldquoescrever ao ladordquo copiando em outro manuscrito trechos selecionados a
partir do manuscrito que primeiramente se leu Chama a atenccedilatildeo o fato de que a primeira
oraccedilatildeo natildeo precisa de um nominativo Essa construccedilatildeo da forma passiva mais a preposiccedilatildeo ek
eacute diferentemente entendida e explicada pelos editores do coacutedice 239 todos editores ateacute
Severyns mesmo natildeo adotando-a propotildeem que o ideal seria a correccedilatildeo para o plural (Cf
Severyns op cit I 173) Esse rejeita imediatamente a hipoacutetese pois que natildeo consta em
nenhum manuscrito De fato natildeo se trata do coacutedice 239 julgado por si apenas mas como um
coacutedice da Biblioteca Explica a forma poreacutem tatildeo somente como um uso da linguagem de
Foacutecio advindo da repeticcedilatildeo17 Ferrante (1957 paacuteg 1) adota a liccedilatildeo de Severyns explica qual
17 ldquoSupposeacute mecircme que fucirct le sujet grammatical le pluriel du verbe ne serait pas encore de rigueur dans
la langue de Photius Car aacute force drsquoecirctre reacutepeacuteteacute devient chez lui une espegravece de mot invariable et
mecircme degraves les premiegraveres pages de la Bibliothegraveque on trouve des expressions comme cellescirdquo Entatildeo Severyns
23
a leitura gramatical que se deve fazer da frase e diz da forma verbal que ldquotem valor
impessoalrdquo o que eacute uma parte do proposto aqui ldquoformularrdquo18 Nenhum autor faz menccedilatildeo
discutindo esta construccedilatildeo agraves ocorrecircncias da terceira pessoa do plural na introduccedilatildeo de alguns
coacutedices ocorrecircncias essas que parecem muito bem justificadas A terceira pessoa do plural
aparece nos coacutedices 192B 216 260 261 e 269 por razatildeo que jaacute se deduz na passagem da
primeira para a segunda parte de 192 O coacutedice 192A refere-se ao livro de Santo Maacuteximo a
Taraacutessio contendo 164 resoluccedilotildees de questionamentos Observemos o que descreve o coacutedice
192B
ldquo[9] Ἔτι ἀνεγνώσθησαν αὐτοῦ καὶ ἐπιστολαὶ περὶ διαφόρων ὑποθέσεων ψυχωφελῶν
τε καὶ ἀναγκαίων τοῖς ὀρθοῦν τε τὰ ἤθη καὶ τὸν νοῦν ἐγρηγορότα συντηρεῖν πρὸς τὴν
εὐσέβειαν ἐσπουδακόσι τὸν ἀριθμὸν ζʹ καὶ κʹrdquo
ldquoAinda dele tambeacutem se leram epiacutestolas acerca de diferentes argumentos espirituais
necessaacuterios aos que estatildeo empenhados tanto em corrigir os costumes como preservar a mente
desperta agrave piedade 27 quanto ao nuacutemerordquo
(192b 157a 11 ndash 14)
Em princiacutepio poder-se-ia pensar que a forma verbal estaacute no plural para concordar com
o nominativo plural epistolaiacute mas consoante ao observado isso seria uma exceccedilatildeo em uma
obra de 280 coacutedices a todas as ocorrecircncias anteriores do tipo dos exemplos 6 e 7 acima
citados em que essa concordacircncia natildeo ocorre Diversos elementos aqui podem nos ajudar a
formular uma hipoacutetese para a variaccedilatildeo da forma hipoacutetese que parece se confirmar nos demais
coacutedices que trazem o plural e oferecem menos indiacutecios agrave conjectura
Observem-se as formas eacuteti e kaiacute da primeira oraccedilatildeo Referem-se ao coacutedice anterior
192A dedicado a resumir uma obra que parece bem extensa Nesta divisatildeo B do mesmo
coacutedice informa-se que se continuou lendo o mesmo autor mas natildeo uma obra completa ie
natildeo apenas uma uacutenica obra dele Fez-se uma seleccedilatildeo do que seria objeto da leitura
especificado apenas no fim pelo acusativo de relaccedilatildeo tograven arithmograven zacute kaigrave kacute Pode-se imaginar
que Foacutecio provavelmente quem determinava o que se leria ou natildeo aquilo que estaria
circunscrito a esta ou agravequela seccedilatildeo (ie na hipoacutetese de diferentes matildeos escrevendo ou
revezando-se em escrever as anotaccedilotildees que comporiam a Biblioteca) ou pelo menos quem
exercia a funccedilatildeo de organizar as sessotildees julgou prudente complementar este coacutedice dedicado
a Satildeo Maacuteximo com 27 epiacutestolas que natildeo eram elas mesmas se todas copiadas num mesmo
arrola coacutedices cuja construccedilatildeo eacute condizente com as dos exemplos 6 e 7 aqui ie verbo + genitivo + nom plural
(Severyns op cit I p 173) 18 Cf nota 1 agrave Traduccedilatildeo paacuteg 109
24
manuscrito ou coacutedice um conjunto intitulado pela palavra (no nominativo pois se trataria do
tiacutetulo) epistolaiacute Como se observa pela descriccedilatildeo mesma as epiacutestolas se unem pelo conteuacutedo
e aqui sim satildeo reunidas em um mesmo coacutedice ou parte de um (192B) que se soma agrave
primeira metade de 192 e o complementa O que se faz aqui no sentido menos teacutecnico da
palavra principalmente porque ela natildeo aparece natildeo deixa de ser uma eklogeacute no sentido de
uma reuniatildeo uma seleccedilatildeo como testemunhada no exemplo 8 acima referente ao coacutedice 273
Neste caso de fato a forma verbal deve concordar no plural com ldquoepiacutestolasrdquo porque sim natildeo
constitui um ldquotiacutetulordquo como anteriormente entendido nos casos acima estudados natildeo eacute a
palavra ou parte do conjunto de palavras que nomeia o manuscrito ou manuscritos objetos das
sessotildees de leitura mas sim o substantivo comum e forccedila a concordacircncia da forma que surge
em cinco dos 280 coacutedices
Isso nos leva a uma hipoacutetese para explicar as diferenccedilas de emprego o singular vai
com os ldquotiacutetulosrdquo por assim dizer enquanto o plural distingue documentos textos separados
agora reunidos em uma mesma ediccedilatildeo ie especifica partes diacutespares ou conjuntos delas que
estatildeo sendo lidos e que pelo menos no material de que os letrados junto a Foacutecio dispunham
provavelmente natildeo se encontravam reunidos sob um mesmo tiacutetulo ou mais propriamente
intitulaccedilatildeo para consoar com o que se defende aqui Isso se exemplifica pelas outras quatro
ocorrecircncias do plural nos coacutedices 216 260 261 e 269 A forma plural serve tanto para indicar
que diferentes textos estatildeo resumidos num mesmo coacutedice como no caso de 192B19 como
para indicar que os proacuteximos coacutedices na sequecircncia satildeo uma seleccedilatildeo de diferentes textos que
estatildeo agora sendo agrupados concomitantemente agraves sessotildees e agrave confecccedilatildeo da Biblioteca
Em resumo a forma ldquo rdquo referir-se-ia a uma ldquocoletacircneardquo de leituras ie
agrave leitura de ldquofontesrdquo filoloacutegicas ou de objetos filoloacutegicos diferentes concorda portanto com
diferentes nomeaccedilotildees de manuscritos
Eacute impressionante como essas formas gramaticais acabam por testemunhar na verdade
numerosa atividade filoloacutegica Assim eacute que o iniacutecio do coacutedice 216 notifica-nos a leitura
(anegnoacutesthesan) de dois grupos de textos (a forma plural concordando com o sujeito
composto portanto) ldquo4 livros que compreendem A Ciecircncia Meacutedica [provavelmente a
intitulaccedilatildeo] estabelecida por Oribaacutesio e ainda outros 7 [sc de Ciecircncia Meacutedica] do mesmo
homem e publicada sobre [em relaccedilatildeo a]o mesmo modelordquo Aqui a forma plural que
encabeccedila o coacutedice 216 pontua justamente essa secccedilatildeo pois que ateacute a o coacutedice 220 tratar-se-aacute
desses livros Leia-se o grego
19 Possibilidade de que 260 e 261 tambeacutem satildeo exemplos
25
ldquo[10] Ἀνεγνώσθησαν βιβλία δʹ ἃ τὴν πραγματείαν ἰατρικὴν ltὈρειβασίῳgt
συντεταγμένην περιεῖχε καὶ ἔτι ἕτερα ζʹ ἀνδρός τε τοῦ αὐτοῦ καὶ εἰς παραπλήσιον
ἐξενηνεγμένην τύπονrdquo
Observe-se que o particiacutepio perfeito meacutedio-passivo feminino exenenegmeacutenen soacute pode
concordar com tegraven pragmateiacutean iatrikeacuten o que nos leva a subentender que ldquoos 7 livros do
mesmo homemrdquo tecircm a mesma intitulaccedilatildeo dos quatro anteriores o que inclusive explica o
conteuacutedo da participial Observe-se principalmente como o verbo inicial que introduz o coacutedice
vai para o plural para concordar com dois nuacutecleos do sujeito bibliacutea dacute e eacuteti heacutetera z que
correspondem aos dois conjuntos de textos que neste momento da confecccedilatildeo da Biblioteca
foram objeto do ciacuterculo de leituras
Dos referidos coacutedices sem duacutevida os que melhor comprovam isso satildeo o 269 e os
seguintes pois introduzindo a leitura de ldquo21 discursos de diferentes homens santosrdquo pela
forma plural o resumo de cada um deles a comeccedilar pelo mesmo coacutedice e posteriormente nos
demais ateacute o fim da Biblioteca seraacute introduzido pela respectiva forma singular20
132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239
Mediante o exposto eacute mais provaacutevel que em formulaccedilotildees como esta do coacutedice 161
(103a)
ldquo[11] Ἀνεγνώσθη ἐκλογαὶ διάφοροι ἐν βίβλοις ιβʹ ltΣωπάτρουgt σοφιστοῦ
Συνείλεκται δὲ αὐτῷ τὸ βιβλίον ἐκ πολλῶν καὶ διαφόρων ἱστοριῶν καὶ γραμμάτωνrdquo
ldquoLeram-se diferentes excertos em 12 livros de Soacutepater o sofista Seu livro foi
coligido a partir de muitas e diferentes investigaccedilotildees e textosrdquo
semelhante agrave do epiacutetome 239 pela ocorrecircncia da palavra eklogai esta seja parte da intitulaccedilatildeo
do manuscrito que eacute objeto de leitura e resumo igualmente21 A julgar pelo que se diz na
20 Cf Biblioteca 479b 36 em diante 21 Portanto a traduccedilatildeo segundo os criteacuterios editorias e diagramaacuteticos de hoje se consideramos que pelo menos
eklogaiacute faz parte da traduccedilatildeo seria ldquoLeu-se diferentes Excertosrdquo
26
sequecircncia o proacutepria copista reconhece que se lecirc sob a designaccedilatildeo de eklogaiacute neste caso de
Soacutepater obra de coletacircnea ou excertos
Mas este ainda natildeo eacute o caso de nosso epiacutetome haacute mais um agravante o coacutedice 239 se
assemelha a um conjunto de epiacutetomes que vecircm introduzidos pela preposiccedilatildeo ek mais genitivo
apoacutes a forma verbal Como por exemplo no coacutedice 254
ldquo[12] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς μαρτυρικῆς Τιμοθέου τοῦ ἀποστόλου συγγραφῆς22rdquo
ldquoLeu-se [realizou-se leitura] a partir do relato testemunhal do apoacutestolo Timoacuteteordquo
(468b 2)
Nestes casos parece que a introduccedilatildeo feita pelo resumidor estaacute antes mais focada em
reconhecer o tipo de obra a ser lido do que referir diretamente agrave intitulaccedilatildeo da mesma
podendo sim o termo que vem no genitivo apoacutes a preposiccedilatildeo ser essa intitulaccedilatildeo Caso
obscuro eacute o do epiacutetome 240 logo apoacutes a Crestomatia
ldquo[13] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltἸωάννου τοῦ Φιλοπόνουgt εἰς τὴν ἑξαήμερον
rdquo
(240 322b 2)
Eacute difiacutecil ater-se agrave literalidade para traduzir tal passagem ldquoLeu-se a partir lsquodas coisasrsquo
sobre os seis dias de Joatildeo Filoacutepono querdquo23 Contudo a mesma explicita bem nosso
problema a saber o de uma leitura que eacute parcial Dois elementos chamam a atenccedilatildeo
Primeiramente a construccedilatildeo da forma verbal acrescida do termo preposicionado
parece referir de forma mais viacutevida (se pensarmos na semacircntica do grego) agrave proacutepria situaccedilatildeo
de leitura de que os volumes da Biblioteca se originam A forma parece possuir aqui um
aspecto mais forte ndash observado por Severyns e mantido tanto em Ferrante como nesta
traduccedilatildeo ndash de pontuar o caraacuteter resumido de que se leraacute algo a partir do que foi mais uma
sessatildeo ou sessotildees de leitura Falando por paraacutefrase eacute como se aquela forma de apresentaccedilatildeo
observada nos epiacutetomes anteriores (1 ndash 10) fosse um equivalente da nossa enumeraccedilatildeo
lacocircnica que recorre aos dois pontos ndash ldquoleu-se Homilias ao Gecircnese de Crisoacutestomo etcrdquo
22 Lembrando-se de que a suggrafeacute eacute especificamente o relato escrito o relato anotado 23 Mais uma vez a noccedilatildeo que na traduccedilatildeo do coacutedice 239 traduziu-se de modo perifraacutestico por ldquorealizou-se
leiturardquo natildeo foi adotada definitivamente pelos fins explicativos deste capiacutetulo para o cabeccedilalho dos demais
epiacutetomes semelhantes ao da Crestomatia mas ou apenas mencionada nos casos em que seria possiacutevel mantecirc-la
sem afetar a literalidade do que vem em seguida ou utilizada quando uacutenica maneira de manter legiacutevel essa
mesma traduccedilatildeo (infra exemplo 15) Cf Traduccedilatildeo nota 1 paacuteg 109
27
enquanto esta forma seria mais descritiva e analiacutetica ldquoleu-se realizou-se leitura deu-se
leitura a partir de lsquoxrsquo (ek + gen) etcrdquo
Em segundo lugar a presenccedila do artigo neutro plural se laacute naquela outra foacutermula por
assim dizer a brevidade e a introduccedilatildeo dos nominativos permitia identificar o que
chamaacutevamos intitulaccedilatildeo no caso desta formulaccedilatildeo mais descritiva ela nem sempre parece
clara Se focircssemos tentar inferi-lo o ldquotiacutetulordquo da obra nos nossos termos seria ldquoTagrave eis tegraven
exaeacutemeronrdquo ou ldquoEis tegraven exaeacutemeronrdquo Traduzindo (certamente) sem nenhum fim esteacutetico ldquoAs
Coisas sobre Os Seis Diasrdquo ou ldquoSobre Os Seis Diasrdquo A rigor o que se lecirc em grego tanto em
12 como em 13 parece mais uma descriccedilatildeo sendo que neste o texto parece dizer que se
realizou uma seccedilatildeo de leitura a partir daquilo que Joatildeo diz dos seis dias da Criaccedilatildeo ie o que
ele compocircs escreveu a respeito De fato sabemos que em se tratando do comentador de
Aristoacuteteles cristatildeo ortodoxo e (curiosamente) opositor de Proclo no campo teoloacutegico o
tratado deveria designar-se ie ser intitulado a partir da preposiccedilatildeo Dessarte esse resumo
estaria disposto da seguinte maneira (mais uma vez sem preocupaccedilatildeo esteacutetica nesta traduccedilatildeo
literal) ldquoLeu-se a partir [das coisas do que diz do conteuacutedo do assunto] de Joatildeo Filoacutepono
Sobre Os Seis Dias querdquo E segue-se um texto muito parecido na sua estrutura de reportar
enunciados ie de discurso indireto ao do epiacutetome 239
Parece portanto que o emprego de ek mais genitivo na introduccedilatildeo dos epiacutetomes tem
uma semacircntica intencionalmente partitiva ou ablativa no sentido de que particiona marca a
partir de que se daacute a leitura que apenas hipoteticamente pode natildeo ter sido integral Natildeo agrave toa
junto da palavra eklogeacuteeklogai em diferentes introduccedilotildees serviraacute para pontuar justamente
que o conteuacutedo apresentado natildeo eacute integral
Assim tambeacutem o coacutedice 234 parece muito em sua estrutura com o epiacutetome 239
ldquo[14] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜεθοδίουgt ἐπισκόπου καὶ μάρτυρος ἐκ τοῦ Περὶ
ἀναστάσεως λόγου οὗ ἡ ἐκλογὴ τὰ ὑποκείμενα λέγει
rdquo
ldquoLeu-se [realizou-se leitura] do Santo Metoacutedio epiacutescopo e maacutertir a partir do discurso
acerca da Ressurreiccedilatildeo cuja seleta diz o que se segue
Querdquo
(293a 2 ndash 5)
E assim teriacuteamos mais um texto semelhante ao epitome da Crestomatia ainda mais
considerando os enunciados reportados que se seguem ie a forte evidencia do discurso
28
indireto marcado pelas conjunccedilotildees Mais uma vez as estruturas gramaticais apontam para o
fato de que o texto que se segue eacute ele mesmo uma eklogeacute
Tantos indiacutecios inevitavelmente nos levariam a achar que eklogaiacute no tiacutetulo de nosso
coacutedice referir-se-ia como neste caso ao resumo feito para a proacutepria Biblioteca
Contudo observa-se que ao todo as introduccedilotildees que recorrem agrave forma com
preposiccedilatildeo ek subdividem-se em dois tipos ou aquelas que trazem como se viu essa
descriccedilatildeo da fonte que se lecirc como no tipo 12 de onde eacute possiacutevel inferir um tiacutetulo24 ou outro
subtipo (a que 239 pertence) que traz aleacutem do genitivo uma especificaccedilatildeo da intitulaccedilatildeo ou
pelo pronome relativo mais a forma verbal passiva epigraacutephetai ou entatildeo pelo particiacutepio da
mesma no genitivo Por exemplo
ldquo[15] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου λόγου laquoΒίος ἢ ἄθλησις τοῦ ὁσίου πατρὸς
ἡμῶν Παύλου τοῦ Κωνσταντινουπόλεως ἐπισκόπου τοῦ ὁμολογητοῦraquo ἐφrsquo ὁμοίᾳ
συστελλόμενος ἐκδόσειrdquo
ldquoRealizou-se leitura a partir do discurso que se intitula Vida e Julgamento do nosso
Sagrado Epiacutescopo e Homolegeta Paulo de Constantinopla resumido a semelhante ediccedilatildeordquo
(257 407a 22 ndash 25)
Em todas essas ocorrecircncias em que se tem o particiacutepio tem-se tambeacutem um nominativo que
designa o tiacutetulo25
Contrapondo isso a todas as demais formas de introduccedilatildeo brevemente consideradas
nesta discussatildeo sobre como se intitularia a obra parece verossiacutemil que fosse porque ela
mesma era em princiacutepio uma coletacircnea de excertos como a de Estobeu (o que eacute plenamente
verossiacutemil) fosse porque chega assim agrave Biblioteca o que se tinha em matildeos para ler e anotar jaacute
levava a inscriccedilatildeo eklogai ie jaacute era uma composiccedilatildeo de excertos uma seleta
Em outras palavras propotildee-se aqui considerar o plausiacutevel parece que todos os
indiacutecios textuais apontam para o fato de que o proacuteprio objeto escrito trazia a palavra eklogaiacute
uma vez que eacute possiacutevel identificar segundo as distinccedilotildees aqui traccediladas quando a palavra estaacute
sendo empregada para designar que um arrazoado um logos maior estaacute sendo posto
nominalmente na forma de ldquoseletardquo Isso pode perfeitamente significar que a palavra fizesse
parte da intitulaccedilatildeo corrente do texto em questatildeo se ele circulava mas natildeo implica
obrigatoriamente como pretende Severyns que ele sempre fora assim e que a palavra fora
posta no ldquotiacutetulordquo pelo proacuteprio Proclo A julgar pelos indiacutecios apresentados que parecem
24 Cf por exemplo coacutedices 242 (Bekker 335a) 253 (idem 467b) 25 Cf tambeacutem coacutedice 256 (idem 469b) 279 (idem 529b)
29
minimamente passiacuteveis aqui de alguma confirmaccedilatildeo nossa hipoacutetese eacute pelo menos tatildeo
verossiacutemil quanto a do referido editor segundo a qual o texto em matildeos dos letrados da
Biblioteca trazia o termo eklogai porque fora assim nomeado (uma ldquocompilaccedilatildeo de excertosrdquo)
pelo proacuteprio ldquoautorrdquo Tatildeo possiacutevel quanto isso eacute a probabilidade de que mesmo que houvesse
a Crestomatia em sua forma original e os eruditos junto a Foacutecio natildeo a tivessem agrave sua
disposiccedilatildeo o que circulou durante as sessotildees de leitura se tratasse de uma seleta uma
compilaccedilatildeo
Diante dessas duas possibilidades ainda a serem consideradas parece que uma sutil
certeza se confirma entre ambas Eacute de supor que pela terminologia apresentada ao longo do
epiacutetome e sua congruecircncia com diversos outros textos de doutrina mesmo que se trate de
excertos copiados e natildeo da obra na iacutentegra eles o satildeo como uma coletacircnea mesmo de
diferentes trechos copiados e coligidos como na obra de Estobeu em que pese aqui o plural
ekologaiacute Pelo que se observa da obra de Estobeu e dos demais textos que chegam a noacutes como
coletacircneas eklogeacuteeklogai podemos afirmar com algum acerto que o texto que temos eacute pelo
menos uma coletacircnea como a referida uma reuniatildeo talvez natildeo de citaccedilotildees diretas mas das
passagens relevantes ou dos ldquodizeresrdquo de uma obra se lembrarmos que ela eacute um logos que eacute
pensada como um ou como uma seacuterie deles Diante de tal texto a funccedilatildeo do editor ou
resumidor da biblioteca poderia ser simplificada seu resumo consistiria em transcrever e
readequar os excertos Nada impede que neste processo algo tenha se perdido por ser
deixado de lado (da proacutepria coletacircnea)26 mas observa-se que o material preservado consiste
justamente em breves topicalizaccedilotildees de termos teacutecnicos que por si mesmos e tudo que
podem referir compotildeem uma espeacutecie de glossaacuterio resumidor de muito quanto se circunscreve
aos ldquosaberes proveitososrdquo das letras ora como objeto da gramaacutetica ora como objeto da
retoacuterica ora como objeto da poeacutetica Talvez essa seja uma explicaccedilatildeo plausiacutevel para o fato de
que introduzindo o coacutedice 239 pela referida forma aqui comentada diferentemente de outras
semelhantes mas natildeo idecircnticas como a do exemplo 15 natildeo haja menccedilatildeo por parte do
resumidor ao ato de abreviar ie agrave confecccedilatildeo do proacuteprio epiacutetome como uma coletacircnea
porque o texto mesmo jaacute era uma reuniatildeo de passagens que ele passa a arrolar topicalizando
ie o objeto escrito que os eruditos da Biblioteca tinham em matildeos jaacute era um breviaacuterio
26 Eacute possiacutevel obter um sutil vislumbre do tipo de coisa que os resumidores podem ter deixado de lado observando
a inclusatildeo do ciclo eacutepico Considerando-se o epiacutetome e os resumos eacute possiacutevel fazer algumas conjecturas sobre o
tipo e a quantidade de coisa que natildeo foi anotada no coacutedice debate-se ainda se a Crestomatia continha integral ou
parcialmente aleacutem do ciclo troiano episoacutedios cosmogocircnicos e ou ateacute referentes ao ciclo tebano Cf Estudo
3312
30
Eacute por mais esses elementos que contrariamente aacute hipoacutetese de Severyns ndash muito
refinada e plausiacutevel mas natildeo consoante agrave avaliaccedilatildeo dos diferentes indiacutecios arrolados nesta
introduccedilatildeo ndash defende-se aqui a hipoacutetese de que muito provavelmente mesmo que os eruditos
da Biblioteca pudessem consultar agrave Crestomatia original (se eacute que podemos falar nesses
termos) por tecirc-la consigo ou por poder acessaacute-la em outro lugar o que se compila para a
Biblioteca eacute uma seleccedilatildeo daiacute um breviaacuterio (para acentuar a ideia de um segundo momento
em que inevitavelmente a obra foi abreviada) nos moldes de Estobeu quanto agrave sua forma mas
sobre a obra de um uacutenico autor enquanto aquele reuacutene liccedilotildees de diferentes autores Sabemos
que pelo que se entende do termo crestomatia e pelo proacuteprio conteuacutedo do epiacutetome o coacutedice
239 natildeo deixa de ser tambeacutem uma reuniatildeo de diferentes liccedilotildees eacute contudo pelo trabalho
acadecircmico que podemos identificar separadamente o quanto possiacutevel a origem delas em
diferentes textos de doutrina dos saberes antigos (natildeo ignorando o termo ldquogramaacuteticardquo que
parece ser o denominador comum) essa pluralidade circunscreve-se portanto ao termo
ldquocrestomatiardquo ie um uacutenico texto resultante do esforccedilo de compor um ou mais discursos
sucessivos (loacutegoi) tangenciando os diversos temas das diferentes aacutereas pelo eixo comum das
ldquoletrasrdquo (grammatikeacute) Dele fez-se um breviaacuterio uma seleta condensando os toacutepicos cuja
compilaccedilatildeo foi usada no coacutedice 239
A enorme perda de conteuacutedo que haveria se julgaacutessemos ser o coacutedice 239 portanto o
resumo de algo jaacute resumido eacute um dos vaacuterios argumentos de Severyns para defender que a
julgar pela totalidade que se pode vislumbrar no coacutedice natildeo seria esse o caso porque ndash
seguindo esse raciociacutenio ndash muito mais estaria perdido e nos faltaria esse vislumbre Essa perda
eacute questionaacutevel considerados os argumentos acima primeiro a noccedilatildeo de totalidade o
vislumbre de tantos temas diversos tratados em uma mesma obra eacute resultado provaacutevel do que
se tinha por uma crestomatia obra abrangente e natildeo por eklogeacuteeklogaiacute segundo dessa obra
selecionam-se os trechos que contenham resumidamente as liccedilotildees sobre as letras e outros
assuntos que tangenciem esse saber Se observarmos o jaacute citado excerto (paacuteg 16) do
Etymologicum Magnum no verbete ldquoeacutelegosrdquo podemos considerar que talvez natildeo se pautando
diretamente no texto original da Crestomatia o compilador natildeo viu nenhum problema em
fornecer como ldquoProclordquo passagens que satildeo ainda mais reduzidas do que as do coacutedice em
questatildeo mas que contecircm pelo menos as mesmas coisas que ele ou seja toma-as seguramente
como conteuacutedo de Proclo e natildeo de Foacutecio Natildeo haacute por que pois imaginar que os
compiladores da Biblioteca tivessem procedido de maneira diferente em torno do que tinham
ou poderiam acessar da obra Natildeo haacute duacutevida evidentemente que muita coisa que eacute apenas
aludida foi simplesmente suprimida como se vecirc pelo ciclo eacutepico e isso impossibilita
31
justamente o argumento de Severyns segundo o qual natildeo ter acesso agrave obra na iacutentegra geraria
no resumo incongruecircncias ou falta de totalidade
Isso seria condizente finalmente com o uacuteltimo item desse resumo do coacutedice 239 da
Biblioteca de Foacutecio ldquoAqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de
Proclordquo (grifos do autor) O nuacutemero de arrazoados resumidos ou loacutegoi apresentados pelo
resumidor ao fim do coacutedice natildeo equivale ao nuacutemero que no iniacutecio fora dado como o
nuacutemero das partes dessa Crestomatia laacute quatro arrazoados aqui dois Natildeo eacute em vatildeo
portanto que o resumidor preocupa-se bem como nos demais casos de resumos mas agora ao
fim em dar notiacutecias a respeito da disparidade entre o objeto que estaacute agora sendo
confeccionado e o objeto primeiro compilado (como nos casos conforme visto acima em que
se explicita a elaboraccedilatildeo de uma seleta para a Biblioteca) Parece julgar necessaacuterio ao que
tudo indica informar uma disparidade Esse item natildeo poderia senatildeo ser uma nota filoloacutegica
Primeiro o nuacutemero confirma que natildeo se compila a obra por completo mas o que equivaleria
a sua primeira metade seus dois primeiros livros ou arrazoados Mais chama a atenccedilatildeo
todavia a ausecircncia da palavra eklogaiacute aqui Seja porque o objeto escrito uma eklogeacuteeklogaiacute
indicava-o seja porque os letrados ainda estavam em posse dessa informaccedilatildeo a ausecircncia da
palavra busca esclarecer o quanto da obra em questatildeo se leu e agora se disponibiliza a quem
eventualmente acessar a Biblioteca ie o equivalente aos dois primeiros livros ou arrazoados
de outro objeto designado apenas por Proacuteclou Grammatikecircs Khrestomaacutetheia ou Crestomatia
de Letras de Proclo O objetivo dessa passagem que encerra o resumo natildeo eacute senatildeo esclarecer
a equivalecircncia entre o que se resumiu para a Biblioteca a partir de eklogocircn ou seja
ldquoexcertosrdquo equivalentes ao que seria o conteuacutedo da primeira metade da obra original Se natildeo
o fosse por que estaria o resumidor cioso de informar tatildeo especificamente nuacutemeros diacutespares
de partes aleacutem de natildeo empregar a palavra ldquoexcertosrdquo na segunda especificaccedilatildeo
Se o objeto resumido Os Excertos da Crestomatia de Letras de Proclo era uma seleta
apenas dos dois primeiro livros da Crestomatia de modo que por conter a especificaccedilatildeo ou
por saberem-no os eruditos eacute resumido do comeccedilo ao fim com uma especificaccedilatildeo da
equivalecircncia de partes ou se essa equivalecircncia eacute informada justamente porque Os Excertos
tambeacutem compreendiam os outros dois livros mas os eruditos natildeo os incluiacuteram na Biblioteca
isso natildeo eacute possiacutevel saber Em todas as hipoacuteteses poreacutem eacute mais verossiacutemil principalmente
pelo indiacutecio final do texto que os eruditos da Biblioteca compilaram eklogaiacute excertos ou uma
seleta
Resta para talvez ampliar o vislumbre dessa obra inquirir pelo termo grego
khrestomaacutetheia que como se sabe estaacute lexicalizado em nossos bons dicionaacuterios
32
133 O termo ldquocrestomatiardquo
Uma vez que a palavra ldquocrestomatiardquo eacute tradicionalmente entendida como sinocircnimo
direto de ldquocoleccedilatildeo coletacircneardquo o que nos eacute sugerido pelos dicionaacuterios em geral27
inevitavelmente se pensaraacute estar diante de uma dupla coletacircnea o que a princiacutepio consoa
com o exposto leem-se no coacutedice 239 da Biblioteca ldquoexcertos de uma coletacircnea sobre as
Letrasrdquo da antiguidade Embora defendido que seja esse o caso essa simples traduccedilatildeo natildeo nos
permitiria vislumbrar o fato de que o termo crestomatia natildeo se refere tanto agraves dimensotildees ou agraves
proporccedilotildees da obra quanto agraves suas qualidades ou aos traccedilos que a definem como sendo de
certo tipo
Severyns defende em seu estudo que o entendimento de ldquocrestomatiardquo como florileacutegio
natildeo eacute proacuteprio dos antigos28 que tomam o termo como qualificativo ou definidor de uma obra
sem que isso implique um gecircnero de resumo O significado abreviativo derivaria da
interpretaccedilatildeo renascentista do tiacutetulo feita por ocasiatildeo das primeiras publicaccedilotildees impressas da
Biblioteca a partir da metade do seacutec XVI e teria se prolongado como os proacuteprios dicionaacuterios
modernos (Liddel amp Scott Bailly) datildeo a entender ldquoCrestomatiardquo portanto seria tatildeo somente
o que nomeia e define essa obra que pretende fornecer ensinamentos uacuteteis (no sentido praacutetico)
de certo saber (aqui o das Letras) Severyns poreacutem buscando ver totalidade na obra traduz o
nome interpretando-o segundo a hipoacutetese ndash que defende muito coerentemente ndash de que mesmo
a palavra ldquoeklogaiacuterdquo faria parte do tiacutetulo original da obra Justamente por essa leitura junto de
ldquoeklogaiacuterdquo adiciona ldquoabreacutegeacuterdquo ao que em sua traduccedilatildeo seria o tiacutetulo da obra sugerindo que o
significado do termo em questatildeo seria o de acentuar seu caraacuteter de ldquomanualrdquo de liccedilotildees
agregador de diversos ensinamentos supondo claro que se fosse versar detalhadamente
sobre os toacutepicos seria muito maior
Se julgarmos contudo que Severyns estaacute correto quanto agrave interpretaccedilatildeo precisa do
significado da palavra que aqui serve para qualificar certo tipo de texto mesmo sem designaacute-
lo sob uma difundida nomenclatura geneacuterica de uso rigoroso apesar do emprego de eklogaiacute
conforme estudado no item acima entatildeo podemos entender que o simples emprego do termo
ldquocrestomatiardquo como intitulaccedilatildeo bastaria para qualificar a obra por sua finalidade e utilidade
27 Cf Traduccedilatildeo nota 2 Conforme anotado a palavra estaacute lexicalizada nas liacutenguas romacircnicas 28 Severyns op cit tome II 65 ndash 69
33
reunir saberes proveitosos que no caso do texto atribuiacutedo a Proclo contemplam diferentes
autores ou textos Inevitavelmente as duas palavras parecem implicar certa redundacircncia mas
como decorrecircncia do fato de que a noccedilatildeo de khrestomaacutetheia secundariamente implica a noccedilatildeo
de seleccedilatildeo mas natildeo o contraacuterio A palavra eklogeacute referir-se-ia agrave noccedilatildeo geral de ldquoseletardquo
enquanto khrestomaacutetheia a um criteacuterio que nortearia o caraacuteter dessa seleccedilatildeo No caso da
seleccedilatildeo de passagens diversas e ilustrativas do saber de diferentes autores isso implicaria em
uma obra como a de Estobeu que seleciona as passagens de sua Coletacircnea pelo ensinamento
que contecircm O fato de haver certa redundacircncia entre as duas coisas seria mais um argumento a
favor da hipoacutetese de que os eruditos em torno de Foacutecio natildeo leram a obra na iacutentegra A
ocorrecircncia de ambas portanto deve implicar nesse caso que pelo menos nessa passagem
designam coisas diferentes Nesse sentido a obra de Proclo se diria ldquocrestomatiardquo porque o
criteacuterio que a norteia eacute relacionar ensinamentos proveitosos de uma aacuterea em especiacutefico o que
aponta para a caracteriacutestica preponderante do texto a saber conter liccedilotildees que
tradicionalmente satildeo desenvolvidas em textos especiacuteficos de diferentes doutrinas antigas aqui
agremiadas pelo tiacutetulo grammatikeacute gramaacutetica Isso se aventa pelas duas outras ocorrecircncias da
palavra na proacutepria Biblioteca ambas posteriores ao coacutedice 239 A primeira delas que parece
referir-se bem a essa qualidade instrutiva por si soacute consiste no emprego do substantivo no seu
sentido proacuteprio e natildeo teacutecnico para explicar o que se apresenta das Vidas Paralelas a obra de
Plutarco compilada no coacutedice 245
ldquo[16] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltΠλουτάρχουgt παραλλήλων διάφοροι λόγοι ὧν ἡ ἔκδοσις
κατὰ σύνοψιν ἐκλέγεται διάφορον χρηστομαθίανrdquo
(245 393b 9)
O resumidor seguindo o espiacuterito jaacute comentado de para certos casos caracterizar o que
se leraacute em relaccedilatildeo agrave fonte de que se compila (o espiacuterito de nos dar alguma nota editorial do
que se estaacute produzindo) informa-nos que neste coacutedice ldquofez-se a leitura de diferentes
discursos das Vidas Paralelas de Plutarco dos quais a ediccedilatildeo em sinopse seleciona o saber
distintordquo Poder-se-ia seguindo a sugestatildeo de Severyns29 arriscar a traduccedilatildeo por ldquodistinta
erudiccedilatildeordquo uma vez que como laacute demonstrado o substantivo primitivo chrestomateacutes
( ) empregava-se para designar aquele que buscava o saber proveitoso uacutetil o
ldquoeruditordquo Assim a palavra ocorre na introduccedilatildeo ao epiacutetome da obra de Plutarco para
assinalar que natildeo se encontraraacute ali a obra mas que o resumo fruto da leitura ateacutem-se a
29 Severyns op cit II pg 66
34
fornecer os trechos que conteacutem aos olhos de nosso resumidor ensinamentos valiosos ie
aqueles que serviratildeo para ensinar (no caso do gecircnero historiograacutefico atraveacutes de exempla)
A segunda ocorrecircncia (quarta no total) eacute justamente para introduzir outra obra
nomeada ldquoCrestomatiardquo e compilada na Biblioteca a saber a Crestomatia de Helaacutedio
ldquo[17] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς ltἙλλαδίου Βησαντινόουgt ἐπιγ-
ραφομένης πραγματείας χρηστομαθειῶν αʹ βʹ γʹ δʹrdquo
(279 529b 26)
Como se nota natildeo haacute a palavra eklogaiacute nesse caso e a introduccedilatildeo do epiacutetome segue o
mesmo padratildeo dos epiacutetomes anteriormente comentados trazendo um particiacutepio introduzindo a
intitulaccedilatildeo do objeto escrito ldquoTratado de Crestomatia 1 2 3 4rdquo A obra de Helaacutedio como
resumida na Biblioteca parece dedicar suas primeiras seccedilotildees a catalogar informaccedilotildees uacuteteis
sobre palavras ou sobre diversos elementos leacutexicos da pronunciaccedilatildeo correta de certos
vocaacutebulos ateacute usos linguiacutesticos ie quando se empregava preferencialmente esta agravequela
forma ou quando soacute se podia aplicar uma etc Tais saberes uacuteteis tambeacutem seratildeo a respeito das
causas e origens de certos nomes e se trataraacute entatildeo de nomes de lugares ou por que certo
grupo usa tal signo para certa coisa por que tal monumento ou local recebeu seu nome etc e
nesse sentido como ocorre tambeacutem no caso da Crestomatia de Proclo natildeo se distingue
claramente quando o objeto eacute a palavra ou a coisa a discussatildeo linguiacutestica se torna etioloacutegica
Por vezes natildeo haacute essa discussatildeo mas o resumidor anota uma informaccedilatildeo relevante a
passagem de 533b 29 ndash 34 por exemplo eacute dedicada a ordenar o estabelecimento e os locais
das competiccedilotildees atleacuteticas dos gregos30 Do meio em diante pelo menos a julgar pelo epiacutetome
as informaccedilotildees compiladas entatildeo passam agrave origem e histoacuterias diversas de fato definindo o
texto sobre um texto como uma crestomatia sobre coisas diversas
Mais interessante a tiacutetulo de comparaccedilatildeo eacute o fato de que o resumo traz o nome de
autores de que Helaacutedio haure sua ldquoerudiccedilatildeordquo ou ldquosaberes proveitososrdquo Dioniacutesio por exemplo
eacute citado como fonte a partir da qual se arrolam usos proacuteprios dos aticistas31 tais fontes satildeo
dadas nominalmente no epiacutetome muito provavelmente porque o proacuteprio Helaacutedio as
informava uma vez que ocorrem sob a forma de discurso reportado ou indireto ldquoDioniacutesio diz
que os aticistasrdquo e natildeo ldquodiz querdquo como ocorre no coacutedice de Proclo ou seja o coacutedice
informa-nos que na Crestomatia de Helaacutedio ldquoeacute dito que Dioniacutesio diz querdquo e tem-se uma
liccedilatildeo uacutetil como por exemplo ldquoos aticistas natildeo dizem oneacutesamen mas sim
30 Foacutecio Biblioteca 279 533b 29 ndash 34 31 idem 279 529b 29 ndash 34
35
epriaacutemen rdquo e dizem as demais formas do verbo em questatildeo conforme o esperado
morfologicamente32 Eacute pois de se supor que Helaacutedio no suposto texto original dissesse
ldquoDioniacutesio diz querdquo ou seja referia autores fonte das informaccedilotildees uacuteteis que colige Mais agrave
frente sua fonte seraacute ningueacutem menos que o gramaacutetico Diacutedimo
Mais uma diferenccedila se entrevecirc aqui no caso do texto de Helaacutedio o manuscrito agrave
disposiccedilatildeo dos eruditos muito provavelmente por conter ainda a obra por completo trazia seu
autor referindo-se a fontes se natildeo as citando No caso da Crestomatia de Proclo isso natildeo
ocorre As liccedilotildees embora as identifiquemos como pertencentes a diferentes doutrinas satildeo
apenas arroladas uma apoacutes a outra Quando haacute mais de uma hipoacutetese ou possibilidade
principalmente no caso das etimologias geralmente haacute uma menccedilatildeo a ldquooutrosrdquo ou a uma
possibilidade divergente Isso leva a pensar que se a Crestomatia de Proclo tinha as mesmas
dimensotildees que a de Helaacutedio quatro livros trazia ela tantos autores citados na atribuiccedilatildeo de
suas liccedilotildees e diferentes versotildees de etimologias que o resumidor resolveu apenas referir-se a
eles pelo termo ldquooutrosrdquo33 Para aleacutem dos casos em que as diferentes possibilidades
etimoloacutegicas e etioloacutegicas natildeo podem e nem poderiam ser identificadas quanto a sua origem
especiacutefica por natildeo a possuiacuterem (caso de explicaccedilotildees para a origem do epos da elegia do
iambo) eacute de se supor que ou a coletacircnea da obra de Proclo o que se lia natildeo trazia essas
informaccedilotildees por ser uma seleta no sentido discutido de um resumo ou uma primeira
abreviaccedilatildeo ou o autor ele mesmo natildeo as dava por ser um organizador de doutrina ie por
estar focado em organizar saberes doutrinais de modo a instruir Essa segunda hipoacutetese natildeo eacute
de se descartar porque e mais uma vez uma natildeo nega a outra Provavelmente ambas satildeo
verdadeiras pois natildeo eacute de se imaginar que em uma obra com a extensatildeo de quatro livros
como a de Helaacutedio versando sobre diferentes toacutepicos das letras em geral em nenhuma
passagem ocorresse a menccedilatildeo a este ou agravequele autor e o que pensa ou diz sobre determinado
assunto Igualmente eacute de se supor pela mateacuteria do texto que diferentes opiniotildees fossem
apenas referidas a ldquooutrosrdquo como se observa em textos semelhantes como forma padratildeo de
dizer uma vez que satildeo os saberes tradicionalmente consolidados sobre aquele assunto ie as
32 Em outras palavras como diriacuteamos hoje ensina que os autores aacuteticos ldquoclaacutessicosrdquo fazem a 1ordf pessoa do
singular do aoristo do verbo supletivamente ou recorrendo agrave formaccedilatildeo de outro verbo 33 Cf por exemplo 319b 3 ndash 5 sobre as diferentes possibilidades de acentuar a palavra que nomeia o poema
Ciacuteprias do ciclo eacutepico natildeo se identifica ningueacutem aleacutem do autor que proponha e siga essa hipoacutetese bem como
nenhuma autoridade eacute citada em prol da acentuaccedilatildeo vigente ou entatildeo 321a 6 em que haacute uma referecircncia aos que
julgam ser o escoacutelio nomeado por antiacutestrofe Para alguns casos poreacutem natildeo haacute menccedilatildeo e o termo ldquooutrosrdquo se
emprega porque as etimologias jaacute eram assim consolidadas como possibilidades igualmente vaacutelidas para a
mesma coisa ie eram etimologias igualmente aceitas e disseminadas mais ainda autorizadas Eacute o caso claro
das etimologiasetiologias do iambo Cf infra cap 3 seccedilotildees 331 a 333 paacutegs 83 a 95 as explicaccedilotildees satildeo as
mesmas adotadas por exemplo na Gramaacutetica de Diomedes As etimologias para o termo epos tambeacutem jaacute eram
todas consolidadas
36
possiacuteveis explicaccedilotildees que ao longo dos seacuteculos mas principalmente com a atividade editorial
do periacuteodo heleniacutestico em diante foram se consolidando como as ldquoverdadesrdquo aceitas e
igualmente plausiacuteveis Natildeo haacute para elas pois uma origem definida portanto uma fonte a ser
citada
Esse segundo fato se confirma se aceitamos definitivamente que a Vita Homeris do
coacutedex Venetus eacute junto dos demais resumos dos poemas ciacuteclicos laacute contidos excertos da
Crestomatia original Ao referir-se aos diferentes casos particulares da vida de Homero
conforme o proacuteprio epiacutetome diz que fazia em relaccedilatildeo tambeacutem aos demais poetas eacutepicos34
emprega continuamente as expressotildees ldquounsrdquo ldquooutrosrdquo ldquoaquelesrdquo para referir-se aos
diferentes e agraves vezes divergentes ldquoepisoacutediosrdquo da vida de Homero Ora nada mais consolidado
no acircmbito da cultura geral do que Homero e as diferentes histoacuterias a respeiro dele sua morte
sua origem etc Eram todas versotildees consolidadas e discutidas sem terem origem precisa e
identificada Essa Vita ou biografia do vate tambeacutem nos ilustra que sim inevitavelmente
quando tratando de informaccedilatildeo ou hipoacutetese mais teacutecnica inevitavelmente o autor referiria
uma fonte ou origem dessa informaccedilatildeo Eacute o que ocorre quando se discute primeiro sua
origem
Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu
Dizem que Meatildeo pai de Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem
de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades filho de Carifemo
filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de
Doriatildeo filho de Orfeu
Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas
(Vita Homeri 19 ndash 24 in Severyns IV paacuteg 69 trad do autor)
Essas eram opiniotildees sobre Homero solidamente proferidas por outros e assim
identificadas
Nos dois paraacutegrafos imediatamente anteriores e no paraacutegrafo imediatamente posterior
por exemplo temos informaccedilotildees ou episoacutedios anedoacuteticos sobre Homero e nesses casos
vemos a praacutetica de atribui-los a ldquooutrosrdquo indefinidos
[] uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de
Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral
reclama o homem pelo que razoavelmente pode ser dito cosmopolita
34 ldquoOs mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro Paniacuteasis e Antiacutemaco Desses discorre na
medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas histoacuterias particularesrdquo Proclo apud Foacutecio
Biblioteca 239 319a 17 ndash 21
37
Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era
Meatildeo e que foi concebido perto do Rio Meles motivo pelo qual
tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado Homero
[Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea
[refeacutem ] aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo
esse nome por causa da deficiecircncia dos olhos Os cegos de fato eram
chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios
(idem 9 ndash 18 paacuteg 68 trad do autor)
e
ldquoSobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua
proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta respostardquo
(idem 25 paacuteg 68 trad do autor)
Note-se que no primeiro caso inculise fezem-se etimologias
Mais agrave frente discutindo a o periacuteodo em que Homero teria vivido
Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na
eacutepoca da imigraccedilatildeo jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno
dos Heraclidas e o evento em torno dos Heraclidas estaacute oitenta anos
depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o
recuam aos tempos de Troia
(idem 59 paacuteg 73 idem)
Vemos a julgar por esse suposto e breve trecho original da Crestomatia que muito
provavelmente como na Crestomatia de Helaacutedio quando alguma liccedilatildeo especiacutefica haurida
deste ou daquela escola era dada era de se imaginar o nome e a atribuiccedilatildeo Tambeacutem como laacute
conforme dito e como se vecirc no proacuteprio resumo de Foacutecio especificamente nos trechos que
versam sobre as celebraccedilotildees ciacutevico-religiosas que originam gecircneros meacutelicos os ldquosaberes
uacuteteisrdquo ie a ldquoerudiccedilatildeordquo a ser transmitida passa a descriccedilatildeo etioloacutegica e histoacuterica (como no
caso da guerra que daacute origem agrave dafnefoacuteria35)
A Crestomatia de Proclo contudo possui um eixo temaacutetico as letras Conclui-se
portanto que entendida natildeo como um gecircnero textual rigorosamente especiacutefico mas como
uma obra de erudiccedilatildeo no sentido de uma reuniatildeo de informaccedilatildeo registro dessa informaccedilatildeo
vaacuteria num documento uacutenico uma crestomatia pode contemplar saberes de diferentes aacutereas e
elementos que no caso de Helaacutedio natildeo teriam uma associaccedilatildeo direta ie natildeo seriam objeto
35 Idem 321a 36 ndash 321b 12
38
de uma mesma obra A reuniatildeo de informaccedilotildees da obra de Proclo visa agrave instruccedilatildeo na aacuterea das
letras Duas perguntas decorrem disso a quais saberes entatildeo ou a quais aacutereas do saber antigo
essa crestomatia se voltaraacute O que se entende por gramaacutetica na intitulaccedilatildeo do coacutedice
134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra
A palavra gramaacutetica que delimita o eixo temaacutetico dessa crestomatia poderia ser
tomada em sua literalidade para efeitos de traduccedilatildeo mas aqui talvez apenas na literalidade
que possuiacutea entre os gregos Essa mesma literalidade poreacutem eacute ampla e polissecircmica dado
que como se sabe passa a designar o ofiacutecio do gramaacutetico Sua funccedilatildeo na antiguidade
compreendeu atividades que tambeacutem noacutes atribuiacuteamos aos gramaacuteticos hoje mas outras que
natildeo Em princiacutepio segundo Dioniacutesio Traacutecio seis seriam as partes da gramaacutetica36
Γραμματική ἐστιν ἐμπειρία τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ
συγγραφεῦσιν ὡς ἐπὶ τὸ πολὺ λεγομένων
Μέρη δὲ αὐτῆς ἐστιν ἕξ πρῶτον ἀνάγνωσις ἐντριβὴς κατὰ
προσῳδίαν δεύτερον ἐξήγησις κατὰ τοὺς ἐνυπάρχοντας ποιητικοὺς
τρόπους τρίτον γλωσσῶν τε καὶ ἱστοριῶν πρόχειρος ἀπόδοσις
τέταρτον ἐτυμολογίας εὕρεσις πέμπτον ἀναλογίας ἐκλογισμός ἕκτον
κρίσις ποιημάτων ὃ δὴ κάλλιστόν ἐστι πάντων τῶν ἐν τῇ τέχνῃ
(Dioniacutesio Traacutecio 1153 ndash 6 3 in Grammatici Graeci)
ldquoA Gramaacutetica eacute o saber dos usos da liacutengua conforme se daacute no
mais das vezes entre os poetas e os escritores
Suas partes satildeo seis a primeira eacute a leitura treinada de acordo
com a prosoacutedia a segunda eacute a exegese segundo os tropos poeacuteticos
existentes a terceira eacute a pronta explicaccedilatildeo das formas dialetais e
histoacuterias quarta a revelaccedilatildeo da etimologia quinta o cocircmputo das
analogias sexta a avaliaccedilatildeo [o juiacutezoapreciaccedilatildeo] de poemas que eacute a
mais bela de tudo na teacutecnicardquo
(trad e grifo do autor)
Como responsaacutevel por descrever e ensinar o uso devido da liacutengua e por avaliar como
especialista do saber linguiacutestico se um texto era ou natildeo espuacuterio ie determinar a
36 Para uma precisa anotaccedilatildeo da gramaacutetica de Dioniacutesio Traacutecio Cf Dos Santos MM Dioniacutesio da Traacutecia Arte
traduccedilatildeo e notas in Letras Claacutessicas n11 153 ndash 179 2007
39
autenticidade de um texto cabia ao gramaacutetico portanto aquilo que hoje diriacuteamos ldquoo
estabelecimento do textordquo ofiacutecio do filoacutelogo moderno O emprego do termo krisis referindo-
se aos poemas como objeto dessa avaliaccedilatildeo eacute muito semelhante ao que ocorre no epiacutetome
fociano em 319a 1 ndash 3
ldquoΔιαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδίδωσι τίς ἤθους καὶ πάθους
διαφοράrdquo
(Proclo apud Foacutecio 239 319a 1 ndash 3)
ldquoFaz consideraccedilotildees acerca do juiacutezo de poesia no que transmite qual a diferenccedila entre
caraacuteter e afetordquo
Este trecho eacute um dos mais problemaacuteticos do texto porque dado agrave brevidade e agrave
amplitude semacircntica das palavras empregadas possibilita pelo menos mais de uma leitura A
criacutetica notou37 que o conteuacutedo desta primeira oraccedilatildeo e principalmente a expressatildeo kriacutesis
poieacutematos fazem ressoar a sexta parte da empiria gramatical como definida por Dioniacutesio
Traacutecio kriacutesis poiemaacuteton ldquoa mais bela de tudo na teacutecnicardquo Em termos de entendimento
linguiacutestico a dificuldade ocorre primeiro por causa do significado do verbo dialambaacuteno que
semanticamente conteacutem a ideia mesmo de uma kriacutesis um juiacutezo um discernimento
significando ldquotomar separadamente dividir com escruacutepulordquo daiacute ldquodiscernir avaliar
considerarrdquo e justamente ldquojulgarrdquo segundo pela ausecircncia do artigo antes do substantivo kriacutesis
e pelo genitivo singular poieacutematos ao inveacutes de poiemaacuteton (de poema e natildeo de poemas) o
que impossibilita saber se o texto reporta-se agravequela kriacutesis poiemaacuteton (ie avaliaccedilatildeo
julgamento de poemas) que eacute uma parte da gramaacutetica ou se a palavra kriacutesis aqui eacute
empregada (como defende Severyns) em sentido amplo e natildeo teacutecnico junto agrave palavra que no
epiacutetome eacute empregada para designar ldquopoesiardquo siginificando apenas portanto de forma
perifraacutestica que ldquoFoacutecio diz que Proclo faz consideraccedilotildeesrdquo ndash considerando o aspecto verbal do
presente grego lsquoprossegue em suas consideraccedilotildeesrsquo como quer Severyns ndash ldquosobre a avaliaccedilatildeo
da poesiardquo portanto simplesmente ldquoele continua seu exame da poesiardquo que de fato ocorria
em contraposiccedilatildeo agrave prosa desde a distinccedilatildeo entre ambas em 318b 24 (sect3 na ediccedilatildeo de
Severyns) de modo a como se observa a partir de 319a 3 (sect11 idem) logo se concentrar no
que concerne tatildeo somente agrave poeacutetica ie seus gecircneros
Aqui se adota uma terceira leitura contraacuteria a de Severyns mas natildeo totalmente
consoante agrave de Ferrante ndash principalmente nas implicaccedilotildees primeiramente essa kriacutesis
37 cf Severyns (op cit pg 77 ndash 79) para um balanccedilo das leituras e Ferrante (op cit pg 20 ndash 21) para uma
visatildeo ainda contraacuteria a de Severyns)
40
poieacutematos natildeo precisaria orbigatoriamente ser uma alusatildeo ao nome exato da referida parte da
arte gramatical para ser (em se tratando da avaliaccedilatildeo da poesia aqui designada por poiacuteema)
aquele conjunto de avaliaccedilotildees sobre diferentes aspectos do poema Ainda assim natildeo parece
ser o caso
Eacute fundamental pontuar que a passagem deve ser julgada de acordo com o
procedimento geral do resumo ie a forma de resumir O resumidor parece topicalizar
atraveacutes dos termos (quase sempre teacutecnicos) aquilo de que a obra original tratava no respectivo
passo em vez de descrever o que teoricamente Proclo (seja quem for) fazia sem antes
introduzir qual era o objeto ou o toacutepico teoacuterico em questatildeo podendo ater-se ou natildeo a ele
(contrastem-se por exemplo os paraacutegrafos 17 e 69 ndash 78 com os derradeiros referentes agraves
uacuteltimas espeacutecies meacutelicas 93 ndash 99) Se considerarmos como quer Severyns que kriacutesis
poiemaacutetos natildeo eacute um desses termos topicalizados e que ldquonatildeo expressariam senatildeo uma ldquoideia
bem geral natildeo remontando de modo algum agrave sexta parte da arte gramatical tal qual a definiu
Dioniacutesio Traacuteciordquo (sendo um problema exatamente os trechos que aqui sublinho pois assumo
que os termos gregos em si natildeo precisariam ser obrigatoriamente uma citaccedilatildeo tratando-se de
um nome jaacute convencionado para essa atividade) este seria o uacutenico trecho do epiacutetome em que
isso acontece ie em que primeiro se comentaria o que o autor do tratado original faz
(ldquocontinua suas reflexotildees sobre poesiardquo) para soacute depois introduzir o que seria o toacutepico
assinalado a ldquodistinccedilatildeo entre caraacuteter e afetordquo Um outro problema surgiria aqui argumento
favoraacutevel a hipoacutetese defendida se ethos e pathos satildeo os termos teacutecnicos que topicalizam a
passagem ie satildeo o assunto do passo equivalente no suposto texto original entatildeo faltaria
como para os demais casos em que o toacutepico natildeo se explica por um desdobramento da
etimologia uma miacutenima explanaccedilatildeo teoacuterica para ambos como imediatamente antes se fez
para os moldes do dicurso e seus viacutecios Natildeo seria verossiacutemil que se abrisse matildeo dessa
explanaccedilatildeo uma vez que tal distinccedilatildeo entre ethos e pathos natildeo seria menos conhecida que a
doutrina dos gecircneros do discurso Em outras palavras se esse fosse o toacutepico do devido
momento do tratado a que o resumidor se referiria a julgar pelo padratildeo observado referir-se-
ia a ele imediatamente portanto eacute de supor contrariamente que krisis poeiemaacutetos o eacute antes
de diaphoraacute eacutethous kaigrave paacutethos o que inclusive torna mais compreensiacutevel e justificado o
relativo neutro que introduz a segunda oraccedilatildeo
Como uma crestomatia de gramaacutetica aqui entendida como as letras condensando
princiacutepios que em origem satildeo de diferentes disciplinas (gramaacutetica poeacutetica e retoacuterica em
geral) parece razoaacutevel que assim como se falava da doutrina dos gecircneros da elocuccedilatildeo nos
trechos anteriores da obra objeto comum agrave poeacutetica e agrave retoacuterica a distinccedilatildeo entre eacutethos e
41
paacutethos estivesse aqui entre os elementos que eram julgados na avaliaccedilatildeo da poesia Esta liccedilatildeo
parece coerente com o fato de que pelo menos ateacute onde Foacutecio nos daacute notiacutecia apoacutes as
consideraccedilotildees sobre a elocuccedilatildeo (e a doutrina referente a seus gecircneros) seguissem-se esses
dois outros elementos que de acordo com a retoacuterica explicitam-se no discurso
A proacutepria consideraccedilatildeo dos dois termos jaacute eacute um problema pois mesmo em
Aristoacuteteles trazem dificuldade Como se sabe na Retoacuterica o caraacuteter eacute do orador aquele que
fala a paixatildeo suscita-a no ouvinte por meio do discurso a fim de movecirc-lo Eacute logo no livro I
que Aristoacuteteles apresenta essa doutrina dos trecircs meios da persuasatildeo loacutegos eacutethos e paacutethos ou
discurso caraacuteter e afeto Eacute proacuteprio da arte principalmente o primeiro o discurso pois em
condiccedilotildees ideais jurados e ouvintes natildeo se deixam levar pelas paixotildees que oradores treinam
para despertar naqueles que os ouvem Como no entanto o tratado assume por objeto a
persuasatildeo e define a retoacuterica como teacutecnica que a produz (antiacutestrofe da dialeacutetica que produz
verdade) aborda igualmente afeto ndash para esclarecer como suscitado persuade ndash e caraacuteter ndash
pois se as palavras do orador natildeo forem condizentes com a noccedilatildeo de caraacuteter que dele fazem
os ouvintes natildeo se deixaratildeo convencer por julgaacute-lo mentiroso Em termos gerais talvez
pudeacutessemos dizer que na Retoacuterica os trecircs elementos satildeo em um primeiro momento
pensados em si para posteriormente serem considerados como os trecircs fatores ou causas cujo
resultado eacute o convencimento
Natildeo eacute assim poreacutem que os mesmos elementos satildeo considerados na Poeacutetica por conta
da proacutepria conceituaccedilatildeo aristoteacutelica do objeto (o que seraacute discutido mais adiante) neste
tratado Aristoacuteteles cirscunscreve a noccedilatildeo de eacutethos e pathos diferentemente pois trata os
termos como partes de uma imitaccedilatildeo e eacute nos limites desse conceito que surge a dificuldade A
imitaccedilatildeo que define a poesia eacute muito especiacutefica accedilatildeo Trata eacutethos e paacutethos portanto como
elementos que precisam ser representados de maneira condizente para que a imitaccedilatildeo seja
bem sucedida Na descriccedilatildeo da mimese caraacuteter eacute uma das partes qualitativas da trageacutedia
conforme definidas no cap VI da Poeacutetica mito caraacuteter e pensamento seriam as partes
equivalentes a ldquoo querdquo se imita (a mateacuteria) conforme delimitado nos cap I II e III em que o
filoacutesofo expotildee os criteacuterios pelos quais pensa o objeto elocuccedilatildeo e melopeia as partes
equivalentes agravequilo ldquoem querdquo se imita (os meios lembrando que a melopeia equivale ao que
em outras passagens seraacute nomeado apenas ldquomelosrdquo ou ldquocanccedilatildeordquo e refere-se agraves passagens
corais) espetaacuteculo refere-se a ldquocomordquo se imita (o modo)38
38 Poeacutetica VI 1449b 21 ndash 1450a 15
42
Como afirmaraacute ainda no cap VI natildeo eacute objetivo da poesia imitar caracteres mas os
caraceteres satildeo postos em cena apenas em funccedilatildeo da accedilatildeo ie este ou aquele caraacuteter eacute posto
em cena para que a accedilatildeo tenha este ou aquele desdobramento afinal ndash continua dizendo ndash os
eventos e o mito satildeo o fim da trageacutedia e o fim eacute o que haacute de mais importante Portanto o
caraacuteter de certa personagem conhecido do puacuteblico deve apenas ser condizente com o que
desdobramento esperado da accedilatildeo Natildeo agrave toa na mesma passagem Aristoacuteteles afirmaraacute que eacute
possiacutevel trageacutedia sem caraacuteter apenas com accedilatildeo mas natildeo o contraacuterio39 Os uacutenicos termos que
Aristoacuteteles nos fornece para analisar o caraacuteter presente em uma composiccedilatildeo poeacutetica satildeo esses
Natildeo se trata portanto de um caraacuteter presente talvez na elocuccedilatildeo poeacutetica mas simplesmente
o caraacuteter que se pode ou deve representar em funccedilatildeo de uma accedilatildeo mimetizada Esse criteacuterio
portanto mal pode ser aplicado agrave poesia que natildeo se pode analisar nos termos aristoteacutelicos da
imitaccedilatildeo de accedilatildeo Tal noccedilatildeo de eacutethos natildeo nos exclarece qual seria a diferenccedila a que o epiacutetome
se refere
Quanto ao afeto ou paacutethos a noccedilatildeo parece ateacute um pouco mais distante paacutethos na
Poeacutetica eacute a terceira parte do mito descrita como um padecimento na accedilatildeo como algo
destrutivo ou doloroso tal padecimento eacute um efeito e um desdobramento da accedilatildeo Natildeo eacute algo
portanto que se representa a priori poreacutem mais um elemento atrelado ao mito que se
representa por meio de palavra (elocuccedilatildeo ou melopeia) e subordinado a ele Natildeo agrave toa ao fim
do cap 19 da Poeacutetica na transiccedilatildeo para a seccedilatildeo final sobre a elocuccedilatildeo diz Aristoacuteteles
[]Περὶ μὲν οὖν τῶν ἄλλων εἰδῶν εἴρηται λοιπὸν δὲ περὶ λέξεως καὶ
διανοίας εἰπεῖν τὰ μὲν οὖν περὶ τὴν διάνοιαν ἐν τοῖς περὶ ῥητορικῆς
κείσθω τοῦτο γὰρ ἴδιον μᾶλλον ἐκείνης τῆς μεθόδου ἔστι δὲ κατὰ
τὴν διάνοιαν ταῦτα ὅσα ὑπὸ τοῦ λόγου δεῖ παρασκευασθῆναι μέρη
δὲ τούτων τό τε ἀποδεικνύναι καὶ τὸ λύειν καὶ τὸ πάθη παρασκευάζειν
(οἷον ἔλεον ἢ φόβον ἢ ὀργὴν καὶ ὅσα τοιαῦτα) καὶ ἔτι μέγεθος καὶ
μικρότητας δῆλον δὲ ὅτι καὶ ἐν τοῖς πράγμασιν ἀπὸ τῶν αὐτῶν ἰδεῶν
δεῖ χρῆσθαι ὅταν ἢ ἐλεεινὰ ἢ δεινὰ ἢ μεγάλα ἢ εἰκότα δέῃ
παρασκευάζειν πλὴν τοσοῦτον διαφέρει ὅτι τὰ μὲν δεῖ φαίνεσθαι
ἄνευ διδασκαλίας τὰ δὲ ἐν τῷ λόγῳ ὑπὸ τοῦ λέγοντος
παρασκευάζεσθαι καὶ παρὰ τὸν λόγον γίγνεσθαι τί γὰρ ἂν εἴη τοῦ
λέγοντος ἔργον εἰ φαίνοιτο ᾗ δέοι καὶ μὴ διὰ τὸν λόγον
(Aristoacuteteles Poeacutetica 1456a 33 ndash 1456b 8)
ldquoSobre as demais partes jaacute se falou restando falar sobre a elocuccedilatildeo e o
pensamento Fique para os escritos sobre retoacuterica o que tangencia o
pensamento pois isso eacute mais proacuteprio do meacutetodo daquela Eacute referente
ao pensamento o quanto se deve provir pelo discurso Satildeo seus
39 Idem VI 1450a 19 ndash 23
43
elementos o demonstrar o refutar e o prover afetos (como piedade ou
horror ou raiva e todas essas coisas) e ainda grandeza e pequenez Eacute
evidente que tambeacutem se deve servir-se desses elementos nos
acontecimentos quando se devem prover coisas piedosas terriacuteveis
grandiosas ou possiacuteveis entretanto com tal diferenccedila naquele caso
devem aparecer sem elucidaccedilatildeo neste devem ser providas no
discurso pelo falante e ocorrer junto ao discurso pois qual seria a
funccedilatildeo do que fala se aparecessem como devem mas natildeo atraveacutes do
discursordquo
(Trad do autor)
Ora aqui Aristoacuteteles deixa claro que sendo a poesia imitaccedilatildeo de accedilatildeo atraveacutes da
palavra mesmo os afetos decorrentes nas accedilotildees satildeo representados e postos em cena por via da
palavra ie da elocuccedilatildeo Como um fenocircmeno por si soacute natildeo restrito agrave poeacutetica isso eacute objeto
da retoacuterica e por isso a seccedilatildeo seguinte sobre a elocuccedilatildeo trataraacute do que eacute proacuteprio da elocuccedilatildeo
poeacutetica
Ateacute aqui portanto a uacutenica noccedilatildeo que talvez possa nos servir seja a de que tanto caraacuteter
quanto afeto se transparecem na imitaccedilatildeo pela palavra o fazem nela Ainda assim na
conceituaccedilatildeo aristoteacutelica isso se daacute naquele que eacute um actante representado ou natildeo por um
ator ie por aquele que eacute agente de uma accedilatildeo Por isso mesmo no referido capiacutetulo VI
arrolando e definido as seis partes qualitativas citadas definiraacute pensamento como aquilo ldquoem
quanto os falantes demonstram algo ou revelam sua opiniatildeordquo e caraacuteter como aquilo ldquode
acordo com o que dizemos que os agentes satildeo certas coisasrdquo40
Para tentar supor o que significariam caraacuteter e afeto no acircmbito do comentaacuterio do
gramaacutetico ao abordar um texto talvez possamos buscar uma pista em textos semelhantes ao
menos a fim de entender em um primeiro momento se esses conceitos eram levados em
conta Sobre o caraacuteter haacute uma passagem que pode ser esclarecedora O Escoacutelio a Dioniacutesio
Traacutecio (471 26 ndash 472 12) traz uma boa descriccedilatildeo dos diferentes elementos que satildeo objeto da
avaliaccedilatildeo empreendida nesta atividade em questatildeo a qual como se sabe (e isso tambeacutem nos eacute
relevante) opotildee-se natildeo soacute em gramaacuteticos mas daiacute tambeacutem em reacutetores (como Dioniacutesio de
Halicarnasso e Quintiliano) agrave syacutegkresis ie natildeo se trata mais da avaliaccedilatildeo apenas mas da
avaliaccedilatildeo conjunta o discernimento dos poetas e obras considerados conjuntamente a
comparaccedilatildeo
ltἝκτον κρίσις ποιημάτωνgt] Τίνι διαφέρει κρίσις συγκρίσεως καὶ
πότερον αὐτῶν ἐπαναβέβηκεν Λεκτέον ὅτι πρῶτον ἡ κρίσις τὸν
40 Idem 1450a 4 ndash 7
44
συγκρίνοντα γὰρ πρότερον αὐτῶν ἑκάτερον δεῖ κρῖναι καὶ ὁ μὲν
συγκρίνων καὶ κρίνει ὁ δὲ κρίνων οὐ πάντως καὶ συγκρίνει
Πότερον δὲ ὁ γραμματικὸς κρείττων ὢν τῶν ποιητῶν κρίνει αὐτῶν τὰ
ποιήματα ἢ ἥττων Καὶ εἰ μὲν κρείττων δώσομεν καὶ αὐτὸν εἶναι
ποιητήν εἰ δὲ ἥττων πῶς κρίνει Ῥητέον οὖν ὅτι κρίνει οὐχ ᾗ ποιητής
ἐστι κρείττων αὐτῶν ἀλλ ᾗ τεχνίτης ἐστὶ τῆς ὕλης τῆς ἐκείνων καὶ
τῶν ὀργάνων οὐ γὰρ κρίνει εἰ καλῶς αὐτοῖς γέγραπται ἢ οὔ ἀλλ εἰ
νόθα ἢ γνήσια πολλὰ γὰρ νοθευόμενά ἐστιν ὡς ἡ Σοφοκλέους
Ἀντιγόνη ndash λέγεται γὰρ εἶναι Ἰοφῶντος τοῦ Σοφοκλέους υἱοῦ
Ὁμήρου τὰ Κυπριακὰ καὶ ὁ Μαργίτης Ἀράτου τὰ Θυτικὰ καὶ τὰ Περὶ
ὄρνεων Ἡσιόδου ἡ Ἀσπίς
Κρίνει δὲ πρῶτον μὲν ὁρῶν εἰς τὴν λέξιν εἰ συνήθης ἐστὶ τῷ ποιητῇ
ἔπειτα εἰς τὸ πλάσμα τῆς συνηθείας εἶτα εἰς τὴν τῆς φράσεως
εὐκολίαν ἢ σκληρότητα εἶτα καὶ εἰς τὴν ἱστορίαν οἱ μὲν γὰρ χαίρουσι
ταῖς ξενιζούσαις ἱστορίαις αἱ δὲ ταῖς κοιναῖς εἶτα ἀπὸ τῶν χρόνων
Ἀρετὴ δὲ ποιήματος ἡ περὶ λέξιν σαφήνεια σύνθεσις τοῦ μέτρου
εὔρυθμος κυριολεξία σχήματα ταῦτα τῆς λέξεως τὰ δὲ περὶ διάνοιαν
οἰκονομία τάξις ἤθη ἐν προσώποις εἰ ltοἱgt μῦθοι ἁρμόδιοι καὶ τὰ
πλάσματαrdquo41
(Scholia in Dionysium Thracem Scholia Londinensia 471 26 ndash 472
12)
Sexta a avalaiccedilatildeo de poemasrsquo ndash Em que difere a avaliaccedilatildeo da
comparaccedilatildeo e qual delas precede Deve-se dizer que a avaliaccedilatildeo vem
primeiro quem estaacute comparando deve primeiro apreciar cada um dos
elementos e quem compara tambeacutem aprecia mas quem aprecia nem
sempre compara
Havendo os maiores poetas o gramaacutetico faz a avaliaccedilatildeo deles ou dos
inferiores Se principalmente dos melhores concederemos que seja
tambeacutem poeta se dos inferiores como aprecia Deve-se dizer
portanto que faz a avaliaccedilatildeo natildeo da maneira pela qual um poeta eacute
melhor do que outros mas de que maneira eacute um artiacutefice do material
deles e de seus instrumentos Pois natildeo aprecia se algo estaacute belamente
escrito com esses ou natildeo mas sua espuriedade ou legitimidade pois
muitos satildeo os escritos considerados espuacuterios como a Antiacutegona de
Soacutefocles ndash pois se diz que eacute de Iofatildeo o filho de Soacutefocles ndash As
Cipriotas e o Margites de Homero As Sacirficiais de Arato e Sobre os
Paacutessaros o Escudo de Hesiacuteodo
Aprecia primeiro visando a dicccedilatildeo se eacute usual ao poeta em seguida o
molde desse uso depois a fluidez ou a dureza da frase depois
visando a histoacuteria uns se comprazem mais nas histoacuterias que satildeo
exoacuteticas outros nas comuns depois aprecia a partir do periacuteodo
cronoloacutegico A virtude do poema satildeo a clarera que tange a dicccedilatildeo a
composiccedilatildeo do metro a regularidade da linguagem ordinaacuteria42 - essas
41 Commentaria In Dionysii Thracis Artem Grammaticam Scholia Londinensia (partim excerpta ex Heliodoro)
in ldquoGrammatici Graeci vol 13rdquo Ed Hilgard A Leipzig Teubner 1901 Repr 1965 Page 471 42 Entendendo-se aqui ldquoordinaacuteriardquo como a padratildeo ie a do dia a dia sem tropoi natildeo ornada Daiacute que a ideia de
ldquoeurritmiardquo a palavra grega deve se referir tanto a sua regularidade ie sua frequecircncia ou sua ocorrecircncia em
medida devida como tambeacutem agrave eufonia ie sua adapatabilidade ou sua consonacircncia com o metro elemento
anteriormente mencionado
45
satildeo as configuraccedilotildees da dicccedilatildeo quanto as que tangem o pensamento
organizaccedilatildeo ordenaccedilatildeo os caracteres nas personagens se
acomodados satildeo os mitos e seus moldesrdquo
(Traduccedilatildeo do autor)
Para o escoliasta a finalidade do gramaacutetico ao empreender a kriacutesis poiemaacuteton natildeo eacute
avaliar se entre eles poetas escreve-se belamente (essa seria a finalidade da syacutegkresis) mas a
ldquoespuriedaderdquo e a ldquolegitimidaderdquo (
Entre os diferentes aspectos considerados chamam a atenccedilatildeo natildeo
soacute aqueles de caraacuteter estrutural que tambeacutem satildeo objetos de um reacutetor como o do Tratado Da
Composiccedilatildeo das Palavras mas elementos mais proacuteprios da concepccedilatildeo da obra da sua
inventio confluindo com o que se concebe nos textos de poeacutetica como ldquoo que tange o
pensamentordquo ldquoos caracteres nas personagensrdquo e ldquose acomodados satildeo os mitos e seus
moldesrdquo Natildeo se pretende aqui que isto era trabalho da gramaacutetica e dessa sua parte em geral
mas sim ressaltar que mesmo nesta kriacutesis oposta agrave syacutegkrisis no iniacutecio da empiria o escoliasta
nos fornece o testemunho de que para desempenhar sua funccedilatildeo o gramaacutetico tambeacutem
precisava eventualmente julgar a confecccedilatildeo dos caracteres e a pertinecircncia dos mitos o que
inevitavelmente nos remete ao capiacutetulo 2 da Poeacutetica de Aristoacuteteles (e o quanto diz sobre
eacutethos bem como agrave parte da poeacutetica que em geral por via horaciana passamos a denominar
invenccedilatildeo) segundo a qual como a imitaccedilatildeo eacute imitaccedilatildeo de agentes eacute necessaacuterio que sejam
representados segundo certo caraacuteter (melhores ou piores do que noacutes)
Portanto natildeo eacute de espantar que assim como os tropos e figuras empregados pelos
poetas por exemplo configurem um caso claro de objeto comum a ser explicado tanto pelo
gramaacutetico quanto pelo reacutetor eacutethos e paacutethos na condiccedilatildeo de elementos que passam a ser
entendidos como inerentes ao discurso (e essa assunccedilatildeo como demonstrado ainda que com
suas especificidades jaacute se encontra no proacuteprio Aristoacuteteles) sejam observados e analisados por
qualquer um que se debruce com certa finalidade sobre uma composiccedilatildeo discursiva em verso
ou em prosa para aplicar mais uma vez o criteacuterio maior e tatildeo relevante desde o iniacutecio para
nossa leitura do epiacutetome ie a distinccedilatildeo prosa-poesia (Cf sect3 318b 24 ndash 26 Traduccedilatildeo paacuteg
110)
Isso se verifica indubitavelmente quando passamos para a syacutegkrisis de que podemos
tomar como exemplo o livro II do tratado Da Imitaccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso e as
diversas passagens em que diferencia poetas e prosadores dos diferentes gecircneros pelo trato
que datildeo a eacutethos e paacutethos (cf 31 2 1 - Homero 31 2 5 ndash Piacutendaro uma de suas virtudes a ser
observada eacute a ethopoiiacutea ou simplesmente confecccedilatildeo de caracteres em que esses se
46
destacam pela prudecircncia piedade e magnificecircncia [sofrosyacutene eusebeiacutea megalopreacutepeia] 31
2 7 ndash Estesiacutecoro os caracteres e os valores das personagens [eacutethe kaigrave axioacutemata toacuten
prosoacutepon] 31 2 8 ndash Alceu Dioniacutesio chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter de todos os seus
poemas poliacuteticos [hapaacutenton tograve toacuten politikoacuten poiemaacuteton eacutethos] etc seguem-se os dramaturgos
os oradores historiadores)
Haacute por isso trecircs observaccedilotildees que aqui se julgam necessaacuterias e passiacuteveis de serem
pontuadas a fim de se interpretar essa obscura passagem do epiacutetome
A 1a eacute concernente a essa comparaccedilatildeo eacute atraveacutes dela que se estabelecem os piacutenakes
ou listagens dos melhores poetas ie aqueles cujas virtudes devem ser imitadas como se
observa em autores como o referido Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado em que aborda a
miacutemesis Quintiliano e quantos outros que se preocupam em fornecer modelos
A 2a eacute que o epiacutetome traz para cada um dos gecircneros que menciona e resume
brevemente (exceto pela poesia meacutelica ldquopor de mais pluralrdquo segundo o proacuteprio texto) uma
listagem igualmente breve de autores Isso natildeo quer dizer que o tratado se ocupava da
comparaccedilatildeo detalhada mas que certamente compreendia as praacuteticas descritivas comuns aos
textos mencionados e estaria nesse universo textual que se torna especiacutefico tambeacutem do
gramaacutetico Eacute de supor portanto que neste passo o texto tratasse de outros aspectos que
julgava pertinentes agrave avaliaccedilatildeo da poesia ndash mesmo que concentrado em aspectos da inventio ndash
na referida fronteira em que os textos sobre doutrina poeacutetica retoacuterica ou gramaacutetical podiam
tangenciar-se e tratar do mesmo objeto focando mais este ou aquele aspecto de acordo com
sua finalidade A finalidade da Crestomatia ao que se infere pelo menos de seu tiacutetulo
completo (Crestomatia de Letras Literaacuteria ou de Gramaacutetica) e da proacutepria composiccedilatildeo da
palavra jaacute discutida khrestomaacutetheia pretendia fornecer o quanto fosse uacutetil para se apreciar o
que diriacuteamos hoje composiccedilotildees ldquoliteraacuteriasrdquo as ldquoletrasrdquo e aqui devia trazer o quanto julgava
conveniente da ocupaccedilatildeo de julgar avaliar ou seja apreciar poemas de que Foacutecio ou o
resumidor em geral destaca provavelmente por julgar o mais valioso do suposto trecho da
obra original a doutrina sobre eacutethos e paacutethos que como se viu acima poderia ser objeto do
gramaacutetico mesmo se tomassemos aquela kriacutesis de Dioniacutesio Traacutecio no seu sentido mais estrito
de ldquojulgamentordquo da autenticidade do texto Que essa distinccedilatildeo fosse doutrinalmente tratada
nesta passagem parece plenamente verossiacutemil se notarmos que apoacutes uma distinccedilatildeo pelo
criteacuterio de quantidade quanto agrave natureza da prosa e da poesia o tratado por tomar como seu
fio condutor para esta primeira parte a elocuccedilatildeo seguia esquematicamente pela triparticcedilatildeo da
retoacuterica que se em Aristoacuteteles refere-se aos meios pelos quais se produz persuasatildeo na
tratadiacutestica posterior (de que Dioniacutesio de Halicarnasso eacute oacutetimo exemplo) que considera a
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poesia pela elocuccedilatildeo configura os trecircs aspectos segundo os quais se avalia a composiccedilatildeo em
geral
Bem como outros autores propotildeem para esta passagem suas leituras perifraacutesticas aqui
se julga que a mais adequada seria ldquoprossegue fazendo [suas] consideraccedilotildees [refletindo] sobre
a avaliaccedilatildeo de poesia no que transmite [dentre outras coisas] a doutrina sobre a diferenccedila
entre caraacuteter e paixatildeordquo
A 3a e uacuteltima refere-se ao que seriam esse eacutethos e paacutethos em certos tipos de poemas eacute
compreensiacutevel seguindo a liccedilatildeo de Aristoacuteteles que estejam presentes em uma obra cujo
objeto eacute uma accedilatildeo composta de agentes etc uma obra ldquonarrativardquo no nosso sentido moderno
da palavra a eacutepica a trageacutedia etc Como isso se dava poreacutem em um melos ou em uma
elegia Podemos considerar primeiramente que num poema como um epiniacutecio pindaacuterico se
natildeo se circunscreve ao polecircmico criteacuterio da Poeacutetica de Aristoacuteteles de ser miacutemesis de accedilatildeo
pode trazer um mito (no caso de Piacutendaro quase sempre) como seu ornato ou alusotildees
histoacutericas e miacuteticas Inevitavelmente aiacute em se contando algo e portanto representando
agentes ou personagens simplesmente representar-se-atildeo caracteres e afetos inevitavelmente
Segundo haacute que se considerar tambeacutem o que poesia ldquonarrativardquo passa a significar para a
tratadiacutestica posterior a Aristoacuteteles bem como o fato de que aquela figura falante num poema
de gecircnero meacutelico aquela voz poeacutetica que reporta ela mesma por via da elocuccedilatildeo traz caraacuteter
e afeto Eacute nesse sentido que o comentaacuterio de Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit) agrave poesia de
Alceu na referida passagem serve otimamente de exemplo ldquodispa-lhe algueacutem do metro em
vaacuterios lugares descobriria oratoacuteria poliacuteticardquo Para que esse caraacuteter advenha do discurso
retirado o metro como se a composiccedilatildeo fosse um discurso poliacutetico deve ser inerente ao
proacuteprio discurso e natildeo inerente a uma personagem
O termo grammatikeacute aqui portanto (principalmente depois das praacuteticas filoloacutegicas
alexandrinas) eacute abrangente e envolve o quanto se pode saber a fim de instruir na
compreensatildeo da arte que opera com a palavra mesmo que haurido de diferentes doutrinas ou
aacutereas do saber antigo Essa funccedilatildeo de instruir a princiacutepio circunscrevia-se ao ofiacutecio do
gramaacutetico que adotava como modelo para essa instruccedilatildeo exatamente os poetas como o
pedagogo da Greacutecia Antiga contra quem Platatildeo se insurge
Essa ocupaccedilatildeo passa a abarcar diferentes aspectos que naturalmente tangenciam
outras aacutereas do saber letrado que se debruccedilaram sobre a palavra assim o gramaacutetico se torna o
erudito das letras por excelecircncia o filoacutelogo Sobre esse ponto vale citar as consideraccedilotildees de
48
Ferrante que pensa de maneira semelhante a associaccedilatildeo da Crestomatia de Proclo agrave
gramaacutetica e a citaccedilatildeo que faz a respeito
A conforto di questo apelativo da me dato allrsquo autore dela
Crestomazia egrave necessaacuterio citare um passo dela Filologia Claacutessica
dellrsquo Inama (Hoepli Milano 1854 pagg 1 ndash 2) lsquoLa parola filoacutelogo
( ) la quale secondo la sua etimologia non voleva dir altro
da principio che amante dela conversazione ma di uma conversazione
colta ed eletta ( ) venne a designare al tempo degli
alessandrini nel III sec a GC uma classe di studiosi distinti da
quelli43 molto affini dei critici ( ) e dei grammatici
( ) Mentre i grammatici si occupavano soprattutto di
liacutengua e di questioni letterarie ed i critici della correzione ed
interpretazione dei testi degli scittori antichi i fillogi invece avevano
per oggetto preciacutepuo dei loro studi lrsquoerudizione mitologica storica
antiquaria Questi corripondevano a quelli che oggidi diciamo dotti ed
eruditi ecc ecc
(Inama apud Ferrante Crestomazia Introduzione Casa Editrice
Armanni Napoli 1957 pg 13)
Ferrante destaca a atuaccedilatildeo de filoacutelogo que o gramaacutetico passa a ter no periacuteodo
heleniacutestico como responsaacutevel pela ediccedilatildeo dos textos daqueles que para eles jaacute eram
ldquoantigosrdquo Pontua inclusive que essa funccedilatildeo desse erudito supunha conhecimentos do que
hoje noacutes diriacuteamos ldquoliteraturardquo ie dos gecircneros literaacuterios mais especificamente e natildeo do que
noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash
uma seacuterie de categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco
mesmo ou os preceitos da chamada ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira
estranha aos antigos Como fulcro comum talvez se pudesse postular que essa atividade de
exegese literaacuteria era no rigor da palavra grega graacutemmata uma exegese ou descritiva ou
prescritiva ou ambas de todas as atividades envolvendo as letras ou em se preferindo as
praacuteticas letradas
Natildeo poderiacuteamos saber contudo se a obra atribuiacuteda a Proclo trataria tambeacutem da prosa
uma vez que ela eacute menciona na distinccedilatildeo inicial do coacutedice e diferentes indiacutecios apontam para
um texto que estaacute incompleto Pelo que se poderia deduzir da introduccedilatildeo de Dioniacutesio Traacutecio agrave
empiria como o interesse do gramaacutetico era o uso linguiacutestico dos doutos em se assumindo que
ldquosyggrapheucircsinrdquo tambeacutem se referiria e abarcaria os prosadores em geral talvez ao utilizar seu
conhecimento para instruir esse gramaacutetico-filoacutelogo aos moldes heleniacutesticos tambeacutem se
43 Afinal passa-se gradativamente de um mundo da fala para um mundo do registro escrito
49
dedicasse aos gecircneros de composiccedilatildeo em prosa e tratasse daqueles que copunham
historiagrafia e oratoacuteria Por outro lado a julgar pelo padratildeo ie pelo que se observa em
outras obras a oratoacuteria como objeto da retoacuterica tem seus grandes exemplos comentados e
analisados nos autores que se incumbem dessa arte que tendem a demosntrar o que
descrevem com exemplos que aleacutem dos oradores focam-se por vezes nos historiadores como
o faz por exemplo Dioniacutesio de Halicarnasso Natildeo eacute de mais ressaltar que mesmo no caso da
oratoacuteria os tratadistas sempre buscam os exemplos dos poetas como modelo praacutetica
recorrente no citado Dioniacutesio de Halicarnasso e em Quintiliano no caso dos latinos de modo
geral observa-se que quando o foco eacute a instruccedilatildeo em algum aspecto do saber das letras o
modelo tende a serem os poetas Portanto haacute indiacutecios sufientemente plausiacuteveis para se
argumentar contrariamente que natildeo seria proacuteprio dessa Crestomatia de Letras tratar da
prosa mas que inevitavelmente para concentrar-se na poesia como seu objeto precisa crivaacute-
la delimitaacute-la em oposiccedilatildeo agrave prosa principalmente se aborda o tema pelo vieacutes (a ser
comentado) da elocuccedilatildeo Por fim deve-se ressaltar que cada uma dessas que denominamos as
doutrinas antigas se pretendia uma teacutecnica em si teacutecnica retoacuterica teacutecnica gramatical etc
portanto cada uma visava a um fim proacuteprio Vimos tanto no prefaacutecio da gramaacutetica de Dioniacutesio
Traacutecio quanto em seu escoacutelio aquilo a que visa essa teacutecnica Por isso mesmo como uma
crestomatia sobre gramaacutetica mas natildeo uma gramaacutetica propriamente eacute natural que nosso
epiacutetome aborde temas proacuteprios desse ofiacutecio na abrangecircncia que passa a ter apoacutes os
alexandrinos a fim de exlcarecer e instruir a fim de minimamente coligir informaccedilatildeo uacutetil a
repeito do assunto sem ser ela mesma no entanto uma gramaacutetica um manual da Ars Essa
hipoacutetese se aventa principalmente do cotejo entre o epiacutetome e o livro III da Ars Grammatica
de Diomedes que se concebe como uma pequena coleccedilatildeo de gecircneros e espeacutecies poeacuteticas que
natildeo tatildeo abrangente quanto a Crestomatia segue os mesmos criteacuterios do epiacutetome deixando-
nos entrever portanto uma espeacutecie de ldquocriteacuterio gramaticalrdquo com que se tratava da poesia com
a finalidade tatildeo simplesmente de classificaacute-la (v infra cap 3)
Assim se explicaria o tiacutetulo da obra trata-se de um texto que colige de diferentes
aacutereas quanto se eacute uacutetil saber sobre letras e por isso mesmo o epiacutetome refere a diferentes
seccedilotildees das doutrinas antigas ndash da retoacuterica a classificaccedilatildeo da elocuccedilatildeo pelas diferentes
possibilidades de moldaacute-la da poeacutetica os gecircneros enunciativos jaacute da poeacutetica e da etimologia
tangenciando a gramaacutetica as caracteriacutesticas dos gecircneros poeacuteticos (mateacuteria metro) associados
a seu nome e origem o que por vezes quando se descrevem as festas associadas a um
gecircnero por exemplo leva agrave etiologia etc Assim sendo se tanto o termo ldquogramaticalrdquo como
ldquoliteraacuteriardquo sugeririam dois extremos modernos que poderiam levar o leitor a uma interpretaccedilatildeo
50
equivocada optou-se aqui pela igualmente literal etimologicamente locuccedilatildeo adjetiva ldquode
Letrasrdquo pois que eacute fiel ao texto grego e pode remeter o leitor ao acircmbito das Belas Letras e das
praacuteticas letradas dos seacuteculos XVI XVII e XVIII em geral cujas convenccedilotildees supotildeem noccedilotildees
e praacuteticas mais afeitas ndash embora natildeo idecircnticas ndash agraves antigas uma vez que ao menos potildeem-se a
emulaacute-las
2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO
POESIA E RETOacuteRICA
21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO
Apoacutes o nome da obra e a informaccedilatildeo de que era composta de quatro livros ou quatro
arrazoados diferentes inicia-se o resumo da Crestomatia pelo procedimento padratildeo dos
diferentes epiacutetomes da Bilbioteca temos a estrura de discurso indeireto ou reportado ou seja
ldquoo autor diz querdquo e assim sucessivamente No caso desta obra em especiacutefico cada
enunciado traz uma liccedilatildeo de doutrina um ensinamento que se pode rastrear em outros textos
A primeira liccedilatildeo que nos traz eacute a distinccedilatildeo entre poesia e prosa distinccedilatildeo que seraacute
preponderante pelo menos ateacute o fim do epiacutetome destinado a classificar os gecircneros e as
espeacutecies da poesia Ao iniciar por essa distinccedilatildeo o epiacutetome daacute a entender que antes se
aplicava um criteacuterio habitualmente empregado na tratadiacutestica retoacuterica ie aborda-se o tema
pelo vieacutes mais amplo da elocuccedilatildeo Natildeo agrave toa se buscamos referecircncias para o que estaacute sendo
ensinado sobejam os textos de retoacuterica principalmente porque seguindo o criteacuterio de abordar
a elocuccedilatildeo todo o resto dessa primeira sessatildeo do epiacutetome por assim dizer focar-se-aacute numa
das formas que conhecemos da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo Apesar disso jaacute podemos
ver aqui a caracteriacutestica acima discutida a saber que esta crestomatia compendiava ou coligia
noccedilotildees ou liccedilotildees cujas origens remontavam a diferentes saberes
Comecemos pela distinccedilatildeo baacutesica
O termo loacutegos por designar ldquopalavrardquo mas tambeacutem a ldquofalardquo o ldquodiscursordquo eacute o termo
usado entre os gregos para designar a obra em prosa justamente como um discurso padratildeo
natildeo-poeacutetico nela empregado Define-se por oposiccedilatildeo a poiacuteesis em boa parte dos textos a
51
comeccedilar por Platatildeo quando opotildee os dois na conhecida passagem do livro III da Repuacuteblica
(390a)
Aristoacuteteles como se sabe emprega poietikeacute para designar o fazer ie a teacutechne que
procura delimitar e definir no tratado que recebe aquele nome Descrevendo a quarta parte
constitutiva da trageacutedia a elocuccedilatildeo (leacutexis) Aristoacuteteles (1450b 12 ndash 14) observa suas
diferentes maneiras de ocorrer (ldquoem palavrasrdquo ldquoem discursordquo ie ldquoem falardquo
apenas) e (ldquoem medida(s)rdquo ldquoem proporccedilatildeordquo ou simplesmente
ldquometrificadordquo) sem que isso como se sabe seja criteacuterio distintivo do que eacute ou natildeo poesia
Na Retoacuterica Aristoacuteteles tambeacutem se ocupa dessa diferenciaccedilatildeo pela elocuccedilatildeo e a distinccedilatildeo
entre prosa e poesia posteriormente acaba por se concentrar como uma questatildeo proacutepria
dessa
Assim Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado da Composiccedilatildeo das Palavras (6 43 ndash 47)
apoacutes expor que todas as artes compartilham das mesmas normas de seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo em
trecircs etapas (mais precisamente erga ldquodeveresrdquo tarefas sucessivas e complementares) propotildee
uma distinccedilatildeo mais especiacutefica do ponto de vista da elocuccedilatildeo entre discurso pedestre loacutegoi
pezoiacute e ldquopoeacuteticardquo Mais agrave frente (15 40 ndash 46) poieacutemata junto a meacutele contrapoem-se a loacutegoi
psiloiacute (discurso ordinaacuterio ou comum) e o que agrupa aqueles dois eacute que ldquosatildeo elaborados
atraveacutes de metro ou ritmordquo ( ) Como se observa
posteriormente o resultado da poieacutetikeacute o poiacuteema passa a ser igual e tecnicamente empregado
para designar a poesia em oposiccedilatildeo agrave prosa
Poesia e Prosa distinguem-se na elocuccedilatildeo natildeo pela qualidade (suas virtudes satildeo as
mesmas) mas pela quantidade A expressatildeo ldquono mais e no menosrdquo ( eacute
tiacutepica do grego para designar quantidade e em se tratando da elocuccedilatildeo poeacutetica ou oratoacuteria
deve naturalmente ser entendida no sentido de que como composiccedilotildees que se utilizam da
palavra as qualidades tanto da prosa como da poesia devem ser as mesmas mas quanto tenha
a prosa a poesia teraacute mais em maior proporccedilatildeo Essa doutrina jaacute eacute exposta por Aristoacuteteles
logo no comeccedilo do livro III da Retoacuterica dedicado agrave elocuccedilatildeo A elocuccedilatildeo do orador deve
parecer o menos distante quanto possiacutevel do natural do falar ldquoconversacionalrdquo (ldquodialogalrdquo
literalmente ndash ) enquanto a elocuccedilatildeo poeacutetica se distancia mais desse falar A
razatildeo os homens tendem a desconfiar daquilo em que lhes parece haver artificio Assim a
principal caracteriacutestica pleiteada pelo orador deve ser a clareza Qualquer elemento que torne
o discurso mais elevado por ornaacute-lo pode servir agrave prosa mas serve melhor agrave poesia pois pode
desviar o orador de seu principal objetivo que eacute tornar claro o significado (cf 1404b ndash
1405a) Para atingir essa clareza o que sobeja na poesia eacute empregado em menor nuacutemero na
52
prosa e apenas em algumas circunstacircncias dos nomes e verbos satildeo os proacuteprios que conferem
ao discurso clareza os demais tipos o ornam e satildeo justamente objeto da Poeacutetica
Semelhantemente a Aristoacuteteles Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit idem) apoacutes expor
as referidas etapas do saber compositivo (synthetikeacute episteacuteme opcit 6 1 e sg) afirma ldquo
Esse princiacutepio eacute mais profuso [dapsileacutesteron] na poeacutetica e menos encontradiccedilo [spanioacuteteron]
no discurso pedestrerdquo
22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO
Sendo a elocuccedilatildeo o criteacuterio que orienta o estabelecimento dos primeiros ldquosaberes
proveitososrdquo dos primeiros elementos a serem informados ou ensinados passa-se a uma das
versotildees da exposiccedilatildeo da doutrina geralmente conhecida como dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo
aqui na sua interpretaccedilatildeo por ldquotrecircs moldesrdquo
A traduccedilatildeo de plasma por ldquomolderdquo busca a referida literalidade da traduccedilatildeo e por
essa jaacute trazer algo proacuteprio da doutrina acerca dessas trecircs formas da elocuccedilatildeo ou como eacute mais
comumente designada dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo ou genera dicendi Geralmente
traduzido por ldquoestilordquo perde-se a metaacutefora fiacutesica que classifica a elocuccedilatildeo como que por sua
forma externa sua forma fiacutesica Trata-se portanto das trecircs possiacuteveis formas de se amoldar
(do verbo plaacutesso) o discurso Emprega-se tambeacutem nos textos characteacuter que eacute a marca o
traccedilo impresso por um instrumento (do verbo charaacutesso) daiacute passando ao ldquotipordquo ao ldquotraccedilo
caracteriacutesticordquo portanto distintivo que tambeacutem abre margem para o que dizemos ldquoestilordquo
Quanto ao leacutexico da doutrina a maneira de Plutarco c I dC parece evidenciar o
conhecimento de duas nomenclaturas concorrentes nesse seacuteculo (Vita Homeri 72) ldquo()
rdquo ndash ldquo() tambeacutem satildeo caracteres
dos discursos os chamados moldesrdquo e logo os nomeia atraveacutes dos mesmos termos e ordem
que lemos aqui no coacutedice 236
De fato em Demeacutetrio seacutec II AC (De Eloc 36 1) a divisatildeo aparece sob o tiacutetulo de
charactecircres tecircs hermeneiacuteas ldquocaracaterestraccedilos da elocuccedilatildeordquo no tratado inteiro dedicado a
essa que eacute uma das partes do discurso
Dioniacutesio de Halicarnasso I AC emprega-os mormente e junto tambeacutem a leacutexis (De
Demosthenins Dictione 8 28 ndash 31) e a ldquocomposiccedilatildeordquo (a syacutenthesis De Compositione 21 15)
ie referindo-se agrave composiccedilatildeo como um todo e quando os nomeia na sua obra dedicada a
53
Demoacutestenes (33 21 ndash 23) fala em ldquotrecircs caracteres
geneacutericosprincipaistiacutepicosrdquo introduzindo um qualificativo relevante para o entendimento da
doutrina como dos gecircneros (categoria ampla e principalmente abrangente em relaccedilatildeo agrave
espeacutecie) possiacuteveis agrave elocuccedilatildeo de forma geral como se evidencia entre os latinos (Cf Ciacutecero e
Quintiliano infra pg 92) Em uma soacute passagem poreacutem Dioniacutesio que se serve variamente
das palavras testemunha o uso do outro termo para designar a doutrina e emprega tambeacutem
placircsma (De Dem Dict 34)
No mesmo seacuteculo a Retoacuterica a Herecircnio apresenta uma traduccedilatildeo literal da nossa
doutrina e sua triparticcedilatildeo (IV 8) na qual figura (do verbo fingere) verte da maneira mais fiel
e direta o grego jaacute que ambos os verbos servem nas respectivas liacutenguas para designar a arte
plaacutestica de modelar o estatuaacuterio figurar Natildeo se adotou aqui essa traduccedilatildeo latina porque jaacute na
retoacuterica e depois a palavra tambeacutem designaraacute as figuras de linguagem Preferiu-se outra
igualmente literal
Ciacutecero por exemplo (Orator 20) e Quintiliano (Institutiones Oratoriae XII 10 58)
empregaratildeo genera dicendi aproximando-se da noccedilatildeo ldquogeneacutericardquo de Dioniacutesio de
Halicarnasso
O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio (449 26) eacute o mais chamativo ao empregar exatamente os
mesmo termos do coacutedice 239
Jaacute para tratar dos diferentes termos empregados para qualificar os gecircneros eacute
interessante a breve consideraccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso antes de nomeaacute-los no tratado
De Compositione(21 15 ndash 18)
ldquo()
rdquo
ldquo() eu mesmo poreacutem natildeo tendo um nome oficial para designaacute-los como permanecem
inominados por nomes metafoacutericos chamo-osrdquo
(trad do autor)
Dioniacutesio mesmo afirma que os charactecircres natildeo possuem um nome definitivo ie de
caraacuteter oficial (kyacuterios) e natildeo havendo essa jurisprudecircncia de termos nomeia-os
metaforicamente
Diferentes metaacuteforas opositivas portanto satildeo empregadas nos diferentes textos
visando a representar mas igualmente delimitar e definir os limites entre os quais se ajusta a
54
elocuccedilatildeo originando um pequeno leacutexico que aparece misturado nas diferentes classificaccedilotildees
concomitantemente a diferentes interpretaccedilotildees da doutrina
Assim Demeacutetrio (op cit) propotildee quatro caracteres simples ndash o
ldquotecircnueesguiodelgadoexiacuteguordquo (ischnoacutes) o ldquomagnificenterdquo (megaloprepeacutes) o
ldquosuavepolidobrunidoeleganterdquo (glaphyroacutes) o
ldquotremendoterriacutevelimpetuosoveementeeneacutergicordquo (deinoacutes) ndash que se misturam (salvo os dois
primeiros que se definem pelo antagonismo) para formar todos os diferentes estilos
A julgar por Quintiliano jaacute seacuteculo I dC (XII 10 2 e sg no paralelo entre histoacuteria da
pintura e oratoacuteria) poder-se-ia pensar em tantas espeacutecies quantas elocuccedilotildees sendo possiacutevel
distingui-las em um niacutevel superior segundo o gecircnero A explicitaccedilatildeo desse raciociacutenio parece
condizente com o que se observa ao longo dos seacuteculo Assim eacute que apoacutes Demeacutetrio observa-
se um rearranjo da doutrina em trecircs tipos dos quais dois satildeo opostos e um supotildee a mistura e
dos quais a plenitude eacute variavelmente interpretada
Assim eacute que Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict supra) parece empregar o
superlativo (hoigrave genikoacutetatoi) para distingir dentre os caracteres ldquomais geneacutericosrdquo primeiro
dois extremos o ldquotecircnuerdquo (ischnoacuten) e o ldquoelevadosublimerdquo(hypseloacuten) e depois um ldquomeio
termordquo (metaxyacute) No De Compositione como mencionado a doutrina eacute transposta para toda e
qualquer composiccedilatildeo em geral e o mesmo tratadista emprega outra terminologia (que pode
confundir-nos comparada agraves demais) a fim de nomear um dos gecircneros que julga o melhor
nomeia uma elocuccedilatildeo ldquoausterardquo (austeacuteran) por natildeo ser ornada uma ldquopolidardquo (glaphyraacuten
bem no sentido de ldquoeleganterdquo) ou ldquofloridardquo (antheacuteran) porque ornada e ndash a melhor ndash ldquobem-
solvidamisturadabalanceadordquo (euacutekratos)
A Retoacuterica a Herecircnio (supra) proporaacute a distinccedilatildeo por ordem decrescente um ldquograverdquo
(gravis que estaacute mais para o grego baryacutes mas tangencia a semacircntica de hadroacuten) um
ldquomedianomediacuteocrerdquo (mediocrismeacutesosmetaxyacute) e um ldquotecircnuerdquo (adtenuata sc figura em que
embaso minha traduccedilatildeo)
Ciacutecero (op cit 20 3) descreve os trecircs gecircneros com os vaacuterios adjetivos desse
vocabulaacuterio mas nomeia o orador ldquoque pratica a grandiloquecircnciardquo (grandiloqui) os ldquotecircnuesrdquo
(tenues) que fazem do discurso algo ldquoagudo aguccedilado adelgaccedilado afiadordquo (acuti) e haacute aquele
ldquoque se situa no meio entre os doisrdquo (interiectus inter hos) e o faz ldquomeacutediordquo (mediusmesos) e
ldquotemperado compoacutesito balanceadordquo (temperatusmetaxus eukratos)
Quintiliano provavelmente o mais abrangente preocupa-se em nos dizer quais os
nomes gregos com que se nomeiam os gecircneros e emprega o ldquosutilrdquo (subtile sinocircnimo de
tenuis ldquoexiacuteguo de pequena proporccedilatildeordquo) para ischnoacuten o ldquorobustordquo (robustum) para hadroacuten e
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por fim como no coacutedice 239 descreve um terceiro que eacute o meio entre os dois (meacutedium ex
duobus) mas que no entanto designa como ldquofloridordquo (floritum antheroacuten)
221 O molde copioso
Embora jaacute se tenham contemplado duas possiacuteveis traduccedilotildees por correlatos latinos
(supra) ambas atentas ao peso (ldquograverdquo) ao volume e agraves proporccedilotildees (ldquorobustordquo) deste
gecircnero e embora se esperasse aqui a adoccedilatildeo de alguma delas por ldquocopiosordquo pretende-se
trazer ao eventual leitor lusoacutefono um termo que tente abranger outras noccedilotildees outros traccedilos
semacircnticos mais especificamente implicados no termo grego natildeo parece de mais remetecirc-lo
ao dicionaacuterio (Liddell amp Scott pg 25 9ordf ed) que sumarizo com a possiacutevel sinoniacutemia do
portuguecircs ldquogrosso volumoso espesso denso robusto forte vigoroso corpulento gordo
firme forte resistente soacutelido avultado maciccedilo pesadordquo A noccedilatildeo abstrata de coacutepia
abundacircncia aplica-se genericamente a todas qualidades observadas nos textos que descrevem
o placircsma principalmente agrave imagem de que possuindo mais ornato resulta numa forma num
molde fisicamente maior mais avultada por conter mais Eacute nesse sentido do uso do ornato
que ldquoenruga entumece avoluma a elocuccedilatildeordquo que se deve entender a segunda seacuterie de termos
que o descreve ldquomuitiacutessimo elaboradordquo (kataskeuasmeacutenon maacutelista) Aleacutem do superlativo
de intensidade maacutelista cujo emprego num texto como este um resumo eacute por demais
relevante no que pretende resumir deve-se lembrar que a palavra grega skeueacute tem a ver com
ldquoequipamento aparelho aparatordquo eacute por exemplo a equipagem do navio em contexto
naacuteutico os aparatos beacutelicos o equipamento da armadura em contexto militar pode ser a
indumentaacuteria do ator mas tambeacutem do sacerdote etc O verbo kataskeuaacutezo significa
literalmente prover por completo esse aparato ie preparar ou elaborar algo No contexto
retoacuterico-poeacutetico a palavra designa a elaboraccedilatildeo da obra em ato e portanto como qualidade
(Cf Dioniacutesio de Halicarnasso De Comp Uerb 1 6 et allia) Este placircsma eacute ldquomais elaboradordquo
no sentido de que eacute mais aparatado paramentado releva maior preparaccedilatildeo Embora essas
traduccedilotildees todas fossem possiacuteveis e caiacutessem bem neste contexto perder-se-ia a noccedilatildeo mesma
de como a doutrina antiga concebe esse processo de confeccionar a obra (amplamente
empregado por Dioniacutesio op cit) uma vez que elaborar em portuguecircs aleacutem de manter esse
significado mais abrangente conserva algo de se sua etimologia ie ldquotrabalhar laborarrdquo em
torno de algo Portanto deve-se lembrar de que neste contexto dos gecircneros da elocuccedilatildeo a
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maior elaboraccedilatildeo do gecircnero em questatildeo de modo geral consiste no uso de ornato dos tropos
e figuras o artifiacutecio da linguagem ie seu aparato
Apontando pois as caracteriacutesticas gerais deste gecircnero Dioniacutesio de Halicarnasso (De
Dem Dict34 7 ndash 8) tambeacutem diz da leacutexis que eacute peritteacute ldquoabundante extraordinaacuteria
prodigiosardquo e exellagmeacutene ie ldquovaacuteria alteradardquo (a partir do idioma comum ndash to idioacutetikon
Arist Rhet 1406a 15) e logo adiante apontaraacute a superioridade de Demoacutestenes dentre outros
motivos porque ldquo rdquo ie ele
(Demoacutestenes) ldquoadvinha grandeza em toda elaboraccedilatildeo que a possuirdquo
Na Retoacuterica a Herecircnio (supra) seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo evidenciam-se suscintamente na
definiccedilatildeo de que a figura grave ldquoconstitui-se a partir de uma construccedilatildeo leve (o que chama a
atenccedilatildeo do ponto de vista doutrinal) e ornada [ornata] de palavras graves [uerborum
grauium]rdquo ie de ldquomaior pesordquo
Ciacutecero (Orator 20 3 ndash 5) vale-se de praticamente todo o leacutexico ldquo() foram (os
grandiacuteloquos) com ampla [ampla] gravidade [grauitates] de pensamentos e majestade
(grandeza) [maiestate] de palavras veementes [vehementes] variados [uarii] copiosos
[copiosi] graves [graves]rdquo
Quintiliano circunscreve cada um dos gecircneros a cada uma das funccedilotildees da retoacuterica O
hadron ou robustum laacute eacute o que tem maior capacidade de mover (mouendi) por possuir o
atributo baacutesico da forccedila (uis) (op cit XII 10 59) ldquoo oradorrdquo segue dizendo (62 1) ldquo()
eleveraacute o discurso a amplificaccedilotildees e ateacute se alccedilaraacute agrave hipeacuterbolerdquo (amplificationibus
extollet orationem et in superlationem quoque erigetur)
Plutarco e o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio como se viu (supra) trazem formulaccedilotildees
praticamente idecircnticas (pelo menos no leacutexico) a de nosso epiacutetome naquele ldquo
rdquo Traduccedilatildeo ldquoo molde copioso eacute aquele que tanto na elaboraccedilatildeo
[kataskeueacute] das palavras [leacutexeis] e dos pensamentos [noeacutemata] possui aspectos [ie a
aparecircncia] grandiosos [megaacutele]) neste ldquo rdquo ndash
tomada em sua literalidade ldquocopioso eacute o proeminente [saliente diermeacutenon] no seu volume
de natureza [oacutegkos katagrave phyacutesin podendo significar ldquotumefaccedilatildeordquo dando a ideia de que o
plasma se faz adiposo rugoso inchado]rdquo
Quanto a ldquoestonteanterdquo uma qualificaccedilatildeo pelo efeito natildeo soacute faz lembrar o quarto
gecircnero puro de Demeacutetrio o tremendo que parece assimilado pelo gecircnero maior na triparticcedilatildeo
posterior como se associaria e poderia ser compreendido pela concentraccedilatildeo de cada um dos
trecircs gecircneros (entatildeo adaptados numericamente) agraves trecircs funccedilotildees da oratoacuteria como se vecirc em
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Quintiliano Aleacutem da referida passagem sobre a forccedila deste gecircnero (supra) descrevendo seu
efeito sobre o ouvinte diz que o orador ao empredar tal elocuccedilatildeo ldquotomaraacute de assalto o juiz
mesmo que manifestamente contraacuterio e o forccedilaraacute a ir aonde o transportarrdquo (iudicem uel
nitentem feret cogetque ire qua rapiet) Inst Orat XII 10 61 3 ndash 34) A forccedila dessa elocuccedilatildeo
logo fora descrita como rio cuja forccedila leva ripas e derruba pontes (idem 61) Adiante (62 7 ndash
9) ldquoesse (tal orador) a ira esse a misericoacuterdia inspiraraacute esse falando paacutelido ficaraacute o juiz e
choraraacute afetado por completo seguiraacute arrastado daqui ali e natildeo desejaraacute mais ser instruiacutedo
(ldquohic iram hic misericordiam inspirabit hoc dicente iudix pallebit et flebite et per ominis
adfectus tratus huc atque illuc sequetur nec doceri desiderabitrdquo Cf tambeacutem Ciacutecero Orator
20 6 ndash 7 ad permouendos et conuertendos acircnimos instructi et parati) Por fim ldquoreluzindo
uma beleza poeacuteticardquo para aleacutem do vocabulaacuterio da imagem e da forma comum agrave referida
passagem de Plutarco essa passagem se explica por tudo quanto se disse da distinccedilatildeo entre
poesia e prosa (supra n8) agora considerada do ponto de vista dos moldes da elocuccedilatildeo
quanto mais se eleva e se afasta da linguagem pedestre mais a prosa tende a parecer com a
poesia portanto eacute de se esperar que se a poesia estaacute para o mais elevado e a prosa para o
mais pedestre quanto mais elevada a elocuccedilatildeo ela mesma mais poeacutetica Eacute portanto natural
que o molde copioso chame atenccedilatildeo (pensando na semacircntica de reluzir epiphaiacuteno) por
mesmo natildeo sendo em um poema ser inevitavelmente mais poeacutetico podendo assim ser
classificado (Cf mais uma vez Aristoacuteteles Ret III)
222 O molde tecircnue
Este molde se define portanto opostamente agravequele uma vez que se nomeia por seu
antocircnimo Podemos resumir o significado da palavra da seguinte maneira ldquoseco enxutordquo
donde negativamente tem-se ldquofraco esquaacutelido magro parcordquo - no sentido de algo que natildeo
se expande ndash ldquocomedidordquo daiacute ldquoplano liso reto esguio delgado direto claro manifesto
inteligiacutevelrdquo (LIddell amp Scott idem p848) A traduccedilatildeo precisa portanto dar conta da noccedilatildeo
fiacutesica de maneira positiva ie algo ldquoesguio enxuto delgado ateacute esbeltordquo Agrave medida que se
comeccedila a fazer uma imagem mais clara da doutrina nota-se que metaforicamente tem por
criteacuterio uma espeacutecie de medida de proporccedilotildees da elocuccedilatildeo conforme ela se nos afigura mais
palavras explicitam o que seja o molde copioso confirmando o quanto se expocircs acima sobre
ele e consequentemente formando por oposiccedilatildeo a imagem do molde tecircnue Este consiste em
58
natildeo escolher por banir por ldquoproscreverrdquo [metadioacuteko] aquela composiccedilatildeo que vem retomada
como tropikeacute (literalmente ldquoem que haacute troposrdquo) e philokataskeuacuteos (ldquoamante da elaboraccedilatildeordquo
o que eacute dizer aqui do aparato do paramento do ornato) Enfim ldquoentretece-serdquo [syneacutertatai
dando a ideia simples de sucessatildeo amarraccedilatildeo atrelamento] a partir de literalmente ldquocoisas
soltasrdquo [aneimeacutena] Opta-se aqui por ldquodespojamentordquo para traduzir o que no grego eacute um
neutro plural atentando ao fato de que o particiacutepio aiacute substantivado eacute do verbo aniacuteemi
ldquolanccedilar para o altordquo portanto ldquosoltar relaxar aliviarrdquo e que assim mesmo no particiacutepio
passivo perfeito eacute empregado para designar o que estaacute ldquosolto frouxo relaxado dissolutordquo
Isso significa que os elementos do molde tecircnue juntam-se atrelam-se sem a constriccedilatildeo que
gera o volume de seu oposto O verbo latino expedio possui um uso semelhante a esse de
aniacuteemi e estaacute presente com essa acepccedilatildeo na liacutengua portuguesa mas seu deverbal ldquoexpediccedilatildeordquo
natildeo conserva o sentido Os deverbais de outros verbos semelhantes a expedio poderiam ser
cogitados como o proacuteprio ldquodespirrdquo (ldquodespimentordquo) mas em se optando por nomear essa
qualidade que no grego eacute um neutro plural abstrato quis se aproveitar o uso do portuguecircs que
emprega despojamento justamente para designar algo ou algueacutem ldquodesapegado simplesrdquo que
abre matildeo de ornamento riqueza etc uma vez que se diz o mesmo tambeacutem de estilo que eacute
assim simples modesto
A Retoacuterica a Herecircnio (IV 8) que como visto traz uma exposiccedilatildeo da doutrina
parecida com a de nosso epiacutetome diz que essa eacute a figura ldquorebaixada por completo ao costume
mais usual do falar puro (demissa est usque ad usitatissimam puri consuetudinem sermonis)rdquo
e antes de exemplificar posteriormente (IV 10) ldquoad infimum et cotidianum sermonem
demissum est (genus adtenuatum)rdquo ie ldquoeacute rebaixado ao falar iacutenfimo e cotidianordquo
O contemporacircneo grego Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict 34 13 ndash 14)
descreve a frase desse gecircnero como ldquolisardquo [liteacute] e ldquoparcardquo [aperittoacuten]
Ciacutecero no Orator (20 9 -11) eacute o mais abrangente ldquoet contra tenues acuti omnia
docentes et dilucidiora nom ampliora facientes subtili quadam et pressa oratione et limatardquo ndash
ldquoe contraiamente [aos grandiacuteloquos] os tecircnues agudos ensinando as coisas mais claras natildeo
as fazendo mais amplas sutis em qualquer discurso conciso e limadordquo
Quintiliano ao tomar as personagens homeacutericas como exemplo e usar Menelau para
ilustrar este gecircnero (XII 10 64) caracteriza tal elocuccedilatildeo como ldquobreuem quidem cum
iucunditate et propriamrdquo ldquocarentem superuacuisrdquo ndash ldquodefinitivamente breve com alegria e
proacutepriardquo ldquolivre de redundacircnciasrdquo
Assim Plutarco e o escoliata de Dioniacutesio Traacutecio que provavelmente seguem a mesma
base de nosso resumo ldquo
59
rdquo (Plut Uit Hom 72) ndash ldquotecircnue eacute aquele pequeno na mateacuteria de seus
argumentos e suavizado na palavrardquo ldquo
rdquo ndash ldquotecircnue eacute o contraiacutedo no seu volume natural (por natureza de natureza)rdquo
(Schol Dion Tr 449 28)
223 O molde meacutedio
Quanto agrave traduccedilatildeo embora se pudesse tornar o texto mais palataacutevel e inteligiacutevel
optando-se por alguma outra forma para a segunda ocorrecircncia da palavra optou-se pela
literalidade que natildeo soacute reproduz o caraacuteter repetitivo do texto do epiacutetome como tambeacutem a
dificuldade conceitual que impotildee Dos termos eacute vaacutelido comeccedilarmos pelos dois textos que ateacute
entatildeo se igualavam quase que plenamente ao coacutedice 239 em Plutarco (idem) ldquo
rdquo ndash ldquomeacutedio [meacuteson]
eacute o que estaacute entre [metaxyacute] cada um deles do mais tecircnue [ischnoacuteteron] e do mais copioso
[hadroacuteteron]rdquo poreacutem no escoliasta (idem) ldquo [antheroacuten] rdquo ie
ldquoo florido eacute o meacutedio entre ambosrdquo Aqui se iniciam as principais questotildees acerca da doutrina
mesmo que aparentemente acabada e resolvida em trecircs gecircneros questotildees que apenas se
esboccedilam quando se trata num primeiro momento de distinguir dois extremos antagocircnicos
1) A formulaccedilatildeo de Plutarco dificulta o estabelecimento de um criteacuterio de medida
supondo que se determine o mais absoluto copioso e o seu antiacutepoda tecircnue haveria graus
menores de coacutepia e tenuidade ou qualquer coisa entre ambos seria o gecircnero meacutedio
2) Neste estado terminoloacutegico apenas o problema estaacute quase que inteiramente
confinado agrave semacircntica de ldquomeacutesonrdquo uma vez que a mesma palavra designa abstratamente
tanto o que eacute meacutedio ie que possui a meacutedia proporccedilatildeo (considerando-se a categoria de
volume espessura) quanto o que pontualmente estaacute no meio o que se complica quando a
palavra metaxyacute o adveacuterbio ldquono meiordquo portanto o meio termo eacute tambeacutem empregado
tomando-a com exatidatildeo como determinar o meio termo que permita estabelecer entatildeo que
certa elocuccedilatildeo estando acima seja copiosa e abaixo tecircnue
Considerando que agraves vezes se emprega a palavra ldquomistordquo mas tambeacutem ldquobalanceado
misturadordquo deve-se considerar entatildeo que tal gecircnero tambeacutem seria uma terceira coisa que
combina que mistura aquela com esta como daacute a entender Dioniacutesio de Halicarnasso De
60
Compositione 21 15 ndash 18 (cf supra) Dioniacutesio afirmaraacute que esse uacuteltimo eacute justamente o
melhor (supra n 10)
A Retoacuterica a Herecircnio como se viu parece filiar-se a essa tradiccedilatildeo do nosso texto
pois aleacutem da terminologia conceitual lembra o texto de Plutarco na gradaccedilatildeo ldquomediacuteocre
[mediacuteocris] eacute a [figura] que se constitui de uma inferior [humiliore] mas natildeo a menor
[infima] e a mais coloquial [perulgatissima] dignidade das palavrasrdquo
Ciacutecero o descreveraacute no Orator 21 atente-se ao vocabulaacuterio ldquohaacute aquele que se situa
no meio entre eles [interiectus inter hos] e o faz como que temperado [temperatus] natildeo se
utilizando nem do acume destes [os tecircnues] nem da fulgecircncia daqueles [os grandiacuteloquos] natildeo
se excelindo em nenhum [in neutro ie no que natildeo eacute nem um nem outro mas estaacute no meio]
partiacutecipe [particeps ie tomando parte] tanto de um quanto de outro desprovido ndash a bem da
verdade ndash de maior potencialidade este como dizem flui num curso uacutenico natildeo trazendo
nada aleacutem de capacidade e igualdade ou entatildeo adiciona alguns adereccedilos [tori] como numa
coroa [ut in coronam] e distingue todo o discurso com moacutedicos ornamentos [ornamentis
modicis] de palavras e pensamentosrdquo Quanto agrave preferecircncia Ciacutecero parece divergir de
Dioniacutesio
Nas proporccedilotildees dos adereccedilos talvez permita entrever a concomitacircncia terminoloacutegica
observada natildeo soacute no escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio mas antes em Quintiliano que tambeacutem
aponta florido (com o correlato grego) como outro nome para o meacutedio Na descriccedilatildeo este
gecircnero serve para ldquoaprazerconciliaraplacarrdquo (conciliandi) por possuir como atributo a
ldquoleveza suavidaderdquo (lenitas) ldquoseraacute de uma maneira mais recorrente nas traslaccedilotildees
(variaccedilotildees ie tropos figuras de palavras) e mais agradaacutevel nas figuras ameno nas
digressotildees atado na composiccedilatildeo doce nos pensamentosrdquo (Inst Or XII 10 60) Como jaacute
mencionado no entanto (supra n 10) Quintiliano toma essa classificaccedilatildeo de forma larga
Concordante a isso antes de iniciar a descriccedilatildeo dos trecircs gecircneros (comeccedilando pelo florido por
sinal) em 59 afirma que esses estilos satildeo suficientes em si mesmos sem necessitar um a
ajuda do outro o que supotildee pelo menos que se possam misturar em momentos diferentes de
um mesmo discurso Posteriormente em 66 pensando numa gradaccedilatildeo proporaacute justamente a
partir do florido que assim como esse eacute o meio entre dois entre ele e os dois extremos a
outros intermediaacuterios bem como haveria ainda um extremo maior que cada um dos jaacute
enunciados Assim Quintiliano faz uma interpretaccedilatildeo da doutrina que em um aspecto o de
tomar a nomenclatura como uma medida pode se assemelhar agrave interpretaccedilatildeo de Ciacutecero que
no Brutus 55 201 expotildee rapidamente sua classificaccedilatildeo dupla segundo a qual considerando-
se o artiacutefice de bons oradores soacute haacute dois gecircneros cuja qualidade se deve observar o
61
ldquoatenuadordquo (tecircnueattenuantum) e ldquoconcisordquo (compacto premido pressum) e o
ldquosublevadordquo (sublatum) e ldquoamplordquo (amplum)
224 O molde florido
Em Plutarco (op cit 73) segue-se apoacutes a definiccedilatildeo dos trecircs referidos moldes
ldquoQue tambeacutem a espeacutecie florida dos discursos existe abundantemente
junto ao poeta possuidora de beleza e graccedila para agradar e deleitar
como flor ndash quem diria De fato a poesia eacute cheia desse tipo de
elaboraccedilatildeordquo
(trad do autor)
Cotejada com a Crestomatia e o escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio a passagem daacute indiacutecios de
que independente da dataccedilatildeo em algum momento dentro desta terminologia falava-se em
quatro moldes que satildeo reduzidos a trecircs ou assim se poderia conjecturar jaacute que pelo menos
nesse caso de Plutarco a julgar pelo emprego de outra palavra para se referir ao que eacute
designado como ldquofloridordquo (espeacutecie eidos) algueacutem poderia ao menos considerar os discursos
(os logoi) tambeacutem segundo essa quarta nomenclatura Natildeo eacute evidente como crecirc Severyns44
que Plutarco esteja assumidamente propondo que se trate de um quarto molde mas sem
duacutevida explicita que essa nomenclatura se empregava e poderia ser arrolada ainda que como
espeacutecie classificando algo de que em desacordo algum com o que sabemos da doutrina a
poesia estaacute cheia Aquilo a que serve tal eidos por assim dizer nessa Vita de Plutarco
concorda com a funccedilatildeo que Quintiliano circunscreve ao ldquofloridordquo ou ldquomeacutediordquo deleitar
agradar O vocabulaacuterio assemelha-se aqui os verbos teacuterpo hedyacuteno laacute os verbos delecto
concilio e o adjetivo iucuntus Na sua funccedilatildeo este florido natildeo diverge daquele de Quintiliano
O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio como se viu circunscreve florido e meacutedio a um uacutenico molde ao
dizer com que se combina tal molde assemelha-se agrave liccedilatildeo da epiacutetome (com menos detalhes)
ldquo rdquo
44 op cit paacuteg 75
62
ndash ldquochama-se florido [antheroacutes] porque combina [harmoacutezei] principalmente com reportaccedilotildees
[apaggeliacutea] de descampados [leimocircnes] e flores [aacutenthe]rdquo
Dioniacutesio de Halicarnasso conforme visto usa ldquofloridordquo como outro possiacutevel nome
para o ldquopolidordquo (glaphyroacuten)45 mas descrevendo o que estaria no lugar do molde copioso na
triparticcedilatildeo ie o que se define essencialmente por receber ornato Essa indefiniccedilatildeo acerca do
lugar que o florido deveria ocupar na nomenclatura evidencia natildeo soacute diferentes interpretaccedilotildees
da doutrina como jaacute se pontuou mas explicita como elas foram adequando a profusatildeo a um
sistema de trecircs segundo diferentes necessidades descritivas
De modo geral se Dioniacutesio emprega o termo de maneira positiva na seccedilatildeo 2146 do
tratado sobre a composiccedilatildeo em que descreve trecircs virtudes geneacutericas do discurso das quais
pontua uma melhor e se posteriormente entre os romanos observamos uma triparticcedilatildeo que
funciona como medida de padratildeo (modernamente falando) de modo a chegar agrave flutuaccedilatildeo
observada nos trecircs textos gregos posteriores e lexicalmente afins pode-se conjecturar que a
possiacutevel confusatildeo indefiniccedilatildeo ou flutuaccedilatildeo quanto agrave posiccedilatildeo do quarto gecircnero estivesse
relacionada agrave funccedilatildeo e ao efeito pretendido por tal elocuccedilatildeo e a como a doutrina definia as
trecircs posiccedilotildees em prol deles que identificamos pelas trecircs funccedilotildees do orador Assim haveria
uma elocuccedilatildeo ornada a fim de deleitar ie que se orna pelo deleite que isso traz ao ouvinte e
que agrave maneira que se distinguem poesia e prosa seria como daacute a entender Plutarco comum
na poesia afinal essa tem sempre mais que a prosa e sua principal funccedilatildeo eacute deleitar e outra
elocuccedilatildeo mais ornada ainda cuja finalidade eacute entatildeo comover (em verso ou em prosa) e eacute
inevitavelmente poeacutetica mesmo que na prosa uma vez que eacute (se tomada como extremo)
inteiramente ornada
225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo
O particiacutepio que introduz o paraacutegrafo dedicado aos erros referentes aos moldes
expostos aposphaleacutentes que se traduziu por uma oraccedilatildeo equivale semanticamente a
hamarteacutema que pseudo-Longino emprega amplamente no seu tratado Do Sublime para
designar natildeo soacute o desvio do molde ou gecircnero mas qualquer falha discursiva em geral O
significado primeiro e mais baacutesico do verbo que origina este substantivo eacute ldquoerrar o alvordquo um
45 supra pg 52 46 supra pg 51 e 58
63
hamarteacutema eacute em princiacutepio um ldquodesacertordquo Aposphaacutello por sua vez tem o significado de
ldquodesviar-se errar o caminho passar longerdquo e designa por isso aquele que ldquopega um desviordquo
ie que ldquoerra o caminhordquo do discurso em certo molde ldquoenvereda-se erroneamenterdquo e atinge
uma via mudada daquela em que seguia Engendra portanto natildeo seu antiacutepoda positivo mas
uma forma defeituosa viciosa daquilo que deveria ser sua qualidade Vitia eacute o termo
empregado na Retoacuterica a Herecircnio (IV 11) correlato do grego kakiacutea que pseudo-Longino
emprega igualmente
A noccedilatildeo de que existiria uma medida ou pelo menos uma maneira correta de se aplicar
o princiacutepio baacutesico definidor de cada um dos gecircneros (o traccedilo geneacuterico) ou em outras palavras
o que aqui se denomina molde a fim de se produzir a forma bela aparece alhures e por
exemplo tem sua origem brevemente explicada no tratado Do Sublime em 5 1 3 ldquodaquilo
de que se nos origina o belo proacuteximo tambeacutem a isso os males gostam de se originarrdquo Esse
princiacutepio se sumariza por toda seccedilatildeo 5 apoacutes jaacute ter sido sistematicamente aplicado para
descrever atraveacutes de um vocabulaacuterio que eacute da fisiologia as formas que se pretendiam
sublimes mas resultam defeituosas (3 4 1 ndash 4)
[] κακοὶ δὲ ὄγκοι καὶ ἐπὶ σωμάτων καὶ λόγων οἱ χαῦνοι καὶ
ἀναλήθεις καὶ μήποτε περιιστάντες ἡμᾶς εἰς τοὐναντίον οὐδὲν γάρ
φασι ξηρότερον ὑδρωπικοῦ ἀλλὰ τὸ μὲν οἰδοῦν ὑπεραίρειν βούλεται
τὰ ὕψη τὸ δὲ μειρακιῶδες ἄντικρυς ὑπεναντίον τοῖς μεγέθεσι
feios satildeo os intumescimentos [oacutegkoi note-se o vocabulaacuterio] sobre os
corpos e sobre as palavras que flaacutecidos [chaucircnoi] e falsos
[analeacutetheis] jamais nos revertem ao seu contraacuterio [tounantiacuteon]
afinal nada mais seco [zeroacutetetos] que um hidroacutepico [hydroacutepikos]
Mas o inchaccedilo [oidoucircn] deseja subir [hypaiacuterein] agraves alturas [tagrave hyacutepse]
o pueril [meirakiocircdes] eacute que estaacute diretamente oposto [aacutentikry
hypenantiacuteon] agrave grandiosidade [toicircs megeacutethesi]
(traduccedilatildeo do autor)
Seguir-se-aacute entatildeo uma breve descriccedilatildeo desse pueril (ldquochatildeordquo [tapeinoacuten] ldquomesquinhordquo
[mikroacutepsychon] e ldquoo mais vulgarmente feiovicioso em essecircnciardquo [tocirci oacutenti kakograven
aggeneacutestaton] - idem 5 ndash 6) e de um terceiro viacutecio que se resume ao descomedimento do
paacutethos (afeto ou paixatildeo fora de hora [paacutethos aacutekairon] ou ldquodesmedidordquo quando se requer
ldquomedidardquo [aacutemetron eacutentha metriacuteou deicirc] (3 5 3 ndash 4)
64
Esse princiacutepio encontra-se enunciado aplicado e atribuiacutedo (quanto agrave sua origem) em
Demeacutetrio com um vocabulaacuterio que eacute da eacutetica (op cit 114)
Ὥσπερ δὲ παράκειται φαῦλά τινα ἀστείοις τισίν οἷον θάρρει μὲν τὸ
θράσος ἡ δ αἰσχύνη τῇ αἰδοῖ τὸν αὐτὸν τρόπον καὶ τῆς ἑρμηνείας
τοῖς χαρακτῆρσιν παράκεινται διημαρτημένοι τινές πρῶτα δὲ περὶ τοῦ
γειτνιῶντος τῷ μεγαλοπρεπεῖ λέξομεν ὄνομα μὲν οὖν αὐτῷ ψυχρόν
ὁρίζεται δὲ τὸ ψυχρὸν Θεόφραστος οὕτως ψυχρόν ἐστι τὸ
ὑπερβάλλον τὴν οἰκείαν ἀπαγγελίαν
Como algumas rudezas [phaulaacute] justapotildeem-se [parakeicircmai] a
alguns valores [asteicirca] como agrave coragem a impetuosidade vergonha
ao respeito da mesma forma alguns deslocamentos [diemartemenoi]
justapotildeem-se aos caracteres da elocuccedilatildeo Primeiramente falaremos
do que margeia [geitiniaacuteo] o magnificente Seu nome eacute friacutegido
[psychroacuten] Teofrasto delimitou [horiacutezomai] o friacutegido assim friacutegido
eacute o que excede [hyperbaacutello] a expressatildeo adequada [oikeiacutean]
(idem)
Eacute vaacutelido notar que aleacutem de se empregar um particiacutepio para nomear esse ato de
desviar-se errar (diemartemenoi) o verbo em questatildeo tem a mesma forccedila de aposphaacutello em
sua composiccedilatildeo e eacute um sinocircnimo desse Tambeacutem merece nota o verbo geitiniaacuteo ldquoavizinhar-
se fazer fronteira estar na margemrdquo de modo que natildeo seria lexicalmente errado dizer desses
desvios que satildeo ldquogecircneros marginaisrdquo Eacute aceite que a base para essa teoria que supotildee sempre
uma medida correta para a execuccedilatildeo da forma seja peripateacutetica o que por outro lado natildeo
nos deve levar a supor uma doutrina uniforme subjacente aos textos O princiacutepio sim parece
ter essa origem Deve-se observar assim que pseudo-Longino segundo criteacuterios e conceitos
que satildeo platocircnicos em origem estaacute preocupado em descrever o que atinge a grandeza o
sublime Ao fim portanto descreve um conjunto de trecircs viacutecios que satildeo a rigor o resultado de
uma tentativa equivocada de atingi-lo Natildeo eacute de se espantar entatildeo que a caracterizaccedilatildeo do
viacutecio pueril assemelhe-se ao que seria de certa forma uma versatildeo imperfeita do discurso que
no epiacutetome fociana estaria para o tecircnue denominado aqui por chatildeo [tapeinoacutes baixo
rasteiro] Contudo observa-se que o adjetivo trata na verdade de um julgamento moral sobre
aquele que tenta atingir o sublime de maneira fuacutetil ou vatilde O texto prossegue
ταπεινὸν γὰρ ἐξ ὅλου καὶ μικρόψυχον καὶ τῷ ὄντι κακὸν
ἀγεννέστατον τί ποτ οὖν τὸ μειρακιῶδές ἐστιν ἢ δῆλον ὡς
σχολαστικὴ νόησις ὑπὸ περιεργασίας λήγουσα εἰς ψυχρότητα
ὀλισθαίνουσι δ εἰς τοῦτο τὸ γένος ὀρεγόμενοι μὲν τοῦ περιττοῦ καὶ
65
πεποιημένου καὶ μάλιστα τοῦ ἡδέος ἐξοκέλλοντες δὲ εἰς τὸ ῥωπικὸν
καὶ κακόζηλον
(Pseudo-Longino De Sublimitate 345 ndash 51)
diz-se dele que tem o pensamento preguiccediloso [scholastikeacute noacuteesis] que por causa do
empolamento [periergasiacutea o excesso de coisas fuacuteteis] estagna-se em frigidez [psychroacutetes]
ldquoEscorregam nesse gecircnero os que almejam o prodigioso [tograve perittoacuten que em Dioniacutesio de
Halicarnasso era abundacircncia atributo do elevado] o produzido [pepoiemeacutenos] e
principalmente o prazer [hedyacutes] vagando para o espalhafatoso [rhopikoacuten] e afetado
[kakoacutezelon]rdquo A julgar por ldquoespalhafatoso afetado empolado prodigiosordquo etc temos uma
descriccedilatildeo que se aproxima mais do que poderiacuteamos conceber como a forma falha do molde
copioso que recebe a qualidade de ldquoexaltadordquo que se pode traduzir no contexto do discurso
por ldquopedanterdquo Comparado ao nosso modelo e agrave descriccedilatildeo de gecircneros e defeitos como
observamos na tratadiacutestica retoacuterica embora o princiacutepio seja peripateacutetico o tratado do sublime
natildeo se propotildee a prescrever todos os gecircneros bem sucedidos de elocuccedilatildeo mas concentra-se em
aplicar isso que aqui chamamos preceito ou teoria da medida para descrever tudo quanto pode
produzir um efeito o transporte [ekstaacutesis] e natildeo outro a persuasatildeo [peithoacute] (1 4 1) e eacute a
partir disso que descreveraacute os demais tipos de elocuccedilatildeo o que natildeo eacute seu foco (cf por
exemplo 8 1 e 33 1) Os tratados descrevem ainda que diferentemente os gecircneros da boa
elocuccedilatildeo e a partir deles a forma desproporcional da caracteriacutestica fundamental de cada um
De novo a adequaccedilatildeo (da medida no caso) a trecircs Por fim vale mencionar que esse criteacuterio
peripateacutetico se evidencia na Ars de Horaacutecio47
No epiacutetome de Foacutecio os dois defeitos derivados do desvio do molde copioso duro
[skleroacuten] e exaltado [epermeacutenon] parecem corresponder bem aos viacutecios que pseudo-
Longino refere um ao aspecto do discurso que eacute ldquoinfladordquo laacute ldquoinchadordquo e aqui ldquodurordquo
ldquomaciccedilordquo quase a ideia de ldquoaacutesperordquo no sentido de algo intrataacutevel em funccedilatildeo das saliecircncias
(que leva agrave ideia de ldquoaustero severo aacuterduordquo) outro parece mais relacionado ao afeto e ao
enunciador uma vez que ldquoexaltadordquo ie que estaacute muito acima do necessaacuterio contempla tanto
a ideia do pedantismo e da afetaccedilatildeo como do pathos fora de hora
O escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio que simplesmente emprega o verbo antikeicirctai para
designar a oposiccedilatildeo de gecircneros fala do duro como a epiacutetome mas do escasso [brachyacute]48
Lembrando o texto de pseudo-Longino e sua metaacutefora fisioloacutegica eacute a intumescecircncia de certa
regiatildeo que gera a secura e talvez assim possamos interpretar esse adjetivo no sentido de que
47 Cf Horaacutecio Arte Poeacutetica v 24 ndash 28 48 Op cit 449 32
66
para aleacutem dos adereccedilos desnecessaacuterios e demasiados esse gecircnero estaacute desprovido de sauacutede ou
da coacutepia que o caracteriza Aqui tambeacutem de certa forma o gecircnero vizinho e defeituoso
confunde-se com o oposto virtuoso Parece que no caso do escoacutelio o molde defeituoso eacute
entendido como um oposto propriamente inclusive a julgar pelo verbo que introduz a
passagem
A Retoacuterica a Herecircnio denomina esse gecircnero defeituoso de inflado [sufflata]49 bem
condizente com o aspecto fiacutesico do inchaccedilo de Pseudo-Longino e da macicez do epiacutetome e
contiacutenua pela metaacutefora fiacutesica para exemplificar ldquoAssim como um inchaccedilo [tumor como o
grego oacutegkos] pode parecer uma condiccedilatildeo saudaacutevel do corpo grave [grave] pode parecer o
discurso que turge [turget] e estaacute inflado [inflatum]rdquo natildeo agrave toa o tratado nos daraacute trecircs
possiacuteveis elementos desse gecircnero defeituoso que ou estatildeo para aquela dureza ou para o
empolamento e a afetaccedilatildeo inadequada ou se empregam palavras que satildeo muito recentes ou
arcaicas (ldquonouis aut priscisrdquo) ou usam-se metaacuteforas duras (ldquousa-se delas duramenterdquo ndash
ldquoduriter aliunde translatisrdquo) ou porque algo eacute dito com palavras mais graves do que a mateacuteria
exige (ldquograuioribus quam res postullat aliquid diciturrdquo)
Na divisatildeo quaacutedrupla de Demeacutetrio50 o gecircnero defeituoso eacute qualificado como
ldquofriacutevolordquo adjetivo empregado por Pseudo-Longino e que se associa a essa qualidade afetada
do discurso que traz muito mais do que o necessaacuterio O princiacutepio se torna praticamente uma
maacutexima no verso horaciano ldquoprofessus grandia turgetrdquo- ldquoa grandeza professa turgerdquo51
O adjetivo tapeinoacutes que no epiacutetome nomeia o desvio do molde tecircnue designa aquilo
que eacute baixo abjeto em diferentes contextos (social moral) etc Designa o aspecto vulgar e
rebaixado daquele falar hodierno do qual parte a linguagem bem sucedida deste gecircnero na
Retoacuterica a Herecircnio que qualifica o viacutecio como aacuterido [aridum] e exangue [exsangue]52
Aacuterido [xeroacutes] tambeacutem eacute o nome para Demeacutetrio do desvio do caraacuteter tecircnue Para pseudo-
Longino como visto53 essa aridez tem que ver com uma grandeza um aumento que natildeo se
realiza eacute mais um discurso vicioso que natildeo atinge aquele sublime O escoacutelio a Dioniacutesio
Traacutecio neste passo de fato parece confimar a hipoacutetese de nomear como viacutecio uma forma que
eacute oposta opotildee-se ao tecircnue o amplo [platuacute ou difuso referindo-se agrave elocuccedilatildeo] e grosso
[paxuacute espesso]54 que ora remetem ao hadron forma virtuosa Por fim em Horaacutecio talvez
esteja aqui aquele que procede com excessivo medo da elevaccedilatildeo ldquoserpit humi tutus nimium
49 Retoacuterica a Herecircnio IV 10 19 50 Supra paacuteg 52 ndash 53 51 Op cit v 27 52 Op cit IV 11 16 53 Supra paacuteg 57 54 Op cit 449 32
67
timidisque procellaerdquo ndash ldquoRasteja pelo chatildeo aquele excessivamente cauto e medroso da
procelardquo55
Quando ao desvio do molde meacutedio a primeira caracteriacutestica refere-se ao fato de o
discurso parecer incompleto inacabado tolhido argoacutes designando o objeto em que falta
trabalho ie em que o trabalho natildeo se concluiu Pelas liccedilotildees sobre a diferenccedila entre prosa e
poesia podemos pensar que talvez ele o seja por deixar a impressatildeo de carecer de ornato
quando uma de suas necessidades eacute possuiacute-lo a ponto de deleitar56
Parece que eacute neste sentido que o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio57 que designa este
molde como florido denomina seu oposto por agleukeacutes amargo (em que natildeo haacute doce) e
logoieideacutes prosaico ie natildeo eacute tatildeo poeacutetico quanto precisaria O segundo termo empregado
eklelumeacutenon (solto desatado relaxado dilatado) parece estar associado justamente a esse
mau acabamento do ornato e eacute correlato ao termo com que a Retoacuterica a Herecircnio designa o
gecircnero vicioso dissoluto [dissolutum]58 ldquoque eacute sem nervos e articulaccedilotildeesrdquo ndash mantendo uma
metaacutefora fisioloacutegica (quod est sine neruis et articulis articulaccedilotildees) ndash de modo que posso
chamaacute-lo flutuante [fluctuans] jaacute que flutua caacute e laacute e natildeo possui a capacidade de andar
livremente com firmeza [confirmatis] e virilidade [uiriliter]rdquo Essa mesma noccedilatildeo de firmeza
que se exige para uma elevaccedilatildeo digna que natildeo eacute poreacutem a da coacutepia mas constitui um meio
termo parece condizer com o defeito daquele que na Ars horaciana almejando mais leveza
do que se deve acaba fraco ie sem nervos [nerui] e acircnimo [animi] ldquosectantem leuia nerui
deficiunt animiquerdquo59
3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA
31 SEUS GEcircNEROS
55 Idem v 28 56 Supra paacuteg 54 57 Op cit 449 32 58 Op cit IV 11 1 59 Op cit v 25 ndash 26
68
Eacute pelo emprego do adjetivo ldquopoeacuteticardquo [poietikeacute] no paraacutegrafo 11 da ediccedilatildeo de
Severyns60 319a 3 na ediccedilatildeo de Bekker que se inicia o extenso cataacutelogo de gecircneros e
espeacutecies poeacuteticas que basicamente constitui todo o restante do epiacutetome como parte principal
do objeto resumido Imediatamente a liccedilatildeo do epiacutetome estabelece o criteacuterio segundo o qual
divide dois grandes gecircneros de poesia
Chama a atenccedilatildeo o emprego de outro termo vimos que poiacuteema foi usado para
distinguir poesia e prosa no paraacutegrafo 3 e logo acima no paraacutegrafo 10 foi novamente
empregado como sinocircnimo de poiacuteesis Parece que esse termo se usa laacute enquanto em uma
primeira seccedilatildeo da obra em que se trataria da linguagem em geral contemplando toacutepicos
comuns agrave poesia e agrave oratoacuteria (que consequentemente servem para a prosa em geral como a de
um historiador logoacutegrafo etc) tais quais a elocuccedilatildeo e seus gecircneros virtuosos e viciosos o
eacutethos e o paacutethos Esses trecircs elementos correspondem natildeo perfeitamente agrave triparticcedilatildeo retoacuterica
que vem desde Aristoacuteteles natildeo perfeitamente porque a parte sobre os plaacutesmata fala somente
de elocuccedilatildeo e natildeo do logos como um todo e suas partes etc Assim nenhuma designaccedilatildeo
especiacutefica ou disjuntiva aparece ateacute aqui (ldquoretoacutericardquo ldquopoeacuteticardquo) salvo gramatikeacute do tiacutetulo
que nos serve de indiacutecio para conjeturar justamente sobre como essas liccedilotildees de diferentes
saberes satildeo tomadas aqui nas suas partes concernentes agraves letras
Apoacutes enfim uma primeira parte em que se tomaram essas liccedilotildees apenas no que
concerne agrave linguagem e seu uso por quem compotildee uma obra em prosa ou em verso
significando que desse ponto de vista as mesmas caracteriacutesticas se observariam na prosa de
um logoacutegrafo e nos versos de um tragedioacutegrafo natildeo havendo distinccedilatildeo salvo pelo fato de que
estes conteratildeo virtudes em maior quantidade passa-se entatildeo ao exame da poeacutetica
especificamente entendida como reuniatildeo das obras de poesia Pode-se conjeturar que o termo
(no genitivo e com forte carga partitiva cf nota 9) agora eacute empregado para delimitar o que eacute
assunto apenas referente a esse tipo de confecccedilatildeo A liccedilatildeo do coacutedice logo passa ao que
consiste dentro dessa perspectiva antes explicitada o tratamento da obra poeacutetica E o que
seria Os diferentes gecircneros em que se agrupam as composiccedilotildees considerada agora apenas a
composiccedilatildeo em verso e natildeo dentro do primeiro criteacuterio classificatoacuterio geral a elocuccedilatildeo
Em outras palavras e com implicaccedilotildees mais fortes o que eacute relevante para essa
abordagem das letras sobre a poesia e daiacute sem a elocuccedilatildeo apenas ela inicia-se pela sua
divisatildeo em gecircneros Natildeo agrave toa segue-se imediatamente a primeira e mais ampla distinccedilatildeo
60 Severyns op cit tomo II pg 33
69
geneacuterica relacionada ao que na Poeacutetica de Aristoacuteteles se designa apenas como o modo de
imitaccedilatildeo ou da mimese
Sabe-se que a Poeacutetica de Aristoacuteteles se insere em uma discussatildeo que jaacute estaacute bem
distante de muitos dos textos de base gramatical que foram escritos posteriormente sobre o
assunto embora natildeo tatildeo distante dos textos modelares da praacutetica
A divisatildeo entre poesia narrativa [diegematikoacuten] e imitativa [mimetikoacuten] ndash para cuja
traduccedilatildeo mantecircm-se aqui os termos latinos ndash tem por criteacuterio o modo enunciativo ie mais
especificamente quem eacute o enunciador Essa distinccedilatildeo vem como se sabe desde a Repuacuteblica
em que natildeo eacute dupla mas triacuteplice Nos termos do filoacutesofo (III 394b) a narraccedilatildeo da poesia e da
mitologia ou se daacute inteira por imitaccedilatildeo [diagrave mimeacuteseos] ou por relato do poeta ele mesmo [dirsquo
aggeliacuteas autoucirc toucirc poietoucirc ie de forma reportada pelo proacuteprio poeta] ou ainda por ambos
[aucirc drsquo amphoteacuteron] Esta uacuteltima eacute a forma mista em que ora o poeta fala ora a personagem
da qual Homero eacute o exemplo
A classificaccedilatildeo proposta por Platatildeo ocorre na conversa entre Soacutecrates e Adimanto e a
primeira menccedilatildeo aos modos de enunciar se daacute em 392a passagem em que Soacutecrates comeccedilaraacute
a delimitar e expor a doutrina falando primeiro da chamada haplecirc dieacutegesis
ou ldquonarraccedilatildeo simplesrdquo e da miacutemesis O problema e o foco de Platatildeo natildeo eacute
gramatical ou poeacutetico mas sim filosoacutefico-moral eacute um problema para a paideia da cidade a
imitaccedilatildeo plural ie uma pessoa empreender a imitaccedilatildeo de muitas pessoas (395a) uma vez
que a fidelidade dessas imitaccedilotildees seraacute prejudicada dada a impossibilidade de uma uacutenica
pessoa realizaacute-las todas adequadamente Eacute fundamental frisar que para Platatildeo mimese aqui eacute
algo muito mais restrito do que para Aristoacuteteles pois se trata puramente da imitaccedilatildeo que uma
pessoa faz a de outra ou da fala dela Para o filoacutesofo a narraccedilatildeo eacute primordial ou seja haacute a
narraccedilatildeo em princiacutepio e a imitaccedilatildeo eacute uma coacutepia de uma narraccedilatildeo que pertence a outrem
Platatildeo natildeo estaacute interessado em utilizar a distinccedilatildeo para analisar e classificar as praacuteticas
poeacuteticas Estaacute sim interessado em lidar com as implicaccedilotildees que as distinccedilotildees estabelecidas
trazem para sua filosofia e se as mentiras que podem ser contadas para em um mito jaacute podem
por si soacute natildeo fornecer um bom exemplo moral para a cidade imitar jaacute eacute por si soacute uma mentira
Em seu tratado Aristoacuteteles estaacute interessado entre outras coisas principalmente em
mostrar que primeiramente mimese ou imitaccedilatildeo eacute algo mais amplo possui uma funccedilatildeo
didaacutetica fundamental e justamente por isso quando julgada a poesia deve ser pensada dessa
perspectiva Isso explica antes de mais nada a exposiccedilatildeo da triparticipaccedilatildeo classificatoacuteria que
ocupa os trecircs primeiros capiacutetulos da Poeacutetica (natildeo agrave toa seguida de um quarto capiacutetulo e quem
o filoacutesofo fala justamente do valor didaacutetico da imitaccedilatildeo) em que se explicitam os criteacuterios
70
com os quais o filoacutesofo pensa mimese de que e poesia eacute uma espeacutecie A distinccedilatildeo dos modos
enunciativos portanto ocupa um ponto especiacutefico da doutrina aristoteacutelica
Ἔτι δὲ τούτων τρίτη διαφορὰ τὸ ὡς ἕκαστα τούτων μιμήσαιτο ἄν τις
καὶ γὰρ ἐν τοῖς αὐτοῖς καὶ τὰ αὐτὰ μιμεῖσθαι ἔστιν ὁτὲ μὲν
ἀπαγγέλλοντα ἢ ἕτερόν τι γιγνόμενον ὥσπερ Ὅμηρος ποιεῖ ἢ ὡς τὸν
αὐτὸν καὶ μὴ μεταβάλλοντα ἢ πάντας ὡς πράττοντας καὶ ἐνεργοῦντας
daggerτοὺς μιμουμένουςdagger ἐν τρισὶ δὴ ταύταις διαφοραῖς ἡ μίμησίς ἐστιν
ὡς εἴπομεν κατ ἀρχάς ἐν οἷς τε ltκαὶ ἃgt καὶ ὥς ὥστε τῇ μὲν ὁ αὐτὸς
ἂν εἴη μιμητὴς Ὁμήρῳ Σοφοκλῆς μιμοῦνται γὰρ ἄμφω σπουδαίους
τῇ δὲ Ἀριστοφάνει πράττοντας γὰρ μιμοῦνται καὶ δρῶντας ἄμφω
ὅθεν καὶ δράματα καλεῖσθαί τινες αὐτά φασιν ὅτι μιμοῦνται δρῶντας
(Aristoacuteteles Poeacutetica 1448a 19 ndash 29)
Descrevendo seu objeto pelos meios ( ) pela mateacuteria ( ) e o modo ( ) a
Poeacutetica traz a distinccedilatildeo dos modos na explicaccedilatildeo da terceira categoria para a qual Aristoacuteteles
distingue duas possibilidades (1448a 19 ndash 24)
[] pois eacute possiacutevel pelos mesmos meios imitar as mesmas coisas ora
relatando [reportando hotegrave megraven apaggeacutelonta] (ou tornando-se de
certa forma outro como faz Homero ou como si proacuteprio e natildeo
alternando) ou todos os que imitam como agentes e operantes [hoacutes
praacutettontas kaigrave energoucircntas]
Aristoacuteteles natildeo propotildee um gecircnero misto como Platatildeo o que natildeo significa que natildeo
observe o fenocircmeno que Platatildeo nomeia como um terceiro tipo Considerando que Aristoacuteteles
discute exatamente miacutemesis e um tipo especiacutefico dela parece que seu criteacuterio eacute a presenccedila ou
natildeo ndash referida reportada e daiacute inferida pelos ouvintes ndash da voz do poeta seja na figura dele
mesmo seja por traacutes da voz de outro como a personagem Parece que no outro gecircnero natildeo
haacute pelo menos para Aristoacuteteles essa voz natildeo ocorre esse reportamento mas a miacutemese se daacute
como atuaccedilatildeo ie pela accedilatildeo dos actantes e natildeo como relato Simplificando pode-se dizer
partindo do segundo membro do par que a composiccedilatildeo pertenceraacute a este ou agravequele gecircnero se
for encenada ou natildeo Mais abstratamente o resultado de uma deve ser a coisa a mateacuteria o
fato sendo executado realizado da outra reportado contado Partindo poreacutem do outro
membro do par a fim de se chegar a uma simplificaccedilatildeo ter-se-aacute um problema modernamente
Dizendo que uma eacute ldquoencenadardquo e a outra eacute ldquonarradardquo buscar-se-aacute entatildeo a ldquounidade de accedilatildeordquo
de que a Poeacutetica tanto fala de toda e qualquer espeacutecie arrolada como narrativa natildeo soacute nesta
obra atribuiacuteda a Proclo mas tambeacutem em outros textos que trazem classificaccedilatildeo geneacuterica Este
71
problema eacute o principal de nosso epiacutetome qual seria por exemplo a unidade de accedilatildeo de um
melos como o epiniacutecio
Em relaccedilatildeo a Platatildeo observam-se duas peculiaridades Primeiramente como eacute
justamente pelo valor cognitivo e didaacutetico da imitaccedilatildeo que Aristoacuteteles confere estatuto
filosoacutefico agrave poesia61 adota o conceito de miacutemesis como nomenclatura mais ampla para
nomear o fenocircmeno dentro do qual se insere a poesia Natildeo agrave toa o iniacutecio do tratado eacute
dedicado agrave miacutemesis dentro da qual a miacutemesis poeacutetica eacute uma espeacutecie No entanto o termo
ldquomimeacuteticordquo (ou imitativo) jaacute foi empregado por Platatildeo quem Aristoacuteteles busca refutar para
designar uma espeacutecie de narraccedilatildeo de mitos uma das trecircs maneiras arroladas na Repuacuteblica
Parece que por essa razatildeo natildeo adota o termo ldquomimeacuteticordquo para calssificar a imitaccedilatildeo
dramaacutetica como se observa poreacutem em praticamente todo o restante da tratadiacutestica posterior
de que a Crestomatia mesma seria um exemplo Prefere empregar os particiacutepios ldquoprattontasrdquo
e ldquoenergoucircntasrdquo para designar a atividade que empreendem e designar seu sujeito justamente
com outro particiacutepio de que tal atividade eacute pelo criteacuterio do modo espeacutecie ldquotougraves
mimoumeacutenousrdquo
Em segundo lugar parece que como haacute uma discordacircncia teoacuterica deste para aquele
implicando tambeacutem uma discordacircncia conceitual ie a repeito de miacutemesis referindo-se aos
modos da enunciaccedilatildeo Aristoacuteteles busca um denominador comum ou um elemento mais
baacutesico que permita uma classificaccedilatildeo diferente por isso abre matildeo do modo ldquomistordquo porque
nem leva em considera o modo ldquopor imitaccedilatildeo rdquo platocircnico O elemento mais
baacutesico que se pontua depende da presenccedila ou natildeo de um ator mas conforme dito acima isso
eacute consequecircncia o elemento propriamente eacute a voz ou natildeo do poeta mas no sentido de que ou o
discurso que nos reporta as accedilotildees eacute percebido como saindo da boca de outros que natildeo o poeta
ou mesmo que esse assuma a voz de outro o discurso que se ouve ainda nos eacute reportado pelo
poeta mudada sua voz na voz de outro que natildeo eacute senatildeo dependente da primeira voz ou um
construto o que se entende de ldquo relatando (ou tornando-se de certa forma outro como faz
Homero ou como si proacuteprio e natildeo alternando)rdquo [grifo do autor]
Poder-se-ia considerar dessarte a julgar pelo que foi acima exposto que o epiacutetome
traria a liccedilatildeo aristoteacutelica uma vez que natildeo menciona um gecircnero misto como Platatildeo e outros
textos que mencionam esse terceiro gecircnero por entenderem que no caso em que o ldquoeu-
poeacuteticordquo daacute voz a uma personagem haacute uma mistura das duas enunciaccedilotildees Para a triparticcedilatildeo
cuja origem recua ateacute Platatildeo essa interpretaccedilatildeo eacute verossiacutemil porque o raciociacutenio parece ser o
61 Cf Poeacutetica (cap IX) Porque a poesia representa o possiacutevel segundo a verossimilhanccedila eacute mais universal por
oposiccedilatildeo agrave historia particular Decorre para Aristoacuteteles que a poesia eacute mais filosoacutefica
72
mesmo como eacute o caso do texto por exemplo do livro III da Ars Grammatica de Diomedes62
que serviraacute para o cotejo com a Crestomatia a mesma ilaccedilatildeo natildeo vale para os textos que
trazem em vez de uma triparticcedilatildeo uma biparticcedilatildeo A concepccedilatildeo aristoteacutelica supotildee
obrigatoriamente a mimese de accedilatildeo e supotildee como fica expliacutecito agentes que podem ser
resultado da miacutemeses da voz do poeta (o poeta lhes daacute voz) ou podem ser eles mesmos donos
dessa voz ie atores e nesse caso o poeta natildeo fala nada (sua voz natildeo aparece)
Parece que os textos posteriores baseiam-se ou copiam uma biparticcedilatildeo que na obra de
Aristoacuteteles eacute traccedilada segundo os criteacuterios que define como proacuteprios da imitaccedilatildeo poeacutetica Eacute
fundamental poreacutem lembrar que Aristoacuteteles natildeo questiona nem faz apontamento algum
acerca da accedilatildeo de outras espeacutecies poeacuteticas aleacutem da trageacutedia da comeacutedia e da epopeia sendo
aquelas duas exemplo de poesia dramaacutetica e esta de narrativa
Natildeo se pode afirmar que o agrupamento de espeacutecies que se segue em textos como o da
Crestomatia seria aristoteacutelico mas poderiacuteamos conjeturar que como o sentido dado ao verbo
apaggeacutello (na referida passagem de Aristoacuteteles) talvez seja um pouco mais amplo do que em
Platatildeo a julgar pelo fato de que laacute primeiramente natildeo haacute um gecircnero intermediaacuterio e segundo
Homero eacute justamente o exemplo de poesia narrativa (enquanto em Platatildeo a poesia estaacute ao lado
do relato de mitos) todas as demais espeacutecies que natildeo as teatrais por nelas se supor a voz de
um poeta sejam ldquonarrativasrdquo no sentido de que o que quer que se cante eacute reportado ao
ouvinte pelo eacutethos de um poeta cuja voz se ouve63 independente da unidade de accedilatildeo da
presenccedila ou natildeo de mito da vitoacuteria do atleta das causas de uma festa ou da celebraccedilatildeo de um
deus ou heroacutei ainda mais se considerarmos que a oralidade nunca deixou de desepenhar
importante papel mesmo nas culturas escritas como a alexandrina ou a bizantina papel esse
determinante no entendimento que as artes e os textos de doutrina fizeram da poesia Eacute bom
ressaltar que os textos mesmos seguem suas convenccedilotildees explicativas e eacute justamente pela
repeticcedilatildeo ao longo dos seacuteculos que satildeo concebidas como autorizadas
Isso significa que as artes gramaticais posteriores podem ter se fiado em um criteacuterio
que eacute adotado senatildeo mesmo desenvolvido por Aristoacuteteles o que eacute diferente de dizer que
seguem sua doutrina afinal de contas o criteacuterio da accedilatildeo natildeo eacute sequer mencionado nesse tipo
de descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies salvo na explicaccedilatildeo sobre o desenvolvimento da eacutepica
O mais importante no fato de o texto da Crestomatia adotar como a Poeacutetica uma
biparticcedilatildeo eacute o fato de que natildeo segue entretanto a terminoliga aristoteacutelica que evita
62 Diomedes Artis grammaticae III paacuteg 482 63 Eacute nesse sentido que conforme visto (supra 134 pag 47 em diante) Dioniacutenio de Halicarnasso no tratado Da
Imitaccedilatildeo fala do eacutethos da poesia de Alceu
73
ldquomimeacuteticordquo para o gecircnero em que os actantes satildeo enunciadores talvez simplesmente porque a
interpretaccedilatildeo que se fazia da doutrina nesta obra optava por uma conceituaccedilatildeo simples em
dois gecircneros abrangentes apenas sem mistura mas natildeo estava preocupada em propugnar a
favor de uma conceituaccedilatildeo preferencialmente a outra pois natildeo se inseria em um contexto de
disputa pelo termo como se pode supor no caso de Platatildeo e Aristoacuteteles
O texto de Diomedes sec IV AC64 testemunha que diferentes termos gregos eram
conhecidos entre os romanos mesmos para nomear esses dois grandes gecircneros O texto do
livro III de sua obra poreacutem adota a triparticcedilatildeo Note-se a variedade terminoloacutegica
Os gecircneros de poema satildeo trecircs Com efeito o gecircnero eacute ativo ou
imitativo que os gregos chamam dramatikoacuten ou mimetikoacuten narrativo
ou enunciativo que os gregos chamam exegetikoacuten ou apangeltikoacuten
comum ou misto que os gregos chamam koinoacuten ou miktoacuten Eacute
dramatikoacuten ou ativo aquele em que atuam somente as personagens
sem interlocuccedilatildeo de algum poeta como ocorre nas faacutebulas traacutegicas e
cocircmicas gecircnero no qual foi escrita a primeira Bucoacutelica [de Vergiacutelio2]
e aquela cujo iniacutecio eacute ldquoquo te Moeri pedesrdquo [ldquoPara onde Meride
levam-te os peacutesrdquo] Eacute exegetikoacuten ou narrativo aquele em que o proacuteprio
poeta fala sem interlocuccedilatildeo de alguma personagem como ocorre nas
trecircs primeiras Geoacutergicas [de Vergiacutelio] e na primeira parte da quarta e
igualmente nos cantos de Lucreacutecio e em outros semelhantes a estes Eacute
koinoacuten ou comum aquele em que o proacuteprio poeta fala e as personagens
satildeo introduzidas falando como foram escritas a Iliacuteada e a Odisseacuteia
inteiras de Homero a Eneida de Vergiacutelio e outros semelhantes a
estes
(Diomedes Arte Gramatical livro III trad Izabella Lombardi
Gaberllini in LETRAS CLAacuteSSICAS n 9 p 231-243 2005 Paacuteg
231)
Agora em uma triparticcedilatildeo Diomedes testemunha o uso da nomenclatura ldquoimitativordquo agrave
que tambeacutem associa o termo ldquodramaacuteticordquo bem como a traduccedilatildeo latina dos respectivos nomes
Curioso notar tambeacutem que siga o criteacuterio semelhante ao de Platatildeo ilustrando o gecircnero misto
com a eacutepica de Homero e Vergiacutelio
Observaremos portanto que para os textos de doutrina (que possuem eles mesmos
como dito suas convenccedilotildees) principalmente esses de acendecircncia gramatical o que concerne
tatildeo somente agrave poesia eacute sua divisatildeo em gecircneros e espeacutecies em outras palavras seu
agrupamento segundo uma nomenclatura funcional que permita tratar da variedade das
composiccedilotildees herdadas dos antigos gregos Se de origem heleniacutestica e portanto
64 Holtz L apud Gaberllini (2005) paacuteg 1 A dataccedilatildeo da Ars Grammatica de Diomedes infere-se a partir do uso
que faz de Donato e Cariacutesio gramaacuteticos anteriores e pelas constantes citaccedilotildees de Prisciano
74
originariamente editorial essa nomenclatura em um texto como o da Crestomatia ou o da
gramaacutetica de Diomedes tornou-se didaacutetica e eacute de se supor no caso da primeira natildeo apenas no
sentido pedagoacutegico Temos muito bons indiacutecios para supor que essa nomenclatura natildeo se
propotildee riacutegida uacutenica infrangiacutevel porque ela mesma no caso da Crestomatia supotildee mais
restritas suas dimensotildees quando o assunto eacute a liacuterica65 O que observamos no cataacutelogo da liacuterica
eacute a preponderacircncia e o emprego de outro criteacuterio ou padratildeo explicativo que tambeacutem estaacute
presente nos gecircneros anteriores natildeo se busca explicar o que seja a poesia como o faz
Aristoacuteteles mas sim reunir quanta informaccedilatildeo eacute uacutetil para compreender as diferenccedilas entres as
diferentes espeacutecies No caso das espeacutecies diegeacuteticas ou narrativas que natildeo a liacuterica junto a um
criteacuterio de mateacuteria e metro que privilegia este em relaccedilatildeo agravequele quanto agrave antecedecircncia
emprega-se um criteacuterio etimoloacutegico que eacute em boa parte das vezes etioloacutegico tambeacutem porque
traz consigo a origem do dizer consequentemente a origem do referente do significante Esse
eacute o criteacuterio que perpassa todo o cataacutelogo liacuterico na sua forma mais baacutesica porque em alguns
casos o emprego de uma palavra como nomenclatura jaacute eacute por si mesmo autoexplicativo eacute o
caso das uacuteltimas subespeacutecies aquelas sobre circunstacircncias incidentais em que se opta pelo
verso Esse eacute tambeacutem o mesmo criteacuterio que no caso das espeacutecies anteriores agrave meacutelica (a eacutepica
a elegia e o iambo) organiza concomitantemente a metro e mateacuteria a exposiccedilatildeo da espeacutecie
poeacutetica na forma de uma breve histoacuteria que nas suas diferentes etimologias busca agrupar os
diferentes elementos arrolados convencionalmente para definir aquele tipo poeacutetico
32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE
DIOMEDES
Consoante ao exposto no item anterior natildeo eacute de espantar que os gecircneros arrolados
entre os imitativos sejam apenas aqueles dramaacuteticos ou teatrais no caso da Crestomatia de
Proclo enquanto observamos que o exemplo de Diomedes refere-se agrave faacutebula teatral em
geral66 e admite que como tal escreveram-se as Bucoacutelicas I e IX
65 Basta conferir como o cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas eacute introduzido no epiacutetome sect33 (Severyns) 319b 33 66 ldquo() dramaticon est vel activum in quo personae agunt solae sine ullius poetae intcrlocutione ut se habent
tragicae et comicae fabulaerdquo ndash DIOMEDES op cit paacuteg 482 17 ndash 19 Diomedes provavelmente pontua o
elemento ldquofabulaerdquo logo aqui porque o mencionaraacute tratando posteriormente e em separado das espeacutecies
cocircmicas e traacutegicas Nada nos impede de conjeturar e tatildeo somente isso que tratando enfim do gecircnero mimeacutetico
nos demais livros da Crestomatia de que natildeo temos notiacutecia alguma o myacutethos aparecesse na obra Se a exposiccedilatildeo
75
Em ambos os textos o criteacuterio preponderante que estabelece a primiera distinccedilatildeo
dentro da qual os poemas se agruparatildeo eacute o modo enunciativo
Aquilo que seratildeo as espeacutecies no tratado de Proclo para Diomedes receberaacute o nome
simples de ldquocarminardquo ou ldquocantosrdquo designados como o resultado a obra em si uma vez que a
palavra latina designa assim o poema a composiccedilatildeo em verso Diomedes adota assim a
designaccedilatildeo jaacute corrente para essas formas poeacuteticas mas propotildee entre os carmes e os gecircneros
maiores outras espeacutecies que consideram agora o que se narra ou mimetiza e que satildeo
apresentadas como espeacutecies dos trecircs primeiros grupos elencados
ldquoPoematos dramatici vei activi genera sunt quattuor apud Graecos
traacutegica comica satyrica mimica apud Romanos praetextata tabernaria
Atellana planipesrdquo
(DIOMEDES op cit III apud Keil paacuteg 482 26)
ldquoOs gecircneros do poema dramatikoacutes ou ativo satildeo quatro entre os
gregos a [espeacutecie] traacutegica a cocircmica a satiacuterica a miacutemica entre os
romanos a pretextata a tabernaacuteria a atelana a planiacutepederdquo
(Trad GABERLLINI op cit 231)
Observa-se que no caso das espeacutecies gregas modelares (salvo pelos mimos) pelo
menos desde Aristoacuteteles67 a um criteacuterio primeiramente selecionado como mais geral porque
mais abrangente e baacutesico sobretudo por permitir a distinccedilatildeo imediata entre a poesia dramaacutetica
e as demais formas conhecidas segue-se uma subdivisatildeo desse criteacuterio que permite elencar e
subagrupar outras formas poeacuteticas geralmente obtusas em relaccedilatildeo agrave nomenclatura Eacute seguindo
o mesmo criteacuterio entatildeo que nos deparamos com outras espeacutecies mas agora do gecircnero
narrativo
ldquoExegetici vel enarrativi species sunt tres angeltice historice
didascalice angeitice est qua sententiae scribuntur ut est Theognidis
liber item chriae historice est qua narrationes et genealogiae
dos livros estivesse organizada como o epiacutetome 239 nos daacute a conhecer eacute de se crer que na sequecircncia do livro
III ocorresse a exposiccedilatildeo do gecircnero que natildeo foi discutido nos dois primeiros livros que o epiacutetome nos transmite 67 A reiteraccedilatildeo dos criteacuterios de unidade medida e adequaccedilatildeo ao longo da Ars Poetica de Horaacutecio ilustram-no
muito bem Sobre os mimos embora Aristoacuteteles mencione-os na Poeacutetica 1447b 8 ndash 12 e seja plausiacutevel que
segundo seu criteacuterio acional sejam miacutemesis poeacutetica nada mais nos eacute dito sobre eles no que temos da obra
76
conponuntur ut est Hesiodu et similia
didascalice est qua conprehenditur philosophia Empedoclis et Lucreti
item aslrologia ut phaenomena Aratu et Ciceronis et georgica
Vergilii et his similiardquo
(Idem paacuteg 482 31 ndash 483 3)
Assim o poema apenas narrativo pode ser ldquoenunciativo (angeltikeacute)rdquo quando apenas
enuncia coisas ie quando ocorre pura e simplesmente uma enunciaccedilatildeo direta ndash o exemplo
seria a poesia gnocircmica de Teoacutegnis e as khreicircai ou ldquomaacuteximasrdquo ditos ceacutelebres de personagens
ou figuras histoacutericas pode ser ldquohistoacuterico (historikeacute)rdquo quando o que se ldquonarra reporta relata
etcrdquo possui um sentido cronoloacutegicogenealoacutegico de que eacute exemplo O Cataacutelogo das Mulheres
de Hesiacuteodo pode ser ldquodidascaacutelica (didaskalikeacute)rdquo quando ensina e aqui satildeo exemplos os
Fecircnomenos tanto de Ciacutecero como de Arato ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio mas tambeacutem os
poemas de conteuacutedo filosoacutefico de que satildeo exemplos Empeacutedocles e Lucreacutecio
Subdividindo a poesia mista menciona como exemplo a poesia heroica ie a poesia
de heroacuteis de que satildeo exemplo a Iliacuteada e a Eneida tambeacutem se refere agrave liacuterica mas aqui a de
Horaacutecio e Arquiacuteloco (DIOMEDES op cit 483 5 ndash 6)
Ora chama a atenccedilatildeo nesse uacuteltimo caso em comparaccedilatildeo ao texto do epiacutetome de
Foacutecio que operando com uma triparticcedilatildeo dos gecircneros enunciativos a liacuterica seja dada como
exemplo misto porque eacute plenamente possiacutevel imaginar que outro e natildeo o eu-poeacutetico fale
como uma personagem Como a Crestomatia opera com uma biparticcedilatildeo a liacuterica eacute posta junto
de todas as espeacutecies que natildeo satildeo modernamente falando teatrais pelo simples pressuposto de
que nelas quem fala eacute a figura do poeta podendo haver outra dependente dela
Ateacute aqui comparados em sua organizaccedilatildeo observamos que tanto a Crestomatia como
o livro III de Diomedes conhecido antigamente como De Poematibus68 partem de um criteacuterio
primeiro e abrangente que classifica os poemas pelo elocutor Ambos jaacute apresentam aiacute uma
primeira diferenccedila69 este uma divisatildeo tripartite aquele bipartite
O texto de Diomedes apresenta uma subdivisatildeo em espeacutecies que considera a mateacuteria e
a finalidade da composiccedilatildeo mesmo no caso dos poemas apenas narrativos (contemplando
assim ateacute poemas de ensinamento filosoacutefico) e distingue com outra nomenclatura agrave parte os
cantos ou carmina como formas que se definem pelo que parece ser um criteacuterio taacutecito de
68 Uma vez que essa seccedilatildeo por si soacute consiste em um pequeno livro sobre classificaccedilatildeo de obras poeacuteticas que se
inspiraria na obra perdida atribuiacuteda a Suetocircnio De Poetica 69 Aleacutem do fato sempre evidente de que a os textos gregos versam sobre as formas poeacuteticas gregas enquanto os
latinos versam sobre as formas gregas ndash feitas romanas pelos autores paacutetrios ndash e a formas apenas latinas
77
metro e mateacuteria Era de se esperar em princiacutepio que esses cantos correspondessem
diretamente aos grupos acima expostos ou que ao menos fossem explicitados como derivados
deles ou a eles associados essa associaccedilatildeo de forma explicita soacute se verifica para os casos do
epos e da poesia bucoacutelica no caso citado de Vergiacutelio70 Jaacute o texto atribuiacutedo a Proclo passa
direto dos gecircneros enunciativos para o nome de cada uma das espeacutecies narrativas gregas
equivalentes (salvo pela liacuterica que ocupa o epiacutetome extensamente) aos carmina de Diomedes
Em resumo natildeo haacute classificaccedilatildeo intermediaacuteria no texto grego
Ora haacute ao menos que se conjecturar a respeito dessas diferenccedilas e se natildeo pudermos
chegar a respostas definitivas podemos formular hipoacuteteses que permitam um melhor
vislumbre da categorizaccedilatildeo poeacutetica com que se preocupavam as gramaacuteticas antigas
Primeiramente a correspondecircncia entre os carmina de Diomedes e as espeacutecies
arroladas em Proclo eacute notaacutevel A equivalecircncia na verdade eacute principalmente do tipo de
classificaccedilatildeo que se desdobra que ndash agrave guisa de esclarecimento por enquanto ndash tem como
elementos baacutesicos os membros do esquema metro-mateacuteriaetimologia-etiologia Esse modelo
de classificaccedilatildeo e as semelhanccedilas entre os dois textos seraacute o foco da comparaccedilatildeo nas seccedilotildees a
seguir (infra 33 paacuteg 81 em diante) Interessam agora as diferenccedilas e a compreensatildeo
estrutural dos dois textos
O texto de Diomedes traz uma classificaccedilatildeo como notado que o texto de Proclo natildeo
Por quecirc Podemos conjecturar que Diomedes conhecendo duas classificaccedilotildees (uma que
apresenta na forma dos carmina pertencente ao mesmo modelo que a classificaccedilatildeo do texto
de Proclo) preocupa-se em dar conta das duas maneiras de classificar senatildeo em reuni-las e
tornaacute-las ambas operantes e natildeo excludentes procedimento que como se verifica a respeito
das etimologias eacute padratildeo
Parece que a primeira classificaccedilatildeo de Diomedes ausente em Proclo privilegia como
dito o criteacuterio mateacuteria considerando tambeacutem o fim a que o gecircnero enunciativo se destina Em
outras palavras eacute como se buscasse esgotar em subcategorizaccedilotildees o criteacuterio maior e
preponderante dos gecircneros enunciativos Assim as formas imediatamente subcategorizadas
satildeo espeacutecies dos trecircs grandes gecircneros segundo aquilo que ldquose narrardquo aquilo que ldquose
mimetizardquo (entenda-se ldquodramatizardquo diretamente dando voz a actantes) e aquilo que ldquose narra
e dramatizardquo simultaneamente Tal hipoacutetese talvez se confirme em se notando que espeacutecies
irmanadas dentro de um mesmo gecircnero o satildeo independente do metro Observe-se a poesia
gnocircmica de Teoacutegnins compocircs-se em diacutesticos elegiacuteacos os Fenocircmenos de Arato ou Ciacutecero
70 Gaberlinni (2005 paacuteg 1)
78
ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio compuseram-se em hexacircmetro ambas no entanto satildeo
subespeacutecies do mesmo gecircnero pois constituem exemplo de poesia narrativa Assim se
explicaria o curioso caso da poesia heroica e da liacuterica em um mesmo gecircnero Mas note-se
tambeacutem Diomedes ao referir-se nesse passo agrave poesia tradicionalmente conhecida como
eacutepica (mais ainda agrave eacutepica por excelecircncia ndash trata-se de Homero e Vergiacutelio afinal) natildeo
emprega o termo ldquoeacutepicardquo ou ldquoeposrdquo porque esse eacute o nome de um carmen dentro da outra
categorizaccedilatildeo que tambeacutem desenvolveraacute O termo ldquoespeacuteciesrdquo rigorosamente emprega-se para
classificar as espeacutecies pela mateacuteria Da perspectiva da mateacuteria a poesia da Eneida ou da Iliacuteada
denomina-se ldquoheroicardquo pois versa sobre heroacuteis e natildeo ldquoeposrdquo embora da perspectiva dos
carmina como se sabe tambeacutem o seja Ao lado dessa poesia como mais um exemplo a liacuterica
citada natildeo eacute a liacuterica enquanto carmen os meacutele de Proclo em outras palavras a meacutelica como
um todo mas sim a liacuterica de Horaacutecio e Arquiacuteloco Evidentemente natildeo se excluem
composiccedilotildees de outros liacutericos Podemos imaginar que Diomedes provavelmente classificaria
sob essa nomenclatura ndash por que natildeo ndash parte de Safo uma vez que na sua ceacutelebre Ode a
Afrodite por exemplo ao dar voz agrave deusa que responde agrave prece do enunciador a poestisa
torna ldquomistardquo a enunciaccedilatildeo Uma liacuterica que natildeo o fizesse no entanto natildeo viria classificada
aqui
Buscando conciliar descriccedilotildees diferentes outra classificaccedilatildeo eacute a que em Diomedes
nomeia as composiccedilotildees como tal em separado a partir do resultado como ldquocantosrdquo Essa
classificaccedilatildeo ao que parece prioriza descrever a origem das formas poeacuteticas consagradas e
por isso seu criteacuterio preponderante eacute o metro seguido das explicaccedilotildees etimoloacutegicas e
etioloacutegicas que justificam como certo nome passou a se aplicar a certo tipo de composiccedilatildeo
natildeo univocamente pois assume que um mesmo nome se aplicava agrave confluecircncia de diferentes
mateacuterias que um metro pode incorporar para alguns casos dos quais o mais evidente eacute o da
elegia busca-se um denominador comum (sempre o lamento fuacutenebre) Mas a premissa
subjacente ndash posta em nossos termos evidentemente ndash seria carmen eacute uma nomenclatura
fechada que se aplica para nomear uma composiccedilatildeo levando em conta prioritariamente as
virtualidades do metro em relaccedilatildeo agrave mateacuteria Afinal de contas natildeo se conhece composiccedilatildeo em
diacutestico elegiacuteaco que almeje por exemplo cantar ldquofeitos e guerras de heroacuteisrdquo Categorizar e
explicar pela histoacuteria a composiccedilatildeo feita em certo metro mais especificamente dado uso de
um metro ndash senatildeo os usos dos metros ndash tornou-se ofiacutecio como visto do gramaacutetico A essa
seccedilatildeo do texto de Diomedes da classificaccedilatildeo dos carmina equivalem diretamente as espeacutecies
do texto de Proclo que natildeo aventando a subdivisatildeo por ldquoo querdquo se enuncia segundo os
79
gecircneros enunciativos propotildee os nomes das composiccedilotildees como as espeacutecies diretas dos grandes
gecircneros
Tal hipoacutetese torna mais clara a estruturaccedilatildeo do texto de Proclo pelo menos como o
resumo de Foacutecio o interpretou ao termo carmina de Diomedes equivale o termo poietikeacute de
Proclo Desde o princiacutepio do resumo o texto segue na esturtura de discurso indireto ldquoDiz
querdquo e entatildeo jaacute se expocircs a doutrinas sobre as virtudes da prosa e da poesia e qual o criteacuterio
discriminatoacuterio (os tropos figuras e todo o ornato ocorrem em maior abundacircncia na elocuccedilatildeo
poeacutetica) tambeacutem a doutrina dos trecircs moldes da elocuccedilatildeo Eacute em 319a 4 (sect12 SEVERYNS)
justamente apoacutes a menccedilatildeo ao juiacutezo de poesia que se inaugura a seccedilatildeo sobre os gecircneros
poeacuteticos
ldquoΚαὶ ὅτι τῆς ποιητ κῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόνrdquo
ldquoE da composiccedilatildeo poeacutetica diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativordquo
Evidentemente a traduccedilatildeo traz uma resoluccedilatildeo Literalmente ldquoE que da poeacutetica haacute o
diegeacutetico e o mimeacuteticordquo ou ldquoe que haacute o diegeacutetico e o mimeacutetico da poeacuteticardquo Como se vecirc o
trecho obriga a traduccedilatildeo a suprir algo que acompenhe o adjetivo ldquopoeacuteticardquo caso contraacuterio
pensar-se-aacute que aristotelicamente aborda-se aqui a Poeacutetica em um tratado sobre a teacutecnica
embora natildeo seja de todo errado entender que desse trecho em diante seratildeo abordadas
questotildees proacuteprias dessa teacutecnica e do conhecimento da poesia mas parece que a carga do
termo aqui eacute menos teacutecnica como se parafraseando o texto Proclo versasse sobre o que eacute
proacuteprio da poesia e portanto pode ser qualificado pelo adjetivo ldquopoeacuteticordquo
Pois havendo descrito trecircs doutrinas relevantes para analisar a composiccedilatildeo poeacutetica as
trecircs aplicaacuteveis igualmente agrave prosa e agrave poesia ndash a medida da elocuccedilatildeo para prosa e poesia
(pesando a balanccedila para esta) os plasmatai ou moldes e seus desvios e diferenccedila entre eacutethos e
paacutethos no juiacutezo de poesia ndash emprega-se o adjetivo para delimitar aquilo que concerne apenas
agrave poesia o que eacute apenas ldquopoeacuteticordquo ie proacuteprio agora do que eacute poema ndash termo que demarca a
oposiccedilatildeo com loacutegos ou prosa ndash e isso eacute justamente a classificaccedilatildeo dos poemas em narrativo ou
imitativo seguidos das espeacutecies daquele (eacute de se supor que nos livros que Foacutecio natildeo nos daacute a
conhecer arrolassem-se as espeacutecies imitativas) eacute nesse sentido portanto que a delimitaccedilatildeo
dos carminai Diomedes equivale ao poietikeacute de Proclo pois como se viu as
espeacutecies de Proclo (excetuando o cataacutelogo meacutelico) satildeo os carmina de Diomedes
80
Eacute mais do que evidente por isso tambeacutem que ambos os autores referiam-se a uma
mesma classificaccedilatildeo descritiva da poesia enraizada na gramaacutetica e a julgar pelos textos
difundida e profusa
Ambos os textos apresentam ainda uma terceira classificaccedilatildeo com algo em comum
(Diomedes apresenta quatro no total Proclo trecircs) os moldes da elocuccedilatildeo abordados antes da
classificaccedilatildeo geneacuterica na Crestomatia os ldquocaracteres do poemardquo (characteres poematos)
entre a exposiccedilatildeo das espeacutecies e a exposiccedilatildeo dos carmina em Diomedes que os nomeia em
particcedilatildeo quaacutedrupla e com nomes gregos makroacutes brakhyacutes meacutesos e antheroacutes
Essa classificaccedilatildeo seria uma das poucas ocorrecircncias do que em Fortunaciano lemos
como os geacutene pelikoacutetetos ou genera magnitudinis que diferentemente dos geacutene posoacutetetos
(cujo criteacuterio eacute a quantidade) pensam na grandeza na magnitude do discurso71 no que parece
ser uma tentativa de separaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de quantidade e a noccedilatildeo de extensatildeo do discurso
O que lemos na grande maioria dos textos como ldquomoldes gecircneros ou caraacutecteres da elocuccedilatildeordquo
aqui seria o criteacuterio da quantidade os geacutene posoacutetetos De qualquer forma o elemento em
comum com a Crestomatia eacute apresentar um criteacuterio que permita medir e avaliar a elocuccedilatildeo do
poema e assim tambeacutem julgaacute-lo por tal
O momento em que ocorrem ambas as distinccedilotildees nos respectivos textos vale menccedilatildeo
o conteuacutedo geral da obra de Proclo natildeo nos eacute acessiacutevel os indiacutecios arrolados nos capiacutetulos
anteriores levam-nos a crer que em seu iniacutecio para delimitar a poesia diferenciava-a da prosa
pelo criteacuterio da elocuccedilatildeo o que levava a uma discussatildeo sobre seus moldes Esse estudo da
elocuccedilatildeo era proacuteprio da tratadiacutestica retoacuterica de que o grande exemplar eacute Dioniacutesio de
Halicarnasso Sabemos por ele que pensando pelo ponto de vista da elocuccedilatildeo a anaacutelise da
composiccedilatildeo pelos moldes ou caracteacuteres se dava sobre a poesia e sobre a prosa Ora textos de
comentaacuterio gramatical conforme visto tambeacutem podiam recorrer a essa classificaccedilatildeo ou citaacute-
la Que essa doutrina fosse primeiramente exposta na Crestomatia quando em uma
introduccedilatildeo versava sobre a distinccedilatildeo prosa-poesia antes de partir para a classificaccedilatildeo dos
gecircneros poeacuteticos e que os geacutene pelikoacutetetos ocorram antes da menccedilatildeo dos carmina como
outro criteacuterio preponderantemente classificatoacuterio da poesia (justamente a elocuccedilatildeo) em uma
seccedilatildeo do texto que se propotildee a discutir somente a poesia sem mencionar a prosa sequer por
ensejo de distinccedilatildeo isso junto das outras similaridades de organizaccedilatildeo tende a cofirmar a
abordagem de base gramatical que vai se estabelecendo ao longo dos seacuteculos e que natildeo
71 Cf GABERLLINI Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Consulto Fortunaciano paacuteg 57 ndash 63
Tambeacutem DOS SANTOS MM As Epiacutestolas de Horaacutecio e a confecccedilatildeo de uma ars dictaminis o opus p 142
Cf Bibliografia
81
descreve a poesia a partir de Aristoacuteteles Se a distinccedilatildeo pela elocuccedilatildeo insere-se dentro da
diferenciaccedilatildeo entre prosa e poesia na Crestomatia no caso do De Poematibus o criteacuterio jaacute eacute
dado inclusive depois do criteacuterio maior como maneira jaacute aceita pela qual tambeacutem se julgam
ou se medem pelo criteacuterio de grandeza no caso os poemas Tal mediccedilatildeo de grandeza para
elocuccedilatildeo embora sirva para essa em geral eacute apresentado como criteacuterio dentro da classificaccedilatildeo
da poesia jaacute assumido como maneira de se julgar poemas pois satildeo ldquocaracteres do poemardquo
sem nenhuma menccedilatildeo agrave prosa o que os poemas tambeacutem se classificavam assim
Nenhum desses criteacuterios eacute tratado ou descrito como condiccedilatildeo sine qua non se diraacute que
algo eacute poesia tais criteacuterios pelo contraacuterio proveem agravequeles que visam agrave explicaccedilatildeo dos
gecircneros manancial variado para descrever dentro de suas respectivas variaccedilotildees (mas
atentando aqui e ali a noccedilotildees semelhantes) as diferentes praacuteticas poeacuteticas da Antiguidade
Esses textos partem de outro ponto que natildeo o criteacuterio de Aristoacuteteles da miacutemesis de accedilatildeo como
o elemento base que define a poeacutetica
33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO
A noccedilatildeo de accedilatildeo ocorreraacute concomitantemente no epiacutetome e no De poematibus apenas
quando ambos abordam o epos Consequentemente soacute voltaraacute a aparecer no texto latino
quando se ateacutem agrave trageacutedia e agrave comeacutedia
A filiaccedilatildeo do texto grego e do texto latino a um mesmo meacutetodo ou forma de pensar e
expor o objeto se explicita agrave medida que os carmina de Diomedes equivalentes agraves espeacutecies
gregas de Proclo trazem etimologias semelhantes em passagens tambeacutem semelhantes de uma
breve histoacuteria de cada um dos tipos de composiccedilatildeo classificados pelo criteacuterio taacutecito de metro e
mateacuteria (semelhanccedila que evidentemente natildeo ocorre para as espeacutecies latinas ausentes no texto
grego) Em outras palavras natildeo apenas as etimologias satildeo as mesmas mas a histoacuteria que se
compotildee com elas revelando uma interpretaccedilatildeo convencionada e autorizada das informaccedilotildees
provedoras de uma mesma organizaccedilatildeo de fatos ilustrativos e explicativos do que em
Diomedes ganha o tiacutetulo de carmina
Como razatildeo histoacuterica da fixaccedilatildeo ao longo dos seacuteculos dessa forma de se exporem os
gecircneros e espeacutecies poeacuteticos devem-se considerar natildeo soacute o estabelecimento dos criteacuterios
editoriais alexandrinos como criteacuterios tambeacutem exegeacuteticos mas por que isso ocorreu A
82
relevacircncia desse fator natildeo estaacute apenas no fato de que graccedilas a essa atividade editorial os
poetas satildeo transmitidos estaacute mais especificamente sim no que consiste essa transmissatildeo eacute
por meio dela que se tornaratildeo objeto do conhecimento no traslado de uma cultura
essencialmente oral para um mundo da erudiccedilatildeo letrada Eacute segundo esses criteacuterios e essa
classificaccedilatildeo que satildeo organizados e pensados Natildeo eacute necessaacuterio elocubrar no caso plural do
melos Basta conceber que aleacutem de Homero muita poesia hexameacutetrica que narrava uma ou
muitas accedilotildees (porque Aristoacuteteles mesmo notifica-nos de poetas que natildeo seguem o criteacuterio que
ele expotildee em seu tratado) esteve em matildeos dos eruditos ou filoacutelogos da biblioteca carecendo
de uma classificaccedilatildeo que ndash e isso eacute o mais relevante ndash ora se tornava necessaacuteria
Bem como se reuacutenem nesse periacuteodo as diferentes formas poeacuteticas reuacutenem-se
tambeacutem diferentes dados doutrinais explicativos bem como se observam formas
convencionadas no discurso poeacutetico e suas variaccedilotildees a partir daiacute observam-se tambeacutem formas
convencionadas de descriccedilatildeo doutrinal e suas variaccedilotildees
Dentro dessa perspectiva histoacuterica a razatildeo de ordem doutrinal que torna relevante o
criteacuterio etimoloacutegico e a presenccedila de mais de uma etimologia para muitos casos
principalmente das espeacutecies poeacuteticas de nomenclatura corrente (os carmina de Diomedes) eacute a
abrangecircncia de explicar o nome da coisa a fim de explicar a coisa A explicaccedilatildeo do nome da
coisa trazendo os diferentes fatores que deram origem a seu nome pontua os elementos pelos
quais a proacutepria coisa o recebeu sendo indiretamente sua explicaccedilatildeo Por isso a etimologia
vem acompanhada de explicaccedilotildees etioloacutegicas quando uma explicaccedilatildeo natildeo eacute ela mesma as
duas coisas ie etimologia-etiologia Mais uma vez tem-se um quadro de soma de
informaccedilatildeo relevante para esclarecer minimamente como aquela espeacutecie poeacutetica veio a ser
Assim natildeo eacute de espantar que mais de uma etimologia seja apresentada sem que se
selecione uma como verdadeira Agraves vezes o autor pode se pronunciar a respeito delas e
apontar uma ou outra como equivocada mas geralmente as arrola como possibilidades
igualmente verdadeiras Em alguns casos parece preferir uma a outra mas natildeo se vecirc por parte
dos antigos a preocupaccedilatildeo de crivaacute-las repetidamente para se obter uma uacutenica e definitiva
(como eacute proacuteprio de nosso meacutetodo cientiacutefico) e seria ilusoacuterio esperar que o fizessem apenas
porque o fazemos jaacute que isso natildeo estaacute a seu alcance e nem teria como ser seu foco72 Os
textos antigos preocupam-se antes em coligir as diferentes etimologias e etiologias e fornececirc-
las todas como igualmente verossiacutemeis como teoricamente plausiacuteveis porque cirscunscrevem
o toacutepico de maneira geralmente didaacutetica e autoexplicativa Equivocou-se Severyns portanto
72 Apenas agrave guisa de ilustraccedilatildeo devemos considerar do ponto de vista linguiacutestico que os antigos gregos natildeo
tinham agrave sua disposiccedilatildeo tudo quanto hoje sabemos sobre o proto-indoeuropeu
83
apesar de seu refinamento e equivoca-se quem tente descobrir qual etimologia estaria no
texto ocupando o status de verdadeira Comparada Crestomatia ao texto de Diomedes que
possuiacutemos integralmente vemos natildeo haver o objetivo de para cada seacuterie de etimologias e
explicaccedilotildees da origem de uma espeacutecie poeacutetica selecionar a ldquouacutenicardquo etimologia verdadeira em
detrimento das demais
Por fim deve-se recordar que ldquorevelar as etimologiasrdquo e ldquoexplicar as histoacuteriasrdquo o que
sabemos ser parte da exegese textual dos antigos eram ou pelo menos se tornam como visto
em nossa reflexatildeo sobre o proecircmio da Ars de Dioniacutesio Traacutecio ofiacutecio do gramaacutetico Esse eacute o
elemento chave que daacute espaccedilo nos textos de gramaacutetica ou como dito de ascendecircncia
gramatical agrave descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies da poesia Teoricamente o gramaacutetico ou o
enfoque gramatical desarrola a exposiccedilatildeo da poesia por gecircneros e espeacutecies como modelo das
letras e lhes explica os nomes Essa eacute sua funccedilatildeo Natildeo as explica filosoficamente A causa ou
etiologia vem por necessidade se eacute relevante ou se a etimologia natildeo a conteacutem por ser
autoexplicativa
331 Epos
3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria
A primeira definiccedilatildeo de epos que se lecirc no texto de Diomedes eacute hauridade de Teofrasto
ldquoEpos se diz em grego a inclusatildeo das accedilotildees divinas heroicas e humanas no canto hexacircmetro
eacutepos estigraven periokhegrave theiacuteon te kaigrave heroiumlkocircn kaigrave anthropiacutenon pragmaacuteton73rdquo74 Como se vecirc essa
primeira definiccedilatildeo pontua claramente o elemento ldquoaccedilatildeordquo mas chama atenccedilatildeo outro elemento
de ordem terminoloacutegica o fato de que epos se defina pela ldquoinclusatildeordquo (periokheacute) das ldquoaccedilotildeesrdquo
(praacutegmata) no metro Natildeo soacute se verifica o criteacuterio metro-mateacuteria mas tambeacutem a sucessatildeo
desta agravequele A definiccedilatildeo atribuiacuteda a ningueacutem menos que o sucessor de Aristoacuteteles afirma
mais uma vez a preponderacircncia da accedilatildeo como elemento definidor da poesia narrativa por
excelecircncia mas o emprego do plural abre margem a conjecturas porque permite a leitura
73 Fortenbaugh et ali Theophrastus of Eresus Brill 1993 apud Gaberllini (2005) 74 Gaberllini op cit pg 233
84
segundo a qual natildeo eacute necessaacuteria a unidade de accedilatildeo basta que os hexacircmetros ndash parte-se do
metro ndash tragam accedilotildees e recebem o nome de epos
Essa seria a definiccedilatildeo simples de epos segundo metro e mateacuteria Restaria explicar
como isso se deu e aiacute se tem a mesma etimologia de Proclo justamente aquela que segundo
Severyns eacute absurda e natildeo poderia ser aceita como a endossada por um autor como Proclo
Proacutepria ou natildeo absurda ou natildeo ela explica a histoacuteria do epos de maneira coerente e
verossiacutemil dentro da tratadiacutestica trata-se da etimologia que aproxima epos do verbo hepomai
(seguir) Essa seria a origem da palavra Um ldquoeposrdquo (palavra) seria uma corruptela de algo
que se segue e assim se empregou a palavra para designar alguma coisa que ldquose seguiardquo nos
hexacircmetros apoacutes a descoberta do metro (mais uma vez anterior agrave adiccedilatildeo de accedilotildees) ldquoparagrave tograve
heacutepesthai en autocirci tagrave hexecircs meacutere toicircs proacutetoisrdquo75 O elemento sequencial apresentado por
Diomedes eacute a proacutepria consecuccedilatildeo das partes e das accedilotildees ie o proacuteprio elemento consecutivo
da narraccedilatildeo hexameacutetrica No caso da etimologia da Crestomatia aquilo que se segue a
consecuccedilatildeo satildeo as accedilotildees em relaccedilatildeo aos oraacuteculos accedilotildees que foram consoantes aos ouvidos
As duas etimologias natildeo satildeo a rigor completamente diferentes porque na verdade
trabalham com o mesmo elemento na expressatildeo ldquoforam consoantesrdquo (syacutemphona ecircn)76 da
Crestomatia supotildee-se a perfeita acomodaccedilatildeo entre accedilotildees e hexacircmetro comum a essa
exposiccedilatildeo do epos que se dessarola nos dois textos O texto de Diomedes natildeo agrave toa seguindo
o procedimento de compor uma breve histoacuteria com as informaccedilotildees agrave disposiccedilatildeo diraacute logo na
sequecircncia que ldquo() Na verdade o verso hexacircmetro se diz precipuamente eacutepos pois que por
primeiro o deus vate77 incluiu neste verso as palavras da resposta por assim dizer em muacutetua
consecuccedilatildeo de onde [vem] posteriormente por catacrese o termo o eacutepos por outros foi dita a
palavra e a proacutepria escrita consecutiva do discurso prosaicordquo78 Aqui como na Crestomatia a
associaccedilatildeo entre epos e palavra embora interpretada diferentemente Na Crestomatia porque
as composiccedilotildees hexameacutetricas passaram a se destacar demais e a exibir enorme superioridade
passaram a se designar por antonomaacutesia ldquopalavrardquo por serem a palavra por excelecircncia O
argumento se pauta na analogia com outros termos que designam pessoas ldquopoetardquo por
ldquoHomerordquo ldquooradorrdquo por ldquoDemoacutestenes Nela como visto o elemento ldquoconsecussatildeordquo se daacute
quando naturalmente das respostas do oraacuteculo percebe-se que a inclusatildeo de accedilotildees resultava
consoante ao metro Ora eacute uma diferenccedila de apresentaccedilatildeo da ideia mas esta de modo taacutecito
75 Diomedes 484 8 76 Proclo in Foacutecio 319a 10 ndash 11 in Severyns op cit sect13 77 Apolo 78 ldquo[] praecipue vero hexameter versus epos dicitur quoniam quidem hoc versu verba responsi in mutuam ut
sic dixerim consequentiam primus deus vates conprehendit unde postea abusive verbum et solutae orationis
ipsa scriptura consequens ab aliis epos dictumrdquo Diomedes (484 8 ndash 12)
85
eacute muito semelhante O texto de Diomedes traz a ilaccedilatildeo de que essa respota que se seguia era
um dizer um eacutepos e que seu nome se estendeu agraves composiccedilotildees com o tempo quando se deu
aquela inclusatildeo das sequecircncias de accedilotildees por catacrese (ldquounde postea abusive verbumrdquo) e natildeo
por antonomaacutesia Se essa informaccedilatildeo natildeo vem expressa no texto grego pode-se supor que
estaacute subentendida ao nomear a profetiza de Apolo que primeiro professou os oraacuteculo no metro
hexameacutetrico Femocircnoe composto de phemiacute (dizer) e nocircus (pensamento)
Como comprovaccedilatildeo da propagaccedilatildeo do nome o texto latino menciona que a extensatildeo
de sentido se deu ateacute o ponto de alguns usarem o termo tambeacutem para a fala e a escrita do que
denomina ldquodiscurso prosaicordquo ie a fala no que se pode supor a praacutetica oratoacuteria O mesmo
tipo de demonstraccedilatildeo seraacute empregado na Crestomatia mas laacute o exemplo satildeo os triacutemetros que
tambeacutem recebiam de alguns a designaccedilatildeo ldquoeacuteperdquo Vale lembrar que jaacute segundo Aritoacuteteles o
discurso das personagens se adaptou no estaacutegio final do desenvolvimento da trageacutedia ao
triacutemetro que eacute comum da fala79 Observa-se pois o mesmo tipo de argumento expresso com
exemplos parcialmente diferentes se considerarmos que a ambos subjaz o elemento ldquofala
comumrdquo natildeo tatildeo elevada menos poeacutetica de acordo com o criteacuterio do ldquomais e do menosrdquo da
elocuccedilatildeo segundo o qual a poesia naturalmente mais elevada deve conter em maior nuacutemero
as mesmas virtudes da prosa80
Os mesmos pressupostos subjazem agraves duas exposiccedilotildees lembrando sempre que no
caso de Diomedes isso vale apenas para o que diz da origem grega das espeacutecies poeacuteticas uma
vez que para cada carme fala da invenccedilatildeo entre os latinos As diferenccedilas ficam por conta de
um exemplo ou da maneira e da ordem atraveacutes das quais cada texto compotildee sua breve histoacuteria
explicativa da espeacutecie poeacutetica contudo ndash enfatizando mais uma vez ndash utilizando os mesmos
criteacuterios e causas consolidados Ora em nenhum momento Diomedes nega ndash mas pelo
contraacuterio deixa claro ndash que segue a preceptiva grega
Se pensarmos que esquematicamente os traccedilos apresentados satildeo
a ndash eacutepos ndash heacutepomai (ldquosyacutemphona ecircnrdquo)
b ndash uso primitivo do hexacircmetro nas respostas dos oraacuteculos
c ndash compreensatildeo das accedilotildees
79 Mais precisamente Aristoacuteteles diz que na fala comum os triacutemetros ocorrem repetidamente enquanto os
hexacircmetros satildeo poucos Cf Poeacutetica 1449a 23 ndash 27 80 De fato Aristoacuteteles na referida passagem diz que os hexacircmetros ocorrem quando na fala hodierna
desviamo-nos do registro coloquial ndash ldquoekbaiacutenontes tecircs lektecircs harmoniacuteasrdquo
86
d ndash confusatildeo entre fala hexameacutetrica e fala comum e extensatildeo para outros tipos de fala
(eacutepe)
a exposiccedilatildeo em Proclo seguiria um arranjo sequencial b a c d em Diomedes c a b d
3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico
Do que foi exposto no item anterior resulta nesta classificaccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies
poeacuteticos um criteacuterio que agruparia como epos toda poesia hexameacutetrica arcaica Mais
precisamente segue-se que por uma exposiccedilatildeo histoacuterico-etioloacutegica propotildee-se um conjunto
de traccedilos que agrupariam um poema na categoria ldquoeposrdquo A classificaccedilatildeo natildeo eacute como em
Aristoacuteteles exclusiva por tentar delimitar criteacuterios especiacuteficos e particularizantes mas
inclusiva porque assume mais de um criteacuterio ou traccedilo que permitiria incluir um poema no
gecircnero e apresenta as causas de cada um desses traccedilos como coexistentes
Por esse criteacuterio a rigor ndash e isso merece destaque no texto de Proclo ndash a invenccedilatildeo ou
descoberta do epos sua heuacuteresis eacute a descoberta do hexacircmetro e seu desenvolvimento ndash todas
as exposiccedilotildees mais detidas de espeacutecies seguem o esquema descoberta-desenvolvimento ndash
ocorre a partir do momento em que ldquose seguemrdquo as accedilotildees Parece que essa seria a exegese
mais literal dessa exposiccedilatildeo do epos como se encontra em Proclo e Diomedes Isso implica
que a rigor se o que Femonoe profetizava em hexacircmetros era ldquoeposrdquo ora poderiacuteamos
conceber um epos sem accedilatildeo Por isso talvez o segundo elemento etimoloacutegico imediatamente
arrolado seja o que propotildee a sucessatildeo imediata das accedilotildees por cosonacircnsia natural Vale
menccedilatildeo que a consonacircncia por si soacute seja ndash como por natureza ndash argumento suficiente (cf
supra 74)
Por esse criteacuterio abrangente observa-se que o texto de Proclo traria uma seccedilatildeo que natildeo
ocorre no livro III de Diomedes afinal de contas este natildeo teria a menor intenccedilatildeo embora
ambos compartilhem o mesmo ensejo didaacutetico e o mesmo modelo de categorizaccedilatildeo de
abordar detalhadamente o epos grego e daacute-lo a conhecer de modo geral agravequele que busca
instruccedilatildeo a seu respeito A Crestomatia traria nesse passo antes da apresentaccedilatildeo da elegia
uma discussatildeo geral de diferentes aspectos teoacutericos relacionados aos poemas classificados e
87
herdados como epos Como parte dessa discussatildeo eacute provaacutevel que se apresentassem
resumidamente evento a evento diferentes poemas contendo o ciclo eacutepico
A primeira peculiaridade aqui se refere ao fato de que os eventos mencionados por
Foacutecio (sect17) natildeo condizem com os eventos iniciais do primeiro poema na cronologia que nos
chega resumido a saber as Ciacuteprias que se iniciariam com Zeus tramando a guerra de Troia
junto a Tecircmis Considerando-se o episoacutedio das narraccedilotildees mitoloacutegicas com o qual o epiacutetome
de Foacutecio pontua o iniacutecio do ciclo verificamos que os fragmentos natildeo o contecircm por completo
uma vez que se iniciam com os poemas que visam ldquocompletarrdquo ndash ldquo
sympleroucircmenosrdquo ndash Homero (sect19) narrando fatos concernentes agrave guerra a partir de suas
causas que natildeo se encontram nem na Iliacuteada nem na Odisseia Eacute provaacutevel portanto que o
texto de Proclo transmitisse aqui de poemas como a Teogonia de Hesiacuteodo ou a
Titanomaquia atribuiacuteda a Eumelo eventos cosmogocircnicos concernentes agrave origem do mundo e
dos deuses culminando no reinado de Zeus e na Guerra de Troia a julgar inclusive pelo que
seria um dos toacutepicos do texto de Proclo destacado como relevante por Foacutecio a vir na
sequecircncia ldquotagrave mythologoucircmenardquo (sect19) ie as narraccedilotildees miacuteticas
O fato de Ceacuteu natildeo ser apresentado explicitamente como filho de Terra e de mesmo
assim a uniatildeo e a prole de ambos seguirem o padratildeo arcaico como se lecirc em Hesiacuteodo gerando
centiacutemanos e ciclopes (sem menccedilatildeo aos titatildes poreacutem) sugere a hipoacutetese defendida por
Severyns (paacuteg 87 ndash 88 n 17) de que Proclo se referia aqui agrave Titanomaquia jaacute entendida por
Ateneu (VII 277d ndash e) como poema do ciclo Nessa Ceacuteu seria filho do Ar (ou Eacuteter)81
O epiacutetome nos informa pela lista de cinco nomes anteriormente apresentada (sect15)
que dentro dessa interpretaccedilatildeo de epos Hesiacuteodo era exemplo da espeacutecie bem como outros
trecircs poetas que ou escreveram sobre Heacuteracles ndash sem atender como se sabe ao criteacuterio da
unidade de accedilatildeo por que Aristoacuteteles propugnaraacute (Poeacutetica VIII 1451a 16 ndash 35) ndash ou sobre as
guerras e eventos em torno da cidade de Tebas Os episoacutedios da Teogonia de Hesiacuteodo
portanto natildeo soacute seriam epos como tambeacutem de uma perspectiva a posteriori aquilo que
poetou faria parte do manancial episoacutedico que servia de mateacuteria prima aos poetas de epos A
respeito de Paniacuteasis Pisandro e Antiacutemaco resta a duacutevida que eram poetas de epos segundo
um mesmo criteacuterio que agrupava Hesiacuteodo e Homero natildeo haacute duacutevidas porque o texto o diz
contudo traria a Crestomatia menccedilatildeo dos episoacutedios por eles poetados
A referecircncia a essa primeira seccedilatildeo do ciclo eacutepico como ldquoτά περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι
μυθολογούμεναrdquo ldquoas narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos gregosrdquo (sect19) confirma que
81 Cf Anecdota Oxoniensa (I 75) Caliacutemaco (fragmento 498) Pseudo-Higino (Fabulae Preface) Ciacutecero (De
Natura Deorum 3 17)
88
antes dos resumos integralmente conhecidos o autor referia episoacutedios cosmogocircnicos mas
desse trecho natildeo temos fragmentos Eacute incerto se essa primeira parte do ciclo eacutepico era narrada
evento a evento apenas para anteceder os episoacutedios em torno da guerra de Troia do plano de
Zeus agrave morte de Odisseu ou se Proclo proporia uma sequecircncia de resumos dos diferentes
poemas considerados epos de acordo com a cronologia
Quanto agrave sequecircncia temporal dos eventos Ciacuteprias precedem a Iliacuteada Etioacutepida sucede
Na introduccedilatildeo agravequelas lecirc-se ldquoSucedem-se a esses eventos [a isso] as chamadas Ciacutepriasrdquo82
na introduccedilatildeo a esta ldquoSucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada
de Homero depois dela haacute a Etioacutepidardquo83 O texto a que o fragmento de Proclo refere-se satildeo
as Ciacuteprias a elas sucedem-se na cronologia os eventos da Iliacuteada e entatildeo os eventos da
Etioacutepida A jugar por essa passagem postos em sequecircncia o iniacutecio de ambos os fragmentos
indicariam que por deveras conhecida e copiada a Iliacuteada bem como a Odisseia natildeo eram
resumidas no texto de Proclo A introduccedilatildeo agrave Telegonia ocorre de maneira semelhante
ldquoDepois disso eacute a Odisseia de Homero depois disso a Telegoniardquo84 Chama a atenccedilatildeo que
pela cronologia dentro dessa esquematizaccedilatildeo de episoacutedios constituintes do ciclo a Odisseia
seria um nostos ie um retorno como uma espeacutecie a vir depois do poema Nostoi atribuiacutedo a
Aacutegias de Trezene e dedicado justamente a ldquosuprirrdquo os retornos natildeo poetados
Considerando que a Teogonia de Hesiacuteodo natildeo era obscura e que por isso poderia ser
simplesmente aludida como se faz com Iliacuteada e Odisseia natildeo restam muitos indiacutecios para
saber o que consistia esse iniacutecio do ciclo ou sua primeira seccedilatildeo Se no mesmo formato dos
resumos que a noacutes chegaram pode-se vislumbrar um autor que arrolasse um a um os eventos
em sequecircncia cronoacutelogica e mudando de um poema para o outro na ordem cronoloacutegica
fizesse menccedilatildeo disso Como faria no entanto no caso de poemas que continham ambos os
mesmos eventos A Titanomaquia como se sabe eacute narrada por Hesiacuteodo do verso 617 a 721
Poderia esse iniacutecio do ciclo ser apenas narrado de modo resumido e comentado pelo proacuteprio
Proclo a julgar pela construccedilatildeo ldquoΔιαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι
μυθολογούμεναrdquo ndash ldquoPassa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os
deuses dos gregosrdquo de modo que nele tanto o poema de Hesiacuteodo como o de Eumelo fossem
objeto do exame de Proclo A diferenccedila genealoacutegica apontada poreacutem eacute argumento aceite
para se supor que nesta passagem constasse o poema atribuiacutedo a Eumelo85 e daiacute como
tambeacutem consta na lista de kraacutetistoi (ou de modelos da espeacutecie) Antiacutemaco a quem se atribuem
82 Cypria 79 in Severyns tomo IV paacuteg 77 83 Cetera (a)Aethiopis 172 ndash 4 idem paacuteg 87 84 Cetera (e)Telegonia 306 ndash 7 ibidem paacuteg 96 85 Cf Evelyn-White (2003) e West (2003)
89
Tebaida e Epiacutegonos pode-se conjecturar que os eventos em torno de Tebas tambeacutem viessem
resumidos Se de fato Proclo se propusesse a enumerar episoacutedio a episoacutedio encaixando os
poemas em uma cronologia eacute provaacutevel que incluiacutesse esses eventos do ciclo tebano e dissesse
em que poema constam como nos resumos do ciclo troiano que conhecemos Como trataria a
Teogonia permanece uma questatildeo apenas a referiria e comentaria as diferenccedilas em relaccedilatildeo
ao poema de Eumelo Haveria um comentaacuterio sobre cosmogonia em geral no que
indiscriminadamente o autor exporia a interpretaccedilatildeo histoacuterica de que fala o paraacutegrafo 19
A passagem de Ateneu86 citada por Severyns confirma-nos apenas uma coisa pelo
menos desde o seacuteculo III dC as palavras ldquociclo eacutepicordquo podiam designar apenas os poemas
que se encarregavam de no entendimento dos exegetas e como aparece no texto mesmo de
Proclo completar a narraccedilatildeo de mitos que emboram conhecidos da audiecircncia dos poemas de
Homero natildeo se encontravam narrados em nenhum de seus dois poemas Independente de os
eacutepe que continham tais eventos serem primordialmente diferentes cantos hexameacutetricos de
uma Greacutecia ateacute preacute-homeacuterica dos quais postereiormente reunidos restaram-nos as
composiccedilotildees ou versotildees atribuiacutedas aos autores do chamado ciclo a percepccedilatildeo antiga dessas
composiccedilotildees pelo menos como expressa em Ateneu concebia-os como um conjunto de
poemas posteriores por oposiccedilatildeo a poemas anteriores Homero certamente pertencia ao
segundo grupo Portanto pensando episodicamente os eventos poetados por Homero podem
ser pensados como pertencentes a uma cronologia total de accedilotildees que os poetas abordam mas
parece que referindo-se a mais de um poema a proacutepria designaccedilatildeo ndash ldquociclo eacutepicordquo ndash supotildee-se
como um conjunto por exclusatildeo
Podia ser essa a distinccedilatildeo no texto de Proclo Se Foacutecio o resumiu atentando inclusive agrave
ordem de exposiccedilatildeo tambeacutem aqui se vecirc uma reorganizaccedilatildeo de um padratildeo expositivo
havendo definido a espeacutecie epos do gecircnero narrativo conforme o criteacuterio metro-mateacuteria e
organizado a exposiccedilatildeo de modo a fornecer uma breve histoacuteria para ela segundo a estrutura
invenccedilatildeo-desenvolvimento para completar o que seria uma exposiccedilatildeo didaacutetica87 dessa poesia
86 Logo no princiacutepio do livro VII do Deipnosophistae 277d ndash e discute-se o emprego da palavra por no
verso 1297 do Aacutejax de Soacutefocles e Zoilo afirma que o tragedioacutegrafo hauriu-a na Titanomaquia ao que emende
ldquode fato o ciclo eacutepico aprazia a Soacutefoclesrdquo Ateneu testemunha portanto na boca de Zoilo natildeo soacute que os poemas
do ciclo eram concebidos como um todo mas tambeacutem que a Titanomaquia estava inclusa 87 Essa finalidade didaacutetica ainda mais especificamente nessa exposiccedilatildeo de biografias e do ciclo natildeo poderia
ficar mais clara do que em uma passagem da briografia de Homero que seria do proacuteprio autor da obra
Ponderando sobre isso que no resumo de Foacutecio aparece como ldquotinas epi meacuterous praacutexeisrdquo ndash ldquoalgumas histoacuterias
particularesrdquo a respeito de Homero havendo exposto as histoacuterias a respeito de sua cegueira as etimologias a
repeito de seu nome e principalmente a anedota de sua morte escreve ldquoEsses eventos contudo carecem de
investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo ignorante neles avanccedilo nesse sentidordquo (Vita Homeri 45 ndash 46 in
Severyns op cit tomo IV paacuteg 71 ndash 72 Traduccedilatildeo paacuteg 131)
90
1 ndash a) proporia um piacutenax ie uma lista dos poetas exemplares b) forneceria uma
biografia dos poetas dessa lista contemplando sua origem ie sua paacutetria vida e histoacuterias a
seu respeito Depois
2 ndash a) havendo exposto os principais poetas do epos dedicar-se-ia aos poemas dos
menores poetas de epos agrupados sob o tiacutetulo de ldquociclo eacutepicordquo se aqui se aplicasse a
denominaccedilatildeo como em Ateneu o primeiro poema seria o de Eumelo porque na cronologia
miacutetica eacute o mais velho dos poemas do ciclo b) iniciando-se o ciclo portanto por eventos
comogocircnicos haveria um excurso explicativo sobre tais eventos se o excurso se desdobrava
na anaacutelise de mais eventos divergentes Hesiacuteodo e episoacutedios do ciclo tebano poderiam vir
referidos mas o foco seria a explicaccedilatildeo histoacuterica dos mitos sem que se possa saber se essa
explicaccedilatildeo se dava sobre um resumo cosmogocircnico como um todo em que se inseria a
Titanomaquia ou apenas sobre os eventos nela contantes c) uma ponderaccedilatildeo sobre o valor do
ciclo eacutepico e a explicitaccedilatildeo do criteacuterio adotado para sua exposiccedilatildeo a sequecircncia de accedilotildees nele
contidas ou ndash por que natildeo ndash registradas d) a menccedilatildeo apenas ou uma breve biografia dos
poetas que compuseram tais poemas
Como no caso do ciclo o foco satildeo os eventos transmitidos e natildeo a virtude das
composiccedilotildees a exposiccedilatildeo dos seus eventos eacute anterior os poetas seriam discutidos apenas
depois se o paraacutegrafo 21 corresponde a algo aleacutem do ldquonomerdquo e ldquopaacutetriardquo que antecedem o
resumo de cada um dos poemas Cosoante a isso parece estar o compilador do Etymologicum
Magnum outrora citado na paacutegina 15 (cf seccedilatildeo 12) e a ordem como coloca o ciclo eacutepico em
sua citaccedilatildeo fornecida como de Proclo
332 Elegia
Na exposiccedilatildeo da elegia como eacute de se esperar natildeo haacute diferenccedilas gritantes entre a
histoacuteria que se lecirc em Proclo e a que se lecirc no gramaacutetico latino Ambos iniciam pelo metro
elemento preciacutepuo a ser observado para a classificaccedilatildeo e definem como ldquoelegeiacuteardquo o diacutestico
em que se compotildeem os poemas que recebem tal denominaccedilatildeo Sobre a mateacuteria ou sobre a
histoacuteria do que se canta nas elegias ambos satildeo unacircnimes como todas as descriccedilotildees que
conhecemos em associar a elegia ao lamento fuacutenebre irmanando-a ao treno e agrave necircnia
A etimologia apresentada por Proclo quanto agrave palavra exata eacute a que aproxima a forma
ldquoelegeiacuteardquo da forma ldquoeacutelegosrdquo que eacute dada como nome antigo do lamento fuacutenebre mais
91
precisamente segundo a etimologia do coacutedice seria o nome que os antigos davam ao proacuteprio
treno esse sim o canto de lamento por um morto O termo tambeacutem adviria do fato de que se
elogiava o morto o que se diria ldquoeucirc leacutegeinrdquo havendo proximidade foneacutetica entre o nome do
lamento antigo (eacutelegos) e a expressatildeo para ldquofalar bemrdquo A formulaccedilatildeo que se lecirc no texto natildeo
deixa duacutevida de que pelo menos neste caso natildeo se trata de escolher uma a outra mas de
entender o que consistia a etimologia antiga explicar uma palavra atraveacutes de outras
principalmente se haacute implicaccedilatildeo histoacuterica entre elas o que se deduz de seus significados
Assim eacute porque o lamento fuacutenebre se dizia entre os antigos ldquoeacutelegosrdquo e porque
simultanemante nele se elogiava o morto (ldquoeucirc leacutegeinrdquo) que se cunhou a palavra que designa
as composiccedilotildees no metro A etimologia aqui busca explicar o nome que diferentemente do
hexacircmetro eacute o nome do metro e por conseguinte o nome da composiccedilatildeo Isso se explicita no
terceiro comentaacuterio explicativo a respeito da elegia posteriormente se passou a usar o metro
para diferentes ldquohipoacutetesesrdquo para diferenes argumentos explicando portanto que muito da
elegia (principalmente a julgar pelo que conhecemos) natildeo conteacutem o elemento fuacutenebre
A etimologia de Diomedes difere quanto agrave expressatildeo para o lamentar mas constroacutei-se
de maneira semelhante ie pela concomitacircncia das duas coisas ou dos significados dos
significantes aproximados De fato diz-nos Diomedes
ldquo() elegia autem dicta sive
(fere enim defunctorum laudes hoc carmine conprehendebantur) sive
id est miseratione quod Graeci vel
isto metro scriptitaveruntrdquo
(Diomedes op cit 484 22 ndash 25)
ldquo() A elegia por sua vez disse-se quer paragrave tograve eucirc leacutegein tougraves
tethneocirctas88 (pois quase todos os elogios aos mortos eram
compreendidos neste canto) quer apograve toucirc eleacuteou89 isto eacute comiseraccedilatildeo
porque os gregos tinham o haacutebito de escrever neste metro threacutenous ou
eleeicircardquo
(trad Gaberllini op cit 234)
Diomedes prefere as palavras que nomeiam a substacircncia do canto fuacutenebre e
primeiramente na contraposiccedilatildeo ao elogio oferece outra palavra em vez de eacutelegos Nisso natildeo
diverge do saber gramatical que aqui se expotildee porque essa etimologia na verdade eacute
recorrente em outros textos Lecirc-se por exemplo no Etymologicum Magnun e no escoacutelio a
88 ie ldquopelo elogiar os mortosrdquo 89 ldquoPor causa da laacutestima piedaderdquo a ldquocomiseraccedilatildeordquo como o proacuteprio Diomedes traduz em sequecircncia
92
Dioniacutesio Traacutecio preferindo-se ali o verbo eleeicircn (ldquolastimar comiserar-serdquo)90 em vez do aqui
empregado substantivo eacuteleon91
Igualmente apenas em outra ordem o texto do gramaacutetico propotildee como argumento
final (o que na Crestomatia seria o primeiro argumento) o fato de que era nesse metro que os
antigos gregos compunham trenos Propotildee contudo outro nome para eles eleeicirca Essa
possibilidade etimoloacutegica natildeo eacute mencionada por Severyns em seu comentaacuterio a essa
passagem do epiacutetome embora ocorra no singular em duas das passagens que colige do
escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio em (173 8 ndash 10)
ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν τοῦ ltγgt
ἐκθλιβομένου παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ εὐλογεῖον παρὰ
τὸ εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo
ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo92 eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo
elidindo-se o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo [lastimar] o falecido ou lsquoeulogeicirconrsquo93
pelo lsquoeucirc logeicircnrsquo [elogiar] o que cessou de viverrdquo
(grifos e traduccedilatildeo do autor)
e (307 24 ndash 26)
ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν ἐλλειφθέντος
τοῦ ltγgt ἀπὸ τοῦ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖον ἀπὸ τοῦ ἔ
λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo
ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo faltando
o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo o falecido ou lsquoelegeicirconrsquo por causa do lsquoeacute leacutegeinrsquo94 o
que cessou de viverrdquo
(Idem)
90 O levantamento completo das etimologias encontra-se bem exposto e organizado em Severyns op cit II
commentaire 25 paacuteg 99 ndash 102 Para essa em especiacutefico cf Etymologicum Magnun 326 50 e o escoacutelio a
Dioniacutesio Traacutecio 307 24 ndash 26 173 8 ndash 9 20 25 ndash 27 475 26 91 Haurido por Severyns no Etymologicum Gudianum 180 17 e no Et Mag idem em outra etimologia que
aproxima eacuteleon de goacuteon sendo este segundo a expressatildeo acerba do luto Essa etimologia diferentemente eacute
apenas pautada no campo semacircntico do lamento funeral 92 Termo que tambeacutem designa priemeiro o diacutestico e por metoniacutemia a composiccedilatildeo em diacutestico daiacute o poema ou a
inscriccedilatildeo no metro 93 Algo como ldquoelogiosordquo 94 Essa seria a etimologia mais baacutesica supondo que o termo viria de ldquodizer lsquoersquordquo como expressatildeo de dor
93
Em ambos os casos como os gramaacuteticos se repetem e parecem se copiar obserava-se
o emprego da conjunccedilatildeo ldquohoioneiacuterdquo quase como se fosse formular ao se dar essa etimologia O
plural ocorre somente uma vez
ldquo()διὸ καὶ καλεῖται ἐλεγεῖα οἱονεὶ ἐλεεῖα τοῦ ltγgt ἐκθλιβομένου
παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖα οἱονεὶ εὐλεγεῖα παρὰ τὸ
εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταhelliprdquo
(Sch Dion Tr 20 25 ndash 27)
ldquo() razatildeo pela qual tambeacutem se chamava ldquoelegeicircardquo como se ldquoeleeicircardquo
elidido o lsquogrsquo pelo ldquoeleeicircnrdquo o falecido ou ldquoelegeicircardquo como se
ldquoeulegeicircardquo pelo ldquoeucirc leacutegeinrdquo o que cessou de viverrdquo
(Idem)
Severyns natildeo menciona o termo como uma etimologia em separado porque natildeo o
entende e com razatildeo assim a comeccedilar pela conjunccedilatildeo mencionada vecirc-se que nessas
explicaccedilotildees o termo eacute hipoteacutetico Severyns igualmente natildeo estaacute comparando o coacutedice 239 agrave
Ars de Diomedes que natildeo menciona Em todas as referidas ocorrecircncias seja antes (173 e
307) seja depois (20) assume-se que o termo eacutelegos era primordialmente sinocircnimo de treno
portanto em todas a palavra seguindo o mesmo esquema derivacional eacute apresentada como
transiccedilatildeo de uma derivaccedilatildeo do verbo eleeacuteo como uma espeacutecie de deverbal anterior a
forma com g Seria o que se diria imediatamente a princiacutepio como resultado do verbo
ldquocomiserar-se lastimarrdquo
Ora eacute esse o termo que Diomedes fornece como sinocircnimo de treno haurido como se
vecirc tambeacutem na gramaacutetica de base heleniacutestica Assim salvo pela escolha Diomedes natildeo
diverge do texto da Cretomatia mas refere-se agrave etapa primeira do processo expliacutecito nos
demais textos do qual se subentende que pela adiccedilatildeo de um som jaacute se estaacute na famiacutelia das
palavras ldquoeacutelegos elegeicircon elegeiacuteardquo Esses seriam os trecircs termos maiores da histoacuteria que se
compotildee com as etimologias sendo o primeiro o nome antigo para o lamento que se fazia pelo
passamento de algueacutem o segundo do metro e de seu emprego um diacutestico qualquer sendo o
plural uma forma de designar as composiccedilotildees Elegia se diria do poema inteiro composto
nesse metro a ldquoforma literaacuteriardquo ou em outros termos o poema pensado para ser uma
composiccedilatildeo nesse metro ndash segundo o emprego amplo que se fez do termo e a que o epiacutetome
alude e com esse feminino natildeo se designariam mais as inscriccedilotildees ou epigramas O texto
mesmo de Diomedes exemplifica o emprego de ldquoeacutelegosrdquo e ldquoelegiardquo como sinocircnimos a
95 Severyns agrupa as passagens referidas no conjunto de etimologias a partir do referido verbo
94
posteriori seja por empregaacute-los ele mesmo (ldquoelegiardquo como nome do carme mas depois
ldquoelegosrdquo referido-se agraves composiccedilotildees96) seja pelo exemplo de Horaacutecio nas linhas seguintes
Odes I 33 2 ndash 397
Assim teriacuteamos como designaccedilotildees mais primitivas eacutelegos (lamento) e elegeicircon (o
metro em que se exprimia sua confecccedilatildeo) Ambos se agrupariam na nomenclatura geneacuterica
posterior elegeiacutea O eacutelegos contudo a designaccedilatildeo para o elemento baacutesico desse canto
derivaria em geral de
a) ldquoeacute leacutegeinrdquo eleeicircn-eacuteleon para o que alguns supotildeem uma expressatildeo resultativa
ldquoeleeicirconardquo agrave qual se adicionou o gama ( )
b) ldquoeucirc leacutegeinrdquo
Esses satildeo os dois elementos baacutesicos de significado que as etimologias contemplam
Vemos por fim que Diomedes empregou a expressatildeo ldquoeleeicirconardquo para o que em Proclo eacute o
eacutelegos pensado como o treno antigo a expressatildeo da comiseraccedilatildeo (eleacuteon item a) somado ao
item b de nosso binocircmio ldquoeucirc legeicircnrdquo compondo uma histoacuteria natildeo diferente da exposta em
Proclo
333 Iambo
As similaridades entre os dois textos quanto aos referentes gregos eacute bem evidente
por exemplo nos dois modelos gregos arrolados pelo gramaacutetico latino Mas eacute a etimologia
para to iambeicircn a uacutenica proposta por Diomedes que imediatamente chama a atenccedilatildeo em seu
texto porque tambeacutem como Severyns diz muito bem acerca do texto de Proclo (op cit tomo
II commentaire 28 1 paacuteg 104) segue em primeiro lugar a etimologia proposta por ningueacutem
menos que Aristoacuteteles
96 Op cit 485 1 97 ldquoAlbi ne doleas plus nimio memor
inmitis Glycerae neu miserabilis
decantes elegos cur tibi iunior
laesa praeniteat fiderdquo
95
ldquo()
rdquo
(ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1448b 30 ndash 32)
ldquoNos quais [No Margites e poemas semelhantes] por acomodaccedilatildeo o iacircmbico veio
como metro ndash eacute por isso que eacute chamado ldquoiacircmbicordquo hoje porque nesse metro se ralhavam uns
com os outrosrdquo
(Trad do autor)
Aristoacuteteles mesmo supotildee que o verbo iambizar jaacute existia antes de se referir tambeacutem
ao peacute com o significado de ldquoimprecar ralhar insultarrdquo e por causa do uso que se fazia do
metro posteriormente esse obteve seu nome a partir da finalidade com que era empregado
Severyns propotildee que a recorrecircncia dessa etimologia nos textos em geral e sua presenccedila
encabeccedilando o texto de Proclo se deveria acima de tudo ao peso da autoridade de
Aristoacuteteles98 Caberia entatildeo indagar porque Aristoacuteteles natildeo eacute seguido em diversas outras
passagens Que sua autoridade pese como autor que endossava essa opiniatildeo natildeo se nega mas
fiar-se a ela como etimologia primeira e baacutesica parece estar atrelado agrave ausecircncia de outra
etimologia plenamente satisfatoacuteria uma vez que o proacuteprio texto de Proclo atesta que a
associaccedilatildeo direta entre iacuteambos e iambiacutezein seria dialetal sem identificar sua origem poreacutem
No lugar de iambiacutezein na primeira associaccedilatildeo etimoloacutegica (sect28 15) refere-se a ldquoloidoriacuteasrdquo
para em seguida associar o verbo cognato (loidorein) ao que Aristoacuteteles emprega pois que
satildeo sinocircnimos
Demais Proclo apresentaraacute outras duas explicaccedilotildees a primeira delas eponiacutemica
parece que ocorre de modo a fornecer uma etiologia que reforccedila a associaccedilatildeo baacutesica metro-
mateacuteria apresentada no paraacutegrafo anterior a segunda tem a mesma intenccedilatildeo uma vez que
apresentaria o processo pelo qual o uso sobejo de iambiacutezein teria ocupado o proacuteprio lugar de
hybriacutezein Porfim esse argumento eacute endossado pela comparaccedilatildeo com o verbo komaacutezein se
primeiramente significava apenas participar de uma koacutemos um cortejo galhofeiro pela
praacutetica poeacutetica torna-se o proacuteprio verbo para ldquocriticar satirizarrdquo
Merece destaque tambeacutem o fato de que nesse passo ambos autores descrevem o
mesmo processo muito plausiacutevel observado no caso do epos segundo o qual uma palavra
em funccedilatildeo de um uso acaba tomando o lugar de outra
98 Op cit paacuteg 105
96
334 Meacutelica
O texto de Diomedes natildeo traz uma extensa classificaccedilatildeo da meacutelica mas a Ars de
Horaacutecio como se sabe natildeo soacute chama a atenccedilatildeo por mencionar a liacuterica mas principalmente
por apresentar brevemente uma divisatildeo segundo olha de maneira semelhante para as espeacutecies
da meacutelica grega (83 ndash 85)
ldquoMusa dedit fidibus divos puerosque deorum
et pugilem victorem et equum certamine primum
et ivuenum curas et libera vina referrerdquo
ldquoA Musa concedeu agrave lira o cantar deuses e filhos de deuses o
vencedor no pugilato e o cavalo que primeiro cortou a meta nas
corridas os cuidados dos jovens e o vinho que liberta dos cuidadosrdquo
(trad Rosado Fernandes 1984)
Semelhantemente ao criteacuterio da Crestomatia Horaacutecio vai do sacro ao profano ou
secular aludindo a exemplos semelhantes ao que no texto de Proclo seratildeo trecircs dos grandes
grupos em que a poesia meacutelica apareceraacute agrupada o hino e alguma espeacutecie que poderia
incluir homens (fosse um peatilde secular o encocircmio ou outra espeacutecie)99 o epiniacutecio e a poesia de
acircmbito simposial (uma composiccedilatildeo eroacutetica ou um escoacutelio) Os grupos do texto de Proclo satildeo
a saber
(a) para os deuses ndash hino (uma categoria que poderia se pensada como gecircnero para espeacutecie)
prosoacutedio peatilde ditirambo nomo adoniacutedia iobaco hiporquema
(b) para os homens ndash encocircmio (que conteria o elemento baacutesico podendo ser para as demais
espeacutecies tomado como gecircnero) epiniacutecio escoacutelio eroacuteticas epitalacircmio himeneu silo epiceacutedio
e treno
99 E aqui eacute interessante que Horaacutecio sugira a possibilidade dessa inclusatildeo do homem como objeto da poesia
primeiramente sacra ou seja a secularizaccedilatildeo da espeacutecie poeacutetica dado que como se notaraacute ao longo da anotaccedilatildeo
ao cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas tal noccedilatildeo estaacute presente e eacute aplicada mesmo que subentendida em alguns casos
ao longo da classificaccedilatildeo Horaacutecio como se sabe eacute bem anterior a Proclo o que confirma portanto que o
resumo de Foacutecio atesta uma classificaccedilatildeo as poesia (natildeo soacute da meacutelica) que pelo menos ateacute Proclo era conhecida
aceita e difundida
97
(c) para deuses e homens ndash partecircnio (assumidamente gecircnero para espeacutecies) e daiacute dafnefoacutericas
tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas
(d) para circunstacircncias acidentais quando o poeta por conta de uma circunstacircncia ocasional
comporia versos para situaccedilotildees particulares da vida praacutetica motivo pelo qual as pragmaacuteticas
poderiam ser pensadas como gecircnero para espeacutecies seguida das empoacutericas apostoacutelicas
sentenciosas geoacutergicas e epistolares
A classificaccedilatildeo dessas espeacutecies estaria portanto diretamente atrelada agrave situaccedilatildeo em
que se davam Para diversas delas como se veraacute a situaccedilatildeo seraacute pressuposta apenas Os
criteacuterios ateacute entatildeo observado (etimologia e etiologia) seratildeo empregados para circunscrever as
origens e circunstacircncias que tatildeo somente por nomear permitiriam ao gramaacutetico categorizar
ie tornar algo vasto e impreciso em uma classificaccedilatildeo acessiacutevel e didaacutetica
De agora em diante portanto dada a extensatildeo do cataacutelogo concernente agraves espeacutecies
meacutelicas como natildeo eacute objetivo deste estudo resolver os problemas concernentes a cada uma
delas em separado mas sim entender seu funcionamento dentro do tipo de classificaccedilatildeo aqui
estudada a classificaccedilatildeo dos gramaacuteticos e estabelecer a filiaccedilatildeo do texto atribuiacutedo a Proclo
(uacutenico espeacutecime a trazer a extensa classificaccedilatildeo da liacuterica) o texto assumiraacute a forma de
anotaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo do epiacutetome a fim de fornecer as referecircncias necessaacuterias para sua
compreensatildeo (pois natildeo faltam passagens obscuras) pontuando e ponderando elementos agraves
vezes apenas conjecturais que explicitem as caracteriacuteticas da obra (como ateacute entatildeo tem sido
pensada) e a aplicaccedilatildeo dos criteacuterios que foram aqui propostos como instrumentais dos textos
de base gramatical Seguir-se-atildeo os dois editores e comentadores modernos do coacutedice 239
(Severyns e Ferrante) visando tal exclarecimento e a seus comentaacuterios se somaratildeo as
ponderaccedilotildees segundo as finalidades deste estudo
98
PARTE II
Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
1 COacuteDICE 239
11 TEXTO
Segue-se a ediccedilatildeo de Severyns e sua paragrafaccedilatildeo junto da numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo de
Bekker para a Biblioteca
[1] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου Xρησ- 239318b22
τομαθείας ραμματικῆς rsquoEκλογαί
[2] Ἔστι δὲ τὸ βιβλίον εἰς διῃρημέ-
νον λόγους
[3] Λέγει μὲν ἐν τῷ αʹ ὡς αἱ αὐταί εἰσιν ἀρεταὶ
τοῦ λόγου καὶ ποιήματος παραλλάσσουσι δὲ ἐν τῷ μᾶλ- 25
λον καὶ ἧττον
[4] Καὶ ὅτι τοῦ πλάσματος τὸ μέν ἐστιν ἁδρόν
τὸ δὲ ἰσχνόν τὸ δὲ μέσον
[5] Καὶ τὸ μὲν ἁδρὸν ἐκπκληκ-
τικώτατόν ἐστι καὶ κατεσκευασμένον μάλιστα καὶ ποιη-
τικὸν ἐπιφαῖνον κάλλος
[6] Tὸ δὲ ἰσχνὸν τὴν τροπικὴν μὲν
καὶ φιλοκατάσκευον σύνθεσιν μεταδιώκει ἐξ ἀνειμένων 30
δὲ μᾶλλον συνήρτηται ὅθεν ὡς ἐπίπαν τοῖς γοεροῖς
ἄριστά πως ἐφαρμόττει
[7] Τὸ δὲ μέσον καὶ τοὔνομα μὲν
δηλοῖ ὅτι μέσον ἐστὶν ἀμφοῖν
[8] Ἀνθηρὸν δὲ κατ ἰδίαν
οὐκ ἔστι πλάσμα ἀλλὰ συνεκφέρεται καὶ συμμέμικται
99
τοῖς εἰρημένοις ἁρμόζει δὲ τοπογραφίαις καὶ λειμώνων 35
ἢ ἀλσῶν ἐκφράσεσιν
[9] Οἱ δὲ τῶν εἰρημένων ἀποσφα-
λέντες ἰδεῶν ἀπὸ μὲν τοῦ ἁδροῦ εἰς τὸ σκληρὸν καὶ ἐπηρ-
μένον ἐτράπησαν ἀπὸ δὲ τοῦ ἰσχνοῦ εἰς τὸ ταπεινὸν
ἀπὸ δὲ τοῦ μέσου εἰς τὸ ἀργὸν καὶ ἐκλελυμένον
[10] Διαλαμ- 239319a1
βάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδί-
δωσι τίς ἤθους καὶ πάθους διαφορά
[11] Καὶ ὅτι τῆς ποιη-
τικῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόν
[12] Καὶ τὸ
μὲν διηγηματικὸν ἐκφέρεται δι ἔπους ἰάμβου τε καὶ ἐλε- 5
γείας καὶ μέλους τὸ δὲ μιμητικὸν διὰ τραγῳδίας σατύρων
τε καὶ κωμῳδίας
[13] Καὶ ὅτι τὸ ἔπος πρῶτον μὲν ἐφεῦρε Φημονόη ἡ
Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς χρησα-
μένη καὶ ἐπειδὴ τοῖς χρησμοῖς τὰ πράγματα εἵπετο 10
καὶ σύμφωνα ἦν ἔπος τὸ ἐκ τῶν μέτρων κληθῆναι
[14] Οἱ δέ φασιν ὅτι διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαν
ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ
κοινὸν ὄνομα παντὸς τοῦ λόγου τὸ ἑξάμετρον ἰδιώ-
σατο καὶ ἐκλήθη ἔπος καθάπερ καὶ Ὅμηρος τὸν 15
ποιητὴν καὶ ὁ Δημοσθένης τὸν ῥήτορα ᾠκειώσατο
ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευον
[15] Γεγόνασι δὲ
τοῦ ἔπους ποιηταὶ κράτιστοι μὲν Ὅμηρος Ἡσίοδος Πεί-
σανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος
[16] Διέρχεται δὲ τούτων ὡς
οἷόν τε καὶ γένος καὶ πατρίδας καί τινας ἐπὶ μέρους 20
πράξεις
[17] Διαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ τοῦ λεγομένου ἐπικοῦ
κύκλου ὃς ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μυθο-
λογουμένης μίξεως ἐξ ἧς αὐτῷ καὶ τρεῖς παῖδας ἑκα-
100
τοντάχειρας καὶ τρεῖς γεννῶσι Κύκλωπας
[18] Διαπορεύεται
δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα 25
καὶ εἴ πού τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται
[19] Καὶ περα-
τοῦται ὁ ἐπικὸς κύκλος ἐκ διαφόρων ποιητῶν συμπλη-
ρούμενος μέχρι τῆς ἀποβάσεως Ὀδυσσέως τῆς εἰς Ἰθά-
κην ἐν ᾗ ὑπὸ τοῦ παιδὸς Τηλεγόνου ἀγνοοῦντος
κτείνεται
[20] Λέγει δὲ ὡς τοῦ ἐπικοῦ κύκλου τὰ ποιήματα 30
διασῴζεται καὶ σπουδάζεται τοῖς πολλοῖς οὐχ οὕτω διὰ
τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν τῶν ἐν αὐτῷ πραγμά-
των
[21] Λέγει δὲ καὶ τὰ ὀνόματα καὶ τὰς πατρίδας τῶν πραγ-
ματευσαμένων τὸν ἐπικὸν κύκλον
[22] Λέγει δὲ καὶ περί
τινων Κυπρίων ποιημάτων καὶ ὡς οἱ μὲν ταῦτα εἰς 35
Στασῖνον ἀναφέρουσι Κύπριον οἱ δὲ Ἡγησῖνον τὸν
Σαλαμίνιον αὐτοῖς ἐπιγράφουσιν οἱ δὲ Ὅμηρον
γράψαι δοῦναι δὲ ὑπὲρ τῆς θυγατρὸς Στασίνῳ καὶ διὰ τὴν 239319b1
αὐτοῦ πατρίδα Κύπρια τὸν πόνον ἐπικληθῆναι
[23] Ἀλλ οὐ
τίθεται ταύτῃ τῇ αἰτίᾳ μηδὲ γὰρ Κύπρια προπαροξυτόνως
ἐπιγράφεσθαι τὰ ποιήματα 5
[24] Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου καὶ πεντα-
μέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις
[25] Ὅθεν καὶ
τοῦ ὀνόματος ἔτυχε τὸ γὰρ θρῆνος ἔλεγον ἐκάλουν οἱ
παλαιοὶ καὶ τοὺς τετελευτηκότας δι αὐτοῦ εὐλόγουν
[26] Οἱ
μέντοι γε μεταγενέστεροι ἐλεγείᾳ πρὸς διαφόρους 10
ὑποθέσεις ἀπεχρήσαντο
[27] Λέγει δὲ καὶ ἀριστεῦσαι τῷ μέ-
τρῳ Καλλῖνόν τε τὸν Ἐφέσιον καὶ Μίμνερμον τὸν Κολο-
101
φώνιον ἀλλὰ καὶ τὸν τοῦ Τηλέφου Φιλίταν τὸν Κῷον
καὶ Καλλίμαχον τὸν Βάττου Κυρηναῖος οὗτος δ ἦν
[28] Ἀλλὰ γὰρ καὶ τὸν ἴαμβον τάττεσθαι μὲν ἐπὶ λοιδο- 15
ρίας τὸ παλαιόν καὶ γὰρ καὶ τὸ ἰαμβίζειν κατά τινα
γλῶσσαν λοιδορεῖν ἔλεγον
[29] Οἱ δὲ ἀπό τινος Ἰάμβης
θεραπαινίδος Θρᾴττης τὸ γένος ταύτην φασίν τῆς
Δήμητρος ἀνιωμένης ἐπὶ τῇ τῆς θυγατρὸς ἁρπαγῇ
προσελθεῖν περὶ τὴν Ἐλευσῖνα ἐπὶ τῇ νῦν Ἀγελάστῳ 20
καλουμένῃ πέτρᾳ καθημένην καὶ διά τινων χλευασμάτων
εἰς γέλωτα προαγαγέσθαι τὴν θεόν
[30] Ἔοικε δὲ ὁ ἴαμβος
τὸ μὲν παλαιὸν ἐπὶ τῶν εἰς ψόγον καὶ ἔπαινον γρα-
φομένων ὁμοίως λέγεσθαι ἐπεὶ δέ τινες ἐπλεόνασαν ἐν
ταῖς κακολογίαις τὸ μέτρον ἐκεῖθεν τὸ ἰαμβίζειν εἰς 25
τὸ ὑβρίζειν ὑπὸ τῆς συνηθείας ἐκπεσεῖν ὥσπερ ἀπὸ
τῶν κωμικῶν τὸ κωμῳδεῖσθαι
[31] Ἰάμβων δὲ ποιηταὶ Ἀρχί-
λοχός τε ὁ Πάριος ἄριστος καὶ Σιμωνίδης ὁ Ἀμόργιος
ἤ ὡς ἔνιοι Σάμιος καὶ Ἱππῶναξ ὁ Ἐφέσιος ὧν ὁ μὲν
πρῶτος ἐπὶ Γύγου ὁ δὲ ἐπ Ἀμύντου τοῦ Μακεδόνος 30
Ἱππῶναξ δὲ κατὰ Δαρεῖον ἤκμαζε
[32] Περὶ δὲ μελικῆς ποιήσεώς φησιν ὡς πολυμερεστάτη
τε καὶ διαφόρους ἔχει τομάς
[33] Ἃ μὲν γὰρ αὐτῆς μεμέρισται
θεοῖς ἃ δὲ ltἀνθρώποις ἃ δὲ θεοῖς καὶgt ἀνθρώποις ἃ δὲ
εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις
[34] Καὶ εἰς θεοὺς μὲν ἀνα- 35
φέρεσθαι ὕμνον προσόδιον παιᾶνα διθύραμβον νόμον
ἀδωνίδια ἰόβακχον ὑπορχήματα
[35] Εἰς δὲ ἀνθρώπους ἐγκώμια ἐπίνικον σκό- 239320a1
λια ἐρωτικά ἐπιθαλάμια ὑμεναίους σίλλους θρήνους
ἐπικήδεια
[36] Εἰς θεοὺς δὲ καὶ ἀνθρώπους παρθένια δα-
102
φνηφορικά τριποδηφορικά ὠσχοφορικά εὐκτικά ταῦτα
γὰρ εἰς θεοὺς γραφόμενα καὶ ἀνθρώπων περιείληφεν ἐπαί- 5
νους
[37] Τὰ δὲ εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις οὐκ ἔστι
μὲν εἴδη τῆς μελικῆς ὑπ αὐτῶν δὲ τῶν ποιητῶν ἐπικεχείρη-
ται τούτων δέ ἐστι πραγματικά ἐμπορικά ἀποστολικά γνωμολογικά γεωργικά
ἐπισταλτικά
[38] Καί φησι τὸν ὕμνον
μὲν ὠνομάσθαι ἀπὸ τοῦ ὑπόμονόν τινα εἶναι καὶ οἷον 10
εἰς μνήμην καὶ ὑπόμνησιν ἄγειν τὰς πράξεις τῶν ὑμνου-
μένων ἢ ἀπὸ τοῦ ὕδειν αὐτάς ὅπερ ἐστὶ λέγειν
[39] Ἐκά-
λουν δὲ καθόλου πάντα τὰ εἰς τοὺς ὑπερόντας γραφόμενα
ὕμνους διὸ καὶ τὸ προσόδιον καὶ τὰ ἄλλα τὰ προειρη- 15
μένα φαίνονται ἀντιδιαστέλλοντες τῷ ὕμνῳ ὡς εἴδη
πρὸς γένος καὶ γὰρ ἔστιν αὐτῶν ἀκούειν γραφόντων ὕμνος
προσοδίου ὕμνος ἐγκωμίου ὕμνος παιᾶνος καὶ τὰ ὅμοια
[40] Ἐλέγετο δὲ τὸ προσόδιον ἐπειδὰν προσίωσι τοῖς βω-
μοῖς ἢ ναοῖς καὶ ἐν τῷ προσιέναι ᾔδετο πρὸς αὐλόν ὁ
δὲ κυρίως ὕμνος πρὸς κιθάραν ᾔδετο ἑστώτων
[41] Ὁ δὲ 20
παιάν ἐστιν εἶδος ᾠδῆς εἰς πάντας νῦν γραφόμενος
θεούς τὸ δὲ παλαιὸν ἰδίως ἀπενέμετο τῷ Ἀπόλλωνι
καὶ τῇ Ἀρτέμιδι ἐπὶ καταπαύσει λοιμῶν καὶ νόσων ᾀδό-
μενος Καταχρηστικῶς δὲ καὶ τὰ προσόδιά τινες παιᾶνας
λέγουσιν
[42] Ὁ δὲ διθύραμβος γράφεται μὲν εἰς Διό- 25
νυσον προσαγορεύεται δὲ ἐξ αὐτοῦ ἤτοι διὰ τὸ κατὰ τὴν
Νύσαν ἐν ἄντρῳ διθύρῳ τραφῆναι τὸν Διόνυσον
ἢ διὰ τὸ λυθέντων τῶν ῥαμμάτων τοῦ Διὸς εὑρεθῆναι
αὐτόν ἢ διότι δὶς δοκεῖ γενέσθαι ἅπαξ μὲν ἐκ τῆς Σε-
μέλης δεύτερον δὲ ἐκ τοῦ μηροῦ
[43] Εὑρεθῆναι δὲ τὸν διθύ- 30
ραμβον Πίνδαρος ἐν Κορίνθῳ λέγει τὸν δὲ ἀρξάμε-
103
νον τῆς ᾠδῆς Ἀριστοτέλης Ἀρίονά φησιν εἶναι ὃς
πρῶτος τὸν κύκλιον ἤγαγε χορόν
[44] Ὁ μέντοι νόμος γρά-
φεται μὲν εἰς Ἀπόλλωνα ἔχει δὲ καὶ τὴν ἐπωνυμίαν
ἀπ αὐτοῦ Νόμιμος γὰρ ὁ Ἀπόλλων Νόμιμος δὲ ἐκλήθη 35
ὅτι τῶν ἀρχαίων χοροὺς ἱστάντων καὶ πρὸς αὐλὸν ἢ λύραν
ᾀδόντων τὸν νόμον Χρυσόθεμις ὁ Κρὴς πρῶτος 239 320b 1
στολῇ χρησάμενος ἐκπρεπεῖ καὶ κιθάραν ἀναλαβὼν εἰς
μίμησιν τοῦ Ἀπόλλωνος μόνος ᾖσε νόμον εὐδοκι-
μήσαντος δὲ αὐτοῦ διαμένει ὁ τρόπος τοῦ ἀγωνίσματος
[45] Δοκεῖ δὲ Τέρπανδρος μὲν πρῶτος τελειῶσαι τὸν νό- 5
μον ἡρῴῳ μέτρῳ χρησάμενος ἔπειτα Ἀρίων ὁ Μη-
θυμναῖος οὐκ ὀλίγα συναυξῆσαι αὐτὸς καὶ ποιητὴς καὶ
κιθαρῳδὸς γενόμενος
[46] Φρῦνις δὲ ὁ Μιτυληναῖος ἐκαι-
νοτόμησεν αὐτόν τό τε γὰρ ἑξάμετρον τῷ λελυμένῳ
συνῆψε καὶ χορδαῖς τῶν ζʹ πλείοσιν ἐχρήσατο
[47] Τι- 10
μόθεος δὲ ὕστερον εἰς τὴν νῦν αὐτὸν ἤγαγε τάξιν
[48] Ἔστι δὲ ὁ μὲν διθύραμβος κεκινημένος καὶ πολὺ τὸ
ἐνθουσιῶδες μετὰ χορείας ἐμφαίνων εἰς πάθη κατα-
σκευαζόμενος τὰ μάλιστα οἰκεῖα τῷ θεῷ καὶ σεσόβηται
μὲν καὶ τοῖς ῥυθμοῖς καὶ ἁπλουστέρως κέχρηται ταῖς λέ-
ξεσιν
[49] Ὁ δὲ νόμος τοὐναντίον διὰ τὸν θεὸν ἀνεῖται 15
τεταγμένως καὶ μεγαλοπρεπῶς καὶ τοῖς ῥυθμοῖς ἀνεῖται
καὶ διπλασίοις ταῖς λέξεσι κέχρηται
[50] Οὐ μὴν ἀλλὰ καὶ
ταῖς ἁρμονίαις οἰκείαις ἑκάτερος χρῆται ὁ μὲν γὰρ
τὸν φρύγιον καὶ ὑποφρύγιον ἁρμόζεται ὁ νόμος δὲ 20
τῷ συστήματι τῷ τῶν κιθαρῳδῶν λυδίῳ
[51] Ἔοικε δὲ ὁ
μὲν διθύραμβος ἀπὸ τῆς κατὰ τοὺς ἀγροὺς παιδιᾶς καὶ
τῆς ἐν τοῖς πότοις εὐφροσύνης εὑρεθῆναι ὁ δὲ νόμος
104
δοκεῖ μὲν ἀπὸ τοῦ παιᾶνος ῥυῆναι (ὁ μὲν γάρ ἐστι κοι-
νότερος εἰς κακῶν παραίτησιν γεγραμμένος ὁ δὲ 25
ἰδίως εἰς Ἀπόλλωνα) ὅθεν τὸ μὲν ἐνθουσιῶδες οὐκ
ἔχει ὡς ὁ διθύραμβος
[52] Ἐκεῖ μὲν γὰρ μέθαι καὶ παι-
διαί ἐνταῦθα δὲ ἱκετεῖαι καὶ πολλὴ τάξις καὶ γὰρ
αὐτὸς ὁ θεὸς ἐν τάξει καὶ συστήματι κατεσταλ-
μένῳ περιέρχεται τὸν κρουσμόν
[53] Ἀδωνίδια δὲ λέγεται τὰ 30
εἰς Ἄδωνιν ἀναφερόμενα
[54] Ἤιδετο δὲ ὁ ἰόβακχος
ἐν ἑορταῖς καὶ θυσίαις Διονύσου βεβαπτισμένος πολλῷ
φρυάγματι
[55] Ὑπόρχημα δὲ τὸ μετ ὀρχήσεως ᾀδό-
μενον μέλος ἐλέγετο καὶ γὰρ οἱ παλαιοὶ τὴν ltὑπόgt ἀντὶ
τῆς ltμετάgt πολλάκις ἐλάμβανον
[56] Εὑρέτας δὲ τούτων 35
λέγουσιν οἱ μὲν Κουρῆτας οἱ δὲ Πύρρον τὸν Ἀχιλ-
λέως ὅθεν καὶ πυρρίχην εἶδός τι ὀρχήσεως λέγου- 239321a1
σιν
[57] Ὁ δὲ ἐπίνικος ὑπ αὐτὸν τὸν καιρὸν τῆς νί-
κης τοῖς προτεροῦσιν ἐν τοῖς ἀγῶσιν ἐγράφετο
[58] Τὸ
δὲ σκόλιον μέλος ᾔδετο παρὰ τοὺς πότους διὸ καὶ πα-
ροίνιον αὐτὸ ἔσθ ὅτε καλοῦσιν ἀνειμένον δέ ἐστι τῇ 5
κατασκευῇ καὶ ἁπλούστατον μάλιστα
[59] Σκόλιον δὲ εἴρηται
οὐχ ὡς ἐνίοις ἔδοξε κατὰ ἀντίφρασιν τὰ γὰρ κατὰ
ἀντίφρασιν ὡς ἐπίπαν τοῦ εὐφημισμοῦ στοχάζεται οὐκ εἰς
κακοφημίαν μεταβάλλει τὸ εὔφημον
[60] ἀλλὰ διὰ τὸ
προκατειλημμένων ἤδη τῶν αἰσθητηρίων καὶ παρειμέ- 10
νων οἴνῳ τῶν ἀκροατῶν τηνικαῦτα εἰσφέρεσθαι τὸ
βάρβιτον εἰς τὰ συμπόσια καὶ διονυσιάζοντα ἕκαστον
105
ἀκροσφαλῶς συγκόπτεσθαι περὶ τὴν προφορὰν τῆς ᾠδῆς
Ὅπερ οὖν ἔπασχον αὐτοὶ διὰ τὴν μέθην τοῦτο τρέψαν-
τες εἰς τὸ μέλος σκόλιον ἐκάλουν τὸ ἁπλούστατον
[61] Τὰ δὲ 15
ἐρωτικὰ δῆλον ὅτι γυναικῶν καὶ παίδων καὶ παρ-
θένων ἐρωτικὰς ᾄδει περιστάσεις [62] Καὶ τὰ ἐπιθα-
λάμια δὲ τοῖς ἄρτι θαλαμευομένοις ἅμα οἱ ἠΐθεοι καὶ
αἱ παρθένοι ἐπὶ τῶν θαλάμων ᾖδον [63] Ὑμέναιον
δὲ ἐν γάμοις ᾄδεσθαί φησι κατὰ πόθον καὶ ζήτησιν 20
Ὑμεναίου τοῦ Τερψιχόρας ὅν φασι γήμαντα ἀφανῆ
γενέσθαι
[64] οἱ δὲ κατὰ τιμὴν τοῦ Ἀττικοῦ Ὑμεναίου τοῦ-
τον γάρ φησί ποτε διώξαντα ἀφελέσθαι κούρας Ἀττι-
κὰς λῃστῶν
[65] Ἐγὼ δὲ οἶμαι βίου τινὰ εὐτυχοῦς προανα-
φώνησιν ὑπάρχειν καὶ συνεύχεσθαι τοῖς συνιοῦσι πρὸς 25
γάμου κοινωνίαν μετὰ φιλοστοργίας αἰολικῇ παρα-
πλέκοντας τὴν εὐχὴν διαλέκτῳ οἷον ὑμεναίειν καὶ
ὁμονοεῖν τούτους ἀεὶ ὁμόσε ναίοντας
[66] Ὁ δὲ σίλλος
λοιδορίας καὶ διασυρμοὺς πεφεισμένως ἀνθρώπων
ἔχει 30
[67] Διαφέρει δὲ τοῦ ἐπικηδείου ὁ θρῆνος ὅτι τὸ
μὲν ἐπικήδειον παρ αὐτὸ τὸ κῆδος ἔτι τοῦ σώματος
προκειμένου λέγεται ὁ δὲ θρῆνος οὐ περιγράφεται χρό-
νῳ
[68] Τὰ δὲ λεγόμενα παρθένια χοροῖς παρθένων
ἐνεγράφετο
[69] Οἷς καὶ τὰ δαφνηφορικὰ ὡς εἰς γένος
πίπτει δάφνας γὰρ ἐν Βοιωτίᾳ διὰ ἐννεαετηρίδος εἰς 35
τὰ τοῦ Ἀπόλλωνος κομίζοντες ἱερεῖς ἐξύμνουν αὐ-
τὸν διὰ χοροῦ παρθένων
[70] Καὶ ἡ αἰτία τῶν Αἰολέων
ὅσοι κατῴκουν Ἄρνην καὶ τὰ ταύτῃ χωρία κατὰ 239 321b 1
106
χρησμὸν ἀναστάντες ἐκεῖθεν καὶ προκαθεζόμενοι Θήβας
ἐπόρθουν προκατεχομένας ὑπὸ Πελασγῶν
[71] Κοινῆς ἀμ-
φοῖν ἑορτῆς Ἀπόλλωνος ἐνστάσης ἀνοχὰς ἔθεντο καὶ
δάφνας τέμνοντες οἱ μὲν ἐξ Ἑλικῶνος οἱ δὲ ἐγγὺς τοῦ 5
Μέλανος ποταμοῦ ἐκόμιζον τῷ Ἀπόλλωνι
[72] Πολεμά-
τας δέ ὁ τῶν Βοιωτῶν ἀφηγούμενος ἔδοξεν ὄναρ νεα-
νίαν τινὰ πανοπλίαν αὐτῷ διδόναι καὶ εὐχὰς ποιεῖ-
σθαι τῷ Ἀπόλλωνι δαφνηφοροῦντας διὰ ἐννεαετηρί-
δος προστάττειν 10
[73] Μετὰ δὲ τρίτην ἡμέραν ἐπιθέμενος
κρατεῖ τῶν πολεμίων καὶ αὐτός τε τὴν δαφνηφο-
ρίαν ἐτέλει καὶ τὸ ἔθος ἐκεῖθεν διατηρεῖται
[74] Ἡ δὲ
δαφνηφορία ξύλον ἐλαίας καταστέφουσι δάφναις καὶ
ποικίλοις ἄνθεσι καὶ ἐπ ἄκρου μὲν χαλκῆ ἐφαρμό-
ζεται σφαῖρα ἐκ δὲ ταύτης μικροτέρας ἐξαρτῶσιν 15
κατὰ δὲ τὸ μέσον τοῦ ξύλου περιθέντες ἐλάσσονα τῆς
ἐπ ἄκρῳ σφαίρας καθάπτουσι πορφυρᾶ στέμματα τὰ
δὲ τελευταῖα τοῦ ξύλου περιστέλλουσι κροκωτῷ
[75] Βούλεται
δὲ αὐτοῖς ἡ μὲν ἀνωτάτω σφαῖρα τὸν ἥλιον (ᾧ καὶ τὸν
Ἀπόλλωνα ἀναφέρουσιν) ἡ δὲ ὑποκειμένη τὴν σελήνην 20
τὰ δὲ προσηρτημένα τῶν σφαιρίων ἄστρα τε καὶ ἀστέρας
τὰ δέ γε στέμματα τὸν ἐνιαύσιον δρόμον καὶ γὰρ καὶ
τζε ποιοῦσιν αὐτά
[76] Ἄρχει δὲ τῆς δαφνηφορίας παῖς
ἀμφιθαλής καὶ ὁ μάλιστα αὐτῷ οἰκεῖος βαστάζει τὸ
κατεστεμμένον ξύλον ὃ κώπω καλοῦσιν 25
[77] Αὐτὸς δὲ ὁ δα-
φνηφόρος ἑπόμενος τῆς δάφνης ἐφάπτεται τὰς μὲν
κόμας καθειμένος χρυσοῦν δὲ στέφανον φέρων καὶ λαμ-
πρὰν ἐσθῆτα ποδήρη ἐστολισμένος ἐπικρατίδας τὲ ὑπο-
107
δεδεμένος ᾧ χορὸς παρθένων ἐπακολουθεῖ προτείνων
κλῶνας πρὸς ἱκετηρίαν ὑμνῶν 30
[78] Παρέπεμπον δὲ
τὴν δαφνηφορίαν εἰς Ἀπόλλωνος Ἰσμηνίου καὶ Χαλα-
ζίου
[79] Τὸ δὲ τριποδηφορικὸν μέλος τρίποδος προη-
γουμένου παρὰ τοῖς Βοιωτοῖς ᾔδετο
[80] Ἔσχε δὲ καὶ τοῦτο
αἰτίαν τοιαύτην Πελασγῶν τινες Πάνακτον τῆς Βοιω-
τίας ἐπόρθουν Θηβαῖοι δὲ ἤμυνον καὶ πέμψαντες εἰς 35
Δωδώνην περὶ τῆς τοῦ πολέμου νίκης ἐχρῶντο
[81] Χρησμὸς
δὲ τοῖς Θηβαίοις ἐξέπεσεν ὡς εἰ μέγιστον ἀσέβημα
ἀσεβήσουσι νικήσουσιν 239 322a 1
[82] Ἔδοξεν οὖν αὐτοῖς ἀσε-
βημάτων εἶναι μέγιστον τὸ τὴν χρησμῳδήσασαν αὐτοῖς
τὸν χρησμὸν ἀνελεῖν καὶ ἀνεῖλον [83] Αἱ δὲ περὶ τὸ τέ-
μενος συνιέρειαι δίκην λαβεῖν ἀπῄτουν τοῦ φόνου τοὺς
Θηβαίους 5
[84] Θηβαῖοι δὲ οὐκ ἐπιτρέπουσι γυναιξὶ μόναις
τὴν περὶ αὐτῶν δίκην ἀξιοῦν κοινῆς δὲ κρίσεως ἀνδρῶν καὶ
γυναικῶν γεγενημένης καὶ τῶν ἀνδρῶν λευκὰς αὐτοῖς
ἐπενεγκόντων ψήφους ἀπέφυγον Θηβαῖοι
[85] Ὕστερον δὲ
ἐπιγνόντες αὐτοῖς τὸ ὑπὸ τοῦ χρησμοῦ προστασσόμενον
βαστάσαντες τῶν κατὰ τὴν Βοιωτίαν ἱερῶν τριπόδων 10
ἕνα καὶ κατακαλύψαντες ὡς ἱερόσυλοι ἀνέπεμψαν εἰς
Δωδώνην
[86] Εὐπραγήσαντες δὲ ἐξ ἐκείνου τοῦ λοιποῦ
τὴν πρᾶξιν ἑορτὴν ἐποίουν
[87] Ὠσχοφορικὰ δὲ μέλη παρὰ
Ἀθηναίοις ᾔδετο
[88] Τοῦ χοροῦ δὲ δύο νεανίαι κατὰ γυ-
ναῖκας ἐστολισμένοι κλῆμά τ ἀμπέλου κομίζοντες μεστὸν 15
108
εὐθαλῶν βοτρύων (ἐκάλουν δὲ αὐτὸ ὤσχην ἀφ οὗ καὶ
τοῖς μέλεσιν ἡ ἐπωνυμία) τῆς ἑορτῆς καθηγοῦντο
[89] Ἄρ-
ξαι δέ φασι Θησέα πρῶτον τοῦ ἔργου ἐπεὶ γὰρ ἑκούσιος
ὑποστὰς τὸν εἰς Κρήτην πλοῦν ἀπήλλαξε τὴν πατρίδα
τῆς κατὰ τὸν δασμὸν συμφορᾶς χαριστήρια ἀποδιδοὺς 20
Ἀθηνᾷ καὶ Διονύσῳ οἳ αὐτῷ κατὰ τὴν νῆσον τὴν
Δίαν ἐπεφάνησαν ἔπραττε τοῦτο δυσὶ νεανίαις ἐσκια-
τραφημένοις χρησάμενος πρὸς τὴν ἱερουργίαν ὑπηρέ-
ταις
[90] Ἦν δὲ τοῖς Ἀθηναίοις ἡ παραπομπὴ ἐκ τοῦ Διο-
νυσιακοῦ ἱεροῦ εἰς τὸ τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Σκιράδος τέ- 25
μενος
[91] Εἵπετο δὲ τοῖς νεανίαις ὁ χορὸς καὶ ᾖδε τὰ
μέλη
[92] Ἐξ ἑκάστης δὲ φύλης ἔφηβοι διημιλλῶντο πρὸς
ἀλλήλους δρόμῳ καὶ τούτων ὁ πρότερος ἐγεύετο ἐκ τῆς
πενταπλῆς λεγομένης φιάλης ἣ συνεκιρνᾶτο ἐλαίῳ
καὶ οἴνῳ καὶ μέλιτι καὶ τυρῷ καὶ ἀλφίτοις 30
[93] Εὐκτικὰ
δὲ μέλη ἐγράφετο τοῖς αἰτουμένοις τι παρὰ θεοῦ γενέσθαι
[94] Πραγματικὰ δὲ ἅ τινων περιεῖχε πράξεις
[95] Ἐμπορικὰ
δὲ ὅσα κατὰ τὰς ἀποδημίας καὶ ἐμπορίας ἐπιδεικνύ-
μενά τισιν ἐγράφη
[96] Καὶ ἀποστολικὰ δὲ ὅσα διαπεμπό-
μενοι πρός τινας ἐποίουν 35
[97] Τὰ δὲ γνωμολογικὰ δῆλον
ὅτι παραίνεσιν ἠθῶν ἔχει
[98] Καὶ τὰ γεωργικὰ δὲ χώρας
καὶ φυτῶν καιροὺς καὶ ἐπιμελείας
[99] Καὶ τὰ ἐπισταλτικὰ
δὲ ὅσα κατ ἐντολὰς πρός τινας ποιοῦντες διέπεμπον
[100] Οἱ μὲν δύο λόγοι τῆς Πρόκλου γραμματικῆς Χρης-
109
τομαθείας ἐν τούτοις
12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO
1 Realizou-se leitura1 a partir do livro intitulado Excertos2 de Crestomatia3 de Letras4
de Proclo5 2 O livro eacute dividido em quatro arrazoados6
1 A forma anegnoacutesthe que introduz o epiacutetome da Crestomatia bem como praticamente todos os resumos
da Biblioteca eacute indicativa desse tipo de texto evidenciando literalmente que natildeo se apresenta ali uma obra mas
sim a leitura de uma cujo tiacutetulo segue-se Cf para a interpretaccedilatildeo dessa forma Ferrante (1957 pg 161)
seguindo a liccedilatildeo de Severyns (1939 I 4 174-75 e II pg 65) cuja recensatildeo acerca da tradiccedilatildeo manuscrita e a
liccedilatildeo para este primeiro periacuteodo parecem de fato as melhores A forma verbal eacute passiva mas deve ser
entendida no grego sem sujeito de forma absoluta ou intransitiva ie ldquoleu-serdquo ldquofoi lidordquo a que se adiciona um
termo preposicionado especificando a partir do que se deu essa leitura Aqui se supre como nos referidos
editores o termo ldquoleiturardquo para viabilizar a traduccedilatildeo remetendo agrave proacutepria atividade originaacuteria da Biblioteca
compilada por Foacutecio dar notiacutecia das sucessivas leituras de diferentes livros Cf Estudo 131 Para a discussatildeo
acerca da introduccedilatildeo dos epiacutetomes na Biblioteca as demais ocorrecircncias da forma e o entendimento desta em
especiacutefico comparada agraves outras A ausecircncia de artigo antes do substantivo ldquoleiturardquo na traduccedilatildeo opccedilatildeo
semelhante agrave dos referidos editores pretende aqui conferir um traccedilo de maior generalidade agrave pratica que
designa uma vez que para aleacutem da discussatildeo acerca de qual seria a matildeo que realmente anotou os textos
mencionados transformando-os em epiacutetomes (Foacutecio ele mesmo um copista um disciacutepulo e companheiro de
viagem que se encarrega da leitura ou vaacuterios etc ndash cf Severyns I 4 ndash 5) essa leitura foi motivo de uma ou mais
sessotildees internas do grupo de estudos dirigido pelo entatildeo embaixador e futuro patriarca ela eacute portanto uma de
diversas leituras dos textos tomados como objeto dessas sessotildees 2 Sobre as implicaccedilotildees da palavra ldquoexcertosrdquo (eklogaiacute) e como foi aqui interpretada cf Estudo 132 3 A palavra ldquocrestomatiardquo khrestomaacutetheia encontra-se lexicalizada em portuguecircs e agrave disposiccedilatildeo do
erudito de liacutengua romacircnica Houaiss haure-a no Novo Diccionario Critico Etymologico da Lingua Portugueza
Paris 1836 de Francisco Solano Constacircncio e a daacute como traslado do francecircs O Littreacute a registra na liacutengua e ao
fazecirc-lo interpreta-a como o referido portuguecircs florileacutegio coletacircnea das melhores passagens de diferentes
autores com fins didaacuteticos (provavelmente jaacute interpretando o adjetivo grego khrestoacutes ldquouacutetilrdquo presente no
composto) Dado isso adoto a forma vernaacutecula e natildeo me utilizo de artigo (ldquoArdquo Crestomatia) a fim de manter
combinando-se com ldquoexcertosrdquo a ambiguidade e a duacutevida que imediatamente em grego saltam aos olhos do
leitor de que a saber de acordo com a interpretaccedilatildeo que se faz da palavra ldquocrestomatiardquo ou se entende em um
extremo que a Biblioteca mesma jaacute nos traz o resumo de uma obra de segunda matildeo ie a abreviaccedilatildeo de algo jaacute
previamente resumido em uma coletacircnea escrita ou em outro extremo que o proacuteprio termo ldquoextratosrdquo faria
parte do tiacutetulo da obra original abrindo margem a pensar a palavra ldquocrestomatiardquo (e mesmo ldquocoletacircneardquo em
portuguecircs) sem um caraacuteter abreviativo mas como ldquoreuniatildeo de ensinamentosrdquo hauridos de outros textos e autores
que ao longo de seacuteculos foram ampliando e detalhando sob diferentes aspectos as doutrinas referentes agraves letras
de modo geral (em prosa ou verso oratoacuteria ou poeacutetica) Defende-se aqui uma terceira hipoacutetese entre esses dois
extremos Concorda-se com Severyns quanto ao caraacuteter natildeo abreviativo da palavra (cf Severyns op cit II 65 ndash
69) mas entende-se que eklogaiacute pelo cotejo com as introduccedilotildees de outros epiacutetomes da Biblioteca soacute pode
implicar neste caso uma abreviaccedilatildeo a seleccedilatildeo de excertos Cf Estudo 133 Ferrante natildeo se pronuncia quanto
a sua traduccedilatildeo mas manteacutem ldquoextratosrdquo e usa o artigo antes da palavra apesar de seguir Severyns em sua notaccedilatildeo
do texto Pretendeu-se aqui (natildeo soacute pelo uso do vernaacuteculo mas tambeacutem por natildeo se empregar o artigo) como
khrestomaacutetheia eacute um substantivo que definia certa obra por sua finalidade manter a dubiedade e o caraacuteter
duvidoso que salta aos olhos de um leitor moderno dos gregos 4 A traduccedilatildeo de grammatikoacutes por ldquoliteraacuteriardquo aqui seguiria o mesmo criteacuterio acima definido (n 3) de
manter o estranhamento em relaccedilatildeo ao tiacutetulo por isso bem como para ldquoeklogaiacuterdquo poder-se-ia manter a
literalidade do correlato latino numa uacutenica palavra Como se sabe poreacutem o termo aqui natildeo eacute sinocircnimo direto do
que noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash uma seacuterie de
categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco mesmo ou os preceitos da chamada
ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira estranha aos antigos Cf Estudo 134 paacuteg 38 ndash 50
110
3 No primeiro fala como as virtudes da prosa e da poesia satildeo as mesmas mas
diferenciam-se quanto ao mais e ao menos7 4 e que do molde da elocuccedilatildeo8 haacute o copioso o
tecircnue e o meacutedio9 5 Que o copioso eacute estonteante10 e muitiacutessimo elaborado reluzindo uma
beleza poeacutetica 6 Jaacute o tecircnue proscreve uma composiccedilatildeo com tropos e afeita agrave elaboraccedilatildeo mas
antes se entretece de despojamento motivo pelo qual em geral se adapta de um modo
excelente agraves lamentaccedilotildees11 7 Quanto ao meacutedio o nome evidencia que eacute meacutedio entre ambos
5 Consoante ao que se defende no cap 133 do Estudo e ao que foi dito acima na nota 3 entende-se aqui
que a atribuiccedilatildeo a Proclo ou seja o trecho ldquode Proclordquo porque o objeto lido estaria nomeado como Excertos
estava contido na intitulaccedilatildeo desse objeto Supotildee-se que a proacutepria intitulaccedilatildeo desse objeto que eacute resumido
porque se precisava identificar de que e de quem era excertos trazia a atribuiccedilatildeo ldquode Proclordquo daiacute o itaacutelico
adotado na traduccedilatildeo Sobre a questatildeo da atribuiccedilatildeo cf Estudo 12 paacuteg 12 ndash 15 6 Embora se saiba que os loacutegoi sejam mesmo etimologicamente as diferentes partes tomos coacutedices de
um bibliacuteon ie o conjunto desses rolos a obra preferiu-se aqui a traduccedilatildeo por ldquoarrazoadosrdquo referindo-se ao
significado cognitivo da palavra (pensamentofala) para manter natildeo soacute a ideia de que quando confeccionadas e
daiacute registradas de forma escrita essas partes natildeo arbitrariamente buscavam corresponder agraves partes menores de
um loacutegos tomadas por si mas tambeacutem a ideia de que num contexto como o da Biblioteca tanto no sentido de
sua composiccedilatildeo como de sua recepccedilatildeo essa noccedilatildeo era evidente senatildeo presente afinal a obra eacute o resultado de
seccedilotildees coletivas de leitura e assim mesmo se tenta reproduzi-la na forma de texto 7 Nomeando prosa ( loacutegos) e poesia ( poiacuteema) o texto imediatamente estabelece o
primeiro criteacuterio pelo qual se julgaraacute a composiccedilatildeo poeacutetica a elocuccedilatildeo que logo seraacute desdobrada (sect4) na teoria
de seus moldes ou gecircneros De acordo com esse primeiro criteacuterio a prosa e a poesia possuem as mesmas virtudes
ou qualidades ( aretaiacute) distinguindo-se pela quantidade esta possui mais do que aquela Esse criteacuterio jaacute
eacute empregado por Aristoacuteteles na Retoacuterica III Cf Estudo 21 paacuteg 51 ndash 52 8 A traduccedilatildeo mais literal considerando o genitivo ldquo rdquo seria evidentemente ldquoe que do
molderdquo contudo talzez natildeo ficaria imediatamente claro ao leitor que a doutrina poeacutetica dos antigos aqui supotildee
ldquomoldarrdquo metaforicamente para a confecccedilatildeo da elocuccedilatildeo e as possiacuteveis variaccedilotildees que permitem claissificaacute-la
mantendo a metaacutefora fiacutesica e escultoacuterica em trecircs grandes estilos gerais Por isso acrescentou-se a expressatildeo ldquoda
elocuccedilatildeordquo Como se sabe outros nomes equivalentes a outras abstraccedilotildees satildeo empregados para nomear essa
doutrina que pelo vieacutes latino e ciceroniano ficaraacute conhecida como ldquodos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo (cf Estudo
22) 9 Inicia-se a exposiccedilatildeo da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo as caracteriacutesticas marcantes de cada um e
seus desvios ou viacutecios O comentaacuterio agrave traduccedilatildeo e a explicaccedilatildeo dos termos encontra-se no Estudo 22 paacuteg 52 ndash
61 10 Repare-se que no original empregam-se dois adjetivos superlativos e com o segundo o superlativo do
adveacuterbio de intensidade Para traduzir tal intensidade poder-se-ia recorrer como Severyns a estender o adveacuterbio
aos dois sintagmas termos ndash ldquomuitiacutessimo estonteante e elaboradordquo Isso daria a entender que as duas
caracteriacutesticas estatildeo em peacute de igualdade quanto agrave intensidade e que haacute graus para o adjetivo ldquoestoanteanterdquo que
talvez se verifiquem nos outros moldes quando parece que ser arrebatador ou estonteante eacute proacuteprio da elevaccedilatildeo
do molde copioso Tentar traduzir o grau superlativo do primeiro adjetivo ndash ldquoo mais estonteanterdquo ndash daria a
entender o mesmo portanto quis-se que a proacuteprio adjetivo ldquoestonteanterdquo por sua forte semacircntica decirc conta do
primeiro adjetivo ldquo ekplektikoacutetatonrdquo remetendo ao sublime etc e que o adveacuterbio
ldquomuitiacutessimo restrinja-serdquo ao segundo adjetivo ldquo kateskeuasmeacutenon maacutelistardquo
julgando-se tal soluccedilatildeo mais fiel ao sentido do grego a saber o de que o molde copioso eacute o mais elaborado de
todos comparado aos demais moldes que podem ser elaborados em menor grau e por isso tem por qualidade
uacutenica ser estonteante atingir o arrebatamento do receptor Para tal intrepretaccedilatildeo cf Estudo 221 paacuteg 55 ndash 57
principalmente o uacuteltimo paraacutegrafo e o comentaacuterio de Quintiliano paacuteg 56 ndash 57 11 A legitimidade desta passagem mais especificamente desta palavra [goeroicircs] foi contestada
diferentemente por trecircs editores propocircs-se [georgikoicircs] (Schott 1606 apud Gaisford p337 apud
Severyns tomo II p 73) [noeroicircs] (Schimid 1894 p 134 n I apud Severyns idem)
[mikroicircs] (Immisch 1902 p 257 n I apud Severyns idem) Uma apreciaccedilatildeo pode ser lida em Severyns (idem)
que em linhas gerais aleacutem de se ater ao fato de que a tradiccedilatildeo manuscrita natildeo traz divergecircncias quanto a essa
passagem segue artigo de Shorey (Classical Philology 1906 apud Severyns) em que este aleacutem dos ceacutelebres
versos da Ars de Horaacutecio (95 ndash 98) arrola diferentes e breves passagens da tradiccedilatildeo retoacuterica nas quais se
evidenciam tal liccedilatildeo de forma explicita e natildeo poeacutetica ex Longino Rhet 21 ldquo() eacute necessaacuterio a quem consola
111
8 Florido por si proacuteprio natildeo eacute um molde mas manifesta-se e encontra-se misturado
junto aos mencionados e combina com topografias e descriccedilotildees12 de descampados ou
bosques
9 Os que cometem desvios das referidas formas geram a mudanccedila do copioso em duro
e exaltado do tecircnue em chatildeo e do meacutedio em truncado e frouxo
10 Entatildeo faz consideraccedilotildees acerca de criacutetica de poesia13 no que transmite qual a
diferenccedila entre caraacuteter e afeto14
11 E da composiccedilatildeo poeacutetica15 diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativo 12 E o
narrativo profere-se por meio de epos bem como de iambo elegia e meacutelica o imitativo por
meio de trageacutedia bem como de drama satiacuterico e comeacutedia16
falar natildeo com clareza sofistica [sophistikeacute tranoteacutes] mas com simplicidade compassiva [sympephonkyicirca
haploteacutes]rdquo Apsines (I 358) ldquoas narraccedilotildees pateacuteticas [pathetikaigrave dieacutegeseis] natildeo devem possuir muita organizaccedilatildeo
[polyn koacutesmon]rdquo idem (I 405) ldquoagrave elocuccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja natildeo-moldada e natildeo-ornada [aacuteplaston kaigrave
akalloacutepiston] o ornar [kallopiacutezein] natildeo eacute proacuteprio de quem canta um trenordquo (a tosca literalidade da traduccedilatildeo eacute
intencional aqui a fim de que se notem os termos gregos) 12 A palavra empregada para ldquodescriccedilatildeordquo eacute eacutekphrasis e eacute o nome que se daacute ao gecircnero pelo
qual se confecciona com palavras a representaccedilatildeo de algo inanimado Consoante ao que se disse (supra) como
algo que eacute descrito parece que todos esses casos tecircm em comum o fato de que se constituem como objetos de
apreciaccedilatildeo em funccedilatildeo da palavra entatildeo eacute pelo proacuteprio floreio que supotildee ornato que esse algo pode se tornar
objeto do prazer Daiacute a possiacutevel interpretaccedilatildeo do epiacutetome segundo a qual o florido natildeo seria por si um molde a
ser selecionado desde o iniacutecio para a confecccedilatildeo de uma obra natildeo seria um molde independente agrave cuja
totalidade se circunscreveria por inteiro toda uma elocuccedilatildeo mas sim uma forma obrigatoriamente concorrente
dependente que se apresenta como parte adicional de um dos trecircs moldes em circunstacircncias como as
exemplificadas qual um adereccedilo de flores 13 kriacutesis poieacutematos entendida aqui como sinocircnimo da sexta parte da empiria
gramatical de Dioniacutesio Traacutecio conforme defendido aqui no Estudo 134 paacuteg 38 ndash 47 para opiniatildeo
semelhante FERRANTE paacuteg 20 ndash 21 Contraacuteria Cf SEVERYNS paacuteg 77 ndash 79 Aventou-se a traduccedilatildeo por
ldquocriacuteticardquo opccedilatildeo natildeo soacute muito coerente como esclarecedora uma vez que aqui se assume a kriacutesis poiemaacuteton de
Dioniacutesio Traacutecio como atividade que mais amplamente passou a corresponder ao que hoje noacutes modernos
diriacuteamos ldquocriacutetica de poesiardquo senatildeo ldquocriacutetica poeacuteticardquo Embora tentadora e chamativa declinou-se tal traduccedilatildeo
porque primeiro a noccedilatildeo de criacutetica natildeo se entende mais em portuguecircs associada ao significado baacutesico da palavra
grega originaacuteria ldquokriacutesisrdquo modernamente natildeo haacute mais a noccedilatildeo de ldquocisatildeo litiacutegio disputardquo e daiacute ldquoavaliaccedilatildeo juiacutezo
julgamentordquo e basicamente a palavra eacute do campo semacircntico judicial segundo como o proacuteprio Dioniacutesio Traacutecio
atesta que no iniacutecio se tratava justamente desta segunda noccedilatildeo de ldquojulgamentordquo ocupando-se a princiacutepio tatildeo
somente do estabelecimento do texto a traduccedilatildeo por criacutetica poderia criar o falso entendimento da parte do leitor
de que se trata de uma atividade de ldquocriacutetica literaacuteriardquo como a dos dias de hoje quando mesmo em seu
desdobramento posterior em que poderia modernamente receber tal nome a interpretaccedilatildeo dos antigos lidava
com um instrumental de noccedilotildees diferentes das nossas como reafirmado em outras passagens deste trabalho
Embora pareccedila se perder com esta soluccedilatildeo preferiu-se fazer juz ao ldquojuiacutezordquo e recorrer a esta nota 14 eacutethous kaigrave paacutethous ndash talvez aqui como pensados por Dioniacutesio de Halicarnasso no
tratado Da Imitaccedilatildeo Cf Estudo 134 especificamente paacuteg 47 ndash 50 15 O adjetivo feminino poietikecircs sem um substantivo acompanhando-o tende a supor teacutechne Sabemos que
assim Aristoacuteteles nomeia essa aacuterea do saber Como suprir o termo poderia dar a entender o tratado e o
entendimento aristoteacutelicos do objeto quando na verdade parece que o epiacutetome usa o termo para se referir aos
poemas ie agraves composiccedilotildees em verso por oposiccedilatildeo agraves em prosa certamente entendendo-as todas como poesia
e como o termo neutro poiacuteema foi empregado anteriormente por oposiccedilatildeo agrave prosa (loacutegos) optou-se nesta
traduccedilatildeo por suprir ldquocomposiccedilatildeordquo dando a entender o resultado o objeto o poema como ldquoconfecccedilatildeordquo trazendo
tambeacutem a noccedilatildeo do ato em si e da teacutecninca (teacutekhne) Cf Estudo 32 paacuteg 77 ndash 79
O emprego do termo no genitivo junto do artigo e do verbo leacutegei implica uma forte carga
partitiva ao termo ateacute entatildeo o texto versava sobre a elocuccedilatildeo que poderia ocorrer em prosa ou em verso ie
poderia ser um discurso juriacutedico ou um poema liacuterico mas ora sobre a confecccedilatildeo que eacute apenas poeacutetica eis os
112
13 Tambeacutem que Femocircnoe17 a profetiza de Apolo foi quem descobriu18 o epos19 por
professar oraacuteculos em hexacircmetros A partir daiacute aos oraacuteculos seguiram-se [heiacutepeto ] os
feitos20 que lhes eram consonantes nomeando-se ldquoeposrdquo qualquer composiccedilatildeo no metro
14 Outros dizem que por causa da elaboraccedilatildeo e da ampla superioridade21 observada
nos hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo e passou a ser
chamado ldquoeposrdquo [fala palavra falada]22 bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo
e Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez tambeacutem que alguns denominavam ldquoeacuteperdquo [falares plura
de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetros23
15 Os mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro24 Paniacuteasis25 e
Antiacutemaco26
16 Desses discorre na medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas
histoacuterias particulares27
gecircneros e espeacutecies em que eacute possiacutevel discriminaacute-las No sentido de que sobre elas o que o texto em questatildeo nos
ensina eacute tal discriminaccedilatildeo uacutetil ao gramaacutetico e aquele que busca ler tais composiccedilotildees agora textos tanto o termo
poietikeacute como a secccedilatildeo que se segue estatildeo em concordacircncia com a kriacutesis do item acima Cf Estudo 134 paacuteg
38 16 Eis a biparticaccedilatildeo em dois grandes gecircneros dos quais os nomes poeacuteticos arrolados satildeo espeacutecies de
acordo com o modelo da calssificaccedilatildeo geneacuterica discutida Os termos empregados bem como essa divisatildeo satildeo
objeto do Capiacutetulo 3 do Estudo mais precisamente seccedilatildeo 31 paacuteg 67 ndash 83 17 Cf Estrabatildeo (IX 419) Pausacircnias (X 5 7) e o Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (475 22) Composto de phemiacute
e noucircs ie ldquofalarrdquo e ldquopensamentoespiacuteritordquo 18 O termo do verbo epheuriacutesko ldquodescobrirrdquo eacute composto de heuriacutesko que tem o
significado baacutesico do verbo ldquoacharrdquo eacute comum na tratadiacutestica serve para designar a ldquoinvenccedilatildeordquo ndash termo latino
que traduz o grego ndash de um forma poeacutetica ou entatildeo para designar quem a encontra seu ldquoinventorrdquo ou como natildeo
haacute a noccedilatildeo moderna de ldquooriginalidaderdquo e ldquocriaccedilatildeordquo o ldquodescobridorrdquo ndash heureteacutes Esses termos se
empregaratildeo ao longo do texto consecutivamente 19 A palavra teria o significado primitivo de ldquofalardquo sua raiz (F eacute cognata do latim vox ldquovozrdquo 20 No grego tagrave praacutegmata heiacutepeto juntos o termo que designa os feitos as accedilotildees
caracteriacutesticas da poesia eacutepica e o termo que compotildee a etimologia designando tanto a sucessatildeo em relaccedilatildeo aos
oraacuteculos como o elemento de consecuccedilatildeo das accedilotildees ou feitos definidores da espeacutecie Cf Estudo 331 paacuteg 83 21 A ampla superioridade ndash aacutegan hyperokheacuten ndash da composiccedilatildeo hexameacutetrica introduz o
argumento em prol da terceira explicaccedilatildeo etimoloacutegica 22 A etimologia como visto no Estudo 331 paacuteg 83 para aleacutem do sugestivo nome da profetiza que
conteacutem o elemento ldquofalardquo seguiria a sequecircncia eacutepos heacutepomai eacutepous = logos e gt(maior que) outros eacutepe 23 Cf Estudo 331 para a noccedilatildeo de eacutepos associado a outras formas como o triacutemetro ou a oratoacuteria De
qualquer forma o argumento geral eacute o de que outros designavam outras espeacutecies que julgavam ldquoa fala por
excelecircnciardquo pelo termo comum para ldquopalavra faladardquo ie ldquoeposrdquo 24 Pisandro de Camiro c 650 aC A ele eacute atribuiacuteda uma Heracleida que narrava todos os feitos de
Heacutercules 25 Paniacuteasis de Halicarnasso tio de Heroacutedoto morreu por volta de 457 aC A ele se atribui tambeacutem uma
Heracleida em 14 cantos e 900 versos 26 Antiacutemaco de Colofatildeo c 405 aC autor da Tebaida que comporia junto de outro poemas o ciclo
tebano 27 Aqui seguiria a Vita Homeri atribuiacuteda que chegou a noacutes a Proclo Eacute de se supor que para cada um dos
poetas mencionas seguisse uma biografia semelhante Essa passagem e a seccedilatildeo seguinte sobre o ciclo eacutepico
cotejadas com os uacutenicos excertos originais que temos da Crestomatia permitem-nos ter um iacutenfimo vislumbre da
dimensatildeo da obra que de fato pela menccedilatildeo a quatro livros feita no iniacutecio do coacutedice dos quais apenas dois satildeo
resumidos devia ser extensa
113
17 Entatildeo faz consideraccedilotildees sobre o chamado ldquociclo eacutepicordquo que se inicia pelo
intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra28 a partir do qual geram a ele trecircs filhos centiacutemanos e
trecircs Ciclopes29
18 Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos
gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser verdade em referecircncia agrave histoacuteria
19 Fecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo de diferentes
poetas ateacute o desembarque de Odisseu em Iacutetaca quando eacute morto por seu filho Teleacutegono que
natildeo o reconhecera30
20 Fala como os poemas do ciclo eacutepico tecircm se conservado e recebido atenccedilatildeo de
muitos natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele contidas
21 Fala entatildeo o nome e a paacutetria dos que se dedicaram ao ciclo eacutepico
22 Fala entatildeo acerca de certos poemas ldquoCiacutepriosrdquo como alguns os atribuem a Estasino
de Chipre outros lhes inscrevem ldquoHegesino de Salaminardquo Outros dizem que Homero
escreveu-os deu a Estasino por obter-lhe a filha e por causa de sua paacutetria nomeou ldquoCiacutepriasrdquo
a obra 23 Mas de sua parte natildeo se apoia nessa hipoacutetese pois que tambeacutem os poemas natildeo se
intitulam ldquoCiacutepriasrdquo com acentuaccedilatildeo proparoxiacutetona31
24 Diz quanto agrave elegia [elegeiacutea ] ser composta de um verso heroacuteico e um
pentacircmetro32 e acomodar-se33 aos que jaacute partiram 25 E obteve seu nome daiacute os antigos
28 Aqui se iniciava o resumo do ciclo eacutepico Cf Estudo 3312 paacuteg 86 para as conjecturas a respeito
daquilo em que talvez consistisse essa primeira parte do ciclo a julgar pelo paraacutegrafo seguinte (18) em que se
nomeiam as histoacuterias do iniacutecio do ciclo ldquonarraccedilotildees miacuteticasrdquo ou considerando a acepccedilatildeo moderna ldquomitologiardquo 29 Esse episoacutedio cosmogocircnico como apresentado ie sem uma referecircncia expliacutecita agrave geraccedilatildeo de Ceacuteu a
partir de Terra (diferente do que se lecirc em Hesiacuteodo Teogonia 126 ndash 127) derivaria da Titanomaquia de Eumelo
Cf Estudo 3312 paacuteg 88 ndash 90 e Ateneu (Deipnosophistae VII 277d ndash e) 30 Buscou-se manter na traduccedilatildeo a possibilidade de leitura equivocada e a imprecisatildeo que pode geraacute-la a
quem desconhece os episoacutedios do ciclo o desembarque em questatildeo natildeo eacute o da Odisseia em retorno de Troia
mas o que encerra a viagem de Odisseu agrave Tesproacutetia que se narrava na Telegonia de Ecircugamon de Cirene uacuteltimo
poema na cronologia do ciclo 31 Para a extensa consideraccedilatildeo de todos os possiacuteveis tiacutetulos para o poema segundo diferentes autores da
Antiguidade cf Severyns (paacuteg 93 ndash 98) e Ferrante (27 ndash 30) Para a opiniatildeo de Proclo que Foacutecio natildeo menciona
ambos editores e criacuteticos apontam como consideraccedilatildeo final para a passagem de Ateneu (XV 682d) em que
Demodamas sugere como autor Ciacutepria de Halicarnasso Eacute conjetural poreacutem que concordando com
Demodamas Proclo aceitasse que a intitulaccedilatildeo se desse pelo autor sugerindo uma forma genitiva como
intitulaccedilatildeo que a formulaccedilatildeo de Foacutecio sugere Vale lembrar que no excerto sobre as Ciacuteprias Proclo informaria
sua discordacircncia sobre a intitulaccedilatildeo do poema e diria que para evitar a interrupccedilatildeo da continuidade do discurso
discutiria posteriormente esse toacutepico como um excurso Pelo menos quanto agrave ordem portanto o resumo de
Foacutecio seria fiel pois eacute de supor que tal excurso ocorresse apoacutes o resumo do ciclo e antes de abordar a elegia Isso
tambeacutem explica por que natildeo haveria razotildees para que Proclo natildeo considerasse as Ciacuteprias como parte do ciclo
(Severyns paacuteg 98) uma vez que dos resumos do ciclo esse eacute o uacutenico que natildeo conteacutem uma atribuiccedilatildeo em seu
iniacutecio 32 Como observado no caso do epos a exposiccedilatildeo segue o criteacuterio metro-mateacuteria explicando o
desenvolvimento da espeacutecie a partir dos usos do metro Cf Estudo 3312 paacuteg 86 332 paacuteg 90 em diante 33 Cf supra sect14 suacutemphona explicitando o criteacuterio metro-mateacuteria pontuando a invenccedilatildeo da espeacutecie e seu
desenvolvimento a partir da mateacuteria que a princiacutepio se lhe acomodava naturalmente
114
chamavam ao treno34 eacutelegos [ ] e atraveacutes dele elogiavam [euloacutegoun ] os
mortos35 26 Os poacutesteros36 contudo usaram ldquoelegiardquo amplamente para diferentes
argumentos
27 Fala entatildeo que exceliram nesse metro Calino de Eacutefeso37 e Mimnermo de
Colofatildeo38 mas tambeacutem o filho de Teacutelefo Filetas de Coacutes39 e Caliacutemaco filho de Bato (esse era
de Cirene)40
28 Jaacute no que diz respeito ao iambo [ ] primeiro em tempo antigo era atribuiacutedo
agrave ralhaccedilatildeo41 inclusive de acordo com certo dialeto ldquoiambizarrdquo [ldquoiambiacutezeinrdquo ] era
nome para ldquoralharrdquo42
29 Uns dizem ser por causa de certa criada Iambe [Iaacutembe ]43 de origem
traacutecia Ela quando Demeacuteter estava de luto pelo rapto de sua filha foi ateacute as redondezas de
34 Para a interpretaccedilatildeo de que a elegia haveria derivado do treno cf Harvey The Classification of Greek
Lyric Poetry The Classical Quarterly New Series Vol 5 No 34 (Jul - Out 1955) pp 157-175 35 O trinocircmio elegia eacutelegos elogio eacute a etimologia baacutesica que subjaz a essa exposiccedilatildeo da descoberta e do
desenvolvimento da espeacutecie Cf Estudo 332 paacuteg 90 a 94 36 Hoi metageneacutesteroi os poacutesteros ndash o texto mesmo pontua como etapa posterior ao uso primeiro do
diacutestico para o lamento fuacutenebre seu uso para diferentes argumentos hypotheacuteseis 37 Viveu por volta do seacuteculo VII a c e pelo que sabemos de sua poesia que nos chega fragmentada seria
de caraacuteter beacutelico e guerreiro recorrendo aos exemplos dos mitos que seratildeo posteriormente circunscritos ao
ciclo eacutepico (FERRANTE paacuteg 32) para exortar ao combate e agrave bela morte Portanto entendida a definiccedilatildeo da
elegia ao peacute da letra mesmo o mais velho elegiacuteaco natildeo a ilustra eacute de se supor portanto que ele mesmo jaacute ilustre
o uso do metro para ldquodiferentes argumentosrdquo o caraacuteter lamentoso e primordial do metro abarcaria por exemplo
a exortaccedilatildeo agrave morte na guerra uma vez que pressupotildee a situaccedilatildeo fuacutenebre independente dos poemas ou desse
tipo de poema suporem quando da sua composiccedilatildeo uma execuccedilatildeo primeira e um funeral ou funerais como
ocasiatildeo em performance especiacutefica uma vez que mesmo que nas situaccedilotildees em que um poema se destinasse agrave
uma performance especiacutefica sua execuccedilatildeo poderia se dar tambeacutem em um simpoacutesio posteriormente 38 Viveu entre o final do seacuteculo VII e o iniacutecio do seacuteculo VI a C seu lamento eacute de caraacuteter amoroso Foi
imitado pelos heleniacutesticos e a ele Galo e os demais elegiacuteacos romanos fazem remontar a elegia eroacutetica
tomando-o por seu descobridor 39 Poeta e gramaacutetico agrave maneira alexandrina mestre de Zenoacutedoto e Teoacutecrito seria tambeacutem reconhecido
pelos romanos o intermediaacuterio heleniacutestico da elegia eroacutetica no iniacutecio nos meandros do seacuteculo IV aC 40 Seacuteculo III aC foi disciacutepulo de Hermoacutecrates e Praxiacutefanes o peripateacuterico disciacutepulo de Teofrasto
Fundou uma escola de gramaacutetica em Alexandria seguindo os passo do mestre que se dedicara especificamente a
esse saber Compocircs sob a corte de Ptolomeu II o Filadelfo e Ptolomeu III o Eveacutergeta Foi o grande propagador
da poesia breve e cultista de base Heleniacutestica a quem se filiaraacute entre os romanos Catulo modelo dos elegiacuteacos
junto a Galo Cultivou aleacutem da elegia o epigrama o hino o epiacutelio e o iambo 41 Cf Estudo 333 paacuteg 94 42 Eacute impossiacutevel identificar a que dialeto o texto se referia uma vez que se o fizesse Foacutecio natildeo o anotou
Tanto Severyns (28 2 paacuteg 105) como Ferrante (28 paacuteg 33) remetem a Chantraine (La Formation des Noms en
Grec Ancien paacuteg 260) pontuando que de fato a formaccedilatildeo do nome em questatildeo eacute externa ao grupo indo-
eruropeu Talvez se a indefiniccedilatildeo do texto do epiacutetome partiu do texto do proacuteprio Proclo os proacuteprios antigos
percebessem a palavra como estrangeira sem poder identificar sua origem 43 A primeira e uma das poucas etimologias eponiacutemicas que ocorrem no epiacutetome O argumento baacutesico ndash
note-se ndash eacute etioloacutegico ie e funciona como outras explicaccedilotildees que apareceratildeo ao longo do cataacutelogo de
subespeacutecies meacutelicas haacute um marcante evento miacutetico ou histoacuterico que uma vez aceito eacute por si mesmo argumento
para a adoccedilatildeo de um costume e repeticcedilatildeo da forma Neste caso a accedilatildeo da criada de nome Iambe seria modelar do
que se faz com os iambos tanto que de seu nome derivaria o proacuteprio nome do metro Embora natildeo se possa
dizer que tambeacutem eponiacutemica a associaccedilatildeo do hexacircmetro a Femocircnoe (sect14) continha um argumento de base
etioloacutegica semelhante na medida em que localiza em um passado remoto um acontecimento que se fixa como
praacutetica Esse tipo de argumento seraacute amplamente usado na exposiccedilatildeo das subespeacutecies liacutericas na liacuterica sacra por
115
Elecircusis e apoacutes subir sobre a pedra hoje chamada ldquoSolenerdquo44 por meio de algumas zombarias
levou a deusa agrave gargalhada45
30 Parece que em tempo antigo poreacutem dizia-se o iambo para o que era composto
visando ao vitupeacuterio e ao enaltecimento igualmente Como alguns sobreabundaram o metro
nas maledicecircncias a partir daiacute o ldquoiambiacutezeinrdquo [ldquoiambizarrdquo ]46 por forccedila do haacutebito
acabou por ser ldquohybriacutezeinrdquo [ldquoimprecarrdquo ] bem como por causa dos ldquococircmicosrdquo
[komikoiacute ] ldquokomiacutezeinrdquo [ldquoridicularizarrdquo ]47
31 De iambos Arquiacuteloco de Paros eacute o melhor poeta seguido de Semocircnides de
Amorgos ndash de Samos segundo uns ndash e Hipocircnax de Eacutefeso dos quais o primeiro floresceu na
eacutepoca de Giges48 o segundo na de Amintas o macedocircnio49 por fim Hipocircnax durante o
periacuteodo de Dario50
32 Sobre a poesia meacutelica51 diz que eacute a mais diversificada e comporta diferentes
divisotildees
33 Parte dela encontra-se distribuiacuteda para deuses parte para homens parte para
deuses e homens e parte para as circunstacircncias acidentais
exemplo eacute usado na explicaccedilatildeo do nomo (sect44) entre as subespeacutecies sacras e seculares na explicaccedilatildeo da
dafneforia (sect70 ndash 73) das canccedilotildees tripodefoacutericas (sect80 ndash 86) das oscofoacutericas (sect89) etc 44 Chama a atenccedilatildeo o silecircncio de Pausacircnias (I 38 6 e I 39 I) a respeito da pedra Cf Severyns paacuteg 108
6 ndash as referecircncias tardias pontuadas pelo autor sugerem que se trate de um elemento proverbial e posterior que se
preencheu em um episoacutedio antigo e conhecido que remonta afinal ao Hino Homeacuterico a Demeacuteter (197 ndash 204)
em que tal criada aparece e de fato faz a deusa rir mas no palaacutecio do rei Celeo e sob seu senhorio em uma
versatildeo diferente da histoacuteria Referem-se agrave pedra Apolodoro (I 30) o Escoacutelio a Aristoacutefanes (Cavaleiros 785) e o
Suda ( 49 ADLER) 45 Severyns (paacuteg 107 ndash 109) fornece detalhadamente todas as referecircncias para essa versatildeo da histoacuteria
valendo menccedilatildeo a mesma passagem de Apolodoro que apresenta a histoacuteria semelhantemente e o Escoacutelio a
Hefestiatildeo (214 9 Consbruch) que apresenta a versatildeo homeacuterica 46 Cf Ferrante 32 ndash 33 n 28 para a etimologia a partir de ldquoiagraven baacutezeinrdquo ldquo rdquo ldquolanccedilar a vozrdquo
(Et Magn 463 29) bem como para a possibilidade a partir do homeacuterico iaacute ldquolanccedilas setasrdquo (Il 20 68) +
baacutezein ie ldquolanccedilar setasrdquo metaacutefora poeacutetica para imprecar (cf Catulo 116)47 O termo que de iniacutecio significava apenas integrar um koacutemos ie uma farra folia patuscada pacircndega
um cortejo festivo passa a designar no desenvolvimento da trageacutedia ldquocompor um coro cocircmicordquo e por
metoniacutemia satirizar detratar fazer de algo ou algueacutem objeto da criacutetica cocircmica Esse processo teria igualmente
ocorrido em relaccedilatildeo ao emprego abundante do iambo para a imprecaccedilatildeo de modo que o proacuteprio verbo
ldquoofenderrdquo ldquoinjuriarrdquo (hybriacutezein passa a ter o mesmo emprego que ofender sem implicar a
composiccedilatildeo de versos iacircmbicos Essa uacuteltima passagem natildeo eacute senatildeo uma ampliaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da primeira
etimologia apresentada que apenas endossa a opiniatildeo de Aristoacuteteles para a origem do iambo (Cf Estudo 333
paacuteg 94) 48 Arquiacuteloco teria vivido na primeira metade do seacuteculo VI aC Giges que eacute dado como referecircncia foi o
rei liacutedio de 689 a 653 aC Menciona-o fragmento 19 do poeta (Gerber) Sua poesia nos chega fragmentada e
faz menccedilatildeo de um eclipse que ocorreu em 6 de abril de 648 aC o que nos permite situar sua atividade poeacutetica
pelo menos ateacute essa deacutecada Sabemos que compocircs elegias tambeacutem mas eacute geralmente referido como o primeiro
poeta iacircmbico entre os gregos como se vecirc por exemplo na Ars de Horaacutecio (79) 49 Trata-se de Amintas I da Macedocircnia que teria vivido entre 540 e 498 aC o que colocaria Semocircnides
depois de Arquiacuteloco na segunda metade do seacuteculo VI aC Dele nos resta algo em torno de 40 fragmentos
dentre os quais o mais famosos seria o fragmento 6 (WEST) ldquoContra as Mulheresrdquo 50 Segundo esse testemunho Hipocircnax teria vivido aproximadamente entre 521 e 485 aC eacute considerado o
descobridor do coliambo 51 Sobre a divisatildeo cf Estudo 334 paacuteg 95
116
34 Aos deuses de um lado referem-se hino prosoacutedio peatilde ditirambo nomo
adoniacutedia iobaco hiporquema
35 Aos homens de outro encocircmios epiniacutecio escoacutelios eroacuteticas espitalacircmios
himeneus silos trenos e epiceacutedios
36 Aos deuses e homens partecircnias dafnefoacutericas tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas
pois essas eram escritas para deuses e compreendiam enaltecimentos de homens
37 A que se refere agraves circunstacircncias acidentais natildeo eacute uma espeacutecie da meacutelica mas eacute
atentada pelos proacuteprios poetas
38 Diz que o hino [hyacutemnos ]52 recebe seu nome pelo fato de ser algo
ldquohypoacutemononrdquo [ldquopersistenterdquo ]53 e por conduzir desse modo agrave mneacuteme [memoacuteria
] e agrave hypomneacutesis [rememoraccedilatildeo ] as accedilotildees dos hineados [hymnoucircmenoi
]54 ou tambeacutem pelo ldquohydeicircnrdquo [ldquonomearrdquo ] que eacute o mesmo que ldquodizerrdquo55
52 Do sacircnscrito syuman (ldquoligaccedilatildeordquo) Essa noccedilatildeo se confere no latim suo (coser) bem como em palavras
gregas com a noccedilatildeo geral de ldquourdidurardquo ldquotecidordquo ldquopelerdquo υμην (membrana) υφη (teia urdidura) υφαινω
(sinocircnimo do latim suo ie tecer) ndash Exemplos de Ferrante paacuteg 38 n 38 53 Essa hipoacutetese eacute verossiacutemil linguisticamente e nos eacute apresentada pelo Et Mag 777 2 dizendo apenas
que se trata de siacutencope υμνος derivaria de υπομονος palavra postulada e teoacuterica (uma vez que temos o verbo
ldquorestarrdquo e o substantivo deverbal ldquopersistecircnciardquo mas natildeo o adjetivo em questatildeo) por
apoacutecope e assimilaccedilatildeo υπομονος passaria a υμμονος e depois por simplificaccedilatildeo e siacutencope cairia o [o] de
μονος resultando υμνος (Ferrante idem) A etimologia antiga como se sabe pauta-se natildeo soacute na proximidade
das palavras mas tambeacutem em seu significado Essa etimologia teoacuterica contribui portanto para a noccedilatildeo cabal de
que na percepccedilatildeo antiga um hino o eacute porque ldquopersistenterdquo ie hino eacute algo que visa permanecer daiacute a
associaccedilatildeo direta e primeira entre hyacutemnos e hypoacutemonos a partir da qual na formulaccedilatildeo dessa etimologia se
parte para as demais associaccedilotildees paroniacutemicas 54 Tais formas se associariam morfoloacutegica e semanticamente (e daiacute etimologicamente) ao binocircmio
hyacutemnos - hypoacutemonos expandindo-o Dessa associaccedilatildeo baacutesica decorre que a espeacutecie poeacutetica recebe seu nome
porque opera com a mneacuteme a capacidade de retenccedilatildeo na memoacuteria e com a hypomneacutesis a capacidade de
rememorar o que foi armazenado em relaccedilatildeo agraves accedilotildees dos hineados Dessarte os demais termos ocorrem para
explicar a associaccedilatildeo primeira com uma palavra teoacuterica ie porque o hino eacute ldquopersistenterdquo Talvez devecircssemos
considerar o contraacuterio que a palavra teoacuterica se postula a fim de permitir a associaccedilatildeo com as outras que
explicariam o nome do gecircnero A se diz por causa de B que se diz em funccedilatildeo de C e D seguindo-se E Este
uacuteltimo termo explica o uacuteltimo elemento da exposiccedilatildeo do coacutedice em que os ldquohineadosrdquo (hymnoucircmenoi) satildeo
praticamente os ldquorelembradosrdquo
Esse eacute o esquema etimoloacutegico de dois outros textos semelhantes a esse passo do coacutedice de Foacutecio o
leacutexico de Oacuterion 155 22 (fundamental porque ele teria sido professor de Proclo) e Et Magnun 777 2 (que como
se sabe junto do Et Gudianum pauta-se no gramaacutetico Oacuterion em vaacuterios de seus verbetes) O cotejo completo
encontra-se em Severyns II 38 paacuteg 117 Ambas as referidas passagens (esta baseada naquela) atribuem a
etimologia a Diacutedimo e sua obra Acerca dos Poetas Liacutericos citados nominalmente nos dois textos 55 Apenas pelo lsquo rsquo o verbo em questatildeo viria agrave etimologia porque condensa as noccedilotildees anteriores e a antiga
funccedilatildeo religiosa subjacente agrave origem da espeacutecie em questatildeo o celebrar de um deus finalidade do hino
consistiria em relembrar ie trazer agrave tona seus feitos suas accedilotildees ( praacutexeis) manter a memoacuteria delas
Essa etimologia encontra-se nos leacutexicos antigos e provavelmente adveacutem dos autores heleniacutesticos uma vez que o
uso do verbo parece reintroduzido na liacutengua pelos poetas de tal periacuteodo cf Severyns idem paacuteg 119 Tanto no
Et Magnun como no Et Gudianum provavelmente contemplando o uso heleniacutestico aparece junto dos verbos
e como sinocircnimo primeiro de ldquo rdquo Para a derivaccedilatildeo antiga da palavra por exemplo o Et
Gud 539 56 ldquo
rdquo ndash ldquohyacutedein sinaliza o hyacutemnein surge a patir do verbo hymnocirc pela queda
do lsquonrsquo hymocirc e mudanccedila do lsquomrsquo para lsquodrsquo hyacutedo pelo recuo do acentordquo A associaccedilatildeo entre os dois verbos para a
qual tambeacutem se apresenta uma formaccedilatildeo teoacuterica nos leacutexicos posteriores ao texto do epiacutetome parece apontar de
qualquer modo dentro dessa classificaccedilatildeo de base gramatical para a necessidade de reforccedilar pelo emprego de
117
39 Chamavam hino em geral toda composiccedilatildeo aos que satildeo superiores56 por isso
aparecem contrapondo o prosoacutedio e as demais canccedilotildees mencionadas ao hino como a espeacutecie
ao gecircnero Assim dos que escrevem57 podem-se ouvir coisas como ldquohino de prosoacutediordquo ldquohino
de encocircmiordquo ldquohino de peatilderdquo e semelhantes58
40 O prosoacutedio [prosoacutedion ] era entoado quando se seguia em procissatildeo
[prosiacuteosi ] ao altar ou ao santuaacuterio e na procissatildeo [prosieacutenai ] era
cantado [eiacutedeto ]59 ao som do aulo O hino propriamente se cantava ao som da ciacutetara
uma vez que se estivesse parado60
um termo que tambeacutem eacute heleniacutestico a exposiccedilatildeo da espeacutecie como ldquodiegeacuteticardquo ou narrativa bem como
caracterizar a forma poeacutetica como celebraccedilatildeo de accedilotildees Em outras palavras aventa-se a possibilidade de que natildeo
eacute senatildeo pelas accedilotildees as praacutexeis anteriormente mencionadas que as duas explicaccedilotildees estatildeo aqui postas juntas
uma vez que nesta ocorrecircncia o verbo tenha as accedilotildees por objeto (hyacutedein autagraves) Eacute provaacutevel portanto que o
texto de Proclo as propunha contiguamente e natildeo opostamente jaacute que como mostrado por Severyns (paacuteg 120)
eacute tambeacutem por essa possibilidade que o texto do epiacutetome mencionaraacute outra disposiccedilatildeo para o hino em relaccedilatildeo agraves
outras espeacutecies dentro da classificaccedilatildeo geneacuterica a saber como gecircnero para as demais espeacutecies (infra n 58) 56 hyperoacutentas eacute correccedilatildeo de Severyns proposta a partir das referidas passagens de Oacuterion e do
Et Mag que trazem ldquo hypereacutekhontasrdquo sinocircnimo uma vez que o texto de Foacutecio traz
ldquo hypereacutetasrdquo (servo do deus) o que implicaria um contrassenso uma vez que o hino faz parte da
liacuterica sacra 57 A passagem parece ambiacutegua e aqui se pretendeu manter essa ambiguidade Natildeo eacute possiacutevel estabelecer
apenas pela passagem se tocircn graphocircnton designa aqueles que escrevem sobre hinos referindo-se a como outros
textos e classificaccedilotildees geneacutericas referem-se aos hinos e os nomeiam ou se isso parte daqueles que compuseram
tais hinos e portanto o referente do particiacutepio seriam os poetas A opccedilatildeo por ldquoescrevemrdquo e natildeo ldquocompotildeemrdquo na
traduccedilatildeo visa manter as duas possibilidades de leitura Das duas passagens semelhantes Oacuterion (155 22) e o Et
Magnun (777 2) apenas a primeira emprega o termo referindo-se aos que compotildeem com certeza e eacute por isso
mesmo que essa provavelmente seria a leitura correta Natildeo nos cabe emendar o texto poreacutem 58 Conforme as aludidas passagens de Oacuterion e do Etymologicum Magnum Diacutedimo distinguia entre duas
classificaccedilotildees Uma consideraria o hino particularmente como espeacutecie meacutelica sacra separada das demais
mencionadas no epiacutetome outra tomaria o temo de forma geneacuterica no sentido de que seu significado geral
abarcaria as demais formas sacras como espeacutecies Da exposiccedilatildeo anterior de fato se pode conjecturar que como
um hino eacute um louvor qualquer louvor poderia ser designado ldquohinordquo cantando-se as accedilotildees do ldquohineadordquo
inclusive referindo-se a homens e natildeo deuses A denominaccedilatildeo particular poreacutem a que Diacutedimo se filia
distinguia todas essas formas como espeacutecies pelo criteacuterio do destinataacuterio e por traccedilos circunstanciais
particulares apesar do mesmo testemunhar a generalizaccedilatildeo do termo que relacionava o hino a outras espeacutecies
liacutericas que empreendiam um elogio De acordo com Diacutedimo estaacute Amocircnio Sacoacuteforo (Diff Verb p 139
Valckenaer) quando diz que ldquoυμνος εγκωμιου διαφερει ο μεν γαρ υμνος εστι θεων το δε εγκωμιον ανθρωπωνrdquo (o hino difere do encocircmio o hino eacute proacuteprio dos deuses o encocircmio dos homens) tambeacutem se encontra passagem
similar no Etym Gud (540 42) ldquoο μεν υμνος επι θεου λεγεται το δε εγκωμιον επι ανθρωπουrdquo (o hino se diz a
um deus o encocircmio a um homem) A distinccedilatildeo jaacute ocorria na Repuacuteblica de Platatildeo (X 607a) quando absolvia do
ostracismo os ldquohinos aos deuses e os encocircmios ao virtuososrdquo A diferenciaccedilatildeo entre hino e as demais espeacutecies
sacras se daraacute logo em seguida no texto do epiacutetome quando se aborda a segunda delas no cataacutelogo de Proclo o
prosoacutedio (cf infra n 60) Cf igualmente Severyns paacuteg 119 em que organiza claramente as trecircs interpretaccedilotildees
de hino em relaccedilatildeo agraves demais formas poeacuteticas
Para a confusatildeo entre o hino e as formas encomiaacutesticas cf tambeacutem Harvey (1955) 59 Seria portanto combinando os trecircs termos arrolados na paroniacutemia explicativa da etimologia uma
ldquocanccedilatildeo em procissatildeordquo Aqui o que a etimologia faz eacute tatildeo somente explicar por outras palavras os termos do
composto que nomeia a espeacutecie a preposiccedilatildeo proacutes que daacute a noccedilatildeo de ldquoem direccedilatildeo ardquo que compotildee os verbos de
movimento que permitem designar o caminhar da procissatildeo (pros + ieacutenai) e o verbo ldquocantarrdquo (aiacutedo) donde o
ldquocantordquo ldquoa oderdquo ( oacuteide) 60 Aqui a distinccedilatildeo entre o hino como espeacutecie particular ndash o ldquohino propriamenterdquo ldquo rdquo ndash em
relaccedilatildeo agraves demais que remonta ateacute onde nos eacute possiacutevel saber a Diacutedimo Segundo o Et Magn 690 ldquoπροσωδια
παρα το προσιοντας ναοις η βωμοις προς αυλον αδειν ltαντιgt δια ltστελλεταιgt δε των υμνον οτι τους υμνους
προς κιθαραν εστωτες αδουσιν Ουτω Διδυμος εν τω περι λυρικων ποιητωνrdquo ndash ldquoos prosoacutedios foram assim
118
41 O peatilde [paiacutean ] eacute uma espeacutecie de canto nos nossos dias escrito para todos
os deuses mas em tempo antigo se dedicava propriamente a Apolo e a Aacutertemis sendo
cantado pela democcedilatildeo [katapauacutesei ] de pestes e moleacutestias61 Alguns chamam
peatildes por extensatildeo os prosoacutedios62
42 O ditirambo [dithyacuterambos ]63 eacute composto para Dioniso e denominado
a partir dele ou por Dioniso ter crescido sob o monte Nisa em uma caverna diacutethyros
chamados pois os que se aproximam dos templos ou altares cantam ao acompanhamento de aulo Opotildeem-se aos
hinos pois os cantam parados ao acompanhamento de ciacutetara Assim disse Diacutedimo no Acerca dos Poetas
Liacutericosrdquo
Sobre a forma hestoacuteton ( ) considerando que ocorre similarmente nos textos semelhantes
Severyns observou (124 6 citando o Etm Magnun 690 41) que sendo a espeacutecie executada por um coro pelo
menos em origem dificilmente o termo aqui se emprega ao peacute da letra O termo poderia ter o sentido de
estaacutesimo como na trageacutedia ou seja ldquouma paradardquo em relaccedilatildeo ao movimento geral pela orquestra mas com uma
coreografia o que significaria que o coro faria as evoluccedilotildees tiacutepicas da estrutura estroacutefica junto ao canto e agrave
composiccedilatildeo instrumental por oposiccedilatildeo aos meacutele hyporkheacutemata aqueles que possuiacuteam uma danccedila e aos meacutele
prosoacutedia esses opostos aos dois por ser em procissatildeo Contudo em se tratando de um genitivo absoluto o que
se tentou manter na traduccedilatildeo podemos aventar igualmente uma explicaccedilatildeo mais simples o termo estaacute a
continuar a oposiccedilatildeo entre o ldquohino em sentido proacutepriordquo o hyacuterios hyacutemnos e o prosoacutedio significando que aquele
se iniciava apoacutes este ou seja apoacutes o teacutermino da procissatildeo ldquouma vez que se estivesse paradordquo Note-se que uma
possibilidade natildeo nega a outra e ambas me parecem presentes porque isso inclusive explicaria primeiro os
hyporkheacutemata em particular como espeacutecie (seguindo o raciociacutenio do cataacutelogo) assim como em segundo a
ausecircncia de explicaccedilatildeo para estes no epiacutetome (cf n 77) 61 A etimologia se constitui pela proximidade do nome da canccedilatildeo com o termo ldquocessaccedilatildeo democcedilatildeordquo
( katapapaucircsis) e aqui a classificaccedilatildeo da espeacutecie se faz em prol da etiologia antiga Busca-se um
termo que lhe seja proacuteximo do ponto de vista do significante mas tambeacutem do significado Assim os leacutexicos (Et
Mag 657 2) traratildeo uma derivaccedilatildeo teoacuterica e dentre eles o Et Gudianum (446 50) daraacute como fonte Diacutedimo
Vale nota que o Et Magnum e o escoacutelio a Platatildeo (Banquete 177a) datildeo amostra da preocupaccedilatildeo terminoloacutegica
que perfaz a classificaccedilatildeo do epiacutetome pois embora ambos consoem com Proclo e este segundo empregue
praticamente a mesma formulaccedilatildeo do epiacutetome (ldquo rdquo)
ambos empregam o termo hyacutemnos propondo o peatilde como um tipo de hino evidenciando que o uso de ldquohinordquo
como gecircnero para espeacutecies era corrente na tratadiacutestica
Derivaria de παιω tambeacutem (cf lat pauio pauimentum) ldquobater percutirrdquo (cf Dioniacutesio Traacutecio) mas pela
mesma razatildeo etioloacutegica acima explicada pois Apolo batendo com seu bastatildeo demoveria os males Haveria
tambeacutem a derivaccedilatildeo do nome pela expressatildeo caracteriacutestica que se dizia ao longo do canto ldquo rdquo (cf
Ateneu XV 696d ndash 697b) Em tempos poacutes-homeacutericos o termo foi confundido com Peatildeo deus da medicina (cf
Ferrante paacuteg 43 n41) evidentemente associado a Apolo e jaacute Aacutertemis sua irmatilde era tambeacutem destinataacuteria do
canto como testemunha o epiacutetome Entatildeo o canto seria ou uma suacuteplica pela liberaccedilatildeo como testemunha Homero
no canto I da Iliacuteada (472 ndash 4) ou um agradecimento ao deus por ela Daiacute que como ldquoaccedilatildeo de graccedilardquo ndash termo que
Severyns ndash penso ndash emprega sem erro o peatilde passou a servir de agradecimento a diferentes deuses e por
diferentes accedilotildees A Vida de Soacutefocles (III) conta-nos que o tragedioacutegrafo teria se destacado ainda jovem por
conta de um peatilde em agradecimento pela vitoacuteria em Salamina Parece que natildeo muito mais tarde (embora seja
impossiacutevel precisar se a praacutetica jaacute era corrente mesmo anteriormente) peatildes passaram a se compor para homens
Ateneu (supra) arrola diferentes exemplos de peatildes para mortais dos quais merece destaque o referido por
Plutarco na Vida de Lisandro (18) o general espartano ndash Cf Severyns (127 3) 62 Tanto Severyns (41 7 paacuteg 129) como Ferrante (41 paacuteg 45) a julgar pela diferenciaccedilatildeo inferem que a
confusatildeo se dava porque antes do canto de um peatilde propriamente haveria uma procissatildeo ao templo do deus a
que se agradeceria o que se faria ao som de um prosoacutedio propriamente e este poderia ser designado pelo
criteacuterio apenas da finalidade da ocasiatildeo um peatilde ignorando-se os elementos formais explicitados Ambos autores
tambeacutem datildeo como referecircncia para o estudo e a bibliografia a respeito do peatilde A Fairbanks A study of the greek
paean New York 1900 L Deubner Neue Jahrbuumlrch 1919 p 585 L Delatte in Antiquiteacute classique 7 (1938)
p 23 ndash 29 Sobre o a confusatildeo entre os gecircneros sacros e a impossibilidade de estabelecer o que consistia cada
um Harvey (op cit1955) 63 Segundo alguns o termo eacute de origem liacutedia mas a etimologia eacute incerta Διθυραμβος era uma outra
designaccedilatildeo de Dioniso e mais tarde tornou-se o nome do canto em honra ao deus o que seria embora isso talvez
119
[bifurcada ]64 ou por ter sido encontrado quando se abriram as rhaacutemmata [suturas
] de Zeus65 ou porque nasceu ndash ao que parece ndash duas vezes [diacutes ] a primeira de
Secircmele e a segunda da coxa66
43 Piacutendaro diz que o 67ditirambo foi descoberto em Corinto e Aristoacuteteles fala que o
inaugurador desse canto eacute Aacuterio quem primeiro conduziu um coro em ciacuterculo68
44 Jaacute o nomo [ ] era composto para Apolo que por sua vez tem seu epiacuteteto
derivado dele69 de fato Apolo eacute ldquoNocircmimosrdquo [ ]70 ndash foi chamado ldquoNocircmimosrdquo
porque estando os antigos a dispor o coro e cantar o nomo ao som da lira ou do aulo
Crisocirctemis o cretense vestindo pela primeira vez uma exuberante estola e sacando uma ciacutetara
por imitaccedilatildeo de Apolo cantou sozinho [monos ]71 um nomo Como ele foi aclamado a
maneira do concurso permanece
45 Ao que tudo indica primeiro Terpandro aperfeiccediloou o nomo empregando o metro
heroico Depois natildeo foi com pouco que contribuiu Aacuterio de Metimna ele mesmo sendo poeta e
fosse desconhecido dos antigos um epocircnimo Para diferentes possibilidades etimoloacutegicas associadas a aspectos
do culto de Dioniso a partir do grego e de outras liacutenguas cf Ferrante (42 paacuteg 45 ndash 46) 64 De δις + θυρα cf lat fores (com duas portas) cf Herodiano (II 492 28 Lentz) apud Ferrante (op cit
idem) e Piacutendaro (fr 76 BOWRA) A mesma etimologia ocorre no Et Magnum (274 44) e no Escoacutelio a
Apolocircnio de Rodes (IV 1131 Wendel) 65 O simples segmento focircnico [-ram-] - seria suficiente para se fazer a associaccedilatildeo a outro episoacutedio
conhecido sobre a mitologia em torno de Dioniacuteso a saber sua segunda gestaccedilatildeo na coxa de Zeus gerando a
associaccedilatildeo entre dithyacuterambos e a locuccedilatildeo ldquolugravethi rhammardquo ( ) frase com que Zeus teria consumado o
nascimento definitivo de seu filho cujo significado seria ldquosoltem-se as suturasrdquo Essa etimologia encontra-se
tambeacutem no Et Magn (274 50) e era ao que tudo indica poeacutetica remontando a Piacutendaro (fr 75 BOWRA) 66 O uacuteltimo elemento associado ao numeral dois ldquoduas vezesrdquo ndash [dis] - - eacute uma etimologia meramente
semacircntica e tambeacutem associada a um segmento focircnico A rigor essa etimologia eacute a melhor demonstraccedilatildeo do aqui
se denomina uma etimologia etioloacutegica porque na verdade eacute a somatoacuteria de partes da palavra cada uma
remetendo a outra palavra que por sua vez representa um elemento do mito de nascimento do deus compondo
seu significado geral e a origem de um nome que entre os gregos mesmos era de origem incerta As diferentes
partes dessa etimologia em que cada associaccedilatildeo contribui para a inserccedilatildeo do mito no significado da palavra
aparecem aleacutem do Et Magn (274 44) no Et Gud (146 24 e 43) de modo que neste se observa a mesma
associaccedilatildeo entre ldquoduas viasrdquo e ldquodois nascimentosrdquo ndash cf Severyns 42 8 paacuteg 132 67 Cf Ferrante (43 paacuteg 46) Piacutendaro Ol 13 25 68 Aristoacuteteles Pol VIII 7 1342 b 7 Para Aacuterio c 625 aC cf Heroacutedoto (I 23 ndash 24) 69 A melhor explicaccedilatildeo para tal passagem eacute de Severyns (op cit 44 1 paacuteg 137) buscando brevidade
didaacutetica na exposiccedilatildeo Foacutecio teria pecado no estilo produzindo a ambiguidade da passagem que na sua
literalidade daacute a entender primeiro que Apolo herdou seu epiacuteteto do canto Como Severyns observa a passagem
sequer faria sentido caso se pensasse que Foacutecio a entendeu dessa maneira 70 Severyns (idem 2) e Ferrante (n 44 paacuteg 48) concordam que noacutemimos seria a variaccedilatildeo adotada por
Foacutecio mas para fins etimoloacutegicos Proclo provavelmente empregava a forma noacutemios constante na recorrecircncia
dessa etimologia O epiacuteteto de Apolo poderia tanto ser cognato de ldquoneacutemo pastorearrdquo significando
ldquopastorilrdquo como de ldquonoacutemos leirdquo significando algo como ldquoprovedor de leisrdquo ndash Severyns (44 4 paacuteg 139) 71 Aventa-se aqui a possibilidade de que como em sect65 em que Foacutecio expotildee a etimologia que prefere em
funccedilatildeo do lsquomrsquo de moacutenos Foacutecio esteja explicando seu emprego natildeo em vatildeo e natildeo meramente estiliacutestico de
noacutemimos em vez de noacutemios que devia constar no texto de Proclo Essa hipoacutetese seria consoante agrave confusatildeo que
ocorre no iniacutecio do trecho de modo que aqui Foacutecio estaria nos informando que haveria uma confusatildeo entre o
epiacuteteto do deus e o nome da subespeacutecie nome que sofreria uma sutil modificaccedilatildeo em funccedilatildeo do evento
estabelecedor da praacutetica performaacutetica que passa a caracterizaacute-lo Assim teriacuteamos duas etimologias combinadas
uma claramente epocircnima outra uma variaccedilatildeo etioloacutegica
120
citaredo 46 Friacutenis de Mitilene inovou-o juntou o hexacircmetro ao verso livre e utilizou mais de
sete cordas 47 Posteriormente Timoacuteteo levou-o a seu arranjo atual72
48 O ditirambo eacute movimentado junto agrave danccedila uma manifestaccedilatildeo de entusiasmo em
alto grau elaborado para as paixotildees muito proacuteprias do deus eacute agitado quanto ao ritmo e
emprega de forma mais simples as palavras 49 O nomo pelo contraacuterio por causa do deus
distende-se de forma ordenada e magnificente distende-se no ritmo e emprega as palavras
compostas73
50 Natildeo diferentemente cada um tambeacutem emprega as escalas proacuteprias pois o primeiro
afina-se ao friacutegio e ao hipofriacutegio e o nomo ao sistema liacutedio dos citaredos74
51 Ao que parece o ditirambo foi descoberto a partir da brincadeira das crianccedilas
pelos campos e da animaccedilatildeo entre os eacutebrios O nomo por sua vez parece decorrer do peatilde ndash
este eacute mais comum sendo escrito para a deprecaccedilatildeo de males aquele propriamente para
Apolo ndash por isso natildeo tem o entusiasmo como o ditirambo
52 Laacute enfim bebedeiras e brincadeiras aqui suacuteplicas e muita ordem pois que o
proacuteprio deus na ordenaccedilatildeo e em um arranjo contido daacute voltas no compasso
53 Adoniacutedias se dizem as canccedilotildees que se referem a Adocircnis75
54 Cantava-se o iobaco imerso em frecircmitos nos festivais e sacrifiacutecios a Dioniso76
72 Aqui se forneceria conforme o modelo padratildeo uma histoacuteria do nomo a partir de sua invenccedilatildeo
passando por seus desenvolvimentos Para as conjecturas histoacutericas sobre a evoluccedilatildeo formal do nomo Severyns
op cit II 140 a 150 Ferrante op cit paacuteg 48 traz uma breve exposiccedilatildeo sobre as partes do nomo e da paacuteg 50
a 51 a biografia de cada um dos poetas referidos 73 Empreende-se uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas gerais dessas composiccedilotildees de acordo com o
deus a que se destinava cada uma Agrave paixatildeo proacutepria de Dioniacutesio e do entusiasmo caracteriacutestico de seu culto
acomodar-se-ia um estilo mais baixo empregando palavras simples aqui entendidas no sentido da elocuccedilatildeo
propriamente enquanto por outro lado combinando com o ritmo do nomo que ao inveacutes de se agitar em prol da
danccedila dos entusiasmados buscava prolongar-se pausadamente as palavras seriam mais belas visando ao ornato
da elocuccedilatildeo portanto compostas 74 Igualmente a cada um dos referidos ritmos melhor caberiam diferentes escalas musicais Para
interpretaccedilotildees divergentes da passagem e a possiacutevel discordacircncia em relaccedilatildeo a uma interpretaccedilatildeo peripateacutetica
Cf Severyns paacuteg 160 ndash 163 75 Adocircnis era divindade de origem siacuteria e feniacutecia (Ferrante 53 paacuteg 57) O pouco que se pode saber sobre
essa espeacutecie eacute que talvez fosse um treno ritual em que as mulheres lamentavam imitando Afrodite a morte do
belo jovem O termo que nomeia a canccedilatildeo epocircnima ocorre poucas vezes na liacutengua em Aristoacutefanes (Lisistrata
389) ocorre na forma adoniasmoacutes O Et Mag explica a forma como ldquoo treno por Adocircnisrdquo A peccedila
de Aristoacutefanes ainda ilustra expressotildees que provavelmente eram tiacutepicas desse canto (393 e 396) ldquo rdquo
(ldquoAi Adocircnisrdquo) e ldquo rdquo (ldquobatei no peito lsquoAdonisrsquordquo) Tambeacutem havia um peacute meacutetrico chamado
adocircnio 76 Como em uma das etimologias possiacuteveis para o peatilde o nome eacute composto da interjeiccedilatildeo de juacutebilo ldquoioacuterdquo
mais um dos nomes do deus Baacutekkhos cf Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (450 15) Cf severyns (54 paacuteg 171) em
Atenas representaccedilotildees do seacutequito de Dioniso chamavam-se Ioacutebakkhoi e Iobakkheicirca era o nome de uma festa
puacuteblica em honra do deus A expressatildeo ldquoimerso em muito frecircmitordquo sugere uma celebraccedilatildeo de caraacuteter semelhante
a do ditirambo
121
55 Hiporquema [hypoacuterkhema ]77 chamava-se a canccedilatildeo cantada junto agrave
danccedila [oacuterkhesis ]78 de fato os antigos frequentemente empregavam a preposiccedilatildeo
hypoacute [ ] no lugar de metaacute [ ]79
56 Quanto aos descobridores alguns dizem ter sido os curetas80 outros Pirro [Pyrros
] filho de Aquiles donde tambeacutem dizem piacuterrica [purrikheacute ] uma espeacutecie
de danccedila81
56a [paraacutegrafo pertinente ao encocircmio falta nos manuscritos]82
57 Jaacute o epiniacutecio escrevia-se pelo momento mesmo da vitoacuteria aos primeiros nas
competiccedilotildees83
77 Segundo Ferrante (55 paacuteg 58) seriam composiccedilotildees em versos creacuteticos ou peocircnicos Opotildee-se agraves demais
espeacutecies sacras porque era composta com uma danccedila em especiacutefico e natildeo evoluccedilotildees do coro Seria um canto de
origem cretense originariamente dedicado a Apolo mas depois a Dioniso e Atena ateacute que jaacute na eacutepoca de
Piacutendaro secularizou-se 78 A julgar pelo fato do resumo de Foacutecio mencionar mesmo que sucintamente as consideraccedilotildees do texto
original que explicavam a classificaccedilatildeo dessas espeacutecies sacras eacute de supor que o proacuteprio texto acessado natildeo trazia
muitas outras consideraccedilotildees sobre essa espeacutecie uma vez que um criteacuterio que as definisse como tal jaacute fora
discutido e estava subentendido no restante da exposiccedilatildeo da liacuterica sacra O nome por si soacute eacute autoexplicativo
ainda mais apoacutes a discussatildeo na exposiccedilatildeo do prosoacutedio particularizando o hino 79 Cf Ferrante (55 paacuteg 59) que arrola por exemplo O Escoacutelio a Piacutendaro (Ol VI 73b) e a Homero
(XVIII 492) como testemunhos arcaicos do uso de uma preposiccedilatildeo no lugar da outra O nome da espeacutecie seria
portanto algo como ldquodanccedilanterdquo (ldquocom danccedilardquo) Para as demais etimologias antigas cf Severyns (56 paacuteg 174 ndash
178) 80 Seriam sacerdotes do culto a Rea influentes em Creta Cf Ferrante (56 paacuteg 59) 81 Epiacuteteto de Neoptoacutelemo 82 Cf Harvey (1955) para ponderaccedilotildees sobre o encocircmio em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies principalmente em
relaccedilatildeo aos hinos Segundo a definiccedilatildeo de Heliodoro apud Ferrante (paacuteg 61) ldquoeacute a composiccedilatildeo poeacutetica que
compreende o enaltecimento de homens e cidadesrdquo mas morfoloacutegica e etimologicamente tambeacutem significava
fazer parte de um koacutemos mas em uma solenidade festiva ndash cf Piacutendaro Nemeias 8 50 Portanto poderia se
confundir com o epiniacutecio e em ambiente simposial ao escoacutelio mas se diferenciaria desse por ser coral 83 Fosse literalmente ie com valor temporal ldquono momento da vitoacuteriardquo fosse em sentido causal ldquopor
causa da vitoacuteriardquo
Severyns (57 paacuteg 181) defende que a liccedilatildeo talvez fosse epigrave autograven tograven kairograven porque aiacute ocorreria uma
etimologia que diz ldquoaludidardquo por oposiccedilatildeo ao encocircmio o epiniacutecio era obrigatoriamente no momento da vitoacuteria
em uma competiccedilatildeo atleacutetica supondo a celebraccedilatildeo do homem na proacutepria ocasiatildeo pairando a sugestatildeo de que
esse criteacuterio definiria o epiniacutecio em ldquoparticularrdquo semelhantemente agrave distinccedilatildeo entre hino em ldquoparticularrdquo jaacute
observada em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies sacras Em resumo o epiniacutecio em particular ou propriamente por
oposiccedilatildeo ao encocircmio que tambeacutem eacute um elogio seria apenas o que se cantava na ocasiatildeo performaacutetica especiacutefica
da vitoacuteria do atleta A proposta de Severyns natildeo me parece necessaacuteria para certas composiccedilotildees de fato talvez o
uacutenico criteacuterio realmente distintivo fosse uma ocasiatildeo performaacutetica apenas aludida e pressuposta o que na
praacutetica inevitavelmente se dava com certa flutuaccedilatildeo por um lado um epiniacutecio poderia ser executado mesmo
que posteriormente em um simpoacutesio e nesse caso a ocasiatildeo performaacutetica original seria pressuposta de
qualquer maneira o que o originou fora uma vitoacuteria atleacutetica A ocasiatildeo original por outro lado como se lecirc nos
epiniacutecios pindaacutericos talvez natildeo fosse o proacuteprio local da competiccedilatildeo mas uma cerimocircnia ciacutevica (com um koacutemos)
na paacutetria do atleta Natildeo parece necessaacuterio julgar com tanto rigor a classificaccedilatildeo dos antigos porque natildeo nos eacute
possiacutevel estabelecer quando exatamente se dava a cerimocircnia ciacutevica de celebraccedilatildeo do atleta e ao que tudo indica
havia uma flutuaccedilatildeo A emenda natildeo se faz necessaacuteria a rigor a motivaccedilatildeo do canto em uacuteltima instacircncia seria a
vitoacuteria atleacutetica e sempre se referiria a essa ocasiatildeo ou seja mesmo que por referecircncia estaria sempre
circunscrita a um ldquotempo especiacuteficordquo ndash o mesmo criteacuterio seraacute empregado para distinguir epiceacutedio de treno (sect67)
poreacutem explicitamente O encocircmio talvez natildeo se prendesse a uma motivaccedilatildeo especiacutefica mas natildeo nos resta
hipoacutetese para o que o definiria ldquoem particularrdquo
122
58 O escoacutelio [torto tortuoso skoacutelion ] era uma canccedilatildeo cantada entre os
convivas Por isso agraves vezes tambeacutem a chamam ldquocanccedilatildeo de beberrdquo Eacute despojado na preparaccedilatildeo
e muitiacutessimo simples84
59 ldquoEscoacuteliordquo eacute dito natildeo por antiacutefrase como julgam alguns o que se diz por antiacutefrase
em geral visa ao eufemismo e natildeo se muda o eufecircmico em maldizer85 60 Eacute poreacutem pelo
fato de que estando os sentidos enfim arrebatados e os ouvintes folgados por conta do vinho
bem nesse instante se introduzia o baacuterbito86 nos simpoacutesios e cada um continuando a
festividade combalia-se instavelmente no proferimento do canto Por causa disso que eles
proacuteprios sofriam em funccedilatildeo da bebedeira voltando-o para a canccedilatildeo chamavam-na tatildeo
simplesmente ldquoescoacuteliordquo [canccedilatildeo ldquotortardquo]87
61 As eroacuteticas [eroticaacute ] evidentemente cantam circunstacircncias de amores
[eroticagraves peristaacuteseis ] por mulheres meninos e moccedilas88
62 E as epitalacircmias [epithalaacutemia ]89 cantam-nas aos receacutem-casados
simultaneamente os rapazes e as moccedilas90 em direccedilatildeo [epiacute ] ao quarto nupcial[thaacutelamoi
]
84 Para as demais etimologias antigas e a hipoacutetese de que a etimologia por antiacutefrase fosse de Diacutedimo
Severyns (58 paacuteg 182 ndash 189) A etimologia proposta por Proclo associa o termo diretamente agrave ocasiatildeo e ao que
ocorre nela de modo a determinar o tipo de canto a canccedilatildeo seria tortuosa por causa da bebida seria portanto a
ldquocanccedilatildeo de beberrdquo por excelecircncia porque se cantava bebendo Essa etimologia supotildee que skoacutelion viria por
baritonaccedilatildeo do adjetivo skolioacutes a on (subentendendo-se melos) que significa ldquotortuosordquo e por isso tambeacutem
ldquodifiacutecilrdquo A etimologia opta pelo primeiro significado em vez do segundo ou seja o nome viria do significado
primeiro e literal da palavra 85 A etimologia por antiacutefrase ndash ldquodizer o contraacuteriordquo ndash seria dizer ldquodifiacutecilrdquo a canccedilatildeo porque na verdade eacute
simples e faacutecil uma vez que se daacute em meio agrave bebedeira dificultando a elaboraccedilatildeo Mas a antiacutefrase se daacute por
eufemismo ie para evitar o maldizer e natildeo o contraacuterio o que acabaria ocorrendo se essa hipoacutetese fosse
verdadeira supostamente porque para o autor da Crestomatia chamar difiacutecil o faacutecil natildeo seria eufecircmico mas
depreciativo 86 Lira grande de nove cordas 87 A canccedilatildeo eacute duplamente tortuosa o efeito tortuoso da bebida presente no canto dos eacutebrios se reflete na
consecuccedilatildeo do canto conforme os convivas se sucedem entoando-o desorganizada ou tortuosamente ie sem
uma sequecircncia predeterminada e linear 88 O nome eacute autoexplicativo Aqui provavelmente se agrupavam os poemas de Safo Anacreonte e Alceu
que tambeacutem satildeo dados como poetas de escoacutelios Essa pequena seccedilatildeo da Crestomatia provavelmente eacute a que
tratava das espeacutecies que nos satildeo legadas tendo como ocasiatildeo performaacutetica baacutesica o simpoacutesio 89 Outra etimologia autoexplicativa que se definia pela ocasiatildeo mais especificamente aqui diferencia esta
espeacutecie da seguinte por conta de sua finalidade e da ocasiatildeo pontual em que era cantada Segundo Severyns (62
191 ndash 194) tanto epithalaacutemios como hymeacutenaios poderiam designar as canccedilotildees de mateacuteria nupcial sendo a
primeira arcaica e poeacutetica e a segunda posterior heleniacutestica teoacuterica cunhada pelos gramaacuteticos De fato eacute o que
demonstra com as ocorrecircncias de ambas as designaccedilotildees esta segunda em Ateneu (I 5e) por exemplo
referindo-se (a) ao canto executado no banquete nupcial junto aos pais da noiva ou quando (b) ela era levada
pelo cortejo de amigos junto ao esposo da casa de seus pais agrave casa dele (Homero Il XVIII 491 seq e Hesiacuteodo
Escudo 272 seq) ou quando (Teoacutecrito XVIII 8 etc) o casal (c) se retira ao cocircmodo nupcial guardado por uma
espeacutecie de porteiro ou guardiatildeo o thyroroacutes jaacute aquela primeira classificando as mesmas coisas em
textos de base gramatical como Amocircnio Sacoacuteforo (junto de diversos sinocircnimos como gameacutelios e
variantes) ou o Escoacutelio a Teoacutecrito (XVIII) etc referindo-se ao terceiro significado (c) de himeneu ou cobrindo
todos seus significados como sinocircnimo direto de hymeacutenaios (Et Magn 776 46) ou designando uma
composiccedilatildeo natildeo liacuterica mas com o mesmo valor da primeira noccedilatildeo (a) de himeneu agraves vezes em diacutestico elegiacuteaco
123
63 Diz que o himeneu cantava-se nos casamentos em conformidade ao sofrimento e agrave
procura por Himeneu filho de Terpsiacutecore91 o qual dizem ter se tornado invisiacutevel apoacutes casar-
se
64 Outros em honra de Himeneu de Atenas pois ele ndash diz ndashapoacutes perseguir resgatou
de bandidos moccedilas atenienses92
65 Eu penso que era uma exultaccedilatildeo prenunciando uma vida afortunada e que
rezavam junto aos cocircnjuges pela comunhatildeo de um matrimocircnio com ternura entretecendo a
prece com dialeto eoacutelio de modo a sempre hymenaiacuteein [coabitarem ] e
homonoeicircn [concordarem ] os que vatildeo morar sob o mesmo teto93
66 O silo94 conteacutem a ralhaccedilatildeo e o menoscabo de homens comedidamente95
(Luciano Banquete 29 40 etc) ou referindo-se a uma composiccedilatildeo em prosa ie um discurso equivalente ao
primeiro tipo (a) de himeneu
Parece acertada a conclusatildeo do autor de que como se observa para outras espeacutecies da liacuterica secular em
que se cunha posteriormente uma nomenclatura a fim de diferenciaacute-la de outras formas poeacuteticas congecircneres
designadas a princiacutepio por um mesmo nome geral ldquohimeneurdquo como designaccedilatildeo mais antiga seria o nome para
qualquer ode nupcial qualquer canto referente aacutes nuacutepcias entoado mesmo que em meio ao simpoacutesio enquanto o
termo ldquoepitalacircmiordquo passaria a designar em uma tentativa mais teacutecnica de classificaccedilatildeo (gramatical) uma
circunstacircncia especiacutefica em que se realizava um canto liacuterico nupcial a ida ao leito ou taacutelamo 90 Conforme demonstra Severyns (62 4 paacuteg 193) parece que a princiacutepio esse coro se compunha apenas
de moccedilas mas Proclo deve atestar a praacutetica posterior de incluir tambeacutem rapazes Piacutendaro (Piacuteticas III 18) e
Teoacutecrito (XVIII 2 e 22) a testariam o primeiro caso Eacutesquilo (fr 43 Nauck) o segundo Sobre o uso de
discursos nas mesmas ocasiotildees Dioniacutesio de Halicarnasso (Ret IV I 266 22) emprega a mesma distinccedilatildeo de
espeacutecies levando Severyns agrave pertinente observaccedilatildeo de que ela fosse alexandrina 91 Confere para as divergecircncias em relaccedilatildeo agrave matildee do jovem Himeneu Severyns (63 3 126 ndash 197) 92 Ambas as etimologias propostas por Proclo para o nome da espeacutecie compotildeem epocircnimos etioloacutegicos
para os quais a interpretaccedilatildeo de Severyns (63 5 198) parece acertada Para a primeira Proclo estaria
interpretando pela referecircncia miacutetica a expressatildeo formular desse tipo de canto ldquo Hymegraven ocirc
Hymeacutenaierdquo focando-se no segundo termo como mito etioloacutegico do canto associado pelo que se subentende agrave
perda do hiacutemem (Cf Severyns 65 2 paacuteg 200 para outras etimologias linguiacutesticas dos antigos) A segunda
etiologia eacute associada a outra personagem e segundo o autor seria de base heleniacutestica teoricamente em funccedilatildeo
do quanto subentende de referecircncias e contecircm de amplificaccedilatildeo episoacutedica em relaccedilatildeo a outras fontes (cf 64 paacuteg
198 ndash 200) Supotildee a praacutetica do casamento natildeo concedido por parte de piratas e raptores um casamento ilegal
para a poacutelis portanto Como o referido heroacutei aacutetico teria impedido tal praacutetica iniciara-se a pratica de celebraacute-lo
junto ao casamento consentido e legal 93 Nessa curiosa passagem Foacutecio daacute sua opiniatildeo teria considerado as etimologias de Proclo por demais
pagatildes Natildeo se pode dizecirc-lo mas talvez tenha considerado muito obtusas as ilaccedilotildees feitas uma vez que pelas
constantes expressotildees ldquouns outrosrdquo ao longo do resumo natildeo haacute por que duvidar de que nos forneccedila por
completo as etimologias com que Proclo operava 94 Palavra que significa ldquomordazrdquo ldquosarcaacutesticordquo mas que tambeacutem seria ldquovesgordquo Para as etimologias que
natildeo constam no epiacutetome porque provavelmente jaacute assume o nome do canto pelo teor satiacuterico como se vecirc na
definiccedilatildeo cf Ferrante (paacuteg 72) 95 Teriam sido compostos por Timatildeo de Flio filoacutesofo ceacutetico do periacuteodo heleniacutestico e eram basicamente
hexacircmetros paroacutedicos ridicularizando de maneira branda outros filoacutesofos Pelo mesmo nome se designavam os
escritos de Xenoacutefanes de Colofatildeo anterior a Timatildeo em aproximadamente um seacuteculo Por extensatildeo hexacircmetros
que parodiassem Homero tambeacutem deviam ser considerados siacutelos (Ferrante paacuteg 72) Segundo Dioacutegenes Laeacutercio
(IX 109 apud Ferrante) agrave eacutepoca de Tibeacuterio o gramaacutetico Apolocircnide de Niceacuteia teria composto uma ldquoMemoacuteria
dos Silosrdquo em cujo livro primeiro se contava a vida de Timatildeo e se estudava sua poesia Autores modernos
(Smyth apud Severyns paacuteg 68) questionam a classificaccedilatildeo do silo como poesia liacuterica e coral por ser
hexameacutetrico Ferrante (idem) a partir de Heliodoro (451 23 apud Severyns) aventa a possibilidade de se
considerar o silo uma subespeacutecie do iambo pelo emprego de loidoriacutean em sua definiccedilatildeo mas parece ignorar
tambeacutem o metro bem como o fato de Proclo usou a palavra na definiccedilatildeo do iambo provaacutevel razatildeo pela qual natildeo
124
67 O treno difere do epiceacutedio [epikeacutedion] porque o epiceacutedio se diz a partir do proacuteprio
kecircdos [luto funeral ] com o corpo ainda jazendo exposto enquanto o treno natildeo se
circunscreve a um periacuteodo de tempo96
68 As chamadas partecircnias [partheacutenia ] eram escritas para coros de moccedilas
[partheniai ]
69 A elas as dafnefoacutericas [ldquoporta-lourosrdquo daphneforicaacute ] pertencem
como a um gecircnero97 a cada nove anos na Beoacutecia os sacerdotes portando [komiacutezontes
] louros [daacutephnai ] aos templos de Apolo louvavam-no com um coro de
moccedilas98
70 Sua origem os muitos eoacutelios que habitavam Arne e as terras da regiatildeo de laacute
migrando de acordo com um oraacuteculo e que sitiando deram iniacutecio ao saque de Tebas antes
ocupada pelos pelasgos99
71 Em advindo um festival de Apolo comum a ambos estabeleceram armistiacutecio e
enquanto uns agrave margem do Heacutelicon cortavam louros outros agrave margem do rio Melas os
ofertavam a Apolo
72 Entatildeo Polematas comandante dos beoacutecios sonhou que via um jovem entregar-lhe
a armadura e ordenar-lhe fazer votos de a cada nove anos levar louros a Apolo
73 Depois de trecircs dias investindo sobrepujou os inimigos e ele proacuteprio entatildeo
executaria uma dafnefoacuteria [dafneforiacutea ] A partir daiacute se preserva o costume
74 A dafnefoacuteria cingem um galho de oliveira com louros e flores coloridas na ponta
se acopla uma esfera de bronze e dela pendem menores No meio do galho dispondo em
ciacuterculo dependuram uma menor que a da ponta e guirlandas roxas A parte final do galho
envolvem com um manto cor de accedilafratildeo
a empregaria aqui Para a associaccedilatildeo excessiva de Proclo com Diacutedimo neste passo e outros autores anteriores a
Proclo que classificam o silo entre as espeacutecies liacutericas cf Severyns (paacuteg 205) 96 Para as partes do sepultamente entre os gregos e o kecircdos como funeral cf Severyns (67 2 paacuteg 207)
Essas duas formas de canccedilatildeo fuacutenebre se distinguiriam por um momento especiacutefico da ocasiatildeo Esse criteacuterio jaacute se
aplicou em relaccedilatildeo ao epiniacutecio e ao epitlacircmio (supra notas 167 e 173) Para a associaccedilatildeo e a distinccedilatildeo dessas
espeacutecies liacutericas em relaccedilatildeo agrave elegia e o emprego do metro aleacutem de Ferrante (paacuteg 73) e Severyns (paacuteg 208 ndash
210) cf Harvey (1955) 97 Conforme visto porque a noccedilatildeo de que hino e encocircmio aleacutem de espeacutecies em particular poderiam
tambeacutem ser propostos no proacuteprio texto de Proclo como gecircneros para espeacutecies eacute mais plausiacutevel que essa
explicitaccedilatildeo seja do proacuteprio texto que se resumiu e natildeo do resumidor e talvez para esse terceiro grupo da liacuterica
que compreende homens e deuses juntos o criteacuterio fosse assumido senatildeo endossado por Proclo e natildeo apenas
contraposto a um criteacuterio que tambeacutem considera todas as espeacutecies em particular 98 Aqui o texto torna-se etioloacutegico mal ocorrendo etimologias uma vez que os nomes satildeo
autoexplicativos e o que se faz nada mais eacute do que explicitar sua composiccedilatildeo O criteacuterio eacute explicito seguir-se-atildeo
as espeacutecies de partecircnios que satildeo definidas pela festa em que ocorrem O que resta entatildeo eacute contar a origem de
cada uma dessas ocasiotildees puacuteblicas 99 Para todas as referecircncias histoacutericas a respeito da etiologia e da festividade cf Severyns (70 ndash 78 paacuteg
214 ndash 232)
125
75 Pretendem que a esfera mais ao alto signifique o sol (com que remetem a Apolo) a
subposta a lua as demais suspensas os planetas e estrelas as guirlandas o curso anual ndash de
fato contavam 365
76 Um menino cujos pais ainda satildeo vivos vem no iniacutecio da dafnefoacuteria e o seu parente
mais proacuteximo carrega o galho cingido o qual chamam koacutepo [koacutepo ] 77 Seguindo o
proacuteprio dafneacuteforo [daphnefoacuteros ] vem segurando o louro soltos os cabelos
porta uma coroa de ouro traja um longo manto brilhante e veacuteu aos peacutes100 Acompanha-o de
perto um coro de moccedilas empunhando ramos de suacuteplica hineando
78 Enviavam a dafnefoacuteria aos templos de Apolo Ismecircnio e Calaacutezio
79 A canccedilatildeo tripodefoacuterica [levada por um triacutepodo] cantava-se entre os beoacutecios um
triacutepodo tomando a frente101
80 Foi esta sua origem um grupo de pelasgos tentava saquear a cidade de Panacto da
Beoacutecia Os tebanos a defendiam e enviando uma comitiva a Dodona consultaram o oraacuteculo
sobre a vitoacuteria no conflito
81 O oraacuteculo designou aos tebanos que se cometessem o maior sacrileacutegio venceriam
82 Pareceu-lhes entatildeo que a maior das impiedades era imolar aquela que lhes dera o
oraacuteculo e imolaram-na
83 As sacristatildes em torno do santuaacuterio moveram accedilatildeo contra os tebanos pelo
assassinato
84 Os tebanos no entanto natildeo concederam que apenas mulheres julgassem o meacuterito
Havendo um julgamento comum entre homens e mulheres como os homens lhes deram voto
branco os tebanos foram absolvidos
85 Soacute mais tarde depois que entenderam o que lhes fora ordenado pelo oraacuteculo
elevaram uma das triacutepodas sacras da regiatildeo da Beoacutecia e cobrindo-na como o fazem os
profanadores de templos envairam-na ao alto de Dodona
86 Como daiacute em diante prosperaram passaram a fazer desse ato um festival
87 As canccedilotildees oscofoacutericas [porta-oacutesche] cantavam-se entre os atenienses102
88 Dois jovens do coro trajados como mulheres lideram o festejo portando um ramo
de vinha cheio de uvas vicejantes ndash chamam-no oacuteskhe [ ] donde o epocircnimo das canccedilotildees
100 Epicratidas eacute um termo plural que significa ldquopanos de testardquo ie ldquolenccedilo de testardquo ldquoveacuteurdquo Embora se
pudesse apenas decalcar a palavra para o portuguecircs a passagem ficaria obscura Ao que tudo indica era somente
um tecido que o dafneacuteforo usava sobre os peacutes talvez como extensatildeo do manto 101 Idem 79 ndash 86 paacuteg 232 ndash 242 102 Ibidem 87 ndash 92 paacuteg 243 ndash 254
126
89 Dizem ter sido Teseu quem primeiramente deu iniacutecio ao rito depois que aceitando
voluntariamente a viagem a Creta livrou sua paacutetria do infortuacutenio do tributo ao prestar graccedilas
a Atena e Dioniso que se manifestaram a ele na ilha de Dia fez isso empregando dois jovens
efeminados como assistentes na cerimocircnia
90 O cortejo dos atenienses dava-se do altar de Dioniso ateacute o santuaacuterio de Atena
Esquira
91 Um coro seguia os jovens e cantava as canccedilotildees
92 Efebos de cada uma das tribos competiam uns com os outros numa corrida a peacute e
o primeiro deles saboreava de uma pipa dita ldquoquiacutentuplardquo que se preparava com oliva vinho
mel queijo e grumos de cevada
93 As canccedilotildees votivas eram escritas pelos que pediam que alguma coisa lhes adviesse
de um deus103
94 Pragmaacuteticas [pragmaticaacute ] eram as canccedilotildees que compreendiam as
accedilotildees praticadas [praacutexeis ] por algueacutem104
95 As empoacutericas [comerciais ] foram escritas sobre o quanto se mostrava a
algueacutem no decurso de suas viagens e mercancias [empoacuteriai ]105
96 As apostoacutelicas106 o quanto faziam aqueles enviados a algueacutem como emissaacuterios
97 Eacute evidente que as sentenciosas107 contecircm o enaltecimento dos caracteres
103 Euktikoacutes eacute o deverbal de euacutekhomai ndash rezar Tanto Severyns como Ferrante
concordam que eacute pelo elemento humano aleacutem do divino que tais cantos vecircm aqui como uacuteltima espeacutecie do
terceiro grupo Em Menandro o termo serve para classificar os hinos Menandro (Rhet Gr X p 134 Walz)
divide os hinos pela intenccedilatildeo kleacutetikoi (invocatoacuterios) apopemptikoiacute (de adeus para a viagem do deus) physikoiacute
(naturais sobre as manifestaccedilotildees do deus na natureza) apeuktikoiacute (deprecatoacuterios) euktikoiacute (votivos) Eacute provaacutevel
que senatildeo concorrentes sejam duas classificaccedilotildees pelo menos com intenccedilotildees diferentes Menandro subdivide as
intenccedilotildees de quem canta o hino em relaccedilatildeo ao hineado O mesmo criteacuterio define a uacuteltima canccedilatildeo da liacuterica mista
em Proclo ie sua funccedilatildeo por outro lado o criteacuterio que Proclo emprega para tratar dos hinos os distingue como
Severyns observou em particular ie pelo destinataacuterio mesmo nos casos em que poderiam se confundir com
esses cantos ecircuktikos pela intenccedilatildeo como seria o caso por exemplo do peatilde que passou a ser cantado para se
pedir ou agradecer por diferentes coisas Soacute o que se pode dizer eacute que talvez ambas as definiccedilotildees ainda que
diferentes tratassem de um mesmo objeto em comum mas lhe conferindo lugares diferentes na classificaccedilatildeo
geral segundo seus criteacuterios Sobre isso e a categorizaccedilatildeo de Menandro confere Harvey (1955) 104 Sobre essas espeacutecies em geral cf Severyns (94 paacuteg 255 ndash 257) Vale-nos sua observaccedilatildeo de que
conforme hinos desempenhavam um papel generalizante para a liacuterica sacra encocircmio para a liacuterica secular
partecircnio para a liacuterica mista as pragmaacuteticas deveriam fazecirc-lo em relaccedilatildeo ao quarto grupo o das circunstacircncias
acidentais 105 Severyms (95 257) cogita aqui os poemas de Riano (Eliacuteaca Tessaacutelica Messeniacuteaca) poeta e gramaacutetico
do periacuteodo heleniacutestico bem como a Bitiniacuteaca de Demoacutestenes da Bitiacutenia mas crecirc que Proclo natildeo tinha tais
poemas em mente por serem essencialmente hexammeacutetricos 106 Do verbo aposteacutello ldquoenviarrdquo Tanto Severyns (paacuteg 257) como Ferrante (paacuteg 95)
mencionam Heliodoro (paacuteg 450 11) ldquoἈποστολικὸν μέλος ἐστὶ τὸ πεμπόμενον πρός τινα περιέχον ltπαραι-
νέσειςgt ἢ αἴτησιν παρ αὐτοῦ δωρεᾶςrdquo ndash ldquoA canccedilatildeo apostoacutelica eacute a que se envia a algueacutem contendo
recomendaccedilotildees ou pedidos de donsrdquo e concordam que natildeo seria a isso que pelo menos no entendimento do
resumo de Foacutecio Proclo se referiria Parece que ou Foacutecio teria se equivocado na ordem dos termos mais uma vez
(como pode ter ocorrido em sect44) ou o que Heliodoro chamaria apostoacutelica o que se assemelhe talvez com o que
Proclo chama canccedilatildeo epistaacuteltica (sect99)
127
98 As geoacutergicas o que se refere aos campos estaccedilotildees e cuidados das plantas108
99 As epistolares o quanto se refere agraves designaccedilotildees que compunham em verso e
enviavam a algueacutem109
100 Aqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de Proclo
107 Gnomologikaacute ndash Confere Heliodoro (450 13) para definiccedilatildeo semelhante108 Embora como notado por Severyns Ferrante e outros esse item pareccedila associado ao anterior ie
poesia de caraacuteter gnocircmico mesmo os Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo que conteriam os dois itens poderiam como
composiccedilatildeo didaacutetica hexameacutetrica ser arrolados aqui 109 Diferentes das apostoacutelicas porque essas sim como cartas eram enviadas designando coisas Tanto
Severyns como Ferrante assumem que natildeo se pode saber com precisatildeo o que eram
128
2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO
EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO
21 VIDA DE HOMERO
Πρόκλου περὶ Ὁμήρου
Ἐπῶν ποιηταὶ γεγόνασι πολλοί τούτων δ εἰσὶ κρά-
τιστοι Ὅμηρος Ἡσίοδος Πείσανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος
Ὅμηρος μὲν οὖν τίνων γονέων ἢ ποίας ἐγένετο πα-
τρίδος οὐ ῥᾴδιον ἀποφήνασθαι οὔτε γὰρ αὐτός τι λελάληκεν 5
ἀλλ οὐδὲ οἱ περὶ αὐτοῦ εἰπόντες συμπεφωνήκασιν ἀλλ ἐκ
τοῦ μηδὲν ῥητῶς ἐμφαίνειν περὶ τούτων τὴν ποίησιν αὐτοῦ
μετὰ πολλῆς ἀδείας ἕκαστος οἷς ἐβούλετο ἐχαρίσατο
καὶ διὰ τοῦτο οἱ μὲν Κολοφώνιον αὐτὸν ἀνηγόρευσαν
οἱ δὲ Χῖον οἱ δὲ Σμυρναῖον οἱ δὲ Ἰήτην ἄλλοι δὲ Κυμαῖον 10
καὶ καθόλου πᾶσα πόλις ἀντιποιεῖται τἀνδρός ὅθεν εἰκότως
ἂν κοσμοπολίτης λέγοιτο
οἱ μὲν οὖν Σμυρναῖον αὐτὸν ἀποφαινόμενοι Μαίονος
μὲν πατρὸς λέγουσιν εἶναι γεννηθῆναι δὲ ἐπὶ Μέλητος
τοῦ ποταμοῦ ὅθεν καὶ Μελησιγενῆ ὀνομασθῆναι δοθέντα 15
δὲ Χίοις εἰς ὁμηρείαν Ὅμηρον κληθῆναι οἱ δὲ ἀπὸ τῆς
τῶν ὀμμάτων πηρώσεως τούτου τυχεῖν αὐτόν φασι τοῦ ὀνό-
ματος τοὺς γὰρ τυφλοὺς ὑπὸ Αἰολέων ὁμήρους καλεῖσθαι
Ἑλλάνικος δὲ καὶ Δαμάστης καὶ Φερεκύδης εἰς Ὀρφέα
τὸ γένος ἀνάγουσιν αὐτοῦ Μαίονα γάρ φασι τὸν Ὁμήρου 20
πατέρα καὶ Δῖον τὸν Ἡσιόδου γενέσθαι Ἀπέλλιδος τοῦ Μελα-
νώπου τοῦ Ἐπιφράδεος τοῦ Χαριφήμου τοῦ Φιλοτέρπεος τοῦ
Ἰδμονίδεω τοῦ Εὐκλέος τοῦ Δωρίωνος τοῦ Ὀρφέος
Γοργίας δὲ ὁ Λεοντῖνος εἰς Μουσαῖον αὐτὸν ἀνάγει
περὶ δὲ τῆς τελευτῆς αὐτοῦ λόγος τις φέρεται τοι- 25
129
οῦτος ἀνελεῖν φασιν αὐτῷ τὸν θεὸν χρωμένῳ περὶ ἀσφα-
λείας τάδε
ἔστιν Ἴος νῆσος μητρὸς πατρίς ἥ σε θανόντα
δέξεται ἀλλὰ νέων ἀνδρῶν αἴνιγμα φύλαξαι
λέγουσιν οὖν αὐτὸν εἰς Ἴον πλεύσαντα διατρῖψαι μὲν 30
παρὰ Κρεωφύλῳ γράψαντα δὲ Οἰχαλίας ἅλωσιν τούτῳ χαρί-
σασθαι ἥτις νῦν ὡς Κρεωφύλου περιφέρεται καθεζόμενον
δὲ ἐπί τινος ἀκτῆς θεασάμενον ἁλιεῖς προσειπεῖν αὐτοὺς
καὶ ἀνακρῖναι τοῖσδε τοῖς ἔπεσιν
ἄνδρες ἀπ Ἀρκαδίης θηρήτορες ἦ ῥ ἔχομέν τι 35
ὑποτυχόντα δὲ αὐτῶν ἕνα εἰπεῖν
οὓς ἕλομεν λιπόμεσθ οὓς δ οὐχ ἕλομεν φερόμεσθα
οὐκ ἐπιβάλλοντος δὲ αὐτοῦ διελέσθαι τὸ αἴνιγμα ὅτι ἐπὶ
ἰχθυΐαν καταβάντες ἀφήμαρτον φθειρισάμενοι δὲ ὅσους μὲν
ἔλαβον τῶν φθειρῶν ἀποκτείναντες ἀπολείπουσιν ὅσοι δὲ 40
αὐτοὺς διέφυγον τούτους ἀποκομίζουσιν οὕτω δ ἐκεῖνον
ἀθυμήσαντα σύννουν ἀπιέναι τοῦ χρησμοῦ ἔννοιαν λαμβά-
νοντα καὶ οὕτως ὀλισθόντα περιπταῖσαι λίθῳ καὶ τριταῖον
τελευτῆσαι
ἀλλὰ δὴ ταῦτα μὲν πολλῆς ἔχεται ζητήσεως ἵνα δὲ μηδὲ 45
τούτων ἄπειρος ὑπάρχῃς διὰ τοῦτο εἰς ταῦτα κεχώρηκα
τυφλὸν δὲ ὅσοι τοῦτον ἀπεφήναντο αὐτοί μοι δοκοῦσι
τὴν διάνοιαν πεπηρῶσθαι τοσαῦτα γὰρ κατεῖδεν ὅσα οὐδεὶς
ἄνθρωπος πώποτε
εἰσὶ δὲ οἵτινες ἀνεψιὸν αὐτὸν Ἡσιόδου παρέδοσαν 50
ἀτριβεῖς ὄντες ποιήσεως τοσοῦτον γὰρ ἀπέχουσι τοῦ γένει
προσήκειν ὅσον ἡ ποίησις διέστηκεν αὐτῶν ἄλλως δὲ οὐδὲ
τοῖς χρόνοις συνεπέβαλον ἀλλήλοις
ἄθλιοι δὲ οἱ τὸ ἀνάθημα πλάσαντες τοῦτο
Ἡσίοδος Μούσαις Ἑλικωνίσι τόνδ ἀνέθηκεν 55
ὕμνῳ νικήσας ἐν Χαλκίδι θεῖον Ὅμηρον
ἀλλὰ γὰρ ἐπλανήθησαν ἐκ τῶν Ἡσιοδείων Ἡμερῶν ἕτερον
γάρ τι σημαίνει
τοῖς δὲ χρόνοις αὐτὸν οἱ μὲν περὶ τὸν Ἀρίσταρχόν
130
φασι γενέσθαι κατὰ τὴν τῆς Ἰωνίας ἀποικίαν ἥτις ὑστερεῖ 60
τῆς Ἡρακλειδῶν καθόδου ἔτεσιν ἑξήκοντα τὸ δὲ περὶ τοὺς
Ἡρακλείδας λείπεται τῶν Τρωϊκῶν ἔτεσιν ὀγδοήκοντα οἱ δὲ
περὶ Κράτητα ἀνάγουσιν αὐτὸν εἰς τοὺς Τρωϊκοὺς χρόνους
φαίνεται δὲ γηραιὸς ἐκλελοιπὼς τὸν βίον ἡ γὰρ ἀν-
υπέρβλητος ἀκρίβεια τῶν πραγμάτων προβεβηκυῖαν ἡλικίαν 65
παρίστησι
πολλὰ δὲ ἐπεληλυθὼς μέρη τῆς οἰκουμένης ἐκ τῆς
πολυπειρίας τῶν τόπων εὑρίσκεται τούτῳ δὲ προσυπονοη-
τέον καὶ πλούτου πολλὴν περιουσίαν γενέσθαι αἱ γὰρ μακραὶ
ἀποδημίαι πολλῶν δέονται ἀναλωμάτων καὶ ταῦτα κατ ἐκεί- 70
νους τοὺς χρόνους οὔτε πάντων πλεομένων ἀκινδύνως οὔτε
ἐπιμισγομένων ἀλλήλοις πως τῶν ἀνθρώπων ῥᾳδίως
γέγραφε δὲ ποιήσεις δύο Ἰλιάδα καὶ Ὀδύσσειαν
ἣν Ξένων καὶ Ἑλλάνικος ἀφαιροῦνται αὐτοῦ οἱ μέντοι γε ἀρ-
χαῖοι καὶ τὸν Κύκλον ἀναφέρουσιν εἰς αὐτόν προστιθέασι δὲ 75
αὐτῷ καὶ παίγνιά τινα Μαργίτην Βατραχομαχίαν ἢ Μυο-
μαχίαν Ἕπτ ἐπ ἀκτίον Αἶγα Κέρκωπας Κενούς
De Proclo sobre Homero
Muitos satildeo os poetas eacutepicos Os mais egreacutegios deles satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro
Paniacuteasis e Antiacutemaco
Sobre Homero quais seus pais e de que paacutetria era originaacuterio eacute difiacutecil afirmar
claramente ele proacuteprio natildeo fala coisa alguma e nem se acham de acordo os que falaram sobre
ele pelo fato contudo de sua poesia natildeo trazer expressamente nenhuma indicaccedilatildeo a respeito
cada um contenta-se com o que deseja sem nenhuma restriccedilatildeo
Por causa disso uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de
Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral reclama o homem pelo
que razoavelmente pode ser dito cosmopolita
Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era Meatildeo e que foi concebido
perto do Rio Meles motivo pelo qual tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado
Homero [Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea [refeacutem ]
131
aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo esse nome por causa da deficiecircncia dos
olhos Os cegos de fato eram chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios
Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu Dizem que Meatildeo pai de
Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades
filho de Carifemo filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de Doriatildeo
filho de Orfeu
Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas
Sobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua
proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta resposta
ldquoHaacute uma ilha Io paacutetria de tua matildee que morto
receber-te-aacute Cuidado com enigma de homens jovensrdquo
Dizem entatildeo que tendo velejado para Io passava um tempo na companhia de
Creoacutefilo quando escreveu e dedicou-lhe a Tomada de Ecaacutelia (que hoje circula como de
Creoacutefilo) Sentando-se agrave praia apoacutes observar alguns pescadores dirigiu-lhes a palavra e
interrogou com estas palavras
ldquoDa Arcaacutedia caccediladores varotildees o que temosrdquo
Um deles replicou-lhe dizendo
ldquoOs que pegamos deixamos pra traacutes os que natildeo pegamos trazemos conoscordquo
Natildeo conseguindo solver o enigma ndash como natildeo foram bem sucedidos indo pescar
puseram-se a caccedilar piolhos matando quantos pegavam mas quantos lhes fugiam traziam-nos
de volta ndash aquele ficou desgostoso e foi embora meditabundo entendendo o oraacuteculo e assim
escorregou tombou contra uma pedra e no terceiro dia faleceu
Esses eventos contudo carecem de investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo
ignorante neles avanccedilo nesse sentido
Os que o afirmam cego parecem-me eles mesmos incapacitados do juiacutezo coisas viu
tantas quantas ningueacutem jamais o fez
132
Existem aqueles que o datildeo como primo de Hesiacuteodo natildeo versados em poesia estatildeo tatildeo
distantes na relaccedilatildeo de parentesco quanto eacute diferente sua poesia No mais nem coincidem um
com outro cronologicamente
Haacute os miseraacuteveis que forjaram esta inscriccedilatildeo votiva
ldquoHesiacuteodo agraves Musas Heliconiacutedas consagra isto
por ter vencido com um hino em Caacutelcis o divino Homerordquo
equivocaram-se contudo nos ldquoDiasrdquo de Hesiacuteodo pois isso tem outro significado
Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na eacutepoca da imigraccedilatildeo
jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno dos Heraclidas e o evento em torno dos
Heraclidas estaacute oitenta anos depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o
recuam aos tempos de Troia
Parece que jaacute era bem velho quando deixou a vida sua insuperaacutevel precisatildeo nos fatos
permite estabelecer uma idade jaacute avanccedilada
Crecirc-se que visitou muitas partes do mundo habitado dada sua vasta experiecircncia de
lugares Nisso tambeacutem se deve notar a vasta abundacircncia de sua riqueza pois as grandes
viagens necessitavam de muitos gastos e isso naquele tempo em que nem todas as
navegaccedilotildees se faziam sem perigo nem os homens estabeleciam relaccedilotildees comerciais entre si
com tal facilidade
Escreveu dois poemas Iliacuteada e Odisseia a qual Xenatildeo e Helacircnico lhe negam
entretanto os antigos atribuem-lhe inclusive o Ciclo Imputam-lhe tambeacutem algumas
brincadeiras Margites Guerra dos Sapos ou Guerra dos Ratos Sete na Praia Cabra
Ceacutercopes os Matildeos Vazias
22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO
221 Ciacuteprias
Τοῦ αὐτοῦ περὶ τῶν Κυπρίων λεγομένων ποιημάτων
133
Ἐπιβάλλει τούτοις τὰ λεγόμενα Κύπρια ἐν βιβλίοις 80
φερόμενα ἕνδεκα ὧν περὶ τῆς γραφῆς ὕστερον ἐροῦμεν
ἵνα μὴ τὸν ἑξῆς λόγον νῦν ἐμποδίζωμεν τὰ δὲ περιέχοντά
ἐστι ταῦτα
Ζεὺς βουλεύεται μετὰ τῆς Θέμιδος περὶ τοῦ Τρωϊκοῦ
πολέμου 85
παραγενομένη δὲ Ἔρις εὐωχουμένων τῶν θεῶν ἐν τοῖς
Πηλέως γάμοις νεῖκος περὶ κάλλους ἀνίστησιν Ἀθηνᾷ Ἥρᾳ
καὶ Ἀφροδίτῃ αἳ πρὸς Ἀλέξανδρον ἐν Ἴδῃ κατὰ Διὸς
προσταγὴν ὑφ Ἑρμοῦ πρὸς τὴν κρίσιν ἄγονται καὶ προκρίνει
τὴν Ἀφροδίτην ἐπαρθεὶς τοῖς Ἑλένης γάμοις Ἀλέξανδρος 90
ἔπειτα δὲ Ἀφροδίτης ὑποθεμένης ναυπηγεῖται καὶ
Ἕλενος περὶ τῶν μελλόντων αὐτοῖς προθεσπίζει καὶ ἡ Ἀφρο-
δίτη Αἰνείαν συμπλεῖν αὐτῷ κελεύει καὶ Κασσάνδρα περὶ
τῶν μελλόντων προδηλοῖ
ἐπιβὰς δὲ τῇ Λακεδαιμονίᾳ Ἀλέξανδρος ξενίζεται 95
παρὰ τοῖς Τυνδαρίδαις καὶ μετὰ ταῦτα ἐν τῇ Σπάρτῃ παρὰ
Μενελάῳ καὶ Ἑλένῃ παρὰ τὴν εὐωχίαν δίδωσι δῶρα ὁ Ἀλέξ-
ανδρος καὶ μετὰ ταῦτα Μενέλαος εἰς Κρήτην ἐκπλεῖ κελεύ-
σας τὴν Ἑλένην τοῖς ξένοις τὰ ἐπιτήδεια παρέχειν ἕως ἂν
ἀπαλλαγῶσιν ἐν τούτῳ δὲ Ἀφροδίτη συνάγει τὴν Ἑλένην τῷ 100
Ἀλεξάνδρῳ καὶ μετὰ τὴν μίξιν τὰ πλεῖστα κτήματα ἐνθέ-
μενοι νυκτὸς ἀποπλέουσι
χειμῶνα δὲ αὐτοῖς ἐφίστησιν Ἥρα καὶ προσενεχθεὶς
Σιδῶνι ὁ Ἀλέξανδρος αἱρεῖ τὴν πόλιν καὶ ἀποπλεύσας
εἰς Ἴλιον γάμους τῆς Ἑλένης ἐπετέλεσεν 105
ἐν τούτῳ δὲ Κάστωρ μετὰ Πολυδεύκους τὰς Ἴδα καὶ
Λυγκέως βοῦς ὑφαιρούμενοι ἐφωράθησαν καὶ Κάστωρ μὲν
ὑπὸ τοῦ Ἴδα ἀναιρεῖται Λυγκεὺς δὲ καὶ Ἴδας ὑπὸ Πολυ-
δεύκους καὶ Ζεὺς αὐτοῖς ἑτερήμερον νέμει τὴν ἀθανασίαν
καὶ μετὰ ταῦτα Ἶρις ἀγγέλλει τῷ Μενελάῳ τὰ 110
γεγονότα κατὰ τὸν οἶκον ὁ δὲ παραγενόμενος περὶ τῆς ἐπ
Ἴλιον στρατείας βουλεύεται μετὰ τοῦ ἀδελφοῦ καὶ πρὸς
Νέστορα παραγίνεται Μενέλαος
134
Νέστωρ δὲ ἐν παρεκβάσει διηγεῖται αὐτῷ ὡς Ἐπωπεὺς
φθείρας τὴν Λυκούργου θυγατέρα ἐξεπορθήθη καὶ τὰ περὶ 115
Οἰδίπουν καὶ τὴν Ἡρακλέους μανίαν καὶ τὰ περὶ Θησέα
καὶ Ἀριάδνην
ἔπειτα τοὺς ἡγεμόνας ἀθροίζουσιν ἐπελθόντες τὴν
Ἑλλάδα καὶ μαίνεσθαι προσποιησάμενον Ὀδυσσέα ἐπὶ
τῷ μὴ θέλειν συστρατεύεσθαι ἐφώρασαν Παλαμήδους ὑπο- 120
θεμένου τὸν υἱὸν Τηλέμαχον ἐπὶ κόλασιν ἐξαρπάσαντες
καὶ μετὰ ταῦτα συνελθόντες εἰς Αὐλίδα θύουσι καὶ
τὰ περὶ τὸν δράκοντα καὶ τοὺς στρουθοὺς γενόμενα δείκ-
νυται καὶ Κάλχας περὶ τῶν ἀποβησομένων προλέγει αὐτοῖς
ἔπειτα ἀναχθέντες Τευθρανίᾳ προσίσχουσι καὶ ταύ- 125
την ὡς Ἴλιον ἐπόρθουν Τήλεφος δὲ ἐκβοηθεῖ Θέρσανδρόν
τε τὸν Πολυνείκους κτείνει καὶ αὐτὸς ὑπὸ Ἀχιλλέως τι-
τρώσκεται
ἀποπλέουσι δὲ αὐτοῖς ἐκ τῆς Μυσίας χειμὼν ἐπι-
πίπτει καὶ διασκεδάννυνται Ἀχιλλεὺς δὲ Σκύρῳ προσσχὼν 130
γαμεῖ τὴν Λυκομήδους θυγατέρα Δηϊδάμειαν
ἔπειτα Τήλεφον κατὰ μαντείαν παραγενόμενον εἰς
Ἄργος ἰᾶται Ἀχιλλεὺς ὡς ἡγεμόνα γενησόμενον τοῦ ἐπ
Ἴλιον πλοῦ
καὶ τὸ δεύτερον ἠθροισμένου τοῦ στόλου ἐν Αὐλίδι 135
Ἀγαμέμνων ἐπὶ θηρῶν βαλὼν ἔλαφον ὑπερβάλλειν ἔφησε
καὶ τὴν Ἄρτεμιν μηνίσασα δὲ ἡ θεὸς ἐπέσχεν αὐτοὺς τοῦ
πλοῦ χειμῶνας ἐπιπέμπουσα Κάλχαντος δὲ εἰπόντος τὴν
τῆς θεοῦ μῆνιν καὶ Ἰφιγένειαν κελεύσαντος θύειν τῇ
Ἀρτέμιδι ὡς ἐπὶ γάμον αὐτὴν Ἀχιλλεῖ μεταπεμψάμενοι 140
θύειν ἐπιχειροῦσιν Ἄρτεμις δὲ αὐτὴν ἐξαρπάσασα εἰς
Ταύρους μετακομίζει καὶ ἀθάνατον ποιεῖ ἔλαφον δὲ ἀντὶ
τῆς κόρης παρίστησι τῷ βωμῷ
ἔπειτα καταπλέουσιν εἰς Τένεδον καὶ εὐωχουμένων
αὐτῶν Φιλοκτήτης ὑφ ὕδρου πληγεὶς διὰ τὴν δυσοσμίαν 145
ἐν Λήμνῳ κατελείφθη καὶ Ἀχιλλεὺς ὕστερος κληθεὶς δια-
φέρεται πρὸς Ἀγαμέμνονα
135
ἔπειτα ἀποβαίνοντας αὐτοὺς εἰς Ἴλιον εἴργουσιν
οἱ Τρῶες καὶ θνῄσκει Πρωτεσίλαος ὑφ Ἕκτορος ἔπειτα
Ἀχιλλεὺς αὐτοὺς τρέπεται ἀνελὼν Κύκνον τὸν Ποσειδῶνος 150
καὶ τοὺς νεκροὺς ἀναιροῦνται
καὶ διαπρεσβεύονται πρὸς τοὺς Τρῶας τὴν Ἑλένην
καὶ τὰ κτήματα ἀπαιτοῦντες ὡς δὲ οὐχ ὑπήκουσαν ἐκεῖνοι
ἐνταῦθα δὴ τειχομαχοῦσιν
ἔπειτα τὴν χώραν ἐπεξελθόντες πορθοῦσι καὶ τὰς 155
περιοίκους πόλεις
καὶ μετὰ ταῦτα Ἀχιλλεὺς Ἑλένην ἐπιθυμεῖ θεάσασθαι
καὶ συνήγαγεν αὐτοὺς εἰς τὸ αὐτὸ Ἀφροδίτη καὶ Θέτις
εἶτα ἀπονοστεῖν ὡρμημένους τοὺς Ἀχαιοὺς Ἀχιλ-
λεὺς κατέχει κἄπειτα ἀπελαύνει τὰς Αἰνείου βοῦς καὶ 160
Λυρνησσὸν καὶ Πήδασον πορθεῖ καὶ συχνὰς τῶν περιοικίδων
πόλεων καὶ Τρωΐλον φονεύει
Λυκάονά τε Πάτροκλος εἰς Λῆμνον ἀγαγὼν ἀπεμπολεῖ
καὶ ἐκ τῶν λαφύρων Ἀχιλλεὺς μὲν Βρισηΐδα γέρας
λαμβάνει Χρυσηΐδα δὲ Ἀγαμέμνων 165
ἔπειτά ἐστι Παλαμήδους θάνατος
καὶ Διὸς βουλὴ ὅπως ἐπικουφίσῃ τοὺς Τρῶας Ἀχιλ-
λέα τῆς συμμαχίας τῆς Ἑλλήνων ἀποστήσας
καὶ κατάλογος τῶν τοῖς Τρωσὶ συμμαχησάντων
Do mesmo autor sobre os poemas chamados Ciacuteprias
Sucedem-se a isso as chamadas Ciacuteprias transmitidas em onze livros sobre cujo nome
falaremos depois a fim de natildeo obstar a sequecircncia do discurso Eis o que compreendem
Zeus delibera junto de Tecircmis sobre a guerra de Troia
Estando os deuses a festejar nas bodas de Peleu aparece Eacuteris e suscita uma querela a
respeito da beleza de Atena Hera e Afrodite que satildeo levadas por Hermes agraves ordens de Zeus
para o arbiacutetrio de Alexandre no Ida Alexandre prefere Afrodite excitado pelas bodas com
Helena
136
Em seguida aconselhando-o Afrodite faz para si uma nau e Heleno lhes faz
prediccedilotildees sobre os acontecimentos futuros Afrodite manda Eneias navegar com ele
Cassandra revela o porvir
Depois de chegar a Lacedemocircnia Alexandre eacute hospedado pela casa dos Tindaacuteridas
em seguida em Esparta pela casa de Menelau no decorrer do festim Alexandre presenteia
Helena Depois disso Menelau parte para Creta antes ordenando a Helena que provesse o
necessaacuterio aos estrangeiros ateacute que estivessem liberados Nesse momento Afrodite une Helena
a Alexandre e apoacutes o intercurso tendo embarcado o maior nuacutemero de riquezas zarpam
durante a noite
Hera envia uma tempestade contra eles Aportando em Sidatildeo Alexandre captura a
cidade Enfim consumou suas bodas com Helena apoacutes navegar para Iacutelio
Nesse passo Caacutestor junto de Polideuces satildeo descobertos furtando as vacas de Idas e
Linceu Entatildeo Caacutestor eacute morto por Idas mas Linceu e Idas por Polideuces Zeus lhes despende
a imortalidade em dias intercalados
Depois disso Iacuteris relata a Menelau os eventos em sua casa Apoacutes chegar ele delibera
com o irmatildeo sobre a expediccedilatildeo contra Iacutelio e vai ter com Nestor
Neacutestor num excurso narra-lhe como Epopeu foi destruiacutedo apoacutes violentar a filha de
Licurgo e os eventos envolvendo Eacutedipo a loucura de Heacuteracles e os eventos envolvendo
Teseu e Ariadne
Depois unem os chefes tendo percorrido a Heacutelade Descobriram entatildeo que Odisseu
passara a se fazer de louco por natildeo querer juntar-se agrave expediccedilatildeo depois de por sugestatildeo de
Palamedes raptarem-lhe o filho Telecircmaco como desforra
Depois disso reuacutenem-se em Aacuteulis e fazem um sacrifiacutecio Revela-se o prodiacutegio
envolvendo a serpente e os pardais e Calcas lhes prediz os resultados
Depois satildeo levados pelo alto mar aportam em Teutracircnia e saqueiam-na como se fosse
Iacutelio Teacutelefo empreende uma investida surpresa e mata Tersandro filho de Polinices mas ele
mesmo acaba sendo ferido por Aquiles
Zarpando de Musia uma tempestade se abate sobre eles e se dispersam Aquiles que
aporta em Esquiro esposa a filha de Licomedes Didamia
Entatildeo Aquiles quando Teacutelefo conforme divinaccedilatildeo chega a Argos cura-o para que se
torne o guia da navegaccedilatildeo ateacute Iacutelio
Foi entatildeo na segunda vez em que a expediccedilatildeo estaacute reunida em Aacuteulis que
Agamecircmnon por ter abatido um cervo nas caccediladas disse superar ateacute Aacutertemis Irada a deusa
impede-lhes a navegaccedilatildeo enviando tempestades sobre eles Uma vez que Calcas comunica a
137
ira da deusa e ordena sacrificar a Aacutertemis Ifigecircnia preparam seu sacrifiacutecio como se a
tivessem convocado para um casamento com Aquiles Aacutertemis a arrebata poreacutem transporta-a
a Taacuteuris e a faz imortal e coloca um cervo no altar no lugar da moccedila
Aportam em Tecircnedo Filoctetes picado por uma cobra-drsquoaacutegua enquanto ceavam eacute
abandonado em Lemnos por causa do mau-cheiro e Aquiles o uacuteltimo a ser chamado entra
em divergecircncia com Agamecircmnon
Em seguida os troianos encurralam-nos quando estatildeo desembarcando em Iacutelio e
Protesilau perece sob Heacutector Depois Aquiles rechaccedila-os matando Ciacutecnon filho de Poseidatildeo
Entatildeo recolhem os corpos
Mandam uma embaixada aos troianos reclamando Helena e as riquezas Nesse ponto
porque estes natildeo anuem datildeo iniacutecio ao cerco
Investem e saqueiam a regiatildeo e as cidades nas dependecircncias
Depois dessas accedilotildees Aquiles deseja contemplar Helena Para tal Afrodite e Teacutetis
conduzem-nos a um encontro
Nisso Aquiles conteacutem os aqueus que jaacute se prontificavam a navegar de volta Logo
depois leva embora as vacas de Eneias saqueia Lirnesso Peacutedaso e um bom nuacutemero de
cidades vizinhas tambeacutem abate Troilo
Paacutetroclo leva Licaacuteon a Lemnos e o negocia como escravo
Dos espoacutelios Aquiles toma Briseida como precircmio Agamecircmnon Criseida
Em seguida vem a morte de Palamedes
A deliberaccedilatildeo de Zeus com o intuito de inflamar os troianos apoacutes Aquiles se retirar da
alianccedila
O cataacutelogo dos que combateram aliados aos troianos
222 Etioacutepida
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Αἰθιοπίδος
Ἐπιβάλλει δὲ τοῖς προειρημένοις [ἐν τῇ πρὸ ταύτης 173
βίβλῳ] Ἰλιὰς Ὁμήρου μεθ ἥν ἐστιν Αἰθιοπίδος βιβλία
πέντε Ἀρκτίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε
Ἀμαζὼν Πενθεσίλεια παραγίνεται Τρωσὶ συμμαχή- 175
138
σουσα Ἄρεως μὲν θυγάτηρ Θρᾷσσα δὲ τὸ γένος καὶ κτείνει
αὐτὴν ἀριστεύουσαν Ἀχιλλεύς οἱ δὲ Τρῶες αὐτὴν θάπτουσι
καὶ Ἀχιλλεὺς Θερσίτην ἀναιρεῖ λοιδορηθεὶς πρὸς
αὐτοῦ καὶ ὀνειδισθεὶς τὸν ἐπὶ τῇ Πενθεσιλείᾳ λεγόμενον
ἔρωτα καὶ ἐκ τούτου στάσις γίνεται τοῖς Ἀχαιοῖς περὶ 180
τοῦ Θερσίτου φόνου
μετὰ δὲ ταῦτα Ἀχιλλεὺς εἰς Λέσβον πλεῖ καὶ θύσας
Ἀπόλλωνι καὶ Ἀρτέμιδι καὶ Λητοῖ καθαίρεται τοῦ φόνου
ὑπ Ὀδυσσέως
Μέμνων δὲ ὁ Ἠοῦς υἱὸς ἔχων ἡφαιστότευκτον παν- 185
οπλίαν παραγίνεται τοῖς Τρωσὶ βοηθήσων καὶ Θέτις τῷ
παιδὶ τὰ κατὰ τὸν Μέμνονα προλέγει
καὶ συμβολῆς γενομένης Ἀντίλοχος ὑπὸ Μέμνονος
ἀναιρεῖται ἔπειτα Ἀχιλλεὺς Μέμνονα κτείνει καὶ τούτῳ
μὲν Ἠὼς παρὰ Διὸς αἰτησαμένη ἀθανασίαν δίδωσι 190
τρεψάμενος δ Ἀχιλλεὺς τοὺς Τρῶας καὶ εἰς τὴν πό-
λιν συνεισπεσὼν ὑπὸ Πάριδος ἀναιρεῖται καὶ Ἀπόλλωνος
καὶ περὶ τοῦ πτώματος γενομένης ἰσχυρᾶς μάχης Αἴας ἀν-
ελόμενος ἐπὶ τὰς ναῦς κομίζει Ὀδυσσέως ἀπομαχομένου
τοῖς Τρωσίν 195
ἔπειτα Ἀντίλοχόν τε θάπτουσι καὶ τὸν νεκρὸν τοῦ
Ἀχιλλέως προτίθενται
καὶ Θέτις ἀφικομένη σὺν Μούσαις καὶ ταῖς ἀδελφαῖς
θρηνεῖ τὸν παῖδα καὶ μετὰ ταῦτα ἐκ τῆς πυρᾶς ἡ Θέτις
ἀναρπάσασα τὸν παῖδα εἰς τὴν Λευκὴν νῆσον διακομίζει 200
οἱ δὲ Ἀχαιοὶ τὸν τάφον χώσαντες ἀγῶνα τιθέασι
καὶ περὶ τῶν Ἀχιλλέως ὅπλων Ὀδυσσεῖ καὶ Αἴαντι στάσις
ἐμπίπτει
Do mesmo sobre a Etioacutepida
Sucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada de Homero
depois dela haacute a Etioacutepida em cinco livros de Arctino de Mileto que compreendem o seguinte
139
A amazona Pentesileia chega para combater ao lado dos troianos filha de Ares traacutecia
de origem Aquiles a mata quando ela estaacute no auge de sua bravura combativa e os troianos
realizam seu funeral
Entatildeo Aquiles abate Tersites ofendido com ele repreendido por sua paixatildeo declarada
por Pentesileia Surge uma dissenccedilatildeo entre os aqueus em funccedilatildeo do assassinato de Tersites
Apoacutes isso Aquiles navega ateacute Lesbos e feitos sacrifiacutecios a Apolo Aacutertemis e Leto eacute
purificado do assassinato por Odisseu
Mecircmnon filho de Aurora possuidor de uma armadura confeccionada por Hefesto
chega ao socorro dos troianos Teacutetis prediz a seu filho o que decorreraacute a partir do embate com
Mecircmnon
Em confronto Antiacuteloco eacute abatido por Mecircmnon e logo Aquiles o mata Aurora lhe
concede a eternidade por rogaacute-la da parte de Zeus
Rechaccedilando os troianos e jaacute irrompendo cidadela adentro Aquiles eacute abatido por Paacuteris
e por Apolo Violenta batalha tem iniacutecio em volta do cadaacutever Aacutejax resgata-o e carrega ateacute as
naus enquanto Odisseu vai repelindo os troianos
Entatildeo sepultam Antiacuteloco e dispotildeem o corpo de Aquiles para o funeral
Chegando junto das Musas e das irmatildes Teacutetis vela seu filho Depois disso Teacutetis subtrai
o filho de sobre a pira e o transporta para a Ilha Branca
Os aqueus lhe erigem uma sepultura e instauram jogos e uma disputa pelas armas de
Aquiles sobreveacutem entre Odisseu e Ajax
223 Pequena Iliacuteada
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλιάδος μικρᾶς
Ἑξῆς δ ἐστὶν Ἰλιάδος μικρᾶς βιβλία τέσσαρα Λές- 206
χεω Μυτιληναίου περιέχοντα τάδε
Ἡ τῶν ὅπλων κρίσις γίνεται καὶ Ὀδυσσεὺς κατὰ
βούλησιν Ἀθηνᾶς λαμβάνει Αἴας δ ἐμμανὴς γενόμενος
τήν τε λείαν τῶν Ἀχαιῶν λυμαίνεται καὶ ἑαυτὸν ἀναιρεῖ 210
μετὰ ταῦτα Ὀδυσσεὺς λοχήσας Ἕλενον λαμβάνει
καὶ χρήσαντος περὶ τῆς ἁλώσεως τούτου Διομήδης ἐκ Λήμνου
140
Φιλοκτήτην ἀνάγει ἰαθεὶς δὲ οὗτος ὑπὸ Μαχάονος καὶ μονο-
μαχήσας Ἀλεξάνδρῳ κτείνει καὶ τὸν νεκρὸν ὑπὸ Μενελάου
καταικισθέντα ἀνελόμενοι θάπτουσιν οἱ Τρῶες 215
μετὰ δὲ ταῦτα Δηΐφοβος Ἑλένην γαμεῖ
καὶ Νεοπτόλεμον Ὀδυσσεὺς ἐκ Σκύρου ἀγαγὼν τὰ
ὅπλα δίδωσι τὰ τοῦ πατρός καὶ Ἀχιλλεὺς αὐτῷ φαντάζεται
Εὐρύπυλος δὲ ὁ Τηλέφου ἐπίκουρος τοῖς Τρωσὶ παρα-
γίνεται καὶ ἀριστεύοντα αὐτὸν ἀποκτείνει Νεοπτόλεμος 220
καὶ οἱ Τρῶες πολιορκοῦνται
καὶ Ἐπειὸς κατ Ἀθηνᾶς προαίρεσιν τὸν δούρειον
ἵππον κατασκευάζει
Ὀδυσσεύς τε αἰκισάμενος ἑαυτὸν κατάσκοπος εἰς
Ἴλιον παραγίνεται καὶ ἀναγνωρισθεὶς ὑφ Ἑλένης περὶ 225
τῆς ἁλώσεως τῆς πόλεως συντίθεται κτείνας τέ τινας τῶν
Τρώων ἐπὶ τὰς ναῦς ἀφικνεῖται
καὶ μετὰ ταῦτα σὺν Διομήδει τὸ παλλάδιον ἐκκο-
μίζει ἐκ τῆς Ἰλίου
ἔπειτα εἰς τὸν δούρειον ἵππον τοὺς ἀρίστους ἐμ- 230
βιβάσαντες τάς τε σκηνὰς καταφλέξαντες οἱ λοιποὶ τῶν
Ἑλλήνων εἰς Τένεδον ἀνάγονται
οἱ δὲ Τρῶες τῶν κακῶν ὑπολαβόντες ἀπηλλάχθαι τόν
τε δούρειον ἵππον εἰς τὴν πόλιν εἰσδέχονται διελόντες
μέρος τι τοῦ τείχους καὶ εὐωχοῦνται ὡς νενικηκότες τοὺς 235
Ἕλληνας
Do mesmo sobre a Pequena Iliacuteada
Em sequecircncia haacute os quatro livros da Pequena Iliacuteada de Lesques de Mitilene que
compreendem o seguinte
Ocorre o juiacutezo a respeito das armas e Odisseu obteacutem-nas conforme a intenccedilatildeo de
Atena Ajax por sua vez apoacutes ficar ensandecido destroacutei o espoacutelio de gado dos aqueus e
tambeacutem imola a si mesmo
141
Depois disso Odisseu captura Heleno em uma emboscada apoacutes um oraacuteculo deste a
respeito da tomada da cidadela Diomedes traz Filoctetes de volta de Lemnos Curado por
Macaacuteon ele mata Alexandre em um duelo Os troianos sepultam o cadaacutever depois de reavecirc-lo
desfigurado por Menelau
Depois disso Decircifobo toma Helena por esposa
Apoacutes trazer Neoptoacutelemo de Esquiro Odisseu lhe entrega as armas do pai Aquiles
aparece para ele
Euriacutepilo filho de Teacutelefo se apresenta como aliado dos troianos e no auge de sua
bravura combativa Neoptoacutelemo o mata
Os troianos estatildeo encurralados
Epeu constroacutei o cavalo de madeira segundo o plano de Atena
Odisseu flagelando-se a si mesmo adentra Iacutelio como espiatildeo e combina com Helena
por quem fora reconhecido a tomada da cidade mata alguns troianos e chega de volta agraves
naus
Depois com Diomedes carrega o palaacutedio para fora de Iacutelio
Em seguida os melhores dos helenos ingressam no cavalo de madeira e o restante
navega para Tecircnedo havendo ateado fogo ao acampamento
Os troianos supondo-se livres de males recebem o cavalo de madeira dentro da
cidade quebrando uma brecha na muralha e festejam como se houvessem vencido os
helenos
224 Saque de Iacutelio
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλίου πέρσιδος
Ἕπεται δὲ τούτοις Ἰλίου πέρσιδος βιβλία δύο Ἀρκ-
τίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε 240
ὡς τὰ περὶ τὸν ἵππον οἱ Τρῶες ὑπόπτως ἔχοντες
περιστάντες βουλεύονται ὅ τι χρὴ ποιεῖν καὶ τοῖς μὲν
δοκεῖ κατακρημνίσαι αὐτόν τοῖς δὲ καταφλέγειν οἱ δὲ ἱερὸν
αὐτὸν ἔφασαν δεῖν τῇ Ἀθηνᾷ ἀνατεθῆναι καὶ τέλος νικᾷ
ἡ τούτων γνώμη 245
142
τραπέντες δὲ εἰς εὐφροσύνην εὐωχοῦνται ὡς ἀπηλ-
λαγμένοι τοῦ πολέμου
ἐν αὐτῷ δὲ τούτῳ δύο δράκοντες ἐπιφανέντες τόν
τε Λαοκόωντα καὶ τὸν ἕτερον τῶν παίδων διαφθείρουσιν
ἐπὶ δὲ τῷ τέρατι δυσφορήσαντες οἱ περὶ τὸν Αἰνείαν 250
ὑπεξῆλθον εἰς τὴν Ἴδην
καὶ Σίνων τοὺς πυρσοὺς ἀνίσχει τοῖς Ἀχαιοῖς πρό-
τερον εἰσεληλυθὼς προσποίητος
οἱ δὲ ἐκ Τενέδου προσπλεύσαντες καὶ οἱ ἐκ τοῦ δου-
ρείου ἵππου ἐπιπίπτουσι τοῖς πολεμίοις καὶ πολλοὺς ἀν- 255
ελόντες τὴν πόλιν κατὰ κράτος λαμβάνουσι
καὶ Νεοπτόλεμος μὲν ἀποκτείνει Πρίαμον ἐπὶ τὸν
τοῦ Διὸς τοῦ ἑρκείου βωμὸν καταφυγόντα
Μενέλαος δὲ ἀνευρὼν Ἑλένην ἐπὶ τὰς ναῦς κατάγει
Δηΐφοβον φονεύσας 260
Κασσάνδραν δὲ Αἴας ὁ Ἰλέως πρὸς βίαν ἀποσπῶν
συνεφέλκεται τὸ τῆς Ἀθηνᾶς ξόανον ἐφ ᾧ παροξυνθέντες
οἱ Ἕλληνες καταλεῦσαι βουλεύονται τὸν Αἴαντα ὁ δὲ ἐπὶ
τὸν τῆς Ἀθηνᾶς βωμὸν καταφεύγει καὶ διασῴζεται ἐκ τοῦ
ἐπικειμένου κινδύνου 265
[ἔπειτα ἀποπλέουσιν οἱ Ἕλληνες καὶ φθορὰν αὐτοῖς
ἡ Ἀθηνᾶ κατὰ τὸ πέλαγος μηχανᾶται]
καὶ Ὀδυσσέως Ἀστυάνακτα ἀνελόντος
Νεοπτόλεμος Ἀνδρομάχην γέρας λαμβάνει
καὶ τὰ λοιπὰ λάφυρα διανέμονται 270
Δημοφῶν δὲ καὶ Ἀκάμας Αἴθραν εὑρόντες ἄγουσι
μεθ ἑαυτῶν
ἔπειτα ἐμπρήσαντες τὴν πόλιν
Πολυξένην σφαγιάζουσιν ἐπὶ τὸν τοῦ Ἀχιλλέως τάφον
Do mesmo sobre o Saque de Iacutelio
143
Seguem-se a isso os dois livros do Saque de Iacutelio de Arctino de Mileto compreendendo
isto
Como os troianos estatildeo desconfiados do cavalo reunindo-se em torno dele deliberam
sobre o que fazer A uns parece melhor atiraacute-lo precipiacutecio abaixo a outros incendiaacute-lo uns
dizem entatildeo que ele deveria ser dado como oferenda a Atena Vence a proposta destes por
fim
Tomados pela animaccedilatildeo festejam como se estivessem dispensados da guerra Bem
nesse momento duas serpentes aparecem e trucidam Laoconte e seu filho mais novo
Consternados com esse prodiacutegio Eneacuteias e os companheiros escapam secretamente
para o monte Ida
Entatildeo Sinatildeo o primeiro a disfarccedilado lograr um incurso acende tochas ao alto da
cidade como sinal aos aqueus
Juntos tanto os que retornam de Tecircnedos como os de dentro do cavalo os helenos
precipitam-se sobre os inimigos e tomam a cidade de assalto matando muitos
Neoptoacutelemo mata Priacuteamo que se refugiara no altar de Zeus Guarda Lar
Apoacutes achar Helena Menelau a leva de volta para as naus assassinando Decircifobo
Aacutejax filho de Ileu levando Cassandra agrave forccedila arrasta tambeacutem a imagem de madeira
de Atena Irritados com isso os helenos decidem apedrejar Aacutejax mas ele busca refuacutegio no
altar de Atena e se manteacutem a salvo do perigo iminente
[Entatildeo os helenos zarpam e Atena estaacute maquinado contra eles um naufraacutegio em alto
mar]
Tendo Odisseu matado Astiacuteanax Neoptoacutelemo toma Androcircmaca como seu precircmio
Repartem o restante do espoacutelio
Apoacutes acharem Etra Demofatildeo e Aacutecamas levam-na consigo
Em seguida sacrificam Polixena sobre o tuacutemulo de Aquiles havendo incendiado a
cidade
225 Retornos
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Νόστων
Συνάπτει δὲ τούτοις τὰ τῶν Νόστων βιβλία πέντε 277
144
Ἀγίου Τροιζηνίου περιέχοντα τάδε
Ἀθηνᾶ Ἀγαμέμνονα καὶ Μενέλαον εἰς ἔριν καθίς-
τησι περὶ τοῦ ἔκπλου 280
Ἀγαμέμνων μὲν οὖν τὸν τῆς Ἀθηνᾶς ἐξιλασόμενος
χόλον ἐπιμένει
Διομήδης δὲ καὶ Νέστωρ ἀναχθέντες εἰς τὴν οἰ-
κείαν διασῴζονται
μεθ οὓς ἐκπλεύσας ὁ Μενέλαος μετὰ πέντε νεῶν 285
εἰς Αἴγυπτον παραγίνεται τῶν λοιπῶν διαφθαρεισῶν νεῶν
ἐν τῷ πελάγει
οἱ δὲ περὶ Κάλχαντα καὶ Λεοντέα καὶ Πολυποίτην
πεζῇ πορευθέντες εἰς Κολοφῶνα Τειρεσίαν ἐνταῦθα τελευ-
τήσαντα θάπτουσι 290
τῶν δὲ περὶ τὸν Ἀγαμέμνονα ἀποπλεόντων Ἀχιλ-
λέως εἴδωλον ἐπιφανὲν πειρᾶται διακωλύειν προλέγον τὰ
συμβησόμενα
εἶθ ὁ περὶ τὰς Καφηρίδας πέτρας δηλοῦται χειμὼν
καὶ ἡ Αἴαντος φθορὰ τοῦ Λοκροῦ 295
Νεοπτόλεμος δὲ Θέτιδος ὑποθεμένης πεζῇ ποιεῖ-
ται τὴν πορείαν καὶ παραγενόμενος εἰς Θρᾴκην Ὀδυσσέα
καταλαμβάνει ἐν τῇ Μαρωνείᾳ καὶ τὸ λοιπὸν ἀνύει τῆς
ὁδοῦ καὶ τελευτήσαντα Φοίνικα θάπτει αὐτὸς δὲ εἰς Μολος-
σοὺς ἀφικόμενος ἀναγνωρίζεται Πηλεῖ 300
ἔπειτα Ἀγαμέμνονος ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυται-
μήστρας ἀναιρεθέντος ὑπ Ὀρέστου καὶ Πυλάδου τιμωρία
καὶ Μενελάου εἰς τὴν οἰκείαν ἀνακομιδή
Do mesmo sobre os Retornos
A esses eventos atrelam-se os cinco livros dos Retornos de Aacutegias de Trezene
compreendendo o seguinte
Atena potildee Agamecircmnon e Menelau em discoacuterdia a respeito da viagem de volta
Agamecircmnon retarda sua partida para apaziguar a colera da deusa
145
Diomedes e Neacutestor levados por alto mar chegam a sua casa em seguranccedila
Menelau que partiu atraacutes deles chega ao Egito com cinco das naus as restantes
naufragando em alto mar
Os comandados por Calcas Leonteu e Polipetes viajam a peacute ateacute Colofatildeo laacute sepultam
Tireacutesias que falecera
Quando os comandados por Agamecircmnon estatildeo partindo uma apariccedilatildeo de Aquiles
tenta impedi-los manifestando-se e anunciando os acontecimentos vindouros
Nesse passo se descreve a tempestade nas redondezas das Rochas Cafeacuterides e a ruiacutena
de Aacutejax da Loacutecria
Neoptoacutelemo faz a jornada a peacute a conselho de Teacutetis Chegando agrave Traacutecia depara-se com
Odisseu em Marocircnia completa o restante de seu percurso e sepulta o falecido Fecircnix
Chegando ateacute os moloacutessios ele proacuteprio eacute reconhecido por Peleu
Em seguida a execuccedilatildeo de Agamecircmnon por Egisto e Clitemnestra a vinganccedila de
Orestes e Piacutelades e o retorno para casa de Menelau
226 Telegonia
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Τηλεγονίας
Μετὰ ταῦτά ἐστιν Ὁμήρου Ὀδύσσεια ἔπειτα Τηλε- 306
γονίας βιβλία δύο Εὐγάμμωνος Κυρηναίου περιέχοντα τάδε
οἱ μνήστορες ὑπὸ τῶν προσηκόντων θάπτονται
καὶ Ὀδυσσεὺς θύσας Νύμφαις εἰς Ἦλιν ἀποπλεῖ
ἐπισκεψόμενος τὰ βουκόλια καὶ ξενίζεται παρὰ Πολυξένῳ 310
δῶρόν τε λαμβάνει κρατῆρα καὶ ἐπὶ τούτῳ τὰ περὶ Τρο-
φώνιον καὶ Ἀγαμήδην καὶ Αὐγέαν
ἔπειτα εἰς Ἰθάκην καταπλεύσας τὰς ὑπὸ Τειρεσίου
ῥηθείσας τελεῖ θυσίας
καὶ μετὰ ταῦτα εἰς Θεσπρωτοὺς ἀφικνεῖται καὶ γαμεῖ 315
Καλλιδίκην βασιλίδα τῶν Θεσπρωτῶν
ἔπειτα πόλεμος συνίσταται τοῖς Θεσπρωτοῖς πρὸς
Βρύγους Ὀδυσσέως ἡγουμένου ἐνταῦθα Ἄρης τοὺς περὶ
146
τὸν Ὀδυσσέα τρέπεται καὶ αὐτῷ εἰς μάχην Ἀθηνᾶ καθίς-
ταται τούτους μὲν Ἀπόλλων διαλύει 320
μετὰ δὲ τὴν Καλλιδίκης τελευτὴν τὴν μὲν βασιλείαν
διαδέχεται Πολυποίτης Ὀδυσσέως υἱός αὐτὸς δ εἰς Ἰθάκην
ἀφικνεῖται
κἀν τούτῳ Τηλέγονος ἐπὶ ζήτησιν τοῦ πατρὸς πλέων
ἀποβὰς εἰς τὴν Ἰθάκην τέμνει τὴν νῆσον ἐκβοηθήσας δ 325
Ὀδυσσεὺς ὑπὸ τοῦ παιδὸς ἀναιρεῖται κατ ἄγνοιαν
Τηλέγονος δ ἐπιγνοὺς τὴν ἁμαρτίαν τό τε τοῦ πατρὸς
σῶμα καὶ τὸν Τηλέμαχον καὶ τὴν Πηνελόπην πρὸς τὴν μητέρα
μεθίστησιν ἡ δὲ αὐτοὺς ἀθανάτους ποιεῖ καὶ συνοικεῖ τῇ
μὲν Πηνελόπῃ Τηλέγονος Κίρκῃ δὲ Τηλέμαχος 330
Do mesmo sobre a Telegonia
Depois disso eacute a Odisseia de Homero depois os dois livros da Telegonia de Ecircugamon
de Cirene que compreendem o seguinte
Os pretendentes satildeo sepultados por seus parentes
Odisseu faz sacrifiacutecios agraves Ninfas e zarpa para Eacutelis a fim de inspecionar o gado Eacute
hospedado por Poliacutexeno recebe de presente uma cratera e nela estaacute a histoacuteria de Trofocircnio
Agamedes e Aacuteugeas
Desembarcando de volta em Iacutetaca executa os sacrifiacutecios especificados por Tireacutesias
Depois desses eventos chega agrave Tesproacutetia e toma Caliacutedice por mulher rainha dos
Tesproacutetios
Depois se concretiza uma guerra dos Tesproacutetios liderados por Odisseu contra os
Brugos Nisso Ares debanda os homens de Odisseu e Atena engaja-se em combate contra ele
Apolo eacute quem os aparta
Depois da morte de Caliacutedice Polipetes filho de Odisseu herda a realeza enquanto
este retorna agrave Iacutetaca
Nesse momento Telecircgono que navegava agrave procura de seu pai e desembarcara em
Iacutetaca devastava a ilha Odisseu que viera defendecirc-la por engano eacute morto por seu filho
147
Telecircgono apoacutes tomar conhecimento de seu crime transporta Telecircmaco Peneacutelope e o
corpo do pai ateacute sua matildee Ela os torna imortais Telecircgono casa-se com Peneacutelope e Telecircmaco
com Circe
148
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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- A CRESTOMATIA DE PROCLOTraduccedilatildeo integral notas e estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
- AGRADECIMENTOS
- RESUMO
- ABSTRACT
- IacuteNDICE
- Apresentaccedilatildeo
- PARTE IEstudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
-
- 1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO
-
- 11VESTIacuteGIOS DA OBRA
- 12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO
- 13 O NOME E A OBRA
-
- 131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio
- 132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239
- 133 O termo ldquocrestomatiardquo
- 134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra
-
- 2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA
-
- 21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO
- 22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO
-
- 221 O molde copioso
- 222 O molde tecircnue
- 223 O molde meacutedio
- 224 O molde florido
- 225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo
-
- 3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA
-
- 31 SEUS GEcircNEROS
- 32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE DIOMEDES
- 33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO
-
- 331 Epos
-
- 3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria
- 3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico
-
- 332 Elegia
- 333 Iambo
- 334 Meacutelica
-
- PARTE IITraduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
-
- 1 COacuteDICE 239
-
- 11 TEXTO
- 12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO
-
- 2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO
-
- 21 VIDA DE HOMERO
- 22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO
-
- 221 Ciacuteprias
- 222 Etioacutepida
- 223 Pequena Iliacuteada
- 224 Saque de Iacutelio
- 225 Retornos
- 226 Telegonia
-
- REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
-
2
A meus pais que sempre me deram tudo quando foi possiacutevel
A minha irmatilde agrave sua capacidade e agrave sua trajetoacuteria exemplares
A Maria Beatriz Bouissou Macecircdo que com seu coraccedilatildeo encerra sua primeira dissertaccedilatildeo
de mestrado
3
AGRADECIMENTOS
Agrave CAPES pelo auxiacutelio concedido que me permitiu grande foco no uacuteltimo ano de
pesquisa
A meu grande orientador Prof Dr Marcos Martinho dos Santos que eacute uma inspiraccedilatildeo
desde a primeira aula do curso de Introduccedilatildeo aos Estudos Claacutessicos que ministrou no ano de
2003 a que assisti tatildeo logo ingressei na Universidade de Satildeo Paulo Que o decoro deste
gecircnero ldquoagradecimentos de dissertaccedilatildeo de mestradordquo me perdoe mas minha admiraccedilatildeo por
ele como acadecircmico talvez soacute se compare a minha admiraccedilatildeo pelo Led Zeppelin como banda
Ao Prof Dr Jacyntho Lins Brandatildeo que aceitou o convite para compor a banca e me
levou a reflexotildees teoacutericas imprescindiacuteveis e salutares contribuindo com sua vastiacutessima
experiecircncia no estudo de tatildeo fascinante objeto a Poeacutetica Antiga
Ao Prof Dr Joatildeo Acircngelo Oliva Neto por aceitar o mesmo convite e pelos proveitosos
conselhos que ateacute agora me deu natildeo soacute no exame de qualificaccedilatildeo e no exame de conclusatildeo
como tambeacutem desde que fui seu aluno pela primeira vez ainda na graduaccedilatildeo e em sucessivas
ocasiotildees Agradeccedilo-lhe por todas as questotildees de ordem tradutoloacutegica tambeacutem salutares que
me impocircs desde o princiacutepio de sua participaccedilatildeo neste processo Sem elas minha traduccedilatildeo
ainda estaria muito aqueacutem do esperado E como se natildeo bastasse tudo isso por ser o professor
mais engraccedilado com que tive aula na minha vida
Ao Prof Dr Alexandre Pinheiro Hasegawa que aleacutem dos importantes apontamentos
feitos no exame de qualificaccedilatildeo ajudou a refletir sobre os desdobramentos dados agrave pesquisa
Para noacutes neoacuteteroi ele eacute um clacissista modelar
A outros cariacutessimos professores que sempre foram capazes de muito me ensinar com
uma simples conversa durante o cafeacute Ao inesqueciacutevel mestre o professor Joatildeo Adolfo
Hansen agrave professora Paula da Cunha Correa ao professor Daniel Rossi Nunes Lopes ao
professor Maacuterio Eduardo Viaro
A meus pais pelo amor gritante e pelo amor taacutecito A minha irmatilde e agrave chatice de sua
companhia de que sinto falta a cada dia mais e mais Aos treze catildees da minha casa cujas
macias barrigas pude usar como travesseiro quando estava cansado Ao gato Fecircnix que possui
muito mais de sete ou nove vidas por seu fofo sobrepeso
A Maria Beatriz Bouissou Macecircdo por tudo que haacute de sincero
4
A Ticiano Curvelo Estrela Lacerda e a Artur Costrino irmatildeos cujas tatildeo notaacuteveis
qualidades sempre me incentivam como estudioso Agrave brilhante e mais cara amiga Tarsila
Donaacute e a Gabriel Lohner Groacutef e ao imprescindiacutevel auxiacutelio prestado por ambos na Casa de
Socorro aos Mestrandos Desesperados com a Corda no Pescoccedilo A Rafael Frate o
ldquoplenibroacutederrdquo
Agrave indissociaacutevel Amanda Lenharo di Santis e agrave afaacutevel companhia do gato Pimenta
A Diego Ydalgo Mateus Macedo Pires Samuel Gadia Rafael Pompiacutelio Gustavo
Motta e Fernando Baratella ternos amigos da terna idade de viacutedeo-game RPG HQ futebol e
(jaacute natildeo mais tatildeo terna) The Doors Como esquecer o primeiro Camotildees o primeiro Boccage o
primeiro Aacutelvares de Azevedo Gonccedilalves Dias Bandeira Drummond lidos nessa eacutepoca
A Rafael Brunhara Marcus Baccega Alexandre Almeida Marcussi e a outros
estimados amigos e colegas que jamais faria natildeo fossem as Letras e a FFLCH
5
RESUMO
A presente dissertaccedilatildeo visa agrave traduccedilatildeo anotada dos textos que nos datildeo a conhecer a
obra convencionalmente denominada Crestomatia e atribuiacuteda a Proclo junto de um estudo
que caracterize o quanto possiacutevel essa obra que permanece tatildeo obscura quanto relevante para
os Estudos Claacutessicos Traduziram-se tanto os fragmentos referentes ao Ciclo Eacutepico provaacuteveis
excertos diretos da obra como o resumo que dela restou na Biblioteca de Foacutecio coacutedice 239
A anotaccedilatildeo se ateacutem ao coacutedice 239 a fim de tornar conhecido o que fosse o variado conteuacutedo
geral da obra O coacutedice tambeacutem eacute o foco do estudo que pretende em trecircs capiacutetulos 1o)
discutir os problemas em torno do texto ie a atribuiccedilatildeo o tiacutetulo a constituiccedilatildeo da obra sua
histoacuteria etc 2o) tendo estabelecido algumas hipoacuteteses sobre essa constituiccedilatildeo diversa
explicitaacute-la comentando a primeira seccedilatildeo do texto e a confluecircncia de saberes diversos sobre as
Letras da Antiguidade fossem a Retoacuterica a Gramaacutetica a Poeacutetica considerando seus limites
3o) considerando a seccedilatildeo posterior do texto sobre a classificaccedilatildeo geneacuterica da poesia antiga
relacionaacute-lo com outros que versem sobre a classificaccedilatildeo dos gecircneros poeacuteticos em especial o
De Poematibus de Diomedes
PALAVRAS-CHAVE poeacutetica gramaacutetica retoacuterica poesia antiga gecircneros literaacuterios
6
ABSTRACT
The scope of the current dissertation is to present a commented translation in
Portuguese of the group of texts that gives us knowledge of the work conventionaly called
Chrestomathy ascribed to Proclus We present as well a study that characterizes as much as
possible this work that remains as obscure as relevant to the Classical Studies The fragments
that refer to the Epic Cycle which are probably direct excerpts of the original work were
translated as well as the summary which was preseved in Photiusrsquo Library the 239 codex
The commentary is about the 239 codex with the purpose of give knowledge of the
miscellaneous general content of the work The codex is also the focus of the study where in
three chapters 1) it will be discussed the questions around the text ie the ascription the
title the constitution of the work its history 2) having been established some hypothesis
about this diverse constitution it will be exposed on commenting the first section of the text
and the confluency as well as the limits of multiple knowledges of Literature in Antiquity
comprehending Rhetorics Grammar and Poetics 3) considering the later section of the text
concerning to the generic classification of ancient poetry we will relate the text with others
that deal with the classification of poetic genres especially Diomedesrsquo De Poematibus
KEYWORDS poetics grammar rhetoric ancient poetry literary genres
7
IacuteNDICE
Apresentaccedilatildeo9
Parte I ndash Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
Capiacutetulo 1 ndash CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO10
11 VESTIacuteGIOS DA OBRA10
12 AUTORIA E ATRIBUUICcedilAtildeO12
13 O NOME E A OBRA18
131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio18
132 A intitulaccedilatildeo do coacutedice 23925
133 O termo ldquocrestomatiardquo32
134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra38
Capiacutetulo 2 ndash A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA
ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA50
21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO50
22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO52
221 O molde copioso55
222 O molde tecircnue57
223 O molde meacutedio59
224 O molde florido61
225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo62
Capiacutetulo 3 ndash A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA67
31 SEUS GEcircNEROS67
32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS
DE DIOMEDES74
33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO81
331 Epos83
3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria83
3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico86
332 Elegia90
333 Iambo94
334 Meacutelica96
Parte II ndash Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
1 COacuteDICE 23998
11 TEXTO98
12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO109
2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO
8
CICLO EacutePICO128
21 VIDA DE HOMERO128
22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO132
221 Ciacuteprias132
222 Etioacutepida137
223 Pequenas Iliacuteada139
224 Saque de Iacutelio141
225 Retornos143
226 Telegonia145
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS148
9
Apresentaccedilatildeo
Esta dissertaccedilatildeo de mestrado se debruccedila sobre o texto tradicionalmente denominado
Crestomatia e apenas atribuiacutedo a um Proclo cuja identidade permanece em litiacutegio Sem que
isso tenha sido um impedimento para muitos antes de mim proponho aqui considerada a
imensidatildeo de toacutepicos apenas aludidos ou sugeridos por tal objeto textual (alguns carentes de
investigaccedilatildeo)
a) uma traduccedilatildeo integral do que o tempo nos legou da obra um resumo preservado
por Foacutecio de Constantinopla seacutec IX dC e os excertos aceites pelos estudiosos como seus
uacutenicos fragmentos ldquooriginaisrdquo
b) um estudo introduzindo a traduccedilatildeo que se focou em questotildees de composiccedilatildeo da
obra (da sua atribuiccedilatildeo agrave sua abrangecircncia) partes organizaccedilatildeo teorias que continha ou
propunha intenccedilatildeo e finalidade Em funccedilatildeo desse enfoque questotildees agraves quais a Crestomatia
de Proclo muitas vezes serve de ponto de partida como por exemplo a aplicaccedilatildeo das
categorias antigas de interpretaccedilatildeo poeacutetica agrave poesia liacuterica da Greacutecia Antiga os testemunhos
que conteacutem dessa interpretaccedilatildeo de base heleniacutestica etc foram em parte contemplados e em
parte deixados de lado em funccedilatildeo de um objetivo primeiro refletir sobre o que seria essa obra
e sua relaccedilatildeo com textos que lidam com assuntos semelhantes
Desta maneira portanto se organiza o texto
PARTE I ndash Um estudo em trecircs capiacutetulos o 1o abordando as questotildees baacutesicas sobre o
objeto escrito (tiacutetulo autoria) e como eacute transmitido a noacutes o 2o abordando o que aqui se
delimita como sua primeira seccedilatildeo em que se definia seu objeto e uma abordagem para ele a
fim de se conseguir uma caracterizaccedilatildeo da obra o 3o propondo a partir dos elementos
estudados uma comparaccedilatildeo com outro texto semelhante a fim de discutir os criteacuterios de
anaacutelise da poesia que na Crestomatia seratildeo empregados ateacute o fim do texto com o objetivo de
classificar a antiga poesia liacuterica ou meacutelica (sendo as especificidades dessa apresentadas ao
longo das nostas agrave traduccedilatildeo agrave medida do necessaacuterio)
PARTE II ndash A traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio que resume
a Crestomatia e a traduccedilatildeo dos resumos do chamado ciclo eacutepico que chega ateacute noacutes atraveacutes de
manuscritos de Homero
10
PARTE I
Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO
11VESTIacuteGIOS DA OBRA
Qualquer um cujo interesse seja desperto por isso que geralmente se denomina a
Crestomatia de Proclo tatildeo logo busque se aproximar do objeto deparar-se-aacute com fragmentos
que unidos ao fim nos forneceratildeo somente o espectro de uma obra que parece ter sido uma
importante e abrangente compilaccedilatildeo sobre as letras antigas algo semelhante ao que hoje
chamariacuteamos um manual de literatura
Haacute dois grupos de textos que juntos compotildeem o quanto se pode acessar do que a
julgar pelo que nos diz Foacutecio no coacutedice 239 de sua Biblioteca teria sido uma obra composta
de quatro livros1 e que sem duacutevida a despeito das discussotildees acerca do primeiro paraacutegrafo do
coacutedice (concernente ao nome) teria em seu tiacutetulo o termo ldquocrestomatiardquo
A comeccedilar pela Biblioteca como se sabe consiste em resumos epiacutetomes cuja
confecccedilatildeo2 para aleacutem do interesse do irmatildeo de Foacutecio3 serviria em uacuteltima instacircncia agraves duas
funccedilotildees mais baacutesicas que se podem supor dar a conhecer os textos resumidos a quem natildeo
poderia acessaacute-los integralmente e fornecer diferentes saberes numa mesma fonte ie reunir
informaccedilatildeo diversa preservando para um leitor que natildeo tivesse acesso a essa informaccedilatildeo agrave
medida do possiacutevel o mais relevante dos originais
Um conjunto de textos consiste portanto nos diferentes manuscritos que seguramente
contecircm a Biblioteca de Foacutecio E eacute entre diferentes obras reunidas para a Biblioteca portanto
que se resume no coacutedice 239 (de um modo a ser discutido) a obra em questatildeo
convencionalmente designada Crestomatia Trata-se pois de tradiccedilatildeo indireta
1 Severyns A Recherches sur la Chrestomathie de Proclos Le Codex 239 de Photius Eacutetude Paleacuteographique et
Critique (t I) Texte Traduction Commentaire (t II) La Vita Homeri et les Sommaires du Cycle Eacutetude
Paleacuteographique et Critique (t III) Texte et Traduction (t IV) Paris Belles Lettres 1977 Tomo II paacuteg 31 2 Severyns op cit tome I paacuteg 1 ndash 6 3 Foacutecio Biblioteca paacuteg 1
11
O outro conjunto de textos eacute bem mais visado pelos estudos claacutessicos em geral dado o
que conteacutem Consiste nos 14 manuscritos da Iliacuteada dos quais todos como uma introduccedilatildeo
trazem uma Vida de Homero4 Deles 10 tambeacutem trazem um texto designado
um apenas Venetus A (o mais velho) traz na sequecircncia
e Aquela Vida
como se vecirc pelo nome eacute uma breve biografia de Homero mas satildeo estes que foram por muito
tempo objeto dos estudiosos pois consistem em resumos aparentemente completos embora
bem pontuais dos poemas ciacuteclicos ou pelo menos de alguns deles ie os poemas que narram
os demais episoacutedios do ldquochamado ciclo eacutepicordquo (para usar os proacuteprios termos do epiacutetome do
coacutedice 239) o qual numa definiccedilatildeo mais teacutecnica seria a somatoacuteria de todas as narraccedilotildees
eacutepicas ou mais rigorosamente todos os (eacutepe)6 circunscritos a um conjunto de episoacutedios
que vai desde a origem do universo ateacute a morte de Odisseu A despeito do que se possa
conjeturar mais pormenorizadamente sobre o que de fato pleiteavam tais poemas o proacuteprio
texto do epiacutetome fociano no seu paraacutegrafo 19 eacute um de nossos principais testemunhos de
como tais poemas eram entendidos por diferentes autores que versaram sobre poeacutetica
integrando um todo ldquo
rdquo7 ndash ldquoFecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo
de diferentes poetasrdquo
Antes desse paraacutegrafo na seccedilatildeo do epiacutetome dedicada ao epos (sect13 a 23) apoacutes a
invenccedilatildeo do metro sua mateacuteria (sect13) como o nome se fixa (sect14) e o elenco de seus melhores
poetas (sect15) o paraacutegrafo 16 nos informa que ldquoele [o provaacutevel autor Proclo] discorre na
medida do possiacutevel sobre a origem a paacutetria e algumas histoacuterias particulares a respeito de tais
poetasrdquo e o paraacutegrafo 17 por sua vez diz que [ele] ldquoentatildeo inicia as consideraccedilotildees sobre o
chamado ciclo eacutepicordquo e assinala seu iniacutecio no intercurso entre Ceacuteu e Terra O verbo
(dialambaacuteno) que inicia o paraacutegrafo tem o sentido forte de ldquojulgar avaliar
tomar como objeto de consideraccedilatildeordquo O verbo que inicia o paraacutegrafo seguinte (sect18)
possui o sentido metafoacuterico de abrir caminho em um texto em uma mateacuteria
em um objeto ie ldquoexaminaacute-lordquo Diz-se que ldquoele [autor] segue examinando diversas coisas
concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticasrdquo Os paraacutegrafos 20 a 23 satildeo dedicados a peculiaridades
referentes ao ciclo que no entendimento do resumidor merecem destaque a razatildeo pela qual
4 Designaccedilatildeo latina do texto que no grego vem designado como ou como Venetus A
ou Homero eacutepoca vida caracteriacutestica tiacutetulo de poemas 5 Que traduzi na ordem por ldquo(sobre) a(s) Ciacuteprias Etioacutepida Pequena Iliacuteada Saque de Iacutelio Retornos Telegoniardquo 6 Entendendo-se aqui no sentido amplo do texto uma composiccedilatildeo hexameacutetrica narrativa A discussatildeo
pormenorizada vem a seguir 7 Severyns 1977 pg 36 Grifo do autor
12
os poemas do ciclo foram preservados o nome e a paacutetria dos poetas que se ocuparam dele e
especificidades sobre a atribuiccedilatildeo e o nome das Ciacuteprias
Considerando-se que ao longo de seu texto o epiacutetome se caracteriza ou por de um
lado apenas notificar aquilo que o suposto autor diz de mais relevante sem entrar nos
detalhes de seu conteuacutedo ou de outro por pontuar informaccedilotildees bem especiacuteficas com o intuito
de daacute-las a conhecer (provavelmente como uma novidade) a seu leitor tanto os dois verbos
referidos que descrevem aquilo que ocorre no texto resumido como as vicissitudes de 20 a
23 que ressaltam especificidades julgadas pelo resumidor como relevantes a um leitor que
recorreria ao epiacutetome satildeo muito favoraacuteveis a que natildeo se ponha em duacutevida a atribuiccedilatildeo dos 14
manuscritos a Proclo ou pelo menos ao mesmo autor resumido no coacutedice 239 Ao que tudo
indica portanto os sete textos que compotildeem o Venetus A8 a julgar pela congruecircncia no que
possui em comum com os demais (que ou trazem a Vida de Homero ou essa mais o resumo
das Ciacuteprias) seriam sete excertos integrais da Crestomatia provavelmente ndash a julgar pelo
resumo ndash referentes agrave seccedilatildeo em que discutindo o epos o autor nos daria suas consideraccedilotildees
sobre quem foi Homero bem como resumos factuais acontecimento a acontecimento dos
demais poemas que compunham o chamado ciclo eacutepico
Eis a nossa obra de um lado um resumo e de outro sete outros breves textos que
pelas indicaccedilotildees nos manuscritos de Homero e pela congruecircncia de assunto brevemente
demonstrada seriam os uacutenicos excertos integrais que chegaram a noacutes De fato ambos
parecem corresponder a uma obra cujo conteuacutedo resumido ainda circulava no acircmbito das
letras bizantinas pelo menos desde algum periacuteodo um pouco anterior ao seacuteculo IX (pois pode
ser que Foacutecio teve acesso a ela integralmente) ateacute aproximadamente o seacuteculo XV seacuteculo a
que remontam os manuscritos mais recentes9 Todas as ediccedilotildees impressas portanto atribuem-
na a Proclo
12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO
8 Nesse manuscrito o resumo das Ciacuteprias encontra-se mutilado mas pode ser reconstituiacutedo pelo manuscrito F
Neapolitanus que de acordo com Severynns derivaria de um manuscrito em comum Cf Severyns tomo III
245 ndash 52 9 A propoacutesito dos uacuteltimos manuscritos Severynns (III 317 ndash 324) identifica o Ottobonianus G e H como
derivados de um arqueacutetipo entre os quais haacute um corretor que identifica como Joatildeo Tzetzes principalmente
por especificar na denominaccedilatildeo dos resumos a atribuiccedilatildeo a ldquoProclo platocircnico Diaacutedocordquo Mesmo que se recuse a
hipoacutetese essa correccedilatildeo e a proacutepria atribuiccedilatildeo revelam natildeo soacute uma atividade filoloacutegica que se debruccedilava sobre o
texto mas a preocupaccedilatildeo em atribuir-lhe a origem precisa
13
Uma vez que todos os manuscritos da Vida e dos Resumos atribuem o texto
indubitavelmente a Proclo e apenas um preocupa-se em explicitar de que Proclo se trata
restaria saber se de fato o suposto autor do texto eacute esse explicitado pelo corretor o Proclo
de quem mais se tecircm notiacutecias e obras o chamado diaacutedokhos ou ldquosucessorrdquo assim
designado por ser o renomado disciacutepulo e sucessor de Siriano na nova escola platocircnica de
Atenas onde estudou tambeacutem com Plutarco (de Atenas) apoacutes ser disciacutepulo de Olimpiodoro o
Velho em Alexandria provavelmente onde ainda jovem obteve sua primeira formaccedilatildeo com
o gramaacutetico Oacuterion de Tebas (Egito)10 de quem adiquiriu sua formaccedilatildeo nas letras ndash se para o
estudo da filosofia sua filiaccedilatildeo aos referidos filoacutesofos eacute fundamental para o estudo da obra
aqui abordada sua filiaccedilatildeo a esse gramaacutetico egiacutepicio seja talvez determinante como logo se
discutiraacute Foi no seacuteculo V dC um dos principais nomes do que denominamos
neoplatonismo e hoje eacute conhecido principalmente por seus comentaacuterios a Platatildeo Nosso
principal testemunho aqui a respeito desse Proclo eacute o Suda Diz-nos dele o Liacutecio (pois era
originaacuterio da Liacutecia) que para aleacutem de seus trabalhos filosoacuteficos escreveu muitas obras de
filosofia e gramaacutetica e aiacute nesse mesmo passo ldquoum comentaacuterio agrave obra de Homero um
comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo e trecircs livros sobre crestomatiardquo que se
entendermos como o tiacutetulo levaraacute agrave grafia ldquoSobre Crestomatiardquo Talvez fosse essa a obra que
nos permitiria identificar Proclo o Sucessor ou o Liacutecio como o autor do texto que
conhecemos pelo epiacutetome fociano Eacute necessaacuterio ressaltar que neste caso como natildeo eacute possiacutevel
fazer mais do que conjeturar o que se faraacute aqui eacute julgar a verossimilhanccedila das hipoacuteteses
Primeiro se deve julgar se eacute possiacutevel identificar essa obra de que o Suda fala agrave obra
resumida na Biblioteca Eacute de se crer que sim pelos seguintes motivos dos quais o primeiro eacute
cronoloacutegico a Biblioteca em que se encontra o epiacutetome foi composta seguramente no seacuteculo
IX no profiacutecuo contexto da atividade copista bizantina (a julgar pelo que se diz na sua
dedicatoacuteria preparada durante a viagem agrave corte dos Abaacutessidas em Bagdaacute e enviada ao irmatildeo
de Foacutecio que natildeo pudera ir e ficara em Constantinopla) o mesmo contexto do qual floresce o
Suda aproximadamente um seacuteculo depois Temos portanto coerecircncia temporal e regional
entre o epiacutetome da Biblioteca de Foacutecio e o leacutexico Em segundo lugar o Suda nos descreve um
neoplatocircnico que (falando de acordo com nossos termos) teria se dedicado natildeo soacute agrave filosofia
embora principalmente mas tambeacutem agrave ldquocriacutetica literaacuteriardquo ou filoloacutegica aqui designada
simplesmente por ldquogramaacuteticardquo (questatildeo terminoloacutegica que logo seraacute abordada) Que isso fosse
10 Ateacute pelo nome da conhecida constelaccedilatildeo julgou-se esse nome consagrado demais para ser vertido segundo o
criteacuterio aqui adotado para outros semelhantes (Oriatildeo) Vale mencionar que foi autor de um Leacutexico que foi
aproveitado por outros duas valiosas obras semelhantes a saber o Etymologicum Gudianum e o Etymologicum
Magnum
14
verdade pelo menos os exemplos parecem confirmaacute-lo uma vez que as obras arroladas
pertencem ou a esta ou agravequela aacuterea do saber antigo duas no entanto configuram um caso
particular por confirmarem que essa distinccedilatildeo de abordagem realmente ocorria Eacute possiacutevel
vislumbrar certo agrupamento temaacutetico parece que estas trecircs primeiras obras elencadas
referem-se agrave atividade filoloacutegica enquanto as que vecircm depois agrave atividade filosoacutefica
[] ἔγραψε πάνυ πολλά φιλόσοφά τε καὶ γραμματικά ὑπόμνημα εἰς
ὅλον τὸν Ὅμηρον ὑπόμνημα εἰς τὰ Ἡσιόδου Ἔργα καὶ Ἡμέρας Περὶ
χρηστομαθείας βιβλία γacute Περὶ ἀγωγῆς βacute Εἰς τὴν πολιτείαν
Πλάτωνος βιβλία δacute Εἰς τὴν Ὀρφέως Θεολογίαν Συμφωνίαν
Ὀρφέως Πυθαγόρου Πλάτωνος περὶ τὰ Λόγια βιβλία ιacute Περὶ τῶν
παρ Ὁμήρῳ θεῶν Ἐπιχειρήματα κατὰ Χριστιανῶν ιηacute
[] Escreveu diversas obras tanto de filosofia como de gramaacutetica Um
comentaacuterio a todo Homero comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de
Hesiacuteodo Acerca de Crestomatia em 3 livros Acerca de Educaccedilatildeo em
2 Sobre a Repuacuteblica de Platatildeo em 4 livros Sobre a Teologia de
Orfeu Consonacircncia de Orfeu Pitaacutegoras Platatildeo acerca dos Oraacuteculos
em 10 livros Sobre os Deuses em Homero 18 Contraprovas aos
Cristatildeos
(Suda 2473 4 ndash 10 traduccedilatildeo e grifos do autor)
De todas essas a recorrecircncia de Homero entre umas e outras parece confirmar mesmo
que neste verbete as obras estatildeo elencadas pela aacuterea a que pertenciam e mais ainda que uma
delas se designa ldquogramaacuteticardquo O suposto argumento de ambas parece tambeacutem confirmar esta
hipoacutetese laacute entre aquelas um comentaacuterio a todo Homero sem uma especificaccedilatildeo do que eacute
abordado o que nos faz pensar em um comentaacuterio a seu texto de forma geral aqui entre as
obras filosoacuteficas um assunto concernente agrave filosofia e ao platonismo a interpretaccedilatildeo da
figuraccedilatildeo dos deuses na obra do poeta
Isso natildeo prova que de fato a obra eacute do Proclo neoplatocircnico mas pelo menos confirma
que sendo posterior o Suda na situaccedilatildeo meramente hipoteacutetica de natildeo possuir nenhuma
referecircncia natildeo vecirc incongruecircncia alguma em atribuir a ele uma Crestomatia que poderia ser
sobre gramaacutetica O Suda pode inclusive ter se fiado agrave mesma tradiccedilatildeo que para Foacutecio jaacute
atribuiacutea a obra ao Proclo platocircnico ou entatildeo como natildeo haacute nenhuma especificaccedilatildeo da parte de
Foacutecio sobre quem seria esse Proclo ter assumido como perfeitamente aceitaacutevel e plausiacutevel na
hipoacutetese extrema de ter como uacutenica fonte a mesma tradiccedilatildeo de Foacutecio ou mais extrema ainda
o proacuteprio epiacutetome que essa ldquocrestomatiardquo versando sobre gramaacutetica fosse de Proclo sem ver
erro nisso ie em atribuir ao filoacutesofo platocircnico uma obra tratando das letras O que de fato
15
parece-nos bem razoaacutevel nesta perspectiva eacute que primeiro natildeo haveria nada de estranho em
atribuir certa crestomatia ao Proclo platocircnico e segundo que essa versava sobre gramaacutetica a
julgar pela aparente divisatildeo em grupos de que o Suda nos fala Mas ainda sobre o primeiro
aspecto natildeo haacute por que duvidar de que o Suda se paute numa tradiccedilatildeo consolidada e
verossiacutemil de atribuiccedilatildeo desse texto a Proclo No seu verbete eacutelegos o Etymologicum
Magnum traz ldquoltἜλεγοςgt Ἐκ τοῦ περὶ Χρηστομαθίας Πρόκλουrdquo ou seja alude a uma obra
de Proclo exatamente da mesma maneira que o verbete do Suda referindo-a como
Crestomatia junto da preposiccedilatildeo ldquoperiacuterdquo nomeando pelo substantivo portanto o conteuacutedo
geral que identificava esse texto no periacuteodo A alusatildeo feita pelo leacutexico portanto
considerando-se que ele eacute apenas um pouco posterior ao Suda sugere que este provavelmente
se insere em um ramo da atividade filoloacutegica bizantina que no mais tardar depois de Foacutecio
identifica sim a Crestomatia em textos de ensejo semelhante como sendo do Proclo Liacutecio ou
Diaacutedoco a congruecircncia formal entre as duas passagens contendo ainda que soacute a mesma
preposiccedilatildeo aleacutem do nome contribui para essa associaccedilatildeo principalmente porque como se
disse os dois textos satildeo praticamente contemporacircneos e pertencem ao mesmo ciacuterculo
filoloacutegico
Natildeo agrave toa o Etymologicum Magnum para explicar o que eacute ldquoeacutelegosrdquo citaraacute o texto que
diz ser de Proclo mas o faraacute praticamente como se encontra no coacutedice da Biblioteca salvo
pela ordem
[]Ὁ μέντοι ἐπικὸς κύκλος ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς μυθολογουμένης
Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μίξεως ἀφ ἧς Ἑκατοντάχειρες γίνονται
Καὶ ἑξῆς
Διαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα
καὶ εἴ που τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται Περατοῦται δὲ ἐξ
διαφόρων ποιητῶν συμπληρούμενος μέχρι Ὀδυσσέως ὧν καὶ
ὀνόματα καὶ πατρίδας φησὶν ὁ αὐτός Σπουδάζεσθαι δὲ τὰ ἐπικοῦ
κύκλου τὰ ποιήματα οὐχ οὕτω διὰ τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν
τῶν ἐν αὐτῷ πραγμάτων Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου
καὶ πενταμέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις καὶ
εὐλογεῖσθαι μὲν ὑπ αὐτοῦ τούτους οἱ μέντοι μεταγενέστεροι ἐπὶ
διαφόροις ὑποθέσεσιν αὐτῷ ἀπεχρήσαντο Τὸ δὲ ἔπος πρῶτον μὲν
ἐφεῦρε Φιμονόη ἡ Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς
[χρησαμένη] Οἷς ἐπεὶ τὰ πράγματα εἵπετο ἔπος τὸ ἐκ μέτρων
ἐκαλεῖτο ἢ διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαι ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς
ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ κοινὸν ὄνομα παντὸς λόγου τὸ
16
ἑξάμετρον ἰδιώσατο καθάπερ Ὅμηρον τὸν ποιητὴν καὶ Δημοσθένην
τὸν ῥήτορα ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευσαν
(Etymologicum Magnum 32740 ndash 3283)
ldquo lsquoO ciclo eacutepico se inicia do intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra a
partir do qual geram centiacutemanosrsquo
E em senguida
Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre
os deuses dos gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser
verdade em referecircncia agrave histoacuteria Fecha-se sendo completo por
diferentes poetas ateacute de Odisseu Desses ele fala o nome e a paacutetria
Tambeacutem [fala] que os poemas do ciclo eacutepico tecircm recebido atenccedilatildeo
natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele
contidas Que agrave elegia se compotildee de um verso heroacuteico e um
pentacircmetro acomoda-se aos que jaacute partiram e esses eram elogiados
por ele Os poacutesteros usaram-no amplamente para diferentes
argumentos Quem primeiro descobriu o epos foi Femocircnoe a
profetiza de Apolo profetizando oraacuteculos em hexacircmetros A eles
seguiram-se os feitos e ldquoeposrdquo era chamada qualquer composiccedilatildeo no
metro ou pela elaboraccedilatildeo e pela ampla superioridade observada nos
hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo
[epos] bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo e
Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez que alguns tambeacutem denominavam
ldquoeacuteperdquo [falares plura de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetrosrsquordquo
(Traduccedilatildeo e acreacutescimos do autor)
Salvo pela ordem deveras estranha ndash afinal aquilo que o verbete pretende definir
ocorre no excerto muito curto referente agrave definiccedilatildeo de elegia e ainda em meio a inuacutemeros
trechos referentes agrave poesia eacutepica ndash pode-se observar que primeiro o Etymologicum julgou
prudente para definir eacutelegos simplesmente citar uma obra que julgava autorizada para definir
tal palavra apresentando sua seccedilatildeo sobre a elegia e seu antigo uso em contexto fuacutenebre e a
atribuiu a Proclo segundo natildeo soacute essa seccedilatildeo mas os demais trechos trazem as mesmas
palavras do coacutedice de Foacutecio salvas algumas supressotildees e diferenccedilas de escolha Ao que tudo
indica para citar a obra que explicava como se achava devido o significado autorizado da
palavra em questatildeo o autor recorreu ao que sabia sobre ela Comparando esse excerto com o
epiacutetome de Foacutecio pode-se conjecturar que ou o compilador recorreu na confecccedilatildeo do
verbete a um manuscrito outro que continha assim essas informaccedilotildees ou copiou trechos
resumida e aleatoriamente ou ndash ainda uma terceira e mais plausiacutevel opccedilatildeo ndash cita de cabeccedila as
referidas partes da obra que conhece como Crestomatia e adota trecircs procedimentos que
parecem observaacuteveis surprime palavras e topicaliza mais o texto emprega sinocircnimos mas
manteacutem os termos e nomes fundamentais cita as outras passagens do contexto em que a
17
desejada se encontrava Estariam as informaccedilotildees citadas sobre a elegia no meio da seccedilatildeo
sobre epos porque uma vez abordada o vasto leque temaacutetico da eacutepica tratava-se do metro
havendo aiacute uma diferenciaccedilatildeo jaacute que elegia e epos considerados metricamente tecircm em
comum o hexacircmetro que eacute isolado ao fim do excerto Seria essa configuraccedilatildeo pensada pelo
compilador e arranjada para a confecccedilatildeo do verbete em questatildeo Ainda que natildeo haja resposta
a somatoacuteria de textos aponta para o fato de que para esse mesmo ramo de lexicoacutegrafos da
Biblioteca do Suda e do Etymologicum Magnum a Crestomatia em questatildeo fora
confeccionada por Proclo Diaacutedoco ou Liacutecio
Ainda dessa perspectiva parece que o uacutenico outro Proclo dentre aqueles de que temos
notiacutecias ao qual parece verossiacutemil atribuir a Crestomatia seria um que natildeo eacute mencionado
entre os constantes no Suda Eutiacutequio Proclo professor de Marco Aureacutelio gramaacutetico do
seacuteculo II dC Eacute igualmente verossiacutemil tambeacutem pela dataccedilatildeo que seja esse o autor A
associaccedilatildeo do texto agrave tradiccedilatildeo filoloacutegica alexandrina eacute reconhecidamente assumida por
diferentes autores que se debruccedilaram sobre o epiacutetome fociano11 seja por seu amplo conteuacutedo
mitoloacutegico e etioloacutegico presente nas etimologias explicativas dos gecircneros seja pelo proacuteprio
conceito de gramaacutetica em que parece se pautar12 Como se sabe a erudiccedilatildeo alexandrina tem
vasta influecircncia na educaccedilatildeo romana desde a eacutepoca dita claacutessica Natildeo seria de se espantar
pois que tal crestomatia fosse um escrito desse provaacutevel professor de Marco Aureacutelio
ensinando sobre letras em geral e os muitos gecircneros poeacuteticos dos gregos ainda mais se
julgarmos que o texto teria um fim didaacutetico
Haacute que se avaliar entatildeo qual dessas duas hipoacuteteses parece mais verossiacutemil e se natildeo
haacute indiacutecios suficientes para confirmar a primeira parece haver menos para desacreditaacute-la
salvo se julgue radical e absurdamente que como filoacutesofo platocircnico o Proclo do seacutec V natildeo se
ateria agrave poesia e agrave atividade filoloacutegica de que a Crestomatia eacute um testemunho Contudo a natildeo
ser que o Suda esteja profundamente equivocado vemos que como comentador alguma
parcela da atividade do diaacutedochos lidava sem contradiccedilatildeo alguma com isso que designamos
criacutetica filoloacutegica ou literaacuteria
Nesse sentido a filiaccedilatildeo de Proclo a Oacuterion como um de seus professores seria um
argumento determinante primeiro porque o longo cataacutelogo de espeacutecies liacutericas do epiacutetome
11 Sejam os dois principais editores e comentadores do texto ie Severyns e Ferrante sejam quantos percebem a
indissociaacutevel apropriaccedilatildeo da categorizaccedilatildeo aventada pelo gramaacutetico alexandrino Diacutedimo de Calcentero 12 Conceito no qual o gramaacutetico jaacute natildeo era apenas aquele que ensinava as letras mas sim o especialista em tudo
quanto agraves tangenciava inclusive os instrumentos e doutrinas de retoacuterica e poeacutetica com os quais os antigos faziam
o que hoje diriacuteamos ldquocriacutetica literaacuteriardquo Tal discussatildeo ainda ocuparaacute boa parte de nosso trabalho (134 paacuteg 38)
18
traz em mais de uma passagem similaridades com o Leacutexico do gramaacutetico13 segundo porque
como se sabe tal obra seraacute aproveitada pela profiacutecua atividade lexicograacutefica bizantina dos
seacuteculos posteriores e natildeo eacute nada infundado supor que o proacuteprio Proclo apoia-se nas liccedilotildees do
professor (e esse provavelmente toma por base a obra de Diacutedimo) A julgar pelas
similaridades tal transmissatildeo natildeo eacute absurda e nesse caso o Proclo de quem falamos soacute pode
ser o diaacutedoco
A dificuldade de identificaccedilatildeo resta pois inevitavelmente atrelada ao que seria o
nome dessa obra que se identifica com o resumo de Foacutecio tatildeo somente por uma palavra
levando-nos ao problema mesmo de definir seu conteuacutedo pois se nos fosse perfeitamente
possiacutevel circunscrevecirc-lo obtendo um vislumbre mais amplo dos assuntos do texto seria
possiacutevel caracterizaacute-lo melhor e daiacute compreendendo em que consistiria essa crestomatia
reconsiderar a atribuiccedilatildeo
Inevitavelmente nessa linha de raciociacutenio haacute que se considerar tambeacutem qual
ldquogramaacuteticardquo eacute essa de que falam os testemunhos mais especificamente que noccedilatildeo de
gramaacutetica eacute essa
13 O NOME E A OBRA
131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio
O problema mais imediato referente agrave leitura do texto resumido estaacute logo em sua
primeira linha a ordem das palavras e o arranjo sintaacutetico criam dificuldades para determinar o
quecirc exatamente foi primeiro lido e depois resumido por Foacutecio
Praticamente todos os epiacutetomes de sua Biblioteca se iniciam pela forma
(anegnoacutesthe) que eacute formular nessa obra e se refere mais amplamente natildeo soacute ao que foi lido
mas ao fato de que se realizou mais uma das sessotildees (ou seacuterie de sessotildees) de leituras do
ciacuterculo de letrados em torno do entatildeo embaixador Foacutecio na qual seu irmatildeo Taraacutesio natildeo podia
estar presente por ter ficado em Constantinopla Como se sabe pela dedicatoacuteria mesma da
Biblioteca (Bekker 1824 ndash 25) essa eacute a motivaccedilatildeo primeira para a escrita da extensa obra
13 Cf Traduccedilatildeo n 54 paacuteg 116 e n 56 57 e 58 paacuteg 117
19
tomar nota dos textos que foram tratados e de diferentes coisas relativas a eles Eacute pela referida
forma verbal aliaacutes que se pode identificar quando acaba um resumo e inicia-se outro
A Biblioteca de Foacutecio portanto consiste de diferentes ndash antes de dizermos resumos ndash
notas ou anotaccedilotildees referenciais do que era objeto das sessotildees de leituras Assim eacute que certas
palavras como eacute o caso de eklogaiacute (ldquocoletacircnea extratos excertosrdquo) que figura na introduccedilatildeo
do resumo do coacutedice 239 na liccedilatildeo aqui adotada de Severyns ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τοῦ
ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου χρηστομαθείας γραμματικῆς ἐκλογαίrdquo geram dificuldades
de interpretaccedilatildeo por natildeo permitirem estabelecer com exatidatildeo a que etapa se referem de todo
esse processo que resulta na confecccedilatildeo da Biblioteca se por vezes o termo parece
claramente se referir a um livro que foi tido em matildeos e era ele mesmo uma coletacircnea
excertos coligidos por outras parece que o mesmo termo se refere a uma coletacircnea de textos
ou de grupos de textos mais longos feita pelo proacuteprio grupo senatildeo por Foacutecio ele mesmo
Exemplo bem evidente do primeiro caso eacute o epiacutetome de Estobeu cuja obra eacute
conhecidamente uma coletacircnea assim mesmo nomeada ao longo dos seacuteculos
ldquo[1]14 Ἀνεγνώσθη ltἸωάννου Στοβαίουgt ἐκλογῶν ἀποφθεγμάτων ὑποθηκῶν βιβλία
τέσσαρα ἐν τεύχεσι δυσίrdquo
ldquoLeram-se dos excertos ditos notaacuteveis e conselhos de Joanes Estobeu quatro livros em
dois volumesrdquo
(Foacutecio op cit 167 112a 14 ndash 16 traduccedilatildeo e grifo do autor)
A maior literalidade visada nesta traduccedilatildeo busca nos introduzir a uma das formas
padrotildees de se apresentar os resumos das leituras ao longo da Biblioteca Neste caso a
traduccedilatildeo ao peacute da letra ndash por assim dizer ndash da forma verbal que encabeccedila os epiacutetomes (ldquoleram-
serdquo) eacute simples e imediatamente aceitaacutevel porque ao fim de tudo haacute um nominativo neutro
plural (bibliacutea) que clara e gramaticalmente concorda com a forma verbal de que eacute sujeito O
que se leu aqui foram os ldquoquatro livros em dois tomosrdquo que vecircm definidos pelos genitivos de
conteuacutedo que os precedem que vecircm por sua vez precedidos pelo genitivo de posse ou
origem designando quem apontariacuteamos como autor Aqui portanto a sintaxe natildeo exige para
que se natildeo trunque o portuguecircs um arranjo outro para a forma verbal como o que se adotou
logo agrave primeira linha da traduccedilatildeo do coacutedice 239 (v Traduccedilatildeo paacuteg 109 e nota 1 agrave mesma) A
proacutepria obra de Estobeu eacute conhecida por ser um exemplo de eklogeacute eklogaiacute que se fazia na
14 Numeram-se aqui as introduccedilotildees dos coacutedices citados a fim de se poder citaacute-los como exemplos de construccedilotildees
gramaticais
20
antiguidade ie excertos coligidos de diferentes autores visando agrave reuniatildeo de um saber ou
no caso de Estobeu saberes
No geral a forma verbal concorda com alguma palavra singular geralmente
designando que tipo de obra se leu o gecircnero do escrito uma ldquohistoacuteriardquo ie uma obra
historiograacutefica (as quais sobejam na Biblioteca) uma epiacutestola um discurso etc Exemplos
ldquo[2] Ἀνεγνώσθη ltΒασιλείου Κίλικοςgt ἐκκλησιαςτικὴ ἱστορίαrdquo
ldquoLeu-se histoacuteria eclesiaacutestica de Basiacutelio Ciliacuteciordquo
(Idem 42 9a 21)
ldquo[3] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜαξίμουgt λόγος ἀσκητικός εἰς πεῦσιν ἐσχηματισμένος
καὶ ἀπόκρισινrdquo
ldquoLeu-se de Santo Maacuteximo um discurso asceacutetico15 esquematizado em pergunta e
respostardquo
(Idem 193 157b 33 ndash 34)
[4] Ἀνεγνώσθη τοῦ αὐτοῦ ἁγίου ἀνδρὸς πρὸς Γεώργιον ἔπαρχον ἐπιστολήrdquo
ldquoLeu-se do mesmo santo homem uma carta ao prefeito Geoacutergiordquo
(Idem 194 158a 13 ndash 14)
Agraves vezes se nomeia a obra por sua finalidade ou destinaccedilatildeo (e geralmente aiacute se tem
preposiccedilatildeo)
ldquo[5] Ἀνεγνώσθη ltΓρηγορίου Νύσσηςgt ὁμοίως ὑπὲρ Βασιλείου κατὰ Εὐνομίουrdquo
ldquoLeu-se de Gregoacuterio de Nisa igualmente por Basiacutelio contra Eunocircmiordquo
(Idem 6 3b 17 ndash 18)
Em outras palavras um texto apologeacutetico em favor das opiniotildees de Basiacutelio contra Eunocircmio
Contudo por vezes lecirc-se
ldquo[6] Ἀνεγνώσθη ltΘεοπόμπουgt λόγοι ἱστορικοί
rdquo
(Idem 176 120a 6 ndash 7)
15 Asceacutetico de treino preparatoacuterio
21
O nominativo natildeo concorda gramaticalmente com a forma verbal embora como em
todas as linhas introdutoacuterias de um novo resumo apoacutes o verbo haja sempre o genitivo (ora
com preposiccedilatildeo) que nomeia a origem do que se lecirc geralmente a pessoa a quem se atribui o
objeto da leitura Natildeo se diraacute aqui autor porque nosso problema eacute justamente esse Da
traduccedilatildeo literal ndash ldquoleram-se16 de Teopompo discursos [ou arrazoados] histoacutericos De seus
discursos histoacutericos 53 satildeo os preservadosrdquo ndash chama-nos a atenccedilatildeo aqui o segundo periacuteodo
O que se pode inferir (bem como de outras muitas passagens semelhantes) eacute que as sessotildees do
ciacuterculo de Foacutecio em algum momento dedicaram-se agrave leitura do provaacutevel historiador do
seacuteculo IV AC de quem a julgar pelo conteuacutedo do coacutedice (uma avaliaccedilatildeo geral sobre sua
cronologia temas e escritos vida e estilo do autor) 53 peccedilas estiveram em matildeos de Foacutecio e
seus circunstantes e foram objeto de suas leituras Essa passagem nos aproxima daquilo que
provavelmente era o material da Biblioteca como eacute de se esperar o que o grupo tinha em
matildeos eram manuscritos diversos em diversos rolos (tomos) Essa imagem aproximada torna-
se mais viacutevida nas passagens em que haacute uma preocupaccedilatildeo maior em se notificarem as fontes
do que se lecirc como por exemplo nos coacutedices de 172 a 174 dedicados agraves leituras de obras de
Joatildeo Crisoacutestomo
ldquo[7] Ἀνεγνώσθη τοῦ ltΧρυσοστόμουgt ὁμιλίαι εἰς τὴν γένεσιν ξʹ καὶ μία ἐν τεύχεσι
τρισίν ὧν τὸ μὲν πρῶτον ὁμιλίας περιεῖχεν κʹ τὸ δεύτερον δὲ δεκα έξ τὸ τρίτον κεʹrdquo
ldquoLeram-se de Crisoacutestomo 61 homilias agrave Criaccedilatildeo em trecircs rolos [ou volumes tomos]
dos quais o primeiro compreendia 20 o segundo dezesseis o terceiro 25rdquo
(Idem 172 118b 15 ndash 18)
Em se tratando natildeo apenas de um anuacutencio do que se lecirc mas de uma descriccedilatildeo do
objeto a interpretaccedilatildeo mais plausiacutevel para a falta de concordacircncia entre o nominativo e a
forma verbal no grego eacute a de que se trata do ldquotiacutetulordquo natildeo da obra entendida como noacutes
modernos concebemos nossa relaccedilatildeo com os produtos do mercado editorial todos
(teoricamente) individualizados por uma designaccedilatildeo particular (e ldquoparticularizanterdquo) mas
funcionalmente como aquilo que o copista inscreve no topo do manuscrito para nomeaacute-lo e
permitir a identificaccedilatildeo descritiva do objeto um cabeccedilalho Da mesma forma deveriacuteamos
considerar quando dizemos ldquoobrardquo que tambeacutem natildeo se trata de tal como concebemos hoje
16 Marcar-se-atildeo assim as traduccedilotildees de anegnoacutesthe justamente porque se discutiraacute sua adequaccedilatildeo a como se leem
e interpretam suas ocorrecircncias nas diferentes passagens
22
mas do texto o manuscrito que o copista tem em matildeos e esse eacute como o grego os nomeia
ldquologosrdquo um discurso
Assim se observa no texto grego da biblioteca aquilo que na tipografia moderna
indicariacuteamos de diferentes maneiras maiuacutesculas itaacutelico aspas etc o que jaacute implica mesmo
que inconscientemente uma forma outra de conceber o objeto Retomando nosso uacuteltimo
exemplo deveriacuteamos pensar que mesmo pertencentes ao domiacutenio comum dos disciacutepulos de
Foacutecio futuro patriarca da igreja do oriente e mesmo sendo renomados nesse contexto da
religiatildeo ortodoxa abertos os rolos estava-se diante de ldquo61 homilias de Crisoacutestomordquo e natildeo drsquo
ldquoAs Sessenta e Uma [ou quantas sejam] Homilias de Joatildeo Crisoacutestomordquo
Nossa dificuldade entatildeo retomando a palavra que observamos tambeacutem no epiacutetome de
Estobeu torna-se precisar o significado de eklogaiacute nesses diferentes contextos Observemos
por exemplo o que ocorre no coacutedice 273 em que a construccedilatildeo logo apoacutes o verbo assemelha-
se agravequela da introduccedilatildeo da Crestomatia
(8) ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τῶν τοῦ μακαρίου ltΘεοδωρήτουgt λόγων οὓς εἰς τὸν ἐν ἁγίοις
Ἰωάννην τὸν Χρυσόστομον συνετάξατο ὧν ἡμεῖς πέντε τέως εἴδομεν ἐξ ὧν καί τινας
ἐκλογὰς τὰς ὑποτεταγμένας παρεγραψάμεθαrdquo
(Idem 273 507b 15 ndash 18)
Partindo para uma traduccedilatildeo literal o quanto possiacutevel ldquoLeu-se [fez-se leitura] a partir
dos discursos [ou arrazoados] do abenccediloado Teodoreto (que compilou sobre a santidade de
Joatildeo Crisoacutestomo) dos quais estudamos cinco ateacute entatildeo e a partir dos quais copiamos alguns
excertos abaixo arroladosrdquo ndash considere-se que paregrapsaacutemetha ldquocopiamosrdquo indica o
proacuteprio ato de ldquoescrever ao ladordquo copiando em outro manuscrito trechos selecionados a
partir do manuscrito que primeiramente se leu Chama a atenccedilatildeo o fato de que a primeira
oraccedilatildeo natildeo precisa de um nominativo Essa construccedilatildeo da forma passiva mais a preposiccedilatildeo ek
eacute diferentemente entendida e explicada pelos editores do coacutedice 239 todos editores ateacute
Severyns mesmo natildeo adotando-a propotildeem que o ideal seria a correccedilatildeo para o plural (Cf
Severyns op cit I 173) Esse rejeita imediatamente a hipoacutetese pois que natildeo consta em
nenhum manuscrito De fato natildeo se trata do coacutedice 239 julgado por si apenas mas como um
coacutedice da Biblioteca Explica a forma poreacutem tatildeo somente como um uso da linguagem de
Foacutecio advindo da repeticcedilatildeo17 Ferrante (1957 paacuteg 1) adota a liccedilatildeo de Severyns explica qual
17 ldquoSupposeacute mecircme que fucirct le sujet grammatical le pluriel du verbe ne serait pas encore de rigueur dans
la langue de Photius Car aacute force drsquoecirctre reacutepeacuteteacute devient chez lui une espegravece de mot invariable et
mecircme degraves les premiegraveres pages de la Bibliothegraveque on trouve des expressions comme cellescirdquo Entatildeo Severyns
23
a leitura gramatical que se deve fazer da frase e diz da forma verbal que ldquotem valor
impessoalrdquo o que eacute uma parte do proposto aqui ldquoformularrdquo18 Nenhum autor faz menccedilatildeo
discutindo esta construccedilatildeo agraves ocorrecircncias da terceira pessoa do plural na introduccedilatildeo de alguns
coacutedices ocorrecircncias essas que parecem muito bem justificadas A terceira pessoa do plural
aparece nos coacutedices 192B 216 260 261 e 269 por razatildeo que jaacute se deduz na passagem da
primeira para a segunda parte de 192 O coacutedice 192A refere-se ao livro de Santo Maacuteximo a
Taraacutessio contendo 164 resoluccedilotildees de questionamentos Observemos o que descreve o coacutedice
192B
ldquo[9] Ἔτι ἀνεγνώσθησαν αὐτοῦ καὶ ἐπιστολαὶ περὶ διαφόρων ὑποθέσεων ψυχωφελῶν
τε καὶ ἀναγκαίων τοῖς ὀρθοῦν τε τὰ ἤθη καὶ τὸν νοῦν ἐγρηγορότα συντηρεῖν πρὸς τὴν
εὐσέβειαν ἐσπουδακόσι τὸν ἀριθμὸν ζʹ καὶ κʹrdquo
ldquoAinda dele tambeacutem se leram epiacutestolas acerca de diferentes argumentos espirituais
necessaacuterios aos que estatildeo empenhados tanto em corrigir os costumes como preservar a mente
desperta agrave piedade 27 quanto ao nuacutemerordquo
(192b 157a 11 ndash 14)
Em princiacutepio poder-se-ia pensar que a forma verbal estaacute no plural para concordar com
o nominativo plural epistolaiacute mas consoante ao observado isso seria uma exceccedilatildeo em uma
obra de 280 coacutedices a todas as ocorrecircncias anteriores do tipo dos exemplos 6 e 7 acima
citados em que essa concordacircncia natildeo ocorre Diversos elementos aqui podem nos ajudar a
formular uma hipoacutetese para a variaccedilatildeo da forma hipoacutetese que parece se confirmar nos demais
coacutedices que trazem o plural e oferecem menos indiacutecios agrave conjectura
Observem-se as formas eacuteti e kaiacute da primeira oraccedilatildeo Referem-se ao coacutedice anterior
192A dedicado a resumir uma obra que parece bem extensa Nesta divisatildeo B do mesmo
coacutedice informa-se que se continuou lendo o mesmo autor mas natildeo uma obra completa ie
natildeo apenas uma uacutenica obra dele Fez-se uma seleccedilatildeo do que seria objeto da leitura
especificado apenas no fim pelo acusativo de relaccedilatildeo tograven arithmograven zacute kaigrave kacute Pode-se imaginar
que Foacutecio provavelmente quem determinava o que se leria ou natildeo aquilo que estaria
circunscrito a esta ou agravequela seccedilatildeo (ie na hipoacutetese de diferentes matildeos escrevendo ou
revezando-se em escrever as anotaccedilotildees que comporiam a Biblioteca) ou pelo menos quem
exercia a funccedilatildeo de organizar as sessotildees julgou prudente complementar este coacutedice dedicado
a Satildeo Maacuteximo com 27 epiacutestolas que natildeo eram elas mesmas se todas copiadas num mesmo
arrola coacutedices cuja construccedilatildeo eacute condizente com as dos exemplos 6 e 7 aqui ie verbo + genitivo + nom plural
(Severyns op cit I p 173) 18 Cf nota 1 agrave Traduccedilatildeo paacuteg 109
24
manuscrito ou coacutedice um conjunto intitulado pela palavra (no nominativo pois se trataria do
tiacutetulo) epistolaiacute Como se observa pela descriccedilatildeo mesma as epiacutestolas se unem pelo conteuacutedo
e aqui sim satildeo reunidas em um mesmo coacutedice ou parte de um (192B) que se soma agrave
primeira metade de 192 e o complementa O que se faz aqui no sentido menos teacutecnico da
palavra principalmente porque ela natildeo aparece natildeo deixa de ser uma eklogeacute no sentido de
uma reuniatildeo uma seleccedilatildeo como testemunhada no exemplo 8 acima referente ao coacutedice 273
Neste caso de fato a forma verbal deve concordar no plural com ldquoepiacutestolasrdquo porque sim natildeo
constitui um ldquotiacutetulordquo como anteriormente entendido nos casos acima estudados natildeo eacute a
palavra ou parte do conjunto de palavras que nomeia o manuscrito ou manuscritos objetos das
sessotildees de leitura mas sim o substantivo comum e forccedila a concordacircncia da forma que surge
em cinco dos 280 coacutedices
Isso nos leva a uma hipoacutetese para explicar as diferenccedilas de emprego o singular vai
com os ldquotiacutetulosrdquo por assim dizer enquanto o plural distingue documentos textos separados
agora reunidos em uma mesma ediccedilatildeo ie especifica partes diacutespares ou conjuntos delas que
estatildeo sendo lidos e que pelo menos no material de que os letrados junto a Foacutecio dispunham
provavelmente natildeo se encontravam reunidos sob um mesmo tiacutetulo ou mais propriamente
intitulaccedilatildeo para consoar com o que se defende aqui Isso se exemplifica pelas outras quatro
ocorrecircncias do plural nos coacutedices 216 260 261 e 269 A forma plural serve tanto para indicar
que diferentes textos estatildeo resumidos num mesmo coacutedice como no caso de 192B19 como
para indicar que os proacuteximos coacutedices na sequecircncia satildeo uma seleccedilatildeo de diferentes textos que
estatildeo agora sendo agrupados concomitantemente agraves sessotildees e agrave confecccedilatildeo da Biblioteca
Em resumo a forma ldquo rdquo referir-se-ia a uma ldquocoletacircneardquo de leituras ie
agrave leitura de ldquofontesrdquo filoloacutegicas ou de objetos filoloacutegicos diferentes concorda portanto com
diferentes nomeaccedilotildees de manuscritos
Eacute impressionante como essas formas gramaticais acabam por testemunhar na verdade
numerosa atividade filoloacutegica Assim eacute que o iniacutecio do coacutedice 216 notifica-nos a leitura
(anegnoacutesthesan) de dois grupos de textos (a forma plural concordando com o sujeito
composto portanto) ldquo4 livros que compreendem A Ciecircncia Meacutedica [provavelmente a
intitulaccedilatildeo] estabelecida por Oribaacutesio e ainda outros 7 [sc de Ciecircncia Meacutedica] do mesmo
homem e publicada sobre [em relaccedilatildeo a]o mesmo modelordquo Aqui a forma plural que
encabeccedila o coacutedice 216 pontua justamente essa secccedilatildeo pois que ateacute a o coacutedice 220 tratar-se-aacute
desses livros Leia-se o grego
19 Possibilidade de que 260 e 261 tambeacutem satildeo exemplos
25
ldquo[10] Ἀνεγνώσθησαν βιβλία δʹ ἃ τὴν πραγματείαν ἰατρικὴν ltὈρειβασίῳgt
συντεταγμένην περιεῖχε καὶ ἔτι ἕτερα ζʹ ἀνδρός τε τοῦ αὐτοῦ καὶ εἰς παραπλήσιον
ἐξενηνεγμένην τύπονrdquo
Observe-se que o particiacutepio perfeito meacutedio-passivo feminino exenenegmeacutenen soacute pode
concordar com tegraven pragmateiacutean iatrikeacuten o que nos leva a subentender que ldquoos 7 livros do
mesmo homemrdquo tecircm a mesma intitulaccedilatildeo dos quatro anteriores o que inclusive explica o
conteuacutedo da participial Observe-se principalmente como o verbo inicial que introduz o coacutedice
vai para o plural para concordar com dois nuacutecleos do sujeito bibliacutea dacute e eacuteti heacutetera z que
correspondem aos dois conjuntos de textos que neste momento da confecccedilatildeo da Biblioteca
foram objeto do ciacuterculo de leituras
Dos referidos coacutedices sem duacutevida os que melhor comprovam isso satildeo o 269 e os
seguintes pois introduzindo a leitura de ldquo21 discursos de diferentes homens santosrdquo pela
forma plural o resumo de cada um deles a comeccedilar pelo mesmo coacutedice e posteriormente nos
demais ateacute o fim da Biblioteca seraacute introduzido pela respectiva forma singular20
132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239
Mediante o exposto eacute mais provaacutevel que em formulaccedilotildees como esta do coacutedice 161
(103a)
ldquo[11] Ἀνεγνώσθη ἐκλογαὶ διάφοροι ἐν βίβλοις ιβʹ ltΣωπάτρουgt σοφιστοῦ
Συνείλεκται δὲ αὐτῷ τὸ βιβλίον ἐκ πολλῶν καὶ διαφόρων ἱστοριῶν καὶ γραμμάτωνrdquo
ldquoLeram-se diferentes excertos em 12 livros de Soacutepater o sofista Seu livro foi
coligido a partir de muitas e diferentes investigaccedilotildees e textosrdquo
semelhante agrave do epiacutetome 239 pela ocorrecircncia da palavra eklogai esta seja parte da intitulaccedilatildeo
do manuscrito que eacute objeto de leitura e resumo igualmente21 A julgar pelo que se diz na
20 Cf Biblioteca 479b 36 em diante 21 Portanto a traduccedilatildeo segundo os criteacuterios editorias e diagramaacuteticos de hoje se consideramos que pelo menos
eklogaiacute faz parte da traduccedilatildeo seria ldquoLeu-se diferentes Excertosrdquo
26
sequecircncia o proacutepria copista reconhece que se lecirc sob a designaccedilatildeo de eklogaiacute neste caso de
Soacutepater obra de coletacircnea ou excertos
Mas este ainda natildeo eacute o caso de nosso epiacutetome haacute mais um agravante o coacutedice 239 se
assemelha a um conjunto de epiacutetomes que vecircm introduzidos pela preposiccedilatildeo ek mais genitivo
apoacutes a forma verbal Como por exemplo no coacutedice 254
ldquo[12] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς μαρτυρικῆς Τιμοθέου τοῦ ἀποστόλου συγγραφῆς22rdquo
ldquoLeu-se [realizou-se leitura] a partir do relato testemunhal do apoacutestolo Timoacuteteordquo
(468b 2)
Nestes casos parece que a introduccedilatildeo feita pelo resumidor estaacute antes mais focada em
reconhecer o tipo de obra a ser lido do que referir diretamente agrave intitulaccedilatildeo da mesma
podendo sim o termo que vem no genitivo apoacutes a preposiccedilatildeo ser essa intitulaccedilatildeo Caso
obscuro eacute o do epiacutetome 240 logo apoacutes a Crestomatia
ldquo[13] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltἸωάννου τοῦ Φιλοπόνουgt εἰς τὴν ἑξαήμερον
rdquo
(240 322b 2)
Eacute difiacutecil ater-se agrave literalidade para traduzir tal passagem ldquoLeu-se a partir lsquodas coisasrsquo
sobre os seis dias de Joatildeo Filoacutepono querdquo23 Contudo a mesma explicita bem nosso
problema a saber o de uma leitura que eacute parcial Dois elementos chamam a atenccedilatildeo
Primeiramente a construccedilatildeo da forma verbal acrescida do termo preposicionado
parece referir de forma mais viacutevida (se pensarmos na semacircntica do grego) agrave proacutepria situaccedilatildeo
de leitura de que os volumes da Biblioteca se originam A forma parece possuir aqui um
aspecto mais forte ndash observado por Severyns e mantido tanto em Ferrante como nesta
traduccedilatildeo ndash de pontuar o caraacuteter resumido de que se leraacute algo a partir do que foi mais uma
sessatildeo ou sessotildees de leitura Falando por paraacutefrase eacute como se aquela forma de apresentaccedilatildeo
observada nos epiacutetomes anteriores (1 ndash 10) fosse um equivalente da nossa enumeraccedilatildeo
lacocircnica que recorre aos dois pontos ndash ldquoleu-se Homilias ao Gecircnese de Crisoacutestomo etcrdquo
22 Lembrando-se de que a suggrafeacute eacute especificamente o relato escrito o relato anotado 23 Mais uma vez a noccedilatildeo que na traduccedilatildeo do coacutedice 239 traduziu-se de modo perifraacutestico por ldquorealizou-se
leiturardquo natildeo foi adotada definitivamente pelos fins explicativos deste capiacutetulo para o cabeccedilalho dos demais
epiacutetomes semelhantes ao da Crestomatia mas ou apenas mencionada nos casos em que seria possiacutevel mantecirc-la
sem afetar a literalidade do que vem em seguida ou utilizada quando uacutenica maneira de manter legiacutevel essa
mesma traduccedilatildeo (infra exemplo 15) Cf Traduccedilatildeo nota 1 paacuteg 109
27
enquanto esta forma seria mais descritiva e analiacutetica ldquoleu-se realizou-se leitura deu-se
leitura a partir de lsquoxrsquo (ek + gen) etcrdquo
Em segundo lugar a presenccedila do artigo neutro plural se laacute naquela outra foacutermula por
assim dizer a brevidade e a introduccedilatildeo dos nominativos permitia identificar o que
chamaacutevamos intitulaccedilatildeo no caso desta formulaccedilatildeo mais descritiva ela nem sempre parece
clara Se focircssemos tentar inferi-lo o ldquotiacutetulordquo da obra nos nossos termos seria ldquoTagrave eis tegraven
exaeacutemeronrdquo ou ldquoEis tegraven exaeacutemeronrdquo Traduzindo (certamente) sem nenhum fim esteacutetico ldquoAs
Coisas sobre Os Seis Diasrdquo ou ldquoSobre Os Seis Diasrdquo A rigor o que se lecirc em grego tanto em
12 como em 13 parece mais uma descriccedilatildeo sendo que neste o texto parece dizer que se
realizou uma seccedilatildeo de leitura a partir daquilo que Joatildeo diz dos seis dias da Criaccedilatildeo ie o que
ele compocircs escreveu a respeito De fato sabemos que em se tratando do comentador de
Aristoacuteteles cristatildeo ortodoxo e (curiosamente) opositor de Proclo no campo teoloacutegico o
tratado deveria designar-se ie ser intitulado a partir da preposiccedilatildeo Dessarte esse resumo
estaria disposto da seguinte maneira (mais uma vez sem preocupaccedilatildeo esteacutetica nesta traduccedilatildeo
literal) ldquoLeu-se a partir [das coisas do que diz do conteuacutedo do assunto] de Joatildeo Filoacutepono
Sobre Os Seis Dias querdquo E segue-se um texto muito parecido na sua estrutura de reportar
enunciados ie de discurso indireto ao do epiacutetome 239
Parece portanto que o emprego de ek mais genitivo na introduccedilatildeo dos epiacutetomes tem
uma semacircntica intencionalmente partitiva ou ablativa no sentido de que particiona marca a
partir de que se daacute a leitura que apenas hipoteticamente pode natildeo ter sido integral Natildeo agrave toa
junto da palavra eklogeacuteeklogai em diferentes introduccedilotildees serviraacute para pontuar justamente
que o conteuacutedo apresentado natildeo eacute integral
Assim tambeacutem o coacutedice 234 parece muito em sua estrutura com o epiacutetome 239
ldquo[14] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜεθοδίουgt ἐπισκόπου καὶ μάρτυρος ἐκ τοῦ Περὶ
ἀναστάσεως λόγου οὗ ἡ ἐκλογὴ τὰ ὑποκείμενα λέγει
rdquo
ldquoLeu-se [realizou-se leitura] do Santo Metoacutedio epiacutescopo e maacutertir a partir do discurso
acerca da Ressurreiccedilatildeo cuja seleta diz o que se segue
Querdquo
(293a 2 ndash 5)
E assim teriacuteamos mais um texto semelhante ao epitome da Crestomatia ainda mais
considerando os enunciados reportados que se seguem ie a forte evidencia do discurso
28
indireto marcado pelas conjunccedilotildees Mais uma vez as estruturas gramaticais apontam para o
fato de que o texto que se segue eacute ele mesmo uma eklogeacute
Tantos indiacutecios inevitavelmente nos levariam a achar que eklogaiacute no tiacutetulo de nosso
coacutedice referir-se-ia como neste caso ao resumo feito para a proacutepria Biblioteca
Contudo observa-se que ao todo as introduccedilotildees que recorrem agrave forma com
preposiccedilatildeo ek subdividem-se em dois tipos ou aquelas que trazem como se viu essa
descriccedilatildeo da fonte que se lecirc como no tipo 12 de onde eacute possiacutevel inferir um tiacutetulo24 ou outro
subtipo (a que 239 pertence) que traz aleacutem do genitivo uma especificaccedilatildeo da intitulaccedilatildeo ou
pelo pronome relativo mais a forma verbal passiva epigraacutephetai ou entatildeo pelo particiacutepio da
mesma no genitivo Por exemplo
ldquo[15] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου λόγου laquoΒίος ἢ ἄθλησις τοῦ ὁσίου πατρὸς
ἡμῶν Παύλου τοῦ Κωνσταντινουπόλεως ἐπισκόπου τοῦ ὁμολογητοῦraquo ἐφrsquo ὁμοίᾳ
συστελλόμενος ἐκδόσειrdquo
ldquoRealizou-se leitura a partir do discurso que se intitula Vida e Julgamento do nosso
Sagrado Epiacutescopo e Homolegeta Paulo de Constantinopla resumido a semelhante ediccedilatildeordquo
(257 407a 22 ndash 25)
Em todas essas ocorrecircncias em que se tem o particiacutepio tem-se tambeacutem um nominativo que
designa o tiacutetulo25
Contrapondo isso a todas as demais formas de introduccedilatildeo brevemente consideradas
nesta discussatildeo sobre como se intitularia a obra parece verossiacutemil que fosse porque ela
mesma era em princiacutepio uma coletacircnea de excertos como a de Estobeu (o que eacute plenamente
verossiacutemil) fosse porque chega assim agrave Biblioteca o que se tinha em matildeos para ler e anotar jaacute
levava a inscriccedilatildeo eklogai ie jaacute era uma composiccedilatildeo de excertos uma seleta
Em outras palavras propotildee-se aqui considerar o plausiacutevel parece que todos os
indiacutecios textuais apontam para o fato de que o proacuteprio objeto escrito trazia a palavra eklogaiacute
uma vez que eacute possiacutevel identificar segundo as distinccedilotildees aqui traccediladas quando a palavra estaacute
sendo empregada para designar que um arrazoado um logos maior estaacute sendo posto
nominalmente na forma de ldquoseletardquo Isso pode perfeitamente significar que a palavra fizesse
parte da intitulaccedilatildeo corrente do texto em questatildeo se ele circulava mas natildeo implica
obrigatoriamente como pretende Severyns que ele sempre fora assim e que a palavra fora
posta no ldquotiacutetulordquo pelo proacuteprio Proclo A julgar pelos indiacutecios apresentados que parecem
24 Cf por exemplo coacutedices 242 (Bekker 335a) 253 (idem 467b) 25 Cf tambeacutem coacutedice 256 (idem 469b) 279 (idem 529b)
29
minimamente passiacuteveis aqui de alguma confirmaccedilatildeo nossa hipoacutetese eacute pelo menos tatildeo
verossiacutemil quanto a do referido editor segundo a qual o texto em matildeos dos letrados da
Biblioteca trazia o termo eklogai porque fora assim nomeado (uma ldquocompilaccedilatildeo de excertosrdquo)
pelo proacuteprio ldquoautorrdquo Tatildeo possiacutevel quanto isso eacute a probabilidade de que mesmo que houvesse
a Crestomatia em sua forma original e os eruditos junto a Foacutecio natildeo a tivessem agrave sua
disposiccedilatildeo o que circulou durante as sessotildees de leitura se tratasse de uma seleta uma
compilaccedilatildeo
Diante dessas duas possibilidades ainda a serem consideradas parece que uma sutil
certeza se confirma entre ambas Eacute de supor que pela terminologia apresentada ao longo do
epiacutetome e sua congruecircncia com diversos outros textos de doutrina mesmo que se trate de
excertos copiados e natildeo da obra na iacutentegra eles o satildeo como uma coletacircnea mesmo de
diferentes trechos copiados e coligidos como na obra de Estobeu em que pese aqui o plural
ekologaiacute Pelo que se observa da obra de Estobeu e dos demais textos que chegam a noacutes como
coletacircneas eklogeacuteeklogai podemos afirmar com algum acerto que o texto que temos eacute pelo
menos uma coletacircnea como a referida uma reuniatildeo talvez natildeo de citaccedilotildees diretas mas das
passagens relevantes ou dos ldquodizeresrdquo de uma obra se lembrarmos que ela eacute um logos que eacute
pensada como um ou como uma seacuterie deles Diante de tal texto a funccedilatildeo do editor ou
resumidor da biblioteca poderia ser simplificada seu resumo consistiria em transcrever e
readequar os excertos Nada impede que neste processo algo tenha se perdido por ser
deixado de lado (da proacutepria coletacircnea)26 mas observa-se que o material preservado consiste
justamente em breves topicalizaccedilotildees de termos teacutecnicos que por si mesmos e tudo que
podem referir compotildeem uma espeacutecie de glossaacuterio resumidor de muito quanto se circunscreve
aos ldquosaberes proveitososrdquo das letras ora como objeto da gramaacutetica ora como objeto da
retoacuterica ora como objeto da poeacutetica Talvez essa seja uma explicaccedilatildeo plausiacutevel para o fato de
que introduzindo o coacutedice 239 pela referida forma aqui comentada diferentemente de outras
semelhantes mas natildeo idecircnticas como a do exemplo 15 natildeo haja menccedilatildeo por parte do
resumidor ao ato de abreviar ie agrave confecccedilatildeo do proacuteprio epiacutetome como uma coletacircnea
porque o texto mesmo jaacute era uma reuniatildeo de passagens que ele passa a arrolar topicalizando
ie o objeto escrito que os eruditos da Biblioteca tinham em matildeos jaacute era um breviaacuterio
26 Eacute possiacutevel obter um sutil vislumbre do tipo de coisa que os resumidores podem ter deixado de lado observando
a inclusatildeo do ciclo eacutepico Considerando-se o epiacutetome e os resumos eacute possiacutevel fazer algumas conjecturas sobre o
tipo e a quantidade de coisa que natildeo foi anotada no coacutedice debate-se ainda se a Crestomatia continha integral ou
parcialmente aleacutem do ciclo troiano episoacutedios cosmogocircnicos e ou ateacute referentes ao ciclo tebano Cf Estudo
3312
30
Eacute por mais esses elementos que contrariamente aacute hipoacutetese de Severyns ndash muito
refinada e plausiacutevel mas natildeo consoante agrave avaliaccedilatildeo dos diferentes indiacutecios arrolados nesta
introduccedilatildeo ndash defende-se aqui a hipoacutetese de que muito provavelmente mesmo que os eruditos
da Biblioteca pudessem consultar agrave Crestomatia original (se eacute que podemos falar nesses
termos) por tecirc-la consigo ou por poder acessaacute-la em outro lugar o que se compila para a
Biblioteca eacute uma seleccedilatildeo daiacute um breviaacuterio (para acentuar a ideia de um segundo momento
em que inevitavelmente a obra foi abreviada) nos moldes de Estobeu quanto agrave sua forma mas
sobre a obra de um uacutenico autor enquanto aquele reuacutene liccedilotildees de diferentes autores Sabemos
que pelo que se entende do termo crestomatia e pelo proacuteprio conteuacutedo do epiacutetome o coacutedice
239 natildeo deixa de ser tambeacutem uma reuniatildeo de diferentes liccedilotildees eacute contudo pelo trabalho
acadecircmico que podemos identificar separadamente o quanto possiacutevel a origem delas em
diferentes textos de doutrina dos saberes antigos (natildeo ignorando o termo ldquogramaacuteticardquo que
parece ser o denominador comum) essa pluralidade circunscreve-se portanto ao termo
ldquocrestomatiardquo ie um uacutenico texto resultante do esforccedilo de compor um ou mais discursos
sucessivos (loacutegoi) tangenciando os diversos temas das diferentes aacutereas pelo eixo comum das
ldquoletrasrdquo (grammatikeacute) Dele fez-se um breviaacuterio uma seleta condensando os toacutepicos cuja
compilaccedilatildeo foi usada no coacutedice 239
A enorme perda de conteuacutedo que haveria se julgaacutessemos ser o coacutedice 239 portanto o
resumo de algo jaacute resumido eacute um dos vaacuterios argumentos de Severyns para defender que a
julgar pela totalidade que se pode vislumbrar no coacutedice natildeo seria esse o caso porque ndash
seguindo esse raciociacutenio ndash muito mais estaria perdido e nos faltaria esse vislumbre Essa perda
eacute questionaacutevel considerados os argumentos acima primeiro a noccedilatildeo de totalidade o
vislumbre de tantos temas diversos tratados em uma mesma obra eacute resultado provaacutevel do que
se tinha por uma crestomatia obra abrangente e natildeo por eklogeacuteeklogaiacute segundo dessa obra
selecionam-se os trechos que contenham resumidamente as liccedilotildees sobre as letras e outros
assuntos que tangenciem esse saber Se observarmos o jaacute citado excerto (paacuteg 16) do
Etymologicum Magnum no verbete ldquoeacutelegosrdquo podemos considerar que talvez natildeo se pautando
diretamente no texto original da Crestomatia o compilador natildeo viu nenhum problema em
fornecer como ldquoProclordquo passagens que satildeo ainda mais reduzidas do que as do coacutedice em
questatildeo mas que contecircm pelo menos as mesmas coisas que ele ou seja toma-as seguramente
como conteuacutedo de Proclo e natildeo de Foacutecio Natildeo haacute por que pois imaginar que os
compiladores da Biblioteca tivessem procedido de maneira diferente em torno do que tinham
ou poderiam acessar da obra Natildeo haacute duacutevida evidentemente que muita coisa que eacute apenas
aludida foi simplesmente suprimida como se vecirc pelo ciclo eacutepico e isso impossibilita
31
justamente o argumento de Severyns segundo o qual natildeo ter acesso agrave obra na iacutentegra geraria
no resumo incongruecircncias ou falta de totalidade
Isso seria condizente finalmente com o uacuteltimo item desse resumo do coacutedice 239 da
Biblioteca de Foacutecio ldquoAqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de
Proclordquo (grifos do autor) O nuacutemero de arrazoados resumidos ou loacutegoi apresentados pelo
resumidor ao fim do coacutedice natildeo equivale ao nuacutemero que no iniacutecio fora dado como o
nuacutemero das partes dessa Crestomatia laacute quatro arrazoados aqui dois Natildeo eacute em vatildeo
portanto que o resumidor preocupa-se bem como nos demais casos de resumos mas agora ao
fim em dar notiacutecias a respeito da disparidade entre o objeto que estaacute agora sendo
confeccionado e o objeto primeiro compilado (como nos casos conforme visto acima em que
se explicita a elaboraccedilatildeo de uma seleta para a Biblioteca) Parece julgar necessaacuterio ao que
tudo indica informar uma disparidade Esse item natildeo poderia senatildeo ser uma nota filoloacutegica
Primeiro o nuacutemero confirma que natildeo se compila a obra por completo mas o que equivaleria
a sua primeira metade seus dois primeiros livros ou arrazoados Mais chama a atenccedilatildeo
todavia a ausecircncia da palavra eklogaiacute aqui Seja porque o objeto escrito uma eklogeacuteeklogaiacute
indicava-o seja porque os letrados ainda estavam em posse dessa informaccedilatildeo a ausecircncia da
palavra busca esclarecer o quanto da obra em questatildeo se leu e agora se disponibiliza a quem
eventualmente acessar a Biblioteca ie o equivalente aos dois primeiros livros ou arrazoados
de outro objeto designado apenas por Proacuteclou Grammatikecircs Khrestomaacutetheia ou Crestomatia
de Letras de Proclo O objetivo dessa passagem que encerra o resumo natildeo eacute senatildeo esclarecer
a equivalecircncia entre o que se resumiu para a Biblioteca a partir de eklogocircn ou seja
ldquoexcertosrdquo equivalentes ao que seria o conteuacutedo da primeira metade da obra original Se natildeo
o fosse por que estaria o resumidor cioso de informar tatildeo especificamente nuacutemeros diacutespares
de partes aleacutem de natildeo empregar a palavra ldquoexcertosrdquo na segunda especificaccedilatildeo
Se o objeto resumido Os Excertos da Crestomatia de Letras de Proclo era uma seleta
apenas dos dois primeiro livros da Crestomatia de modo que por conter a especificaccedilatildeo ou
por saberem-no os eruditos eacute resumido do comeccedilo ao fim com uma especificaccedilatildeo da
equivalecircncia de partes ou se essa equivalecircncia eacute informada justamente porque Os Excertos
tambeacutem compreendiam os outros dois livros mas os eruditos natildeo os incluiacuteram na Biblioteca
isso natildeo eacute possiacutevel saber Em todas as hipoacuteteses poreacutem eacute mais verossiacutemil principalmente
pelo indiacutecio final do texto que os eruditos da Biblioteca compilaram eklogaiacute excertos ou uma
seleta
Resta para talvez ampliar o vislumbre dessa obra inquirir pelo termo grego
khrestomaacutetheia que como se sabe estaacute lexicalizado em nossos bons dicionaacuterios
32
133 O termo ldquocrestomatiardquo
Uma vez que a palavra ldquocrestomatiardquo eacute tradicionalmente entendida como sinocircnimo
direto de ldquocoleccedilatildeo coletacircneardquo o que nos eacute sugerido pelos dicionaacuterios em geral27
inevitavelmente se pensaraacute estar diante de uma dupla coletacircnea o que a princiacutepio consoa
com o exposto leem-se no coacutedice 239 da Biblioteca ldquoexcertos de uma coletacircnea sobre as
Letrasrdquo da antiguidade Embora defendido que seja esse o caso essa simples traduccedilatildeo natildeo nos
permitiria vislumbrar o fato de que o termo crestomatia natildeo se refere tanto agraves dimensotildees ou agraves
proporccedilotildees da obra quanto agraves suas qualidades ou aos traccedilos que a definem como sendo de
certo tipo
Severyns defende em seu estudo que o entendimento de ldquocrestomatiardquo como florileacutegio
natildeo eacute proacuteprio dos antigos28 que tomam o termo como qualificativo ou definidor de uma obra
sem que isso implique um gecircnero de resumo O significado abreviativo derivaria da
interpretaccedilatildeo renascentista do tiacutetulo feita por ocasiatildeo das primeiras publicaccedilotildees impressas da
Biblioteca a partir da metade do seacutec XVI e teria se prolongado como os proacuteprios dicionaacuterios
modernos (Liddel amp Scott Bailly) datildeo a entender ldquoCrestomatiardquo portanto seria tatildeo somente
o que nomeia e define essa obra que pretende fornecer ensinamentos uacuteteis (no sentido praacutetico)
de certo saber (aqui o das Letras) Severyns poreacutem buscando ver totalidade na obra traduz o
nome interpretando-o segundo a hipoacutetese ndash que defende muito coerentemente ndash de que mesmo
a palavra ldquoeklogaiacuterdquo faria parte do tiacutetulo original da obra Justamente por essa leitura junto de
ldquoeklogaiacuterdquo adiciona ldquoabreacutegeacuterdquo ao que em sua traduccedilatildeo seria o tiacutetulo da obra sugerindo que o
significado do termo em questatildeo seria o de acentuar seu caraacuteter de ldquomanualrdquo de liccedilotildees
agregador de diversos ensinamentos supondo claro que se fosse versar detalhadamente
sobre os toacutepicos seria muito maior
Se julgarmos contudo que Severyns estaacute correto quanto agrave interpretaccedilatildeo precisa do
significado da palavra que aqui serve para qualificar certo tipo de texto mesmo sem designaacute-
lo sob uma difundida nomenclatura geneacuterica de uso rigoroso apesar do emprego de eklogaiacute
conforme estudado no item acima entatildeo podemos entender que o simples emprego do termo
ldquocrestomatiardquo como intitulaccedilatildeo bastaria para qualificar a obra por sua finalidade e utilidade
27 Cf Traduccedilatildeo nota 2 Conforme anotado a palavra estaacute lexicalizada nas liacutenguas romacircnicas 28 Severyns op cit tome II 65 ndash 69
33
reunir saberes proveitosos que no caso do texto atribuiacutedo a Proclo contemplam diferentes
autores ou textos Inevitavelmente as duas palavras parecem implicar certa redundacircncia mas
como decorrecircncia do fato de que a noccedilatildeo de khrestomaacutetheia secundariamente implica a noccedilatildeo
de seleccedilatildeo mas natildeo o contraacuterio A palavra eklogeacute referir-se-ia agrave noccedilatildeo geral de ldquoseletardquo
enquanto khrestomaacutetheia a um criteacuterio que nortearia o caraacuteter dessa seleccedilatildeo No caso da
seleccedilatildeo de passagens diversas e ilustrativas do saber de diferentes autores isso implicaria em
uma obra como a de Estobeu que seleciona as passagens de sua Coletacircnea pelo ensinamento
que contecircm O fato de haver certa redundacircncia entre as duas coisas seria mais um argumento a
favor da hipoacutetese de que os eruditos em torno de Foacutecio natildeo leram a obra na iacutentegra A
ocorrecircncia de ambas portanto deve implicar nesse caso que pelo menos nessa passagem
designam coisas diferentes Nesse sentido a obra de Proclo se diria ldquocrestomatiardquo porque o
criteacuterio que a norteia eacute relacionar ensinamentos proveitosos de uma aacuterea em especiacutefico o que
aponta para a caracteriacutestica preponderante do texto a saber conter liccedilotildees que
tradicionalmente satildeo desenvolvidas em textos especiacuteficos de diferentes doutrinas antigas aqui
agremiadas pelo tiacutetulo grammatikeacute gramaacutetica Isso se aventa pelas duas outras ocorrecircncias da
palavra na proacutepria Biblioteca ambas posteriores ao coacutedice 239 A primeira delas que parece
referir-se bem a essa qualidade instrutiva por si soacute consiste no emprego do substantivo no seu
sentido proacuteprio e natildeo teacutecnico para explicar o que se apresenta das Vidas Paralelas a obra de
Plutarco compilada no coacutedice 245
ldquo[16] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltΠλουτάρχουgt παραλλήλων διάφοροι λόγοι ὧν ἡ ἔκδοσις
κατὰ σύνοψιν ἐκλέγεται διάφορον χρηστομαθίανrdquo
(245 393b 9)
O resumidor seguindo o espiacuterito jaacute comentado de para certos casos caracterizar o que
se leraacute em relaccedilatildeo agrave fonte de que se compila (o espiacuterito de nos dar alguma nota editorial do
que se estaacute produzindo) informa-nos que neste coacutedice ldquofez-se a leitura de diferentes
discursos das Vidas Paralelas de Plutarco dos quais a ediccedilatildeo em sinopse seleciona o saber
distintordquo Poder-se-ia seguindo a sugestatildeo de Severyns29 arriscar a traduccedilatildeo por ldquodistinta
erudiccedilatildeordquo uma vez que como laacute demonstrado o substantivo primitivo chrestomateacutes
( ) empregava-se para designar aquele que buscava o saber proveitoso uacutetil o
ldquoeruditordquo Assim a palavra ocorre na introduccedilatildeo ao epiacutetome da obra de Plutarco para
assinalar que natildeo se encontraraacute ali a obra mas que o resumo fruto da leitura ateacutem-se a
29 Severyns op cit II pg 66
34
fornecer os trechos que conteacutem aos olhos de nosso resumidor ensinamentos valiosos ie
aqueles que serviratildeo para ensinar (no caso do gecircnero historiograacutefico atraveacutes de exempla)
A segunda ocorrecircncia (quarta no total) eacute justamente para introduzir outra obra
nomeada ldquoCrestomatiardquo e compilada na Biblioteca a saber a Crestomatia de Helaacutedio
ldquo[17] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς ltἙλλαδίου Βησαντινόουgt ἐπιγ-
ραφομένης πραγματείας χρηστομαθειῶν αʹ βʹ γʹ δʹrdquo
(279 529b 26)
Como se nota natildeo haacute a palavra eklogaiacute nesse caso e a introduccedilatildeo do epiacutetome segue o
mesmo padratildeo dos epiacutetomes anteriormente comentados trazendo um particiacutepio introduzindo a
intitulaccedilatildeo do objeto escrito ldquoTratado de Crestomatia 1 2 3 4rdquo A obra de Helaacutedio como
resumida na Biblioteca parece dedicar suas primeiras seccedilotildees a catalogar informaccedilotildees uacuteteis
sobre palavras ou sobre diversos elementos leacutexicos da pronunciaccedilatildeo correta de certos
vocaacutebulos ateacute usos linguiacutesticos ie quando se empregava preferencialmente esta agravequela
forma ou quando soacute se podia aplicar uma etc Tais saberes uacuteteis tambeacutem seratildeo a respeito das
causas e origens de certos nomes e se trataraacute entatildeo de nomes de lugares ou por que certo
grupo usa tal signo para certa coisa por que tal monumento ou local recebeu seu nome etc e
nesse sentido como ocorre tambeacutem no caso da Crestomatia de Proclo natildeo se distingue
claramente quando o objeto eacute a palavra ou a coisa a discussatildeo linguiacutestica se torna etioloacutegica
Por vezes natildeo haacute essa discussatildeo mas o resumidor anota uma informaccedilatildeo relevante a
passagem de 533b 29 ndash 34 por exemplo eacute dedicada a ordenar o estabelecimento e os locais
das competiccedilotildees atleacuteticas dos gregos30 Do meio em diante pelo menos a julgar pelo epiacutetome
as informaccedilotildees compiladas entatildeo passam agrave origem e histoacuterias diversas de fato definindo o
texto sobre um texto como uma crestomatia sobre coisas diversas
Mais interessante a tiacutetulo de comparaccedilatildeo eacute o fato de que o resumo traz o nome de
autores de que Helaacutedio haure sua ldquoerudiccedilatildeordquo ou ldquosaberes proveitososrdquo Dioniacutesio por exemplo
eacute citado como fonte a partir da qual se arrolam usos proacuteprios dos aticistas31 tais fontes satildeo
dadas nominalmente no epiacutetome muito provavelmente porque o proacuteprio Helaacutedio as
informava uma vez que ocorrem sob a forma de discurso reportado ou indireto ldquoDioniacutesio diz
que os aticistasrdquo e natildeo ldquodiz querdquo como ocorre no coacutedice de Proclo ou seja o coacutedice
informa-nos que na Crestomatia de Helaacutedio ldquoeacute dito que Dioniacutesio diz querdquo e tem-se uma
liccedilatildeo uacutetil como por exemplo ldquoos aticistas natildeo dizem oneacutesamen mas sim
30 Foacutecio Biblioteca 279 533b 29 ndash 34 31 idem 279 529b 29 ndash 34
35
epriaacutemen rdquo e dizem as demais formas do verbo em questatildeo conforme o esperado
morfologicamente32 Eacute pois de se supor que Helaacutedio no suposto texto original dissesse
ldquoDioniacutesio diz querdquo ou seja referia autores fonte das informaccedilotildees uacuteteis que colige Mais agrave
frente sua fonte seraacute ningueacutem menos que o gramaacutetico Diacutedimo
Mais uma diferenccedila se entrevecirc aqui no caso do texto de Helaacutedio o manuscrito agrave
disposiccedilatildeo dos eruditos muito provavelmente por conter ainda a obra por completo trazia seu
autor referindo-se a fontes se natildeo as citando No caso da Crestomatia de Proclo isso natildeo
ocorre As liccedilotildees embora as identifiquemos como pertencentes a diferentes doutrinas satildeo
apenas arroladas uma apoacutes a outra Quando haacute mais de uma hipoacutetese ou possibilidade
principalmente no caso das etimologias geralmente haacute uma menccedilatildeo a ldquooutrosrdquo ou a uma
possibilidade divergente Isso leva a pensar que se a Crestomatia de Proclo tinha as mesmas
dimensotildees que a de Helaacutedio quatro livros trazia ela tantos autores citados na atribuiccedilatildeo de
suas liccedilotildees e diferentes versotildees de etimologias que o resumidor resolveu apenas referir-se a
eles pelo termo ldquooutrosrdquo33 Para aleacutem dos casos em que as diferentes possibilidades
etimoloacutegicas e etioloacutegicas natildeo podem e nem poderiam ser identificadas quanto a sua origem
especiacutefica por natildeo a possuiacuterem (caso de explicaccedilotildees para a origem do epos da elegia do
iambo) eacute de se supor que ou a coletacircnea da obra de Proclo o que se lia natildeo trazia essas
informaccedilotildees por ser uma seleta no sentido discutido de um resumo ou uma primeira
abreviaccedilatildeo ou o autor ele mesmo natildeo as dava por ser um organizador de doutrina ie por
estar focado em organizar saberes doutrinais de modo a instruir Essa segunda hipoacutetese natildeo eacute
de se descartar porque e mais uma vez uma natildeo nega a outra Provavelmente ambas satildeo
verdadeiras pois natildeo eacute de se imaginar que em uma obra com a extensatildeo de quatro livros
como a de Helaacutedio versando sobre diferentes toacutepicos das letras em geral em nenhuma
passagem ocorresse a menccedilatildeo a este ou agravequele autor e o que pensa ou diz sobre determinado
assunto Igualmente eacute de se supor pela mateacuteria do texto que diferentes opiniotildees fossem
apenas referidas a ldquooutrosrdquo como se observa em textos semelhantes como forma padratildeo de
dizer uma vez que satildeo os saberes tradicionalmente consolidados sobre aquele assunto ie as
32 Em outras palavras como diriacuteamos hoje ensina que os autores aacuteticos ldquoclaacutessicosrdquo fazem a 1ordf pessoa do
singular do aoristo do verbo supletivamente ou recorrendo agrave formaccedilatildeo de outro verbo 33 Cf por exemplo 319b 3 ndash 5 sobre as diferentes possibilidades de acentuar a palavra que nomeia o poema
Ciacuteprias do ciclo eacutepico natildeo se identifica ningueacutem aleacutem do autor que proponha e siga essa hipoacutetese bem como
nenhuma autoridade eacute citada em prol da acentuaccedilatildeo vigente ou entatildeo 321a 6 em que haacute uma referecircncia aos que
julgam ser o escoacutelio nomeado por antiacutestrofe Para alguns casos poreacutem natildeo haacute menccedilatildeo e o termo ldquooutrosrdquo se
emprega porque as etimologias jaacute eram assim consolidadas como possibilidades igualmente vaacutelidas para a
mesma coisa ie eram etimologias igualmente aceitas e disseminadas mais ainda autorizadas Eacute o caso claro
das etimologiasetiologias do iambo Cf infra cap 3 seccedilotildees 331 a 333 paacutegs 83 a 95 as explicaccedilotildees satildeo as
mesmas adotadas por exemplo na Gramaacutetica de Diomedes As etimologias para o termo epos tambeacutem jaacute eram
todas consolidadas
36
possiacuteveis explicaccedilotildees que ao longo dos seacuteculos mas principalmente com a atividade editorial
do periacuteodo heleniacutestico em diante foram se consolidando como as ldquoverdadesrdquo aceitas e
igualmente plausiacuteveis Natildeo haacute para elas pois uma origem definida portanto uma fonte a ser
citada
Esse segundo fato se confirma se aceitamos definitivamente que a Vita Homeris do
coacutedex Venetus eacute junto dos demais resumos dos poemas ciacuteclicos laacute contidos excertos da
Crestomatia original Ao referir-se aos diferentes casos particulares da vida de Homero
conforme o proacuteprio epiacutetome diz que fazia em relaccedilatildeo tambeacutem aos demais poetas eacutepicos34
emprega continuamente as expressotildees ldquounsrdquo ldquooutrosrdquo ldquoaquelesrdquo para referir-se aos
diferentes e agraves vezes divergentes ldquoepisoacutediosrdquo da vida de Homero Ora nada mais consolidado
no acircmbito da cultura geral do que Homero e as diferentes histoacuterias a respeiro dele sua morte
sua origem etc Eram todas versotildees consolidadas e discutidas sem terem origem precisa e
identificada Essa Vita ou biografia do vate tambeacutem nos ilustra que sim inevitavelmente
quando tratando de informaccedilatildeo ou hipoacutetese mais teacutecnica inevitavelmente o autor referiria
uma fonte ou origem dessa informaccedilatildeo Eacute o que ocorre quando se discute primeiro sua
origem
Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu
Dizem que Meatildeo pai de Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem
de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades filho de Carifemo
filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de
Doriatildeo filho de Orfeu
Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas
(Vita Homeri 19 ndash 24 in Severyns IV paacuteg 69 trad do autor)
Essas eram opiniotildees sobre Homero solidamente proferidas por outros e assim
identificadas
Nos dois paraacutegrafos imediatamente anteriores e no paraacutegrafo imediatamente posterior
por exemplo temos informaccedilotildees ou episoacutedios anedoacuteticos sobre Homero e nesses casos
vemos a praacutetica de atribui-los a ldquooutrosrdquo indefinidos
[] uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de
Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral
reclama o homem pelo que razoavelmente pode ser dito cosmopolita
34 ldquoOs mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro Paniacuteasis e Antiacutemaco Desses discorre na
medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas histoacuterias particularesrdquo Proclo apud Foacutecio
Biblioteca 239 319a 17 ndash 21
37
Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era
Meatildeo e que foi concebido perto do Rio Meles motivo pelo qual
tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado Homero
[Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea
[refeacutem ] aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo
esse nome por causa da deficiecircncia dos olhos Os cegos de fato eram
chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios
(idem 9 ndash 18 paacuteg 68 trad do autor)
e
ldquoSobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua
proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta respostardquo
(idem 25 paacuteg 68 trad do autor)
Note-se que no primeiro caso inculise fezem-se etimologias
Mais agrave frente discutindo a o periacuteodo em que Homero teria vivido
Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na
eacutepoca da imigraccedilatildeo jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno
dos Heraclidas e o evento em torno dos Heraclidas estaacute oitenta anos
depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o
recuam aos tempos de Troia
(idem 59 paacuteg 73 idem)
Vemos a julgar por esse suposto e breve trecho original da Crestomatia que muito
provavelmente como na Crestomatia de Helaacutedio quando alguma liccedilatildeo especiacutefica haurida
deste ou daquela escola era dada era de se imaginar o nome e a atribuiccedilatildeo Tambeacutem como laacute
conforme dito e como se vecirc no proacuteprio resumo de Foacutecio especificamente nos trechos que
versam sobre as celebraccedilotildees ciacutevico-religiosas que originam gecircneros meacutelicos os ldquosaberes
uacuteteisrdquo ie a ldquoerudiccedilatildeordquo a ser transmitida passa a descriccedilatildeo etioloacutegica e histoacuterica (como no
caso da guerra que daacute origem agrave dafnefoacuteria35)
A Crestomatia de Proclo contudo possui um eixo temaacutetico as letras Conclui-se
portanto que entendida natildeo como um gecircnero textual rigorosamente especiacutefico mas como
uma obra de erudiccedilatildeo no sentido de uma reuniatildeo de informaccedilatildeo registro dessa informaccedilatildeo
vaacuteria num documento uacutenico uma crestomatia pode contemplar saberes de diferentes aacutereas e
elementos que no caso de Helaacutedio natildeo teriam uma associaccedilatildeo direta ie natildeo seriam objeto
35 Idem 321a 36 ndash 321b 12
38
de uma mesma obra A reuniatildeo de informaccedilotildees da obra de Proclo visa agrave instruccedilatildeo na aacuterea das
letras Duas perguntas decorrem disso a quais saberes entatildeo ou a quais aacutereas do saber antigo
essa crestomatia se voltaraacute O que se entende por gramaacutetica na intitulaccedilatildeo do coacutedice
134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra
A palavra gramaacutetica que delimita o eixo temaacutetico dessa crestomatia poderia ser
tomada em sua literalidade para efeitos de traduccedilatildeo mas aqui talvez apenas na literalidade
que possuiacutea entre os gregos Essa mesma literalidade poreacutem eacute ampla e polissecircmica dado
que como se sabe passa a designar o ofiacutecio do gramaacutetico Sua funccedilatildeo na antiguidade
compreendeu atividades que tambeacutem noacutes atribuiacuteamos aos gramaacuteticos hoje mas outras que
natildeo Em princiacutepio segundo Dioniacutesio Traacutecio seis seriam as partes da gramaacutetica36
Γραμματική ἐστιν ἐμπειρία τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ
συγγραφεῦσιν ὡς ἐπὶ τὸ πολὺ λεγομένων
Μέρη δὲ αὐτῆς ἐστιν ἕξ πρῶτον ἀνάγνωσις ἐντριβὴς κατὰ
προσῳδίαν δεύτερον ἐξήγησις κατὰ τοὺς ἐνυπάρχοντας ποιητικοὺς
τρόπους τρίτον γλωσσῶν τε καὶ ἱστοριῶν πρόχειρος ἀπόδοσις
τέταρτον ἐτυμολογίας εὕρεσις πέμπτον ἀναλογίας ἐκλογισμός ἕκτον
κρίσις ποιημάτων ὃ δὴ κάλλιστόν ἐστι πάντων τῶν ἐν τῇ τέχνῃ
(Dioniacutesio Traacutecio 1153 ndash 6 3 in Grammatici Graeci)
ldquoA Gramaacutetica eacute o saber dos usos da liacutengua conforme se daacute no
mais das vezes entre os poetas e os escritores
Suas partes satildeo seis a primeira eacute a leitura treinada de acordo
com a prosoacutedia a segunda eacute a exegese segundo os tropos poeacuteticos
existentes a terceira eacute a pronta explicaccedilatildeo das formas dialetais e
histoacuterias quarta a revelaccedilatildeo da etimologia quinta o cocircmputo das
analogias sexta a avaliaccedilatildeo [o juiacutezoapreciaccedilatildeo] de poemas que eacute a
mais bela de tudo na teacutecnicardquo
(trad e grifo do autor)
Como responsaacutevel por descrever e ensinar o uso devido da liacutengua e por avaliar como
especialista do saber linguiacutestico se um texto era ou natildeo espuacuterio ie determinar a
36 Para uma precisa anotaccedilatildeo da gramaacutetica de Dioniacutesio Traacutecio Cf Dos Santos MM Dioniacutesio da Traacutecia Arte
traduccedilatildeo e notas in Letras Claacutessicas n11 153 ndash 179 2007
39
autenticidade de um texto cabia ao gramaacutetico portanto aquilo que hoje diriacuteamos ldquoo
estabelecimento do textordquo ofiacutecio do filoacutelogo moderno O emprego do termo krisis referindo-
se aos poemas como objeto dessa avaliaccedilatildeo eacute muito semelhante ao que ocorre no epiacutetome
fociano em 319a 1 ndash 3
ldquoΔιαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδίδωσι τίς ἤθους καὶ πάθους
διαφοράrdquo
(Proclo apud Foacutecio 239 319a 1 ndash 3)
ldquoFaz consideraccedilotildees acerca do juiacutezo de poesia no que transmite qual a diferenccedila entre
caraacuteter e afetordquo
Este trecho eacute um dos mais problemaacuteticos do texto porque dado agrave brevidade e agrave
amplitude semacircntica das palavras empregadas possibilita pelo menos mais de uma leitura A
criacutetica notou37 que o conteuacutedo desta primeira oraccedilatildeo e principalmente a expressatildeo kriacutesis
poieacutematos fazem ressoar a sexta parte da empiria gramatical como definida por Dioniacutesio
Traacutecio kriacutesis poiemaacuteton ldquoa mais bela de tudo na teacutecnicardquo Em termos de entendimento
linguiacutestico a dificuldade ocorre primeiro por causa do significado do verbo dialambaacuteno que
semanticamente conteacutem a ideia mesmo de uma kriacutesis um juiacutezo um discernimento
significando ldquotomar separadamente dividir com escruacutepulordquo daiacute ldquodiscernir avaliar
considerarrdquo e justamente ldquojulgarrdquo segundo pela ausecircncia do artigo antes do substantivo kriacutesis
e pelo genitivo singular poieacutematos ao inveacutes de poiemaacuteton (de poema e natildeo de poemas) o
que impossibilita saber se o texto reporta-se agravequela kriacutesis poiemaacuteton (ie avaliaccedilatildeo
julgamento de poemas) que eacute uma parte da gramaacutetica ou se a palavra kriacutesis aqui eacute
empregada (como defende Severyns) em sentido amplo e natildeo teacutecnico junto agrave palavra que no
epiacutetome eacute empregada para designar ldquopoesiardquo siginificando apenas portanto de forma
perifraacutestica que ldquoFoacutecio diz que Proclo faz consideraccedilotildeesrdquo ndash considerando o aspecto verbal do
presente grego lsquoprossegue em suas consideraccedilotildeesrsquo como quer Severyns ndash ldquosobre a avaliaccedilatildeo
da poesiardquo portanto simplesmente ldquoele continua seu exame da poesiardquo que de fato ocorria
em contraposiccedilatildeo agrave prosa desde a distinccedilatildeo entre ambas em 318b 24 (sect3 na ediccedilatildeo de
Severyns) de modo a como se observa a partir de 319a 3 (sect11 idem) logo se concentrar no
que concerne tatildeo somente agrave poeacutetica ie seus gecircneros
Aqui se adota uma terceira leitura contraacuteria a de Severyns mas natildeo totalmente
consoante agrave de Ferrante ndash principalmente nas implicaccedilotildees primeiramente essa kriacutesis
37 cf Severyns (op cit pg 77 ndash 79) para um balanccedilo das leituras e Ferrante (op cit pg 20 ndash 21) para uma
visatildeo ainda contraacuteria a de Severyns)
40
poieacutematos natildeo precisaria orbigatoriamente ser uma alusatildeo ao nome exato da referida parte da
arte gramatical para ser (em se tratando da avaliaccedilatildeo da poesia aqui designada por poiacuteema)
aquele conjunto de avaliaccedilotildees sobre diferentes aspectos do poema Ainda assim natildeo parece
ser o caso
Eacute fundamental pontuar que a passagem deve ser julgada de acordo com o
procedimento geral do resumo ie a forma de resumir O resumidor parece topicalizar
atraveacutes dos termos (quase sempre teacutecnicos) aquilo de que a obra original tratava no respectivo
passo em vez de descrever o que teoricamente Proclo (seja quem for) fazia sem antes
introduzir qual era o objeto ou o toacutepico teoacuterico em questatildeo podendo ater-se ou natildeo a ele
(contrastem-se por exemplo os paraacutegrafos 17 e 69 ndash 78 com os derradeiros referentes agraves
uacuteltimas espeacutecies meacutelicas 93 ndash 99) Se considerarmos como quer Severyns que kriacutesis
poiemaacutetos natildeo eacute um desses termos topicalizados e que ldquonatildeo expressariam senatildeo uma ldquoideia
bem geral natildeo remontando de modo algum agrave sexta parte da arte gramatical tal qual a definiu
Dioniacutesio Traacuteciordquo (sendo um problema exatamente os trechos que aqui sublinho pois assumo
que os termos gregos em si natildeo precisariam ser obrigatoriamente uma citaccedilatildeo tratando-se de
um nome jaacute convencionado para essa atividade) este seria o uacutenico trecho do epiacutetome em que
isso acontece ie em que primeiro se comentaria o que o autor do tratado original faz
(ldquocontinua suas reflexotildees sobre poesiardquo) para soacute depois introduzir o que seria o toacutepico
assinalado a ldquodistinccedilatildeo entre caraacuteter e afetordquo Um outro problema surgiria aqui argumento
favoraacutevel a hipoacutetese defendida se ethos e pathos satildeo os termos teacutecnicos que topicalizam a
passagem ie satildeo o assunto do passo equivalente no suposto texto original entatildeo faltaria
como para os demais casos em que o toacutepico natildeo se explica por um desdobramento da
etimologia uma miacutenima explanaccedilatildeo teoacuterica para ambos como imediatamente antes se fez
para os moldes do dicurso e seus viacutecios Natildeo seria verossiacutemil que se abrisse matildeo dessa
explanaccedilatildeo uma vez que tal distinccedilatildeo entre ethos e pathos natildeo seria menos conhecida que a
doutrina dos gecircneros do discurso Em outras palavras se esse fosse o toacutepico do devido
momento do tratado a que o resumidor se referiria a julgar pelo padratildeo observado referir-se-
ia a ele imediatamente portanto eacute de supor contrariamente que krisis poeiemaacutetos o eacute antes
de diaphoraacute eacutethous kaigrave paacutethos o que inclusive torna mais compreensiacutevel e justificado o
relativo neutro que introduz a segunda oraccedilatildeo
Como uma crestomatia de gramaacutetica aqui entendida como as letras condensando
princiacutepios que em origem satildeo de diferentes disciplinas (gramaacutetica poeacutetica e retoacuterica em
geral) parece razoaacutevel que assim como se falava da doutrina dos gecircneros da elocuccedilatildeo nos
trechos anteriores da obra objeto comum agrave poeacutetica e agrave retoacuterica a distinccedilatildeo entre eacutethos e
41
paacutethos estivesse aqui entre os elementos que eram julgados na avaliaccedilatildeo da poesia Esta liccedilatildeo
parece coerente com o fato de que pelo menos ateacute onde Foacutecio nos daacute notiacutecia apoacutes as
consideraccedilotildees sobre a elocuccedilatildeo (e a doutrina referente a seus gecircneros) seguissem-se esses
dois outros elementos que de acordo com a retoacuterica explicitam-se no discurso
A proacutepria consideraccedilatildeo dos dois termos jaacute eacute um problema pois mesmo em
Aristoacuteteles trazem dificuldade Como se sabe na Retoacuterica o caraacuteter eacute do orador aquele que
fala a paixatildeo suscita-a no ouvinte por meio do discurso a fim de movecirc-lo Eacute logo no livro I
que Aristoacuteteles apresenta essa doutrina dos trecircs meios da persuasatildeo loacutegos eacutethos e paacutethos ou
discurso caraacuteter e afeto Eacute proacuteprio da arte principalmente o primeiro o discurso pois em
condiccedilotildees ideais jurados e ouvintes natildeo se deixam levar pelas paixotildees que oradores treinam
para despertar naqueles que os ouvem Como no entanto o tratado assume por objeto a
persuasatildeo e define a retoacuterica como teacutecnica que a produz (antiacutestrofe da dialeacutetica que produz
verdade) aborda igualmente afeto ndash para esclarecer como suscitado persuade ndash e caraacuteter ndash
pois se as palavras do orador natildeo forem condizentes com a noccedilatildeo de caraacuteter que dele fazem
os ouvintes natildeo se deixaratildeo convencer por julgaacute-lo mentiroso Em termos gerais talvez
pudeacutessemos dizer que na Retoacuterica os trecircs elementos satildeo em um primeiro momento
pensados em si para posteriormente serem considerados como os trecircs fatores ou causas cujo
resultado eacute o convencimento
Natildeo eacute assim poreacutem que os mesmos elementos satildeo considerados na Poeacutetica por conta
da proacutepria conceituaccedilatildeo aristoteacutelica do objeto (o que seraacute discutido mais adiante) neste
tratado Aristoacuteteles cirscunscreve a noccedilatildeo de eacutethos e pathos diferentemente pois trata os
termos como partes de uma imitaccedilatildeo e eacute nos limites desse conceito que surge a dificuldade A
imitaccedilatildeo que define a poesia eacute muito especiacutefica accedilatildeo Trata eacutethos e paacutethos portanto como
elementos que precisam ser representados de maneira condizente para que a imitaccedilatildeo seja
bem sucedida Na descriccedilatildeo da mimese caraacuteter eacute uma das partes qualitativas da trageacutedia
conforme definidas no cap VI da Poeacutetica mito caraacuteter e pensamento seriam as partes
equivalentes a ldquoo querdquo se imita (a mateacuteria) conforme delimitado nos cap I II e III em que o
filoacutesofo expotildee os criteacuterios pelos quais pensa o objeto elocuccedilatildeo e melopeia as partes
equivalentes agravequilo ldquoem querdquo se imita (os meios lembrando que a melopeia equivale ao que
em outras passagens seraacute nomeado apenas ldquomelosrdquo ou ldquocanccedilatildeordquo e refere-se agraves passagens
corais) espetaacuteculo refere-se a ldquocomordquo se imita (o modo)38
38 Poeacutetica VI 1449b 21 ndash 1450a 15
42
Como afirmaraacute ainda no cap VI natildeo eacute objetivo da poesia imitar caracteres mas os
caraceteres satildeo postos em cena apenas em funccedilatildeo da accedilatildeo ie este ou aquele caraacuteter eacute posto
em cena para que a accedilatildeo tenha este ou aquele desdobramento afinal ndash continua dizendo ndash os
eventos e o mito satildeo o fim da trageacutedia e o fim eacute o que haacute de mais importante Portanto o
caraacuteter de certa personagem conhecido do puacuteblico deve apenas ser condizente com o que
desdobramento esperado da accedilatildeo Natildeo agrave toa na mesma passagem Aristoacuteteles afirmaraacute que eacute
possiacutevel trageacutedia sem caraacuteter apenas com accedilatildeo mas natildeo o contraacuterio39 Os uacutenicos termos que
Aristoacuteteles nos fornece para analisar o caraacuteter presente em uma composiccedilatildeo poeacutetica satildeo esses
Natildeo se trata portanto de um caraacuteter presente talvez na elocuccedilatildeo poeacutetica mas simplesmente
o caraacuteter que se pode ou deve representar em funccedilatildeo de uma accedilatildeo mimetizada Esse criteacuterio
portanto mal pode ser aplicado agrave poesia que natildeo se pode analisar nos termos aristoteacutelicos da
imitaccedilatildeo de accedilatildeo Tal noccedilatildeo de eacutethos natildeo nos exclarece qual seria a diferenccedila a que o epiacutetome
se refere
Quanto ao afeto ou paacutethos a noccedilatildeo parece ateacute um pouco mais distante paacutethos na
Poeacutetica eacute a terceira parte do mito descrita como um padecimento na accedilatildeo como algo
destrutivo ou doloroso tal padecimento eacute um efeito e um desdobramento da accedilatildeo Natildeo eacute algo
portanto que se representa a priori poreacutem mais um elemento atrelado ao mito que se
representa por meio de palavra (elocuccedilatildeo ou melopeia) e subordinado a ele Natildeo agrave toa ao fim
do cap 19 da Poeacutetica na transiccedilatildeo para a seccedilatildeo final sobre a elocuccedilatildeo diz Aristoacuteteles
[]Περὶ μὲν οὖν τῶν ἄλλων εἰδῶν εἴρηται λοιπὸν δὲ περὶ λέξεως καὶ
διανοίας εἰπεῖν τὰ μὲν οὖν περὶ τὴν διάνοιαν ἐν τοῖς περὶ ῥητορικῆς
κείσθω τοῦτο γὰρ ἴδιον μᾶλλον ἐκείνης τῆς μεθόδου ἔστι δὲ κατὰ
τὴν διάνοιαν ταῦτα ὅσα ὑπὸ τοῦ λόγου δεῖ παρασκευασθῆναι μέρη
δὲ τούτων τό τε ἀποδεικνύναι καὶ τὸ λύειν καὶ τὸ πάθη παρασκευάζειν
(οἷον ἔλεον ἢ φόβον ἢ ὀργὴν καὶ ὅσα τοιαῦτα) καὶ ἔτι μέγεθος καὶ
μικρότητας δῆλον δὲ ὅτι καὶ ἐν τοῖς πράγμασιν ἀπὸ τῶν αὐτῶν ἰδεῶν
δεῖ χρῆσθαι ὅταν ἢ ἐλεεινὰ ἢ δεινὰ ἢ μεγάλα ἢ εἰκότα δέῃ
παρασκευάζειν πλὴν τοσοῦτον διαφέρει ὅτι τὰ μὲν δεῖ φαίνεσθαι
ἄνευ διδασκαλίας τὰ δὲ ἐν τῷ λόγῳ ὑπὸ τοῦ λέγοντος
παρασκευάζεσθαι καὶ παρὰ τὸν λόγον γίγνεσθαι τί γὰρ ἂν εἴη τοῦ
λέγοντος ἔργον εἰ φαίνοιτο ᾗ δέοι καὶ μὴ διὰ τὸν λόγον
(Aristoacuteteles Poeacutetica 1456a 33 ndash 1456b 8)
ldquoSobre as demais partes jaacute se falou restando falar sobre a elocuccedilatildeo e o
pensamento Fique para os escritos sobre retoacuterica o que tangencia o
pensamento pois isso eacute mais proacuteprio do meacutetodo daquela Eacute referente
ao pensamento o quanto se deve provir pelo discurso Satildeo seus
39 Idem VI 1450a 19 ndash 23
43
elementos o demonstrar o refutar e o prover afetos (como piedade ou
horror ou raiva e todas essas coisas) e ainda grandeza e pequenez Eacute
evidente que tambeacutem se deve servir-se desses elementos nos
acontecimentos quando se devem prover coisas piedosas terriacuteveis
grandiosas ou possiacuteveis entretanto com tal diferenccedila naquele caso
devem aparecer sem elucidaccedilatildeo neste devem ser providas no
discurso pelo falante e ocorrer junto ao discurso pois qual seria a
funccedilatildeo do que fala se aparecessem como devem mas natildeo atraveacutes do
discursordquo
(Trad do autor)
Ora aqui Aristoacuteteles deixa claro que sendo a poesia imitaccedilatildeo de accedilatildeo atraveacutes da
palavra mesmo os afetos decorrentes nas accedilotildees satildeo representados e postos em cena por via da
palavra ie da elocuccedilatildeo Como um fenocircmeno por si soacute natildeo restrito agrave poeacutetica isso eacute objeto
da retoacuterica e por isso a seccedilatildeo seguinte sobre a elocuccedilatildeo trataraacute do que eacute proacuteprio da elocuccedilatildeo
poeacutetica
Ateacute aqui portanto a uacutenica noccedilatildeo que talvez possa nos servir seja a de que tanto caraacuteter
quanto afeto se transparecem na imitaccedilatildeo pela palavra o fazem nela Ainda assim na
conceituaccedilatildeo aristoteacutelica isso se daacute naquele que eacute um actante representado ou natildeo por um
ator ie por aquele que eacute agente de uma accedilatildeo Por isso mesmo no referido capiacutetulo VI
arrolando e definido as seis partes qualitativas citadas definiraacute pensamento como aquilo ldquoem
quanto os falantes demonstram algo ou revelam sua opiniatildeordquo e caraacuteter como aquilo ldquode
acordo com o que dizemos que os agentes satildeo certas coisasrdquo40
Para tentar supor o que significariam caraacuteter e afeto no acircmbito do comentaacuterio do
gramaacutetico ao abordar um texto talvez possamos buscar uma pista em textos semelhantes ao
menos a fim de entender em um primeiro momento se esses conceitos eram levados em
conta Sobre o caraacuteter haacute uma passagem que pode ser esclarecedora O Escoacutelio a Dioniacutesio
Traacutecio (471 26 ndash 472 12) traz uma boa descriccedilatildeo dos diferentes elementos que satildeo objeto da
avaliaccedilatildeo empreendida nesta atividade em questatildeo a qual como se sabe (e isso tambeacutem nos eacute
relevante) opotildee-se natildeo soacute em gramaacuteticos mas daiacute tambeacutem em reacutetores (como Dioniacutesio de
Halicarnasso e Quintiliano) agrave syacutegkresis ie natildeo se trata mais da avaliaccedilatildeo apenas mas da
avaliaccedilatildeo conjunta o discernimento dos poetas e obras considerados conjuntamente a
comparaccedilatildeo
ltἝκτον κρίσις ποιημάτωνgt] Τίνι διαφέρει κρίσις συγκρίσεως καὶ
πότερον αὐτῶν ἐπαναβέβηκεν Λεκτέον ὅτι πρῶτον ἡ κρίσις τὸν
40 Idem 1450a 4 ndash 7
44
συγκρίνοντα γὰρ πρότερον αὐτῶν ἑκάτερον δεῖ κρῖναι καὶ ὁ μὲν
συγκρίνων καὶ κρίνει ὁ δὲ κρίνων οὐ πάντως καὶ συγκρίνει
Πότερον δὲ ὁ γραμματικὸς κρείττων ὢν τῶν ποιητῶν κρίνει αὐτῶν τὰ
ποιήματα ἢ ἥττων Καὶ εἰ μὲν κρείττων δώσομεν καὶ αὐτὸν εἶναι
ποιητήν εἰ δὲ ἥττων πῶς κρίνει Ῥητέον οὖν ὅτι κρίνει οὐχ ᾗ ποιητής
ἐστι κρείττων αὐτῶν ἀλλ ᾗ τεχνίτης ἐστὶ τῆς ὕλης τῆς ἐκείνων καὶ
τῶν ὀργάνων οὐ γὰρ κρίνει εἰ καλῶς αὐτοῖς γέγραπται ἢ οὔ ἀλλ εἰ
νόθα ἢ γνήσια πολλὰ γὰρ νοθευόμενά ἐστιν ὡς ἡ Σοφοκλέους
Ἀντιγόνη ndash λέγεται γὰρ εἶναι Ἰοφῶντος τοῦ Σοφοκλέους υἱοῦ
Ὁμήρου τὰ Κυπριακὰ καὶ ὁ Μαργίτης Ἀράτου τὰ Θυτικὰ καὶ τὰ Περὶ
ὄρνεων Ἡσιόδου ἡ Ἀσπίς
Κρίνει δὲ πρῶτον μὲν ὁρῶν εἰς τὴν λέξιν εἰ συνήθης ἐστὶ τῷ ποιητῇ
ἔπειτα εἰς τὸ πλάσμα τῆς συνηθείας εἶτα εἰς τὴν τῆς φράσεως
εὐκολίαν ἢ σκληρότητα εἶτα καὶ εἰς τὴν ἱστορίαν οἱ μὲν γὰρ χαίρουσι
ταῖς ξενιζούσαις ἱστορίαις αἱ δὲ ταῖς κοιναῖς εἶτα ἀπὸ τῶν χρόνων
Ἀρετὴ δὲ ποιήματος ἡ περὶ λέξιν σαφήνεια σύνθεσις τοῦ μέτρου
εὔρυθμος κυριολεξία σχήματα ταῦτα τῆς λέξεως τὰ δὲ περὶ διάνοιαν
οἰκονομία τάξις ἤθη ἐν προσώποις εἰ ltοἱgt μῦθοι ἁρμόδιοι καὶ τὰ
πλάσματαrdquo41
(Scholia in Dionysium Thracem Scholia Londinensia 471 26 ndash 472
12)
Sexta a avalaiccedilatildeo de poemasrsquo ndash Em que difere a avaliaccedilatildeo da
comparaccedilatildeo e qual delas precede Deve-se dizer que a avaliaccedilatildeo vem
primeiro quem estaacute comparando deve primeiro apreciar cada um dos
elementos e quem compara tambeacutem aprecia mas quem aprecia nem
sempre compara
Havendo os maiores poetas o gramaacutetico faz a avaliaccedilatildeo deles ou dos
inferiores Se principalmente dos melhores concederemos que seja
tambeacutem poeta se dos inferiores como aprecia Deve-se dizer
portanto que faz a avaliaccedilatildeo natildeo da maneira pela qual um poeta eacute
melhor do que outros mas de que maneira eacute um artiacutefice do material
deles e de seus instrumentos Pois natildeo aprecia se algo estaacute belamente
escrito com esses ou natildeo mas sua espuriedade ou legitimidade pois
muitos satildeo os escritos considerados espuacuterios como a Antiacutegona de
Soacutefocles ndash pois se diz que eacute de Iofatildeo o filho de Soacutefocles ndash As
Cipriotas e o Margites de Homero As Sacirficiais de Arato e Sobre os
Paacutessaros o Escudo de Hesiacuteodo
Aprecia primeiro visando a dicccedilatildeo se eacute usual ao poeta em seguida o
molde desse uso depois a fluidez ou a dureza da frase depois
visando a histoacuteria uns se comprazem mais nas histoacuterias que satildeo
exoacuteticas outros nas comuns depois aprecia a partir do periacuteodo
cronoloacutegico A virtude do poema satildeo a clarera que tange a dicccedilatildeo a
composiccedilatildeo do metro a regularidade da linguagem ordinaacuteria42 - essas
41 Commentaria In Dionysii Thracis Artem Grammaticam Scholia Londinensia (partim excerpta ex Heliodoro)
in ldquoGrammatici Graeci vol 13rdquo Ed Hilgard A Leipzig Teubner 1901 Repr 1965 Page 471 42 Entendendo-se aqui ldquoordinaacuteriardquo como a padratildeo ie a do dia a dia sem tropoi natildeo ornada Daiacute que a ideia de
ldquoeurritmiardquo a palavra grega deve se referir tanto a sua regularidade ie sua frequecircncia ou sua ocorrecircncia em
medida devida como tambeacutem agrave eufonia ie sua adapatabilidade ou sua consonacircncia com o metro elemento
anteriormente mencionado
45
satildeo as configuraccedilotildees da dicccedilatildeo quanto as que tangem o pensamento
organizaccedilatildeo ordenaccedilatildeo os caracteres nas personagens se
acomodados satildeo os mitos e seus moldesrdquo
(Traduccedilatildeo do autor)
Para o escoliasta a finalidade do gramaacutetico ao empreender a kriacutesis poiemaacuteton natildeo eacute
avaliar se entre eles poetas escreve-se belamente (essa seria a finalidade da syacutegkresis) mas a
ldquoespuriedaderdquo e a ldquolegitimidaderdquo (
Entre os diferentes aspectos considerados chamam a atenccedilatildeo natildeo
soacute aqueles de caraacuteter estrutural que tambeacutem satildeo objetos de um reacutetor como o do Tratado Da
Composiccedilatildeo das Palavras mas elementos mais proacuteprios da concepccedilatildeo da obra da sua
inventio confluindo com o que se concebe nos textos de poeacutetica como ldquoo que tange o
pensamentordquo ldquoos caracteres nas personagensrdquo e ldquose acomodados satildeo os mitos e seus
moldesrdquo Natildeo se pretende aqui que isto era trabalho da gramaacutetica e dessa sua parte em geral
mas sim ressaltar que mesmo nesta kriacutesis oposta agrave syacutegkrisis no iniacutecio da empiria o escoliasta
nos fornece o testemunho de que para desempenhar sua funccedilatildeo o gramaacutetico tambeacutem
precisava eventualmente julgar a confecccedilatildeo dos caracteres e a pertinecircncia dos mitos o que
inevitavelmente nos remete ao capiacutetulo 2 da Poeacutetica de Aristoacuteteles (e o quanto diz sobre
eacutethos bem como agrave parte da poeacutetica que em geral por via horaciana passamos a denominar
invenccedilatildeo) segundo a qual como a imitaccedilatildeo eacute imitaccedilatildeo de agentes eacute necessaacuterio que sejam
representados segundo certo caraacuteter (melhores ou piores do que noacutes)
Portanto natildeo eacute de espantar que assim como os tropos e figuras empregados pelos
poetas por exemplo configurem um caso claro de objeto comum a ser explicado tanto pelo
gramaacutetico quanto pelo reacutetor eacutethos e paacutethos na condiccedilatildeo de elementos que passam a ser
entendidos como inerentes ao discurso (e essa assunccedilatildeo como demonstrado ainda que com
suas especificidades jaacute se encontra no proacuteprio Aristoacuteteles) sejam observados e analisados por
qualquer um que se debruce com certa finalidade sobre uma composiccedilatildeo discursiva em verso
ou em prosa para aplicar mais uma vez o criteacuterio maior e tatildeo relevante desde o iniacutecio para
nossa leitura do epiacutetome ie a distinccedilatildeo prosa-poesia (Cf sect3 318b 24 ndash 26 Traduccedilatildeo paacuteg
110)
Isso se verifica indubitavelmente quando passamos para a syacutegkrisis de que podemos
tomar como exemplo o livro II do tratado Da Imitaccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso e as
diversas passagens em que diferencia poetas e prosadores dos diferentes gecircneros pelo trato
que datildeo a eacutethos e paacutethos (cf 31 2 1 - Homero 31 2 5 ndash Piacutendaro uma de suas virtudes a ser
observada eacute a ethopoiiacutea ou simplesmente confecccedilatildeo de caracteres em que esses se
46
destacam pela prudecircncia piedade e magnificecircncia [sofrosyacutene eusebeiacutea megalopreacutepeia] 31
2 7 ndash Estesiacutecoro os caracteres e os valores das personagens [eacutethe kaigrave axioacutemata toacuten
prosoacutepon] 31 2 8 ndash Alceu Dioniacutesio chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter de todos os seus
poemas poliacuteticos [hapaacutenton tograve toacuten politikoacuten poiemaacuteton eacutethos] etc seguem-se os dramaturgos
os oradores historiadores)
Haacute por isso trecircs observaccedilotildees que aqui se julgam necessaacuterias e passiacuteveis de serem
pontuadas a fim de se interpretar essa obscura passagem do epiacutetome
A 1a eacute concernente a essa comparaccedilatildeo eacute atraveacutes dela que se estabelecem os piacutenakes
ou listagens dos melhores poetas ie aqueles cujas virtudes devem ser imitadas como se
observa em autores como o referido Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado em que aborda a
miacutemesis Quintiliano e quantos outros que se preocupam em fornecer modelos
A 2a eacute que o epiacutetome traz para cada um dos gecircneros que menciona e resume
brevemente (exceto pela poesia meacutelica ldquopor de mais pluralrdquo segundo o proacuteprio texto) uma
listagem igualmente breve de autores Isso natildeo quer dizer que o tratado se ocupava da
comparaccedilatildeo detalhada mas que certamente compreendia as praacuteticas descritivas comuns aos
textos mencionados e estaria nesse universo textual que se torna especiacutefico tambeacutem do
gramaacutetico Eacute de supor portanto que neste passo o texto tratasse de outros aspectos que
julgava pertinentes agrave avaliaccedilatildeo da poesia ndash mesmo que concentrado em aspectos da inventio ndash
na referida fronteira em que os textos sobre doutrina poeacutetica retoacuterica ou gramaacutetical podiam
tangenciar-se e tratar do mesmo objeto focando mais este ou aquele aspecto de acordo com
sua finalidade A finalidade da Crestomatia ao que se infere pelo menos de seu tiacutetulo
completo (Crestomatia de Letras Literaacuteria ou de Gramaacutetica) e da proacutepria composiccedilatildeo da
palavra jaacute discutida khrestomaacutetheia pretendia fornecer o quanto fosse uacutetil para se apreciar o
que diriacuteamos hoje composiccedilotildees ldquoliteraacuteriasrdquo as ldquoletrasrdquo e aqui devia trazer o quanto julgava
conveniente da ocupaccedilatildeo de julgar avaliar ou seja apreciar poemas de que Foacutecio ou o
resumidor em geral destaca provavelmente por julgar o mais valioso do suposto trecho da
obra original a doutrina sobre eacutethos e paacutethos que como se viu acima poderia ser objeto do
gramaacutetico mesmo se tomassemos aquela kriacutesis de Dioniacutesio Traacutecio no seu sentido mais estrito
de ldquojulgamentordquo da autenticidade do texto Que essa distinccedilatildeo fosse doutrinalmente tratada
nesta passagem parece plenamente verossiacutemil se notarmos que apoacutes uma distinccedilatildeo pelo
criteacuterio de quantidade quanto agrave natureza da prosa e da poesia o tratado por tomar como seu
fio condutor para esta primeira parte a elocuccedilatildeo seguia esquematicamente pela triparticcedilatildeo da
retoacuterica que se em Aristoacuteteles refere-se aos meios pelos quais se produz persuasatildeo na
tratadiacutestica posterior (de que Dioniacutesio de Halicarnasso eacute oacutetimo exemplo) que considera a
47
poesia pela elocuccedilatildeo configura os trecircs aspectos segundo os quais se avalia a composiccedilatildeo em
geral
Bem como outros autores propotildeem para esta passagem suas leituras perifraacutesticas aqui
se julga que a mais adequada seria ldquoprossegue fazendo [suas] consideraccedilotildees [refletindo] sobre
a avaliaccedilatildeo de poesia no que transmite [dentre outras coisas] a doutrina sobre a diferenccedila
entre caraacuteter e paixatildeordquo
A 3a e uacuteltima refere-se ao que seriam esse eacutethos e paacutethos em certos tipos de poemas eacute
compreensiacutevel seguindo a liccedilatildeo de Aristoacuteteles que estejam presentes em uma obra cujo
objeto eacute uma accedilatildeo composta de agentes etc uma obra ldquonarrativardquo no nosso sentido moderno
da palavra a eacutepica a trageacutedia etc Como isso se dava poreacutem em um melos ou em uma
elegia Podemos considerar primeiramente que num poema como um epiniacutecio pindaacuterico se
natildeo se circunscreve ao polecircmico criteacuterio da Poeacutetica de Aristoacuteteles de ser miacutemesis de accedilatildeo
pode trazer um mito (no caso de Piacutendaro quase sempre) como seu ornato ou alusotildees
histoacutericas e miacuteticas Inevitavelmente aiacute em se contando algo e portanto representando
agentes ou personagens simplesmente representar-se-atildeo caracteres e afetos inevitavelmente
Segundo haacute que se considerar tambeacutem o que poesia ldquonarrativardquo passa a significar para a
tratadiacutestica posterior a Aristoacuteteles bem como o fato de que aquela figura falante num poema
de gecircnero meacutelico aquela voz poeacutetica que reporta ela mesma por via da elocuccedilatildeo traz caraacuteter
e afeto Eacute nesse sentido que o comentaacuterio de Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit) agrave poesia de
Alceu na referida passagem serve otimamente de exemplo ldquodispa-lhe algueacutem do metro em
vaacuterios lugares descobriria oratoacuteria poliacuteticardquo Para que esse caraacuteter advenha do discurso
retirado o metro como se a composiccedilatildeo fosse um discurso poliacutetico deve ser inerente ao
proacuteprio discurso e natildeo inerente a uma personagem
O termo grammatikeacute aqui portanto (principalmente depois das praacuteticas filoloacutegicas
alexandrinas) eacute abrangente e envolve o quanto se pode saber a fim de instruir na
compreensatildeo da arte que opera com a palavra mesmo que haurido de diferentes doutrinas ou
aacutereas do saber antigo Essa funccedilatildeo de instruir a princiacutepio circunscrevia-se ao ofiacutecio do
gramaacutetico que adotava como modelo para essa instruccedilatildeo exatamente os poetas como o
pedagogo da Greacutecia Antiga contra quem Platatildeo se insurge
Essa ocupaccedilatildeo passa a abarcar diferentes aspectos que naturalmente tangenciam
outras aacutereas do saber letrado que se debruccedilaram sobre a palavra assim o gramaacutetico se torna o
erudito das letras por excelecircncia o filoacutelogo Sobre esse ponto vale citar as consideraccedilotildees de
48
Ferrante que pensa de maneira semelhante a associaccedilatildeo da Crestomatia de Proclo agrave
gramaacutetica e a citaccedilatildeo que faz a respeito
A conforto di questo apelativo da me dato allrsquo autore dela
Crestomazia egrave necessaacuterio citare um passo dela Filologia Claacutessica
dellrsquo Inama (Hoepli Milano 1854 pagg 1 ndash 2) lsquoLa parola filoacutelogo
( ) la quale secondo la sua etimologia non voleva dir altro
da principio che amante dela conversazione ma di uma conversazione
colta ed eletta ( ) venne a designare al tempo degli
alessandrini nel III sec a GC uma classe di studiosi distinti da
quelli43 molto affini dei critici ( ) e dei grammatici
( ) Mentre i grammatici si occupavano soprattutto di
liacutengua e di questioni letterarie ed i critici della correzione ed
interpretazione dei testi degli scittori antichi i fillogi invece avevano
per oggetto preciacutepuo dei loro studi lrsquoerudizione mitologica storica
antiquaria Questi corripondevano a quelli che oggidi diciamo dotti ed
eruditi ecc ecc
(Inama apud Ferrante Crestomazia Introduzione Casa Editrice
Armanni Napoli 1957 pg 13)
Ferrante destaca a atuaccedilatildeo de filoacutelogo que o gramaacutetico passa a ter no periacuteodo
heleniacutestico como responsaacutevel pela ediccedilatildeo dos textos daqueles que para eles jaacute eram
ldquoantigosrdquo Pontua inclusive que essa funccedilatildeo desse erudito supunha conhecimentos do que
hoje noacutes diriacuteamos ldquoliteraturardquo ie dos gecircneros literaacuterios mais especificamente e natildeo do que
noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash
uma seacuterie de categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco
mesmo ou os preceitos da chamada ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira
estranha aos antigos Como fulcro comum talvez se pudesse postular que essa atividade de
exegese literaacuteria era no rigor da palavra grega graacutemmata uma exegese ou descritiva ou
prescritiva ou ambas de todas as atividades envolvendo as letras ou em se preferindo as
praacuteticas letradas
Natildeo poderiacuteamos saber contudo se a obra atribuiacuteda a Proclo trataria tambeacutem da prosa
uma vez que ela eacute menciona na distinccedilatildeo inicial do coacutedice e diferentes indiacutecios apontam para
um texto que estaacute incompleto Pelo que se poderia deduzir da introduccedilatildeo de Dioniacutesio Traacutecio agrave
empiria como o interesse do gramaacutetico era o uso linguiacutestico dos doutos em se assumindo que
ldquosyggrapheucircsinrdquo tambeacutem se referiria e abarcaria os prosadores em geral talvez ao utilizar seu
conhecimento para instruir esse gramaacutetico-filoacutelogo aos moldes heleniacutesticos tambeacutem se
43 Afinal passa-se gradativamente de um mundo da fala para um mundo do registro escrito
49
dedicasse aos gecircneros de composiccedilatildeo em prosa e tratasse daqueles que copunham
historiagrafia e oratoacuteria Por outro lado a julgar pelo padratildeo ie pelo que se observa em
outras obras a oratoacuteria como objeto da retoacuterica tem seus grandes exemplos comentados e
analisados nos autores que se incumbem dessa arte que tendem a demosntrar o que
descrevem com exemplos que aleacutem dos oradores focam-se por vezes nos historiadores como
o faz por exemplo Dioniacutesio de Halicarnasso Natildeo eacute de mais ressaltar que mesmo no caso da
oratoacuteria os tratadistas sempre buscam os exemplos dos poetas como modelo praacutetica
recorrente no citado Dioniacutesio de Halicarnasso e em Quintiliano no caso dos latinos de modo
geral observa-se que quando o foco eacute a instruccedilatildeo em algum aspecto do saber das letras o
modelo tende a serem os poetas Portanto haacute indiacutecios sufientemente plausiacuteveis para se
argumentar contrariamente que natildeo seria proacuteprio dessa Crestomatia de Letras tratar da
prosa mas que inevitavelmente para concentrar-se na poesia como seu objeto precisa crivaacute-
la delimitaacute-la em oposiccedilatildeo agrave prosa principalmente se aborda o tema pelo vieacutes (a ser
comentado) da elocuccedilatildeo Por fim deve-se ressaltar que cada uma dessas que denominamos as
doutrinas antigas se pretendia uma teacutecnica em si teacutecnica retoacuterica teacutecnica gramatical etc
portanto cada uma visava a um fim proacuteprio Vimos tanto no prefaacutecio da gramaacutetica de Dioniacutesio
Traacutecio quanto em seu escoacutelio aquilo a que visa essa teacutecnica Por isso mesmo como uma
crestomatia sobre gramaacutetica mas natildeo uma gramaacutetica propriamente eacute natural que nosso
epiacutetome aborde temas proacuteprios desse ofiacutecio na abrangecircncia que passa a ter apoacutes os
alexandrinos a fim de exlcarecer e instruir a fim de minimamente coligir informaccedilatildeo uacutetil a
repeito do assunto sem ser ela mesma no entanto uma gramaacutetica um manual da Ars Essa
hipoacutetese se aventa principalmente do cotejo entre o epiacutetome e o livro III da Ars Grammatica
de Diomedes que se concebe como uma pequena coleccedilatildeo de gecircneros e espeacutecies poeacuteticas que
natildeo tatildeo abrangente quanto a Crestomatia segue os mesmos criteacuterios do epiacutetome deixando-
nos entrever portanto uma espeacutecie de ldquocriteacuterio gramaticalrdquo com que se tratava da poesia com
a finalidade tatildeo simplesmente de classificaacute-la (v infra cap 3)
Assim se explicaria o tiacutetulo da obra trata-se de um texto que colige de diferentes
aacutereas quanto se eacute uacutetil saber sobre letras e por isso mesmo o epiacutetome refere a diferentes
seccedilotildees das doutrinas antigas ndash da retoacuterica a classificaccedilatildeo da elocuccedilatildeo pelas diferentes
possibilidades de moldaacute-la da poeacutetica os gecircneros enunciativos jaacute da poeacutetica e da etimologia
tangenciando a gramaacutetica as caracteriacutesticas dos gecircneros poeacuteticos (mateacuteria metro) associados
a seu nome e origem o que por vezes quando se descrevem as festas associadas a um
gecircnero por exemplo leva agrave etiologia etc Assim sendo se tanto o termo ldquogramaticalrdquo como
ldquoliteraacuteriardquo sugeririam dois extremos modernos que poderiam levar o leitor a uma interpretaccedilatildeo
50
equivocada optou-se aqui pela igualmente literal etimologicamente locuccedilatildeo adjetiva ldquode
Letrasrdquo pois que eacute fiel ao texto grego e pode remeter o leitor ao acircmbito das Belas Letras e das
praacuteticas letradas dos seacuteculos XVI XVII e XVIII em geral cujas convenccedilotildees supotildeem noccedilotildees
e praacuteticas mais afeitas ndash embora natildeo idecircnticas ndash agraves antigas uma vez que ao menos potildeem-se a
emulaacute-las
2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO
POESIA E RETOacuteRICA
21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO
Apoacutes o nome da obra e a informaccedilatildeo de que era composta de quatro livros ou quatro
arrazoados diferentes inicia-se o resumo da Crestomatia pelo procedimento padratildeo dos
diferentes epiacutetomes da Bilbioteca temos a estrura de discurso indeireto ou reportado ou seja
ldquoo autor diz querdquo e assim sucessivamente No caso desta obra em especiacutefico cada
enunciado traz uma liccedilatildeo de doutrina um ensinamento que se pode rastrear em outros textos
A primeira liccedilatildeo que nos traz eacute a distinccedilatildeo entre poesia e prosa distinccedilatildeo que seraacute
preponderante pelo menos ateacute o fim do epiacutetome destinado a classificar os gecircneros e as
espeacutecies da poesia Ao iniciar por essa distinccedilatildeo o epiacutetome daacute a entender que antes se
aplicava um criteacuterio habitualmente empregado na tratadiacutestica retoacuterica ie aborda-se o tema
pelo vieacutes mais amplo da elocuccedilatildeo Natildeo agrave toa se buscamos referecircncias para o que estaacute sendo
ensinado sobejam os textos de retoacuterica principalmente porque seguindo o criteacuterio de abordar
a elocuccedilatildeo todo o resto dessa primeira sessatildeo do epiacutetome por assim dizer focar-se-aacute numa
das formas que conhecemos da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo Apesar disso jaacute podemos
ver aqui a caracteriacutestica acima discutida a saber que esta crestomatia compendiava ou coligia
noccedilotildees ou liccedilotildees cujas origens remontavam a diferentes saberes
Comecemos pela distinccedilatildeo baacutesica
O termo loacutegos por designar ldquopalavrardquo mas tambeacutem a ldquofalardquo o ldquodiscursordquo eacute o termo
usado entre os gregos para designar a obra em prosa justamente como um discurso padratildeo
natildeo-poeacutetico nela empregado Define-se por oposiccedilatildeo a poiacuteesis em boa parte dos textos a
51
comeccedilar por Platatildeo quando opotildee os dois na conhecida passagem do livro III da Repuacuteblica
(390a)
Aristoacuteteles como se sabe emprega poietikeacute para designar o fazer ie a teacutechne que
procura delimitar e definir no tratado que recebe aquele nome Descrevendo a quarta parte
constitutiva da trageacutedia a elocuccedilatildeo (leacutexis) Aristoacuteteles (1450b 12 ndash 14) observa suas
diferentes maneiras de ocorrer (ldquoem palavrasrdquo ldquoem discursordquo ie ldquoem falardquo
apenas) e (ldquoem medida(s)rdquo ldquoem proporccedilatildeordquo ou simplesmente
ldquometrificadordquo) sem que isso como se sabe seja criteacuterio distintivo do que eacute ou natildeo poesia
Na Retoacuterica Aristoacuteteles tambeacutem se ocupa dessa diferenciaccedilatildeo pela elocuccedilatildeo e a distinccedilatildeo
entre prosa e poesia posteriormente acaba por se concentrar como uma questatildeo proacutepria
dessa
Assim Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado da Composiccedilatildeo das Palavras (6 43 ndash 47)
apoacutes expor que todas as artes compartilham das mesmas normas de seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo em
trecircs etapas (mais precisamente erga ldquodeveresrdquo tarefas sucessivas e complementares) propotildee
uma distinccedilatildeo mais especiacutefica do ponto de vista da elocuccedilatildeo entre discurso pedestre loacutegoi
pezoiacute e ldquopoeacuteticardquo Mais agrave frente (15 40 ndash 46) poieacutemata junto a meacutele contrapoem-se a loacutegoi
psiloiacute (discurso ordinaacuterio ou comum) e o que agrupa aqueles dois eacute que ldquosatildeo elaborados
atraveacutes de metro ou ritmordquo ( ) Como se observa
posteriormente o resultado da poieacutetikeacute o poiacuteema passa a ser igual e tecnicamente empregado
para designar a poesia em oposiccedilatildeo agrave prosa
Poesia e Prosa distinguem-se na elocuccedilatildeo natildeo pela qualidade (suas virtudes satildeo as
mesmas) mas pela quantidade A expressatildeo ldquono mais e no menosrdquo ( eacute
tiacutepica do grego para designar quantidade e em se tratando da elocuccedilatildeo poeacutetica ou oratoacuteria
deve naturalmente ser entendida no sentido de que como composiccedilotildees que se utilizam da
palavra as qualidades tanto da prosa como da poesia devem ser as mesmas mas quanto tenha
a prosa a poesia teraacute mais em maior proporccedilatildeo Essa doutrina jaacute eacute exposta por Aristoacuteteles
logo no comeccedilo do livro III da Retoacuterica dedicado agrave elocuccedilatildeo A elocuccedilatildeo do orador deve
parecer o menos distante quanto possiacutevel do natural do falar ldquoconversacionalrdquo (ldquodialogalrdquo
literalmente ndash ) enquanto a elocuccedilatildeo poeacutetica se distancia mais desse falar A
razatildeo os homens tendem a desconfiar daquilo em que lhes parece haver artificio Assim a
principal caracteriacutestica pleiteada pelo orador deve ser a clareza Qualquer elemento que torne
o discurso mais elevado por ornaacute-lo pode servir agrave prosa mas serve melhor agrave poesia pois pode
desviar o orador de seu principal objetivo que eacute tornar claro o significado (cf 1404b ndash
1405a) Para atingir essa clareza o que sobeja na poesia eacute empregado em menor nuacutemero na
52
prosa e apenas em algumas circunstacircncias dos nomes e verbos satildeo os proacuteprios que conferem
ao discurso clareza os demais tipos o ornam e satildeo justamente objeto da Poeacutetica
Semelhantemente a Aristoacuteteles Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit idem) apoacutes expor
as referidas etapas do saber compositivo (synthetikeacute episteacuteme opcit 6 1 e sg) afirma ldquo
Esse princiacutepio eacute mais profuso [dapsileacutesteron] na poeacutetica e menos encontradiccedilo [spanioacuteteron]
no discurso pedestrerdquo
22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO
Sendo a elocuccedilatildeo o criteacuterio que orienta o estabelecimento dos primeiros ldquosaberes
proveitososrdquo dos primeiros elementos a serem informados ou ensinados passa-se a uma das
versotildees da exposiccedilatildeo da doutrina geralmente conhecida como dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo
aqui na sua interpretaccedilatildeo por ldquotrecircs moldesrdquo
A traduccedilatildeo de plasma por ldquomolderdquo busca a referida literalidade da traduccedilatildeo e por
essa jaacute trazer algo proacuteprio da doutrina acerca dessas trecircs formas da elocuccedilatildeo ou como eacute mais
comumente designada dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo ou genera dicendi Geralmente
traduzido por ldquoestilordquo perde-se a metaacutefora fiacutesica que classifica a elocuccedilatildeo como que por sua
forma externa sua forma fiacutesica Trata-se portanto das trecircs possiacuteveis formas de se amoldar
(do verbo plaacutesso) o discurso Emprega-se tambeacutem nos textos characteacuter que eacute a marca o
traccedilo impresso por um instrumento (do verbo charaacutesso) daiacute passando ao ldquotipordquo ao ldquotraccedilo
caracteriacutesticordquo portanto distintivo que tambeacutem abre margem para o que dizemos ldquoestilordquo
Quanto ao leacutexico da doutrina a maneira de Plutarco c I dC parece evidenciar o
conhecimento de duas nomenclaturas concorrentes nesse seacuteculo (Vita Homeri 72) ldquo()
rdquo ndash ldquo() tambeacutem satildeo caracteres
dos discursos os chamados moldesrdquo e logo os nomeia atraveacutes dos mesmos termos e ordem
que lemos aqui no coacutedice 236
De fato em Demeacutetrio seacutec II AC (De Eloc 36 1) a divisatildeo aparece sob o tiacutetulo de
charactecircres tecircs hermeneiacuteas ldquocaracaterestraccedilos da elocuccedilatildeordquo no tratado inteiro dedicado a
essa que eacute uma das partes do discurso
Dioniacutesio de Halicarnasso I AC emprega-os mormente e junto tambeacutem a leacutexis (De
Demosthenins Dictione 8 28 ndash 31) e a ldquocomposiccedilatildeordquo (a syacutenthesis De Compositione 21 15)
ie referindo-se agrave composiccedilatildeo como um todo e quando os nomeia na sua obra dedicada a
53
Demoacutestenes (33 21 ndash 23) fala em ldquotrecircs caracteres
geneacutericosprincipaistiacutepicosrdquo introduzindo um qualificativo relevante para o entendimento da
doutrina como dos gecircneros (categoria ampla e principalmente abrangente em relaccedilatildeo agrave
espeacutecie) possiacuteveis agrave elocuccedilatildeo de forma geral como se evidencia entre os latinos (Cf Ciacutecero e
Quintiliano infra pg 92) Em uma soacute passagem poreacutem Dioniacutesio que se serve variamente
das palavras testemunha o uso do outro termo para designar a doutrina e emprega tambeacutem
placircsma (De Dem Dict 34)
No mesmo seacuteculo a Retoacuterica a Herecircnio apresenta uma traduccedilatildeo literal da nossa
doutrina e sua triparticcedilatildeo (IV 8) na qual figura (do verbo fingere) verte da maneira mais fiel
e direta o grego jaacute que ambos os verbos servem nas respectivas liacutenguas para designar a arte
plaacutestica de modelar o estatuaacuterio figurar Natildeo se adotou aqui essa traduccedilatildeo latina porque jaacute na
retoacuterica e depois a palavra tambeacutem designaraacute as figuras de linguagem Preferiu-se outra
igualmente literal
Ciacutecero por exemplo (Orator 20) e Quintiliano (Institutiones Oratoriae XII 10 58)
empregaratildeo genera dicendi aproximando-se da noccedilatildeo ldquogeneacutericardquo de Dioniacutesio de
Halicarnasso
O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio (449 26) eacute o mais chamativo ao empregar exatamente os
mesmo termos do coacutedice 239
Jaacute para tratar dos diferentes termos empregados para qualificar os gecircneros eacute
interessante a breve consideraccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso antes de nomeaacute-los no tratado
De Compositione(21 15 ndash 18)
ldquo()
rdquo
ldquo() eu mesmo poreacutem natildeo tendo um nome oficial para designaacute-los como permanecem
inominados por nomes metafoacutericos chamo-osrdquo
(trad do autor)
Dioniacutesio mesmo afirma que os charactecircres natildeo possuem um nome definitivo ie de
caraacuteter oficial (kyacuterios) e natildeo havendo essa jurisprudecircncia de termos nomeia-os
metaforicamente
Diferentes metaacuteforas opositivas portanto satildeo empregadas nos diferentes textos
visando a representar mas igualmente delimitar e definir os limites entre os quais se ajusta a
54
elocuccedilatildeo originando um pequeno leacutexico que aparece misturado nas diferentes classificaccedilotildees
concomitantemente a diferentes interpretaccedilotildees da doutrina
Assim Demeacutetrio (op cit) propotildee quatro caracteres simples ndash o
ldquotecircnueesguiodelgadoexiacuteguordquo (ischnoacutes) o ldquomagnificenterdquo (megaloprepeacutes) o
ldquosuavepolidobrunidoeleganterdquo (glaphyroacutes) o
ldquotremendoterriacutevelimpetuosoveementeeneacutergicordquo (deinoacutes) ndash que se misturam (salvo os dois
primeiros que se definem pelo antagonismo) para formar todos os diferentes estilos
A julgar por Quintiliano jaacute seacuteculo I dC (XII 10 2 e sg no paralelo entre histoacuteria da
pintura e oratoacuteria) poder-se-ia pensar em tantas espeacutecies quantas elocuccedilotildees sendo possiacutevel
distingui-las em um niacutevel superior segundo o gecircnero A explicitaccedilatildeo desse raciociacutenio parece
condizente com o que se observa ao longo dos seacuteculo Assim eacute que apoacutes Demeacutetrio observa-
se um rearranjo da doutrina em trecircs tipos dos quais dois satildeo opostos e um supotildee a mistura e
dos quais a plenitude eacute variavelmente interpretada
Assim eacute que Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict supra) parece empregar o
superlativo (hoigrave genikoacutetatoi) para distingir dentre os caracteres ldquomais geneacutericosrdquo primeiro
dois extremos o ldquotecircnuerdquo (ischnoacuten) e o ldquoelevadosublimerdquo(hypseloacuten) e depois um ldquomeio
termordquo (metaxyacute) No De Compositione como mencionado a doutrina eacute transposta para toda e
qualquer composiccedilatildeo em geral e o mesmo tratadista emprega outra terminologia (que pode
confundir-nos comparada agraves demais) a fim de nomear um dos gecircneros que julga o melhor
nomeia uma elocuccedilatildeo ldquoausterardquo (austeacuteran) por natildeo ser ornada uma ldquopolidardquo (glaphyraacuten
bem no sentido de ldquoeleganterdquo) ou ldquofloridardquo (antheacuteran) porque ornada e ndash a melhor ndash ldquobem-
solvidamisturadabalanceadordquo (euacutekratos)
A Retoacuterica a Herecircnio (supra) proporaacute a distinccedilatildeo por ordem decrescente um ldquograverdquo
(gravis que estaacute mais para o grego baryacutes mas tangencia a semacircntica de hadroacuten) um
ldquomedianomediacuteocrerdquo (mediocrismeacutesosmetaxyacute) e um ldquotecircnuerdquo (adtenuata sc figura em que
embaso minha traduccedilatildeo)
Ciacutecero (op cit 20 3) descreve os trecircs gecircneros com os vaacuterios adjetivos desse
vocabulaacuterio mas nomeia o orador ldquoque pratica a grandiloquecircnciardquo (grandiloqui) os ldquotecircnuesrdquo
(tenues) que fazem do discurso algo ldquoagudo aguccedilado adelgaccedilado afiadordquo (acuti) e haacute aquele
ldquoque se situa no meio entre os doisrdquo (interiectus inter hos) e o faz ldquomeacutediordquo (mediusmesos) e
ldquotemperado compoacutesito balanceadordquo (temperatusmetaxus eukratos)
Quintiliano provavelmente o mais abrangente preocupa-se em nos dizer quais os
nomes gregos com que se nomeiam os gecircneros e emprega o ldquosutilrdquo (subtile sinocircnimo de
tenuis ldquoexiacuteguo de pequena proporccedilatildeordquo) para ischnoacuten o ldquorobustordquo (robustum) para hadroacuten e
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por fim como no coacutedice 239 descreve um terceiro que eacute o meio entre os dois (meacutedium ex
duobus) mas que no entanto designa como ldquofloridordquo (floritum antheroacuten)
221 O molde copioso
Embora jaacute se tenham contemplado duas possiacuteveis traduccedilotildees por correlatos latinos
(supra) ambas atentas ao peso (ldquograverdquo) ao volume e agraves proporccedilotildees (ldquorobustordquo) deste
gecircnero e embora se esperasse aqui a adoccedilatildeo de alguma delas por ldquocopiosordquo pretende-se
trazer ao eventual leitor lusoacutefono um termo que tente abranger outras noccedilotildees outros traccedilos
semacircnticos mais especificamente implicados no termo grego natildeo parece de mais remetecirc-lo
ao dicionaacuterio (Liddell amp Scott pg 25 9ordf ed) que sumarizo com a possiacutevel sinoniacutemia do
portuguecircs ldquogrosso volumoso espesso denso robusto forte vigoroso corpulento gordo
firme forte resistente soacutelido avultado maciccedilo pesadordquo A noccedilatildeo abstrata de coacutepia
abundacircncia aplica-se genericamente a todas qualidades observadas nos textos que descrevem
o placircsma principalmente agrave imagem de que possuindo mais ornato resulta numa forma num
molde fisicamente maior mais avultada por conter mais Eacute nesse sentido do uso do ornato
que ldquoenruga entumece avoluma a elocuccedilatildeordquo que se deve entender a segunda seacuterie de termos
que o descreve ldquomuitiacutessimo elaboradordquo (kataskeuasmeacutenon maacutelista) Aleacutem do superlativo
de intensidade maacutelista cujo emprego num texto como este um resumo eacute por demais
relevante no que pretende resumir deve-se lembrar que a palavra grega skeueacute tem a ver com
ldquoequipamento aparelho aparatordquo eacute por exemplo a equipagem do navio em contexto
naacuteutico os aparatos beacutelicos o equipamento da armadura em contexto militar pode ser a
indumentaacuteria do ator mas tambeacutem do sacerdote etc O verbo kataskeuaacutezo significa
literalmente prover por completo esse aparato ie preparar ou elaborar algo No contexto
retoacuterico-poeacutetico a palavra designa a elaboraccedilatildeo da obra em ato e portanto como qualidade
(Cf Dioniacutesio de Halicarnasso De Comp Uerb 1 6 et allia) Este placircsma eacute ldquomais elaboradordquo
no sentido de que eacute mais aparatado paramentado releva maior preparaccedilatildeo Embora essas
traduccedilotildees todas fossem possiacuteveis e caiacutessem bem neste contexto perder-se-ia a noccedilatildeo mesma
de como a doutrina antiga concebe esse processo de confeccionar a obra (amplamente
empregado por Dioniacutesio op cit) uma vez que elaborar em portuguecircs aleacutem de manter esse
significado mais abrangente conserva algo de se sua etimologia ie ldquotrabalhar laborarrdquo em
torno de algo Portanto deve-se lembrar de que neste contexto dos gecircneros da elocuccedilatildeo a
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maior elaboraccedilatildeo do gecircnero em questatildeo de modo geral consiste no uso de ornato dos tropos
e figuras o artifiacutecio da linguagem ie seu aparato
Apontando pois as caracteriacutesticas gerais deste gecircnero Dioniacutesio de Halicarnasso (De
Dem Dict34 7 ndash 8) tambeacutem diz da leacutexis que eacute peritteacute ldquoabundante extraordinaacuteria
prodigiosardquo e exellagmeacutene ie ldquovaacuteria alteradardquo (a partir do idioma comum ndash to idioacutetikon
Arist Rhet 1406a 15) e logo adiante apontaraacute a superioridade de Demoacutestenes dentre outros
motivos porque ldquo rdquo ie ele
(Demoacutestenes) ldquoadvinha grandeza em toda elaboraccedilatildeo que a possuirdquo
Na Retoacuterica a Herecircnio (supra) seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo evidenciam-se suscintamente na
definiccedilatildeo de que a figura grave ldquoconstitui-se a partir de uma construccedilatildeo leve (o que chama a
atenccedilatildeo do ponto de vista doutrinal) e ornada [ornata] de palavras graves [uerborum
grauium]rdquo ie de ldquomaior pesordquo
Ciacutecero (Orator 20 3 ndash 5) vale-se de praticamente todo o leacutexico ldquo() foram (os
grandiacuteloquos) com ampla [ampla] gravidade [grauitates] de pensamentos e majestade
(grandeza) [maiestate] de palavras veementes [vehementes] variados [uarii] copiosos
[copiosi] graves [graves]rdquo
Quintiliano circunscreve cada um dos gecircneros a cada uma das funccedilotildees da retoacuterica O
hadron ou robustum laacute eacute o que tem maior capacidade de mover (mouendi) por possuir o
atributo baacutesico da forccedila (uis) (op cit XII 10 59) ldquoo oradorrdquo segue dizendo (62 1) ldquo()
eleveraacute o discurso a amplificaccedilotildees e ateacute se alccedilaraacute agrave hipeacuterbolerdquo (amplificationibus
extollet orationem et in superlationem quoque erigetur)
Plutarco e o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio como se viu (supra) trazem formulaccedilotildees
praticamente idecircnticas (pelo menos no leacutexico) a de nosso epiacutetome naquele ldquo
rdquo Traduccedilatildeo ldquoo molde copioso eacute aquele que tanto na elaboraccedilatildeo
[kataskeueacute] das palavras [leacutexeis] e dos pensamentos [noeacutemata] possui aspectos [ie a
aparecircncia] grandiosos [megaacutele]) neste ldquo rdquo ndash
tomada em sua literalidade ldquocopioso eacute o proeminente [saliente diermeacutenon] no seu volume
de natureza [oacutegkos katagrave phyacutesin podendo significar ldquotumefaccedilatildeordquo dando a ideia de que o
plasma se faz adiposo rugoso inchado]rdquo
Quanto a ldquoestonteanterdquo uma qualificaccedilatildeo pelo efeito natildeo soacute faz lembrar o quarto
gecircnero puro de Demeacutetrio o tremendo que parece assimilado pelo gecircnero maior na triparticcedilatildeo
posterior como se associaria e poderia ser compreendido pela concentraccedilatildeo de cada um dos
trecircs gecircneros (entatildeo adaptados numericamente) agraves trecircs funccedilotildees da oratoacuteria como se vecirc em
57
Quintiliano Aleacutem da referida passagem sobre a forccedila deste gecircnero (supra) descrevendo seu
efeito sobre o ouvinte diz que o orador ao empredar tal elocuccedilatildeo ldquotomaraacute de assalto o juiz
mesmo que manifestamente contraacuterio e o forccedilaraacute a ir aonde o transportarrdquo (iudicem uel
nitentem feret cogetque ire qua rapiet) Inst Orat XII 10 61 3 ndash 34) A forccedila dessa elocuccedilatildeo
logo fora descrita como rio cuja forccedila leva ripas e derruba pontes (idem 61) Adiante (62 7 ndash
9) ldquoesse (tal orador) a ira esse a misericoacuterdia inspiraraacute esse falando paacutelido ficaraacute o juiz e
choraraacute afetado por completo seguiraacute arrastado daqui ali e natildeo desejaraacute mais ser instruiacutedo
(ldquohic iram hic misericordiam inspirabit hoc dicente iudix pallebit et flebite et per ominis
adfectus tratus huc atque illuc sequetur nec doceri desiderabitrdquo Cf tambeacutem Ciacutecero Orator
20 6 ndash 7 ad permouendos et conuertendos acircnimos instructi et parati) Por fim ldquoreluzindo
uma beleza poeacuteticardquo para aleacutem do vocabulaacuterio da imagem e da forma comum agrave referida
passagem de Plutarco essa passagem se explica por tudo quanto se disse da distinccedilatildeo entre
poesia e prosa (supra n8) agora considerada do ponto de vista dos moldes da elocuccedilatildeo
quanto mais se eleva e se afasta da linguagem pedestre mais a prosa tende a parecer com a
poesia portanto eacute de se esperar que se a poesia estaacute para o mais elevado e a prosa para o
mais pedestre quanto mais elevada a elocuccedilatildeo ela mesma mais poeacutetica Eacute portanto natural
que o molde copioso chame atenccedilatildeo (pensando na semacircntica de reluzir epiphaiacuteno) por
mesmo natildeo sendo em um poema ser inevitavelmente mais poeacutetico podendo assim ser
classificado (Cf mais uma vez Aristoacuteteles Ret III)
222 O molde tecircnue
Este molde se define portanto opostamente agravequele uma vez que se nomeia por seu
antocircnimo Podemos resumir o significado da palavra da seguinte maneira ldquoseco enxutordquo
donde negativamente tem-se ldquofraco esquaacutelido magro parcordquo - no sentido de algo que natildeo
se expande ndash ldquocomedidordquo daiacute ldquoplano liso reto esguio delgado direto claro manifesto
inteligiacutevelrdquo (LIddell amp Scott idem p848) A traduccedilatildeo precisa portanto dar conta da noccedilatildeo
fiacutesica de maneira positiva ie algo ldquoesguio enxuto delgado ateacute esbeltordquo Agrave medida que se
comeccedila a fazer uma imagem mais clara da doutrina nota-se que metaforicamente tem por
criteacuterio uma espeacutecie de medida de proporccedilotildees da elocuccedilatildeo conforme ela se nos afigura mais
palavras explicitam o que seja o molde copioso confirmando o quanto se expocircs acima sobre
ele e consequentemente formando por oposiccedilatildeo a imagem do molde tecircnue Este consiste em
58
natildeo escolher por banir por ldquoproscreverrdquo [metadioacuteko] aquela composiccedilatildeo que vem retomada
como tropikeacute (literalmente ldquoem que haacute troposrdquo) e philokataskeuacuteos (ldquoamante da elaboraccedilatildeordquo
o que eacute dizer aqui do aparato do paramento do ornato) Enfim ldquoentretece-serdquo [syneacutertatai
dando a ideia simples de sucessatildeo amarraccedilatildeo atrelamento] a partir de literalmente ldquocoisas
soltasrdquo [aneimeacutena] Opta-se aqui por ldquodespojamentordquo para traduzir o que no grego eacute um
neutro plural atentando ao fato de que o particiacutepio aiacute substantivado eacute do verbo aniacuteemi
ldquolanccedilar para o altordquo portanto ldquosoltar relaxar aliviarrdquo e que assim mesmo no particiacutepio
passivo perfeito eacute empregado para designar o que estaacute ldquosolto frouxo relaxado dissolutordquo
Isso significa que os elementos do molde tecircnue juntam-se atrelam-se sem a constriccedilatildeo que
gera o volume de seu oposto O verbo latino expedio possui um uso semelhante a esse de
aniacuteemi e estaacute presente com essa acepccedilatildeo na liacutengua portuguesa mas seu deverbal ldquoexpediccedilatildeordquo
natildeo conserva o sentido Os deverbais de outros verbos semelhantes a expedio poderiam ser
cogitados como o proacuteprio ldquodespirrdquo (ldquodespimentordquo) mas em se optando por nomear essa
qualidade que no grego eacute um neutro plural abstrato quis se aproveitar o uso do portuguecircs que
emprega despojamento justamente para designar algo ou algueacutem ldquodesapegado simplesrdquo que
abre matildeo de ornamento riqueza etc uma vez que se diz o mesmo tambeacutem de estilo que eacute
assim simples modesto
A Retoacuterica a Herecircnio (IV 8) que como visto traz uma exposiccedilatildeo da doutrina
parecida com a de nosso epiacutetome diz que essa eacute a figura ldquorebaixada por completo ao costume
mais usual do falar puro (demissa est usque ad usitatissimam puri consuetudinem sermonis)rdquo
e antes de exemplificar posteriormente (IV 10) ldquoad infimum et cotidianum sermonem
demissum est (genus adtenuatum)rdquo ie ldquoeacute rebaixado ao falar iacutenfimo e cotidianordquo
O contemporacircneo grego Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict 34 13 ndash 14)
descreve a frase desse gecircnero como ldquolisardquo [liteacute] e ldquoparcardquo [aperittoacuten]
Ciacutecero no Orator (20 9 -11) eacute o mais abrangente ldquoet contra tenues acuti omnia
docentes et dilucidiora nom ampliora facientes subtili quadam et pressa oratione et limatardquo ndash
ldquoe contraiamente [aos grandiacuteloquos] os tecircnues agudos ensinando as coisas mais claras natildeo
as fazendo mais amplas sutis em qualquer discurso conciso e limadordquo
Quintiliano ao tomar as personagens homeacutericas como exemplo e usar Menelau para
ilustrar este gecircnero (XII 10 64) caracteriza tal elocuccedilatildeo como ldquobreuem quidem cum
iucunditate et propriamrdquo ldquocarentem superuacuisrdquo ndash ldquodefinitivamente breve com alegria e
proacutepriardquo ldquolivre de redundacircnciasrdquo
Assim Plutarco e o escoliata de Dioniacutesio Traacutecio que provavelmente seguem a mesma
base de nosso resumo ldquo
59
rdquo (Plut Uit Hom 72) ndash ldquotecircnue eacute aquele pequeno na mateacuteria de seus
argumentos e suavizado na palavrardquo ldquo
rdquo ndash ldquotecircnue eacute o contraiacutedo no seu volume natural (por natureza de natureza)rdquo
(Schol Dion Tr 449 28)
223 O molde meacutedio
Quanto agrave traduccedilatildeo embora se pudesse tornar o texto mais palataacutevel e inteligiacutevel
optando-se por alguma outra forma para a segunda ocorrecircncia da palavra optou-se pela
literalidade que natildeo soacute reproduz o caraacuteter repetitivo do texto do epiacutetome como tambeacutem a
dificuldade conceitual que impotildee Dos termos eacute vaacutelido comeccedilarmos pelos dois textos que ateacute
entatildeo se igualavam quase que plenamente ao coacutedice 239 em Plutarco (idem) ldquo
rdquo ndash ldquomeacutedio [meacuteson]
eacute o que estaacute entre [metaxyacute] cada um deles do mais tecircnue [ischnoacuteteron] e do mais copioso
[hadroacuteteron]rdquo poreacutem no escoliasta (idem) ldquo [antheroacuten] rdquo ie
ldquoo florido eacute o meacutedio entre ambosrdquo Aqui se iniciam as principais questotildees acerca da doutrina
mesmo que aparentemente acabada e resolvida em trecircs gecircneros questotildees que apenas se
esboccedilam quando se trata num primeiro momento de distinguir dois extremos antagocircnicos
1) A formulaccedilatildeo de Plutarco dificulta o estabelecimento de um criteacuterio de medida
supondo que se determine o mais absoluto copioso e o seu antiacutepoda tecircnue haveria graus
menores de coacutepia e tenuidade ou qualquer coisa entre ambos seria o gecircnero meacutedio
2) Neste estado terminoloacutegico apenas o problema estaacute quase que inteiramente
confinado agrave semacircntica de ldquomeacutesonrdquo uma vez que a mesma palavra designa abstratamente
tanto o que eacute meacutedio ie que possui a meacutedia proporccedilatildeo (considerando-se a categoria de
volume espessura) quanto o que pontualmente estaacute no meio o que se complica quando a
palavra metaxyacute o adveacuterbio ldquono meiordquo portanto o meio termo eacute tambeacutem empregado
tomando-a com exatidatildeo como determinar o meio termo que permita estabelecer entatildeo que
certa elocuccedilatildeo estando acima seja copiosa e abaixo tecircnue
Considerando que agraves vezes se emprega a palavra ldquomistordquo mas tambeacutem ldquobalanceado
misturadordquo deve-se considerar entatildeo que tal gecircnero tambeacutem seria uma terceira coisa que
combina que mistura aquela com esta como daacute a entender Dioniacutesio de Halicarnasso De
60
Compositione 21 15 ndash 18 (cf supra) Dioniacutesio afirmaraacute que esse uacuteltimo eacute justamente o
melhor (supra n 10)
A Retoacuterica a Herecircnio como se viu parece filiar-se a essa tradiccedilatildeo do nosso texto
pois aleacutem da terminologia conceitual lembra o texto de Plutarco na gradaccedilatildeo ldquomediacuteocre
[mediacuteocris] eacute a [figura] que se constitui de uma inferior [humiliore] mas natildeo a menor
[infima] e a mais coloquial [perulgatissima] dignidade das palavrasrdquo
Ciacutecero o descreveraacute no Orator 21 atente-se ao vocabulaacuterio ldquohaacute aquele que se situa
no meio entre eles [interiectus inter hos] e o faz como que temperado [temperatus] natildeo se
utilizando nem do acume destes [os tecircnues] nem da fulgecircncia daqueles [os grandiacuteloquos] natildeo
se excelindo em nenhum [in neutro ie no que natildeo eacute nem um nem outro mas estaacute no meio]
partiacutecipe [particeps ie tomando parte] tanto de um quanto de outro desprovido ndash a bem da
verdade ndash de maior potencialidade este como dizem flui num curso uacutenico natildeo trazendo
nada aleacutem de capacidade e igualdade ou entatildeo adiciona alguns adereccedilos [tori] como numa
coroa [ut in coronam] e distingue todo o discurso com moacutedicos ornamentos [ornamentis
modicis] de palavras e pensamentosrdquo Quanto agrave preferecircncia Ciacutecero parece divergir de
Dioniacutesio
Nas proporccedilotildees dos adereccedilos talvez permita entrever a concomitacircncia terminoloacutegica
observada natildeo soacute no escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio mas antes em Quintiliano que tambeacutem
aponta florido (com o correlato grego) como outro nome para o meacutedio Na descriccedilatildeo este
gecircnero serve para ldquoaprazerconciliaraplacarrdquo (conciliandi) por possuir como atributo a
ldquoleveza suavidaderdquo (lenitas) ldquoseraacute de uma maneira mais recorrente nas traslaccedilotildees
(variaccedilotildees ie tropos figuras de palavras) e mais agradaacutevel nas figuras ameno nas
digressotildees atado na composiccedilatildeo doce nos pensamentosrdquo (Inst Or XII 10 60) Como jaacute
mencionado no entanto (supra n 10) Quintiliano toma essa classificaccedilatildeo de forma larga
Concordante a isso antes de iniciar a descriccedilatildeo dos trecircs gecircneros (comeccedilando pelo florido por
sinal) em 59 afirma que esses estilos satildeo suficientes em si mesmos sem necessitar um a
ajuda do outro o que supotildee pelo menos que se possam misturar em momentos diferentes de
um mesmo discurso Posteriormente em 66 pensando numa gradaccedilatildeo proporaacute justamente a
partir do florido que assim como esse eacute o meio entre dois entre ele e os dois extremos a
outros intermediaacuterios bem como haveria ainda um extremo maior que cada um dos jaacute
enunciados Assim Quintiliano faz uma interpretaccedilatildeo da doutrina que em um aspecto o de
tomar a nomenclatura como uma medida pode se assemelhar agrave interpretaccedilatildeo de Ciacutecero que
no Brutus 55 201 expotildee rapidamente sua classificaccedilatildeo dupla segundo a qual considerando-
se o artiacutefice de bons oradores soacute haacute dois gecircneros cuja qualidade se deve observar o
61
ldquoatenuadordquo (tecircnueattenuantum) e ldquoconcisordquo (compacto premido pressum) e o
ldquosublevadordquo (sublatum) e ldquoamplordquo (amplum)
224 O molde florido
Em Plutarco (op cit 73) segue-se apoacutes a definiccedilatildeo dos trecircs referidos moldes
ldquoQue tambeacutem a espeacutecie florida dos discursos existe abundantemente
junto ao poeta possuidora de beleza e graccedila para agradar e deleitar
como flor ndash quem diria De fato a poesia eacute cheia desse tipo de
elaboraccedilatildeordquo
(trad do autor)
Cotejada com a Crestomatia e o escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio a passagem daacute indiacutecios de
que independente da dataccedilatildeo em algum momento dentro desta terminologia falava-se em
quatro moldes que satildeo reduzidos a trecircs ou assim se poderia conjecturar jaacute que pelo menos
nesse caso de Plutarco a julgar pelo emprego de outra palavra para se referir ao que eacute
designado como ldquofloridordquo (espeacutecie eidos) algueacutem poderia ao menos considerar os discursos
(os logoi) tambeacutem segundo essa quarta nomenclatura Natildeo eacute evidente como crecirc Severyns44
que Plutarco esteja assumidamente propondo que se trate de um quarto molde mas sem
duacutevida explicita que essa nomenclatura se empregava e poderia ser arrolada ainda que como
espeacutecie classificando algo de que em desacordo algum com o que sabemos da doutrina a
poesia estaacute cheia Aquilo a que serve tal eidos por assim dizer nessa Vita de Plutarco
concorda com a funccedilatildeo que Quintiliano circunscreve ao ldquofloridordquo ou ldquomeacutediordquo deleitar
agradar O vocabulaacuterio assemelha-se aqui os verbos teacuterpo hedyacuteno laacute os verbos delecto
concilio e o adjetivo iucuntus Na sua funccedilatildeo este florido natildeo diverge daquele de Quintiliano
O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio como se viu circunscreve florido e meacutedio a um uacutenico molde ao
dizer com que se combina tal molde assemelha-se agrave liccedilatildeo da epiacutetome (com menos detalhes)
ldquo rdquo
44 op cit paacuteg 75
62
ndash ldquochama-se florido [antheroacutes] porque combina [harmoacutezei] principalmente com reportaccedilotildees
[apaggeliacutea] de descampados [leimocircnes] e flores [aacutenthe]rdquo
Dioniacutesio de Halicarnasso conforme visto usa ldquofloridordquo como outro possiacutevel nome
para o ldquopolidordquo (glaphyroacuten)45 mas descrevendo o que estaria no lugar do molde copioso na
triparticcedilatildeo ie o que se define essencialmente por receber ornato Essa indefiniccedilatildeo acerca do
lugar que o florido deveria ocupar na nomenclatura evidencia natildeo soacute diferentes interpretaccedilotildees
da doutrina como jaacute se pontuou mas explicita como elas foram adequando a profusatildeo a um
sistema de trecircs segundo diferentes necessidades descritivas
De modo geral se Dioniacutesio emprega o termo de maneira positiva na seccedilatildeo 2146 do
tratado sobre a composiccedilatildeo em que descreve trecircs virtudes geneacutericas do discurso das quais
pontua uma melhor e se posteriormente entre os romanos observamos uma triparticcedilatildeo que
funciona como medida de padratildeo (modernamente falando) de modo a chegar agrave flutuaccedilatildeo
observada nos trecircs textos gregos posteriores e lexicalmente afins pode-se conjecturar que a
possiacutevel confusatildeo indefiniccedilatildeo ou flutuaccedilatildeo quanto agrave posiccedilatildeo do quarto gecircnero estivesse
relacionada agrave funccedilatildeo e ao efeito pretendido por tal elocuccedilatildeo e a como a doutrina definia as
trecircs posiccedilotildees em prol deles que identificamos pelas trecircs funccedilotildees do orador Assim haveria
uma elocuccedilatildeo ornada a fim de deleitar ie que se orna pelo deleite que isso traz ao ouvinte e
que agrave maneira que se distinguem poesia e prosa seria como daacute a entender Plutarco comum
na poesia afinal essa tem sempre mais que a prosa e sua principal funccedilatildeo eacute deleitar e outra
elocuccedilatildeo mais ornada ainda cuja finalidade eacute entatildeo comover (em verso ou em prosa) e eacute
inevitavelmente poeacutetica mesmo que na prosa uma vez que eacute (se tomada como extremo)
inteiramente ornada
225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo
O particiacutepio que introduz o paraacutegrafo dedicado aos erros referentes aos moldes
expostos aposphaleacutentes que se traduziu por uma oraccedilatildeo equivale semanticamente a
hamarteacutema que pseudo-Longino emprega amplamente no seu tratado Do Sublime para
designar natildeo soacute o desvio do molde ou gecircnero mas qualquer falha discursiva em geral O
significado primeiro e mais baacutesico do verbo que origina este substantivo eacute ldquoerrar o alvordquo um
45 supra pg 52 46 supra pg 51 e 58
63
hamarteacutema eacute em princiacutepio um ldquodesacertordquo Aposphaacutello por sua vez tem o significado de
ldquodesviar-se errar o caminho passar longerdquo e designa por isso aquele que ldquopega um desviordquo
ie que ldquoerra o caminhordquo do discurso em certo molde ldquoenvereda-se erroneamenterdquo e atinge
uma via mudada daquela em que seguia Engendra portanto natildeo seu antiacutepoda positivo mas
uma forma defeituosa viciosa daquilo que deveria ser sua qualidade Vitia eacute o termo
empregado na Retoacuterica a Herecircnio (IV 11) correlato do grego kakiacutea que pseudo-Longino
emprega igualmente
A noccedilatildeo de que existiria uma medida ou pelo menos uma maneira correta de se aplicar
o princiacutepio baacutesico definidor de cada um dos gecircneros (o traccedilo geneacuterico) ou em outras palavras
o que aqui se denomina molde a fim de se produzir a forma bela aparece alhures e por
exemplo tem sua origem brevemente explicada no tratado Do Sublime em 5 1 3 ldquodaquilo
de que se nos origina o belo proacuteximo tambeacutem a isso os males gostam de se originarrdquo Esse
princiacutepio se sumariza por toda seccedilatildeo 5 apoacutes jaacute ter sido sistematicamente aplicado para
descrever atraveacutes de um vocabulaacuterio que eacute da fisiologia as formas que se pretendiam
sublimes mas resultam defeituosas (3 4 1 ndash 4)
[] κακοὶ δὲ ὄγκοι καὶ ἐπὶ σωμάτων καὶ λόγων οἱ χαῦνοι καὶ
ἀναλήθεις καὶ μήποτε περιιστάντες ἡμᾶς εἰς τοὐναντίον οὐδὲν γάρ
φασι ξηρότερον ὑδρωπικοῦ ἀλλὰ τὸ μὲν οἰδοῦν ὑπεραίρειν βούλεται
τὰ ὕψη τὸ δὲ μειρακιῶδες ἄντικρυς ὑπεναντίον τοῖς μεγέθεσι
feios satildeo os intumescimentos [oacutegkoi note-se o vocabulaacuterio] sobre os
corpos e sobre as palavras que flaacutecidos [chaucircnoi] e falsos
[analeacutetheis] jamais nos revertem ao seu contraacuterio [tounantiacuteon]
afinal nada mais seco [zeroacutetetos] que um hidroacutepico [hydroacutepikos]
Mas o inchaccedilo [oidoucircn] deseja subir [hypaiacuterein] agraves alturas [tagrave hyacutepse]
o pueril [meirakiocircdes] eacute que estaacute diretamente oposto [aacutentikry
hypenantiacuteon] agrave grandiosidade [toicircs megeacutethesi]
(traduccedilatildeo do autor)
Seguir-se-aacute entatildeo uma breve descriccedilatildeo desse pueril (ldquochatildeordquo [tapeinoacuten] ldquomesquinhordquo
[mikroacutepsychon] e ldquoo mais vulgarmente feiovicioso em essecircnciardquo [tocirci oacutenti kakograven
aggeneacutestaton] - idem 5 ndash 6) e de um terceiro viacutecio que se resume ao descomedimento do
paacutethos (afeto ou paixatildeo fora de hora [paacutethos aacutekairon] ou ldquodesmedidordquo quando se requer
ldquomedidardquo [aacutemetron eacutentha metriacuteou deicirc] (3 5 3 ndash 4)
64
Esse princiacutepio encontra-se enunciado aplicado e atribuiacutedo (quanto agrave sua origem) em
Demeacutetrio com um vocabulaacuterio que eacute da eacutetica (op cit 114)
Ὥσπερ δὲ παράκειται φαῦλά τινα ἀστείοις τισίν οἷον θάρρει μὲν τὸ
θράσος ἡ δ αἰσχύνη τῇ αἰδοῖ τὸν αὐτὸν τρόπον καὶ τῆς ἑρμηνείας
τοῖς χαρακτῆρσιν παράκεινται διημαρτημένοι τινές πρῶτα δὲ περὶ τοῦ
γειτνιῶντος τῷ μεγαλοπρεπεῖ λέξομεν ὄνομα μὲν οὖν αὐτῷ ψυχρόν
ὁρίζεται δὲ τὸ ψυχρὸν Θεόφραστος οὕτως ψυχρόν ἐστι τὸ
ὑπερβάλλον τὴν οἰκείαν ἀπαγγελίαν
Como algumas rudezas [phaulaacute] justapotildeem-se [parakeicircmai] a
alguns valores [asteicirca] como agrave coragem a impetuosidade vergonha
ao respeito da mesma forma alguns deslocamentos [diemartemenoi]
justapotildeem-se aos caracteres da elocuccedilatildeo Primeiramente falaremos
do que margeia [geitiniaacuteo] o magnificente Seu nome eacute friacutegido
[psychroacuten] Teofrasto delimitou [horiacutezomai] o friacutegido assim friacutegido
eacute o que excede [hyperbaacutello] a expressatildeo adequada [oikeiacutean]
(idem)
Eacute vaacutelido notar que aleacutem de se empregar um particiacutepio para nomear esse ato de
desviar-se errar (diemartemenoi) o verbo em questatildeo tem a mesma forccedila de aposphaacutello em
sua composiccedilatildeo e eacute um sinocircnimo desse Tambeacutem merece nota o verbo geitiniaacuteo ldquoavizinhar-
se fazer fronteira estar na margemrdquo de modo que natildeo seria lexicalmente errado dizer desses
desvios que satildeo ldquogecircneros marginaisrdquo Eacute aceite que a base para essa teoria que supotildee sempre
uma medida correta para a execuccedilatildeo da forma seja peripateacutetica o que por outro lado natildeo
nos deve levar a supor uma doutrina uniforme subjacente aos textos O princiacutepio sim parece
ter essa origem Deve-se observar assim que pseudo-Longino segundo criteacuterios e conceitos
que satildeo platocircnicos em origem estaacute preocupado em descrever o que atinge a grandeza o
sublime Ao fim portanto descreve um conjunto de trecircs viacutecios que satildeo a rigor o resultado de
uma tentativa equivocada de atingi-lo Natildeo eacute de se espantar entatildeo que a caracterizaccedilatildeo do
viacutecio pueril assemelhe-se ao que seria de certa forma uma versatildeo imperfeita do discurso que
no epiacutetome fociana estaria para o tecircnue denominado aqui por chatildeo [tapeinoacutes baixo
rasteiro] Contudo observa-se que o adjetivo trata na verdade de um julgamento moral sobre
aquele que tenta atingir o sublime de maneira fuacutetil ou vatilde O texto prossegue
ταπεινὸν γὰρ ἐξ ὅλου καὶ μικρόψυχον καὶ τῷ ὄντι κακὸν
ἀγεννέστατον τί ποτ οὖν τὸ μειρακιῶδές ἐστιν ἢ δῆλον ὡς
σχολαστικὴ νόησις ὑπὸ περιεργασίας λήγουσα εἰς ψυχρότητα
ὀλισθαίνουσι δ εἰς τοῦτο τὸ γένος ὀρεγόμενοι μὲν τοῦ περιττοῦ καὶ
65
πεποιημένου καὶ μάλιστα τοῦ ἡδέος ἐξοκέλλοντες δὲ εἰς τὸ ῥωπικὸν
καὶ κακόζηλον
(Pseudo-Longino De Sublimitate 345 ndash 51)
diz-se dele que tem o pensamento preguiccediloso [scholastikeacute noacuteesis] que por causa do
empolamento [periergasiacutea o excesso de coisas fuacuteteis] estagna-se em frigidez [psychroacutetes]
ldquoEscorregam nesse gecircnero os que almejam o prodigioso [tograve perittoacuten que em Dioniacutesio de
Halicarnasso era abundacircncia atributo do elevado] o produzido [pepoiemeacutenos] e
principalmente o prazer [hedyacutes] vagando para o espalhafatoso [rhopikoacuten] e afetado
[kakoacutezelon]rdquo A julgar por ldquoespalhafatoso afetado empolado prodigiosordquo etc temos uma
descriccedilatildeo que se aproxima mais do que poderiacuteamos conceber como a forma falha do molde
copioso que recebe a qualidade de ldquoexaltadordquo que se pode traduzir no contexto do discurso
por ldquopedanterdquo Comparado ao nosso modelo e agrave descriccedilatildeo de gecircneros e defeitos como
observamos na tratadiacutestica retoacuterica embora o princiacutepio seja peripateacutetico o tratado do sublime
natildeo se propotildee a prescrever todos os gecircneros bem sucedidos de elocuccedilatildeo mas concentra-se em
aplicar isso que aqui chamamos preceito ou teoria da medida para descrever tudo quanto pode
produzir um efeito o transporte [ekstaacutesis] e natildeo outro a persuasatildeo [peithoacute] (1 4 1) e eacute a
partir disso que descreveraacute os demais tipos de elocuccedilatildeo o que natildeo eacute seu foco (cf por
exemplo 8 1 e 33 1) Os tratados descrevem ainda que diferentemente os gecircneros da boa
elocuccedilatildeo e a partir deles a forma desproporcional da caracteriacutestica fundamental de cada um
De novo a adequaccedilatildeo (da medida no caso) a trecircs Por fim vale mencionar que esse criteacuterio
peripateacutetico se evidencia na Ars de Horaacutecio47
No epiacutetome de Foacutecio os dois defeitos derivados do desvio do molde copioso duro
[skleroacuten] e exaltado [epermeacutenon] parecem corresponder bem aos viacutecios que pseudo-
Longino refere um ao aspecto do discurso que eacute ldquoinfladordquo laacute ldquoinchadordquo e aqui ldquodurordquo
ldquomaciccedilordquo quase a ideia de ldquoaacutesperordquo no sentido de algo intrataacutevel em funccedilatildeo das saliecircncias
(que leva agrave ideia de ldquoaustero severo aacuterduordquo) outro parece mais relacionado ao afeto e ao
enunciador uma vez que ldquoexaltadordquo ie que estaacute muito acima do necessaacuterio contempla tanto
a ideia do pedantismo e da afetaccedilatildeo como do pathos fora de hora
O escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio que simplesmente emprega o verbo antikeicirctai para
designar a oposiccedilatildeo de gecircneros fala do duro como a epiacutetome mas do escasso [brachyacute]48
Lembrando o texto de pseudo-Longino e sua metaacutefora fisioloacutegica eacute a intumescecircncia de certa
regiatildeo que gera a secura e talvez assim possamos interpretar esse adjetivo no sentido de que
47 Cf Horaacutecio Arte Poeacutetica v 24 ndash 28 48 Op cit 449 32
66
para aleacutem dos adereccedilos desnecessaacuterios e demasiados esse gecircnero estaacute desprovido de sauacutede ou
da coacutepia que o caracteriza Aqui tambeacutem de certa forma o gecircnero vizinho e defeituoso
confunde-se com o oposto virtuoso Parece que no caso do escoacutelio o molde defeituoso eacute
entendido como um oposto propriamente inclusive a julgar pelo verbo que introduz a
passagem
A Retoacuterica a Herecircnio denomina esse gecircnero defeituoso de inflado [sufflata]49 bem
condizente com o aspecto fiacutesico do inchaccedilo de Pseudo-Longino e da macicez do epiacutetome e
contiacutenua pela metaacutefora fiacutesica para exemplificar ldquoAssim como um inchaccedilo [tumor como o
grego oacutegkos] pode parecer uma condiccedilatildeo saudaacutevel do corpo grave [grave] pode parecer o
discurso que turge [turget] e estaacute inflado [inflatum]rdquo natildeo agrave toa o tratado nos daraacute trecircs
possiacuteveis elementos desse gecircnero defeituoso que ou estatildeo para aquela dureza ou para o
empolamento e a afetaccedilatildeo inadequada ou se empregam palavras que satildeo muito recentes ou
arcaicas (ldquonouis aut priscisrdquo) ou usam-se metaacuteforas duras (ldquousa-se delas duramenterdquo ndash
ldquoduriter aliunde translatisrdquo) ou porque algo eacute dito com palavras mais graves do que a mateacuteria
exige (ldquograuioribus quam res postullat aliquid diciturrdquo)
Na divisatildeo quaacutedrupla de Demeacutetrio50 o gecircnero defeituoso eacute qualificado como
ldquofriacutevolordquo adjetivo empregado por Pseudo-Longino e que se associa a essa qualidade afetada
do discurso que traz muito mais do que o necessaacuterio O princiacutepio se torna praticamente uma
maacutexima no verso horaciano ldquoprofessus grandia turgetrdquo- ldquoa grandeza professa turgerdquo51
O adjetivo tapeinoacutes que no epiacutetome nomeia o desvio do molde tecircnue designa aquilo
que eacute baixo abjeto em diferentes contextos (social moral) etc Designa o aspecto vulgar e
rebaixado daquele falar hodierno do qual parte a linguagem bem sucedida deste gecircnero na
Retoacuterica a Herecircnio que qualifica o viacutecio como aacuterido [aridum] e exangue [exsangue]52
Aacuterido [xeroacutes] tambeacutem eacute o nome para Demeacutetrio do desvio do caraacuteter tecircnue Para pseudo-
Longino como visto53 essa aridez tem que ver com uma grandeza um aumento que natildeo se
realiza eacute mais um discurso vicioso que natildeo atinge aquele sublime O escoacutelio a Dioniacutesio
Traacutecio neste passo de fato parece confimar a hipoacutetese de nomear como viacutecio uma forma que
eacute oposta opotildee-se ao tecircnue o amplo [platuacute ou difuso referindo-se agrave elocuccedilatildeo] e grosso
[paxuacute espesso]54 que ora remetem ao hadron forma virtuosa Por fim em Horaacutecio talvez
esteja aqui aquele que procede com excessivo medo da elevaccedilatildeo ldquoserpit humi tutus nimium
49 Retoacuterica a Herecircnio IV 10 19 50 Supra paacuteg 52 ndash 53 51 Op cit v 27 52 Op cit IV 11 16 53 Supra paacuteg 57 54 Op cit 449 32
67
timidisque procellaerdquo ndash ldquoRasteja pelo chatildeo aquele excessivamente cauto e medroso da
procelardquo55
Quando ao desvio do molde meacutedio a primeira caracteriacutestica refere-se ao fato de o
discurso parecer incompleto inacabado tolhido argoacutes designando o objeto em que falta
trabalho ie em que o trabalho natildeo se concluiu Pelas liccedilotildees sobre a diferenccedila entre prosa e
poesia podemos pensar que talvez ele o seja por deixar a impressatildeo de carecer de ornato
quando uma de suas necessidades eacute possuiacute-lo a ponto de deleitar56
Parece que eacute neste sentido que o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio57 que designa este
molde como florido denomina seu oposto por agleukeacutes amargo (em que natildeo haacute doce) e
logoieideacutes prosaico ie natildeo eacute tatildeo poeacutetico quanto precisaria O segundo termo empregado
eklelumeacutenon (solto desatado relaxado dilatado) parece estar associado justamente a esse
mau acabamento do ornato e eacute correlato ao termo com que a Retoacuterica a Herecircnio designa o
gecircnero vicioso dissoluto [dissolutum]58 ldquoque eacute sem nervos e articulaccedilotildeesrdquo ndash mantendo uma
metaacutefora fisioloacutegica (quod est sine neruis et articulis articulaccedilotildees) ndash de modo que posso
chamaacute-lo flutuante [fluctuans] jaacute que flutua caacute e laacute e natildeo possui a capacidade de andar
livremente com firmeza [confirmatis] e virilidade [uiriliter]rdquo Essa mesma noccedilatildeo de firmeza
que se exige para uma elevaccedilatildeo digna que natildeo eacute poreacutem a da coacutepia mas constitui um meio
termo parece condizer com o defeito daquele que na Ars horaciana almejando mais leveza
do que se deve acaba fraco ie sem nervos [nerui] e acircnimo [animi] ldquosectantem leuia nerui
deficiunt animiquerdquo59
3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA
31 SEUS GEcircNEROS
55 Idem v 28 56 Supra paacuteg 54 57 Op cit 449 32 58 Op cit IV 11 1 59 Op cit v 25 ndash 26
68
Eacute pelo emprego do adjetivo ldquopoeacuteticardquo [poietikeacute] no paraacutegrafo 11 da ediccedilatildeo de
Severyns60 319a 3 na ediccedilatildeo de Bekker que se inicia o extenso cataacutelogo de gecircneros e
espeacutecies poeacuteticas que basicamente constitui todo o restante do epiacutetome como parte principal
do objeto resumido Imediatamente a liccedilatildeo do epiacutetome estabelece o criteacuterio segundo o qual
divide dois grandes gecircneros de poesia
Chama a atenccedilatildeo o emprego de outro termo vimos que poiacuteema foi usado para
distinguir poesia e prosa no paraacutegrafo 3 e logo acima no paraacutegrafo 10 foi novamente
empregado como sinocircnimo de poiacuteesis Parece que esse termo se usa laacute enquanto em uma
primeira seccedilatildeo da obra em que se trataria da linguagem em geral contemplando toacutepicos
comuns agrave poesia e agrave oratoacuteria (que consequentemente servem para a prosa em geral como a de
um historiador logoacutegrafo etc) tais quais a elocuccedilatildeo e seus gecircneros virtuosos e viciosos o
eacutethos e o paacutethos Esses trecircs elementos correspondem natildeo perfeitamente agrave triparticcedilatildeo retoacuterica
que vem desde Aristoacuteteles natildeo perfeitamente porque a parte sobre os plaacutesmata fala somente
de elocuccedilatildeo e natildeo do logos como um todo e suas partes etc Assim nenhuma designaccedilatildeo
especiacutefica ou disjuntiva aparece ateacute aqui (ldquoretoacutericardquo ldquopoeacuteticardquo) salvo gramatikeacute do tiacutetulo
que nos serve de indiacutecio para conjeturar justamente sobre como essas liccedilotildees de diferentes
saberes satildeo tomadas aqui nas suas partes concernentes agraves letras
Apoacutes enfim uma primeira parte em que se tomaram essas liccedilotildees apenas no que
concerne agrave linguagem e seu uso por quem compotildee uma obra em prosa ou em verso
significando que desse ponto de vista as mesmas caracteriacutesticas se observariam na prosa de
um logoacutegrafo e nos versos de um tragedioacutegrafo natildeo havendo distinccedilatildeo salvo pelo fato de que
estes conteratildeo virtudes em maior quantidade passa-se entatildeo ao exame da poeacutetica
especificamente entendida como reuniatildeo das obras de poesia Pode-se conjeturar que o termo
(no genitivo e com forte carga partitiva cf nota 9) agora eacute empregado para delimitar o que eacute
assunto apenas referente a esse tipo de confecccedilatildeo A liccedilatildeo do coacutedice logo passa ao que
consiste dentro dessa perspectiva antes explicitada o tratamento da obra poeacutetica E o que
seria Os diferentes gecircneros em que se agrupam as composiccedilotildees considerada agora apenas a
composiccedilatildeo em verso e natildeo dentro do primeiro criteacuterio classificatoacuterio geral a elocuccedilatildeo
Em outras palavras e com implicaccedilotildees mais fortes o que eacute relevante para essa
abordagem das letras sobre a poesia e daiacute sem a elocuccedilatildeo apenas ela inicia-se pela sua
divisatildeo em gecircneros Natildeo agrave toa segue-se imediatamente a primeira e mais ampla distinccedilatildeo
60 Severyns op cit tomo II pg 33
69
geneacuterica relacionada ao que na Poeacutetica de Aristoacuteteles se designa apenas como o modo de
imitaccedilatildeo ou da mimese
Sabe-se que a Poeacutetica de Aristoacuteteles se insere em uma discussatildeo que jaacute estaacute bem
distante de muitos dos textos de base gramatical que foram escritos posteriormente sobre o
assunto embora natildeo tatildeo distante dos textos modelares da praacutetica
A divisatildeo entre poesia narrativa [diegematikoacuten] e imitativa [mimetikoacuten] ndash para cuja
traduccedilatildeo mantecircm-se aqui os termos latinos ndash tem por criteacuterio o modo enunciativo ie mais
especificamente quem eacute o enunciador Essa distinccedilatildeo vem como se sabe desde a Repuacuteblica
em que natildeo eacute dupla mas triacuteplice Nos termos do filoacutesofo (III 394b) a narraccedilatildeo da poesia e da
mitologia ou se daacute inteira por imitaccedilatildeo [diagrave mimeacuteseos] ou por relato do poeta ele mesmo [dirsquo
aggeliacuteas autoucirc toucirc poietoucirc ie de forma reportada pelo proacuteprio poeta] ou ainda por ambos
[aucirc drsquo amphoteacuteron] Esta uacuteltima eacute a forma mista em que ora o poeta fala ora a personagem
da qual Homero eacute o exemplo
A classificaccedilatildeo proposta por Platatildeo ocorre na conversa entre Soacutecrates e Adimanto e a
primeira menccedilatildeo aos modos de enunciar se daacute em 392a passagem em que Soacutecrates comeccedilaraacute
a delimitar e expor a doutrina falando primeiro da chamada haplecirc dieacutegesis
ou ldquonarraccedilatildeo simplesrdquo e da miacutemesis O problema e o foco de Platatildeo natildeo eacute
gramatical ou poeacutetico mas sim filosoacutefico-moral eacute um problema para a paideia da cidade a
imitaccedilatildeo plural ie uma pessoa empreender a imitaccedilatildeo de muitas pessoas (395a) uma vez
que a fidelidade dessas imitaccedilotildees seraacute prejudicada dada a impossibilidade de uma uacutenica
pessoa realizaacute-las todas adequadamente Eacute fundamental frisar que para Platatildeo mimese aqui eacute
algo muito mais restrito do que para Aristoacuteteles pois se trata puramente da imitaccedilatildeo que uma
pessoa faz a de outra ou da fala dela Para o filoacutesofo a narraccedilatildeo eacute primordial ou seja haacute a
narraccedilatildeo em princiacutepio e a imitaccedilatildeo eacute uma coacutepia de uma narraccedilatildeo que pertence a outrem
Platatildeo natildeo estaacute interessado em utilizar a distinccedilatildeo para analisar e classificar as praacuteticas
poeacuteticas Estaacute sim interessado em lidar com as implicaccedilotildees que as distinccedilotildees estabelecidas
trazem para sua filosofia e se as mentiras que podem ser contadas para em um mito jaacute podem
por si soacute natildeo fornecer um bom exemplo moral para a cidade imitar jaacute eacute por si soacute uma mentira
Em seu tratado Aristoacuteteles estaacute interessado entre outras coisas principalmente em
mostrar que primeiramente mimese ou imitaccedilatildeo eacute algo mais amplo possui uma funccedilatildeo
didaacutetica fundamental e justamente por isso quando julgada a poesia deve ser pensada dessa
perspectiva Isso explica antes de mais nada a exposiccedilatildeo da triparticipaccedilatildeo classificatoacuteria que
ocupa os trecircs primeiros capiacutetulos da Poeacutetica (natildeo agrave toa seguida de um quarto capiacutetulo e quem
o filoacutesofo fala justamente do valor didaacutetico da imitaccedilatildeo) em que se explicitam os criteacuterios
70
com os quais o filoacutesofo pensa mimese de que e poesia eacute uma espeacutecie A distinccedilatildeo dos modos
enunciativos portanto ocupa um ponto especiacutefico da doutrina aristoteacutelica
Ἔτι δὲ τούτων τρίτη διαφορὰ τὸ ὡς ἕκαστα τούτων μιμήσαιτο ἄν τις
καὶ γὰρ ἐν τοῖς αὐτοῖς καὶ τὰ αὐτὰ μιμεῖσθαι ἔστιν ὁτὲ μὲν
ἀπαγγέλλοντα ἢ ἕτερόν τι γιγνόμενον ὥσπερ Ὅμηρος ποιεῖ ἢ ὡς τὸν
αὐτὸν καὶ μὴ μεταβάλλοντα ἢ πάντας ὡς πράττοντας καὶ ἐνεργοῦντας
daggerτοὺς μιμουμένουςdagger ἐν τρισὶ δὴ ταύταις διαφοραῖς ἡ μίμησίς ἐστιν
ὡς εἴπομεν κατ ἀρχάς ἐν οἷς τε ltκαὶ ἃgt καὶ ὥς ὥστε τῇ μὲν ὁ αὐτὸς
ἂν εἴη μιμητὴς Ὁμήρῳ Σοφοκλῆς μιμοῦνται γὰρ ἄμφω σπουδαίους
τῇ δὲ Ἀριστοφάνει πράττοντας γὰρ μιμοῦνται καὶ δρῶντας ἄμφω
ὅθεν καὶ δράματα καλεῖσθαί τινες αὐτά φασιν ὅτι μιμοῦνται δρῶντας
(Aristoacuteteles Poeacutetica 1448a 19 ndash 29)
Descrevendo seu objeto pelos meios ( ) pela mateacuteria ( ) e o modo ( ) a
Poeacutetica traz a distinccedilatildeo dos modos na explicaccedilatildeo da terceira categoria para a qual Aristoacuteteles
distingue duas possibilidades (1448a 19 ndash 24)
[] pois eacute possiacutevel pelos mesmos meios imitar as mesmas coisas ora
relatando [reportando hotegrave megraven apaggeacutelonta] (ou tornando-se de
certa forma outro como faz Homero ou como si proacuteprio e natildeo
alternando) ou todos os que imitam como agentes e operantes [hoacutes
praacutettontas kaigrave energoucircntas]
Aristoacuteteles natildeo propotildee um gecircnero misto como Platatildeo o que natildeo significa que natildeo
observe o fenocircmeno que Platatildeo nomeia como um terceiro tipo Considerando que Aristoacuteteles
discute exatamente miacutemesis e um tipo especiacutefico dela parece que seu criteacuterio eacute a presenccedila ou
natildeo ndash referida reportada e daiacute inferida pelos ouvintes ndash da voz do poeta seja na figura dele
mesmo seja por traacutes da voz de outro como a personagem Parece que no outro gecircnero natildeo
haacute pelo menos para Aristoacuteteles essa voz natildeo ocorre esse reportamento mas a miacutemese se daacute
como atuaccedilatildeo ie pela accedilatildeo dos actantes e natildeo como relato Simplificando pode-se dizer
partindo do segundo membro do par que a composiccedilatildeo pertenceraacute a este ou agravequele gecircnero se
for encenada ou natildeo Mais abstratamente o resultado de uma deve ser a coisa a mateacuteria o
fato sendo executado realizado da outra reportado contado Partindo poreacutem do outro
membro do par a fim de se chegar a uma simplificaccedilatildeo ter-se-aacute um problema modernamente
Dizendo que uma eacute ldquoencenadardquo e a outra eacute ldquonarradardquo buscar-se-aacute entatildeo a ldquounidade de accedilatildeordquo
de que a Poeacutetica tanto fala de toda e qualquer espeacutecie arrolada como narrativa natildeo soacute nesta
obra atribuiacuteda a Proclo mas tambeacutem em outros textos que trazem classificaccedilatildeo geneacuterica Este
71
problema eacute o principal de nosso epiacutetome qual seria por exemplo a unidade de accedilatildeo de um
melos como o epiniacutecio
Em relaccedilatildeo a Platatildeo observam-se duas peculiaridades Primeiramente como eacute
justamente pelo valor cognitivo e didaacutetico da imitaccedilatildeo que Aristoacuteteles confere estatuto
filosoacutefico agrave poesia61 adota o conceito de miacutemesis como nomenclatura mais ampla para
nomear o fenocircmeno dentro do qual se insere a poesia Natildeo agrave toa o iniacutecio do tratado eacute
dedicado agrave miacutemesis dentro da qual a miacutemesis poeacutetica eacute uma espeacutecie No entanto o termo
ldquomimeacuteticordquo (ou imitativo) jaacute foi empregado por Platatildeo quem Aristoacuteteles busca refutar para
designar uma espeacutecie de narraccedilatildeo de mitos uma das trecircs maneiras arroladas na Repuacuteblica
Parece que por essa razatildeo natildeo adota o termo ldquomimeacuteticordquo para calssificar a imitaccedilatildeo
dramaacutetica como se observa poreacutem em praticamente todo o restante da tratadiacutestica posterior
de que a Crestomatia mesma seria um exemplo Prefere empregar os particiacutepios ldquoprattontasrdquo
e ldquoenergoucircntasrdquo para designar a atividade que empreendem e designar seu sujeito justamente
com outro particiacutepio de que tal atividade eacute pelo criteacuterio do modo espeacutecie ldquotougraves
mimoumeacutenousrdquo
Em segundo lugar parece que como haacute uma discordacircncia teoacuterica deste para aquele
implicando tambeacutem uma discordacircncia conceitual ie a repeito de miacutemesis referindo-se aos
modos da enunciaccedilatildeo Aristoacuteteles busca um denominador comum ou um elemento mais
baacutesico que permita uma classificaccedilatildeo diferente por isso abre matildeo do modo ldquomistordquo porque
nem leva em considera o modo ldquopor imitaccedilatildeo rdquo platocircnico O elemento mais
baacutesico que se pontua depende da presenccedila ou natildeo de um ator mas conforme dito acima isso
eacute consequecircncia o elemento propriamente eacute a voz ou natildeo do poeta mas no sentido de que ou o
discurso que nos reporta as accedilotildees eacute percebido como saindo da boca de outros que natildeo o poeta
ou mesmo que esse assuma a voz de outro o discurso que se ouve ainda nos eacute reportado pelo
poeta mudada sua voz na voz de outro que natildeo eacute senatildeo dependente da primeira voz ou um
construto o que se entende de ldquo relatando (ou tornando-se de certa forma outro como faz
Homero ou como si proacuteprio e natildeo alternando)rdquo [grifo do autor]
Poder-se-ia considerar dessarte a julgar pelo que foi acima exposto que o epiacutetome
traria a liccedilatildeo aristoteacutelica uma vez que natildeo menciona um gecircnero misto como Platatildeo e outros
textos que mencionam esse terceiro gecircnero por entenderem que no caso em que o ldquoeu-
poeacuteticordquo daacute voz a uma personagem haacute uma mistura das duas enunciaccedilotildees Para a triparticcedilatildeo
cuja origem recua ateacute Platatildeo essa interpretaccedilatildeo eacute verossiacutemil porque o raciociacutenio parece ser o
61 Cf Poeacutetica (cap IX) Porque a poesia representa o possiacutevel segundo a verossimilhanccedila eacute mais universal por
oposiccedilatildeo agrave historia particular Decorre para Aristoacuteteles que a poesia eacute mais filosoacutefica
72
mesmo como eacute o caso do texto por exemplo do livro III da Ars Grammatica de Diomedes62
que serviraacute para o cotejo com a Crestomatia a mesma ilaccedilatildeo natildeo vale para os textos que
trazem em vez de uma triparticcedilatildeo uma biparticcedilatildeo A concepccedilatildeo aristoteacutelica supotildee
obrigatoriamente a mimese de accedilatildeo e supotildee como fica expliacutecito agentes que podem ser
resultado da miacutemeses da voz do poeta (o poeta lhes daacute voz) ou podem ser eles mesmos donos
dessa voz ie atores e nesse caso o poeta natildeo fala nada (sua voz natildeo aparece)
Parece que os textos posteriores baseiam-se ou copiam uma biparticcedilatildeo que na obra de
Aristoacuteteles eacute traccedilada segundo os criteacuterios que define como proacuteprios da imitaccedilatildeo poeacutetica Eacute
fundamental poreacutem lembrar que Aristoacuteteles natildeo questiona nem faz apontamento algum
acerca da accedilatildeo de outras espeacutecies poeacuteticas aleacutem da trageacutedia da comeacutedia e da epopeia sendo
aquelas duas exemplo de poesia dramaacutetica e esta de narrativa
Natildeo se pode afirmar que o agrupamento de espeacutecies que se segue em textos como o da
Crestomatia seria aristoteacutelico mas poderiacuteamos conjeturar que como o sentido dado ao verbo
apaggeacutello (na referida passagem de Aristoacuteteles) talvez seja um pouco mais amplo do que em
Platatildeo a julgar pelo fato de que laacute primeiramente natildeo haacute um gecircnero intermediaacuterio e segundo
Homero eacute justamente o exemplo de poesia narrativa (enquanto em Platatildeo a poesia estaacute ao lado
do relato de mitos) todas as demais espeacutecies que natildeo as teatrais por nelas se supor a voz de
um poeta sejam ldquonarrativasrdquo no sentido de que o que quer que se cante eacute reportado ao
ouvinte pelo eacutethos de um poeta cuja voz se ouve63 independente da unidade de accedilatildeo da
presenccedila ou natildeo de mito da vitoacuteria do atleta das causas de uma festa ou da celebraccedilatildeo de um
deus ou heroacutei ainda mais se considerarmos que a oralidade nunca deixou de desepenhar
importante papel mesmo nas culturas escritas como a alexandrina ou a bizantina papel esse
determinante no entendimento que as artes e os textos de doutrina fizeram da poesia Eacute bom
ressaltar que os textos mesmos seguem suas convenccedilotildees explicativas e eacute justamente pela
repeticcedilatildeo ao longo dos seacuteculos que satildeo concebidas como autorizadas
Isso significa que as artes gramaticais posteriores podem ter se fiado em um criteacuterio
que eacute adotado senatildeo mesmo desenvolvido por Aristoacuteteles o que eacute diferente de dizer que
seguem sua doutrina afinal de contas o criteacuterio da accedilatildeo natildeo eacute sequer mencionado nesse tipo
de descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies salvo na explicaccedilatildeo sobre o desenvolvimento da eacutepica
O mais importante no fato de o texto da Crestomatia adotar como a Poeacutetica uma
biparticcedilatildeo eacute o fato de que natildeo segue entretanto a terminoliga aristoteacutelica que evita
62 Diomedes Artis grammaticae III paacuteg 482 63 Eacute nesse sentido que conforme visto (supra 134 pag 47 em diante) Dioniacutenio de Halicarnasso no tratado Da
Imitaccedilatildeo fala do eacutethos da poesia de Alceu
73
ldquomimeacuteticordquo para o gecircnero em que os actantes satildeo enunciadores talvez simplesmente porque a
interpretaccedilatildeo que se fazia da doutrina nesta obra optava por uma conceituaccedilatildeo simples em
dois gecircneros abrangentes apenas sem mistura mas natildeo estava preocupada em propugnar a
favor de uma conceituaccedilatildeo preferencialmente a outra pois natildeo se inseria em um contexto de
disputa pelo termo como se pode supor no caso de Platatildeo e Aristoacuteteles
O texto de Diomedes sec IV AC64 testemunha que diferentes termos gregos eram
conhecidos entre os romanos mesmos para nomear esses dois grandes gecircneros O texto do
livro III de sua obra poreacutem adota a triparticcedilatildeo Note-se a variedade terminoloacutegica
Os gecircneros de poema satildeo trecircs Com efeito o gecircnero eacute ativo ou
imitativo que os gregos chamam dramatikoacuten ou mimetikoacuten narrativo
ou enunciativo que os gregos chamam exegetikoacuten ou apangeltikoacuten
comum ou misto que os gregos chamam koinoacuten ou miktoacuten Eacute
dramatikoacuten ou ativo aquele em que atuam somente as personagens
sem interlocuccedilatildeo de algum poeta como ocorre nas faacutebulas traacutegicas e
cocircmicas gecircnero no qual foi escrita a primeira Bucoacutelica [de Vergiacutelio2]
e aquela cujo iniacutecio eacute ldquoquo te Moeri pedesrdquo [ldquoPara onde Meride
levam-te os peacutesrdquo] Eacute exegetikoacuten ou narrativo aquele em que o proacuteprio
poeta fala sem interlocuccedilatildeo de alguma personagem como ocorre nas
trecircs primeiras Geoacutergicas [de Vergiacutelio] e na primeira parte da quarta e
igualmente nos cantos de Lucreacutecio e em outros semelhantes a estes Eacute
koinoacuten ou comum aquele em que o proacuteprio poeta fala e as personagens
satildeo introduzidas falando como foram escritas a Iliacuteada e a Odisseacuteia
inteiras de Homero a Eneida de Vergiacutelio e outros semelhantes a
estes
(Diomedes Arte Gramatical livro III trad Izabella Lombardi
Gaberllini in LETRAS CLAacuteSSICAS n 9 p 231-243 2005 Paacuteg
231)
Agora em uma triparticcedilatildeo Diomedes testemunha o uso da nomenclatura ldquoimitativordquo agrave
que tambeacutem associa o termo ldquodramaacuteticordquo bem como a traduccedilatildeo latina dos respectivos nomes
Curioso notar tambeacutem que siga o criteacuterio semelhante ao de Platatildeo ilustrando o gecircnero misto
com a eacutepica de Homero e Vergiacutelio
Observaremos portanto que para os textos de doutrina (que possuem eles mesmos
como dito suas convenccedilotildees) principalmente esses de acendecircncia gramatical o que concerne
tatildeo somente agrave poesia eacute sua divisatildeo em gecircneros e espeacutecies em outras palavras seu
agrupamento segundo uma nomenclatura funcional que permita tratar da variedade das
composiccedilotildees herdadas dos antigos gregos Se de origem heleniacutestica e portanto
64 Holtz L apud Gaberllini (2005) paacuteg 1 A dataccedilatildeo da Ars Grammatica de Diomedes infere-se a partir do uso
que faz de Donato e Cariacutesio gramaacuteticos anteriores e pelas constantes citaccedilotildees de Prisciano
74
originariamente editorial essa nomenclatura em um texto como o da Crestomatia ou o da
gramaacutetica de Diomedes tornou-se didaacutetica e eacute de se supor no caso da primeira natildeo apenas no
sentido pedagoacutegico Temos muito bons indiacutecios para supor que essa nomenclatura natildeo se
propotildee riacutegida uacutenica infrangiacutevel porque ela mesma no caso da Crestomatia supotildee mais
restritas suas dimensotildees quando o assunto eacute a liacuterica65 O que observamos no cataacutelogo da liacuterica
eacute a preponderacircncia e o emprego de outro criteacuterio ou padratildeo explicativo que tambeacutem estaacute
presente nos gecircneros anteriores natildeo se busca explicar o que seja a poesia como o faz
Aristoacuteteles mas sim reunir quanta informaccedilatildeo eacute uacutetil para compreender as diferenccedilas entres as
diferentes espeacutecies No caso das espeacutecies diegeacuteticas ou narrativas que natildeo a liacuterica junto a um
criteacuterio de mateacuteria e metro que privilegia este em relaccedilatildeo agravequele quanto agrave antecedecircncia
emprega-se um criteacuterio etimoloacutegico que eacute em boa parte das vezes etioloacutegico tambeacutem porque
traz consigo a origem do dizer consequentemente a origem do referente do significante Esse
eacute o criteacuterio que perpassa todo o cataacutelogo liacuterico na sua forma mais baacutesica porque em alguns
casos o emprego de uma palavra como nomenclatura jaacute eacute por si mesmo autoexplicativo eacute o
caso das uacuteltimas subespeacutecies aquelas sobre circunstacircncias incidentais em que se opta pelo
verso Esse eacute tambeacutem o mesmo criteacuterio que no caso das espeacutecies anteriores agrave meacutelica (a eacutepica
a elegia e o iambo) organiza concomitantemente a metro e mateacuteria a exposiccedilatildeo da espeacutecie
poeacutetica na forma de uma breve histoacuteria que nas suas diferentes etimologias busca agrupar os
diferentes elementos arrolados convencionalmente para definir aquele tipo poeacutetico
32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE
DIOMEDES
Consoante ao exposto no item anterior natildeo eacute de espantar que os gecircneros arrolados
entre os imitativos sejam apenas aqueles dramaacuteticos ou teatrais no caso da Crestomatia de
Proclo enquanto observamos que o exemplo de Diomedes refere-se agrave faacutebula teatral em
geral66 e admite que como tal escreveram-se as Bucoacutelicas I e IX
65 Basta conferir como o cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas eacute introduzido no epiacutetome sect33 (Severyns) 319b 33 66 ldquo() dramaticon est vel activum in quo personae agunt solae sine ullius poetae intcrlocutione ut se habent
tragicae et comicae fabulaerdquo ndash DIOMEDES op cit paacuteg 482 17 ndash 19 Diomedes provavelmente pontua o
elemento ldquofabulaerdquo logo aqui porque o mencionaraacute tratando posteriormente e em separado das espeacutecies
cocircmicas e traacutegicas Nada nos impede de conjeturar e tatildeo somente isso que tratando enfim do gecircnero mimeacutetico
nos demais livros da Crestomatia de que natildeo temos notiacutecia alguma o myacutethos aparecesse na obra Se a exposiccedilatildeo
75
Em ambos os textos o criteacuterio preponderante que estabelece a primiera distinccedilatildeo
dentro da qual os poemas se agruparatildeo eacute o modo enunciativo
Aquilo que seratildeo as espeacutecies no tratado de Proclo para Diomedes receberaacute o nome
simples de ldquocarminardquo ou ldquocantosrdquo designados como o resultado a obra em si uma vez que a
palavra latina designa assim o poema a composiccedilatildeo em verso Diomedes adota assim a
designaccedilatildeo jaacute corrente para essas formas poeacuteticas mas propotildee entre os carmes e os gecircneros
maiores outras espeacutecies que consideram agora o que se narra ou mimetiza e que satildeo
apresentadas como espeacutecies dos trecircs primeiros grupos elencados
ldquoPoematos dramatici vei activi genera sunt quattuor apud Graecos
traacutegica comica satyrica mimica apud Romanos praetextata tabernaria
Atellana planipesrdquo
(DIOMEDES op cit III apud Keil paacuteg 482 26)
ldquoOs gecircneros do poema dramatikoacutes ou ativo satildeo quatro entre os
gregos a [espeacutecie] traacutegica a cocircmica a satiacuterica a miacutemica entre os
romanos a pretextata a tabernaacuteria a atelana a planiacutepederdquo
(Trad GABERLLINI op cit 231)
Observa-se que no caso das espeacutecies gregas modelares (salvo pelos mimos) pelo
menos desde Aristoacuteteles67 a um criteacuterio primeiramente selecionado como mais geral porque
mais abrangente e baacutesico sobretudo por permitir a distinccedilatildeo imediata entre a poesia dramaacutetica
e as demais formas conhecidas segue-se uma subdivisatildeo desse criteacuterio que permite elencar e
subagrupar outras formas poeacuteticas geralmente obtusas em relaccedilatildeo agrave nomenclatura Eacute seguindo
o mesmo criteacuterio entatildeo que nos deparamos com outras espeacutecies mas agora do gecircnero
narrativo
ldquoExegetici vel enarrativi species sunt tres angeltice historice
didascalice angeitice est qua sententiae scribuntur ut est Theognidis
liber item chriae historice est qua narrationes et genealogiae
dos livros estivesse organizada como o epiacutetome 239 nos daacute a conhecer eacute de se crer que na sequecircncia do livro
III ocorresse a exposiccedilatildeo do gecircnero que natildeo foi discutido nos dois primeiros livros que o epiacutetome nos transmite 67 A reiteraccedilatildeo dos criteacuterios de unidade medida e adequaccedilatildeo ao longo da Ars Poetica de Horaacutecio ilustram-no
muito bem Sobre os mimos embora Aristoacuteteles mencione-os na Poeacutetica 1447b 8 ndash 12 e seja plausiacutevel que
segundo seu criteacuterio acional sejam miacutemesis poeacutetica nada mais nos eacute dito sobre eles no que temos da obra
76
conponuntur ut est Hesiodu et similia
didascalice est qua conprehenditur philosophia Empedoclis et Lucreti
item aslrologia ut phaenomena Aratu et Ciceronis et georgica
Vergilii et his similiardquo
(Idem paacuteg 482 31 ndash 483 3)
Assim o poema apenas narrativo pode ser ldquoenunciativo (angeltikeacute)rdquo quando apenas
enuncia coisas ie quando ocorre pura e simplesmente uma enunciaccedilatildeo direta ndash o exemplo
seria a poesia gnocircmica de Teoacutegnis e as khreicircai ou ldquomaacuteximasrdquo ditos ceacutelebres de personagens
ou figuras histoacutericas pode ser ldquohistoacuterico (historikeacute)rdquo quando o que se ldquonarra reporta relata
etcrdquo possui um sentido cronoloacutegicogenealoacutegico de que eacute exemplo O Cataacutelogo das Mulheres
de Hesiacuteodo pode ser ldquodidascaacutelica (didaskalikeacute)rdquo quando ensina e aqui satildeo exemplos os
Fecircnomenos tanto de Ciacutecero como de Arato ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio mas tambeacutem os
poemas de conteuacutedo filosoacutefico de que satildeo exemplos Empeacutedocles e Lucreacutecio
Subdividindo a poesia mista menciona como exemplo a poesia heroica ie a poesia
de heroacuteis de que satildeo exemplo a Iliacuteada e a Eneida tambeacutem se refere agrave liacuterica mas aqui a de
Horaacutecio e Arquiacuteloco (DIOMEDES op cit 483 5 ndash 6)
Ora chama a atenccedilatildeo nesse uacuteltimo caso em comparaccedilatildeo ao texto do epiacutetome de
Foacutecio que operando com uma triparticcedilatildeo dos gecircneros enunciativos a liacuterica seja dada como
exemplo misto porque eacute plenamente possiacutevel imaginar que outro e natildeo o eu-poeacutetico fale
como uma personagem Como a Crestomatia opera com uma biparticcedilatildeo a liacuterica eacute posta junto
de todas as espeacutecies que natildeo satildeo modernamente falando teatrais pelo simples pressuposto de
que nelas quem fala eacute a figura do poeta podendo haver outra dependente dela
Ateacute aqui comparados em sua organizaccedilatildeo observamos que tanto a Crestomatia como
o livro III de Diomedes conhecido antigamente como De Poematibus68 partem de um criteacuterio
primeiro e abrangente que classifica os poemas pelo elocutor Ambos jaacute apresentam aiacute uma
primeira diferenccedila69 este uma divisatildeo tripartite aquele bipartite
O texto de Diomedes apresenta uma subdivisatildeo em espeacutecies que considera a mateacuteria e
a finalidade da composiccedilatildeo mesmo no caso dos poemas apenas narrativos (contemplando
assim ateacute poemas de ensinamento filosoacutefico) e distingue com outra nomenclatura agrave parte os
cantos ou carmina como formas que se definem pelo que parece ser um criteacuterio taacutecito de
68 Uma vez que essa seccedilatildeo por si soacute consiste em um pequeno livro sobre classificaccedilatildeo de obras poeacuteticas que se
inspiraria na obra perdida atribuiacuteda a Suetocircnio De Poetica 69 Aleacutem do fato sempre evidente de que a os textos gregos versam sobre as formas poeacuteticas gregas enquanto os
latinos versam sobre as formas gregas ndash feitas romanas pelos autores paacutetrios ndash e a formas apenas latinas
77
metro e mateacuteria Era de se esperar em princiacutepio que esses cantos correspondessem
diretamente aos grupos acima expostos ou que ao menos fossem explicitados como derivados
deles ou a eles associados essa associaccedilatildeo de forma explicita soacute se verifica para os casos do
epos e da poesia bucoacutelica no caso citado de Vergiacutelio70 Jaacute o texto atribuiacutedo a Proclo passa
direto dos gecircneros enunciativos para o nome de cada uma das espeacutecies narrativas gregas
equivalentes (salvo pela liacuterica que ocupa o epiacutetome extensamente) aos carmina de Diomedes
Em resumo natildeo haacute classificaccedilatildeo intermediaacuteria no texto grego
Ora haacute ao menos que se conjecturar a respeito dessas diferenccedilas e se natildeo pudermos
chegar a respostas definitivas podemos formular hipoacuteteses que permitam um melhor
vislumbre da categorizaccedilatildeo poeacutetica com que se preocupavam as gramaacuteticas antigas
Primeiramente a correspondecircncia entre os carmina de Diomedes e as espeacutecies
arroladas em Proclo eacute notaacutevel A equivalecircncia na verdade eacute principalmente do tipo de
classificaccedilatildeo que se desdobra que ndash agrave guisa de esclarecimento por enquanto ndash tem como
elementos baacutesicos os membros do esquema metro-mateacuteriaetimologia-etiologia Esse modelo
de classificaccedilatildeo e as semelhanccedilas entre os dois textos seraacute o foco da comparaccedilatildeo nas seccedilotildees a
seguir (infra 33 paacuteg 81 em diante) Interessam agora as diferenccedilas e a compreensatildeo
estrutural dos dois textos
O texto de Diomedes traz uma classificaccedilatildeo como notado que o texto de Proclo natildeo
Por quecirc Podemos conjecturar que Diomedes conhecendo duas classificaccedilotildees (uma que
apresenta na forma dos carmina pertencente ao mesmo modelo que a classificaccedilatildeo do texto
de Proclo) preocupa-se em dar conta das duas maneiras de classificar senatildeo em reuni-las e
tornaacute-las ambas operantes e natildeo excludentes procedimento que como se verifica a respeito
das etimologias eacute padratildeo
Parece que a primeira classificaccedilatildeo de Diomedes ausente em Proclo privilegia como
dito o criteacuterio mateacuteria considerando tambeacutem o fim a que o gecircnero enunciativo se destina Em
outras palavras eacute como se buscasse esgotar em subcategorizaccedilotildees o criteacuterio maior e
preponderante dos gecircneros enunciativos Assim as formas imediatamente subcategorizadas
satildeo espeacutecies dos trecircs grandes gecircneros segundo aquilo que ldquose narrardquo aquilo que ldquose
mimetizardquo (entenda-se ldquodramatizardquo diretamente dando voz a actantes) e aquilo que ldquose narra
e dramatizardquo simultaneamente Tal hipoacutetese talvez se confirme em se notando que espeacutecies
irmanadas dentro de um mesmo gecircnero o satildeo independente do metro Observe-se a poesia
gnocircmica de Teoacutegnins compocircs-se em diacutesticos elegiacuteacos os Fenocircmenos de Arato ou Ciacutecero
70 Gaberlinni (2005 paacuteg 1)
78
ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio compuseram-se em hexacircmetro ambas no entanto satildeo
subespeacutecies do mesmo gecircnero pois constituem exemplo de poesia narrativa Assim se
explicaria o curioso caso da poesia heroica e da liacuterica em um mesmo gecircnero Mas note-se
tambeacutem Diomedes ao referir-se nesse passo agrave poesia tradicionalmente conhecida como
eacutepica (mais ainda agrave eacutepica por excelecircncia ndash trata-se de Homero e Vergiacutelio afinal) natildeo
emprega o termo ldquoeacutepicardquo ou ldquoeposrdquo porque esse eacute o nome de um carmen dentro da outra
categorizaccedilatildeo que tambeacutem desenvolveraacute O termo ldquoespeacuteciesrdquo rigorosamente emprega-se para
classificar as espeacutecies pela mateacuteria Da perspectiva da mateacuteria a poesia da Eneida ou da Iliacuteada
denomina-se ldquoheroicardquo pois versa sobre heroacuteis e natildeo ldquoeposrdquo embora da perspectiva dos
carmina como se sabe tambeacutem o seja Ao lado dessa poesia como mais um exemplo a liacuterica
citada natildeo eacute a liacuterica enquanto carmen os meacutele de Proclo em outras palavras a meacutelica como
um todo mas sim a liacuterica de Horaacutecio e Arquiacuteloco Evidentemente natildeo se excluem
composiccedilotildees de outros liacutericos Podemos imaginar que Diomedes provavelmente classificaria
sob essa nomenclatura ndash por que natildeo ndash parte de Safo uma vez que na sua ceacutelebre Ode a
Afrodite por exemplo ao dar voz agrave deusa que responde agrave prece do enunciador a poestisa
torna ldquomistardquo a enunciaccedilatildeo Uma liacuterica que natildeo o fizesse no entanto natildeo viria classificada
aqui
Buscando conciliar descriccedilotildees diferentes outra classificaccedilatildeo eacute a que em Diomedes
nomeia as composiccedilotildees como tal em separado a partir do resultado como ldquocantosrdquo Essa
classificaccedilatildeo ao que parece prioriza descrever a origem das formas poeacuteticas consagradas e
por isso seu criteacuterio preponderante eacute o metro seguido das explicaccedilotildees etimoloacutegicas e
etioloacutegicas que justificam como certo nome passou a se aplicar a certo tipo de composiccedilatildeo
natildeo univocamente pois assume que um mesmo nome se aplicava agrave confluecircncia de diferentes
mateacuterias que um metro pode incorporar para alguns casos dos quais o mais evidente eacute o da
elegia busca-se um denominador comum (sempre o lamento fuacutenebre) Mas a premissa
subjacente ndash posta em nossos termos evidentemente ndash seria carmen eacute uma nomenclatura
fechada que se aplica para nomear uma composiccedilatildeo levando em conta prioritariamente as
virtualidades do metro em relaccedilatildeo agrave mateacuteria Afinal de contas natildeo se conhece composiccedilatildeo em
diacutestico elegiacuteaco que almeje por exemplo cantar ldquofeitos e guerras de heroacuteisrdquo Categorizar e
explicar pela histoacuteria a composiccedilatildeo feita em certo metro mais especificamente dado uso de
um metro ndash senatildeo os usos dos metros ndash tornou-se ofiacutecio como visto do gramaacutetico A essa
seccedilatildeo do texto de Diomedes da classificaccedilatildeo dos carmina equivalem diretamente as espeacutecies
do texto de Proclo que natildeo aventando a subdivisatildeo por ldquoo querdquo se enuncia segundo os
79
gecircneros enunciativos propotildee os nomes das composiccedilotildees como as espeacutecies diretas dos grandes
gecircneros
Tal hipoacutetese torna mais clara a estruturaccedilatildeo do texto de Proclo pelo menos como o
resumo de Foacutecio o interpretou ao termo carmina de Diomedes equivale o termo poietikeacute de
Proclo Desde o princiacutepio do resumo o texto segue na esturtura de discurso indireto ldquoDiz
querdquo e entatildeo jaacute se expocircs a doutrinas sobre as virtudes da prosa e da poesia e qual o criteacuterio
discriminatoacuterio (os tropos figuras e todo o ornato ocorrem em maior abundacircncia na elocuccedilatildeo
poeacutetica) tambeacutem a doutrina dos trecircs moldes da elocuccedilatildeo Eacute em 319a 4 (sect12 SEVERYNS)
justamente apoacutes a menccedilatildeo ao juiacutezo de poesia que se inaugura a seccedilatildeo sobre os gecircneros
poeacuteticos
ldquoΚαὶ ὅτι τῆς ποιητ κῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόνrdquo
ldquoE da composiccedilatildeo poeacutetica diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativordquo
Evidentemente a traduccedilatildeo traz uma resoluccedilatildeo Literalmente ldquoE que da poeacutetica haacute o
diegeacutetico e o mimeacuteticordquo ou ldquoe que haacute o diegeacutetico e o mimeacutetico da poeacuteticardquo Como se vecirc o
trecho obriga a traduccedilatildeo a suprir algo que acompenhe o adjetivo ldquopoeacuteticardquo caso contraacuterio
pensar-se-aacute que aristotelicamente aborda-se aqui a Poeacutetica em um tratado sobre a teacutecnica
embora natildeo seja de todo errado entender que desse trecho em diante seratildeo abordadas
questotildees proacuteprias dessa teacutecnica e do conhecimento da poesia mas parece que a carga do
termo aqui eacute menos teacutecnica como se parafraseando o texto Proclo versasse sobre o que eacute
proacuteprio da poesia e portanto pode ser qualificado pelo adjetivo ldquopoeacuteticordquo
Pois havendo descrito trecircs doutrinas relevantes para analisar a composiccedilatildeo poeacutetica as
trecircs aplicaacuteveis igualmente agrave prosa e agrave poesia ndash a medida da elocuccedilatildeo para prosa e poesia
(pesando a balanccedila para esta) os plasmatai ou moldes e seus desvios e diferenccedila entre eacutethos e
paacutethos no juiacutezo de poesia ndash emprega-se o adjetivo para delimitar aquilo que concerne apenas
agrave poesia o que eacute apenas ldquopoeacuteticordquo ie proacuteprio agora do que eacute poema ndash termo que demarca a
oposiccedilatildeo com loacutegos ou prosa ndash e isso eacute justamente a classificaccedilatildeo dos poemas em narrativo ou
imitativo seguidos das espeacutecies daquele (eacute de se supor que nos livros que Foacutecio natildeo nos daacute a
conhecer arrolassem-se as espeacutecies imitativas) eacute nesse sentido portanto que a delimitaccedilatildeo
dos carminai Diomedes equivale ao poietikeacute de Proclo pois como se viu as
espeacutecies de Proclo (excetuando o cataacutelogo meacutelico) satildeo os carmina de Diomedes
80
Eacute mais do que evidente por isso tambeacutem que ambos os autores referiam-se a uma
mesma classificaccedilatildeo descritiva da poesia enraizada na gramaacutetica e a julgar pelos textos
difundida e profusa
Ambos os textos apresentam ainda uma terceira classificaccedilatildeo com algo em comum
(Diomedes apresenta quatro no total Proclo trecircs) os moldes da elocuccedilatildeo abordados antes da
classificaccedilatildeo geneacuterica na Crestomatia os ldquocaracteres do poemardquo (characteres poematos)
entre a exposiccedilatildeo das espeacutecies e a exposiccedilatildeo dos carmina em Diomedes que os nomeia em
particcedilatildeo quaacutedrupla e com nomes gregos makroacutes brakhyacutes meacutesos e antheroacutes
Essa classificaccedilatildeo seria uma das poucas ocorrecircncias do que em Fortunaciano lemos
como os geacutene pelikoacutetetos ou genera magnitudinis que diferentemente dos geacutene posoacutetetos
(cujo criteacuterio eacute a quantidade) pensam na grandeza na magnitude do discurso71 no que parece
ser uma tentativa de separaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de quantidade e a noccedilatildeo de extensatildeo do discurso
O que lemos na grande maioria dos textos como ldquomoldes gecircneros ou caraacutecteres da elocuccedilatildeordquo
aqui seria o criteacuterio da quantidade os geacutene posoacutetetos De qualquer forma o elemento em
comum com a Crestomatia eacute apresentar um criteacuterio que permita medir e avaliar a elocuccedilatildeo do
poema e assim tambeacutem julgaacute-lo por tal
O momento em que ocorrem ambas as distinccedilotildees nos respectivos textos vale menccedilatildeo
o conteuacutedo geral da obra de Proclo natildeo nos eacute acessiacutevel os indiacutecios arrolados nos capiacutetulos
anteriores levam-nos a crer que em seu iniacutecio para delimitar a poesia diferenciava-a da prosa
pelo criteacuterio da elocuccedilatildeo o que levava a uma discussatildeo sobre seus moldes Esse estudo da
elocuccedilatildeo era proacuteprio da tratadiacutestica retoacuterica de que o grande exemplar eacute Dioniacutesio de
Halicarnasso Sabemos por ele que pensando pelo ponto de vista da elocuccedilatildeo a anaacutelise da
composiccedilatildeo pelos moldes ou caracteacuteres se dava sobre a poesia e sobre a prosa Ora textos de
comentaacuterio gramatical conforme visto tambeacutem podiam recorrer a essa classificaccedilatildeo ou citaacute-
la Que essa doutrina fosse primeiramente exposta na Crestomatia quando em uma
introduccedilatildeo versava sobre a distinccedilatildeo prosa-poesia antes de partir para a classificaccedilatildeo dos
gecircneros poeacuteticos e que os geacutene pelikoacutetetos ocorram antes da menccedilatildeo dos carmina como
outro criteacuterio preponderantemente classificatoacuterio da poesia (justamente a elocuccedilatildeo) em uma
seccedilatildeo do texto que se propotildee a discutir somente a poesia sem mencionar a prosa sequer por
ensejo de distinccedilatildeo isso junto das outras similaridades de organizaccedilatildeo tende a cofirmar a
abordagem de base gramatical que vai se estabelecendo ao longo dos seacuteculos e que natildeo
71 Cf GABERLLINI Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Consulto Fortunaciano paacuteg 57 ndash 63
Tambeacutem DOS SANTOS MM As Epiacutestolas de Horaacutecio e a confecccedilatildeo de uma ars dictaminis o opus p 142
Cf Bibliografia
81
descreve a poesia a partir de Aristoacuteteles Se a distinccedilatildeo pela elocuccedilatildeo insere-se dentro da
diferenciaccedilatildeo entre prosa e poesia na Crestomatia no caso do De Poematibus o criteacuterio jaacute eacute
dado inclusive depois do criteacuterio maior como maneira jaacute aceita pela qual tambeacutem se julgam
ou se medem pelo criteacuterio de grandeza no caso os poemas Tal mediccedilatildeo de grandeza para
elocuccedilatildeo embora sirva para essa em geral eacute apresentado como criteacuterio dentro da classificaccedilatildeo
da poesia jaacute assumido como maneira de se julgar poemas pois satildeo ldquocaracteres do poemardquo
sem nenhuma menccedilatildeo agrave prosa o que os poemas tambeacutem se classificavam assim
Nenhum desses criteacuterios eacute tratado ou descrito como condiccedilatildeo sine qua non se diraacute que
algo eacute poesia tais criteacuterios pelo contraacuterio proveem agravequeles que visam agrave explicaccedilatildeo dos
gecircneros manancial variado para descrever dentro de suas respectivas variaccedilotildees (mas
atentando aqui e ali a noccedilotildees semelhantes) as diferentes praacuteticas poeacuteticas da Antiguidade
Esses textos partem de outro ponto que natildeo o criteacuterio de Aristoacuteteles da miacutemesis de accedilatildeo como
o elemento base que define a poeacutetica
33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO
A noccedilatildeo de accedilatildeo ocorreraacute concomitantemente no epiacutetome e no De poematibus apenas
quando ambos abordam o epos Consequentemente soacute voltaraacute a aparecer no texto latino
quando se ateacutem agrave trageacutedia e agrave comeacutedia
A filiaccedilatildeo do texto grego e do texto latino a um mesmo meacutetodo ou forma de pensar e
expor o objeto se explicita agrave medida que os carmina de Diomedes equivalentes agraves espeacutecies
gregas de Proclo trazem etimologias semelhantes em passagens tambeacutem semelhantes de uma
breve histoacuteria de cada um dos tipos de composiccedilatildeo classificados pelo criteacuterio taacutecito de metro e
mateacuteria (semelhanccedila que evidentemente natildeo ocorre para as espeacutecies latinas ausentes no texto
grego) Em outras palavras natildeo apenas as etimologias satildeo as mesmas mas a histoacuteria que se
compotildee com elas revelando uma interpretaccedilatildeo convencionada e autorizada das informaccedilotildees
provedoras de uma mesma organizaccedilatildeo de fatos ilustrativos e explicativos do que em
Diomedes ganha o tiacutetulo de carmina
Como razatildeo histoacuterica da fixaccedilatildeo ao longo dos seacuteculos dessa forma de se exporem os
gecircneros e espeacutecies poeacuteticos devem-se considerar natildeo soacute o estabelecimento dos criteacuterios
editoriais alexandrinos como criteacuterios tambeacutem exegeacuteticos mas por que isso ocorreu A
82
relevacircncia desse fator natildeo estaacute apenas no fato de que graccedilas a essa atividade editorial os
poetas satildeo transmitidos estaacute mais especificamente sim no que consiste essa transmissatildeo eacute
por meio dela que se tornaratildeo objeto do conhecimento no traslado de uma cultura
essencialmente oral para um mundo da erudiccedilatildeo letrada Eacute segundo esses criteacuterios e essa
classificaccedilatildeo que satildeo organizados e pensados Natildeo eacute necessaacuterio elocubrar no caso plural do
melos Basta conceber que aleacutem de Homero muita poesia hexameacutetrica que narrava uma ou
muitas accedilotildees (porque Aristoacuteteles mesmo notifica-nos de poetas que natildeo seguem o criteacuterio que
ele expotildee em seu tratado) esteve em matildeos dos eruditos ou filoacutelogos da biblioteca carecendo
de uma classificaccedilatildeo que ndash e isso eacute o mais relevante ndash ora se tornava necessaacuteria
Bem como se reuacutenem nesse periacuteodo as diferentes formas poeacuteticas reuacutenem-se
tambeacutem diferentes dados doutrinais explicativos bem como se observam formas
convencionadas no discurso poeacutetico e suas variaccedilotildees a partir daiacute observam-se tambeacutem formas
convencionadas de descriccedilatildeo doutrinal e suas variaccedilotildees
Dentro dessa perspectiva histoacuterica a razatildeo de ordem doutrinal que torna relevante o
criteacuterio etimoloacutegico e a presenccedila de mais de uma etimologia para muitos casos
principalmente das espeacutecies poeacuteticas de nomenclatura corrente (os carmina de Diomedes) eacute a
abrangecircncia de explicar o nome da coisa a fim de explicar a coisa A explicaccedilatildeo do nome da
coisa trazendo os diferentes fatores que deram origem a seu nome pontua os elementos pelos
quais a proacutepria coisa o recebeu sendo indiretamente sua explicaccedilatildeo Por isso a etimologia
vem acompanhada de explicaccedilotildees etioloacutegicas quando uma explicaccedilatildeo natildeo eacute ela mesma as
duas coisas ie etimologia-etiologia Mais uma vez tem-se um quadro de soma de
informaccedilatildeo relevante para esclarecer minimamente como aquela espeacutecie poeacutetica veio a ser
Assim natildeo eacute de espantar que mais de uma etimologia seja apresentada sem que se
selecione uma como verdadeira Agraves vezes o autor pode se pronunciar a respeito delas e
apontar uma ou outra como equivocada mas geralmente as arrola como possibilidades
igualmente verdadeiras Em alguns casos parece preferir uma a outra mas natildeo se vecirc por parte
dos antigos a preocupaccedilatildeo de crivaacute-las repetidamente para se obter uma uacutenica e definitiva
(como eacute proacuteprio de nosso meacutetodo cientiacutefico) e seria ilusoacuterio esperar que o fizessem apenas
porque o fazemos jaacute que isso natildeo estaacute a seu alcance e nem teria como ser seu foco72 Os
textos antigos preocupam-se antes em coligir as diferentes etimologias e etiologias e fornececirc-
las todas como igualmente verossiacutemeis como teoricamente plausiacuteveis porque cirscunscrevem
o toacutepico de maneira geralmente didaacutetica e autoexplicativa Equivocou-se Severyns portanto
72 Apenas agrave guisa de ilustraccedilatildeo devemos considerar do ponto de vista linguiacutestico que os antigos gregos natildeo
tinham agrave sua disposiccedilatildeo tudo quanto hoje sabemos sobre o proto-indoeuropeu
83
apesar de seu refinamento e equivoca-se quem tente descobrir qual etimologia estaria no
texto ocupando o status de verdadeira Comparada Crestomatia ao texto de Diomedes que
possuiacutemos integralmente vemos natildeo haver o objetivo de para cada seacuterie de etimologias e
explicaccedilotildees da origem de uma espeacutecie poeacutetica selecionar a ldquouacutenicardquo etimologia verdadeira em
detrimento das demais
Por fim deve-se recordar que ldquorevelar as etimologiasrdquo e ldquoexplicar as histoacuteriasrdquo o que
sabemos ser parte da exegese textual dos antigos eram ou pelo menos se tornam como visto
em nossa reflexatildeo sobre o proecircmio da Ars de Dioniacutesio Traacutecio ofiacutecio do gramaacutetico Esse eacute o
elemento chave que daacute espaccedilo nos textos de gramaacutetica ou como dito de ascendecircncia
gramatical agrave descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies da poesia Teoricamente o gramaacutetico ou o
enfoque gramatical desarrola a exposiccedilatildeo da poesia por gecircneros e espeacutecies como modelo das
letras e lhes explica os nomes Essa eacute sua funccedilatildeo Natildeo as explica filosoficamente A causa ou
etiologia vem por necessidade se eacute relevante ou se a etimologia natildeo a conteacutem por ser
autoexplicativa
331 Epos
3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria
A primeira definiccedilatildeo de epos que se lecirc no texto de Diomedes eacute hauridade de Teofrasto
ldquoEpos se diz em grego a inclusatildeo das accedilotildees divinas heroicas e humanas no canto hexacircmetro
eacutepos estigraven periokhegrave theiacuteon te kaigrave heroiumlkocircn kaigrave anthropiacutenon pragmaacuteton73rdquo74 Como se vecirc essa
primeira definiccedilatildeo pontua claramente o elemento ldquoaccedilatildeordquo mas chama atenccedilatildeo outro elemento
de ordem terminoloacutegica o fato de que epos se defina pela ldquoinclusatildeordquo (periokheacute) das ldquoaccedilotildeesrdquo
(praacutegmata) no metro Natildeo soacute se verifica o criteacuterio metro-mateacuteria mas tambeacutem a sucessatildeo
desta agravequele A definiccedilatildeo atribuiacuteda a ningueacutem menos que o sucessor de Aristoacuteteles afirma
mais uma vez a preponderacircncia da accedilatildeo como elemento definidor da poesia narrativa por
excelecircncia mas o emprego do plural abre margem a conjecturas porque permite a leitura
73 Fortenbaugh et ali Theophrastus of Eresus Brill 1993 apud Gaberllini (2005) 74 Gaberllini op cit pg 233
84
segundo a qual natildeo eacute necessaacuteria a unidade de accedilatildeo basta que os hexacircmetros ndash parte-se do
metro ndash tragam accedilotildees e recebem o nome de epos
Essa seria a definiccedilatildeo simples de epos segundo metro e mateacuteria Restaria explicar
como isso se deu e aiacute se tem a mesma etimologia de Proclo justamente aquela que segundo
Severyns eacute absurda e natildeo poderia ser aceita como a endossada por um autor como Proclo
Proacutepria ou natildeo absurda ou natildeo ela explica a histoacuteria do epos de maneira coerente e
verossiacutemil dentro da tratadiacutestica trata-se da etimologia que aproxima epos do verbo hepomai
(seguir) Essa seria a origem da palavra Um ldquoeposrdquo (palavra) seria uma corruptela de algo
que se segue e assim se empregou a palavra para designar alguma coisa que ldquose seguiardquo nos
hexacircmetros apoacutes a descoberta do metro (mais uma vez anterior agrave adiccedilatildeo de accedilotildees) ldquoparagrave tograve
heacutepesthai en autocirci tagrave hexecircs meacutere toicircs proacutetoisrdquo75 O elemento sequencial apresentado por
Diomedes eacute a proacutepria consecuccedilatildeo das partes e das accedilotildees ie o proacuteprio elemento consecutivo
da narraccedilatildeo hexameacutetrica No caso da etimologia da Crestomatia aquilo que se segue a
consecuccedilatildeo satildeo as accedilotildees em relaccedilatildeo aos oraacuteculos accedilotildees que foram consoantes aos ouvidos
As duas etimologias natildeo satildeo a rigor completamente diferentes porque na verdade
trabalham com o mesmo elemento na expressatildeo ldquoforam consoantesrdquo (syacutemphona ecircn)76 da
Crestomatia supotildee-se a perfeita acomodaccedilatildeo entre accedilotildees e hexacircmetro comum a essa
exposiccedilatildeo do epos que se dessarola nos dois textos O texto de Diomedes natildeo agrave toa seguindo
o procedimento de compor uma breve histoacuteria com as informaccedilotildees agrave disposiccedilatildeo diraacute logo na
sequecircncia que ldquo() Na verdade o verso hexacircmetro se diz precipuamente eacutepos pois que por
primeiro o deus vate77 incluiu neste verso as palavras da resposta por assim dizer em muacutetua
consecuccedilatildeo de onde [vem] posteriormente por catacrese o termo o eacutepos por outros foi dita a
palavra e a proacutepria escrita consecutiva do discurso prosaicordquo78 Aqui como na Crestomatia a
associaccedilatildeo entre epos e palavra embora interpretada diferentemente Na Crestomatia porque
as composiccedilotildees hexameacutetricas passaram a se destacar demais e a exibir enorme superioridade
passaram a se designar por antonomaacutesia ldquopalavrardquo por serem a palavra por excelecircncia O
argumento se pauta na analogia com outros termos que designam pessoas ldquopoetardquo por
ldquoHomerordquo ldquooradorrdquo por ldquoDemoacutestenes Nela como visto o elemento ldquoconsecussatildeordquo se daacute
quando naturalmente das respostas do oraacuteculo percebe-se que a inclusatildeo de accedilotildees resultava
consoante ao metro Ora eacute uma diferenccedila de apresentaccedilatildeo da ideia mas esta de modo taacutecito
75 Diomedes 484 8 76 Proclo in Foacutecio 319a 10 ndash 11 in Severyns op cit sect13 77 Apolo 78 ldquo[] praecipue vero hexameter versus epos dicitur quoniam quidem hoc versu verba responsi in mutuam ut
sic dixerim consequentiam primus deus vates conprehendit unde postea abusive verbum et solutae orationis
ipsa scriptura consequens ab aliis epos dictumrdquo Diomedes (484 8 ndash 12)
85
eacute muito semelhante O texto de Diomedes traz a ilaccedilatildeo de que essa respota que se seguia era
um dizer um eacutepos e que seu nome se estendeu agraves composiccedilotildees com o tempo quando se deu
aquela inclusatildeo das sequecircncias de accedilotildees por catacrese (ldquounde postea abusive verbumrdquo) e natildeo
por antonomaacutesia Se essa informaccedilatildeo natildeo vem expressa no texto grego pode-se supor que
estaacute subentendida ao nomear a profetiza de Apolo que primeiro professou os oraacuteculo no metro
hexameacutetrico Femocircnoe composto de phemiacute (dizer) e nocircus (pensamento)
Como comprovaccedilatildeo da propagaccedilatildeo do nome o texto latino menciona que a extensatildeo
de sentido se deu ateacute o ponto de alguns usarem o termo tambeacutem para a fala e a escrita do que
denomina ldquodiscurso prosaicordquo ie a fala no que se pode supor a praacutetica oratoacuteria O mesmo
tipo de demonstraccedilatildeo seraacute empregado na Crestomatia mas laacute o exemplo satildeo os triacutemetros que
tambeacutem recebiam de alguns a designaccedilatildeo ldquoeacuteperdquo Vale lembrar que jaacute segundo Aritoacuteteles o
discurso das personagens se adaptou no estaacutegio final do desenvolvimento da trageacutedia ao
triacutemetro que eacute comum da fala79 Observa-se pois o mesmo tipo de argumento expresso com
exemplos parcialmente diferentes se considerarmos que a ambos subjaz o elemento ldquofala
comumrdquo natildeo tatildeo elevada menos poeacutetica de acordo com o criteacuterio do ldquomais e do menosrdquo da
elocuccedilatildeo segundo o qual a poesia naturalmente mais elevada deve conter em maior nuacutemero
as mesmas virtudes da prosa80
Os mesmos pressupostos subjazem agraves duas exposiccedilotildees lembrando sempre que no
caso de Diomedes isso vale apenas para o que diz da origem grega das espeacutecies poeacuteticas uma
vez que para cada carme fala da invenccedilatildeo entre os latinos As diferenccedilas ficam por conta de
um exemplo ou da maneira e da ordem atraveacutes das quais cada texto compotildee sua breve histoacuteria
explicativa da espeacutecie poeacutetica contudo ndash enfatizando mais uma vez ndash utilizando os mesmos
criteacuterios e causas consolidados Ora em nenhum momento Diomedes nega ndash mas pelo
contraacuterio deixa claro ndash que segue a preceptiva grega
Se pensarmos que esquematicamente os traccedilos apresentados satildeo
a ndash eacutepos ndash heacutepomai (ldquosyacutemphona ecircnrdquo)
b ndash uso primitivo do hexacircmetro nas respostas dos oraacuteculos
c ndash compreensatildeo das accedilotildees
79 Mais precisamente Aristoacuteteles diz que na fala comum os triacutemetros ocorrem repetidamente enquanto os
hexacircmetros satildeo poucos Cf Poeacutetica 1449a 23 ndash 27 80 De fato Aristoacuteteles na referida passagem diz que os hexacircmetros ocorrem quando na fala hodierna
desviamo-nos do registro coloquial ndash ldquoekbaiacutenontes tecircs lektecircs harmoniacuteasrdquo
86
d ndash confusatildeo entre fala hexameacutetrica e fala comum e extensatildeo para outros tipos de fala
(eacutepe)
a exposiccedilatildeo em Proclo seguiria um arranjo sequencial b a c d em Diomedes c a b d
3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico
Do que foi exposto no item anterior resulta nesta classificaccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies
poeacuteticos um criteacuterio que agruparia como epos toda poesia hexameacutetrica arcaica Mais
precisamente segue-se que por uma exposiccedilatildeo histoacuterico-etioloacutegica propotildee-se um conjunto
de traccedilos que agrupariam um poema na categoria ldquoeposrdquo A classificaccedilatildeo natildeo eacute como em
Aristoacuteteles exclusiva por tentar delimitar criteacuterios especiacuteficos e particularizantes mas
inclusiva porque assume mais de um criteacuterio ou traccedilo que permitiria incluir um poema no
gecircnero e apresenta as causas de cada um desses traccedilos como coexistentes
Por esse criteacuterio a rigor ndash e isso merece destaque no texto de Proclo ndash a invenccedilatildeo ou
descoberta do epos sua heuacuteresis eacute a descoberta do hexacircmetro e seu desenvolvimento ndash todas
as exposiccedilotildees mais detidas de espeacutecies seguem o esquema descoberta-desenvolvimento ndash
ocorre a partir do momento em que ldquose seguemrdquo as accedilotildees Parece que essa seria a exegese
mais literal dessa exposiccedilatildeo do epos como se encontra em Proclo e Diomedes Isso implica
que a rigor se o que Femonoe profetizava em hexacircmetros era ldquoeposrdquo ora poderiacuteamos
conceber um epos sem accedilatildeo Por isso talvez o segundo elemento etimoloacutegico imediatamente
arrolado seja o que propotildee a sucessatildeo imediata das accedilotildees por cosonacircnsia natural Vale
menccedilatildeo que a consonacircncia por si soacute seja ndash como por natureza ndash argumento suficiente (cf
supra 74)
Por esse criteacuterio abrangente observa-se que o texto de Proclo traria uma seccedilatildeo que natildeo
ocorre no livro III de Diomedes afinal de contas este natildeo teria a menor intenccedilatildeo embora
ambos compartilhem o mesmo ensejo didaacutetico e o mesmo modelo de categorizaccedilatildeo de
abordar detalhadamente o epos grego e daacute-lo a conhecer de modo geral agravequele que busca
instruccedilatildeo a seu respeito A Crestomatia traria nesse passo antes da apresentaccedilatildeo da elegia
uma discussatildeo geral de diferentes aspectos teoacutericos relacionados aos poemas classificados e
87
herdados como epos Como parte dessa discussatildeo eacute provaacutevel que se apresentassem
resumidamente evento a evento diferentes poemas contendo o ciclo eacutepico
A primeira peculiaridade aqui se refere ao fato de que os eventos mencionados por
Foacutecio (sect17) natildeo condizem com os eventos iniciais do primeiro poema na cronologia que nos
chega resumido a saber as Ciacuteprias que se iniciariam com Zeus tramando a guerra de Troia
junto a Tecircmis Considerando-se o episoacutedio das narraccedilotildees mitoloacutegicas com o qual o epiacutetome
de Foacutecio pontua o iniacutecio do ciclo verificamos que os fragmentos natildeo o contecircm por completo
uma vez que se iniciam com os poemas que visam ldquocompletarrdquo ndash ldquo
sympleroucircmenosrdquo ndash Homero (sect19) narrando fatos concernentes agrave guerra a partir de suas
causas que natildeo se encontram nem na Iliacuteada nem na Odisseia Eacute provaacutevel portanto que o
texto de Proclo transmitisse aqui de poemas como a Teogonia de Hesiacuteodo ou a
Titanomaquia atribuiacuteda a Eumelo eventos cosmogocircnicos concernentes agrave origem do mundo e
dos deuses culminando no reinado de Zeus e na Guerra de Troia a julgar inclusive pelo que
seria um dos toacutepicos do texto de Proclo destacado como relevante por Foacutecio a vir na
sequecircncia ldquotagrave mythologoucircmenardquo (sect19) ie as narraccedilotildees miacuteticas
O fato de Ceacuteu natildeo ser apresentado explicitamente como filho de Terra e de mesmo
assim a uniatildeo e a prole de ambos seguirem o padratildeo arcaico como se lecirc em Hesiacuteodo gerando
centiacutemanos e ciclopes (sem menccedilatildeo aos titatildes poreacutem) sugere a hipoacutetese defendida por
Severyns (paacuteg 87 ndash 88 n 17) de que Proclo se referia aqui agrave Titanomaquia jaacute entendida por
Ateneu (VII 277d ndash e) como poema do ciclo Nessa Ceacuteu seria filho do Ar (ou Eacuteter)81
O epiacutetome nos informa pela lista de cinco nomes anteriormente apresentada (sect15)
que dentro dessa interpretaccedilatildeo de epos Hesiacuteodo era exemplo da espeacutecie bem como outros
trecircs poetas que ou escreveram sobre Heacuteracles ndash sem atender como se sabe ao criteacuterio da
unidade de accedilatildeo por que Aristoacuteteles propugnaraacute (Poeacutetica VIII 1451a 16 ndash 35) ndash ou sobre as
guerras e eventos em torno da cidade de Tebas Os episoacutedios da Teogonia de Hesiacuteodo
portanto natildeo soacute seriam epos como tambeacutem de uma perspectiva a posteriori aquilo que
poetou faria parte do manancial episoacutedico que servia de mateacuteria prima aos poetas de epos A
respeito de Paniacuteasis Pisandro e Antiacutemaco resta a duacutevida que eram poetas de epos segundo
um mesmo criteacuterio que agrupava Hesiacuteodo e Homero natildeo haacute duacutevidas porque o texto o diz
contudo traria a Crestomatia menccedilatildeo dos episoacutedios por eles poetados
A referecircncia a essa primeira seccedilatildeo do ciclo eacutepico como ldquoτά περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι
μυθολογούμεναrdquo ldquoas narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos gregosrdquo (sect19) confirma que
81 Cf Anecdota Oxoniensa (I 75) Caliacutemaco (fragmento 498) Pseudo-Higino (Fabulae Preface) Ciacutecero (De
Natura Deorum 3 17)
88
antes dos resumos integralmente conhecidos o autor referia episoacutedios cosmogocircnicos mas
desse trecho natildeo temos fragmentos Eacute incerto se essa primeira parte do ciclo eacutepico era narrada
evento a evento apenas para anteceder os episoacutedios em torno da guerra de Troia do plano de
Zeus agrave morte de Odisseu ou se Proclo proporia uma sequecircncia de resumos dos diferentes
poemas considerados epos de acordo com a cronologia
Quanto agrave sequecircncia temporal dos eventos Ciacuteprias precedem a Iliacuteada Etioacutepida sucede
Na introduccedilatildeo agravequelas lecirc-se ldquoSucedem-se a esses eventos [a isso] as chamadas Ciacutepriasrdquo82
na introduccedilatildeo a esta ldquoSucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada
de Homero depois dela haacute a Etioacutepidardquo83 O texto a que o fragmento de Proclo refere-se satildeo
as Ciacuteprias a elas sucedem-se na cronologia os eventos da Iliacuteada e entatildeo os eventos da
Etioacutepida A jugar por essa passagem postos em sequecircncia o iniacutecio de ambos os fragmentos
indicariam que por deveras conhecida e copiada a Iliacuteada bem como a Odisseia natildeo eram
resumidas no texto de Proclo A introduccedilatildeo agrave Telegonia ocorre de maneira semelhante
ldquoDepois disso eacute a Odisseia de Homero depois disso a Telegoniardquo84 Chama a atenccedilatildeo que
pela cronologia dentro dessa esquematizaccedilatildeo de episoacutedios constituintes do ciclo a Odisseia
seria um nostos ie um retorno como uma espeacutecie a vir depois do poema Nostoi atribuiacutedo a
Aacutegias de Trezene e dedicado justamente a ldquosuprirrdquo os retornos natildeo poetados
Considerando que a Teogonia de Hesiacuteodo natildeo era obscura e que por isso poderia ser
simplesmente aludida como se faz com Iliacuteada e Odisseia natildeo restam muitos indiacutecios para
saber o que consistia esse iniacutecio do ciclo ou sua primeira seccedilatildeo Se no mesmo formato dos
resumos que a noacutes chegaram pode-se vislumbrar um autor que arrolasse um a um os eventos
em sequecircncia cronoacutelogica e mudando de um poema para o outro na ordem cronoloacutegica
fizesse menccedilatildeo disso Como faria no entanto no caso de poemas que continham ambos os
mesmos eventos A Titanomaquia como se sabe eacute narrada por Hesiacuteodo do verso 617 a 721
Poderia esse iniacutecio do ciclo ser apenas narrado de modo resumido e comentado pelo proacuteprio
Proclo a julgar pela construccedilatildeo ldquoΔιαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι
μυθολογούμεναrdquo ndash ldquoPassa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os
deuses dos gregosrdquo de modo que nele tanto o poema de Hesiacuteodo como o de Eumelo fossem
objeto do exame de Proclo A diferenccedila genealoacutegica apontada poreacutem eacute argumento aceite
para se supor que nesta passagem constasse o poema atribuiacutedo a Eumelo85 e daiacute como
tambeacutem consta na lista de kraacutetistoi (ou de modelos da espeacutecie) Antiacutemaco a quem se atribuem
82 Cypria 79 in Severyns tomo IV paacuteg 77 83 Cetera (a)Aethiopis 172 ndash 4 idem paacuteg 87 84 Cetera (e)Telegonia 306 ndash 7 ibidem paacuteg 96 85 Cf Evelyn-White (2003) e West (2003)
89
Tebaida e Epiacutegonos pode-se conjecturar que os eventos em torno de Tebas tambeacutem viessem
resumidos Se de fato Proclo se propusesse a enumerar episoacutedio a episoacutedio encaixando os
poemas em uma cronologia eacute provaacutevel que incluiacutesse esses eventos do ciclo tebano e dissesse
em que poema constam como nos resumos do ciclo troiano que conhecemos Como trataria a
Teogonia permanece uma questatildeo apenas a referiria e comentaria as diferenccedilas em relaccedilatildeo
ao poema de Eumelo Haveria um comentaacuterio sobre cosmogonia em geral no que
indiscriminadamente o autor exporia a interpretaccedilatildeo histoacuterica de que fala o paraacutegrafo 19
A passagem de Ateneu86 citada por Severyns confirma-nos apenas uma coisa pelo
menos desde o seacuteculo III dC as palavras ldquociclo eacutepicordquo podiam designar apenas os poemas
que se encarregavam de no entendimento dos exegetas e como aparece no texto mesmo de
Proclo completar a narraccedilatildeo de mitos que emboram conhecidos da audiecircncia dos poemas de
Homero natildeo se encontravam narrados em nenhum de seus dois poemas Independente de os
eacutepe que continham tais eventos serem primordialmente diferentes cantos hexameacutetricos de
uma Greacutecia ateacute preacute-homeacuterica dos quais postereiormente reunidos restaram-nos as
composiccedilotildees ou versotildees atribuiacutedas aos autores do chamado ciclo a percepccedilatildeo antiga dessas
composiccedilotildees pelo menos como expressa em Ateneu concebia-os como um conjunto de
poemas posteriores por oposiccedilatildeo a poemas anteriores Homero certamente pertencia ao
segundo grupo Portanto pensando episodicamente os eventos poetados por Homero podem
ser pensados como pertencentes a uma cronologia total de accedilotildees que os poetas abordam mas
parece que referindo-se a mais de um poema a proacutepria designaccedilatildeo ndash ldquociclo eacutepicordquo ndash supotildee-se
como um conjunto por exclusatildeo
Podia ser essa a distinccedilatildeo no texto de Proclo Se Foacutecio o resumiu atentando inclusive agrave
ordem de exposiccedilatildeo tambeacutem aqui se vecirc uma reorganizaccedilatildeo de um padratildeo expositivo
havendo definido a espeacutecie epos do gecircnero narrativo conforme o criteacuterio metro-mateacuteria e
organizado a exposiccedilatildeo de modo a fornecer uma breve histoacuteria para ela segundo a estrutura
invenccedilatildeo-desenvolvimento para completar o que seria uma exposiccedilatildeo didaacutetica87 dessa poesia
86 Logo no princiacutepio do livro VII do Deipnosophistae 277d ndash e discute-se o emprego da palavra por no
verso 1297 do Aacutejax de Soacutefocles e Zoilo afirma que o tragedioacutegrafo hauriu-a na Titanomaquia ao que emende
ldquode fato o ciclo eacutepico aprazia a Soacutefoclesrdquo Ateneu testemunha portanto na boca de Zoilo natildeo soacute que os poemas
do ciclo eram concebidos como um todo mas tambeacutem que a Titanomaquia estava inclusa 87 Essa finalidade didaacutetica ainda mais especificamente nessa exposiccedilatildeo de biografias e do ciclo natildeo poderia
ficar mais clara do que em uma passagem da briografia de Homero que seria do proacuteprio autor da obra
Ponderando sobre isso que no resumo de Foacutecio aparece como ldquotinas epi meacuterous praacutexeisrdquo ndash ldquoalgumas histoacuterias
particularesrdquo a respeito de Homero havendo exposto as histoacuterias a respeito de sua cegueira as etimologias a
repeito de seu nome e principalmente a anedota de sua morte escreve ldquoEsses eventos contudo carecem de
investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo ignorante neles avanccedilo nesse sentidordquo (Vita Homeri 45 ndash 46 in
Severyns op cit tomo IV paacuteg 71 ndash 72 Traduccedilatildeo paacuteg 131)
90
1 ndash a) proporia um piacutenax ie uma lista dos poetas exemplares b) forneceria uma
biografia dos poetas dessa lista contemplando sua origem ie sua paacutetria vida e histoacuterias a
seu respeito Depois
2 ndash a) havendo exposto os principais poetas do epos dedicar-se-ia aos poemas dos
menores poetas de epos agrupados sob o tiacutetulo de ldquociclo eacutepicordquo se aqui se aplicasse a
denominaccedilatildeo como em Ateneu o primeiro poema seria o de Eumelo porque na cronologia
miacutetica eacute o mais velho dos poemas do ciclo b) iniciando-se o ciclo portanto por eventos
comogocircnicos haveria um excurso explicativo sobre tais eventos se o excurso se desdobrava
na anaacutelise de mais eventos divergentes Hesiacuteodo e episoacutedios do ciclo tebano poderiam vir
referidos mas o foco seria a explicaccedilatildeo histoacuterica dos mitos sem que se possa saber se essa
explicaccedilatildeo se dava sobre um resumo cosmogocircnico como um todo em que se inseria a
Titanomaquia ou apenas sobre os eventos nela contantes c) uma ponderaccedilatildeo sobre o valor do
ciclo eacutepico e a explicitaccedilatildeo do criteacuterio adotado para sua exposiccedilatildeo a sequecircncia de accedilotildees nele
contidas ou ndash por que natildeo ndash registradas d) a menccedilatildeo apenas ou uma breve biografia dos
poetas que compuseram tais poemas
Como no caso do ciclo o foco satildeo os eventos transmitidos e natildeo a virtude das
composiccedilotildees a exposiccedilatildeo dos seus eventos eacute anterior os poetas seriam discutidos apenas
depois se o paraacutegrafo 21 corresponde a algo aleacutem do ldquonomerdquo e ldquopaacutetriardquo que antecedem o
resumo de cada um dos poemas Cosoante a isso parece estar o compilador do Etymologicum
Magnum outrora citado na paacutegina 15 (cf seccedilatildeo 12) e a ordem como coloca o ciclo eacutepico em
sua citaccedilatildeo fornecida como de Proclo
332 Elegia
Na exposiccedilatildeo da elegia como eacute de se esperar natildeo haacute diferenccedilas gritantes entre a
histoacuteria que se lecirc em Proclo e a que se lecirc no gramaacutetico latino Ambos iniciam pelo metro
elemento preciacutepuo a ser observado para a classificaccedilatildeo e definem como ldquoelegeiacuteardquo o diacutestico
em que se compotildeem os poemas que recebem tal denominaccedilatildeo Sobre a mateacuteria ou sobre a
histoacuteria do que se canta nas elegias ambos satildeo unacircnimes como todas as descriccedilotildees que
conhecemos em associar a elegia ao lamento fuacutenebre irmanando-a ao treno e agrave necircnia
A etimologia apresentada por Proclo quanto agrave palavra exata eacute a que aproxima a forma
ldquoelegeiacuteardquo da forma ldquoeacutelegosrdquo que eacute dada como nome antigo do lamento fuacutenebre mais
91
precisamente segundo a etimologia do coacutedice seria o nome que os antigos davam ao proacuteprio
treno esse sim o canto de lamento por um morto O termo tambeacutem adviria do fato de que se
elogiava o morto o que se diria ldquoeucirc leacutegeinrdquo havendo proximidade foneacutetica entre o nome do
lamento antigo (eacutelegos) e a expressatildeo para ldquofalar bemrdquo A formulaccedilatildeo que se lecirc no texto natildeo
deixa duacutevida de que pelo menos neste caso natildeo se trata de escolher uma a outra mas de
entender o que consistia a etimologia antiga explicar uma palavra atraveacutes de outras
principalmente se haacute implicaccedilatildeo histoacuterica entre elas o que se deduz de seus significados
Assim eacute porque o lamento fuacutenebre se dizia entre os antigos ldquoeacutelegosrdquo e porque
simultanemante nele se elogiava o morto (ldquoeucirc leacutegeinrdquo) que se cunhou a palavra que designa
as composiccedilotildees no metro A etimologia aqui busca explicar o nome que diferentemente do
hexacircmetro eacute o nome do metro e por conseguinte o nome da composiccedilatildeo Isso se explicita no
terceiro comentaacuterio explicativo a respeito da elegia posteriormente se passou a usar o metro
para diferentes ldquohipoacutetesesrdquo para diferenes argumentos explicando portanto que muito da
elegia (principalmente a julgar pelo que conhecemos) natildeo conteacutem o elemento fuacutenebre
A etimologia de Diomedes difere quanto agrave expressatildeo para o lamentar mas constroacutei-se
de maneira semelhante ie pela concomitacircncia das duas coisas ou dos significados dos
significantes aproximados De fato diz-nos Diomedes
ldquo() elegia autem dicta sive
(fere enim defunctorum laudes hoc carmine conprehendebantur) sive
id est miseratione quod Graeci vel
isto metro scriptitaveruntrdquo
(Diomedes op cit 484 22 ndash 25)
ldquo() A elegia por sua vez disse-se quer paragrave tograve eucirc leacutegein tougraves
tethneocirctas88 (pois quase todos os elogios aos mortos eram
compreendidos neste canto) quer apograve toucirc eleacuteou89 isto eacute comiseraccedilatildeo
porque os gregos tinham o haacutebito de escrever neste metro threacutenous ou
eleeicircardquo
(trad Gaberllini op cit 234)
Diomedes prefere as palavras que nomeiam a substacircncia do canto fuacutenebre e
primeiramente na contraposiccedilatildeo ao elogio oferece outra palavra em vez de eacutelegos Nisso natildeo
diverge do saber gramatical que aqui se expotildee porque essa etimologia na verdade eacute
recorrente em outros textos Lecirc-se por exemplo no Etymologicum Magnun e no escoacutelio a
88 ie ldquopelo elogiar os mortosrdquo 89 ldquoPor causa da laacutestima piedaderdquo a ldquocomiseraccedilatildeordquo como o proacuteprio Diomedes traduz em sequecircncia
92
Dioniacutesio Traacutecio preferindo-se ali o verbo eleeicircn (ldquolastimar comiserar-serdquo)90 em vez do aqui
empregado substantivo eacuteleon91
Igualmente apenas em outra ordem o texto do gramaacutetico propotildee como argumento
final (o que na Crestomatia seria o primeiro argumento) o fato de que era nesse metro que os
antigos gregos compunham trenos Propotildee contudo outro nome para eles eleeicirca Essa
possibilidade etimoloacutegica natildeo eacute mencionada por Severyns em seu comentaacuterio a essa
passagem do epiacutetome embora ocorra no singular em duas das passagens que colige do
escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio em (173 8 ndash 10)
ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν τοῦ ltγgt
ἐκθλιβομένου παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ εὐλογεῖον παρὰ
τὸ εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo
ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo92 eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo
elidindo-se o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo [lastimar] o falecido ou lsquoeulogeicirconrsquo93
pelo lsquoeucirc logeicircnrsquo [elogiar] o que cessou de viverrdquo
(grifos e traduccedilatildeo do autor)
e (307 24 ndash 26)
ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν ἐλλειφθέντος
τοῦ ltγgt ἀπὸ τοῦ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖον ἀπὸ τοῦ ἔ
λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo
ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo faltando
o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo o falecido ou lsquoelegeicirconrsquo por causa do lsquoeacute leacutegeinrsquo94 o
que cessou de viverrdquo
(Idem)
90 O levantamento completo das etimologias encontra-se bem exposto e organizado em Severyns op cit II
commentaire 25 paacuteg 99 ndash 102 Para essa em especiacutefico cf Etymologicum Magnun 326 50 e o escoacutelio a
Dioniacutesio Traacutecio 307 24 ndash 26 173 8 ndash 9 20 25 ndash 27 475 26 91 Haurido por Severyns no Etymologicum Gudianum 180 17 e no Et Mag idem em outra etimologia que
aproxima eacuteleon de goacuteon sendo este segundo a expressatildeo acerba do luto Essa etimologia diferentemente eacute
apenas pautada no campo semacircntico do lamento funeral 92 Termo que tambeacutem designa priemeiro o diacutestico e por metoniacutemia a composiccedilatildeo em diacutestico daiacute o poema ou a
inscriccedilatildeo no metro 93 Algo como ldquoelogiosordquo 94 Essa seria a etimologia mais baacutesica supondo que o termo viria de ldquodizer lsquoersquordquo como expressatildeo de dor
93
Em ambos os casos como os gramaacuteticos se repetem e parecem se copiar obserava-se
o emprego da conjunccedilatildeo ldquohoioneiacuterdquo quase como se fosse formular ao se dar essa etimologia O
plural ocorre somente uma vez
ldquo()διὸ καὶ καλεῖται ἐλεγεῖα οἱονεὶ ἐλεεῖα τοῦ ltγgt ἐκθλιβομένου
παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖα οἱονεὶ εὐλεγεῖα παρὰ τὸ
εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταhelliprdquo
(Sch Dion Tr 20 25 ndash 27)
ldquo() razatildeo pela qual tambeacutem se chamava ldquoelegeicircardquo como se ldquoeleeicircardquo
elidido o lsquogrsquo pelo ldquoeleeicircnrdquo o falecido ou ldquoelegeicircardquo como se
ldquoeulegeicircardquo pelo ldquoeucirc leacutegeinrdquo o que cessou de viverrdquo
(Idem)
Severyns natildeo menciona o termo como uma etimologia em separado porque natildeo o
entende e com razatildeo assim a comeccedilar pela conjunccedilatildeo mencionada vecirc-se que nessas
explicaccedilotildees o termo eacute hipoteacutetico Severyns igualmente natildeo estaacute comparando o coacutedice 239 agrave
Ars de Diomedes que natildeo menciona Em todas as referidas ocorrecircncias seja antes (173 e
307) seja depois (20) assume-se que o termo eacutelegos era primordialmente sinocircnimo de treno
portanto em todas a palavra seguindo o mesmo esquema derivacional eacute apresentada como
transiccedilatildeo de uma derivaccedilatildeo do verbo eleeacuteo como uma espeacutecie de deverbal anterior a
forma com g Seria o que se diria imediatamente a princiacutepio como resultado do verbo
ldquocomiserar-se lastimarrdquo
Ora eacute esse o termo que Diomedes fornece como sinocircnimo de treno haurido como se
vecirc tambeacutem na gramaacutetica de base heleniacutestica Assim salvo pela escolha Diomedes natildeo
diverge do texto da Cretomatia mas refere-se agrave etapa primeira do processo expliacutecito nos
demais textos do qual se subentende que pela adiccedilatildeo de um som jaacute se estaacute na famiacutelia das
palavras ldquoeacutelegos elegeicircon elegeiacuteardquo Esses seriam os trecircs termos maiores da histoacuteria que se
compotildee com as etimologias sendo o primeiro o nome antigo para o lamento que se fazia pelo
passamento de algueacutem o segundo do metro e de seu emprego um diacutestico qualquer sendo o
plural uma forma de designar as composiccedilotildees Elegia se diria do poema inteiro composto
nesse metro a ldquoforma literaacuteriardquo ou em outros termos o poema pensado para ser uma
composiccedilatildeo nesse metro ndash segundo o emprego amplo que se fez do termo e a que o epiacutetome
alude e com esse feminino natildeo se designariam mais as inscriccedilotildees ou epigramas O texto
mesmo de Diomedes exemplifica o emprego de ldquoeacutelegosrdquo e ldquoelegiardquo como sinocircnimos a
95 Severyns agrupa as passagens referidas no conjunto de etimologias a partir do referido verbo
94
posteriori seja por empregaacute-los ele mesmo (ldquoelegiardquo como nome do carme mas depois
ldquoelegosrdquo referido-se agraves composiccedilotildees96) seja pelo exemplo de Horaacutecio nas linhas seguintes
Odes I 33 2 ndash 397
Assim teriacuteamos como designaccedilotildees mais primitivas eacutelegos (lamento) e elegeicircon (o
metro em que se exprimia sua confecccedilatildeo) Ambos se agrupariam na nomenclatura geneacuterica
posterior elegeiacutea O eacutelegos contudo a designaccedilatildeo para o elemento baacutesico desse canto
derivaria em geral de
a) ldquoeacute leacutegeinrdquo eleeicircn-eacuteleon para o que alguns supotildeem uma expressatildeo resultativa
ldquoeleeicirconardquo agrave qual se adicionou o gama ( )
b) ldquoeucirc leacutegeinrdquo
Esses satildeo os dois elementos baacutesicos de significado que as etimologias contemplam
Vemos por fim que Diomedes empregou a expressatildeo ldquoeleeicirconardquo para o que em Proclo eacute o
eacutelegos pensado como o treno antigo a expressatildeo da comiseraccedilatildeo (eleacuteon item a) somado ao
item b de nosso binocircmio ldquoeucirc legeicircnrdquo compondo uma histoacuteria natildeo diferente da exposta em
Proclo
333 Iambo
As similaridades entre os dois textos quanto aos referentes gregos eacute bem evidente
por exemplo nos dois modelos gregos arrolados pelo gramaacutetico latino Mas eacute a etimologia
para to iambeicircn a uacutenica proposta por Diomedes que imediatamente chama a atenccedilatildeo em seu
texto porque tambeacutem como Severyns diz muito bem acerca do texto de Proclo (op cit tomo
II commentaire 28 1 paacuteg 104) segue em primeiro lugar a etimologia proposta por ningueacutem
menos que Aristoacuteteles
96 Op cit 485 1 97 ldquoAlbi ne doleas plus nimio memor
inmitis Glycerae neu miserabilis
decantes elegos cur tibi iunior
laesa praeniteat fiderdquo
95
ldquo()
rdquo
(ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1448b 30 ndash 32)
ldquoNos quais [No Margites e poemas semelhantes] por acomodaccedilatildeo o iacircmbico veio
como metro ndash eacute por isso que eacute chamado ldquoiacircmbicordquo hoje porque nesse metro se ralhavam uns
com os outrosrdquo
(Trad do autor)
Aristoacuteteles mesmo supotildee que o verbo iambizar jaacute existia antes de se referir tambeacutem
ao peacute com o significado de ldquoimprecar ralhar insultarrdquo e por causa do uso que se fazia do
metro posteriormente esse obteve seu nome a partir da finalidade com que era empregado
Severyns propotildee que a recorrecircncia dessa etimologia nos textos em geral e sua presenccedila
encabeccedilando o texto de Proclo se deveria acima de tudo ao peso da autoridade de
Aristoacuteteles98 Caberia entatildeo indagar porque Aristoacuteteles natildeo eacute seguido em diversas outras
passagens Que sua autoridade pese como autor que endossava essa opiniatildeo natildeo se nega mas
fiar-se a ela como etimologia primeira e baacutesica parece estar atrelado agrave ausecircncia de outra
etimologia plenamente satisfatoacuteria uma vez que o proacuteprio texto de Proclo atesta que a
associaccedilatildeo direta entre iacuteambos e iambiacutezein seria dialetal sem identificar sua origem poreacutem
No lugar de iambiacutezein na primeira associaccedilatildeo etimoloacutegica (sect28 15) refere-se a ldquoloidoriacuteasrdquo
para em seguida associar o verbo cognato (loidorein) ao que Aristoacuteteles emprega pois que
satildeo sinocircnimos
Demais Proclo apresentaraacute outras duas explicaccedilotildees a primeira delas eponiacutemica
parece que ocorre de modo a fornecer uma etiologia que reforccedila a associaccedilatildeo baacutesica metro-
mateacuteria apresentada no paraacutegrafo anterior a segunda tem a mesma intenccedilatildeo uma vez que
apresentaria o processo pelo qual o uso sobejo de iambiacutezein teria ocupado o proacuteprio lugar de
hybriacutezein Porfim esse argumento eacute endossado pela comparaccedilatildeo com o verbo komaacutezein se
primeiramente significava apenas participar de uma koacutemos um cortejo galhofeiro pela
praacutetica poeacutetica torna-se o proacuteprio verbo para ldquocriticar satirizarrdquo
Merece destaque tambeacutem o fato de que nesse passo ambos autores descrevem o
mesmo processo muito plausiacutevel observado no caso do epos segundo o qual uma palavra
em funccedilatildeo de um uso acaba tomando o lugar de outra
98 Op cit paacuteg 105
96
334 Meacutelica
O texto de Diomedes natildeo traz uma extensa classificaccedilatildeo da meacutelica mas a Ars de
Horaacutecio como se sabe natildeo soacute chama a atenccedilatildeo por mencionar a liacuterica mas principalmente
por apresentar brevemente uma divisatildeo segundo olha de maneira semelhante para as espeacutecies
da meacutelica grega (83 ndash 85)
ldquoMusa dedit fidibus divos puerosque deorum
et pugilem victorem et equum certamine primum
et ivuenum curas et libera vina referrerdquo
ldquoA Musa concedeu agrave lira o cantar deuses e filhos de deuses o
vencedor no pugilato e o cavalo que primeiro cortou a meta nas
corridas os cuidados dos jovens e o vinho que liberta dos cuidadosrdquo
(trad Rosado Fernandes 1984)
Semelhantemente ao criteacuterio da Crestomatia Horaacutecio vai do sacro ao profano ou
secular aludindo a exemplos semelhantes ao que no texto de Proclo seratildeo trecircs dos grandes
grupos em que a poesia meacutelica apareceraacute agrupada o hino e alguma espeacutecie que poderia
incluir homens (fosse um peatilde secular o encocircmio ou outra espeacutecie)99 o epiniacutecio e a poesia de
acircmbito simposial (uma composiccedilatildeo eroacutetica ou um escoacutelio) Os grupos do texto de Proclo satildeo
a saber
(a) para os deuses ndash hino (uma categoria que poderia se pensada como gecircnero para espeacutecie)
prosoacutedio peatilde ditirambo nomo adoniacutedia iobaco hiporquema
(b) para os homens ndash encocircmio (que conteria o elemento baacutesico podendo ser para as demais
espeacutecies tomado como gecircnero) epiniacutecio escoacutelio eroacuteticas epitalacircmio himeneu silo epiceacutedio
e treno
99 E aqui eacute interessante que Horaacutecio sugira a possibilidade dessa inclusatildeo do homem como objeto da poesia
primeiramente sacra ou seja a secularizaccedilatildeo da espeacutecie poeacutetica dado que como se notaraacute ao longo da anotaccedilatildeo
ao cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas tal noccedilatildeo estaacute presente e eacute aplicada mesmo que subentendida em alguns casos
ao longo da classificaccedilatildeo Horaacutecio como se sabe eacute bem anterior a Proclo o que confirma portanto que o
resumo de Foacutecio atesta uma classificaccedilatildeo as poesia (natildeo soacute da meacutelica) que pelo menos ateacute Proclo era conhecida
aceita e difundida
97
(c) para deuses e homens ndash partecircnio (assumidamente gecircnero para espeacutecies) e daiacute dafnefoacutericas
tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas
(d) para circunstacircncias acidentais quando o poeta por conta de uma circunstacircncia ocasional
comporia versos para situaccedilotildees particulares da vida praacutetica motivo pelo qual as pragmaacuteticas
poderiam ser pensadas como gecircnero para espeacutecies seguida das empoacutericas apostoacutelicas
sentenciosas geoacutergicas e epistolares
A classificaccedilatildeo dessas espeacutecies estaria portanto diretamente atrelada agrave situaccedilatildeo em
que se davam Para diversas delas como se veraacute a situaccedilatildeo seraacute pressuposta apenas Os
criteacuterios ateacute entatildeo observado (etimologia e etiologia) seratildeo empregados para circunscrever as
origens e circunstacircncias que tatildeo somente por nomear permitiriam ao gramaacutetico categorizar
ie tornar algo vasto e impreciso em uma classificaccedilatildeo acessiacutevel e didaacutetica
De agora em diante portanto dada a extensatildeo do cataacutelogo concernente agraves espeacutecies
meacutelicas como natildeo eacute objetivo deste estudo resolver os problemas concernentes a cada uma
delas em separado mas sim entender seu funcionamento dentro do tipo de classificaccedilatildeo aqui
estudada a classificaccedilatildeo dos gramaacuteticos e estabelecer a filiaccedilatildeo do texto atribuiacutedo a Proclo
(uacutenico espeacutecime a trazer a extensa classificaccedilatildeo da liacuterica) o texto assumiraacute a forma de
anotaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo do epiacutetome a fim de fornecer as referecircncias necessaacuterias para sua
compreensatildeo (pois natildeo faltam passagens obscuras) pontuando e ponderando elementos agraves
vezes apenas conjecturais que explicitem as caracteriacuteticas da obra (como ateacute entatildeo tem sido
pensada) e a aplicaccedilatildeo dos criteacuterios que foram aqui propostos como instrumentais dos textos
de base gramatical Seguir-se-atildeo os dois editores e comentadores modernos do coacutedice 239
(Severyns e Ferrante) visando tal exclarecimento e a seus comentaacuterios se somaratildeo as
ponderaccedilotildees segundo as finalidades deste estudo
98
PARTE II
Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
1 COacuteDICE 239
11 TEXTO
Segue-se a ediccedilatildeo de Severyns e sua paragrafaccedilatildeo junto da numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo de
Bekker para a Biblioteca
[1] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου Xρησ- 239318b22
τομαθείας ραμματικῆς rsquoEκλογαί
[2] Ἔστι δὲ τὸ βιβλίον εἰς διῃρημέ-
νον λόγους
[3] Λέγει μὲν ἐν τῷ αʹ ὡς αἱ αὐταί εἰσιν ἀρεταὶ
τοῦ λόγου καὶ ποιήματος παραλλάσσουσι δὲ ἐν τῷ μᾶλ- 25
λον καὶ ἧττον
[4] Καὶ ὅτι τοῦ πλάσματος τὸ μέν ἐστιν ἁδρόν
τὸ δὲ ἰσχνόν τὸ δὲ μέσον
[5] Καὶ τὸ μὲν ἁδρὸν ἐκπκληκ-
τικώτατόν ἐστι καὶ κατεσκευασμένον μάλιστα καὶ ποιη-
τικὸν ἐπιφαῖνον κάλλος
[6] Tὸ δὲ ἰσχνὸν τὴν τροπικὴν μὲν
καὶ φιλοκατάσκευον σύνθεσιν μεταδιώκει ἐξ ἀνειμένων 30
δὲ μᾶλλον συνήρτηται ὅθεν ὡς ἐπίπαν τοῖς γοεροῖς
ἄριστά πως ἐφαρμόττει
[7] Τὸ δὲ μέσον καὶ τοὔνομα μὲν
δηλοῖ ὅτι μέσον ἐστὶν ἀμφοῖν
[8] Ἀνθηρὸν δὲ κατ ἰδίαν
οὐκ ἔστι πλάσμα ἀλλὰ συνεκφέρεται καὶ συμμέμικται
99
τοῖς εἰρημένοις ἁρμόζει δὲ τοπογραφίαις καὶ λειμώνων 35
ἢ ἀλσῶν ἐκφράσεσιν
[9] Οἱ δὲ τῶν εἰρημένων ἀποσφα-
λέντες ἰδεῶν ἀπὸ μὲν τοῦ ἁδροῦ εἰς τὸ σκληρὸν καὶ ἐπηρ-
μένον ἐτράπησαν ἀπὸ δὲ τοῦ ἰσχνοῦ εἰς τὸ ταπεινὸν
ἀπὸ δὲ τοῦ μέσου εἰς τὸ ἀργὸν καὶ ἐκλελυμένον
[10] Διαλαμ- 239319a1
βάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδί-
δωσι τίς ἤθους καὶ πάθους διαφορά
[11] Καὶ ὅτι τῆς ποιη-
τικῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόν
[12] Καὶ τὸ
μὲν διηγηματικὸν ἐκφέρεται δι ἔπους ἰάμβου τε καὶ ἐλε- 5
γείας καὶ μέλους τὸ δὲ μιμητικὸν διὰ τραγῳδίας σατύρων
τε καὶ κωμῳδίας
[13] Καὶ ὅτι τὸ ἔπος πρῶτον μὲν ἐφεῦρε Φημονόη ἡ
Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς χρησα-
μένη καὶ ἐπειδὴ τοῖς χρησμοῖς τὰ πράγματα εἵπετο 10
καὶ σύμφωνα ἦν ἔπος τὸ ἐκ τῶν μέτρων κληθῆναι
[14] Οἱ δέ φασιν ὅτι διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαν
ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ
κοινὸν ὄνομα παντὸς τοῦ λόγου τὸ ἑξάμετρον ἰδιώ-
σατο καὶ ἐκλήθη ἔπος καθάπερ καὶ Ὅμηρος τὸν 15
ποιητὴν καὶ ὁ Δημοσθένης τὸν ῥήτορα ᾠκειώσατο
ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευον
[15] Γεγόνασι δὲ
τοῦ ἔπους ποιηταὶ κράτιστοι μὲν Ὅμηρος Ἡσίοδος Πεί-
σανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος
[16] Διέρχεται δὲ τούτων ὡς
οἷόν τε καὶ γένος καὶ πατρίδας καί τινας ἐπὶ μέρους 20
πράξεις
[17] Διαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ τοῦ λεγομένου ἐπικοῦ
κύκλου ὃς ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μυθο-
λογουμένης μίξεως ἐξ ἧς αὐτῷ καὶ τρεῖς παῖδας ἑκα-
100
τοντάχειρας καὶ τρεῖς γεννῶσι Κύκλωπας
[18] Διαπορεύεται
δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα 25
καὶ εἴ πού τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται
[19] Καὶ περα-
τοῦται ὁ ἐπικὸς κύκλος ἐκ διαφόρων ποιητῶν συμπλη-
ρούμενος μέχρι τῆς ἀποβάσεως Ὀδυσσέως τῆς εἰς Ἰθά-
κην ἐν ᾗ ὑπὸ τοῦ παιδὸς Τηλεγόνου ἀγνοοῦντος
κτείνεται
[20] Λέγει δὲ ὡς τοῦ ἐπικοῦ κύκλου τὰ ποιήματα 30
διασῴζεται καὶ σπουδάζεται τοῖς πολλοῖς οὐχ οὕτω διὰ
τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν τῶν ἐν αὐτῷ πραγμά-
των
[21] Λέγει δὲ καὶ τὰ ὀνόματα καὶ τὰς πατρίδας τῶν πραγ-
ματευσαμένων τὸν ἐπικὸν κύκλον
[22] Λέγει δὲ καὶ περί
τινων Κυπρίων ποιημάτων καὶ ὡς οἱ μὲν ταῦτα εἰς 35
Στασῖνον ἀναφέρουσι Κύπριον οἱ δὲ Ἡγησῖνον τὸν
Σαλαμίνιον αὐτοῖς ἐπιγράφουσιν οἱ δὲ Ὅμηρον
γράψαι δοῦναι δὲ ὑπὲρ τῆς θυγατρὸς Στασίνῳ καὶ διὰ τὴν 239319b1
αὐτοῦ πατρίδα Κύπρια τὸν πόνον ἐπικληθῆναι
[23] Ἀλλ οὐ
τίθεται ταύτῃ τῇ αἰτίᾳ μηδὲ γὰρ Κύπρια προπαροξυτόνως
ἐπιγράφεσθαι τὰ ποιήματα 5
[24] Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου καὶ πεντα-
μέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις
[25] Ὅθεν καὶ
τοῦ ὀνόματος ἔτυχε τὸ γὰρ θρῆνος ἔλεγον ἐκάλουν οἱ
παλαιοὶ καὶ τοὺς τετελευτηκότας δι αὐτοῦ εὐλόγουν
[26] Οἱ
μέντοι γε μεταγενέστεροι ἐλεγείᾳ πρὸς διαφόρους 10
ὑποθέσεις ἀπεχρήσαντο
[27] Λέγει δὲ καὶ ἀριστεῦσαι τῷ μέ-
τρῳ Καλλῖνόν τε τὸν Ἐφέσιον καὶ Μίμνερμον τὸν Κολο-
101
φώνιον ἀλλὰ καὶ τὸν τοῦ Τηλέφου Φιλίταν τὸν Κῷον
καὶ Καλλίμαχον τὸν Βάττου Κυρηναῖος οὗτος δ ἦν
[28] Ἀλλὰ γὰρ καὶ τὸν ἴαμβον τάττεσθαι μὲν ἐπὶ λοιδο- 15
ρίας τὸ παλαιόν καὶ γὰρ καὶ τὸ ἰαμβίζειν κατά τινα
γλῶσσαν λοιδορεῖν ἔλεγον
[29] Οἱ δὲ ἀπό τινος Ἰάμβης
θεραπαινίδος Θρᾴττης τὸ γένος ταύτην φασίν τῆς
Δήμητρος ἀνιωμένης ἐπὶ τῇ τῆς θυγατρὸς ἁρπαγῇ
προσελθεῖν περὶ τὴν Ἐλευσῖνα ἐπὶ τῇ νῦν Ἀγελάστῳ 20
καλουμένῃ πέτρᾳ καθημένην καὶ διά τινων χλευασμάτων
εἰς γέλωτα προαγαγέσθαι τὴν θεόν
[30] Ἔοικε δὲ ὁ ἴαμβος
τὸ μὲν παλαιὸν ἐπὶ τῶν εἰς ψόγον καὶ ἔπαινον γρα-
φομένων ὁμοίως λέγεσθαι ἐπεὶ δέ τινες ἐπλεόνασαν ἐν
ταῖς κακολογίαις τὸ μέτρον ἐκεῖθεν τὸ ἰαμβίζειν εἰς 25
τὸ ὑβρίζειν ὑπὸ τῆς συνηθείας ἐκπεσεῖν ὥσπερ ἀπὸ
τῶν κωμικῶν τὸ κωμῳδεῖσθαι
[31] Ἰάμβων δὲ ποιηταὶ Ἀρχί-
λοχός τε ὁ Πάριος ἄριστος καὶ Σιμωνίδης ὁ Ἀμόργιος
ἤ ὡς ἔνιοι Σάμιος καὶ Ἱππῶναξ ὁ Ἐφέσιος ὧν ὁ μὲν
πρῶτος ἐπὶ Γύγου ὁ δὲ ἐπ Ἀμύντου τοῦ Μακεδόνος 30
Ἱππῶναξ δὲ κατὰ Δαρεῖον ἤκμαζε
[32] Περὶ δὲ μελικῆς ποιήσεώς φησιν ὡς πολυμερεστάτη
τε καὶ διαφόρους ἔχει τομάς
[33] Ἃ μὲν γὰρ αὐτῆς μεμέρισται
θεοῖς ἃ δὲ ltἀνθρώποις ἃ δὲ θεοῖς καὶgt ἀνθρώποις ἃ δὲ
εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις
[34] Καὶ εἰς θεοὺς μὲν ἀνα- 35
φέρεσθαι ὕμνον προσόδιον παιᾶνα διθύραμβον νόμον
ἀδωνίδια ἰόβακχον ὑπορχήματα
[35] Εἰς δὲ ἀνθρώπους ἐγκώμια ἐπίνικον σκό- 239320a1
λια ἐρωτικά ἐπιθαλάμια ὑμεναίους σίλλους θρήνους
ἐπικήδεια
[36] Εἰς θεοὺς δὲ καὶ ἀνθρώπους παρθένια δα-
102
φνηφορικά τριποδηφορικά ὠσχοφορικά εὐκτικά ταῦτα
γὰρ εἰς θεοὺς γραφόμενα καὶ ἀνθρώπων περιείληφεν ἐπαί- 5
νους
[37] Τὰ δὲ εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις οὐκ ἔστι
μὲν εἴδη τῆς μελικῆς ὑπ αὐτῶν δὲ τῶν ποιητῶν ἐπικεχείρη-
ται τούτων δέ ἐστι πραγματικά ἐμπορικά ἀποστολικά γνωμολογικά γεωργικά
ἐπισταλτικά
[38] Καί φησι τὸν ὕμνον
μὲν ὠνομάσθαι ἀπὸ τοῦ ὑπόμονόν τινα εἶναι καὶ οἷον 10
εἰς μνήμην καὶ ὑπόμνησιν ἄγειν τὰς πράξεις τῶν ὑμνου-
μένων ἢ ἀπὸ τοῦ ὕδειν αὐτάς ὅπερ ἐστὶ λέγειν
[39] Ἐκά-
λουν δὲ καθόλου πάντα τὰ εἰς τοὺς ὑπερόντας γραφόμενα
ὕμνους διὸ καὶ τὸ προσόδιον καὶ τὰ ἄλλα τὰ προειρη- 15
μένα φαίνονται ἀντιδιαστέλλοντες τῷ ὕμνῳ ὡς εἴδη
πρὸς γένος καὶ γὰρ ἔστιν αὐτῶν ἀκούειν γραφόντων ὕμνος
προσοδίου ὕμνος ἐγκωμίου ὕμνος παιᾶνος καὶ τὰ ὅμοια
[40] Ἐλέγετο δὲ τὸ προσόδιον ἐπειδὰν προσίωσι τοῖς βω-
μοῖς ἢ ναοῖς καὶ ἐν τῷ προσιέναι ᾔδετο πρὸς αὐλόν ὁ
δὲ κυρίως ὕμνος πρὸς κιθάραν ᾔδετο ἑστώτων
[41] Ὁ δὲ 20
παιάν ἐστιν εἶδος ᾠδῆς εἰς πάντας νῦν γραφόμενος
θεούς τὸ δὲ παλαιὸν ἰδίως ἀπενέμετο τῷ Ἀπόλλωνι
καὶ τῇ Ἀρτέμιδι ἐπὶ καταπαύσει λοιμῶν καὶ νόσων ᾀδό-
μενος Καταχρηστικῶς δὲ καὶ τὰ προσόδιά τινες παιᾶνας
λέγουσιν
[42] Ὁ δὲ διθύραμβος γράφεται μὲν εἰς Διό- 25
νυσον προσαγορεύεται δὲ ἐξ αὐτοῦ ἤτοι διὰ τὸ κατὰ τὴν
Νύσαν ἐν ἄντρῳ διθύρῳ τραφῆναι τὸν Διόνυσον
ἢ διὰ τὸ λυθέντων τῶν ῥαμμάτων τοῦ Διὸς εὑρεθῆναι
αὐτόν ἢ διότι δὶς δοκεῖ γενέσθαι ἅπαξ μὲν ἐκ τῆς Σε-
μέλης δεύτερον δὲ ἐκ τοῦ μηροῦ
[43] Εὑρεθῆναι δὲ τὸν διθύ- 30
ραμβον Πίνδαρος ἐν Κορίνθῳ λέγει τὸν δὲ ἀρξάμε-
103
νον τῆς ᾠδῆς Ἀριστοτέλης Ἀρίονά φησιν εἶναι ὃς
πρῶτος τὸν κύκλιον ἤγαγε χορόν
[44] Ὁ μέντοι νόμος γρά-
φεται μὲν εἰς Ἀπόλλωνα ἔχει δὲ καὶ τὴν ἐπωνυμίαν
ἀπ αὐτοῦ Νόμιμος γὰρ ὁ Ἀπόλλων Νόμιμος δὲ ἐκλήθη 35
ὅτι τῶν ἀρχαίων χοροὺς ἱστάντων καὶ πρὸς αὐλὸν ἢ λύραν
ᾀδόντων τὸν νόμον Χρυσόθεμις ὁ Κρὴς πρῶτος 239 320b 1
στολῇ χρησάμενος ἐκπρεπεῖ καὶ κιθάραν ἀναλαβὼν εἰς
μίμησιν τοῦ Ἀπόλλωνος μόνος ᾖσε νόμον εὐδοκι-
μήσαντος δὲ αὐτοῦ διαμένει ὁ τρόπος τοῦ ἀγωνίσματος
[45] Δοκεῖ δὲ Τέρπανδρος μὲν πρῶτος τελειῶσαι τὸν νό- 5
μον ἡρῴῳ μέτρῳ χρησάμενος ἔπειτα Ἀρίων ὁ Μη-
θυμναῖος οὐκ ὀλίγα συναυξῆσαι αὐτὸς καὶ ποιητὴς καὶ
κιθαρῳδὸς γενόμενος
[46] Φρῦνις δὲ ὁ Μιτυληναῖος ἐκαι-
νοτόμησεν αὐτόν τό τε γὰρ ἑξάμετρον τῷ λελυμένῳ
συνῆψε καὶ χορδαῖς τῶν ζʹ πλείοσιν ἐχρήσατο
[47] Τι- 10
μόθεος δὲ ὕστερον εἰς τὴν νῦν αὐτὸν ἤγαγε τάξιν
[48] Ἔστι δὲ ὁ μὲν διθύραμβος κεκινημένος καὶ πολὺ τὸ
ἐνθουσιῶδες μετὰ χορείας ἐμφαίνων εἰς πάθη κατα-
σκευαζόμενος τὰ μάλιστα οἰκεῖα τῷ θεῷ καὶ σεσόβηται
μὲν καὶ τοῖς ῥυθμοῖς καὶ ἁπλουστέρως κέχρηται ταῖς λέ-
ξεσιν
[49] Ὁ δὲ νόμος τοὐναντίον διὰ τὸν θεὸν ἀνεῖται 15
τεταγμένως καὶ μεγαλοπρεπῶς καὶ τοῖς ῥυθμοῖς ἀνεῖται
καὶ διπλασίοις ταῖς λέξεσι κέχρηται
[50] Οὐ μὴν ἀλλὰ καὶ
ταῖς ἁρμονίαις οἰκείαις ἑκάτερος χρῆται ὁ μὲν γὰρ
τὸν φρύγιον καὶ ὑποφρύγιον ἁρμόζεται ὁ νόμος δὲ 20
τῷ συστήματι τῷ τῶν κιθαρῳδῶν λυδίῳ
[51] Ἔοικε δὲ ὁ
μὲν διθύραμβος ἀπὸ τῆς κατὰ τοὺς ἀγροὺς παιδιᾶς καὶ
τῆς ἐν τοῖς πότοις εὐφροσύνης εὑρεθῆναι ὁ δὲ νόμος
104
δοκεῖ μὲν ἀπὸ τοῦ παιᾶνος ῥυῆναι (ὁ μὲν γάρ ἐστι κοι-
νότερος εἰς κακῶν παραίτησιν γεγραμμένος ὁ δὲ 25
ἰδίως εἰς Ἀπόλλωνα) ὅθεν τὸ μὲν ἐνθουσιῶδες οὐκ
ἔχει ὡς ὁ διθύραμβος
[52] Ἐκεῖ μὲν γὰρ μέθαι καὶ παι-
διαί ἐνταῦθα δὲ ἱκετεῖαι καὶ πολλὴ τάξις καὶ γὰρ
αὐτὸς ὁ θεὸς ἐν τάξει καὶ συστήματι κατεσταλ-
μένῳ περιέρχεται τὸν κρουσμόν
[53] Ἀδωνίδια δὲ λέγεται τὰ 30
εἰς Ἄδωνιν ἀναφερόμενα
[54] Ἤιδετο δὲ ὁ ἰόβακχος
ἐν ἑορταῖς καὶ θυσίαις Διονύσου βεβαπτισμένος πολλῷ
φρυάγματι
[55] Ὑπόρχημα δὲ τὸ μετ ὀρχήσεως ᾀδό-
μενον μέλος ἐλέγετο καὶ γὰρ οἱ παλαιοὶ τὴν ltὑπόgt ἀντὶ
τῆς ltμετάgt πολλάκις ἐλάμβανον
[56] Εὑρέτας δὲ τούτων 35
λέγουσιν οἱ μὲν Κουρῆτας οἱ δὲ Πύρρον τὸν Ἀχιλ-
λέως ὅθεν καὶ πυρρίχην εἶδός τι ὀρχήσεως λέγου- 239321a1
σιν
[57] Ὁ δὲ ἐπίνικος ὑπ αὐτὸν τὸν καιρὸν τῆς νί-
κης τοῖς προτεροῦσιν ἐν τοῖς ἀγῶσιν ἐγράφετο
[58] Τὸ
δὲ σκόλιον μέλος ᾔδετο παρὰ τοὺς πότους διὸ καὶ πα-
ροίνιον αὐτὸ ἔσθ ὅτε καλοῦσιν ἀνειμένον δέ ἐστι τῇ 5
κατασκευῇ καὶ ἁπλούστατον μάλιστα
[59] Σκόλιον δὲ εἴρηται
οὐχ ὡς ἐνίοις ἔδοξε κατὰ ἀντίφρασιν τὰ γὰρ κατὰ
ἀντίφρασιν ὡς ἐπίπαν τοῦ εὐφημισμοῦ στοχάζεται οὐκ εἰς
κακοφημίαν μεταβάλλει τὸ εὔφημον
[60] ἀλλὰ διὰ τὸ
προκατειλημμένων ἤδη τῶν αἰσθητηρίων καὶ παρειμέ- 10
νων οἴνῳ τῶν ἀκροατῶν τηνικαῦτα εἰσφέρεσθαι τὸ
βάρβιτον εἰς τὰ συμπόσια καὶ διονυσιάζοντα ἕκαστον
105
ἀκροσφαλῶς συγκόπτεσθαι περὶ τὴν προφορὰν τῆς ᾠδῆς
Ὅπερ οὖν ἔπασχον αὐτοὶ διὰ τὴν μέθην τοῦτο τρέψαν-
τες εἰς τὸ μέλος σκόλιον ἐκάλουν τὸ ἁπλούστατον
[61] Τὰ δὲ 15
ἐρωτικὰ δῆλον ὅτι γυναικῶν καὶ παίδων καὶ παρ-
θένων ἐρωτικὰς ᾄδει περιστάσεις [62] Καὶ τὰ ἐπιθα-
λάμια δὲ τοῖς ἄρτι θαλαμευομένοις ἅμα οἱ ἠΐθεοι καὶ
αἱ παρθένοι ἐπὶ τῶν θαλάμων ᾖδον [63] Ὑμέναιον
δὲ ἐν γάμοις ᾄδεσθαί φησι κατὰ πόθον καὶ ζήτησιν 20
Ὑμεναίου τοῦ Τερψιχόρας ὅν φασι γήμαντα ἀφανῆ
γενέσθαι
[64] οἱ δὲ κατὰ τιμὴν τοῦ Ἀττικοῦ Ὑμεναίου τοῦ-
τον γάρ φησί ποτε διώξαντα ἀφελέσθαι κούρας Ἀττι-
κὰς λῃστῶν
[65] Ἐγὼ δὲ οἶμαι βίου τινὰ εὐτυχοῦς προανα-
φώνησιν ὑπάρχειν καὶ συνεύχεσθαι τοῖς συνιοῦσι πρὸς 25
γάμου κοινωνίαν μετὰ φιλοστοργίας αἰολικῇ παρα-
πλέκοντας τὴν εὐχὴν διαλέκτῳ οἷον ὑμεναίειν καὶ
ὁμονοεῖν τούτους ἀεὶ ὁμόσε ναίοντας
[66] Ὁ δὲ σίλλος
λοιδορίας καὶ διασυρμοὺς πεφεισμένως ἀνθρώπων
ἔχει 30
[67] Διαφέρει δὲ τοῦ ἐπικηδείου ὁ θρῆνος ὅτι τὸ
μὲν ἐπικήδειον παρ αὐτὸ τὸ κῆδος ἔτι τοῦ σώματος
προκειμένου λέγεται ὁ δὲ θρῆνος οὐ περιγράφεται χρό-
νῳ
[68] Τὰ δὲ λεγόμενα παρθένια χοροῖς παρθένων
ἐνεγράφετο
[69] Οἷς καὶ τὰ δαφνηφορικὰ ὡς εἰς γένος
πίπτει δάφνας γὰρ ἐν Βοιωτίᾳ διὰ ἐννεαετηρίδος εἰς 35
τὰ τοῦ Ἀπόλλωνος κομίζοντες ἱερεῖς ἐξύμνουν αὐ-
τὸν διὰ χοροῦ παρθένων
[70] Καὶ ἡ αἰτία τῶν Αἰολέων
ὅσοι κατῴκουν Ἄρνην καὶ τὰ ταύτῃ χωρία κατὰ 239 321b 1
106
χρησμὸν ἀναστάντες ἐκεῖθεν καὶ προκαθεζόμενοι Θήβας
ἐπόρθουν προκατεχομένας ὑπὸ Πελασγῶν
[71] Κοινῆς ἀμ-
φοῖν ἑορτῆς Ἀπόλλωνος ἐνστάσης ἀνοχὰς ἔθεντο καὶ
δάφνας τέμνοντες οἱ μὲν ἐξ Ἑλικῶνος οἱ δὲ ἐγγὺς τοῦ 5
Μέλανος ποταμοῦ ἐκόμιζον τῷ Ἀπόλλωνι
[72] Πολεμά-
τας δέ ὁ τῶν Βοιωτῶν ἀφηγούμενος ἔδοξεν ὄναρ νεα-
νίαν τινὰ πανοπλίαν αὐτῷ διδόναι καὶ εὐχὰς ποιεῖ-
σθαι τῷ Ἀπόλλωνι δαφνηφοροῦντας διὰ ἐννεαετηρί-
δος προστάττειν 10
[73] Μετὰ δὲ τρίτην ἡμέραν ἐπιθέμενος
κρατεῖ τῶν πολεμίων καὶ αὐτός τε τὴν δαφνηφο-
ρίαν ἐτέλει καὶ τὸ ἔθος ἐκεῖθεν διατηρεῖται
[74] Ἡ δὲ
δαφνηφορία ξύλον ἐλαίας καταστέφουσι δάφναις καὶ
ποικίλοις ἄνθεσι καὶ ἐπ ἄκρου μὲν χαλκῆ ἐφαρμό-
ζεται σφαῖρα ἐκ δὲ ταύτης μικροτέρας ἐξαρτῶσιν 15
κατὰ δὲ τὸ μέσον τοῦ ξύλου περιθέντες ἐλάσσονα τῆς
ἐπ ἄκρῳ σφαίρας καθάπτουσι πορφυρᾶ στέμματα τὰ
δὲ τελευταῖα τοῦ ξύλου περιστέλλουσι κροκωτῷ
[75] Βούλεται
δὲ αὐτοῖς ἡ μὲν ἀνωτάτω σφαῖρα τὸν ἥλιον (ᾧ καὶ τὸν
Ἀπόλλωνα ἀναφέρουσιν) ἡ δὲ ὑποκειμένη τὴν σελήνην 20
τὰ δὲ προσηρτημένα τῶν σφαιρίων ἄστρα τε καὶ ἀστέρας
τὰ δέ γε στέμματα τὸν ἐνιαύσιον δρόμον καὶ γὰρ καὶ
τζε ποιοῦσιν αὐτά
[76] Ἄρχει δὲ τῆς δαφνηφορίας παῖς
ἀμφιθαλής καὶ ὁ μάλιστα αὐτῷ οἰκεῖος βαστάζει τὸ
κατεστεμμένον ξύλον ὃ κώπω καλοῦσιν 25
[77] Αὐτὸς δὲ ὁ δα-
φνηφόρος ἑπόμενος τῆς δάφνης ἐφάπτεται τὰς μὲν
κόμας καθειμένος χρυσοῦν δὲ στέφανον φέρων καὶ λαμ-
πρὰν ἐσθῆτα ποδήρη ἐστολισμένος ἐπικρατίδας τὲ ὑπο-
107
δεδεμένος ᾧ χορὸς παρθένων ἐπακολουθεῖ προτείνων
κλῶνας πρὸς ἱκετηρίαν ὑμνῶν 30
[78] Παρέπεμπον δὲ
τὴν δαφνηφορίαν εἰς Ἀπόλλωνος Ἰσμηνίου καὶ Χαλα-
ζίου
[79] Τὸ δὲ τριποδηφορικὸν μέλος τρίποδος προη-
γουμένου παρὰ τοῖς Βοιωτοῖς ᾔδετο
[80] Ἔσχε δὲ καὶ τοῦτο
αἰτίαν τοιαύτην Πελασγῶν τινες Πάνακτον τῆς Βοιω-
τίας ἐπόρθουν Θηβαῖοι δὲ ἤμυνον καὶ πέμψαντες εἰς 35
Δωδώνην περὶ τῆς τοῦ πολέμου νίκης ἐχρῶντο
[81] Χρησμὸς
δὲ τοῖς Θηβαίοις ἐξέπεσεν ὡς εἰ μέγιστον ἀσέβημα
ἀσεβήσουσι νικήσουσιν 239 322a 1
[82] Ἔδοξεν οὖν αὐτοῖς ἀσε-
βημάτων εἶναι μέγιστον τὸ τὴν χρησμῳδήσασαν αὐτοῖς
τὸν χρησμὸν ἀνελεῖν καὶ ἀνεῖλον [83] Αἱ δὲ περὶ τὸ τέ-
μενος συνιέρειαι δίκην λαβεῖν ἀπῄτουν τοῦ φόνου τοὺς
Θηβαίους 5
[84] Θηβαῖοι δὲ οὐκ ἐπιτρέπουσι γυναιξὶ μόναις
τὴν περὶ αὐτῶν δίκην ἀξιοῦν κοινῆς δὲ κρίσεως ἀνδρῶν καὶ
γυναικῶν γεγενημένης καὶ τῶν ἀνδρῶν λευκὰς αὐτοῖς
ἐπενεγκόντων ψήφους ἀπέφυγον Θηβαῖοι
[85] Ὕστερον δὲ
ἐπιγνόντες αὐτοῖς τὸ ὑπὸ τοῦ χρησμοῦ προστασσόμενον
βαστάσαντες τῶν κατὰ τὴν Βοιωτίαν ἱερῶν τριπόδων 10
ἕνα καὶ κατακαλύψαντες ὡς ἱερόσυλοι ἀνέπεμψαν εἰς
Δωδώνην
[86] Εὐπραγήσαντες δὲ ἐξ ἐκείνου τοῦ λοιποῦ
τὴν πρᾶξιν ἑορτὴν ἐποίουν
[87] Ὠσχοφορικὰ δὲ μέλη παρὰ
Ἀθηναίοις ᾔδετο
[88] Τοῦ χοροῦ δὲ δύο νεανίαι κατὰ γυ-
ναῖκας ἐστολισμένοι κλῆμά τ ἀμπέλου κομίζοντες μεστὸν 15
108
εὐθαλῶν βοτρύων (ἐκάλουν δὲ αὐτὸ ὤσχην ἀφ οὗ καὶ
τοῖς μέλεσιν ἡ ἐπωνυμία) τῆς ἑορτῆς καθηγοῦντο
[89] Ἄρ-
ξαι δέ φασι Θησέα πρῶτον τοῦ ἔργου ἐπεὶ γὰρ ἑκούσιος
ὑποστὰς τὸν εἰς Κρήτην πλοῦν ἀπήλλαξε τὴν πατρίδα
τῆς κατὰ τὸν δασμὸν συμφορᾶς χαριστήρια ἀποδιδοὺς 20
Ἀθηνᾷ καὶ Διονύσῳ οἳ αὐτῷ κατὰ τὴν νῆσον τὴν
Δίαν ἐπεφάνησαν ἔπραττε τοῦτο δυσὶ νεανίαις ἐσκια-
τραφημένοις χρησάμενος πρὸς τὴν ἱερουργίαν ὑπηρέ-
ταις
[90] Ἦν δὲ τοῖς Ἀθηναίοις ἡ παραπομπὴ ἐκ τοῦ Διο-
νυσιακοῦ ἱεροῦ εἰς τὸ τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Σκιράδος τέ- 25
μενος
[91] Εἵπετο δὲ τοῖς νεανίαις ὁ χορὸς καὶ ᾖδε τὰ
μέλη
[92] Ἐξ ἑκάστης δὲ φύλης ἔφηβοι διημιλλῶντο πρὸς
ἀλλήλους δρόμῳ καὶ τούτων ὁ πρότερος ἐγεύετο ἐκ τῆς
πενταπλῆς λεγομένης φιάλης ἣ συνεκιρνᾶτο ἐλαίῳ
καὶ οἴνῳ καὶ μέλιτι καὶ τυρῷ καὶ ἀλφίτοις 30
[93] Εὐκτικὰ
δὲ μέλη ἐγράφετο τοῖς αἰτουμένοις τι παρὰ θεοῦ γενέσθαι
[94] Πραγματικὰ δὲ ἅ τινων περιεῖχε πράξεις
[95] Ἐμπορικὰ
δὲ ὅσα κατὰ τὰς ἀποδημίας καὶ ἐμπορίας ἐπιδεικνύ-
μενά τισιν ἐγράφη
[96] Καὶ ἀποστολικὰ δὲ ὅσα διαπεμπό-
μενοι πρός τινας ἐποίουν 35
[97] Τὰ δὲ γνωμολογικὰ δῆλον
ὅτι παραίνεσιν ἠθῶν ἔχει
[98] Καὶ τὰ γεωργικὰ δὲ χώρας
καὶ φυτῶν καιροὺς καὶ ἐπιμελείας
[99] Καὶ τὰ ἐπισταλτικὰ
δὲ ὅσα κατ ἐντολὰς πρός τινας ποιοῦντες διέπεμπον
[100] Οἱ μὲν δύο λόγοι τῆς Πρόκλου γραμματικῆς Χρης-
109
τομαθείας ἐν τούτοις
12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO
1 Realizou-se leitura1 a partir do livro intitulado Excertos2 de Crestomatia3 de Letras4
de Proclo5 2 O livro eacute dividido em quatro arrazoados6
1 A forma anegnoacutesthe que introduz o epiacutetome da Crestomatia bem como praticamente todos os resumos
da Biblioteca eacute indicativa desse tipo de texto evidenciando literalmente que natildeo se apresenta ali uma obra mas
sim a leitura de uma cujo tiacutetulo segue-se Cf para a interpretaccedilatildeo dessa forma Ferrante (1957 pg 161)
seguindo a liccedilatildeo de Severyns (1939 I 4 174-75 e II pg 65) cuja recensatildeo acerca da tradiccedilatildeo manuscrita e a
liccedilatildeo para este primeiro periacuteodo parecem de fato as melhores A forma verbal eacute passiva mas deve ser
entendida no grego sem sujeito de forma absoluta ou intransitiva ie ldquoleu-serdquo ldquofoi lidordquo a que se adiciona um
termo preposicionado especificando a partir do que se deu essa leitura Aqui se supre como nos referidos
editores o termo ldquoleiturardquo para viabilizar a traduccedilatildeo remetendo agrave proacutepria atividade originaacuteria da Biblioteca
compilada por Foacutecio dar notiacutecia das sucessivas leituras de diferentes livros Cf Estudo 131 Para a discussatildeo
acerca da introduccedilatildeo dos epiacutetomes na Biblioteca as demais ocorrecircncias da forma e o entendimento desta em
especiacutefico comparada agraves outras A ausecircncia de artigo antes do substantivo ldquoleiturardquo na traduccedilatildeo opccedilatildeo
semelhante agrave dos referidos editores pretende aqui conferir um traccedilo de maior generalidade agrave pratica que
designa uma vez que para aleacutem da discussatildeo acerca de qual seria a matildeo que realmente anotou os textos
mencionados transformando-os em epiacutetomes (Foacutecio ele mesmo um copista um disciacutepulo e companheiro de
viagem que se encarrega da leitura ou vaacuterios etc ndash cf Severyns I 4 ndash 5) essa leitura foi motivo de uma ou mais
sessotildees internas do grupo de estudos dirigido pelo entatildeo embaixador e futuro patriarca ela eacute portanto uma de
diversas leituras dos textos tomados como objeto dessas sessotildees 2 Sobre as implicaccedilotildees da palavra ldquoexcertosrdquo (eklogaiacute) e como foi aqui interpretada cf Estudo 132 3 A palavra ldquocrestomatiardquo khrestomaacutetheia encontra-se lexicalizada em portuguecircs e agrave disposiccedilatildeo do
erudito de liacutengua romacircnica Houaiss haure-a no Novo Diccionario Critico Etymologico da Lingua Portugueza
Paris 1836 de Francisco Solano Constacircncio e a daacute como traslado do francecircs O Littreacute a registra na liacutengua e ao
fazecirc-lo interpreta-a como o referido portuguecircs florileacutegio coletacircnea das melhores passagens de diferentes
autores com fins didaacuteticos (provavelmente jaacute interpretando o adjetivo grego khrestoacutes ldquouacutetilrdquo presente no
composto) Dado isso adoto a forma vernaacutecula e natildeo me utilizo de artigo (ldquoArdquo Crestomatia) a fim de manter
combinando-se com ldquoexcertosrdquo a ambiguidade e a duacutevida que imediatamente em grego saltam aos olhos do
leitor de que a saber de acordo com a interpretaccedilatildeo que se faz da palavra ldquocrestomatiardquo ou se entende em um
extremo que a Biblioteca mesma jaacute nos traz o resumo de uma obra de segunda matildeo ie a abreviaccedilatildeo de algo jaacute
previamente resumido em uma coletacircnea escrita ou em outro extremo que o proacuteprio termo ldquoextratosrdquo faria
parte do tiacutetulo da obra original abrindo margem a pensar a palavra ldquocrestomatiardquo (e mesmo ldquocoletacircneardquo em
portuguecircs) sem um caraacuteter abreviativo mas como ldquoreuniatildeo de ensinamentosrdquo hauridos de outros textos e autores
que ao longo de seacuteculos foram ampliando e detalhando sob diferentes aspectos as doutrinas referentes agraves letras
de modo geral (em prosa ou verso oratoacuteria ou poeacutetica) Defende-se aqui uma terceira hipoacutetese entre esses dois
extremos Concorda-se com Severyns quanto ao caraacuteter natildeo abreviativo da palavra (cf Severyns op cit II 65 ndash
69) mas entende-se que eklogaiacute pelo cotejo com as introduccedilotildees de outros epiacutetomes da Biblioteca soacute pode
implicar neste caso uma abreviaccedilatildeo a seleccedilatildeo de excertos Cf Estudo 133 Ferrante natildeo se pronuncia quanto
a sua traduccedilatildeo mas manteacutem ldquoextratosrdquo e usa o artigo antes da palavra apesar de seguir Severyns em sua notaccedilatildeo
do texto Pretendeu-se aqui (natildeo soacute pelo uso do vernaacuteculo mas tambeacutem por natildeo se empregar o artigo) como
khrestomaacutetheia eacute um substantivo que definia certa obra por sua finalidade manter a dubiedade e o caraacuteter
duvidoso que salta aos olhos de um leitor moderno dos gregos 4 A traduccedilatildeo de grammatikoacutes por ldquoliteraacuteriardquo aqui seguiria o mesmo criteacuterio acima definido (n 3) de
manter o estranhamento em relaccedilatildeo ao tiacutetulo por isso bem como para ldquoeklogaiacuterdquo poder-se-ia manter a
literalidade do correlato latino numa uacutenica palavra Como se sabe poreacutem o termo aqui natildeo eacute sinocircnimo direto do
que noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash uma seacuterie de
categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco mesmo ou os preceitos da chamada
ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira estranha aos antigos Cf Estudo 134 paacuteg 38 ndash 50
110
3 No primeiro fala como as virtudes da prosa e da poesia satildeo as mesmas mas
diferenciam-se quanto ao mais e ao menos7 4 e que do molde da elocuccedilatildeo8 haacute o copioso o
tecircnue e o meacutedio9 5 Que o copioso eacute estonteante10 e muitiacutessimo elaborado reluzindo uma
beleza poeacutetica 6 Jaacute o tecircnue proscreve uma composiccedilatildeo com tropos e afeita agrave elaboraccedilatildeo mas
antes se entretece de despojamento motivo pelo qual em geral se adapta de um modo
excelente agraves lamentaccedilotildees11 7 Quanto ao meacutedio o nome evidencia que eacute meacutedio entre ambos
5 Consoante ao que se defende no cap 133 do Estudo e ao que foi dito acima na nota 3 entende-se aqui
que a atribuiccedilatildeo a Proclo ou seja o trecho ldquode Proclordquo porque o objeto lido estaria nomeado como Excertos
estava contido na intitulaccedilatildeo desse objeto Supotildee-se que a proacutepria intitulaccedilatildeo desse objeto que eacute resumido
porque se precisava identificar de que e de quem era excertos trazia a atribuiccedilatildeo ldquode Proclordquo daiacute o itaacutelico
adotado na traduccedilatildeo Sobre a questatildeo da atribuiccedilatildeo cf Estudo 12 paacuteg 12 ndash 15 6 Embora se saiba que os loacutegoi sejam mesmo etimologicamente as diferentes partes tomos coacutedices de
um bibliacuteon ie o conjunto desses rolos a obra preferiu-se aqui a traduccedilatildeo por ldquoarrazoadosrdquo referindo-se ao
significado cognitivo da palavra (pensamentofala) para manter natildeo soacute a ideia de que quando confeccionadas e
daiacute registradas de forma escrita essas partes natildeo arbitrariamente buscavam corresponder agraves partes menores de
um loacutegos tomadas por si mas tambeacutem a ideia de que num contexto como o da Biblioteca tanto no sentido de
sua composiccedilatildeo como de sua recepccedilatildeo essa noccedilatildeo era evidente senatildeo presente afinal a obra eacute o resultado de
seccedilotildees coletivas de leitura e assim mesmo se tenta reproduzi-la na forma de texto 7 Nomeando prosa ( loacutegos) e poesia ( poiacuteema) o texto imediatamente estabelece o
primeiro criteacuterio pelo qual se julgaraacute a composiccedilatildeo poeacutetica a elocuccedilatildeo que logo seraacute desdobrada (sect4) na teoria
de seus moldes ou gecircneros De acordo com esse primeiro criteacuterio a prosa e a poesia possuem as mesmas virtudes
ou qualidades ( aretaiacute) distinguindo-se pela quantidade esta possui mais do que aquela Esse criteacuterio jaacute
eacute empregado por Aristoacuteteles na Retoacuterica III Cf Estudo 21 paacuteg 51 ndash 52 8 A traduccedilatildeo mais literal considerando o genitivo ldquo rdquo seria evidentemente ldquoe que do
molderdquo contudo talzez natildeo ficaria imediatamente claro ao leitor que a doutrina poeacutetica dos antigos aqui supotildee
ldquomoldarrdquo metaforicamente para a confecccedilatildeo da elocuccedilatildeo e as possiacuteveis variaccedilotildees que permitem claissificaacute-la
mantendo a metaacutefora fiacutesica e escultoacuterica em trecircs grandes estilos gerais Por isso acrescentou-se a expressatildeo ldquoda
elocuccedilatildeordquo Como se sabe outros nomes equivalentes a outras abstraccedilotildees satildeo empregados para nomear essa
doutrina que pelo vieacutes latino e ciceroniano ficaraacute conhecida como ldquodos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo (cf Estudo
22) 9 Inicia-se a exposiccedilatildeo da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo as caracteriacutesticas marcantes de cada um e
seus desvios ou viacutecios O comentaacuterio agrave traduccedilatildeo e a explicaccedilatildeo dos termos encontra-se no Estudo 22 paacuteg 52 ndash
61 10 Repare-se que no original empregam-se dois adjetivos superlativos e com o segundo o superlativo do
adveacuterbio de intensidade Para traduzir tal intensidade poder-se-ia recorrer como Severyns a estender o adveacuterbio
aos dois sintagmas termos ndash ldquomuitiacutessimo estonteante e elaboradordquo Isso daria a entender que as duas
caracteriacutesticas estatildeo em peacute de igualdade quanto agrave intensidade e que haacute graus para o adjetivo ldquoestoanteanterdquo que
talvez se verifiquem nos outros moldes quando parece que ser arrebatador ou estonteante eacute proacuteprio da elevaccedilatildeo
do molde copioso Tentar traduzir o grau superlativo do primeiro adjetivo ndash ldquoo mais estonteanterdquo ndash daria a
entender o mesmo portanto quis-se que a proacuteprio adjetivo ldquoestonteanterdquo por sua forte semacircntica decirc conta do
primeiro adjetivo ldquo ekplektikoacutetatonrdquo remetendo ao sublime etc e que o adveacuterbio
ldquomuitiacutessimo restrinja-serdquo ao segundo adjetivo ldquo kateskeuasmeacutenon maacutelistardquo
julgando-se tal soluccedilatildeo mais fiel ao sentido do grego a saber o de que o molde copioso eacute o mais elaborado de
todos comparado aos demais moldes que podem ser elaborados em menor grau e por isso tem por qualidade
uacutenica ser estonteante atingir o arrebatamento do receptor Para tal intrepretaccedilatildeo cf Estudo 221 paacuteg 55 ndash 57
principalmente o uacuteltimo paraacutegrafo e o comentaacuterio de Quintiliano paacuteg 56 ndash 57 11 A legitimidade desta passagem mais especificamente desta palavra [goeroicircs] foi contestada
diferentemente por trecircs editores propocircs-se [georgikoicircs] (Schott 1606 apud Gaisford p337 apud
Severyns tomo II p 73) [noeroicircs] (Schimid 1894 p 134 n I apud Severyns idem)
[mikroicircs] (Immisch 1902 p 257 n I apud Severyns idem) Uma apreciaccedilatildeo pode ser lida em Severyns (idem)
que em linhas gerais aleacutem de se ater ao fato de que a tradiccedilatildeo manuscrita natildeo traz divergecircncias quanto a essa
passagem segue artigo de Shorey (Classical Philology 1906 apud Severyns) em que este aleacutem dos ceacutelebres
versos da Ars de Horaacutecio (95 ndash 98) arrola diferentes e breves passagens da tradiccedilatildeo retoacuterica nas quais se
evidenciam tal liccedilatildeo de forma explicita e natildeo poeacutetica ex Longino Rhet 21 ldquo() eacute necessaacuterio a quem consola
111
8 Florido por si proacuteprio natildeo eacute um molde mas manifesta-se e encontra-se misturado
junto aos mencionados e combina com topografias e descriccedilotildees12 de descampados ou
bosques
9 Os que cometem desvios das referidas formas geram a mudanccedila do copioso em duro
e exaltado do tecircnue em chatildeo e do meacutedio em truncado e frouxo
10 Entatildeo faz consideraccedilotildees acerca de criacutetica de poesia13 no que transmite qual a
diferenccedila entre caraacuteter e afeto14
11 E da composiccedilatildeo poeacutetica15 diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativo 12 E o
narrativo profere-se por meio de epos bem como de iambo elegia e meacutelica o imitativo por
meio de trageacutedia bem como de drama satiacuterico e comeacutedia16
falar natildeo com clareza sofistica [sophistikeacute tranoteacutes] mas com simplicidade compassiva [sympephonkyicirca
haploteacutes]rdquo Apsines (I 358) ldquoas narraccedilotildees pateacuteticas [pathetikaigrave dieacutegeseis] natildeo devem possuir muita organizaccedilatildeo
[polyn koacutesmon]rdquo idem (I 405) ldquoagrave elocuccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja natildeo-moldada e natildeo-ornada [aacuteplaston kaigrave
akalloacutepiston] o ornar [kallopiacutezein] natildeo eacute proacuteprio de quem canta um trenordquo (a tosca literalidade da traduccedilatildeo eacute
intencional aqui a fim de que se notem os termos gregos) 12 A palavra empregada para ldquodescriccedilatildeordquo eacute eacutekphrasis e eacute o nome que se daacute ao gecircnero pelo
qual se confecciona com palavras a representaccedilatildeo de algo inanimado Consoante ao que se disse (supra) como
algo que eacute descrito parece que todos esses casos tecircm em comum o fato de que se constituem como objetos de
apreciaccedilatildeo em funccedilatildeo da palavra entatildeo eacute pelo proacuteprio floreio que supotildee ornato que esse algo pode se tornar
objeto do prazer Daiacute a possiacutevel interpretaccedilatildeo do epiacutetome segundo a qual o florido natildeo seria por si um molde a
ser selecionado desde o iniacutecio para a confecccedilatildeo de uma obra natildeo seria um molde independente agrave cuja
totalidade se circunscreveria por inteiro toda uma elocuccedilatildeo mas sim uma forma obrigatoriamente concorrente
dependente que se apresenta como parte adicional de um dos trecircs moldes em circunstacircncias como as
exemplificadas qual um adereccedilo de flores 13 kriacutesis poieacutematos entendida aqui como sinocircnimo da sexta parte da empiria
gramatical de Dioniacutesio Traacutecio conforme defendido aqui no Estudo 134 paacuteg 38 ndash 47 para opiniatildeo
semelhante FERRANTE paacuteg 20 ndash 21 Contraacuteria Cf SEVERYNS paacuteg 77 ndash 79 Aventou-se a traduccedilatildeo por
ldquocriacuteticardquo opccedilatildeo natildeo soacute muito coerente como esclarecedora uma vez que aqui se assume a kriacutesis poiemaacuteton de
Dioniacutesio Traacutecio como atividade que mais amplamente passou a corresponder ao que hoje noacutes modernos
diriacuteamos ldquocriacutetica de poesiardquo senatildeo ldquocriacutetica poeacuteticardquo Embora tentadora e chamativa declinou-se tal traduccedilatildeo
porque primeiro a noccedilatildeo de criacutetica natildeo se entende mais em portuguecircs associada ao significado baacutesico da palavra
grega originaacuteria ldquokriacutesisrdquo modernamente natildeo haacute mais a noccedilatildeo de ldquocisatildeo litiacutegio disputardquo e daiacute ldquoavaliaccedilatildeo juiacutezo
julgamentordquo e basicamente a palavra eacute do campo semacircntico judicial segundo como o proacuteprio Dioniacutesio Traacutecio
atesta que no iniacutecio se tratava justamente desta segunda noccedilatildeo de ldquojulgamentordquo ocupando-se a princiacutepio tatildeo
somente do estabelecimento do texto a traduccedilatildeo por criacutetica poderia criar o falso entendimento da parte do leitor
de que se trata de uma atividade de ldquocriacutetica literaacuteriardquo como a dos dias de hoje quando mesmo em seu
desdobramento posterior em que poderia modernamente receber tal nome a interpretaccedilatildeo dos antigos lidava
com um instrumental de noccedilotildees diferentes das nossas como reafirmado em outras passagens deste trabalho
Embora pareccedila se perder com esta soluccedilatildeo preferiu-se fazer juz ao ldquojuiacutezordquo e recorrer a esta nota 14 eacutethous kaigrave paacutethous ndash talvez aqui como pensados por Dioniacutesio de Halicarnasso no
tratado Da Imitaccedilatildeo Cf Estudo 134 especificamente paacuteg 47 ndash 50 15 O adjetivo feminino poietikecircs sem um substantivo acompanhando-o tende a supor teacutechne Sabemos que
assim Aristoacuteteles nomeia essa aacuterea do saber Como suprir o termo poderia dar a entender o tratado e o
entendimento aristoteacutelicos do objeto quando na verdade parece que o epiacutetome usa o termo para se referir aos
poemas ie agraves composiccedilotildees em verso por oposiccedilatildeo agraves em prosa certamente entendendo-as todas como poesia
e como o termo neutro poiacuteema foi empregado anteriormente por oposiccedilatildeo agrave prosa (loacutegos) optou-se nesta
traduccedilatildeo por suprir ldquocomposiccedilatildeordquo dando a entender o resultado o objeto o poema como ldquoconfecccedilatildeordquo trazendo
tambeacutem a noccedilatildeo do ato em si e da teacutecninca (teacutekhne) Cf Estudo 32 paacuteg 77 ndash 79
O emprego do termo no genitivo junto do artigo e do verbo leacutegei implica uma forte carga
partitiva ao termo ateacute entatildeo o texto versava sobre a elocuccedilatildeo que poderia ocorrer em prosa ou em verso ie
poderia ser um discurso juriacutedico ou um poema liacuterico mas ora sobre a confecccedilatildeo que eacute apenas poeacutetica eis os
112
13 Tambeacutem que Femocircnoe17 a profetiza de Apolo foi quem descobriu18 o epos19 por
professar oraacuteculos em hexacircmetros A partir daiacute aos oraacuteculos seguiram-se [heiacutepeto ] os
feitos20 que lhes eram consonantes nomeando-se ldquoeposrdquo qualquer composiccedilatildeo no metro
14 Outros dizem que por causa da elaboraccedilatildeo e da ampla superioridade21 observada
nos hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo e passou a ser
chamado ldquoeposrdquo [fala palavra falada]22 bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo
e Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez tambeacutem que alguns denominavam ldquoeacuteperdquo [falares plura
de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetros23
15 Os mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro24 Paniacuteasis25 e
Antiacutemaco26
16 Desses discorre na medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas
histoacuterias particulares27
gecircneros e espeacutecies em que eacute possiacutevel discriminaacute-las No sentido de que sobre elas o que o texto em questatildeo nos
ensina eacute tal discriminaccedilatildeo uacutetil ao gramaacutetico e aquele que busca ler tais composiccedilotildees agora textos tanto o termo
poietikeacute como a secccedilatildeo que se segue estatildeo em concordacircncia com a kriacutesis do item acima Cf Estudo 134 paacuteg
38 16 Eis a biparticaccedilatildeo em dois grandes gecircneros dos quais os nomes poeacuteticos arrolados satildeo espeacutecies de
acordo com o modelo da calssificaccedilatildeo geneacuterica discutida Os termos empregados bem como essa divisatildeo satildeo
objeto do Capiacutetulo 3 do Estudo mais precisamente seccedilatildeo 31 paacuteg 67 ndash 83 17 Cf Estrabatildeo (IX 419) Pausacircnias (X 5 7) e o Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (475 22) Composto de phemiacute
e noucircs ie ldquofalarrdquo e ldquopensamentoespiacuteritordquo 18 O termo do verbo epheuriacutesko ldquodescobrirrdquo eacute composto de heuriacutesko que tem o
significado baacutesico do verbo ldquoacharrdquo eacute comum na tratadiacutestica serve para designar a ldquoinvenccedilatildeordquo ndash termo latino
que traduz o grego ndash de um forma poeacutetica ou entatildeo para designar quem a encontra seu ldquoinventorrdquo ou como natildeo
haacute a noccedilatildeo moderna de ldquooriginalidaderdquo e ldquocriaccedilatildeordquo o ldquodescobridorrdquo ndash heureteacutes Esses termos se
empregaratildeo ao longo do texto consecutivamente 19 A palavra teria o significado primitivo de ldquofalardquo sua raiz (F eacute cognata do latim vox ldquovozrdquo 20 No grego tagrave praacutegmata heiacutepeto juntos o termo que designa os feitos as accedilotildees
caracteriacutesticas da poesia eacutepica e o termo que compotildee a etimologia designando tanto a sucessatildeo em relaccedilatildeo aos
oraacuteculos como o elemento de consecuccedilatildeo das accedilotildees ou feitos definidores da espeacutecie Cf Estudo 331 paacuteg 83 21 A ampla superioridade ndash aacutegan hyperokheacuten ndash da composiccedilatildeo hexameacutetrica introduz o
argumento em prol da terceira explicaccedilatildeo etimoloacutegica 22 A etimologia como visto no Estudo 331 paacuteg 83 para aleacutem do sugestivo nome da profetiza que
conteacutem o elemento ldquofalardquo seguiria a sequecircncia eacutepos heacutepomai eacutepous = logos e gt(maior que) outros eacutepe 23 Cf Estudo 331 para a noccedilatildeo de eacutepos associado a outras formas como o triacutemetro ou a oratoacuteria De
qualquer forma o argumento geral eacute o de que outros designavam outras espeacutecies que julgavam ldquoa fala por
excelecircnciardquo pelo termo comum para ldquopalavra faladardquo ie ldquoeposrdquo 24 Pisandro de Camiro c 650 aC A ele eacute atribuiacuteda uma Heracleida que narrava todos os feitos de
Heacutercules 25 Paniacuteasis de Halicarnasso tio de Heroacutedoto morreu por volta de 457 aC A ele se atribui tambeacutem uma
Heracleida em 14 cantos e 900 versos 26 Antiacutemaco de Colofatildeo c 405 aC autor da Tebaida que comporia junto de outro poemas o ciclo
tebano 27 Aqui seguiria a Vita Homeri atribuiacuteda que chegou a noacutes a Proclo Eacute de se supor que para cada um dos
poetas mencionas seguisse uma biografia semelhante Essa passagem e a seccedilatildeo seguinte sobre o ciclo eacutepico
cotejadas com os uacutenicos excertos originais que temos da Crestomatia permitem-nos ter um iacutenfimo vislumbre da
dimensatildeo da obra que de fato pela menccedilatildeo a quatro livros feita no iniacutecio do coacutedice dos quais apenas dois satildeo
resumidos devia ser extensa
113
17 Entatildeo faz consideraccedilotildees sobre o chamado ldquociclo eacutepicordquo que se inicia pelo
intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra28 a partir do qual geram a ele trecircs filhos centiacutemanos e
trecircs Ciclopes29
18 Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos
gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser verdade em referecircncia agrave histoacuteria
19 Fecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo de diferentes
poetas ateacute o desembarque de Odisseu em Iacutetaca quando eacute morto por seu filho Teleacutegono que
natildeo o reconhecera30
20 Fala como os poemas do ciclo eacutepico tecircm se conservado e recebido atenccedilatildeo de
muitos natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele contidas
21 Fala entatildeo o nome e a paacutetria dos que se dedicaram ao ciclo eacutepico
22 Fala entatildeo acerca de certos poemas ldquoCiacutepriosrdquo como alguns os atribuem a Estasino
de Chipre outros lhes inscrevem ldquoHegesino de Salaminardquo Outros dizem que Homero
escreveu-os deu a Estasino por obter-lhe a filha e por causa de sua paacutetria nomeou ldquoCiacutepriasrdquo
a obra 23 Mas de sua parte natildeo se apoia nessa hipoacutetese pois que tambeacutem os poemas natildeo se
intitulam ldquoCiacutepriasrdquo com acentuaccedilatildeo proparoxiacutetona31
24 Diz quanto agrave elegia [elegeiacutea ] ser composta de um verso heroacuteico e um
pentacircmetro32 e acomodar-se33 aos que jaacute partiram 25 E obteve seu nome daiacute os antigos
28 Aqui se iniciava o resumo do ciclo eacutepico Cf Estudo 3312 paacuteg 86 para as conjecturas a respeito
daquilo em que talvez consistisse essa primeira parte do ciclo a julgar pelo paraacutegrafo seguinte (18) em que se
nomeiam as histoacuterias do iniacutecio do ciclo ldquonarraccedilotildees miacuteticasrdquo ou considerando a acepccedilatildeo moderna ldquomitologiardquo 29 Esse episoacutedio cosmogocircnico como apresentado ie sem uma referecircncia expliacutecita agrave geraccedilatildeo de Ceacuteu a
partir de Terra (diferente do que se lecirc em Hesiacuteodo Teogonia 126 ndash 127) derivaria da Titanomaquia de Eumelo
Cf Estudo 3312 paacuteg 88 ndash 90 e Ateneu (Deipnosophistae VII 277d ndash e) 30 Buscou-se manter na traduccedilatildeo a possibilidade de leitura equivocada e a imprecisatildeo que pode geraacute-la a
quem desconhece os episoacutedios do ciclo o desembarque em questatildeo natildeo eacute o da Odisseia em retorno de Troia
mas o que encerra a viagem de Odisseu agrave Tesproacutetia que se narrava na Telegonia de Ecircugamon de Cirene uacuteltimo
poema na cronologia do ciclo 31 Para a extensa consideraccedilatildeo de todos os possiacuteveis tiacutetulos para o poema segundo diferentes autores da
Antiguidade cf Severyns (paacuteg 93 ndash 98) e Ferrante (27 ndash 30) Para a opiniatildeo de Proclo que Foacutecio natildeo menciona
ambos editores e criacuteticos apontam como consideraccedilatildeo final para a passagem de Ateneu (XV 682d) em que
Demodamas sugere como autor Ciacutepria de Halicarnasso Eacute conjetural poreacutem que concordando com
Demodamas Proclo aceitasse que a intitulaccedilatildeo se desse pelo autor sugerindo uma forma genitiva como
intitulaccedilatildeo que a formulaccedilatildeo de Foacutecio sugere Vale lembrar que no excerto sobre as Ciacuteprias Proclo informaria
sua discordacircncia sobre a intitulaccedilatildeo do poema e diria que para evitar a interrupccedilatildeo da continuidade do discurso
discutiria posteriormente esse toacutepico como um excurso Pelo menos quanto agrave ordem portanto o resumo de
Foacutecio seria fiel pois eacute de supor que tal excurso ocorresse apoacutes o resumo do ciclo e antes de abordar a elegia Isso
tambeacutem explica por que natildeo haveria razotildees para que Proclo natildeo considerasse as Ciacuteprias como parte do ciclo
(Severyns paacuteg 98) uma vez que dos resumos do ciclo esse eacute o uacutenico que natildeo conteacutem uma atribuiccedilatildeo em seu
iniacutecio 32 Como observado no caso do epos a exposiccedilatildeo segue o criteacuterio metro-mateacuteria explicando o
desenvolvimento da espeacutecie a partir dos usos do metro Cf Estudo 3312 paacuteg 86 332 paacuteg 90 em diante 33 Cf supra sect14 suacutemphona explicitando o criteacuterio metro-mateacuteria pontuando a invenccedilatildeo da espeacutecie e seu
desenvolvimento a partir da mateacuteria que a princiacutepio se lhe acomodava naturalmente
114
chamavam ao treno34 eacutelegos [ ] e atraveacutes dele elogiavam [euloacutegoun ] os
mortos35 26 Os poacutesteros36 contudo usaram ldquoelegiardquo amplamente para diferentes
argumentos
27 Fala entatildeo que exceliram nesse metro Calino de Eacutefeso37 e Mimnermo de
Colofatildeo38 mas tambeacutem o filho de Teacutelefo Filetas de Coacutes39 e Caliacutemaco filho de Bato (esse era
de Cirene)40
28 Jaacute no que diz respeito ao iambo [ ] primeiro em tempo antigo era atribuiacutedo
agrave ralhaccedilatildeo41 inclusive de acordo com certo dialeto ldquoiambizarrdquo [ldquoiambiacutezeinrdquo ] era
nome para ldquoralharrdquo42
29 Uns dizem ser por causa de certa criada Iambe [Iaacutembe ]43 de origem
traacutecia Ela quando Demeacuteter estava de luto pelo rapto de sua filha foi ateacute as redondezas de
34 Para a interpretaccedilatildeo de que a elegia haveria derivado do treno cf Harvey The Classification of Greek
Lyric Poetry The Classical Quarterly New Series Vol 5 No 34 (Jul - Out 1955) pp 157-175 35 O trinocircmio elegia eacutelegos elogio eacute a etimologia baacutesica que subjaz a essa exposiccedilatildeo da descoberta e do
desenvolvimento da espeacutecie Cf Estudo 332 paacuteg 90 a 94 36 Hoi metageneacutesteroi os poacutesteros ndash o texto mesmo pontua como etapa posterior ao uso primeiro do
diacutestico para o lamento fuacutenebre seu uso para diferentes argumentos hypotheacuteseis 37 Viveu por volta do seacuteculo VII a c e pelo que sabemos de sua poesia que nos chega fragmentada seria
de caraacuteter beacutelico e guerreiro recorrendo aos exemplos dos mitos que seratildeo posteriormente circunscritos ao
ciclo eacutepico (FERRANTE paacuteg 32) para exortar ao combate e agrave bela morte Portanto entendida a definiccedilatildeo da
elegia ao peacute da letra mesmo o mais velho elegiacuteaco natildeo a ilustra eacute de se supor portanto que ele mesmo jaacute ilustre
o uso do metro para ldquodiferentes argumentosrdquo o caraacuteter lamentoso e primordial do metro abarcaria por exemplo
a exortaccedilatildeo agrave morte na guerra uma vez que pressupotildee a situaccedilatildeo fuacutenebre independente dos poemas ou desse
tipo de poema suporem quando da sua composiccedilatildeo uma execuccedilatildeo primeira e um funeral ou funerais como
ocasiatildeo em performance especiacutefica uma vez que mesmo que nas situaccedilotildees em que um poema se destinasse agrave
uma performance especiacutefica sua execuccedilatildeo poderia se dar tambeacutem em um simpoacutesio posteriormente 38 Viveu entre o final do seacuteculo VII e o iniacutecio do seacuteculo VI a C seu lamento eacute de caraacuteter amoroso Foi
imitado pelos heleniacutesticos e a ele Galo e os demais elegiacuteacos romanos fazem remontar a elegia eroacutetica
tomando-o por seu descobridor 39 Poeta e gramaacutetico agrave maneira alexandrina mestre de Zenoacutedoto e Teoacutecrito seria tambeacutem reconhecido
pelos romanos o intermediaacuterio heleniacutestico da elegia eroacutetica no iniacutecio nos meandros do seacuteculo IV aC 40 Seacuteculo III aC foi disciacutepulo de Hermoacutecrates e Praxiacutefanes o peripateacuterico disciacutepulo de Teofrasto
Fundou uma escola de gramaacutetica em Alexandria seguindo os passo do mestre que se dedicara especificamente a
esse saber Compocircs sob a corte de Ptolomeu II o Filadelfo e Ptolomeu III o Eveacutergeta Foi o grande propagador
da poesia breve e cultista de base Heleniacutestica a quem se filiaraacute entre os romanos Catulo modelo dos elegiacuteacos
junto a Galo Cultivou aleacutem da elegia o epigrama o hino o epiacutelio e o iambo 41 Cf Estudo 333 paacuteg 94 42 Eacute impossiacutevel identificar a que dialeto o texto se referia uma vez que se o fizesse Foacutecio natildeo o anotou
Tanto Severyns (28 2 paacuteg 105) como Ferrante (28 paacuteg 33) remetem a Chantraine (La Formation des Noms en
Grec Ancien paacuteg 260) pontuando que de fato a formaccedilatildeo do nome em questatildeo eacute externa ao grupo indo-
eruropeu Talvez se a indefiniccedilatildeo do texto do epiacutetome partiu do texto do proacuteprio Proclo os proacuteprios antigos
percebessem a palavra como estrangeira sem poder identificar sua origem 43 A primeira e uma das poucas etimologias eponiacutemicas que ocorrem no epiacutetome O argumento baacutesico ndash
note-se ndash eacute etioloacutegico ie e funciona como outras explicaccedilotildees que apareceratildeo ao longo do cataacutelogo de
subespeacutecies meacutelicas haacute um marcante evento miacutetico ou histoacuterico que uma vez aceito eacute por si mesmo argumento
para a adoccedilatildeo de um costume e repeticcedilatildeo da forma Neste caso a accedilatildeo da criada de nome Iambe seria modelar do
que se faz com os iambos tanto que de seu nome derivaria o proacuteprio nome do metro Embora natildeo se possa
dizer que tambeacutem eponiacutemica a associaccedilatildeo do hexacircmetro a Femocircnoe (sect14) continha um argumento de base
etioloacutegica semelhante na medida em que localiza em um passado remoto um acontecimento que se fixa como
praacutetica Esse tipo de argumento seraacute amplamente usado na exposiccedilatildeo das subespeacutecies liacutericas na liacuterica sacra por
115
Elecircusis e apoacutes subir sobre a pedra hoje chamada ldquoSolenerdquo44 por meio de algumas zombarias
levou a deusa agrave gargalhada45
30 Parece que em tempo antigo poreacutem dizia-se o iambo para o que era composto
visando ao vitupeacuterio e ao enaltecimento igualmente Como alguns sobreabundaram o metro
nas maledicecircncias a partir daiacute o ldquoiambiacutezeinrdquo [ldquoiambizarrdquo ]46 por forccedila do haacutebito
acabou por ser ldquohybriacutezeinrdquo [ldquoimprecarrdquo ] bem como por causa dos ldquococircmicosrdquo
[komikoiacute ] ldquokomiacutezeinrdquo [ldquoridicularizarrdquo ]47
31 De iambos Arquiacuteloco de Paros eacute o melhor poeta seguido de Semocircnides de
Amorgos ndash de Samos segundo uns ndash e Hipocircnax de Eacutefeso dos quais o primeiro floresceu na
eacutepoca de Giges48 o segundo na de Amintas o macedocircnio49 por fim Hipocircnax durante o
periacuteodo de Dario50
32 Sobre a poesia meacutelica51 diz que eacute a mais diversificada e comporta diferentes
divisotildees
33 Parte dela encontra-se distribuiacuteda para deuses parte para homens parte para
deuses e homens e parte para as circunstacircncias acidentais
exemplo eacute usado na explicaccedilatildeo do nomo (sect44) entre as subespeacutecies sacras e seculares na explicaccedilatildeo da
dafneforia (sect70 ndash 73) das canccedilotildees tripodefoacutericas (sect80 ndash 86) das oscofoacutericas (sect89) etc 44 Chama a atenccedilatildeo o silecircncio de Pausacircnias (I 38 6 e I 39 I) a respeito da pedra Cf Severyns paacuteg 108
6 ndash as referecircncias tardias pontuadas pelo autor sugerem que se trate de um elemento proverbial e posterior que se
preencheu em um episoacutedio antigo e conhecido que remonta afinal ao Hino Homeacuterico a Demeacuteter (197 ndash 204)
em que tal criada aparece e de fato faz a deusa rir mas no palaacutecio do rei Celeo e sob seu senhorio em uma
versatildeo diferente da histoacuteria Referem-se agrave pedra Apolodoro (I 30) o Escoacutelio a Aristoacutefanes (Cavaleiros 785) e o
Suda ( 49 ADLER) 45 Severyns (paacuteg 107 ndash 109) fornece detalhadamente todas as referecircncias para essa versatildeo da histoacuteria
valendo menccedilatildeo a mesma passagem de Apolodoro que apresenta a histoacuteria semelhantemente e o Escoacutelio a
Hefestiatildeo (214 9 Consbruch) que apresenta a versatildeo homeacuterica 46 Cf Ferrante 32 ndash 33 n 28 para a etimologia a partir de ldquoiagraven baacutezeinrdquo ldquo rdquo ldquolanccedilar a vozrdquo
(Et Magn 463 29) bem como para a possibilidade a partir do homeacuterico iaacute ldquolanccedilas setasrdquo (Il 20 68) +
baacutezein ie ldquolanccedilar setasrdquo metaacutefora poeacutetica para imprecar (cf Catulo 116)47 O termo que de iniacutecio significava apenas integrar um koacutemos ie uma farra folia patuscada pacircndega
um cortejo festivo passa a designar no desenvolvimento da trageacutedia ldquocompor um coro cocircmicordquo e por
metoniacutemia satirizar detratar fazer de algo ou algueacutem objeto da criacutetica cocircmica Esse processo teria igualmente
ocorrido em relaccedilatildeo ao emprego abundante do iambo para a imprecaccedilatildeo de modo que o proacuteprio verbo
ldquoofenderrdquo ldquoinjuriarrdquo (hybriacutezein passa a ter o mesmo emprego que ofender sem implicar a
composiccedilatildeo de versos iacircmbicos Essa uacuteltima passagem natildeo eacute senatildeo uma ampliaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da primeira
etimologia apresentada que apenas endossa a opiniatildeo de Aristoacuteteles para a origem do iambo (Cf Estudo 333
paacuteg 94) 48 Arquiacuteloco teria vivido na primeira metade do seacuteculo VI aC Giges que eacute dado como referecircncia foi o
rei liacutedio de 689 a 653 aC Menciona-o fragmento 19 do poeta (Gerber) Sua poesia nos chega fragmentada e
faz menccedilatildeo de um eclipse que ocorreu em 6 de abril de 648 aC o que nos permite situar sua atividade poeacutetica
pelo menos ateacute essa deacutecada Sabemos que compocircs elegias tambeacutem mas eacute geralmente referido como o primeiro
poeta iacircmbico entre os gregos como se vecirc por exemplo na Ars de Horaacutecio (79) 49 Trata-se de Amintas I da Macedocircnia que teria vivido entre 540 e 498 aC o que colocaria Semocircnides
depois de Arquiacuteloco na segunda metade do seacuteculo VI aC Dele nos resta algo em torno de 40 fragmentos
dentre os quais o mais famosos seria o fragmento 6 (WEST) ldquoContra as Mulheresrdquo 50 Segundo esse testemunho Hipocircnax teria vivido aproximadamente entre 521 e 485 aC eacute considerado o
descobridor do coliambo 51 Sobre a divisatildeo cf Estudo 334 paacuteg 95
116
34 Aos deuses de um lado referem-se hino prosoacutedio peatilde ditirambo nomo
adoniacutedia iobaco hiporquema
35 Aos homens de outro encocircmios epiniacutecio escoacutelios eroacuteticas espitalacircmios
himeneus silos trenos e epiceacutedios
36 Aos deuses e homens partecircnias dafnefoacutericas tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas
pois essas eram escritas para deuses e compreendiam enaltecimentos de homens
37 A que se refere agraves circunstacircncias acidentais natildeo eacute uma espeacutecie da meacutelica mas eacute
atentada pelos proacuteprios poetas
38 Diz que o hino [hyacutemnos ]52 recebe seu nome pelo fato de ser algo
ldquohypoacutemononrdquo [ldquopersistenterdquo ]53 e por conduzir desse modo agrave mneacuteme [memoacuteria
] e agrave hypomneacutesis [rememoraccedilatildeo ] as accedilotildees dos hineados [hymnoucircmenoi
]54 ou tambeacutem pelo ldquohydeicircnrdquo [ldquonomearrdquo ] que eacute o mesmo que ldquodizerrdquo55
52 Do sacircnscrito syuman (ldquoligaccedilatildeordquo) Essa noccedilatildeo se confere no latim suo (coser) bem como em palavras
gregas com a noccedilatildeo geral de ldquourdidurardquo ldquotecidordquo ldquopelerdquo υμην (membrana) υφη (teia urdidura) υφαινω
(sinocircnimo do latim suo ie tecer) ndash Exemplos de Ferrante paacuteg 38 n 38 53 Essa hipoacutetese eacute verossiacutemil linguisticamente e nos eacute apresentada pelo Et Mag 777 2 dizendo apenas
que se trata de siacutencope υμνος derivaria de υπομονος palavra postulada e teoacuterica (uma vez que temos o verbo
ldquorestarrdquo e o substantivo deverbal ldquopersistecircnciardquo mas natildeo o adjetivo em questatildeo) por
apoacutecope e assimilaccedilatildeo υπομονος passaria a υμμονος e depois por simplificaccedilatildeo e siacutencope cairia o [o] de
μονος resultando υμνος (Ferrante idem) A etimologia antiga como se sabe pauta-se natildeo soacute na proximidade
das palavras mas tambeacutem em seu significado Essa etimologia teoacuterica contribui portanto para a noccedilatildeo cabal de
que na percepccedilatildeo antiga um hino o eacute porque ldquopersistenterdquo ie hino eacute algo que visa permanecer daiacute a
associaccedilatildeo direta e primeira entre hyacutemnos e hypoacutemonos a partir da qual na formulaccedilatildeo dessa etimologia se
parte para as demais associaccedilotildees paroniacutemicas 54 Tais formas se associariam morfoloacutegica e semanticamente (e daiacute etimologicamente) ao binocircmio
hyacutemnos - hypoacutemonos expandindo-o Dessa associaccedilatildeo baacutesica decorre que a espeacutecie poeacutetica recebe seu nome
porque opera com a mneacuteme a capacidade de retenccedilatildeo na memoacuteria e com a hypomneacutesis a capacidade de
rememorar o que foi armazenado em relaccedilatildeo agraves accedilotildees dos hineados Dessarte os demais termos ocorrem para
explicar a associaccedilatildeo primeira com uma palavra teoacuterica ie porque o hino eacute ldquopersistenterdquo Talvez devecircssemos
considerar o contraacuterio que a palavra teoacuterica se postula a fim de permitir a associaccedilatildeo com as outras que
explicariam o nome do gecircnero A se diz por causa de B que se diz em funccedilatildeo de C e D seguindo-se E Este
uacuteltimo termo explica o uacuteltimo elemento da exposiccedilatildeo do coacutedice em que os ldquohineadosrdquo (hymnoucircmenoi) satildeo
praticamente os ldquorelembradosrdquo
Esse eacute o esquema etimoloacutegico de dois outros textos semelhantes a esse passo do coacutedice de Foacutecio o
leacutexico de Oacuterion 155 22 (fundamental porque ele teria sido professor de Proclo) e Et Magnun 777 2 (que como
se sabe junto do Et Gudianum pauta-se no gramaacutetico Oacuterion em vaacuterios de seus verbetes) O cotejo completo
encontra-se em Severyns II 38 paacuteg 117 Ambas as referidas passagens (esta baseada naquela) atribuem a
etimologia a Diacutedimo e sua obra Acerca dos Poetas Liacutericos citados nominalmente nos dois textos 55 Apenas pelo lsquo rsquo o verbo em questatildeo viria agrave etimologia porque condensa as noccedilotildees anteriores e a antiga
funccedilatildeo religiosa subjacente agrave origem da espeacutecie em questatildeo o celebrar de um deus finalidade do hino
consistiria em relembrar ie trazer agrave tona seus feitos suas accedilotildees ( praacutexeis) manter a memoacuteria delas
Essa etimologia encontra-se nos leacutexicos antigos e provavelmente adveacutem dos autores heleniacutesticos uma vez que o
uso do verbo parece reintroduzido na liacutengua pelos poetas de tal periacuteodo cf Severyns idem paacuteg 119 Tanto no
Et Magnun como no Et Gudianum provavelmente contemplando o uso heleniacutestico aparece junto dos verbos
e como sinocircnimo primeiro de ldquo rdquo Para a derivaccedilatildeo antiga da palavra por exemplo o Et
Gud 539 56 ldquo
rdquo ndash ldquohyacutedein sinaliza o hyacutemnein surge a patir do verbo hymnocirc pela queda
do lsquonrsquo hymocirc e mudanccedila do lsquomrsquo para lsquodrsquo hyacutedo pelo recuo do acentordquo A associaccedilatildeo entre os dois verbos para a
qual tambeacutem se apresenta uma formaccedilatildeo teoacuterica nos leacutexicos posteriores ao texto do epiacutetome parece apontar de
qualquer modo dentro dessa classificaccedilatildeo de base gramatical para a necessidade de reforccedilar pelo emprego de
117
39 Chamavam hino em geral toda composiccedilatildeo aos que satildeo superiores56 por isso
aparecem contrapondo o prosoacutedio e as demais canccedilotildees mencionadas ao hino como a espeacutecie
ao gecircnero Assim dos que escrevem57 podem-se ouvir coisas como ldquohino de prosoacutediordquo ldquohino
de encocircmiordquo ldquohino de peatilderdquo e semelhantes58
40 O prosoacutedio [prosoacutedion ] era entoado quando se seguia em procissatildeo
[prosiacuteosi ] ao altar ou ao santuaacuterio e na procissatildeo [prosieacutenai ] era
cantado [eiacutedeto ]59 ao som do aulo O hino propriamente se cantava ao som da ciacutetara
uma vez que se estivesse parado60
um termo que tambeacutem eacute heleniacutestico a exposiccedilatildeo da espeacutecie como ldquodiegeacuteticardquo ou narrativa bem como
caracterizar a forma poeacutetica como celebraccedilatildeo de accedilotildees Em outras palavras aventa-se a possibilidade de que natildeo
eacute senatildeo pelas accedilotildees as praacutexeis anteriormente mencionadas que as duas explicaccedilotildees estatildeo aqui postas juntas
uma vez que nesta ocorrecircncia o verbo tenha as accedilotildees por objeto (hyacutedein autagraves) Eacute provaacutevel portanto que o
texto de Proclo as propunha contiguamente e natildeo opostamente jaacute que como mostrado por Severyns (paacuteg 120)
eacute tambeacutem por essa possibilidade que o texto do epiacutetome mencionaraacute outra disposiccedilatildeo para o hino em relaccedilatildeo agraves
outras espeacutecies dentro da classificaccedilatildeo geneacuterica a saber como gecircnero para as demais espeacutecies (infra n 58) 56 hyperoacutentas eacute correccedilatildeo de Severyns proposta a partir das referidas passagens de Oacuterion e do
Et Mag que trazem ldquo hypereacutekhontasrdquo sinocircnimo uma vez que o texto de Foacutecio traz
ldquo hypereacutetasrdquo (servo do deus) o que implicaria um contrassenso uma vez que o hino faz parte da
liacuterica sacra 57 A passagem parece ambiacutegua e aqui se pretendeu manter essa ambiguidade Natildeo eacute possiacutevel estabelecer
apenas pela passagem se tocircn graphocircnton designa aqueles que escrevem sobre hinos referindo-se a como outros
textos e classificaccedilotildees geneacutericas referem-se aos hinos e os nomeiam ou se isso parte daqueles que compuseram
tais hinos e portanto o referente do particiacutepio seriam os poetas A opccedilatildeo por ldquoescrevemrdquo e natildeo ldquocompotildeemrdquo na
traduccedilatildeo visa manter as duas possibilidades de leitura Das duas passagens semelhantes Oacuterion (155 22) e o Et
Magnun (777 2) apenas a primeira emprega o termo referindo-se aos que compotildeem com certeza e eacute por isso
mesmo que essa provavelmente seria a leitura correta Natildeo nos cabe emendar o texto poreacutem 58 Conforme as aludidas passagens de Oacuterion e do Etymologicum Magnum Diacutedimo distinguia entre duas
classificaccedilotildees Uma consideraria o hino particularmente como espeacutecie meacutelica sacra separada das demais
mencionadas no epiacutetome outra tomaria o temo de forma geneacuterica no sentido de que seu significado geral
abarcaria as demais formas sacras como espeacutecies Da exposiccedilatildeo anterior de fato se pode conjecturar que como
um hino eacute um louvor qualquer louvor poderia ser designado ldquohinordquo cantando-se as accedilotildees do ldquohineadordquo
inclusive referindo-se a homens e natildeo deuses A denominaccedilatildeo particular poreacutem a que Diacutedimo se filia
distinguia todas essas formas como espeacutecies pelo criteacuterio do destinataacuterio e por traccedilos circunstanciais
particulares apesar do mesmo testemunhar a generalizaccedilatildeo do termo que relacionava o hino a outras espeacutecies
liacutericas que empreendiam um elogio De acordo com Diacutedimo estaacute Amocircnio Sacoacuteforo (Diff Verb p 139
Valckenaer) quando diz que ldquoυμνος εγκωμιου διαφερει ο μεν γαρ υμνος εστι θεων το δε εγκωμιον ανθρωπωνrdquo (o hino difere do encocircmio o hino eacute proacuteprio dos deuses o encocircmio dos homens) tambeacutem se encontra passagem
similar no Etym Gud (540 42) ldquoο μεν υμνος επι θεου λεγεται το δε εγκωμιον επι ανθρωπουrdquo (o hino se diz a
um deus o encocircmio a um homem) A distinccedilatildeo jaacute ocorria na Repuacuteblica de Platatildeo (X 607a) quando absolvia do
ostracismo os ldquohinos aos deuses e os encocircmios ao virtuososrdquo A diferenciaccedilatildeo entre hino e as demais espeacutecies
sacras se daraacute logo em seguida no texto do epiacutetome quando se aborda a segunda delas no cataacutelogo de Proclo o
prosoacutedio (cf infra n 60) Cf igualmente Severyns paacuteg 119 em que organiza claramente as trecircs interpretaccedilotildees
de hino em relaccedilatildeo agraves demais formas poeacuteticas
Para a confusatildeo entre o hino e as formas encomiaacutesticas cf tambeacutem Harvey (1955) 59 Seria portanto combinando os trecircs termos arrolados na paroniacutemia explicativa da etimologia uma
ldquocanccedilatildeo em procissatildeordquo Aqui o que a etimologia faz eacute tatildeo somente explicar por outras palavras os termos do
composto que nomeia a espeacutecie a preposiccedilatildeo proacutes que daacute a noccedilatildeo de ldquoem direccedilatildeo ardquo que compotildee os verbos de
movimento que permitem designar o caminhar da procissatildeo (pros + ieacutenai) e o verbo ldquocantarrdquo (aiacutedo) donde o
ldquocantordquo ldquoa oderdquo ( oacuteide) 60 Aqui a distinccedilatildeo entre o hino como espeacutecie particular ndash o ldquohino propriamenterdquo ldquo rdquo ndash em
relaccedilatildeo agraves demais que remonta ateacute onde nos eacute possiacutevel saber a Diacutedimo Segundo o Et Magn 690 ldquoπροσωδια
παρα το προσιοντας ναοις η βωμοις προς αυλον αδειν ltαντιgt δια ltστελλεταιgt δε των υμνον οτι τους υμνους
προς κιθαραν εστωτες αδουσιν Ουτω Διδυμος εν τω περι λυρικων ποιητωνrdquo ndash ldquoos prosoacutedios foram assim
118
41 O peatilde [paiacutean ] eacute uma espeacutecie de canto nos nossos dias escrito para todos
os deuses mas em tempo antigo se dedicava propriamente a Apolo e a Aacutertemis sendo
cantado pela democcedilatildeo [katapauacutesei ] de pestes e moleacutestias61 Alguns chamam
peatildes por extensatildeo os prosoacutedios62
42 O ditirambo [dithyacuterambos ]63 eacute composto para Dioniso e denominado
a partir dele ou por Dioniso ter crescido sob o monte Nisa em uma caverna diacutethyros
chamados pois os que se aproximam dos templos ou altares cantam ao acompanhamento de aulo Opotildeem-se aos
hinos pois os cantam parados ao acompanhamento de ciacutetara Assim disse Diacutedimo no Acerca dos Poetas
Liacutericosrdquo
Sobre a forma hestoacuteton ( ) considerando que ocorre similarmente nos textos semelhantes
Severyns observou (124 6 citando o Etm Magnun 690 41) que sendo a espeacutecie executada por um coro pelo
menos em origem dificilmente o termo aqui se emprega ao peacute da letra O termo poderia ter o sentido de
estaacutesimo como na trageacutedia ou seja ldquouma paradardquo em relaccedilatildeo ao movimento geral pela orquestra mas com uma
coreografia o que significaria que o coro faria as evoluccedilotildees tiacutepicas da estrutura estroacutefica junto ao canto e agrave
composiccedilatildeo instrumental por oposiccedilatildeo aos meacutele hyporkheacutemata aqueles que possuiacuteam uma danccedila e aos meacutele
prosoacutedia esses opostos aos dois por ser em procissatildeo Contudo em se tratando de um genitivo absoluto o que
se tentou manter na traduccedilatildeo podemos aventar igualmente uma explicaccedilatildeo mais simples o termo estaacute a
continuar a oposiccedilatildeo entre o ldquohino em sentido proacutepriordquo o hyacuterios hyacutemnos e o prosoacutedio significando que aquele
se iniciava apoacutes este ou seja apoacutes o teacutermino da procissatildeo ldquouma vez que se estivesse paradordquo Note-se que uma
possibilidade natildeo nega a outra e ambas me parecem presentes porque isso inclusive explicaria primeiro os
hyporkheacutemata em particular como espeacutecie (seguindo o raciociacutenio do cataacutelogo) assim como em segundo a
ausecircncia de explicaccedilatildeo para estes no epiacutetome (cf n 77) 61 A etimologia se constitui pela proximidade do nome da canccedilatildeo com o termo ldquocessaccedilatildeo democcedilatildeordquo
( katapapaucircsis) e aqui a classificaccedilatildeo da espeacutecie se faz em prol da etiologia antiga Busca-se um
termo que lhe seja proacuteximo do ponto de vista do significante mas tambeacutem do significado Assim os leacutexicos (Et
Mag 657 2) traratildeo uma derivaccedilatildeo teoacuterica e dentre eles o Et Gudianum (446 50) daraacute como fonte Diacutedimo
Vale nota que o Et Magnum e o escoacutelio a Platatildeo (Banquete 177a) datildeo amostra da preocupaccedilatildeo terminoloacutegica
que perfaz a classificaccedilatildeo do epiacutetome pois embora ambos consoem com Proclo e este segundo empregue
praticamente a mesma formulaccedilatildeo do epiacutetome (ldquo rdquo)
ambos empregam o termo hyacutemnos propondo o peatilde como um tipo de hino evidenciando que o uso de ldquohinordquo
como gecircnero para espeacutecies era corrente na tratadiacutestica
Derivaria de παιω tambeacutem (cf lat pauio pauimentum) ldquobater percutirrdquo (cf Dioniacutesio Traacutecio) mas pela
mesma razatildeo etioloacutegica acima explicada pois Apolo batendo com seu bastatildeo demoveria os males Haveria
tambeacutem a derivaccedilatildeo do nome pela expressatildeo caracteriacutestica que se dizia ao longo do canto ldquo rdquo (cf
Ateneu XV 696d ndash 697b) Em tempos poacutes-homeacutericos o termo foi confundido com Peatildeo deus da medicina (cf
Ferrante paacuteg 43 n41) evidentemente associado a Apolo e jaacute Aacutertemis sua irmatilde era tambeacutem destinataacuteria do
canto como testemunha o epiacutetome Entatildeo o canto seria ou uma suacuteplica pela liberaccedilatildeo como testemunha Homero
no canto I da Iliacuteada (472 ndash 4) ou um agradecimento ao deus por ela Daiacute que como ldquoaccedilatildeo de graccedilardquo ndash termo que
Severyns ndash penso ndash emprega sem erro o peatilde passou a servir de agradecimento a diferentes deuses e por
diferentes accedilotildees A Vida de Soacutefocles (III) conta-nos que o tragedioacutegrafo teria se destacado ainda jovem por
conta de um peatilde em agradecimento pela vitoacuteria em Salamina Parece que natildeo muito mais tarde (embora seja
impossiacutevel precisar se a praacutetica jaacute era corrente mesmo anteriormente) peatildes passaram a se compor para homens
Ateneu (supra) arrola diferentes exemplos de peatildes para mortais dos quais merece destaque o referido por
Plutarco na Vida de Lisandro (18) o general espartano ndash Cf Severyns (127 3) 62 Tanto Severyns (41 7 paacuteg 129) como Ferrante (41 paacuteg 45) a julgar pela diferenciaccedilatildeo inferem que a
confusatildeo se dava porque antes do canto de um peatilde propriamente haveria uma procissatildeo ao templo do deus a
que se agradeceria o que se faria ao som de um prosoacutedio propriamente e este poderia ser designado pelo
criteacuterio apenas da finalidade da ocasiatildeo um peatilde ignorando-se os elementos formais explicitados Ambos autores
tambeacutem datildeo como referecircncia para o estudo e a bibliografia a respeito do peatilde A Fairbanks A study of the greek
paean New York 1900 L Deubner Neue Jahrbuumlrch 1919 p 585 L Delatte in Antiquiteacute classique 7 (1938)
p 23 ndash 29 Sobre o a confusatildeo entre os gecircneros sacros e a impossibilidade de estabelecer o que consistia cada
um Harvey (op cit1955) 63 Segundo alguns o termo eacute de origem liacutedia mas a etimologia eacute incerta Διθυραμβος era uma outra
designaccedilatildeo de Dioniso e mais tarde tornou-se o nome do canto em honra ao deus o que seria embora isso talvez
119
[bifurcada ]64 ou por ter sido encontrado quando se abriram as rhaacutemmata [suturas
] de Zeus65 ou porque nasceu ndash ao que parece ndash duas vezes [diacutes ] a primeira de
Secircmele e a segunda da coxa66
43 Piacutendaro diz que o 67ditirambo foi descoberto em Corinto e Aristoacuteteles fala que o
inaugurador desse canto eacute Aacuterio quem primeiro conduziu um coro em ciacuterculo68
44 Jaacute o nomo [ ] era composto para Apolo que por sua vez tem seu epiacuteteto
derivado dele69 de fato Apolo eacute ldquoNocircmimosrdquo [ ]70 ndash foi chamado ldquoNocircmimosrdquo
porque estando os antigos a dispor o coro e cantar o nomo ao som da lira ou do aulo
Crisocirctemis o cretense vestindo pela primeira vez uma exuberante estola e sacando uma ciacutetara
por imitaccedilatildeo de Apolo cantou sozinho [monos ]71 um nomo Como ele foi aclamado a
maneira do concurso permanece
45 Ao que tudo indica primeiro Terpandro aperfeiccediloou o nomo empregando o metro
heroico Depois natildeo foi com pouco que contribuiu Aacuterio de Metimna ele mesmo sendo poeta e
fosse desconhecido dos antigos um epocircnimo Para diferentes possibilidades etimoloacutegicas associadas a aspectos
do culto de Dioniso a partir do grego e de outras liacutenguas cf Ferrante (42 paacuteg 45 ndash 46) 64 De δις + θυρα cf lat fores (com duas portas) cf Herodiano (II 492 28 Lentz) apud Ferrante (op cit
idem) e Piacutendaro (fr 76 BOWRA) A mesma etimologia ocorre no Et Magnum (274 44) e no Escoacutelio a
Apolocircnio de Rodes (IV 1131 Wendel) 65 O simples segmento focircnico [-ram-] - seria suficiente para se fazer a associaccedilatildeo a outro episoacutedio
conhecido sobre a mitologia em torno de Dioniacuteso a saber sua segunda gestaccedilatildeo na coxa de Zeus gerando a
associaccedilatildeo entre dithyacuterambos e a locuccedilatildeo ldquolugravethi rhammardquo ( ) frase com que Zeus teria consumado o
nascimento definitivo de seu filho cujo significado seria ldquosoltem-se as suturasrdquo Essa etimologia encontra-se
tambeacutem no Et Magn (274 50) e era ao que tudo indica poeacutetica remontando a Piacutendaro (fr 75 BOWRA) 66 O uacuteltimo elemento associado ao numeral dois ldquoduas vezesrdquo ndash [dis] - - eacute uma etimologia meramente
semacircntica e tambeacutem associada a um segmento focircnico A rigor essa etimologia eacute a melhor demonstraccedilatildeo do aqui
se denomina uma etimologia etioloacutegica porque na verdade eacute a somatoacuteria de partes da palavra cada uma
remetendo a outra palavra que por sua vez representa um elemento do mito de nascimento do deus compondo
seu significado geral e a origem de um nome que entre os gregos mesmos era de origem incerta As diferentes
partes dessa etimologia em que cada associaccedilatildeo contribui para a inserccedilatildeo do mito no significado da palavra
aparecem aleacutem do Et Magn (274 44) no Et Gud (146 24 e 43) de modo que neste se observa a mesma
associaccedilatildeo entre ldquoduas viasrdquo e ldquodois nascimentosrdquo ndash cf Severyns 42 8 paacuteg 132 67 Cf Ferrante (43 paacuteg 46) Piacutendaro Ol 13 25 68 Aristoacuteteles Pol VIII 7 1342 b 7 Para Aacuterio c 625 aC cf Heroacutedoto (I 23 ndash 24) 69 A melhor explicaccedilatildeo para tal passagem eacute de Severyns (op cit 44 1 paacuteg 137) buscando brevidade
didaacutetica na exposiccedilatildeo Foacutecio teria pecado no estilo produzindo a ambiguidade da passagem que na sua
literalidade daacute a entender primeiro que Apolo herdou seu epiacuteteto do canto Como Severyns observa a passagem
sequer faria sentido caso se pensasse que Foacutecio a entendeu dessa maneira 70 Severyns (idem 2) e Ferrante (n 44 paacuteg 48) concordam que noacutemimos seria a variaccedilatildeo adotada por
Foacutecio mas para fins etimoloacutegicos Proclo provavelmente empregava a forma noacutemios constante na recorrecircncia
dessa etimologia O epiacuteteto de Apolo poderia tanto ser cognato de ldquoneacutemo pastorearrdquo significando
ldquopastorilrdquo como de ldquonoacutemos leirdquo significando algo como ldquoprovedor de leisrdquo ndash Severyns (44 4 paacuteg 139) 71 Aventa-se aqui a possibilidade de que como em sect65 em que Foacutecio expotildee a etimologia que prefere em
funccedilatildeo do lsquomrsquo de moacutenos Foacutecio esteja explicando seu emprego natildeo em vatildeo e natildeo meramente estiliacutestico de
noacutemimos em vez de noacutemios que devia constar no texto de Proclo Essa hipoacutetese seria consoante agrave confusatildeo que
ocorre no iniacutecio do trecho de modo que aqui Foacutecio estaria nos informando que haveria uma confusatildeo entre o
epiacuteteto do deus e o nome da subespeacutecie nome que sofreria uma sutil modificaccedilatildeo em funccedilatildeo do evento
estabelecedor da praacutetica performaacutetica que passa a caracterizaacute-lo Assim teriacuteamos duas etimologias combinadas
uma claramente epocircnima outra uma variaccedilatildeo etioloacutegica
120
citaredo 46 Friacutenis de Mitilene inovou-o juntou o hexacircmetro ao verso livre e utilizou mais de
sete cordas 47 Posteriormente Timoacuteteo levou-o a seu arranjo atual72
48 O ditirambo eacute movimentado junto agrave danccedila uma manifestaccedilatildeo de entusiasmo em
alto grau elaborado para as paixotildees muito proacuteprias do deus eacute agitado quanto ao ritmo e
emprega de forma mais simples as palavras 49 O nomo pelo contraacuterio por causa do deus
distende-se de forma ordenada e magnificente distende-se no ritmo e emprega as palavras
compostas73
50 Natildeo diferentemente cada um tambeacutem emprega as escalas proacuteprias pois o primeiro
afina-se ao friacutegio e ao hipofriacutegio e o nomo ao sistema liacutedio dos citaredos74
51 Ao que parece o ditirambo foi descoberto a partir da brincadeira das crianccedilas
pelos campos e da animaccedilatildeo entre os eacutebrios O nomo por sua vez parece decorrer do peatilde ndash
este eacute mais comum sendo escrito para a deprecaccedilatildeo de males aquele propriamente para
Apolo ndash por isso natildeo tem o entusiasmo como o ditirambo
52 Laacute enfim bebedeiras e brincadeiras aqui suacuteplicas e muita ordem pois que o
proacuteprio deus na ordenaccedilatildeo e em um arranjo contido daacute voltas no compasso
53 Adoniacutedias se dizem as canccedilotildees que se referem a Adocircnis75
54 Cantava-se o iobaco imerso em frecircmitos nos festivais e sacrifiacutecios a Dioniso76
72 Aqui se forneceria conforme o modelo padratildeo uma histoacuteria do nomo a partir de sua invenccedilatildeo
passando por seus desenvolvimentos Para as conjecturas histoacutericas sobre a evoluccedilatildeo formal do nomo Severyns
op cit II 140 a 150 Ferrante op cit paacuteg 48 traz uma breve exposiccedilatildeo sobre as partes do nomo e da paacuteg 50
a 51 a biografia de cada um dos poetas referidos 73 Empreende-se uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas gerais dessas composiccedilotildees de acordo com o
deus a que se destinava cada uma Agrave paixatildeo proacutepria de Dioniacutesio e do entusiasmo caracteriacutestico de seu culto
acomodar-se-ia um estilo mais baixo empregando palavras simples aqui entendidas no sentido da elocuccedilatildeo
propriamente enquanto por outro lado combinando com o ritmo do nomo que ao inveacutes de se agitar em prol da
danccedila dos entusiasmados buscava prolongar-se pausadamente as palavras seriam mais belas visando ao ornato
da elocuccedilatildeo portanto compostas 74 Igualmente a cada um dos referidos ritmos melhor caberiam diferentes escalas musicais Para
interpretaccedilotildees divergentes da passagem e a possiacutevel discordacircncia em relaccedilatildeo a uma interpretaccedilatildeo peripateacutetica
Cf Severyns paacuteg 160 ndash 163 75 Adocircnis era divindade de origem siacuteria e feniacutecia (Ferrante 53 paacuteg 57) O pouco que se pode saber sobre
essa espeacutecie eacute que talvez fosse um treno ritual em que as mulheres lamentavam imitando Afrodite a morte do
belo jovem O termo que nomeia a canccedilatildeo epocircnima ocorre poucas vezes na liacutengua em Aristoacutefanes (Lisistrata
389) ocorre na forma adoniasmoacutes O Et Mag explica a forma como ldquoo treno por Adocircnisrdquo A peccedila
de Aristoacutefanes ainda ilustra expressotildees que provavelmente eram tiacutepicas desse canto (393 e 396) ldquo rdquo
(ldquoAi Adocircnisrdquo) e ldquo rdquo (ldquobatei no peito lsquoAdonisrsquordquo) Tambeacutem havia um peacute meacutetrico chamado
adocircnio 76 Como em uma das etimologias possiacuteveis para o peatilde o nome eacute composto da interjeiccedilatildeo de juacutebilo ldquoioacuterdquo
mais um dos nomes do deus Baacutekkhos cf Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (450 15) Cf severyns (54 paacuteg 171) em
Atenas representaccedilotildees do seacutequito de Dioniso chamavam-se Ioacutebakkhoi e Iobakkheicirca era o nome de uma festa
puacuteblica em honra do deus A expressatildeo ldquoimerso em muito frecircmitordquo sugere uma celebraccedilatildeo de caraacuteter semelhante
a do ditirambo
121
55 Hiporquema [hypoacuterkhema ]77 chamava-se a canccedilatildeo cantada junto agrave
danccedila [oacuterkhesis ]78 de fato os antigos frequentemente empregavam a preposiccedilatildeo
hypoacute [ ] no lugar de metaacute [ ]79
56 Quanto aos descobridores alguns dizem ter sido os curetas80 outros Pirro [Pyrros
] filho de Aquiles donde tambeacutem dizem piacuterrica [purrikheacute ] uma espeacutecie
de danccedila81
56a [paraacutegrafo pertinente ao encocircmio falta nos manuscritos]82
57 Jaacute o epiniacutecio escrevia-se pelo momento mesmo da vitoacuteria aos primeiros nas
competiccedilotildees83
77 Segundo Ferrante (55 paacuteg 58) seriam composiccedilotildees em versos creacuteticos ou peocircnicos Opotildee-se agraves demais
espeacutecies sacras porque era composta com uma danccedila em especiacutefico e natildeo evoluccedilotildees do coro Seria um canto de
origem cretense originariamente dedicado a Apolo mas depois a Dioniso e Atena ateacute que jaacute na eacutepoca de
Piacutendaro secularizou-se 78 A julgar pelo fato do resumo de Foacutecio mencionar mesmo que sucintamente as consideraccedilotildees do texto
original que explicavam a classificaccedilatildeo dessas espeacutecies sacras eacute de supor que o proacuteprio texto acessado natildeo trazia
muitas outras consideraccedilotildees sobre essa espeacutecie uma vez que um criteacuterio que as definisse como tal jaacute fora
discutido e estava subentendido no restante da exposiccedilatildeo da liacuterica sacra O nome por si soacute eacute autoexplicativo
ainda mais apoacutes a discussatildeo na exposiccedilatildeo do prosoacutedio particularizando o hino 79 Cf Ferrante (55 paacuteg 59) que arrola por exemplo O Escoacutelio a Piacutendaro (Ol VI 73b) e a Homero
(XVIII 492) como testemunhos arcaicos do uso de uma preposiccedilatildeo no lugar da outra O nome da espeacutecie seria
portanto algo como ldquodanccedilanterdquo (ldquocom danccedilardquo) Para as demais etimologias antigas cf Severyns (56 paacuteg 174 ndash
178) 80 Seriam sacerdotes do culto a Rea influentes em Creta Cf Ferrante (56 paacuteg 59) 81 Epiacuteteto de Neoptoacutelemo 82 Cf Harvey (1955) para ponderaccedilotildees sobre o encocircmio em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies principalmente em
relaccedilatildeo aos hinos Segundo a definiccedilatildeo de Heliodoro apud Ferrante (paacuteg 61) ldquoeacute a composiccedilatildeo poeacutetica que
compreende o enaltecimento de homens e cidadesrdquo mas morfoloacutegica e etimologicamente tambeacutem significava
fazer parte de um koacutemos mas em uma solenidade festiva ndash cf Piacutendaro Nemeias 8 50 Portanto poderia se
confundir com o epiniacutecio e em ambiente simposial ao escoacutelio mas se diferenciaria desse por ser coral 83 Fosse literalmente ie com valor temporal ldquono momento da vitoacuteriardquo fosse em sentido causal ldquopor
causa da vitoacuteriardquo
Severyns (57 paacuteg 181) defende que a liccedilatildeo talvez fosse epigrave autograven tograven kairograven porque aiacute ocorreria uma
etimologia que diz ldquoaludidardquo por oposiccedilatildeo ao encocircmio o epiniacutecio era obrigatoriamente no momento da vitoacuteria
em uma competiccedilatildeo atleacutetica supondo a celebraccedilatildeo do homem na proacutepria ocasiatildeo pairando a sugestatildeo de que
esse criteacuterio definiria o epiniacutecio em ldquoparticularrdquo semelhantemente agrave distinccedilatildeo entre hino em ldquoparticularrdquo jaacute
observada em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies sacras Em resumo o epiniacutecio em particular ou propriamente por
oposiccedilatildeo ao encocircmio que tambeacutem eacute um elogio seria apenas o que se cantava na ocasiatildeo performaacutetica especiacutefica
da vitoacuteria do atleta A proposta de Severyns natildeo me parece necessaacuteria para certas composiccedilotildees de fato talvez o
uacutenico criteacuterio realmente distintivo fosse uma ocasiatildeo performaacutetica apenas aludida e pressuposta o que na
praacutetica inevitavelmente se dava com certa flutuaccedilatildeo por um lado um epiniacutecio poderia ser executado mesmo
que posteriormente em um simpoacutesio e nesse caso a ocasiatildeo performaacutetica original seria pressuposta de
qualquer maneira o que o originou fora uma vitoacuteria atleacutetica A ocasiatildeo original por outro lado como se lecirc nos
epiniacutecios pindaacutericos talvez natildeo fosse o proacuteprio local da competiccedilatildeo mas uma cerimocircnia ciacutevica (com um koacutemos)
na paacutetria do atleta Natildeo parece necessaacuterio julgar com tanto rigor a classificaccedilatildeo dos antigos porque natildeo nos eacute
possiacutevel estabelecer quando exatamente se dava a cerimocircnia ciacutevica de celebraccedilatildeo do atleta e ao que tudo indica
havia uma flutuaccedilatildeo A emenda natildeo se faz necessaacuteria a rigor a motivaccedilatildeo do canto em uacuteltima instacircncia seria a
vitoacuteria atleacutetica e sempre se referiria a essa ocasiatildeo ou seja mesmo que por referecircncia estaria sempre
circunscrita a um ldquotempo especiacuteficordquo ndash o mesmo criteacuterio seraacute empregado para distinguir epiceacutedio de treno (sect67)
poreacutem explicitamente O encocircmio talvez natildeo se prendesse a uma motivaccedilatildeo especiacutefica mas natildeo nos resta
hipoacutetese para o que o definiria ldquoem particularrdquo
122
58 O escoacutelio [torto tortuoso skoacutelion ] era uma canccedilatildeo cantada entre os
convivas Por isso agraves vezes tambeacutem a chamam ldquocanccedilatildeo de beberrdquo Eacute despojado na preparaccedilatildeo
e muitiacutessimo simples84
59 ldquoEscoacuteliordquo eacute dito natildeo por antiacutefrase como julgam alguns o que se diz por antiacutefrase
em geral visa ao eufemismo e natildeo se muda o eufecircmico em maldizer85 60 Eacute poreacutem pelo
fato de que estando os sentidos enfim arrebatados e os ouvintes folgados por conta do vinho
bem nesse instante se introduzia o baacuterbito86 nos simpoacutesios e cada um continuando a
festividade combalia-se instavelmente no proferimento do canto Por causa disso que eles
proacuteprios sofriam em funccedilatildeo da bebedeira voltando-o para a canccedilatildeo chamavam-na tatildeo
simplesmente ldquoescoacuteliordquo [canccedilatildeo ldquotortardquo]87
61 As eroacuteticas [eroticaacute ] evidentemente cantam circunstacircncias de amores
[eroticagraves peristaacuteseis ] por mulheres meninos e moccedilas88
62 E as epitalacircmias [epithalaacutemia ]89 cantam-nas aos receacutem-casados
simultaneamente os rapazes e as moccedilas90 em direccedilatildeo [epiacute ] ao quarto nupcial[thaacutelamoi
]
84 Para as demais etimologias antigas e a hipoacutetese de que a etimologia por antiacutefrase fosse de Diacutedimo
Severyns (58 paacuteg 182 ndash 189) A etimologia proposta por Proclo associa o termo diretamente agrave ocasiatildeo e ao que
ocorre nela de modo a determinar o tipo de canto a canccedilatildeo seria tortuosa por causa da bebida seria portanto a
ldquocanccedilatildeo de beberrdquo por excelecircncia porque se cantava bebendo Essa etimologia supotildee que skoacutelion viria por
baritonaccedilatildeo do adjetivo skolioacutes a on (subentendendo-se melos) que significa ldquotortuosordquo e por isso tambeacutem
ldquodifiacutecilrdquo A etimologia opta pelo primeiro significado em vez do segundo ou seja o nome viria do significado
primeiro e literal da palavra 85 A etimologia por antiacutefrase ndash ldquodizer o contraacuteriordquo ndash seria dizer ldquodifiacutecilrdquo a canccedilatildeo porque na verdade eacute
simples e faacutecil uma vez que se daacute em meio agrave bebedeira dificultando a elaboraccedilatildeo Mas a antiacutefrase se daacute por
eufemismo ie para evitar o maldizer e natildeo o contraacuterio o que acabaria ocorrendo se essa hipoacutetese fosse
verdadeira supostamente porque para o autor da Crestomatia chamar difiacutecil o faacutecil natildeo seria eufecircmico mas
depreciativo 86 Lira grande de nove cordas 87 A canccedilatildeo eacute duplamente tortuosa o efeito tortuoso da bebida presente no canto dos eacutebrios se reflete na
consecuccedilatildeo do canto conforme os convivas se sucedem entoando-o desorganizada ou tortuosamente ie sem
uma sequecircncia predeterminada e linear 88 O nome eacute autoexplicativo Aqui provavelmente se agrupavam os poemas de Safo Anacreonte e Alceu
que tambeacutem satildeo dados como poetas de escoacutelios Essa pequena seccedilatildeo da Crestomatia provavelmente eacute a que
tratava das espeacutecies que nos satildeo legadas tendo como ocasiatildeo performaacutetica baacutesica o simpoacutesio 89 Outra etimologia autoexplicativa que se definia pela ocasiatildeo mais especificamente aqui diferencia esta
espeacutecie da seguinte por conta de sua finalidade e da ocasiatildeo pontual em que era cantada Segundo Severyns (62
191 ndash 194) tanto epithalaacutemios como hymeacutenaios poderiam designar as canccedilotildees de mateacuteria nupcial sendo a
primeira arcaica e poeacutetica e a segunda posterior heleniacutestica teoacuterica cunhada pelos gramaacuteticos De fato eacute o que
demonstra com as ocorrecircncias de ambas as designaccedilotildees esta segunda em Ateneu (I 5e) por exemplo
referindo-se (a) ao canto executado no banquete nupcial junto aos pais da noiva ou quando (b) ela era levada
pelo cortejo de amigos junto ao esposo da casa de seus pais agrave casa dele (Homero Il XVIII 491 seq e Hesiacuteodo
Escudo 272 seq) ou quando (Teoacutecrito XVIII 8 etc) o casal (c) se retira ao cocircmodo nupcial guardado por uma
espeacutecie de porteiro ou guardiatildeo o thyroroacutes jaacute aquela primeira classificando as mesmas coisas em
textos de base gramatical como Amocircnio Sacoacuteforo (junto de diversos sinocircnimos como gameacutelios e
variantes) ou o Escoacutelio a Teoacutecrito (XVIII) etc referindo-se ao terceiro significado (c) de himeneu ou cobrindo
todos seus significados como sinocircnimo direto de hymeacutenaios (Et Magn 776 46) ou designando uma
composiccedilatildeo natildeo liacuterica mas com o mesmo valor da primeira noccedilatildeo (a) de himeneu agraves vezes em diacutestico elegiacuteaco
123
63 Diz que o himeneu cantava-se nos casamentos em conformidade ao sofrimento e agrave
procura por Himeneu filho de Terpsiacutecore91 o qual dizem ter se tornado invisiacutevel apoacutes casar-
se
64 Outros em honra de Himeneu de Atenas pois ele ndash diz ndashapoacutes perseguir resgatou
de bandidos moccedilas atenienses92
65 Eu penso que era uma exultaccedilatildeo prenunciando uma vida afortunada e que
rezavam junto aos cocircnjuges pela comunhatildeo de um matrimocircnio com ternura entretecendo a
prece com dialeto eoacutelio de modo a sempre hymenaiacuteein [coabitarem ] e
homonoeicircn [concordarem ] os que vatildeo morar sob o mesmo teto93
66 O silo94 conteacutem a ralhaccedilatildeo e o menoscabo de homens comedidamente95
(Luciano Banquete 29 40 etc) ou referindo-se a uma composiccedilatildeo em prosa ie um discurso equivalente ao
primeiro tipo (a) de himeneu
Parece acertada a conclusatildeo do autor de que como se observa para outras espeacutecies da liacuterica secular em
que se cunha posteriormente uma nomenclatura a fim de diferenciaacute-la de outras formas poeacuteticas congecircneres
designadas a princiacutepio por um mesmo nome geral ldquohimeneurdquo como designaccedilatildeo mais antiga seria o nome para
qualquer ode nupcial qualquer canto referente aacutes nuacutepcias entoado mesmo que em meio ao simpoacutesio enquanto o
termo ldquoepitalacircmiordquo passaria a designar em uma tentativa mais teacutecnica de classificaccedilatildeo (gramatical) uma
circunstacircncia especiacutefica em que se realizava um canto liacuterico nupcial a ida ao leito ou taacutelamo 90 Conforme demonstra Severyns (62 4 paacuteg 193) parece que a princiacutepio esse coro se compunha apenas
de moccedilas mas Proclo deve atestar a praacutetica posterior de incluir tambeacutem rapazes Piacutendaro (Piacuteticas III 18) e
Teoacutecrito (XVIII 2 e 22) a testariam o primeiro caso Eacutesquilo (fr 43 Nauck) o segundo Sobre o uso de
discursos nas mesmas ocasiotildees Dioniacutesio de Halicarnasso (Ret IV I 266 22) emprega a mesma distinccedilatildeo de
espeacutecies levando Severyns agrave pertinente observaccedilatildeo de que ela fosse alexandrina 91 Confere para as divergecircncias em relaccedilatildeo agrave matildee do jovem Himeneu Severyns (63 3 126 ndash 197) 92 Ambas as etimologias propostas por Proclo para o nome da espeacutecie compotildeem epocircnimos etioloacutegicos
para os quais a interpretaccedilatildeo de Severyns (63 5 198) parece acertada Para a primeira Proclo estaria
interpretando pela referecircncia miacutetica a expressatildeo formular desse tipo de canto ldquo Hymegraven ocirc
Hymeacutenaierdquo focando-se no segundo termo como mito etioloacutegico do canto associado pelo que se subentende agrave
perda do hiacutemem (Cf Severyns 65 2 paacuteg 200 para outras etimologias linguiacutesticas dos antigos) A segunda
etiologia eacute associada a outra personagem e segundo o autor seria de base heleniacutestica teoricamente em funccedilatildeo
do quanto subentende de referecircncias e contecircm de amplificaccedilatildeo episoacutedica em relaccedilatildeo a outras fontes (cf 64 paacuteg
198 ndash 200) Supotildee a praacutetica do casamento natildeo concedido por parte de piratas e raptores um casamento ilegal
para a poacutelis portanto Como o referido heroacutei aacutetico teria impedido tal praacutetica iniciara-se a pratica de celebraacute-lo
junto ao casamento consentido e legal 93 Nessa curiosa passagem Foacutecio daacute sua opiniatildeo teria considerado as etimologias de Proclo por demais
pagatildes Natildeo se pode dizecirc-lo mas talvez tenha considerado muito obtusas as ilaccedilotildees feitas uma vez que pelas
constantes expressotildees ldquouns outrosrdquo ao longo do resumo natildeo haacute por que duvidar de que nos forneccedila por
completo as etimologias com que Proclo operava 94 Palavra que significa ldquomordazrdquo ldquosarcaacutesticordquo mas que tambeacutem seria ldquovesgordquo Para as etimologias que
natildeo constam no epiacutetome porque provavelmente jaacute assume o nome do canto pelo teor satiacuterico como se vecirc na
definiccedilatildeo cf Ferrante (paacuteg 72) 95 Teriam sido compostos por Timatildeo de Flio filoacutesofo ceacutetico do periacuteodo heleniacutestico e eram basicamente
hexacircmetros paroacutedicos ridicularizando de maneira branda outros filoacutesofos Pelo mesmo nome se designavam os
escritos de Xenoacutefanes de Colofatildeo anterior a Timatildeo em aproximadamente um seacuteculo Por extensatildeo hexacircmetros
que parodiassem Homero tambeacutem deviam ser considerados siacutelos (Ferrante paacuteg 72) Segundo Dioacutegenes Laeacutercio
(IX 109 apud Ferrante) agrave eacutepoca de Tibeacuterio o gramaacutetico Apolocircnide de Niceacuteia teria composto uma ldquoMemoacuteria
dos Silosrdquo em cujo livro primeiro se contava a vida de Timatildeo e se estudava sua poesia Autores modernos
(Smyth apud Severyns paacuteg 68) questionam a classificaccedilatildeo do silo como poesia liacuterica e coral por ser
hexameacutetrico Ferrante (idem) a partir de Heliodoro (451 23 apud Severyns) aventa a possibilidade de se
considerar o silo uma subespeacutecie do iambo pelo emprego de loidoriacutean em sua definiccedilatildeo mas parece ignorar
tambeacutem o metro bem como o fato de Proclo usou a palavra na definiccedilatildeo do iambo provaacutevel razatildeo pela qual natildeo
124
67 O treno difere do epiceacutedio [epikeacutedion] porque o epiceacutedio se diz a partir do proacuteprio
kecircdos [luto funeral ] com o corpo ainda jazendo exposto enquanto o treno natildeo se
circunscreve a um periacuteodo de tempo96
68 As chamadas partecircnias [partheacutenia ] eram escritas para coros de moccedilas
[partheniai ]
69 A elas as dafnefoacutericas [ldquoporta-lourosrdquo daphneforicaacute ] pertencem
como a um gecircnero97 a cada nove anos na Beoacutecia os sacerdotes portando [komiacutezontes
] louros [daacutephnai ] aos templos de Apolo louvavam-no com um coro de
moccedilas98
70 Sua origem os muitos eoacutelios que habitavam Arne e as terras da regiatildeo de laacute
migrando de acordo com um oraacuteculo e que sitiando deram iniacutecio ao saque de Tebas antes
ocupada pelos pelasgos99
71 Em advindo um festival de Apolo comum a ambos estabeleceram armistiacutecio e
enquanto uns agrave margem do Heacutelicon cortavam louros outros agrave margem do rio Melas os
ofertavam a Apolo
72 Entatildeo Polematas comandante dos beoacutecios sonhou que via um jovem entregar-lhe
a armadura e ordenar-lhe fazer votos de a cada nove anos levar louros a Apolo
73 Depois de trecircs dias investindo sobrepujou os inimigos e ele proacuteprio entatildeo
executaria uma dafnefoacuteria [dafneforiacutea ] A partir daiacute se preserva o costume
74 A dafnefoacuteria cingem um galho de oliveira com louros e flores coloridas na ponta
se acopla uma esfera de bronze e dela pendem menores No meio do galho dispondo em
ciacuterculo dependuram uma menor que a da ponta e guirlandas roxas A parte final do galho
envolvem com um manto cor de accedilafratildeo
a empregaria aqui Para a associaccedilatildeo excessiva de Proclo com Diacutedimo neste passo e outros autores anteriores a
Proclo que classificam o silo entre as espeacutecies liacutericas cf Severyns (paacuteg 205) 96 Para as partes do sepultamente entre os gregos e o kecircdos como funeral cf Severyns (67 2 paacuteg 207)
Essas duas formas de canccedilatildeo fuacutenebre se distinguiriam por um momento especiacutefico da ocasiatildeo Esse criteacuterio jaacute se
aplicou em relaccedilatildeo ao epiniacutecio e ao epitlacircmio (supra notas 167 e 173) Para a associaccedilatildeo e a distinccedilatildeo dessas
espeacutecies liacutericas em relaccedilatildeo agrave elegia e o emprego do metro aleacutem de Ferrante (paacuteg 73) e Severyns (paacuteg 208 ndash
210) cf Harvey (1955) 97 Conforme visto porque a noccedilatildeo de que hino e encocircmio aleacutem de espeacutecies em particular poderiam
tambeacutem ser propostos no proacuteprio texto de Proclo como gecircneros para espeacutecies eacute mais plausiacutevel que essa
explicitaccedilatildeo seja do proacuteprio texto que se resumiu e natildeo do resumidor e talvez para esse terceiro grupo da liacuterica
que compreende homens e deuses juntos o criteacuterio fosse assumido senatildeo endossado por Proclo e natildeo apenas
contraposto a um criteacuterio que tambeacutem considera todas as espeacutecies em particular 98 Aqui o texto torna-se etioloacutegico mal ocorrendo etimologias uma vez que os nomes satildeo
autoexplicativos e o que se faz nada mais eacute do que explicitar sua composiccedilatildeo O criteacuterio eacute explicito seguir-se-atildeo
as espeacutecies de partecircnios que satildeo definidas pela festa em que ocorrem O que resta entatildeo eacute contar a origem de
cada uma dessas ocasiotildees puacuteblicas 99 Para todas as referecircncias histoacutericas a respeito da etiologia e da festividade cf Severyns (70 ndash 78 paacuteg
214 ndash 232)
125
75 Pretendem que a esfera mais ao alto signifique o sol (com que remetem a Apolo) a
subposta a lua as demais suspensas os planetas e estrelas as guirlandas o curso anual ndash de
fato contavam 365
76 Um menino cujos pais ainda satildeo vivos vem no iniacutecio da dafnefoacuteria e o seu parente
mais proacuteximo carrega o galho cingido o qual chamam koacutepo [koacutepo ] 77 Seguindo o
proacuteprio dafneacuteforo [daphnefoacuteros ] vem segurando o louro soltos os cabelos
porta uma coroa de ouro traja um longo manto brilhante e veacuteu aos peacutes100 Acompanha-o de
perto um coro de moccedilas empunhando ramos de suacuteplica hineando
78 Enviavam a dafnefoacuteria aos templos de Apolo Ismecircnio e Calaacutezio
79 A canccedilatildeo tripodefoacuterica [levada por um triacutepodo] cantava-se entre os beoacutecios um
triacutepodo tomando a frente101
80 Foi esta sua origem um grupo de pelasgos tentava saquear a cidade de Panacto da
Beoacutecia Os tebanos a defendiam e enviando uma comitiva a Dodona consultaram o oraacuteculo
sobre a vitoacuteria no conflito
81 O oraacuteculo designou aos tebanos que se cometessem o maior sacrileacutegio venceriam
82 Pareceu-lhes entatildeo que a maior das impiedades era imolar aquela que lhes dera o
oraacuteculo e imolaram-na
83 As sacristatildes em torno do santuaacuterio moveram accedilatildeo contra os tebanos pelo
assassinato
84 Os tebanos no entanto natildeo concederam que apenas mulheres julgassem o meacuterito
Havendo um julgamento comum entre homens e mulheres como os homens lhes deram voto
branco os tebanos foram absolvidos
85 Soacute mais tarde depois que entenderam o que lhes fora ordenado pelo oraacuteculo
elevaram uma das triacutepodas sacras da regiatildeo da Beoacutecia e cobrindo-na como o fazem os
profanadores de templos envairam-na ao alto de Dodona
86 Como daiacute em diante prosperaram passaram a fazer desse ato um festival
87 As canccedilotildees oscofoacutericas [porta-oacutesche] cantavam-se entre os atenienses102
88 Dois jovens do coro trajados como mulheres lideram o festejo portando um ramo
de vinha cheio de uvas vicejantes ndash chamam-no oacuteskhe [ ] donde o epocircnimo das canccedilotildees
100 Epicratidas eacute um termo plural que significa ldquopanos de testardquo ie ldquolenccedilo de testardquo ldquoveacuteurdquo Embora se
pudesse apenas decalcar a palavra para o portuguecircs a passagem ficaria obscura Ao que tudo indica era somente
um tecido que o dafneacuteforo usava sobre os peacutes talvez como extensatildeo do manto 101 Idem 79 ndash 86 paacuteg 232 ndash 242 102 Ibidem 87 ndash 92 paacuteg 243 ndash 254
126
89 Dizem ter sido Teseu quem primeiramente deu iniacutecio ao rito depois que aceitando
voluntariamente a viagem a Creta livrou sua paacutetria do infortuacutenio do tributo ao prestar graccedilas
a Atena e Dioniso que se manifestaram a ele na ilha de Dia fez isso empregando dois jovens
efeminados como assistentes na cerimocircnia
90 O cortejo dos atenienses dava-se do altar de Dioniso ateacute o santuaacuterio de Atena
Esquira
91 Um coro seguia os jovens e cantava as canccedilotildees
92 Efebos de cada uma das tribos competiam uns com os outros numa corrida a peacute e
o primeiro deles saboreava de uma pipa dita ldquoquiacutentuplardquo que se preparava com oliva vinho
mel queijo e grumos de cevada
93 As canccedilotildees votivas eram escritas pelos que pediam que alguma coisa lhes adviesse
de um deus103
94 Pragmaacuteticas [pragmaticaacute ] eram as canccedilotildees que compreendiam as
accedilotildees praticadas [praacutexeis ] por algueacutem104
95 As empoacutericas [comerciais ] foram escritas sobre o quanto se mostrava a
algueacutem no decurso de suas viagens e mercancias [empoacuteriai ]105
96 As apostoacutelicas106 o quanto faziam aqueles enviados a algueacutem como emissaacuterios
97 Eacute evidente que as sentenciosas107 contecircm o enaltecimento dos caracteres
103 Euktikoacutes eacute o deverbal de euacutekhomai ndash rezar Tanto Severyns como Ferrante
concordam que eacute pelo elemento humano aleacutem do divino que tais cantos vecircm aqui como uacuteltima espeacutecie do
terceiro grupo Em Menandro o termo serve para classificar os hinos Menandro (Rhet Gr X p 134 Walz)
divide os hinos pela intenccedilatildeo kleacutetikoi (invocatoacuterios) apopemptikoiacute (de adeus para a viagem do deus) physikoiacute
(naturais sobre as manifestaccedilotildees do deus na natureza) apeuktikoiacute (deprecatoacuterios) euktikoiacute (votivos) Eacute provaacutevel
que senatildeo concorrentes sejam duas classificaccedilotildees pelo menos com intenccedilotildees diferentes Menandro subdivide as
intenccedilotildees de quem canta o hino em relaccedilatildeo ao hineado O mesmo criteacuterio define a uacuteltima canccedilatildeo da liacuterica mista
em Proclo ie sua funccedilatildeo por outro lado o criteacuterio que Proclo emprega para tratar dos hinos os distingue como
Severyns observou em particular ie pelo destinataacuterio mesmo nos casos em que poderiam se confundir com
esses cantos ecircuktikos pela intenccedilatildeo como seria o caso por exemplo do peatilde que passou a ser cantado para se
pedir ou agradecer por diferentes coisas Soacute o que se pode dizer eacute que talvez ambas as definiccedilotildees ainda que
diferentes tratassem de um mesmo objeto em comum mas lhe conferindo lugares diferentes na classificaccedilatildeo
geral segundo seus criteacuterios Sobre isso e a categorizaccedilatildeo de Menandro confere Harvey (1955) 104 Sobre essas espeacutecies em geral cf Severyns (94 paacuteg 255 ndash 257) Vale-nos sua observaccedilatildeo de que
conforme hinos desempenhavam um papel generalizante para a liacuterica sacra encocircmio para a liacuterica secular
partecircnio para a liacuterica mista as pragmaacuteticas deveriam fazecirc-lo em relaccedilatildeo ao quarto grupo o das circunstacircncias
acidentais 105 Severyms (95 257) cogita aqui os poemas de Riano (Eliacuteaca Tessaacutelica Messeniacuteaca) poeta e gramaacutetico
do periacuteodo heleniacutestico bem como a Bitiniacuteaca de Demoacutestenes da Bitiacutenia mas crecirc que Proclo natildeo tinha tais
poemas em mente por serem essencialmente hexammeacutetricos 106 Do verbo aposteacutello ldquoenviarrdquo Tanto Severyns (paacuteg 257) como Ferrante (paacuteg 95)
mencionam Heliodoro (paacuteg 450 11) ldquoἈποστολικὸν μέλος ἐστὶ τὸ πεμπόμενον πρός τινα περιέχον ltπαραι-
νέσειςgt ἢ αἴτησιν παρ αὐτοῦ δωρεᾶςrdquo ndash ldquoA canccedilatildeo apostoacutelica eacute a que se envia a algueacutem contendo
recomendaccedilotildees ou pedidos de donsrdquo e concordam que natildeo seria a isso que pelo menos no entendimento do
resumo de Foacutecio Proclo se referiria Parece que ou Foacutecio teria se equivocado na ordem dos termos mais uma vez
(como pode ter ocorrido em sect44) ou o que Heliodoro chamaria apostoacutelica o que se assemelhe talvez com o que
Proclo chama canccedilatildeo epistaacuteltica (sect99)
127
98 As geoacutergicas o que se refere aos campos estaccedilotildees e cuidados das plantas108
99 As epistolares o quanto se refere agraves designaccedilotildees que compunham em verso e
enviavam a algueacutem109
100 Aqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de Proclo
107 Gnomologikaacute ndash Confere Heliodoro (450 13) para definiccedilatildeo semelhante108 Embora como notado por Severyns Ferrante e outros esse item pareccedila associado ao anterior ie
poesia de caraacuteter gnocircmico mesmo os Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo que conteriam os dois itens poderiam como
composiccedilatildeo didaacutetica hexameacutetrica ser arrolados aqui 109 Diferentes das apostoacutelicas porque essas sim como cartas eram enviadas designando coisas Tanto
Severyns como Ferrante assumem que natildeo se pode saber com precisatildeo o que eram
128
2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO
EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO
21 VIDA DE HOMERO
Πρόκλου περὶ Ὁμήρου
Ἐπῶν ποιηταὶ γεγόνασι πολλοί τούτων δ εἰσὶ κρά-
τιστοι Ὅμηρος Ἡσίοδος Πείσανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος
Ὅμηρος μὲν οὖν τίνων γονέων ἢ ποίας ἐγένετο πα-
τρίδος οὐ ῥᾴδιον ἀποφήνασθαι οὔτε γὰρ αὐτός τι λελάληκεν 5
ἀλλ οὐδὲ οἱ περὶ αὐτοῦ εἰπόντες συμπεφωνήκασιν ἀλλ ἐκ
τοῦ μηδὲν ῥητῶς ἐμφαίνειν περὶ τούτων τὴν ποίησιν αὐτοῦ
μετὰ πολλῆς ἀδείας ἕκαστος οἷς ἐβούλετο ἐχαρίσατο
καὶ διὰ τοῦτο οἱ μὲν Κολοφώνιον αὐτὸν ἀνηγόρευσαν
οἱ δὲ Χῖον οἱ δὲ Σμυρναῖον οἱ δὲ Ἰήτην ἄλλοι δὲ Κυμαῖον 10
καὶ καθόλου πᾶσα πόλις ἀντιποιεῖται τἀνδρός ὅθεν εἰκότως
ἂν κοσμοπολίτης λέγοιτο
οἱ μὲν οὖν Σμυρναῖον αὐτὸν ἀποφαινόμενοι Μαίονος
μὲν πατρὸς λέγουσιν εἶναι γεννηθῆναι δὲ ἐπὶ Μέλητος
τοῦ ποταμοῦ ὅθεν καὶ Μελησιγενῆ ὀνομασθῆναι δοθέντα 15
δὲ Χίοις εἰς ὁμηρείαν Ὅμηρον κληθῆναι οἱ δὲ ἀπὸ τῆς
τῶν ὀμμάτων πηρώσεως τούτου τυχεῖν αὐτόν φασι τοῦ ὀνό-
ματος τοὺς γὰρ τυφλοὺς ὑπὸ Αἰολέων ὁμήρους καλεῖσθαι
Ἑλλάνικος δὲ καὶ Δαμάστης καὶ Φερεκύδης εἰς Ὀρφέα
τὸ γένος ἀνάγουσιν αὐτοῦ Μαίονα γάρ φασι τὸν Ὁμήρου 20
πατέρα καὶ Δῖον τὸν Ἡσιόδου γενέσθαι Ἀπέλλιδος τοῦ Μελα-
νώπου τοῦ Ἐπιφράδεος τοῦ Χαριφήμου τοῦ Φιλοτέρπεος τοῦ
Ἰδμονίδεω τοῦ Εὐκλέος τοῦ Δωρίωνος τοῦ Ὀρφέος
Γοργίας δὲ ὁ Λεοντῖνος εἰς Μουσαῖον αὐτὸν ἀνάγει
περὶ δὲ τῆς τελευτῆς αὐτοῦ λόγος τις φέρεται τοι- 25
129
οῦτος ἀνελεῖν φασιν αὐτῷ τὸν θεὸν χρωμένῳ περὶ ἀσφα-
λείας τάδε
ἔστιν Ἴος νῆσος μητρὸς πατρίς ἥ σε θανόντα
δέξεται ἀλλὰ νέων ἀνδρῶν αἴνιγμα φύλαξαι
λέγουσιν οὖν αὐτὸν εἰς Ἴον πλεύσαντα διατρῖψαι μὲν 30
παρὰ Κρεωφύλῳ γράψαντα δὲ Οἰχαλίας ἅλωσιν τούτῳ χαρί-
σασθαι ἥτις νῦν ὡς Κρεωφύλου περιφέρεται καθεζόμενον
δὲ ἐπί τινος ἀκτῆς θεασάμενον ἁλιεῖς προσειπεῖν αὐτοὺς
καὶ ἀνακρῖναι τοῖσδε τοῖς ἔπεσιν
ἄνδρες ἀπ Ἀρκαδίης θηρήτορες ἦ ῥ ἔχομέν τι 35
ὑποτυχόντα δὲ αὐτῶν ἕνα εἰπεῖν
οὓς ἕλομεν λιπόμεσθ οὓς δ οὐχ ἕλομεν φερόμεσθα
οὐκ ἐπιβάλλοντος δὲ αὐτοῦ διελέσθαι τὸ αἴνιγμα ὅτι ἐπὶ
ἰχθυΐαν καταβάντες ἀφήμαρτον φθειρισάμενοι δὲ ὅσους μὲν
ἔλαβον τῶν φθειρῶν ἀποκτείναντες ἀπολείπουσιν ὅσοι δὲ 40
αὐτοὺς διέφυγον τούτους ἀποκομίζουσιν οὕτω δ ἐκεῖνον
ἀθυμήσαντα σύννουν ἀπιέναι τοῦ χρησμοῦ ἔννοιαν λαμβά-
νοντα καὶ οὕτως ὀλισθόντα περιπταῖσαι λίθῳ καὶ τριταῖον
τελευτῆσαι
ἀλλὰ δὴ ταῦτα μὲν πολλῆς ἔχεται ζητήσεως ἵνα δὲ μηδὲ 45
τούτων ἄπειρος ὑπάρχῃς διὰ τοῦτο εἰς ταῦτα κεχώρηκα
τυφλὸν δὲ ὅσοι τοῦτον ἀπεφήναντο αὐτοί μοι δοκοῦσι
τὴν διάνοιαν πεπηρῶσθαι τοσαῦτα γὰρ κατεῖδεν ὅσα οὐδεὶς
ἄνθρωπος πώποτε
εἰσὶ δὲ οἵτινες ἀνεψιὸν αὐτὸν Ἡσιόδου παρέδοσαν 50
ἀτριβεῖς ὄντες ποιήσεως τοσοῦτον γὰρ ἀπέχουσι τοῦ γένει
προσήκειν ὅσον ἡ ποίησις διέστηκεν αὐτῶν ἄλλως δὲ οὐδὲ
τοῖς χρόνοις συνεπέβαλον ἀλλήλοις
ἄθλιοι δὲ οἱ τὸ ἀνάθημα πλάσαντες τοῦτο
Ἡσίοδος Μούσαις Ἑλικωνίσι τόνδ ἀνέθηκεν 55
ὕμνῳ νικήσας ἐν Χαλκίδι θεῖον Ὅμηρον
ἀλλὰ γὰρ ἐπλανήθησαν ἐκ τῶν Ἡσιοδείων Ἡμερῶν ἕτερον
γάρ τι σημαίνει
τοῖς δὲ χρόνοις αὐτὸν οἱ μὲν περὶ τὸν Ἀρίσταρχόν
130
φασι γενέσθαι κατὰ τὴν τῆς Ἰωνίας ἀποικίαν ἥτις ὑστερεῖ 60
τῆς Ἡρακλειδῶν καθόδου ἔτεσιν ἑξήκοντα τὸ δὲ περὶ τοὺς
Ἡρακλείδας λείπεται τῶν Τρωϊκῶν ἔτεσιν ὀγδοήκοντα οἱ δὲ
περὶ Κράτητα ἀνάγουσιν αὐτὸν εἰς τοὺς Τρωϊκοὺς χρόνους
φαίνεται δὲ γηραιὸς ἐκλελοιπὼς τὸν βίον ἡ γὰρ ἀν-
υπέρβλητος ἀκρίβεια τῶν πραγμάτων προβεβηκυῖαν ἡλικίαν 65
παρίστησι
πολλὰ δὲ ἐπεληλυθὼς μέρη τῆς οἰκουμένης ἐκ τῆς
πολυπειρίας τῶν τόπων εὑρίσκεται τούτῳ δὲ προσυπονοη-
τέον καὶ πλούτου πολλὴν περιουσίαν γενέσθαι αἱ γὰρ μακραὶ
ἀποδημίαι πολλῶν δέονται ἀναλωμάτων καὶ ταῦτα κατ ἐκεί- 70
νους τοὺς χρόνους οὔτε πάντων πλεομένων ἀκινδύνως οὔτε
ἐπιμισγομένων ἀλλήλοις πως τῶν ἀνθρώπων ῥᾳδίως
γέγραφε δὲ ποιήσεις δύο Ἰλιάδα καὶ Ὀδύσσειαν
ἣν Ξένων καὶ Ἑλλάνικος ἀφαιροῦνται αὐτοῦ οἱ μέντοι γε ἀρ-
χαῖοι καὶ τὸν Κύκλον ἀναφέρουσιν εἰς αὐτόν προστιθέασι δὲ 75
αὐτῷ καὶ παίγνιά τινα Μαργίτην Βατραχομαχίαν ἢ Μυο-
μαχίαν Ἕπτ ἐπ ἀκτίον Αἶγα Κέρκωπας Κενούς
De Proclo sobre Homero
Muitos satildeo os poetas eacutepicos Os mais egreacutegios deles satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro
Paniacuteasis e Antiacutemaco
Sobre Homero quais seus pais e de que paacutetria era originaacuterio eacute difiacutecil afirmar
claramente ele proacuteprio natildeo fala coisa alguma e nem se acham de acordo os que falaram sobre
ele pelo fato contudo de sua poesia natildeo trazer expressamente nenhuma indicaccedilatildeo a respeito
cada um contenta-se com o que deseja sem nenhuma restriccedilatildeo
Por causa disso uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de
Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral reclama o homem pelo
que razoavelmente pode ser dito cosmopolita
Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era Meatildeo e que foi concebido
perto do Rio Meles motivo pelo qual tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado
Homero [Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea [refeacutem ]
131
aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo esse nome por causa da deficiecircncia dos
olhos Os cegos de fato eram chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios
Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu Dizem que Meatildeo pai de
Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades
filho de Carifemo filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de Doriatildeo
filho de Orfeu
Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas
Sobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua
proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta resposta
ldquoHaacute uma ilha Io paacutetria de tua matildee que morto
receber-te-aacute Cuidado com enigma de homens jovensrdquo
Dizem entatildeo que tendo velejado para Io passava um tempo na companhia de
Creoacutefilo quando escreveu e dedicou-lhe a Tomada de Ecaacutelia (que hoje circula como de
Creoacutefilo) Sentando-se agrave praia apoacutes observar alguns pescadores dirigiu-lhes a palavra e
interrogou com estas palavras
ldquoDa Arcaacutedia caccediladores varotildees o que temosrdquo
Um deles replicou-lhe dizendo
ldquoOs que pegamos deixamos pra traacutes os que natildeo pegamos trazemos conoscordquo
Natildeo conseguindo solver o enigma ndash como natildeo foram bem sucedidos indo pescar
puseram-se a caccedilar piolhos matando quantos pegavam mas quantos lhes fugiam traziam-nos
de volta ndash aquele ficou desgostoso e foi embora meditabundo entendendo o oraacuteculo e assim
escorregou tombou contra uma pedra e no terceiro dia faleceu
Esses eventos contudo carecem de investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo
ignorante neles avanccedilo nesse sentido
Os que o afirmam cego parecem-me eles mesmos incapacitados do juiacutezo coisas viu
tantas quantas ningueacutem jamais o fez
132
Existem aqueles que o datildeo como primo de Hesiacuteodo natildeo versados em poesia estatildeo tatildeo
distantes na relaccedilatildeo de parentesco quanto eacute diferente sua poesia No mais nem coincidem um
com outro cronologicamente
Haacute os miseraacuteveis que forjaram esta inscriccedilatildeo votiva
ldquoHesiacuteodo agraves Musas Heliconiacutedas consagra isto
por ter vencido com um hino em Caacutelcis o divino Homerordquo
equivocaram-se contudo nos ldquoDiasrdquo de Hesiacuteodo pois isso tem outro significado
Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na eacutepoca da imigraccedilatildeo
jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno dos Heraclidas e o evento em torno dos
Heraclidas estaacute oitenta anos depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o
recuam aos tempos de Troia
Parece que jaacute era bem velho quando deixou a vida sua insuperaacutevel precisatildeo nos fatos
permite estabelecer uma idade jaacute avanccedilada
Crecirc-se que visitou muitas partes do mundo habitado dada sua vasta experiecircncia de
lugares Nisso tambeacutem se deve notar a vasta abundacircncia de sua riqueza pois as grandes
viagens necessitavam de muitos gastos e isso naquele tempo em que nem todas as
navegaccedilotildees se faziam sem perigo nem os homens estabeleciam relaccedilotildees comerciais entre si
com tal facilidade
Escreveu dois poemas Iliacuteada e Odisseia a qual Xenatildeo e Helacircnico lhe negam
entretanto os antigos atribuem-lhe inclusive o Ciclo Imputam-lhe tambeacutem algumas
brincadeiras Margites Guerra dos Sapos ou Guerra dos Ratos Sete na Praia Cabra
Ceacutercopes os Matildeos Vazias
22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO
221 Ciacuteprias
Τοῦ αὐτοῦ περὶ τῶν Κυπρίων λεγομένων ποιημάτων
133
Ἐπιβάλλει τούτοις τὰ λεγόμενα Κύπρια ἐν βιβλίοις 80
φερόμενα ἕνδεκα ὧν περὶ τῆς γραφῆς ὕστερον ἐροῦμεν
ἵνα μὴ τὸν ἑξῆς λόγον νῦν ἐμποδίζωμεν τὰ δὲ περιέχοντά
ἐστι ταῦτα
Ζεὺς βουλεύεται μετὰ τῆς Θέμιδος περὶ τοῦ Τρωϊκοῦ
πολέμου 85
παραγενομένη δὲ Ἔρις εὐωχουμένων τῶν θεῶν ἐν τοῖς
Πηλέως γάμοις νεῖκος περὶ κάλλους ἀνίστησιν Ἀθηνᾷ Ἥρᾳ
καὶ Ἀφροδίτῃ αἳ πρὸς Ἀλέξανδρον ἐν Ἴδῃ κατὰ Διὸς
προσταγὴν ὑφ Ἑρμοῦ πρὸς τὴν κρίσιν ἄγονται καὶ προκρίνει
τὴν Ἀφροδίτην ἐπαρθεὶς τοῖς Ἑλένης γάμοις Ἀλέξανδρος 90
ἔπειτα δὲ Ἀφροδίτης ὑποθεμένης ναυπηγεῖται καὶ
Ἕλενος περὶ τῶν μελλόντων αὐτοῖς προθεσπίζει καὶ ἡ Ἀφρο-
δίτη Αἰνείαν συμπλεῖν αὐτῷ κελεύει καὶ Κασσάνδρα περὶ
τῶν μελλόντων προδηλοῖ
ἐπιβὰς δὲ τῇ Λακεδαιμονίᾳ Ἀλέξανδρος ξενίζεται 95
παρὰ τοῖς Τυνδαρίδαις καὶ μετὰ ταῦτα ἐν τῇ Σπάρτῃ παρὰ
Μενελάῳ καὶ Ἑλένῃ παρὰ τὴν εὐωχίαν δίδωσι δῶρα ὁ Ἀλέξ-
ανδρος καὶ μετὰ ταῦτα Μενέλαος εἰς Κρήτην ἐκπλεῖ κελεύ-
σας τὴν Ἑλένην τοῖς ξένοις τὰ ἐπιτήδεια παρέχειν ἕως ἂν
ἀπαλλαγῶσιν ἐν τούτῳ δὲ Ἀφροδίτη συνάγει τὴν Ἑλένην τῷ 100
Ἀλεξάνδρῳ καὶ μετὰ τὴν μίξιν τὰ πλεῖστα κτήματα ἐνθέ-
μενοι νυκτὸς ἀποπλέουσι
χειμῶνα δὲ αὐτοῖς ἐφίστησιν Ἥρα καὶ προσενεχθεὶς
Σιδῶνι ὁ Ἀλέξανδρος αἱρεῖ τὴν πόλιν καὶ ἀποπλεύσας
εἰς Ἴλιον γάμους τῆς Ἑλένης ἐπετέλεσεν 105
ἐν τούτῳ δὲ Κάστωρ μετὰ Πολυδεύκους τὰς Ἴδα καὶ
Λυγκέως βοῦς ὑφαιρούμενοι ἐφωράθησαν καὶ Κάστωρ μὲν
ὑπὸ τοῦ Ἴδα ἀναιρεῖται Λυγκεὺς δὲ καὶ Ἴδας ὑπὸ Πολυ-
δεύκους καὶ Ζεὺς αὐτοῖς ἑτερήμερον νέμει τὴν ἀθανασίαν
καὶ μετὰ ταῦτα Ἶρις ἀγγέλλει τῷ Μενελάῳ τὰ 110
γεγονότα κατὰ τὸν οἶκον ὁ δὲ παραγενόμενος περὶ τῆς ἐπ
Ἴλιον στρατείας βουλεύεται μετὰ τοῦ ἀδελφοῦ καὶ πρὸς
Νέστορα παραγίνεται Μενέλαος
134
Νέστωρ δὲ ἐν παρεκβάσει διηγεῖται αὐτῷ ὡς Ἐπωπεὺς
φθείρας τὴν Λυκούργου θυγατέρα ἐξεπορθήθη καὶ τὰ περὶ 115
Οἰδίπουν καὶ τὴν Ἡρακλέους μανίαν καὶ τὰ περὶ Θησέα
καὶ Ἀριάδνην
ἔπειτα τοὺς ἡγεμόνας ἀθροίζουσιν ἐπελθόντες τὴν
Ἑλλάδα καὶ μαίνεσθαι προσποιησάμενον Ὀδυσσέα ἐπὶ
τῷ μὴ θέλειν συστρατεύεσθαι ἐφώρασαν Παλαμήδους ὑπο- 120
θεμένου τὸν υἱὸν Τηλέμαχον ἐπὶ κόλασιν ἐξαρπάσαντες
καὶ μετὰ ταῦτα συνελθόντες εἰς Αὐλίδα θύουσι καὶ
τὰ περὶ τὸν δράκοντα καὶ τοὺς στρουθοὺς γενόμενα δείκ-
νυται καὶ Κάλχας περὶ τῶν ἀποβησομένων προλέγει αὐτοῖς
ἔπειτα ἀναχθέντες Τευθρανίᾳ προσίσχουσι καὶ ταύ- 125
την ὡς Ἴλιον ἐπόρθουν Τήλεφος δὲ ἐκβοηθεῖ Θέρσανδρόν
τε τὸν Πολυνείκους κτείνει καὶ αὐτὸς ὑπὸ Ἀχιλλέως τι-
τρώσκεται
ἀποπλέουσι δὲ αὐτοῖς ἐκ τῆς Μυσίας χειμὼν ἐπι-
πίπτει καὶ διασκεδάννυνται Ἀχιλλεὺς δὲ Σκύρῳ προσσχὼν 130
γαμεῖ τὴν Λυκομήδους θυγατέρα Δηϊδάμειαν
ἔπειτα Τήλεφον κατὰ μαντείαν παραγενόμενον εἰς
Ἄργος ἰᾶται Ἀχιλλεὺς ὡς ἡγεμόνα γενησόμενον τοῦ ἐπ
Ἴλιον πλοῦ
καὶ τὸ δεύτερον ἠθροισμένου τοῦ στόλου ἐν Αὐλίδι 135
Ἀγαμέμνων ἐπὶ θηρῶν βαλὼν ἔλαφον ὑπερβάλλειν ἔφησε
καὶ τὴν Ἄρτεμιν μηνίσασα δὲ ἡ θεὸς ἐπέσχεν αὐτοὺς τοῦ
πλοῦ χειμῶνας ἐπιπέμπουσα Κάλχαντος δὲ εἰπόντος τὴν
τῆς θεοῦ μῆνιν καὶ Ἰφιγένειαν κελεύσαντος θύειν τῇ
Ἀρτέμιδι ὡς ἐπὶ γάμον αὐτὴν Ἀχιλλεῖ μεταπεμψάμενοι 140
θύειν ἐπιχειροῦσιν Ἄρτεμις δὲ αὐτὴν ἐξαρπάσασα εἰς
Ταύρους μετακομίζει καὶ ἀθάνατον ποιεῖ ἔλαφον δὲ ἀντὶ
τῆς κόρης παρίστησι τῷ βωμῷ
ἔπειτα καταπλέουσιν εἰς Τένεδον καὶ εὐωχουμένων
αὐτῶν Φιλοκτήτης ὑφ ὕδρου πληγεὶς διὰ τὴν δυσοσμίαν 145
ἐν Λήμνῳ κατελείφθη καὶ Ἀχιλλεὺς ὕστερος κληθεὶς δια-
φέρεται πρὸς Ἀγαμέμνονα
135
ἔπειτα ἀποβαίνοντας αὐτοὺς εἰς Ἴλιον εἴργουσιν
οἱ Τρῶες καὶ θνῄσκει Πρωτεσίλαος ὑφ Ἕκτορος ἔπειτα
Ἀχιλλεὺς αὐτοὺς τρέπεται ἀνελὼν Κύκνον τὸν Ποσειδῶνος 150
καὶ τοὺς νεκροὺς ἀναιροῦνται
καὶ διαπρεσβεύονται πρὸς τοὺς Τρῶας τὴν Ἑλένην
καὶ τὰ κτήματα ἀπαιτοῦντες ὡς δὲ οὐχ ὑπήκουσαν ἐκεῖνοι
ἐνταῦθα δὴ τειχομαχοῦσιν
ἔπειτα τὴν χώραν ἐπεξελθόντες πορθοῦσι καὶ τὰς 155
περιοίκους πόλεις
καὶ μετὰ ταῦτα Ἀχιλλεὺς Ἑλένην ἐπιθυμεῖ θεάσασθαι
καὶ συνήγαγεν αὐτοὺς εἰς τὸ αὐτὸ Ἀφροδίτη καὶ Θέτις
εἶτα ἀπονοστεῖν ὡρμημένους τοὺς Ἀχαιοὺς Ἀχιλ-
λεὺς κατέχει κἄπειτα ἀπελαύνει τὰς Αἰνείου βοῦς καὶ 160
Λυρνησσὸν καὶ Πήδασον πορθεῖ καὶ συχνὰς τῶν περιοικίδων
πόλεων καὶ Τρωΐλον φονεύει
Λυκάονά τε Πάτροκλος εἰς Λῆμνον ἀγαγὼν ἀπεμπολεῖ
καὶ ἐκ τῶν λαφύρων Ἀχιλλεὺς μὲν Βρισηΐδα γέρας
λαμβάνει Χρυσηΐδα δὲ Ἀγαμέμνων 165
ἔπειτά ἐστι Παλαμήδους θάνατος
καὶ Διὸς βουλὴ ὅπως ἐπικουφίσῃ τοὺς Τρῶας Ἀχιλ-
λέα τῆς συμμαχίας τῆς Ἑλλήνων ἀποστήσας
καὶ κατάλογος τῶν τοῖς Τρωσὶ συμμαχησάντων
Do mesmo autor sobre os poemas chamados Ciacuteprias
Sucedem-se a isso as chamadas Ciacuteprias transmitidas em onze livros sobre cujo nome
falaremos depois a fim de natildeo obstar a sequecircncia do discurso Eis o que compreendem
Zeus delibera junto de Tecircmis sobre a guerra de Troia
Estando os deuses a festejar nas bodas de Peleu aparece Eacuteris e suscita uma querela a
respeito da beleza de Atena Hera e Afrodite que satildeo levadas por Hermes agraves ordens de Zeus
para o arbiacutetrio de Alexandre no Ida Alexandre prefere Afrodite excitado pelas bodas com
Helena
136
Em seguida aconselhando-o Afrodite faz para si uma nau e Heleno lhes faz
prediccedilotildees sobre os acontecimentos futuros Afrodite manda Eneias navegar com ele
Cassandra revela o porvir
Depois de chegar a Lacedemocircnia Alexandre eacute hospedado pela casa dos Tindaacuteridas
em seguida em Esparta pela casa de Menelau no decorrer do festim Alexandre presenteia
Helena Depois disso Menelau parte para Creta antes ordenando a Helena que provesse o
necessaacuterio aos estrangeiros ateacute que estivessem liberados Nesse momento Afrodite une Helena
a Alexandre e apoacutes o intercurso tendo embarcado o maior nuacutemero de riquezas zarpam
durante a noite
Hera envia uma tempestade contra eles Aportando em Sidatildeo Alexandre captura a
cidade Enfim consumou suas bodas com Helena apoacutes navegar para Iacutelio
Nesse passo Caacutestor junto de Polideuces satildeo descobertos furtando as vacas de Idas e
Linceu Entatildeo Caacutestor eacute morto por Idas mas Linceu e Idas por Polideuces Zeus lhes despende
a imortalidade em dias intercalados
Depois disso Iacuteris relata a Menelau os eventos em sua casa Apoacutes chegar ele delibera
com o irmatildeo sobre a expediccedilatildeo contra Iacutelio e vai ter com Nestor
Neacutestor num excurso narra-lhe como Epopeu foi destruiacutedo apoacutes violentar a filha de
Licurgo e os eventos envolvendo Eacutedipo a loucura de Heacuteracles e os eventos envolvendo
Teseu e Ariadne
Depois unem os chefes tendo percorrido a Heacutelade Descobriram entatildeo que Odisseu
passara a se fazer de louco por natildeo querer juntar-se agrave expediccedilatildeo depois de por sugestatildeo de
Palamedes raptarem-lhe o filho Telecircmaco como desforra
Depois disso reuacutenem-se em Aacuteulis e fazem um sacrifiacutecio Revela-se o prodiacutegio
envolvendo a serpente e os pardais e Calcas lhes prediz os resultados
Depois satildeo levados pelo alto mar aportam em Teutracircnia e saqueiam-na como se fosse
Iacutelio Teacutelefo empreende uma investida surpresa e mata Tersandro filho de Polinices mas ele
mesmo acaba sendo ferido por Aquiles
Zarpando de Musia uma tempestade se abate sobre eles e se dispersam Aquiles que
aporta em Esquiro esposa a filha de Licomedes Didamia
Entatildeo Aquiles quando Teacutelefo conforme divinaccedilatildeo chega a Argos cura-o para que se
torne o guia da navegaccedilatildeo ateacute Iacutelio
Foi entatildeo na segunda vez em que a expediccedilatildeo estaacute reunida em Aacuteulis que
Agamecircmnon por ter abatido um cervo nas caccediladas disse superar ateacute Aacutertemis Irada a deusa
impede-lhes a navegaccedilatildeo enviando tempestades sobre eles Uma vez que Calcas comunica a
137
ira da deusa e ordena sacrificar a Aacutertemis Ifigecircnia preparam seu sacrifiacutecio como se a
tivessem convocado para um casamento com Aquiles Aacutertemis a arrebata poreacutem transporta-a
a Taacuteuris e a faz imortal e coloca um cervo no altar no lugar da moccedila
Aportam em Tecircnedo Filoctetes picado por uma cobra-drsquoaacutegua enquanto ceavam eacute
abandonado em Lemnos por causa do mau-cheiro e Aquiles o uacuteltimo a ser chamado entra
em divergecircncia com Agamecircmnon
Em seguida os troianos encurralam-nos quando estatildeo desembarcando em Iacutelio e
Protesilau perece sob Heacutector Depois Aquiles rechaccedila-os matando Ciacutecnon filho de Poseidatildeo
Entatildeo recolhem os corpos
Mandam uma embaixada aos troianos reclamando Helena e as riquezas Nesse ponto
porque estes natildeo anuem datildeo iniacutecio ao cerco
Investem e saqueiam a regiatildeo e as cidades nas dependecircncias
Depois dessas accedilotildees Aquiles deseja contemplar Helena Para tal Afrodite e Teacutetis
conduzem-nos a um encontro
Nisso Aquiles conteacutem os aqueus que jaacute se prontificavam a navegar de volta Logo
depois leva embora as vacas de Eneias saqueia Lirnesso Peacutedaso e um bom nuacutemero de
cidades vizinhas tambeacutem abate Troilo
Paacutetroclo leva Licaacuteon a Lemnos e o negocia como escravo
Dos espoacutelios Aquiles toma Briseida como precircmio Agamecircmnon Criseida
Em seguida vem a morte de Palamedes
A deliberaccedilatildeo de Zeus com o intuito de inflamar os troianos apoacutes Aquiles se retirar da
alianccedila
O cataacutelogo dos que combateram aliados aos troianos
222 Etioacutepida
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Αἰθιοπίδος
Ἐπιβάλλει δὲ τοῖς προειρημένοις [ἐν τῇ πρὸ ταύτης 173
βίβλῳ] Ἰλιὰς Ὁμήρου μεθ ἥν ἐστιν Αἰθιοπίδος βιβλία
πέντε Ἀρκτίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε
Ἀμαζὼν Πενθεσίλεια παραγίνεται Τρωσὶ συμμαχή- 175
138
σουσα Ἄρεως μὲν θυγάτηρ Θρᾷσσα δὲ τὸ γένος καὶ κτείνει
αὐτὴν ἀριστεύουσαν Ἀχιλλεύς οἱ δὲ Τρῶες αὐτὴν θάπτουσι
καὶ Ἀχιλλεὺς Θερσίτην ἀναιρεῖ λοιδορηθεὶς πρὸς
αὐτοῦ καὶ ὀνειδισθεὶς τὸν ἐπὶ τῇ Πενθεσιλείᾳ λεγόμενον
ἔρωτα καὶ ἐκ τούτου στάσις γίνεται τοῖς Ἀχαιοῖς περὶ 180
τοῦ Θερσίτου φόνου
μετὰ δὲ ταῦτα Ἀχιλλεὺς εἰς Λέσβον πλεῖ καὶ θύσας
Ἀπόλλωνι καὶ Ἀρτέμιδι καὶ Λητοῖ καθαίρεται τοῦ φόνου
ὑπ Ὀδυσσέως
Μέμνων δὲ ὁ Ἠοῦς υἱὸς ἔχων ἡφαιστότευκτον παν- 185
οπλίαν παραγίνεται τοῖς Τρωσὶ βοηθήσων καὶ Θέτις τῷ
παιδὶ τὰ κατὰ τὸν Μέμνονα προλέγει
καὶ συμβολῆς γενομένης Ἀντίλοχος ὑπὸ Μέμνονος
ἀναιρεῖται ἔπειτα Ἀχιλλεὺς Μέμνονα κτείνει καὶ τούτῳ
μὲν Ἠὼς παρὰ Διὸς αἰτησαμένη ἀθανασίαν δίδωσι 190
τρεψάμενος δ Ἀχιλλεὺς τοὺς Τρῶας καὶ εἰς τὴν πό-
λιν συνεισπεσὼν ὑπὸ Πάριδος ἀναιρεῖται καὶ Ἀπόλλωνος
καὶ περὶ τοῦ πτώματος γενομένης ἰσχυρᾶς μάχης Αἴας ἀν-
ελόμενος ἐπὶ τὰς ναῦς κομίζει Ὀδυσσέως ἀπομαχομένου
τοῖς Τρωσίν 195
ἔπειτα Ἀντίλοχόν τε θάπτουσι καὶ τὸν νεκρὸν τοῦ
Ἀχιλλέως προτίθενται
καὶ Θέτις ἀφικομένη σὺν Μούσαις καὶ ταῖς ἀδελφαῖς
θρηνεῖ τὸν παῖδα καὶ μετὰ ταῦτα ἐκ τῆς πυρᾶς ἡ Θέτις
ἀναρπάσασα τὸν παῖδα εἰς τὴν Λευκὴν νῆσον διακομίζει 200
οἱ δὲ Ἀχαιοὶ τὸν τάφον χώσαντες ἀγῶνα τιθέασι
καὶ περὶ τῶν Ἀχιλλέως ὅπλων Ὀδυσσεῖ καὶ Αἴαντι στάσις
ἐμπίπτει
Do mesmo sobre a Etioacutepida
Sucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada de Homero
depois dela haacute a Etioacutepida em cinco livros de Arctino de Mileto que compreendem o seguinte
139
A amazona Pentesileia chega para combater ao lado dos troianos filha de Ares traacutecia
de origem Aquiles a mata quando ela estaacute no auge de sua bravura combativa e os troianos
realizam seu funeral
Entatildeo Aquiles abate Tersites ofendido com ele repreendido por sua paixatildeo declarada
por Pentesileia Surge uma dissenccedilatildeo entre os aqueus em funccedilatildeo do assassinato de Tersites
Apoacutes isso Aquiles navega ateacute Lesbos e feitos sacrifiacutecios a Apolo Aacutertemis e Leto eacute
purificado do assassinato por Odisseu
Mecircmnon filho de Aurora possuidor de uma armadura confeccionada por Hefesto
chega ao socorro dos troianos Teacutetis prediz a seu filho o que decorreraacute a partir do embate com
Mecircmnon
Em confronto Antiacuteloco eacute abatido por Mecircmnon e logo Aquiles o mata Aurora lhe
concede a eternidade por rogaacute-la da parte de Zeus
Rechaccedilando os troianos e jaacute irrompendo cidadela adentro Aquiles eacute abatido por Paacuteris
e por Apolo Violenta batalha tem iniacutecio em volta do cadaacutever Aacutejax resgata-o e carrega ateacute as
naus enquanto Odisseu vai repelindo os troianos
Entatildeo sepultam Antiacuteloco e dispotildeem o corpo de Aquiles para o funeral
Chegando junto das Musas e das irmatildes Teacutetis vela seu filho Depois disso Teacutetis subtrai
o filho de sobre a pira e o transporta para a Ilha Branca
Os aqueus lhe erigem uma sepultura e instauram jogos e uma disputa pelas armas de
Aquiles sobreveacutem entre Odisseu e Ajax
223 Pequena Iliacuteada
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλιάδος μικρᾶς
Ἑξῆς δ ἐστὶν Ἰλιάδος μικρᾶς βιβλία τέσσαρα Λές- 206
χεω Μυτιληναίου περιέχοντα τάδε
Ἡ τῶν ὅπλων κρίσις γίνεται καὶ Ὀδυσσεὺς κατὰ
βούλησιν Ἀθηνᾶς λαμβάνει Αἴας δ ἐμμανὴς γενόμενος
τήν τε λείαν τῶν Ἀχαιῶν λυμαίνεται καὶ ἑαυτὸν ἀναιρεῖ 210
μετὰ ταῦτα Ὀδυσσεὺς λοχήσας Ἕλενον λαμβάνει
καὶ χρήσαντος περὶ τῆς ἁλώσεως τούτου Διομήδης ἐκ Λήμνου
140
Φιλοκτήτην ἀνάγει ἰαθεὶς δὲ οὗτος ὑπὸ Μαχάονος καὶ μονο-
μαχήσας Ἀλεξάνδρῳ κτείνει καὶ τὸν νεκρὸν ὑπὸ Μενελάου
καταικισθέντα ἀνελόμενοι θάπτουσιν οἱ Τρῶες 215
μετὰ δὲ ταῦτα Δηΐφοβος Ἑλένην γαμεῖ
καὶ Νεοπτόλεμον Ὀδυσσεὺς ἐκ Σκύρου ἀγαγὼν τὰ
ὅπλα δίδωσι τὰ τοῦ πατρός καὶ Ἀχιλλεὺς αὐτῷ φαντάζεται
Εὐρύπυλος δὲ ὁ Τηλέφου ἐπίκουρος τοῖς Τρωσὶ παρα-
γίνεται καὶ ἀριστεύοντα αὐτὸν ἀποκτείνει Νεοπτόλεμος 220
καὶ οἱ Τρῶες πολιορκοῦνται
καὶ Ἐπειὸς κατ Ἀθηνᾶς προαίρεσιν τὸν δούρειον
ἵππον κατασκευάζει
Ὀδυσσεύς τε αἰκισάμενος ἑαυτὸν κατάσκοπος εἰς
Ἴλιον παραγίνεται καὶ ἀναγνωρισθεὶς ὑφ Ἑλένης περὶ 225
τῆς ἁλώσεως τῆς πόλεως συντίθεται κτείνας τέ τινας τῶν
Τρώων ἐπὶ τὰς ναῦς ἀφικνεῖται
καὶ μετὰ ταῦτα σὺν Διομήδει τὸ παλλάδιον ἐκκο-
μίζει ἐκ τῆς Ἰλίου
ἔπειτα εἰς τὸν δούρειον ἵππον τοὺς ἀρίστους ἐμ- 230
βιβάσαντες τάς τε σκηνὰς καταφλέξαντες οἱ λοιποὶ τῶν
Ἑλλήνων εἰς Τένεδον ἀνάγονται
οἱ δὲ Τρῶες τῶν κακῶν ὑπολαβόντες ἀπηλλάχθαι τόν
τε δούρειον ἵππον εἰς τὴν πόλιν εἰσδέχονται διελόντες
μέρος τι τοῦ τείχους καὶ εὐωχοῦνται ὡς νενικηκότες τοὺς 235
Ἕλληνας
Do mesmo sobre a Pequena Iliacuteada
Em sequecircncia haacute os quatro livros da Pequena Iliacuteada de Lesques de Mitilene que
compreendem o seguinte
Ocorre o juiacutezo a respeito das armas e Odisseu obteacutem-nas conforme a intenccedilatildeo de
Atena Ajax por sua vez apoacutes ficar ensandecido destroacutei o espoacutelio de gado dos aqueus e
tambeacutem imola a si mesmo
141
Depois disso Odisseu captura Heleno em uma emboscada apoacutes um oraacuteculo deste a
respeito da tomada da cidadela Diomedes traz Filoctetes de volta de Lemnos Curado por
Macaacuteon ele mata Alexandre em um duelo Os troianos sepultam o cadaacutever depois de reavecirc-lo
desfigurado por Menelau
Depois disso Decircifobo toma Helena por esposa
Apoacutes trazer Neoptoacutelemo de Esquiro Odisseu lhe entrega as armas do pai Aquiles
aparece para ele
Euriacutepilo filho de Teacutelefo se apresenta como aliado dos troianos e no auge de sua
bravura combativa Neoptoacutelemo o mata
Os troianos estatildeo encurralados
Epeu constroacutei o cavalo de madeira segundo o plano de Atena
Odisseu flagelando-se a si mesmo adentra Iacutelio como espiatildeo e combina com Helena
por quem fora reconhecido a tomada da cidade mata alguns troianos e chega de volta agraves
naus
Depois com Diomedes carrega o palaacutedio para fora de Iacutelio
Em seguida os melhores dos helenos ingressam no cavalo de madeira e o restante
navega para Tecircnedo havendo ateado fogo ao acampamento
Os troianos supondo-se livres de males recebem o cavalo de madeira dentro da
cidade quebrando uma brecha na muralha e festejam como se houvessem vencido os
helenos
224 Saque de Iacutelio
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλίου πέρσιδος
Ἕπεται δὲ τούτοις Ἰλίου πέρσιδος βιβλία δύο Ἀρκ-
τίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε 240
ὡς τὰ περὶ τὸν ἵππον οἱ Τρῶες ὑπόπτως ἔχοντες
περιστάντες βουλεύονται ὅ τι χρὴ ποιεῖν καὶ τοῖς μὲν
δοκεῖ κατακρημνίσαι αὐτόν τοῖς δὲ καταφλέγειν οἱ δὲ ἱερὸν
αὐτὸν ἔφασαν δεῖν τῇ Ἀθηνᾷ ἀνατεθῆναι καὶ τέλος νικᾷ
ἡ τούτων γνώμη 245
142
τραπέντες δὲ εἰς εὐφροσύνην εὐωχοῦνται ὡς ἀπηλ-
λαγμένοι τοῦ πολέμου
ἐν αὐτῷ δὲ τούτῳ δύο δράκοντες ἐπιφανέντες τόν
τε Λαοκόωντα καὶ τὸν ἕτερον τῶν παίδων διαφθείρουσιν
ἐπὶ δὲ τῷ τέρατι δυσφορήσαντες οἱ περὶ τὸν Αἰνείαν 250
ὑπεξῆλθον εἰς τὴν Ἴδην
καὶ Σίνων τοὺς πυρσοὺς ἀνίσχει τοῖς Ἀχαιοῖς πρό-
τερον εἰσεληλυθὼς προσποίητος
οἱ δὲ ἐκ Τενέδου προσπλεύσαντες καὶ οἱ ἐκ τοῦ δου-
ρείου ἵππου ἐπιπίπτουσι τοῖς πολεμίοις καὶ πολλοὺς ἀν- 255
ελόντες τὴν πόλιν κατὰ κράτος λαμβάνουσι
καὶ Νεοπτόλεμος μὲν ἀποκτείνει Πρίαμον ἐπὶ τὸν
τοῦ Διὸς τοῦ ἑρκείου βωμὸν καταφυγόντα
Μενέλαος δὲ ἀνευρὼν Ἑλένην ἐπὶ τὰς ναῦς κατάγει
Δηΐφοβον φονεύσας 260
Κασσάνδραν δὲ Αἴας ὁ Ἰλέως πρὸς βίαν ἀποσπῶν
συνεφέλκεται τὸ τῆς Ἀθηνᾶς ξόανον ἐφ ᾧ παροξυνθέντες
οἱ Ἕλληνες καταλεῦσαι βουλεύονται τὸν Αἴαντα ὁ δὲ ἐπὶ
τὸν τῆς Ἀθηνᾶς βωμὸν καταφεύγει καὶ διασῴζεται ἐκ τοῦ
ἐπικειμένου κινδύνου 265
[ἔπειτα ἀποπλέουσιν οἱ Ἕλληνες καὶ φθορὰν αὐτοῖς
ἡ Ἀθηνᾶ κατὰ τὸ πέλαγος μηχανᾶται]
καὶ Ὀδυσσέως Ἀστυάνακτα ἀνελόντος
Νεοπτόλεμος Ἀνδρομάχην γέρας λαμβάνει
καὶ τὰ λοιπὰ λάφυρα διανέμονται 270
Δημοφῶν δὲ καὶ Ἀκάμας Αἴθραν εὑρόντες ἄγουσι
μεθ ἑαυτῶν
ἔπειτα ἐμπρήσαντες τὴν πόλιν
Πολυξένην σφαγιάζουσιν ἐπὶ τὸν τοῦ Ἀχιλλέως τάφον
Do mesmo sobre o Saque de Iacutelio
143
Seguem-se a isso os dois livros do Saque de Iacutelio de Arctino de Mileto compreendendo
isto
Como os troianos estatildeo desconfiados do cavalo reunindo-se em torno dele deliberam
sobre o que fazer A uns parece melhor atiraacute-lo precipiacutecio abaixo a outros incendiaacute-lo uns
dizem entatildeo que ele deveria ser dado como oferenda a Atena Vence a proposta destes por
fim
Tomados pela animaccedilatildeo festejam como se estivessem dispensados da guerra Bem
nesse momento duas serpentes aparecem e trucidam Laoconte e seu filho mais novo
Consternados com esse prodiacutegio Eneacuteias e os companheiros escapam secretamente
para o monte Ida
Entatildeo Sinatildeo o primeiro a disfarccedilado lograr um incurso acende tochas ao alto da
cidade como sinal aos aqueus
Juntos tanto os que retornam de Tecircnedos como os de dentro do cavalo os helenos
precipitam-se sobre os inimigos e tomam a cidade de assalto matando muitos
Neoptoacutelemo mata Priacuteamo que se refugiara no altar de Zeus Guarda Lar
Apoacutes achar Helena Menelau a leva de volta para as naus assassinando Decircifobo
Aacutejax filho de Ileu levando Cassandra agrave forccedila arrasta tambeacutem a imagem de madeira
de Atena Irritados com isso os helenos decidem apedrejar Aacutejax mas ele busca refuacutegio no
altar de Atena e se manteacutem a salvo do perigo iminente
[Entatildeo os helenos zarpam e Atena estaacute maquinado contra eles um naufraacutegio em alto
mar]
Tendo Odisseu matado Astiacuteanax Neoptoacutelemo toma Androcircmaca como seu precircmio
Repartem o restante do espoacutelio
Apoacutes acharem Etra Demofatildeo e Aacutecamas levam-na consigo
Em seguida sacrificam Polixena sobre o tuacutemulo de Aquiles havendo incendiado a
cidade
225 Retornos
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Νόστων
Συνάπτει δὲ τούτοις τὰ τῶν Νόστων βιβλία πέντε 277
144
Ἀγίου Τροιζηνίου περιέχοντα τάδε
Ἀθηνᾶ Ἀγαμέμνονα καὶ Μενέλαον εἰς ἔριν καθίς-
τησι περὶ τοῦ ἔκπλου 280
Ἀγαμέμνων μὲν οὖν τὸν τῆς Ἀθηνᾶς ἐξιλασόμενος
χόλον ἐπιμένει
Διομήδης δὲ καὶ Νέστωρ ἀναχθέντες εἰς τὴν οἰ-
κείαν διασῴζονται
μεθ οὓς ἐκπλεύσας ὁ Μενέλαος μετὰ πέντε νεῶν 285
εἰς Αἴγυπτον παραγίνεται τῶν λοιπῶν διαφθαρεισῶν νεῶν
ἐν τῷ πελάγει
οἱ δὲ περὶ Κάλχαντα καὶ Λεοντέα καὶ Πολυποίτην
πεζῇ πορευθέντες εἰς Κολοφῶνα Τειρεσίαν ἐνταῦθα τελευ-
τήσαντα θάπτουσι 290
τῶν δὲ περὶ τὸν Ἀγαμέμνονα ἀποπλεόντων Ἀχιλ-
λέως εἴδωλον ἐπιφανὲν πειρᾶται διακωλύειν προλέγον τὰ
συμβησόμενα
εἶθ ὁ περὶ τὰς Καφηρίδας πέτρας δηλοῦται χειμὼν
καὶ ἡ Αἴαντος φθορὰ τοῦ Λοκροῦ 295
Νεοπτόλεμος δὲ Θέτιδος ὑποθεμένης πεζῇ ποιεῖ-
ται τὴν πορείαν καὶ παραγενόμενος εἰς Θρᾴκην Ὀδυσσέα
καταλαμβάνει ἐν τῇ Μαρωνείᾳ καὶ τὸ λοιπὸν ἀνύει τῆς
ὁδοῦ καὶ τελευτήσαντα Φοίνικα θάπτει αὐτὸς δὲ εἰς Μολος-
σοὺς ἀφικόμενος ἀναγνωρίζεται Πηλεῖ 300
ἔπειτα Ἀγαμέμνονος ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυται-
μήστρας ἀναιρεθέντος ὑπ Ὀρέστου καὶ Πυλάδου τιμωρία
καὶ Μενελάου εἰς τὴν οἰκείαν ἀνακομιδή
Do mesmo sobre os Retornos
A esses eventos atrelam-se os cinco livros dos Retornos de Aacutegias de Trezene
compreendendo o seguinte
Atena potildee Agamecircmnon e Menelau em discoacuterdia a respeito da viagem de volta
Agamecircmnon retarda sua partida para apaziguar a colera da deusa
145
Diomedes e Neacutestor levados por alto mar chegam a sua casa em seguranccedila
Menelau que partiu atraacutes deles chega ao Egito com cinco das naus as restantes
naufragando em alto mar
Os comandados por Calcas Leonteu e Polipetes viajam a peacute ateacute Colofatildeo laacute sepultam
Tireacutesias que falecera
Quando os comandados por Agamecircmnon estatildeo partindo uma apariccedilatildeo de Aquiles
tenta impedi-los manifestando-se e anunciando os acontecimentos vindouros
Nesse passo se descreve a tempestade nas redondezas das Rochas Cafeacuterides e a ruiacutena
de Aacutejax da Loacutecria
Neoptoacutelemo faz a jornada a peacute a conselho de Teacutetis Chegando agrave Traacutecia depara-se com
Odisseu em Marocircnia completa o restante de seu percurso e sepulta o falecido Fecircnix
Chegando ateacute os moloacutessios ele proacuteprio eacute reconhecido por Peleu
Em seguida a execuccedilatildeo de Agamecircmnon por Egisto e Clitemnestra a vinganccedila de
Orestes e Piacutelades e o retorno para casa de Menelau
226 Telegonia
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Τηλεγονίας
Μετὰ ταῦτά ἐστιν Ὁμήρου Ὀδύσσεια ἔπειτα Τηλε- 306
γονίας βιβλία δύο Εὐγάμμωνος Κυρηναίου περιέχοντα τάδε
οἱ μνήστορες ὑπὸ τῶν προσηκόντων θάπτονται
καὶ Ὀδυσσεὺς θύσας Νύμφαις εἰς Ἦλιν ἀποπλεῖ
ἐπισκεψόμενος τὰ βουκόλια καὶ ξενίζεται παρὰ Πολυξένῳ 310
δῶρόν τε λαμβάνει κρατῆρα καὶ ἐπὶ τούτῳ τὰ περὶ Τρο-
φώνιον καὶ Ἀγαμήδην καὶ Αὐγέαν
ἔπειτα εἰς Ἰθάκην καταπλεύσας τὰς ὑπὸ Τειρεσίου
ῥηθείσας τελεῖ θυσίας
καὶ μετὰ ταῦτα εἰς Θεσπρωτοὺς ἀφικνεῖται καὶ γαμεῖ 315
Καλλιδίκην βασιλίδα τῶν Θεσπρωτῶν
ἔπειτα πόλεμος συνίσταται τοῖς Θεσπρωτοῖς πρὸς
Βρύγους Ὀδυσσέως ἡγουμένου ἐνταῦθα Ἄρης τοὺς περὶ
146
τὸν Ὀδυσσέα τρέπεται καὶ αὐτῷ εἰς μάχην Ἀθηνᾶ καθίς-
ταται τούτους μὲν Ἀπόλλων διαλύει 320
μετὰ δὲ τὴν Καλλιδίκης τελευτὴν τὴν μὲν βασιλείαν
διαδέχεται Πολυποίτης Ὀδυσσέως υἱός αὐτὸς δ εἰς Ἰθάκην
ἀφικνεῖται
κἀν τούτῳ Τηλέγονος ἐπὶ ζήτησιν τοῦ πατρὸς πλέων
ἀποβὰς εἰς τὴν Ἰθάκην τέμνει τὴν νῆσον ἐκβοηθήσας δ 325
Ὀδυσσεὺς ὑπὸ τοῦ παιδὸς ἀναιρεῖται κατ ἄγνοιαν
Τηλέγονος δ ἐπιγνοὺς τὴν ἁμαρτίαν τό τε τοῦ πατρὸς
σῶμα καὶ τὸν Τηλέμαχον καὶ τὴν Πηνελόπην πρὸς τὴν μητέρα
μεθίστησιν ἡ δὲ αὐτοὺς ἀθανάτους ποιεῖ καὶ συνοικεῖ τῇ
μὲν Πηνελόπῃ Τηλέγονος Κίρκῃ δὲ Τηλέμαχος 330
Do mesmo sobre a Telegonia
Depois disso eacute a Odisseia de Homero depois os dois livros da Telegonia de Ecircugamon
de Cirene que compreendem o seguinte
Os pretendentes satildeo sepultados por seus parentes
Odisseu faz sacrifiacutecios agraves Ninfas e zarpa para Eacutelis a fim de inspecionar o gado Eacute
hospedado por Poliacutexeno recebe de presente uma cratera e nela estaacute a histoacuteria de Trofocircnio
Agamedes e Aacuteugeas
Desembarcando de volta em Iacutetaca executa os sacrifiacutecios especificados por Tireacutesias
Depois desses eventos chega agrave Tesproacutetia e toma Caliacutedice por mulher rainha dos
Tesproacutetios
Depois se concretiza uma guerra dos Tesproacutetios liderados por Odisseu contra os
Brugos Nisso Ares debanda os homens de Odisseu e Atena engaja-se em combate contra ele
Apolo eacute quem os aparta
Depois da morte de Caliacutedice Polipetes filho de Odisseu herda a realeza enquanto
este retorna agrave Iacutetaca
Nesse momento Telecircgono que navegava agrave procura de seu pai e desembarcara em
Iacutetaca devastava a ilha Odisseu que viera defendecirc-la por engano eacute morto por seu filho
147
Telecircgono apoacutes tomar conhecimento de seu crime transporta Telecircmaco Peneacutelope e o
corpo do pai ateacute sua matildee Ela os torna imortais Telecircgono casa-se com Peneacutelope e Telecircmaco
com Circe
148
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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- A CRESTOMATIA DE PROCLOTraduccedilatildeo integral notas e estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
- AGRADECIMENTOS
- RESUMO
- ABSTRACT
- IacuteNDICE
- Apresentaccedilatildeo
- PARTE IEstudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
-
- 1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO
-
- 11VESTIacuteGIOS DA OBRA
- 12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO
- 13 O NOME E A OBRA
-
- 131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio
- 132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239
- 133 O termo ldquocrestomatiardquo
- 134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra
-
- 2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA
-
- 21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO
- 22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO
-
- 221 O molde copioso
- 222 O molde tecircnue
- 223 O molde meacutedio
- 224 O molde florido
- 225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo
-
- 3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA
-
- 31 SEUS GEcircNEROS
- 32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE DIOMEDES
- 33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO
-
- 331 Epos
-
- 3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria
- 3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico
-
- 332 Elegia
- 333 Iambo
- 334 Meacutelica
-
- PARTE IITraduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
-
- 1 COacuteDICE 239
-
- 11 TEXTO
- 12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO
-
- 2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO
-
- 21 VIDA DE HOMERO
- 22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO
-
- 221 Ciacuteprias
- 222 Etioacutepida
- 223 Pequena Iliacuteada
- 224 Saque de Iacutelio
- 225 Retornos
- 226 Telegonia
-
- REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
-
3
AGRADECIMENTOS
Agrave CAPES pelo auxiacutelio concedido que me permitiu grande foco no uacuteltimo ano de
pesquisa
A meu grande orientador Prof Dr Marcos Martinho dos Santos que eacute uma inspiraccedilatildeo
desde a primeira aula do curso de Introduccedilatildeo aos Estudos Claacutessicos que ministrou no ano de
2003 a que assisti tatildeo logo ingressei na Universidade de Satildeo Paulo Que o decoro deste
gecircnero ldquoagradecimentos de dissertaccedilatildeo de mestradordquo me perdoe mas minha admiraccedilatildeo por
ele como acadecircmico talvez soacute se compare a minha admiraccedilatildeo pelo Led Zeppelin como banda
Ao Prof Dr Jacyntho Lins Brandatildeo que aceitou o convite para compor a banca e me
levou a reflexotildees teoacutericas imprescindiacuteveis e salutares contribuindo com sua vastiacutessima
experiecircncia no estudo de tatildeo fascinante objeto a Poeacutetica Antiga
Ao Prof Dr Joatildeo Acircngelo Oliva Neto por aceitar o mesmo convite e pelos proveitosos
conselhos que ateacute agora me deu natildeo soacute no exame de qualificaccedilatildeo e no exame de conclusatildeo
como tambeacutem desde que fui seu aluno pela primeira vez ainda na graduaccedilatildeo e em sucessivas
ocasiotildees Agradeccedilo-lhe por todas as questotildees de ordem tradutoloacutegica tambeacutem salutares que
me impocircs desde o princiacutepio de sua participaccedilatildeo neste processo Sem elas minha traduccedilatildeo
ainda estaria muito aqueacutem do esperado E como se natildeo bastasse tudo isso por ser o professor
mais engraccedilado com que tive aula na minha vida
Ao Prof Dr Alexandre Pinheiro Hasegawa que aleacutem dos importantes apontamentos
feitos no exame de qualificaccedilatildeo ajudou a refletir sobre os desdobramentos dados agrave pesquisa
Para noacutes neoacuteteroi ele eacute um clacissista modelar
A outros cariacutessimos professores que sempre foram capazes de muito me ensinar com
uma simples conversa durante o cafeacute Ao inesqueciacutevel mestre o professor Joatildeo Adolfo
Hansen agrave professora Paula da Cunha Correa ao professor Daniel Rossi Nunes Lopes ao
professor Maacuterio Eduardo Viaro
A meus pais pelo amor gritante e pelo amor taacutecito A minha irmatilde e agrave chatice de sua
companhia de que sinto falta a cada dia mais e mais Aos treze catildees da minha casa cujas
macias barrigas pude usar como travesseiro quando estava cansado Ao gato Fecircnix que possui
muito mais de sete ou nove vidas por seu fofo sobrepeso
A Maria Beatriz Bouissou Macecircdo por tudo que haacute de sincero
4
A Ticiano Curvelo Estrela Lacerda e a Artur Costrino irmatildeos cujas tatildeo notaacuteveis
qualidades sempre me incentivam como estudioso Agrave brilhante e mais cara amiga Tarsila
Donaacute e a Gabriel Lohner Groacutef e ao imprescindiacutevel auxiacutelio prestado por ambos na Casa de
Socorro aos Mestrandos Desesperados com a Corda no Pescoccedilo A Rafael Frate o
ldquoplenibroacutederrdquo
Agrave indissociaacutevel Amanda Lenharo di Santis e agrave afaacutevel companhia do gato Pimenta
A Diego Ydalgo Mateus Macedo Pires Samuel Gadia Rafael Pompiacutelio Gustavo
Motta e Fernando Baratella ternos amigos da terna idade de viacutedeo-game RPG HQ futebol e
(jaacute natildeo mais tatildeo terna) The Doors Como esquecer o primeiro Camotildees o primeiro Boccage o
primeiro Aacutelvares de Azevedo Gonccedilalves Dias Bandeira Drummond lidos nessa eacutepoca
A Rafael Brunhara Marcus Baccega Alexandre Almeida Marcussi e a outros
estimados amigos e colegas que jamais faria natildeo fossem as Letras e a FFLCH
5
RESUMO
A presente dissertaccedilatildeo visa agrave traduccedilatildeo anotada dos textos que nos datildeo a conhecer a
obra convencionalmente denominada Crestomatia e atribuiacuteda a Proclo junto de um estudo
que caracterize o quanto possiacutevel essa obra que permanece tatildeo obscura quanto relevante para
os Estudos Claacutessicos Traduziram-se tanto os fragmentos referentes ao Ciclo Eacutepico provaacuteveis
excertos diretos da obra como o resumo que dela restou na Biblioteca de Foacutecio coacutedice 239
A anotaccedilatildeo se ateacutem ao coacutedice 239 a fim de tornar conhecido o que fosse o variado conteuacutedo
geral da obra O coacutedice tambeacutem eacute o foco do estudo que pretende em trecircs capiacutetulos 1o)
discutir os problemas em torno do texto ie a atribuiccedilatildeo o tiacutetulo a constituiccedilatildeo da obra sua
histoacuteria etc 2o) tendo estabelecido algumas hipoacuteteses sobre essa constituiccedilatildeo diversa
explicitaacute-la comentando a primeira seccedilatildeo do texto e a confluecircncia de saberes diversos sobre as
Letras da Antiguidade fossem a Retoacuterica a Gramaacutetica a Poeacutetica considerando seus limites
3o) considerando a seccedilatildeo posterior do texto sobre a classificaccedilatildeo geneacuterica da poesia antiga
relacionaacute-lo com outros que versem sobre a classificaccedilatildeo dos gecircneros poeacuteticos em especial o
De Poematibus de Diomedes
PALAVRAS-CHAVE poeacutetica gramaacutetica retoacuterica poesia antiga gecircneros literaacuterios
6
ABSTRACT
The scope of the current dissertation is to present a commented translation in
Portuguese of the group of texts that gives us knowledge of the work conventionaly called
Chrestomathy ascribed to Proclus We present as well a study that characterizes as much as
possible this work that remains as obscure as relevant to the Classical Studies The fragments
that refer to the Epic Cycle which are probably direct excerpts of the original work were
translated as well as the summary which was preseved in Photiusrsquo Library the 239 codex
The commentary is about the 239 codex with the purpose of give knowledge of the
miscellaneous general content of the work The codex is also the focus of the study where in
three chapters 1) it will be discussed the questions around the text ie the ascription the
title the constitution of the work its history 2) having been established some hypothesis
about this diverse constitution it will be exposed on commenting the first section of the text
and the confluency as well as the limits of multiple knowledges of Literature in Antiquity
comprehending Rhetorics Grammar and Poetics 3) considering the later section of the text
concerning to the generic classification of ancient poetry we will relate the text with others
that deal with the classification of poetic genres especially Diomedesrsquo De Poematibus
KEYWORDS poetics grammar rhetoric ancient poetry literary genres
7
IacuteNDICE
Apresentaccedilatildeo9
Parte I ndash Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
Capiacutetulo 1 ndash CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO10
11 VESTIacuteGIOS DA OBRA10
12 AUTORIA E ATRIBUUICcedilAtildeO12
13 O NOME E A OBRA18
131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio18
132 A intitulaccedilatildeo do coacutedice 23925
133 O termo ldquocrestomatiardquo32
134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra38
Capiacutetulo 2 ndash A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA
ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA50
21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO50
22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO52
221 O molde copioso55
222 O molde tecircnue57
223 O molde meacutedio59
224 O molde florido61
225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo62
Capiacutetulo 3 ndash A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA67
31 SEUS GEcircNEROS67
32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS
DE DIOMEDES74
33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO81
331 Epos83
3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria83
3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico86
332 Elegia90
333 Iambo94
334 Meacutelica96
Parte II ndash Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
1 COacuteDICE 23998
11 TEXTO98
12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO109
2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO
8
CICLO EacutePICO128
21 VIDA DE HOMERO128
22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO132
221 Ciacuteprias132
222 Etioacutepida137
223 Pequenas Iliacuteada139
224 Saque de Iacutelio141
225 Retornos143
226 Telegonia145
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS148
9
Apresentaccedilatildeo
Esta dissertaccedilatildeo de mestrado se debruccedila sobre o texto tradicionalmente denominado
Crestomatia e apenas atribuiacutedo a um Proclo cuja identidade permanece em litiacutegio Sem que
isso tenha sido um impedimento para muitos antes de mim proponho aqui considerada a
imensidatildeo de toacutepicos apenas aludidos ou sugeridos por tal objeto textual (alguns carentes de
investigaccedilatildeo)
a) uma traduccedilatildeo integral do que o tempo nos legou da obra um resumo preservado
por Foacutecio de Constantinopla seacutec IX dC e os excertos aceites pelos estudiosos como seus
uacutenicos fragmentos ldquooriginaisrdquo
b) um estudo introduzindo a traduccedilatildeo que se focou em questotildees de composiccedilatildeo da
obra (da sua atribuiccedilatildeo agrave sua abrangecircncia) partes organizaccedilatildeo teorias que continha ou
propunha intenccedilatildeo e finalidade Em funccedilatildeo desse enfoque questotildees agraves quais a Crestomatia
de Proclo muitas vezes serve de ponto de partida como por exemplo a aplicaccedilatildeo das
categorias antigas de interpretaccedilatildeo poeacutetica agrave poesia liacuterica da Greacutecia Antiga os testemunhos
que conteacutem dessa interpretaccedilatildeo de base heleniacutestica etc foram em parte contemplados e em
parte deixados de lado em funccedilatildeo de um objetivo primeiro refletir sobre o que seria essa obra
e sua relaccedilatildeo com textos que lidam com assuntos semelhantes
Desta maneira portanto se organiza o texto
PARTE I ndash Um estudo em trecircs capiacutetulos o 1o abordando as questotildees baacutesicas sobre o
objeto escrito (tiacutetulo autoria) e como eacute transmitido a noacutes o 2o abordando o que aqui se
delimita como sua primeira seccedilatildeo em que se definia seu objeto e uma abordagem para ele a
fim de se conseguir uma caracterizaccedilatildeo da obra o 3o propondo a partir dos elementos
estudados uma comparaccedilatildeo com outro texto semelhante a fim de discutir os criteacuterios de
anaacutelise da poesia que na Crestomatia seratildeo empregados ateacute o fim do texto com o objetivo de
classificar a antiga poesia liacuterica ou meacutelica (sendo as especificidades dessa apresentadas ao
longo das nostas agrave traduccedilatildeo agrave medida do necessaacuterio)
PARTE II ndash A traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio que resume
a Crestomatia e a traduccedilatildeo dos resumos do chamado ciclo eacutepico que chega ateacute noacutes atraveacutes de
manuscritos de Homero
10
PARTE I
Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO
11VESTIacuteGIOS DA OBRA
Qualquer um cujo interesse seja desperto por isso que geralmente se denomina a
Crestomatia de Proclo tatildeo logo busque se aproximar do objeto deparar-se-aacute com fragmentos
que unidos ao fim nos forneceratildeo somente o espectro de uma obra que parece ter sido uma
importante e abrangente compilaccedilatildeo sobre as letras antigas algo semelhante ao que hoje
chamariacuteamos um manual de literatura
Haacute dois grupos de textos que juntos compotildeem o quanto se pode acessar do que a
julgar pelo que nos diz Foacutecio no coacutedice 239 de sua Biblioteca teria sido uma obra composta
de quatro livros1 e que sem duacutevida a despeito das discussotildees acerca do primeiro paraacutegrafo do
coacutedice (concernente ao nome) teria em seu tiacutetulo o termo ldquocrestomatiardquo
A comeccedilar pela Biblioteca como se sabe consiste em resumos epiacutetomes cuja
confecccedilatildeo2 para aleacutem do interesse do irmatildeo de Foacutecio3 serviria em uacuteltima instacircncia agraves duas
funccedilotildees mais baacutesicas que se podem supor dar a conhecer os textos resumidos a quem natildeo
poderia acessaacute-los integralmente e fornecer diferentes saberes numa mesma fonte ie reunir
informaccedilatildeo diversa preservando para um leitor que natildeo tivesse acesso a essa informaccedilatildeo agrave
medida do possiacutevel o mais relevante dos originais
Um conjunto de textos consiste portanto nos diferentes manuscritos que seguramente
contecircm a Biblioteca de Foacutecio E eacute entre diferentes obras reunidas para a Biblioteca portanto
que se resume no coacutedice 239 (de um modo a ser discutido) a obra em questatildeo
convencionalmente designada Crestomatia Trata-se pois de tradiccedilatildeo indireta
1 Severyns A Recherches sur la Chrestomathie de Proclos Le Codex 239 de Photius Eacutetude Paleacuteographique et
Critique (t I) Texte Traduction Commentaire (t II) La Vita Homeri et les Sommaires du Cycle Eacutetude
Paleacuteographique et Critique (t III) Texte et Traduction (t IV) Paris Belles Lettres 1977 Tomo II paacuteg 31 2 Severyns op cit tome I paacuteg 1 ndash 6 3 Foacutecio Biblioteca paacuteg 1
11
O outro conjunto de textos eacute bem mais visado pelos estudos claacutessicos em geral dado o
que conteacutem Consiste nos 14 manuscritos da Iliacuteada dos quais todos como uma introduccedilatildeo
trazem uma Vida de Homero4 Deles 10 tambeacutem trazem um texto designado
um apenas Venetus A (o mais velho) traz na sequecircncia
e Aquela Vida
como se vecirc pelo nome eacute uma breve biografia de Homero mas satildeo estes que foram por muito
tempo objeto dos estudiosos pois consistem em resumos aparentemente completos embora
bem pontuais dos poemas ciacuteclicos ou pelo menos de alguns deles ie os poemas que narram
os demais episoacutedios do ldquochamado ciclo eacutepicordquo (para usar os proacuteprios termos do epiacutetome do
coacutedice 239) o qual numa definiccedilatildeo mais teacutecnica seria a somatoacuteria de todas as narraccedilotildees
eacutepicas ou mais rigorosamente todos os (eacutepe)6 circunscritos a um conjunto de episoacutedios
que vai desde a origem do universo ateacute a morte de Odisseu A despeito do que se possa
conjeturar mais pormenorizadamente sobre o que de fato pleiteavam tais poemas o proacuteprio
texto do epiacutetome fociano no seu paraacutegrafo 19 eacute um de nossos principais testemunhos de
como tais poemas eram entendidos por diferentes autores que versaram sobre poeacutetica
integrando um todo ldquo
rdquo7 ndash ldquoFecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo
de diferentes poetasrdquo
Antes desse paraacutegrafo na seccedilatildeo do epiacutetome dedicada ao epos (sect13 a 23) apoacutes a
invenccedilatildeo do metro sua mateacuteria (sect13) como o nome se fixa (sect14) e o elenco de seus melhores
poetas (sect15) o paraacutegrafo 16 nos informa que ldquoele [o provaacutevel autor Proclo] discorre na
medida do possiacutevel sobre a origem a paacutetria e algumas histoacuterias particulares a respeito de tais
poetasrdquo e o paraacutegrafo 17 por sua vez diz que [ele] ldquoentatildeo inicia as consideraccedilotildees sobre o
chamado ciclo eacutepicordquo e assinala seu iniacutecio no intercurso entre Ceacuteu e Terra O verbo
(dialambaacuteno) que inicia o paraacutegrafo tem o sentido forte de ldquojulgar avaliar
tomar como objeto de consideraccedilatildeordquo O verbo que inicia o paraacutegrafo seguinte (sect18)
possui o sentido metafoacuterico de abrir caminho em um texto em uma mateacuteria
em um objeto ie ldquoexaminaacute-lordquo Diz-se que ldquoele [autor] segue examinando diversas coisas
concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticasrdquo Os paraacutegrafos 20 a 23 satildeo dedicados a peculiaridades
referentes ao ciclo que no entendimento do resumidor merecem destaque a razatildeo pela qual
4 Designaccedilatildeo latina do texto que no grego vem designado como ou como Venetus A
ou Homero eacutepoca vida caracteriacutestica tiacutetulo de poemas 5 Que traduzi na ordem por ldquo(sobre) a(s) Ciacuteprias Etioacutepida Pequena Iliacuteada Saque de Iacutelio Retornos Telegoniardquo 6 Entendendo-se aqui no sentido amplo do texto uma composiccedilatildeo hexameacutetrica narrativa A discussatildeo
pormenorizada vem a seguir 7 Severyns 1977 pg 36 Grifo do autor
12
os poemas do ciclo foram preservados o nome e a paacutetria dos poetas que se ocuparam dele e
especificidades sobre a atribuiccedilatildeo e o nome das Ciacuteprias
Considerando-se que ao longo de seu texto o epiacutetome se caracteriza ou por de um
lado apenas notificar aquilo que o suposto autor diz de mais relevante sem entrar nos
detalhes de seu conteuacutedo ou de outro por pontuar informaccedilotildees bem especiacuteficas com o intuito
de daacute-las a conhecer (provavelmente como uma novidade) a seu leitor tanto os dois verbos
referidos que descrevem aquilo que ocorre no texto resumido como as vicissitudes de 20 a
23 que ressaltam especificidades julgadas pelo resumidor como relevantes a um leitor que
recorreria ao epiacutetome satildeo muito favoraacuteveis a que natildeo se ponha em duacutevida a atribuiccedilatildeo dos 14
manuscritos a Proclo ou pelo menos ao mesmo autor resumido no coacutedice 239 Ao que tudo
indica portanto os sete textos que compotildeem o Venetus A8 a julgar pela congruecircncia no que
possui em comum com os demais (que ou trazem a Vida de Homero ou essa mais o resumo
das Ciacuteprias) seriam sete excertos integrais da Crestomatia provavelmente ndash a julgar pelo
resumo ndash referentes agrave seccedilatildeo em que discutindo o epos o autor nos daria suas consideraccedilotildees
sobre quem foi Homero bem como resumos factuais acontecimento a acontecimento dos
demais poemas que compunham o chamado ciclo eacutepico
Eis a nossa obra de um lado um resumo e de outro sete outros breves textos que
pelas indicaccedilotildees nos manuscritos de Homero e pela congruecircncia de assunto brevemente
demonstrada seriam os uacutenicos excertos integrais que chegaram a noacutes De fato ambos
parecem corresponder a uma obra cujo conteuacutedo resumido ainda circulava no acircmbito das
letras bizantinas pelo menos desde algum periacuteodo um pouco anterior ao seacuteculo IX (pois pode
ser que Foacutecio teve acesso a ela integralmente) ateacute aproximadamente o seacuteculo XV seacuteculo a
que remontam os manuscritos mais recentes9 Todas as ediccedilotildees impressas portanto atribuem-
na a Proclo
12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO
8 Nesse manuscrito o resumo das Ciacuteprias encontra-se mutilado mas pode ser reconstituiacutedo pelo manuscrito F
Neapolitanus que de acordo com Severynns derivaria de um manuscrito em comum Cf Severyns tomo III
245 ndash 52 9 A propoacutesito dos uacuteltimos manuscritos Severynns (III 317 ndash 324) identifica o Ottobonianus G e H como
derivados de um arqueacutetipo entre os quais haacute um corretor que identifica como Joatildeo Tzetzes principalmente
por especificar na denominaccedilatildeo dos resumos a atribuiccedilatildeo a ldquoProclo platocircnico Diaacutedocordquo Mesmo que se recuse a
hipoacutetese essa correccedilatildeo e a proacutepria atribuiccedilatildeo revelam natildeo soacute uma atividade filoloacutegica que se debruccedilava sobre o
texto mas a preocupaccedilatildeo em atribuir-lhe a origem precisa
13
Uma vez que todos os manuscritos da Vida e dos Resumos atribuem o texto
indubitavelmente a Proclo e apenas um preocupa-se em explicitar de que Proclo se trata
restaria saber se de fato o suposto autor do texto eacute esse explicitado pelo corretor o Proclo
de quem mais se tecircm notiacutecias e obras o chamado diaacutedokhos ou ldquosucessorrdquo assim
designado por ser o renomado disciacutepulo e sucessor de Siriano na nova escola platocircnica de
Atenas onde estudou tambeacutem com Plutarco (de Atenas) apoacutes ser disciacutepulo de Olimpiodoro o
Velho em Alexandria provavelmente onde ainda jovem obteve sua primeira formaccedilatildeo com
o gramaacutetico Oacuterion de Tebas (Egito)10 de quem adiquiriu sua formaccedilatildeo nas letras ndash se para o
estudo da filosofia sua filiaccedilatildeo aos referidos filoacutesofos eacute fundamental para o estudo da obra
aqui abordada sua filiaccedilatildeo a esse gramaacutetico egiacutepicio seja talvez determinante como logo se
discutiraacute Foi no seacuteculo V dC um dos principais nomes do que denominamos
neoplatonismo e hoje eacute conhecido principalmente por seus comentaacuterios a Platatildeo Nosso
principal testemunho aqui a respeito desse Proclo eacute o Suda Diz-nos dele o Liacutecio (pois era
originaacuterio da Liacutecia) que para aleacutem de seus trabalhos filosoacuteficos escreveu muitas obras de
filosofia e gramaacutetica e aiacute nesse mesmo passo ldquoum comentaacuterio agrave obra de Homero um
comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo e trecircs livros sobre crestomatiardquo que se
entendermos como o tiacutetulo levaraacute agrave grafia ldquoSobre Crestomatiardquo Talvez fosse essa a obra que
nos permitiria identificar Proclo o Sucessor ou o Liacutecio como o autor do texto que
conhecemos pelo epiacutetome fociano Eacute necessaacuterio ressaltar que neste caso como natildeo eacute possiacutevel
fazer mais do que conjeturar o que se faraacute aqui eacute julgar a verossimilhanccedila das hipoacuteteses
Primeiro se deve julgar se eacute possiacutevel identificar essa obra de que o Suda fala agrave obra
resumida na Biblioteca Eacute de se crer que sim pelos seguintes motivos dos quais o primeiro eacute
cronoloacutegico a Biblioteca em que se encontra o epiacutetome foi composta seguramente no seacuteculo
IX no profiacutecuo contexto da atividade copista bizantina (a julgar pelo que se diz na sua
dedicatoacuteria preparada durante a viagem agrave corte dos Abaacutessidas em Bagdaacute e enviada ao irmatildeo
de Foacutecio que natildeo pudera ir e ficara em Constantinopla) o mesmo contexto do qual floresce o
Suda aproximadamente um seacuteculo depois Temos portanto coerecircncia temporal e regional
entre o epiacutetome da Biblioteca de Foacutecio e o leacutexico Em segundo lugar o Suda nos descreve um
neoplatocircnico que (falando de acordo com nossos termos) teria se dedicado natildeo soacute agrave filosofia
embora principalmente mas tambeacutem agrave ldquocriacutetica literaacuteriardquo ou filoloacutegica aqui designada
simplesmente por ldquogramaacuteticardquo (questatildeo terminoloacutegica que logo seraacute abordada) Que isso fosse
10 Ateacute pelo nome da conhecida constelaccedilatildeo julgou-se esse nome consagrado demais para ser vertido segundo o
criteacuterio aqui adotado para outros semelhantes (Oriatildeo) Vale mencionar que foi autor de um Leacutexico que foi
aproveitado por outros duas valiosas obras semelhantes a saber o Etymologicum Gudianum e o Etymologicum
Magnum
14
verdade pelo menos os exemplos parecem confirmaacute-lo uma vez que as obras arroladas
pertencem ou a esta ou agravequela aacuterea do saber antigo duas no entanto configuram um caso
particular por confirmarem que essa distinccedilatildeo de abordagem realmente ocorria Eacute possiacutevel
vislumbrar certo agrupamento temaacutetico parece que estas trecircs primeiras obras elencadas
referem-se agrave atividade filoloacutegica enquanto as que vecircm depois agrave atividade filosoacutefica
[] ἔγραψε πάνυ πολλά φιλόσοφά τε καὶ γραμματικά ὑπόμνημα εἰς
ὅλον τὸν Ὅμηρον ὑπόμνημα εἰς τὰ Ἡσιόδου Ἔργα καὶ Ἡμέρας Περὶ
χρηστομαθείας βιβλία γacute Περὶ ἀγωγῆς βacute Εἰς τὴν πολιτείαν
Πλάτωνος βιβλία δacute Εἰς τὴν Ὀρφέως Θεολογίαν Συμφωνίαν
Ὀρφέως Πυθαγόρου Πλάτωνος περὶ τὰ Λόγια βιβλία ιacute Περὶ τῶν
παρ Ὁμήρῳ θεῶν Ἐπιχειρήματα κατὰ Χριστιανῶν ιηacute
[] Escreveu diversas obras tanto de filosofia como de gramaacutetica Um
comentaacuterio a todo Homero comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de
Hesiacuteodo Acerca de Crestomatia em 3 livros Acerca de Educaccedilatildeo em
2 Sobre a Repuacuteblica de Platatildeo em 4 livros Sobre a Teologia de
Orfeu Consonacircncia de Orfeu Pitaacutegoras Platatildeo acerca dos Oraacuteculos
em 10 livros Sobre os Deuses em Homero 18 Contraprovas aos
Cristatildeos
(Suda 2473 4 ndash 10 traduccedilatildeo e grifos do autor)
De todas essas a recorrecircncia de Homero entre umas e outras parece confirmar mesmo
que neste verbete as obras estatildeo elencadas pela aacuterea a que pertenciam e mais ainda que uma
delas se designa ldquogramaacuteticardquo O suposto argumento de ambas parece tambeacutem confirmar esta
hipoacutetese laacute entre aquelas um comentaacuterio a todo Homero sem uma especificaccedilatildeo do que eacute
abordado o que nos faz pensar em um comentaacuterio a seu texto de forma geral aqui entre as
obras filosoacuteficas um assunto concernente agrave filosofia e ao platonismo a interpretaccedilatildeo da
figuraccedilatildeo dos deuses na obra do poeta
Isso natildeo prova que de fato a obra eacute do Proclo neoplatocircnico mas pelo menos confirma
que sendo posterior o Suda na situaccedilatildeo meramente hipoteacutetica de natildeo possuir nenhuma
referecircncia natildeo vecirc incongruecircncia alguma em atribuir a ele uma Crestomatia que poderia ser
sobre gramaacutetica O Suda pode inclusive ter se fiado agrave mesma tradiccedilatildeo que para Foacutecio jaacute
atribuiacutea a obra ao Proclo platocircnico ou entatildeo como natildeo haacute nenhuma especificaccedilatildeo da parte de
Foacutecio sobre quem seria esse Proclo ter assumido como perfeitamente aceitaacutevel e plausiacutevel na
hipoacutetese extrema de ter como uacutenica fonte a mesma tradiccedilatildeo de Foacutecio ou mais extrema ainda
o proacuteprio epiacutetome que essa ldquocrestomatiardquo versando sobre gramaacutetica fosse de Proclo sem ver
erro nisso ie em atribuir ao filoacutesofo platocircnico uma obra tratando das letras O que de fato
15
parece-nos bem razoaacutevel nesta perspectiva eacute que primeiro natildeo haveria nada de estranho em
atribuir certa crestomatia ao Proclo platocircnico e segundo que essa versava sobre gramaacutetica a
julgar pela aparente divisatildeo em grupos de que o Suda nos fala Mas ainda sobre o primeiro
aspecto natildeo haacute por que duvidar de que o Suda se paute numa tradiccedilatildeo consolidada e
verossiacutemil de atribuiccedilatildeo desse texto a Proclo No seu verbete eacutelegos o Etymologicum
Magnum traz ldquoltἜλεγοςgt Ἐκ τοῦ περὶ Χρηστομαθίας Πρόκλουrdquo ou seja alude a uma obra
de Proclo exatamente da mesma maneira que o verbete do Suda referindo-a como
Crestomatia junto da preposiccedilatildeo ldquoperiacuterdquo nomeando pelo substantivo portanto o conteuacutedo
geral que identificava esse texto no periacuteodo A alusatildeo feita pelo leacutexico portanto
considerando-se que ele eacute apenas um pouco posterior ao Suda sugere que este provavelmente
se insere em um ramo da atividade filoloacutegica bizantina que no mais tardar depois de Foacutecio
identifica sim a Crestomatia em textos de ensejo semelhante como sendo do Proclo Liacutecio ou
Diaacutedoco a congruecircncia formal entre as duas passagens contendo ainda que soacute a mesma
preposiccedilatildeo aleacutem do nome contribui para essa associaccedilatildeo principalmente porque como se
disse os dois textos satildeo praticamente contemporacircneos e pertencem ao mesmo ciacuterculo
filoloacutegico
Natildeo agrave toa o Etymologicum Magnum para explicar o que eacute ldquoeacutelegosrdquo citaraacute o texto que
diz ser de Proclo mas o faraacute praticamente como se encontra no coacutedice da Biblioteca salvo
pela ordem
[]Ὁ μέντοι ἐπικὸς κύκλος ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς μυθολογουμένης
Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μίξεως ἀφ ἧς Ἑκατοντάχειρες γίνονται
Καὶ ἑξῆς
Διαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα
καὶ εἴ που τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται Περατοῦται δὲ ἐξ
διαφόρων ποιητῶν συμπληρούμενος μέχρι Ὀδυσσέως ὧν καὶ
ὀνόματα καὶ πατρίδας φησὶν ὁ αὐτός Σπουδάζεσθαι δὲ τὰ ἐπικοῦ
κύκλου τὰ ποιήματα οὐχ οὕτω διὰ τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν
τῶν ἐν αὐτῷ πραγμάτων Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου
καὶ πενταμέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις καὶ
εὐλογεῖσθαι μὲν ὑπ αὐτοῦ τούτους οἱ μέντοι μεταγενέστεροι ἐπὶ
διαφόροις ὑποθέσεσιν αὐτῷ ἀπεχρήσαντο Τὸ δὲ ἔπος πρῶτον μὲν
ἐφεῦρε Φιμονόη ἡ Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς
[χρησαμένη] Οἷς ἐπεὶ τὰ πράγματα εἵπετο ἔπος τὸ ἐκ μέτρων
ἐκαλεῖτο ἢ διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαι ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς
ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ κοινὸν ὄνομα παντὸς λόγου τὸ
16
ἑξάμετρον ἰδιώσατο καθάπερ Ὅμηρον τὸν ποιητὴν καὶ Δημοσθένην
τὸν ῥήτορα ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευσαν
(Etymologicum Magnum 32740 ndash 3283)
ldquo lsquoO ciclo eacutepico se inicia do intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra a
partir do qual geram centiacutemanosrsquo
E em senguida
Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre
os deuses dos gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser
verdade em referecircncia agrave histoacuteria Fecha-se sendo completo por
diferentes poetas ateacute de Odisseu Desses ele fala o nome e a paacutetria
Tambeacutem [fala] que os poemas do ciclo eacutepico tecircm recebido atenccedilatildeo
natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele
contidas Que agrave elegia se compotildee de um verso heroacuteico e um
pentacircmetro acomoda-se aos que jaacute partiram e esses eram elogiados
por ele Os poacutesteros usaram-no amplamente para diferentes
argumentos Quem primeiro descobriu o epos foi Femocircnoe a
profetiza de Apolo profetizando oraacuteculos em hexacircmetros A eles
seguiram-se os feitos e ldquoeposrdquo era chamada qualquer composiccedilatildeo no
metro ou pela elaboraccedilatildeo e pela ampla superioridade observada nos
hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo
[epos] bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo e
Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez que alguns tambeacutem denominavam
ldquoeacuteperdquo [falares plura de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetrosrsquordquo
(Traduccedilatildeo e acreacutescimos do autor)
Salvo pela ordem deveras estranha ndash afinal aquilo que o verbete pretende definir
ocorre no excerto muito curto referente agrave definiccedilatildeo de elegia e ainda em meio a inuacutemeros
trechos referentes agrave poesia eacutepica ndash pode-se observar que primeiro o Etymologicum julgou
prudente para definir eacutelegos simplesmente citar uma obra que julgava autorizada para definir
tal palavra apresentando sua seccedilatildeo sobre a elegia e seu antigo uso em contexto fuacutenebre e a
atribuiu a Proclo segundo natildeo soacute essa seccedilatildeo mas os demais trechos trazem as mesmas
palavras do coacutedice de Foacutecio salvas algumas supressotildees e diferenccedilas de escolha Ao que tudo
indica para citar a obra que explicava como se achava devido o significado autorizado da
palavra em questatildeo o autor recorreu ao que sabia sobre ela Comparando esse excerto com o
epiacutetome de Foacutecio pode-se conjecturar que ou o compilador recorreu na confecccedilatildeo do
verbete a um manuscrito outro que continha assim essas informaccedilotildees ou copiou trechos
resumida e aleatoriamente ou ndash ainda uma terceira e mais plausiacutevel opccedilatildeo ndash cita de cabeccedila as
referidas partes da obra que conhece como Crestomatia e adota trecircs procedimentos que
parecem observaacuteveis surprime palavras e topicaliza mais o texto emprega sinocircnimos mas
manteacutem os termos e nomes fundamentais cita as outras passagens do contexto em que a
17
desejada se encontrava Estariam as informaccedilotildees citadas sobre a elegia no meio da seccedilatildeo
sobre epos porque uma vez abordada o vasto leque temaacutetico da eacutepica tratava-se do metro
havendo aiacute uma diferenciaccedilatildeo jaacute que elegia e epos considerados metricamente tecircm em
comum o hexacircmetro que eacute isolado ao fim do excerto Seria essa configuraccedilatildeo pensada pelo
compilador e arranjada para a confecccedilatildeo do verbete em questatildeo Ainda que natildeo haja resposta
a somatoacuteria de textos aponta para o fato de que para esse mesmo ramo de lexicoacutegrafos da
Biblioteca do Suda e do Etymologicum Magnum a Crestomatia em questatildeo fora
confeccionada por Proclo Diaacutedoco ou Liacutecio
Ainda dessa perspectiva parece que o uacutenico outro Proclo dentre aqueles de que temos
notiacutecias ao qual parece verossiacutemil atribuir a Crestomatia seria um que natildeo eacute mencionado
entre os constantes no Suda Eutiacutequio Proclo professor de Marco Aureacutelio gramaacutetico do
seacuteculo II dC Eacute igualmente verossiacutemil tambeacutem pela dataccedilatildeo que seja esse o autor A
associaccedilatildeo do texto agrave tradiccedilatildeo filoloacutegica alexandrina eacute reconhecidamente assumida por
diferentes autores que se debruccedilaram sobre o epiacutetome fociano11 seja por seu amplo conteuacutedo
mitoloacutegico e etioloacutegico presente nas etimologias explicativas dos gecircneros seja pelo proacuteprio
conceito de gramaacutetica em que parece se pautar12 Como se sabe a erudiccedilatildeo alexandrina tem
vasta influecircncia na educaccedilatildeo romana desde a eacutepoca dita claacutessica Natildeo seria de se espantar
pois que tal crestomatia fosse um escrito desse provaacutevel professor de Marco Aureacutelio
ensinando sobre letras em geral e os muitos gecircneros poeacuteticos dos gregos ainda mais se
julgarmos que o texto teria um fim didaacutetico
Haacute que se avaliar entatildeo qual dessas duas hipoacuteteses parece mais verossiacutemil e se natildeo
haacute indiacutecios suficientes para confirmar a primeira parece haver menos para desacreditaacute-la
salvo se julgue radical e absurdamente que como filoacutesofo platocircnico o Proclo do seacutec V natildeo se
ateria agrave poesia e agrave atividade filoloacutegica de que a Crestomatia eacute um testemunho Contudo a natildeo
ser que o Suda esteja profundamente equivocado vemos que como comentador alguma
parcela da atividade do diaacutedochos lidava sem contradiccedilatildeo alguma com isso que designamos
criacutetica filoloacutegica ou literaacuteria
Nesse sentido a filiaccedilatildeo de Proclo a Oacuterion como um de seus professores seria um
argumento determinante primeiro porque o longo cataacutelogo de espeacutecies liacutericas do epiacutetome
11 Sejam os dois principais editores e comentadores do texto ie Severyns e Ferrante sejam quantos percebem a
indissociaacutevel apropriaccedilatildeo da categorizaccedilatildeo aventada pelo gramaacutetico alexandrino Diacutedimo de Calcentero 12 Conceito no qual o gramaacutetico jaacute natildeo era apenas aquele que ensinava as letras mas sim o especialista em tudo
quanto agraves tangenciava inclusive os instrumentos e doutrinas de retoacuterica e poeacutetica com os quais os antigos faziam
o que hoje diriacuteamos ldquocriacutetica literaacuteriardquo Tal discussatildeo ainda ocuparaacute boa parte de nosso trabalho (134 paacuteg 38)
18
traz em mais de uma passagem similaridades com o Leacutexico do gramaacutetico13 segundo porque
como se sabe tal obra seraacute aproveitada pela profiacutecua atividade lexicograacutefica bizantina dos
seacuteculos posteriores e natildeo eacute nada infundado supor que o proacuteprio Proclo apoia-se nas liccedilotildees do
professor (e esse provavelmente toma por base a obra de Diacutedimo) A julgar pelas
similaridades tal transmissatildeo natildeo eacute absurda e nesse caso o Proclo de quem falamos soacute pode
ser o diaacutedoco
A dificuldade de identificaccedilatildeo resta pois inevitavelmente atrelada ao que seria o
nome dessa obra que se identifica com o resumo de Foacutecio tatildeo somente por uma palavra
levando-nos ao problema mesmo de definir seu conteuacutedo pois se nos fosse perfeitamente
possiacutevel circunscrevecirc-lo obtendo um vislumbre mais amplo dos assuntos do texto seria
possiacutevel caracterizaacute-lo melhor e daiacute compreendendo em que consistiria essa crestomatia
reconsiderar a atribuiccedilatildeo
Inevitavelmente nessa linha de raciociacutenio haacute que se considerar tambeacutem qual
ldquogramaacuteticardquo eacute essa de que falam os testemunhos mais especificamente que noccedilatildeo de
gramaacutetica eacute essa
13 O NOME E A OBRA
131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio
O problema mais imediato referente agrave leitura do texto resumido estaacute logo em sua
primeira linha a ordem das palavras e o arranjo sintaacutetico criam dificuldades para determinar o
quecirc exatamente foi primeiro lido e depois resumido por Foacutecio
Praticamente todos os epiacutetomes de sua Biblioteca se iniciam pela forma
(anegnoacutesthe) que eacute formular nessa obra e se refere mais amplamente natildeo soacute ao que foi lido
mas ao fato de que se realizou mais uma das sessotildees (ou seacuterie de sessotildees) de leituras do
ciacuterculo de letrados em torno do entatildeo embaixador Foacutecio na qual seu irmatildeo Taraacutesio natildeo podia
estar presente por ter ficado em Constantinopla Como se sabe pela dedicatoacuteria mesma da
Biblioteca (Bekker 1824 ndash 25) essa eacute a motivaccedilatildeo primeira para a escrita da extensa obra
13 Cf Traduccedilatildeo n 54 paacuteg 116 e n 56 57 e 58 paacuteg 117
19
tomar nota dos textos que foram tratados e de diferentes coisas relativas a eles Eacute pela referida
forma verbal aliaacutes que se pode identificar quando acaba um resumo e inicia-se outro
A Biblioteca de Foacutecio portanto consiste de diferentes ndash antes de dizermos resumos ndash
notas ou anotaccedilotildees referenciais do que era objeto das sessotildees de leituras Assim eacute que certas
palavras como eacute o caso de eklogaiacute (ldquocoletacircnea extratos excertosrdquo) que figura na introduccedilatildeo
do resumo do coacutedice 239 na liccedilatildeo aqui adotada de Severyns ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τοῦ
ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου χρηστομαθείας γραμματικῆς ἐκλογαίrdquo geram dificuldades
de interpretaccedilatildeo por natildeo permitirem estabelecer com exatidatildeo a que etapa se referem de todo
esse processo que resulta na confecccedilatildeo da Biblioteca se por vezes o termo parece
claramente se referir a um livro que foi tido em matildeos e era ele mesmo uma coletacircnea
excertos coligidos por outras parece que o mesmo termo se refere a uma coletacircnea de textos
ou de grupos de textos mais longos feita pelo proacuteprio grupo senatildeo por Foacutecio ele mesmo
Exemplo bem evidente do primeiro caso eacute o epiacutetome de Estobeu cuja obra eacute
conhecidamente uma coletacircnea assim mesmo nomeada ao longo dos seacuteculos
ldquo[1]14 Ἀνεγνώσθη ltἸωάννου Στοβαίουgt ἐκλογῶν ἀποφθεγμάτων ὑποθηκῶν βιβλία
τέσσαρα ἐν τεύχεσι δυσίrdquo
ldquoLeram-se dos excertos ditos notaacuteveis e conselhos de Joanes Estobeu quatro livros em
dois volumesrdquo
(Foacutecio op cit 167 112a 14 ndash 16 traduccedilatildeo e grifo do autor)
A maior literalidade visada nesta traduccedilatildeo busca nos introduzir a uma das formas
padrotildees de se apresentar os resumos das leituras ao longo da Biblioteca Neste caso a
traduccedilatildeo ao peacute da letra ndash por assim dizer ndash da forma verbal que encabeccedila os epiacutetomes (ldquoleram-
serdquo) eacute simples e imediatamente aceitaacutevel porque ao fim de tudo haacute um nominativo neutro
plural (bibliacutea) que clara e gramaticalmente concorda com a forma verbal de que eacute sujeito O
que se leu aqui foram os ldquoquatro livros em dois tomosrdquo que vecircm definidos pelos genitivos de
conteuacutedo que os precedem que vecircm por sua vez precedidos pelo genitivo de posse ou
origem designando quem apontariacuteamos como autor Aqui portanto a sintaxe natildeo exige para
que se natildeo trunque o portuguecircs um arranjo outro para a forma verbal como o que se adotou
logo agrave primeira linha da traduccedilatildeo do coacutedice 239 (v Traduccedilatildeo paacuteg 109 e nota 1 agrave mesma) A
proacutepria obra de Estobeu eacute conhecida por ser um exemplo de eklogeacute eklogaiacute que se fazia na
14 Numeram-se aqui as introduccedilotildees dos coacutedices citados a fim de se poder citaacute-los como exemplos de construccedilotildees
gramaticais
20
antiguidade ie excertos coligidos de diferentes autores visando agrave reuniatildeo de um saber ou
no caso de Estobeu saberes
No geral a forma verbal concorda com alguma palavra singular geralmente
designando que tipo de obra se leu o gecircnero do escrito uma ldquohistoacuteriardquo ie uma obra
historiograacutefica (as quais sobejam na Biblioteca) uma epiacutestola um discurso etc Exemplos
ldquo[2] Ἀνεγνώσθη ltΒασιλείου Κίλικοςgt ἐκκλησιαςτικὴ ἱστορίαrdquo
ldquoLeu-se histoacuteria eclesiaacutestica de Basiacutelio Ciliacuteciordquo
(Idem 42 9a 21)
ldquo[3] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜαξίμουgt λόγος ἀσκητικός εἰς πεῦσιν ἐσχηματισμένος
καὶ ἀπόκρισινrdquo
ldquoLeu-se de Santo Maacuteximo um discurso asceacutetico15 esquematizado em pergunta e
respostardquo
(Idem 193 157b 33 ndash 34)
[4] Ἀνεγνώσθη τοῦ αὐτοῦ ἁγίου ἀνδρὸς πρὸς Γεώργιον ἔπαρχον ἐπιστολήrdquo
ldquoLeu-se do mesmo santo homem uma carta ao prefeito Geoacutergiordquo
(Idem 194 158a 13 ndash 14)
Agraves vezes se nomeia a obra por sua finalidade ou destinaccedilatildeo (e geralmente aiacute se tem
preposiccedilatildeo)
ldquo[5] Ἀνεγνώσθη ltΓρηγορίου Νύσσηςgt ὁμοίως ὑπὲρ Βασιλείου κατὰ Εὐνομίουrdquo
ldquoLeu-se de Gregoacuterio de Nisa igualmente por Basiacutelio contra Eunocircmiordquo
(Idem 6 3b 17 ndash 18)
Em outras palavras um texto apologeacutetico em favor das opiniotildees de Basiacutelio contra Eunocircmio
Contudo por vezes lecirc-se
ldquo[6] Ἀνεγνώσθη ltΘεοπόμπουgt λόγοι ἱστορικοί
rdquo
(Idem 176 120a 6 ndash 7)
15 Asceacutetico de treino preparatoacuterio
21
O nominativo natildeo concorda gramaticalmente com a forma verbal embora como em
todas as linhas introdutoacuterias de um novo resumo apoacutes o verbo haja sempre o genitivo (ora
com preposiccedilatildeo) que nomeia a origem do que se lecirc geralmente a pessoa a quem se atribui o
objeto da leitura Natildeo se diraacute aqui autor porque nosso problema eacute justamente esse Da
traduccedilatildeo literal ndash ldquoleram-se16 de Teopompo discursos [ou arrazoados] histoacutericos De seus
discursos histoacutericos 53 satildeo os preservadosrdquo ndash chama-nos a atenccedilatildeo aqui o segundo periacuteodo
O que se pode inferir (bem como de outras muitas passagens semelhantes) eacute que as sessotildees do
ciacuterculo de Foacutecio em algum momento dedicaram-se agrave leitura do provaacutevel historiador do
seacuteculo IV AC de quem a julgar pelo conteuacutedo do coacutedice (uma avaliaccedilatildeo geral sobre sua
cronologia temas e escritos vida e estilo do autor) 53 peccedilas estiveram em matildeos de Foacutecio e
seus circunstantes e foram objeto de suas leituras Essa passagem nos aproxima daquilo que
provavelmente era o material da Biblioteca como eacute de se esperar o que o grupo tinha em
matildeos eram manuscritos diversos em diversos rolos (tomos) Essa imagem aproximada torna-
se mais viacutevida nas passagens em que haacute uma preocupaccedilatildeo maior em se notificarem as fontes
do que se lecirc como por exemplo nos coacutedices de 172 a 174 dedicados agraves leituras de obras de
Joatildeo Crisoacutestomo
ldquo[7] Ἀνεγνώσθη τοῦ ltΧρυσοστόμουgt ὁμιλίαι εἰς τὴν γένεσιν ξʹ καὶ μία ἐν τεύχεσι
τρισίν ὧν τὸ μὲν πρῶτον ὁμιλίας περιεῖχεν κʹ τὸ δεύτερον δὲ δεκα έξ τὸ τρίτον κεʹrdquo
ldquoLeram-se de Crisoacutestomo 61 homilias agrave Criaccedilatildeo em trecircs rolos [ou volumes tomos]
dos quais o primeiro compreendia 20 o segundo dezesseis o terceiro 25rdquo
(Idem 172 118b 15 ndash 18)
Em se tratando natildeo apenas de um anuacutencio do que se lecirc mas de uma descriccedilatildeo do
objeto a interpretaccedilatildeo mais plausiacutevel para a falta de concordacircncia entre o nominativo e a
forma verbal no grego eacute a de que se trata do ldquotiacutetulordquo natildeo da obra entendida como noacutes
modernos concebemos nossa relaccedilatildeo com os produtos do mercado editorial todos
(teoricamente) individualizados por uma designaccedilatildeo particular (e ldquoparticularizanterdquo) mas
funcionalmente como aquilo que o copista inscreve no topo do manuscrito para nomeaacute-lo e
permitir a identificaccedilatildeo descritiva do objeto um cabeccedilalho Da mesma forma deveriacuteamos
considerar quando dizemos ldquoobrardquo que tambeacutem natildeo se trata de tal como concebemos hoje
16 Marcar-se-atildeo assim as traduccedilotildees de anegnoacutesthe justamente porque se discutiraacute sua adequaccedilatildeo a como se leem
e interpretam suas ocorrecircncias nas diferentes passagens
22
mas do texto o manuscrito que o copista tem em matildeos e esse eacute como o grego os nomeia
ldquologosrdquo um discurso
Assim se observa no texto grego da biblioteca aquilo que na tipografia moderna
indicariacuteamos de diferentes maneiras maiuacutesculas itaacutelico aspas etc o que jaacute implica mesmo
que inconscientemente uma forma outra de conceber o objeto Retomando nosso uacuteltimo
exemplo deveriacuteamos pensar que mesmo pertencentes ao domiacutenio comum dos disciacutepulos de
Foacutecio futuro patriarca da igreja do oriente e mesmo sendo renomados nesse contexto da
religiatildeo ortodoxa abertos os rolos estava-se diante de ldquo61 homilias de Crisoacutestomordquo e natildeo drsquo
ldquoAs Sessenta e Uma [ou quantas sejam] Homilias de Joatildeo Crisoacutestomordquo
Nossa dificuldade entatildeo retomando a palavra que observamos tambeacutem no epiacutetome de
Estobeu torna-se precisar o significado de eklogaiacute nesses diferentes contextos Observemos
por exemplo o que ocorre no coacutedice 273 em que a construccedilatildeo logo apoacutes o verbo assemelha-
se agravequela da introduccedilatildeo da Crestomatia
(8) ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τῶν τοῦ μακαρίου ltΘεοδωρήτουgt λόγων οὓς εἰς τὸν ἐν ἁγίοις
Ἰωάννην τὸν Χρυσόστομον συνετάξατο ὧν ἡμεῖς πέντε τέως εἴδομεν ἐξ ὧν καί τινας
ἐκλογὰς τὰς ὑποτεταγμένας παρεγραψάμεθαrdquo
(Idem 273 507b 15 ndash 18)
Partindo para uma traduccedilatildeo literal o quanto possiacutevel ldquoLeu-se [fez-se leitura] a partir
dos discursos [ou arrazoados] do abenccediloado Teodoreto (que compilou sobre a santidade de
Joatildeo Crisoacutestomo) dos quais estudamos cinco ateacute entatildeo e a partir dos quais copiamos alguns
excertos abaixo arroladosrdquo ndash considere-se que paregrapsaacutemetha ldquocopiamosrdquo indica o
proacuteprio ato de ldquoescrever ao ladordquo copiando em outro manuscrito trechos selecionados a
partir do manuscrito que primeiramente se leu Chama a atenccedilatildeo o fato de que a primeira
oraccedilatildeo natildeo precisa de um nominativo Essa construccedilatildeo da forma passiva mais a preposiccedilatildeo ek
eacute diferentemente entendida e explicada pelos editores do coacutedice 239 todos editores ateacute
Severyns mesmo natildeo adotando-a propotildeem que o ideal seria a correccedilatildeo para o plural (Cf
Severyns op cit I 173) Esse rejeita imediatamente a hipoacutetese pois que natildeo consta em
nenhum manuscrito De fato natildeo se trata do coacutedice 239 julgado por si apenas mas como um
coacutedice da Biblioteca Explica a forma poreacutem tatildeo somente como um uso da linguagem de
Foacutecio advindo da repeticcedilatildeo17 Ferrante (1957 paacuteg 1) adota a liccedilatildeo de Severyns explica qual
17 ldquoSupposeacute mecircme que fucirct le sujet grammatical le pluriel du verbe ne serait pas encore de rigueur dans
la langue de Photius Car aacute force drsquoecirctre reacutepeacuteteacute devient chez lui une espegravece de mot invariable et
mecircme degraves les premiegraveres pages de la Bibliothegraveque on trouve des expressions comme cellescirdquo Entatildeo Severyns
23
a leitura gramatical que se deve fazer da frase e diz da forma verbal que ldquotem valor
impessoalrdquo o que eacute uma parte do proposto aqui ldquoformularrdquo18 Nenhum autor faz menccedilatildeo
discutindo esta construccedilatildeo agraves ocorrecircncias da terceira pessoa do plural na introduccedilatildeo de alguns
coacutedices ocorrecircncias essas que parecem muito bem justificadas A terceira pessoa do plural
aparece nos coacutedices 192B 216 260 261 e 269 por razatildeo que jaacute se deduz na passagem da
primeira para a segunda parte de 192 O coacutedice 192A refere-se ao livro de Santo Maacuteximo a
Taraacutessio contendo 164 resoluccedilotildees de questionamentos Observemos o que descreve o coacutedice
192B
ldquo[9] Ἔτι ἀνεγνώσθησαν αὐτοῦ καὶ ἐπιστολαὶ περὶ διαφόρων ὑποθέσεων ψυχωφελῶν
τε καὶ ἀναγκαίων τοῖς ὀρθοῦν τε τὰ ἤθη καὶ τὸν νοῦν ἐγρηγορότα συντηρεῖν πρὸς τὴν
εὐσέβειαν ἐσπουδακόσι τὸν ἀριθμὸν ζʹ καὶ κʹrdquo
ldquoAinda dele tambeacutem se leram epiacutestolas acerca de diferentes argumentos espirituais
necessaacuterios aos que estatildeo empenhados tanto em corrigir os costumes como preservar a mente
desperta agrave piedade 27 quanto ao nuacutemerordquo
(192b 157a 11 ndash 14)
Em princiacutepio poder-se-ia pensar que a forma verbal estaacute no plural para concordar com
o nominativo plural epistolaiacute mas consoante ao observado isso seria uma exceccedilatildeo em uma
obra de 280 coacutedices a todas as ocorrecircncias anteriores do tipo dos exemplos 6 e 7 acima
citados em que essa concordacircncia natildeo ocorre Diversos elementos aqui podem nos ajudar a
formular uma hipoacutetese para a variaccedilatildeo da forma hipoacutetese que parece se confirmar nos demais
coacutedices que trazem o plural e oferecem menos indiacutecios agrave conjectura
Observem-se as formas eacuteti e kaiacute da primeira oraccedilatildeo Referem-se ao coacutedice anterior
192A dedicado a resumir uma obra que parece bem extensa Nesta divisatildeo B do mesmo
coacutedice informa-se que se continuou lendo o mesmo autor mas natildeo uma obra completa ie
natildeo apenas uma uacutenica obra dele Fez-se uma seleccedilatildeo do que seria objeto da leitura
especificado apenas no fim pelo acusativo de relaccedilatildeo tograven arithmograven zacute kaigrave kacute Pode-se imaginar
que Foacutecio provavelmente quem determinava o que se leria ou natildeo aquilo que estaria
circunscrito a esta ou agravequela seccedilatildeo (ie na hipoacutetese de diferentes matildeos escrevendo ou
revezando-se em escrever as anotaccedilotildees que comporiam a Biblioteca) ou pelo menos quem
exercia a funccedilatildeo de organizar as sessotildees julgou prudente complementar este coacutedice dedicado
a Satildeo Maacuteximo com 27 epiacutestolas que natildeo eram elas mesmas se todas copiadas num mesmo
arrola coacutedices cuja construccedilatildeo eacute condizente com as dos exemplos 6 e 7 aqui ie verbo + genitivo + nom plural
(Severyns op cit I p 173) 18 Cf nota 1 agrave Traduccedilatildeo paacuteg 109
24
manuscrito ou coacutedice um conjunto intitulado pela palavra (no nominativo pois se trataria do
tiacutetulo) epistolaiacute Como se observa pela descriccedilatildeo mesma as epiacutestolas se unem pelo conteuacutedo
e aqui sim satildeo reunidas em um mesmo coacutedice ou parte de um (192B) que se soma agrave
primeira metade de 192 e o complementa O que se faz aqui no sentido menos teacutecnico da
palavra principalmente porque ela natildeo aparece natildeo deixa de ser uma eklogeacute no sentido de
uma reuniatildeo uma seleccedilatildeo como testemunhada no exemplo 8 acima referente ao coacutedice 273
Neste caso de fato a forma verbal deve concordar no plural com ldquoepiacutestolasrdquo porque sim natildeo
constitui um ldquotiacutetulordquo como anteriormente entendido nos casos acima estudados natildeo eacute a
palavra ou parte do conjunto de palavras que nomeia o manuscrito ou manuscritos objetos das
sessotildees de leitura mas sim o substantivo comum e forccedila a concordacircncia da forma que surge
em cinco dos 280 coacutedices
Isso nos leva a uma hipoacutetese para explicar as diferenccedilas de emprego o singular vai
com os ldquotiacutetulosrdquo por assim dizer enquanto o plural distingue documentos textos separados
agora reunidos em uma mesma ediccedilatildeo ie especifica partes diacutespares ou conjuntos delas que
estatildeo sendo lidos e que pelo menos no material de que os letrados junto a Foacutecio dispunham
provavelmente natildeo se encontravam reunidos sob um mesmo tiacutetulo ou mais propriamente
intitulaccedilatildeo para consoar com o que se defende aqui Isso se exemplifica pelas outras quatro
ocorrecircncias do plural nos coacutedices 216 260 261 e 269 A forma plural serve tanto para indicar
que diferentes textos estatildeo resumidos num mesmo coacutedice como no caso de 192B19 como
para indicar que os proacuteximos coacutedices na sequecircncia satildeo uma seleccedilatildeo de diferentes textos que
estatildeo agora sendo agrupados concomitantemente agraves sessotildees e agrave confecccedilatildeo da Biblioteca
Em resumo a forma ldquo rdquo referir-se-ia a uma ldquocoletacircneardquo de leituras ie
agrave leitura de ldquofontesrdquo filoloacutegicas ou de objetos filoloacutegicos diferentes concorda portanto com
diferentes nomeaccedilotildees de manuscritos
Eacute impressionante como essas formas gramaticais acabam por testemunhar na verdade
numerosa atividade filoloacutegica Assim eacute que o iniacutecio do coacutedice 216 notifica-nos a leitura
(anegnoacutesthesan) de dois grupos de textos (a forma plural concordando com o sujeito
composto portanto) ldquo4 livros que compreendem A Ciecircncia Meacutedica [provavelmente a
intitulaccedilatildeo] estabelecida por Oribaacutesio e ainda outros 7 [sc de Ciecircncia Meacutedica] do mesmo
homem e publicada sobre [em relaccedilatildeo a]o mesmo modelordquo Aqui a forma plural que
encabeccedila o coacutedice 216 pontua justamente essa secccedilatildeo pois que ateacute a o coacutedice 220 tratar-se-aacute
desses livros Leia-se o grego
19 Possibilidade de que 260 e 261 tambeacutem satildeo exemplos
25
ldquo[10] Ἀνεγνώσθησαν βιβλία δʹ ἃ τὴν πραγματείαν ἰατρικὴν ltὈρειβασίῳgt
συντεταγμένην περιεῖχε καὶ ἔτι ἕτερα ζʹ ἀνδρός τε τοῦ αὐτοῦ καὶ εἰς παραπλήσιον
ἐξενηνεγμένην τύπονrdquo
Observe-se que o particiacutepio perfeito meacutedio-passivo feminino exenenegmeacutenen soacute pode
concordar com tegraven pragmateiacutean iatrikeacuten o que nos leva a subentender que ldquoos 7 livros do
mesmo homemrdquo tecircm a mesma intitulaccedilatildeo dos quatro anteriores o que inclusive explica o
conteuacutedo da participial Observe-se principalmente como o verbo inicial que introduz o coacutedice
vai para o plural para concordar com dois nuacutecleos do sujeito bibliacutea dacute e eacuteti heacutetera z que
correspondem aos dois conjuntos de textos que neste momento da confecccedilatildeo da Biblioteca
foram objeto do ciacuterculo de leituras
Dos referidos coacutedices sem duacutevida os que melhor comprovam isso satildeo o 269 e os
seguintes pois introduzindo a leitura de ldquo21 discursos de diferentes homens santosrdquo pela
forma plural o resumo de cada um deles a comeccedilar pelo mesmo coacutedice e posteriormente nos
demais ateacute o fim da Biblioteca seraacute introduzido pela respectiva forma singular20
132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239
Mediante o exposto eacute mais provaacutevel que em formulaccedilotildees como esta do coacutedice 161
(103a)
ldquo[11] Ἀνεγνώσθη ἐκλογαὶ διάφοροι ἐν βίβλοις ιβʹ ltΣωπάτρουgt σοφιστοῦ
Συνείλεκται δὲ αὐτῷ τὸ βιβλίον ἐκ πολλῶν καὶ διαφόρων ἱστοριῶν καὶ γραμμάτωνrdquo
ldquoLeram-se diferentes excertos em 12 livros de Soacutepater o sofista Seu livro foi
coligido a partir de muitas e diferentes investigaccedilotildees e textosrdquo
semelhante agrave do epiacutetome 239 pela ocorrecircncia da palavra eklogai esta seja parte da intitulaccedilatildeo
do manuscrito que eacute objeto de leitura e resumo igualmente21 A julgar pelo que se diz na
20 Cf Biblioteca 479b 36 em diante 21 Portanto a traduccedilatildeo segundo os criteacuterios editorias e diagramaacuteticos de hoje se consideramos que pelo menos
eklogaiacute faz parte da traduccedilatildeo seria ldquoLeu-se diferentes Excertosrdquo
26
sequecircncia o proacutepria copista reconhece que se lecirc sob a designaccedilatildeo de eklogaiacute neste caso de
Soacutepater obra de coletacircnea ou excertos
Mas este ainda natildeo eacute o caso de nosso epiacutetome haacute mais um agravante o coacutedice 239 se
assemelha a um conjunto de epiacutetomes que vecircm introduzidos pela preposiccedilatildeo ek mais genitivo
apoacutes a forma verbal Como por exemplo no coacutedice 254
ldquo[12] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς μαρτυρικῆς Τιμοθέου τοῦ ἀποστόλου συγγραφῆς22rdquo
ldquoLeu-se [realizou-se leitura] a partir do relato testemunhal do apoacutestolo Timoacuteteordquo
(468b 2)
Nestes casos parece que a introduccedilatildeo feita pelo resumidor estaacute antes mais focada em
reconhecer o tipo de obra a ser lido do que referir diretamente agrave intitulaccedilatildeo da mesma
podendo sim o termo que vem no genitivo apoacutes a preposiccedilatildeo ser essa intitulaccedilatildeo Caso
obscuro eacute o do epiacutetome 240 logo apoacutes a Crestomatia
ldquo[13] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltἸωάννου τοῦ Φιλοπόνουgt εἰς τὴν ἑξαήμερον
rdquo
(240 322b 2)
Eacute difiacutecil ater-se agrave literalidade para traduzir tal passagem ldquoLeu-se a partir lsquodas coisasrsquo
sobre os seis dias de Joatildeo Filoacutepono querdquo23 Contudo a mesma explicita bem nosso
problema a saber o de uma leitura que eacute parcial Dois elementos chamam a atenccedilatildeo
Primeiramente a construccedilatildeo da forma verbal acrescida do termo preposicionado
parece referir de forma mais viacutevida (se pensarmos na semacircntica do grego) agrave proacutepria situaccedilatildeo
de leitura de que os volumes da Biblioteca se originam A forma parece possuir aqui um
aspecto mais forte ndash observado por Severyns e mantido tanto em Ferrante como nesta
traduccedilatildeo ndash de pontuar o caraacuteter resumido de que se leraacute algo a partir do que foi mais uma
sessatildeo ou sessotildees de leitura Falando por paraacutefrase eacute como se aquela forma de apresentaccedilatildeo
observada nos epiacutetomes anteriores (1 ndash 10) fosse um equivalente da nossa enumeraccedilatildeo
lacocircnica que recorre aos dois pontos ndash ldquoleu-se Homilias ao Gecircnese de Crisoacutestomo etcrdquo
22 Lembrando-se de que a suggrafeacute eacute especificamente o relato escrito o relato anotado 23 Mais uma vez a noccedilatildeo que na traduccedilatildeo do coacutedice 239 traduziu-se de modo perifraacutestico por ldquorealizou-se
leiturardquo natildeo foi adotada definitivamente pelos fins explicativos deste capiacutetulo para o cabeccedilalho dos demais
epiacutetomes semelhantes ao da Crestomatia mas ou apenas mencionada nos casos em que seria possiacutevel mantecirc-la
sem afetar a literalidade do que vem em seguida ou utilizada quando uacutenica maneira de manter legiacutevel essa
mesma traduccedilatildeo (infra exemplo 15) Cf Traduccedilatildeo nota 1 paacuteg 109
27
enquanto esta forma seria mais descritiva e analiacutetica ldquoleu-se realizou-se leitura deu-se
leitura a partir de lsquoxrsquo (ek + gen) etcrdquo
Em segundo lugar a presenccedila do artigo neutro plural se laacute naquela outra foacutermula por
assim dizer a brevidade e a introduccedilatildeo dos nominativos permitia identificar o que
chamaacutevamos intitulaccedilatildeo no caso desta formulaccedilatildeo mais descritiva ela nem sempre parece
clara Se focircssemos tentar inferi-lo o ldquotiacutetulordquo da obra nos nossos termos seria ldquoTagrave eis tegraven
exaeacutemeronrdquo ou ldquoEis tegraven exaeacutemeronrdquo Traduzindo (certamente) sem nenhum fim esteacutetico ldquoAs
Coisas sobre Os Seis Diasrdquo ou ldquoSobre Os Seis Diasrdquo A rigor o que se lecirc em grego tanto em
12 como em 13 parece mais uma descriccedilatildeo sendo que neste o texto parece dizer que se
realizou uma seccedilatildeo de leitura a partir daquilo que Joatildeo diz dos seis dias da Criaccedilatildeo ie o que
ele compocircs escreveu a respeito De fato sabemos que em se tratando do comentador de
Aristoacuteteles cristatildeo ortodoxo e (curiosamente) opositor de Proclo no campo teoloacutegico o
tratado deveria designar-se ie ser intitulado a partir da preposiccedilatildeo Dessarte esse resumo
estaria disposto da seguinte maneira (mais uma vez sem preocupaccedilatildeo esteacutetica nesta traduccedilatildeo
literal) ldquoLeu-se a partir [das coisas do que diz do conteuacutedo do assunto] de Joatildeo Filoacutepono
Sobre Os Seis Dias querdquo E segue-se um texto muito parecido na sua estrutura de reportar
enunciados ie de discurso indireto ao do epiacutetome 239
Parece portanto que o emprego de ek mais genitivo na introduccedilatildeo dos epiacutetomes tem
uma semacircntica intencionalmente partitiva ou ablativa no sentido de que particiona marca a
partir de que se daacute a leitura que apenas hipoteticamente pode natildeo ter sido integral Natildeo agrave toa
junto da palavra eklogeacuteeklogai em diferentes introduccedilotildees serviraacute para pontuar justamente
que o conteuacutedo apresentado natildeo eacute integral
Assim tambeacutem o coacutedice 234 parece muito em sua estrutura com o epiacutetome 239
ldquo[14] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜεθοδίουgt ἐπισκόπου καὶ μάρτυρος ἐκ τοῦ Περὶ
ἀναστάσεως λόγου οὗ ἡ ἐκλογὴ τὰ ὑποκείμενα λέγει
rdquo
ldquoLeu-se [realizou-se leitura] do Santo Metoacutedio epiacutescopo e maacutertir a partir do discurso
acerca da Ressurreiccedilatildeo cuja seleta diz o que se segue
Querdquo
(293a 2 ndash 5)
E assim teriacuteamos mais um texto semelhante ao epitome da Crestomatia ainda mais
considerando os enunciados reportados que se seguem ie a forte evidencia do discurso
28
indireto marcado pelas conjunccedilotildees Mais uma vez as estruturas gramaticais apontam para o
fato de que o texto que se segue eacute ele mesmo uma eklogeacute
Tantos indiacutecios inevitavelmente nos levariam a achar que eklogaiacute no tiacutetulo de nosso
coacutedice referir-se-ia como neste caso ao resumo feito para a proacutepria Biblioteca
Contudo observa-se que ao todo as introduccedilotildees que recorrem agrave forma com
preposiccedilatildeo ek subdividem-se em dois tipos ou aquelas que trazem como se viu essa
descriccedilatildeo da fonte que se lecirc como no tipo 12 de onde eacute possiacutevel inferir um tiacutetulo24 ou outro
subtipo (a que 239 pertence) que traz aleacutem do genitivo uma especificaccedilatildeo da intitulaccedilatildeo ou
pelo pronome relativo mais a forma verbal passiva epigraacutephetai ou entatildeo pelo particiacutepio da
mesma no genitivo Por exemplo
ldquo[15] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου λόγου laquoΒίος ἢ ἄθλησις τοῦ ὁσίου πατρὸς
ἡμῶν Παύλου τοῦ Κωνσταντινουπόλεως ἐπισκόπου τοῦ ὁμολογητοῦraquo ἐφrsquo ὁμοίᾳ
συστελλόμενος ἐκδόσειrdquo
ldquoRealizou-se leitura a partir do discurso que se intitula Vida e Julgamento do nosso
Sagrado Epiacutescopo e Homolegeta Paulo de Constantinopla resumido a semelhante ediccedilatildeordquo
(257 407a 22 ndash 25)
Em todas essas ocorrecircncias em que se tem o particiacutepio tem-se tambeacutem um nominativo que
designa o tiacutetulo25
Contrapondo isso a todas as demais formas de introduccedilatildeo brevemente consideradas
nesta discussatildeo sobre como se intitularia a obra parece verossiacutemil que fosse porque ela
mesma era em princiacutepio uma coletacircnea de excertos como a de Estobeu (o que eacute plenamente
verossiacutemil) fosse porque chega assim agrave Biblioteca o que se tinha em matildeos para ler e anotar jaacute
levava a inscriccedilatildeo eklogai ie jaacute era uma composiccedilatildeo de excertos uma seleta
Em outras palavras propotildee-se aqui considerar o plausiacutevel parece que todos os
indiacutecios textuais apontam para o fato de que o proacuteprio objeto escrito trazia a palavra eklogaiacute
uma vez que eacute possiacutevel identificar segundo as distinccedilotildees aqui traccediladas quando a palavra estaacute
sendo empregada para designar que um arrazoado um logos maior estaacute sendo posto
nominalmente na forma de ldquoseletardquo Isso pode perfeitamente significar que a palavra fizesse
parte da intitulaccedilatildeo corrente do texto em questatildeo se ele circulava mas natildeo implica
obrigatoriamente como pretende Severyns que ele sempre fora assim e que a palavra fora
posta no ldquotiacutetulordquo pelo proacuteprio Proclo A julgar pelos indiacutecios apresentados que parecem
24 Cf por exemplo coacutedices 242 (Bekker 335a) 253 (idem 467b) 25 Cf tambeacutem coacutedice 256 (idem 469b) 279 (idem 529b)
29
minimamente passiacuteveis aqui de alguma confirmaccedilatildeo nossa hipoacutetese eacute pelo menos tatildeo
verossiacutemil quanto a do referido editor segundo a qual o texto em matildeos dos letrados da
Biblioteca trazia o termo eklogai porque fora assim nomeado (uma ldquocompilaccedilatildeo de excertosrdquo)
pelo proacuteprio ldquoautorrdquo Tatildeo possiacutevel quanto isso eacute a probabilidade de que mesmo que houvesse
a Crestomatia em sua forma original e os eruditos junto a Foacutecio natildeo a tivessem agrave sua
disposiccedilatildeo o que circulou durante as sessotildees de leitura se tratasse de uma seleta uma
compilaccedilatildeo
Diante dessas duas possibilidades ainda a serem consideradas parece que uma sutil
certeza se confirma entre ambas Eacute de supor que pela terminologia apresentada ao longo do
epiacutetome e sua congruecircncia com diversos outros textos de doutrina mesmo que se trate de
excertos copiados e natildeo da obra na iacutentegra eles o satildeo como uma coletacircnea mesmo de
diferentes trechos copiados e coligidos como na obra de Estobeu em que pese aqui o plural
ekologaiacute Pelo que se observa da obra de Estobeu e dos demais textos que chegam a noacutes como
coletacircneas eklogeacuteeklogai podemos afirmar com algum acerto que o texto que temos eacute pelo
menos uma coletacircnea como a referida uma reuniatildeo talvez natildeo de citaccedilotildees diretas mas das
passagens relevantes ou dos ldquodizeresrdquo de uma obra se lembrarmos que ela eacute um logos que eacute
pensada como um ou como uma seacuterie deles Diante de tal texto a funccedilatildeo do editor ou
resumidor da biblioteca poderia ser simplificada seu resumo consistiria em transcrever e
readequar os excertos Nada impede que neste processo algo tenha se perdido por ser
deixado de lado (da proacutepria coletacircnea)26 mas observa-se que o material preservado consiste
justamente em breves topicalizaccedilotildees de termos teacutecnicos que por si mesmos e tudo que
podem referir compotildeem uma espeacutecie de glossaacuterio resumidor de muito quanto se circunscreve
aos ldquosaberes proveitososrdquo das letras ora como objeto da gramaacutetica ora como objeto da
retoacuterica ora como objeto da poeacutetica Talvez essa seja uma explicaccedilatildeo plausiacutevel para o fato de
que introduzindo o coacutedice 239 pela referida forma aqui comentada diferentemente de outras
semelhantes mas natildeo idecircnticas como a do exemplo 15 natildeo haja menccedilatildeo por parte do
resumidor ao ato de abreviar ie agrave confecccedilatildeo do proacuteprio epiacutetome como uma coletacircnea
porque o texto mesmo jaacute era uma reuniatildeo de passagens que ele passa a arrolar topicalizando
ie o objeto escrito que os eruditos da Biblioteca tinham em matildeos jaacute era um breviaacuterio
26 Eacute possiacutevel obter um sutil vislumbre do tipo de coisa que os resumidores podem ter deixado de lado observando
a inclusatildeo do ciclo eacutepico Considerando-se o epiacutetome e os resumos eacute possiacutevel fazer algumas conjecturas sobre o
tipo e a quantidade de coisa que natildeo foi anotada no coacutedice debate-se ainda se a Crestomatia continha integral ou
parcialmente aleacutem do ciclo troiano episoacutedios cosmogocircnicos e ou ateacute referentes ao ciclo tebano Cf Estudo
3312
30
Eacute por mais esses elementos que contrariamente aacute hipoacutetese de Severyns ndash muito
refinada e plausiacutevel mas natildeo consoante agrave avaliaccedilatildeo dos diferentes indiacutecios arrolados nesta
introduccedilatildeo ndash defende-se aqui a hipoacutetese de que muito provavelmente mesmo que os eruditos
da Biblioteca pudessem consultar agrave Crestomatia original (se eacute que podemos falar nesses
termos) por tecirc-la consigo ou por poder acessaacute-la em outro lugar o que se compila para a
Biblioteca eacute uma seleccedilatildeo daiacute um breviaacuterio (para acentuar a ideia de um segundo momento
em que inevitavelmente a obra foi abreviada) nos moldes de Estobeu quanto agrave sua forma mas
sobre a obra de um uacutenico autor enquanto aquele reuacutene liccedilotildees de diferentes autores Sabemos
que pelo que se entende do termo crestomatia e pelo proacuteprio conteuacutedo do epiacutetome o coacutedice
239 natildeo deixa de ser tambeacutem uma reuniatildeo de diferentes liccedilotildees eacute contudo pelo trabalho
acadecircmico que podemos identificar separadamente o quanto possiacutevel a origem delas em
diferentes textos de doutrina dos saberes antigos (natildeo ignorando o termo ldquogramaacuteticardquo que
parece ser o denominador comum) essa pluralidade circunscreve-se portanto ao termo
ldquocrestomatiardquo ie um uacutenico texto resultante do esforccedilo de compor um ou mais discursos
sucessivos (loacutegoi) tangenciando os diversos temas das diferentes aacutereas pelo eixo comum das
ldquoletrasrdquo (grammatikeacute) Dele fez-se um breviaacuterio uma seleta condensando os toacutepicos cuja
compilaccedilatildeo foi usada no coacutedice 239
A enorme perda de conteuacutedo que haveria se julgaacutessemos ser o coacutedice 239 portanto o
resumo de algo jaacute resumido eacute um dos vaacuterios argumentos de Severyns para defender que a
julgar pela totalidade que se pode vislumbrar no coacutedice natildeo seria esse o caso porque ndash
seguindo esse raciociacutenio ndash muito mais estaria perdido e nos faltaria esse vislumbre Essa perda
eacute questionaacutevel considerados os argumentos acima primeiro a noccedilatildeo de totalidade o
vislumbre de tantos temas diversos tratados em uma mesma obra eacute resultado provaacutevel do que
se tinha por uma crestomatia obra abrangente e natildeo por eklogeacuteeklogaiacute segundo dessa obra
selecionam-se os trechos que contenham resumidamente as liccedilotildees sobre as letras e outros
assuntos que tangenciem esse saber Se observarmos o jaacute citado excerto (paacuteg 16) do
Etymologicum Magnum no verbete ldquoeacutelegosrdquo podemos considerar que talvez natildeo se pautando
diretamente no texto original da Crestomatia o compilador natildeo viu nenhum problema em
fornecer como ldquoProclordquo passagens que satildeo ainda mais reduzidas do que as do coacutedice em
questatildeo mas que contecircm pelo menos as mesmas coisas que ele ou seja toma-as seguramente
como conteuacutedo de Proclo e natildeo de Foacutecio Natildeo haacute por que pois imaginar que os
compiladores da Biblioteca tivessem procedido de maneira diferente em torno do que tinham
ou poderiam acessar da obra Natildeo haacute duacutevida evidentemente que muita coisa que eacute apenas
aludida foi simplesmente suprimida como se vecirc pelo ciclo eacutepico e isso impossibilita
31
justamente o argumento de Severyns segundo o qual natildeo ter acesso agrave obra na iacutentegra geraria
no resumo incongruecircncias ou falta de totalidade
Isso seria condizente finalmente com o uacuteltimo item desse resumo do coacutedice 239 da
Biblioteca de Foacutecio ldquoAqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de
Proclordquo (grifos do autor) O nuacutemero de arrazoados resumidos ou loacutegoi apresentados pelo
resumidor ao fim do coacutedice natildeo equivale ao nuacutemero que no iniacutecio fora dado como o
nuacutemero das partes dessa Crestomatia laacute quatro arrazoados aqui dois Natildeo eacute em vatildeo
portanto que o resumidor preocupa-se bem como nos demais casos de resumos mas agora ao
fim em dar notiacutecias a respeito da disparidade entre o objeto que estaacute agora sendo
confeccionado e o objeto primeiro compilado (como nos casos conforme visto acima em que
se explicita a elaboraccedilatildeo de uma seleta para a Biblioteca) Parece julgar necessaacuterio ao que
tudo indica informar uma disparidade Esse item natildeo poderia senatildeo ser uma nota filoloacutegica
Primeiro o nuacutemero confirma que natildeo se compila a obra por completo mas o que equivaleria
a sua primeira metade seus dois primeiros livros ou arrazoados Mais chama a atenccedilatildeo
todavia a ausecircncia da palavra eklogaiacute aqui Seja porque o objeto escrito uma eklogeacuteeklogaiacute
indicava-o seja porque os letrados ainda estavam em posse dessa informaccedilatildeo a ausecircncia da
palavra busca esclarecer o quanto da obra em questatildeo se leu e agora se disponibiliza a quem
eventualmente acessar a Biblioteca ie o equivalente aos dois primeiros livros ou arrazoados
de outro objeto designado apenas por Proacuteclou Grammatikecircs Khrestomaacutetheia ou Crestomatia
de Letras de Proclo O objetivo dessa passagem que encerra o resumo natildeo eacute senatildeo esclarecer
a equivalecircncia entre o que se resumiu para a Biblioteca a partir de eklogocircn ou seja
ldquoexcertosrdquo equivalentes ao que seria o conteuacutedo da primeira metade da obra original Se natildeo
o fosse por que estaria o resumidor cioso de informar tatildeo especificamente nuacutemeros diacutespares
de partes aleacutem de natildeo empregar a palavra ldquoexcertosrdquo na segunda especificaccedilatildeo
Se o objeto resumido Os Excertos da Crestomatia de Letras de Proclo era uma seleta
apenas dos dois primeiro livros da Crestomatia de modo que por conter a especificaccedilatildeo ou
por saberem-no os eruditos eacute resumido do comeccedilo ao fim com uma especificaccedilatildeo da
equivalecircncia de partes ou se essa equivalecircncia eacute informada justamente porque Os Excertos
tambeacutem compreendiam os outros dois livros mas os eruditos natildeo os incluiacuteram na Biblioteca
isso natildeo eacute possiacutevel saber Em todas as hipoacuteteses poreacutem eacute mais verossiacutemil principalmente
pelo indiacutecio final do texto que os eruditos da Biblioteca compilaram eklogaiacute excertos ou uma
seleta
Resta para talvez ampliar o vislumbre dessa obra inquirir pelo termo grego
khrestomaacutetheia que como se sabe estaacute lexicalizado em nossos bons dicionaacuterios
32
133 O termo ldquocrestomatiardquo
Uma vez que a palavra ldquocrestomatiardquo eacute tradicionalmente entendida como sinocircnimo
direto de ldquocoleccedilatildeo coletacircneardquo o que nos eacute sugerido pelos dicionaacuterios em geral27
inevitavelmente se pensaraacute estar diante de uma dupla coletacircnea o que a princiacutepio consoa
com o exposto leem-se no coacutedice 239 da Biblioteca ldquoexcertos de uma coletacircnea sobre as
Letrasrdquo da antiguidade Embora defendido que seja esse o caso essa simples traduccedilatildeo natildeo nos
permitiria vislumbrar o fato de que o termo crestomatia natildeo se refere tanto agraves dimensotildees ou agraves
proporccedilotildees da obra quanto agraves suas qualidades ou aos traccedilos que a definem como sendo de
certo tipo
Severyns defende em seu estudo que o entendimento de ldquocrestomatiardquo como florileacutegio
natildeo eacute proacuteprio dos antigos28 que tomam o termo como qualificativo ou definidor de uma obra
sem que isso implique um gecircnero de resumo O significado abreviativo derivaria da
interpretaccedilatildeo renascentista do tiacutetulo feita por ocasiatildeo das primeiras publicaccedilotildees impressas da
Biblioteca a partir da metade do seacutec XVI e teria se prolongado como os proacuteprios dicionaacuterios
modernos (Liddel amp Scott Bailly) datildeo a entender ldquoCrestomatiardquo portanto seria tatildeo somente
o que nomeia e define essa obra que pretende fornecer ensinamentos uacuteteis (no sentido praacutetico)
de certo saber (aqui o das Letras) Severyns poreacutem buscando ver totalidade na obra traduz o
nome interpretando-o segundo a hipoacutetese ndash que defende muito coerentemente ndash de que mesmo
a palavra ldquoeklogaiacuterdquo faria parte do tiacutetulo original da obra Justamente por essa leitura junto de
ldquoeklogaiacuterdquo adiciona ldquoabreacutegeacuterdquo ao que em sua traduccedilatildeo seria o tiacutetulo da obra sugerindo que o
significado do termo em questatildeo seria o de acentuar seu caraacuteter de ldquomanualrdquo de liccedilotildees
agregador de diversos ensinamentos supondo claro que se fosse versar detalhadamente
sobre os toacutepicos seria muito maior
Se julgarmos contudo que Severyns estaacute correto quanto agrave interpretaccedilatildeo precisa do
significado da palavra que aqui serve para qualificar certo tipo de texto mesmo sem designaacute-
lo sob uma difundida nomenclatura geneacuterica de uso rigoroso apesar do emprego de eklogaiacute
conforme estudado no item acima entatildeo podemos entender que o simples emprego do termo
ldquocrestomatiardquo como intitulaccedilatildeo bastaria para qualificar a obra por sua finalidade e utilidade
27 Cf Traduccedilatildeo nota 2 Conforme anotado a palavra estaacute lexicalizada nas liacutenguas romacircnicas 28 Severyns op cit tome II 65 ndash 69
33
reunir saberes proveitosos que no caso do texto atribuiacutedo a Proclo contemplam diferentes
autores ou textos Inevitavelmente as duas palavras parecem implicar certa redundacircncia mas
como decorrecircncia do fato de que a noccedilatildeo de khrestomaacutetheia secundariamente implica a noccedilatildeo
de seleccedilatildeo mas natildeo o contraacuterio A palavra eklogeacute referir-se-ia agrave noccedilatildeo geral de ldquoseletardquo
enquanto khrestomaacutetheia a um criteacuterio que nortearia o caraacuteter dessa seleccedilatildeo No caso da
seleccedilatildeo de passagens diversas e ilustrativas do saber de diferentes autores isso implicaria em
uma obra como a de Estobeu que seleciona as passagens de sua Coletacircnea pelo ensinamento
que contecircm O fato de haver certa redundacircncia entre as duas coisas seria mais um argumento a
favor da hipoacutetese de que os eruditos em torno de Foacutecio natildeo leram a obra na iacutentegra A
ocorrecircncia de ambas portanto deve implicar nesse caso que pelo menos nessa passagem
designam coisas diferentes Nesse sentido a obra de Proclo se diria ldquocrestomatiardquo porque o
criteacuterio que a norteia eacute relacionar ensinamentos proveitosos de uma aacuterea em especiacutefico o que
aponta para a caracteriacutestica preponderante do texto a saber conter liccedilotildees que
tradicionalmente satildeo desenvolvidas em textos especiacuteficos de diferentes doutrinas antigas aqui
agremiadas pelo tiacutetulo grammatikeacute gramaacutetica Isso se aventa pelas duas outras ocorrecircncias da
palavra na proacutepria Biblioteca ambas posteriores ao coacutedice 239 A primeira delas que parece
referir-se bem a essa qualidade instrutiva por si soacute consiste no emprego do substantivo no seu
sentido proacuteprio e natildeo teacutecnico para explicar o que se apresenta das Vidas Paralelas a obra de
Plutarco compilada no coacutedice 245
ldquo[16] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltΠλουτάρχουgt παραλλήλων διάφοροι λόγοι ὧν ἡ ἔκδοσις
κατὰ σύνοψιν ἐκλέγεται διάφορον χρηστομαθίανrdquo
(245 393b 9)
O resumidor seguindo o espiacuterito jaacute comentado de para certos casos caracterizar o que
se leraacute em relaccedilatildeo agrave fonte de que se compila (o espiacuterito de nos dar alguma nota editorial do
que se estaacute produzindo) informa-nos que neste coacutedice ldquofez-se a leitura de diferentes
discursos das Vidas Paralelas de Plutarco dos quais a ediccedilatildeo em sinopse seleciona o saber
distintordquo Poder-se-ia seguindo a sugestatildeo de Severyns29 arriscar a traduccedilatildeo por ldquodistinta
erudiccedilatildeordquo uma vez que como laacute demonstrado o substantivo primitivo chrestomateacutes
( ) empregava-se para designar aquele que buscava o saber proveitoso uacutetil o
ldquoeruditordquo Assim a palavra ocorre na introduccedilatildeo ao epiacutetome da obra de Plutarco para
assinalar que natildeo se encontraraacute ali a obra mas que o resumo fruto da leitura ateacutem-se a
29 Severyns op cit II pg 66
34
fornecer os trechos que conteacutem aos olhos de nosso resumidor ensinamentos valiosos ie
aqueles que serviratildeo para ensinar (no caso do gecircnero historiograacutefico atraveacutes de exempla)
A segunda ocorrecircncia (quarta no total) eacute justamente para introduzir outra obra
nomeada ldquoCrestomatiardquo e compilada na Biblioteca a saber a Crestomatia de Helaacutedio
ldquo[17] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς ltἙλλαδίου Βησαντινόουgt ἐπιγ-
ραφομένης πραγματείας χρηστομαθειῶν αʹ βʹ γʹ δʹrdquo
(279 529b 26)
Como se nota natildeo haacute a palavra eklogaiacute nesse caso e a introduccedilatildeo do epiacutetome segue o
mesmo padratildeo dos epiacutetomes anteriormente comentados trazendo um particiacutepio introduzindo a
intitulaccedilatildeo do objeto escrito ldquoTratado de Crestomatia 1 2 3 4rdquo A obra de Helaacutedio como
resumida na Biblioteca parece dedicar suas primeiras seccedilotildees a catalogar informaccedilotildees uacuteteis
sobre palavras ou sobre diversos elementos leacutexicos da pronunciaccedilatildeo correta de certos
vocaacutebulos ateacute usos linguiacutesticos ie quando se empregava preferencialmente esta agravequela
forma ou quando soacute se podia aplicar uma etc Tais saberes uacuteteis tambeacutem seratildeo a respeito das
causas e origens de certos nomes e se trataraacute entatildeo de nomes de lugares ou por que certo
grupo usa tal signo para certa coisa por que tal monumento ou local recebeu seu nome etc e
nesse sentido como ocorre tambeacutem no caso da Crestomatia de Proclo natildeo se distingue
claramente quando o objeto eacute a palavra ou a coisa a discussatildeo linguiacutestica se torna etioloacutegica
Por vezes natildeo haacute essa discussatildeo mas o resumidor anota uma informaccedilatildeo relevante a
passagem de 533b 29 ndash 34 por exemplo eacute dedicada a ordenar o estabelecimento e os locais
das competiccedilotildees atleacuteticas dos gregos30 Do meio em diante pelo menos a julgar pelo epiacutetome
as informaccedilotildees compiladas entatildeo passam agrave origem e histoacuterias diversas de fato definindo o
texto sobre um texto como uma crestomatia sobre coisas diversas
Mais interessante a tiacutetulo de comparaccedilatildeo eacute o fato de que o resumo traz o nome de
autores de que Helaacutedio haure sua ldquoerudiccedilatildeordquo ou ldquosaberes proveitososrdquo Dioniacutesio por exemplo
eacute citado como fonte a partir da qual se arrolam usos proacuteprios dos aticistas31 tais fontes satildeo
dadas nominalmente no epiacutetome muito provavelmente porque o proacuteprio Helaacutedio as
informava uma vez que ocorrem sob a forma de discurso reportado ou indireto ldquoDioniacutesio diz
que os aticistasrdquo e natildeo ldquodiz querdquo como ocorre no coacutedice de Proclo ou seja o coacutedice
informa-nos que na Crestomatia de Helaacutedio ldquoeacute dito que Dioniacutesio diz querdquo e tem-se uma
liccedilatildeo uacutetil como por exemplo ldquoos aticistas natildeo dizem oneacutesamen mas sim
30 Foacutecio Biblioteca 279 533b 29 ndash 34 31 idem 279 529b 29 ndash 34
35
epriaacutemen rdquo e dizem as demais formas do verbo em questatildeo conforme o esperado
morfologicamente32 Eacute pois de se supor que Helaacutedio no suposto texto original dissesse
ldquoDioniacutesio diz querdquo ou seja referia autores fonte das informaccedilotildees uacuteteis que colige Mais agrave
frente sua fonte seraacute ningueacutem menos que o gramaacutetico Diacutedimo
Mais uma diferenccedila se entrevecirc aqui no caso do texto de Helaacutedio o manuscrito agrave
disposiccedilatildeo dos eruditos muito provavelmente por conter ainda a obra por completo trazia seu
autor referindo-se a fontes se natildeo as citando No caso da Crestomatia de Proclo isso natildeo
ocorre As liccedilotildees embora as identifiquemos como pertencentes a diferentes doutrinas satildeo
apenas arroladas uma apoacutes a outra Quando haacute mais de uma hipoacutetese ou possibilidade
principalmente no caso das etimologias geralmente haacute uma menccedilatildeo a ldquooutrosrdquo ou a uma
possibilidade divergente Isso leva a pensar que se a Crestomatia de Proclo tinha as mesmas
dimensotildees que a de Helaacutedio quatro livros trazia ela tantos autores citados na atribuiccedilatildeo de
suas liccedilotildees e diferentes versotildees de etimologias que o resumidor resolveu apenas referir-se a
eles pelo termo ldquooutrosrdquo33 Para aleacutem dos casos em que as diferentes possibilidades
etimoloacutegicas e etioloacutegicas natildeo podem e nem poderiam ser identificadas quanto a sua origem
especiacutefica por natildeo a possuiacuterem (caso de explicaccedilotildees para a origem do epos da elegia do
iambo) eacute de se supor que ou a coletacircnea da obra de Proclo o que se lia natildeo trazia essas
informaccedilotildees por ser uma seleta no sentido discutido de um resumo ou uma primeira
abreviaccedilatildeo ou o autor ele mesmo natildeo as dava por ser um organizador de doutrina ie por
estar focado em organizar saberes doutrinais de modo a instruir Essa segunda hipoacutetese natildeo eacute
de se descartar porque e mais uma vez uma natildeo nega a outra Provavelmente ambas satildeo
verdadeiras pois natildeo eacute de se imaginar que em uma obra com a extensatildeo de quatro livros
como a de Helaacutedio versando sobre diferentes toacutepicos das letras em geral em nenhuma
passagem ocorresse a menccedilatildeo a este ou agravequele autor e o que pensa ou diz sobre determinado
assunto Igualmente eacute de se supor pela mateacuteria do texto que diferentes opiniotildees fossem
apenas referidas a ldquooutrosrdquo como se observa em textos semelhantes como forma padratildeo de
dizer uma vez que satildeo os saberes tradicionalmente consolidados sobre aquele assunto ie as
32 Em outras palavras como diriacuteamos hoje ensina que os autores aacuteticos ldquoclaacutessicosrdquo fazem a 1ordf pessoa do
singular do aoristo do verbo supletivamente ou recorrendo agrave formaccedilatildeo de outro verbo 33 Cf por exemplo 319b 3 ndash 5 sobre as diferentes possibilidades de acentuar a palavra que nomeia o poema
Ciacuteprias do ciclo eacutepico natildeo se identifica ningueacutem aleacutem do autor que proponha e siga essa hipoacutetese bem como
nenhuma autoridade eacute citada em prol da acentuaccedilatildeo vigente ou entatildeo 321a 6 em que haacute uma referecircncia aos que
julgam ser o escoacutelio nomeado por antiacutestrofe Para alguns casos poreacutem natildeo haacute menccedilatildeo e o termo ldquooutrosrdquo se
emprega porque as etimologias jaacute eram assim consolidadas como possibilidades igualmente vaacutelidas para a
mesma coisa ie eram etimologias igualmente aceitas e disseminadas mais ainda autorizadas Eacute o caso claro
das etimologiasetiologias do iambo Cf infra cap 3 seccedilotildees 331 a 333 paacutegs 83 a 95 as explicaccedilotildees satildeo as
mesmas adotadas por exemplo na Gramaacutetica de Diomedes As etimologias para o termo epos tambeacutem jaacute eram
todas consolidadas
36
possiacuteveis explicaccedilotildees que ao longo dos seacuteculos mas principalmente com a atividade editorial
do periacuteodo heleniacutestico em diante foram se consolidando como as ldquoverdadesrdquo aceitas e
igualmente plausiacuteveis Natildeo haacute para elas pois uma origem definida portanto uma fonte a ser
citada
Esse segundo fato se confirma se aceitamos definitivamente que a Vita Homeris do
coacutedex Venetus eacute junto dos demais resumos dos poemas ciacuteclicos laacute contidos excertos da
Crestomatia original Ao referir-se aos diferentes casos particulares da vida de Homero
conforme o proacuteprio epiacutetome diz que fazia em relaccedilatildeo tambeacutem aos demais poetas eacutepicos34
emprega continuamente as expressotildees ldquounsrdquo ldquooutrosrdquo ldquoaquelesrdquo para referir-se aos
diferentes e agraves vezes divergentes ldquoepisoacutediosrdquo da vida de Homero Ora nada mais consolidado
no acircmbito da cultura geral do que Homero e as diferentes histoacuterias a respeiro dele sua morte
sua origem etc Eram todas versotildees consolidadas e discutidas sem terem origem precisa e
identificada Essa Vita ou biografia do vate tambeacutem nos ilustra que sim inevitavelmente
quando tratando de informaccedilatildeo ou hipoacutetese mais teacutecnica inevitavelmente o autor referiria
uma fonte ou origem dessa informaccedilatildeo Eacute o que ocorre quando se discute primeiro sua
origem
Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu
Dizem que Meatildeo pai de Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem
de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades filho de Carifemo
filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de
Doriatildeo filho de Orfeu
Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas
(Vita Homeri 19 ndash 24 in Severyns IV paacuteg 69 trad do autor)
Essas eram opiniotildees sobre Homero solidamente proferidas por outros e assim
identificadas
Nos dois paraacutegrafos imediatamente anteriores e no paraacutegrafo imediatamente posterior
por exemplo temos informaccedilotildees ou episoacutedios anedoacuteticos sobre Homero e nesses casos
vemos a praacutetica de atribui-los a ldquooutrosrdquo indefinidos
[] uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de
Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral
reclama o homem pelo que razoavelmente pode ser dito cosmopolita
34 ldquoOs mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro Paniacuteasis e Antiacutemaco Desses discorre na
medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas histoacuterias particularesrdquo Proclo apud Foacutecio
Biblioteca 239 319a 17 ndash 21
37
Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era
Meatildeo e que foi concebido perto do Rio Meles motivo pelo qual
tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado Homero
[Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea
[refeacutem ] aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo
esse nome por causa da deficiecircncia dos olhos Os cegos de fato eram
chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios
(idem 9 ndash 18 paacuteg 68 trad do autor)
e
ldquoSobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua
proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta respostardquo
(idem 25 paacuteg 68 trad do autor)
Note-se que no primeiro caso inculise fezem-se etimologias
Mais agrave frente discutindo a o periacuteodo em que Homero teria vivido
Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na
eacutepoca da imigraccedilatildeo jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno
dos Heraclidas e o evento em torno dos Heraclidas estaacute oitenta anos
depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o
recuam aos tempos de Troia
(idem 59 paacuteg 73 idem)
Vemos a julgar por esse suposto e breve trecho original da Crestomatia que muito
provavelmente como na Crestomatia de Helaacutedio quando alguma liccedilatildeo especiacutefica haurida
deste ou daquela escola era dada era de se imaginar o nome e a atribuiccedilatildeo Tambeacutem como laacute
conforme dito e como se vecirc no proacuteprio resumo de Foacutecio especificamente nos trechos que
versam sobre as celebraccedilotildees ciacutevico-religiosas que originam gecircneros meacutelicos os ldquosaberes
uacuteteisrdquo ie a ldquoerudiccedilatildeordquo a ser transmitida passa a descriccedilatildeo etioloacutegica e histoacuterica (como no
caso da guerra que daacute origem agrave dafnefoacuteria35)
A Crestomatia de Proclo contudo possui um eixo temaacutetico as letras Conclui-se
portanto que entendida natildeo como um gecircnero textual rigorosamente especiacutefico mas como
uma obra de erudiccedilatildeo no sentido de uma reuniatildeo de informaccedilatildeo registro dessa informaccedilatildeo
vaacuteria num documento uacutenico uma crestomatia pode contemplar saberes de diferentes aacutereas e
elementos que no caso de Helaacutedio natildeo teriam uma associaccedilatildeo direta ie natildeo seriam objeto
35 Idem 321a 36 ndash 321b 12
38
de uma mesma obra A reuniatildeo de informaccedilotildees da obra de Proclo visa agrave instruccedilatildeo na aacuterea das
letras Duas perguntas decorrem disso a quais saberes entatildeo ou a quais aacutereas do saber antigo
essa crestomatia se voltaraacute O que se entende por gramaacutetica na intitulaccedilatildeo do coacutedice
134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra
A palavra gramaacutetica que delimita o eixo temaacutetico dessa crestomatia poderia ser
tomada em sua literalidade para efeitos de traduccedilatildeo mas aqui talvez apenas na literalidade
que possuiacutea entre os gregos Essa mesma literalidade poreacutem eacute ampla e polissecircmica dado
que como se sabe passa a designar o ofiacutecio do gramaacutetico Sua funccedilatildeo na antiguidade
compreendeu atividades que tambeacutem noacutes atribuiacuteamos aos gramaacuteticos hoje mas outras que
natildeo Em princiacutepio segundo Dioniacutesio Traacutecio seis seriam as partes da gramaacutetica36
Γραμματική ἐστιν ἐμπειρία τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ
συγγραφεῦσιν ὡς ἐπὶ τὸ πολὺ λεγομένων
Μέρη δὲ αὐτῆς ἐστιν ἕξ πρῶτον ἀνάγνωσις ἐντριβὴς κατὰ
προσῳδίαν δεύτερον ἐξήγησις κατὰ τοὺς ἐνυπάρχοντας ποιητικοὺς
τρόπους τρίτον γλωσσῶν τε καὶ ἱστοριῶν πρόχειρος ἀπόδοσις
τέταρτον ἐτυμολογίας εὕρεσις πέμπτον ἀναλογίας ἐκλογισμός ἕκτον
κρίσις ποιημάτων ὃ δὴ κάλλιστόν ἐστι πάντων τῶν ἐν τῇ τέχνῃ
(Dioniacutesio Traacutecio 1153 ndash 6 3 in Grammatici Graeci)
ldquoA Gramaacutetica eacute o saber dos usos da liacutengua conforme se daacute no
mais das vezes entre os poetas e os escritores
Suas partes satildeo seis a primeira eacute a leitura treinada de acordo
com a prosoacutedia a segunda eacute a exegese segundo os tropos poeacuteticos
existentes a terceira eacute a pronta explicaccedilatildeo das formas dialetais e
histoacuterias quarta a revelaccedilatildeo da etimologia quinta o cocircmputo das
analogias sexta a avaliaccedilatildeo [o juiacutezoapreciaccedilatildeo] de poemas que eacute a
mais bela de tudo na teacutecnicardquo
(trad e grifo do autor)
Como responsaacutevel por descrever e ensinar o uso devido da liacutengua e por avaliar como
especialista do saber linguiacutestico se um texto era ou natildeo espuacuterio ie determinar a
36 Para uma precisa anotaccedilatildeo da gramaacutetica de Dioniacutesio Traacutecio Cf Dos Santos MM Dioniacutesio da Traacutecia Arte
traduccedilatildeo e notas in Letras Claacutessicas n11 153 ndash 179 2007
39
autenticidade de um texto cabia ao gramaacutetico portanto aquilo que hoje diriacuteamos ldquoo
estabelecimento do textordquo ofiacutecio do filoacutelogo moderno O emprego do termo krisis referindo-
se aos poemas como objeto dessa avaliaccedilatildeo eacute muito semelhante ao que ocorre no epiacutetome
fociano em 319a 1 ndash 3
ldquoΔιαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδίδωσι τίς ἤθους καὶ πάθους
διαφοράrdquo
(Proclo apud Foacutecio 239 319a 1 ndash 3)
ldquoFaz consideraccedilotildees acerca do juiacutezo de poesia no que transmite qual a diferenccedila entre
caraacuteter e afetordquo
Este trecho eacute um dos mais problemaacuteticos do texto porque dado agrave brevidade e agrave
amplitude semacircntica das palavras empregadas possibilita pelo menos mais de uma leitura A
criacutetica notou37 que o conteuacutedo desta primeira oraccedilatildeo e principalmente a expressatildeo kriacutesis
poieacutematos fazem ressoar a sexta parte da empiria gramatical como definida por Dioniacutesio
Traacutecio kriacutesis poiemaacuteton ldquoa mais bela de tudo na teacutecnicardquo Em termos de entendimento
linguiacutestico a dificuldade ocorre primeiro por causa do significado do verbo dialambaacuteno que
semanticamente conteacutem a ideia mesmo de uma kriacutesis um juiacutezo um discernimento
significando ldquotomar separadamente dividir com escruacutepulordquo daiacute ldquodiscernir avaliar
considerarrdquo e justamente ldquojulgarrdquo segundo pela ausecircncia do artigo antes do substantivo kriacutesis
e pelo genitivo singular poieacutematos ao inveacutes de poiemaacuteton (de poema e natildeo de poemas) o
que impossibilita saber se o texto reporta-se agravequela kriacutesis poiemaacuteton (ie avaliaccedilatildeo
julgamento de poemas) que eacute uma parte da gramaacutetica ou se a palavra kriacutesis aqui eacute
empregada (como defende Severyns) em sentido amplo e natildeo teacutecnico junto agrave palavra que no
epiacutetome eacute empregada para designar ldquopoesiardquo siginificando apenas portanto de forma
perifraacutestica que ldquoFoacutecio diz que Proclo faz consideraccedilotildeesrdquo ndash considerando o aspecto verbal do
presente grego lsquoprossegue em suas consideraccedilotildeesrsquo como quer Severyns ndash ldquosobre a avaliaccedilatildeo
da poesiardquo portanto simplesmente ldquoele continua seu exame da poesiardquo que de fato ocorria
em contraposiccedilatildeo agrave prosa desde a distinccedilatildeo entre ambas em 318b 24 (sect3 na ediccedilatildeo de
Severyns) de modo a como se observa a partir de 319a 3 (sect11 idem) logo se concentrar no
que concerne tatildeo somente agrave poeacutetica ie seus gecircneros
Aqui se adota uma terceira leitura contraacuteria a de Severyns mas natildeo totalmente
consoante agrave de Ferrante ndash principalmente nas implicaccedilotildees primeiramente essa kriacutesis
37 cf Severyns (op cit pg 77 ndash 79) para um balanccedilo das leituras e Ferrante (op cit pg 20 ndash 21) para uma
visatildeo ainda contraacuteria a de Severyns)
40
poieacutematos natildeo precisaria orbigatoriamente ser uma alusatildeo ao nome exato da referida parte da
arte gramatical para ser (em se tratando da avaliaccedilatildeo da poesia aqui designada por poiacuteema)
aquele conjunto de avaliaccedilotildees sobre diferentes aspectos do poema Ainda assim natildeo parece
ser o caso
Eacute fundamental pontuar que a passagem deve ser julgada de acordo com o
procedimento geral do resumo ie a forma de resumir O resumidor parece topicalizar
atraveacutes dos termos (quase sempre teacutecnicos) aquilo de que a obra original tratava no respectivo
passo em vez de descrever o que teoricamente Proclo (seja quem for) fazia sem antes
introduzir qual era o objeto ou o toacutepico teoacuterico em questatildeo podendo ater-se ou natildeo a ele
(contrastem-se por exemplo os paraacutegrafos 17 e 69 ndash 78 com os derradeiros referentes agraves
uacuteltimas espeacutecies meacutelicas 93 ndash 99) Se considerarmos como quer Severyns que kriacutesis
poiemaacutetos natildeo eacute um desses termos topicalizados e que ldquonatildeo expressariam senatildeo uma ldquoideia
bem geral natildeo remontando de modo algum agrave sexta parte da arte gramatical tal qual a definiu
Dioniacutesio Traacuteciordquo (sendo um problema exatamente os trechos que aqui sublinho pois assumo
que os termos gregos em si natildeo precisariam ser obrigatoriamente uma citaccedilatildeo tratando-se de
um nome jaacute convencionado para essa atividade) este seria o uacutenico trecho do epiacutetome em que
isso acontece ie em que primeiro se comentaria o que o autor do tratado original faz
(ldquocontinua suas reflexotildees sobre poesiardquo) para soacute depois introduzir o que seria o toacutepico
assinalado a ldquodistinccedilatildeo entre caraacuteter e afetordquo Um outro problema surgiria aqui argumento
favoraacutevel a hipoacutetese defendida se ethos e pathos satildeo os termos teacutecnicos que topicalizam a
passagem ie satildeo o assunto do passo equivalente no suposto texto original entatildeo faltaria
como para os demais casos em que o toacutepico natildeo se explica por um desdobramento da
etimologia uma miacutenima explanaccedilatildeo teoacuterica para ambos como imediatamente antes se fez
para os moldes do dicurso e seus viacutecios Natildeo seria verossiacutemil que se abrisse matildeo dessa
explanaccedilatildeo uma vez que tal distinccedilatildeo entre ethos e pathos natildeo seria menos conhecida que a
doutrina dos gecircneros do discurso Em outras palavras se esse fosse o toacutepico do devido
momento do tratado a que o resumidor se referiria a julgar pelo padratildeo observado referir-se-
ia a ele imediatamente portanto eacute de supor contrariamente que krisis poeiemaacutetos o eacute antes
de diaphoraacute eacutethous kaigrave paacutethos o que inclusive torna mais compreensiacutevel e justificado o
relativo neutro que introduz a segunda oraccedilatildeo
Como uma crestomatia de gramaacutetica aqui entendida como as letras condensando
princiacutepios que em origem satildeo de diferentes disciplinas (gramaacutetica poeacutetica e retoacuterica em
geral) parece razoaacutevel que assim como se falava da doutrina dos gecircneros da elocuccedilatildeo nos
trechos anteriores da obra objeto comum agrave poeacutetica e agrave retoacuterica a distinccedilatildeo entre eacutethos e
41
paacutethos estivesse aqui entre os elementos que eram julgados na avaliaccedilatildeo da poesia Esta liccedilatildeo
parece coerente com o fato de que pelo menos ateacute onde Foacutecio nos daacute notiacutecia apoacutes as
consideraccedilotildees sobre a elocuccedilatildeo (e a doutrina referente a seus gecircneros) seguissem-se esses
dois outros elementos que de acordo com a retoacuterica explicitam-se no discurso
A proacutepria consideraccedilatildeo dos dois termos jaacute eacute um problema pois mesmo em
Aristoacuteteles trazem dificuldade Como se sabe na Retoacuterica o caraacuteter eacute do orador aquele que
fala a paixatildeo suscita-a no ouvinte por meio do discurso a fim de movecirc-lo Eacute logo no livro I
que Aristoacuteteles apresenta essa doutrina dos trecircs meios da persuasatildeo loacutegos eacutethos e paacutethos ou
discurso caraacuteter e afeto Eacute proacuteprio da arte principalmente o primeiro o discurso pois em
condiccedilotildees ideais jurados e ouvintes natildeo se deixam levar pelas paixotildees que oradores treinam
para despertar naqueles que os ouvem Como no entanto o tratado assume por objeto a
persuasatildeo e define a retoacuterica como teacutecnica que a produz (antiacutestrofe da dialeacutetica que produz
verdade) aborda igualmente afeto ndash para esclarecer como suscitado persuade ndash e caraacuteter ndash
pois se as palavras do orador natildeo forem condizentes com a noccedilatildeo de caraacuteter que dele fazem
os ouvintes natildeo se deixaratildeo convencer por julgaacute-lo mentiroso Em termos gerais talvez
pudeacutessemos dizer que na Retoacuterica os trecircs elementos satildeo em um primeiro momento
pensados em si para posteriormente serem considerados como os trecircs fatores ou causas cujo
resultado eacute o convencimento
Natildeo eacute assim poreacutem que os mesmos elementos satildeo considerados na Poeacutetica por conta
da proacutepria conceituaccedilatildeo aristoteacutelica do objeto (o que seraacute discutido mais adiante) neste
tratado Aristoacuteteles cirscunscreve a noccedilatildeo de eacutethos e pathos diferentemente pois trata os
termos como partes de uma imitaccedilatildeo e eacute nos limites desse conceito que surge a dificuldade A
imitaccedilatildeo que define a poesia eacute muito especiacutefica accedilatildeo Trata eacutethos e paacutethos portanto como
elementos que precisam ser representados de maneira condizente para que a imitaccedilatildeo seja
bem sucedida Na descriccedilatildeo da mimese caraacuteter eacute uma das partes qualitativas da trageacutedia
conforme definidas no cap VI da Poeacutetica mito caraacuteter e pensamento seriam as partes
equivalentes a ldquoo querdquo se imita (a mateacuteria) conforme delimitado nos cap I II e III em que o
filoacutesofo expotildee os criteacuterios pelos quais pensa o objeto elocuccedilatildeo e melopeia as partes
equivalentes agravequilo ldquoem querdquo se imita (os meios lembrando que a melopeia equivale ao que
em outras passagens seraacute nomeado apenas ldquomelosrdquo ou ldquocanccedilatildeordquo e refere-se agraves passagens
corais) espetaacuteculo refere-se a ldquocomordquo se imita (o modo)38
38 Poeacutetica VI 1449b 21 ndash 1450a 15
42
Como afirmaraacute ainda no cap VI natildeo eacute objetivo da poesia imitar caracteres mas os
caraceteres satildeo postos em cena apenas em funccedilatildeo da accedilatildeo ie este ou aquele caraacuteter eacute posto
em cena para que a accedilatildeo tenha este ou aquele desdobramento afinal ndash continua dizendo ndash os
eventos e o mito satildeo o fim da trageacutedia e o fim eacute o que haacute de mais importante Portanto o
caraacuteter de certa personagem conhecido do puacuteblico deve apenas ser condizente com o que
desdobramento esperado da accedilatildeo Natildeo agrave toa na mesma passagem Aristoacuteteles afirmaraacute que eacute
possiacutevel trageacutedia sem caraacuteter apenas com accedilatildeo mas natildeo o contraacuterio39 Os uacutenicos termos que
Aristoacuteteles nos fornece para analisar o caraacuteter presente em uma composiccedilatildeo poeacutetica satildeo esses
Natildeo se trata portanto de um caraacuteter presente talvez na elocuccedilatildeo poeacutetica mas simplesmente
o caraacuteter que se pode ou deve representar em funccedilatildeo de uma accedilatildeo mimetizada Esse criteacuterio
portanto mal pode ser aplicado agrave poesia que natildeo se pode analisar nos termos aristoteacutelicos da
imitaccedilatildeo de accedilatildeo Tal noccedilatildeo de eacutethos natildeo nos exclarece qual seria a diferenccedila a que o epiacutetome
se refere
Quanto ao afeto ou paacutethos a noccedilatildeo parece ateacute um pouco mais distante paacutethos na
Poeacutetica eacute a terceira parte do mito descrita como um padecimento na accedilatildeo como algo
destrutivo ou doloroso tal padecimento eacute um efeito e um desdobramento da accedilatildeo Natildeo eacute algo
portanto que se representa a priori poreacutem mais um elemento atrelado ao mito que se
representa por meio de palavra (elocuccedilatildeo ou melopeia) e subordinado a ele Natildeo agrave toa ao fim
do cap 19 da Poeacutetica na transiccedilatildeo para a seccedilatildeo final sobre a elocuccedilatildeo diz Aristoacuteteles
[]Περὶ μὲν οὖν τῶν ἄλλων εἰδῶν εἴρηται λοιπὸν δὲ περὶ λέξεως καὶ
διανοίας εἰπεῖν τὰ μὲν οὖν περὶ τὴν διάνοιαν ἐν τοῖς περὶ ῥητορικῆς
κείσθω τοῦτο γὰρ ἴδιον μᾶλλον ἐκείνης τῆς μεθόδου ἔστι δὲ κατὰ
τὴν διάνοιαν ταῦτα ὅσα ὑπὸ τοῦ λόγου δεῖ παρασκευασθῆναι μέρη
δὲ τούτων τό τε ἀποδεικνύναι καὶ τὸ λύειν καὶ τὸ πάθη παρασκευάζειν
(οἷον ἔλεον ἢ φόβον ἢ ὀργὴν καὶ ὅσα τοιαῦτα) καὶ ἔτι μέγεθος καὶ
μικρότητας δῆλον δὲ ὅτι καὶ ἐν τοῖς πράγμασιν ἀπὸ τῶν αὐτῶν ἰδεῶν
δεῖ χρῆσθαι ὅταν ἢ ἐλεεινὰ ἢ δεινὰ ἢ μεγάλα ἢ εἰκότα δέῃ
παρασκευάζειν πλὴν τοσοῦτον διαφέρει ὅτι τὰ μὲν δεῖ φαίνεσθαι
ἄνευ διδασκαλίας τὰ δὲ ἐν τῷ λόγῳ ὑπὸ τοῦ λέγοντος
παρασκευάζεσθαι καὶ παρὰ τὸν λόγον γίγνεσθαι τί γὰρ ἂν εἴη τοῦ
λέγοντος ἔργον εἰ φαίνοιτο ᾗ δέοι καὶ μὴ διὰ τὸν λόγον
(Aristoacuteteles Poeacutetica 1456a 33 ndash 1456b 8)
ldquoSobre as demais partes jaacute se falou restando falar sobre a elocuccedilatildeo e o
pensamento Fique para os escritos sobre retoacuterica o que tangencia o
pensamento pois isso eacute mais proacuteprio do meacutetodo daquela Eacute referente
ao pensamento o quanto se deve provir pelo discurso Satildeo seus
39 Idem VI 1450a 19 ndash 23
43
elementos o demonstrar o refutar e o prover afetos (como piedade ou
horror ou raiva e todas essas coisas) e ainda grandeza e pequenez Eacute
evidente que tambeacutem se deve servir-se desses elementos nos
acontecimentos quando se devem prover coisas piedosas terriacuteveis
grandiosas ou possiacuteveis entretanto com tal diferenccedila naquele caso
devem aparecer sem elucidaccedilatildeo neste devem ser providas no
discurso pelo falante e ocorrer junto ao discurso pois qual seria a
funccedilatildeo do que fala se aparecessem como devem mas natildeo atraveacutes do
discursordquo
(Trad do autor)
Ora aqui Aristoacuteteles deixa claro que sendo a poesia imitaccedilatildeo de accedilatildeo atraveacutes da
palavra mesmo os afetos decorrentes nas accedilotildees satildeo representados e postos em cena por via da
palavra ie da elocuccedilatildeo Como um fenocircmeno por si soacute natildeo restrito agrave poeacutetica isso eacute objeto
da retoacuterica e por isso a seccedilatildeo seguinte sobre a elocuccedilatildeo trataraacute do que eacute proacuteprio da elocuccedilatildeo
poeacutetica
Ateacute aqui portanto a uacutenica noccedilatildeo que talvez possa nos servir seja a de que tanto caraacuteter
quanto afeto se transparecem na imitaccedilatildeo pela palavra o fazem nela Ainda assim na
conceituaccedilatildeo aristoteacutelica isso se daacute naquele que eacute um actante representado ou natildeo por um
ator ie por aquele que eacute agente de uma accedilatildeo Por isso mesmo no referido capiacutetulo VI
arrolando e definido as seis partes qualitativas citadas definiraacute pensamento como aquilo ldquoem
quanto os falantes demonstram algo ou revelam sua opiniatildeordquo e caraacuteter como aquilo ldquode
acordo com o que dizemos que os agentes satildeo certas coisasrdquo40
Para tentar supor o que significariam caraacuteter e afeto no acircmbito do comentaacuterio do
gramaacutetico ao abordar um texto talvez possamos buscar uma pista em textos semelhantes ao
menos a fim de entender em um primeiro momento se esses conceitos eram levados em
conta Sobre o caraacuteter haacute uma passagem que pode ser esclarecedora O Escoacutelio a Dioniacutesio
Traacutecio (471 26 ndash 472 12) traz uma boa descriccedilatildeo dos diferentes elementos que satildeo objeto da
avaliaccedilatildeo empreendida nesta atividade em questatildeo a qual como se sabe (e isso tambeacutem nos eacute
relevante) opotildee-se natildeo soacute em gramaacuteticos mas daiacute tambeacutem em reacutetores (como Dioniacutesio de
Halicarnasso e Quintiliano) agrave syacutegkresis ie natildeo se trata mais da avaliaccedilatildeo apenas mas da
avaliaccedilatildeo conjunta o discernimento dos poetas e obras considerados conjuntamente a
comparaccedilatildeo
ltἝκτον κρίσις ποιημάτωνgt] Τίνι διαφέρει κρίσις συγκρίσεως καὶ
πότερον αὐτῶν ἐπαναβέβηκεν Λεκτέον ὅτι πρῶτον ἡ κρίσις τὸν
40 Idem 1450a 4 ndash 7
44
συγκρίνοντα γὰρ πρότερον αὐτῶν ἑκάτερον δεῖ κρῖναι καὶ ὁ μὲν
συγκρίνων καὶ κρίνει ὁ δὲ κρίνων οὐ πάντως καὶ συγκρίνει
Πότερον δὲ ὁ γραμματικὸς κρείττων ὢν τῶν ποιητῶν κρίνει αὐτῶν τὰ
ποιήματα ἢ ἥττων Καὶ εἰ μὲν κρείττων δώσομεν καὶ αὐτὸν εἶναι
ποιητήν εἰ δὲ ἥττων πῶς κρίνει Ῥητέον οὖν ὅτι κρίνει οὐχ ᾗ ποιητής
ἐστι κρείττων αὐτῶν ἀλλ ᾗ τεχνίτης ἐστὶ τῆς ὕλης τῆς ἐκείνων καὶ
τῶν ὀργάνων οὐ γὰρ κρίνει εἰ καλῶς αὐτοῖς γέγραπται ἢ οὔ ἀλλ εἰ
νόθα ἢ γνήσια πολλὰ γὰρ νοθευόμενά ἐστιν ὡς ἡ Σοφοκλέους
Ἀντιγόνη ndash λέγεται γὰρ εἶναι Ἰοφῶντος τοῦ Σοφοκλέους υἱοῦ
Ὁμήρου τὰ Κυπριακὰ καὶ ὁ Μαργίτης Ἀράτου τὰ Θυτικὰ καὶ τὰ Περὶ
ὄρνεων Ἡσιόδου ἡ Ἀσπίς
Κρίνει δὲ πρῶτον μὲν ὁρῶν εἰς τὴν λέξιν εἰ συνήθης ἐστὶ τῷ ποιητῇ
ἔπειτα εἰς τὸ πλάσμα τῆς συνηθείας εἶτα εἰς τὴν τῆς φράσεως
εὐκολίαν ἢ σκληρότητα εἶτα καὶ εἰς τὴν ἱστορίαν οἱ μὲν γὰρ χαίρουσι
ταῖς ξενιζούσαις ἱστορίαις αἱ δὲ ταῖς κοιναῖς εἶτα ἀπὸ τῶν χρόνων
Ἀρετὴ δὲ ποιήματος ἡ περὶ λέξιν σαφήνεια σύνθεσις τοῦ μέτρου
εὔρυθμος κυριολεξία σχήματα ταῦτα τῆς λέξεως τὰ δὲ περὶ διάνοιαν
οἰκονομία τάξις ἤθη ἐν προσώποις εἰ ltοἱgt μῦθοι ἁρμόδιοι καὶ τὰ
πλάσματαrdquo41
(Scholia in Dionysium Thracem Scholia Londinensia 471 26 ndash 472
12)
Sexta a avalaiccedilatildeo de poemasrsquo ndash Em que difere a avaliaccedilatildeo da
comparaccedilatildeo e qual delas precede Deve-se dizer que a avaliaccedilatildeo vem
primeiro quem estaacute comparando deve primeiro apreciar cada um dos
elementos e quem compara tambeacutem aprecia mas quem aprecia nem
sempre compara
Havendo os maiores poetas o gramaacutetico faz a avaliaccedilatildeo deles ou dos
inferiores Se principalmente dos melhores concederemos que seja
tambeacutem poeta se dos inferiores como aprecia Deve-se dizer
portanto que faz a avaliaccedilatildeo natildeo da maneira pela qual um poeta eacute
melhor do que outros mas de que maneira eacute um artiacutefice do material
deles e de seus instrumentos Pois natildeo aprecia se algo estaacute belamente
escrito com esses ou natildeo mas sua espuriedade ou legitimidade pois
muitos satildeo os escritos considerados espuacuterios como a Antiacutegona de
Soacutefocles ndash pois se diz que eacute de Iofatildeo o filho de Soacutefocles ndash As
Cipriotas e o Margites de Homero As Sacirficiais de Arato e Sobre os
Paacutessaros o Escudo de Hesiacuteodo
Aprecia primeiro visando a dicccedilatildeo se eacute usual ao poeta em seguida o
molde desse uso depois a fluidez ou a dureza da frase depois
visando a histoacuteria uns se comprazem mais nas histoacuterias que satildeo
exoacuteticas outros nas comuns depois aprecia a partir do periacuteodo
cronoloacutegico A virtude do poema satildeo a clarera que tange a dicccedilatildeo a
composiccedilatildeo do metro a regularidade da linguagem ordinaacuteria42 - essas
41 Commentaria In Dionysii Thracis Artem Grammaticam Scholia Londinensia (partim excerpta ex Heliodoro)
in ldquoGrammatici Graeci vol 13rdquo Ed Hilgard A Leipzig Teubner 1901 Repr 1965 Page 471 42 Entendendo-se aqui ldquoordinaacuteriardquo como a padratildeo ie a do dia a dia sem tropoi natildeo ornada Daiacute que a ideia de
ldquoeurritmiardquo a palavra grega deve se referir tanto a sua regularidade ie sua frequecircncia ou sua ocorrecircncia em
medida devida como tambeacutem agrave eufonia ie sua adapatabilidade ou sua consonacircncia com o metro elemento
anteriormente mencionado
45
satildeo as configuraccedilotildees da dicccedilatildeo quanto as que tangem o pensamento
organizaccedilatildeo ordenaccedilatildeo os caracteres nas personagens se
acomodados satildeo os mitos e seus moldesrdquo
(Traduccedilatildeo do autor)
Para o escoliasta a finalidade do gramaacutetico ao empreender a kriacutesis poiemaacuteton natildeo eacute
avaliar se entre eles poetas escreve-se belamente (essa seria a finalidade da syacutegkresis) mas a
ldquoespuriedaderdquo e a ldquolegitimidaderdquo (
Entre os diferentes aspectos considerados chamam a atenccedilatildeo natildeo
soacute aqueles de caraacuteter estrutural que tambeacutem satildeo objetos de um reacutetor como o do Tratado Da
Composiccedilatildeo das Palavras mas elementos mais proacuteprios da concepccedilatildeo da obra da sua
inventio confluindo com o que se concebe nos textos de poeacutetica como ldquoo que tange o
pensamentordquo ldquoos caracteres nas personagensrdquo e ldquose acomodados satildeo os mitos e seus
moldesrdquo Natildeo se pretende aqui que isto era trabalho da gramaacutetica e dessa sua parte em geral
mas sim ressaltar que mesmo nesta kriacutesis oposta agrave syacutegkrisis no iniacutecio da empiria o escoliasta
nos fornece o testemunho de que para desempenhar sua funccedilatildeo o gramaacutetico tambeacutem
precisava eventualmente julgar a confecccedilatildeo dos caracteres e a pertinecircncia dos mitos o que
inevitavelmente nos remete ao capiacutetulo 2 da Poeacutetica de Aristoacuteteles (e o quanto diz sobre
eacutethos bem como agrave parte da poeacutetica que em geral por via horaciana passamos a denominar
invenccedilatildeo) segundo a qual como a imitaccedilatildeo eacute imitaccedilatildeo de agentes eacute necessaacuterio que sejam
representados segundo certo caraacuteter (melhores ou piores do que noacutes)
Portanto natildeo eacute de espantar que assim como os tropos e figuras empregados pelos
poetas por exemplo configurem um caso claro de objeto comum a ser explicado tanto pelo
gramaacutetico quanto pelo reacutetor eacutethos e paacutethos na condiccedilatildeo de elementos que passam a ser
entendidos como inerentes ao discurso (e essa assunccedilatildeo como demonstrado ainda que com
suas especificidades jaacute se encontra no proacuteprio Aristoacuteteles) sejam observados e analisados por
qualquer um que se debruce com certa finalidade sobre uma composiccedilatildeo discursiva em verso
ou em prosa para aplicar mais uma vez o criteacuterio maior e tatildeo relevante desde o iniacutecio para
nossa leitura do epiacutetome ie a distinccedilatildeo prosa-poesia (Cf sect3 318b 24 ndash 26 Traduccedilatildeo paacuteg
110)
Isso se verifica indubitavelmente quando passamos para a syacutegkrisis de que podemos
tomar como exemplo o livro II do tratado Da Imitaccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso e as
diversas passagens em que diferencia poetas e prosadores dos diferentes gecircneros pelo trato
que datildeo a eacutethos e paacutethos (cf 31 2 1 - Homero 31 2 5 ndash Piacutendaro uma de suas virtudes a ser
observada eacute a ethopoiiacutea ou simplesmente confecccedilatildeo de caracteres em que esses se
46
destacam pela prudecircncia piedade e magnificecircncia [sofrosyacutene eusebeiacutea megalopreacutepeia] 31
2 7 ndash Estesiacutecoro os caracteres e os valores das personagens [eacutethe kaigrave axioacutemata toacuten
prosoacutepon] 31 2 8 ndash Alceu Dioniacutesio chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter de todos os seus
poemas poliacuteticos [hapaacutenton tograve toacuten politikoacuten poiemaacuteton eacutethos] etc seguem-se os dramaturgos
os oradores historiadores)
Haacute por isso trecircs observaccedilotildees que aqui se julgam necessaacuterias e passiacuteveis de serem
pontuadas a fim de se interpretar essa obscura passagem do epiacutetome
A 1a eacute concernente a essa comparaccedilatildeo eacute atraveacutes dela que se estabelecem os piacutenakes
ou listagens dos melhores poetas ie aqueles cujas virtudes devem ser imitadas como se
observa em autores como o referido Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado em que aborda a
miacutemesis Quintiliano e quantos outros que se preocupam em fornecer modelos
A 2a eacute que o epiacutetome traz para cada um dos gecircneros que menciona e resume
brevemente (exceto pela poesia meacutelica ldquopor de mais pluralrdquo segundo o proacuteprio texto) uma
listagem igualmente breve de autores Isso natildeo quer dizer que o tratado se ocupava da
comparaccedilatildeo detalhada mas que certamente compreendia as praacuteticas descritivas comuns aos
textos mencionados e estaria nesse universo textual que se torna especiacutefico tambeacutem do
gramaacutetico Eacute de supor portanto que neste passo o texto tratasse de outros aspectos que
julgava pertinentes agrave avaliaccedilatildeo da poesia ndash mesmo que concentrado em aspectos da inventio ndash
na referida fronteira em que os textos sobre doutrina poeacutetica retoacuterica ou gramaacutetical podiam
tangenciar-se e tratar do mesmo objeto focando mais este ou aquele aspecto de acordo com
sua finalidade A finalidade da Crestomatia ao que se infere pelo menos de seu tiacutetulo
completo (Crestomatia de Letras Literaacuteria ou de Gramaacutetica) e da proacutepria composiccedilatildeo da
palavra jaacute discutida khrestomaacutetheia pretendia fornecer o quanto fosse uacutetil para se apreciar o
que diriacuteamos hoje composiccedilotildees ldquoliteraacuteriasrdquo as ldquoletrasrdquo e aqui devia trazer o quanto julgava
conveniente da ocupaccedilatildeo de julgar avaliar ou seja apreciar poemas de que Foacutecio ou o
resumidor em geral destaca provavelmente por julgar o mais valioso do suposto trecho da
obra original a doutrina sobre eacutethos e paacutethos que como se viu acima poderia ser objeto do
gramaacutetico mesmo se tomassemos aquela kriacutesis de Dioniacutesio Traacutecio no seu sentido mais estrito
de ldquojulgamentordquo da autenticidade do texto Que essa distinccedilatildeo fosse doutrinalmente tratada
nesta passagem parece plenamente verossiacutemil se notarmos que apoacutes uma distinccedilatildeo pelo
criteacuterio de quantidade quanto agrave natureza da prosa e da poesia o tratado por tomar como seu
fio condutor para esta primeira parte a elocuccedilatildeo seguia esquematicamente pela triparticcedilatildeo da
retoacuterica que se em Aristoacuteteles refere-se aos meios pelos quais se produz persuasatildeo na
tratadiacutestica posterior (de que Dioniacutesio de Halicarnasso eacute oacutetimo exemplo) que considera a
47
poesia pela elocuccedilatildeo configura os trecircs aspectos segundo os quais se avalia a composiccedilatildeo em
geral
Bem como outros autores propotildeem para esta passagem suas leituras perifraacutesticas aqui
se julga que a mais adequada seria ldquoprossegue fazendo [suas] consideraccedilotildees [refletindo] sobre
a avaliaccedilatildeo de poesia no que transmite [dentre outras coisas] a doutrina sobre a diferenccedila
entre caraacuteter e paixatildeordquo
A 3a e uacuteltima refere-se ao que seriam esse eacutethos e paacutethos em certos tipos de poemas eacute
compreensiacutevel seguindo a liccedilatildeo de Aristoacuteteles que estejam presentes em uma obra cujo
objeto eacute uma accedilatildeo composta de agentes etc uma obra ldquonarrativardquo no nosso sentido moderno
da palavra a eacutepica a trageacutedia etc Como isso se dava poreacutem em um melos ou em uma
elegia Podemos considerar primeiramente que num poema como um epiniacutecio pindaacuterico se
natildeo se circunscreve ao polecircmico criteacuterio da Poeacutetica de Aristoacuteteles de ser miacutemesis de accedilatildeo
pode trazer um mito (no caso de Piacutendaro quase sempre) como seu ornato ou alusotildees
histoacutericas e miacuteticas Inevitavelmente aiacute em se contando algo e portanto representando
agentes ou personagens simplesmente representar-se-atildeo caracteres e afetos inevitavelmente
Segundo haacute que se considerar tambeacutem o que poesia ldquonarrativardquo passa a significar para a
tratadiacutestica posterior a Aristoacuteteles bem como o fato de que aquela figura falante num poema
de gecircnero meacutelico aquela voz poeacutetica que reporta ela mesma por via da elocuccedilatildeo traz caraacuteter
e afeto Eacute nesse sentido que o comentaacuterio de Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit) agrave poesia de
Alceu na referida passagem serve otimamente de exemplo ldquodispa-lhe algueacutem do metro em
vaacuterios lugares descobriria oratoacuteria poliacuteticardquo Para que esse caraacuteter advenha do discurso
retirado o metro como se a composiccedilatildeo fosse um discurso poliacutetico deve ser inerente ao
proacuteprio discurso e natildeo inerente a uma personagem
O termo grammatikeacute aqui portanto (principalmente depois das praacuteticas filoloacutegicas
alexandrinas) eacute abrangente e envolve o quanto se pode saber a fim de instruir na
compreensatildeo da arte que opera com a palavra mesmo que haurido de diferentes doutrinas ou
aacutereas do saber antigo Essa funccedilatildeo de instruir a princiacutepio circunscrevia-se ao ofiacutecio do
gramaacutetico que adotava como modelo para essa instruccedilatildeo exatamente os poetas como o
pedagogo da Greacutecia Antiga contra quem Platatildeo se insurge
Essa ocupaccedilatildeo passa a abarcar diferentes aspectos que naturalmente tangenciam
outras aacutereas do saber letrado que se debruccedilaram sobre a palavra assim o gramaacutetico se torna o
erudito das letras por excelecircncia o filoacutelogo Sobre esse ponto vale citar as consideraccedilotildees de
48
Ferrante que pensa de maneira semelhante a associaccedilatildeo da Crestomatia de Proclo agrave
gramaacutetica e a citaccedilatildeo que faz a respeito
A conforto di questo apelativo da me dato allrsquo autore dela
Crestomazia egrave necessaacuterio citare um passo dela Filologia Claacutessica
dellrsquo Inama (Hoepli Milano 1854 pagg 1 ndash 2) lsquoLa parola filoacutelogo
( ) la quale secondo la sua etimologia non voleva dir altro
da principio che amante dela conversazione ma di uma conversazione
colta ed eletta ( ) venne a designare al tempo degli
alessandrini nel III sec a GC uma classe di studiosi distinti da
quelli43 molto affini dei critici ( ) e dei grammatici
( ) Mentre i grammatici si occupavano soprattutto di
liacutengua e di questioni letterarie ed i critici della correzione ed
interpretazione dei testi degli scittori antichi i fillogi invece avevano
per oggetto preciacutepuo dei loro studi lrsquoerudizione mitologica storica
antiquaria Questi corripondevano a quelli che oggidi diciamo dotti ed
eruditi ecc ecc
(Inama apud Ferrante Crestomazia Introduzione Casa Editrice
Armanni Napoli 1957 pg 13)
Ferrante destaca a atuaccedilatildeo de filoacutelogo que o gramaacutetico passa a ter no periacuteodo
heleniacutestico como responsaacutevel pela ediccedilatildeo dos textos daqueles que para eles jaacute eram
ldquoantigosrdquo Pontua inclusive que essa funccedilatildeo desse erudito supunha conhecimentos do que
hoje noacutes diriacuteamos ldquoliteraturardquo ie dos gecircneros literaacuterios mais especificamente e natildeo do que
noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash
uma seacuterie de categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco
mesmo ou os preceitos da chamada ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira
estranha aos antigos Como fulcro comum talvez se pudesse postular que essa atividade de
exegese literaacuteria era no rigor da palavra grega graacutemmata uma exegese ou descritiva ou
prescritiva ou ambas de todas as atividades envolvendo as letras ou em se preferindo as
praacuteticas letradas
Natildeo poderiacuteamos saber contudo se a obra atribuiacuteda a Proclo trataria tambeacutem da prosa
uma vez que ela eacute menciona na distinccedilatildeo inicial do coacutedice e diferentes indiacutecios apontam para
um texto que estaacute incompleto Pelo que se poderia deduzir da introduccedilatildeo de Dioniacutesio Traacutecio agrave
empiria como o interesse do gramaacutetico era o uso linguiacutestico dos doutos em se assumindo que
ldquosyggrapheucircsinrdquo tambeacutem se referiria e abarcaria os prosadores em geral talvez ao utilizar seu
conhecimento para instruir esse gramaacutetico-filoacutelogo aos moldes heleniacutesticos tambeacutem se
43 Afinal passa-se gradativamente de um mundo da fala para um mundo do registro escrito
49
dedicasse aos gecircneros de composiccedilatildeo em prosa e tratasse daqueles que copunham
historiagrafia e oratoacuteria Por outro lado a julgar pelo padratildeo ie pelo que se observa em
outras obras a oratoacuteria como objeto da retoacuterica tem seus grandes exemplos comentados e
analisados nos autores que se incumbem dessa arte que tendem a demosntrar o que
descrevem com exemplos que aleacutem dos oradores focam-se por vezes nos historiadores como
o faz por exemplo Dioniacutesio de Halicarnasso Natildeo eacute de mais ressaltar que mesmo no caso da
oratoacuteria os tratadistas sempre buscam os exemplos dos poetas como modelo praacutetica
recorrente no citado Dioniacutesio de Halicarnasso e em Quintiliano no caso dos latinos de modo
geral observa-se que quando o foco eacute a instruccedilatildeo em algum aspecto do saber das letras o
modelo tende a serem os poetas Portanto haacute indiacutecios sufientemente plausiacuteveis para se
argumentar contrariamente que natildeo seria proacuteprio dessa Crestomatia de Letras tratar da
prosa mas que inevitavelmente para concentrar-se na poesia como seu objeto precisa crivaacute-
la delimitaacute-la em oposiccedilatildeo agrave prosa principalmente se aborda o tema pelo vieacutes (a ser
comentado) da elocuccedilatildeo Por fim deve-se ressaltar que cada uma dessas que denominamos as
doutrinas antigas se pretendia uma teacutecnica em si teacutecnica retoacuterica teacutecnica gramatical etc
portanto cada uma visava a um fim proacuteprio Vimos tanto no prefaacutecio da gramaacutetica de Dioniacutesio
Traacutecio quanto em seu escoacutelio aquilo a que visa essa teacutecnica Por isso mesmo como uma
crestomatia sobre gramaacutetica mas natildeo uma gramaacutetica propriamente eacute natural que nosso
epiacutetome aborde temas proacuteprios desse ofiacutecio na abrangecircncia que passa a ter apoacutes os
alexandrinos a fim de exlcarecer e instruir a fim de minimamente coligir informaccedilatildeo uacutetil a
repeito do assunto sem ser ela mesma no entanto uma gramaacutetica um manual da Ars Essa
hipoacutetese se aventa principalmente do cotejo entre o epiacutetome e o livro III da Ars Grammatica
de Diomedes que se concebe como uma pequena coleccedilatildeo de gecircneros e espeacutecies poeacuteticas que
natildeo tatildeo abrangente quanto a Crestomatia segue os mesmos criteacuterios do epiacutetome deixando-
nos entrever portanto uma espeacutecie de ldquocriteacuterio gramaticalrdquo com que se tratava da poesia com
a finalidade tatildeo simplesmente de classificaacute-la (v infra cap 3)
Assim se explicaria o tiacutetulo da obra trata-se de um texto que colige de diferentes
aacutereas quanto se eacute uacutetil saber sobre letras e por isso mesmo o epiacutetome refere a diferentes
seccedilotildees das doutrinas antigas ndash da retoacuterica a classificaccedilatildeo da elocuccedilatildeo pelas diferentes
possibilidades de moldaacute-la da poeacutetica os gecircneros enunciativos jaacute da poeacutetica e da etimologia
tangenciando a gramaacutetica as caracteriacutesticas dos gecircneros poeacuteticos (mateacuteria metro) associados
a seu nome e origem o que por vezes quando se descrevem as festas associadas a um
gecircnero por exemplo leva agrave etiologia etc Assim sendo se tanto o termo ldquogramaticalrdquo como
ldquoliteraacuteriardquo sugeririam dois extremos modernos que poderiam levar o leitor a uma interpretaccedilatildeo
50
equivocada optou-se aqui pela igualmente literal etimologicamente locuccedilatildeo adjetiva ldquode
Letrasrdquo pois que eacute fiel ao texto grego e pode remeter o leitor ao acircmbito das Belas Letras e das
praacuteticas letradas dos seacuteculos XVI XVII e XVIII em geral cujas convenccedilotildees supotildeem noccedilotildees
e praacuteticas mais afeitas ndash embora natildeo idecircnticas ndash agraves antigas uma vez que ao menos potildeem-se a
emulaacute-las
2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO
POESIA E RETOacuteRICA
21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO
Apoacutes o nome da obra e a informaccedilatildeo de que era composta de quatro livros ou quatro
arrazoados diferentes inicia-se o resumo da Crestomatia pelo procedimento padratildeo dos
diferentes epiacutetomes da Bilbioteca temos a estrura de discurso indeireto ou reportado ou seja
ldquoo autor diz querdquo e assim sucessivamente No caso desta obra em especiacutefico cada
enunciado traz uma liccedilatildeo de doutrina um ensinamento que se pode rastrear em outros textos
A primeira liccedilatildeo que nos traz eacute a distinccedilatildeo entre poesia e prosa distinccedilatildeo que seraacute
preponderante pelo menos ateacute o fim do epiacutetome destinado a classificar os gecircneros e as
espeacutecies da poesia Ao iniciar por essa distinccedilatildeo o epiacutetome daacute a entender que antes se
aplicava um criteacuterio habitualmente empregado na tratadiacutestica retoacuterica ie aborda-se o tema
pelo vieacutes mais amplo da elocuccedilatildeo Natildeo agrave toa se buscamos referecircncias para o que estaacute sendo
ensinado sobejam os textos de retoacuterica principalmente porque seguindo o criteacuterio de abordar
a elocuccedilatildeo todo o resto dessa primeira sessatildeo do epiacutetome por assim dizer focar-se-aacute numa
das formas que conhecemos da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo Apesar disso jaacute podemos
ver aqui a caracteriacutestica acima discutida a saber que esta crestomatia compendiava ou coligia
noccedilotildees ou liccedilotildees cujas origens remontavam a diferentes saberes
Comecemos pela distinccedilatildeo baacutesica
O termo loacutegos por designar ldquopalavrardquo mas tambeacutem a ldquofalardquo o ldquodiscursordquo eacute o termo
usado entre os gregos para designar a obra em prosa justamente como um discurso padratildeo
natildeo-poeacutetico nela empregado Define-se por oposiccedilatildeo a poiacuteesis em boa parte dos textos a
51
comeccedilar por Platatildeo quando opotildee os dois na conhecida passagem do livro III da Repuacuteblica
(390a)
Aristoacuteteles como se sabe emprega poietikeacute para designar o fazer ie a teacutechne que
procura delimitar e definir no tratado que recebe aquele nome Descrevendo a quarta parte
constitutiva da trageacutedia a elocuccedilatildeo (leacutexis) Aristoacuteteles (1450b 12 ndash 14) observa suas
diferentes maneiras de ocorrer (ldquoem palavrasrdquo ldquoem discursordquo ie ldquoem falardquo
apenas) e (ldquoem medida(s)rdquo ldquoem proporccedilatildeordquo ou simplesmente
ldquometrificadordquo) sem que isso como se sabe seja criteacuterio distintivo do que eacute ou natildeo poesia
Na Retoacuterica Aristoacuteteles tambeacutem se ocupa dessa diferenciaccedilatildeo pela elocuccedilatildeo e a distinccedilatildeo
entre prosa e poesia posteriormente acaba por se concentrar como uma questatildeo proacutepria
dessa
Assim Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado da Composiccedilatildeo das Palavras (6 43 ndash 47)
apoacutes expor que todas as artes compartilham das mesmas normas de seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo em
trecircs etapas (mais precisamente erga ldquodeveresrdquo tarefas sucessivas e complementares) propotildee
uma distinccedilatildeo mais especiacutefica do ponto de vista da elocuccedilatildeo entre discurso pedestre loacutegoi
pezoiacute e ldquopoeacuteticardquo Mais agrave frente (15 40 ndash 46) poieacutemata junto a meacutele contrapoem-se a loacutegoi
psiloiacute (discurso ordinaacuterio ou comum) e o que agrupa aqueles dois eacute que ldquosatildeo elaborados
atraveacutes de metro ou ritmordquo ( ) Como se observa
posteriormente o resultado da poieacutetikeacute o poiacuteema passa a ser igual e tecnicamente empregado
para designar a poesia em oposiccedilatildeo agrave prosa
Poesia e Prosa distinguem-se na elocuccedilatildeo natildeo pela qualidade (suas virtudes satildeo as
mesmas) mas pela quantidade A expressatildeo ldquono mais e no menosrdquo ( eacute
tiacutepica do grego para designar quantidade e em se tratando da elocuccedilatildeo poeacutetica ou oratoacuteria
deve naturalmente ser entendida no sentido de que como composiccedilotildees que se utilizam da
palavra as qualidades tanto da prosa como da poesia devem ser as mesmas mas quanto tenha
a prosa a poesia teraacute mais em maior proporccedilatildeo Essa doutrina jaacute eacute exposta por Aristoacuteteles
logo no comeccedilo do livro III da Retoacuterica dedicado agrave elocuccedilatildeo A elocuccedilatildeo do orador deve
parecer o menos distante quanto possiacutevel do natural do falar ldquoconversacionalrdquo (ldquodialogalrdquo
literalmente ndash ) enquanto a elocuccedilatildeo poeacutetica se distancia mais desse falar A
razatildeo os homens tendem a desconfiar daquilo em que lhes parece haver artificio Assim a
principal caracteriacutestica pleiteada pelo orador deve ser a clareza Qualquer elemento que torne
o discurso mais elevado por ornaacute-lo pode servir agrave prosa mas serve melhor agrave poesia pois pode
desviar o orador de seu principal objetivo que eacute tornar claro o significado (cf 1404b ndash
1405a) Para atingir essa clareza o que sobeja na poesia eacute empregado em menor nuacutemero na
52
prosa e apenas em algumas circunstacircncias dos nomes e verbos satildeo os proacuteprios que conferem
ao discurso clareza os demais tipos o ornam e satildeo justamente objeto da Poeacutetica
Semelhantemente a Aristoacuteteles Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit idem) apoacutes expor
as referidas etapas do saber compositivo (synthetikeacute episteacuteme opcit 6 1 e sg) afirma ldquo
Esse princiacutepio eacute mais profuso [dapsileacutesteron] na poeacutetica e menos encontradiccedilo [spanioacuteteron]
no discurso pedestrerdquo
22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO
Sendo a elocuccedilatildeo o criteacuterio que orienta o estabelecimento dos primeiros ldquosaberes
proveitososrdquo dos primeiros elementos a serem informados ou ensinados passa-se a uma das
versotildees da exposiccedilatildeo da doutrina geralmente conhecida como dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo
aqui na sua interpretaccedilatildeo por ldquotrecircs moldesrdquo
A traduccedilatildeo de plasma por ldquomolderdquo busca a referida literalidade da traduccedilatildeo e por
essa jaacute trazer algo proacuteprio da doutrina acerca dessas trecircs formas da elocuccedilatildeo ou como eacute mais
comumente designada dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo ou genera dicendi Geralmente
traduzido por ldquoestilordquo perde-se a metaacutefora fiacutesica que classifica a elocuccedilatildeo como que por sua
forma externa sua forma fiacutesica Trata-se portanto das trecircs possiacuteveis formas de se amoldar
(do verbo plaacutesso) o discurso Emprega-se tambeacutem nos textos characteacuter que eacute a marca o
traccedilo impresso por um instrumento (do verbo charaacutesso) daiacute passando ao ldquotipordquo ao ldquotraccedilo
caracteriacutesticordquo portanto distintivo que tambeacutem abre margem para o que dizemos ldquoestilordquo
Quanto ao leacutexico da doutrina a maneira de Plutarco c I dC parece evidenciar o
conhecimento de duas nomenclaturas concorrentes nesse seacuteculo (Vita Homeri 72) ldquo()
rdquo ndash ldquo() tambeacutem satildeo caracteres
dos discursos os chamados moldesrdquo e logo os nomeia atraveacutes dos mesmos termos e ordem
que lemos aqui no coacutedice 236
De fato em Demeacutetrio seacutec II AC (De Eloc 36 1) a divisatildeo aparece sob o tiacutetulo de
charactecircres tecircs hermeneiacuteas ldquocaracaterestraccedilos da elocuccedilatildeordquo no tratado inteiro dedicado a
essa que eacute uma das partes do discurso
Dioniacutesio de Halicarnasso I AC emprega-os mormente e junto tambeacutem a leacutexis (De
Demosthenins Dictione 8 28 ndash 31) e a ldquocomposiccedilatildeordquo (a syacutenthesis De Compositione 21 15)
ie referindo-se agrave composiccedilatildeo como um todo e quando os nomeia na sua obra dedicada a
53
Demoacutestenes (33 21 ndash 23) fala em ldquotrecircs caracteres
geneacutericosprincipaistiacutepicosrdquo introduzindo um qualificativo relevante para o entendimento da
doutrina como dos gecircneros (categoria ampla e principalmente abrangente em relaccedilatildeo agrave
espeacutecie) possiacuteveis agrave elocuccedilatildeo de forma geral como se evidencia entre os latinos (Cf Ciacutecero e
Quintiliano infra pg 92) Em uma soacute passagem poreacutem Dioniacutesio que se serve variamente
das palavras testemunha o uso do outro termo para designar a doutrina e emprega tambeacutem
placircsma (De Dem Dict 34)
No mesmo seacuteculo a Retoacuterica a Herecircnio apresenta uma traduccedilatildeo literal da nossa
doutrina e sua triparticcedilatildeo (IV 8) na qual figura (do verbo fingere) verte da maneira mais fiel
e direta o grego jaacute que ambos os verbos servem nas respectivas liacutenguas para designar a arte
plaacutestica de modelar o estatuaacuterio figurar Natildeo se adotou aqui essa traduccedilatildeo latina porque jaacute na
retoacuterica e depois a palavra tambeacutem designaraacute as figuras de linguagem Preferiu-se outra
igualmente literal
Ciacutecero por exemplo (Orator 20) e Quintiliano (Institutiones Oratoriae XII 10 58)
empregaratildeo genera dicendi aproximando-se da noccedilatildeo ldquogeneacutericardquo de Dioniacutesio de
Halicarnasso
O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio (449 26) eacute o mais chamativo ao empregar exatamente os
mesmo termos do coacutedice 239
Jaacute para tratar dos diferentes termos empregados para qualificar os gecircneros eacute
interessante a breve consideraccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso antes de nomeaacute-los no tratado
De Compositione(21 15 ndash 18)
ldquo()
rdquo
ldquo() eu mesmo poreacutem natildeo tendo um nome oficial para designaacute-los como permanecem
inominados por nomes metafoacutericos chamo-osrdquo
(trad do autor)
Dioniacutesio mesmo afirma que os charactecircres natildeo possuem um nome definitivo ie de
caraacuteter oficial (kyacuterios) e natildeo havendo essa jurisprudecircncia de termos nomeia-os
metaforicamente
Diferentes metaacuteforas opositivas portanto satildeo empregadas nos diferentes textos
visando a representar mas igualmente delimitar e definir os limites entre os quais se ajusta a
54
elocuccedilatildeo originando um pequeno leacutexico que aparece misturado nas diferentes classificaccedilotildees
concomitantemente a diferentes interpretaccedilotildees da doutrina
Assim Demeacutetrio (op cit) propotildee quatro caracteres simples ndash o
ldquotecircnueesguiodelgadoexiacuteguordquo (ischnoacutes) o ldquomagnificenterdquo (megaloprepeacutes) o
ldquosuavepolidobrunidoeleganterdquo (glaphyroacutes) o
ldquotremendoterriacutevelimpetuosoveementeeneacutergicordquo (deinoacutes) ndash que se misturam (salvo os dois
primeiros que se definem pelo antagonismo) para formar todos os diferentes estilos
A julgar por Quintiliano jaacute seacuteculo I dC (XII 10 2 e sg no paralelo entre histoacuteria da
pintura e oratoacuteria) poder-se-ia pensar em tantas espeacutecies quantas elocuccedilotildees sendo possiacutevel
distingui-las em um niacutevel superior segundo o gecircnero A explicitaccedilatildeo desse raciociacutenio parece
condizente com o que se observa ao longo dos seacuteculo Assim eacute que apoacutes Demeacutetrio observa-
se um rearranjo da doutrina em trecircs tipos dos quais dois satildeo opostos e um supotildee a mistura e
dos quais a plenitude eacute variavelmente interpretada
Assim eacute que Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict supra) parece empregar o
superlativo (hoigrave genikoacutetatoi) para distingir dentre os caracteres ldquomais geneacutericosrdquo primeiro
dois extremos o ldquotecircnuerdquo (ischnoacuten) e o ldquoelevadosublimerdquo(hypseloacuten) e depois um ldquomeio
termordquo (metaxyacute) No De Compositione como mencionado a doutrina eacute transposta para toda e
qualquer composiccedilatildeo em geral e o mesmo tratadista emprega outra terminologia (que pode
confundir-nos comparada agraves demais) a fim de nomear um dos gecircneros que julga o melhor
nomeia uma elocuccedilatildeo ldquoausterardquo (austeacuteran) por natildeo ser ornada uma ldquopolidardquo (glaphyraacuten
bem no sentido de ldquoeleganterdquo) ou ldquofloridardquo (antheacuteran) porque ornada e ndash a melhor ndash ldquobem-
solvidamisturadabalanceadordquo (euacutekratos)
A Retoacuterica a Herecircnio (supra) proporaacute a distinccedilatildeo por ordem decrescente um ldquograverdquo
(gravis que estaacute mais para o grego baryacutes mas tangencia a semacircntica de hadroacuten) um
ldquomedianomediacuteocrerdquo (mediocrismeacutesosmetaxyacute) e um ldquotecircnuerdquo (adtenuata sc figura em que
embaso minha traduccedilatildeo)
Ciacutecero (op cit 20 3) descreve os trecircs gecircneros com os vaacuterios adjetivos desse
vocabulaacuterio mas nomeia o orador ldquoque pratica a grandiloquecircnciardquo (grandiloqui) os ldquotecircnuesrdquo
(tenues) que fazem do discurso algo ldquoagudo aguccedilado adelgaccedilado afiadordquo (acuti) e haacute aquele
ldquoque se situa no meio entre os doisrdquo (interiectus inter hos) e o faz ldquomeacutediordquo (mediusmesos) e
ldquotemperado compoacutesito balanceadordquo (temperatusmetaxus eukratos)
Quintiliano provavelmente o mais abrangente preocupa-se em nos dizer quais os
nomes gregos com que se nomeiam os gecircneros e emprega o ldquosutilrdquo (subtile sinocircnimo de
tenuis ldquoexiacuteguo de pequena proporccedilatildeordquo) para ischnoacuten o ldquorobustordquo (robustum) para hadroacuten e
55
por fim como no coacutedice 239 descreve um terceiro que eacute o meio entre os dois (meacutedium ex
duobus) mas que no entanto designa como ldquofloridordquo (floritum antheroacuten)
221 O molde copioso
Embora jaacute se tenham contemplado duas possiacuteveis traduccedilotildees por correlatos latinos
(supra) ambas atentas ao peso (ldquograverdquo) ao volume e agraves proporccedilotildees (ldquorobustordquo) deste
gecircnero e embora se esperasse aqui a adoccedilatildeo de alguma delas por ldquocopiosordquo pretende-se
trazer ao eventual leitor lusoacutefono um termo que tente abranger outras noccedilotildees outros traccedilos
semacircnticos mais especificamente implicados no termo grego natildeo parece de mais remetecirc-lo
ao dicionaacuterio (Liddell amp Scott pg 25 9ordf ed) que sumarizo com a possiacutevel sinoniacutemia do
portuguecircs ldquogrosso volumoso espesso denso robusto forte vigoroso corpulento gordo
firme forte resistente soacutelido avultado maciccedilo pesadordquo A noccedilatildeo abstrata de coacutepia
abundacircncia aplica-se genericamente a todas qualidades observadas nos textos que descrevem
o placircsma principalmente agrave imagem de que possuindo mais ornato resulta numa forma num
molde fisicamente maior mais avultada por conter mais Eacute nesse sentido do uso do ornato
que ldquoenruga entumece avoluma a elocuccedilatildeordquo que se deve entender a segunda seacuterie de termos
que o descreve ldquomuitiacutessimo elaboradordquo (kataskeuasmeacutenon maacutelista) Aleacutem do superlativo
de intensidade maacutelista cujo emprego num texto como este um resumo eacute por demais
relevante no que pretende resumir deve-se lembrar que a palavra grega skeueacute tem a ver com
ldquoequipamento aparelho aparatordquo eacute por exemplo a equipagem do navio em contexto
naacuteutico os aparatos beacutelicos o equipamento da armadura em contexto militar pode ser a
indumentaacuteria do ator mas tambeacutem do sacerdote etc O verbo kataskeuaacutezo significa
literalmente prover por completo esse aparato ie preparar ou elaborar algo No contexto
retoacuterico-poeacutetico a palavra designa a elaboraccedilatildeo da obra em ato e portanto como qualidade
(Cf Dioniacutesio de Halicarnasso De Comp Uerb 1 6 et allia) Este placircsma eacute ldquomais elaboradordquo
no sentido de que eacute mais aparatado paramentado releva maior preparaccedilatildeo Embora essas
traduccedilotildees todas fossem possiacuteveis e caiacutessem bem neste contexto perder-se-ia a noccedilatildeo mesma
de como a doutrina antiga concebe esse processo de confeccionar a obra (amplamente
empregado por Dioniacutesio op cit) uma vez que elaborar em portuguecircs aleacutem de manter esse
significado mais abrangente conserva algo de se sua etimologia ie ldquotrabalhar laborarrdquo em
torno de algo Portanto deve-se lembrar de que neste contexto dos gecircneros da elocuccedilatildeo a
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maior elaboraccedilatildeo do gecircnero em questatildeo de modo geral consiste no uso de ornato dos tropos
e figuras o artifiacutecio da linguagem ie seu aparato
Apontando pois as caracteriacutesticas gerais deste gecircnero Dioniacutesio de Halicarnasso (De
Dem Dict34 7 ndash 8) tambeacutem diz da leacutexis que eacute peritteacute ldquoabundante extraordinaacuteria
prodigiosardquo e exellagmeacutene ie ldquovaacuteria alteradardquo (a partir do idioma comum ndash to idioacutetikon
Arist Rhet 1406a 15) e logo adiante apontaraacute a superioridade de Demoacutestenes dentre outros
motivos porque ldquo rdquo ie ele
(Demoacutestenes) ldquoadvinha grandeza em toda elaboraccedilatildeo que a possuirdquo
Na Retoacuterica a Herecircnio (supra) seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo evidenciam-se suscintamente na
definiccedilatildeo de que a figura grave ldquoconstitui-se a partir de uma construccedilatildeo leve (o que chama a
atenccedilatildeo do ponto de vista doutrinal) e ornada [ornata] de palavras graves [uerborum
grauium]rdquo ie de ldquomaior pesordquo
Ciacutecero (Orator 20 3 ndash 5) vale-se de praticamente todo o leacutexico ldquo() foram (os
grandiacuteloquos) com ampla [ampla] gravidade [grauitates] de pensamentos e majestade
(grandeza) [maiestate] de palavras veementes [vehementes] variados [uarii] copiosos
[copiosi] graves [graves]rdquo
Quintiliano circunscreve cada um dos gecircneros a cada uma das funccedilotildees da retoacuterica O
hadron ou robustum laacute eacute o que tem maior capacidade de mover (mouendi) por possuir o
atributo baacutesico da forccedila (uis) (op cit XII 10 59) ldquoo oradorrdquo segue dizendo (62 1) ldquo()
eleveraacute o discurso a amplificaccedilotildees e ateacute se alccedilaraacute agrave hipeacuterbolerdquo (amplificationibus
extollet orationem et in superlationem quoque erigetur)
Plutarco e o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio como se viu (supra) trazem formulaccedilotildees
praticamente idecircnticas (pelo menos no leacutexico) a de nosso epiacutetome naquele ldquo
rdquo Traduccedilatildeo ldquoo molde copioso eacute aquele que tanto na elaboraccedilatildeo
[kataskeueacute] das palavras [leacutexeis] e dos pensamentos [noeacutemata] possui aspectos [ie a
aparecircncia] grandiosos [megaacutele]) neste ldquo rdquo ndash
tomada em sua literalidade ldquocopioso eacute o proeminente [saliente diermeacutenon] no seu volume
de natureza [oacutegkos katagrave phyacutesin podendo significar ldquotumefaccedilatildeordquo dando a ideia de que o
plasma se faz adiposo rugoso inchado]rdquo
Quanto a ldquoestonteanterdquo uma qualificaccedilatildeo pelo efeito natildeo soacute faz lembrar o quarto
gecircnero puro de Demeacutetrio o tremendo que parece assimilado pelo gecircnero maior na triparticcedilatildeo
posterior como se associaria e poderia ser compreendido pela concentraccedilatildeo de cada um dos
trecircs gecircneros (entatildeo adaptados numericamente) agraves trecircs funccedilotildees da oratoacuteria como se vecirc em
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Quintiliano Aleacutem da referida passagem sobre a forccedila deste gecircnero (supra) descrevendo seu
efeito sobre o ouvinte diz que o orador ao empredar tal elocuccedilatildeo ldquotomaraacute de assalto o juiz
mesmo que manifestamente contraacuterio e o forccedilaraacute a ir aonde o transportarrdquo (iudicem uel
nitentem feret cogetque ire qua rapiet) Inst Orat XII 10 61 3 ndash 34) A forccedila dessa elocuccedilatildeo
logo fora descrita como rio cuja forccedila leva ripas e derruba pontes (idem 61) Adiante (62 7 ndash
9) ldquoesse (tal orador) a ira esse a misericoacuterdia inspiraraacute esse falando paacutelido ficaraacute o juiz e
choraraacute afetado por completo seguiraacute arrastado daqui ali e natildeo desejaraacute mais ser instruiacutedo
(ldquohic iram hic misericordiam inspirabit hoc dicente iudix pallebit et flebite et per ominis
adfectus tratus huc atque illuc sequetur nec doceri desiderabitrdquo Cf tambeacutem Ciacutecero Orator
20 6 ndash 7 ad permouendos et conuertendos acircnimos instructi et parati) Por fim ldquoreluzindo
uma beleza poeacuteticardquo para aleacutem do vocabulaacuterio da imagem e da forma comum agrave referida
passagem de Plutarco essa passagem se explica por tudo quanto se disse da distinccedilatildeo entre
poesia e prosa (supra n8) agora considerada do ponto de vista dos moldes da elocuccedilatildeo
quanto mais se eleva e se afasta da linguagem pedestre mais a prosa tende a parecer com a
poesia portanto eacute de se esperar que se a poesia estaacute para o mais elevado e a prosa para o
mais pedestre quanto mais elevada a elocuccedilatildeo ela mesma mais poeacutetica Eacute portanto natural
que o molde copioso chame atenccedilatildeo (pensando na semacircntica de reluzir epiphaiacuteno) por
mesmo natildeo sendo em um poema ser inevitavelmente mais poeacutetico podendo assim ser
classificado (Cf mais uma vez Aristoacuteteles Ret III)
222 O molde tecircnue
Este molde se define portanto opostamente agravequele uma vez que se nomeia por seu
antocircnimo Podemos resumir o significado da palavra da seguinte maneira ldquoseco enxutordquo
donde negativamente tem-se ldquofraco esquaacutelido magro parcordquo - no sentido de algo que natildeo
se expande ndash ldquocomedidordquo daiacute ldquoplano liso reto esguio delgado direto claro manifesto
inteligiacutevelrdquo (LIddell amp Scott idem p848) A traduccedilatildeo precisa portanto dar conta da noccedilatildeo
fiacutesica de maneira positiva ie algo ldquoesguio enxuto delgado ateacute esbeltordquo Agrave medida que se
comeccedila a fazer uma imagem mais clara da doutrina nota-se que metaforicamente tem por
criteacuterio uma espeacutecie de medida de proporccedilotildees da elocuccedilatildeo conforme ela se nos afigura mais
palavras explicitam o que seja o molde copioso confirmando o quanto se expocircs acima sobre
ele e consequentemente formando por oposiccedilatildeo a imagem do molde tecircnue Este consiste em
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natildeo escolher por banir por ldquoproscreverrdquo [metadioacuteko] aquela composiccedilatildeo que vem retomada
como tropikeacute (literalmente ldquoem que haacute troposrdquo) e philokataskeuacuteos (ldquoamante da elaboraccedilatildeordquo
o que eacute dizer aqui do aparato do paramento do ornato) Enfim ldquoentretece-serdquo [syneacutertatai
dando a ideia simples de sucessatildeo amarraccedilatildeo atrelamento] a partir de literalmente ldquocoisas
soltasrdquo [aneimeacutena] Opta-se aqui por ldquodespojamentordquo para traduzir o que no grego eacute um
neutro plural atentando ao fato de que o particiacutepio aiacute substantivado eacute do verbo aniacuteemi
ldquolanccedilar para o altordquo portanto ldquosoltar relaxar aliviarrdquo e que assim mesmo no particiacutepio
passivo perfeito eacute empregado para designar o que estaacute ldquosolto frouxo relaxado dissolutordquo
Isso significa que os elementos do molde tecircnue juntam-se atrelam-se sem a constriccedilatildeo que
gera o volume de seu oposto O verbo latino expedio possui um uso semelhante a esse de
aniacuteemi e estaacute presente com essa acepccedilatildeo na liacutengua portuguesa mas seu deverbal ldquoexpediccedilatildeordquo
natildeo conserva o sentido Os deverbais de outros verbos semelhantes a expedio poderiam ser
cogitados como o proacuteprio ldquodespirrdquo (ldquodespimentordquo) mas em se optando por nomear essa
qualidade que no grego eacute um neutro plural abstrato quis se aproveitar o uso do portuguecircs que
emprega despojamento justamente para designar algo ou algueacutem ldquodesapegado simplesrdquo que
abre matildeo de ornamento riqueza etc uma vez que se diz o mesmo tambeacutem de estilo que eacute
assim simples modesto
A Retoacuterica a Herecircnio (IV 8) que como visto traz uma exposiccedilatildeo da doutrina
parecida com a de nosso epiacutetome diz que essa eacute a figura ldquorebaixada por completo ao costume
mais usual do falar puro (demissa est usque ad usitatissimam puri consuetudinem sermonis)rdquo
e antes de exemplificar posteriormente (IV 10) ldquoad infimum et cotidianum sermonem
demissum est (genus adtenuatum)rdquo ie ldquoeacute rebaixado ao falar iacutenfimo e cotidianordquo
O contemporacircneo grego Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict 34 13 ndash 14)
descreve a frase desse gecircnero como ldquolisardquo [liteacute] e ldquoparcardquo [aperittoacuten]
Ciacutecero no Orator (20 9 -11) eacute o mais abrangente ldquoet contra tenues acuti omnia
docentes et dilucidiora nom ampliora facientes subtili quadam et pressa oratione et limatardquo ndash
ldquoe contraiamente [aos grandiacuteloquos] os tecircnues agudos ensinando as coisas mais claras natildeo
as fazendo mais amplas sutis em qualquer discurso conciso e limadordquo
Quintiliano ao tomar as personagens homeacutericas como exemplo e usar Menelau para
ilustrar este gecircnero (XII 10 64) caracteriza tal elocuccedilatildeo como ldquobreuem quidem cum
iucunditate et propriamrdquo ldquocarentem superuacuisrdquo ndash ldquodefinitivamente breve com alegria e
proacutepriardquo ldquolivre de redundacircnciasrdquo
Assim Plutarco e o escoliata de Dioniacutesio Traacutecio que provavelmente seguem a mesma
base de nosso resumo ldquo
59
rdquo (Plut Uit Hom 72) ndash ldquotecircnue eacute aquele pequeno na mateacuteria de seus
argumentos e suavizado na palavrardquo ldquo
rdquo ndash ldquotecircnue eacute o contraiacutedo no seu volume natural (por natureza de natureza)rdquo
(Schol Dion Tr 449 28)
223 O molde meacutedio
Quanto agrave traduccedilatildeo embora se pudesse tornar o texto mais palataacutevel e inteligiacutevel
optando-se por alguma outra forma para a segunda ocorrecircncia da palavra optou-se pela
literalidade que natildeo soacute reproduz o caraacuteter repetitivo do texto do epiacutetome como tambeacutem a
dificuldade conceitual que impotildee Dos termos eacute vaacutelido comeccedilarmos pelos dois textos que ateacute
entatildeo se igualavam quase que plenamente ao coacutedice 239 em Plutarco (idem) ldquo
rdquo ndash ldquomeacutedio [meacuteson]
eacute o que estaacute entre [metaxyacute] cada um deles do mais tecircnue [ischnoacuteteron] e do mais copioso
[hadroacuteteron]rdquo poreacutem no escoliasta (idem) ldquo [antheroacuten] rdquo ie
ldquoo florido eacute o meacutedio entre ambosrdquo Aqui se iniciam as principais questotildees acerca da doutrina
mesmo que aparentemente acabada e resolvida em trecircs gecircneros questotildees que apenas se
esboccedilam quando se trata num primeiro momento de distinguir dois extremos antagocircnicos
1) A formulaccedilatildeo de Plutarco dificulta o estabelecimento de um criteacuterio de medida
supondo que se determine o mais absoluto copioso e o seu antiacutepoda tecircnue haveria graus
menores de coacutepia e tenuidade ou qualquer coisa entre ambos seria o gecircnero meacutedio
2) Neste estado terminoloacutegico apenas o problema estaacute quase que inteiramente
confinado agrave semacircntica de ldquomeacutesonrdquo uma vez que a mesma palavra designa abstratamente
tanto o que eacute meacutedio ie que possui a meacutedia proporccedilatildeo (considerando-se a categoria de
volume espessura) quanto o que pontualmente estaacute no meio o que se complica quando a
palavra metaxyacute o adveacuterbio ldquono meiordquo portanto o meio termo eacute tambeacutem empregado
tomando-a com exatidatildeo como determinar o meio termo que permita estabelecer entatildeo que
certa elocuccedilatildeo estando acima seja copiosa e abaixo tecircnue
Considerando que agraves vezes se emprega a palavra ldquomistordquo mas tambeacutem ldquobalanceado
misturadordquo deve-se considerar entatildeo que tal gecircnero tambeacutem seria uma terceira coisa que
combina que mistura aquela com esta como daacute a entender Dioniacutesio de Halicarnasso De
60
Compositione 21 15 ndash 18 (cf supra) Dioniacutesio afirmaraacute que esse uacuteltimo eacute justamente o
melhor (supra n 10)
A Retoacuterica a Herecircnio como se viu parece filiar-se a essa tradiccedilatildeo do nosso texto
pois aleacutem da terminologia conceitual lembra o texto de Plutarco na gradaccedilatildeo ldquomediacuteocre
[mediacuteocris] eacute a [figura] que se constitui de uma inferior [humiliore] mas natildeo a menor
[infima] e a mais coloquial [perulgatissima] dignidade das palavrasrdquo
Ciacutecero o descreveraacute no Orator 21 atente-se ao vocabulaacuterio ldquohaacute aquele que se situa
no meio entre eles [interiectus inter hos] e o faz como que temperado [temperatus] natildeo se
utilizando nem do acume destes [os tecircnues] nem da fulgecircncia daqueles [os grandiacuteloquos] natildeo
se excelindo em nenhum [in neutro ie no que natildeo eacute nem um nem outro mas estaacute no meio]
partiacutecipe [particeps ie tomando parte] tanto de um quanto de outro desprovido ndash a bem da
verdade ndash de maior potencialidade este como dizem flui num curso uacutenico natildeo trazendo
nada aleacutem de capacidade e igualdade ou entatildeo adiciona alguns adereccedilos [tori] como numa
coroa [ut in coronam] e distingue todo o discurso com moacutedicos ornamentos [ornamentis
modicis] de palavras e pensamentosrdquo Quanto agrave preferecircncia Ciacutecero parece divergir de
Dioniacutesio
Nas proporccedilotildees dos adereccedilos talvez permita entrever a concomitacircncia terminoloacutegica
observada natildeo soacute no escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio mas antes em Quintiliano que tambeacutem
aponta florido (com o correlato grego) como outro nome para o meacutedio Na descriccedilatildeo este
gecircnero serve para ldquoaprazerconciliaraplacarrdquo (conciliandi) por possuir como atributo a
ldquoleveza suavidaderdquo (lenitas) ldquoseraacute de uma maneira mais recorrente nas traslaccedilotildees
(variaccedilotildees ie tropos figuras de palavras) e mais agradaacutevel nas figuras ameno nas
digressotildees atado na composiccedilatildeo doce nos pensamentosrdquo (Inst Or XII 10 60) Como jaacute
mencionado no entanto (supra n 10) Quintiliano toma essa classificaccedilatildeo de forma larga
Concordante a isso antes de iniciar a descriccedilatildeo dos trecircs gecircneros (comeccedilando pelo florido por
sinal) em 59 afirma que esses estilos satildeo suficientes em si mesmos sem necessitar um a
ajuda do outro o que supotildee pelo menos que se possam misturar em momentos diferentes de
um mesmo discurso Posteriormente em 66 pensando numa gradaccedilatildeo proporaacute justamente a
partir do florido que assim como esse eacute o meio entre dois entre ele e os dois extremos a
outros intermediaacuterios bem como haveria ainda um extremo maior que cada um dos jaacute
enunciados Assim Quintiliano faz uma interpretaccedilatildeo da doutrina que em um aspecto o de
tomar a nomenclatura como uma medida pode se assemelhar agrave interpretaccedilatildeo de Ciacutecero que
no Brutus 55 201 expotildee rapidamente sua classificaccedilatildeo dupla segundo a qual considerando-
se o artiacutefice de bons oradores soacute haacute dois gecircneros cuja qualidade se deve observar o
61
ldquoatenuadordquo (tecircnueattenuantum) e ldquoconcisordquo (compacto premido pressum) e o
ldquosublevadordquo (sublatum) e ldquoamplordquo (amplum)
224 O molde florido
Em Plutarco (op cit 73) segue-se apoacutes a definiccedilatildeo dos trecircs referidos moldes
ldquoQue tambeacutem a espeacutecie florida dos discursos existe abundantemente
junto ao poeta possuidora de beleza e graccedila para agradar e deleitar
como flor ndash quem diria De fato a poesia eacute cheia desse tipo de
elaboraccedilatildeordquo
(trad do autor)
Cotejada com a Crestomatia e o escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio a passagem daacute indiacutecios de
que independente da dataccedilatildeo em algum momento dentro desta terminologia falava-se em
quatro moldes que satildeo reduzidos a trecircs ou assim se poderia conjecturar jaacute que pelo menos
nesse caso de Plutarco a julgar pelo emprego de outra palavra para se referir ao que eacute
designado como ldquofloridordquo (espeacutecie eidos) algueacutem poderia ao menos considerar os discursos
(os logoi) tambeacutem segundo essa quarta nomenclatura Natildeo eacute evidente como crecirc Severyns44
que Plutarco esteja assumidamente propondo que se trate de um quarto molde mas sem
duacutevida explicita que essa nomenclatura se empregava e poderia ser arrolada ainda que como
espeacutecie classificando algo de que em desacordo algum com o que sabemos da doutrina a
poesia estaacute cheia Aquilo a que serve tal eidos por assim dizer nessa Vita de Plutarco
concorda com a funccedilatildeo que Quintiliano circunscreve ao ldquofloridordquo ou ldquomeacutediordquo deleitar
agradar O vocabulaacuterio assemelha-se aqui os verbos teacuterpo hedyacuteno laacute os verbos delecto
concilio e o adjetivo iucuntus Na sua funccedilatildeo este florido natildeo diverge daquele de Quintiliano
O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio como se viu circunscreve florido e meacutedio a um uacutenico molde ao
dizer com que se combina tal molde assemelha-se agrave liccedilatildeo da epiacutetome (com menos detalhes)
ldquo rdquo
44 op cit paacuteg 75
62
ndash ldquochama-se florido [antheroacutes] porque combina [harmoacutezei] principalmente com reportaccedilotildees
[apaggeliacutea] de descampados [leimocircnes] e flores [aacutenthe]rdquo
Dioniacutesio de Halicarnasso conforme visto usa ldquofloridordquo como outro possiacutevel nome
para o ldquopolidordquo (glaphyroacuten)45 mas descrevendo o que estaria no lugar do molde copioso na
triparticcedilatildeo ie o que se define essencialmente por receber ornato Essa indefiniccedilatildeo acerca do
lugar que o florido deveria ocupar na nomenclatura evidencia natildeo soacute diferentes interpretaccedilotildees
da doutrina como jaacute se pontuou mas explicita como elas foram adequando a profusatildeo a um
sistema de trecircs segundo diferentes necessidades descritivas
De modo geral se Dioniacutesio emprega o termo de maneira positiva na seccedilatildeo 2146 do
tratado sobre a composiccedilatildeo em que descreve trecircs virtudes geneacutericas do discurso das quais
pontua uma melhor e se posteriormente entre os romanos observamos uma triparticcedilatildeo que
funciona como medida de padratildeo (modernamente falando) de modo a chegar agrave flutuaccedilatildeo
observada nos trecircs textos gregos posteriores e lexicalmente afins pode-se conjecturar que a
possiacutevel confusatildeo indefiniccedilatildeo ou flutuaccedilatildeo quanto agrave posiccedilatildeo do quarto gecircnero estivesse
relacionada agrave funccedilatildeo e ao efeito pretendido por tal elocuccedilatildeo e a como a doutrina definia as
trecircs posiccedilotildees em prol deles que identificamos pelas trecircs funccedilotildees do orador Assim haveria
uma elocuccedilatildeo ornada a fim de deleitar ie que se orna pelo deleite que isso traz ao ouvinte e
que agrave maneira que se distinguem poesia e prosa seria como daacute a entender Plutarco comum
na poesia afinal essa tem sempre mais que a prosa e sua principal funccedilatildeo eacute deleitar e outra
elocuccedilatildeo mais ornada ainda cuja finalidade eacute entatildeo comover (em verso ou em prosa) e eacute
inevitavelmente poeacutetica mesmo que na prosa uma vez que eacute (se tomada como extremo)
inteiramente ornada
225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo
O particiacutepio que introduz o paraacutegrafo dedicado aos erros referentes aos moldes
expostos aposphaleacutentes que se traduziu por uma oraccedilatildeo equivale semanticamente a
hamarteacutema que pseudo-Longino emprega amplamente no seu tratado Do Sublime para
designar natildeo soacute o desvio do molde ou gecircnero mas qualquer falha discursiva em geral O
significado primeiro e mais baacutesico do verbo que origina este substantivo eacute ldquoerrar o alvordquo um
45 supra pg 52 46 supra pg 51 e 58
63
hamarteacutema eacute em princiacutepio um ldquodesacertordquo Aposphaacutello por sua vez tem o significado de
ldquodesviar-se errar o caminho passar longerdquo e designa por isso aquele que ldquopega um desviordquo
ie que ldquoerra o caminhordquo do discurso em certo molde ldquoenvereda-se erroneamenterdquo e atinge
uma via mudada daquela em que seguia Engendra portanto natildeo seu antiacutepoda positivo mas
uma forma defeituosa viciosa daquilo que deveria ser sua qualidade Vitia eacute o termo
empregado na Retoacuterica a Herecircnio (IV 11) correlato do grego kakiacutea que pseudo-Longino
emprega igualmente
A noccedilatildeo de que existiria uma medida ou pelo menos uma maneira correta de se aplicar
o princiacutepio baacutesico definidor de cada um dos gecircneros (o traccedilo geneacuterico) ou em outras palavras
o que aqui se denomina molde a fim de se produzir a forma bela aparece alhures e por
exemplo tem sua origem brevemente explicada no tratado Do Sublime em 5 1 3 ldquodaquilo
de que se nos origina o belo proacuteximo tambeacutem a isso os males gostam de se originarrdquo Esse
princiacutepio se sumariza por toda seccedilatildeo 5 apoacutes jaacute ter sido sistematicamente aplicado para
descrever atraveacutes de um vocabulaacuterio que eacute da fisiologia as formas que se pretendiam
sublimes mas resultam defeituosas (3 4 1 ndash 4)
[] κακοὶ δὲ ὄγκοι καὶ ἐπὶ σωμάτων καὶ λόγων οἱ χαῦνοι καὶ
ἀναλήθεις καὶ μήποτε περιιστάντες ἡμᾶς εἰς τοὐναντίον οὐδὲν γάρ
φασι ξηρότερον ὑδρωπικοῦ ἀλλὰ τὸ μὲν οἰδοῦν ὑπεραίρειν βούλεται
τὰ ὕψη τὸ δὲ μειρακιῶδες ἄντικρυς ὑπεναντίον τοῖς μεγέθεσι
feios satildeo os intumescimentos [oacutegkoi note-se o vocabulaacuterio] sobre os
corpos e sobre as palavras que flaacutecidos [chaucircnoi] e falsos
[analeacutetheis] jamais nos revertem ao seu contraacuterio [tounantiacuteon]
afinal nada mais seco [zeroacutetetos] que um hidroacutepico [hydroacutepikos]
Mas o inchaccedilo [oidoucircn] deseja subir [hypaiacuterein] agraves alturas [tagrave hyacutepse]
o pueril [meirakiocircdes] eacute que estaacute diretamente oposto [aacutentikry
hypenantiacuteon] agrave grandiosidade [toicircs megeacutethesi]
(traduccedilatildeo do autor)
Seguir-se-aacute entatildeo uma breve descriccedilatildeo desse pueril (ldquochatildeordquo [tapeinoacuten] ldquomesquinhordquo
[mikroacutepsychon] e ldquoo mais vulgarmente feiovicioso em essecircnciardquo [tocirci oacutenti kakograven
aggeneacutestaton] - idem 5 ndash 6) e de um terceiro viacutecio que se resume ao descomedimento do
paacutethos (afeto ou paixatildeo fora de hora [paacutethos aacutekairon] ou ldquodesmedidordquo quando se requer
ldquomedidardquo [aacutemetron eacutentha metriacuteou deicirc] (3 5 3 ndash 4)
64
Esse princiacutepio encontra-se enunciado aplicado e atribuiacutedo (quanto agrave sua origem) em
Demeacutetrio com um vocabulaacuterio que eacute da eacutetica (op cit 114)
Ὥσπερ δὲ παράκειται φαῦλά τινα ἀστείοις τισίν οἷον θάρρει μὲν τὸ
θράσος ἡ δ αἰσχύνη τῇ αἰδοῖ τὸν αὐτὸν τρόπον καὶ τῆς ἑρμηνείας
τοῖς χαρακτῆρσιν παράκεινται διημαρτημένοι τινές πρῶτα δὲ περὶ τοῦ
γειτνιῶντος τῷ μεγαλοπρεπεῖ λέξομεν ὄνομα μὲν οὖν αὐτῷ ψυχρόν
ὁρίζεται δὲ τὸ ψυχρὸν Θεόφραστος οὕτως ψυχρόν ἐστι τὸ
ὑπερβάλλον τὴν οἰκείαν ἀπαγγελίαν
Como algumas rudezas [phaulaacute] justapotildeem-se [parakeicircmai] a
alguns valores [asteicirca] como agrave coragem a impetuosidade vergonha
ao respeito da mesma forma alguns deslocamentos [diemartemenoi]
justapotildeem-se aos caracteres da elocuccedilatildeo Primeiramente falaremos
do que margeia [geitiniaacuteo] o magnificente Seu nome eacute friacutegido
[psychroacuten] Teofrasto delimitou [horiacutezomai] o friacutegido assim friacutegido
eacute o que excede [hyperbaacutello] a expressatildeo adequada [oikeiacutean]
(idem)
Eacute vaacutelido notar que aleacutem de se empregar um particiacutepio para nomear esse ato de
desviar-se errar (diemartemenoi) o verbo em questatildeo tem a mesma forccedila de aposphaacutello em
sua composiccedilatildeo e eacute um sinocircnimo desse Tambeacutem merece nota o verbo geitiniaacuteo ldquoavizinhar-
se fazer fronteira estar na margemrdquo de modo que natildeo seria lexicalmente errado dizer desses
desvios que satildeo ldquogecircneros marginaisrdquo Eacute aceite que a base para essa teoria que supotildee sempre
uma medida correta para a execuccedilatildeo da forma seja peripateacutetica o que por outro lado natildeo
nos deve levar a supor uma doutrina uniforme subjacente aos textos O princiacutepio sim parece
ter essa origem Deve-se observar assim que pseudo-Longino segundo criteacuterios e conceitos
que satildeo platocircnicos em origem estaacute preocupado em descrever o que atinge a grandeza o
sublime Ao fim portanto descreve um conjunto de trecircs viacutecios que satildeo a rigor o resultado de
uma tentativa equivocada de atingi-lo Natildeo eacute de se espantar entatildeo que a caracterizaccedilatildeo do
viacutecio pueril assemelhe-se ao que seria de certa forma uma versatildeo imperfeita do discurso que
no epiacutetome fociana estaria para o tecircnue denominado aqui por chatildeo [tapeinoacutes baixo
rasteiro] Contudo observa-se que o adjetivo trata na verdade de um julgamento moral sobre
aquele que tenta atingir o sublime de maneira fuacutetil ou vatilde O texto prossegue
ταπεινὸν γὰρ ἐξ ὅλου καὶ μικρόψυχον καὶ τῷ ὄντι κακὸν
ἀγεννέστατον τί ποτ οὖν τὸ μειρακιῶδές ἐστιν ἢ δῆλον ὡς
σχολαστικὴ νόησις ὑπὸ περιεργασίας λήγουσα εἰς ψυχρότητα
ὀλισθαίνουσι δ εἰς τοῦτο τὸ γένος ὀρεγόμενοι μὲν τοῦ περιττοῦ καὶ
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πεποιημένου καὶ μάλιστα τοῦ ἡδέος ἐξοκέλλοντες δὲ εἰς τὸ ῥωπικὸν
καὶ κακόζηλον
(Pseudo-Longino De Sublimitate 345 ndash 51)
diz-se dele que tem o pensamento preguiccediloso [scholastikeacute noacuteesis] que por causa do
empolamento [periergasiacutea o excesso de coisas fuacuteteis] estagna-se em frigidez [psychroacutetes]
ldquoEscorregam nesse gecircnero os que almejam o prodigioso [tograve perittoacuten que em Dioniacutesio de
Halicarnasso era abundacircncia atributo do elevado] o produzido [pepoiemeacutenos] e
principalmente o prazer [hedyacutes] vagando para o espalhafatoso [rhopikoacuten] e afetado
[kakoacutezelon]rdquo A julgar por ldquoespalhafatoso afetado empolado prodigiosordquo etc temos uma
descriccedilatildeo que se aproxima mais do que poderiacuteamos conceber como a forma falha do molde
copioso que recebe a qualidade de ldquoexaltadordquo que se pode traduzir no contexto do discurso
por ldquopedanterdquo Comparado ao nosso modelo e agrave descriccedilatildeo de gecircneros e defeitos como
observamos na tratadiacutestica retoacuterica embora o princiacutepio seja peripateacutetico o tratado do sublime
natildeo se propotildee a prescrever todos os gecircneros bem sucedidos de elocuccedilatildeo mas concentra-se em
aplicar isso que aqui chamamos preceito ou teoria da medida para descrever tudo quanto pode
produzir um efeito o transporte [ekstaacutesis] e natildeo outro a persuasatildeo [peithoacute] (1 4 1) e eacute a
partir disso que descreveraacute os demais tipos de elocuccedilatildeo o que natildeo eacute seu foco (cf por
exemplo 8 1 e 33 1) Os tratados descrevem ainda que diferentemente os gecircneros da boa
elocuccedilatildeo e a partir deles a forma desproporcional da caracteriacutestica fundamental de cada um
De novo a adequaccedilatildeo (da medida no caso) a trecircs Por fim vale mencionar que esse criteacuterio
peripateacutetico se evidencia na Ars de Horaacutecio47
No epiacutetome de Foacutecio os dois defeitos derivados do desvio do molde copioso duro
[skleroacuten] e exaltado [epermeacutenon] parecem corresponder bem aos viacutecios que pseudo-
Longino refere um ao aspecto do discurso que eacute ldquoinfladordquo laacute ldquoinchadordquo e aqui ldquodurordquo
ldquomaciccedilordquo quase a ideia de ldquoaacutesperordquo no sentido de algo intrataacutevel em funccedilatildeo das saliecircncias
(que leva agrave ideia de ldquoaustero severo aacuterduordquo) outro parece mais relacionado ao afeto e ao
enunciador uma vez que ldquoexaltadordquo ie que estaacute muito acima do necessaacuterio contempla tanto
a ideia do pedantismo e da afetaccedilatildeo como do pathos fora de hora
O escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio que simplesmente emprega o verbo antikeicirctai para
designar a oposiccedilatildeo de gecircneros fala do duro como a epiacutetome mas do escasso [brachyacute]48
Lembrando o texto de pseudo-Longino e sua metaacutefora fisioloacutegica eacute a intumescecircncia de certa
regiatildeo que gera a secura e talvez assim possamos interpretar esse adjetivo no sentido de que
47 Cf Horaacutecio Arte Poeacutetica v 24 ndash 28 48 Op cit 449 32
66
para aleacutem dos adereccedilos desnecessaacuterios e demasiados esse gecircnero estaacute desprovido de sauacutede ou
da coacutepia que o caracteriza Aqui tambeacutem de certa forma o gecircnero vizinho e defeituoso
confunde-se com o oposto virtuoso Parece que no caso do escoacutelio o molde defeituoso eacute
entendido como um oposto propriamente inclusive a julgar pelo verbo que introduz a
passagem
A Retoacuterica a Herecircnio denomina esse gecircnero defeituoso de inflado [sufflata]49 bem
condizente com o aspecto fiacutesico do inchaccedilo de Pseudo-Longino e da macicez do epiacutetome e
contiacutenua pela metaacutefora fiacutesica para exemplificar ldquoAssim como um inchaccedilo [tumor como o
grego oacutegkos] pode parecer uma condiccedilatildeo saudaacutevel do corpo grave [grave] pode parecer o
discurso que turge [turget] e estaacute inflado [inflatum]rdquo natildeo agrave toa o tratado nos daraacute trecircs
possiacuteveis elementos desse gecircnero defeituoso que ou estatildeo para aquela dureza ou para o
empolamento e a afetaccedilatildeo inadequada ou se empregam palavras que satildeo muito recentes ou
arcaicas (ldquonouis aut priscisrdquo) ou usam-se metaacuteforas duras (ldquousa-se delas duramenterdquo ndash
ldquoduriter aliunde translatisrdquo) ou porque algo eacute dito com palavras mais graves do que a mateacuteria
exige (ldquograuioribus quam res postullat aliquid diciturrdquo)
Na divisatildeo quaacutedrupla de Demeacutetrio50 o gecircnero defeituoso eacute qualificado como
ldquofriacutevolordquo adjetivo empregado por Pseudo-Longino e que se associa a essa qualidade afetada
do discurso que traz muito mais do que o necessaacuterio O princiacutepio se torna praticamente uma
maacutexima no verso horaciano ldquoprofessus grandia turgetrdquo- ldquoa grandeza professa turgerdquo51
O adjetivo tapeinoacutes que no epiacutetome nomeia o desvio do molde tecircnue designa aquilo
que eacute baixo abjeto em diferentes contextos (social moral) etc Designa o aspecto vulgar e
rebaixado daquele falar hodierno do qual parte a linguagem bem sucedida deste gecircnero na
Retoacuterica a Herecircnio que qualifica o viacutecio como aacuterido [aridum] e exangue [exsangue]52
Aacuterido [xeroacutes] tambeacutem eacute o nome para Demeacutetrio do desvio do caraacuteter tecircnue Para pseudo-
Longino como visto53 essa aridez tem que ver com uma grandeza um aumento que natildeo se
realiza eacute mais um discurso vicioso que natildeo atinge aquele sublime O escoacutelio a Dioniacutesio
Traacutecio neste passo de fato parece confimar a hipoacutetese de nomear como viacutecio uma forma que
eacute oposta opotildee-se ao tecircnue o amplo [platuacute ou difuso referindo-se agrave elocuccedilatildeo] e grosso
[paxuacute espesso]54 que ora remetem ao hadron forma virtuosa Por fim em Horaacutecio talvez
esteja aqui aquele que procede com excessivo medo da elevaccedilatildeo ldquoserpit humi tutus nimium
49 Retoacuterica a Herecircnio IV 10 19 50 Supra paacuteg 52 ndash 53 51 Op cit v 27 52 Op cit IV 11 16 53 Supra paacuteg 57 54 Op cit 449 32
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timidisque procellaerdquo ndash ldquoRasteja pelo chatildeo aquele excessivamente cauto e medroso da
procelardquo55
Quando ao desvio do molde meacutedio a primeira caracteriacutestica refere-se ao fato de o
discurso parecer incompleto inacabado tolhido argoacutes designando o objeto em que falta
trabalho ie em que o trabalho natildeo se concluiu Pelas liccedilotildees sobre a diferenccedila entre prosa e
poesia podemos pensar que talvez ele o seja por deixar a impressatildeo de carecer de ornato
quando uma de suas necessidades eacute possuiacute-lo a ponto de deleitar56
Parece que eacute neste sentido que o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio57 que designa este
molde como florido denomina seu oposto por agleukeacutes amargo (em que natildeo haacute doce) e
logoieideacutes prosaico ie natildeo eacute tatildeo poeacutetico quanto precisaria O segundo termo empregado
eklelumeacutenon (solto desatado relaxado dilatado) parece estar associado justamente a esse
mau acabamento do ornato e eacute correlato ao termo com que a Retoacuterica a Herecircnio designa o
gecircnero vicioso dissoluto [dissolutum]58 ldquoque eacute sem nervos e articulaccedilotildeesrdquo ndash mantendo uma
metaacutefora fisioloacutegica (quod est sine neruis et articulis articulaccedilotildees) ndash de modo que posso
chamaacute-lo flutuante [fluctuans] jaacute que flutua caacute e laacute e natildeo possui a capacidade de andar
livremente com firmeza [confirmatis] e virilidade [uiriliter]rdquo Essa mesma noccedilatildeo de firmeza
que se exige para uma elevaccedilatildeo digna que natildeo eacute poreacutem a da coacutepia mas constitui um meio
termo parece condizer com o defeito daquele que na Ars horaciana almejando mais leveza
do que se deve acaba fraco ie sem nervos [nerui] e acircnimo [animi] ldquosectantem leuia nerui
deficiunt animiquerdquo59
3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA
31 SEUS GEcircNEROS
55 Idem v 28 56 Supra paacuteg 54 57 Op cit 449 32 58 Op cit IV 11 1 59 Op cit v 25 ndash 26
68
Eacute pelo emprego do adjetivo ldquopoeacuteticardquo [poietikeacute] no paraacutegrafo 11 da ediccedilatildeo de
Severyns60 319a 3 na ediccedilatildeo de Bekker que se inicia o extenso cataacutelogo de gecircneros e
espeacutecies poeacuteticas que basicamente constitui todo o restante do epiacutetome como parte principal
do objeto resumido Imediatamente a liccedilatildeo do epiacutetome estabelece o criteacuterio segundo o qual
divide dois grandes gecircneros de poesia
Chama a atenccedilatildeo o emprego de outro termo vimos que poiacuteema foi usado para
distinguir poesia e prosa no paraacutegrafo 3 e logo acima no paraacutegrafo 10 foi novamente
empregado como sinocircnimo de poiacuteesis Parece que esse termo se usa laacute enquanto em uma
primeira seccedilatildeo da obra em que se trataria da linguagem em geral contemplando toacutepicos
comuns agrave poesia e agrave oratoacuteria (que consequentemente servem para a prosa em geral como a de
um historiador logoacutegrafo etc) tais quais a elocuccedilatildeo e seus gecircneros virtuosos e viciosos o
eacutethos e o paacutethos Esses trecircs elementos correspondem natildeo perfeitamente agrave triparticcedilatildeo retoacuterica
que vem desde Aristoacuteteles natildeo perfeitamente porque a parte sobre os plaacutesmata fala somente
de elocuccedilatildeo e natildeo do logos como um todo e suas partes etc Assim nenhuma designaccedilatildeo
especiacutefica ou disjuntiva aparece ateacute aqui (ldquoretoacutericardquo ldquopoeacuteticardquo) salvo gramatikeacute do tiacutetulo
que nos serve de indiacutecio para conjeturar justamente sobre como essas liccedilotildees de diferentes
saberes satildeo tomadas aqui nas suas partes concernentes agraves letras
Apoacutes enfim uma primeira parte em que se tomaram essas liccedilotildees apenas no que
concerne agrave linguagem e seu uso por quem compotildee uma obra em prosa ou em verso
significando que desse ponto de vista as mesmas caracteriacutesticas se observariam na prosa de
um logoacutegrafo e nos versos de um tragedioacutegrafo natildeo havendo distinccedilatildeo salvo pelo fato de que
estes conteratildeo virtudes em maior quantidade passa-se entatildeo ao exame da poeacutetica
especificamente entendida como reuniatildeo das obras de poesia Pode-se conjeturar que o termo
(no genitivo e com forte carga partitiva cf nota 9) agora eacute empregado para delimitar o que eacute
assunto apenas referente a esse tipo de confecccedilatildeo A liccedilatildeo do coacutedice logo passa ao que
consiste dentro dessa perspectiva antes explicitada o tratamento da obra poeacutetica E o que
seria Os diferentes gecircneros em que se agrupam as composiccedilotildees considerada agora apenas a
composiccedilatildeo em verso e natildeo dentro do primeiro criteacuterio classificatoacuterio geral a elocuccedilatildeo
Em outras palavras e com implicaccedilotildees mais fortes o que eacute relevante para essa
abordagem das letras sobre a poesia e daiacute sem a elocuccedilatildeo apenas ela inicia-se pela sua
divisatildeo em gecircneros Natildeo agrave toa segue-se imediatamente a primeira e mais ampla distinccedilatildeo
60 Severyns op cit tomo II pg 33
69
geneacuterica relacionada ao que na Poeacutetica de Aristoacuteteles se designa apenas como o modo de
imitaccedilatildeo ou da mimese
Sabe-se que a Poeacutetica de Aristoacuteteles se insere em uma discussatildeo que jaacute estaacute bem
distante de muitos dos textos de base gramatical que foram escritos posteriormente sobre o
assunto embora natildeo tatildeo distante dos textos modelares da praacutetica
A divisatildeo entre poesia narrativa [diegematikoacuten] e imitativa [mimetikoacuten] ndash para cuja
traduccedilatildeo mantecircm-se aqui os termos latinos ndash tem por criteacuterio o modo enunciativo ie mais
especificamente quem eacute o enunciador Essa distinccedilatildeo vem como se sabe desde a Repuacuteblica
em que natildeo eacute dupla mas triacuteplice Nos termos do filoacutesofo (III 394b) a narraccedilatildeo da poesia e da
mitologia ou se daacute inteira por imitaccedilatildeo [diagrave mimeacuteseos] ou por relato do poeta ele mesmo [dirsquo
aggeliacuteas autoucirc toucirc poietoucirc ie de forma reportada pelo proacuteprio poeta] ou ainda por ambos
[aucirc drsquo amphoteacuteron] Esta uacuteltima eacute a forma mista em que ora o poeta fala ora a personagem
da qual Homero eacute o exemplo
A classificaccedilatildeo proposta por Platatildeo ocorre na conversa entre Soacutecrates e Adimanto e a
primeira menccedilatildeo aos modos de enunciar se daacute em 392a passagem em que Soacutecrates comeccedilaraacute
a delimitar e expor a doutrina falando primeiro da chamada haplecirc dieacutegesis
ou ldquonarraccedilatildeo simplesrdquo e da miacutemesis O problema e o foco de Platatildeo natildeo eacute
gramatical ou poeacutetico mas sim filosoacutefico-moral eacute um problema para a paideia da cidade a
imitaccedilatildeo plural ie uma pessoa empreender a imitaccedilatildeo de muitas pessoas (395a) uma vez
que a fidelidade dessas imitaccedilotildees seraacute prejudicada dada a impossibilidade de uma uacutenica
pessoa realizaacute-las todas adequadamente Eacute fundamental frisar que para Platatildeo mimese aqui eacute
algo muito mais restrito do que para Aristoacuteteles pois se trata puramente da imitaccedilatildeo que uma
pessoa faz a de outra ou da fala dela Para o filoacutesofo a narraccedilatildeo eacute primordial ou seja haacute a
narraccedilatildeo em princiacutepio e a imitaccedilatildeo eacute uma coacutepia de uma narraccedilatildeo que pertence a outrem
Platatildeo natildeo estaacute interessado em utilizar a distinccedilatildeo para analisar e classificar as praacuteticas
poeacuteticas Estaacute sim interessado em lidar com as implicaccedilotildees que as distinccedilotildees estabelecidas
trazem para sua filosofia e se as mentiras que podem ser contadas para em um mito jaacute podem
por si soacute natildeo fornecer um bom exemplo moral para a cidade imitar jaacute eacute por si soacute uma mentira
Em seu tratado Aristoacuteteles estaacute interessado entre outras coisas principalmente em
mostrar que primeiramente mimese ou imitaccedilatildeo eacute algo mais amplo possui uma funccedilatildeo
didaacutetica fundamental e justamente por isso quando julgada a poesia deve ser pensada dessa
perspectiva Isso explica antes de mais nada a exposiccedilatildeo da triparticipaccedilatildeo classificatoacuteria que
ocupa os trecircs primeiros capiacutetulos da Poeacutetica (natildeo agrave toa seguida de um quarto capiacutetulo e quem
o filoacutesofo fala justamente do valor didaacutetico da imitaccedilatildeo) em que se explicitam os criteacuterios
70
com os quais o filoacutesofo pensa mimese de que e poesia eacute uma espeacutecie A distinccedilatildeo dos modos
enunciativos portanto ocupa um ponto especiacutefico da doutrina aristoteacutelica
Ἔτι δὲ τούτων τρίτη διαφορὰ τὸ ὡς ἕκαστα τούτων μιμήσαιτο ἄν τις
καὶ γὰρ ἐν τοῖς αὐτοῖς καὶ τὰ αὐτὰ μιμεῖσθαι ἔστιν ὁτὲ μὲν
ἀπαγγέλλοντα ἢ ἕτερόν τι γιγνόμενον ὥσπερ Ὅμηρος ποιεῖ ἢ ὡς τὸν
αὐτὸν καὶ μὴ μεταβάλλοντα ἢ πάντας ὡς πράττοντας καὶ ἐνεργοῦντας
daggerτοὺς μιμουμένουςdagger ἐν τρισὶ δὴ ταύταις διαφοραῖς ἡ μίμησίς ἐστιν
ὡς εἴπομεν κατ ἀρχάς ἐν οἷς τε ltκαὶ ἃgt καὶ ὥς ὥστε τῇ μὲν ὁ αὐτὸς
ἂν εἴη μιμητὴς Ὁμήρῳ Σοφοκλῆς μιμοῦνται γὰρ ἄμφω σπουδαίους
τῇ δὲ Ἀριστοφάνει πράττοντας γὰρ μιμοῦνται καὶ δρῶντας ἄμφω
ὅθεν καὶ δράματα καλεῖσθαί τινες αὐτά φασιν ὅτι μιμοῦνται δρῶντας
(Aristoacuteteles Poeacutetica 1448a 19 ndash 29)
Descrevendo seu objeto pelos meios ( ) pela mateacuteria ( ) e o modo ( ) a
Poeacutetica traz a distinccedilatildeo dos modos na explicaccedilatildeo da terceira categoria para a qual Aristoacuteteles
distingue duas possibilidades (1448a 19 ndash 24)
[] pois eacute possiacutevel pelos mesmos meios imitar as mesmas coisas ora
relatando [reportando hotegrave megraven apaggeacutelonta] (ou tornando-se de
certa forma outro como faz Homero ou como si proacuteprio e natildeo
alternando) ou todos os que imitam como agentes e operantes [hoacutes
praacutettontas kaigrave energoucircntas]
Aristoacuteteles natildeo propotildee um gecircnero misto como Platatildeo o que natildeo significa que natildeo
observe o fenocircmeno que Platatildeo nomeia como um terceiro tipo Considerando que Aristoacuteteles
discute exatamente miacutemesis e um tipo especiacutefico dela parece que seu criteacuterio eacute a presenccedila ou
natildeo ndash referida reportada e daiacute inferida pelos ouvintes ndash da voz do poeta seja na figura dele
mesmo seja por traacutes da voz de outro como a personagem Parece que no outro gecircnero natildeo
haacute pelo menos para Aristoacuteteles essa voz natildeo ocorre esse reportamento mas a miacutemese se daacute
como atuaccedilatildeo ie pela accedilatildeo dos actantes e natildeo como relato Simplificando pode-se dizer
partindo do segundo membro do par que a composiccedilatildeo pertenceraacute a este ou agravequele gecircnero se
for encenada ou natildeo Mais abstratamente o resultado de uma deve ser a coisa a mateacuteria o
fato sendo executado realizado da outra reportado contado Partindo poreacutem do outro
membro do par a fim de se chegar a uma simplificaccedilatildeo ter-se-aacute um problema modernamente
Dizendo que uma eacute ldquoencenadardquo e a outra eacute ldquonarradardquo buscar-se-aacute entatildeo a ldquounidade de accedilatildeordquo
de que a Poeacutetica tanto fala de toda e qualquer espeacutecie arrolada como narrativa natildeo soacute nesta
obra atribuiacuteda a Proclo mas tambeacutem em outros textos que trazem classificaccedilatildeo geneacuterica Este
71
problema eacute o principal de nosso epiacutetome qual seria por exemplo a unidade de accedilatildeo de um
melos como o epiniacutecio
Em relaccedilatildeo a Platatildeo observam-se duas peculiaridades Primeiramente como eacute
justamente pelo valor cognitivo e didaacutetico da imitaccedilatildeo que Aristoacuteteles confere estatuto
filosoacutefico agrave poesia61 adota o conceito de miacutemesis como nomenclatura mais ampla para
nomear o fenocircmeno dentro do qual se insere a poesia Natildeo agrave toa o iniacutecio do tratado eacute
dedicado agrave miacutemesis dentro da qual a miacutemesis poeacutetica eacute uma espeacutecie No entanto o termo
ldquomimeacuteticordquo (ou imitativo) jaacute foi empregado por Platatildeo quem Aristoacuteteles busca refutar para
designar uma espeacutecie de narraccedilatildeo de mitos uma das trecircs maneiras arroladas na Repuacuteblica
Parece que por essa razatildeo natildeo adota o termo ldquomimeacuteticordquo para calssificar a imitaccedilatildeo
dramaacutetica como se observa poreacutem em praticamente todo o restante da tratadiacutestica posterior
de que a Crestomatia mesma seria um exemplo Prefere empregar os particiacutepios ldquoprattontasrdquo
e ldquoenergoucircntasrdquo para designar a atividade que empreendem e designar seu sujeito justamente
com outro particiacutepio de que tal atividade eacute pelo criteacuterio do modo espeacutecie ldquotougraves
mimoumeacutenousrdquo
Em segundo lugar parece que como haacute uma discordacircncia teoacuterica deste para aquele
implicando tambeacutem uma discordacircncia conceitual ie a repeito de miacutemesis referindo-se aos
modos da enunciaccedilatildeo Aristoacuteteles busca um denominador comum ou um elemento mais
baacutesico que permita uma classificaccedilatildeo diferente por isso abre matildeo do modo ldquomistordquo porque
nem leva em considera o modo ldquopor imitaccedilatildeo rdquo platocircnico O elemento mais
baacutesico que se pontua depende da presenccedila ou natildeo de um ator mas conforme dito acima isso
eacute consequecircncia o elemento propriamente eacute a voz ou natildeo do poeta mas no sentido de que ou o
discurso que nos reporta as accedilotildees eacute percebido como saindo da boca de outros que natildeo o poeta
ou mesmo que esse assuma a voz de outro o discurso que se ouve ainda nos eacute reportado pelo
poeta mudada sua voz na voz de outro que natildeo eacute senatildeo dependente da primeira voz ou um
construto o que se entende de ldquo relatando (ou tornando-se de certa forma outro como faz
Homero ou como si proacuteprio e natildeo alternando)rdquo [grifo do autor]
Poder-se-ia considerar dessarte a julgar pelo que foi acima exposto que o epiacutetome
traria a liccedilatildeo aristoteacutelica uma vez que natildeo menciona um gecircnero misto como Platatildeo e outros
textos que mencionam esse terceiro gecircnero por entenderem que no caso em que o ldquoeu-
poeacuteticordquo daacute voz a uma personagem haacute uma mistura das duas enunciaccedilotildees Para a triparticcedilatildeo
cuja origem recua ateacute Platatildeo essa interpretaccedilatildeo eacute verossiacutemil porque o raciociacutenio parece ser o
61 Cf Poeacutetica (cap IX) Porque a poesia representa o possiacutevel segundo a verossimilhanccedila eacute mais universal por
oposiccedilatildeo agrave historia particular Decorre para Aristoacuteteles que a poesia eacute mais filosoacutefica
72
mesmo como eacute o caso do texto por exemplo do livro III da Ars Grammatica de Diomedes62
que serviraacute para o cotejo com a Crestomatia a mesma ilaccedilatildeo natildeo vale para os textos que
trazem em vez de uma triparticcedilatildeo uma biparticcedilatildeo A concepccedilatildeo aristoteacutelica supotildee
obrigatoriamente a mimese de accedilatildeo e supotildee como fica expliacutecito agentes que podem ser
resultado da miacutemeses da voz do poeta (o poeta lhes daacute voz) ou podem ser eles mesmos donos
dessa voz ie atores e nesse caso o poeta natildeo fala nada (sua voz natildeo aparece)
Parece que os textos posteriores baseiam-se ou copiam uma biparticcedilatildeo que na obra de
Aristoacuteteles eacute traccedilada segundo os criteacuterios que define como proacuteprios da imitaccedilatildeo poeacutetica Eacute
fundamental poreacutem lembrar que Aristoacuteteles natildeo questiona nem faz apontamento algum
acerca da accedilatildeo de outras espeacutecies poeacuteticas aleacutem da trageacutedia da comeacutedia e da epopeia sendo
aquelas duas exemplo de poesia dramaacutetica e esta de narrativa
Natildeo se pode afirmar que o agrupamento de espeacutecies que se segue em textos como o da
Crestomatia seria aristoteacutelico mas poderiacuteamos conjeturar que como o sentido dado ao verbo
apaggeacutello (na referida passagem de Aristoacuteteles) talvez seja um pouco mais amplo do que em
Platatildeo a julgar pelo fato de que laacute primeiramente natildeo haacute um gecircnero intermediaacuterio e segundo
Homero eacute justamente o exemplo de poesia narrativa (enquanto em Platatildeo a poesia estaacute ao lado
do relato de mitos) todas as demais espeacutecies que natildeo as teatrais por nelas se supor a voz de
um poeta sejam ldquonarrativasrdquo no sentido de que o que quer que se cante eacute reportado ao
ouvinte pelo eacutethos de um poeta cuja voz se ouve63 independente da unidade de accedilatildeo da
presenccedila ou natildeo de mito da vitoacuteria do atleta das causas de uma festa ou da celebraccedilatildeo de um
deus ou heroacutei ainda mais se considerarmos que a oralidade nunca deixou de desepenhar
importante papel mesmo nas culturas escritas como a alexandrina ou a bizantina papel esse
determinante no entendimento que as artes e os textos de doutrina fizeram da poesia Eacute bom
ressaltar que os textos mesmos seguem suas convenccedilotildees explicativas e eacute justamente pela
repeticcedilatildeo ao longo dos seacuteculos que satildeo concebidas como autorizadas
Isso significa que as artes gramaticais posteriores podem ter se fiado em um criteacuterio
que eacute adotado senatildeo mesmo desenvolvido por Aristoacuteteles o que eacute diferente de dizer que
seguem sua doutrina afinal de contas o criteacuterio da accedilatildeo natildeo eacute sequer mencionado nesse tipo
de descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies salvo na explicaccedilatildeo sobre o desenvolvimento da eacutepica
O mais importante no fato de o texto da Crestomatia adotar como a Poeacutetica uma
biparticcedilatildeo eacute o fato de que natildeo segue entretanto a terminoliga aristoteacutelica que evita
62 Diomedes Artis grammaticae III paacuteg 482 63 Eacute nesse sentido que conforme visto (supra 134 pag 47 em diante) Dioniacutenio de Halicarnasso no tratado Da
Imitaccedilatildeo fala do eacutethos da poesia de Alceu
73
ldquomimeacuteticordquo para o gecircnero em que os actantes satildeo enunciadores talvez simplesmente porque a
interpretaccedilatildeo que se fazia da doutrina nesta obra optava por uma conceituaccedilatildeo simples em
dois gecircneros abrangentes apenas sem mistura mas natildeo estava preocupada em propugnar a
favor de uma conceituaccedilatildeo preferencialmente a outra pois natildeo se inseria em um contexto de
disputa pelo termo como se pode supor no caso de Platatildeo e Aristoacuteteles
O texto de Diomedes sec IV AC64 testemunha que diferentes termos gregos eram
conhecidos entre os romanos mesmos para nomear esses dois grandes gecircneros O texto do
livro III de sua obra poreacutem adota a triparticcedilatildeo Note-se a variedade terminoloacutegica
Os gecircneros de poema satildeo trecircs Com efeito o gecircnero eacute ativo ou
imitativo que os gregos chamam dramatikoacuten ou mimetikoacuten narrativo
ou enunciativo que os gregos chamam exegetikoacuten ou apangeltikoacuten
comum ou misto que os gregos chamam koinoacuten ou miktoacuten Eacute
dramatikoacuten ou ativo aquele em que atuam somente as personagens
sem interlocuccedilatildeo de algum poeta como ocorre nas faacutebulas traacutegicas e
cocircmicas gecircnero no qual foi escrita a primeira Bucoacutelica [de Vergiacutelio2]
e aquela cujo iniacutecio eacute ldquoquo te Moeri pedesrdquo [ldquoPara onde Meride
levam-te os peacutesrdquo] Eacute exegetikoacuten ou narrativo aquele em que o proacuteprio
poeta fala sem interlocuccedilatildeo de alguma personagem como ocorre nas
trecircs primeiras Geoacutergicas [de Vergiacutelio] e na primeira parte da quarta e
igualmente nos cantos de Lucreacutecio e em outros semelhantes a estes Eacute
koinoacuten ou comum aquele em que o proacuteprio poeta fala e as personagens
satildeo introduzidas falando como foram escritas a Iliacuteada e a Odisseacuteia
inteiras de Homero a Eneida de Vergiacutelio e outros semelhantes a
estes
(Diomedes Arte Gramatical livro III trad Izabella Lombardi
Gaberllini in LETRAS CLAacuteSSICAS n 9 p 231-243 2005 Paacuteg
231)
Agora em uma triparticcedilatildeo Diomedes testemunha o uso da nomenclatura ldquoimitativordquo agrave
que tambeacutem associa o termo ldquodramaacuteticordquo bem como a traduccedilatildeo latina dos respectivos nomes
Curioso notar tambeacutem que siga o criteacuterio semelhante ao de Platatildeo ilustrando o gecircnero misto
com a eacutepica de Homero e Vergiacutelio
Observaremos portanto que para os textos de doutrina (que possuem eles mesmos
como dito suas convenccedilotildees) principalmente esses de acendecircncia gramatical o que concerne
tatildeo somente agrave poesia eacute sua divisatildeo em gecircneros e espeacutecies em outras palavras seu
agrupamento segundo uma nomenclatura funcional que permita tratar da variedade das
composiccedilotildees herdadas dos antigos gregos Se de origem heleniacutestica e portanto
64 Holtz L apud Gaberllini (2005) paacuteg 1 A dataccedilatildeo da Ars Grammatica de Diomedes infere-se a partir do uso
que faz de Donato e Cariacutesio gramaacuteticos anteriores e pelas constantes citaccedilotildees de Prisciano
74
originariamente editorial essa nomenclatura em um texto como o da Crestomatia ou o da
gramaacutetica de Diomedes tornou-se didaacutetica e eacute de se supor no caso da primeira natildeo apenas no
sentido pedagoacutegico Temos muito bons indiacutecios para supor que essa nomenclatura natildeo se
propotildee riacutegida uacutenica infrangiacutevel porque ela mesma no caso da Crestomatia supotildee mais
restritas suas dimensotildees quando o assunto eacute a liacuterica65 O que observamos no cataacutelogo da liacuterica
eacute a preponderacircncia e o emprego de outro criteacuterio ou padratildeo explicativo que tambeacutem estaacute
presente nos gecircneros anteriores natildeo se busca explicar o que seja a poesia como o faz
Aristoacuteteles mas sim reunir quanta informaccedilatildeo eacute uacutetil para compreender as diferenccedilas entres as
diferentes espeacutecies No caso das espeacutecies diegeacuteticas ou narrativas que natildeo a liacuterica junto a um
criteacuterio de mateacuteria e metro que privilegia este em relaccedilatildeo agravequele quanto agrave antecedecircncia
emprega-se um criteacuterio etimoloacutegico que eacute em boa parte das vezes etioloacutegico tambeacutem porque
traz consigo a origem do dizer consequentemente a origem do referente do significante Esse
eacute o criteacuterio que perpassa todo o cataacutelogo liacuterico na sua forma mais baacutesica porque em alguns
casos o emprego de uma palavra como nomenclatura jaacute eacute por si mesmo autoexplicativo eacute o
caso das uacuteltimas subespeacutecies aquelas sobre circunstacircncias incidentais em que se opta pelo
verso Esse eacute tambeacutem o mesmo criteacuterio que no caso das espeacutecies anteriores agrave meacutelica (a eacutepica
a elegia e o iambo) organiza concomitantemente a metro e mateacuteria a exposiccedilatildeo da espeacutecie
poeacutetica na forma de uma breve histoacuteria que nas suas diferentes etimologias busca agrupar os
diferentes elementos arrolados convencionalmente para definir aquele tipo poeacutetico
32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE
DIOMEDES
Consoante ao exposto no item anterior natildeo eacute de espantar que os gecircneros arrolados
entre os imitativos sejam apenas aqueles dramaacuteticos ou teatrais no caso da Crestomatia de
Proclo enquanto observamos que o exemplo de Diomedes refere-se agrave faacutebula teatral em
geral66 e admite que como tal escreveram-se as Bucoacutelicas I e IX
65 Basta conferir como o cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas eacute introduzido no epiacutetome sect33 (Severyns) 319b 33 66 ldquo() dramaticon est vel activum in quo personae agunt solae sine ullius poetae intcrlocutione ut se habent
tragicae et comicae fabulaerdquo ndash DIOMEDES op cit paacuteg 482 17 ndash 19 Diomedes provavelmente pontua o
elemento ldquofabulaerdquo logo aqui porque o mencionaraacute tratando posteriormente e em separado das espeacutecies
cocircmicas e traacutegicas Nada nos impede de conjeturar e tatildeo somente isso que tratando enfim do gecircnero mimeacutetico
nos demais livros da Crestomatia de que natildeo temos notiacutecia alguma o myacutethos aparecesse na obra Se a exposiccedilatildeo
75
Em ambos os textos o criteacuterio preponderante que estabelece a primiera distinccedilatildeo
dentro da qual os poemas se agruparatildeo eacute o modo enunciativo
Aquilo que seratildeo as espeacutecies no tratado de Proclo para Diomedes receberaacute o nome
simples de ldquocarminardquo ou ldquocantosrdquo designados como o resultado a obra em si uma vez que a
palavra latina designa assim o poema a composiccedilatildeo em verso Diomedes adota assim a
designaccedilatildeo jaacute corrente para essas formas poeacuteticas mas propotildee entre os carmes e os gecircneros
maiores outras espeacutecies que consideram agora o que se narra ou mimetiza e que satildeo
apresentadas como espeacutecies dos trecircs primeiros grupos elencados
ldquoPoematos dramatici vei activi genera sunt quattuor apud Graecos
traacutegica comica satyrica mimica apud Romanos praetextata tabernaria
Atellana planipesrdquo
(DIOMEDES op cit III apud Keil paacuteg 482 26)
ldquoOs gecircneros do poema dramatikoacutes ou ativo satildeo quatro entre os
gregos a [espeacutecie] traacutegica a cocircmica a satiacuterica a miacutemica entre os
romanos a pretextata a tabernaacuteria a atelana a planiacutepederdquo
(Trad GABERLLINI op cit 231)
Observa-se que no caso das espeacutecies gregas modelares (salvo pelos mimos) pelo
menos desde Aristoacuteteles67 a um criteacuterio primeiramente selecionado como mais geral porque
mais abrangente e baacutesico sobretudo por permitir a distinccedilatildeo imediata entre a poesia dramaacutetica
e as demais formas conhecidas segue-se uma subdivisatildeo desse criteacuterio que permite elencar e
subagrupar outras formas poeacuteticas geralmente obtusas em relaccedilatildeo agrave nomenclatura Eacute seguindo
o mesmo criteacuterio entatildeo que nos deparamos com outras espeacutecies mas agora do gecircnero
narrativo
ldquoExegetici vel enarrativi species sunt tres angeltice historice
didascalice angeitice est qua sententiae scribuntur ut est Theognidis
liber item chriae historice est qua narrationes et genealogiae
dos livros estivesse organizada como o epiacutetome 239 nos daacute a conhecer eacute de se crer que na sequecircncia do livro
III ocorresse a exposiccedilatildeo do gecircnero que natildeo foi discutido nos dois primeiros livros que o epiacutetome nos transmite 67 A reiteraccedilatildeo dos criteacuterios de unidade medida e adequaccedilatildeo ao longo da Ars Poetica de Horaacutecio ilustram-no
muito bem Sobre os mimos embora Aristoacuteteles mencione-os na Poeacutetica 1447b 8 ndash 12 e seja plausiacutevel que
segundo seu criteacuterio acional sejam miacutemesis poeacutetica nada mais nos eacute dito sobre eles no que temos da obra
76
conponuntur ut est Hesiodu et similia
didascalice est qua conprehenditur philosophia Empedoclis et Lucreti
item aslrologia ut phaenomena Aratu et Ciceronis et georgica
Vergilii et his similiardquo
(Idem paacuteg 482 31 ndash 483 3)
Assim o poema apenas narrativo pode ser ldquoenunciativo (angeltikeacute)rdquo quando apenas
enuncia coisas ie quando ocorre pura e simplesmente uma enunciaccedilatildeo direta ndash o exemplo
seria a poesia gnocircmica de Teoacutegnis e as khreicircai ou ldquomaacuteximasrdquo ditos ceacutelebres de personagens
ou figuras histoacutericas pode ser ldquohistoacuterico (historikeacute)rdquo quando o que se ldquonarra reporta relata
etcrdquo possui um sentido cronoloacutegicogenealoacutegico de que eacute exemplo O Cataacutelogo das Mulheres
de Hesiacuteodo pode ser ldquodidascaacutelica (didaskalikeacute)rdquo quando ensina e aqui satildeo exemplos os
Fecircnomenos tanto de Ciacutecero como de Arato ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio mas tambeacutem os
poemas de conteuacutedo filosoacutefico de que satildeo exemplos Empeacutedocles e Lucreacutecio
Subdividindo a poesia mista menciona como exemplo a poesia heroica ie a poesia
de heroacuteis de que satildeo exemplo a Iliacuteada e a Eneida tambeacutem se refere agrave liacuterica mas aqui a de
Horaacutecio e Arquiacuteloco (DIOMEDES op cit 483 5 ndash 6)
Ora chama a atenccedilatildeo nesse uacuteltimo caso em comparaccedilatildeo ao texto do epiacutetome de
Foacutecio que operando com uma triparticcedilatildeo dos gecircneros enunciativos a liacuterica seja dada como
exemplo misto porque eacute plenamente possiacutevel imaginar que outro e natildeo o eu-poeacutetico fale
como uma personagem Como a Crestomatia opera com uma biparticcedilatildeo a liacuterica eacute posta junto
de todas as espeacutecies que natildeo satildeo modernamente falando teatrais pelo simples pressuposto de
que nelas quem fala eacute a figura do poeta podendo haver outra dependente dela
Ateacute aqui comparados em sua organizaccedilatildeo observamos que tanto a Crestomatia como
o livro III de Diomedes conhecido antigamente como De Poematibus68 partem de um criteacuterio
primeiro e abrangente que classifica os poemas pelo elocutor Ambos jaacute apresentam aiacute uma
primeira diferenccedila69 este uma divisatildeo tripartite aquele bipartite
O texto de Diomedes apresenta uma subdivisatildeo em espeacutecies que considera a mateacuteria e
a finalidade da composiccedilatildeo mesmo no caso dos poemas apenas narrativos (contemplando
assim ateacute poemas de ensinamento filosoacutefico) e distingue com outra nomenclatura agrave parte os
cantos ou carmina como formas que se definem pelo que parece ser um criteacuterio taacutecito de
68 Uma vez que essa seccedilatildeo por si soacute consiste em um pequeno livro sobre classificaccedilatildeo de obras poeacuteticas que se
inspiraria na obra perdida atribuiacuteda a Suetocircnio De Poetica 69 Aleacutem do fato sempre evidente de que a os textos gregos versam sobre as formas poeacuteticas gregas enquanto os
latinos versam sobre as formas gregas ndash feitas romanas pelos autores paacutetrios ndash e a formas apenas latinas
77
metro e mateacuteria Era de se esperar em princiacutepio que esses cantos correspondessem
diretamente aos grupos acima expostos ou que ao menos fossem explicitados como derivados
deles ou a eles associados essa associaccedilatildeo de forma explicita soacute se verifica para os casos do
epos e da poesia bucoacutelica no caso citado de Vergiacutelio70 Jaacute o texto atribuiacutedo a Proclo passa
direto dos gecircneros enunciativos para o nome de cada uma das espeacutecies narrativas gregas
equivalentes (salvo pela liacuterica que ocupa o epiacutetome extensamente) aos carmina de Diomedes
Em resumo natildeo haacute classificaccedilatildeo intermediaacuteria no texto grego
Ora haacute ao menos que se conjecturar a respeito dessas diferenccedilas e se natildeo pudermos
chegar a respostas definitivas podemos formular hipoacuteteses que permitam um melhor
vislumbre da categorizaccedilatildeo poeacutetica com que se preocupavam as gramaacuteticas antigas
Primeiramente a correspondecircncia entre os carmina de Diomedes e as espeacutecies
arroladas em Proclo eacute notaacutevel A equivalecircncia na verdade eacute principalmente do tipo de
classificaccedilatildeo que se desdobra que ndash agrave guisa de esclarecimento por enquanto ndash tem como
elementos baacutesicos os membros do esquema metro-mateacuteriaetimologia-etiologia Esse modelo
de classificaccedilatildeo e as semelhanccedilas entre os dois textos seraacute o foco da comparaccedilatildeo nas seccedilotildees a
seguir (infra 33 paacuteg 81 em diante) Interessam agora as diferenccedilas e a compreensatildeo
estrutural dos dois textos
O texto de Diomedes traz uma classificaccedilatildeo como notado que o texto de Proclo natildeo
Por quecirc Podemos conjecturar que Diomedes conhecendo duas classificaccedilotildees (uma que
apresenta na forma dos carmina pertencente ao mesmo modelo que a classificaccedilatildeo do texto
de Proclo) preocupa-se em dar conta das duas maneiras de classificar senatildeo em reuni-las e
tornaacute-las ambas operantes e natildeo excludentes procedimento que como se verifica a respeito
das etimologias eacute padratildeo
Parece que a primeira classificaccedilatildeo de Diomedes ausente em Proclo privilegia como
dito o criteacuterio mateacuteria considerando tambeacutem o fim a que o gecircnero enunciativo se destina Em
outras palavras eacute como se buscasse esgotar em subcategorizaccedilotildees o criteacuterio maior e
preponderante dos gecircneros enunciativos Assim as formas imediatamente subcategorizadas
satildeo espeacutecies dos trecircs grandes gecircneros segundo aquilo que ldquose narrardquo aquilo que ldquose
mimetizardquo (entenda-se ldquodramatizardquo diretamente dando voz a actantes) e aquilo que ldquose narra
e dramatizardquo simultaneamente Tal hipoacutetese talvez se confirme em se notando que espeacutecies
irmanadas dentro de um mesmo gecircnero o satildeo independente do metro Observe-se a poesia
gnocircmica de Teoacutegnins compocircs-se em diacutesticos elegiacuteacos os Fenocircmenos de Arato ou Ciacutecero
70 Gaberlinni (2005 paacuteg 1)
78
ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio compuseram-se em hexacircmetro ambas no entanto satildeo
subespeacutecies do mesmo gecircnero pois constituem exemplo de poesia narrativa Assim se
explicaria o curioso caso da poesia heroica e da liacuterica em um mesmo gecircnero Mas note-se
tambeacutem Diomedes ao referir-se nesse passo agrave poesia tradicionalmente conhecida como
eacutepica (mais ainda agrave eacutepica por excelecircncia ndash trata-se de Homero e Vergiacutelio afinal) natildeo
emprega o termo ldquoeacutepicardquo ou ldquoeposrdquo porque esse eacute o nome de um carmen dentro da outra
categorizaccedilatildeo que tambeacutem desenvolveraacute O termo ldquoespeacuteciesrdquo rigorosamente emprega-se para
classificar as espeacutecies pela mateacuteria Da perspectiva da mateacuteria a poesia da Eneida ou da Iliacuteada
denomina-se ldquoheroicardquo pois versa sobre heroacuteis e natildeo ldquoeposrdquo embora da perspectiva dos
carmina como se sabe tambeacutem o seja Ao lado dessa poesia como mais um exemplo a liacuterica
citada natildeo eacute a liacuterica enquanto carmen os meacutele de Proclo em outras palavras a meacutelica como
um todo mas sim a liacuterica de Horaacutecio e Arquiacuteloco Evidentemente natildeo se excluem
composiccedilotildees de outros liacutericos Podemos imaginar que Diomedes provavelmente classificaria
sob essa nomenclatura ndash por que natildeo ndash parte de Safo uma vez que na sua ceacutelebre Ode a
Afrodite por exemplo ao dar voz agrave deusa que responde agrave prece do enunciador a poestisa
torna ldquomistardquo a enunciaccedilatildeo Uma liacuterica que natildeo o fizesse no entanto natildeo viria classificada
aqui
Buscando conciliar descriccedilotildees diferentes outra classificaccedilatildeo eacute a que em Diomedes
nomeia as composiccedilotildees como tal em separado a partir do resultado como ldquocantosrdquo Essa
classificaccedilatildeo ao que parece prioriza descrever a origem das formas poeacuteticas consagradas e
por isso seu criteacuterio preponderante eacute o metro seguido das explicaccedilotildees etimoloacutegicas e
etioloacutegicas que justificam como certo nome passou a se aplicar a certo tipo de composiccedilatildeo
natildeo univocamente pois assume que um mesmo nome se aplicava agrave confluecircncia de diferentes
mateacuterias que um metro pode incorporar para alguns casos dos quais o mais evidente eacute o da
elegia busca-se um denominador comum (sempre o lamento fuacutenebre) Mas a premissa
subjacente ndash posta em nossos termos evidentemente ndash seria carmen eacute uma nomenclatura
fechada que se aplica para nomear uma composiccedilatildeo levando em conta prioritariamente as
virtualidades do metro em relaccedilatildeo agrave mateacuteria Afinal de contas natildeo se conhece composiccedilatildeo em
diacutestico elegiacuteaco que almeje por exemplo cantar ldquofeitos e guerras de heroacuteisrdquo Categorizar e
explicar pela histoacuteria a composiccedilatildeo feita em certo metro mais especificamente dado uso de
um metro ndash senatildeo os usos dos metros ndash tornou-se ofiacutecio como visto do gramaacutetico A essa
seccedilatildeo do texto de Diomedes da classificaccedilatildeo dos carmina equivalem diretamente as espeacutecies
do texto de Proclo que natildeo aventando a subdivisatildeo por ldquoo querdquo se enuncia segundo os
79
gecircneros enunciativos propotildee os nomes das composiccedilotildees como as espeacutecies diretas dos grandes
gecircneros
Tal hipoacutetese torna mais clara a estruturaccedilatildeo do texto de Proclo pelo menos como o
resumo de Foacutecio o interpretou ao termo carmina de Diomedes equivale o termo poietikeacute de
Proclo Desde o princiacutepio do resumo o texto segue na esturtura de discurso indireto ldquoDiz
querdquo e entatildeo jaacute se expocircs a doutrinas sobre as virtudes da prosa e da poesia e qual o criteacuterio
discriminatoacuterio (os tropos figuras e todo o ornato ocorrem em maior abundacircncia na elocuccedilatildeo
poeacutetica) tambeacutem a doutrina dos trecircs moldes da elocuccedilatildeo Eacute em 319a 4 (sect12 SEVERYNS)
justamente apoacutes a menccedilatildeo ao juiacutezo de poesia que se inaugura a seccedilatildeo sobre os gecircneros
poeacuteticos
ldquoΚαὶ ὅτι τῆς ποιητ κῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόνrdquo
ldquoE da composiccedilatildeo poeacutetica diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativordquo
Evidentemente a traduccedilatildeo traz uma resoluccedilatildeo Literalmente ldquoE que da poeacutetica haacute o
diegeacutetico e o mimeacuteticordquo ou ldquoe que haacute o diegeacutetico e o mimeacutetico da poeacuteticardquo Como se vecirc o
trecho obriga a traduccedilatildeo a suprir algo que acompenhe o adjetivo ldquopoeacuteticardquo caso contraacuterio
pensar-se-aacute que aristotelicamente aborda-se aqui a Poeacutetica em um tratado sobre a teacutecnica
embora natildeo seja de todo errado entender que desse trecho em diante seratildeo abordadas
questotildees proacuteprias dessa teacutecnica e do conhecimento da poesia mas parece que a carga do
termo aqui eacute menos teacutecnica como se parafraseando o texto Proclo versasse sobre o que eacute
proacuteprio da poesia e portanto pode ser qualificado pelo adjetivo ldquopoeacuteticordquo
Pois havendo descrito trecircs doutrinas relevantes para analisar a composiccedilatildeo poeacutetica as
trecircs aplicaacuteveis igualmente agrave prosa e agrave poesia ndash a medida da elocuccedilatildeo para prosa e poesia
(pesando a balanccedila para esta) os plasmatai ou moldes e seus desvios e diferenccedila entre eacutethos e
paacutethos no juiacutezo de poesia ndash emprega-se o adjetivo para delimitar aquilo que concerne apenas
agrave poesia o que eacute apenas ldquopoeacuteticordquo ie proacuteprio agora do que eacute poema ndash termo que demarca a
oposiccedilatildeo com loacutegos ou prosa ndash e isso eacute justamente a classificaccedilatildeo dos poemas em narrativo ou
imitativo seguidos das espeacutecies daquele (eacute de se supor que nos livros que Foacutecio natildeo nos daacute a
conhecer arrolassem-se as espeacutecies imitativas) eacute nesse sentido portanto que a delimitaccedilatildeo
dos carminai Diomedes equivale ao poietikeacute de Proclo pois como se viu as
espeacutecies de Proclo (excetuando o cataacutelogo meacutelico) satildeo os carmina de Diomedes
80
Eacute mais do que evidente por isso tambeacutem que ambos os autores referiam-se a uma
mesma classificaccedilatildeo descritiva da poesia enraizada na gramaacutetica e a julgar pelos textos
difundida e profusa
Ambos os textos apresentam ainda uma terceira classificaccedilatildeo com algo em comum
(Diomedes apresenta quatro no total Proclo trecircs) os moldes da elocuccedilatildeo abordados antes da
classificaccedilatildeo geneacuterica na Crestomatia os ldquocaracteres do poemardquo (characteres poematos)
entre a exposiccedilatildeo das espeacutecies e a exposiccedilatildeo dos carmina em Diomedes que os nomeia em
particcedilatildeo quaacutedrupla e com nomes gregos makroacutes brakhyacutes meacutesos e antheroacutes
Essa classificaccedilatildeo seria uma das poucas ocorrecircncias do que em Fortunaciano lemos
como os geacutene pelikoacutetetos ou genera magnitudinis que diferentemente dos geacutene posoacutetetos
(cujo criteacuterio eacute a quantidade) pensam na grandeza na magnitude do discurso71 no que parece
ser uma tentativa de separaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de quantidade e a noccedilatildeo de extensatildeo do discurso
O que lemos na grande maioria dos textos como ldquomoldes gecircneros ou caraacutecteres da elocuccedilatildeordquo
aqui seria o criteacuterio da quantidade os geacutene posoacutetetos De qualquer forma o elemento em
comum com a Crestomatia eacute apresentar um criteacuterio que permita medir e avaliar a elocuccedilatildeo do
poema e assim tambeacutem julgaacute-lo por tal
O momento em que ocorrem ambas as distinccedilotildees nos respectivos textos vale menccedilatildeo
o conteuacutedo geral da obra de Proclo natildeo nos eacute acessiacutevel os indiacutecios arrolados nos capiacutetulos
anteriores levam-nos a crer que em seu iniacutecio para delimitar a poesia diferenciava-a da prosa
pelo criteacuterio da elocuccedilatildeo o que levava a uma discussatildeo sobre seus moldes Esse estudo da
elocuccedilatildeo era proacuteprio da tratadiacutestica retoacuterica de que o grande exemplar eacute Dioniacutesio de
Halicarnasso Sabemos por ele que pensando pelo ponto de vista da elocuccedilatildeo a anaacutelise da
composiccedilatildeo pelos moldes ou caracteacuteres se dava sobre a poesia e sobre a prosa Ora textos de
comentaacuterio gramatical conforme visto tambeacutem podiam recorrer a essa classificaccedilatildeo ou citaacute-
la Que essa doutrina fosse primeiramente exposta na Crestomatia quando em uma
introduccedilatildeo versava sobre a distinccedilatildeo prosa-poesia antes de partir para a classificaccedilatildeo dos
gecircneros poeacuteticos e que os geacutene pelikoacutetetos ocorram antes da menccedilatildeo dos carmina como
outro criteacuterio preponderantemente classificatoacuterio da poesia (justamente a elocuccedilatildeo) em uma
seccedilatildeo do texto que se propotildee a discutir somente a poesia sem mencionar a prosa sequer por
ensejo de distinccedilatildeo isso junto das outras similaridades de organizaccedilatildeo tende a cofirmar a
abordagem de base gramatical que vai se estabelecendo ao longo dos seacuteculos e que natildeo
71 Cf GABERLLINI Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Consulto Fortunaciano paacuteg 57 ndash 63
Tambeacutem DOS SANTOS MM As Epiacutestolas de Horaacutecio e a confecccedilatildeo de uma ars dictaminis o opus p 142
Cf Bibliografia
81
descreve a poesia a partir de Aristoacuteteles Se a distinccedilatildeo pela elocuccedilatildeo insere-se dentro da
diferenciaccedilatildeo entre prosa e poesia na Crestomatia no caso do De Poematibus o criteacuterio jaacute eacute
dado inclusive depois do criteacuterio maior como maneira jaacute aceita pela qual tambeacutem se julgam
ou se medem pelo criteacuterio de grandeza no caso os poemas Tal mediccedilatildeo de grandeza para
elocuccedilatildeo embora sirva para essa em geral eacute apresentado como criteacuterio dentro da classificaccedilatildeo
da poesia jaacute assumido como maneira de se julgar poemas pois satildeo ldquocaracteres do poemardquo
sem nenhuma menccedilatildeo agrave prosa o que os poemas tambeacutem se classificavam assim
Nenhum desses criteacuterios eacute tratado ou descrito como condiccedilatildeo sine qua non se diraacute que
algo eacute poesia tais criteacuterios pelo contraacuterio proveem agravequeles que visam agrave explicaccedilatildeo dos
gecircneros manancial variado para descrever dentro de suas respectivas variaccedilotildees (mas
atentando aqui e ali a noccedilotildees semelhantes) as diferentes praacuteticas poeacuteticas da Antiguidade
Esses textos partem de outro ponto que natildeo o criteacuterio de Aristoacuteteles da miacutemesis de accedilatildeo como
o elemento base que define a poeacutetica
33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO
A noccedilatildeo de accedilatildeo ocorreraacute concomitantemente no epiacutetome e no De poematibus apenas
quando ambos abordam o epos Consequentemente soacute voltaraacute a aparecer no texto latino
quando se ateacutem agrave trageacutedia e agrave comeacutedia
A filiaccedilatildeo do texto grego e do texto latino a um mesmo meacutetodo ou forma de pensar e
expor o objeto se explicita agrave medida que os carmina de Diomedes equivalentes agraves espeacutecies
gregas de Proclo trazem etimologias semelhantes em passagens tambeacutem semelhantes de uma
breve histoacuteria de cada um dos tipos de composiccedilatildeo classificados pelo criteacuterio taacutecito de metro e
mateacuteria (semelhanccedila que evidentemente natildeo ocorre para as espeacutecies latinas ausentes no texto
grego) Em outras palavras natildeo apenas as etimologias satildeo as mesmas mas a histoacuteria que se
compotildee com elas revelando uma interpretaccedilatildeo convencionada e autorizada das informaccedilotildees
provedoras de uma mesma organizaccedilatildeo de fatos ilustrativos e explicativos do que em
Diomedes ganha o tiacutetulo de carmina
Como razatildeo histoacuterica da fixaccedilatildeo ao longo dos seacuteculos dessa forma de se exporem os
gecircneros e espeacutecies poeacuteticos devem-se considerar natildeo soacute o estabelecimento dos criteacuterios
editoriais alexandrinos como criteacuterios tambeacutem exegeacuteticos mas por que isso ocorreu A
82
relevacircncia desse fator natildeo estaacute apenas no fato de que graccedilas a essa atividade editorial os
poetas satildeo transmitidos estaacute mais especificamente sim no que consiste essa transmissatildeo eacute
por meio dela que se tornaratildeo objeto do conhecimento no traslado de uma cultura
essencialmente oral para um mundo da erudiccedilatildeo letrada Eacute segundo esses criteacuterios e essa
classificaccedilatildeo que satildeo organizados e pensados Natildeo eacute necessaacuterio elocubrar no caso plural do
melos Basta conceber que aleacutem de Homero muita poesia hexameacutetrica que narrava uma ou
muitas accedilotildees (porque Aristoacuteteles mesmo notifica-nos de poetas que natildeo seguem o criteacuterio que
ele expotildee em seu tratado) esteve em matildeos dos eruditos ou filoacutelogos da biblioteca carecendo
de uma classificaccedilatildeo que ndash e isso eacute o mais relevante ndash ora se tornava necessaacuteria
Bem como se reuacutenem nesse periacuteodo as diferentes formas poeacuteticas reuacutenem-se
tambeacutem diferentes dados doutrinais explicativos bem como se observam formas
convencionadas no discurso poeacutetico e suas variaccedilotildees a partir daiacute observam-se tambeacutem formas
convencionadas de descriccedilatildeo doutrinal e suas variaccedilotildees
Dentro dessa perspectiva histoacuterica a razatildeo de ordem doutrinal que torna relevante o
criteacuterio etimoloacutegico e a presenccedila de mais de uma etimologia para muitos casos
principalmente das espeacutecies poeacuteticas de nomenclatura corrente (os carmina de Diomedes) eacute a
abrangecircncia de explicar o nome da coisa a fim de explicar a coisa A explicaccedilatildeo do nome da
coisa trazendo os diferentes fatores que deram origem a seu nome pontua os elementos pelos
quais a proacutepria coisa o recebeu sendo indiretamente sua explicaccedilatildeo Por isso a etimologia
vem acompanhada de explicaccedilotildees etioloacutegicas quando uma explicaccedilatildeo natildeo eacute ela mesma as
duas coisas ie etimologia-etiologia Mais uma vez tem-se um quadro de soma de
informaccedilatildeo relevante para esclarecer minimamente como aquela espeacutecie poeacutetica veio a ser
Assim natildeo eacute de espantar que mais de uma etimologia seja apresentada sem que se
selecione uma como verdadeira Agraves vezes o autor pode se pronunciar a respeito delas e
apontar uma ou outra como equivocada mas geralmente as arrola como possibilidades
igualmente verdadeiras Em alguns casos parece preferir uma a outra mas natildeo se vecirc por parte
dos antigos a preocupaccedilatildeo de crivaacute-las repetidamente para se obter uma uacutenica e definitiva
(como eacute proacuteprio de nosso meacutetodo cientiacutefico) e seria ilusoacuterio esperar que o fizessem apenas
porque o fazemos jaacute que isso natildeo estaacute a seu alcance e nem teria como ser seu foco72 Os
textos antigos preocupam-se antes em coligir as diferentes etimologias e etiologias e fornececirc-
las todas como igualmente verossiacutemeis como teoricamente plausiacuteveis porque cirscunscrevem
o toacutepico de maneira geralmente didaacutetica e autoexplicativa Equivocou-se Severyns portanto
72 Apenas agrave guisa de ilustraccedilatildeo devemos considerar do ponto de vista linguiacutestico que os antigos gregos natildeo
tinham agrave sua disposiccedilatildeo tudo quanto hoje sabemos sobre o proto-indoeuropeu
83
apesar de seu refinamento e equivoca-se quem tente descobrir qual etimologia estaria no
texto ocupando o status de verdadeira Comparada Crestomatia ao texto de Diomedes que
possuiacutemos integralmente vemos natildeo haver o objetivo de para cada seacuterie de etimologias e
explicaccedilotildees da origem de uma espeacutecie poeacutetica selecionar a ldquouacutenicardquo etimologia verdadeira em
detrimento das demais
Por fim deve-se recordar que ldquorevelar as etimologiasrdquo e ldquoexplicar as histoacuteriasrdquo o que
sabemos ser parte da exegese textual dos antigos eram ou pelo menos se tornam como visto
em nossa reflexatildeo sobre o proecircmio da Ars de Dioniacutesio Traacutecio ofiacutecio do gramaacutetico Esse eacute o
elemento chave que daacute espaccedilo nos textos de gramaacutetica ou como dito de ascendecircncia
gramatical agrave descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies da poesia Teoricamente o gramaacutetico ou o
enfoque gramatical desarrola a exposiccedilatildeo da poesia por gecircneros e espeacutecies como modelo das
letras e lhes explica os nomes Essa eacute sua funccedilatildeo Natildeo as explica filosoficamente A causa ou
etiologia vem por necessidade se eacute relevante ou se a etimologia natildeo a conteacutem por ser
autoexplicativa
331 Epos
3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria
A primeira definiccedilatildeo de epos que se lecirc no texto de Diomedes eacute hauridade de Teofrasto
ldquoEpos se diz em grego a inclusatildeo das accedilotildees divinas heroicas e humanas no canto hexacircmetro
eacutepos estigraven periokhegrave theiacuteon te kaigrave heroiumlkocircn kaigrave anthropiacutenon pragmaacuteton73rdquo74 Como se vecirc essa
primeira definiccedilatildeo pontua claramente o elemento ldquoaccedilatildeordquo mas chama atenccedilatildeo outro elemento
de ordem terminoloacutegica o fato de que epos se defina pela ldquoinclusatildeordquo (periokheacute) das ldquoaccedilotildeesrdquo
(praacutegmata) no metro Natildeo soacute se verifica o criteacuterio metro-mateacuteria mas tambeacutem a sucessatildeo
desta agravequele A definiccedilatildeo atribuiacuteda a ningueacutem menos que o sucessor de Aristoacuteteles afirma
mais uma vez a preponderacircncia da accedilatildeo como elemento definidor da poesia narrativa por
excelecircncia mas o emprego do plural abre margem a conjecturas porque permite a leitura
73 Fortenbaugh et ali Theophrastus of Eresus Brill 1993 apud Gaberllini (2005) 74 Gaberllini op cit pg 233
84
segundo a qual natildeo eacute necessaacuteria a unidade de accedilatildeo basta que os hexacircmetros ndash parte-se do
metro ndash tragam accedilotildees e recebem o nome de epos
Essa seria a definiccedilatildeo simples de epos segundo metro e mateacuteria Restaria explicar
como isso se deu e aiacute se tem a mesma etimologia de Proclo justamente aquela que segundo
Severyns eacute absurda e natildeo poderia ser aceita como a endossada por um autor como Proclo
Proacutepria ou natildeo absurda ou natildeo ela explica a histoacuteria do epos de maneira coerente e
verossiacutemil dentro da tratadiacutestica trata-se da etimologia que aproxima epos do verbo hepomai
(seguir) Essa seria a origem da palavra Um ldquoeposrdquo (palavra) seria uma corruptela de algo
que se segue e assim se empregou a palavra para designar alguma coisa que ldquose seguiardquo nos
hexacircmetros apoacutes a descoberta do metro (mais uma vez anterior agrave adiccedilatildeo de accedilotildees) ldquoparagrave tograve
heacutepesthai en autocirci tagrave hexecircs meacutere toicircs proacutetoisrdquo75 O elemento sequencial apresentado por
Diomedes eacute a proacutepria consecuccedilatildeo das partes e das accedilotildees ie o proacuteprio elemento consecutivo
da narraccedilatildeo hexameacutetrica No caso da etimologia da Crestomatia aquilo que se segue a
consecuccedilatildeo satildeo as accedilotildees em relaccedilatildeo aos oraacuteculos accedilotildees que foram consoantes aos ouvidos
As duas etimologias natildeo satildeo a rigor completamente diferentes porque na verdade
trabalham com o mesmo elemento na expressatildeo ldquoforam consoantesrdquo (syacutemphona ecircn)76 da
Crestomatia supotildee-se a perfeita acomodaccedilatildeo entre accedilotildees e hexacircmetro comum a essa
exposiccedilatildeo do epos que se dessarola nos dois textos O texto de Diomedes natildeo agrave toa seguindo
o procedimento de compor uma breve histoacuteria com as informaccedilotildees agrave disposiccedilatildeo diraacute logo na
sequecircncia que ldquo() Na verdade o verso hexacircmetro se diz precipuamente eacutepos pois que por
primeiro o deus vate77 incluiu neste verso as palavras da resposta por assim dizer em muacutetua
consecuccedilatildeo de onde [vem] posteriormente por catacrese o termo o eacutepos por outros foi dita a
palavra e a proacutepria escrita consecutiva do discurso prosaicordquo78 Aqui como na Crestomatia a
associaccedilatildeo entre epos e palavra embora interpretada diferentemente Na Crestomatia porque
as composiccedilotildees hexameacutetricas passaram a se destacar demais e a exibir enorme superioridade
passaram a se designar por antonomaacutesia ldquopalavrardquo por serem a palavra por excelecircncia O
argumento se pauta na analogia com outros termos que designam pessoas ldquopoetardquo por
ldquoHomerordquo ldquooradorrdquo por ldquoDemoacutestenes Nela como visto o elemento ldquoconsecussatildeordquo se daacute
quando naturalmente das respostas do oraacuteculo percebe-se que a inclusatildeo de accedilotildees resultava
consoante ao metro Ora eacute uma diferenccedila de apresentaccedilatildeo da ideia mas esta de modo taacutecito
75 Diomedes 484 8 76 Proclo in Foacutecio 319a 10 ndash 11 in Severyns op cit sect13 77 Apolo 78 ldquo[] praecipue vero hexameter versus epos dicitur quoniam quidem hoc versu verba responsi in mutuam ut
sic dixerim consequentiam primus deus vates conprehendit unde postea abusive verbum et solutae orationis
ipsa scriptura consequens ab aliis epos dictumrdquo Diomedes (484 8 ndash 12)
85
eacute muito semelhante O texto de Diomedes traz a ilaccedilatildeo de que essa respota que se seguia era
um dizer um eacutepos e que seu nome se estendeu agraves composiccedilotildees com o tempo quando se deu
aquela inclusatildeo das sequecircncias de accedilotildees por catacrese (ldquounde postea abusive verbumrdquo) e natildeo
por antonomaacutesia Se essa informaccedilatildeo natildeo vem expressa no texto grego pode-se supor que
estaacute subentendida ao nomear a profetiza de Apolo que primeiro professou os oraacuteculo no metro
hexameacutetrico Femocircnoe composto de phemiacute (dizer) e nocircus (pensamento)
Como comprovaccedilatildeo da propagaccedilatildeo do nome o texto latino menciona que a extensatildeo
de sentido se deu ateacute o ponto de alguns usarem o termo tambeacutem para a fala e a escrita do que
denomina ldquodiscurso prosaicordquo ie a fala no que se pode supor a praacutetica oratoacuteria O mesmo
tipo de demonstraccedilatildeo seraacute empregado na Crestomatia mas laacute o exemplo satildeo os triacutemetros que
tambeacutem recebiam de alguns a designaccedilatildeo ldquoeacuteperdquo Vale lembrar que jaacute segundo Aritoacuteteles o
discurso das personagens se adaptou no estaacutegio final do desenvolvimento da trageacutedia ao
triacutemetro que eacute comum da fala79 Observa-se pois o mesmo tipo de argumento expresso com
exemplos parcialmente diferentes se considerarmos que a ambos subjaz o elemento ldquofala
comumrdquo natildeo tatildeo elevada menos poeacutetica de acordo com o criteacuterio do ldquomais e do menosrdquo da
elocuccedilatildeo segundo o qual a poesia naturalmente mais elevada deve conter em maior nuacutemero
as mesmas virtudes da prosa80
Os mesmos pressupostos subjazem agraves duas exposiccedilotildees lembrando sempre que no
caso de Diomedes isso vale apenas para o que diz da origem grega das espeacutecies poeacuteticas uma
vez que para cada carme fala da invenccedilatildeo entre os latinos As diferenccedilas ficam por conta de
um exemplo ou da maneira e da ordem atraveacutes das quais cada texto compotildee sua breve histoacuteria
explicativa da espeacutecie poeacutetica contudo ndash enfatizando mais uma vez ndash utilizando os mesmos
criteacuterios e causas consolidados Ora em nenhum momento Diomedes nega ndash mas pelo
contraacuterio deixa claro ndash que segue a preceptiva grega
Se pensarmos que esquematicamente os traccedilos apresentados satildeo
a ndash eacutepos ndash heacutepomai (ldquosyacutemphona ecircnrdquo)
b ndash uso primitivo do hexacircmetro nas respostas dos oraacuteculos
c ndash compreensatildeo das accedilotildees
79 Mais precisamente Aristoacuteteles diz que na fala comum os triacutemetros ocorrem repetidamente enquanto os
hexacircmetros satildeo poucos Cf Poeacutetica 1449a 23 ndash 27 80 De fato Aristoacuteteles na referida passagem diz que os hexacircmetros ocorrem quando na fala hodierna
desviamo-nos do registro coloquial ndash ldquoekbaiacutenontes tecircs lektecircs harmoniacuteasrdquo
86
d ndash confusatildeo entre fala hexameacutetrica e fala comum e extensatildeo para outros tipos de fala
(eacutepe)
a exposiccedilatildeo em Proclo seguiria um arranjo sequencial b a c d em Diomedes c a b d
3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico
Do que foi exposto no item anterior resulta nesta classificaccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies
poeacuteticos um criteacuterio que agruparia como epos toda poesia hexameacutetrica arcaica Mais
precisamente segue-se que por uma exposiccedilatildeo histoacuterico-etioloacutegica propotildee-se um conjunto
de traccedilos que agrupariam um poema na categoria ldquoeposrdquo A classificaccedilatildeo natildeo eacute como em
Aristoacuteteles exclusiva por tentar delimitar criteacuterios especiacuteficos e particularizantes mas
inclusiva porque assume mais de um criteacuterio ou traccedilo que permitiria incluir um poema no
gecircnero e apresenta as causas de cada um desses traccedilos como coexistentes
Por esse criteacuterio a rigor ndash e isso merece destaque no texto de Proclo ndash a invenccedilatildeo ou
descoberta do epos sua heuacuteresis eacute a descoberta do hexacircmetro e seu desenvolvimento ndash todas
as exposiccedilotildees mais detidas de espeacutecies seguem o esquema descoberta-desenvolvimento ndash
ocorre a partir do momento em que ldquose seguemrdquo as accedilotildees Parece que essa seria a exegese
mais literal dessa exposiccedilatildeo do epos como se encontra em Proclo e Diomedes Isso implica
que a rigor se o que Femonoe profetizava em hexacircmetros era ldquoeposrdquo ora poderiacuteamos
conceber um epos sem accedilatildeo Por isso talvez o segundo elemento etimoloacutegico imediatamente
arrolado seja o que propotildee a sucessatildeo imediata das accedilotildees por cosonacircnsia natural Vale
menccedilatildeo que a consonacircncia por si soacute seja ndash como por natureza ndash argumento suficiente (cf
supra 74)
Por esse criteacuterio abrangente observa-se que o texto de Proclo traria uma seccedilatildeo que natildeo
ocorre no livro III de Diomedes afinal de contas este natildeo teria a menor intenccedilatildeo embora
ambos compartilhem o mesmo ensejo didaacutetico e o mesmo modelo de categorizaccedilatildeo de
abordar detalhadamente o epos grego e daacute-lo a conhecer de modo geral agravequele que busca
instruccedilatildeo a seu respeito A Crestomatia traria nesse passo antes da apresentaccedilatildeo da elegia
uma discussatildeo geral de diferentes aspectos teoacutericos relacionados aos poemas classificados e
87
herdados como epos Como parte dessa discussatildeo eacute provaacutevel que se apresentassem
resumidamente evento a evento diferentes poemas contendo o ciclo eacutepico
A primeira peculiaridade aqui se refere ao fato de que os eventos mencionados por
Foacutecio (sect17) natildeo condizem com os eventos iniciais do primeiro poema na cronologia que nos
chega resumido a saber as Ciacuteprias que se iniciariam com Zeus tramando a guerra de Troia
junto a Tecircmis Considerando-se o episoacutedio das narraccedilotildees mitoloacutegicas com o qual o epiacutetome
de Foacutecio pontua o iniacutecio do ciclo verificamos que os fragmentos natildeo o contecircm por completo
uma vez que se iniciam com os poemas que visam ldquocompletarrdquo ndash ldquo
sympleroucircmenosrdquo ndash Homero (sect19) narrando fatos concernentes agrave guerra a partir de suas
causas que natildeo se encontram nem na Iliacuteada nem na Odisseia Eacute provaacutevel portanto que o
texto de Proclo transmitisse aqui de poemas como a Teogonia de Hesiacuteodo ou a
Titanomaquia atribuiacuteda a Eumelo eventos cosmogocircnicos concernentes agrave origem do mundo e
dos deuses culminando no reinado de Zeus e na Guerra de Troia a julgar inclusive pelo que
seria um dos toacutepicos do texto de Proclo destacado como relevante por Foacutecio a vir na
sequecircncia ldquotagrave mythologoucircmenardquo (sect19) ie as narraccedilotildees miacuteticas
O fato de Ceacuteu natildeo ser apresentado explicitamente como filho de Terra e de mesmo
assim a uniatildeo e a prole de ambos seguirem o padratildeo arcaico como se lecirc em Hesiacuteodo gerando
centiacutemanos e ciclopes (sem menccedilatildeo aos titatildes poreacutem) sugere a hipoacutetese defendida por
Severyns (paacuteg 87 ndash 88 n 17) de que Proclo se referia aqui agrave Titanomaquia jaacute entendida por
Ateneu (VII 277d ndash e) como poema do ciclo Nessa Ceacuteu seria filho do Ar (ou Eacuteter)81
O epiacutetome nos informa pela lista de cinco nomes anteriormente apresentada (sect15)
que dentro dessa interpretaccedilatildeo de epos Hesiacuteodo era exemplo da espeacutecie bem como outros
trecircs poetas que ou escreveram sobre Heacuteracles ndash sem atender como se sabe ao criteacuterio da
unidade de accedilatildeo por que Aristoacuteteles propugnaraacute (Poeacutetica VIII 1451a 16 ndash 35) ndash ou sobre as
guerras e eventos em torno da cidade de Tebas Os episoacutedios da Teogonia de Hesiacuteodo
portanto natildeo soacute seriam epos como tambeacutem de uma perspectiva a posteriori aquilo que
poetou faria parte do manancial episoacutedico que servia de mateacuteria prima aos poetas de epos A
respeito de Paniacuteasis Pisandro e Antiacutemaco resta a duacutevida que eram poetas de epos segundo
um mesmo criteacuterio que agrupava Hesiacuteodo e Homero natildeo haacute duacutevidas porque o texto o diz
contudo traria a Crestomatia menccedilatildeo dos episoacutedios por eles poetados
A referecircncia a essa primeira seccedilatildeo do ciclo eacutepico como ldquoτά περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι
μυθολογούμεναrdquo ldquoas narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos gregosrdquo (sect19) confirma que
81 Cf Anecdota Oxoniensa (I 75) Caliacutemaco (fragmento 498) Pseudo-Higino (Fabulae Preface) Ciacutecero (De
Natura Deorum 3 17)
88
antes dos resumos integralmente conhecidos o autor referia episoacutedios cosmogocircnicos mas
desse trecho natildeo temos fragmentos Eacute incerto se essa primeira parte do ciclo eacutepico era narrada
evento a evento apenas para anteceder os episoacutedios em torno da guerra de Troia do plano de
Zeus agrave morte de Odisseu ou se Proclo proporia uma sequecircncia de resumos dos diferentes
poemas considerados epos de acordo com a cronologia
Quanto agrave sequecircncia temporal dos eventos Ciacuteprias precedem a Iliacuteada Etioacutepida sucede
Na introduccedilatildeo agravequelas lecirc-se ldquoSucedem-se a esses eventos [a isso] as chamadas Ciacutepriasrdquo82
na introduccedilatildeo a esta ldquoSucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada
de Homero depois dela haacute a Etioacutepidardquo83 O texto a que o fragmento de Proclo refere-se satildeo
as Ciacuteprias a elas sucedem-se na cronologia os eventos da Iliacuteada e entatildeo os eventos da
Etioacutepida A jugar por essa passagem postos em sequecircncia o iniacutecio de ambos os fragmentos
indicariam que por deveras conhecida e copiada a Iliacuteada bem como a Odisseia natildeo eram
resumidas no texto de Proclo A introduccedilatildeo agrave Telegonia ocorre de maneira semelhante
ldquoDepois disso eacute a Odisseia de Homero depois disso a Telegoniardquo84 Chama a atenccedilatildeo que
pela cronologia dentro dessa esquematizaccedilatildeo de episoacutedios constituintes do ciclo a Odisseia
seria um nostos ie um retorno como uma espeacutecie a vir depois do poema Nostoi atribuiacutedo a
Aacutegias de Trezene e dedicado justamente a ldquosuprirrdquo os retornos natildeo poetados
Considerando que a Teogonia de Hesiacuteodo natildeo era obscura e que por isso poderia ser
simplesmente aludida como se faz com Iliacuteada e Odisseia natildeo restam muitos indiacutecios para
saber o que consistia esse iniacutecio do ciclo ou sua primeira seccedilatildeo Se no mesmo formato dos
resumos que a noacutes chegaram pode-se vislumbrar um autor que arrolasse um a um os eventos
em sequecircncia cronoacutelogica e mudando de um poema para o outro na ordem cronoloacutegica
fizesse menccedilatildeo disso Como faria no entanto no caso de poemas que continham ambos os
mesmos eventos A Titanomaquia como se sabe eacute narrada por Hesiacuteodo do verso 617 a 721
Poderia esse iniacutecio do ciclo ser apenas narrado de modo resumido e comentado pelo proacuteprio
Proclo a julgar pela construccedilatildeo ldquoΔιαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι
μυθολογούμεναrdquo ndash ldquoPassa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os
deuses dos gregosrdquo de modo que nele tanto o poema de Hesiacuteodo como o de Eumelo fossem
objeto do exame de Proclo A diferenccedila genealoacutegica apontada poreacutem eacute argumento aceite
para se supor que nesta passagem constasse o poema atribuiacutedo a Eumelo85 e daiacute como
tambeacutem consta na lista de kraacutetistoi (ou de modelos da espeacutecie) Antiacutemaco a quem se atribuem
82 Cypria 79 in Severyns tomo IV paacuteg 77 83 Cetera (a)Aethiopis 172 ndash 4 idem paacuteg 87 84 Cetera (e)Telegonia 306 ndash 7 ibidem paacuteg 96 85 Cf Evelyn-White (2003) e West (2003)
89
Tebaida e Epiacutegonos pode-se conjecturar que os eventos em torno de Tebas tambeacutem viessem
resumidos Se de fato Proclo se propusesse a enumerar episoacutedio a episoacutedio encaixando os
poemas em uma cronologia eacute provaacutevel que incluiacutesse esses eventos do ciclo tebano e dissesse
em que poema constam como nos resumos do ciclo troiano que conhecemos Como trataria a
Teogonia permanece uma questatildeo apenas a referiria e comentaria as diferenccedilas em relaccedilatildeo
ao poema de Eumelo Haveria um comentaacuterio sobre cosmogonia em geral no que
indiscriminadamente o autor exporia a interpretaccedilatildeo histoacuterica de que fala o paraacutegrafo 19
A passagem de Ateneu86 citada por Severyns confirma-nos apenas uma coisa pelo
menos desde o seacuteculo III dC as palavras ldquociclo eacutepicordquo podiam designar apenas os poemas
que se encarregavam de no entendimento dos exegetas e como aparece no texto mesmo de
Proclo completar a narraccedilatildeo de mitos que emboram conhecidos da audiecircncia dos poemas de
Homero natildeo se encontravam narrados em nenhum de seus dois poemas Independente de os
eacutepe que continham tais eventos serem primordialmente diferentes cantos hexameacutetricos de
uma Greacutecia ateacute preacute-homeacuterica dos quais postereiormente reunidos restaram-nos as
composiccedilotildees ou versotildees atribuiacutedas aos autores do chamado ciclo a percepccedilatildeo antiga dessas
composiccedilotildees pelo menos como expressa em Ateneu concebia-os como um conjunto de
poemas posteriores por oposiccedilatildeo a poemas anteriores Homero certamente pertencia ao
segundo grupo Portanto pensando episodicamente os eventos poetados por Homero podem
ser pensados como pertencentes a uma cronologia total de accedilotildees que os poetas abordam mas
parece que referindo-se a mais de um poema a proacutepria designaccedilatildeo ndash ldquociclo eacutepicordquo ndash supotildee-se
como um conjunto por exclusatildeo
Podia ser essa a distinccedilatildeo no texto de Proclo Se Foacutecio o resumiu atentando inclusive agrave
ordem de exposiccedilatildeo tambeacutem aqui se vecirc uma reorganizaccedilatildeo de um padratildeo expositivo
havendo definido a espeacutecie epos do gecircnero narrativo conforme o criteacuterio metro-mateacuteria e
organizado a exposiccedilatildeo de modo a fornecer uma breve histoacuteria para ela segundo a estrutura
invenccedilatildeo-desenvolvimento para completar o que seria uma exposiccedilatildeo didaacutetica87 dessa poesia
86 Logo no princiacutepio do livro VII do Deipnosophistae 277d ndash e discute-se o emprego da palavra por no
verso 1297 do Aacutejax de Soacutefocles e Zoilo afirma que o tragedioacutegrafo hauriu-a na Titanomaquia ao que emende
ldquode fato o ciclo eacutepico aprazia a Soacutefoclesrdquo Ateneu testemunha portanto na boca de Zoilo natildeo soacute que os poemas
do ciclo eram concebidos como um todo mas tambeacutem que a Titanomaquia estava inclusa 87 Essa finalidade didaacutetica ainda mais especificamente nessa exposiccedilatildeo de biografias e do ciclo natildeo poderia
ficar mais clara do que em uma passagem da briografia de Homero que seria do proacuteprio autor da obra
Ponderando sobre isso que no resumo de Foacutecio aparece como ldquotinas epi meacuterous praacutexeisrdquo ndash ldquoalgumas histoacuterias
particularesrdquo a respeito de Homero havendo exposto as histoacuterias a respeito de sua cegueira as etimologias a
repeito de seu nome e principalmente a anedota de sua morte escreve ldquoEsses eventos contudo carecem de
investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo ignorante neles avanccedilo nesse sentidordquo (Vita Homeri 45 ndash 46 in
Severyns op cit tomo IV paacuteg 71 ndash 72 Traduccedilatildeo paacuteg 131)
90
1 ndash a) proporia um piacutenax ie uma lista dos poetas exemplares b) forneceria uma
biografia dos poetas dessa lista contemplando sua origem ie sua paacutetria vida e histoacuterias a
seu respeito Depois
2 ndash a) havendo exposto os principais poetas do epos dedicar-se-ia aos poemas dos
menores poetas de epos agrupados sob o tiacutetulo de ldquociclo eacutepicordquo se aqui se aplicasse a
denominaccedilatildeo como em Ateneu o primeiro poema seria o de Eumelo porque na cronologia
miacutetica eacute o mais velho dos poemas do ciclo b) iniciando-se o ciclo portanto por eventos
comogocircnicos haveria um excurso explicativo sobre tais eventos se o excurso se desdobrava
na anaacutelise de mais eventos divergentes Hesiacuteodo e episoacutedios do ciclo tebano poderiam vir
referidos mas o foco seria a explicaccedilatildeo histoacuterica dos mitos sem que se possa saber se essa
explicaccedilatildeo se dava sobre um resumo cosmogocircnico como um todo em que se inseria a
Titanomaquia ou apenas sobre os eventos nela contantes c) uma ponderaccedilatildeo sobre o valor do
ciclo eacutepico e a explicitaccedilatildeo do criteacuterio adotado para sua exposiccedilatildeo a sequecircncia de accedilotildees nele
contidas ou ndash por que natildeo ndash registradas d) a menccedilatildeo apenas ou uma breve biografia dos
poetas que compuseram tais poemas
Como no caso do ciclo o foco satildeo os eventos transmitidos e natildeo a virtude das
composiccedilotildees a exposiccedilatildeo dos seus eventos eacute anterior os poetas seriam discutidos apenas
depois se o paraacutegrafo 21 corresponde a algo aleacutem do ldquonomerdquo e ldquopaacutetriardquo que antecedem o
resumo de cada um dos poemas Cosoante a isso parece estar o compilador do Etymologicum
Magnum outrora citado na paacutegina 15 (cf seccedilatildeo 12) e a ordem como coloca o ciclo eacutepico em
sua citaccedilatildeo fornecida como de Proclo
332 Elegia
Na exposiccedilatildeo da elegia como eacute de se esperar natildeo haacute diferenccedilas gritantes entre a
histoacuteria que se lecirc em Proclo e a que se lecirc no gramaacutetico latino Ambos iniciam pelo metro
elemento preciacutepuo a ser observado para a classificaccedilatildeo e definem como ldquoelegeiacuteardquo o diacutestico
em que se compotildeem os poemas que recebem tal denominaccedilatildeo Sobre a mateacuteria ou sobre a
histoacuteria do que se canta nas elegias ambos satildeo unacircnimes como todas as descriccedilotildees que
conhecemos em associar a elegia ao lamento fuacutenebre irmanando-a ao treno e agrave necircnia
A etimologia apresentada por Proclo quanto agrave palavra exata eacute a que aproxima a forma
ldquoelegeiacuteardquo da forma ldquoeacutelegosrdquo que eacute dada como nome antigo do lamento fuacutenebre mais
91
precisamente segundo a etimologia do coacutedice seria o nome que os antigos davam ao proacuteprio
treno esse sim o canto de lamento por um morto O termo tambeacutem adviria do fato de que se
elogiava o morto o que se diria ldquoeucirc leacutegeinrdquo havendo proximidade foneacutetica entre o nome do
lamento antigo (eacutelegos) e a expressatildeo para ldquofalar bemrdquo A formulaccedilatildeo que se lecirc no texto natildeo
deixa duacutevida de que pelo menos neste caso natildeo se trata de escolher uma a outra mas de
entender o que consistia a etimologia antiga explicar uma palavra atraveacutes de outras
principalmente se haacute implicaccedilatildeo histoacuterica entre elas o que se deduz de seus significados
Assim eacute porque o lamento fuacutenebre se dizia entre os antigos ldquoeacutelegosrdquo e porque
simultanemante nele se elogiava o morto (ldquoeucirc leacutegeinrdquo) que se cunhou a palavra que designa
as composiccedilotildees no metro A etimologia aqui busca explicar o nome que diferentemente do
hexacircmetro eacute o nome do metro e por conseguinte o nome da composiccedilatildeo Isso se explicita no
terceiro comentaacuterio explicativo a respeito da elegia posteriormente se passou a usar o metro
para diferentes ldquohipoacutetesesrdquo para diferenes argumentos explicando portanto que muito da
elegia (principalmente a julgar pelo que conhecemos) natildeo conteacutem o elemento fuacutenebre
A etimologia de Diomedes difere quanto agrave expressatildeo para o lamentar mas constroacutei-se
de maneira semelhante ie pela concomitacircncia das duas coisas ou dos significados dos
significantes aproximados De fato diz-nos Diomedes
ldquo() elegia autem dicta sive
(fere enim defunctorum laudes hoc carmine conprehendebantur) sive
id est miseratione quod Graeci vel
isto metro scriptitaveruntrdquo
(Diomedes op cit 484 22 ndash 25)
ldquo() A elegia por sua vez disse-se quer paragrave tograve eucirc leacutegein tougraves
tethneocirctas88 (pois quase todos os elogios aos mortos eram
compreendidos neste canto) quer apograve toucirc eleacuteou89 isto eacute comiseraccedilatildeo
porque os gregos tinham o haacutebito de escrever neste metro threacutenous ou
eleeicircardquo
(trad Gaberllini op cit 234)
Diomedes prefere as palavras que nomeiam a substacircncia do canto fuacutenebre e
primeiramente na contraposiccedilatildeo ao elogio oferece outra palavra em vez de eacutelegos Nisso natildeo
diverge do saber gramatical que aqui se expotildee porque essa etimologia na verdade eacute
recorrente em outros textos Lecirc-se por exemplo no Etymologicum Magnun e no escoacutelio a
88 ie ldquopelo elogiar os mortosrdquo 89 ldquoPor causa da laacutestima piedaderdquo a ldquocomiseraccedilatildeordquo como o proacuteprio Diomedes traduz em sequecircncia
92
Dioniacutesio Traacutecio preferindo-se ali o verbo eleeicircn (ldquolastimar comiserar-serdquo)90 em vez do aqui
empregado substantivo eacuteleon91
Igualmente apenas em outra ordem o texto do gramaacutetico propotildee como argumento
final (o que na Crestomatia seria o primeiro argumento) o fato de que era nesse metro que os
antigos gregos compunham trenos Propotildee contudo outro nome para eles eleeicirca Essa
possibilidade etimoloacutegica natildeo eacute mencionada por Severyns em seu comentaacuterio a essa
passagem do epiacutetome embora ocorra no singular em duas das passagens que colige do
escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio em (173 8 ndash 10)
ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν τοῦ ltγgt
ἐκθλιβομένου παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ εὐλογεῖον παρὰ
τὸ εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo
ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo92 eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo
elidindo-se o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo [lastimar] o falecido ou lsquoeulogeicirconrsquo93
pelo lsquoeucirc logeicircnrsquo [elogiar] o que cessou de viverrdquo
(grifos e traduccedilatildeo do autor)
e (307 24 ndash 26)
ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν ἐλλειφθέντος
τοῦ ltγgt ἀπὸ τοῦ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖον ἀπὸ τοῦ ἔ
λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo
ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo faltando
o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo o falecido ou lsquoelegeicirconrsquo por causa do lsquoeacute leacutegeinrsquo94 o
que cessou de viverrdquo
(Idem)
90 O levantamento completo das etimologias encontra-se bem exposto e organizado em Severyns op cit II
commentaire 25 paacuteg 99 ndash 102 Para essa em especiacutefico cf Etymologicum Magnun 326 50 e o escoacutelio a
Dioniacutesio Traacutecio 307 24 ndash 26 173 8 ndash 9 20 25 ndash 27 475 26 91 Haurido por Severyns no Etymologicum Gudianum 180 17 e no Et Mag idem em outra etimologia que
aproxima eacuteleon de goacuteon sendo este segundo a expressatildeo acerba do luto Essa etimologia diferentemente eacute
apenas pautada no campo semacircntico do lamento funeral 92 Termo que tambeacutem designa priemeiro o diacutestico e por metoniacutemia a composiccedilatildeo em diacutestico daiacute o poema ou a
inscriccedilatildeo no metro 93 Algo como ldquoelogiosordquo 94 Essa seria a etimologia mais baacutesica supondo que o termo viria de ldquodizer lsquoersquordquo como expressatildeo de dor
93
Em ambos os casos como os gramaacuteticos se repetem e parecem se copiar obserava-se
o emprego da conjunccedilatildeo ldquohoioneiacuterdquo quase como se fosse formular ao se dar essa etimologia O
plural ocorre somente uma vez
ldquo()διὸ καὶ καλεῖται ἐλεγεῖα οἱονεὶ ἐλεεῖα τοῦ ltγgt ἐκθλιβομένου
παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖα οἱονεὶ εὐλεγεῖα παρὰ τὸ
εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταhelliprdquo
(Sch Dion Tr 20 25 ndash 27)
ldquo() razatildeo pela qual tambeacutem se chamava ldquoelegeicircardquo como se ldquoeleeicircardquo
elidido o lsquogrsquo pelo ldquoeleeicircnrdquo o falecido ou ldquoelegeicircardquo como se
ldquoeulegeicircardquo pelo ldquoeucirc leacutegeinrdquo o que cessou de viverrdquo
(Idem)
Severyns natildeo menciona o termo como uma etimologia em separado porque natildeo o
entende e com razatildeo assim a comeccedilar pela conjunccedilatildeo mencionada vecirc-se que nessas
explicaccedilotildees o termo eacute hipoteacutetico Severyns igualmente natildeo estaacute comparando o coacutedice 239 agrave
Ars de Diomedes que natildeo menciona Em todas as referidas ocorrecircncias seja antes (173 e
307) seja depois (20) assume-se que o termo eacutelegos era primordialmente sinocircnimo de treno
portanto em todas a palavra seguindo o mesmo esquema derivacional eacute apresentada como
transiccedilatildeo de uma derivaccedilatildeo do verbo eleeacuteo como uma espeacutecie de deverbal anterior a
forma com g Seria o que se diria imediatamente a princiacutepio como resultado do verbo
ldquocomiserar-se lastimarrdquo
Ora eacute esse o termo que Diomedes fornece como sinocircnimo de treno haurido como se
vecirc tambeacutem na gramaacutetica de base heleniacutestica Assim salvo pela escolha Diomedes natildeo
diverge do texto da Cretomatia mas refere-se agrave etapa primeira do processo expliacutecito nos
demais textos do qual se subentende que pela adiccedilatildeo de um som jaacute se estaacute na famiacutelia das
palavras ldquoeacutelegos elegeicircon elegeiacuteardquo Esses seriam os trecircs termos maiores da histoacuteria que se
compotildee com as etimologias sendo o primeiro o nome antigo para o lamento que se fazia pelo
passamento de algueacutem o segundo do metro e de seu emprego um diacutestico qualquer sendo o
plural uma forma de designar as composiccedilotildees Elegia se diria do poema inteiro composto
nesse metro a ldquoforma literaacuteriardquo ou em outros termos o poema pensado para ser uma
composiccedilatildeo nesse metro ndash segundo o emprego amplo que se fez do termo e a que o epiacutetome
alude e com esse feminino natildeo se designariam mais as inscriccedilotildees ou epigramas O texto
mesmo de Diomedes exemplifica o emprego de ldquoeacutelegosrdquo e ldquoelegiardquo como sinocircnimos a
95 Severyns agrupa as passagens referidas no conjunto de etimologias a partir do referido verbo
94
posteriori seja por empregaacute-los ele mesmo (ldquoelegiardquo como nome do carme mas depois
ldquoelegosrdquo referido-se agraves composiccedilotildees96) seja pelo exemplo de Horaacutecio nas linhas seguintes
Odes I 33 2 ndash 397
Assim teriacuteamos como designaccedilotildees mais primitivas eacutelegos (lamento) e elegeicircon (o
metro em que se exprimia sua confecccedilatildeo) Ambos se agrupariam na nomenclatura geneacuterica
posterior elegeiacutea O eacutelegos contudo a designaccedilatildeo para o elemento baacutesico desse canto
derivaria em geral de
a) ldquoeacute leacutegeinrdquo eleeicircn-eacuteleon para o que alguns supotildeem uma expressatildeo resultativa
ldquoeleeicirconardquo agrave qual se adicionou o gama ( )
b) ldquoeucirc leacutegeinrdquo
Esses satildeo os dois elementos baacutesicos de significado que as etimologias contemplam
Vemos por fim que Diomedes empregou a expressatildeo ldquoeleeicirconardquo para o que em Proclo eacute o
eacutelegos pensado como o treno antigo a expressatildeo da comiseraccedilatildeo (eleacuteon item a) somado ao
item b de nosso binocircmio ldquoeucirc legeicircnrdquo compondo uma histoacuteria natildeo diferente da exposta em
Proclo
333 Iambo
As similaridades entre os dois textos quanto aos referentes gregos eacute bem evidente
por exemplo nos dois modelos gregos arrolados pelo gramaacutetico latino Mas eacute a etimologia
para to iambeicircn a uacutenica proposta por Diomedes que imediatamente chama a atenccedilatildeo em seu
texto porque tambeacutem como Severyns diz muito bem acerca do texto de Proclo (op cit tomo
II commentaire 28 1 paacuteg 104) segue em primeiro lugar a etimologia proposta por ningueacutem
menos que Aristoacuteteles
96 Op cit 485 1 97 ldquoAlbi ne doleas plus nimio memor
inmitis Glycerae neu miserabilis
decantes elegos cur tibi iunior
laesa praeniteat fiderdquo
95
ldquo()
rdquo
(ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1448b 30 ndash 32)
ldquoNos quais [No Margites e poemas semelhantes] por acomodaccedilatildeo o iacircmbico veio
como metro ndash eacute por isso que eacute chamado ldquoiacircmbicordquo hoje porque nesse metro se ralhavam uns
com os outrosrdquo
(Trad do autor)
Aristoacuteteles mesmo supotildee que o verbo iambizar jaacute existia antes de se referir tambeacutem
ao peacute com o significado de ldquoimprecar ralhar insultarrdquo e por causa do uso que se fazia do
metro posteriormente esse obteve seu nome a partir da finalidade com que era empregado
Severyns propotildee que a recorrecircncia dessa etimologia nos textos em geral e sua presenccedila
encabeccedilando o texto de Proclo se deveria acima de tudo ao peso da autoridade de
Aristoacuteteles98 Caberia entatildeo indagar porque Aristoacuteteles natildeo eacute seguido em diversas outras
passagens Que sua autoridade pese como autor que endossava essa opiniatildeo natildeo se nega mas
fiar-se a ela como etimologia primeira e baacutesica parece estar atrelado agrave ausecircncia de outra
etimologia plenamente satisfatoacuteria uma vez que o proacuteprio texto de Proclo atesta que a
associaccedilatildeo direta entre iacuteambos e iambiacutezein seria dialetal sem identificar sua origem poreacutem
No lugar de iambiacutezein na primeira associaccedilatildeo etimoloacutegica (sect28 15) refere-se a ldquoloidoriacuteasrdquo
para em seguida associar o verbo cognato (loidorein) ao que Aristoacuteteles emprega pois que
satildeo sinocircnimos
Demais Proclo apresentaraacute outras duas explicaccedilotildees a primeira delas eponiacutemica
parece que ocorre de modo a fornecer uma etiologia que reforccedila a associaccedilatildeo baacutesica metro-
mateacuteria apresentada no paraacutegrafo anterior a segunda tem a mesma intenccedilatildeo uma vez que
apresentaria o processo pelo qual o uso sobejo de iambiacutezein teria ocupado o proacuteprio lugar de
hybriacutezein Porfim esse argumento eacute endossado pela comparaccedilatildeo com o verbo komaacutezein se
primeiramente significava apenas participar de uma koacutemos um cortejo galhofeiro pela
praacutetica poeacutetica torna-se o proacuteprio verbo para ldquocriticar satirizarrdquo
Merece destaque tambeacutem o fato de que nesse passo ambos autores descrevem o
mesmo processo muito plausiacutevel observado no caso do epos segundo o qual uma palavra
em funccedilatildeo de um uso acaba tomando o lugar de outra
98 Op cit paacuteg 105
96
334 Meacutelica
O texto de Diomedes natildeo traz uma extensa classificaccedilatildeo da meacutelica mas a Ars de
Horaacutecio como se sabe natildeo soacute chama a atenccedilatildeo por mencionar a liacuterica mas principalmente
por apresentar brevemente uma divisatildeo segundo olha de maneira semelhante para as espeacutecies
da meacutelica grega (83 ndash 85)
ldquoMusa dedit fidibus divos puerosque deorum
et pugilem victorem et equum certamine primum
et ivuenum curas et libera vina referrerdquo
ldquoA Musa concedeu agrave lira o cantar deuses e filhos de deuses o
vencedor no pugilato e o cavalo que primeiro cortou a meta nas
corridas os cuidados dos jovens e o vinho que liberta dos cuidadosrdquo
(trad Rosado Fernandes 1984)
Semelhantemente ao criteacuterio da Crestomatia Horaacutecio vai do sacro ao profano ou
secular aludindo a exemplos semelhantes ao que no texto de Proclo seratildeo trecircs dos grandes
grupos em que a poesia meacutelica apareceraacute agrupada o hino e alguma espeacutecie que poderia
incluir homens (fosse um peatilde secular o encocircmio ou outra espeacutecie)99 o epiniacutecio e a poesia de
acircmbito simposial (uma composiccedilatildeo eroacutetica ou um escoacutelio) Os grupos do texto de Proclo satildeo
a saber
(a) para os deuses ndash hino (uma categoria que poderia se pensada como gecircnero para espeacutecie)
prosoacutedio peatilde ditirambo nomo adoniacutedia iobaco hiporquema
(b) para os homens ndash encocircmio (que conteria o elemento baacutesico podendo ser para as demais
espeacutecies tomado como gecircnero) epiniacutecio escoacutelio eroacuteticas epitalacircmio himeneu silo epiceacutedio
e treno
99 E aqui eacute interessante que Horaacutecio sugira a possibilidade dessa inclusatildeo do homem como objeto da poesia
primeiramente sacra ou seja a secularizaccedilatildeo da espeacutecie poeacutetica dado que como se notaraacute ao longo da anotaccedilatildeo
ao cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas tal noccedilatildeo estaacute presente e eacute aplicada mesmo que subentendida em alguns casos
ao longo da classificaccedilatildeo Horaacutecio como se sabe eacute bem anterior a Proclo o que confirma portanto que o
resumo de Foacutecio atesta uma classificaccedilatildeo as poesia (natildeo soacute da meacutelica) que pelo menos ateacute Proclo era conhecida
aceita e difundida
97
(c) para deuses e homens ndash partecircnio (assumidamente gecircnero para espeacutecies) e daiacute dafnefoacutericas
tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas
(d) para circunstacircncias acidentais quando o poeta por conta de uma circunstacircncia ocasional
comporia versos para situaccedilotildees particulares da vida praacutetica motivo pelo qual as pragmaacuteticas
poderiam ser pensadas como gecircnero para espeacutecies seguida das empoacutericas apostoacutelicas
sentenciosas geoacutergicas e epistolares
A classificaccedilatildeo dessas espeacutecies estaria portanto diretamente atrelada agrave situaccedilatildeo em
que se davam Para diversas delas como se veraacute a situaccedilatildeo seraacute pressuposta apenas Os
criteacuterios ateacute entatildeo observado (etimologia e etiologia) seratildeo empregados para circunscrever as
origens e circunstacircncias que tatildeo somente por nomear permitiriam ao gramaacutetico categorizar
ie tornar algo vasto e impreciso em uma classificaccedilatildeo acessiacutevel e didaacutetica
De agora em diante portanto dada a extensatildeo do cataacutelogo concernente agraves espeacutecies
meacutelicas como natildeo eacute objetivo deste estudo resolver os problemas concernentes a cada uma
delas em separado mas sim entender seu funcionamento dentro do tipo de classificaccedilatildeo aqui
estudada a classificaccedilatildeo dos gramaacuteticos e estabelecer a filiaccedilatildeo do texto atribuiacutedo a Proclo
(uacutenico espeacutecime a trazer a extensa classificaccedilatildeo da liacuterica) o texto assumiraacute a forma de
anotaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo do epiacutetome a fim de fornecer as referecircncias necessaacuterias para sua
compreensatildeo (pois natildeo faltam passagens obscuras) pontuando e ponderando elementos agraves
vezes apenas conjecturais que explicitem as caracteriacuteticas da obra (como ateacute entatildeo tem sido
pensada) e a aplicaccedilatildeo dos criteacuterios que foram aqui propostos como instrumentais dos textos
de base gramatical Seguir-se-atildeo os dois editores e comentadores modernos do coacutedice 239
(Severyns e Ferrante) visando tal exclarecimento e a seus comentaacuterios se somaratildeo as
ponderaccedilotildees segundo as finalidades deste estudo
98
PARTE II
Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
1 COacuteDICE 239
11 TEXTO
Segue-se a ediccedilatildeo de Severyns e sua paragrafaccedilatildeo junto da numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo de
Bekker para a Biblioteca
[1] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου Xρησ- 239318b22
τομαθείας ραμματικῆς rsquoEκλογαί
[2] Ἔστι δὲ τὸ βιβλίον εἰς διῃρημέ-
νον λόγους
[3] Λέγει μὲν ἐν τῷ αʹ ὡς αἱ αὐταί εἰσιν ἀρεταὶ
τοῦ λόγου καὶ ποιήματος παραλλάσσουσι δὲ ἐν τῷ μᾶλ- 25
λον καὶ ἧττον
[4] Καὶ ὅτι τοῦ πλάσματος τὸ μέν ἐστιν ἁδρόν
τὸ δὲ ἰσχνόν τὸ δὲ μέσον
[5] Καὶ τὸ μὲν ἁδρὸν ἐκπκληκ-
τικώτατόν ἐστι καὶ κατεσκευασμένον μάλιστα καὶ ποιη-
τικὸν ἐπιφαῖνον κάλλος
[6] Tὸ δὲ ἰσχνὸν τὴν τροπικὴν μὲν
καὶ φιλοκατάσκευον σύνθεσιν μεταδιώκει ἐξ ἀνειμένων 30
δὲ μᾶλλον συνήρτηται ὅθεν ὡς ἐπίπαν τοῖς γοεροῖς
ἄριστά πως ἐφαρμόττει
[7] Τὸ δὲ μέσον καὶ τοὔνομα μὲν
δηλοῖ ὅτι μέσον ἐστὶν ἀμφοῖν
[8] Ἀνθηρὸν δὲ κατ ἰδίαν
οὐκ ἔστι πλάσμα ἀλλὰ συνεκφέρεται καὶ συμμέμικται
99
τοῖς εἰρημένοις ἁρμόζει δὲ τοπογραφίαις καὶ λειμώνων 35
ἢ ἀλσῶν ἐκφράσεσιν
[9] Οἱ δὲ τῶν εἰρημένων ἀποσφα-
λέντες ἰδεῶν ἀπὸ μὲν τοῦ ἁδροῦ εἰς τὸ σκληρὸν καὶ ἐπηρ-
μένον ἐτράπησαν ἀπὸ δὲ τοῦ ἰσχνοῦ εἰς τὸ ταπεινὸν
ἀπὸ δὲ τοῦ μέσου εἰς τὸ ἀργὸν καὶ ἐκλελυμένον
[10] Διαλαμ- 239319a1
βάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδί-
δωσι τίς ἤθους καὶ πάθους διαφορά
[11] Καὶ ὅτι τῆς ποιη-
τικῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόν
[12] Καὶ τὸ
μὲν διηγηματικὸν ἐκφέρεται δι ἔπους ἰάμβου τε καὶ ἐλε- 5
γείας καὶ μέλους τὸ δὲ μιμητικὸν διὰ τραγῳδίας σατύρων
τε καὶ κωμῳδίας
[13] Καὶ ὅτι τὸ ἔπος πρῶτον μὲν ἐφεῦρε Φημονόη ἡ
Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς χρησα-
μένη καὶ ἐπειδὴ τοῖς χρησμοῖς τὰ πράγματα εἵπετο 10
καὶ σύμφωνα ἦν ἔπος τὸ ἐκ τῶν μέτρων κληθῆναι
[14] Οἱ δέ φασιν ὅτι διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαν
ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ
κοινὸν ὄνομα παντὸς τοῦ λόγου τὸ ἑξάμετρον ἰδιώ-
σατο καὶ ἐκλήθη ἔπος καθάπερ καὶ Ὅμηρος τὸν 15
ποιητὴν καὶ ὁ Δημοσθένης τὸν ῥήτορα ᾠκειώσατο
ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευον
[15] Γεγόνασι δὲ
τοῦ ἔπους ποιηταὶ κράτιστοι μὲν Ὅμηρος Ἡσίοδος Πεί-
σανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος
[16] Διέρχεται δὲ τούτων ὡς
οἷόν τε καὶ γένος καὶ πατρίδας καί τινας ἐπὶ μέρους 20
πράξεις
[17] Διαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ τοῦ λεγομένου ἐπικοῦ
κύκλου ὃς ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μυθο-
λογουμένης μίξεως ἐξ ἧς αὐτῷ καὶ τρεῖς παῖδας ἑκα-
100
τοντάχειρας καὶ τρεῖς γεννῶσι Κύκλωπας
[18] Διαπορεύεται
δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα 25
καὶ εἴ πού τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται
[19] Καὶ περα-
τοῦται ὁ ἐπικὸς κύκλος ἐκ διαφόρων ποιητῶν συμπλη-
ρούμενος μέχρι τῆς ἀποβάσεως Ὀδυσσέως τῆς εἰς Ἰθά-
κην ἐν ᾗ ὑπὸ τοῦ παιδὸς Τηλεγόνου ἀγνοοῦντος
κτείνεται
[20] Λέγει δὲ ὡς τοῦ ἐπικοῦ κύκλου τὰ ποιήματα 30
διασῴζεται καὶ σπουδάζεται τοῖς πολλοῖς οὐχ οὕτω διὰ
τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν τῶν ἐν αὐτῷ πραγμά-
των
[21] Λέγει δὲ καὶ τὰ ὀνόματα καὶ τὰς πατρίδας τῶν πραγ-
ματευσαμένων τὸν ἐπικὸν κύκλον
[22] Λέγει δὲ καὶ περί
τινων Κυπρίων ποιημάτων καὶ ὡς οἱ μὲν ταῦτα εἰς 35
Στασῖνον ἀναφέρουσι Κύπριον οἱ δὲ Ἡγησῖνον τὸν
Σαλαμίνιον αὐτοῖς ἐπιγράφουσιν οἱ δὲ Ὅμηρον
γράψαι δοῦναι δὲ ὑπὲρ τῆς θυγατρὸς Στασίνῳ καὶ διὰ τὴν 239319b1
αὐτοῦ πατρίδα Κύπρια τὸν πόνον ἐπικληθῆναι
[23] Ἀλλ οὐ
τίθεται ταύτῃ τῇ αἰτίᾳ μηδὲ γὰρ Κύπρια προπαροξυτόνως
ἐπιγράφεσθαι τὰ ποιήματα 5
[24] Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου καὶ πεντα-
μέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις
[25] Ὅθεν καὶ
τοῦ ὀνόματος ἔτυχε τὸ γὰρ θρῆνος ἔλεγον ἐκάλουν οἱ
παλαιοὶ καὶ τοὺς τετελευτηκότας δι αὐτοῦ εὐλόγουν
[26] Οἱ
μέντοι γε μεταγενέστεροι ἐλεγείᾳ πρὸς διαφόρους 10
ὑποθέσεις ἀπεχρήσαντο
[27] Λέγει δὲ καὶ ἀριστεῦσαι τῷ μέ-
τρῳ Καλλῖνόν τε τὸν Ἐφέσιον καὶ Μίμνερμον τὸν Κολο-
101
φώνιον ἀλλὰ καὶ τὸν τοῦ Τηλέφου Φιλίταν τὸν Κῷον
καὶ Καλλίμαχον τὸν Βάττου Κυρηναῖος οὗτος δ ἦν
[28] Ἀλλὰ γὰρ καὶ τὸν ἴαμβον τάττεσθαι μὲν ἐπὶ λοιδο- 15
ρίας τὸ παλαιόν καὶ γὰρ καὶ τὸ ἰαμβίζειν κατά τινα
γλῶσσαν λοιδορεῖν ἔλεγον
[29] Οἱ δὲ ἀπό τινος Ἰάμβης
θεραπαινίδος Θρᾴττης τὸ γένος ταύτην φασίν τῆς
Δήμητρος ἀνιωμένης ἐπὶ τῇ τῆς θυγατρὸς ἁρπαγῇ
προσελθεῖν περὶ τὴν Ἐλευσῖνα ἐπὶ τῇ νῦν Ἀγελάστῳ 20
καλουμένῃ πέτρᾳ καθημένην καὶ διά τινων χλευασμάτων
εἰς γέλωτα προαγαγέσθαι τὴν θεόν
[30] Ἔοικε δὲ ὁ ἴαμβος
τὸ μὲν παλαιὸν ἐπὶ τῶν εἰς ψόγον καὶ ἔπαινον γρα-
φομένων ὁμοίως λέγεσθαι ἐπεὶ δέ τινες ἐπλεόνασαν ἐν
ταῖς κακολογίαις τὸ μέτρον ἐκεῖθεν τὸ ἰαμβίζειν εἰς 25
τὸ ὑβρίζειν ὑπὸ τῆς συνηθείας ἐκπεσεῖν ὥσπερ ἀπὸ
τῶν κωμικῶν τὸ κωμῳδεῖσθαι
[31] Ἰάμβων δὲ ποιηταὶ Ἀρχί-
λοχός τε ὁ Πάριος ἄριστος καὶ Σιμωνίδης ὁ Ἀμόργιος
ἤ ὡς ἔνιοι Σάμιος καὶ Ἱππῶναξ ὁ Ἐφέσιος ὧν ὁ μὲν
πρῶτος ἐπὶ Γύγου ὁ δὲ ἐπ Ἀμύντου τοῦ Μακεδόνος 30
Ἱππῶναξ δὲ κατὰ Δαρεῖον ἤκμαζε
[32] Περὶ δὲ μελικῆς ποιήσεώς φησιν ὡς πολυμερεστάτη
τε καὶ διαφόρους ἔχει τομάς
[33] Ἃ μὲν γὰρ αὐτῆς μεμέρισται
θεοῖς ἃ δὲ ltἀνθρώποις ἃ δὲ θεοῖς καὶgt ἀνθρώποις ἃ δὲ
εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις
[34] Καὶ εἰς θεοὺς μὲν ἀνα- 35
φέρεσθαι ὕμνον προσόδιον παιᾶνα διθύραμβον νόμον
ἀδωνίδια ἰόβακχον ὑπορχήματα
[35] Εἰς δὲ ἀνθρώπους ἐγκώμια ἐπίνικον σκό- 239320a1
λια ἐρωτικά ἐπιθαλάμια ὑμεναίους σίλλους θρήνους
ἐπικήδεια
[36] Εἰς θεοὺς δὲ καὶ ἀνθρώπους παρθένια δα-
102
φνηφορικά τριποδηφορικά ὠσχοφορικά εὐκτικά ταῦτα
γὰρ εἰς θεοὺς γραφόμενα καὶ ἀνθρώπων περιείληφεν ἐπαί- 5
νους
[37] Τὰ δὲ εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις οὐκ ἔστι
μὲν εἴδη τῆς μελικῆς ὑπ αὐτῶν δὲ τῶν ποιητῶν ἐπικεχείρη-
ται τούτων δέ ἐστι πραγματικά ἐμπορικά ἀποστολικά γνωμολογικά γεωργικά
ἐπισταλτικά
[38] Καί φησι τὸν ὕμνον
μὲν ὠνομάσθαι ἀπὸ τοῦ ὑπόμονόν τινα εἶναι καὶ οἷον 10
εἰς μνήμην καὶ ὑπόμνησιν ἄγειν τὰς πράξεις τῶν ὑμνου-
μένων ἢ ἀπὸ τοῦ ὕδειν αὐτάς ὅπερ ἐστὶ λέγειν
[39] Ἐκά-
λουν δὲ καθόλου πάντα τὰ εἰς τοὺς ὑπερόντας γραφόμενα
ὕμνους διὸ καὶ τὸ προσόδιον καὶ τὰ ἄλλα τὰ προειρη- 15
μένα φαίνονται ἀντιδιαστέλλοντες τῷ ὕμνῳ ὡς εἴδη
πρὸς γένος καὶ γὰρ ἔστιν αὐτῶν ἀκούειν γραφόντων ὕμνος
προσοδίου ὕμνος ἐγκωμίου ὕμνος παιᾶνος καὶ τὰ ὅμοια
[40] Ἐλέγετο δὲ τὸ προσόδιον ἐπειδὰν προσίωσι τοῖς βω-
μοῖς ἢ ναοῖς καὶ ἐν τῷ προσιέναι ᾔδετο πρὸς αὐλόν ὁ
δὲ κυρίως ὕμνος πρὸς κιθάραν ᾔδετο ἑστώτων
[41] Ὁ δὲ 20
παιάν ἐστιν εἶδος ᾠδῆς εἰς πάντας νῦν γραφόμενος
θεούς τὸ δὲ παλαιὸν ἰδίως ἀπενέμετο τῷ Ἀπόλλωνι
καὶ τῇ Ἀρτέμιδι ἐπὶ καταπαύσει λοιμῶν καὶ νόσων ᾀδό-
μενος Καταχρηστικῶς δὲ καὶ τὰ προσόδιά τινες παιᾶνας
λέγουσιν
[42] Ὁ δὲ διθύραμβος γράφεται μὲν εἰς Διό- 25
νυσον προσαγορεύεται δὲ ἐξ αὐτοῦ ἤτοι διὰ τὸ κατὰ τὴν
Νύσαν ἐν ἄντρῳ διθύρῳ τραφῆναι τὸν Διόνυσον
ἢ διὰ τὸ λυθέντων τῶν ῥαμμάτων τοῦ Διὸς εὑρεθῆναι
αὐτόν ἢ διότι δὶς δοκεῖ γενέσθαι ἅπαξ μὲν ἐκ τῆς Σε-
μέλης δεύτερον δὲ ἐκ τοῦ μηροῦ
[43] Εὑρεθῆναι δὲ τὸν διθύ- 30
ραμβον Πίνδαρος ἐν Κορίνθῳ λέγει τὸν δὲ ἀρξάμε-
103
νον τῆς ᾠδῆς Ἀριστοτέλης Ἀρίονά φησιν εἶναι ὃς
πρῶτος τὸν κύκλιον ἤγαγε χορόν
[44] Ὁ μέντοι νόμος γρά-
φεται μὲν εἰς Ἀπόλλωνα ἔχει δὲ καὶ τὴν ἐπωνυμίαν
ἀπ αὐτοῦ Νόμιμος γὰρ ὁ Ἀπόλλων Νόμιμος δὲ ἐκλήθη 35
ὅτι τῶν ἀρχαίων χοροὺς ἱστάντων καὶ πρὸς αὐλὸν ἢ λύραν
ᾀδόντων τὸν νόμον Χρυσόθεμις ὁ Κρὴς πρῶτος 239 320b 1
στολῇ χρησάμενος ἐκπρεπεῖ καὶ κιθάραν ἀναλαβὼν εἰς
μίμησιν τοῦ Ἀπόλλωνος μόνος ᾖσε νόμον εὐδοκι-
μήσαντος δὲ αὐτοῦ διαμένει ὁ τρόπος τοῦ ἀγωνίσματος
[45] Δοκεῖ δὲ Τέρπανδρος μὲν πρῶτος τελειῶσαι τὸν νό- 5
μον ἡρῴῳ μέτρῳ χρησάμενος ἔπειτα Ἀρίων ὁ Μη-
θυμναῖος οὐκ ὀλίγα συναυξῆσαι αὐτὸς καὶ ποιητὴς καὶ
κιθαρῳδὸς γενόμενος
[46] Φρῦνις δὲ ὁ Μιτυληναῖος ἐκαι-
νοτόμησεν αὐτόν τό τε γὰρ ἑξάμετρον τῷ λελυμένῳ
συνῆψε καὶ χορδαῖς τῶν ζʹ πλείοσιν ἐχρήσατο
[47] Τι- 10
μόθεος δὲ ὕστερον εἰς τὴν νῦν αὐτὸν ἤγαγε τάξιν
[48] Ἔστι δὲ ὁ μὲν διθύραμβος κεκινημένος καὶ πολὺ τὸ
ἐνθουσιῶδες μετὰ χορείας ἐμφαίνων εἰς πάθη κατα-
σκευαζόμενος τὰ μάλιστα οἰκεῖα τῷ θεῷ καὶ σεσόβηται
μὲν καὶ τοῖς ῥυθμοῖς καὶ ἁπλουστέρως κέχρηται ταῖς λέ-
ξεσιν
[49] Ὁ δὲ νόμος τοὐναντίον διὰ τὸν θεὸν ἀνεῖται 15
τεταγμένως καὶ μεγαλοπρεπῶς καὶ τοῖς ῥυθμοῖς ἀνεῖται
καὶ διπλασίοις ταῖς λέξεσι κέχρηται
[50] Οὐ μὴν ἀλλὰ καὶ
ταῖς ἁρμονίαις οἰκείαις ἑκάτερος χρῆται ὁ μὲν γὰρ
τὸν φρύγιον καὶ ὑποφρύγιον ἁρμόζεται ὁ νόμος δὲ 20
τῷ συστήματι τῷ τῶν κιθαρῳδῶν λυδίῳ
[51] Ἔοικε δὲ ὁ
μὲν διθύραμβος ἀπὸ τῆς κατὰ τοὺς ἀγροὺς παιδιᾶς καὶ
τῆς ἐν τοῖς πότοις εὐφροσύνης εὑρεθῆναι ὁ δὲ νόμος
104
δοκεῖ μὲν ἀπὸ τοῦ παιᾶνος ῥυῆναι (ὁ μὲν γάρ ἐστι κοι-
νότερος εἰς κακῶν παραίτησιν γεγραμμένος ὁ δὲ 25
ἰδίως εἰς Ἀπόλλωνα) ὅθεν τὸ μὲν ἐνθουσιῶδες οὐκ
ἔχει ὡς ὁ διθύραμβος
[52] Ἐκεῖ μὲν γὰρ μέθαι καὶ παι-
διαί ἐνταῦθα δὲ ἱκετεῖαι καὶ πολλὴ τάξις καὶ γὰρ
αὐτὸς ὁ θεὸς ἐν τάξει καὶ συστήματι κατεσταλ-
μένῳ περιέρχεται τὸν κρουσμόν
[53] Ἀδωνίδια δὲ λέγεται τὰ 30
εἰς Ἄδωνιν ἀναφερόμενα
[54] Ἤιδετο δὲ ὁ ἰόβακχος
ἐν ἑορταῖς καὶ θυσίαις Διονύσου βεβαπτισμένος πολλῷ
φρυάγματι
[55] Ὑπόρχημα δὲ τὸ μετ ὀρχήσεως ᾀδό-
μενον μέλος ἐλέγετο καὶ γὰρ οἱ παλαιοὶ τὴν ltὑπόgt ἀντὶ
τῆς ltμετάgt πολλάκις ἐλάμβανον
[56] Εὑρέτας δὲ τούτων 35
λέγουσιν οἱ μὲν Κουρῆτας οἱ δὲ Πύρρον τὸν Ἀχιλ-
λέως ὅθεν καὶ πυρρίχην εἶδός τι ὀρχήσεως λέγου- 239321a1
σιν
[57] Ὁ δὲ ἐπίνικος ὑπ αὐτὸν τὸν καιρὸν τῆς νί-
κης τοῖς προτεροῦσιν ἐν τοῖς ἀγῶσιν ἐγράφετο
[58] Τὸ
δὲ σκόλιον μέλος ᾔδετο παρὰ τοὺς πότους διὸ καὶ πα-
ροίνιον αὐτὸ ἔσθ ὅτε καλοῦσιν ἀνειμένον δέ ἐστι τῇ 5
κατασκευῇ καὶ ἁπλούστατον μάλιστα
[59] Σκόλιον δὲ εἴρηται
οὐχ ὡς ἐνίοις ἔδοξε κατὰ ἀντίφρασιν τὰ γὰρ κατὰ
ἀντίφρασιν ὡς ἐπίπαν τοῦ εὐφημισμοῦ στοχάζεται οὐκ εἰς
κακοφημίαν μεταβάλλει τὸ εὔφημον
[60] ἀλλὰ διὰ τὸ
προκατειλημμένων ἤδη τῶν αἰσθητηρίων καὶ παρειμέ- 10
νων οἴνῳ τῶν ἀκροατῶν τηνικαῦτα εἰσφέρεσθαι τὸ
βάρβιτον εἰς τὰ συμπόσια καὶ διονυσιάζοντα ἕκαστον
105
ἀκροσφαλῶς συγκόπτεσθαι περὶ τὴν προφορὰν τῆς ᾠδῆς
Ὅπερ οὖν ἔπασχον αὐτοὶ διὰ τὴν μέθην τοῦτο τρέψαν-
τες εἰς τὸ μέλος σκόλιον ἐκάλουν τὸ ἁπλούστατον
[61] Τὰ δὲ 15
ἐρωτικὰ δῆλον ὅτι γυναικῶν καὶ παίδων καὶ παρ-
θένων ἐρωτικὰς ᾄδει περιστάσεις [62] Καὶ τὰ ἐπιθα-
λάμια δὲ τοῖς ἄρτι θαλαμευομένοις ἅμα οἱ ἠΐθεοι καὶ
αἱ παρθένοι ἐπὶ τῶν θαλάμων ᾖδον [63] Ὑμέναιον
δὲ ἐν γάμοις ᾄδεσθαί φησι κατὰ πόθον καὶ ζήτησιν 20
Ὑμεναίου τοῦ Τερψιχόρας ὅν φασι γήμαντα ἀφανῆ
γενέσθαι
[64] οἱ δὲ κατὰ τιμὴν τοῦ Ἀττικοῦ Ὑμεναίου τοῦ-
τον γάρ φησί ποτε διώξαντα ἀφελέσθαι κούρας Ἀττι-
κὰς λῃστῶν
[65] Ἐγὼ δὲ οἶμαι βίου τινὰ εὐτυχοῦς προανα-
φώνησιν ὑπάρχειν καὶ συνεύχεσθαι τοῖς συνιοῦσι πρὸς 25
γάμου κοινωνίαν μετὰ φιλοστοργίας αἰολικῇ παρα-
πλέκοντας τὴν εὐχὴν διαλέκτῳ οἷον ὑμεναίειν καὶ
ὁμονοεῖν τούτους ἀεὶ ὁμόσε ναίοντας
[66] Ὁ δὲ σίλλος
λοιδορίας καὶ διασυρμοὺς πεφεισμένως ἀνθρώπων
ἔχει 30
[67] Διαφέρει δὲ τοῦ ἐπικηδείου ὁ θρῆνος ὅτι τὸ
μὲν ἐπικήδειον παρ αὐτὸ τὸ κῆδος ἔτι τοῦ σώματος
προκειμένου λέγεται ὁ δὲ θρῆνος οὐ περιγράφεται χρό-
νῳ
[68] Τὰ δὲ λεγόμενα παρθένια χοροῖς παρθένων
ἐνεγράφετο
[69] Οἷς καὶ τὰ δαφνηφορικὰ ὡς εἰς γένος
πίπτει δάφνας γὰρ ἐν Βοιωτίᾳ διὰ ἐννεαετηρίδος εἰς 35
τὰ τοῦ Ἀπόλλωνος κομίζοντες ἱερεῖς ἐξύμνουν αὐ-
τὸν διὰ χοροῦ παρθένων
[70] Καὶ ἡ αἰτία τῶν Αἰολέων
ὅσοι κατῴκουν Ἄρνην καὶ τὰ ταύτῃ χωρία κατὰ 239 321b 1
106
χρησμὸν ἀναστάντες ἐκεῖθεν καὶ προκαθεζόμενοι Θήβας
ἐπόρθουν προκατεχομένας ὑπὸ Πελασγῶν
[71] Κοινῆς ἀμ-
φοῖν ἑορτῆς Ἀπόλλωνος ἐνστάσης ἀνοχὰς ἔθεντο καὶ
δάφνας τέμνοντες οἱ μὲν ἐξ Ἑλικῶνος οἱ δὲ ἐγγὺς τοῦ 5
Μέλανος ποταμοῦ ἐκόμιζον τῷ Ἀπόλλωνι
[72] Πολεμά-
τας δέ ὁ τῶν Βοιωτῶν ἀφηγούμενος ἔδοξεν ὄναρ νεα-
νίαν τινὰ πανοπλίαν αὐτῷ διδόναι καὶ εὐχὰς ποιεῖ-
σθαι τῷ Ἀπόλλωνι δαφνηφοροῦντας διὰ ἐννεαετηρί-
δος προστάττειν 10
[73] Μετὰ δὲ τρίτην ἡμέραν ἐπιθέμενος
κρατεῖ τῶν πολεμίων καὶ αὐτός τε τὴν δαφνηφο-
ρίαν ἐτέλει καὶ τὸ ἔθος ἐκεῖθεν διατηρεῖται
[74] Ἡ δὲ
δαφνηφορία ξύλον ἐλαίας καταστέφουσι δάφναις καὶ
ποικίλοις ἄνθεσι καὶ ἐπ ἄκρου μὲν χαλκῆ ἐφαρμό-
ζεται σφαῖρα ἐκ δὲ ταύτης μικροτέρας ἐξαρτῶσιν 15
κατὰ δὲ τὸ μέσον τοῦ ξύλου περιθέντες ἐλάσσονα τῆς
ἐπ ἄκρῳ σφαίρας καθάπτουσι πορφυρᾶ στέμματα τὰ
δὲ τελευταῖα τοῦ ξύλου περιστέλλουσι κροκωτῷ
[75] Βούλεται
δὲ αὐτοῖς ἡ μὲν ἀνωτάτω σφαῖρα τὸν ἥλιον (ᾧ καὶ τὸν
Ἀπόλλωνα ἀναφέρουσιν) ἡ δὲ ὑποκειμένη τὴν σελήνην 20
τὰ δὲ προσηρτημένα τῶν σφαιρίων ἄστρα τε καὶ ἀστέρας
τὰ δέ γε στέμματα τὸν ἐνιαύσιον δρόμον καὶ γὰρ καὶ
τζε ποιοῦσιν αὐτά
[76] Ἄρχει δὲ τῆς δαφνηφορίας παῖς
ἀμφιθαλής καὶ ὁ μάλιστα αὐτῷ οἰκεῖος βαστάζει τὸ
κατεστεμμένον ξύλον ὃ κώπω καλοῦσιν 25
[77] Αὐτὸς δὲ ὁ δα-
φνηφόρος ἑπόμενος τῆς δάφνης ἐφάπτεται τὰς μὲν
κόμας καθειμένος χρυσοῦν δὲ στέφανον φέρων καὶ λαμ-
πρὰν ἐσθῆτα ποδήρη ἐστολισμένος ἐπικρατίδας τὲ ὑπο-
107
δεδεμένος ᾧ χορὸς παρθένων ἐπακολουθεῖ προτείνων
κλῶνας πρὸς ἱκετηρίαν ὑμνῶν 30
[78] Παρέπεμπον δὲ
τὴν δαφνηφορίαν εἰς Ἀπόλλωνος Ἰσμηνίου καὶ Χαλα-
ζίου
[79] Τὸ δὲ τριποδηφορικὸν μέλος τρίποδος προη-
γουμένου παρὰ τοῖς Βοιωτοῖς ᾔδετο
[80] Ἔσχε δὲ καὶ τοῦτο
αἰτίαν τοιαύτην Πελασγῶν τινες Πάνακτον τῆς Βοιω-
τίας ἐπόρθουν Θηβαῖοι δὲ ἤμυνον καὶ πέμψαντες εἰς 35
Δωδώνην περὶ τῆς τοῦ πολέμου νίκης ἐχρῶντο
[81] Χρησμὸς
δὲ τοῖς Θηβαίοις ἐξέπεσεν ὡς εἰ μέγιστον ἀσέβημα
ἀσεβήσουσι νικήσουσιν 239 322a 1
[82] Ἔδοξεν οὖν αὐτοῖς ἀσε-
βημάτων εἶναι μέγιστον τὸ τὴν χρησμῳδήσασαν αὐτοῖς
τὸν χρησμὸν ἀνελεῖν καὶ ἀνεῖλον [83] Αἱ δὲ περὶ τὸ τέ-
μενος συνιέρειαι δίκην λαβεῖν ἀπῄτουν τοῦ φόνου τοὺς
Θηβαίους 5
[84] Θηβαῖοι δὲ οὐκ ἐπιτρέπουσι γυναιξὶ μόναις
τὴν περὶ αὐτῶν δίκην ἀξιοῦν κοινῆς δὲ κρίσεως ἀνδρῶν καὶ
γυναικῶν γεγενημένης καὶ τῶν ἀνδρῶν λευκὰς αὐτοῖς
ἐπενεγκόντων ψήφους ἀπέφυγον Θηβαῖοι
[85] Ὕστερον δὲ
ἐπιγνόντες αὐτοῖς τὸ ὑπὸ τοῦ χρησμοῦ προστασσόμενον
βαστάσαντες τῶν κατὰ τὴν Βοιωτίαν ἱερῶν τριπόδων 10
ἕνα καὶ κατακαλύψαντες ὡς ἱερόσυλοι ἀνέπεμψαν εἰς
Δωδώνην
[86] Εὐπραγήσαντες δὲ ἐξ ἐκείνου τοῦ λοιποῦ
τὴν πρᾶξιν ἑορτὴν ἐποίουν
[87] Ὠσχοφορικὰ δὲ μέλη παρὰ
Ἀθηναίοις ᾔδετο
[88] Τοῦ χοροῦ δὲ δύο νεανίαι κατὰ γυ-
ναῖκας ἐστολισμένοι κλῆμά τ ἀμπέλου κομίζοντες μεστὸν 15
108
εὐθαλῶν βοτρύων (ἐκάλουν δὲ αὐτὸ ὤσχην ἀφ οὗ καὶ
τοῖς μέλεσιν ἡ ἐπωνυμία) τῆς ἑορτῆς καθηγοῦντο
[89] Ἄρ-
ξαι δέ φασι Θησέα πρῶτον τοῦ ἔργου ἐπεὶ γὰρ ἑκούσιος
ὑποστὰς τὸν εἰς Κρήτην πλοῦν ἀπήλλαξε τὴν πατρίδα
τῆς κατὰ τὸν δασμὸν συμφορᾶς χαριστήρια ἀποδιδοὺς 20
Ἀθηνᾷ καὶ Διονύσῳ οἳ αὐτῷ κατὰ τὴν νῆσον τὴν
Δίαν ἐπεφάνησαν ἔπραττε τοῦτο δυσὶ νεανίαις ἐσκια-
τραφημένοις χρησάμενος πρὸς τὴν ἱερουργίαν ὑπηρέ-
ταις
[90] Ἦν δὲ τοῖς Ἀθηναίοις ἡ παραπομπὴ ἐκ τοῦ Διο-
νυσιακοῦ ἱεροῦ εἰς τὸ τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Σκιράδος τέ- 25
μενος
[91] Εἵπετο δὲ τοῖς νεανίαις ὁ χορὸς καὶ ᾖδε τὰ
μέλη
[92] Ἐξ ἑκάστης δὲ φύλης ἔφηβοι διημιλλῶντο πρὸς
ἀλλήλους δρόμῳ καὶ τούτων ὁ πρότερος ἐγεύετο ἐκ τῆς
πενταπλῆς λεγομένης φιάλης ἣ συνεκιρνᾶτο ἐλαίῳ
καὶ οἴνῳ καὶ μέλιτι καὶ τυρῷ καὶ ἀλφίτοις 30
[93] Εὐκτικὰ
δὲ μέλη ἐγράφετο τοῖς αἰτουμένοις τι παρὰ θεοῦ γενέσθαι
[94] Πραγματικὰ δὲ ἅ τινων περιεῖχε πράξεις
[95] Ἐμπορικὰ
δὲ ὅσα κατὰ τὰς ἀποδημίας καὶ ἐμπορίας ἐπιδεικνύ-
μενά τισιν ἐγράφη
[96] Καὶ ἀποστολικὰ δὲ ὅσα διαπεμπό-
μενοι πρός τινας ἐποίουν 35
[97] Τὰ δὲ γνωμολογικὰ δῆλον
ὅτι παραίνεσιν ἠθῶν ἔχει
[98] Καὶ τὰ γεωργικὰ δὲ χώρας
καὶ φυτῶν καιροὺς καὶ ἐπιμελείας
[99] Καὶ τὰ ἐπισταλτικὰ
δὲ ὅσα κατ ἐντολὰς πρός τινας ποιοῦντες διέπεμπον
[100] Οἱ μὲν δύο λόγοι τῆς Πρόκλου γραμματικῆς Χρης-
109
τομαθείας ἐν τούτοις
12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO
1 Realizou-se leitura1 a partir do livro intitulado Excertos2 de Crestomatia3 de Letras4
de Proclo5 2 O livro eacute dividido em quatro arrazoados6
1 A forma anegnoacutesthe que introduz o epiacutetome da Crestomatia bem como praticamente todos os resumos
da Biblioteca eacute indicativa desse tipo de texto evidenciando literalmente que natildeo se apresenta ali uma obra mas
sim a leitura de uma cujo tiacutetulo segue-se Cf para a interpretaccedilatildeo dessa forma Ferrante (1957 pg 161)
seguindo a liccedilatildeo de Severyns (1939 I 4 174-75 e II pg 65) cuja recensatildeo acerca da tradiccedilatildeo manuscrita e a
liccedilatildeo para este primeiro periacuteodo parecem de fato as melhores A forma verbal eacute passiva mas deve ser
entendida no grego sem sujeito de forma absoluta ou intransitiva ie ldquoleu-serdquo ldquofoi lidordquo a que se adiciona um
termo preposicionado especificando a partir do que se deu essa leitura Aqui se supre como nos referidos
editores o termo ldquoleiturardquo para viabilizar a traduccedilatildeo remetendo agrave proacutepria atividade originaacuteria da Biblioteca
compilada por Foacutecio dar notiacutecia das sucessivas leituras de diferentes livros Cf Estudo 131 Para a discussatildeo
acerca da introduccedilatildeo dos epiacutetomes na Biblioteca as demais ocorrecircncias da forma e o entendimento desta em
especiacutefico comparada agraves outras A ausecircncia de artigo antes do substantivo ldquoleiturardquo na traduccedilatildeo opccedilatildeo
semelhante agrave dos referidos editores pretende aqui conferir um traccedilo de maior generalidade agrave pratica que
designa uma vez que para aleacutem da discussatildeo acerca de qual seria a matildeo que realmente anotou os textos
mencionados transformando-os em epiacutetomes (Foacutecio ele mesmo um copista um disciacutepulo e companheiro de
viagem que se encarrega da leitura ou vaacuterios etc ndash cf Severyns I 4 ndash 5) essa leitura foi motivo de uma ou mais
sessotildees internas do grupo de estudos dirigido pelo entatildeo embaixador e futuro patriarca ela eacute portanto uma de
diversas leituras dos textos tomados como objeto dessas sessotildees 2 Sobre as implicaccedilotildees da palavra ldquoexcertosrdquo (eklogaiacute) e como foi aqui interpretada cf Estudo 132 3 A palavra ldquocrestomatiardquo khrestomaacutetheia encontra-se lexicalizada em portuguecircs e agrave disposiccedilatildeo do
erudito de liacutengua romacircnica Houaiss haure-a no Novo Diccionario Critico Etymologico da Lingua Portugueza
Paris 1836 de Francisco Solano Constacircncio e a daacute como traslado do francecircs O Littreacute a registra na liacutengua e ao
fazecirc-lo interpreta-a como o referido portuguecircs florileacutegio coletacircnea das melhores passagens de diferentes
autores com fins didaacuteticos (provavelmente jaacute interpretando o adjetivo grego khrestoacutes ldquouacutetilrdquo presente no
composto) Dado isso adoto a forma vernaacutecula e natildeo me utilizo de artigo (ldquoArdquo Crestomatia) a fim de manter
combinando-se com ldquoexcertosrdquo a ambiguidade e a duacutevida que imediatamente em grego saltam aos olhos do
leitor de que a saber de acordo com a interpretaccedilatildeo que se faz da palavra ldquocrestomatiardquo ou se entende em um
extremo que a Biblioteca mesma jaacute nos traz o resumo de uma obra de segunda matildeo ie a abreviaccedilatildeo de algo jaacute
previamente resumido em uma coletacircnea escrita ou em outro extremo que o proacuteprio termo ldquoextratosrdquo faria
parte do tiacutetulo da obra original abrindo margem a pensar a palavra ldquocrestomatiardquo (e mesmo ldquocoletacircneardquo em
portuguecircs) sem um caraacuteter abreviativo mas como ldquoreuniatildeo de ensinamentosrdquo hauridos de outros textos e autores
que ao longo de seacuteculos foram ampliando e detalhando sob diferentes aspectos as doutrinas referentes agraves letras
de modo geral (em prosa ou verso oratoacuteria ou poeacutetica) Defende-se aqui uma terceira hipoacutetese entre esses dois
extremos Concorda-se com Severyns quanto ao caraacuteter natildeo abreviativo da palavra (cf Severyns op cit II 65 ndash
69) mas entende-se que eklogaiacute pelo cotejo com as introduccedilotildees de outros epiacutetomes da Biblioteca soacute pode
implicar neste caso uma abreviaccedilatildeo a seleccedilatildeo de excertos Cf Estudo 133 Ferrante natildeo se pronuncia quanto
a sua traduccedilatildeo mas manteacutem ldquoextratosrdquo e usa o artigo antes da palavra apesar de seguir Severyns em sua notaccedilatildeo
do texto Pretendeu-se aqui (natildeo soacute pelo uso do vernaacuteculo mas tambeacutem por natildeo se empregar o artigo) como
khrestomaacutetheia eacute um substantivo que definia certa obra por sua finalidade manter a dubiedade e o caraacuteter
duvidoso que salta aos olhos de um leitor moderno dos gregos 4 A traduccedilatildeo de grammatikoacutes por ldquoliteraacuteriardquo aqui seguiria o mesmo criteacuterio acima definido (n 3) de
manter o estranhamento em relaccedilatildeo ao tiacutetulo por isso bem como para ldquoeklogaiacuterdquo poder-se-ia manter a
literalidade do correlato latino numa uacutenica palavra Como se sabe poreacutem o termo aqui natildeo eacute sinocircnimo direto do
que noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash uma seacuterie de
categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco mesmo ou os preceitos da chamada
ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira estranha aos antigos Cf Estudo 134 paacuteg 38 ndash 50
110
3 No primeiro fala como as virtudes da prosa e da poesia satildeo as mesmas mas
diferenciam-se quanto ao mais e ao menos7 4 e que do molde da elocuccedilatildeo8 haacute o copioso o
tecircnue e o meacutedio9 5 Que o copioso eacute estonteante10 e muitiacutessimo elaborado reluzindo uma
beleza poeacutetica 6 Jaacute o tecircnue proscreve uma composiccedilatildeo com tropos e afeita agrave elaboraccedilatildeo mas
antes se entretece de despojamento motivo pelo qual em geral se adapta de um modo
excelente agraves lamentaccedilotildees11 7 Quanto ao meacutedio o nome evidencia que eacute meacutedio entre ambos
5 Consoante ao que se defende no cap 133 do Estudo e ao que foi dito acima na nota 3 entende-se aqui
que a atribuiccedilatildeo a Proclo ou seja o trecho ldquode Proclordquo porque o objeto lido estaria nomeado como Excertos
estava contido na intitulaccedilatildeo desse objeto Supotildee-se que a proacutepria intitulaccedilatildeo desse objeto que eacute resumido
porque se precisava identificar de que e de quem era excertos trazia a atribuiccedilatildeo ldquode Proclordquo daiacute o itaacutelico
adotado na traduccedilatildeo Sobre a questatildeo da atribuiccedilatildeo cf Estudo 12 paacuteg 12 ndash 15 6 Embora se saiba que os loacutegoi sejam mesmo etimologicamente as diferentes partes tomos coacutedices de
um bibliacuteon ie o conjunto desses rolos a obra preferiu-se aqui a traduccedilatildeo por ldquoarrazoadosrdquo referindo-se ao
significado cognitivo da palavra (pensamentofala) para manter natildeo soacute a ideia de que quando confeccionadas e
daiacute registradas de forma escrita essas partes natildeo arbitrariamente buscavam corresponder agraves partes menores de
um loacutegos tomadas por si mas tambeacutem a ideia de que num contexto como o da Biblioteca tanto no sentido de
sua composiccedilatildeo como de sua recepccedilatildeo essa noccedilatildeo era evidente senatildeo presente afinal a obra eacute o resultado de
seccedilotildees coletivas de leitura e assim mesmo se tenta reproduzi-la na forma de texto 7 Nomeando prosa ( loacutegos) e poesia ( poiacuteema) o texto imediatamente estabelece o
primeiro criteacuterio pelo qual se julgaraacute a composiccedilatildeo poeacutetica a elocuccedilatildeo que logo seraacute desdobrada (sect4) na teoria
de seus moldes ou gecircneros De acordo com esse primeiro criteacuterio a prosa e a poesia possuem as mesmas virtudes
ou qualidades ( aretaiacute) distinguindo-se pela quantidade esta possui mais do que aquela Esse criteacuterio jaacute
eacute empregado por Aristoacuteteles na Retoacuterica III Cf Estudo 21 paacuteg 51 ndash 52 8 A traduccedilatildeo mais literal considerando o genitivo ldquo rdquo seria evidentemente ldquoe que do
molderdquo contudo talzez natildeo ficaria imediatamente claro ao leitor que a doutrina poeacutetica dos antigos aqui supotildee
ldquomoldarrdquo metaforicamente para a confecccedilatildeo da elocuccedilatildeo e as possiacuteveis variaccedilotildees que permitem claissificaacute-la
mantendo a metaacutefora fiacutesica e escultoacuterica em trecircs grandes estilos gerais Por isso acrescentou-se a expressatildeo ldquoda
elocuccedilatildeordquo Como se sabe outros nomes equivalentes a outras abstraccedilotildees satildeo empregados para nomear essa
doutrina que pelo vieacutes latino e ciceroniano ficaraacute conhecida como ldquodos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo (cf Estudo
22) 9 Inicia-se a exposiccedilatildeo da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo as caracteriacutesticas marcantes de cada um e
seus desvios ou viacutecios O comentaacuterio agrave traduccedilatildeo e a explicaccedilatildeo dos termos encontra-se no Estudo 22 paacuteg 52 ndash
61 10 Repare-se que no original empregam-se dois adjetivos superlativos e com o segundo o superlativo do
adveacuterbio de intensidade Para traduzir tal intensidade poder-se-ia recorrer como Severyns a estender o adveacuterbio
aos dois sintagmas termos ndash ldquomuitiacutessimo estonteante e elaboradordquo Isso daria a entender que as duas
caracteriacutesticas estatildeo em peacute de igualdade quanto agrave intensidade e que haacute graus para o adjetivo ldquoestoanteanterdquo que
talvez se verifiquem nos outros moldes quando parece que ser arrebatador ou estonteante eacute proacuteprio da elevaccedilatildeo
do molde copioso Tentar traduzir o grau superlativo do primeiro adjetivo ndash ldquoo mais estonteanterdquo ndash daria a
entender o mesmo portanto quis-se que a proacuteprio adjetivo ldquoestonteanterdquo por sua forte semacircntica decirc conta do
primeiro adjetivo ldquo ekplektikoacutetatonrdquo remetendo ao sublime etc e que o adveacuterbio
ldquomuitiacutessimo restrinja-serdquo ao segundo adjetivo ldquo kateskeuasmeacutenon maacutelistardquo
julgando-se tal soluccedilatildeo mais fiel ao sentido do grego a saber o de que o molde copioso eacute o mais elaborado de
todos comparado aos demais moldes que podem ser elaborados em menor grau e por isso tem por qualidade
uacutenica ser estonteante atingir o arrebatamento do receptor Para tal intrepretaccedilatildeo cf Estudo 221 paacuteg 55 ndash 57
principalmente o uacuteltimo paraacutegrafo e o comentaacuterio de Quintiliano paacuteg 56 ndash 57 11 A legitimidade desta passagem mais especificamente desta palavra [goeroicircs] foi contestada
diferentemente por trecircs editores propocircs-se [georgikoicircs] (Schott 1606 apud Gaisford p337 apud
Severyns tomo II p 73) [noeroicircs] (Schimid 1894 p 134 n I apud Severyns idem)
[mikroicircs] (Immisch 1902 p 257 n I apud Severyns idem) Uma apreciaccedilatildeo pode ser lida em Severyns (idem)
que em linhas gerais aleacutem de se ater ao fato de que a tradiccedilatildeo manuscrita natildeo traz divergecircncias quanto a essa
passagem segue artigo de Shorey (Classical Philology 1906 apud Severyns) em que este aleacutem dos ceacutelebres
versos da Ars de Horaacutecio (95 ndash 98) arrola diferentes e breves passagens da tradiccedilatildeo retoacuterica nas quais se
evidenciam tal liccedilatildeo de forma explicita e natildeo poeacutetica ex Longino Rhet 21 ldquo() eacute necessaacuterio a quem consola
111
8 Florido por si proacuteprio natildeo eacute um molde mas manifesta-se e encontra-se misturado
junto aos mencionados e combina com topografias e descriccedilotildees12 de descampados ou
bosques
9 Os que cometem desvios das referidas formas geram a mudanccedila do copioso em duro
e exaltado do tecircnue em chatildeo e do meacutedio em truncado e frouxo
10 Entatildeo faz consideraccedilotildees acerca de criacutetica de poesia13 no que transmite qual a
diferenccedila entre caraacuteter e afeto14
11 E da composiccedilatildeo poeacutetica15 diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativo 12 E o
narrativo profere-se por meio de epos bem como de iambo elegia e meacutelica o imitativo por
meio de trageacutedia bem como de drama satiacuterico e comeacutedia16
falar natildeo com clareza sofistica [sophistikeacute tranoteacutes] mas com simplicidade compassiva [sympephonkyicirca
haploteacutes]rdquo Apsines (I 358) ldquoas narraccedilotildees pateacuteticas [pathetikaigrave dieacutegeseis] natildeo devem possuir muita organizaccedilatildeo
[polyn koacutesmon]rdquo idem (I 405) ldquoagrave elocuccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja natildeo-moldada e natildeo-ornada [aacuteplaston kaigrave
akalloacutepiston] o ornar [kallopiacutezein] natildeo eacute proacuteprio de quem canta um trenordquo (a tosca literalidade da traduccedilatildeo eacute
intencional aqui a fim de que se notem os termos gregos) 12 A palavra empregada para ldquodescriccedilatildeordquo eacute eacutekphrasis e eacute o nome que se daacute ao gecircnero pelo
qual se confecciona com palavras a representaccedilatildeo de algo inanimado Consoante ao que se disse (supra) como
algo que eacute descrito parece que todos esses casos tecircm em comum o fato de que se constituem como objetos de
apreciaccedilatildeo em funccedilatildeo da palavra entatildeo eacute pelo proacuteprio floreio que supotildee ornato que esse algo pode se tornar
objeto do prazer Daiacute a possiacutevel interpretaccedilatildeo do epiacutetome segundo a qual o florido natildeo seria por si um molde a
ser selecionado desde o iniacutecio para a confecccedilatildeo de uma obra natildeo seria um molde independente agrave cuja
totalidade se circunscreveria por inteiro toda uma elocuccedilatildeo mas sim uma forma obrigatoriamente concorrente
dependente que se apresenta como parte adicional de um dos trecircs moldes em circunstacircncias como as
exemplificadas qual um adereccedilo de flores 13 kriacutesis poieacutematos entendida aqui como sinocircnimo da sexta parte da empiria
gramatical de Dioniacutesio Traacutecio conforme defendido aqui no Estudo 134 paacuteg 38 ndash 47 para opiniatildeo
semelhante FERRANTE paacuteg 20 ndash 21 Contraacuteria Cf SEVERYNS paacuteg 77 ndash 79 Aventou-se a traduccedilatildeo por
ldquocriacuteticardquo opccedilatildeo natildeo soacute muito coerente como esclarecedora uma vez que aqui se assume a kriacutesis poiemaacuteton de
Dioniacutesio Traacutecio como atividade que mais amplamente passou a corresponder ao que hoje noacutes modernos
diriacuteamos ldquocriacutetica de poesiardquo senatildeo ldquocriacutetica poeacuteticardquo Embora tentadora e chamativa declinou-se tal traduccedilatildeo
porque primeiro a noccedilatildeo de criacutetica natildeo se entende mais em portuguecircs associada ao significado baacutesico da palavra
grega originaacuteria ldquokriacutesisrdquo modernamente natildeo haacute mais a noccedilatildeo de ldquocisatildeo litiacutegio disputardquo e daiacute ldquoavaliaccedilatildeo juiacutezo
julgamentordquo e basicamente a palavra eacute do campo semacircntico judicial segundo como o proacuteprio Dioniacutesio Traacutecio
atesta que no iniacutecio se tratava justamente desta segunda noccedilatildeo de ldquojulgamentordquo ocupando-se a princiacutepio tatildeo
somente do estabelecimento do texto a traduccedilatildeo por criacutetica poderia criar o falso entendimento da parte do leitor
de que se trata de uma atividade de ldquocriacutetica literaacuteriardquo como a dos dias de hoje quando mesmo em seu
desdobramento posterior em que poderia modernamente receber tal nome a interpretaccedilatildeo dos antigos lidava
com um instrumental de noccedilotildees diferentes das nossas como reafirmado em outras passagens deste trabalho
Embora pareccedila se perder com esta soluccedilatildeo preferiu-se fazer juz ao ldquojuiacutezordquo e recorrer a esta nota 14 eacutethous kaigrave paacutethous ndash talvez aqui como pensados por Dioniacutesio de Halicarnasso no
tratado Da Imitaccedilatildeo Cf Estudo 134 especificamente paacuteg 47 ndash 50 15 O adjetivo feminino poietikecircs sem um substantivo acompanhando-o tende a supor teacutechne Sabemos que
assim Aristoacuteteles nomeia essa aacuterea do saber Como suprir o termo poderia dar a entender o tratado e o
entendimento aristoteacutelicos do objeto quando na verdade parece que o epiacutetome usa o termo para se referir aos
poemas ie agraves composiccedilotildees em verso por oposiccedilatildeo agraves em prosa certamente entendendo-as todas como poesia
e como o termo neutro poiacuteema foi empregado anteriormente por oposiccedilatildeo agrave prosa (loacutegos) optou-se nesta
traduccedilatildeo por suprir ldquocomposiccedilatildeordquo dando a entender o resultado o objeto o poema como ldquoconfecccedilatildeordquo trazendo
tambeacutem a noccedilatildeo do ato em si e da teacutecninca (teacutekhne) Cf Estudo 32 paacuteg 77 ndash 79
O emprego do termo no genitivo junto do artigo e do verbo leacutegei implica uma forte carga
partitiva ao termo ateacute entatildeo o texto versava sobre a elocuccedilatildeo que poderia ocorrer em prosa ou em verso ie
poderia ser um discurso juriacutedico ou um poema liacuterico mas ora sobre a confecccedilatildeo que eacute apenas poeacutetica eis os
112
13 Tambeacutem que Femocircnoe17 a profetiza de Apolo foi quem descobriu18 o epos19 por
professar oraacuteculos em hexacircmetros A partir daiacute aos oraacuteculos seguiram-se [heiacutepeto ] os
feitos20 que lhes eram consonantes nomeando-se ldquoeposrdquo qualquer composiccedilatildeo no metro
14 Outros dizem que por causa da elaboraccedilatildeo e da ampla superioridade21 observada
nos hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo e passou a ser
chamado ldquoeposrdquo [fala palavra falada]22 bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo
e Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez tambeacutem que alguns denominavam ldquoeacuteperdquo [falares plura
de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetros23
15 Os mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro24 Paniacuteasis25 e
Antiacutemaco26
16 Desses discorre na medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas
histoacuterias particulares27
gecircneros e espeacutecies em que eacute possiacutevel discriminaacute-las No sentido de que sobre elas o que o texto em questatildeo nos
ensina eacute tal discriminaccedilatildeo uacutetil ao gramaacutetico e aquele que busca ler tais composiccedilotildees agora textos tanto o termo
poietikeacute como a secccedilatildeo que se segue estatildeo em concordacircncia com a kriacutesis do item acima Cf Estudo 134 paacuteg
38 16 Eis a biparticaccedilatildeo em dois grandes gecircneros dos quais os nomes poeacuteticos arrolados satildeo espeacutecies de
acordo com o modelo da calssificaccedilatildeo geneacuterica discutida Os termos empregados bem como essa divisatildeo satildeo
objeto do Capiacutetulo 3 do Estudo mais precisamente seccedilatildeo 31 paacuteg 67 ndash 83 17 Cf Estrabatildeo (IX 419) Pausacircnias (X 5 7) e o Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (475 22) Composto de phemiacute
e noucircs ie ldquofalarrdquo e ldquopensamentoespiacuteritordquo 18 O termo do verbo epheuriacutesko ldquodescobrirrdquo eacute composto de heuriacutesko que tem o
significado baacutesico do verbo ldquoacharrdquo eacute comum na tratadiacutestica serve para designar a ldquoinvenccedilatildeordquo ndash termo latino
que traduz o grego ndash de um forma poeacutetica ou entatildeo para designar quem a encontra seu ldquoinventorrdquo ou como natildeo
haacute a noccedilatildeo moderna de ldquooriginalidaderdquo e ldquocriaccedilatildeordquo o ldquodescobridorrdquo ndash heureteacutes Esses termos se
empregaratildeo ao longo do texto consecutivamente 19 A palavra teria o significado primitivo de ldquofalardquo sua raiz (F eacute cognata do latim vox ldquovozrdquo 20 No grego tagrave praacutegmata heiacutepeto juntos o termo que designa os feitos as accedilotildees
caracteriacutesticas da poesia eacutepica e o termo que compotildee a etimologia designando tanto a sucessatildeo em relaccedilatildeo aos
oraacuteculos como o elemento de consecuccedilatildeo das accedilotildees ou feitos definidores da espeacutecie Cf Estudo 331 paacuteg 83 21 A ampla superioridade ndash aacutegan hyperokheacuten ndash da composiccedilatildeo hexameacutetrica introduz o
argumento em prol da terceira explicaccedilatildeo etimoloacutegica 22 A etimologia como visto no Estudo 331 paacuteg 83 para aleacutem do sugestivo nome da profetiza que
conteacutem o elemento ldquofalardquo seguiria a sequecircncia eacutepos heacutepomai eacutepous = logos e gt(maior que) outros eacutepe 23 Cf Estudo 331 para a noccedilatildeo de eacutepos associado a outras formas como o triacutemetro ou a oratoacuteria De
qualquer forma o argumento geral eacute o de que outros designavam outras espeacutecies que julgavam ldquoa fala por
excelecircnciardquo pelo termo comum para ldquopalavra faladardquo ie ldquoeposrdquo 24 Pisandro de Camiro c 650 aC A ele eacute atribuiacuteda uma Heracleida que narrava todos os feitos de
Heacutercules 25 Paniacuteasis de Halicarnasso tio de Heroacutedoto morreu por volta de 457 aC A ele se atribui tambeacutem uma
Heracleida em 14 cantos e 900 versos 26 Antiacutemaco de Colofatildeo c 405 aC autor da Tebaida que comporia junto de outro poemas o ciclo
tebano 27 Aqui seguiria a Vita Homeri atribuiacuteda que chegou a noacutes a Proclo Eacute de se supor que para cada um dos
poetas mencionas seguisse uma biografia semelhante Essa passagem e a seccedilatildeo seguinte sobre o ciclo eacutepico
cotejadas com os uacutenicos excertos originais que temos da Crestomatia permitem-nos ter um iacutenfimo vislumbre da
dimensatildeo da obra que de fato pela menccedilatildeo a quatro livros feita no iniacutecio do coacutedice dos quais apenas dois satildeo
resumidos devia ser extensa
113
17 Entatildeo faz consideraccedilotildees sobre o chamado ldquociclo eacutepicordquo que se inicia pelo
intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra28 a partir do qual geram a ele trecircs filhos centiacutemanos e
trecircs Ciclopes29
18 Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos
gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser verdade em referecircncia agrave histoacuteria
19 Fecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo de diferentes
poetas ateacute o desembarque de Odisseu em Iacutetaca quando eacute morto por seu filho Teleacutegono que
natildeo o reconhecera30
20 Fala como os poemas do ciclo eacutepico tecircm se conservado e recebido atenccedilatildeo de
muitos natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele contidas
21 Fala entatildeo o nome e a paacutetria dos que se dedicaram ao ciclo eacutepico
22 Fala entatildeo acerca de certos poemas ldquoCiacutepriosrdquo como alguns os atribuem a Estasino
de Chipre outros lhes inscrevem ldquoHegesino de Salaminardquo Outros dizem que Homero
escreveu-os deu a Estasino por obter-lhe a filha e por causa de sua paacutetria nomeou ldquoCiacutepriasrdquo
a obra 23 Mas de sua parte natildeo se apoia nessa hipoacutetese pois que tambeacutem os poemas natildeo se
intitulam ldquoCiacutepriasrdquo com acentuaccedilatildeo proparoxiacutetona31
24 Diz quanto agrave elegia [elegeiacutea ] ser composta de um verso heroacuteico e um
pentacircmetro32 e acomodar-se33 aos que jaacute partiram 25 E obteve seu nome daiacute os antigos
28 Aqui se iniciava o resumo do ciclo eacutepico Cf Estudo 3312 paacuteg 86 para as conjecturas a respeito
daquilo em que talvez consistisse essa primeira parte do ciclo a julgar pelo paraacutegrafo seguinte (18) em que se
nomeiam as histoacuterias do iniacutecio do ciclo ldquonarraccedilotildees miacuteticasrdquo ou considerando a acepccedilatildeo moderna ldquomitologiardquo 29 Esse episoacutedio cosmogocircnico como apresentado ie sem uma referecircncia expliacutecita agrave geraccedilatildeo de Ceacuteu a
partir de Terra (diferente do que se lecirc em Hesiacuteodo Teogonia 126 ndash 127) derivaria da Titanomaquia de Eumelo
Cf Estudo 3312 paacuteg 88 ndash 90 e Ateneu (Deipnosophistae VII 277d ndash e) 30 Buscou-se manter na traduccedilatildeo a possibilidade de leitura equivocada e a imprecisatildeo que pode geraacute-la a
quem desconhece os episoacutedios do ciclo o desembarque em questatildeo natildeo eacute o da Odisseia em retorno de Troia
mas o que encerra a viagem de Odisseu agrave Tesproacutetia que se narrava na Telegonia de Ecircugamon de Cirene uacuteltimo
poema na cronologia do ciclo 31 Para a extensa consideraccedilatildeo de todos os possiacuteveis tiacutetulos para o poema segundo diferentes autores da
Antiguidade cf Severyns (paacuteg 93 ndash 98) e Ferrante (27 ndash 30) Para a opiniatildeo de Proclo que Foacutecio natildeo menciona
ambos editores e criacuteticos apontam como consideraccedilatildeo final para a passagem de Ateneu (XV 682d) em que
Demodamas sugere como autor Ciacutepria de Halicarnasso Eacute conjetural poreacutem que concordando com
Demodamas Proclo aceitasse que a intitulaccedilatildeo se desse pelo autor sugerindo uma forma genitiva como
intitulaccedilatildeo que a formulaccedilatildeo de Foacutecio sugere Vale lembrar que no excerto sobre as Ciacuteprias Proclo informaria
sua discordacircncia sobre a intitulaccedilatildeo do poema e diria que para evitar a interrupccedilatildeo da continuidade do discurso
discutiria posteriormente esse toacutepico como um excurso Pelo menos quanto agrave ordem portanto o resumo de
Foacutecio seria fiel pois eacute de supor que tal excurso ocorresse apoacutes o resumo do ciclo e antes de abordar a elegia Isso
tambeacutem explica por que natildeo haveria razotildees para que Proclo natildeo considerasse as Ciacuteprias como parte do ciclo
(Severyns paacuteg 98) uma vez que dos resumos do ciclo esse eacute o uacutenico que natildeo conteacutem uma atribuiccedilatildeo em seu
iniacutecio 32 Como observado no caso do epos a exposiccedilatildeo segue o criteacuterio metro-mateacuteria explicando o
desenvolvimento da espeacutecie a partir dos usos do metro Cf Estudo 3312 paacuteg 86 332 paacuteg 90 em diante 33 Cf supra sect14 suacutemphona explicitando o criteacuterio metro-mateacuteria pontuando a invenccedilatildeo da espeacutecie e seu
desenvolvimento a partir da mateacuteria que a princiacutepio se lhe acomodava naturalmente
114
chamavam ao treno34 eacutelegos [ ] e atraveacutes dele elogiavam [euloacutegoun ] os
mortos35 26 Os poacutesteros36 contudo usaram ldquoelegiardquo amplamente para diferentes
argumentos
27 Fala entatildeo que exceliram nesse metro Calino de Eacutefeso37 e Mimnermo de
Colofatildeo38 mas tambeacutem o filho de Teacutelefo Filetas de Coacutes39 e Caliacutemaco filho de Bato (esse era
de Cirene)40
28 Jaacute no que diz respeito ao iambo [ ] primeiro em tempo antigo era atribuiacutedo
agrave ralhaccedilatildeo41 inclusive de acordo com certo dialeto ldquoiambizarrdquo [ldquoiambiacutezeinrdquo ] era
nome para ldquoralharrdquo42
29 Uns dizem ser por causa de certa criada Iambe [Iaacutembe ]43 de origem
traacutecia Ela quando Demeacuteter estava de luto pelo rapto de sua filha foi ateacute as redondezas de
34 Para a interpretaccedilatildeo de que a elegia haveria derivado do treno cf Harvey The Classification of Greek
Lyric Poetry The Classical Quarterly New Series Vol 5 No 34 (Jul - Out 1955) pp 157-175 35 O trinocircmio elegia eacutelegos elogio eacute a etimologia baacutesica que subjaz a essa exposiccedilatildeo da descoberta e do
desenvolvimento da espeacutecie Cf Estudo 332 paacuteg 90 a 94 36 Hoi metageneacutesteroi os poacutesteros ndash o texto mesmo pontua como etapa posterior ao uso primeiro do
diacutestico para o lamento fuacutenebre seu uso para diferentes argumentos hypotheacuteseis 37 Viveu por volta do seacuteculo VII a c e pelo que sabemos de sua poesia que nos chega fragmentada seria
de caraacuteter beacutelico e guerreiro recorrendo aos exemplos dos mitos que seratildeo posteriormente circunscritos ao
ciclo eacutepico (FERRANTE paacuteg 32) para exortar ao combate e agrave bela morte Portanto entendida a definiccedilatildeo da
elegia ao peacute da letra mesmo o mais velho elegiacuteaco natildeo a ilustra eacute de se supor portanto que ele mesmo jaacute ilustre
o uso do metro para ldquodiferentes argumentosrdquo o caraacuteter lamentoso e primordial do metro abarcaria por exemplo
a exortaccedilatildeo agrave morte na guerra uma vez que pressupotildee a situaccedilatildeo fuacutenebre independente dos poemas ou desse
tipo de poema suporem quando da sua composiccedilatildeo uma execuccedilatildeo primeira e um funeral ou funerais como
ocasiatildeo em performance especiacutefica uma vez que mesmo que nas situaccedilotildees em que um poema se destinasse agrave
uma performance especiacutefica sua execuccedilatildeo poderia se dar tambeacutem em um simpoacutesio posteriormente 38 Viveu entre o final do seacuteculo VII e o iniacutecio do seacuteculo VI a C seu lamento eacute de caraacuteter amoroso Foi
imitado pelos heleniacutesticos e a ele Galo e os demais elegiacuteacos romanos fazem remontar a elegia eroacutetica
tomando-o por seu descobridor 39 Poeta e gramaacutetico agrave maneira alexandrina mestre de Zenoacutedoto e Teoacutecrito seria tambeacutem reconhecido
pelos romanos o intermediaacuterio heleniacutestico da elegia eroacutetica no iniacutecio nos meandros do seacuteculo IV aC 40 Seacuteculo III aC foi disciacutepulo de Hermoacutecrates e Praxiacutefanes o peripateacuterico disciacutepulo de Teofrasto
Fundou uma escola de gramaacutetica em Alexandria seguindo os passo do mestre que se dedicara especificamente a
esse saber Compocircs sob a corte de Ptolomeu II o Filadelfo e Ptolomeu III o Eveacutergeta Foi o grande propagador
da poesia breve e cultista de base Heleniacutestica a quem se filiaraacute entre os romanos Catulo modelo dos elegiacuteacos
junto a Galo Cultivou aleacutem da elegia o epigrama o hino o epiacutelio e o iambo 41 Cf Estudo 333 paacuteg 94 42 Eacute impossiacutevel identificar a que dialeto o texto se referia uma vez que se o fizesse Foacutecio natildeo o anotou
Tanto Severyns (28 2 paacuteg 105) como Ferrante (28 paacuteg 33) remetem a Chantraine (La Formation des Noms en
Grec Ancien paacuteg 260) pontuando que de fato a formaccedilatildeo do nome em questatildeo eacute externa ao grupo indo-
eruropeu Talvez se a indefiniccedilatildeo do texto do epiacutetome partiu do texto do proacuteprio Proclo os proacuteprios antigos
percebessem a palavra como estrangeira sem poder identificar sua origem 43 A primeira e uma das poucas etimologias eponiacutemicas que ocorrem no epiacutetome O argumento baacutesico ndash
note-se ndash eacute etioloacutegico ie e funciona como outras explicaccedilotildees que apareceratildeo ao longo do cataacutelogo de
subespeacutecies meacutelicas haacute um marcante evento miacutetico ou histoacuterico que uma vez aceito eacute por si mesmo argumento
para a adoccedilatildeo de um costume e repeticcedilatildeo da forma Neste caso a accedilatildeo da criada de nome Iambe seria modelar do
que se faz com os iambos tanto que de seu nome derivaria o proacuteprio nome do metro Embora natildeo se possa
dizer que tambeacutem eponiacutemica a associaccedilatildeo do hexacircmetro a Femocircnoe (sect14) continha um argumento de base
etioloacutegica semelhante na medida em que localiza em um passado remoto um acontecimento que se fixa como
praacutetica Esse tipo de argumento seraacute amplamente usado na exposiccedilatildeo das subespeacutecies liacutericas na liacuterica sacra por
115
Elecircusis e apoacutes subir sobre a pedra hoje chamada ldquoSolenerdquo44 por meio de algumas zombarias
levou a deusa agrave gargalhada45
30 Parece que em tempo antigo poreacutem dizia-se o iambo para o que era composto
visando ao vitupeacuterio e ao enaltecimento igualmente Como alguns sobreabundaram o metro
nas maledicecircncias a partir daiacute o ldquoiambiacutezeinrdquo [ldquoiambizarrdquo ]46 por forccedila do haacutebito
acabou por ser ldquohybriacutezeinrdquo [ldquoimprecarrdquo ] bem como por causa dos ldquococircmicosrdquo
[komikoiacute ] ldquokomiacutezeinrdquo [ldquoridicularizarrdquo ]47
31 De iambos Arquiacuteloco de Paros eacute o melhor poeta seguido de Semocircnides de
Amorgos ndash de Samos segundo uns ndash e Hipocircnax de Eacutefeso dos quais o primeiro floresceu na
eacutepoca de Giges48 o segundo na de Amintas o macedocircnio49 por fim Hipocircnax durante o
periacuteodo de Dario50
32 Sobre a poesia meacutelica51 diz que eacute a mais diversificada e comporta diferentes
divisotildees
33 Parte dela encontra-se distribuiacuteda para deuses parte para homens parte para
deuses e homens e parte para as circunstacircncias acidentais
exemplo eacute usado na explicaccedilatildeo do nomo (sect44) entre as subespeacutecies sacras e seculares na explicaccedilatildeo da
dafneforia (sect70 ndash 73) das canccedilotildees tripodefoacutericas (sect80 ndash 86) das oscofoacutericas (sect89) etc 44 Chama a atenccedilatildeo o silecircncio de Pausacircnias (I 38 6 e I 39 I) a respeito da pedra Cf Severyns paacuteg 108
6 ndash as referecircncias tardias pontuadas pelo autor sugerem que se trate de um elemento proverbial e posterior que se
preencheu em um episoacutedio antigo e conhecido que remonta afinal ao Hino Homeacuterico a Demeacuteter (197 ndash 204)
em que tal criada aparece e de fato faz a deusa rir mas no palaacutecio do rei Celeo e sob seu senhorio em uma
versatildeo diferente da histoacuteria Referem-se agrave pedra Apolodoro (I 30) o Escoacutelio a Aristoacutefanes (Cavaleiros 785) e o
Suda ( 49 ADLER) 45 Severyns (paacuteg 107 ndash 109) fornece detalhadamente todas as referecircncias para essa versatildeo da histoacuteria
valendo menccedilatildeo a mesma passagem de Apolodoro que apresenta a histoacuteria semelhantemente e o Escoacutelio a
Hefestiatildeo (214 9 Consbruch) que apresenta a versatildeo homeacuterica 46 Cf Ferrante 32 ndash 33 n 28 para a etimologia a partir de ldquoiagraven baacutezeinrdquo ldquo rdquo ldquolanccedilar a vozrdquo
(Et Magn 463 29) bem como para a possibilidade a partir do homeacuterico iaacute ldquolanccedilas setasrdquo (Il 20 68) +
baacutezein ie ldquolanccedilar setasrdquo metaacutefora poeacutetica para imprecar (cf Catulo 116)47 O termo que de iniacutecio significava apenas integrar um koacutemos ie uma farra folia patuscada pacircndega
um cortejo festivo passa a designar no desenvolvimento da trageacutedia ldquocompor um coro cocircmicordquo e por
metoniacutemia satirizar detratar fazer de algo ou algueacutem objeto da criacutetica cocircmica Esse processo teria igualmente
ocorrido em relaccedilatildeo ao emprego abundante do iambo para a imprecaccedilatildeo de modo que o proacuteprio verbo
ldquoofenderrdquo ldquoinjuriarrdquo (hybriacutezein passa a ter o mesmo emprego que ofender sem implicar a
composiccedilatildeo de versos iacircmbicos Essa uacuteltima passagem natildeo eacute senatildeo uma ampliaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da primeira
etimologia apresentada que apenas endossa a opiniatildeo de Aristoacuteteles para a origem do iambo (Cf Estudo 333
paacuteg 94) 48 Arquiacuteloco teria vivido na primeira metade do seacuteculo VI aC Giges que eacute dado como referecircncia foi o
rei liacutedio de 689 a 653 aC Menciona-o fragmento 19 do poeta (Gerber) Sua poesia nos chega fragmentada e
faz menccedilatildeo de um eclipse que ocorreu em 6 de abril de 648 aC o que nos permite situar sua atividade poeacutetica
pelo menos ateacute essa deacutecada Sabemos que compocircs elegias tambeacutem mas eacute geralmente referido como o primeiro
poeta iacircmbico entre os gregos como se vecirc por exemplo na Ars de Horaacutecio (79) 49 Trata-se de Amintas I da Macedocircnia que teria vivido entre 540 e 498 aC o que colocaria Semocircnides
depois de Arquiacuteloco na segunda metade do seacuteculo VI aC Dele nos resta algo em torno de 40 fragmentos
dentre os quais o mais famosos seria o fragmento 6 (WEST) ldquoContra as Mulheresrdquo 50 Segundo esse testemunho Hipocircnax teria vivido aproximadamente entre 521 e 485 aC eacute considerado o
descobridor do coliambo 51 Sobre a divisatildeo cf Estudo 334 paacuteg 95
116
34 Aos deuses de um lado referem-se hino prosoacutedio peatilde ditirambo nomo
adoniacutedia iobaco hiporquema
35 Aos homens de outro encocircmios epiniacutecio escoacutelios eroacuteticas espitalacircmios
himeneus silos trenos e epiceacutedios
36 Aos deuses e homens partecircnias dafnefoacutericas tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas
pois essas eram escritas para deuses e compreendiam enaltecimentos de homens
37 A que se refere agraves circunstacircncias acidentais natildeo eacute uma espeacutecie da meacutelica mas eacute
atentada pelos proacuteprios poetas
38 Diz que o hino [hyacutemnos ]52 recebe seu nome pelo fato de ser algo
ldquohypoacutemononrdquo [ldquopersistenterdquo ]53 e por conduzir desse modo agrave mneacuteme [memoacuteria
] e agrave hypomneacutesis [rememoraccedilatildeo ] as accedilotildees dos hineados [hymnoucircmenoi
]54 ou tambeacutem pelo ldquohydeicircnrdquo [ldquonomearrdquo ] que eacute o mesmo que ldquodizerrdquo55
52 Do sacircnscrito syuman (ldquoligaccedilatildeordquo) Essa noccedilatildeo se confere no latim suo (coser) bem como em palavras
gregas com a noccedilatildeo geral de ldquourdidurardquo ldquotecidordquo ldquopelerdquo υμην (membrana) υφη (teia urdidura) υφαινω
(sinocircnimo do latim suo ie tecer) ndash Exemplos de Ferrante paacuteg 38 n 38 53 Essa hipoacutetese eacute verossiacutemil linguisticamente e nos eacute apresentada pelo Et Mag 777 2 dizendo apenas
que se trata de siacutencope υμνος derivaria de υπομονος palavra postulada e teoacuterica (uma vez que temos o verbo
ldquorestarrdquo e o substantivo deverbal ldquopersistecircnciardquo mas natildeo o adjetivo em questatildeo) por
apoacutecope e assimilaccedilatildeo υπομονος passaria a υμμονος e depois por simplificaccedilatildeo e siacutencope cairia o [o] de
μονος resultando υμνος (Ferrante idem) A etimologia antiga como se sabe pauta-se natildeo soacute na proximidade
das palavras mas tambeacutem em seu significado Essa etimologia teoacuterica contribui portanto para a noccedilatildeo cabal de
que na percepccedilatildeo antiga um hino o eacute porque ldquopersistenterdquo ie hino eacute algo que visa permanecer daiacute a
associaccedilatildeo direta e primeira entre hyacutemnos e hypoacutemonos a partir da qual na formulaccedilatildeo dessa etimologia se
parte para as demais associaccedilotildees paroniacutemicas 54 Tais formas se associariam morfoloacutegica e semanticamente (e daiacute etimologicamente) ao binocircmio
hyacutemnos - hypoacutemonos expandindo-o Dessa associaccedilatildeo baacutesica decorre que a espeacutecie poeacutetica recebe seu nome
porque opera com a mneacuteme a capacidade de retenccedilatildeo na memoacuteria e com a hypomneacutesis a capacidade de
rememorar o que foi armazenado em relaccedilatildeo agraves accedilotildees dos hineados Dessarte os demais termos ocorrem para
explicar a associaccedilatildeo primeira com uma palavra teoacuterica ie porque o hino eacute ldquopersistenterdquo Talvez devecircssemos
considerar o contraacuterio que a palavra teoacuterica se postula a fim de permitir a associaccedilatildeo com as outras que
explicariam o nome do gecircnero A se diz por causa de B que se diz em funccedilatildeo de C e D seguindo-se E Este
uacuteltimo termo explica o uacuteltimo elemento da exposiccedilatildeo do coacutedice em que os ldquohineadosrdquo (hymnoucircmenoi) satildeo
praticamente os ldquorelembradosrdquo
Esse eacute o esquema etimoloacutegico de dois outros textos semelhantes a esse passo do coacutedice de Foacutecio o
leacutexico de Oacuterion 155 22 (fundamental porque ele teria sido professor de Proclo) e Et Magnun 777 2 (que como
se sabe junto do Et Gudianum pauta-se no gramaacutetico Oacuterion em vaacuterios de seus verbetes) O cotejo completo
encontra-se em Severyns II 38 paacuteg 117 Ambas as referidas passagens (esta baseada naquela) atribuem a
etimologia a Diacutedimo e sua obra Acerca dos Poetas Liacutericos citados nominalmente nos dois textos 55 Apenas pelo lsquo rsquo o verbo em questatildeo viria agrave etimologia porque condensa as noccedilotildees anteriores e a antiga
funccedilatildeo religiosa subjacente agrave origem da espeacutecie em questatildeo o celebrar de um deus finalidade do hino
consistiria em relembrar ie trazer agrave tona seus feitos suas accedilotildees ( praacutexeis) manter a memoacuteria delas
Essa etimologia encontra-se nos leacutexicos antigos e provavelmente adveacutem dos autores heleniacutesticos uma vez que o
uso do verbo parece reintroduzido na liacutengua pelos poetas de tal periacuteodo cf Severyns idem paacuteg 119 Tanto no
Et Magnun como no Et Gudianum provavelmente contemplando o uso heleniacutestico aparece junto dos verbos
e como sinocircnimo primeiro de ldquo rdquo Para a derivaccedilatildeo antiga da palavra por exemplo o Et
Gud 539 56 ldquo
rdquo ndash ldquohyacutedein sinaliza o hyacutemnein surge a patir do verbo hymnocirc pela queda
do lsquonrsquo hymocirc e mudanccedila do lsquomrsquo para lsquodrsquo hyacutedo pelo recuo do acentordquo A associaccedilatildeo entre os dois verbos para a
qual tambeacutem se apresenta uma formaccedilatildeo teoacuterica nos leacutexicos posteriores ao texto do epiacutetome parece apontar de
qualquer modo dentro dessa classificaccedilatildeo de base gramatical para a necessidade de reforccedilar pelo emprego de
117
39 Chamavam hino em geral toda composiccedilatildeo aos que satildeo superiores56 por isso
aparecem contrapondo o prosoacutedio e as demais canccedilotildees mencionadas ao hino como a espeacutecie
ao gecircnero Assim dos que escrevem57 podem-se ouvir coisas como ldquohino de prosoacutediordquo ldquohino
de encocircmiordquo ldquohino de peatilderdquo e semelhantes58
40 O prosoacutedio [prosoacutedion ] era entoado quando se seguia em procissatildeo
[prosiacuteosi ] ao altar ou ao santuaacuterio e na procissatildeo [prosieacutenai ] era
cantado [eiacutedeto ]59 ao som do aulo O hino propriamente se cantava ao som da ciacutetara
uma vez que se estivesse parado60
um termo que tambeacutem eacute heleniacutestico a exposiccedilatildeo da espeacutecie como ldquodiegeacuteticardquo ou narrativa bem como
caracterizar a forma poeacutetica como celebraccedilatildeo de accedilotildees Em outras palavras aventa-se a possibilidade de que natildeo
eacute senatildeo pelas accedilotildees as praacutexeis anteriormente mencionadas que as duas explicaccedilotildees estatildeo aqui postas juntas
uma vez que nesta ocorrecircncia o verbo tenha as accedilotildees por objeto (hyacutedein autagraves) Eacute provaacutevel portanto que o
texto de Proclo as propunha contiguamente e natildeo opostamente jaacute que como mostrado por Severyns (paacuteg 120)
eacute tambeacutem por essa possibilidade que o texto do epiacutetome mencionaraacute outra disposiccedilatildeo para o hino em relaccedilatildeo agraves
outras espeacutecies dentro da classificaccedilatildeo geneacuterica a saber como gecircnero para as demais espeacutecies (infra n 58) 56 hyperoacutentas eacute correccedilatildeo de Severyns proposta a partir das referidas passagens de Oacuterion e do
Et Mag que trazem ldquo hypereacutekhontasrdquo sinocircnimo uma vez que o texto de Foacutecio traz
ldquo hypereacutetasrdquo (servo do deus) o que implicaria um contrassenso uma vez que o hino faz parte da
liacuterica sacra 57 A passagem parece ambiacutegua e aqui se pretendeu manter essa ambiguidade Natildeo eacute possiacutevel estabelecer
apenas pela passagem se tocircn graphocircnton designa aqueles que escrevem sobre hinos referindo-se a como outros
textos e classificaccedilotildees geneacutericas referem-se aos hinos e os nomeiam ou se isso parte daqueles que compuseram
tais hinos e portanto o referente do particiacutepio seriam os poetas A opccedilatildeo por ldquoescrevemrdquo e natildeo ldquocompotildeemrdquo na
traduccedilatildeo visa manter as duas possibilidades de leitura Das duas passagens semelhantes Oacuterion (155 22) e o Et
Magnun (777 2) apenas a primeira emprega o termo referindo-se aos que compotildeem com certeza e eacute por isso
mesmo que essa provavelmente seria a leitura correta Natildeo nos cabe emendar o texto poreacutem 58 Conforme as aludidas passagens de Oacuterion e do Etymologicum Magnum Diacutedimo distinguia entre duas
classificaccedilotildees Uma consideraria o hino particularmente como espeacutecie meacutelica sacra separada das demais
mencionadas no epiacutetome outra tomaria o temo de forma geneacuterica no sentido de que seu significado geral
abarcaria as demais formas sacras como espeacutecies Da exposiccedilatildeo anterior de fato se pode conjecturar que como
um hino eacute um louvor qualquer louvor poderia ser designado ldquohinordquo cantando-se as accedilotildees do ldquohineadordquo
inclusive referindo-se a homens e natildeo deuses A denominaccedilatildeo particular poreacutem a que Diacutedimo se filia
distinguia todas essas formas como espeacutecies pelo criteacuterio do destinataacuterio e por traccedilos circunstanciais
particulares apesar do mesmo testemunhar a generalizaccedilatildeo do termo que relacionava o hino a outras espeacutecies
liacutericas que empreendiam um elogio De acordo com Diacutedimo estaacute Amocircnio Sacoacuteforo (Diff Verb p 139
Valckenaer) quando diz que ldquoυμνος εγκωμιου διαφερει ο μεν γαρ υμνος εστι θεων το δε εγκωμιον ανθρωπωνrdquo (o hino difere do encocircmio o hino eacute proacuteprio dos deuses o encocircmio dos homens) tambeacutem se encontra passagem
similar no Etym Gud (540 42) ldquoο μεν υμνος επι θεου λεγεται το δε εγκωμιον επι ανθρωπουrdquo (o hino se diz a
um deus o encocircmio a um homem) A distinccedilatildeo jaacute ocorria na Repuacuteblica de Platatildeo (X 607a) quando absolvia do
ostracismo os ldquohinos aos deuses e os encocircmios ao virtuososrdquo A diferenciaccedilatildeo entre hino e as demais espeacutecies
sacras se daraacute logo em seguida no texto do epiacutetome quando se aborda a segunda delas no cataacutelogo de Proclo o
prosoacutedio (cf infra n 60) Cf igualmente Severyns paacuteg 119 em que organiza claramente as trecircs interpretaccedilotildees
de hino em relaccedilatildeo agraves demais formas poeacuteticas
Para a confusatildeo entre o hino e as formas encomiaacutesticas cf tambeacutem Harvey (1955) 59 Seria portanto combinando os trecircs termos arrolados na paroniacutemia explicativa da etimologia uma
ldquocanccedilatildeo em procissatildeordquo Aqui o que a etimologia faz eacute tatildeo somente explicar por outras palavras os termos do
composto que nomeia a espeacutecie a preposiccedilatildeo proacutes que daacute a noccedilatildeo de ldquoem direccedilatildeo ardquo que compotildee os verbos de
movimento que permitem designar o caminhar da procissatildeo (pros + ieacutenai) e o verbo ldquocantarrdquo (aiacutedo) donde o
ldquocantordquo ldquoa oderdquo ( oacuteide) 60 Aqui a distinccedilatildeo entre o hino como espeacutecie particular ndash o ldquohino propriamenterdquo ldquo rdquo ndash em
relaccedilatildeo agraves demais que remonta ateacute onde nos eacute possiacutevel saber a Diacutedimo Segundo o Et Magn 690 ldquoπροσωδια
παρα το προσιοντας ναοις η βωμοις προς αυλον αδειν ltαντιgt δια ltστελλεταιgt δε των υμνον οτι τους υμνους
προς κιθαραν εστωτες αδουσιν Ουτω Διδυμος εν τω περι λυρικων ποιητωνrdquo ndash ldquoos prosoacutedios foram assim
118
41 O peatilde [paiacutean ] eacute uma espeacutecie de canto nos nossos dias escrito para todos
os deuses mas em tempo antigo se dedicava propriamente a Apolo e a Aacutertemis sendo
cantado pela democcedilatildeo [katapauacutesei ] de pestes e moleacutestias61 Alguns chamam
peatildes por extensatildeo os prosoacutedios62
42 O ditirambo [dithyacuterambos ]63 eacute composto para Dioniso e denominado
a partir dele ou por Dioniso ter crescido sob o monte Nisa em uma caverna diacutethyros
chamados pois os que se aproximam dos templos ou altares cantam ao acompanhamento de aulo Opotildeem-se aos
hinos pois os cantam parados ao acompanhamento de ciacutetara Assim disse Diacutedimo no Acerca dos Poetas
Liacutericosrdquo
Sobre a forma hestoacuteton ( ) considerando que ocorre similarmente nos textos semelhantes
Severyns observou (124 6 citando o Etm Magnun 690 41) que sendo a espeacutecie executada por um coro pelo
menos em origem dificilmente o termo aqui se emprega ao peacute da letra O termo poderia ter o sentido de
estaacutesimo como na trageacutedia ou seja ldquouma paradardquo em relaccedilatildeo ao movimento geral pela orquestra mas com uma
coreografia o que significaria que o coro faria as evoluccedilotildees tiacutepicas da estrutura estroacutefica junto ao canto e agrave
composiccedilatildeo instrumental por oposiccedilatildeo aos meacutele hyporkheacutemata aqueles que possuiacuteam uma danccedila e aos meacutele
prosoacutedia esses opostos aos dois por ser em procissatildeo Contudo em se tratando de um genitivo absoluto o que
se tentou manter na traduccedilatildeo podemos aventar igualmente uma explicaccedilatildeo mais simples o termo estaacute a
continuar a oposiccedilatildeo entre o ldquohino em sentido proacutepriordquo o hyacuterios hyacutemnos e o prosoacutedio significando que aquele
se iniciava apoacutes este ou seja apoacutes o teacutermino da procissatildeo ldquouma vez que se estivesse paradordquo Note-se que uma
possibilidade natildeo nega a outra e ambas me parecem presentes porque isso inclusive explicaria primeiro os
hyporkheacutemata em particular como espeacutecie (seguindo o raciociacutenio do cataacutelogo) assim como em segundo a
ausecircncia de explicaccedilatildeo para estes no epiacutetome (cf n 77) 61 A etimologia se constitui pela proximidade do nome da canccedilatildeo com o termo ldquocessaccedilatildeo democcedilatildeordquo
( katapapaucircsis) e aqui a classificaccedilatildeo da espeacutecie se faz em prol da etiologia antiga Busca-se um
termo que lhe seja proacuteximo do ponto de vista do significante mas tambeacutem do significado Assim os leacutexicos (Et
Mag 657 2) traratildeo uma derivaccedilatildeo teoacuterica e dentre eles o Et Gudianum (446 50) daraacute como fonte Diacutedimo
Vale nota que o Et Magnum e o escoacutelio a Platatildeo (Banquete 177a) datildeo amostra da preocupaccedilatildeo terminoloacutegica
que perfaz a classificaccedilatildeo do epiacutetome pois embora ambos consoem com Proclo e este segundo empregue
praticamente a mesma formulaccedilatildeo do epiacutetome (ldquo rdquo)
ambos empregam o termo hyacutemnos propondo o peatilde como um tipo de hino evidenciando que o uso de ldquohinordquo
como gecircnero para espeacutecies era corrente na tratadiacutestica
Derivaria de παιω tambeacutem (cf lat pauio pauimentum) ldquobater percutirrdquo (cf Dioniacutesio Traacutecio) mas pela
mesma razatildeo etioloacutegica acima explicada pois Apolo batendo com seu bastatildeo demoveria os males Haveria
tambeacutem a derivaccedilatildeo do nome pela expressatildeo caracteriacutestica que se dizia ao longo do canto ldquo rdquo (cf
Ateneu XV 696d ndash 697b) Em tempos poacutes-homeacutericos o termo foi confundido com Peatildeo deus da medicina (cf
Ferrante paacuteg 43 n41) evidentemente associado a Apolo e jaacute Aacutertemis sua irmatilde era tambeacutem destinataacuteria do
canto como testemunha o epiacutetome Entatildeo o canto seria ou uma suacuteplica pela liberaccedilatildeo como testemunha Homero
no canto I da Iliacuteada (472 ndash 4) ou um agradecimento ao deus por ela Daiacute que como ldquoaccedilatildeo de graccedilardquo ndash termo que
Severyns ndash penso ndash emprega sem erro o peatilde passou a servir de agradecimento a diferentes deuses e por
diferentes accedilotildees A Vida de Soacutefocles (III) conta-nos que o tragedioacutegrafo teria se destacado ainda jovem por
conta de um peatilde em agradecimento pela vitoacuteria em Salamina Parece que natildeo muito mais tarde (embora seja
impossiacutevel precisar se a praacutetica jaacute era corrente mesmo anteriormente) peatildes passaram a se compor para homens
Ateneu (supra) arrola diferentes exemplos de peatildes para mortais dos quais merece destaque o referido por
Plutarco na Vida de Lisandro (18) o general espartano ndash Cf Severyns (127 3) 62 Tanto Severyns (41 7 paacuteg 129) como Ferrante (41 paacuteg 45) a julgar pela diferenciaccedilatildeo inferem que a
confusatildeo se dava porque antes do canto de um peatilde propriamente haveria uma procissatildeo ao templo do deus a
que se agradeceria o que se faria ao som de um prosoacutedio propriamente e este poderia ser designado pelo
criteacuterio apenas da finalidade da ocasiatildeo um peatilde ignorando-se os elementos formais explicitados Ambos autores
tambeacutem datildeo como referecircncia para o estudo e a bibliografia a respeito do peatilde A Fairbanks A study of the greek
paean New York 1900 L Deubner Neue Jahrbuumlrch 1919 p 585 L Delatte in Antiquiteacute classique 7 (1938)
p 23 ndash 29 Sobre o a confusatildeo entre os gecircneros sacros e a impossibilidade de estabelecer o que consistia cada
um Harvey (op cit1955) 63 Segundo alguns o termo eacute de origem liacutedia mas a etimologia eacute incerta Διθυραμβος era uma outra
designaccedilatildeo de Dioniso e mais tarde tornou-se o nome do canto em honra ao deus o que seria embora isso talvez
119
[bifurcada ]64 ou por ter sido encontrado quando se abriram as rhaacutemmata [suturas
] de Zeus65 ou porque nasceu ndash ao que parece ndash duas vezes [diacutes ] a primeira de
Secircmele e a segunda da coxa66
43 Piacutendaro diz que o 67ditirambo foi descoberto em Corinto e Aristoacuteteles fala que o
inaugurador desse canto eacute Aacuterio quem primeiro conduziu um coro em ciacuterculo68
44 Jaacute o nomo [ ] era composto para Apolo que por sua vez tem seu epiacuteteto
derivado dele69 de fato Apolo eacute ldquoNocircmimosrdquo [ ]70 ndash foi chamado ldquoNocircmimosrdquo
porque estando os antigos a dispor o coro e cantar o nomo ao som da lira ou do aulo
Crisocirctemis o cretense vestindo pela primeira vez uma exuberante estola e sacando uma ciacutetara
por imitaccedilatildeo de Apolo cantou sozinho [monos ]71 um nomo Como ele foi aclamado a
maneira do concurso permanece
45 Ao que tudo indica primeiro Terpandro aperfeiccediloou o nomo empregando o metro
heroico Depois natildeo foi com pouco que contribuiu Aacuterio de Metimna ele mesmo sendo poeta e
fosse desconhecido dos antigos um epocircnimo Para diferentes possibilidades etimoloacutegicas associadas a aspectos
do culto de Dioniso a partir do grego e de outras liacutenguas cf Ferrante (42 paacuteg 45 ndash 46) 64 De δις + θυρα cf lat fores (com duas portas) cf Herodiano (II 492 28 Lentz) apud Ferrante (op cit
idem) e Piacutendaro (fr 76 BOWRA) A mesma etimologia ocorre no Et Magnum (274 44) e no Escoacutelio a
Apolocircnio de Rodes (IV 1131 Wendel) 65 O simples segmento focircnico [-ram-] - seria suficiente para se fazer a associaccedilatildeo a outro episoacutedio
conhecido sobre a mitologia em torno de Dioniacuteso a saber sua segunda gestaccedilatildeo na coxa de Zeus gerando a
associaccedilatildeo entre dithyacuterambos e a locuccedilatildeo ldquolugravethi rhammardquo ( ) frase com que Zeus teria consumado o
nascimento definitivo de seu filho cujo significado seria ldquosoltem-se as suturasrdquo Essa etimologia encontra-se
tambeacutem no Et Magn (274 50) e era ao que tudo indica poeacutetica remontando a Piacutendaro (fr 75 BOWRA) 66 O uacuteltimo elemento associado ao numeral dois ldquoduas vezesrdquo ndash [dis] - - eacute uma etimologia meramente
semacircntica e tambeacutem associada a um segmento focircnico A rigor essa etimologia eacute a melhor demonstraccedilatildeo do aqui
se denomina uma etimologia etioloacutegica porque na verdade eacute a somatoacuteria de partes da palavra cada uma
remetendo a outra palavra que por sua vez representa um elemento do mito de nascimento do deus compondo
seu significado geral e a origem de um nome que entre os gregos mesmos era de origem incerta As diferentes
partes dessa etimologia em que cada associaccedilatildeo contribui para a inserccedilatildeo do mito no significado da palavra
aparecem aleacutem do Et Magn (274 44) no Et Gud (146 24 e 43) de modo que neste se observa a mesma
associaccedilatildeo entre ldquoduas viasrdquo e ldquodois nascimentosrdquo ndash cf Severyns 42 8 paacuteg 132 67 Cf Ferrante (43 paacuteg 46) Piacutendaro Ol 13 25 68 Aristoacuteteles Pol VIII 7 1342 b 7 Para Aacuterio c 625 aC cf Heroacutedoto (I 23 ndash 24) 69 A melhor explicaccedilatildeo para tal passagem eacute de Severyns (op cit 44 1 paacuteg 137) buscando brevidade
didaacutetica na exposiccedilatildeo Foacutecio teria pecado no estilo produzindo a ambiguidade da passagem que na sua
literalidade daacute a entender primeiro que Apolo herdou seu epiacuteteto do canto Como Severyns observa a passagem
sequer faria sentido caso se pensasse que Foacutecio a entendeu dessa maneira 70 Severyns (idem 2) e Ferrante (n 44 paacuteg 48) concordam que noacutemimos seria a variaccedilatildeo adotada por
Foacutecio mas para fins etimoloacutegicos Proclo provavelmente empregava a forma noacutemios constante na recorrecircncia
dessa etimologia O epiacuteteto de Apolo poderia tanto ser cognato de ldquoneacutemo pastorearrdquo significando
ldquopastorilrdquo como de ldquonoacutemos leirdquo significando algo como ldquoprovedor de leisrdquo ndash Severyns (44 4 paacuteg 139) 71 Aventa-se aqui a possibilidade de que como em sect65 em que Foacutecio expotildee a etimologia que prefere em
funccedilatildeo do lsquomrsquo de moacutenos Foacutecio esteja explicando seu emprego natildeo em vatildeo e natildeo meramente estiliacutestico de
noacutemimos em vez de noacutemios que devia constar no texto de Proclo Essa hipoacutetese seria consoante agrave confusatildeo que
ocorre no iniacutecio do trecho de modo que aqui Foacutecio estaria nos informando que haveria uma confusatildeo entre o
epiacuteteto do deus e o nome da subespeacutecie nome que sofreria uma sutil modificaccedilatildeo em funccedilatildeo do evento
estabelecedor da praacutetica performaacutetica que passa a caracterizaacute-lo Assim teriacuteamos duas etimologias combinadas
uma claramente epocircnima outra uma variaccedilatildeo etioloacutegica
120
citaredo 46 Friacutenis de Mitilene inovou-o juntou o hexacircmetro ao verso livre e utilizou mais de
sete cordas 47 Posteriormente Timoacuteteo levou-o a seu arranjo atual72
48 O ditirambo eacute movimentado junto agrave danccedila uma manifestaccedilatildeo de entusiasmo em
alto grau elaborado para as paixotildees muito proacuteprias do deus eacute agitado quanto ao ritmo e
emprega de forma mais simples as palavras 49 O nomo pelo contraacuterio por causa do deus
distende-se de forma ordenada e magnificente distende-se no ritmo e emprega as palavras
compostas73
50 Natildeo diferentemente cada um tambeacutem emprega as escalas proacuteprias pois o primeiro
afina-se ao friacutegio e ao hipofriacutegio e o nomo ao sistema liacutedio dos citaredos74
51 Ao que parece o ditirambo foi descoberto a partir da brincadeira das crianccedilas
pelos campos e da animaccedilatildeo entre os eacutebrios O nomo por sua vez parece decorrer do peatilde ndash
este eacute mais comum sendo escrito para a deprecaccedilatildeo de males aquele propriamente para
Apolo ndash por isso natildeo tem o entusiasmo como o ditirambo
52 Laacute enfim bebedeiras e brincadeiras aqui suacuteplicas e muita ordem pois que o
proacuteprio deus na ordenaccedilatildeo e em um arranjo contido daacute voltas no compasso
53 Adoniacutedias se dizem as canccedilotildees que se referem a Adocircnis75
54 Cantava-se o iobaco imerso em frecircmitos nos festivais e sacrifiacutecios a Dioniso76
72 Aqui se forneceria conforme o modelo padratildeo uma histoacuteria do nomo a partir de sua invenccedilatildeo
passando por seus desenvolvimentos Para as conjecturas histoacutericas sobre a evoluccedilatildeo formal do nomo Severyns
op cit II 140 a 150 Ferrante op cit paacuteg 48 traz uma breve exposiccedilatildeo sobre as partes do nomo e da paacuteg 50
a 51 a biografia de cada um dos poetas referidos 73 Empreende-se uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas gerais dessas composiccedilotildees de acordo com o
deus a que se destinava cada uma Agrave paixatildeo proacutepria de Dioniacutesio e do entusiasmo caracteriacutestico de seu culto
acomodar-se-ia um estilo mais baixo empregando palavras simples aqui entendidas no sentido da elocuccedilatildeo
propriamente enquanto por outro lado combinando com o ritmo do nomo que ao inveacutes de se agitar em prol da
danccedila dos entusiasmados buscava prolongar-se pausadamente as palavras seriam mais belas visando ao ornato
da elocuccedilatildeo portanto compostas 74 Igualmente a cada um dos referidos ritmos melhor caberiam diferentes escalas musicais Para
interpretaccedilotildees divergentes da passagem e a possiacutevel discordacircncia em relaccedilatildeo a uma interpretaccedilatildeo peripateacutetica
Cf Severyns paacuteg 160 ndash 163 75 Adocircnis era divindade de origem siacuteria e feniacutecia (Ferrante 53 paacuteg 57) O pouco que se pode saber sobre
essa espeacutecie eacute que talvez fosse um treno ritual em que as mulheres lamentavam imitando Afrodite a morte do
belo jovem O termo que nomeia a canccedilatildeo epocircnima ocorre poucas vezes na liacutengua em Aristoacutefanes (Lisistrata
389) ocorre na forma adoniasmoacutes O Et Mag explica a forma como ldquoo treno por Adocircnisrdquo A peccedila
de Aristoacutefanes ainda ilustra expressotildees que provavelmente eram tiacutepicas desse canto (393 e 396) ldquo rdquo
(ldquoAi Adocircnisrdquo) e ldquo rdquo (ldquobatei no peito lsquoAdonisrsquordquo) Tambeacutem havia um peacute meacutetrico chamado
adocircnio 76 Como em uma das etimologias possiacuteveis para o peatilde o nome eacute composto da interjeiccedilatildeo de juacutebilo ldquoioacuterdquo
mais um dos nomes do deus Baacutekkhos cf Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (450 15) Cf severyns (54 paacuteg 171) em
Atenas representaccedilotildees do seacutequito de Dioniso chamavam-se Ioacutebakkhoi e Iobakkheicirca era o nome de uma festa
puacuteblica em honra do deus A expressatildeo ldquoimerso em muito frecircmitordquo sugere uma celebraccedilatildeo de caraacuteter semelhante
a do ditirambo
121
55 Hiporquema [hypoacuterkhema ]77 chamava-se a canccedilatildeo cantada junto agrave
danccedila [oacuterkhesis ]78 de fato os antigos frequentemente empregavam a preposiccedilatildeo
hypoacute [ ] no lugar de metaacute [ ]79
56 Quanto aos descobridores alguns dizem ter sido os curetas80 outros Pirro [Pyrros
] filho de Aquiles donde tambeacutem dizem piacuterrica [purrikheacute ] uma espeacutecie
de danccedila81
56a [paraacutegrafo pertinente ao encocircmio falta nos manuscritos]82
57 Jaacute o epiniacutecio escrevia-se pelo momento mesmo da vitoacuteria aos primeiros nas
competiccedilotildees83
77 Segundo Ferrante (55 paacuteg 58) seriam composiccedilotildees em versos creacuteticos ou peocircnicos Opotildee-se agraves demais
espeacutecies sacras porque era composta com uma danccedila em especiacutefico e natildeo evoluccedilotildees do coro Seria um canto de
origem cretense originariamente dedicado a Apolo mas depois a Dioniso e Atena ateacute que jaacute na eacutepoca de
Piacutendaro secularizou-se 78 A julgar pelo fato do resumo de Foacutecio mencionar mesmo que sucintamente as consideraccedilotildees do texto
original que explicavam a classificaccedilatildeo dessas espeacutecies sacras eacute de supor que o proacuteprio texto acessado natildeo trazia
muitas outras consideraccedilotildees sobre essa espeacutecie uma vez que um criteacuterio que as definisse como tal jaacute fora
discutido e estava subentendido no restante da exposiccedilatildeo da liacuterica sacra O nome por si soacute eacute autoexplicativo
ainda mais apoacutes a discussatildeo na exposiccedilatildeo do prosoacutedio particularizando o hino 79 Cf Ferrante (55 paacuteg 59) que arrola por exemplo O Escoacutelio a Piacutendaro (Ol VI 73b) e a Homero
(XVIII 492) como testemunhos arcaicos do uso de uma preposiccedilatildeo no lugar da outra O nome da espeacutecie seria
portanto algo como ldquodanccedilanterdquo (ldquocom danccedilardquo) Para as demais etimologias antigas cf Severyns (56 paacuteg 174 ndash
178) 80 Seriam sacerdotes do culto a Rea influentes em Creta Cf Ferrante (56 paacuteg 59) 81 Epiacuteteto de Neoptoacutelemo 82 Cf Harvey (1955) para ponderaccedilotildees sobre o encocircmio em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies principalmente em
relaccedilatildeo aos hinos Segundo a definiccedilatildeo de Heliodoro apud Ferrante (paacuteg 61) ldquoeacute a composiccedilatildeo poeacutetica que
compreende o enaltecimento de homens e cidadesrdquo mas morfoloacutegica e etimologicamente tambeacutem significava
fazer parte de um koacutemos mas em uma solenidade festiva ndash cf Piacutendaro Nemeias 8 50 Portanto poderia se
confundir com o epiniacutecio e em ambiente simposial ao escoacutelio mas se diferenciaria desse por ser coral 83 Fosse literalmente ie com valor temporal ldquono momento da vitoacuteriardquo fosse em sentido causal ldquopor
causa da vitoacuteriardquo
Severyns (57 paacuteg 181) defende que a liccedilatildeo talvez fosse epigrave autograven tograven kairograven porque aiacute ocorreria uma
etimologia que diz ldquoaludidardquo por oposiccedilatildeo ao encocircmio o epiniacutecio era obrigatoriamente no momento da vitoacuteria
em uma competiccedilatildeo atleacutetica supondo a celebraccedilatildeo do homem na proacutepria ocasiatildeo pairando a sugestatildeo de que
esse criteacuterio definiria o epiniacutecio em ldquoparticularrdquo semelhantemente agrave distinccedilatildeo entre hino em ldquoparticularrdquo jaacute
observada em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies sacras Em resumo o epiniacutecio em particular ou propriamente por
oposiccedilatildeo ao encocircmio que tambeacutem eacute um elogio seria apenas o que se cantava na ocasiatildeo performaacutetica especiacutefica
da vitoacuteria do atleta A proposta de Severyns natildeo me parece necessaacuteria para certas composiccedilotildees de fato talvez o
uacutenico criteacuterio realmente distintivo fosse uma ocasiatildeo performaacutetica apenas aludida e pressuposta o que na
praacutetica inevitavelmente se dava com certa flutuaccedilatildeo por um lado um epiniacutecio poderia ser executado mesmo
que posteriormente em um simpoacutesio e nesse caso a ocasiatildeo performaacutetica original seria pressuposta de
qualquer maneira o que o originou fora uma vitoacuteria atleacutetica A ocasiatildeo original por outro lado como se lecirc nos
epiniacutecios pindaacutericos talvez natildeo fosse o proacuteprio local da competiccedilatildeo mas uma cerimocircnia ciacutevica (com um koacutemos)
na paacutetria do atleta Natildeo parece necessaacuterio julgar com tanto rigor a classificaccedilatildeo dos antigos porque natildeo nos eacute
possiacutevel estabelecer quando exatamente se dava a cerimocircnia ciacutevica de celebraccedilatildeo do atleta e ao que tudo indica
havia uma flutuaccedilatildeo A emenda natildeo se faz necessaacuteria a rigor a motivaccedilatildeo do canto em uacuteltima instacircncia seria a
vitoacuteria atleacutetica e sempre se referiria a essa ocasiatildeo ou seja mesmo que por referecircncia estaria sempre
circunscrita a um ldquotempo especiacuteficordquo ndash o mesmo criteacuterio seraacute empregado para distinguir epiceacutedio de treno (sect67)
poreacutem explicitamente O encocircmio talvez natildeo se prendesse a uma motivaccedilatildeo especiacutefica mas natildeo nos resta
hipoacutetese para o que o definiria ldquoem particularrdquo
122
58 O escoacutelio [torto tortuoso skoacutelion ] era uma canccedilatildeo cantada entre os
convivas Por isso agraves vezes tambeacutem a chamam ldquocanccedilatildeo de beberrdquo Eacute despojado na preparaccedilatildeo
e muitiacutessimo simples84
59 ldquoEscoacuteliordquo eacute dito natildeo por antiacutefrase como julgam alguns o que se diz por antiacutefrase
em geral visa ao eufemismo e natildeo se muda o eufecircmico em maldizer85 60 Eacute poreacutem pelo
fato de que estando os sentidos enfim arrebatados e os ouvintes folgados por conta do vinho
bem nesse instante se introduzia o baacuterbito86 nos simpoacutesios e cada um continuando a
festividade combalia-se instavelmente no proferimento do canto Por causa disso que eles
proacuteprios sofriam em funccedilatildeo da bebedeira voltando-o para a canccedilatildeo chamavam-na tatildeo
simplesmente ldquoescoacuteliordquo [canccedilatildeo ldquotortardquo]87
61 As eroacuteticas [eroticaacute ] evidentemente cantam circunstacircncias de amores
[eroticagraves peristaacuteseis ] por mulheres meninos e moccedilas88
62 E as epitalacircmias [epithalaacutemia ]89 cantam-nas aos receacutem-casados
simultaneamente os rapazes e as moccedilas90 em direccedilatildeo [epiacute ] ao quarto nupcial[thaacutelamoi
]
84 Para as demais etimologias antigas e a hipoacutetese de que a etimologia por antiacutefrase fosse de Diacutedimo
Severyns (58 paacuteg 182 ndash 189) A etimologia proposta por Proclo associa o termo diretamente agrave ocasiatildeo e ao que
ocorre nela de modo a determinar o tipo de canto a canccedilatildeo seria tortuosa por causa da bebida seria portanto a
ldquocanccedilatildeo de beberrdquo por excelecircncia porque se cantava bebendo Essa etimologia supotildee que skoacutelion viria por
baritonaccedilatildeo do adjetivo skolioacutes a on (subentendendo-se melos) que significa ldquotortuosordquo e por isso tambeacutem
ldquodifiacutecilrdquo A etimologia opta pelo primeiro significado em vez do segundo ou seja o nome viria do significado
primeiro e literal da palavra 85 A etimologia por antiacutefrase ndash ldquodizer o contraacuteriordquo ndash seria dizer ldquodifiacutecilrdquo a canccedilatildeo porque na verdade eacute
simples e faacutecil uma vez que se daacute em meio agrave bebedeira dificultando a elaboraccedilatildeo Mas a antiacutefrase se daacute por
eufemismo ie para evitar o maldizer e natildeo o contraacuterio o que acabaria ocorrendo se essa hipoacutetese fosse
verdadeira supostamente porque para o autor da Crestomatia chamar difiacutecil o faacutecil natildeo seria eufecircmico mas
depreciativo 86 Lira grande de nove cordas 87 A canccedilatildeo eacute duplamente tortuosa o efeito tortuoso da bebida presente no canto dos eacutebrios se reflete na
consecuccedilatildeo do canto conforme os convivas se sucedem entoando-o desorganizada ou tortuosamente ie sem
uma sequecircncia predeterminada e linear 88 O nome eacute autoexplicativo Aqui provavelmente se agrupavam os poemas de Safo Anacreonte e Alceu
que tambeacutem satildeo dados como poetas de escoacutelios Essa pequena seccedilatildeo da Crestomatia provavelmente eacute a que
tratava das espeacutecies que nos satildeo legadas tendo como ocasiatildeo performaacutetica baacutesica o simpoacutesio 89 Outra etimologia autoexplicativa que se definia pela ocasiatildeo mais especificamente aqui diferencia esta
espeacutecie da seguinte por conta de sua finalidade e da ocasiatildeo pontual em que era cantada Segundo Severyns (62
191 ndash 194) tanto epithalaacutemios como hymeacutenaios poderiam designar as canccedilotildees de mateacuteria nupcial sendo a
primeira arcaica e poeacutetica e a segunda posterior heleniacutestica teoacuterica cunhada pelos gramaacuteticos De fato eacute o que
demonstra com as ocorrecircncias de ambas as designaccedilotildees esta segunda em Ateneu (I 5e) por exemplo
referindo-se (a) ao canto executado no banquete nupcial junto aos pais da noiva ou quando (b) ela era levada
pelo cortejo de amigos junto ao esposo da casa de seus pais agrave casa dele (Homero Il XVIII 491 seq e Hesiacuteodo
Escudo 272 seq) ou quando (Teoacutecrito XVIII 8 etc) o casal (c) se retira ao cocircmodo nupcial guardado por uma
espeacutecie de porteiro ou guardiatildeo o thyroroacutes jaacute aquela primeira classificando as mesmas coisas em
textos de base gramatical como Amocircnio Sacoacuteforo (junto de diversos sinocircnimos como gameacutelios e
variantes) ou o Escoacutelio a Teoacutecrito (XVIII) etc referindo-se ao terceiro significado (c) de himeneu ou cobrindo
todos seus significados como sinocircnimo direto de hymeacutenaios (Et Magn 776 46) ou designando uma
composiccedilatildeo natildeo liacuterica mas com o mesmo valor da primeira noccedilatildeo (a) de himeneu agraves vezes em diacutestico elegiacuteaco
123
63 Diz que o himeneu cantava-se nos casamentos em conformidade ao sofrimento e agrave
procura por Himeneu filho de Terpsiacutecore91 o qual dizem ter se tornado invisiacutevel apoacutes casar-
se
64 Outros em honra de Himeneu de Atenas pois ele ndash diz ndashapoacutes perseguir resgatou
de bandidos moccedilas atenienses92
65 Eu penso que era uma exultaccedilatildeo prenunciando uma vida afortunada e que
rezavam junto aos cocircnjuges pela comunhatildeo de um matrimocircnio com ternura entretecendo a
prece com dialeto eoacutelio de modo a sempre hymenaiacuteein [coabitarem ] e
homonoeicircn [concordarem ] os que vatildeo morar sob o mesmo teto93
66 O silo94 conteacutem a ralhaccedilatildeo e o menoscabo de homens comedidamente95
(Luciano Banquete 29 40 etc) ou referindo-se a uma composiccedilatildeo em prosa ie um discurso equivalente ao
primeiro tipo (a) de himeneu
Parece acertada a conclusatildeo do autor de que como se observa para outras espeacutecies da liacuterica secular em
que se cunha posteriormente uma nomenclatura a fim de diferenciaacute-la de outras formas poeacuteticas congecircneres
designadas a princiacutepio por um mesmo nome geral ldquohimeneurdquo como designaccedilatildeo mais antiga seria o nome para
qualquer ode nupcial qualquer canto referente aacutes nuacutepcias entoado mesmo que em meio ao simpoacutesio enquanto o
termo ldquoepitalacircmiordquo passaria a designar em uma tentativa mais teacutecnica de classificaccedilatildeo (gramatical) uma
circunstacircncia especiacutefica em que se realizava um canto liacuterico nupcial a ida ao leito ou taacutelamo 90 Conforme demonstra Severyns (62 4 paacuteg 193) parece que a princiacutepio esse coro se compunha apenas
de moccedilas mas Proclo deve atestar a praacutetica posterior de incluir tambeacutem rapazes Piacutendaro (Piacuteticas III 18) e
Teoacutecrito (XVIII 2 e 22) a testariam o primeiro caso Eacutesquilo (fr 43 Nauck) o segundo Sobre o uso de
discursos nas mesmas ocasiotildees Dioniacutesio de Halicarnasso (Ret IV I 266 22) emprega a mesma distinccedilatildeo de
espeacutecies levando Severyns agrave pertinente observaccedilatildeo de que ela fosse alexandrina 91 Confere para as divergecircncias em relaccedilatildeo agrave matildee do jovem Himeneu Severyns (63 3 126 ndash 197) 92 Ambas as etimologias propostas por Proclo para o nome da espeacutecie compotildeem epocircnimos etioloacutegicos
para os quais a interpretaccedilatildeo de Severyns (63 5 198) parece acertada Para a primeira Proclo estaria
interpretando pela referecircncia miacutetica a expressatildeo formular desse tipo de canto ldquo Hymegraven ocirc
Hymeacutenaierdquo focando-se no segundo termo como mito etioloacutegico do canto associado pelo que se subentende agrave
perda do hiacutemem (Cf Severyns 65 2 paacuteg 200 para outras etimologias linguiacutesticas dos antigos) A segunda
etiologia eacute associada a outra personagem e segundo o autor seria de base heleniacutestica teoricamente em funccedilatildeo
do quanto subentende de referecircncias e contecircm de amplificaccedilatildeo episoacutedica em relaccedilatildeo a outras fontes (cf 64 paacuteg
198 ndash 200) Supotildee a praacutetica do casamento natildeo concedido por parte de piratas e raptores um casamento ilegal
para a poacutelis portanto Como o referido heroacutei aacutetico teria impedido tal praacutetica iniciara-se a pratica de celebraacute-lo
junto ao casamento consentido e legal 93 Nessa curiosa passagem Foacutecio daacute sua opiniatildeo teria considerado as etimologias de Proclo por demais
pagatildes Natildeo se pode dizecirc-lo mas talvez tenha considerado muito obtusas as ilaccedilotildees feitas uma vez que pelas
constantes expressotildees ldquouns outrosrdquo ao longo do resumo natildeo haacute por que duvidar de que nos forneccedila por
completo as etimologias com que Proclo operava 94 Palavra que significa ldquomordazrdquo ldquosarcaacutesticordquo mas que tambeacutem seria ldquovesgordquo Para as etimologias que
natildeo constam no epiacutetome porque provavelmente jaacute assume o nome do canto pelo teor satiacuterico como se vecirc na
definiccedilatildeo cf Ferrante (paacuteg 72) 95 Teriam sido compostos por Timatildeo de Flio filoacutesofo ceacutetico do periacuteodo heleniacutestico e eram basicamente
hexacircmetros paroacutedicos ridicularizando de maneira branda outros filoacutesofos Pelo mesmo nome se designavam os
escritos de Xenoacutefanes de Colofatildeo anterior a Timatildeo em aproximadamente um seacuteculo Por extensatildeo hexacircmetros
que parodiassem Homero tambeacutem deviam ser considerados siacutelos (Ferrante paacuteg 72) Segundo Dioacutegenes Laeacutercio
(IX 109 apud Ferrante) agrave eacutepoca de Tibeacuterio o gramaacutetico Apolocircnide de Niceacuteia teria composto uma ldquoMemoacuteria
dos Silosrdquo em cujo livro primeiro se contava a vida de Timatildeo e se estudava sua poesia Autores modernos
(Smyth apud Severyns paacuteg 68) questionam a classificaccedilatildeo do silo como poesia liacuterica e coral por ser
hexameacutetrico Ferrante (idem) a partir de Heliodoro (451 23 apud Severyns) aventa a possibilidade de se
considerar o silo uma subespeacutecie do iambo pelo emprego de loidoriacutean em sua definiccedilatildeo mas parece ignorar
tambeacutem o metro bem como o fato de Proclo usou a palavra na definiccedilatildeo do iambo provaacutevel razatildeo pela qual natildeo
124
67 O treno difere do epiceacutedio [epikeacutedion] porque o epiceacutedio se diz a partir do proacuteprio
kecircdos [luto funeral ] com o corpo ainda jazendo exposto enquanto o treno natildeo se
circunscreve a um periacuteodo de tempo96
68 As chamadas partecircnias [partheacutenia ] eram escritas para coros de moccedilas
[partheniai ]
69 A elas as dafnefoacutericas [ldquoporta-lourosrdquo daphneforicaacute ] pertencem
como a um gecircnero97 a cada nove anos na Beoacutecia os sacerdotes portando [komiacutezontes
] louros [daacutephnai ] aos templos de Apolo louvavam-no com um coro de
moccedilas98
70 Sua origem os muitos eoacutelios que habitavam Arne e as terras da regiatildeo de laacute
migrando de acordo com um oraacuteculo e que sitiando deram iniacutecio ao saque de Tebas antes
ocupada pelos pelasgos99
71 Em advindo um festival de Apolo comum a ambos estabeleceram armistiacutecio e
enquanto uns agrave margem do Heacutelicon cortavam louros outros agrave margem do rio Melas os
ofertavam a Apolo
72 Entatildeo Polematas comandante dos beoacutecios sonhou que via um jovem entregar-lhe
a armadura e ordenar-lhe fazer votos de a cada nove anos levar louros a Apolo
73 Depois de trecircs dias investindo sobrepujou os inimigos e ele proacuteprio entatildeo
executaria uma dafnefoacuteria [dafneforiacutea ] A partir daiacute se preserva o costume
74 A dafnefoacuteria cingem um galho de oliveira com louros e flores coloridas na ponta
se acopla uma esfera de bronze e dela pendem menores No meio do galho dispondo em
ciacuterculo dependuram uma menor que a da ponta e guirlandas roxas A parte final do galho
envolvem com um manto cor de accedilafratildeo
a empregaria aqui Para a associaccedilatildeo excessiva de Proclo com Diacutedimo neste passo e outros autores anteriores a
Proclo que classificam o silo entre as espeacutecies liacutericas cf Severyns (paacuteg 205) 96 Para as partes do sepultamente entre os gregos e o kecircdos como funeral cf Severyns (67 2 paacuteg 207)
Essas duas formas de canccedilatildeo fuacutenebre se distinguiriam por um momento especiacutefico da ocasiatildeo Esse criteacuterio jaacute se
aplicou em relaccedilatildeo ao epiniacutecio e ao epitlacircmio (supra notas 167 e 173) Para a associaccedilatildeo e a distinccedilatildeo dessas
espeacutecies liacutericas em relaccedilatildeo agrave elegia e o emprego do metro aleacutem de Ferrante (paacuteg 73) e Severyns (paacuteg 208 ndash
210) cf Harvey (1955) 97 Conforme visto porque a noccedilatildeo de que hino e encocircmio aleacutem de espeacutecies em particular poderiam
tambeacutem ser propostos no proacuteprio texto de Proclo como gecircneros para espeacutecies eacute mais plausiacutevel que essa
explicitaccedilatildeo seja do proacuteprio texto que se resumiu e natildeo do resumidor e talvez para esse terceiro grupo da liacuterica
que compreende homens e deuses juntos o criteacuterio fosse assumido senatildeo endossado por Proclo e natildeo apenas
contraposto a um criteacuterio que tambeacutem considera todas as espeacutecies em particular 98 Aqui o texto torna-se etioloacutegico mal ocorrendo etimologias uma vez que os nomes satildeo
autoexplicativos e o que se faz nada mais eacute do que explicitar sua composiccedilatildeo O criteacuterio eacute explicito seguir-se-atildeo
as espeacutecies de partecircnios que satildeo definidas pela festa em que ocorrem O que resta entatildeo eacute contar a origem de
cada uma dessas ocasiotildees puacuteblicas 99 Para todas as referecircncias histoacutericas a respeito da etiologia e da festividade cf Severyns (70 ndash 78 paacuteg
214 ndash 232)
125
75 Pretendem que a esfera mais ao alto signifique o sol (com que remetem a Apolo) a
subposta a lua as demais suspensas os planetas e estrelas as guirlandas o curso anual ndash de
fato contavam 365
76 Um menino cujos pais ainda satildeo vivos vem no iniacutecio da dafnefoacuteria e o seu parente
mais proacuteximo carrega o galho cingido o qual chamam koacutepo [koacutepo ] 77 Seguindo o
proacuteprio dafneacuteforo [daphnefoacuteros ] vem segurando o louro soltos os cabelos
porta uma coroa de ouro traja um longo manto brilhante e veacuteu aos peacutes100 Acompanha-o de
perto um coro de moccedilas empunhando ramos de suacuteplica hineando
78 Enviavam a dafnefoacuteria aos templos de Apolo Ismecircnio e Calaacutezio
79 A canccedilatildeo tripodefoacuterica [levada por um triacutepodo] cantava-se entre os beoacutecios um
triacutepodo tomando a frente101
80 Foi esta sua origem um grupo de pelasgos tentava saquear a cidade de Panacto da
Beoacutecia Os tebanos a defendiam e enviando uma comitiva a Dodona consultaram o oraacuteculo
sobre a vitoacuteria no conflito
81 O oraacuteculo designou aos tebanos que se cometessem o maior sacrileacutegio venceriam
82 Pareceu-lhes entatildeo que a maior das impiedades era imolar aquela que lhes dera o
oraacuteculo e imolaram-na
83 As sacristatildes em torno do santuaacuterio moveram accedilatildeo contra os tebanos pelo
assassinato
84 Os tebanos no entanto natildeo concederam que apenas mulheres julgassem o meacuterito
Havendo um julgamento comum entre homens e mulheres como os homens lhes deram voto
branco os tebanos foram absolvidos
85 Soacute mais tarde depois que entenderam o que lhes fora ordenado pelo oraacuteculo
elevaram uma das triacutepodas sacras da regiatildeo da Beoacutecia e cobrindo-na como o fazem os
profanadores de templos envairam-na ao alto de Dodona
86 Como daiacute em diante prosperaram passaram a fazer desse ato um festival
87 As canccedilotildees oscofoacutericas [porta-oacutesche] cantavam-se entre os atenienses102
88 Dois jovens do coro trajados como mulheres lideram o festejo portando um ramo
de vinha cheio de uvas vicejantes ndash chamam-no oacuteskhe [ ] donde o epocircnimo das canccedilotildees
100 Epicratidas eacute um termo plural que significa ldquopanos de testardquo ie ldquolenccedilo de testardquo ldquoveacuteurdquo Embora se
pudesse apenas decalcar a palavra para o portuguecircs a passagem ficaria obscura Ao que tudo indica era somente
um tecido que o dafneacuteforo usava sobre os peacutes talvez como extensatildeo do manto 101 Idem 79 ndash 86 paacuteg 232 ndash 242 102 Ibidem 87 ndash 92 paacuteg 243 ndash 254
126
89 Dizem ter sido Teseu quem primeiramente deu iniacutecio ao rito depois que aceitando
voluntariamente a viagem a Creta livrou sua paacutetria do infortuacutenio do tributo ao prestar graccedilas
a Atena e Dioniso que se manifestaram a ele na ilha de Dia fez isso empregando dois jovens
efeminados como assistentes na cerimocircnia
90 O cortejo dos atenienses dava-se do altar de Dioniso ateacute o santuaacuterio de Atena
Esquira
91 Um coro seguia os jovens e cantava as canccedilotildees
92 Efebos de cada uma das tribos competiam uns com os outros numa corrida a peacute e
o primeiro deles saboreava de uma pipa dita ldquoquiacutentuplardquo que se preparava com oliva vinho
mel queijo e grumos de cevada
93 As canccedilotildees votivas eram escritas pelos que pediam que alguma coisa lhes adviesse
de um deus103
94 Pragmaacuteticas [pragmaticaacute ] eram as canccedilotildees que compreendiam as
accedilotildees praticadas [praacutexeis ] por algueacutem104
95 As empoacutericas [comerciais ] foram escritas sobre o quanto se mostrava a
algueacutem no decurso de suas viagens e mercancias [empoacuteriai ]105
96 As apostoacutelicas106 o quanto faziam aqueles enviados a algueacutem como emissaacuterios
97 Eacute evidente que as sentenciosas107 contecircm o enaltecimento dos caracteres
103 Euktikoacutes eacute o deverbal de euacutekhomai ndash rezar Tanto Severyns como Ferrante
concordam que eacute pelo elemento humano aleacutem do divino que tais cantos vecircm aqui como uacuteltima espeacutecie do
terceiro grupo Em Menandro o termo serve para classificar os hinos Menandro (Rhet Gr X p 134 Walz)
divide os hinos pela intenccedilatildeo kleacutetikoi (invocatoacuterios) apopemptikoiacute (de adeus para a viagem do deus) physikoiacute
(naturais sobre as manifestaccedilotildees do deus na natureza) apeuktikoiacute (deprecatoacuterios) euktikoiacute (votivos) Eacute provaacutevel
que senatildeo concorrentes sejam duas classificaccedilotildees pelo menos com intenccedilotildees diferentes Menandro subdivide as
intenccedilotildees de quem canta o hino em relaccedilatildeo ao hineado O mesmo criteacuterio define a uacuteltima canccedilatildeo da liacuterica mista
em Proclo ie sua funccedilatildeo por outro lado o criteacuterio que Proclo emprega para tratar dos hinos os distingue como
Severyns observou em particular ie pelo destinataacuterio mesmo nos casos em que poderiam se confundir com
esses cantos ecircuktikos pela intenccedilatildeo como seria o caso por exemplo do peatilde que passou a ser cantado para se
pedir ou agradecer por diferentes coisas Soacute o que se pode dizer eacute que talvez ambas as definiccedilotildees ainda que
diferentes tratassem de um mesmo objeto em comum mas lhe conferindo lugares diferentes na classificaccedilatildeo
geral segundo seus criteacuterios Sobre isso e a categorizaccedilatildeo de Menandro confere Harvey (1955) 104 Sobre essas espeacutecies em geral cf Severyns (94 paacuteg 255 ndash 257) Vale-nos sua observaccedilatildeo de que
conforme hinos desempenhavam um papel generalizante para a liacuterica sacra encocircmio para a liacuterica secular
partecircnio para a liacuterica mista as pragmaacuteticas deveriam fazecirc-lo em relaccedilatildeo ao quarto grupo o das circunstacircncias
acidentais 105 Severyms (95 257) cogita aqui os poemas de Riano (Eliacuteaca Tessaacutelica Messeniacuteaca) poeta e gramaacutetico
do periacuteodo heleniacutestico bem como a Bitiniacuteaca de Demoacutestenes da Bitiacutenia mas crecirc que Proclo natildeo tinha tais
poemas em mente por serem essencialmente hexammeacutetricos 106 Do verbo aposteacutello ldquoenviarrdquo Tanto Severyns (paacuteg 257) como Ferrante (paacuteg 95)
mencionam Heliodoro (paacuteg 450 11) ldquoἈποστολικὸν μέλος ἐστὶ τὸ πεμπόμενον πρός τινα περιέχον ltπαραι-
νέσειςgt ἢ αἴτησιν παρ αὐτοῦ δωρεᾶςrdquo ndash ldquoA canccedilatildeo apostoacutelica eacute a que se envia a algueacutem contendo
recomendaccedilotildees ou pedidos de donsrdquo e concordam que natildeo seria a isso que pelo menos no entendimento do
resumo de Foacutecio Proclo se referiria Parece que ou Foacutecio teria se equivocado na ordem dos termos mais uma vez
(como pode ter ocorrido em sect44) ou o que Heliodoro chamaria apostoacutelica o que se assemelhe talvez com o que
Proclo chama canccedilatildeo epistaacuteltica (sect99)
127
98 As geoacutergicas o que se refere aos campos estaccedilotildees e cuidados das plantas108
99 As epistolares o quanto se refere agraves designaccedilotildees que compunham em verso e
enviavam a algueacutem109
100 Aqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de Proclo
107 Gnomologikaacute ndash Confere Heliodoro (450 13) para definiccedilatildeo semelhante108 Embora como notado por Severyns Ferrante e outros esse item pareccedila associado ao anterior ie
poesia de caraacuteter gnocircmico mesmo os Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo que conteriam os dois itens poderiam como
composiccedilatildeo didaacutetica hexameacutetrica ser arrolados aqui 109 Diferentes das apostoacutelicas porque essas sim como cartas eram enviadas designando coisas Tanto
Severyns como Ferrante assumem que natildeo se pode saber com precisatildeo o que eram
128
2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO
EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO
21 VIDA DE HOMERO
Πρόκλου περὶ Ὁμήρου
Ἐπῶν ποιηταὶ γεγόνασι πολλοί τούτων δ εἰσὶ κρά-
τιστοι Ὅμηρος Ἡσίοδος Πείσανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος
Ὅμηρος μὲν οὖν τίνων γονέων ἢ ποίας ἐγένετο πα-
τρίδος οὐ ῥᾴδιον ἀποφήνασθαι οὔτε γὰρ αὐτός τι λελάληκεν 5
ἀλλ οὐδὲ οἱ περὶ αὐτοῦ εἰπόντες συμπεφωνήκασιν ἀλλ ἐκ
τοῦ μηδὲν ῥητῶς ἐμφαίνειν περὶ τούτων τὴν ποίησιν αὐτοῦ
μετὰ πολλῆς ἀδείας ἕκαστος οἷς ἐβούλετο ἐχαρίσατο
καὶ διὰ τοῦτο οἱ μὲν Κολοφώνιον αὐτὸν ἀνηγόρευσαν
οἱ δὲ Χῖον οἱ δὲ Σμυρναῖον οἱ δὲ Ἰήτην ἄλλοι δὲ Κυμαῖον 10
καὶ καθόλου πᾶσα πόλις ἀντιποιεῖται τἀνδρός ὅθεν εἰκότως
ἂν κοσμοπολίτης λέγοιτο
οἱ μὲν οὖν Σμυρναῖον αὐτὸν ἀποφαινόμενοι Μαίονος
μὲν πατρὸς λέγουσιν εἶναι γεννηθῆναι δὲ ἐπὶ Μέλητος
τοῦ ποταμοῦ ὅθεν καὶ Μελησιγενῆ ὀνομασθῆναι δοθέντα 15
δὲ Χίοις εἰς ὁμηρείαν Ὅμηρον κληθῆναι οἱ δὲ ἀπὸ τῆς
τῶν ὀμμάτων πηρώσεως τούτου τυχεῖν αὐτόν φασι τοῦ ὀνό-
ματος τοὺς γὰρ τυφλοὺς ὑπὸ Αἰολέων ὁμήρους καλεῖσθαι
Ἑλλάνικος δὲ καὶ Δαμάστης καὶ Φερεκύδης εἰς Ὀρφέα
τὸ γένος ἀνάγουσιν αὐτοῦ Μαίονα γάρ φασι τὸν Ὁμήρου 20
πατέρα καὶ Δῖον τὸν Ἡσιόδου γενέσθαι Ἀπέλλιδος τοῦ Μελα-
νώπου τοῦ Ἐπιφράδεος τοῦ Χαριφήμου τοῦ Φιλοτέρπεος τοῦ
Ἰδμονίδεω τοῦ Εὐκλέος τοῦ Δωρίωνος τοῦ Ὀρφέος
Γοργίας δὲ ὁ Λεοντῖνος εἰς Μουσαῖον αὐτὸν ἀνάγει
περὶ δὲ τῆς τελευτῆς αὐτοῦ λόγος τις φέρεται τοι- 25
129
οῦτος ἀνελεῖν φασιν αὐτῷ τὸν θεὸν χρωμένῳ περὶ ἀσφα-
λείας τάδε
ἔστιν Ἴος νῆσος μητρὸς πατρίς ἥ σε θανόντα
δέξεται ἀλλὰ νέων ἀνδρῶν αἴνιγμα φύλαξαι
λέγουσιν οὖν αὐτὸν εἰς Ἴον πλεύσαντα διατρῖψαι μὲν 30
παρὰ Κρεωφύλῳ γράψαντα δὲ Οἰχαλίας ἅλωσιν τούτῳ χαρί-
σασθαι ἥτις νῦν ὡς Κρεωφύλου περιφέρεται καθεζόμενον
δὲ ἐπί τινος ἀκτῆς θεασάμενον ἁλιεῖς προσειπεῖν αὐτοὺς
καὶ ἀνακρῖναι τοῖσδε τοῖς ἔπεσιν
ἄνδρες ἀπ Ἀρκαδίης θηρήτορες ἦ ῥ ἔχομέν τι 35
ὑποτυχόντα δὲ αὐτῶν ἕνα εἰπεῖν
οὓς ἕλομεν λιπόμεσθ οὓς δ οὐχ ἕλομεν φερόμεσθα
οὐκ ἐπιβάλλοντος δὲ αὐτοῦ διελέσθαι τὸ αἴνιγμα ὅτι ἐπὶ
ἰχθυΐαν καταβάντες ἀφήμαρτον φθειρισάμενοι δὲ ὅσους μὲν
ἔλαβον τῶν φθειρῶν ἀποκτείναντες ἀπολείπουσιν ὅσοι δὲ 40
αὐτοὺς διέφυγον τούτους ἀποκομίζουσιν οὕτω δ ἐκεῖνον
ἀθυμήσαντα σύννουν ἀπιέναι τοῦ χρησμοῦ ἔννοιαν λαμβά-
νοντα καὶ οὕτως ὀλισθόντα περιπταῖσαι λίθῳ καὶ τριταῖον
τελευτῆσαι
ἀλλὰ δὴ ταῦτα μὲν πολλῆς ἔχεται ζητήσεως ἵνα δὲ μηδὲ 45
τούτων ἄπειρος ὑπάρχῃς διὰ τοῦτο εἰς ταῦτα κεχώρηκα
τυφλὸν δὲ ὅσοι τοῦτον ἀπεφήναντο αὐτοί μοι δοκοῦσι
τὴν διάνοιαν πεπηρῶσθαι τοσαῦτα γὰρ κατεῖδεν ὅσα οὐδεὶς
ἄνθρωπος πώποτε
εἰσὶ δὲ οἵτινες ἀνεψιὸν αὐτὸν Ἡσιόδου παρέδοσαν 50
ἀτριβεῖς ὄντες ποιήσεως τοσοῦτον γὰρ ἀπέχουσι τοῦ γένει
προσήκειν ὅσον ἡ ποίησις διέστηκεν αὐτῶν ἄλλως δὲ οὐδὲ
τοῖς χρόνοις συνεπέβαλον ἀλλήλοις
ἄθλιοι δὲ οἱ τὸ ἀνάθημα πλάσαντες τοῦτο
Ἡσίοδος Μούσαις Ἑλικωνίσι τόνδ ἀνέθηκεν 55
ὕμνῳ νικήσας ἐν Χαλκίδι θεῖον Ὅμηρον
ἀλλὰ γὰρ ἐπλανήθησαν ἐκ τῶν Ἡσιοδείων Ἡμερῶν ἕτερον
γάρ τι σημαίνει
τοῖς δὲ χρόνοις αὐτὸν οἱ μὲν περὶ τὸν Ἀρίσταρχόν
130
φασι γενέσθαι κατὰ τὴν τῆς Ἰωνίας ἀποικίαν ἥτις ὑστερεῖ 60
τῆς Ἡρακλειδῶν καθόδου ἔτεσιν ἑξήκοντα τὸ δὲ περὶ τοὺς
Ἡρακλείδας λείπεται τῶν Τρωϊκῶν ἔτεσιν ὀγδοήκοντα οἱ δὲ
περὶ Κράτητα ἀνάγουσιν αὐτὸν εἰς τοὺς Τρωϊκοὺς χρόνους
φαίνεται δὲ γηραιὸς ἐκλελοιπὼς τὸν βίον ἡ γὰρ ἀν-
υπέρβλητος ἀκρίβεια τῶν πραγμάτων προβεβηκυῖαν ἡλικίαν 65
παρίστησι
πολλὰ δὲ ἐπεληλυθὼς μέρη τῆς οἰκουμένης ἐκ τῆς
πολυπειρίας τῶν τόπων εὑρίσκεται τούτῳ δὲ προσυπονοη-
τέον καὶ πλούτου πολλὴν περιουσίαν γενέσθαι αἱ γὰρ μακραὶ
ἀποδημίαι πολλῶν δέονται ἀναλωμάτων καὶ ταῦτα κατ ἐκεί- 70
νους τοὺς χρόνους οὔτε πάντων πλεομένων ἀκινδύνως οὔτε
ἐπιμισγομένων ἀλλήλοις πως τῶν ἀνθρώπων ῥᾳδίως
γέγραφε δὲ ποιήσεις δύο Ἰλιάδα καὶ Ὀδύσσειαν
ἣν Ξένων καὶ Ἑλλάνικος ἀφαιροῦνται αὐτοῦ οἱ μέντοι γε ἀρ-
χαῖοι καὶ τὸν Κύκλον ἀναφέρουσιν εἰς αὐτόν προστιθέασι δὲ 75
αὐτῷ καὶ παίγνιά τινα Μαργίτην Βατραχομαχίαν ἢ Μυο-
μαχίαν Ἕπτ ἐπ ἀκτίον Αἶγα Κέρκωπας Κενούς
De Proclo sobre Homero
Muitos satildeo os poetas eacutepicos Os mais egreacutegios deles satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro
Paniacuteasis e Antiacutemaco
Sobre Homero quais seus pais e de que paacutetria era originaacuterio eacute difiacutecil afirmar
claramente ele proacuteprio natildeo fala coisa alguma e nem se acham de acordo os que falaram sobre
ele pelo fato contudo de sua poesia natildeo trazer expressamente nenhuma indicaccedilatildeo a respeito
cada um contenta-se com o que deseja sem nenhuma restriccedilatildeo
Por causa disso uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de
Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral reclama o homem pelo
que razoavelmente pode ser dito cosmopolita
Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era Meatildeo e que foi concebido
perto do Rio Meles motivo pelo qual tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado
Homero [Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea [refeacutem ]
131
aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo esse nome por causa da deficiecircncia dos
olhos Os cegos de fato eram chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios
Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu Dizem que Meatildeo pai de
Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades
filho de Carifemo filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de Doriatildeo
filho de Orfeu
Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas
Sobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua
proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta resposta
ldquoHaacute uma ilha Io paacutetria de tua matildee que morto
receber-te-aacute Cuidado com enigma de homens jovensrdquo
Dizem entatildeo que tendo velejado para Io passava um tempo na companhia de
Creoacutefilo quando escreveu e dedicou-lhe a Tomada de Ecaacutelia (que hoje circula como de
Creoacutefilo) Sentando-se agrave praia apoacutes observar alguns pescadores dirigiu-lhes a palavra e
interrogou com estas palavras
ldquoDa Arcaacutedia caccediladores varotildees o que temosrdquo
Um deles replicou-lhe dizendo
ldquoOs que pegamos deixamos pra traacutes os que natildeo pegamos trazemos conoscordquo
Natildeo conseguindo solver o enigma ndash como natildeo foram bem sucedidos indo pescar
puseram-se a caccedilar piolhos matando quantos pegavam mas quantos lhes fugiam traziam-nos
de volta ndash aquele ficou desgostoso e foi embora meditabundo entendendo o oraacuteculo e assim
escorregou tombou contra uma pedra e no terceiro dia faleceu
Esses eventos contudo carecem de investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo
ignorante neles avanccedilo nesse sentido
Os que o afirmam cego parecem-me eles mesmos incapacitados do juiacutezo coisas viu
tantas quantas ningueacutem jamais o fez
132
Existem aqueles que o datildeo como primo de Hesiacuteodo natildeo versados em poesia estatildeo tatildeo
distantes na relaccedilatildeo de parentesco quanto eacute diferente sua poesia No mais nem coincidem um
com outro cronologicamente
Haacute os miseraacuteveis que forjaram esta inscriccedilatildeo votiva
ldquoHesiacuteodo agraves Musas Heliconiacutedas consagra isto
por ter vencido com um hino em Caacutelcis o divino Homerordquo
equivocaram-se contudo nos ldquoDiasrdquo de Hesiacuteodo pois isso tem outro significado
Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na eacutepoca da imigraccedilatildeo
jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno dos Heraclidas e o evento em torno dos
Heraclidas estaacute oitenta anos depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o
recuam aos tempos de Troia
Parece que jaacute era bem velho quando deixou a vida sua insuperaacutevel precisatildeo nos fatos
permite estabelecer uma idade jaacute avanccedilada
Crecirc-se que visitou muitas partes do mundo habitado dada sua vasta experiecircncia de
lugares Nisso tambeacutem se deve notar a vasta abundacircncia de sua riqueza pois as grandes
viagens necessitavam de muitos gastos e isso naquele tempo em que nem todas as
navegaccedilotildees se faziam sem perigo nem os homens estabeleciam relaccedilotildees comerciais entre si
com tal facilidade
Escreveu dois poemas Iliacuteada e Odisseia a qual Xenatildeo e Helacircnico lhe negam
entretanto os antigos atribuem-lhe inclusive o Ciclo Imputam-lhe tambeacutem algumas
brincadeiras Margites Guerra dos Sapos ou Guerra dos Ratos Sete na Praia Cabra
Ceacutercopes os Matildeos Vazias
22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO
221 Ciacuteprias
Τοῦ αὐτοῦ περὶ τῶν Κυπρίων λεγομένων ποιημάτων
133
Ἐπιβάλλει τούτοις τὰ λεγόμενα Κύπρια ἐν βιβλίοις 80
φερόμενα ἕνδεκα ὧν περὶ τῆς γραφῆς ὕστερον ἐροῦμεν
ἵνα μὴ τὸν ἑξῆς λόγον νῦν ἐμποδίζωμεν τὰ δὲ περιέχοντά
ἐστι ταῦτα
Ζεὺς βουλεύεται μετὰ τῆς Θέμιδος περὶ τοῦ Τρωϊκοῦ
πολέμου 85
παραγενομένη δὲ Ἔρις εὐωχουμένων τῶν θεῶν ἐν τοῖς
Πηλέως γάμοις νεῖκος περὶ κάλλους ἀνίστησιν Ἀθηνᾷ Ἥρᾳ
καὶ Ἀφροδίτῃ αἳ πρὸς Ἀλέξανδρον ἐν Ἴδῃ κατὰ Διὸς
προσταγὴν ὑφ Ἑρμοῦ πρὸς τὴν κρίσιν ἄγονται καὶ προκρίνει
τὴν Ἀφροδίτην ἐπαρθεὶς τοῖς Ἑλένης γάμοις Ἀλέξανδρος 90
ἔπειτα δὲ Ἀφροδίτης ὑποθεμένης ναυπηγεῖται καὶ
Ἕλενος περὶ τῶν μελλόντων αὐτοῖς προθεσπίζει καὶ ἡ Ἀφρο-
δίτη Αἰνείαν συμπλεῖν αὐτῷ κελεύει καὶ Κασσάνδρα περὶ
τῶν μελλόντων προδηλοῖ
ἐπιβὰς δὲ τῇ Λακεδαιμονίᾳ Ἀλέξανδρος ξενίζεται 95
παρὰ τοῖς Τυνδαρίδαις καὶ μετὰ ταῦτα ἐν τῇ Σπάρτῃ παρὰ
Μενελάῳ καὶ Ἑλένῃ παρὰ τὴν εὐωχίαν δίδωσι δῶρα ὁ Ἀλέξ-
ανδρος καὶ μετὰ ταῦτα Μενέλαος εἰς Κρήτην ἐκπλεῖ κελεύ-
σας τὴν Ἑλένην τοῖς ξένοις τὰ ἐπιτήδεια παρέχειν ἕως ἂν
ἀπαλλαγῶσιν ἐν τούτῳ δὲ Ἀφροδίτη συνάγει τὴν Ἑλένην τῷ 100
Ἀλεξάνδρῳ καὶ μετὰ τὴν μίξιν τὰ πλεῖστα κτήματα ἐνθέ-
μενοι νυκτὸς ἀποπλέουσι
χειμῶνα δὲ αὐτοῖς ἐφίστησιν Ἥρα καὶ προσενεχθεὶς
Σιδῶνι ὁ Ἀλέξανδρος αἱρεῖ τὴν πόλιν καὶ ἀποπλεύσας
εἰς Ἴλιον γάμους τῆς Ἑλένης ἐπετέλεσεν 105
ἐν τούτῳ δὲ Κάστωρ μετὰ Πολυδεύκους τὰς Ἴδα καὶ
Λυγκέως βοῦς ὑφαιρούμενοι ἐφωράθησαν καὶ Κάστωρ μὲν
ὑπὸ τοῦ Ἴδα ἀναιρεῖται Λυγκεὺς δὲ καὶ Ἴδας ὑπὸ Πολυ-
δεύκους καὶ Ζεὺς αὐτοῖς ἑτερήμερον νέμει τὴν ἀθανασίαν
καὶ μετὰ ταῦτα Ἶρις ἀγγέλλει τῷ Μενελάῳ τὰ 110
γεγονότα κατὰ τὸν οἶκον ὁ δὲ παραγενόμενος περὶ τῆς ἐπ
Ἴλιον στρατείας βουλεύεται μετὰ τοῦ ἀδελφοῦ καὶ πρὸς
Νέστορα παραγίνεται Μενέλαος
134
Νέστωρ δὲ ἐν παρεκβάσει διηγεῖται αὐτῷ ὡς Ἐπωπεὺς
φθείρας τὴν Λυκούργου θυγατέρα ἐξεπορθήθη καὶ τὰ περὶ 115
Οἰδίπουν καὶ τὴν Ἡρακλέους μανίαν καὶ τὰ περὶ Θησέα
καὶ Ἀριάδνην
ἔπειτα τοὺς ἡγεμόνας ἀθροίζουσιν ἐπελθόντες τὴν
Ἑλλάδα καὶ μαίνεσθαι προσποιησάμενον Ὀδυσσέα ἐπὶ
τῷ μὴ θέλειν συστρατεύεσθαι ἐφώρασαν Παλαμήδους ὑπο- 120
θεμένου τὸν υἱὸν Τηλέμαχον ἐπὶ κόλασιν ἐξαρπάσαντες
καὶ μετὰ ταῦτα συνελθόντες εἰς Αὐλίδα θύουσι καὶ
τὰ περὶ τὸν δράκοντα καὶ τοὺς στρουθοὺς γενόμενα δείκ-
νυται καὶ Κάλχας περὶ τῶν ἀποβησομένων προλέγει αὐτοῖς
ἔπειτα ἀναχθέντες Τευθρανίᾳ προσίσχουσι καὶ ταύ- 125
την ὡς Ἴλιον ἐπόρθουν Τήλεφος δὲ ἐκβοηθεῖ Θέρσανδρόν
τε τὸν Πολυνείκους κτείνει καὶ αὐτὸς ὑπὸ Ἀχιλλέως τι-
τρώσκεται
ἀποπλέουσι δὲ αὐτοῖς ἐκ τῆς Μυσίας χειμὼν ἐπι-
πίπτει καὶ διασκεδάννυνται Ἀχιλλεὺς δὲ Σκύρῳ προσσχὼν 130
γαμεῖ τὴν Λυκομήδους θυγατέρα Δηϊδάμειαν
ἔπειτα Τήλεφον κατὰ μαντείαν παραγενόμενον εἰς
Ἄργος ἰᾶται Ἀχιλλεὺς ὡς ἡγεμόνα γενησόμενον τοῦ ἐπ
Ἴλιον πλοῦ
καὶ τὸ δεύτερον ἠθροισμένου τοῦ στόλου ἐν Αὐλίδι 135
Ἀγαμέμνων ἐπὶ θηρῶν βαλὼν ἔλαφον ὑπερβάλλειν ἔφησε
καὶ τὴν Ἄρτεμιν μηνίσασα δὲ ἡ θεὸς ἐπέσχεν αὐτοὺς τοῦ
πλοῦ χειμῶνας ἐπιπέμπουσα Κάλχαντος δὲ εἰπόντος τὴν
τῆς θεοῦ μῆνιν καὶ Ἰφιγένειαν κελεύσαντος θύειν τῇ
Ἀρτέμιδι ὡς ἐπὶ γάμον αὐτὴν Ἀχιλλεῖ μεταπεμψάμενοι 140
θύειν ἐπιχειροῦσιν Ἄρτεμις δὲ αὐτὴν ἐξαρπάσασα εἰς
Ταύρους μετακομίζει καὶ ἀθάνατον ποιεῖ ἔλαφον δὲ ἀντὶ
τῆς κόρης παρίστησι τῷ βωμῷ
ἔπειτα καταπλέουσιν εἰς Τένεδον καὶ εὐωχουμένων
αὐτῶν Φιλοκτήτης ὑφ ὕδρου πληγεὶς διὰ τὴν δυσοσμίαν 145
ἐν Λήμνῳ κατελείφθη καὶ Ἀχιλλεὺς ὕστερος κληθεὶς δια-
φέρεται πρὸς Ἀγαμέμνονα
135
ἔπειτα ἀποβαίνοντας αὐτοὺς εἰς Ἴλιον εἴργουσιν
οἱ Τρῶες καὶ θνῄσκει Πρωτεσίλαος ὑφ Ἕκτορος ἔπειτα
Ἀχιλλεὺς αὐτοὺς τρέπεται ἀνελὼν Κύκνον τὸν Ποσειδῶνος 150
καὶ τοὺς νεκροὺς ἀναιροῦνται
καὶ διαπρεσβεύονται πρὸς τοὺς Τρῶας τὴν Ἑλένην
καὶ τὰ κτήματα ἀπαιτοῦντες ὡς δὲ οὐχ ὑπήκουσαν ἐκεῖνοι
ἐνταῦθα δὴ τειχομαχοῦσιν
ἔπειτα τὴν χώραν ἐπεξελθόντες πορθοῦσι καὶ τὰς 155
περιοίκους πόλεις
καὶ μετὰ ταῦτα Ἀχιλλεὺς Ἑλένην ἐπιθυμεῖ θεάσασθαι
καὶ συνήγαγεν αὐτοὺς εἰς τὸ αὐτὸ Ἀφροδίτη καὶ Θέτις
εἶτα ἀπονοστεῖν ὡρμημένους τοὺς Ἀχαιοὺς Ἀχιλ-
λεὺς κατέχει κἄπειτα ἀπελαύνει τὰς Αἰνείου βοῦς καὶ 160
Λυρνησσὸν καὶ Πήδασον πορθεῖ καὶ συχνὰς τῶν περιοικίδων
πόλεων καὶ Τρωΐλον φονεύει
Λυκάονά τε Πάτροκλος εἰς Λῆμνον ἀγαγὼν ἀπεμπολεῖ
καὶ ἐκ τῶν λαφύρων Ἀχιλλεὺς μὲν Βρισηΐδα γέρας
λαμβάνει Χρυσηΐδα δὲ Ἀγαμέμνων 165
ἔπειτά ἐστι Παλαμήδους θάνατος
καὶ Διὸς βουλὴ ὅπως ἐπικουφίσῃ τοὺς Τρῶας Ἀχιλ-
λέα τῆς συμμαχίας τῆς Ἑλλήνων ἀποστήσας
καὶ κατάλογος τῶν τοῖς Τρωσὶ συμμαχησάντων
Do mesmo autor sobre os poemas chamados Ciacuteprias
Sucedem-se a isso as chamadas Ciacuteprias transmitidas em onze livros sobre cujo nome
falaremos depois a fim de natildeo obstar a sequecircncia do discurso Eis o que compreendem
Zeus delibera junto de Tecircmis sobre a guerra de Troia
Estando os deuses a festejar nas bodas de Peleu aparece Eacuteris e suscita uma querela a
respeito da beleza de Atena Hera e Afrodite que satildeo levadas por Hermes agraves ordens de Zeus
para o arbiacutetrio de Alexandre no Ida Alexandre prefere Afrodite excitado pelas bodas com
Helena
136
Em seguida aconselhando-o Afrodite faz para si uma nau e Heleno lhes faz
prediccedilotildees sobre os acontecimentos futuros Afrodite manda Eneias navegar com ele
Cassandra revela o porvir
Depois de chegar a Lacedemocircnia Alexandre eacute hospedado pela casa dos Tindaacuteridas
em seguida em Esparta pela casa de Menelau no decorrer do festim Alexandre presenteia
Helena Depois disso Menelau parte para Creta antes ordenando a Helena que provesse o
necessaacuterio aos estrangeiros ateacute que estivessem liberados Nesse momento Afrodite une Helena
a Alexandre e apoacutes o intercurso tendo embarcado o maior nuacutemero de riquezas zarpam
durante a noite
Hera envia uma tempestade contra eles Aportando em Sidatildeo Alexandre captura a
cidade Enfim consumou suas bodas com Helena apoacutes navegar para Iacutelio
Nesse passo Caacutestor junto de Polideuces satildeo descobertos furtando as vacas de Idas e
Linceu Entatildeo Caacutestor eacute morto por Idas mas Linceu e Idas por Polideuces Zeus lhes despende
a imortalidade em dias intercalados
Depois disso Iacuteris relata a Menelau os eventos em sua casa Apoacutes chegar ele delibera
com o irmatildeo sobre a expediccedilatildeo contra Iacutelio e vai ter com Nestor
Neacutestor num excurso narra-lhe como Epopeu foi destruiacutedo apoacutes violentar a filha de
Licurgo e os eventos envolvendo Eacutedipo a loucura de Heacuteracles e os eventos envolvendo
Teseu e Ariadne
Depois unem os chefes tendo percorrido a Heacutelade Descobriram entatildeo que Odisseu
passara a se fazer de louco por natildeo querer juntar-se agrave expediccedilatildeo depois de por sugestatildeo de
Palamedes raptarem-lhe o filho Telecircmaco como desforra
Depois disso reuacutenem-se em Aacuteulis e fazem um sacrifiacutecio Revela-se o prodiacutegio
envolvendo a serpente e os pardais e Calcas lhes prediz os resultados
Depois satildeo levados pelo alto mar aportam em Teutracircnia e saqueiam-na como se fosse
Iacutelio Teacutelefo empreende uma investida surpresa e mata Tersandro filho de Polinices mas ele
mesmo acaba sendo ferido por Aquiles
Zarpando de Musia uma tempestade se abate sobre eles e se dispersam Aquiles que
aporta em Esquiro esposa a filha de Licomedes Didamia
Entatildeo Aquiles quando Teacutelefo conforme divinaccedilatildeo chega a Argos cura-o para que se
torne o guia da navegaccedilatildeo ateacute Iacutelio
Foi entatildeo na segunda vez em que a expediccedilatildeo estaacute reunida em Aacuteulis que
Agamecircmnon por ter abatido um cervo nas caccediladas disse superar ateacute Aacutertemis Irada a deusa
impede-lhes a navegaccedilatildeo enviando tempestades sobre eles Uma vez que Calcas comunica a
137
ira da deusa e ordena sacrificar a Aacutertemis Ifigecircnia preparam seu sacrifiacutecio como se a
tivessem convocado para um casamento com Aquiles Aacutertemis a arrebata poreacutem transporta-a
a Taacuteuris e a faz imortal e coloca um cervo no altar no lugar da moccedila
Aportam em Tecircnedo Filoctetes picado por uma cobra-drsquoaacutegua enquanto ceavam eacute
abandonado em Lemnos por causa do mau-cheiro e Aquiles o uacuteltimo a ser chamado entra
em divergecircncia com Agamecircmnon
Em seguida os troianos encurralam-nos quando estatildeo desembarcando em Iacutelio e
Protesilau perece sob Heacutector Depois Aquiles rechaccedila-os matando Ciacutecnon filho de Poseidatildeo
Entatildeo recolhem os corpos
Mandam uma embaixada aos troianos reclamando Helena e as riquezas Nesse ponto
porque estes natildeo anuem datildeo iniacutecio ao cerco
Investem e saqueiam a regiatildeo e as cidades nas dependecircncias
Depois dessas accedilotildees Aquiles deseja contemplar Helena Para tal Afrodite e Teacutetis
conduzem-nos a um encontro
Nisso Aquiles conteacutem os aqueus que jaacute se prontificavam a navegar de volta Logo
depois leva embora as vacas de Eneias saqueia Lirnesso Peacutedaso e um bom nuacutemero de
cidades vizinhas tambeacutem abate Troilo
Paacutetroclo leva Licaacuteon a Lemnos e o negocia como escravo
Dos espoacutelios Aquiles toma Briseida como precircmio Agamecircmnon Criseida
Em seguida vem a morte de Palamedes
A deliberaccedilatildeo de Zeus com o intuito de inflamar os troianos apoacutes Aquiles se retirar da
alianccedila
O cataacutelogo dos que combateram aliados aos troianos
222 Etioacutepida
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Αἰθιοπίδος
Ἐπιβάλλει δὲ τοῖς προειρημένοις [ἐν τῇ πρὸ ταύτης 173
βίβλῳ] Ἰλιὰς Ὁμήρου μεθ ἥν ἐστιν Αἰθιοπίδος βιβλία
πέντε Ἀρκτίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε
Ἀμαζὼν Πενθεσίλεια παραγίνεται Τρωσὶ συμμαχή- 175
138
σουσα Ἄρεως μὲν θυγάτηρ Θρᾷσσα δὲ τὸ γένος καὶ κτείνει
αὐτὴν ἀριστεύουσαν Ἀχιλλεύς οἱ δὲ Τρῶες αὐτὴν θάπτουσι
καὶ Ἀχιλλεὺς Θερσίτην ἀναιρεῖ λοιδορηθεὶς πρὸς
αὐτοῦ καὶ ὀνειδισθεὶς τὸν ἐπὶ τῇ Πενθεσιλείᾳ λεγόμενον
ἔρωτα καὶ ἐκ τούτου στάσις γίνεται τοῖς Ἀχαιοῖς περὶ 180
τοῦ Θερσίτου φόνου
μετὰ δὲ ταῦτα Ἀχιλλεὺς εἰς Λέσβον πλεῖ καὶ θύσας
Ἀπόλλωνι καὶ Ἀρτέμιδι καὶ Λητοῖ καθαίρεται τοῦ φόνου
ὑπ Ὀδυσσέως
Μέμνων δὲ ὁ Ἠοῦς υἱὸς ἔχων ἡφαιστότευκτον παν- 185
οπλίαν παραγίνεται τοῖς Τρωσὶ βοηθήσων καὶ Θέτις τῷ
παιδὶ τὰ κατὰ τὸν Μέμνονα προλέγει
καὶ συμβολῆς γενομένης Ἀντίλοχος ὑπὸ Μέμνονος
ἀναιρεῖται ἔπειτα Ἀχιλλεὺς Μέμνονα κτείνει καὶ τούτῳ
μὲν Ἠὼς παρὰ Διὸς αἰτησαμένη ἀθανασίαν δίδωσι 190
τρεψάμενος δ Ἀχιλλεὺς τοὺς Τρῶας καὶ εἰς τὴν πό-
λιν συνεισπεσὼν ὑπὸ Πάριδος ἀναιρεῖται καὶ Ἀπόλλωνος
καὶ περὶ τοῦ πτώματος γενομένης ἰσχυρᾶς μάχης Αἴας ἀν-
ελόμενος ἐπὶ τὰς ναῦς κομίζει Ὀδυσσέως ἀπομαχομένου
τοῖς Τρωσίν 195
ἔπειτα Ἀντίλοχόν τε θάπτουσι καὶ τὸν νεκρὸν τοῦ
Ἀχιλλέως προτίθενται
καὶ Θέτις ἀφικομένη σὺν Μούσαις καὶ ταῖς ἀδελφαῖς
θρηνεῖ τὸν παῖδα καὶ μετὰ ταῦτα ἐκ τῆς πυρᾶς ἡ Θέτις
ἀναρπάσασα τὸν παῖδα εἰς τὴν Λευκὴν νῆσον διακομίζει 200
οἱ δὲ Ἀχαιοὶ τὸν τάφον χώσαντες ἀγῶνα τιθέασι
καὶ περὶ τῶν Ἀχιλλέως ὅπλων Ὀδυσσεῖ καὶ Αἴαντι στάσις
ἐμπίπτει
Do mesmo sobre a Etioacutepida
Sucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada de Homero
depois dela haacute a Etioacutepida em cinco livros de Arctino de Mileto que compreendem o seguinte
139
A amazona Pentesileia chega para combater ao lado dos troianos filha de Ares traacutecia
de origem Aquiles a mata quando ela estaacute no auge de sua bravura combativa e os troianos
realizam seu funeral
Entatildeo Aquiles abate Tersites ofendido com ele repreendido por sua paixatildeo declarada
por Pentesileia Surge uma dissenccedilatildeo entre os aqueus em funccedilatildeo do assassinato de Tersites
Apoacutes isso Aquiles navega ateacute Lesbos e feitos sacrifiacutecios a Apolo Aacutertemis e Leto eacute
purificado do assassinato por Odisseu
Mecircmnon filho de Aurora possuidor de uma armadura confeccionada por Hefesto
chega ao socorro dos troianos Teacutetis prediz a seu filho o que decorreraacute a partir do embate com
Mecircmnon
Em confronto Antiacuteloco eacute abatido por Mecircmnon e logo Aquiles o mata Aurora lhe
concede a eternidade por rogaacute-la da parte de Zeus
Rechaccedilando os troianos e jaacute irrompendo cidadela adentro Aquiles eacute abatido por Paacuteris
e por Apolo Violenta batalha tem iniacutecio em volta do cadaacutever Aacutejax resgata-o e carrega ateacute as
naus enquanto Odisseu vai repelindo os troianos
Entatildeo sepultam Antiacuteloco e dispotildeem o corpo de Aquiles para o funeral
Chegando junto das Musas e das irmatildes Teacutetis vela seu filho Depois disso Teacutetis subtrai
o filho de sobre a pira e o transporta para a Ilha Branca
Os aqueus lhe erigem uma sepultura e instauram jogos e uma disputa pelas armas de
Aquiles sobreveacutem entre Odisseu e Ajax
223 Pequena Iliacuteada
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλιάδος μικρᾶς
Ἑξῆς δ ἐστὶν Ἰλιάδος μικρᾶς βιβλία τέσσαρα Λές- 206
χεω Μυτιληναίου περιέχοντα τάδε
Ἡ τῶν ὅπλων κρίσις γίνεται καὶ Ὀδυσσεὺς κατὰ
βούλησιν Ἀθηνᾶς λαμβάνει Αἴας δ ἐμμανὴς γενόμενος
τήν τε λείαν τῶν Ἀχαιῶν λυμαίνεται καὶ ἑαυτὸν ἀναιρεῖ 210
μετὰ ταῦτα Ὀδυσσεὺς λοχήσας Ἕλενον λαμβάνει
καὶ χρήσαντος περὶ τῆς ἁλώσεως τούτου Διομήδης ἐκ Λήμνου
140
Φιλοκτήτην ἀνάγει ἰαθεὶς δὲ οὗτος ὑπὸ Μαχάονος καὶ μονο-
μαχήσας Ἀλεξάνδρῳ κτείνει καὶ τὸν νεκρὸν ὑπὸ Μενελάου
καταικισθέντα ἀνελόμενοι θάπτουσιν οἱ Τρῶες 215
μετὰ δὲ ταῦτα Δηΐφοβος Ἑλένην γαμεῖ
καὶ Νεοπτόλεμον Ὀδυσσεὺς ἐκ Σκύρου ἀγαγὼν τὰ
ὅπλα δίδωσι τὰ τοῦ πατρός καὶ Ἀχιλλεὺς αὐτῷ φαντάζεται
Εὐρύπυλος δὲ ὁ Τηλέφου ἐπίκουρος τοῖς Τρωσὶ παρα-
γίνεται καὶ ἀριστεύοντα αὐτὸν ἀποκτείνει Νεοπτόλεμος 220
καὶ οἱ Τρῶες πολιορκοῦνται
καὶ Ἐπειὸς κατ Ἀθηνᾶς προαίρεσιν τὸν δούρειον
ἵππον κατασκευάζει
Ὀδυσσεύς τε αἰκισάμενος ἑαυτὸν κατάσκοπος εἰς
Ἴλιον παραγίνεται καὶ ἀναγνωρισθεὶς ὑφ Ἑλένης περὶ 225
τῆς ἁλώσεως τῆς πόλεως συντίθεται κτείνας τέ τινας τῶν
Τρώων ἐπὶ τὰς ναῦς ἀφικνεῖται
καὶ μετὰ ταῦτα σὺν Διομήδει τὸ παλλάδιον ἐκκο-
μίζει ἐκ τῆς Ἰλίου
ἔπειτα εἰς τὸν δούρειον ἵππον τοὺς ἀρίστους ἐμ- 230
βιβάσαντες τάς τε σκηνὰς καταφλέξαντες οἱ λοιποὶ τῶν
Ἑλλήνων εἰς Τένεδον ἀνάγονται
οἱ δὲ Τρῶες τῶν κακῶν ὑπολαβόντες ἀπηλλάχθαι τόν
τε δούρειον ἵππον εἰς τὴν πόλιν εἰσδέχονται διελόντες
μέρος τι τοῦ τείχους καὶ εὐωχοῦνται ὡς νενικηκότες τοὺς 235
Ἕλληνας
Do mesmo sobre a Pequena Iliacuteada
Em sequecircncia haacute os quatro livros da Pequena Iliacuteada de Lesques de Mitilene que
compreendem o seguinte
Ocorre o juiacutezo a respeito das armas e Odisseu obteacutem-nas conforme a intenccedilatildeo de
Atena Ajax por sua vez apoacutes ficar ensandecido destroacutei o espoacutelio de gado dos aqueus e
tambeacutem imola a si mesmo
141
Depois disso Odisseu captura Heleno em uma emboscada apoacutes um oraacuteculo deste a
respeito da tomada da cidadela Diomedes traz Filoctetes de volta de Lemnos Curado por
Macaacuteon ele mata Alexandre em um duelo Os troianos sepultam o cadaacutever depois de reavecirc-lo
desfigurado por Menelau
Depois disso Decircifobo toma Helena por esposa
Apoacutes trazer Neoptoacutelemo de Esquiro Odisseu lhe entrega as armas do pai Aquiles
aparece para ele
Euriacutepilo filho de Teacutelefo se apresenta como aliado dos troianos e no auge de sua
bravura combativa Neoptoacutelemo o mata
Os troianos estatildeo encurralados
Epeu constroacutei o cavalo de madeira segundo o plano de Atena
Odisseu flagelando-se a si mesmo adentra Iacutelio como espiatildeo e combina com Helena
por quem fora reconhecido a tomada da cidade mata alguns troianos e chega de volta agraves
naus
Depois com Diomedes carrega o palaacutedio para fora de Iacutelio
Em seguida os melhores dos helenos ingressam no cavalo de madeira e o restante
navega para Tecircnedo havendo ateado fogo ao acampamento
Os troianos supondo-se livres de males recebem o cavalo de madeira dentro da
cidade quebrando uma brecha na muralha e festejam como se houvessem vencido os
helenos
224 Saque de Iacutelio
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλίου πέρσιδος
Ἕπεται δὲ τούτοις Ἰλίου πέρσιδος βιβλία δύο Ἀρκ-
τίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε 240
ὡς τὰ περὶ τὸν ἵππον οἱ Τρῶες ὑπόπτως ἔχοντες
περιστάντες βουλεύονται ὅ τι χρὴ ποιεῖν καὶ τοῖς μὲν
δοκεῖ κατακρημνίσαι αὐτόν τοῖς δὲ καταφλέγειν οἱ δὲ ἱερὸν
αὐτὸν ἔφασαν δεῖν τῇ Ἀθηνᾷ ἀνατεθῆναι καὶ τέλος νικᾷ
ἡ τούτων γνώμη 245
142
τραπέντες δὲ εἰς εὐφροσύνην εὐωχοῦνται ὡς ἀπηλ-
λαγμένοι τοῦ πολέμου
ἐν αὐτῷ δὲ τούτῳ δύο δράκοντες ἐπιφανέντες τόν
τε Λαοκόωντα καὶ τὸν ἕτερον τῶν παίδων διαφθείρουσιν
ἐπὶ δὲ τῷ τέρατι δυσφορήσαντες οἱ περὶ τὸν Αἰνείαν 250
ὑπεξῆλθον εἰς τὴν Ἴδην
καὶ Σίνων τοὺς πυρσοὺς ἀνίσχει τοῖς Ἀχαιοῖς πρό-
τερον εἰσεληλυθὼς προσποίητος
οἱ δὲ ἐκ Τενέδου προσπλεύσαντες καὶ οἱ ἐκ τοῦ δου-
ρείου ἵππου ἐπιπίπτουσι τοῖς πολεμίοις καὶ πολλοὺς ἀν- 255
ελόντες τὴν πόλιν κατὰ κράτος λαμβάνουσι
καὶ Νεοπτόλεμος μὲν ἀποκτείνει Πρίαμον ἐπὶ τὸν
τοῦ Διὸς τοῦ ἑρκείου βωμὸν καταφυγόντα
Μενέλαος δὲ ἀνευρὼν Ἑλένην ἐπὶ τὰς ναῦς κατάγει
Δηΐφοβον φονεύσας 260
Κασσάνδραν δὲ Αἴας ὁ Ἰλέως πρὸς βίαν ἀποσπῶν
συνεφέλκεται τὸ τῆς Ἀθηνᾶς ξόανον ἐφ ᾧ παροξυνθέντες
οἱ Ἕλληνες καταλεῦσαι βουλεύονται τὸν Αἴαντα ὁ δὲ ἐπὶ
τὸν τῆς Ἀθηνᾶς βωμὸν καταφεύγει καὶ διασῴζεται ἐκ τοῦ
ἐπικειμένου κινδύνου 265
[ἔπειτα ἀποπλέουσιν οἱ Ἕλληνες καὶ φθορὰν αὐτοῖς
ἡ Ἀθηνᾶ κατὰ τὸ πέλαγος μηχανᾶται]
καὶ Ὀδυσσέως Ἀστυάνακτα ἀνελόντος
Νεοπτόλεμος Ἀνδρομάχην γέρας λαμβάνει
καὶ τὰ λοιπὰ λάφυρα διανέμονται 270
Δημοφῶν δὲ καὶ Ἀκάμας Αἴθραν εὑρόντες ἄγουσι
μεθ ἑαυτῶν
ἔπειτα ἐμπρήσαντες τὴν πόλιν
Πολυξένην σφαγιάζουσιν ἐπὶ τὸν τοῦ Ἀχιλλέως τάφον
Do mesmo sobre o Saque de Iacutelio
143
Seguem-se a isso os dois livros do Saque de Iacutelio de Arctino de Mileto compreendendo
isto
Como os troianos estatildeo desconfiados do cavalo reunindo-se em torno dele deliberam
sobre o que fazer A uns parece melhor atiraacute-lo precipiacutecio abaixo a outros incendiaacute-lo uns
dizem entatildeo que ele deveria ser dado como oferenda a Atena Vence a proposta destes por
fim
Tomados pela animaccedilatildeo festejam como se estivessem dispensados da guerra Bem
nesse momento duas serpentes aparecem e trucidam Laoconte e seu filho mais novo
Consternados com esse prodiacutegio Eneacuteias e os companheiros escapam secretamente
para o monte Ida
Entatildeo Sinatildeo o primeiro a disfarccedilado lograr um incurso acende tochas ao alto da
cidade como sinal aos aqueus
Juntos tanto os que retornam de Tecircnedos como os de dentro do cavalo os helenos
precipitam-se sobre os inimigos e tomam a cidade de assalto matando muitos
Neoptoacutelemo mata Priacuteamo que se refugiara no altar de Zeus Guarda Lar
Apoacutes achar Helena Menelau a leva de volta para as naus assassinando Decircifobo
Aacutejax filho de Ileu levando Cassandra agrave forccedila arrasta tambeacutem a imagem de madeira
de Atena Irritados com isso os helenos decidem apedrejar Aacutejax mas ele busca refuacutegio no
altar de Atena e se manteacutem a salvo do perigo iminente
[Entatildeo os helenos zarpam e Atena estaacute maquinado contra eles um naufraacutegio em alto
mar]
Tendo Odisseu matado Astiacuteanax Neoptoacutelemo toma Androcircmaca como seu precircmio
Repartem o restante do espoacutelio
Apoacutes acharem Etra Demofatildeo e Aacutecamas levam-na consigo
Em seguida sacrificam Polixena sobre o tuacutemulo de Aquiles havendo incendiado a
cidade
225 Retornos
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Νόστων
Συνάπτει δὲ τούτοις τὰ τῶν Νόστων βιβλία πέντε 277
144
Ἀγίου Τροιζηνίου περιέχοντα τάδε
Ἀθηνᾶ Ἀγαμέμνονα καὶ Μενέλαον εἰς ἔριν καθίς-
τησι περὶ τοῦ ἔκπλου 280
Ἀγαμέμνων μὲν οὖν τὸν τῆς Ἀθηνᾶς ἐξιλασόμενος
χόλον ἐπιμένει
Διομήδης δὲ καὶ Νέστωρ ἀναχθέντες εἰς τὴν οἰ-
κείαν διασῴζονται
μεθ οὓς ἐκπλεύσας ὁ Μενέλαος μετὰ πέντε νεῶν 285
εἰς Αἴγυπτον παραγίνεται τῶν λοιπῶν διαφθαρεισῶν νεῶν
ἐν τῷ πελάγει
οἱ δὲ περὶ Κάλχαντα καὶ Λεοντέα καὶ Πολυποίτην
πεζῇ πορευθέντες εἰς Κολοφῶνα Τειρεσίαν ἐνταῦθα τελευ-
τήσαντα θάπτουσι 290
τῶν δὲ περὶ τὸν Ἀγαμέμνονα ἀποπλεόντων Ἀχιλ-
λέως εἴδωλον ἐπιφανὲν πειρᾶται διακωλύειν προλέγον τὰ
συμβησόμενα
εἶθ ὁ περὶ τὰς Καφηρίδας πέτρας δηλοῦται χειμὼν
καὶ ἡ Αἴαντος φθορὰ τοῦ Λοκροῦ 295
Νεοπτόλεμος δὲ Θέτιδος ὑποθεμένης πεζῇ ποιεῖ-
ται τὴν πορείαν καὶ παραγενόμενος εἰς Θρᾴκην Ὀδυσσέα
καταλαμβάνει ἐν τῇ Μαρωνείᾳ καὶ τὸ λοιπὸν ἀνύει τῆς
ὁδοῦ καὶ τελευτήσαντα Φοίνικα θάπτει αὐτὸς δὲ εἰς Μολος-
σοὺς ἀφικόμενος ἀναγνωρίζεται Πηλεῖ 300
ἔπειτα Ἀγαμέμνονος ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυται-
μήστρας ἀναιρεθέντος ὑπ Ὀρέστου καὶ Πυλάδου τιμωρία
καὶ Μενελάου εἰς τὴν οἰκείαν ἀνακομιδή
Do mesmo sobre os Retornos
A esses eventos atrelam-se os cinco livros dos Retornos de Aacutegias de Trezene
compreendendo o seguinte
Atena potildee Agamecircmnon e Menelau em discoacuterdia a respeito da viagem de volta
Agamecircmnon retarda sua partida para apaziguar a colera da deusa
145
Diomedes e Neacutestor levados por alto mar chegam a sua casa em seguranccedila
Menelau que partiu atraacutes deles chega ao Egito com cinco das naus as restantes
naufragando em alto mar
Os comandados por Calcas Leonteu e Polipetes viajam a peacute ateacute Colofatildeo laacute sepultam
Tireacutesias que falecera
Quando os comandados por Agamecircmnon estatildeo partindo uma apariccedilatildeo de Aquiles
tenta impedi-los manifestando-se e anunciando os acontecimentos vindouros
Nesse passo se descreve a tempestade nas redondezas das Rochas Cafeacuterides e a ruiacutena
de Aacutejax da Loacutecria
Neoptoacutelemo faz a jornada a peacute a conselho de Teacutetis Chegando agrave Traacutecia depara-se com
Odisseu em Marocircnia completa o restante de seu percurso e sepulta o falecido Fecircnix
Chegando ateacute os moloacutessios ele proacuteprio eacute reconhecido por Peleu
Em seguida a execuccedilatildeo de Agamecircmnon por Egisto e Clitemnestra a vinganccedila de
Orestes e Piacutelades e o retorno para casa de Menelau
226 Telegonia
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Τηλεγονίας
Μετὰ ταῦτά ἐστιν Ὁμήρου Ὀδύσσεια ἔπειτα Τηλε- 306
γονίας βιβλία δύο Εὐγάμμωνος Κυρηναίου περιέχοντα τάδε
οἱ μνήστορες ὑπὸ τῶν προσηκόντων θάπτονται
καὶ Ὀδυσσεὺς θύσας Νύμφαις εἰς Ἦλιν ἀποπλεῖ
ἐπισκεψόμενος τὰ βουκόλια καὶ ξενίζεται παρὰ Πολυξένῳ 310
δῶρόν τε λαμβάνει κρατῆρα καὶ ἐπὶ τούτῳ τὰ περὶ Τρο-
φώνιον καὶ Ἀγαμήδην καὶ Αὐγέαν
ἔπειτα εἰς Ἰθάκην καταπλεύσας τὰς ὑπὸ Τειρεσίου
ῥηθείσας τελεῖ θυσίας
καὶ μετὰ ταῦτα εἰς Θεσπρωτοὺς ἀφικνεῖται καὶ γαμεῖ 315
Καλλιδίκην βασιλίδα τῶν Θεσπρωτῶν
ἔπειτα πόλεμος συνίσταται τοῖς Θεσπρωτοῖς πρὸς
Βρύγους Ὀδυσσέως ἡγουμένου ἐνταῦθα Ἄρης τοὺς περὶ
146
τὸν Ὀδυσσέα τρέπεται καὶ αὐτῷ εἰς μάχην Ἀθηνᾶ καθίς-
ταται τούτους μὲν Ἀπόλλων διαλύει 320
μετὰ δὲ τὴν Καλλιδίκης τελευτὴν τὴν μὲν βασιλείαν
διαδέχεται Πολυποίτης Ὀδυσσέως υἱός αὐτὸς δ εἰς Ἰθάκην
ἀφικνεῖται
κἀν τούτῳ Τηλέγονος ἐπὶ ζήτησιν τοῦ πατρὸς πλέων
ἀποβὰς εἰς τὴν Ἰθάκην τέμνει τὴν νῆσον ἐκβοηθήσας δ 325
Ὀδυσσεὺς ὑπὸ τοῦ παιδὸς ἀναιρεῖται κατ ἄγνοιαν
Τηλέγονος δ ἐπιγνοὺς τὴν ἁμαρτίαν τό τε τοῦ πατρὸς
σῶμα καὶ τὸν Τηλέμαχον καὶ τὴν Πηνελόπην πρὸς τὴν μητέρα
μεθίστησιν ἡ δὲ αὐτοὺς ἀθανάτους ποιεῖ καὶ συνοικεῖ τῇ
μὲν Πηνελόπῃ Τηλέγονος Κίρκῃ δὲ Τηλέμαχος 330
Do mesmo sobre a Telegonia
Depois disso eacute a Odisseia de Homero depois os dois livros da Telegonia de Ecircugamon
de Cirene que compreendem o seguinte
Os pretendentes satildeo sepultados por seus parentes
Odisseu faz sacrifiacutecios agraves Ninfas e zarpa para Eacutelis a fim de inspecionar o gado Eacute
hospedado por Poliacutexeno recebe de presente uma cratera e nela estaacute a histoacuteria de Trofocircnio
Agamedes e Aacuteugeas
Desembarcando de volta em Iacutetaca executa os sacrifiacutecios especificados por Tireacutesias
Depois desses eventos chega agrave Tesproacutetia e toma Caliacutedice por mulher rainha dos
Tesproacutetios
Depois se concretiza uma guerra dos Tesproacutetios liderados por Odisseu contra os
Brugos Nisso Ares debanda os homens de Odisseu e Atena engaja-se em combate contra ele
Apolo eacute quem os aparta
Depois da morte de Caliacutedice Polipetes filho de Odisseu herda a realeza enquanto
este retorna agrave Iacutetaca
Nesse momento Telecircgono que navegava agrave procura de seu pai e desembarcara em
Iacutetaca devastava a ilha Odisseu que viera defendecirc-la por engano eacute morto por seu filho
147
Telecircgono apoacutes tomar conhecimento de seu crime transporta Telecircmaco Peneacutelope e o
corpo do pai ateacute sua matildee Ela os torna imortais Telecircgono casa-se com Peneacutelope e Telecircmaco
com Circe
148
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
EDICcedilOtildeES DA OBRA ESTUDADA
Ediccedilotildees da Crestomatia
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Recensverunt Richardus Schneider et Gustavus Uhlig--v3 Herodiani Technici reliquiae
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QUINTILIAN The Institutio Oratoriae With an English translation by H E Butler
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ndash USP 2005 ineacutedita
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mestrado apresentada ao Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas da FFLCH-USP
orientada por Marcos Martinho dos Santos Satildeo Paulo DLCV ndash FFLCH ndash USP 2010 ineacutedita
MARTINHO DOS SANTOS M As Epiacutestolas de Horaacutecio e a Confecccedilatildeo de uma Ars
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Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas da FFLCH-USP orientada por Zelia Ladeira Veras
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- A CRESTOMATIA DE PROCLOTraduccedilatildeo integral notas e estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
- AGRADECIMENTOS
- RESUMO
- ABSTRACT
- IacuteNDICE
- Apresentaccedilatildeo
- PARTE IEstudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
-
- 1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO
-
- 11VESTIacuteGIOS DA OBRA
- 12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO
- 13 O NOME E A OBRA
-
- 131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio
- 132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239
- 133 O termo ldquocrestomatiardquo
- 134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra
-
- 2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA
-
- 21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO
- 22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO
-
- 221 O molde copioso
- 222 O molde tecircnue
- 223 O molde meacutedio
- 224 O molde florido
- 225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo
-
- 3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA
-
- 31 SEUS GEcircNEROS
- 32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE DIOMEDES
- 33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO
-
- 331 Epos
-
- 3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria
- 3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico
-
- 332 Elegia
- 333 Iambo
- 334 Meacutelica
-
- PARTE IITraduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
-
- 1 COacuteDICE 239
-
- 11 TEXTO
- 12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO
-
- 2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO
-
- 21 VIDA DE HOMERO
- 22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO
-
- 221 Ciacuteprias
- 222 Etioacutepida
- 223 Pequena Iliacuteada
- 224 Saque de Iacutelio
- 225 Retornos
- 226 Telegonia
-
- REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
-
4
A Ticiano Curvelo Estrela Lacerda e a Artur Costrino irmatildeos cujas tatildeo notaacuteveis
qualidades sempre me incentivam como estudioso Agrave brilhante e mais cara amiga Tarsila
Donaacute e a Gabriel Lohner Groacutef e ao imprescindiacutevel auxiacutelio prestado por ambos na Casa de
Socorro aos Mestrandos Desesperados com a Corda no Pescoccedilo A Rafael Frate o
ldquoplenibroacutederrdquo
Agrave indissociaacutevel Amanda Lenharo di Santis e agrave afaacutevel companhia do gato Pimenta
A Diego Ydalgo Mateus Macedo Pires Samuel Gadia Rafael Pompiacutelio Gustavo
Motta e Fernando Baratella ternos amigos da terna idade de viacutedeo-game RPG HQ futebol e
(jaacute natildeo mais tatildeo terna) The Doors Como esquecer o primeiro Camotildees o primeiro Boccage o
primeiro Aacutelvares de Azevedo Gonccedilalves Dias Bandeira Drummond lidos nessa eacutepoca
A Rafael Brunhara Marcus Baccega Alexandre Almeida Marcussi e a outros
estimados amigos e colegas que jamais faria natildeo fossem as Letras e a FFLCH
5
RESUMO
A presente dissertaccedilatildeo visa agrave traduccedilatildeo anotada dos textos que nos datildeo a conhecer a
obra convencionalmente denominada Crestomatia e atribuiacuteda a Proclo junto de um estudo
que caracterize o quanto possiacutevel essa obra que permanece tatildeo obscura quanto relevante para
os Estudos Claacutessicos Traduziram-se tanto os fragmentos referentes ao Ciclo Eacutepico provaacuteveis
excertos diretos da obra como o resumo que dela restou na Biblioteca de Foacutecio coacutedice 239
A anotaccedilatildeo se ateacutem ao coacutedice 239 a fim de tornar conhecido o que fosse o variado conteuacutedo
geral da obra O coacutedice tambeacutem eacute o foco do estudo que pretende em trecircs capiacutetulos 1o)
discutir os problemas em torno do texto ie a atribuiccedilatildeo o tiacutetulo a constituiccedilatildeo da obra sua
histoacuteria etc 2o) tendo estabelecido algumas hipoacuteteses sobre essa constituiccedilatildeo diversa
explicitaacute-la comentando a primeira seccedilatildeo do texto e a confluecircncia de saberes diversos sobre as
Letras da Antiguidade fossem a Retoacuterica a Gramaacutetica a Poeacutetica considerando seus limites
3o) considerando a seccedilatildeo posterior do texto sobre a classificaccedilatildeo geneacuterica da poesia antiga
relacionaacute-lo com outros que versem sobre a classificaccedilatildeo dos gecircneros poeacuteticos em especial o
De Poematibus de Diomedes
PALAVRAS-CHAVE poeacutetica gramaacutetica retoacuterica poesia antiga gecircneros literaacuterios
6
ABSTRACT
The scope of the current dissertation is to present a commented translation in
Portuguese of the group of texts that gives us knowledge of the work conventionaly called
Chrestomathy ascribed to Proclus We present as well a study that characterizes as much as
possible this work that remains as obscure as relevant to the Classical Studies The fragments
that refer to the Epic Cycle which are probably direct excerpts of the original work were
translated as well as the summary which was preseved in Photiusrsquo Library the 239 codex
The commentary is about the 239 codex with the purpose of give knowledge of the
miscellaneous general content of the work The codex is also the focus of the study where in
three chapters 1) it will be discussed the questions around the text ie the ascription the
title the constitution of the work its history 2) having been established some hypothesis
about this diverse constitution it will be exposed on commenting the first section of the text
and the confluency as well as the limits of multiple knowledges of Literature in Antiquity
comprehending Rhetorics Grammar and Poetics 3) considering the later section of the text
concerning to the generic classification of ancient poetry we will relate the text with others
that deal with the classification of poetic genres especially Diomedesrsquo De Poematibus
KEYWORDS poetics grammar rhetoric ancient poetry literary genres
7
IacuteNDICE
Apresentaccedilatildeo9
Parte I ndash Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
Capiacutetulo 1 ndash CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO10
11 VESTIacuteGIOS DA OBRA10
12 AUTORIA E ATRIBUUICcedilAtildeO12
13 O NOME E A OBRA18
131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio18
132 A intitulaccedilatildeo do coacutedice 23925
133 O termo ldquocrestomatiardquo32
134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra38
Capiacutetulo 2 ndash A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA
ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA50
21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO50
22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO52
221 O molde copioso55
222 O molde tecircnue57
223 O molde meacutedio59
224 O molde florido61
225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo62
Capiacutetulo 3 ndash A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA67
31 SEUS GEcircNEROS67
32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS
DE DIOMEDES74
33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO81
331 Epos83
3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria83
3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico86
332 Elegia90
333 Iambo94
334 Meacutelica96
Parte II ndash Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
1 COacuteDICE 23998
11 TEXTO98
12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO109
2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO
8
CICLO EacutePICO128
21 VIDA DE HOMERO128
22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO132
221 Ciacuteprias132
222 Etioacutepida137
223 Pequenas Iliacuteada139
224 Saque de Iacutelio141
225 Retornos143
226 Telegonia145
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS148
9
Apresentaccedilatildeo
Esta dissertaccedilatildeo de mestrado se debruccedila sobre o texto tradicionalmente denominado
Crestomatia e apenas atribuiacutedo a um Proclo cuja identidade permanece em litiacutegio Sem que
isso tenha sido um impedimento para muitos antes de mim proponho aqui considerada a
imensidatildeo de toacutepicos apenas aludidos ou sugeridos por tal objeto textual (alguns carentes de
investigaccedilatildeo)
a) uma traduccedilatildeo integral do que o tempo nos legou da obra um resumo preservado
por Foacutecio de Constantinopla seacutec IX dC e os excertos aceites pelos estudiosos como seus
uacutenicos fragmentos ldquooriginaisrdquo
b) um estudo introduzindo a traduccedilatildeo que se focou em questotildees de composiccedilatildeo da
obra (da sua atribuiccedilatildeo agrave sua abrangecircncia) partes organizaccedilatildeo teorias que continha ou
propunha intenccedilatildeo e finalidade Em funccedilatildeo desse enfoque questotildees agraves quais a Crestomatia
de Proclo muitas vezes serve de ponto de partida como por exemplo a aplicaccedilatildeo das
categorias antigas de interpretaccedilatildeo poeacutetica agrave poesia liacuterica da Greacutecia Antiga os testemunhos
que conteacutem dessa interpretaccedilatildeo de base heleniacutestica etc foram em parte contemplados e em
parte deixados de lado em funccedilatildeo de um objetivo primeiro refletir sobre o que seria essa obra
e sua relaccedilatildeo com textos que lidam com assuntos semelhantes
Desta maneira portanto se organiza o texto
PARTE I ndash Um estudo em trecircs capiacutetulos o 1o abordando as questotildees baacutesicas sobre o
objeto escrito (tiacutetulo autoria) e como eacute transmitido a noacutes o 2o abordando o que aqui se
delimita como sua primeira seccedilatildeo em que se definia seu objeto e uma abordagem para ele a
fim de se conseguir uma caracterizaccedilatildeo da obra o 3o propondo a partir dos elementos
estudados uma comparaccedilatildeo com outro texto semelhante a fim de discutir os criteacuterios de
anaacutelise da poesia que na Crestomatia seratildeo empregados ateacute o fim do texto com o objetivo de
classificar a antiga poesia liacuterica ou meacutelica (sendo as especificidades dessa apresentadas ao
longo das nostas agrave traduccedilatildeo agrave medida do necessaacuterio)
PARTE II ndash A traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio que resume
a Crestomatia e a traduccedilatildeo dos resumos do chamado ciclo eacutepico que chega ateacute noacutes atraveacutes de
manuscritos de Homero
10
PARTE I
Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO
11VESTIacuteGIOS DA OBRA
Qualquer um cujo interesse seja desperto por isso que geralmente se denomina a
Crestomatia de Proclo tatildeo logo busque se aproximar do objeto deparar-se-aacute com fragmentos
que unidos ao fim nos forneceratildeo somente o espectro de uma obra que parece ter sido uma
importante e abrangente compilaccedilatildeo sobre as letras antigas algo semelhante ao que hoje
chamariacuteamos um manual de literatura
Haacute dois grupos de textos que juntos compotildeem o quanto se pode acessar do que a
julgar pelo que nos diz Foacutecio no coacutedice 239 de sua Biblioteca teria sido uma obra composta
de quatro livros1 e que sem duacutevida a despeito das discussotildees acerca do primeiro paraacutegrafo do
coacutedice (concernente ao nome) teria em seu tiacutetulo o termo ldquocrestomatiardquo
A comeccedilar pela Biblioteca como se sabe consiste em resumos epiacutetomes cuja
confecccedilatildeo2 para aleacutem do interesse do irmatildeo de Foacutecio3 serviria em uacuteltima instacircncia agraves duas
funccedilotildees mais baacutesicas que se podem supor dar a conhecer os textos resumidos a quem natildeo
poderia acessaacute-los integralmente e fornecer diferentes saberes numa mesma fonte ie reunir
informaccedilatildeo diversa preservando para um leitor que natildeo tivesse acesso a essa informaccedilatildeo agrave
medida do possiacutevel o mais relevante dos originais
Um conjunto de textos consiste portanto nos diferentes manuscritos que seguramente
contecircm a Biblioteca de Foacutecio E eacute entre diferentes obras reunidas para a Biblioteca portanto
que se resume no coacutedice 239 (de um modo a ser discutido) a obra em questatildeo
convencionalmente designada Crestomatia Trata-se pois de tradiccedilatildeo indireta
1 Severyns A Recherches sur la Chrestomathie de Proclos Le Codex 239 de Photius Eacutetude Paleacuteographique et
Critique (t I) Texte Traduction Commentaire (t II) La Vita Homeri et les Sommaires du Cycle Eacutetude
Paleacuteographique et Critique (t III) Texte et Traduction (t IV) Paris Belles Lettres 1977 Tomo II paacuteg 31 2 Severyns op cit tome I paacuteg 1 ndash 6 3 Foacutecio Biblioteca paacuteg 1
11
O outro conjunto de textos eacute bem mais visado pelos estudos claacutessicos em geral dado o
que conteacutem Consiste nos 14 manuscritos da Iliacuteada dos quais todos como uma introduccedilatildeo
trazem uma Vida de Homero4 Deles 10 tambeacutem trazem um texto designado
um apenas Venetus A (o mais velho) traz na sequecircncia
e Aquela Vida
como se vecirc pelo nome eacute uma breve biografia de Homero mas satildeo estes que foram por muito
tempo objeto dos estudiosos pois consistem em resumos aparentemente completos embora
bem pontuais dos poemas ciacuteclicos ou pelo menos de alguns deles ie os poemas que narram
os demais episoacutedios do ldquochamado ciclo eacutepicordquo (para usar os proacuteprios termos do epiacutetome do
coacutedice 239) o qual numa definiccedilatildeo mais teacutecnica seria a somatoacuteria de todas as narraccedilotildees
eacutepicas ou mais rigorosamente todos os (eacutepe)6 circunscritos a um conjunto de episoacutedios
que vai desde a origem do universo ateacute a morte de Odisseu A despeito do que se possa
conjeturar mais pormenorizadamente sobre o que de fato pleiteavam tais poemas o proacuteprio
texto do epiacutetome fociano no seu paraacutegrafo 19 eacute um de nossos principais testemunhos de
como tais poemas eram entendidos por diferentes autores que versaram sobre poeacutetica
integrando um todo ldquo
rdquo7 ndash ldquoFecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo
de diferentes poetasrdquo
Antes desse paraacutegrafo na seccedilatildeo do epiacutetome dedicada ao epos (sect13 a 23) apoacutes a
invenccedilatildeo do metro sua mateacuteria (sect13) como o nome se fixa (sect14) e o elenco de seus melhores
poetas (sect15) o paraacutegrafo 16 nos informa que ldquoele [o provaacutevel autor Proclo] discorre na
medida do possiacutevel sobre a origem a paacutetria e algumas histoacuterias particulares a respeito de tais
poetasrdquo e o paraacutegrafo 17 por sua vez diz que [ele] ldquoentatildeo inicia as consideraccedilotildees sobre o
chamado ciclo eacutepicordquo e assinala seu iniacutecio no intercurso entre Ceacuteu e Terra O verbo
(dialambaacuteno) que inicia o paraacutegrafo tem o sentido forte de ldquojulgar avaliar
tomar como objeto de consideraccedilatildeordquo O verbo que inicia o paraacutegrafo seguinte (sect18)
possui o sentido metafoacuterico de abrir caminho em um texto em uma mateacuteria
em um objeto ie ldquoexaminaacute-lordquo Diz-se que ldquoele [autor] segue examinando diversas coisas
concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticasrdquo Os paraacutegrafos 20 a 23 satildeo dedicados a peculiaridades
referentes ao ciclo que no entendimento do resumidor merecem destaque a razatildeo pela qual
4 Designaccedilatildeo latina do texto que no grego vem designado como ou como Venetus A
ou Homero eacutepoca vida caracteriacutestica tiacutetulo de poemas 5 Que traduzi na ordem por ldquo(sobre) a(s) Ciacuteprias Etioacutepida Pequena Iliacuteada Saque de Iacutelio Retornos Telegoniardquo 6 Entendendo-se aqui no sentido amplo do texto uma composiccedilatildeo hexameacutetrica narrativa A discussatildeo
pormenorizada vem a seguir 7 Severyns 1977 pg 36 Grifo do autor
12
os poemas do ciclo foram preservados o nome e a paacutetria dos poetas que se ocuparam dele e
especificidades sobre a atribuiccedilatildeo e o nome das Ciacuteprias
Considerando-se que ao longo de seu texto o epiacutetome se caracteriza ou por de um
lado apenas notificar aquilo que o suposto autor diz de mais relevante sem entrar nos
detalhes de seu conteuacutedo ou de outro por pontuar informaccedilotildees bem especiacuteficas com o intuito
de daacute-las a conhecer (provavelmente como uma novidade) a seu leitor tanto os dois verbos
referidos que descrevem aquilo que ocorre no texto resumido como as vicissitudes de 20 a
23 que ressaltam especificidades julgadas pelo resumidor como relevantes a um leitor que
recorreria ao epiacutetome satildeo muito favoraacuteveis a que natildeo se ponha em duacutevida a atribuiccedilatildeo dos 14
manuscritos a Proclo ou pelo menos ao mesmo autor resumido no coacutedice 239 Ao que tudo
indica portanto os sete textos que compotildeem o Venetus A8 a julgar pela congruecircncia no que
possui em comum com os demais (que ou trazem a Vida de Homero ou essa mais o resumo
das Ciacuteprias) seriam sete excertos integrais da Crestomatia provavelmente ndash a julgar pelo
resumo ndash referentes agrave seccedilatildeo em que discutindo o epos o autor nos daria suas consideraccedilotildees
sobre quem foi Homero bem como resumos factuais acontecimento a acontecimento dos
demais poemas que compunham o chamado ciclo eacutepico
Eis a nossa obra de um lado um resumo e de outro sete outros breves textos que
pelas indicaccedilotildees nos manuscritos de Homero e pela congruecircncia de assunto brevemente
demonstrada seriam os uacutenicos excertos integrais que chegaram a noacutes De fato ambos
parecem corresponder a uma obra cujo conteuacutedo resumido ainda circulava no acircmbito das
letras bizantinas pelo menos desde algum periacuteodo um pouco anterior ao seacuteculo IX (pois pode
ser que Foacutecio teve acesso a ela integralmente) ateacute aproximadamente o seacuteculo XV seacuteculo a
que remontam os manuscritos mais recentes9 Todas as ediccedilotildees impressas portanto atribuem-
na a Proclo
12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO
8 Nesse manuscrito o resumo das Ciacuteprias encontra-se mutilado mas pode ser reconstituiacutedo pelo manuscrito F
Neapolitanus que de acordo com Severynns derivaria de um manuscrito em comum Cf Severyns tomo III
245 ndash 52 9 A propoacutesito dos uacuteltimos manuscritos Severynns (III 317 ndash 324) identifica o Ottobonianus G e H como
derivados de um arqueacutetipo entre os quais haacute um corretor que identifica como Joatildeo Tzetzes principalmente
por especificar na denominaccedilatildeo dos resumos a atribuiccedilatildeo a ldquoProclo platocircnico Diaacutedocordquo Mesmo que se recuse a
hipoacutetese essa correccedilatildeo e a proacutepria atribuiccedilatildeo revelam natildeo soacute uma atividade filoloacutegica que se debruccedilava sobre o
texto mas a preocupaccedilatildeo em atribuir-lhe a origem precisa
13
Uma vez que todos os manuscritos da Vida e dos Resumos atribuem o texto
indubitavelmente a Proclo e apenas um preocupa-se em explicitar de que Proclo se trata
restaria saber se de fato o suposto autor do texto eacute esse explicitado pelo corretor o Proclo
de quem mais se tecircm notiacutecias e obras o chamado diaacutedokhos ou ldquosucessorrdquo assim
designado por ser o renomado disciacutepulo e sucessor de Siriano na nova escola platocircnica de
Atenas onde estudou tambeacutem com Plutarco (de Atenas) apoacutes ser disciacutepulo de Olimpiodoro o
Velho em Alexandria provavelmente onde ainda jovem obteve sua primeira formaccedilatildeo com
o gramaacutetico Oacuterion de Tebas (Egito)10 de quem adiquiriu sua formaccedilatildeo nas letras ndash se para o
estudo da filosofia sua filiaccedilatildeo aos referidos filoacutesofos eacute fundamental para o estudo da obra
aqui abordada sua filiaccedilatildeo a esse gramaacutetico egiacutepicio seja talvez determinante como logo se
discutiraacute Foi no seacuteculo V dC um dos principais nomes do que denominamos
neoplatonismo e hoje eacute conhecido principalmente por seus comentaacuterios a Platatildeo Nosso
principal testemunho aqui a respeito desse Proclo eacute o Suda Diz-nos dele o Liacutecio (pois era
originaacuterio da Liacutecia) que para aleacutem de seus trabalhos filosoacuteficos escreveu muitas obras de
filosofia e gramaacutetica e aiacute nesse mesmo passo ldquoum comentaacuterio agrave obra de Homero um
comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo e trecircs livros sobre crestomatiardquo que se
entendermos como o tiacutetulo levaraacute agrave grafia ldquoSobre Crestomatiardquo Talvez fosse essa a obra que
nos permitiria identificar Proclo o Sucessor ou o Liacutecio como o autor do texto que
conhecemos pelo epiacutetome fociano Eacute necessaacuterio ressaltar que neste caso como natildeo eacute possiacutevel
fazer mais do que conjeturar o que se faraacute aqui eacute julgar a verossimilhanccedila das hipoacuteteses
Primeiro se deve julgar se eacute possiacutevel identificar essa obra de que o Suda fala agrave obra
resumida na Biblioteca Eacute de se crer que sim pelos seguintes motivos dos quais o primeiro eacute
cronoloacutegico a Biblioteca em que se encontra o epiacutetome foi composta seguramente no seacuteculo
IX no profiacutecuo contexto da atividade copista bizantina (a julgar pelo que se diz na sua
dedicatoacuteria preparada durante a viagem agrave corte dos Abaacutessidas em Bagdaacute e enviada ao irmatildeo
de Foacutecio que natildeo pudera ir e ficara em Constantinopla) o mesmo contexto do qual floresce o
Suda aproximadamente um seacuteculo depois Temos portanto coerecircncia temporal e regional
entre o epiacutetome da Biblioteca de Foacutecio e o leacutexico Em segundo lugar o Suda nos descreve um
neoplatocircnico que (falando de acordo com nossos termos) teria se dedicado natildeo soacute agrave filosofia
embora principalmente mas tambeacutem agrave ldquocriacutetica literaacuteriardquo ou filoloacutegica aqui designada
simplesmente por ldquogramaacuteticardquo (questatildeo terminoloacutegica que logo seraacute abordada) Que isso fosse
10 Ateacute pelo nome da conhecida constelaccedilatildeo julgou-se esse nome consagrado demais para ser vertido segundo o
criteacuterio aqui adotado para outros semelhantes (Oriatildeo) Vale mencionar que foi autor de um Leacutexico que foi
aproveitado por outros duas valiosas obras semelhantes a saber o Etymologicum Gudianum e o Etymologicum
Magnum
14
verdade pelo menos os exemplos parecem confirmaacute-lo uma vez que as obras arroladas
pertencem ou a esta ou agravequela aacuterea do saber antigo duas no entanto configuram um caso
particular por confirmarem que essa distinccedilatildeo de abordagem realmente ocorria Eacute possiacutevel
vislumbrar certo agrupamento temaacutetico parece que estas trecircs primeiras obras elencadas
referem-se agrave atividade filoloacutegica enquanto as que vecircm depois agrave atividade filosoacutefica
[] ἔγραψε πάνυ πολλά φιλόσοφά τε καὶ γραμματικά ὑπόμνημα εἰς
ὅλον τὸν Ὅμηρον ὑπόμνημα εἰς τὰ Ἡσιόδου Ἔργα καὶ Ἡμέρας Περὶ
χρηστομαθείας βιβλία γacute Περὶ ἀγωγῆς βacute Εἰς τὴν πολιτείαν
Πλάτωνος βιβλία δacute Εἰς τὴν Ὀρφέως Θεολογίαν Συμφωνίαν
Ὀρφέως Πυθαγόρου Πλάτωνος περὶ τὰ Λόγια βιβλία ιacute Περὶ τῶν
παρ Ὁμήρῳ θεῶν Ἐπιχειρήματα κατὰ Χριστιανῶν ιηacute
[] Escreveu diversas obras tanto de filosofia como de gramaacutetica Um
comentaacuterio a todo Homero comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de
Hesiacuteodo Acerca de Crestomatia em 3 livros Acerca de Educaccedilatildeo em
2 Sobre a Repuacuteblica de Platatildeo em 4 livros Sobre a Teologia de
Orfeu Consonacircncia de Orfeu Pitaacutegoras Platatildeo acerca dos Oraacuteculos
em 10 livros Sobre os Deuses em Homero 18 Contraprovas aos
Cristatildeos
(Suda 2473 4 ndash 10 traduccedilatildeo e grifos do autor)
De todas essas a recorrecircncia de Homero entre umas e outras parece confirmar mesmo
que neste verbete as obras estatildeo elencadas pela aacuterea a que pertenciam e mais ainda que uma
delas se designa ldquogramaacuteticardquo O suposto argumento de ambas parece tambeacutem confirmar esta
hipoacutetese laacute entre aquelas um comentaacuterio a todo Homero sem uma especificaccedilatildeo do que eacute
abordado o que nos faz pensar em um comentaacuterio a seu texto de forma geral aqui entre as
obras filosoacuteficas um assunto concernente agrave filosofia e ao platonismo a interpretaccedilatildeo da
figuraccedilatildeo dos deuses na obra do poeta
Isso natildeo prova que de fato a obra eacute do Proclo neoplatocircnico mas pelo menos confirma
que sendo posterior o Suda na situaccedilatildeo meramente hipoteacutetica de natildeo possuir nenhuma
referecircncia natildeo vecirc incongruecircncia alguma em atribuir a ele uma Crestomatia que poderia ser
sobre gramaacutetica O Suda pode inclusive ter se fiado agrave mesma tradiccedilatildeo que para Foacutecio jaacute
atribuiacutea a obra ao Proclo platocircnico ou entatildeo como natildeo haacute nenhuma especificaccedilatildeo da parte de
Foacutecio sobre quem seria esse Proclo ter assumido como perfeitamente aceitaacutevel e plausiacutevel na
hipoacutetese extrema de ter como uacutenica fonte a mesma tradiccedilatildeo de Foacutecio ou mais extrema ainda
o proacuteprio epiacutetome que essa ldquocrestomatiardquo versando sobre gramaacutetica fosse de Proclo sem ver
erro nisso ie em atribuir ao filoacutesofo platocircnico uma obra tratando das letras O que de fato
15
parece-nos bem razoaacutevel nesta perspectiva eacute que primeiro natildeo haveria nada de estranho em
atribuir certa crestomatia ao Proclo platocircnico e segundo que essa versava sobre gramaacutetica a
julgar pela aparente divisatildeo em grupos de que o Suda nos fala Mas ainda sobre o primeiro
aspecto natildeo haacute por que duvidar de que o Suda se paute numa tradiccedilatildeo consolidada e
verossiacutemil de atribuiccedilatildeo desse texto a Proclo No seu verbete eacutelegos o Etymologicum
Magnum traz ldquoltἜλεγοςgt Ἐκ τοῦ περὶ Χρηστομαθίας Πρόκλουrdquo ou seja alude a uma obra
de Proclo exatamente da mesma maneira que o verbete do Suda referindo-a como
Crestomatia junto da preposiccedilatildeo ldquoperiacuterdquo nomeando pelo substantivo portanto o conteuacutedo
geral que identificava esse texto no periacuteodo A alusatildeo feita pelo leacutexico portanto
considerando-se que ele eacute apenas um pouco posterior ao Suda sugere que este provavelmente
se insere em um ramo da atividade filoloacutegica bizantina que no mais tardar depois de Foacutecio
identifica sim a Crestomatia em textos de ensejo semelhante como sendo do Proclo Liacutecio ou
Diaacutedoco a congruecircncia formal entre as duas passagens contendo ainda que soacute a mesma
preposiccedilatildeo aleacutem do nome contribui para essa associaccedilatildeo principalmente porque como se
disse os dois textos satildeo praticamente contemporacircneos e pertencem ao mesmo ciacuterculo
filoloacutegico
Natildeo agrave toa o Etymologicum Magnum para explicar o que eacute ldquoeacutelegosrdquo citaraacute o texto que
diz ser de Proclo mas o faraacute praticamente como se encontra no coacutedice da Biblioteca salvo
pela ordem
[]Ὁ μέντοι ἐπικὸς κύκλος ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς μυθολογουμένης
Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μίξεως ἀφ ἧς Ἑκατοντάχειρες γίνονται
Καὶ ἑξῆς
Διαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα
καὶ εἴ που τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται Περατοῦται δὲ ἐξ
διαφόρων ποιητῶν συμπληρούμενος μέχρι Ὀδυσσέως ὧν καὶ
ὀνόματα καὶ πατρίδας φησὶν ὁ αὐτός Σπουδάζεσθαι δὲ τὰ ἐπικοῦ
κύκλου τὰ ποιήματα οὐχ οὕτω διὰ τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν
τῶν ἐν αὐτῷ πραγμάτων Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου
καὶ πενταμέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις καὶ
εὐλογεῖσθαι μὲν ὑπ αὐτοῦ τούτους οἱ μέντοι μεταγενέστεροι ἐπὶ
διαφόροις ὑποθέσεσιν αὐτῷ ἀπεχρήσαντο Τὸ δὲ ἔπος πρῶτον μὲν
ἐφεῦρε Φιμονόη ἡ Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς
[χρησαμένη] Οἷς ἐπεὶ τὰ πράγματα εἵπετο ἔπος τὸ ἐκ μέτρων
ἐκαλεῖτο ἢ διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαι ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς
ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ κοινὸν ὄνομα παντὸς λόγου τὸ
16
ἑξάμετρον ἰδιώσατο καθάπερ Ὅμηρον τὸν ποιητὴν καὶ Δημοσθένην
τὸν ῥήτορα ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευσαν
(Etymologicum Magnum 32740 ndash 3283)
ldquo lsquoO ciclo eacutepico se inicia do intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra a
partir do qual geram centiacutemanosrsquo
E em senguida
Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre
os deuses dos gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser
verdade em referecircncia agrave histoacuteria Fecha-se sendo completo por
diferentes poetas ateacute de Odisseu Desses ele fala o nome e a paacutetria
Tambeacutem [fala] que os poemas do ciclo eacutepico tecircm recebido atenccedilatildeo
natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele
contidas Que agrave elegia se compotildee de um verso heroacuteico e um
pentacircmetro acomoda-se aos que jaacute partiram e esses eram elogiados
por ele Os poacutesteros usaram-no amplamente para diferentes
argumentos Quem primeiro descobriu o epos foi Femocircnoe a
profetiza de Apolo profetizando oraacuteculos em hexacircmetros A eles
seguiram-se os feitos e ldquoeposrdquo era chamada qualquer composiccedilatildeo no
metro ou pela elaboraccedilatildeo e pela ampla superioridade observada nos
hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo
[epos] bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo e
Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez que alguns tambeacutem denominavam
ldquoeacuteperdquo [falares plura de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetrosrsquordquo
(Traduccedilatildeo e acreacutescimos do autor)
Salvo pela ordem deveras estranha ndash afinal aquilo que o verbete pretende definir
ocorre no excerto muito curto referente agrave definiccedilatildeo de elegia e ainda em meio a inuacutemeros
trechos referentes agrave poesia eacutepica ndash pode-se observar que primeiro o Etymologicum julgou
prudente para definir eacutelegos simplesmente citar uma obra que julgava autorizada para definir
tal palavra apresentando sua seccedilatildeo sobre a elegia e seu antigo uso em contexto fuacutenebre e a
atribuiu a Proclo segundo natildeo soacute essa seccedilatildeo mas os demais trechos trazem as mesmas
palavras do coacutedice de Foacutecio salvas algumas supressotildees e diferenccedilas de escolha Ao que tudo
indica para citar a obra que explicava como se achava devido o significado autorizado da
palavra em questatildeo o autor recorreu ao que sabia sobre ela Comparando esse excerto com o
epiacutetome de Foacutecio pode-se conjecturar que ou o compilador recorreu na confecccedilatildeo do
verbete a um manuscrito outro que continha assim essas informaccedilotildees ou copiou trechos
resumida e aleatoriamente ou ndash ainda uma terceira e mais plausiacutevel opccedilatildeo ndash cita de cabeccedila as
referidas partes da obra que conhece como Crestomatia e adota trecircs procedimentos que
parecem observaacuteveis surprime palavras e topicaliza mais o texto emprega sinocircnimos mas
manteacutem os termos e nomes fundamentais cita as outras passagens do contexto em que a
17
desejada se encontrava Estariam as informaccedilotildees citadas sobre a elegia no meio da seccedilatildeo
sobre epos porque uma vez abordada o vasto leque temaacutetico da eacutepica tratava-se do metro
havendo aiacute uma diferenciaccedilatildeo jaacute que elegia e epos considerados metricamente tecircm em
comum o hexacircmetro que eacute isolado ao fim do excerto Seria essa configuraccedilatildeo pensada pelo
compilador e arranjada para a confecccedilatildeo do verbete em questatildeo Ainda que natildeo haja resposta
a somatoacuteria de textos aponta para o fato de que para esse mesmo ramo de lexicoacutegrafos da
Biblioteca do Suda e do Etymologicum Magnum a Crestomatia em questatildeo fora
confeccionada por Proclo Diaacutedoco ou Liacutecio
Ainda dessa perspectiva parece que o uacutenico outro Proclo dentre aqueles de que temos
notiacutecias ao qual parece verossiacutemil atribuir a Crestomatia seria um que natildeo eacute mencionado
entre os constantes no Suda Eutiacutequio Proclo professor de Marco Aureacutelio gramaacutetico do
seacuteculo II dC Eacute igualmente verossiacutemil tambeacutem pela dataccedilatildeo que seja esse o autor A
associaccedilatildeo do texto agrave tradiccedilatildeo filoloacutegica alexandrina eacute reconhecidamente assumida por
diferentes autores que se debruccedilaram sobre o epiacutetome fociano11 seja por seu amplo conteuacutedo
mitoloacutegico e etioloacutegico presente nas etimologias explicativas dos gecircneros seja pelo proacuteprio
conceito de gramaacutetica em que parece se pautar12 Como se sabe a erudiccedilatildeo alexandrina tem
vasta influecircncia na educaccedilatildeo romana desde a eacutepoca dita claacutessica Natildeo seria de se espantar
pois que tal crestomatia fosse um escrito desse provaacutevel professor de Marco Aureacutelio
ensinando sobre letras em geral e os muitos gecircneros poeacuteticos dos gregos ainda mais se
julgarmos que o texto teria um fim didaacutetico
Haacute que se avaliar entatildeo qual dessas duas hipoacuteteses parece mais verossiacutemil e se natildeo
haacute indiacutecios suficientes para confirmar a primeira parece haver menos para desacreditaacute-la
salvo se julgue radical e absurdamente que como filoacutesofo platocircnico o Proclo do seacutec V natildeo se
ateria agrave poesia e agrave atividade filoloacutegica de que a Crestomatia eacute um testemunho Contudo a natildeo
ser que o Suda esteja profundamente equivocado vemos que como comentador alguma
parcela da atividade do diaacutedochos lidava sem contradiccedilatildeo alguma com isso que designamos
criacutetica filoloacutegica ou literaacuteria
Nesse sentido a filiaccedilatildeo de Proclo a Oacuterion como um de seus professores seria um
argumento determinante primeiro porque o longo cataacutelogo de espeacutecies liacutericas do epiacutetome
11 Sejam os dois principais editores e comentadores do texto ie Severyns e Ferrante sejam quantos percebem a
indissociaacutevel apropriaccedilatildeo da categorizaccedilatildeo aventada pelo gramaacutetico alexandrino Diacutedimo de Calcentero 12 Conceito no qual o gramaacutetico jaacute natildeo era apenas aquele que ensinava as letras mas sim o especialista em tudo
quanto agraves tangenciava inclusive os instrumentos e doutrinas de retoacuterica e poeacutetica com os quais os antigos faziam
o que hoje diriacuteamos ldquocriacutetica literaacuteriardquo Tal discussatildeo ainda ocuparaacute boa parte de nosso trabalho (134 paacuteg 38)
18
traz em mais de uma passagem similaridades com o Leacutexico do gramaacutetico13 segundo porque
como se sabe tal obra seraacute aproveitada pela profiacutecua atividade lexicograacutefica bizantina dos
seacuteculos posteriores e natildeo eacute nada infundado supor que o proacuteprio Proclo apoia-se nas liccedilotildees do
professor (e esse provavelmente toma por base a obra de Diacutedimo) A julgar pelas
similaridades tal transmissatildeo natildeo eacute absurda e nesse caso o Proclo de quem falamos soacute pode
ser o diaacutedoco
A dificuldade de identificaccedilatildeo resta pois inevitavelmente atrelada ao que seria o
nome dessa obra que se identifica com o resumo de Foacutecio tatildeo somente por uma palavra
levando-nos ao problema mesmo de definir seu conteuacutedo pois se nos fosse perfeitamente
possiacutevel circunscrevecirc-lo obtendo um vislumbre mais amplo dos assuntos do texto seria
possiacutevel caracterizaacute-lo melhor e daiacute compreendendo em que consistiria essa crestomatia
reconsiderar a atribuiccedilatildeo
Inevitavelmente nessa linha de raciociacutenio haacute que se considerar tambeacutem qual
ldquogramaacuteticardquo eacute essa de que falam os testemunhos mais especificamente que noccedilatildeo de
gramaacutetica eacute essa
13 O NOME E A OBRA
131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio
O problema mais imediato referente agrave leitura do texto resumido estaacute logo em sua
primeira linha a ordem das palavras e o arranjo sintaacutetico criam dificuldades para determinar o
quecirc exatamente foi primeiro lido e depois resumido por Foacutecio
Praticamente todos os epiacutetomes de sua Biblioteca se iniciam pela forma
(anegnoacutesthe) que eacute formular nessa obra e se refere mais amplamente natildeo soacute ao que foi lido
mas ao fato de que se realizou mais uma das sessotildees (ou seacuterie de sessotildees) de leituras do
ciacuterculo de letrados em torno do entatildeo embaixador Foacutecio na qual seu irmatildeo Taraacutesio natildeo podia
estar presente por ter ficado em Constantinopla Como se sabe pela dedicatoacuteria mesma da
Biblioteca (Bekker 1824 ndash 25) essa eacute a motivaccedilatildeo primeira para a escrita da extensa obra
13 Cf Traduccedilatildeo n 54 paacuteg 116 e n 56 57 e 58 paacuteg 117
19
tomar nota dos textos que foram tratados e de diferentes coisas relativas a eles Eacute pela referida
forma verbal aliaacutes que se pode identificar quando acaba um resumo e inicia-se outro
A Biblioteca de Foacutecio portanto consiste de diferentes ndash antes de dizermos resumos ndash
notas ou anotaccedilotildees referenciais do que era objeto das sessotildees de leituras Assim eacute que certas
palavras como eacute o caso de eklogaiacute (ldquocoletacircnea extratos excertosrdquo) que figura na introduccedilatildeo
do resumo do coacutedice 239 na liccedilatildeo aqui adotada de Severyns ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τοῦ
ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου χρηστομαθείας γραμματικῆς ἐκλογαίrdquo geram dificuldades
de interpretaccedilatildeo por natildeo permitirem estabelecer com exatidatildeo a que etapa se referem de todo
esse processo que resulta na confecccedilatildeo da Biblioteca se por vezes o termo parece
claramente se referir a um livro que foi tido em matildeos e era ele mesmo uma coletacircnea
excertos coligidos por outras parece que o mesmo termo se refere a uma coletacircnea de textos
ou de grupos de textos mais longos feita pelo proacuteprio grupo senatildeo por Foacutecio ele mesmo
Exemplo bem evidente do primeiro caso eacute o epiacutetome de Estobeu cuja obra eacute
conhecidamente uma coletacircnea assim mesmo nomeada ao longo dos seacuteculos
ldquo[1]14 Ἀνεγνώσθη ltἸωάννου Στοβαίουgt ἐκλογῶν ἀποφθεγμάτων ὑποθηκῶν βιβλία
τέσσαρα ἐν τεύχεσι δυσίrdquo
ldquoLeram-se dos excertos ditos notaacuteveis e conselhos de Joanes Estobeu quatro livros em
dois volumesrdquo
(Foacutecio op cit 167 112a 14 ndash 16 traduccedilatildeo e grifo do autor)
A maior literalidade visada nesta traduccedilatildeo busca nos introduzir a uma das formas
padrotildees de se apresentar os resumos das leituras ao longo da Biblioteca Neste caso a
traduccedilatildeo ao peacute da letra ndash por assim dizer ndash da forma verbal que encabeccedila os epiacutetomes (ldquoleram-
serdquo) eacute simples e imediatamente aceitaacutevel porque ao fim de tudo haacute um nominativo neutro
plural (bibliacutea) que clara e gramaticalmente concorda com a forma verbal de que eacute sujeito O
que se leu aqui foram os ldquoquatro livros em dois tomosrdquo que vecircm definidos pelos genitivos de
conteuacutedo que os precedem que vecircm por sua vez precedidos pelo genitivo de posse ou
origem designando quem apontariacuteamos como autor Aqui portanto a sintaxe natildeo exige para
que se natildeo trunque o portuguecircs um arranjo outro para a forma verbal como o que se adotou
logo agrave primeira linha da traduccedilatildeo do coacutedice 239 (v Traduccedilatildeo paacuteg 109 e nota 1 agrave mesma) A
proacutepria obra de Estobeu eacute conhecida por ser um exemplo de eklogeacute eklogaiacute que se fazia na
14 Numeram-se aqui as introduccedilotildees dos coacutedices citados a fim de se poder citaacute-los como exemplos de construccedilotildees
gramaticais
20
antiguidade ie excertos coligidos de diferentes autores visando agrave reuniatildeo de um saber ou
no caso de Estobeu saberes
No geral a forma verbal concorda com alguma palavra singular geralmente
designando que tipo de obra se leu o gecircnero do escrito uma ldquohistoacuteriardquo ie uma obra
historiograacutefica (as quais sobejam na Biblioteca) uma epiacutestola um discurso etc Exemplos
ldquo[2] Ἀνεγνώσθη ltΒασιλείου Κίλικοςgt ἐκκλησιαςτικὴ ἱστορίαrdquo
ldquoLeu-se histoacuteria eclesiaacutestica de Basiacutelio Ciliacuteciordquo
(Idem 42 9a 21)
ldquo[3] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜαξίμουgt λόγος ἀσκητικός εἰς πεῦσιν ἐσχηματισμένος
καὶ ἀπόκρισινrdquo
ldquoLeu-se de Santo Maacuteximo um discurso asceacutetico15 esquematizado em pergunta e
respostardquo
(Idem 193 157b 33 ndash 34)
[4] Ἀνεγνώσθη τοῦ αὐτοῦ ἁγίου ἀνδρὸς πρὸς Γεώργιον ἔπαρχον ἐπιστολήrdquo
ldquoLeu-se do mesmo santo homem uma carta ao prefeito Geoacutergiordquo
(Idem 194 158a 13 ndash 14)
Agraves vezes se nomeia a obra por sua finalidade ou destinaccedilatildeo (e geralmente aiacute se tem
preposiccedilatildeo)
ldquo[5] Ἀνεγνώσθη ltΓρηγορίου Νύσσηςgt ὁμοίως ὑπὲρ Βασιλείου κατὰ Εὐνομίουrdquo
ldquoLeu-se de Gregoacuterio de Nisa igualmente por Basiacutelio contra Eunocircmiordquo
(Idem 6 3b 17 ndash 18)
Em outras palavras um texto apologeacutetico em favor das opiniotildees de Basiacutelio contra Eunocircmio
Contudo por vezes lecirc-se
ldquo[6] Ἀνεγνώσθη ltΘεοπόμπουgt λόγοι ἱστορικοί
rdquo
(Idem 176 120a 6 ndash 7)
15 Asceacutetico de treino preparatoacuterio
21
O nominativo natildeo concorda gramaticalmente com a forma verbal embora como em
todas as linhas introdutoacuterias de um novo resumo apoacutes o verbo haja sempre o genitivo (ora
com preposiccedilatildeo) que nomeia a origem do que se lecirc geralmente a pessoa a quem se atribui o
objeto da leitura Natildeo se diraacute aqui autor porque nosso problema eacute justamente esse Da
traduccedilatildeo literal ndash ldquoleram-se16 de Teopompo discursos [ou arrazoados] histoacutericos De seus
discursos histoacutericos 53 satildeo os preservadosrdquo ndash chama-nos a atenccedilatildeo aqui o segundo periacuteodo
O que se pode inferir (bem como de outras muitas passagens semelhantes) eacute que as sessotildees do
ciacuterculo de Foacutecio em algum momento dedicaram-se agrave leitura do provaacutevel historiador do
seacuteculo IV AC de quem a julgar pelo conteuacutedo do coacutedice (uma avaliaccedilatildeo geral sobre sua
cronologia temas e escritos vida e estilo do autor) 53 peccedilas estiveram em matildeos de Foacutecio e
seus circunstantes e foram objeto de suas leituras Essa passagem nos aproxima daquilo que
provavelmente era o material da Biblioteca como eacute de se esperar o que o grupo tinha em
matildeos eram manuscritos diversos em diversos rolos (tomos) Essa imagem aproximada torna-
se mais viacutevida nas passagens em que haacute uma preocupaccedilatildeo maior em se notificarem as fontes
do que se lecirc como por exemplo nos coacutedices de 172 a 174 dedicados agraves leituras de obras de
Joatildeo Crisoacutestomo
ldquo[7] Ἀνεγνώσθη τοῦ ltΧρυσοστόμουgt ὁμιλίαι εἰς τὴν γένεσιν ξʹ καὶ μία ἐν τεύχεσι
τρισίν ὧν τὸ μὲν πρῶτον ὁμιλίας περιεῖχεν κʹ τὸ δεύτερον δὲ δεκα έξ τὸ τρίτον κεʹrdquo
ldquoLeram-se de Crisoacutestomo 61 homilias agrave Criaccedilatildeo em trecircs rolos [ou volumes tomos]
dos quais o primeiro compreendia 20 o segundo dezesseis o terceiro 25rdquo
(Idem 172 118b 15 ndash 18)
Em se tratando natildeo apenas de um anuacutencio do que se lecirc mas de uma descriccedilatildeo do
objeto a interpretaccedilatildeo mais plausiacutevel para a falta de concordacircncia entre o nominativo e a
forma verbal no grego eacute a de que se trata do ldquotiacutetulordquo natildeo da obra entendida como noacutes
modernos concebemos nossa relaccedilatildeo com os produtos do mercado editorial todos
(teoricamente) individualizados por uma designaccedilatildeo particular (e ldquoparticularizanterdquo) mas
funcionalmente como aquilo que o copista inscreve no topo do manuscrito para nomeaacute-lo e
permitir a identificaccedilatildeo descritiva do objeto um cabeccedilalho Da mesma forma deveriacuteamos
considerar quando dizemos ldquoobrardquo que tambeacutem natildeo se trata de tal como concebemos hoje
16 Marcar-se-atildeo assim as traduccedilotildees de anegnoacutesthe justamente porque se discutiraacute sua adequaccedilatildeo a como se leem
e interpretam suas ocorrecircncias nas diferentes passagens
22
mas do texto o manuscrito que o copista tem em matildeos e esse eacute como o grego os nomeia
ldquologosrdquo um discurso
Assim se observa no texto grego da biblioteca aquilo que na tipografia moderna
indicariacuteamos de diferentes maneiras maiuacutesculas itaacutelico aspas etc o que jaacute implica mesmo
que inconscientemente uma forma outra de conceber o objeto Retomando nosso uacuteltimo
exemplo deveriacuteamos pensar que mesmo pertencentes ao domiacutenio comum dos disciacutepulos de
Foacutecio futuro patriarca da igreja do oriente e mesmo sendo renomados nesse contexto da
religiatildeo ortodoxa abertos os rolos estava-se diante de ldquo61 homilias de Crisoacutestomordquo e natildeo drsquo
ldquoAs Sessenta e Uma [ou quantas sejam] Homilias de Joatildeo Crisoacutestomordquo
Nossa dificuldade entatildeo retomando a palavra que observamos tambeacutem no epiacutetome de
Estobeu torna-se precisar o significado de eklogaiacute nesses diferentes contextos Observemos
por exemplo o que ocorre no coacutedice 273 em que a construccedilatildeo logo apoacutes o verbo assemelha-
se agravequela da introduccedilatildeo da Crestomatia
(8) ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τῶν τοῦ μακαρίου ltΘεοδωρήτουgt λόγων οὓς εἰς τὸν ἐν ἁγίοις
Ἰωάννην τὸν Χρυσόστομον συνετάξατο ὧν ἡμεῖς πέντε τέως εἴδομεν ἐξ ὧν καί τινας
ἐκλογὰς τὰς ὑποτεταγμένας παρεγραψάμεθαrdquo
(Idem 273 507b 15 ndash 18)
Partindo para uma traduccedilatildeo literal o quanto possiacutevel ldquoLeu-se [fez-se leitura] a partir
dos discursos [ou arrazoados] do abenccediloado Teodoreto (que compilou sobre a santidade de
Joatildeo Crisoacutestomo) dos quais estudamos cinco ateacute entatildeo e a partir dos quais copiamos alguns
excertos abaixo arroladosrdquo ndash considere-se que paregrapsaacutemetha ldquocopiamosrdquo indica o
proacuteprio ato de ldquoescrever ao ladordquo copiando em outro manuscrito trechos selecionados a
partir do manuscrito que primeiramente se leu Chama a atenccedilatildeo o fato de que a primeira
oraccedilatildeo natildeo precisa de um nominativo Essa construccedilatildeo da forma passiva mais a preposiccedilatildeo ek
eacute diferentemente entendida e explicada pelos editores do coacutedice 239 todos editores ateacute
Severyns mesmo natildeo adotando-a propotildeem que o ideal seria a correccedilatildeo para o plural (Cf
Severyns op cit I 173) Esse rejeita imediatamente a hipoacutetese pois que natildeo consta em
nenhum manuscrito De fato natildeo se trata do coacutedice 239 julgado por si apenas mas como um
coacutedice da Biblioteca Explica a forma poreacutem tatildeo somente como um uso da linguagem de
Foacutecio advindo da repeticcedilatildeo17 Ferrante (1957 paacuteg 1) adota a liccedilatildeo de Severyns explica qual
17 ldquoSupposeacute mecircme que fucirct le sujet grammatical le pluriel du verbe ne serait pas encore de rigueur dans
la langue de Photius Car aacute force drsquoecirctre reacutepeacuteteacute devient chez lui une espegravece de mot invariable et
mecircme degraves les premiegraveres pages de la Bibliothegraveque on trouve des expressions comme cellescirdquo Entatildeo Severyns
23
a leitura gramatical que se deve fazer da frase e diz da forma verbal que ldquotem valor
impessoalrdquo o que eacute uma parte do proposto aqui ldquoformularrdquo18 Nenhum autor faz menccedilatildeo
discutindo esta construccedilatildeo agraves ocorrecircncias da terceira pessoa do plural na introduccedilatildeo de alguns
coacutedices ocorrecircncias essas que parecem muito bem justificadas A terceira pessoa do plural
aparece nos coacutedices 192B 216 260 261 e 269 por razatildeo que jaacute se deduz na passagem da
primeira para a segunda parte de 192 O coacutedice 192A refere-se ao livro de Santo Maacuteximo a
Taraacutessio contendo 164 resoluccedilotildees de questionamentos Observemos o que descreve o coacutedice
192B
ldquo[9] Ἔτι ἀνεγνώσθησαν αὐτοῦ καὶ ἐπιστολαὶ περὶ διαφόρων ὑποθέσεων ψυχωφελῶν
τε καὶ ἀναγκαίων τοῖς ὀρθοῦν τε τὰ ἤθη καὶ τὸν νοῦν ἐγρηγορότα συντηρεῖν πρὸς τὴν
εὐσέβειαν ἐσπουδακόσι τὸν ἀριθμὸν ζʹ καὶ κʹrdquo
ldquoAinda dele tambeacutem se leram epiacutestolas acerca de diferentes argumentos espirituais
necessaacuterios aos que estatildeo empenhados tanto em corrigir os costumes como preservar a mente
desperta agrave piedade 27 quanto ao nuacutemerordquo
(192b 157a 11 ndash 14)
Em princiacutepio poder-se-ia pensar que a forma verbal estaacute no plural para concordar com
o nominativo plural epistolaiacute mas consoante ao observado isso seria uma exceccedilatildeo em uma
obra de 280 coacutedices a todas as ocorrecircncias anteriores do tipo dos exemplos 6 e 7 acima
citados em que essa concordacircncia natildeo ocorre Diversos elementos aqui podem nos ajudar a
formular uma hipoacutetese para a variaccedilatildeo da forma hipoacutetese que parece se confirmar nos demais
coacutedices que trazem o plural e oferecem menos indiacutecios agrave conjectura
Observem-se as formas eacuteti e kaiacute da primeira oraccedilatildeo Referem-se ao coacutedice anterior
192A dedicado a resumir uma obra que parece bem extensa Nesta divisatildeo B do mesmo
coacutedice informa-se que se continuou lendo o mesmo autor mas natildeo uma obra completa ie
natildeo apenas uma uacutenica obra dele Fez-se uma seleccedilatildeo do que seria objeto da leitura
especificado apenas no fim pelo acusativo de relaccedilatildeo tograven arithmograven zacute kaigrave kacute Pode-se imaginar
que Foacutecio provavelmente quem determinava o que se leria ou natildeo aquilo que estaria
circunscrito a esta ou agravequela seccedilatildeo (ie na hipoacutetese de diferentes matildeos escrevendo ou
revezando-se em escrever as anotaccedilotildees que comporiam a Biblioteca) ou pelo menos quem
exercia a funccedilatildeo de organizar as sessotildees julgou prudente complementar este coacutedice dedicado
a Satildeo Maacuteximo com 27 epiacutestolas que natildeo eram elas mesmas se todas copiadas num mesmo
arrola coacutedices cuja construccedilatildeo eacute condizente com as dos exemplos 6 e 7 aqui ie verbo + genitivo + nom plural
(Severyns op cit I p 173) 18 Cf nota 1 agrave Traduccedilatildeo paacuteg 109
24
manuscrito ou coacutedice um conjunto intitulado pela palavra (no nominativo pois se trataria do
tiacutetulo) epistolaiacute Como se observa pela descriccedilatildeo mesma as epiacutestolas se unem pelo conteuacutedo
e aqui sim satildeo reunidas em um mesmo coacutedice ou parte de um (192B) que se soma agrave
primeira metade de 192 e o complementa O que se faz aqui no sentido menos teacutecnico da
palavra principalmente porque ela natildeo aparece natildeo deixa de ser uma eklogeacute no sentido de
uma reuniatildeo uma seleccedilatildeo como testemunhada no exemplo 8 acima referente ao coacutedice 273
Neste caso de fato a forma verbal deve concordar no plural com ldquoepiacutestolasrdquo porque sim natildeo
constitui um ldquotiacutetulordquo como anteriormente entendido nos casos acima estudados natildeo eacute a
palavra ou parte do conjunto de palavras que nomeia o manuscrito ou manuscritos objetos das
sessotildees de leitura mas sim o substantivo comum e forccedila a concordacircncia da forma que surge
em cinco dos 280 coacutedices
Isso nos leva a uma hipoacutetese para explicar as diferenccedilas de emprego o singular vai
com os ldquotiacutetulosrdquo por assim dizer enquanto o plural distingue documentos textos separados
agora reunidos em uma mesma ediccedilatildeo ie especifica partes diacutespares ou conjuntos delas que
estatildeo sendo lidos e que pelo menos no material de que os letrados junto a Foacutecio dispunham
provavelmente natildeo se encontravam reunidos sob um mesmo tiacutetulo ou mais propriamente
intitulaccedilatildeo para consoar com o que se defende aqui Isso se exemplifica pelas outras quatro
ocorrecircncias do plural nos coacutedices 216 260 261 e 269 A forma plural serve tanto para indicar
que diferentes textos estatildeo resumidos num mesmo coacutedice como no caso de 192B19 como
para indicar que os proacuteximos coacutedices na sequecircncia satildeo uma seleccedilatildeo de diferentes textos que
estatildeo agora sendo agrupados concomitantemente agraves sessotildees e agrave confecccedilatildeo da Biblioteca
Em resumo a forma ldquo rdquo referir-se-ia a uma ldquocoletacircneardquo de leituras ie
agrave leitura de ldquofontesrdquo filoloacutegicas ou de objetos filoloacutegicos diferentes concorda portanto com
diferentes nomeaccedilotildees de manuscritos
Eacute impressionante como essas formas gramaticais acabam por testemunhar na verdade
numerosa atividade filoloacutegica Assim eacute que o iniacutecio do coacutedice 216 notifica-nos a leitura
(anegnoacutesthesan) de dois grupos de textos (a forma plural concordando com o sujeito
composto portanto) ldquo4 livros que compreendem A Ciecircncia Meacutedica [provavelmente a
intitulaccedilatildeo] estabelecida por Oribaacutesio e ainda outros 7 [sc de Ciecircncia Meacutedica] do mesmo
homem e publicada sobre [em relaccedilatildeo a]o mesmo modelordquo Aqui a forma plural que
encabeccedila o coacutedice 216 pontua justamente essa secccedilatildeo pois que ateacute a o coacutedice 220 tratar-se-aacute
desses livros Leia-se o grego
19 Possibilidade de que 260 e 261 tambeacutem satildeo exemplos
25
ldquo[10] Ἀνεγνώσθησαν βιβλία δʹ ἃ τὴν πραγματείαν ἰατρικὴν ltὈρειβασίῳgt
συντεταγμένην περιεῖχε καὶ ἔτι ἕτερα ζʹ ἀνδρός τε τοῦ αὐτοῦ καὶ εἰς παραπλήσιον
ἐξενηνεγμένην τύπονrdquo
Observe-se que o particiacutepio perfeito meacutedio-passivo feminino exenenegmeacutenen soacute pode
concordar com tegraven pragmateiacutean iatrikeacuten o que nos leva a subentender que ldquoos 7 livros do
mesmo homemrdquo tecircm a mesma intitulaccedilatildeo dos quatro anteriores o que inclusive explica o
conteuacutedo da participial Observe-se principalmente como o verbo inicial que introduz o coacutedice
vai para o plural para concordar com dois nuacutecleos do sujeito bibliacutea dacute e eacuteti heacutetera z que
correspondem aos dois conjuntos de textos que neste momento da confecccedilatildeo da Biblioteca
foram objeto do ciacuterculo de leituras
Dos referidos coacutedices sem duacutevida os que melhor comprovam isso satildeo o 269 e os
seguintes pois introduzindo a leitura de ldquo21 discursos de diferentes homens santosrdquo pela
forma plural o resumo de cada um deles a comeccedilar pelo mesmo coacutedice e posteriormente nos
demais ateacute o fim da Biblioteca seraacute introduzido pela respectiva forma singular20
132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239
Mediante o exposto eacute mais provaacutevel que em formulaccedilotildees como esta do coacutedice 161
(103a)
ldquo[11] Ἀνεγνώσθη ἐκλογαὶ διάφοροι ἐν βίβλοις ιβʹ ltΣωπάτρουgt σοφιστοῦ
Συνείλεκται δὲ αὐτῷ τὸ βιβλίον ἐκ πολλῶν καὶ διαφόρων ἱστοριῶν καὶ γραμμάτωνrdquo
ldquoLeram-se diferentes excertos em 12 livros de Soacutepater o sofista Seu livro foi
coligido a partir de muitas e diferentes investigaccedilotildees e textosrdquo
semelhante agrave do epiacutetome 239 pela ocorrecircncia da palavra eklogai esta seja parte da intitulaccedilatildeo
do manuscrito que eacute objeto de leitura e resumo igualmente21 A julgar pelo que se diz na
20 Cf Biblioteca 479b 36 em diante 21 Portanto a traduccedilatildeo segundo os criteacuterios editorias e diagramaacuteticos de hoje se consideramos que pelo menos
eklogaiacute faz parte da traduccedilatildeo seria ldquoLeu-se diferentes Excertosrdquo
26
sequecircncia o proacutepria copista reconhece que se lecirc sob a designaccedilatildeo de eklogaiacute neste caso de
Soacutepater obra de coletacircnea ou excertos
Mas este ainda natildeo eacute o caso de nosso epiacutetome haacute mais um agravante o coacutedice 239 se
assemelha a um conjunto de epiacutetomes que vecircm introduzidos pela preposiccedilatildeo ek mais genitivo
apoacutes a forma verbal Como por exemplo no coacutedice 254
ldquo[12] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς μαρτυρικῆς Τιμοθέου τοῦ ἀποστόλου συγγραφῆς22rdquo
ldquoLeu-se [realizou-se leitura] a partir do relato testemunhal do apoacutestolo Timoacuteteordquo
(468b 2)
Nestes casos parece que a introduccedilatildeo feita pelo resumidor estaacute antes mais focada em
reconhecer o tipo de obra a ser lido do que referir diretamente agrave intitulaccedilatildeo da mesma
podendo sim o termo que vem no genitivo apoacutes a preposiccedilatildeo ser essa intitulaccedilatildeo Caso
obscuro eacute o do epiacutetome 240 logo apoacutes a Crestomatia
ldquo[13] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltἸωάννου τοῦ Φιλοπόνουgt εἰς τὴν ἑξαήμερον
rdquo
(240 322b 2)
Eacute difiacutecil ater-se agrave literalidade para traduzir tal passagem ldquoLeu-se a partir lsquodas coisasrsquo
sobre os seis dias de Joatildeo Filoacutepono querdquo23 Contudo a mesma explicita bem nosso
problema a saber o de uma leitura que eacute parcial Dois elementos chamam a atenccedilatildeo
Primeiramente a construccedilatildeo da forma verbal acrescida do termo preposicionado
parece referir de forma mais viacutevida (se pensarmos na semacircntica do grego) agrave proacutepria situaccedilatildeo
de leitura de que os volumes da Biblioteca se originam A forma parece possuir aqui um
aspecto mais forte ndash observado por Severyns e mantido tanto em Ferrante como nesta
traduccedilatildeo ndash de pontuar o caraacuteter resumido de que se leraacute algo a partir do que foi mais uma
sessatildeo ou sessotildees de leitura Falando por paraacutefrase eacute como se aquela forma de apresentaccedilatildeo
observada nos epiacutetomes anteriores (1 ndash 10) fosse um equivalente da nossa enumeraccedilatildeo
lacocircnica que recorre aos dois pontos ndash ldquoleu-se Homilias ao Gecircnese de Crisoacutestomo etcrdquo
22 Lembrando-se de que a suggrafeacute eacute especificamente o relato escrito o relato anotado 23 Mais uma vez a noccedilatildeo que na traduccedilatildeo do coacutedice 239 traduziu-se de modo perifraacutestico por ldquorealizou-se
leiturardquo natildeo foi adotada definitivamente pelos fins explicativos deste capiacutetulo para o cabeccedilalho dos demais
epiacutetomes semelhantes ao da Crestomatia mas ou apenas mencionada nos casos em que seria possiacutevel mantecirc-la
sem afetar a literalidade do que vem em seguida ou utilizada quando uacutenica maneira de manter legiacutevel essa
mesma traduccedilatildeo (infra exemplo 15) Cf Traduccedilatildeo nota 1 paacuteg 109
27
enquanto esta forma seria mais descritiva e analiacutetica ldquoleu-se realizou-se leitura deu-se
leitura a partir de lsquoxrsquo (ek + gen) etcrdquo
Em segundo lugar a presenccedila do artigo neutro plural se laacute naquela outra foacutermula por
assim dizer a brevidade e a introduccedilatildeo dos nominativos permitia identificar o que
chamaacutevamos intitulaccedilatildeo no caso desta formulaccedilatildeo mais descritiva ela nem sempre parece
clara Se focircssemos tentar inferi-lo o ldquotiacutetulordquo da obra nos nossos termos seria ldquoTagrave eis tegraven
exaeacutemeronrdquo ou ldquoEis tegraven exaeacutemeronrdquo Traduzindo (certamente) sem nenhum fim esteacutetico ldquoAs
Coisas sobre Os Seis Diasrdquo ou ldquoSobre Os Seis Diasrdquo A rigor o que se lecirc em grego tanto em
12 como em 13 parece mais uma descriccedilatildeo sendo que neste o texto parece dizer que se
realizou uma seccedilatildeo de leitura a partir daquilo que Joatildeo diz dos seis dias da Criaccedilatildeo ie o que
ele compocircs escreveu a respeito De fato sabemos que em se tratando do comentador de
Aristoacuteteles cristatildeo ortodoxo e (curiosamente) opositor de Proclo no campo teoloacutegico o
tratado deveria designar-se ie ser intitulado a partir da preposiccedilatildeo Dessarte esse resumo
estaria disposto da seguinte maneira (mais uma vez sem preocupaccedilatildeo esteacutetica nesta traduccedilatildeo
literal) ldquoLeu-se a partir [das coisas do que diz do conteuacutedo do assunto] de Joatildeo Filoacutepono
Sobre Os Seis Dias querdquo E segue-se um texto muito parecido na sua estrutura de reportar
enunciados ie de discurso indireto ao do epiacutetome 239
Parece portanto que o emprego de ek mais genitivo na introduccedilatildeo dos epiacutetomes tem
uma semacircntica intencionalmente partitiva ou ablativa no sentido de que particiona marca a
partir de que se daacute a leitura que apenas hipoteticamente pode natildeo ter sido integral Natildeo agrave toa
junto da palavra eklogeacuteeklogai em diferentes introduccedilotildees serviraacute para pontuar justamente
que o conteuacutedo apresentado natildeo eacute integral
Assim tambeacutem o coacutedice 234 parece muito em sua estrutura com o epiacutetome 239
ldquo[14] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜεθοδίουgt ἐπισκόπου καὶ μάρτυρος ἐκ τοῦ Περὶ
ἀναστάσεως λόγου οὗ ἡ ἐκλογὴ τὰ ὑποκείμενα λέγει
rdquo
ldquoLeu-se [realizou-se leitura] do Santo Metoacutedio epiacutescopo e maacutertir a partir do discurso
acerca da Ressurreiccedilatildeo cuja seleta diz o que se segue
Querdquo
(293a 2 ndash 5)
E assim teriacuteamos mais um texto semelhante ao epitome da Crestomatia ainda mais
considerando os enunciados reportados que se seguem ie a forte evidencia do discurso
28
indireto marcado pelas conjunccedilotildees Mais uma vez as estruturas gramaticais apontam para o
fato de que o texto que se segue eacute ele mesmo uma eklogeacute
Tantos indiacutecios inevitavelmente nos levariam a achar que eklogaiacute no tiacutetulo de nosso
coacutedice referir-se-ia como neste caso ao resumo feito para a proacutepria Biblioteca
Contudo observa-se que ao todo as introduccedilotildees que recorrem agrave forma com
preposiccedilatildeo ek subdividem-se em dois tipos ou aquelas que trazem como se viu essa
descriccedilatildeo da fonte que se lecirc como no tipo 12 de onde eacute possiacutevel inferir um tiacutetulo24 ou outro
subtipo (a que 239 pertence) que traz aleacutem do genitivo uma especificaccedilatildeo da intitulaccedilatildeo ou
pelo pronome relativo mais a forma verbal passiva epigraacutephetai ou entatildeo pelo particiacutepio da
mesma no genitivo Por exemplo
ldquo[15] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου λόγου laquoΒίος ἢ ἄθλησις τοῦ ὁσίου πατρὸς
ἡμῶν Παύλου τοῦ Κωνσταντινουπόλεως ἐπισκόπου τοῦ ὁμολογητοῦraquo ἐφrsquo ὁμοίᾳ
συστελλόμενος ἐκδόσειrdquo
ldquoRealizou-se leitura a partir do discurso que se intitula Vida e Julgamento do nosso
Sagrado Epiacutescopo e Homolegeta Paulo de Constantinopla resumido a semelhante ediccedilatildeordquo
(257 407a 22 ndash 25)
Em todas essas ocorrecircncias em que se tem o particiacutepio tem-se tambeacutem um nominativo que
designa o tiacutetulo25
Contrapondo isso a todas as demais formas de introduccedilatildeo brevemente consideradas
nesta discussatildeo sobre como se intitularia a obra parece verossiacutemil que fosse porque ela
mesma era em princiacutepio uma coletacircnea de excertos como a de Estobeu (o que eacute plenamente
verossiacutemil) fosse porque chega assim agrave Biblioteca o que se tinha em matildeos para ler e anotar jaacute
levava a inscriccedilatildeo eklogai ie jaacute era uma composiccedilatildeo de excertos uma seleta
Em outras palavras propotildee-se aqui considerar o plausiacutevel parece que todos os
indiacutecios textuais apontam para o fato de que o proacuteprio objeto escrito trazia a palavra eklogaiacute
uma vez que eacute possiacutevel identificar segundo as distinccedilotildees aqui traccediladas quando a palavra estaacute
sendo empregada para designar que um arrazoado um logos maior estaacute sendo posto
nominalmente na forma de ldquoseletardquo Isso pode perfeitamente significar que a palavra fizesse
parte da intitulaccedilatildeo corrente do texto em questatildeo se ele circulava mas natildeo implica
obrigatoriamente como pretende Severyns que ele sempre fora assim e que a palavra fora
posta no ldquotiacutetulordquo pelo proacuteprio Proclo A julgar pelos indiacutecios apresentados que parecem
24 Cf por exemplo coacutedices 242 (Bekker 335a) 253 (idem 467b) 25 Cf tambeacutem coacutedice 256 (idem 469b) 279 (idem 529b)
29
minimamente passiacuteveis aqui de alguma confirmaccedilatildeo nossa hipoacutetese eacute pelo menos tatildeo
verossiacutemil quanto a do referido editor segundo a qual o texto em matildeos dos letrados da
Biblioteca trazia o termo eklogai porque fora assim nomeado (uma ldquocompilaccedilatildeo de excertosrdquo)
pelo proacuteprio ldquoautorrdquo Tatildeo possiacutevel quanto isso eacute a probabilidade de que mesmo que houvesse
a Crestomatia em sua forma original e os eruditos junto a Foacutecio natildeo a tivessem agrave sua
disposiccedilatildeo o que circulou durante as sessotildees de leitura se tratasse de uma seleta uma
compilaccedilatildeo
Diante dessas duas possibilidades ainda a serem consideradas parece que uma sutil
certeza se confirma entre ambas Eacute de supor que pela terminologia apresentada ao longo do
epiacutetome e sua congruecircncia com diversos outros textos de doutrina mesmo que se trate de
excertos copiados e natildeo da obra na iacutentegra eles o satildeo como uma coletacircnea mesmo de
diferentes trechos copiados e coligidos como na obra de Estobeu em que pese aqui o plural
ekologaiacute Pelo que se observa da obra de Estobeu e dos demais textos que chegam a noacutes como
coletacircneas eklogeacuteeklogai podemos afirmar com algum acerto que o texto que temos eacute pelo
menos uma coletacircnea como a referida uma reuniatildeo talvez natildeo de citaccedilotildees diretas mas das
passagens relevantes ou dos ldquodizeresrdquo de uma obra se lembrarmos que ela eacute um logos que eacute
pensada como um ou como uma seacuterie deles Diante de tal texto a funccedilatildeo do editor ou
resumidor da biblioteca poderia ser simplificada seu resumo consistiria em transcrever e
readequar os excertos Nada impede que neste processo algo tenha se perdido por ser
deixado de lado (da proacutepria coletacircnea)26 mas observa-se que o material preservado consiste
justamente em breves topicalizaccedilotildees de termos teacutecnicos que por si mesmos e tudo que
podem referir compotildeem uma espeacutecie de glossaacuterio resumidor de muito quanto se circunscreve
aos ldquosaberes proveitososrdquo das letras ora como objeto da gramaacutetica ora como objeto da
retoacuterica ora como objeto da poeacutetica Talvez essa seja uma explicaccedilatildeo plausiacutevel para o fato de
que introduzindo o coacutedice 239 pela referida forma aqui comentada diferentemente de outras
semelhantes mas natildeo idecircnticas como a do exemplo 15 natildeo haja menccedilatildeo por parte do
resumidor ao ato de abreviar ie agrave confecccedilatildeo do proacuteprio epiacutetome como uma coletacircnea
porque o texto mesmo jaacute era uma reuniatildeo de passagens que ele passa a arrolar topicalizando
ie o objeto escrito que os eruditos da Biblioteca tinham em matildeos jaacute era um breviaacuterio
26 Eacute possiacutevel obter um sutil vislumbre do tipo de coisa que os resumidores podem ter deixado de lado observando
a inclusatildeo do ciclo eacutepico Considerando-se o epiacutetome e os resumos eacute possiacutevel fazer algumas conjecturas sobre o
tipo e a quantidade de coisa que natildeo foi anotada no coacutedice debate-se ainda se a Crestomatia continha integral ou
parcialmente aleacutem do ciclo troiano episoacutedios cosmogocircnicos e ou ateacute referentes ao ciclo tebano Cf Estudo
3312
30
Eacute por mais esses elementos que contrariamente aacute hipoacutetese de Severyns ndash muito
refinada e plausiacutevel mas natildeo consoante agrave avaliaccedilatildeo dos diferentes indiacutecios arrolados nesta
introduccedilatildeo ndash defende-se aqui a hipoacutetese de que muito provavelmente mesmo que os eruditos
da Biblioteca pudessem consultar agrave Crestomatia original (se eacute que podemos falar nesses
termos) por tecirc-la consigo ou por poder acessaacute-la em outro lugar o que se compila para a
Biblioteca eacute uma seleccedilatildeo daiacute um breviaacuterio (para acentuar a ideia de um segundo momento
em que inevitavelmente a obra foi abreviada) nos moldes de Estobeu quanto agrave sua forma mas
sobre a obra de um uacutenico autor enquanto aquele reuacutene liccedilotildees de diferentes autores Sabemos
que pelo que se entende do termo crestomatia e pelo proacuteprio conteuacutedo do epiacutetome o coacutedice
239 natildeo deixa de ser tambeacutem uma reuniatildeo de diferentes liccedilotildees eacute contudo pelo trabalho
acadecircmico que podemos identificar separadamente o quanto possiacutevel a origem delas em
diferentes textos de doutrina dos saberes antigos (natildeo ignorando o termo ldquogramaacuteticardquo que
parece ser o denominador comum) essa pluralidade circunscreve-se portanto ao termo
ldquocrestomatiardquo ie um uacutenico texto resultante do esforccedilo de compor um ou mais discursos
sucessivos (loacutegoi) tangenciando os diversos temas das diferentes aacutereas pelo eixo comum das
ldquoletrasrdquo (grammatikeacute) Dele fez-se um breviaacuterio uma seleta condensando os toacutepicos cuja
compilaccedilatildeo foi usada no coacutedice 239
A enorme perda de conteuacutedo que haveria se julgaacutessemos ser o coacutedice 239 portanto o
resumo de algo jaacute resumido eacute um dos vaacuterios argumentos de Severyns para defender que a
julgar pela totalidade que se pode vislumbrar no coacutedice natildeo seria esse o caso porque ndash
seguindo esse raciociacutenio ndash muito mais estaria perdido e nos faltaria esse vislumbre Essa perda
eacute questionaacutevel considerados os argumentos acima primeiro a noccedilatildeo de totalidade o
vislumbre de tantos temas diversos tratados em uma mesma obra eacute resultado provaacutevel do que
se tinha por uma crestomatia obra abrangente e natildeo por eklogeacuteeklogaiacute segundo dessa obra
selecionam-se os trechos que contenham resumidamente as liccedilotildees sobre as letras e outros
assuntos que tangenciem esse saber Se observarmos o jaacute citado excerto (paacuteg 16) do
Etymologicum Magnum no verbete ldquoeacutelegosrdquo podemos considerar que talvez natildeo se pautando
diretamente no texto original da Crestomatia o compilador natildeo viu nenhum problema em
fornecer como ldquoProclordquo passagens que satildeo ainda mais reduzidas do que as do coacutedice em
questatildeo mas que contecircm pelo menos as mesmas coisas que ele ou seja toma-as seguramente
como conteuacutedo de Proclo e natildeo de Foacutecio Natildeo haacute por que pois imaginar que os
compiladores da Biblioteca tivessem procedido de maneira diferente em torno do que tinham
ou poderiam acessar da obra Natildeo haacute duacutevida evidentemente que muita coisa que eacute apenas
aludida foi simplesmente suprimida como se vecirc pelo ciclo eacutepico e isso impossibilita
31
justamente o argumento de Severyns segundo o qual natildeo ter acesso agrave obra na iacutentegra geraria
no resumo incongruecircncias ou falta de totalidade
Isso seria condizente finalmente com o uacuteltimo item desse resumo do coacutedice 239 da
Biblioteca de Foacutecio ldquoAqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de
Proclordquo (grifos do autor) O nuacutemero de arrazoados resumidos ou loacutegoi apresentados pelo
resumidor ao fim do coacutedice natildeo equivale ao nuacutemero que no iniacutecio fora dado como o
nuacutemero das partes dessa Crestomatia laacute quatro arrazoados aqui dois Natildeo eacute em vatildeo
portanto que o resumidor preocupa-se bem como nos demais casos de resumos mas agora ao
fim em dar notiacutecias a respeito da disparidade entre o objeto que estaacute agora sendo
confeccionado e o objeto primeiro compilado (como nos casos conforme visto acima em que
se explicita a elaboraccedilatildeo de uma seleta para a Biblioteca) Parece julgar necessaacuterio ao que
tudo indica informar uma disparidade Esse item natildeo poderia senatildeo ser uma nota filoloacutegica
Primeiro o nuacutemero confirma que natildeo se compila a obra por completo mas o que equivaleria
a sua primeira metade seus dois primeiros livros ou arrazoados Mais chama a atenccedilatildeo
todavia a ausecircncia da palavra eklogaiacute aqui Seja porque o objeto escrito uma eklogeacuteeklogaiacute
indicava-o seja porque os letrados ainda estavam em posse dessa informaccedilatildeo a ausecircncia da
palavra busca esclarecer o quanto da obra em questatildeo se leu e agora se disponibiliza a quem
eventualmente acessar a Biblioteca ie o equivalente aos dois primeiros livros ou arrazoados
de outro objeto designado apenas por Proacuteclou Grammatikecircs Khrestomaacutetheia ou Crestomatia
de Letras de Proclo O objetivo dessa passagem que encerra o resumo natildeo eacute senatildeo esclarecer
a equivalecircncia entre o que se resumiu para a Biblioteca a partir de eklogocircn ou seja
ldquoexcertosrdquo equivalentes ao que seria o conteuacutedo da primeira metade da obra original Se natildeo
o fosse por que estaria o resumidor cioso de informar tatildeo especificamente nuacutemeros diacutespares
de partes aleacutem de natildeo empregar a palavra ldquoexcertosrdquo na segunda especificaccedilatildeo
Se o objeto resumido Os Excertos da Crestomatia de Letras de Proclo era uma seleta
apenas dos dois primeiro livros da Crestomatia de modo que por conter a especificaccedilatildeo ou
por saberem-no os eruditos eacute resumido do comeccedilo ao fim com uma especificaccedilatildeo da
equivalecircncia de partes ou se essa equivalecircncia eacute informada justamente porque Os Excertos
tambeacutem compreendiam os outros dois livros mas os eruditos natildeo os incluiacuteram na Biblioteca
isso natildeo eacute possiacutevel saber Em todas as hipoacuteteses poreacutem eacute mais verossiacutemil principalmente
pelo indiacutecio final do texto que os eruditos da Biblioteca compilaram eklogaiacute excertos ou uma
seleta
Resta para talvez ampliar o vislumbre dessa obra inquirir pelo termo grego
khrestomaacutetheia que como se sabe estaacute lexicalizado em nossos bons dicionaacuterios
32
133 O termo ldquocrestomatiardquo
Uma vez que a palavra ldquocrestomatiardquo eacute tradicionalmente entendida como sinocircnimo
direto de ldquocoleccedilatildeo coletacircneardquo o que nos eacute sugerido pelos dicionaacuterios em geral27
inevitavelmente se pensaraacute estar diante de uma dupla coletacircnea o que a princiacutepio consoa
com o exposto leem-se no coacutedice 239 da Biblioteca ldquoexcertos de uma coletacircnea sobre as
Letrasrdquo da antiguidade Embora defendido que seja esse o caso essa simples traduccedilatildeo natildeo nos
permitiria vislumbrar o fato de que o termo crestomatia natildeo se refere tanto agraves dimensotildees ou agraves
proporccedilotildees da obra quanto agraves suas qualidades ou aos traccedilos que a definem como sendo de
certo tipo
Severyns defende em seu estudo que o entendimento de ldquocrestomatiardquo como florileacutegio
natildeo eacute proacuteprio dos antigos28 que tomam o termo como qualificativo ou definidor de uma obra
sem que isso implique um gecircnero de resumo O significado abreviativo derivaria da
interpretaccedilatildeo renascentista do tiacutetulo feita por ocasiatildeo das primeiras publicaccedilotildees impressas da
Biblioteca a partir da metade do seacutec XVI e teria se prolongado como os proacuteprios dicionaacuterios
modernos (Liddel amp Scott Bailly) datildeo a entender ldquoCrestomatiardquo portanto seria tatildeo somente
o que nomeia e define essa obra que pretende fornecer ensinamentos uacuteteis (no sentido praacutetico)
de certo saber (aqui o das Letras) Severyns poreacutem buscando ver totalidade na obra traduz o
nome interpretando-o segundo a hipoacutetese ndash que defende muito coerentemente ndash de que mesmo
a palavra ldquoeklogaiacuterdquo faria parte do tiacutetulo original da obra Justamente por essa leitura junto de
ldquoeklogaiacuterdquo adiciona ldquoabreacutegeacuterdquo ao que em sua traduccedilatildeo seria o tiacutetulo da obra sugerindo que o
significado do termo em questatildeo seria o de acentuar seu caraacuteter de ldquomanualrdquo de liccedilotildees
agregador de diversos ensinamentos supondo claro que se fosse versar detalhadamente
sobre os toacutepicos seria muito maior
Se julgarmos contudo que Severyns estaacute correto quanto agrave interpretaccedilatildeo precisa do
significado da palavra que aqui serve para qualificar certo tipo de texto mesmo sem designaacute-
lo sob uma difundida nomenclatura geneacuterica de uso rigoroso apesar do emprego de eklogaiacute
conforme estudado no item acima entatildeo podemos entender que o simples emprego do termo
ldquocrestomatiardquo como intitulaccedilatildeo bastaria para qualificar a obra por sua finalidade e utilidade
27 Cf Traduccedilatildeo nota 2 Conforme anotado a palavra estaacute lexicalizada nas liacutenguas romacircnicas 28 Severyns op cit tome II 65 ndash 69
33
reunir saberes proveitosos que no caso do texto atribuiacutedo a Proclo contemplam diferentes
autores ou textos Inevitavelmente as duas palavras parecem implicar certa redundacircncia mas
como decorrecircncia do fato de que a noccedilatildeo de khrestomaacutetheia secundariamente implica a noccedilatildeo
de seleccedilatildeo mas natildeo o contraacuterio A palavra eklogeacute referir-se-ia agrave noccedilatildeo geral de ldquoseletardquo
enquanto khrestomaacutetheia a um criteacuterio que nortearia o caraacuteter dessa seleccedilatildeo No caso da
seleccedilatildeo de passagens diversas e ilustrativas do saber de diferentes autores isso implicaria em
uma obra como a de Estobeu que seleciona as passagens de sua Coletacircnea pelo ensinamento
que contecircm O fato de haver certa redundacircncia entre as duas coisas seria mais um argumento a
favor da hipoacutetese de que os eruditos em torno de Foacutecio natildeo leram a obra na iacutentegra A
ocorrecircncia de ambas portanto deve implicar nesse caso que pelo menos nessa passagem
designam coisas diferentes Nesse sentido a obra de Proclo se diria ldquocrestomatiardquo porque o
criteacuterio que a norteia eacute relacionar ensinamentos proveitosos de uma aacuterea em especiacutefico o que
aponta para a caracteriacutestica preponderante do texto a saber conter liccedilotildees que
tradicionalmente satildeo desenvolvidas em textos especiacuteficos de diferentes doutrinas antigas aqui
agremiadas pelo tiacutetulo grammatikeacute gramaacutetica Isso se aventa pelas duas outras ocorrecircncias da
palavra na proacutepria Biblioteca ambas posteriores ao coacutedice 239 A primeira delas que parece
referir-se bem a essa qualidade instrutiva por si soacute consiste no emprego do substantivo no seu
sentido proacuteprio e natildeo teacutecnico para explicar o que se apresenta das Vidas Paralelas a obra de
Plutarco compilada no coacutedice 245
ldquo[16] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltΠλουτάρχουgt παραλλήλων διάφοροι λόγοι ὧν ἡ ἔκδοσις
κατὰ σύνοψιν ἐκλέγεται διάφορον χρηστομαθίανrdquo
(245 393b 9)
O resumidor seguindo o espiacuterito jaacute comentado de para certos casos caracterizar o que
se leraacute em relaccedilatildeo agrave fonte de que se compila (o espiacuterito de nos dar alguma nota editorial do
que se estaacute produzindo) informa-nos que neste coacutedice ldquofez-se a leitura de diferentes
discursos das Vidas Paralelas de Plutarco dos quais a ediccedilatildeo em sinopse seleciona o saber
distintordquo Poder-se-ia seguindo a sugestatildeo de Severyns29 arriscar a traduccedilatildeo por ldquodistinta
erudiccedilatildeordquo uma vez que como laacute demonstrado o substantivo primitivo chrestomateacutes
( ) empregava-se para designar aquele que buscava o saber proveitoso uacutetil o
ldquoeruditordquo Assim a palavra ocorre na introduccedilatildeo ao epiacutetome da obra de Plutarco para
assinalar que natildeo se encontraraacute ali a obra mas que o resumo fruto da leitura ateacutem-se a
29 Severyns op cit II pg 66
34
fornecer os trechos que conteacutem aos olhos de nosso resumidor ensinamentos valiosos ie
aqueles que serviratildeo para ensinar (no caso do gecircnero historiograacutefico atraveacutes de exempla)
A segunda ocorrecircncia (quarta no total) eacute justamente para introduzir outra obra
nomeada ldquoCrestomatiardquo e compilada na Biblioteca a saber a Crestomatia de Helaacutedio
ldquo[17] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς ltἙλλαδίου Βησαντινόουgt ἐπιγ-
ραφομένης πραγματείας χρηστομαθειῶν αʹ βʹ γʹ δʹrdquo
(279 529b 26)
Como se nota natildeo haacute a palavra eklogaiacute nesse caso e a introduccedilatildeo do epiacutetome segue o
mesmo padratildeo dos epiacutetomes anteriormente comentados trazendo um particiacutepio introduzindo a
intitulaccedilatildeo do objeto escrito ldquoTratado de Crestomatia 1 2 3 4rdquo A obra de Helaacutedio como
resumida na Biblioteca parece dedicar suas primeiras seccedilotildees a catalogar informaccedilotildees uacuteteis
sobre palavras ou sobre diversos elementos leacutexicos da pronunciaccedilatildeo correta de certos
vocaacutebulos ateacute usos linguiacutesticos ie quando se empregava preferencialmente esta agravequela
forma ou quando soacute se podia aplicar uma etc Tais saberes uacuteteis tambeacutem seratildeo a respeito das
causas e origens de certos nomes e se trataraacute entatildeo de nomes de lugares ou por que certo
grupo usa tal signo para certa coisa por que tal monumento ou local recebeu seu nome etc e
nesse sentido como ocorre tambeacutem no caso da Crestomatia de Proclo natildeo se distingue
claramente quando o objeto eacute a palavra ou a coisa a discussatildeo linguiacutestica se torna etioloacutegica
Por vezes natildeo haacute essa discussatildeo mas o resumidor anota uma informaccedilatildeo relevante a
passagem de 533b 29 ndash 34 por exemplo eacute dedicada a ordenar o estabelecimento e os locais
das competiccedilotildees atleacuteticas dos gregos30 Do meio em diante pelo menos a julgar pelo epiacutetome
as informaccedilotildees compiladas entatildeo passam agrave origem e histoacuterias diversas de fato definindo o
texto sobre um texto como uma crestomatia sobre coisas diversas
Mais interessante a tiacutetulo de comparaccedilatildeo eacute o fato de que o resumo traz o nome de
autores de que Helaacutedio haure sua ldquoerudiccedilatildeordquo ou ldquosaberes proveitososrdquo Dioniacutesio por exemplo
eacute citado como fonte a partir da qual se arrolam usos proacuteprios dos aticistas31 tais fontes satildeo
dadas nominalmente no epiacutetome muito provavelmente porque o proacuteprio Helaacutedio as
informava uma vez que ocorrem sob a forma de discurso reportado ou indireto ldquoDioniacutesio diz
que os aticistasrdquo e natildeo ldquodiz querdquo como ocorre no coacutedice de Proclo ou seja o coacutedice
informa-nos que na Crestomatia de Helaacutedio ldquoeacute dito que Dioniacutesio diz querdquo e tem-se uma
liccedilatildeo uacutetil como por exemplo ldquoos aticistas natildeo dizem oneacutesamen mas sim
30 Foacutecio Biblioteca 279 533b 29 ndash 34 31 idem 279 529b 29 ndash 34
35
epriaacutemen rdquo e dizem as demais formas do verbo em questatildeo conforme o esperado
morfologicamente32 Eacute pois de se supor que Helaacutedio no suposto texto original dissesse
ldquoDioniacutesio diz querdquo ou seja referia autores fonte das informaccedilotildees uacuteteis que colige Mais agrave
frente sua fonte seraacute ningueacutem menos que o gramaacutetico Diacutedimo
Mais uma diferenccedila se entrevecirc aqui no caso do texto de Helaacutedio o manuscrito agrave
disposiccedilatildeo dos eruditos muito provavelmente por conter ainda a obra por completo trazia seu
autor referindo-se a fontes se natildeo as citando No caso da Crestomatia de Proclo isso natildeo
ocorre As liccedilotildees embora as identifiquemos como pertencentes a diferentes doutrinas satildeo
apenas arroladas uma apoacutes a outra Quando haacute mais de uma hipoacutetese ou possibilidade
principalmente no caso das etimologias geralmente haacute uma menccedilatildeo a ldquooutrosrdquo ou a uma
possibilidade divergente Isso leva a pensar que se a Crestomatia de Proclo tinha as mesmas
dimensotildees que a de Helaacutedio quatro livros trazia ela tantos autores citados na atribuiccedilatildeo de
suas liccedilotildees e diferentes versotildees de etimologias que o resumidor resolveu apenas referir-se a
eles pelo termo ldquooutrosrdquo33 Para aleacutem dos casos em que as diferentes possibilidades
etimoloacutegicas e etioloacutegicas natildeo podem e nem poderiam ser identificadas quanto a sua origem
especiacutefica por natildeo a possuiacuterem (caso de explicaccedilotildees para a origem do epos da elegia do
iambo) eacute de se supor que ou a coletacircnea da obra de Proclo o que se lia natildeo trazia essas
informaccedilotildees por ser uma seleta no sentido discutido de um resumo ou uma primeira
abreviaccedilatildeo ou o autor ele mesmo natildeo as dava por ser um organizador de doutrina ie por
estar focado em organizar saberes doutrinais de modo a instruir Essa segunda hipoacutetese natildeo eacute
de se descartar porque e mais uma vez uma natildeo nega a outra Provavelmente ambas satildeo
verdadeiras pois natildeo eacute de se imaginar que em uma obra com a extensatildeo de quatro livros
como a de Helaacutedio versando sobre diferentes toacutepicos das letras em geral em nenhuma
passagem ocorresse a menccedilatildeo a este ou agravequele autor e o que pensa ou diz sobre determinado
assunto Igualmente eacute de se supor pela mateacuteria do texto que diferentes opiniotildees fossem
apenas referidas a ldquooutrosrdquo como se observa em textos semelhantes como forma padratildeo de
dizer uma vez que satildeo os saberes tradicionalmente consolidados sobre aquele assunto ie as
32 Em outras palavras como diriacuteamos hoje ensina que os autores aacuteticos ldquoclaacutessicosrdquo fazem a 1ordf pessoa do
singular do aoristo do verbo supletivamente ou recorrendo agrave formaccedilatildeo de outro verbo 33 Cf por exemplo 319b 3 ndash 5 sobre as diferentes possibilidades de acentuar a palavra que nomeia o poema
Ciacuteprias do ciclo eacutepico natildeo se identifica ningueacutem aleacutem do autor que proponha e siga essa hipoacutetese bem como
nenhuma autoridade eacute citada em prol da acentuaccedilatildeo vigente ou entatildeo 321a 6 em que haacute uma referecircncia aos que
julgam ser o escoacutelio nomeado por antiacutestrofe Para alguns casos poreacutem natildeo haacute menccedilatildeo e o termo ldquooutrosrdquo se
emprega porque as etimologias jaacute eram assim consolidadas como possibilidades igualmente vaacutelidas para a
mesma coisa ie eram etimologias igualmente aceitas e disseminadas mais ainda autorizadas Eacute o caso claro
das etimologiasetiologias do iambo Cf infra cap 3 seccedilotildees 331 a 333 paacutegs 83 a 95 as explicaccedilotildees satildeo as
mesmas adotadas por exemplo na Gramaacutetica de Diomedes As etimologias para o termo epos tambeacutem jaacute eram
todas consolidadas
36
possiacuteveis explicaccedilotildees que ao longo dos seacuteculos mas principalmente com a atividade editorial
do periacuteodo heleniacutestico em diante foram se consolidando como as ldquoverdadesrdquo aceitas e
igualmente plausiacuteveis Natildeo haacute para elas pois uma origem definida portanto uma fonte a ser
citada
Esse segundo fato se confirma se aceitamos definitivamente que a Vita Homeris do
coacutedex Venetus eacute junto dos demais resumos dos poemas ciacuteclicos laacute contidos excertos da
Crestomatia original Ao referir-se aos diferentes casos particulares da vida de Homero
conforme o proacuteprio epiacutetome diz que fazia em relaccedilatildeo tambeacutem aos demais poetas eacutepicos34
emprega continuamente as expressotildees ldquounsrdquo ldquooutrosrdquo ldquoaquelesrdquo para referir-se aos
diferentes e agraves vezes divergentes ldquoepisoacutediosrdquo da vida de Homero Ora nada mais consolidado
no acircmbito da cultura geral do que Homero e as diferentes histoacuterias a respeiro dele sua morte
sua origem etc Eram todas versotildees consolidadas e discutidas sem terem origem precisa e
identificada Essa Vita ou biografia do vate tambeacutem nos ilustra que sim inevitavelmente
quando tratando de informaccedilatildeo ou hipoacutetese mais teacutecnica inevitavelmente o autor referiria
uma fonte ou origem dessa informaccedilatildeo Eacute o que ocorre quando se discute primeiro sua
origem
Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu
Dizem que Meatildeo pai de Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem
de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades filho de Carifemo
filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de
Doriatildeo filho de Orfeu
Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas
(Vita Homeri 19 ndash 24 in Severyns IV paacuteg 69 trad do autor)
Essas eram opiniotildees sobre Homero solidamente proferidas por outros e assim
identificadas
Nos dois paraacutegrafos imediatamente anteriores e no paraacutegrafo imediatamente posterior
por exemplo temos informaccedilotildees ou episoacutedios anedoacuteticos sobre Homero e nesses casos
vemos a praacutetica de atribui-los a ldquooutrosrdquo indefinidos
[] uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de
Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral
reclama o homem pelo que razoavelmente pode ser dito cosmopolita
34 ldquoOs mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro Paniacuteasis e Antiacutemaco Desses discorre na
medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas histoacuterias particularesrdquo Proclo apud Foacutecio
Biblioteca 239 319a 17 ndash 21
37
Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era
Meatildeo e que foi concebido perto do Rio Meles motivo pelo qual
tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado Homero
[Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea
[refeacutem ] aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo
esse nome por causa da deficiecircncia dos olhos Os cegos de fato eram
chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios
(idem 9 ndash 18 paacuteg 68 trad do autor)
e
ldquoSobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua
proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta respostardquo
(idem 25 paacuteg 68 trad do autor)
Note-se que no primeiro caso inculise fezem-se etimologias
Mais agrave frente discutindo a o periacuteodo em que Homero teria vivido
Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na
eacutepoca da imigraccedilatildeo jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno
dos Heraclidas e o evento em torno dos Heraclidas estaacute oitenta anos
depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o
recuam aos tempos de Troia
(idem 59 paacuteg 73 idem)
Vemos a julgar por esse suposto e breve trecho original da Crestomatia que muito
provavelmente como na Crestomatia de Helaacutedio quando alguma liccedilatildeo especiacutefica haurida
deste ou daquela escola era dada era de se imaginar o nome e a atribuiccedilatildeo Tambeacutem como laacute
conforme dito e como se vecirc no proacuteprio resumo de Foacutecio especificamente nos trechos que
versam sobre as celebraccedilotildees ciacutevico-religiosas que originam gecircneros meacutelicos os ldquosaberes
uacuteteisrdquo ie a ldquoerudiccedilatildeordquo a ser transmitida passa a descriccedilatildeo etioloacutegica e histoacuterica (como no
caso da guerra que daacute origem agrave dafnefoacuteria35)
A Crestomatia de Proclo contudo possui um eixo temaacutetico as letras Conclui-se
portanto que entendida natildeo como um gecircnero textual rigorosamente especiacutefico mas como
uma obra de erudiccedilatildeo no sentido de uma reuniatildeo de informaccedilatildeo registro dessa informaccedilatildeo
vaacuteria num documento uacutenico uma crestomatia pode contemplar saberes de diferentes aacutereas e
elementos que no caso de Helaacutedio natildeo teriam uma associaccedilatildeo direta ie natildeo seriam objeto
35 Idem 321a 36 ndash 321b 12
38
de uma mesma obra A reuniatildeo de informaccedilotildees da obra de Proclo visa agrave instruccedilatildeo na aacuterea das
letras Duas perguntas decorrem disso a quais saberes entatildeo ou a quais aacutereas do saber antigo
essa crestomatia se voltaraacute O que se entende por gramaacutetica na intitulaccedilatildeo do coacutedice
134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra
A palavra gramaacutetica que delimita o eixo temaacutetico dessa crestomatia poderia ser
tomada em sua literalidade para efeitos de traduccedilatildeo mas aqui talvez apenas na literalidade
que possuiacutea entre os gregos Essa mesma literalidade poreacutem eacute ampla e polissecircmica dado
que como se sabe passa a designar o ofiacutecio do gramaacutetico Sua funccedilatildeo na antiguidade
compreendeu atividades que tambeacutem noacutes atribuiacuteamos aos gramaacuteticos hoje mas outras que
natildeo Em princiacutepio segundo Dioniacutesio Traacutecio seis seriam as partes da gramaacutetica36
Γραμματική ἐστιν ἐμπειρία τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ
συγγραφεῦσιν ὡς ἐπὶ τὸ πολὺ λεγομένων
Μέρη δὲ αὐτῆς ἐστιν ἕξ πρῶτον ἀνάγνωσις ἐντριβὴς κατὰ
προσῳδίαν δεύτερον ἐξήγησις κατὰ τοὺς ἐνυπάρχοντας ποιητικοὺς
τρόπους τρίτον γλωσσῶν τε καὶ ἱστοριῶν πρόχειρος ἀπόδοσις
τέταρτον ἐτυμολογίας εὕρεσις πέμπτον ἀναλογίας ἐκλογισμός ἕκτον
κρίσις ποιημάτων ὃ δὴ κάλλιστόν ἐστι πάντων τῶν ἐν τῇ τέχνῃ
(Dioniacutesio Traacutecio 1153 ndash 6 3 in Grammatici Graeci)
ldquoA Gramaacutetica eacute o saber dos usos da liacutengua conforme se daacute no
mais das vezes entre os poetas e os escritores
Suas partes satildeo seis a primeira eacute a leitura treinada de acordo
com a prosoacutedia a segunda eacute a exegese segundo os tropos poeacuteticos
existentes a terceira eacute a pronta explicaccedilatildeo das formas dialetais e
histoacuterias quarta a revelaccedilatildeo da etimologia quinta o cocircmputo das
analogias sexta a avaliaccedilatildeo [o juiacutezoapreciaccedilatildeo] de poemas que eacute a
mais bela de tudo na teacutecnicardquo
(trad e grifo do autor)
Como responsaacutevel por descrever e ensinar o uso devido da liacutengua e por avaliar como
especialista do saber linguiacutestico se um texto era ou natildeo espuacuterio ie determinar a
36 Para uma precisa anotaccedilatildeo da gramaacutetica de Dioniacutesio Traacutecio Cf Dos Santos MM Dioniacutesio da Traacutecia Arte
traduccedilatildeo e notas in Letras Claacutessicas n11 153 ndash 179 2007
39
autenticidade de um texto cabia ao gramaacutetico portanto aquilo que hoje diriacuteamos ldquoo
estabelecimento do textordquo ofiacutecio do filoacutelogo moderno O emprego do termo krisis referindo-
se aos poemas como objeto dessa avaliaccedilatildeo eacute muito semelhante ao que ocorre no epiacutetome
fociano em 319a 1 ndash 3
ldquoΔιαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδίδωσι τίς ἤθους καὶ πάθους
διαφοράrdquo
(Proclo apud Foacutecio 239 319a 1 ndash 3)
ldquoFaz consideraccedilotildees acerca do juiacutezo de poesia no que transmite qual a diferenccedila entre
caraacuteter e afetordquo
Este trecho eacute um dos mais problemaacuteticos do texto porque dado agrave brevidade e agrave
amplitude semacircntica das palavras empregadas possibilita pelo menos mais de uma leitura A
criacutetica notou37 que o conteuacutedo desta primeira oraccedilatildeo e principalmente a expressatildeo kriacutesis
poieacutematos fazem ressoar a sexta parte da empiria gramatical como definida por Dioniacutesio
Traacutecio kriacutesis poiemaacuteton ldquoa mais bela de tudo na teacutecnicardquo Em termos de entendimento
linguiacutestico a dificuldade ocorre primeiro por causa do significado do verbo dialambaacuteno que
semanticamente conteacutem a ideia mesmo de uma kriacutesis um juiacutezo um discernimento
significando ldquotomar separadamente dividir com escruacutepulordquo daiacute ldquodiscernir avaliar
considerarrdquo e justamente ldquojulgarrdquo segundo pela ausecircncia do artigo antes do substantivo kriacutesis
e pelo genitivo singular poieacutematos ao inveacutes de poiemaacuteton (de poema e natildeo de poemas) o
que impossibilita saber se o texto reporta-se agravequela kriacutesis poiemaacuteton (ie avaliaccedilatildeo
julgamento de poemas) que eacute uma parte da gramaacutetica ou se a palavra kriacutesis aqui eacute
empregada (como defende Severyns) em sentido amplo e natildeo teacutecnico junto agrave palavra que no
epiacutetome eacute empregada para designar ldquopoesiardquo siginificando apenas portanto de forma
perifraacutestica que ldquoFoacutecio diz que Proclo faz consideraccedilotildeesrdquo ndash considerando o aspecto verbal do
presente grego lsquoprossegue em suas consideraccedilotildeesrsquo como quer Severyns ndash ldquosobre a avaliaccedilatildeo
da poesiardquo portanto simplesmente ldquoele continua seu exame da poesiardquo que de fato ocorria
em contraposiccedilatildeo agrave prosa desde a distinccedilatildeo entre ambas em 318b 24 (sect3 na ediccedilatildeo de
Severyns) de modo a como se observa a partir de 319a 3 (sect11 idem) logo se concentrar no
que concerne tatildeo somente agrave poeacutetica ie seus gecircneros
Aqui se adota uma terceira leitura contraacuteria a de Severyns mas natildeo totalmente
consoante agrave de Ferrante ndash principalmente nas implicaccedilotildees primeiramente essa kriacutesis
37 cf Severyns (op cit pg 77 ndash 79) para um balanccedilo das leituras e Ferrante (op cit pg 20 ndash 21) para uma
visatildeo ainda contraacuteria a de Severyns)
40
poieacutematos natildeo precisaria orbigatoriamente ser uma alusatildeo ao nome exato da referida parte da
arte gramatical para ser (em se tratando da avaliaccedilatildeo da poesia aqui designada por poiacuteema)
aquele conjunto de avaliaccedilotildees sobre diferentes aspectos do poema Ainda assim natildeo parece
ser o caso
Eacute fundamental pontuar que a passagem deve ser julgada de acordo com o
procedimento geral do resumo ie a forma de resumir O resumidor parece topicalizar
atraveacutes dos termos (quase sempre teacutecnicos) aquilo de que a obra original tratava no respectivo
passo em vez de descrever o que teoricamente Proclo (seja quem for) fazia sem antes
introduzir qual era o objeto ou o toacutepico teoacuterico em questatildeo podendo ater-se ou natildeo a ele
(contrastem-se por exemplo os paraacutegrafos 17 e 69 ndash 78 com os derradeiros referentes agraves
uacuteltimas espeacutecies meacutelicas 93 ndash 99) Se considerarmos como quer Severyns que kriacutesis
poiemaacutetos natildeo eacute um desses termos topicalizados e que ldquonatildeo expressariam senatildeo uma ldquoideia
bem geral natildeo remontando de modo algum agrave sexta parte da arte gramatical tal qual a definiu
Dioniacutesio Traacuteciordquo (sendo um problema exatamente os trechos que aqui sublinho pois assumo
que os termos gregos em si natildeo precisariam ser obrigatoriamente uma citaccedilatildeo tratando-se de
um nome jaacute convencionado para essa atividade) este seria o uacutenico trecho do epiacutetome em que
isso acontece ie em que primeiro se comentaria o que o autor do tratado original faz
(ldquocontinua suas reflexotildees sobre poesiardquo) para soacute depois introduzir o que seria o toacutepico
assinalado a ldquodistinccedilatildeo entre caraacuteter e afetordquo Um outro problema surgiria aqui argumento
favoraacutevel a hipoacutetese defendida se ethos e pathos satildeo os termos teacutecnicos que topicalizam a
passagem ie satildeo o assunto do passo equivalente no suposto texto original entatildeo faltaria
como para os demais casos em que o toacutepico natildeo se explica por um desdobramento da
etimologia uma miacutenima explanaccedilatildeo teoacuterica para ambos como imediatamente antes se fez
para os moldes do dicurso e seus viacutecios Natildeo seria verossiacutemil que se abrisse matildeo dessa
explanaccedilatildeo uma vez que tal distinccedilatildeo entre ethos e pathos natildeo seria menos conhecida que a
doutrina dos gecircneros do discurso Em outras palavras se esse fosse o toacutepico do devido
momento do tratado a que o resumidor se referiria a julgar pelo padratildeo observado referir-se-
ia a ele imediatamente portanto eacute de supor contrariamente que krisis poeiemaacutetos o eacute antes
de diaphoraacute eacutethous kaigrave paacutethos o que inclusive torna mais compreensiacutevel e justificado o
relativo neutro que introduz a segunda oraccedilatildeo
Como uma crestomatia de gramaacutetica aqui entendida como as letras condensando
princiacutepios que em origem satildeo de diferentes disciplinas (gramaacutetica poeacutetica e retoacuterica em
geral) parece razoaacutevel que assim como se falava da doutrina dos gecircneros da elocuccedilatildeo nos
trechos anteriores da obra objeto comum agrave poeacutetica e agrave retoacuterica a distinccedilatildeo entre eacutethos e
41
paacutethos estivesse aqui entre os elementos que eram julgados na avaliaccedilatildeo da poesia Esta liccedilatildeo
parece coerente com o fato de que pelo menos ateacute onde Foacutecio nos daacute notiacutecia apoacutes as
consideraccedilotildees sobre a elocuccedilatildeo (e a doutrina referente a seus gecircneros) seguissem-se esses
dois outros elementos que de acordo com a retoacuterica explicitam-se no discurso
A proacutepria consideraccedilatildeo dos dois termos jaacute eacute um problema pois mesmo em
Aristoacuteteles trazem dificuldade Como se sabe na Retoacuterica o caraacuteter eacute do orador aquele que
fala a paixatildeo suscita-a no ouvinte por meio do discurso a fim de movecirc-lo Eacute logo no livro I
que Aristoacuteteles apresenta essa doutrina dos trecircs meios da persuasatildeo loacutegos eacutethos e paacutethos ou
discurso caraacuteter e afeto Eacute proacuteprio da arte principalmente o primeiro o discurso pois em
condiccedilotildees ideais jurados e ouvintes natildeo se deixam levar pelas paixotildees que oradores treinam
para despertar naqueles que os ouvem Como no entanto o tratado assume por objeto a
persuasatildeo e define a retoacuterica como teacutecnica que a produz (antiacutestrofe da dialeacutetica que produz
verdade) aborda igualmente afeto ndash para esclarecer como suscitado persuade ndash e caraacuteter ndash
pois se as palavras do orador natildeo forem condizentes com a noccedilatildeo de caraacuteter que dele fazem
os ouvintes natildeo se deixaratildeo convencer por julgaacute-lo mentiroso Em termos gerais talvez
pudeacutessemos dizer que na Retoacuterica os trecircs elementos satildeo em um primeiro momento
pensados em si para posteriormente serem considerados como os trecircs fatores ou causas cujo
resultado eacute o convencimento
Natildeo eacute assim poreacutem que os mesmos elementos satildeo considerados na Poeacutetica por conta
da proacutepria conceituaccedilatildeo aristoteacutelica do objeto (o que seraacute discutido mais adiante) neste
tratado Aristoacuteteles cirscunscreve a noccedilatildeo de eacutethos e pathos diferentemente pois trata os
termos como partes de uma imitaccedilatildeo e eacute nos limites desse conceito que surge a dificuldade A
imitaccedilatildeo que define a poesia eacute muito especiacutefica accedilatildeo Trata eacutethos e paacutethos portanto como
elementos que precisam ser representados de maneira condizente para que a imitaccedilatildeo seja
bem sucedida Na descriccedilatildeo da mimese caraacuteter eacute uma das partes qualitativas da trageacutedia
conforme definidas no cap VI da Poeacutetica mito caraacuteter e pensamento seriam as partes
equivalentes a ldquoo querdquo se imita (a mateacuteria) conforme delimitado nos cap I II e III em que o
filoacutesofo expotildee os criteacuterios pelos quais pensa o objeto elocuccedilatildeo e melopeia as partes
equivalentes agravequilo ldquoem querdquo se imita (os meios lembrando que a melopeia equivale ao que
em outras passagens seraacute nomeado apenas ldquomelosrdquo ou ldquocanccedilatildeordquo e refere-se agraves passagens
corais) espetaacuteculo refere-se a ldquocomordquo se imita (o modo)38
38 Poeacutetica VI 1449b 21 ndash 1450a 15
42
Como afirmaraacute ainda no cap VI natildeo eacute objetivo da poesia imitar caracteres mas os
caraceteres satildeo postos em cena apenas em funccedilatildeo da accedilatildeo ie este ou aquele caraacuteter eacute posto
em cena para que a accedilatildeo tenha este ou aquele desdobramento afinal ndash continua dizendo ndash os
eventos e o mito satildeo o fim da trageacutedia e o fim eacute o que haacute de mais importante Portanto o
caraacuteter de certa personagem conhecido do puacuteblico deve apenas ser condizente com o que
desdobramento esperado da accedilatildeo Natildeo agrave toa na mesma passagem Aristoacuteteles afirmaraacute que eacute
possiacutevel trageacutedia sem caraacuteter apenas com accedilatildeo mas natildeo o contraacuterio39 Os uacutenicos termos que
Aristoacuteteles nos fornece para analisar o caraacuteter presente em uma composiccedilatildeo poeacutetica satildeo esses
Natildeo se trata portanto de um caraacuteter presente talvez na elocuccedilatildeo poeacutetica mas simplesmente
o caraacuteter que se pode ou deve representar em funccedilatildeo de uma accedilatildeo mimetizada Esse criteacuterio
portanto mal pode ser aplicado agrave poesia que natildeo se pode analisar nos termos aristoteacutelicos da
imitaccedilatildeo de accedilatildeo Tal noccedilatildeo de eacutethos natildeo nos exclarece qual seria a diferenccedila a que o epiacutetome
se refere
Quanto ao afeto ou paacutethos a noccedilatildeo parece ateacute um pouco mais distante paacutethos na
Poeacutetica eacute a terceira parte do mito descrita como um padecimento na accedilatildeo como algo
destrutivo ou doloroso tal padecimento eacute um efeito e um desdobramento da accedilatildeo Natildeo eacute algo
portanto que se representa a priori poreacutem mais um elemento atrelado ao mito que se
representa por meio de palavra (elocuccedilatildeo ou melopeia) e subordinado a ele Natildeo agrave toa ao fim
do cap 19 da Poeacutetica na transiccedilatildeo para a seccedilatildeo final sobre a elocuccedilatildeo diz Aristoacuteteles
[]Περὶ μὲν οὖν τῶν ἄλλων εἰδῶν εἴρηται λοιπὸν δὲ περὶ λέξεως καὶ
διανοίας εἰπεῖν τὰ μὲν οὖν περὶ τὴν διάνοιαν ἐν τοῖς περὶ ῥητορικῆς
κείσθω τοῦτο γὰρ ἴδιον μᾶλλον ἐκείνης τῆς μεθόδου ἔστι δὲ κατὰ
τὴν διάνοιαν ταῦτα ὅσα ὑπὸ τοῦ λόγου δεῖ παρασκευασθῆναι μέρη
δὲ τούτων τό τε ἀποδεικνύναι καὶ τὸ λύειν καὶ τὸ πάθη παρασκευάζειν
(οἷον ἔλεον ἢ φόβον ἢ ὀργὴν καὶ ὅσα τοιαῦτα) καὶ ἔτι μέγεθος καὶ
μικρότητας δῆλον δὲ ὅτι καὶ ἐν τοῖς πράγμασιν ἀπὸ τῶν αὐτῶν ἰδεῶν
δεῖ χρῆσθαι ὅταν ἢ ἐλεεινὰ ἢ δεινὰ ἢ μεγάλα ἢ εἰκότα δέῃ
παρασκευάζειν πλὴν τοσοῦτον διαφέρει ὅτι τὰ μὲν δεῖ φαίνεσθαι
ἄνευ διδασκαλίας τὰ δὲ ἐν τῷ λόγῳ ὑπὸ τοῦ λέγοντος
παρασκευάζεσθαι καὶ παρὰ τὸν λόγον γίγνεσθαι τί γὰρ ἂν εἴη τοῦ
λέγοντος ἔργον εἰ φαίνοιτο ᾗ δέοι καὶ μὴ διὰ τὸν λόγον
(Aristoacuteteles Poeacutetica 1456a 33 ndash 1456b 8)
ldquoSobre as demais partes jaacute se falou restando falar sobre a elocuccedilatildeo e o
pensamento Fique para os escritos sobre retoacuterica o que tangencia o
pensamento pois isso eacute mais proacuteprio do meacutetodo daquela Eacute referente
ao pensamento o quanto se deve provir pelo discurso Satildeo seus
39 Idem VI 1450a 19 ndash 23
43
elementos o demonstrar o refutar e o prover afetos (como piedade ou
horror ou raiva e todas essas coisas) e ainda grandeza e pequenez Eacute
evidente que tambeacutem se deve servir-se desses elementos nos
acontecimentos quando se devem prover coisas piedosas terriacuteveis
grandiosas ou possiacuteveis entretanto com tal diferenccedila naquele caso
devem aparecer sem elucidaccedilatildeo neste devem ser providas no
discurso pelo falante e ocorrer junto ao discurso pois qual seria a
funccedilatildeo do que fala se aparecessem como devem mas natildeo atraveacutes do
discursordquo
(Trad do autor)
Ora aqui Aristoacuteteles deixa claro que sendo a poesia imitaccedilatildeo de accedilatildeo atraveacutes da
palavra mesmo os afetos decorrentes nas accedilotildees satildeo representados e postos em cena por via da
palavra ie da elocuccedilatildeo Como um fenocircmeno por si soacute natildeo restrito agrave poeacutetica isso eacute objeto
da retoacuterica e por isso a seccedilatildeo seguinte sobre a elocuccedilatildeo trataraacute do que eacute proacuteprio da elocuccedilatildeo
poeacutetica
Ateacute aqui portanto a uacutenica noccedilatildeo que talvez possa nos servir seja a de que tanto caraacuteter
quanto afeto se transparecem na imitaccedilatildeo pela palavra o fazem nela Ainda assim na
conceituaccedilatildeo aristoteacutelica isso se daacute naquele que eacute um actante representado ou natildeo por um
ator ie por aquele que eacute agente de uma accedilatildeo Por isso mesmo no referido capiacutetulo VI
arrolando e definido as seis partes qualitativas citadas definiraacute pensamento como aquilo ldquoem
quanto os falantes demonstram algo ou revelam sua opiniatildeordquo e caraacuteter como aquilo ldquode
acordo com o que dizemos que os agentes satildeo certas coisasrdquo40
Para tentar supor o que significariam caraacuteter e afeto no acircmbito do comentaacuterio do
gramaacutetico ao abordar um texto talvez possamos buscar uma pista em textos semelhantes ao
menos a fim de entender em um primeiro momento se esses conceitos eram levados em
conta Sobre o caraacuteter haacute uma passagem que pode ser esclarecedora O Escoacutelio a Dioniacutesio
Traacutecio (471 26 ndash 472 12) traz uma boa descriccedilatildeo dos diferentes elementos que satildeo objeto da
avaliaccedilatildeo empreendida nesta atividade em questatildeo a qual como se sabe (e isso tambeacutem nos eacute
relevante) opotildee-se natildeo soacute em gramaacuteticos mas daiacute tambeacutem em reacutetores (como Dioniacutesio de
Halicarnasso e Quintiliano) agrave syacutegkresis ie natildeo se trata mais da avaliaccedilatildeo apenas mas da
avaliaccedilatildeo conjunta o discernimento dos poetas e obras considerados conjuntamente a
comparaccedilatildeo
ltἝκτον κρίσις ποιημάτωνgt] Τίνι διαφέρει κρίσις συγκρίσεως καὶ
πότερον αὐτῶν ἐπαναβέβηκεν Λεκτέον ὅτι πρῶτον ἡ κρίσις τὸν
40 Idem 1450a 4 ndash 7
44
συγκρίνοντα γὰρ πρότερον αὐτῶν ἑκάτερον δεῖ κρῖναι καὶ ὁ μὲν
συγκρίνων καὶ κρίνει ὁ δὲ κρίνων οὐ πάντως καὶ συγκρίνει
Πότερον δὲ ὁ γραμματικὸς κρείττων ὢν τῶν ποιητῶν κρίνει αὐτῶν τὰ
ποιήματα ἢ ἥττων Καὶ εἰ μὲν κρείττων δώσομεν καὶ αὐτὸν εἶναι
ποιητήν εἰ δὲ ἥττων πῶς κρίνει Ῥητέον οὖν ὅτι κρίνει οὐχ ᾗ ποιητής
ἐστι κρείττων αὐτῶν ἀλλ ᾗ τεχνίτης ἐστὶ τῆς ὕλης τῆς ἐκείνων καὶ
τῶν ὀργάνων οὐ γὰρ κρίνει εἰ καλῶς αὐτοῖς γέγραπται ἢ οὔ ἀλλ εἰ
νόθα ἢ γνήσια πολλὰ γὰρ νοθευόμενά ἐστιν ὡς ἡ Σοφοκλέους
Ἀντιγόνη ndash λέγεται γὰρ εἶναι Ἰοφῶντος τοῦ Σοφοκλέους υἱοῦ
Ὁμήρου τὰ Κυπριακὰ καὶ ὁ Μαργίτης Ἀράτου τὰ Θυτικὰ καὶ τὰ Περὶ
ὄρνεων Ἡσιόδου ἡ Ἀσπίς
Κρίνει δὲ πρῶτον μὲν ὁρῶν εἰς τὴν λέξιν εἰ συνήθης ἐστὶ τῷ ποιητῇ
ἔπειτα εἰς τὸ πλάσμα τῆς συνηθείας εἶτα εἰς τὴν τῆς φράσεως
εὐκολίαν ἢ σκληρότητα εἶτα καὶ εἰς τὴν ἱστορίαν οἱ μὲν γὰρ χαίρουσι
ταῖς ξενιζούσαις ἱστορίαις αἱ δὲ ταῖς κοιναῖς εἶτα ἀπὸ τῶν χρόνων
Ἀρετὴ δὲ ποιήματος ἡ περὶ λέξιν σαφήνεια σύνθεσις τοῦ μέτρου
εὔρυθμος κυριολεξία σχήματα ταῦτα τῆς λέξεως τὰ δὲ περὶ διάνοιαν
οἰκονομία τάξις ἤθη ἐν προσώποις εἰ ltοἱgt μῦθοι ἁρμόδιοι καὶ τὰ
πλάσματαrdquo41
(Scholia in Dionysium Thracem Scholia Londinensia 471 26 ndash 472
12)
Sexta a avalaiccedilatildeo de poemasrsquo ndash Em que difere a avaliaccedilatildeo da
comparaccedilatildeo e qual delas precede Deve-se dizer que a avaliaccedilatildeo vem
primeiro quem estaacute comparando deve primeiro apreciar cada um dos
elementos e quem compara tambeacutem aprecia mas quem aprecia nem
sempre compara
Havendo os maiores poetas o gramaacutetico faz a avaliaccedilatildeo deles ou dos
inferiores Se principalmente dos melhores concederemos que seja
tambeacutem poeta se dos inferiores como aprecia Deve-se dizer
portanto que faz a avaliaccedilatildeo natildeo da maneira pela qual um poeta eacute
melhor do que outros mas de que maneira eacute um artiacutefice do material
deles e de seus instrumentos Pois natildeo aprecia se algo estaacute belamente
escrito com esses ou natildeo mas sua espuriedade ou legitimidade pois
muitos satildeo os escritos considerados espuacuterios como a Antiacutegona de
Soacutefocles ndash pois se diz que eacute de Iofatildeo o filho de Soacutefocles ndash As
Cipriotas e o Margites de Homero As Sacirficiais de Arato e Sobre os
Paacutessaros o Escudo de Hesiacuteodo
Aprecia primeiro visando a dicccedilatildeo se eacute usual ao poeta em seguida o
molde desse uso depois a fluidez ou a dureza da frase depois
visando a histoacuteria uns se comprazem mais nas histoacuterias que satildeo
exoacuteticas outros nas comuns depois aprecia a partir do periacuteodo
cronoloacutegico A virtude do poema satildeo a clarera que tange a dicccedilatildeo a
composiccedilatildeo do metro a regularidade da linguagem ordinaacuteria42 - essas
41 Commentaria In Dionysii Thracis Artem Grammaticam Scholia Londinensia (partim excerpta ex Heliodoro)
in ldquoGrammatici Graeci vol 13rdquo Ed Hilgard A Leipzig Teubner 1901 Repr 1965 Page 471 42 Entendendo-se aqui ldquoordinaacuteriardquo como a padratildeo ie a do dia a dia sem tropoi natildeo ornada Daiacute que a ideia de
ldquoeurritmiardquo a palavra grega deve se referir tanto a sua regularidade ie sua frequecircncia ou sua ocorrecircncia em
medida devida como tambeacutem agrave eufonia ie sua adapatabilidade ou sua consonacircncia com o metro elemento
anteriormente mencionado
45
satildeo as configuraccedilotildees da dicccedilatildeo quanto as que tangem o pensamento
organizaccedilatildeo ordenaccedilatildeo os caracteres nas personagens se
acomodados satildeo os mitos e seus moldesrdquo
(Traduccedilatildeo do autor)
Para o escoliasta a finalidade do gramaacutetico ao empreender a kriacutesis poiemaacuteton natildeo eacute
avaliar se entre eles poetas escreve-se belamente (essa seria a finalidade da syacutegkresis) mas a
ldquoespuriedaderdquo e a ldquolegitimidaderdquo (
Entre os diferentes aspectos considerados chamam a atenccedilatildeo natildeo
soacute aqueles de caraacuteter estrutural que tambeacutem satildeo objetos de um reacutetor como o do Tratado Da
Composiccedilatildeo das Palavras mas elementos mais proacuteprios da concepccedilatildeo da obra da sua
inventio confluindo com o que se concebe nos textos de poeacutetica como ldquoo que tange o
pensamentordquo ldquoos caracteres nas personagensrdquo e ldquose acomodados satildeo os mitos e seus
moldesrdquo Natildeo se pretende aqui que isto era trabalho da gramaacutetica e dessa sua parte em geral
mas sim ressaltar que mesmo nesta kriacutesis oposta agrave syacutegkrisis no iniacutecio da empiria o escoliasta
nos fornece o testemunho de que para desempenhar sua funccedilatildeo o gramaacutetico tambeacutem
precisava eventualmente julgar a confecccedilatildeo dos caracteres e a pertinecircncia dos mitos o que
inevitavelmente nos remete ao capiacutetulo 2 da Poeacutetica de Aristoacuteteles (e o quanto diz sobre
eacutethos bem como agrave parte da poeacutetica que em geral por via horaciana passamos a denominar
invenccedilatildeo) segundo a qual como a imitaccedilatildeo eacute imitaccedilatildeo de agentes eacute necessaacuterio que sejam
representados segundo certo caraacuteter (melhores ou piores do que noacutes)
Portanto natildeo eacute de espantar que assim como os tropos e figuras empregados pelos
poetas por exemplo configurem um caso claro de objeto comum a ser explicado tanto pelo
gramaacutetico quanto pelo reacutetor eacutethos e paacutethos na condiccedilatildeo de elementos que passam a ser
entendidos como inerentes ao discurso (e essa assunccedilatildeo como demonstrado ainda que com
suas especificidades jaacute se encontra no proacuteprio Aristoacuteteles) sejam observados e analisados por
qualquer um que se debruce com certa finalidade sobre uma composiccedilatildeo discursiva em verso
ou em prosa para aplicar mais uma vez o criteacuterio maior e tatildeo relevante desde o iniacutecio para
nossa leitura do epiacutetome ie a distinccedilatildeo prosa-poesia (Cf sect3 318b 24 ndash 26 Traduccedilatildeo paacuteg
110)
Isso se verifica indubitavelmente quando passamos para a syacutegkrisis de que podemos
tomar como exemplo o livro II do tratado Da Imitaccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso e as
diversas passagens em que diferencia poetas e prosadores dos diferentes gecircneros pelo trato
que datildeo a eacutethos e paacutethos (cf 31 2 1 - Homero 31 2 5 ndash Piacutendaro uma de suas virtudes a ser
observada eacute a ethopoiiacutea ou simplesmente confecccedilatildeo de caracteres em que esses se
46
destacam pela prudecircncia piedade e magnificecircncia [sofrosyacutene eusebeiacutea megalopreacutepeia] 31
2 7 ndash Estesiacutecoro os caracteres e os valores das personagens [eacutethe kaigrave axioacutemata toacuten
prosoacutepon] 31 2 8 ndash Alceu Dioniacutesio chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter de todos os seus
poemas poliacuteticos [hapaacutenton tograve toacuten politikoacuten poiemaacuteton eacutethos] etc seguem-se os dramaturgos
os oradores historiadores)
Haacute por isso trecircs observaccedilotildees que aqui se julgam necessaacuterias e passiacuteveis de serem
pontuadas a fim de se interpretar essa obscura passagem do epiacutetome
A 1a eacute concernente a essa comparaccedilatildeo eacute atraveacutes dela que se estabelecem os piacutenakes
ou listagens dos melhores poetas ie aqueles cujas virtudes devem ser imitadas como se
observa em autores como o referido Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado em que aborda a
miacutemesis Quintiliano e quantos outros que se preocupam em fornecer modelos
A 2a eacute que o epiacutetome traz para cada um dos gecircneros que menciona e resume
brevemente (exceto pela poesia meacutelica ldquopor de mais pluralrdquo segundo o proacuteprio texto) uma
listagem igualmente breve de autores Isso natildeo quer dizer que o tratado se ocupava da
comparaccedilatildeo detalhada mas que certamente compreendia as praacuteticas descritivas comuns aos
textos mencionados e estaria nesse universo textual que se torna especiacutefico tambeacutem do
gramaacutetico Eacute de supor portanto que neste passo o texto tratasse de outros aspectos que
julgava pertinentes agrave avaliaccedilatildeo da poesia ndash mesmo que concentrado em aspectos da inventio ndash
na referida fronteira em que os textos sobre doutrina poeacutetica retoacuterica ou gramaacutetical podiam
tangenciar-se e tratar do mesmo objeto focando mais este ou aquele aspecto de acordo com
sua finalidade A finalidade da Crestomatia ao que se infere pelo menos de seu tiacutetulo
completo (Crestomatia de Letras Literaacuteria ou de Gramaacutetica) e da proacutepria composiccedilatildeo da
palavra jaacute discutida khrestomaacutetheia pretendia fornecer o quanto fosse uacutetil para se apreciar o
que diriacuteamos hoje composiccedilotildees ldquoliteraacuteriasrdquo as ldquoletrasrdquo e aqui devia trazer o quanto julgava
conveniente da ocupaccedilatildeo de julgar avaliar ou seja apreciar poemas de que Foacutecio ou o
resumidor em geral destaca provavelmente por julgar o mais valioso do suposto trecho da
obra original a doutrina sobre eacutethos e paacutethos que como se viu acima poderia ser objeto do
gramaacutetico mesmo se tomassemos aquela kriacutesis de Dioniacutesio Traacutecio no seu sentido mais estrito
de ldquojulgamentordquo da autenticidade do texto Que essa distinccedilatildeo fosse doutrinalmente tratada
nesta passagem parece plenamente verossiacutemil se notarmos que apoacutes uma distinccedilatildeo pelo
criteacuterio de quantidade quanto agrave natureza da prosa e da poesia o tratado por tomar como seu
fio condutor para esta primeira parte a elocuccedilatildeo seguia esquematicamente pela triparticcedilatildeo da
retoacuterica que se em Aristoacuteteles refere-se aos meios pelos quais se produz persuasatildeo na
tratadiacutestica posterior (de que Dioniacutesio de Halicarnasso eacute oacutetimo exemplo) que considera a
47
poesia pela elocuccedilatildeo configura os trecircs aspectos segundo os quais se avalia a composiccedilatildeo em
geral
Bem como outros autores propotildeem para esta passagem suas leituras perifraacutesticas aqui
se julga que a mais adequada seria ldquoprossegue fazendo [suas] consideraccedilotildees [refletindo] sobre
a avaliaccedilatildeo de poesia no que transmite [dentre outras coisas] a doutrina sobre a diferenccedila
entre caraacuteter e paixatildeordquo
A 3a e uacuteltima refere-se ao que seriam esse eacutethos e paacutethos em certos tipos de poemas eacute
compreensiacutevel seguindo a liccedilatildeo de Aristoacuteteles que estejam presentes em uma obra cujo
objeto eacute uma accedilatildeo composta de agentes etc uma obra ldquonarrativardquo no nosso sentido moderno
da palavra a eacutepica a trageacutedia etc Como isso se dava poreacutem em um melos ou em uma
elegia Podemos considerar primeiramente que num poema como um epiniacutecio pindaacuterico se
natildeo se circunscreve ao polecircmico criteacuterio da Poeacutetica de Aristoacuteteles de ser miacutemesis de accedilatildeo
pode trazer um mito (no caso de Piacutendaro quase sempre) como seu ornato ou alusotildees
histoacutericas e miacuteticas Inevitavelmente aiacute em se contando algo e portanto representando
agentes ou personagens simplesmente representar-se-atildeo caracteres e afetos inevitavelmente
Segundo haacute que se considerar tambeacutem o que poesia ldquonarrativardquo passa a significar para a
tratadiacutestica posterior a Aristoacuteteles bem como o fato de que aquela figura falante num poema
de gecircnero meacutelico aquela voz poeacutetica que reporta ela mesma por via da elocuccedilatildeo traz caraacuteter
e afeto Eacute nesse sentido que o comentaacuterio de Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit) agrave poesia de
Alceu na referida passagem serve otimamente de exemplo ldquodispa-lhe algueacutem do metro em
vaacuterios lugares descobriria oratoacuteria poliacuteticardquo Para que esse caraacuteter advenha do discurso
retirado o metro como se a composiccedilatildeo fosse um discurso poliacutetico deve ser inerente ao
proacuteprio discurso e natildeo inerente a uma personagem
O termo grammatikeacute aqui portanto (principalmente depois das praacuteticas filoloacutegicas
alexandrinas) eacute abrangente e envolve o quanto se pode saber a fim de instruir na
compreensatildeo da arte que opera com a palavra mesmo que haurido de diferentes doutrinas ou
aacutereas do saber antigo Essa funccedilatildeo de instruir a princiacutepio circunscrevia-se ao ofiacutecio do
gramaacutetico que adotava como modelo para essa instruccedilatildeo exatamente os poetas como o
pedagogo da Greacutecia Antiga contra quem Platatildeo se insurge
Essa ocupaccedilatildeo passa a abarcar diferentes aspectos que naturalmente tangenciam
outras aacutereas do saber letrado que se debruccedilaram sobre a palavra assim o gramaacutetico se torna o
erudito das letras por excelecircncia o filoacutelogo Sobre esse ponto vale citar as consideraccedilotildees de
48
Ferrante que pensa de maneira semelhante a associaccedilatildeo da Crestomatia de Proclo agrave
gramaacutetica e a citaccedilatildeo que faz a respeito
A conforto di questo apelativo da me dato allrsquo autore dela
Crestomazia egrave necessaacuterio citare um passo dela Filologia Claacutessica
dellrsquo Inama (Hoepli Milano 1854 pagg 1 ndash 2) lsquoLa parola filoacutelogo
( ) la quale secondo la sua etimologia non voleva dir altro
da principio che amante dela conversazione ma di uma conversazione
colta ed eletta ( ) venne a designare al tempo degli
alessandrini nel III sec a GC uma classe di studiosi distinti da
quelli43 molto affini dei critici ( ) e dei grammatici
( ) Mentre i grammatici si occupavano soprattutto di
liacutengua e di questioni letterarie ed i critici della correzione ed
interpretazione dei testi degli scittori antichi i fillogi invece avevano
per oggetto preciacutepuo dei loro studi lrsquoerudizione mitologica storica
antiquaria Questi corripondevano a quelli che oggidi diciamo dotti ed
eruditi ecc ecc
(Inama apud Ferrante Crestomazia Introduzione Casa Editrice
Armanni Napoli 1957 pg 13)
Ferrante destaca a atuaccedilatildeo de filoacutelogo que o gramaacutetico passa a ter no periacuteodo
heleniacutestico como responsaacutevel pela ediccedilatildeo dos textos daqueles que para eles jaacute eram
ldquoantigosrdquo Pontua inclusive que essa funccedilatildeo desse erudito supunha conhecimentos do que
hoje noacutes diriacuteamos ldquoliteraturardquo ie dos gecircneros literaacuterios mais especificamente e natildeo do que
noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash
uma seacuterie de categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco
mesmo ou os preceitos da chamada ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira
estranha aos antigos Como fulcro comum talvez se pudesse postular que essa atividade de
exegese literaacuteria era no rigor da palavra grega graacutemmata uma exegese ou descritiva ou
prescritiva ou ambas de todas as atividades envolvendo as letras ou em se preferindo as
praacuteticas letradas
Natildeo poderiacuteamos saber contudo se a obra atribuiacuteda a Proclo trataria tambeacutem da prosa
uma vez que ela eacute menciona na distinccedilatildeo inicial do coacutedice e diferentes indiacutecios apontam para
um texto que estaacute incompleto Pelo que se poderia deduzir da introduccedilatildeo de Dioniacutesio Traacutecio agrave
empiria como o interesse do gramaacutetico era o uso linguiacutestico dos doutos em se assumindo que
ldquosyggrapheucircsinrdquo tambeacutem se referiria e abarcaria os prosadores em geral talvez ao utilizar seu
conhecimento para instruir esse gramaacutetico-filoacutelogo aos moldes heleniacutesticos tambeacutem se
43 Afinal passa-se gradativamente de um mundo da fala para um mundo do registro escrito
49
dedicasse aos gecircneros de composiccedilatildeo em prosa e tratasse daqueles que copunham
historiagrafia e oratoacuteria Por outro lado a julgar pelo padratildeo ie pelo que se observa em
outras obras a oratoacuteria como objeto da retoacuterica tem seus grandes exemplos comentados e
analisados nos autores que se incumbem dessa arte que tendem a demosntrar o que
descrevem com exemplos que aleacutem dos oradores focam-se por vezes nos historiadores como
o faz por exemplo Dioniacutesio de Halicarnasso Natildeo eacute de mais ressaltar que mesmo no caso da
oratoacuteria os tratadistas sempre buscam os exemplos dos poetas como modelo praacutetica
recorrente no citado Dioniacutesio de Halicarnasso e em Quintiliano no caso dos latinos de modo
geral observa-se que quando o foco eacute a instruccedilatildeo em algum aspecto do saber das letras o
modelo tende a serem os poetas Portanto haacute indiacutecios sufientemente plausiacuteveis para se
argumentar contrariamente que natildeo seria proacuteprio dessa Crestomatia de Letras tratar da
prosa mas que inevitavelmente para concentrar-se na poesia como seu objeto precisa crivaacute-
la delimitaacute-la em oposiccedilatildeo agrave prosa principalmente se aborda o tema pelo vieacutes (a ser
comentado) da elocuccedilatildeo Por fim deve-se ressaltar que cada uma dessas que denominamos as
doutrinas antigas se pretendia uma teacutecnica em si teacutecnica retoacuterica teacutecnica gramatical etc
portanto cada uma visava a um fim proacuteprio Vimos tanto no prefaacutecio da gramaacutetica de Dioniacutesio
Traacutecio quanto em seu escoacutelio aquilo a que visa essa teacutecnica Por isso mesmo como uma
crestomatia sobre gramaacutetica mas natildeo uma gramaacutetica propriamente eacute natural que nosso
epiacutetome aborde temas proacuteprios desse ofiacutecio na abrangecircncia que passa a ter apoacutes os
alexandrinos a fim de exlcarecer e instruir a fim de minimamente coligir informaccedilatildeo uacutetil a
repeito do assunto sem ser ela mesma no entanto uma gramaacutetica um manual da Ars Essa
hipoacutetese se aventa principalmente do cotejo entre o epiacutetome e o livro III da Ars Grammatica
de Diomedes que se concebe como uma pequena coleccedilatildeo de gecircneros e espeacutecies poeacuteticas que
natildeo tatildeo abrangente quanto a Crestomatia segue os mesmos criteacuterios do epiacutetome deixando-
nos entrever portanto uma espeacutecie de ldquocriteacuterio gramaticalrdquo com que se tratava da poesia com
a finalidade tatildeo simplesmente de classificaacute-la (v infra cap 3)
Assim se explicaria o tiacutetulo da obra trata-se de um texto que colige de diferentes
aacutereas quanto se eacute uacutetil saber sobre letras e por isso mesmo o epiacutetome refere a diferentes
seccedilotildees das doutrinas antigas ndash da retoacuterica a classificaccedilatildeo da elocuccedilatildeo pelas diferentes
possibilidades de moldaacute-la da poeacutetica os gecircneros enunciativos jaacute da poeacutetica e da etimologia
tangenciando a gramaacutetica as caracteriacutesticas dos gecircneros poeacuteticos (mateacuteria metro) associados
a seu nome e origem o que por vezes quando se descrevem as festas associadas a um
gecircnero por exemplo leva agrave etiologia etc Assim sendo se tanto o termo ldquogramaticalrdquo como
ldquoliteraacuteriardquo sugeririam dois extremos modernos que poderiam levar o leitor a uma interpretaccedilatildeo
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equivocada optou-se aqui pela igualmente literal etimologicamente locuccedilatildeo adjetiva ldquode
Letrasrdquo pois que eacute fiel ao texto grego e pode remeter o leitor ao acircmbito das Belas Letras e das
praacuteticas letradas dos seacuteculos XVI XVII e XVIII em geral cujas convenccedilotildees supotildeem noccedilotildees
e praacuteticas mais afeitas ndash embora natildeo idecircnticas ndash agraves antigas uma vez que ao menos potildeem-se a
emulaacute-las
2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO
POESIA E RETOacuteRICA
21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO
Apoacutes o nome da obra e a informaccedilatildeo de que era composta de quatro livros ou quatro
arrazoados diferentes inicia-se o resumo da Crestomatia pelo procedimento padratildeo dos
diferentes epiacutetomes da Bilbioteca temos a estrura de discurso indeireto ou reportado ou seja
ldquoo autor diz querdquo e assim sucessivamente No caso desta obra em especiacutefico cada
enunciado traz uma liccedilatildeo de doutrina um ensinamento que se pode rastrear em outros textos
A primeira liccedilatildeo que nos traz eacute a distinccedilatildeo entre poesia e prosa distinccedilatildeo que seraacute
preponderante pelo menos ateacute o fim do epiacutetome destinado a classificar os gecircneros e as
espeacutecies da poesia Ao iniciar por essa distinccedilatildeo o epiacutetome daacute a entender que antes se
aplicava um criteacuterio habitualmente empregado na tratadiacutestica retoacuterica ie aborda-se o tema
pelo vieacutes mais amplo da elocuccedilatildeo Natildeo agrave toa se buscamos referecircncias para o que estaacute sendo
ensinado sobejam os textos de retoacuterica principalmente porque seguindo o criteacuterio de abordar
a elocuccedilatildeo todo o resto dessa primeira sessatildeo do epiacutetome por assim dizer focar-se-aacute numa
das formas que conhecemos da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo Apesar disso jaacute podemos
ver aqui a caracteriacutestica acima discutida a saber que esta crestomatia compendiava ou coligia
noccedilotildees ou liccedilotildees cujas origens remontavam a diferentes saberes
Comecemos pela distinccedilatildeo baacutesica
O termo loacutegos por designar ldquopalavrardquo mas tambeacutem a ldquofalardquo o ldquodiscursordquo eacute o termo
usado entre os gregos para designar a obra em prosa justamente como um discurso padratildeo
natildeo-poeacutetico nela empregado Define-se por oposiccedilatildeo a poiacuteesis em boa parte dos textos a
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comeccedilar por Platatildeo quando opotildee os dois na conhecida passagem do livro III da Repuacuteblica
(390a)
Aristoacuteteles como se sabe emprega poietikeacute para designar o fazer ie a teacutechne que
procura delimitar e definir no tratado que recebe aquele nome Descrevendo a quarta parte
constitutiva da trageacutedia a elocuccedilatildeo (leacutexis) Aristoacuteteles (1450b 12 ndash 14) observa suas
diferentes maneiras de ocorrer (ldquoem palavrasrdquo ldquoem discursordquo ie ldquoem falardquo
apenas) e (ldquoem medida(s)rdquo ldquoem proporccedilatildeordquo ou simplesmente
ldquometrificadordquo) sem que isso como se sabe seja criteacuterio distintivo do que eacute ou natildeo poesia
Na Retoacuterica Aristoacuteteles tambeacutem se ocupa dessa diferenciaccedilatildeo pela elocuccedilatildeo e a distinccedilatildeo
entre prosa e poesia posteriormente acaba por se concentrar como uma questatildeo proacutepria
dessa
Assim Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado da Composiccedilatildeo das Palavras (6 43 ndash 47)
apoacutes expor que todas as artes compartilham das mesmas normas de seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo em
trecircs etapas (mais precisamente erga ldquodeveresrdquo tarefas sucessivas e complementares) propotildee
uma distinccedilatildeo mais especiacutefica do ponto de vista da elocuccedilatildeo entre discurso pedestre loacutegoi
pezoiacute e ldquopoeacuteticardquo Mais agrave frente (15 40 ndash 46) poieacutemata junto a meacutele contrapoem-se a loacutegoi
psiloiacute (discurso ordinaacuterio ou comum) e o que agrupa aqueles dois eacute que ldquosatildeo elaborados
atraveacutes de metro ou ritmordquo ( ) Como se observa
posteriormente o resultado da poieacutetikeacute o poiacuteema passa a ser igual e tecnicamente empregado
para designar a poesia em oposiccedilatildeo agrave prosa
Poesia e Prosa distinguem-se na elocuccedilatildeo natildeo pela qualidade (suas virtudes satildeo as
mesmas) mas pela quantidade A expressatildeo ldquono mais e no menosrdquo ( eacute
tiacutepica do grego para designar quantidade e em se tratando da elocuccedilatildeo poeacutetica ou oratoacuteria
deve naturalmente ser entendida no sentido de que como composiccedilotildees que se utilizam da
palavra as qualidades tanto da prosa como da poesia devem ser as mesmas mas quanto tenha
a prosa a poesia teraacute mais em maior proporccedilatildeo Essa doutrina jaacute eacute exposta por Aristoacuteteles
logo no comeccedilo do livro III da Retoacuterica dedicado agrave elocuccedilatildeo A elocuccedilatildeo do orador deve
parecer o menos distante quanto possiacutevel do natural do falar ldquoconversacionalrdquo (ldquodialogalrdquo
literalmente ndash ) enquanto a elocuccedilatildeo poeacutetica se distancia mais desse falar A
razatildeo os homens tendem a desconfiar daquilo em que lhes parece haver artificio Assim a
principal caracteriacutestica pleiteada pelo orador deve ser a clareza Qualquer elemento que torne
o discurso mais elevado por ornaacute-lo pode servir agrave prosa mas serve melhor agrave poesia pois pode
desviar o orador de seu principal objetivo que eacute tornar claro o significado (cf 1404b ndash
1405a) Para atingir essa clareza o que sobeja na poesia eacute empregado em menor nuacutemero na
52
prosa e apenas em algumas circunstacircncias dos nomes e verbos satildeo os proacuteprios que conferem
ao discurso clareza os demais tipos o ornam e satildeo justamente objeto da Poeacutetica
Semelhantemente a Aristoacuteteles Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit idem) apoacutes expor
as referidas etapas do saber compositivo (synthetikeacute episteacuteme opcit 6 1 e sg) afirma ldquo
Esse princiacutepio eacute mais profuso [dapsileacutesteron] na poeacutetica e menos encontradiccedilo [spanioacuteteron]
no discurso pedestrerdquo
22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO
Sendo a elocuccedilatildeo o criteacuterio que orienta o estabelecimento dos primeiros ldquosaberes
proveitososrdquo dos primeiros elementos a serem informados ou ensinados passa-se a uma das
versotildees da exposiccedilatildeo da doutrina geralmente conhecida como dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo
aqui na sua interpretaccedilatildeo por ldquotrecircs moldesrdquo
A traduccedilatildeo de plasma por ldquomolderdquo busca a referida literalidade da traduccedilatildeo e por
essa jaacute trazer algo proacuteprio da doutrina acerca dessas trecircs formas da elocuccedilatildeo ou como eacute mais
comumente designada dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo ou genera dicendi Geralmente
traduzido por ldquoestilordquo perde-se a metaacutefora fiacutesica que classifica a elocuccedilatildeo como que por sua
forma externa sua forma fiacutesica Trata-se portanto das trecircs possiacuteveis formas de se amoldar
(do verbo plaacutesso) o discurso Emprega-se tambeacutem nos textos characteacuter que eacute a marca o
traccedilo impresso por um instrumento (do verbo charaacutesso) daiacute passando ao ldquotipordquo ao ldquotraccedilo
caracteriacutesticordquo portanto distintivo que tambeacutem abre margem para o que dizemos ldquoestilordquo
Quanto ao leacutexico da doutrina a maneira de Plutarco c I dC parece evidenciar o
conhecimento de duas nomenclaturas concorrentes nesse seacuteculo (Vita Homeri 72) ldquo()
rdquo ndash ldquo() tambeacutem satildeo caracteres
dos discursos os chamados moldesrdquo e logo os nomeia atraveacutes dos mesmos termos e ordem
que lemos aqui no coacutedice 236
De fato em Demeacutetrio seacutec II AC (De Eloc 36 1) a divisatildeo aparece sob o tiacutetulo de
charactecircres tecircs hermeneiacuteas ldquocaracaterestraccedilos da elocuccedilatildeordquo no tratado inteiro dedicado a
essa que eacute uma das partes do discurso
Dioniacutesio de Halicarnasso I AC emprega-os mormente e junto tambeacutem a leacutexis (De
Demosthenins Dictione 8 28 ndash 31) e a ldquocomposiccedilatildeordquo (a syacutenthesis De Compositione 21 15)
ie referindo-se agrave composiccedilatildeo como um todo e quando os nomeia na sua obra dedicada a
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Demoacutestenes (33 21 ndash 23) fala em ldquotrecircs caracteres
geneacutericosprincipaistiacutepicosrdquo introduzindo um qualificativo relevante para o entendimento da
doutrina como dos gecircneros (categoria ampla e principalmente abrangente em relaccedilatildeo agrave
espeacutecie) possiacuteveis agrave elocuccedilatildeo de forma geral como se evidencia entre os latinos (Cf Ciacutecero e
Quintiliano infra pg 92) Em uma soacute passagem poreacutem Dioniacutesio que se serve variamente
das palavras testemunha o uso do outro termo para designar a doutrina e emprega tambeacutem
placircsma (De Dem Dict 34)
No mesmo seacuteculo a Retoacuterica a Herecircnio apresenta uma traduccedilatildeo literal da nossa
doutrina e sua triparticcedilatildeo (IV 8) na qual figura (do verbo fingere) verte da maneira mais fiel
e direta o grego jaacute que ambos os verbos servem nas respectivas liacutenguas para designar a arte
plaacutestica de modelar o estatuaacuterio figurar Natildeo se adotou aqui essa traduccedilatildeo latina porque jaacute na
retoacuterica e depois a palavra tambeacutem designaraacute as figuras de linguagem Preferiu-se outra
igualmente literal
Ciacutecero por exemplo (Orator 20) e Quintiliano (Institutiones Oratoriae XII 10 58)
empregaratildeo genera dicendi aproximando-se da noccedilatildeo ldquogeneacutericardquo de Dioniacutesio de
Halicarnasso
O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio (449 26) eacute o mais chamativo ao empregar exatamente os
mesmo termos do coacutedice 239
Jaacute para tratar dos diferentes termos empregados para qualificar os gecircneros eacute
interessante a breve consideraccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso antes de nomeaacute-los no tratado
De Compositione(21 15 ndash 18)
ldquo()
rdquo
ldquo() eu mesmo poreacutem natildeo tendo um nome oficial para designaacute-los como permanecem
inominados por nomes metafoacutericos chamo-osrdquo
(trad do autor)
Dioniacutesio mesmo afirma que os charactecircres natildeo possuem um nome definitivo ie de
caraacuteter oficial (kyacuterios) e natildeo havendo essa jurisprudecircncia de termos nomeia-os
metaforicamente
Diferentes metaacuteforas opositivas portanto satildeo empregadas nos diferentes textos
visando a representar mas igualmente delimitar e definir os limites entre os quais se ajusta a
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elocuccedilatildeo originando um pequeno leacutexico que aparece misturado nas diferentes classificaccedilotildees
concomitantemente a diferentes interpretaccedilotildees da doutrina
Assim Demeacutetrio (op cit) propotildee quatro caracteres simples ndash o
ldquotecircnueesguiodelgadoexiacuteguordquo (ischnoacutes) o ldquomagnificenterdquo (megaloprepeacutes) o
ldquosuavepolidobrunidoeleganterdquo (glaphyroacutes) o
ldquotremendoterriacutevelimpetuosoveementeeneacutergicordquo (deinoacutes) ndash que se misturam (salvo os dois
primeiros que se definem pelo antagonismo) para formar todos os diferentes estilos
A julgar por Quintiliano jaacute seacuteculo I dC (XII 10 2 e sg no paralelo entre histoacuteria da
pintura e oratoacuteria) poder-se-ia pensar em tantas espeacutecies quantas elocuccedilotildees sendo possiacutevel
distingui-las em um niacutevel superior segundo o gecircnero A explicitaccedilatildeo desse raciociacutenio parece
condizente com o que se observa ao longo dos seacuteculo Assim eacute que apoacutes Demeacutetrio observa-
se um rearranjo da doutrina em trecircs tipos dos quais dois satildeo opostos e um supotildee a mistura e
dos quais a plenitude eacute variavelmente interpretada
Assim eacute que Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict supra) parece empregar o
superlativo (hoigrave genikoacutetatoi) para distingir dentre os caracteres ldquomais geneacutericosrdquo primeiro
dois extremos o ldquotecircnuerdquo (ischnoacuten) e o ldquoelevadosublimerdquo(hypseloacuten) e depois um ldquomeio
termordquo (metaxyacute) No De Compositione como mencionado a doutrina eacute transposta para toda e
qualquer composiccedilatildeo em geral e o mesmo tratadista emprega outra terminologia (que pode
confundir-nos comparada agraves demais) a fim de nomear um dos gecircneros que julga o melhor
nomeia uma elocuccedilatildeo ldquoausterardquo (austeacuteran) por natildeo ser ornada uma ldquopolidardquo (glaphyraacuten
bem no sentido de ldquoeleganterdquo) ou ldquofloridardquo (antheacuteran) porque ornada e ndash a melhor ndash ldquobem-
solvidamisturadabalanceadordquo (euacutekratos)
A Retoacuterica a Herecircnio (supra) proporaacute a distinccedilatildeo por ordem decrescente um ldquograverdquo
(gravis que estaacute mais para o grego baryacutes mas tangencia a semacircntica de hadroacuten) um
ldquomedianomediacuteocrerdquo (mediocrismeacutesosmetaxyacute) e um ldquotecircnuerdquo (adtenuata sc figura em que
embaso minha traduccedilatildeo)
Ciacutecero (op cit 20 3) descreve os trecircs gecircneros com os vaacuterios adjetivos desse
vocabulaacuterio mas nomeia o orador ldquoque pratica a grandiloquecircnciardquo (grandiloqui) os ldquotecircnuesrdquo
(tenues) que fazem do discurso algo ldquoagudo aguccedilado adelgaccedilado afiadordquo (acuti) e haacute aquele
ldquoque se situa no meio entre os doisrdquo (interiectus inter hos) e o faz ldquomeacutediordquo (mediusmesos) e
ldquotemperado compoacutesito balanceadordquo (temperatusmetaxus eukratos)
Quintiliano provavelmente o mais abrangente preocupa-se em nos dizer quais os
nomes gregos com que se nomeiam os gecircneros e emprega o ldquosutilrdquo (subtile sinocircnimo de
tenuis ldquoexiacuteguo de pequena proporccedilatildeordquo) para ischnoacuten o ldquorobustordquo (robustum) para hadroacuten e
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por fim como no coacutedice 239 descreve um terceiro que eacute o meio entre os dois (meacutedium ex
duobus) mas que no entanto designa como ldquofloridordquo (floritum antheroacuten)
221 O molde copioso
Embora jaacute se tenham contemplado duas possiacuteveis traduccedilotildees por correlatos latinos
(supra) ambas atentas ao peso (ldquograverdquo) ao volume e agraves proporccedilotildees (ldquorobustordquo) deste
gecircnero e embora se esperasse aqui a adoccedilatildeo de alguma delas por ldquocopiosordquo pretende-se
trazer ao eventual leitor lusoacutefono um termo que tente abranger outras noccedilotildees outros traccedilos
semacircnticos mais especificamente implicados no termo grego natildeo parece de mais remetecirc-lo
ao dicionaacuterio (Liddell amp Scott pg 25 9ordf ed) que sumarizo com a possiacutevel sinoniacutemia do
portuguecircs ldquogrosso volumoso espesso denso robusto forte vigoroso corpulento gordo
firme forte resistente soacutelido avultado maciccedilo pesadordquo A noccedilatildeo abstrata de coacutepia
abundacircncia aplica-se genericamente a todas qualidades observadas nos textos que descrevem
o placircsma principalmente agrave imagem de que possuindo mais ornato resulta numa forma num
molde fisicamente maior mais avultada por conter mais Eacute nesse sentido do uso do ornato
que ldquoenruga entumece avoluma a elocuccedilatildeordquo que se deve entender a segunda seacuterie de termos
que o descreve ldquomuitiacutessimo elaboradordquo (kataskeuasmeacutenon maacutelista) Aleacutem do superlativo
de intensidade maacutelista cujo emprego num texto como este um resumo eacute por demais
relevante no que pretende resumir deve-se lembrar que a palavra grega skeueacute tem a ver com
ldquoequipamento aparelho aparatordquo eacute por exemplo a equipagem do navio em contexto
naacuteutico os aparatos beacutelicos o equipamento da armadura em contexto militar pode ser a
indumentaacuteria do ator mas tambeacutem do sacerdote etc O verbo kataskeuaacutezo significa
literalmente prover por completo esse aparato ie preparar ou elaborar algo No contexto
retoacuterico-poeacutetico a palavra designa a elaboraccedilatildeo da obra em ato e portanto como qualidade
(Cf Dioniacutesio de Halicarnasso De Comp Uerb 1 6 et allia) Este placircsma eacute ldquomais elaboradordquo
no sentido de que eacute mais aparatado paramentado releva maior preparaccedilatildeo Embora essas
traduccedilotildees todas fossem possiacuteveis e caiacutessem bem neste contexto perder-se-ia a noccedilatildeo mesma
de como a doutrina antiga concebe esse processo de confeccionar a obra (amplamente
empregado por Dioniacutesio op cit) uma vez que elaborar em portuguecircs aleacutem de manter esse
significado mais abrangente conserva algo de se sua etimologia ie ldquotrabalhar laborarrdquo em
torno de algo Portanto deve-se lembrar de que neste contexto dos gecircneros da elocuccedilatildeo a
56
maior elaboraccedilatildeo do gecircnero em questatildeo de modo geral consiste no uso de ornato dos tropos
e figuras o artifiacutecio da linguagem ie seu aparato
Apontando pois as caracteriacutesticas gerais deste gecircnero Dioniacutesio de Halicarnasso (De
Dem Dict34 7 ndash 8) tambeacutem diz da leacutexis que eacute peritteacute ldquoabundante extraordinaacuteria
prodigiosardquo e exellagmeacutene ie ldquovaacuteria alteradardquo (a partir do idioma comum ndash to idioacutetikon
Arist Rhet 1406a 15) e logo adiante apontaraacute a superioridade de Demoacutestenes dentre outros
motivos porque ldquo rdquo ie ele
(Demoacutestenes) ldquoadvinha grandeza em toda elaboraccedilatildeo que a possuirdquo
Na Retoacuterica a Herecircnio (supra) seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo evidenciam-se suscintamente na
definiccedilatildeo de que a figura grave ldquoconstitui-se a partir de uma construccedilatildeo leve (o que chama a
atenccedilatildeo do ponto de vista doutrinal) e ornada [ornata] de palavras graves [uerborum
grauium]rdquo ie de ldquomaior pesordquo
Ciacutecero (Orator 20 3 ndash 5) vale-se de praticamente todo o leacutexico ldquo() foram (os
grandiacuteloquos) com ampla [ampla] gravidade [grauitates] de pensamentos e majestade
(grandeza) [maiestate] de palavras veementes [vehementes] variados [uarii] copiosos
[copiosi] graves [graves]rdquo
Quintiliano circunscreve cada um dos gecircneros a cada uma das funccedilotildees da retoacuterica O
hadron ou robustum laacute eacute o que tem maior capacidade de mover (mouendi) por possuir o
atributo baacutesico da forccedila (uis) (op cit XII 10 59) ldquoo oradorrdquo segue dizendo (62 1) ldquo()
eleveraacute o discurso a amplificaccedilotildees e ateacute se alccedilaraacute agrave hipeacuterbolerdquo (amplificationibus
extollet orationem et in superlationem quoque erigetur)
Plutarco e o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio como se viu (supra) trazem formulaccedilotildees
praticamente idecircnticas (pelo menos no leacutexico) a de nosso epiacutetome naquele ldquo
rdquo Traduccedilatildeo ldquoo molde copioso eacute aquele que tanto na elaboraccedilatildeo
[kataskeueacute] das palavras [leacutexeis] e dos pensamentos [noeacutemata] possui aspectos [ie a
aparecircncia] grandiosos [megaacutele]) neste ldquo rdquo ndash
tomada em sua literalidade ldquocopioso eacute o proeminente [saliente diermeacutenon] no seu volume
de natureza [oacutegkos katagrave phyacutesin podendo significar ldquotumefaccedilatildeordquo dando a ideia de que o
plasma se faz adiposo rugoso inchado]rdquo
Quanto a ldquoestonteanterdquo uma qualificaccedilatildeo pelo efeito natildeo soacute faz lembrar o quarto
gecircnero puro de Demeacutetrio o tremendo que parece assimilado pelo gecircnero maior na triparticcedilatildeo
posterior como se associaria e poderia ser compreendido pela concentraccedilatildeo de cada um dos
trecircs gecircneros (entatildeo adaptados numericamente) agraves trecircs funccedilotildees da oratoacuteria como se vecirc em
57
Quintiliano Aleacutem da referida passagem sobre a forccedila deste gecircnero (supra) descrevendo seu
efeito sobre o ouvinte diz que o orador ao empredar tal elocuccedilatildeo ldquotomaraacute de assalto o juiz
mesmo que manifestamente contraacuterio e o forccedilaraacute a ir aonde o transportarrdquo (iudicem uel
nitentem feret cogetque ire qua rapiet) Inst Orat XII 10 61 3 ndash 34) A forccedila dessa elocuccedilatildeo
logo fora descrita como rio cuja forccedila leva ripas e derruba pontes (idem 61) Adiante (62 7 ndash
9) ldquoesse (tal orador) a ira esse a misericoacuterdia inspiraraacute esse falando paacutelido ficaraacute o juiz e
choraraacute afetado por completo seguiraacute arrastado daqui ali e natildeo desejaraacute mais ser instruiacutedo
(ldquohic iram hic misericordiam inspirabit hoc dicente iudix pallebit et flebite et per ominis
adfectus tratus huc atque illuc sequetur nec doceri desiderabitrdquo Cf tambeacutem Ciacutecero Orator
20 6 ndash 7 ad permouendos et conuertendos acircnimos instructi et parati) Por fim ldquoreluzindo
uma beleza poeacuteticardquo para aleacutem do vocabulaacuterio da imagem e da forma comum agrave referida
passagem de Plutarco essa passagem se explica por tudo quanto se disse da distinccedilatildeo entre
poesia e prosa (supra n8) agora considerada do ponto de vista dos moldes da elocuccedilatildeo
quanto mais se eleva e se afasta da linguagem pedestre mais a prosa tende a parecer com a
poesia portanto eacute de se esperar que se a poesia estaacute para o mais elevado e a prosa para o
mais pedestre quanto mais elevada a elocuccedilatildeo ela mesma mais poeacutetica Eacute portanto natural
que o molde copioso chame atenccedilatildeo (pensando na semacircntica de reluzir epiphaiacuteno) por
mesmo natildeo sendo em um poema ser inevitavelmente mais poeacutetico podendo assim ser
classificado (Cf mais uma vez Aristoacuteteles Ret III)
222 O molde tecircnue
Este molde se define portanto opostamente agravequele uma vez que se nomeia por seu
antocircnimo Podemos resumir o significado da palavra da seguinte maneira ldquoseco enxutordquo
donde negativamente tem-se ldquofraco esquaacutelido magro parcordquo - no sentido de algo que natildeo
se expande ndash ldquocomedidordquo daiacute ldquoplano liso reto esguio delgado direto claro manifesto
inteligiacutevelrdquo (LIddell amp Scott idem p848) A traduccedilatildeo precisa portanto dar conta da noccedilatildeo
fiacutesica de maneira positiva ie algo ldquoesguio enxuto delgado ateacute esbeltordquo Agrave medida que se
comeccedila a fazer uma imagem mais clara da doutrina nota-se que metaforicamente tem por
criteacuterio uma espeacutecie de medida de proporccedilotildees da elocuccedilatildeo conforme ela se nos afigura mais
palavras explicitam o que seja o molde copioso confirmando o quanto se expocircs acima sobre
ele e consequentemente formando por oposiccedilatildeo a imagem do molde tecircnue Este consiste em
58
natildeo escolher por banir por ldquoproscreverrdquo [metadioacuteko] aquela composiccedilatildeo que vem retomada
como tropikeacute (literalmente ldquoem que haacute troposrdquo) e philokataskeuacuteos (ldquoamante da elaboraccedilatildeordquo
o que eacute dizer aqui do aparato do paramento do ornato) Enfim ldquoentretece-serdquo [syneacutertatai
dando a ideia simples de sucessatildeo amarraccedilatildeo atrelamento] a partir de literalmente ldquocoisas
soltasrdquo [aneimeacutena] Opta-se aqui por ldquodespojamentordquo para traduzir o que no grego eacute um
neutro plural atentando ao fato de que o particiacutepio aiacute substantivado eacute do verbo aniacuteemi
ldquolanccedilar para o altordquo portanto ldquosoltar relaxar aliviarrdquo e que assim mesmo no particiacutepio
passivo perfeito eacute empregado para designar o que estaacute ldquosolto frouxo relaxado dissolutordquo
Isso significa que os elementos do molde tecircnue juntam-se atrelam-se sem a constriccedilatildeo que
gera o volume de seu oposto O verbo latino expedio possui um uso semelhante a esse de
aniacuteemi e estaacute presente com essa acepccedilatildeo na liacutengua portuguesa mas seu deverbal ldquoexpediccedilatildeordquo
natildeo conserva o sentido Os deverbais de outros verbos semelhantes a expedio poderiam ser
cogitados como o proacuteprio ldquodespirrdquo (ldquodespimentordquo) mas em se optando por nomear essa
qualidade que no grego eacute um neutro plural abstrato quis se aproveitar o uso do portuguecircs que
emprega despojamento justamente para designar algo ou algueacutem ldquodesapegado simplesrdquo que
abre matildeo de ornamento riqueza etc uma vez que se diz o mesmo tambeacutem de estilo que eacute
assim simples modesto
A Retoacuterica a Herecircnio (IV 8) que como visto traz uma exposiccedilatildeo da doutrina
parecida com a de nosso epiacutetome diz que essa eacute a figura ldquorebaixada por completo ao costume
mais usual do falar puro (demissa est usque ad usitatissimam puri consuetudinem sermonis)rdquo
e antes de exemplificar posteriormente (IV 10) ldquoad infimum et cotidianum sermonem
demissum est (genus adtenuatum)rdquo ie ldquoeacute rebaixado ao falar iacutenfimo e cotidianordquo
O contemporacircneo grego Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict 34 13 ndash 14)
descreve a frase desse gecircnero como ldquolisardquo [liteacute] e ldquoparcardquo [aperittoacuten]
Ciacutecero no Orator (20 9 -11) eacute o mais abrangente ldquoet contra tenues acuti omnia
docentes et dilucidiora nom ampliora facientes subtili quadam et pressa oratione et limatardquo ndash
ldquoe contraiamente [aos grandiacuteloquos] os tecircnues agudos ensinando as coisas mais claras natildeo
as fazendo mais amplas sutis em qualquer discurso conciso e limadordquo
Quintiliano ao tomar as personagens homeacutericas como exemplo e usar Menelau para
ilustrar este gecircnero (XII 10 64) caracteriza tal elocuccedilatildeo como ldquobreuem quidem cum
iucunditate et propriamrdquo ldquocarentem superuacuisrdquo ndash ldquodefinitivamente breve com alegria e
proacutepriardquo ldquolivre de redundacircnciasrdquo
Assim Plutarco e o escoliata de Dioniacutesio Traacutecio que provavelmente seguem a mesma
base de nosso resumo ldquo
59
rdquo (Plut Uit Hom 72) ndash ldquotecircnue eacute aquele pequeno na mateacuteria de seus
argumentos e suavizado na palavrardquo ldquo
rdquo ndash ldquotecircnue eacute o contraiacutedo no seu volume natural (por natureza de natureza)rdquo
(Schol Dion Tr 449 28)
223 O molde meacutedio
Quanto agrave traduccedilatildeo embora se pudesse tornar o texto mais palataacutevel e inteligiacutevel
optando-se por alguma outra forma para a segunda ocorrecircncia da palavra optou-se pela
literalidade que natildeo soacute reproduz o caraacuteter repetitivo do texto do epiacutetome como tambeacutem a
dificuldade conceitual que impotildee Dos termos eacute vaacutelido comeccedilarmos pelos dois textos que ateacute
entatildeo se igualavam quase que plenamente ao coacutedice 239 em Plutarco (idem) ldquo
rdquo ndash ldquomeacutedio [meacuteson]
eacute o que estaacute entre [metaxyacute] cada um deles do mais tecircnue [ischnoacuteteron] e do mais copioso
[hadroacuteteron]rdquo poreacutem no escoliasta (idem) ldquo [antheroacuten] rdquo ie
ldquoo florido eacute o meacutedio entre ambosrdquo Aqui se iniciam as principais questotildees acerca da doutrina
mesmo que aparentemente acabada e resolvida em trecircs gecircneros questotildees que apenas se
esboccedilam quando se trata num primeiro momento de distinguir dois extremos antagocircnicos
1) A formulaccedilatildeo de Plutarco dificulta o estabelecimento de um criteacuterio de medida
supondo que se determine o mais absoluto copioso e o seu antiacutepoda tecircnue haveria graus
menores de coacutepia e tenuidade ou qualquer coisa entre ambos seria o gecircnero meacutedio
2) Neste estado terminoloacutegico apenas o problema estaacute quase que inteiramente
confinado agrave semacircntica de ldquomeacutesonrdquo uma vez que a mesma palavra designa abstratamente
tanto o que eacute meacutedio ie que possui a meacutedia proporccedilatildeo (considerando-se a categoria de
volume espessura) quanto o que pontualmente estaacute no meio o que se complica quando a
palavra metaxyacute o adveacuterbio ldquono meiordquo portanto o meio termo eacute tambeacutem empregado
tomando-a com exatidatildeo como determinar o meio termo que permita estabelecer entatildeo que
certa elocuccedilatildeo estando acima seja copiosa e abaixo tecircnue
Considerando que agraves vezes se emprega a palavra ldquomistordquo mas tambeacutem ldquobalanceado
misturadordquo deve-se considerar entatildeo que tal gecircnero tambeacutem seria uma terceira coisa que
combina que mistura aquela com esta como daacute a entender Dioniacutesio de Halicarnasso De
60
Compositione 21 15 ndash 18 (cf supra) Dioniacutesio afirmaraacute que esse uacuteltimo eacute justamente o
melhor (supra n 10)
A Retoacuterica a Herecircnio como se viu parece filiar-se a essa tradiccedilatildeo do nosso texto
pois aleacutem da terminologia conceitual lembra o texto de Plutarco na gradaccedilatildeo ldquomediacuteocre
[mediacuteocris] eacute a [figura] que se constitui de uma inferior [humiliore] mas natildeo a menor
[infima] e a mais coloquial [perulgatissima] dignidade das palavrasrdquo
Ciacutecero o descreveraacute no Orator 21 atente-se ao vocabulaacuterio ldquohaacute aquele que se situa
no meio entre eles [interiectus inter hos] e o faz como que temperado [temperatus] natildeo se
utilizando nem do acume destes [os tecircnues] nem da fulgecircncia daqueles [os grandiacuteloquos] natildeo
se excelindo em nenhum [in neutro ie no que natildeo eacute nem um nem outro mas estaacute no meio]
partiacutecipe [particeps ie tomando parte] tanto de um quanto de outro desprovido ndash a bem da
verdade ndash de maior potencialidade este como dizem flui num curso uacutenico natildeo trazendo
nada aleacutem de capacidade e igualdade ou entatildeo adiciona alguns adereccedilos [tori] como numa
coroa [ut in coronam] e distingue todo o discurso com moacutedicos ornamentos [ornamentis
modicis] de palavras e pensamentosrdquo Quanto agrave preferecircncia Ciacutecero parece divergir de
Dioniacutesio
Nas proporccedilotildees dos adereccedilos talvez permita entrever a concomitacircncia terminoloacutegica
observada natildeo soacute no escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio mas antes em Quintiliano que tambeacutem
aponta florido (com o correlato grego) como outro nome para o meacutedio Na descriccedilatildeo este
gecircnero serve para ldquoaprazerconciliaraplacarrdquo (conciliandi) por possuir como atributo a
ldquoleveza suavidaderdquo (lenitas) ldquoseraacute de uma maneira mais recorrente nas traslaccedilotildees
(variaccedilotildees ie tropos figuras de palavras) e mais agradaacutevel nas figuras ameno nas
digressotildees atado na composiccedilatildeo doce nos pensamentosrdquo (Inst Or XII 10 60) Como jaacute
mencionado no entanto (supra n 10) Quintiliano toma essa classificaccedilatildeo de forma larga
Concordante a isso antes de iniciar a descriccedilatildeo dos trecircs gecircneros (comeccedilando pelo florido por
sinal) em 59 afirma que esses estilos satildeo suficientes em si mesmos sem necessitar um a
ajuda do outro o que supotildee pelo menos que se possam misturar em momentos diferentes de
um mesmo discurso Posteriormente em 66 pensando numa gradaccedilatildeo proporaacute justamente a
partir do florido que assim como esse eacute o meio entre dois entre ele e os dois extremos a
outros intermediaacuterios bem como haveria ainda um extremo maior que cada um dos jaacute
enunciados Assim Quintiliano faz uma interpretaccedilatildeo da doutrina que em um aspecto o de
tomar a nomenclatura como uma medida pode se assemelhar agrave interpretaccedilatildeo de Ciacutecero que
no Brutus 55 201 expotildee rapidamente sua classificaccedilatildeo dupla segundo a qual considerando-
se o artiacutefice de bons oradores soacute haacute dois gecircneros cuja qualidade se deve observar o
61
ldquoatenuadordquo (tecircnueattenuantum) e ldquoconcisordquo (compacto premido pressum) e o
ldquosublevadordquo (sublatum) e ldquoamplordquo (amplum)
224 O molde florido
Em Plutarco (op cit 73) segue-se apoacutes a definiccedilatildeo dos trecircs referidos moldes
ldquoQue tambeacutem a espeacutecie florida dos discursos existe abundantemente
junto ao poeta possuidora de beleza e graccedila para agradar e deleitar
como flor ndash quem diria De fato a poesia eacute cheia desse tipo de
elaboraccedilatildeordquo
(trad do autor)
Cotejada com a Crestomatia e o escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio a passagem daacute indiacutecios de
que independente da dataccedilatildeo em algum momento dentro desta terminologia falava-se em
quatro moldes que satildeo reduzidos a trecircs ou assim se poderia conjecturar jaacute que pelo menos
nesse caso de Plutarco a julgar pelo emprego de outra palavra para se referir ao que eacute
designado como ldquofloridordquo (espeacutecie eidos) algueacutem poderia ao menos considerar os discursos
(os logoi) tambeacutem segundo essa quarta nomenclatura Natildeo eacute evidente como crecirc Severyns44
que Plutarco esteja assumidamente propondo que se trate de um quarto molde mas sem
duacutevida explicita que essa nomenclatura se empregava e poderia ser arrolada ainda que como
espeacutecie classificando algo de que em desacordo algum com o que sabemos da doutrina a
poesia estaacute cheia Aquilo a que serve tal eidos por assim dizer nessa Vita de Plutarco
concorda com a funccedilatildeo que Quintiliano circunscreve ao ldquofloridordquo ou ldquomeacutediordquo deleitar
agradar O vocabulaacuterio assemelha-se aqui os verbos teacuterpo hedyacuteno laacute os verbos delecto
concilio e o adjetivo iucuntus Na sua funccedilatildeo este florido natildeo diverge daquele de Quintiliano
O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio como se viu circunscreve florido e meacutedio a um uacutenico molde ao
dizer com que se combina tal molde assemelha-se agrave liccedilatildeo da epiacutetome (com menos detalhes)
ldquo rdquo
44 op cit paacuteg 75
62
ndash ldquochama-se florido [antheroacutes] porque combina [harmoacutezei] principalmente com reportaccedilotildees
[apaggeliacutea] de descampados [leimocircnes] e flores [aacutenthe]rdquo
Dioniacutesio de Halicarnasso conforme visto usa ldquofloridordquo como outro possiacutevel nome
para o ldquopolidordquo (glaphyroacuten)45 mas descrevendo o que estaria no lugar do molde copioso na
triparticcedilatildeo ie o que se define essencialmente por receber ornato Essa indefiniccedilatildeo acerca do
lugar que o florido deveria ocupar na nomenclatura evidencia natildeo soacute diferentes interpretaccedilotildees
da doutrina como jaacute se pontuou mas explicita como elas foram adequando a profusatildeo a um
sistema de trecircs segundo diferentes necessidades descritivas
De modo geral se Dioniacutesio emprega o termo de maneira positiva na seccedilatildeo 2146 do
tratado sobre a composiccedilatildeo em que descreve trecircs virtudes geneacutericas do discurso das quais
pontua uma melhor e se posteriormente entre os romanos observamos uma triparticcedilatildeo que
funciona como medida de padratildeo (modernamente falando) de modo a chegar agrave flutuaccedilatildeo
observada nos trecircs textos gregos posteriores e lexicalmente afins pode-se conjecturar que a
possiacutevel confusatildeo indefiniccedilatildeo ou flutuaccedilatildeo quanto agrave posiccedilatildeo do quarto gecircnero estivesse
relacionada agrave funccedilatildeo e ao efeito pretendido por tal elocuccedilatildeo e a como a doutrina definia as
trecircs posiccedilotildees em prol deles que identificamos pelas trecircs funccedilotildees do orador Assim haveria
uma elocuccedilatildeo ornada a fim de deleitar ie que se orna pelo deleite que isso traz ao ouvinte e
que agrave maneira que se distinguem poesia e prosa seria como daacute a entender Plutarco comum
na poesia afinal essa tem sempre mais que a prosa e sua principal funccedilatildeo eacute deleitar e outra
elocuccedilatildeo mais ornada ainda cuja finalidade eacute entatildeo comover (em verso ou em prosa) e eacute
inevitavelmente poeacutetica mesmo que na prosa uma vez que eacute (se tomada como extremo)
inteiramente ornada
225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo
O particiacutepio que introduz o paraacutegrafo dedicado aos erros referentes aos moldes
expostos aposphaleacutentes que se traduziu por uma oraccedilatildeo equivale semanticamente a
hamarteacutema que pseudo-Longino emprega amplamente no seu tratado Do Sublime para
designar natildeo soacute o desvio do molde ou gecircnero mas qualquer falha discursiva em geral O
significado primeiro e mais baacutesico do verbo que origina este substantivo eacute ldquoerrar o alvordquo um
45 supra pg 52 46 supra pg 51 e 58
63
hamarteacutema eacute em princiacutepio um ldquodesacertordquo Aposphaacutello por sua vez tem o significado de
ldquodesviar-se errar o caminho passar longerdquo e designa por isso aquele que ldquopega um desviordquo
ie que ldquoerra o caminhordquo do discurso em certo molde ldquoenvereda-se erroneamenterdquo e atinge
uma via mudada daquela em que seguia Engendra portanto natildeo seu antiacutepoda positivo mas
uma forma defeituosa viciosa daquilo que deveria ser sua qualidade Vitia eacute o termo
empregado na Retoacuterica a Herecircnio (IV 11) correlato do grego kakiacutea que pseudo-Longino
emprega igualmente
A noccedilatildeo de que existiria uma medida ou pelo menos uma maneira correta de se aplicar
o princiacutepio baacutesico definidor de cada um dos gecircneros (o traccedilo geneacuterico) ou em outras palavras
o que aqui se denomina molde a fim de se produzir a forma bela aparece alhures e por
exemplo tem sua origem brevemente explicada no tratado Do Sublime em 5 1 3 ldquodaquilo
de que se nos origina o belo proacuteximo tambeacutem a isso os males gostam de se originarrdquo Esse
princiacutepio se sumariza por toda seccedilatildeo 5 apoacutes jaacute ter sido sistematicamente aplicado para
descrever atraveacutes de um vocabulaacuterio que eacute da fisiologia as formas que se pretendiam
sublimes mas resultam defeituosas (3 4 1 ndash 4)
[] κακοὶ δὲ ὄγκοι καὶ ἐπὶ σωμάτων καὶ λόγων οἱ χαῦνοι καὶ
ἀναλήθεις καὶ μήποτε περιιστάντες ἡμᾶς εἰς τοὐναντίον οὐδὲν γάρ
φασι ξηρότερον ὑδρωπικοῦ ἀλλὰ τὸ μὲν οἰδοῦν ὑπεραίρειν βούλεται
τὰ ὕψη τὸ δὲ μειρακιῶδες ἄντικρυς ὑπεναντίον τοῖς μεγέθεσι
feios satildeo os intumescimentos [oacutegkoi note-se o vocabulaacuterio] sobre os
corpos e sobre as palavras que flaacutecidos [chaucircnoi] e falsos
[analeacutetheis] jamais nos revertem ao seu contraacuterio [tounantiacuteon]
afinal nada mais seco [zeroacutetetos] que um hidroacutepico [hydroacutepikos]
Mas o inchaccedilo [oidoucircn] deseja subir [hypaiacuterein] agraves alturas [tagrave hyacutepse]
o pueril [meirakiocircdes] eacute que estaacute diretamente oposto [aacutentikry
hypenantiacuteon] agrave grandiosidade [toicircs megeacutethesi]
(traduccedilatildeo do autor)
Seguir-se-aacute entatildeo uma breve descriccedilatildeo desse pueril (ldquochatildeordquo [tapeinoacuten] ldquomesquinhordquo
[mikroacutepsychon] e ldquoo mais vulgarmente feiovicioso em essecircnciardquo [tocirci oacutenti kakograven
aggeneacutestaton] - idem 5 ndash 6) e de um terceiro viacutecio que se resume ao descomedimento do
paacutethos (afeto ou paixatildeo fora de hora [paacutethos aacutekairon] ou ldquodesmedidordquo quando se requer
ldquomedidardquo [aacutemetron eacutentha metriacuteou deicirc] (3 5 3 ndash 4)
64
Esse princiacutepio encontra-se enunciado aplicado e atribuiacutedo (quanto agrave sua origem) em
Demeacutetrio com um vocabulaacuterio que eacute da eacutetica (op cit 114)
Ὥσπερ δὲ παράκειται φαῦλά τινα ἀστείοις τισίν οἷον θάρρει μὲν τὸ
θράσος ἡ δ αἰσχύνη τῇ αἰδοῖ τὸν αὐτὸν τρόπον καὶ τῆς ἑρμηνείας
τοῖς χαρακτῆρσιν παράκεινται διημαρτημένοι τινές πρῶτα δὲ περὶ τοῦ
γειτνιῶντος τῷ μεγαλοπρεπεῖ λέξομεν ὄνομα μὲν οὖν αὐτῷ ψυχρόν
ὁρίζεται δὲ τὸ ψυχρὸν Θεόφραστος οὕτως ψυχρόν ἐστι τὸ
ὑπερβάλλον τὴν οἰκείαν ἀπαγγελίαν
Como algumas rudezas [phaulaacute] justapotildeem-se [parakeicircmai] a
alguns valores [asteicirca] como agrave coragem a impetuosidade vergonha
ao respeito da mesma forma alguns deslocamentos [diemartemenoi]
justapotildeem-se aos caracteres da elocuccedilatildeo Primeiramente falaremos
do que margeia [geitiniaacuteo] o magnificente Seu nome eacute friacutegido
[psychroacuten] Teofrasto delimitou [horiacutezomai] o friacutegido assim friacutegido
eacute o que excede [hyperbaacutello] a expressatildeo adequada [oikeiacutean]
(idem)
Eacute vaacutelido notar que aleacutem de se empregar um particiacutepio para nomear esse ato de
desviar-se errar (diemartemenoi) o verbo em questatildeo tem a mesma forccedila de aposphaacutello em
sua composiccedilatildeo e eacute um sinocircnimo desse Tambeacutem merece nota o verbo geitiniaacuteo ldquoavizinhar-
se fazer fronteira estar na margemrdquo de modo que natildeo seria lexicalmente errado dizer desses
desvios que satildeo ldquogecircneros marginaisrdquo Eacute aceite que a base para essa teoria que supotildee sempre
uma medida correta para a execuccedilatildeo da forma seja peripateacutetica o que por outro lado natildeo
nos deve levar a supor uma doutrina uniforme subjacente aos textos O princiacutepio sim parece
ter essa origem Deve-se observar assim que pseudo-Longino segundo criteacuterios e conceitos
que satildeo platocircnicos em origem estaacute preocupado em descrever o que atinge a grandeza o
sublime Ao fim portanto descreve um conjunto de trecircs viacutecios que satildeo a rigor o resultado de
uma tentativa equivocada de atingi-lo Natildeo eacute de se espantar entatildeo que a caracterizaccedilatildeo do
viacutecio pueril assemelhe-se ao que seria de certa forma uma versatildeo imperfeita do discurso que
no epiacutetome fociana estaria para o tecircnue denominado aqui por chatildeo [tapeinoacutes baixo
rasteiro] Contudo observa-se que o adjetivo trata na verdade de um julgamento moral sobre
aquele que tenta atingir o sublime de maneira fuacutetil ou vatilde O texto prossegue
ταπεινὸν γὰρ ἐξ ὅλου καὶ μικρόψυχον καὶ τῷ ὄντι κακὸν
ἀγεννέστατον τί ποτ οὖν τὸ μειρακιῶδές ἐστιν ἢ δῆλον ὡς
σχολαστικὴ νόησις ὑπὸ περιεργασίας λήγουσα εἰς ψυχρότητα
ὀλισθαίνουσι δ εἰς τοῦτο τὸ γένος ὀρεγόμενοι μὲν τοῦ περιττοῦ καὶ
65
πεποιημένου καὶ μάλιστα τοῦ ἡδέος ἐξοκέλλοντες δὲ εἰς τὸ ῥωπικὸν
καὶ κακόζηλον
(Pseudo-Longino De Sublimitate 345 ndash 51)
diz-se dele que tem o pensamento preguiccediloso [scholastikeacute noacuteesis] que por causa do
empolamento [periergasiacutea o excesso de coisas fuacuteteis] estagna-se em frigidez [psychroacutetes]
ldquoEscorregam nesse gecircnero os que almejam o prodigioso [tograve perittoacuten que em Dioniacutesio de
Halicarnasso era abundacircncia atributo do elevado] o produzido [pepoiemeacutenos] e
principalmente o prazer [hedyacutes] vagando para o espalhafatoso [rhopikoacuten] e afetado
[kakoacutezelon]rdquo A julgar por ldquoespalhafatoso afetado empolado prodigiosordquo etc temos uma
descriccedilatildeo que se aproxima mais do que poderiacuteamos conceber como a forma falha do molde
copioso que recebe a qualidade de ldquoexaltadordquo que se pode traduzir no contexto do discurso
por ldquopedanterdquo Comparado ao nosso modelo e agrave descriccedilatildeo de gecircneros e defeitos como
observamos na tratadiacutestica retoacuterica embora o princiacutepio seja peripateacutetico o tratado do sublime
natildeo se propotildee a prescrever todos os gecircneros bem sucedidos de elocuccedilatildeo mas concentra-se em
aplicar isso que aqui chamamos preceito ou teoria da medida para descrever tudo quanto pode
produzir um efeito o transporte [ekstaacutesis] e natildeo outro a persuasatildeo [peithoacute] (1 4 1) e eacute a
partir disso que descreveraacute os demais tipos de elocuccedilatildeo o que natildeo eacute seu foco (cf por
exemplo 8 1 e 33 1) Os tratados descrevem ainda que diferentemente os gecircneros da boa
elocuccedilatildeo e a partir deles a forma desproporcional da caracteriacutestica fundamental de cada um
De novo a adequaccedilatildeo (da medida no caso) a trecircs Por fim vale mencionar que esse criteacuterio
peripateacutetico se evidencia na Ars de Horaacutecio47
No epiacutetome de Foacutecio os dois defeitos derivados do desvio do molde copioso duro
[skleroacuten] e exaltado [epermeacutenon] parecem corresponder bem aos viacutecios que pseudo-
Longino refere um ao aspecto do discurso que eacute ldquoinfladordquo laacute ldquoinchadordquo e aqui ldquodurordquo
ldquomaciccedilordquo quase a ideia de ldquoaacutesperordquo no sentido de algo intrataacutevel em funccedilatildeo das saliecircncias
(que leva agrave ideia de ldquoaustero severo aacuterduordquo) outro parece mais relacionado ao afeto e ao
enunciador uma vez que ldquoexaltadordquo ie que estaacute muito acima do necessaacuterio contempla tanto
a ideia do pedantismo e da afetaccedilatildeo como do pathos fora de hora
O escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio que simplesmente emprega o verbo antikeicirctai para
designar a oposiccedilatildeo de gecircneros fala do duro como a epiacutetome mas do escasso [brachyacute]48
Lembrando o texto de pseudo-Longino e sua metaacutefora fisioloacutegica eacute a intumescecircncia de certa
regiatildeo que gera a secura e talvez assim possamos interpretar esse adjetivo no sentido de que
47 Cf Horaacutecio Arte Poeacutetica v 24 ndash 28 48 Op cit 449 32
66
para aleacutem dos adereccedilos desnecessaacuterios e demasiados esse gecircnero estaacute desprovido de sauacutede ou
da coacutepia que o caracteriza Aqui tambeacutem de certa forma o gecircnero vizinho e defeituoso
confunde-se com o oposto virtuoso Parece que no caso do escoacutelio o molde defeituoso eacute
entendido como um oposto propriamente inclusive a julgar pelo verbo que introduz a
passagem
A Retoacuterica a Herecircnio denomina esse gecircnero defeituoso de inflado [sufflata]49 bem
condizente com o aspecto fiacutesico do inchaccedilo de Pseudo-Longino e da macicez do epiacutetome e
contiacutenua pela metaacutefora fiacutesica para exemplificar ldquoAssim como um inchaccedilo [tumor como o
grego oacutegkos] pode parecer uma condiccedilatildeo saudaacutevel do corpo grave [grave] pode parecer o
discurso que turge [turget] e estaacute inflado [inflatum]rdquo natildeo agrave toa o tratado nos daraacute trecircs
possiacuteveis elementos desse gecircnero defeituoso que ou estatildeo para aquela dureza ou para o
empolamento e a afetaccedilatildeo inadequada ou se empregam palavras que satildeo muito recentes ou
arcaicas (ldquonouis aut priscisrdquo) ou usam-se metaacuteforas duras (ldquousa-se delas duramenterdquo ndash
ldquoduriter aliunde translatisrdquo) ou porque algo eacute dito com palavras mais graves do que a mateacuteria
exige (ldquograuioribus quam res postullat aliquid diciturrdquo)
Na divisatildeo quaacutedrupla de Demeacutetrio50 o gecircnero defeituoso eacute qualificado como
ldquofriacutevolordquo adjetivo empregado por Pseudo-Longino e que se associa a essa qualidade afetada
do discurso que traz muito mais do que o necessaacuterio O princiacutepio se torna praticamente uma
maacutexima no verso horaciano ldquoprofessus grandia turgetrdquo- ldquoa grandeza professa turgerdquo51
O adjetivo tapeinoacutes que no epiacutetome nomeia o desvio do molde tecircnue designa aquilo
que eacute baixo abjeto em diferentes contextos (social moral) etc Designa o aspecto vulgar e
rebaixado daquele falar hodierno do qual parte a linguagem bem sucedida deste gecircnero na
Retoacuterica a Herecircnio que qualifica o viacutecio como aacuterido [aridum] e exangue [exsangue]52
Aacuterido [xeroacutes] tambeacutem eacute o nome para Demeacutetrio do desvio do caraacuteter tecircnue Para pseudo-
Longino como visto53 essa aridez tem que ver com uma grandeza um aumento que natildeo se
realiza eacute mais um discurso vicioso que natildeo atinge aquele sublime O escoacutelio a Dioniacutesio
Traacutecio neste passo de fato parece confimar a hipoacutetese de nomear como viacutecio uma forma que
eacute oposta opotildee-se ao tecircnue o amplo [platuacute ou difuso referindo-se agrave elocuccedilatildeo] e grosso
[paxuacute espesso]54 que ora remetem ao hadron forma virtuosa Por fim em Horaacutecio talvez
esteja aqui aquele que procede com excessivo medo da elevaccedilatildeo ldquoserpit humi tutus nimium
49 Retoacuterica a Herecircnio IV 10 19 50 Supra paacuteg 52 ndash 53 51 Op cit v 27 52 Op cit IV 11 16 53 Supra paacuteg 57 54 Op cit 449 32
67
timidisque procellaerdquo ndash ldquoRasteja pelo chatildeo aquele excessivamente cauto e medroso da
procelardquo55
Quando ao desvio do molde meacutedio a primeira caracteriacutestica refere-se ao fato de o
discurso parecer incompleto inacabado tolhido argoacutes designando o objeto em que falta
trabalho ie em que o trabalho natildeo se concluiu Pelas liccedilotildees sobre a diferenccedila entre prosa e
poesia podemos pensar que talvez ele o seja por deixar a impressatildeo de carecer de ornato
quando uma de suas necessidades eacute possuiacute-lo a ponto de deleitar56
Parece que eacute neste sentido que o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio57 que designa este
molde como florido denomina seu oposto por agleukeacutes amargo (em que natildeo haacute doce) e
logoieideacutes prosaico ie natildeo eacute tatildeo poeacutetico quanto precisaria O segundo termo empregado
eklelumeacutenon (solto desatado relaxado dilatado) parece estar associado justamente a esse
mau acabamento do ornato e eacute correlato ao termo com que a Retoacuterica a Herecircnio designa o
gecircnero vicioso dissoluto [dissolutum]58 ldquoque eacute sem nervos e articulaccedilotildeesrdquo ndash mantendo uma
metaacutefora fisioloacutegica (quod est sine neruis et articulis articulaccedilotildees) ndash de modo que posso
chamaacute-lo flutuante [fluctuans] jaacute que flutua caacute e laacute e natildeo possui a capacidade de andar
livremente com firmeza [confirmatis] e virilidade [uiriliter]rdquo Essa mesma noccedilatildeo de firmeza
que se exige para uma elevaccedilatildeo digna que natildeo eacute poreacutem a da coacutepia mas constitui um meio
termo parece condizer com o defeito daquele que na Ars horaciana almejando mais leveza
do que se deve acaba fraco ie sem nervos [nerui] e acircnimo [animi] ldquosectantem leuia nerui
deficiunt animiquerdquo59
3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA
31 SEUS GEcircNEROS
55 Idem v 28 56 Supra paacuteg 54 57 Op cit 449 32 58 Op cit IV 11 1 59 Op cit v 25 ndash 26
68
Eacute pelo emprego do adjetivo ldquopoeacuteticardquo [poietikeacute] no paraacutegrafo 11 da ediccedilatildeo de
Severyns60 319a 3 na ediccedilatildeo de Bekker que se inicia o extenso cataacutelogo de gecircneros e
espeacutecies poeacuteticas que basicamente constitui todo o restante do epiacutetome como parte principal
do objeto resumido Imediatamente a liccedilatildeo do epiacutetome estabelece o criteacuterio segundo o qual
divide dois grandes gecircneros de poesia
Chama a atenccedilatildeo o emprego de outro termo vimos que poiacuteema foi usado para
distinguir poesia e prosa no paraacutegrafo 3 e logo acima no paraacutegrafo 10 foi novamente
empregado como sinocircnimo de poiacuteesis Parece que esse termo se usa laacute enquanto em uma
primeira seccedilatildeo da obra em que se trataria da linguagem em geral contemplando toacutepicos
comuns agrave poesia e agrave oratoacuteria (que consequentemente servem para a prosa em geral como a de
um historiador logoacutegrafo etc) tais quais a elocuccedilatildeo e seus gecircneros virtuosos e viciosos o
eacutethos e o paacutethos Esses trecircs elementos correspondem natildeo perfeitamente agrave triparticcedilatildeo retoacuterica
que vem desde Aristoacuteteles natildeo perfeitamente porque a parte sobre os plaacutesmata fala somente
de elocuccedilatildeo e natildeo do logos como um todo e suas partes etc Assim nenhuma designaccedilatildeo
especiacutefica ou disjuntiva aparece ateacute aqui (ldquoretoacutericardquo ldquopoeacuteticardquo) salvo gramatikeacute do tiacutetulo
que nos serve de indiacutecio para conjeturar justamente sobre como essas liccedilotildees de diferentes
saberes satildeo tomadas aqui nas suas partes concernentes agraves letras
Apoacutes enfim uma primeira parte em que se tomaram essas liccedilotildees apenas no que
concerne agrave linguagem e seu uso por quem compotildee uma obra em prosa ou em verso
significando que desse ponto de vista as mesmas caracteriacutesticas se observariam na prosa de
um logoacutegrafo e nos versos de um tragedioacutegrafo natildeo havendo distinccedilatildeo salvo pelo fato de que
estes conteratildeo virtudes em maior quantidade passa-se entatildeo ao exame da poeacutetica
especificamente entendida como reuniatildeo das obras de poesia Pode-se conjeturar que o termo
(no genitivo e com forte carga partitiva cf nota 9) agora eacute empregado para delimitar o que eacute
assunto apenas referente a esse tipo de confecccedilatildeo A liccedilatildeo do coacutedice logo passa ao que
consiste dentro dessa perspectiva antes explicitada o tratamento da obra poeacutetica E o que
seria Os diferentes gecircneros em que se agrupam as composiccedilotildees considerada agora apenas a
composiccedilatildeo em verso e natildeo dentro do primeiro criteacuterio classificatoacuterio geral a elocuccedilatildeo
Em outras palavras e com implicaccedilotildees mais fortes o que eacute relevante para essa
abordagem das letras sobre a poesia e daiacute sem a elocuccedilatildeo apenas ela inicia-se pela sua
divisatildeo em gecircneros Natildeo agrave toa segue-se imediatamente a primeira e mais ampla distinccedilatildeo
60 Severyns op cit tomo II pg 33
69
geneacuterica relacionada ao que na Poeacutetica de Aristoacuteteles se designa apenas como o modo de
imitaccedilatildeo ou da mimese
Sabe-se que a Poeacutetica de Aristoacuteteles se insere em uma discussatildeo que jaacute estaacute bem
distante de muitos dos textos de base gramatical que foram escritos posteriormente sobre o
assunto embora natildeo tatildeo distante dos textos modelares da praacutetica
A divisatildeo entre poesia narrativa [diegematikoacuten] e imitativa [mimetikoacuten] ndash para cuja
traduccedilatildeo mantecircm-se aqui os termos latinos ndash tem por criteacuterio o modo enunciativo ie mais
especificamente quem eacute o enunciador Essa distinccedilatildeo vem como se sabe desde a Repuacuteblica
em que natildeo eacute dupla mas triacuteplice Nos termos do filoacutesofo (III 394b) a narraccedilatildeo da poesia e da
mitologia ou se daacute inteira por imitaccedilatildeo [diagrave mimeacuteseos] ou por relato do poeta ele mesmo [dirsquo
aggeliacuteas autoucirc toucirc poietoucirc ie de forma reportada pelo proacuteprio poeta] ou ainda por ambos
[aucirc drsquo amphoteacuteron] Esta uacuteltima eacute a forma mista em que ora o poeta fala ora a personagem
da qual Homero eacute o exemplo
A classificaccedilatildeo proposta por Platatildeo ocorre na conversa entre Soacutecrates e Adimanto e a
primeira menccedilatildeo aos modos de enunciar se daacute em 392a passagem em que Soacutecrates comeccedilaraacute
a delimitar e expor a doutrina falando primeiro da chamada haplecirc dieacutegesis
ou ldquonarraccedilatildeo simplesrdquo e da miacutemesis O problema e o foco de Platatildeo natildeo eacute
gramatical ou poeacutetico mas sim filosoacutefico-moral eacute um problema para a paideia da cidade a
imitaccedilatildeo plural ie uma pessoa empreender a imitaccedilatildeo de muitas pessoas (395a) uma vez
que a fidelidade dessas imitaccedilotildees seraacute prejudicada dada a impossibilidade de uma uacutenica
pessoa realizaacute-las todas adequadamente Eacute fundamental frisar que para Platatildeo mimese aqui eacute
algo muito mais restrito do que para Aristoacuteteles pois se trata puramente da imitaccedilatildeo que uma
pessoa faz a de outra ou da fala dela Para o filoacutesofo a narraccedilatildeo eacute primordial ou seja haacute a
narraccedilatildeo em princiacutepio e a imitaccedilatildeo eacute uma coacutepia de uma narraccedilatildeo que pertence a outrem
Platatildeo natildeo estaacute interessado em utilizar a distinccedilatildeo para analisar e classificar as praacuteticas
poeacuteticas Estaacute sim interessado em lidar com as implicaccedilotildees que as distinccedilotildees estabelecidas
trazem para sua filosofia e se as mentiras que podem ser contadas para em um mito jaacute podem
por si soacute natildeo fornecer um bom exemplo moral para a cidade imitar jaacute eacute por si soacute uma mentira
Em seu tratado Aristoacuteteles estaacute interessado entre outras coisas principalmente em
mostrar que primeiramente mimese ou imitaccedilatildeo eacute algo mais amplo possui uma funccedilatildeo
didaacutetica fundamental e justamente por isso quando julgada a poesia deve ser pensada dessa
perspectiva Isso explica antes de mais nada a exposiccedilatildeo da triparticipaccedilatildeo classificatoacuteria que
ocupa os trecircs primeiros capiacutetulos da Poeacutetica (natildeo agrave toa seguida de um quarto capiacutetulo e quem
o filoacutesofo fala justamente do valor didaacutetico da imitaccedilatildeo) em que se explicitam os criteacuterios
70
com os quais o filoacutesofo pensa mimese de que e poesia eacute uma espeacutecie A distinccedilatildeo dos modos
enunciativos portanto ocupa um ponto especiacutefico da doutrina aristoteacutelica
Ἔτι δὲ τούτων τρίτη διαφορὰ τὸ ὡς ἕκαστα τούτων μιμήσαιτο ἄν τις
καὶ γὰρ ἐν τοῖς αὐτοῖς καὶ τὰ αὐτὰ μιμεῖσθαι ἔστιν ὁτὲ μὲν
ἀπαγγέλλοντα ἢ ἕτερόν τι γιγνόμενον ὥσπερ Ὅμηρος ποιεῖ ἢ ὡς τὸν
αὐτὸν καὶ μὴ μεταβάλλοντα ἢ πάντας ὡς πράττοντας καὶ ἐνεργοῦντας
daggerτοὺς μιμουμένουςdagger ἐν τρισὶ δὴ ταύταις διαφοραῖς ἡ μίμησίς ἐστιν
ὡς εἴπομεν κατ ἀρχάς ἐν οἷς τε ltκαὶ ἃgt καὶ ὥς ὥστε τῇ μὲν ὁ αὐτὸς
ἂν εἴη μιμητὴς Ὁμήρῳ Σοφοκλῆς μιμοῦνται γὰρ ἄμφω σπουδαίους
τῇ δὲ Ἀριστοφάνει πράττοντας γὰρ μιμοῦνται καὶ δρῶντας ἄμφω
ὅθεν καὶ δράματα καλεῖσθαί τινες αὐτά φασιν ὅτι μιμοῦνται δρῶντας
(Aristoacuteteles Poeacutetica 1448a 19 ndash 29)
Descrevendo seu objeto pelos meios ( ) pela mateacuteria ( ) e o modo ( ) a
Poeacutetica traz a distinccedilatildeo dos modos na explicaccedilatildeo da terceira categoria para a qual Aristoacuteteles
distingue duas possibilidades (1448a 19 ndash 24)
[] pois eacute possiacutevel pelos mesmos meios imitar as mesmas coisas ora
relatando [reportando hotegrave megraven apaggeacutelonta] (ou tornando-se de
certa forma outro como faz Homero ou como si proacuteprio e natildeo
alternando) ou todos os que imitam como agentes e operantes [hoacutes
praacutettontas kaigrave energoucircntas]
Aristoacuteteles natildeo propotildee um gecircnero misto como Platatildeo o que natildeo significa que natildeo
observe o fenocircmeno que Platatildeo nomeia como um terceiro tipo Considerando que Aristoacuteteles
discute exatamente miacutemesis e um tipo especiacutefico dela parece que seu criteacuterio eacute a presenccedila ou
natildeo ndash referida reportada e daiacute inferida pelos ouvintes ndash da voz do poeta seja na figura dele
mesmo seja por traacutes da voz de outro como a personagem Parece que no outro gecircnero natildeo
haacute pelo menos para Aristoacuteteles essa voz natildeo ocorre esse reportamento mas a miacutemese se daacute
como atuaccedilatildeo ie pela accedilatildeo dos actantes e natildeo como relato Simplificando pode-se dizer
partindo do segundo membro do par que a composiccedilatildeo pertenceraacute a este ou agravequele gecircnero se
for encenada ou natildeo Mais abstratamente o resultado de uma deve ser a coisa a mateacuteria o
fato sendo executado realizado da outra reportado contado Partindo poreacutem do outro
membro do par a fim de se chegar a uma simplificaccedilatildeo ter-se-aacute um problema modernamente
Dizendo que uma eacute ldquoencenadardquo e a outra eacute ldquonarradardquo buscar-se-aacute entatildeo a ldquounidade de accedilatildeordquo
de que a Poeacutetica tanto fala de toda e qualquer espeacutecie arrolada como narrativa natildeo soacute nesta
obra atribuiacuteda a Proclo mas tambeacutem em outros textos que trazem classificaccedilatildeo geneacuterica Este
71
problema eacute o principal de nosso epiacutetome qual seria por exemplo a unidade de accedilatildeo de um
melos como o epiniacutecio
Em relaccedilatildeo a Platatildeo observam-se duas peculiaridades Primeiramente como eacute
justamente pelo valor cognitivo e didaacutetico da imitaccedilatildeo que Aristoacuteteles confere estatuto
filosoacutefico agrave poesia61 adota o conceito de miacutemesis como nomenclatura mais ampla para
nomear o fenocircmeno dentro do qual se insere a poesia Natildeo agrave toa o iniacutecio do tratado eacute
dedicado agrave miacutemesis dentro da qual a miacutemesis poeacutetica eacute uma espeacutecie No entanto o termo
ldquomimeacuteticordquo (ou imitativo) jaacute foi empregado por Platatildeo quem Aristoacuteteles busca refutar para
designar uma espeacutecie de narraccedilatildeo de mitos uma das trecircs maneiras arroladas na Repuacuteblica
Parece que por essa razatildeo natildeo adota o termo ldquomimeacuteticordquo para calssificar a imitaccedilatildeo
dramaacutetica como se observa poreacutem em praticamente todo o restante da tratadiacutestica posterior
de que a Crestomatia mesma seria um exemplo Prefere empregar os particiacutepios ldquoprattontasrdquo
e ldquoenergoucircntasrdquo para designar a atividade que empreendem e designar seu sujeito justamente
com outro particiacutepio de que tal atividade eacute pelo criteacuterio do modo espeacutecie ldquotougraves
mimoumeacutenousrdquo
Em segundo lugar parece que como haacute uma discordacircncia teoacuterica deste para aquele
implicando tambeacutem uma discordacircncia conceitual ie a repeito de miacutemesis referindo-se aos
modos da enunciaccedilatildeo Aristoacuteteles busca um denominador comum ou um elemento mais
baacutesico que permita uma classificaccedilatildeo diferente por isso abre matildeo do modo ldquomistordquo porque
nem leva em considera o modo ldquopor imitaccedilatildeo rdquo platocircnico O elemento mais
baacutesico que se pontua depende da presenccedila ou natildeo de um ator mas conforme dito acima isso
eacute consequecircncia o elemento propriamente eacute a voz ou natildeo do poeta mas no sentido de que ou o
discurso que nos reporta as accedilotildees eacute percebido como saindo da boca de outros que natildeo o poeta
ou mesmo que esse assuma a voz de outro o discurso que se ouve ainda nos eacute reportado pelo
poeta mudada sua voz na voz de outro que natildeo eacute senatildeo dependente da primeira voz ou um
construto o que se entende de ldquo relatando (ou tornando-se de certa forma outro como faz
Homero ou como si proacuteprio e natildeo alternando)rdquo [grifo do autor]
Poder-se-ia considerar dessarte a julgar pelo que foi acima exposto que o epiacutetome
traria a liccedilatildeo aristoteacutelica uma vez que natildeo menciona um gecircnero misto como Platatildeo e outros
textos que mencionam esse terceiro gecircnero por entenderem que no caso em que o ldquoeu-
poeacuteticordquo daacute voz a uma personagem haacute uma mistura das duas enunciaccedilotildees Para a triparticcedilatildeo
cuja origem recua ateacute Platatildeo essa interpretaccedilatildeo eacute verossiacutemil porque o raciociacutenio parece ser o
61 Cf Poeacutetica (cap IX) Porque a poesia representa o possiacutevel segundo a verossimilhanccedila eacute mais universal por
oposiccedilatildeo agrave historia particular Decorre para Aristoacuteteles que a poesia eacute mais filosoacutefica
72
mesmo como eacute o caso do texto por exemplo do livro III da Ars Grammatica de Diomedes62
que serviraacute para o cotejo com a Crestomatia a mesma ilaccedilatildeo natildeo vale para os textos que
trazem em vez de uma triparticcedilatildeo uma biparticcedilatildeo A concepccedilatildeo aristoteacutelica supotildee
obrigatoriamente a mimese de accedilatildeo e supotildee como fica expliacutecito agentes que podem ser
resultado da miacutemeses da voz do poeta (o poeta lhes daacute voz) ou podem ser eles mesmos donos
dessa voz ie atores e nesse caso o poeta natildeo fala nada (sua voz natildeo aparece)
Parece que os textos posteriores baseiam-se ou copiam uma biparticcedilatildeo que na obra de
Aristoacuteteles eacute traccedilada segundo os criteacuterios que define como proacuteprios da imitaccedilatildeo poeacutetica Eacute
fundamental poreacutem lembrar que Aristoacuteteles natildeo questiona nem faz apontamento algum
acerca da accedilatildeo de outras espeacutecies poeacuteticas aleacutem da trageacutedia da comeacutedia e da epopeia sendo
aquelas duas exemplo de poesia dramaacutetica e esta de narrativa
Natildeo se pode afirmar que o agrupamento de espeacutecies que se segue em textos como o da
Crestomatia seria aristoteacutelico mas poderiacuteamos conjeturar que como o sentido dado ao verbo
apaggeacutello (na referida passagem de Aristoacuteteles) talvez seja um pouco mais amplo do que em
Platatildeo a julgar pelo fato de que laacute primeiramente natildeo haacute um gecircnero intermediaacuterio e segundo
Homero eacute justamente o exemplo de poesia narrativa (enquanto em Platatildeo a poesia estaacute ao lado
do relato de mitos) todas as demais espeacutecies que natildeo as teatrais por nelas se supor a voz de
um poeta sejam ldquonarrativasrdquo no sentido de que o que quer que se cante eacute reportado ao
ouvinte pelo eacutethos de um poeta cuja voz se ouve63 independente da unidade de accedilatildeo da
presenccedila ou natildeo de mito da vitoacuteria do atleta das causas de uma festa ou da celebraccedilatildeo de um
deus ou heroacutei ainda mais se considerarmos que a oralidade nunca deixou de desepenhar
importante papel mesmo nas culturas escritas como a alexandrina ou a bizantina papel esse
determinante no entendimento que as artes e os textos de doutrina fizeram da poesia Eacute bom
ressaltar que os textos mesmos seguem suas convenccedilotildees explicativas e eacute justamente pela
repeticcedilatildeo ao longo dos seacuteculos que satildeo concebidas como autorizadas
Isso significa que as artes gramaticais posteriores podem ter se fiado em um criteacuterio
que eacute adotado senatildeo mesmo desenvolvido por Aristoacuteteles o que eacute diferente de dizer que
seguem sua doutrina afinal de contas o criteacuterio da accedilatildeo natildeo eacute sequer mencionado nesse tipo
de descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies salvo na explicaccedilatildeo sobre o desenvolvimento da eacutepica
O mais importante no fato de o texto da Crestomatia adotar como a Poeacutetica uma
biparticcedilatildeo eacute o fato de que natildeo segue entretanto a terminoliga aristoteacutelica que evita
62 Diomedes Artis grammaticae III paacuteg 482 63 Eacute nesse sentido que conforme visto (supra 134 pag 47 em diante) Dioniacutenio de Halicarnasso no tratado Da
Imitaccedilatildeo fala do eacutethos da poesia de Alceu
73
ldquomimeacuteticordquo para o gecircnero em que os actantes satildeo enunciadores talvez simplesmente porque a
interpretaccedilatildeo que se fazia da doutrina nesta obra optava por uma conceituaccedilatildeo simples em
dois gecircneros abrangentes apenas sem mistura mas natildeo estava preocupada em propugnar a
favor de uma conceituaccedilatildeo preferencialmente a outra pois natildeo se inseria em um contexto de
disputa pelo termo como se pode supor no caso de Platatildeo e Aristoacuteteles
O texto de Diomedes sec IV AC64 testemunha que diferentes termos gregos eram
conhecidos entre os romanos mesmos para nomear esses dois grandes gecircneros O texto do
livro III de sua obra poreacutem adota a triparticcedilatildeo Note-se a variedade terminoloacutegica
Os gecircneros de poema satildeo trecircs Com efeito o gecircnero eacute ativo ou
imitativo que os gregos chamam dramatikoacuten ou mimetikoacuten narrativo
ou enunciativo que os gregos chamam exegetikoacuten ou apangeltikoacuten
comum ou misto que os gregos chamam koinoacuten ou miktoacuten Eacute
dramatikoacuten ou ativo aquele em que atuam somente as personagens
sem interlocuccedilatildeo de algum poeta como ocorre nas faacutebulas traacutegicas e
cocircmicas gecircnero no qual foi escrita a primeira Bucoacutelica [de Vergiacutelio2]
e aquela cujo iniacutecio eacute ldquoquo te Moeri pedesrdquo [ldquoPara onde Meride
levam-te os peacutesrdquo] Eacute exegetikoacuten ou narrativo aquele em que o proacuteprio
poeta fala sem interlocuccedilatildeo de alguma personagem como ocorre nas
trecircs primeiras Geoacutergicas [de Vergiacutelio] e na primeira parte da quarta e
igualmente nos cantos de Lucreacutecio e em outros semelhantes a estes Eacute
koinoacuten ou comum aquele em que o proacuteprio poeta fala e as personagens
satildeo introduzidas falando como foram escritas a Iliacuteada e a Odisseacuteia
inteiras de Homero a Eneida de Vergiacutelio e outros semelhantes a
estes
(Diomedes Arte Gramatical livro III trad Izabella Lombardi
Gaberllini in LETRAS CLAacuteSSICAS n 9 p 231-243 2005 Paacuteg
231)
Agora em uma triparticcedilatildeo Diomedes testemunha o uso da nomenclatura ldquoimitativordquo agrave
que tambeacutem associa o termo ldquodramaacuteticordquo bem como a traduccedilatildeo latina dos respectivos nomes
Curioso notar tambeacutem que siga o criteacuterio semelhante ao de Platatildeo ilustrando o gecircnero misto
com a eacutepica de Homero e Vergiacutelio
Observaremos portanto que para os textos de doutrina (que possuem eles mesmos
como dito suas convenccedilotildees) principalmente esses de acendecircncia gramatical o que concerne
tatildeo somente agrave poesia eacute sua divisatildeo em gecircneros e espeacutecies em outras palavras seu
agrupamento segundo uma nomenclatura funcional que permita tratar da variedade das
composiccedilotildees herdadas dos antigos gregos Se de origem heleniacutestica e portanto
64 Holtz L apud Gaberllini (2005) paacuteg 1 A dataccedilatildeo da Ars Grammatica de Diomedes infere-se a partir do uso
que faz de Donato e Cariacutesio gramaacuteticos anteriores e pelas constantes citaccedilotildees de Prisciano
74
originariamente editorial essa nomenclatura em um texto como o da Crestomatia ou o da
gramaacutetica de Diomedes tornou-se didaacutetica e eacute de se supor no caso da primeira natildeo apenas no
sentido pedagoacutegico Temos muito bons indiacutecios para supor que essa nomenclatura natildeo se
propotildee riacutegida uacutenica infrangiacutevel porque ela mesma no caso da Crestomatia supotildee mais
restritas suas dimensotildees quando o assunto eacute a liacuterica65 O que observamos no cataacutelogo da liacuterica
eacute a preponderacircncia e o emprego de outro criteacuterio ou padratildeo explicativo que tambeacutem estaacute
presente nos gecircneros anteriores natildeo se busca explicar o que seja a poesia como o faz
Aristoacuteteles mas sim reunir quanta informaccedilatildeo eacute uacutetil para compreender as diferenccedilas entres as
diferentes espeacutecies No caso das espeacutecies diegeacuteticas ou narrativas que natildeo a liacuterica junto a um
criteacuterio de mateacuteria e metro que privilegia este em relaccedilatildeo agravequele quanto agrave antecedecircncia
emprega-se um criteacuterio etimoloacutegico que eacute em boa parte das vezes etioloacutegico tambeacutem porque
traz consigo a origem do dizer consequentemente a origem do referente do significante Esse
eacute o criteacuterio que perpassa todo o cataacutelogo liacuterico na sua forma mais baacutesica porque em alguns
casos o emprego de uma palavra como nomenclatura jaacute eacute por si mesmo autoexplicativo eacute o
caso das uacuteltimas subespeacutecies aquelas sobre circunstacircncias incidentais em que se opta pelo
verso Esse eacute tambeacutem o mesmo criteacuterio que no caso das espeacutecies anteriores agrave meacutelica (a eacutepica
a elegia e o iambo) organiza concomitantemente a metro e mateacuteria a exposiccedilatildeo da espeacutecie
poeacutetica na forma de uma breve histoacuteria que nas suas diferentes etimologias busca agrupar os
diferentes elementos arrolados convencionalmente para definir aquele tipo poeacutetico
32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE
DIOMEDES
Consoante ao exposto no item anterior natildeo eacute de espantar que os gecircneros arrolados
entre os imitativos sejam apenas aqueles dramaacuteticos ou teatrais no caso da Crestomatia de
Proclo enquanto observamos que o exemplo de Diomedes refere-se agrave faacutebula teatral em
geral66 e admite que como tal escreveram-se as Bucoacutelicas I e IX
65 Basta conferir como o cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas eacute introduzido no epiacutetome sect33 (Severyns) 319b 33 66 ldquo() dramaticon est vel activum in quo personae agunt solae sine ullius poetae intcrlocutione ut se habent
tragicae et comicae fabulaerdquo ndash DIOMEDES op cit paacuteg 482 17 ndash 19 Diomedes provavelmente pontua o
elemento ldquofabulaerdquo logo aqui porque o mencionaraacute tratando posteriormente e em separado das espeacutecies
cocircmicas e traacutegicas Nada nos impede de conjeturar e tatildeo somente isso que tratando enfim do gecircnero mimeacutetico
nos demais livros da Crestomatia de que natildeo temos notiacutecia alguma o myacutethos aparecesse na obra Se a exposiccedilatildeo
75
Em ambos os textos o criteacuterio preponderante que estabelece a primiera distinccedilatildeo
dentro da qual os poemas se agruparatildeo eacute o modo enunciativo
Aquilo que seratildeo as espeacutecies no tratado de Proclo para Diomedes receberaacute o nome
simples de ldquocarminardquo ou ldquocantosrdquo designados como o resultado a obra em si uma vez que a
palavra latina designa assim o poema a composiccedilatildeo em verso Diomedes adota assim a
designaccedilatildeo jaacute corrente para essas formas poeacuteticas mas propotildee entre os carmes e os gecircneros
maiores outras espeacutecies que consideram agora o que se narra ou mimetiza e que satildeo
apresentadas como espeacutecies dos trecircs primeiros grupos elencados
ldquoPoematos dramatici vei activi genera sunt quattuor apud Graecos
traacutegica comica satyrica mimica apud Romanos praetextata tabernaria
Atellana planipesrdquo
(DIOMEDES op cit III apud Keil paacuteg 482 26)
ldquoOs gecircneros do poema dramatikoacutes ou ativo satildeo quatro entre os
gregos a [espeacutecie] traacutegica a cocircmica a satiacuterica a miacutemica entre os
romanos a pretextata a tabernaacuteria a atelana a planiacutepederdquo
(Trad GABERLLINI op cit 231)
Observa-se que no caso das espeacutecies gregas modelares (salvo pelos mimos) pelo
menos desde Aristoacuteteles67 a um criteacuterio primeiramente selecionado como mais geral porque
mais abrangente e baacutesico sobretudo por permitir a distinccedilatildeo imediata entre a poesia dramaacutetica
e as demais formas conhecidas segue-se uma subdivisatildeo desse criteacuterio que permite elencar e
subagrupar outras formas poeacuteticas geralmente obtusas em relaccedilatildeo agrave nomenclatura Eacute seguindo
o mesmo criteacuterio entatildeo que nos deparamos com outras espeacutecies mas agora do gecircnero
narrativo
ldquoExegetici vel enarrativi species sunt tres angeltice historice
didascalice angeitice est qua sententiae scribuntur ut est Theognidis
liber item chriae historice est qua narrationes et genealogiae
dos livros estivesse organizada como o epiacutetome 239 nos daacute a conhecer eacute de se crer que na sequecircncia do livro
III ocorresse a exposiccedilatildeo do gecircnero que natildeo foi discutido nos dois primeiros livros que o epiacutetome nos transmite 67 A reiteraccedilatildeo dos criteacuterios de unidade medida e adequaccedilatildeo ao longo da Ars Poetica de Horaacutecio ilustram-no
muito bem Sobre os mimos embora Aristoacuteteles mencione-os na Poeacutetica 1447b 8 ndash 12 e seja plausiacutevel que
segundo seu criteacuterio acional sejam miacutemesis poeacutetica nada mais nos eacute dito sobre eles no que temos da obra
76
conponuntur ut est Hesiodu et similia
didascalice est qua conprehenditur philosophia Empedoclis et Lucreti
item aslrologia ut phaenomena Aratu et Ciceronis et georgica
Vergilii et his similiardquo
(Idem paacuteg 482 31 ndash 483 3)
Assim o poema apenas narrativo pode ser ldquoenunciativo (angeltikeacute)rdquo quando apenas
enuncia coisas ie quando ocorre pura e simplesmente uma enunciaccedilatildeo direta ndash o exemplo
seria a poesia gnocircmica de Teoacutegnis e as khreicircai ou ldquomaacuteximasrdquo ditos ceacutelebres de personagens
ou figuras histoacutericas pode ser ldquohistoacuterico (historikeacute)rdquo quando o que se ldquonarra reporta relata
etcrdquo possui um sentido cronoloacutegicogenealoacutegico de que eacute exemplo O Cataacutelogo das Mulheres
de Hesiacuteodo pode ser ldquodidascaacutelica (didaskalikeacute)rdquo quando ensina e aqui satildeo exemplos os
Fecircnomenos tanto de Ciacutecero como de Arato ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio mas tambeacutem os
poemas de conteuacutedo filosoacutefico de que satildeo exemplos Empeacutedocles e Lucreacutecio
Subdividindo a poesia mista menciona como exemplo a poesia heroica ie a poesia
de heroacuteis de que satildeo exemplo a Iliacuteada e a Eneida tambeacutem se refere agrave liacuterica mas aqui a de
Horaacutecio e Arquiacuteloco (DIOMEDES op cit 483 5 ndash 6)
Ora chama a atenccedilatildeo nesse uacuteltimo caso em comparaccedilatildeo ao texto do epiacutetome de
Foacutecio que operando com uma triparticcedilatildeo dos gecircneros enunciativos a liacuterica seja dada como
exemplo misto porque eacute plenamente possiacutevel imaginar que outro e natildeo o eu-poeacutetico fale
como uma personagem Como a Crestomatia opera com uma biparticcedilatildeo a liacuterica eacute posta junto
de todas as espeacutecies que natildeo satildeo modernamente falando teatrais pelo simples pressuposto de
que nelas quem fala eacute a figura do poeta podendo haver outra dependente dela
Ateacute aqui comparados em sua organizaccedilatildeo observamos que tanto a Crestomatia como
o livro III de Diomedes conhecido antigamente como De Poematibus68 partem de um criteacuterio
primeiro e abrangente que classifica os poemas pelo elocutor Ambos jaacute apresentam aiacute uma
primeira diferenccedila69 este uma divisatildeo tripartite aquele bipartite
O texto de Diomedes apresenta uma subdivisatildeo em espeacutecies que considera a mateacuteria e
a finalidade da composiccedilatildeo mesmo no caso dos poemas apenas narrativos (contemplando
assim ateacute poemas de ensinamento filosoacutefico) e distingue com outra nomenclatura agrave parte os
cantos ou carmina como formas que se definem pelo que parece ser um criteacuterio taacutecito de
68 Uma vez que essa seccedilatildeo por si soacute consiste em um pequeno livro sobre classificaccedilatildeo de obras poeacuteticas que se
inspiraria na obra perdida atribuiacuteda a Suetocircnio De Poetica 69 Aleacutem do fato sempre evidente de que a os textos gregos versam sobre as formas poeacuteticas gregas enquanto os
latinos versam sobre as formas gregas ndash feitas romanas pelos autores paacutetrios ndash e a formas apenas latinas
77
metro e mateacuteria Era de se esperar em princiacutepio que esses cantos correspondessem
diretamente aos grupos acima expostos ou que ao menos fossem explicitados como derivados
deles ou a eles associados essa associaccedilatildeo de forma explicita soacute se verifica para os casos do
epos e da poesia bucoacutelica no caso citado de Vergiacutelio70 Jaacute o texto atribuiacutedo a Proclo passa
direto dos gecircneros enunciativos para o nome de cada uma das espeacutecies narrativas gregas
equivalentes (salvo pela liacuterica que ocupa o epiacutetome extensamente) aos carmina de Diomedes
Em resumo natildeo haacute classificaccedilatildeo intermediaacuteria no texto grego
Ora haacute ao menos que se conjecturar a respeito dessas diferenccedilas e se natildeo pudermos
chegar a respostas definitivas podemos formular hipoacuteteses que permitam um melhor
vislumbre da categorizaccedilatildeo poeacutetica com que se preocupavam as gramaacuteticas antigas
Primeiramente a correspondecircncia entre os carmina de Diomedes e as espeacutecies
arroladas em Proclo eacute notaacutevel A equivalecircncia na verdade eacute principalmente do tipo de
classificaccedilatildeo que se desdobra que ndash agrave guisa de esclarecimento por enquanto ndash tem como
elementos baacutesicos os membros do esquema metro-mateacuteriaetimologia-etiologia Esse modelo
de classificaccedilatildeo e as semelhanccedilas entre os dois textos seraacute o foco da comparaccedilatildeo nas seccedilotildees a
seguir (infra 33 paacuteg 81 em diante) Interessam agora as diferenccedilas e a compreensatildeo
estrutural dos dois textos
O texto de Diomedes traz uma classificaccedilatildeo como notado que o texto de Proclo natildeo
Por quecirc Podemos conjecturar que Diomedes conhecendo duas classificaccedilotildees (uma que
apresenta na forma dos carmina pertencente ao mesmo modelo que a classificaccedilatildeo do texto
de Proclo) preocupa-se em dar conta das duas maneiras de classificar senatildeo em reuni-las e
tornaacute-las ambas operantes e natildeo excludentes procedimento que como se verifica a respeito
das etimologias eacute padratildeo
Parece que a primeira classificaccedilatildeo de Diomedes ausente em Proclo privilegia como
dito o criteacuterio mateacuteria considerando tambeacutem o fim a que o gecircnero enunciativo se destina Em
outras palavras eacute como se buscasse esgotar em subcategorizaccedilotildees o criteacuterio maior e
preponderante dos gecircneros enunciativos Assim as formas imediatamente subcategorizadas
satildeo espeacutecies dos trecircs grandes gecircneros segundo aquilo que ldquose narrardquo aquilo que ldquose
mimetizardquo (entenda-se ldquodramatizardquo diretamente dando voz a actantes) e aquilo que ldquose narra
e dramatizardquo simultaneamente Tal hipoacutetese talvez se confirme em se notando que espeacutecies
irmanadas dentro de um mesmo gecircnero o satildeo independente do metro Observe-se a poesia
gnocircmica de Teoacutegnins compocircs-se em diacutesticos elegiacuteacos os Fenocircmenos de Arato ou Ciacutecero
70 Gaberlinni (2005 paacuteg 1)
78
ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio compuseram-se em hexacircmetro ambas no entanto satildeo
subespeacutecies do mesmo gecircnero pois constituem exemplo de poesia narrativa Assim se
explicaria o curioso caso da poesia heroica e da liacuterica em um mesmo gecircnero Mas note-se
tambeacutem Diomedes ao referir-se nesse passo agrave poesia tradicionalmente conhecida como
eacutepica (mais ainda agrave eacutepica por excelecircncia ndash trata-se de Homero e Vergiacutelio afinal) natildeo
emprega o termo ldquoeacutepicardquo ou ldquoeposrdquo porque esse eacute o nome de um carmen dentro da outra
categorizaccedilatildeo que tambeacutem desenvolveraacute O termo ldquoespeacuteciesrdquo rigorosamente emprega-se para
classificar as espeacutecies pela mateacuteria Da perspectiva da mateacuteria a poesia da Eneida ou da Iliacuteada
denomina-se ldquoheroicardquo pois versa sobre heroacuteis e natildeo ldquoeposrdquo embora da perspectiva dos
carmina como se sabe tambeacutem o seja Ao lado dessa poesia como mais um exemplo a liacuterica
citada natildeo eacute a liacuterica enquanto carmen os meacutele de Proclo em outras palavras a meacutelica como
um todo mas sim a liacuterica de Horaacutecio e Arquiacuteloco Evidentemente natildeo se excluem
composiccedilotildees de outros liacutericos Podemos imaginar que Diomedes provavelmente classificaria
sob essa nomenclatura ndash por que natildeo ndash parte de Safo uma vez que na sua ceacutelebre Ode a
Afrodite por exemplo ao dar voz agrave deusa que responde agrave prece do enunciador a poestisa
torna ldquomistardquo a enunciaccedilatildeo Uma liacuterica que natildeo o fizesse no entanto natildeo viria classificada
aqui
Buscando conciliar descriccedilotildees diferentes outra classificaccedilatildeo eacute a que em Diomedes
nomeia as composiccedilotildees como tal em separado a partir do resultado como ldquocantosrdquo Essa
classificaccedilatildeo ao que parece prioriza descrever a origem das formas poeacuteticas consagradas e
por isso seu criteacuterio preponderante eacute o metro seguido das explicaccedilotildees etimoloacutegicas e
etioloacutegicas que justificam como certo nome passou a se aplicar a certo tipo de composiccedilatildeo
natildeo univocamente pois assume que um mesmo nome se aplicava agrave confluecircncia de diferentes
mateacuterias que um metro pode incorporar para alguns casos dos quais o mais evidente eacute o da
elegia busca-se um denominador comum (sempre o lamento fuacutenebre) Mas a premissa
subjacente ndash posta em nossos termos evidentemente ndash seria carmen eacute uma nomenclatura
fechada que se aplica para nomear uma composiccedilatildeo levando em conta prioritariamente as
virtualidades do metro em relaccedilatildeo agrave mateacuteria Afinal de contas natildeo se conhece composiccedilatildeo em
diacutestico elegiacuteaco que almeje por exemplo cantar ldquofeitos e guerras de heroacuteisrdquo Categorizar e
explicar pela histoacuteria a composiccedilatildeo feita em certo metro mais especificamente dado uso de
um metro ndash senatildeo os usos dos metros ndash tornou-se ofiacutecio como visto do gramaacutetico A essa
seccedilatildeo do texto de Diomedes da classificaccedilatildeo dos carmina equivalem diretamente as espeacutecies
do texto de Proclo que natildeo aventando a subdivisatildeo por ldquoo querdquo se enuncia segundo os
79
gecircneros enunciativos propotildee os nomes das composiccedilotildees como as espeacutecies diretas dos grandes
gecircneros
Tal hipoacutetese torna mais clara a estruturaccedilatildeo do texto de Proclo pelo menos como o
resumo de Foacutecio o interpretou ao termo carmina de Diomedes equivale o termo poietikeacute de
Proclo Desde o princiacutepio do resumo o texto segue na esturtura de discurso indireto ldquoDiz
querdquo e entatildeo jaacute se expocircs a doutrinas sobre as virtudes da prosa e da poesia e qual o criteacuterio
discriminatoacuterio (os tropos figuras e todo o ornato ocorrem em maior abundacircncia na elocuccedilatildeo
poeacutetica) tambeacutem a doutrina dos trecircs moldes da elocuccedilatildeo Eacute em 319a 4 (sect12 SEVERYNS)
justamente apoacutes a menccedilatildeo ao juiacutezo de poesia que se inaugura a seccedilatildeo sobre os gecircneros
poeacuteticos
ldquoΚαὶ ὅτι τῆς ποιητ κῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόνrdquo
ldquoE da composiccedilatildeo poeacutetica diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativordquo
Evidentemente a traduccedilatildeo traz uma resoluccedilatildeo Literalmente ldquoE que da poeacutetica haacute o
diegeacutetico e o mimeacuteticordquo ou ldquoe que haacute o diegeacutetico e o mimeacutetico da poeacuteticardquo Como se vecirc o
trecho obriga a traduccedilatildeo a suprir algo que acompenhe o adjetivo ldquopoeacuteticardquo caso contraacuterio
pensar-se-aacute que aristotelicamente aborda-se aqui a Poeacutetica em um tratado sobre a teacutecnica
embora natildeo seja de todo errado entender que desse trecho em diante seratildeo abordadas
questotildees proacuteprias dessa teacutecnica e do conhecimento da poesia mas parece que a carga do
termo aqui eacute menos teacutecnica como se parafraseando o texto Proclo versasse sobre o que eacute
proacuteprio da poesia e portanto pode ser qualificado pelo adjetivo ldquopoeacuteticordquo
Pois havendo descrito trecircs doutrinas relevantes para analisar a composiccedilatildeo poeacutetica as
trecircs aplicaacuteveis igualmente agrave prosa e agrave poesia ndash a medida da elocuccedilatildeo para prosa e poesia
(pesando a balanccedila para esta) os plasmatai ou moldes e seus desvios e diferenccedila entre eacutethos e
paacutethos no juiacutezo de poesia ndash emprega-se o adjetivo para delimitar aquilo que concerne apenas
agrave poesia o que eacute apenas ldquopoeacuteticordquo ie proacuteprio agora do que eacute poema ndash termo que demarca a
oposiccedilatildeo com loacutegos ou prosa ndash e isso eacute justamente a classificaccedilatildeo dos poemas em narrativo ou
imitativo seguidos das espeacutecies daquele (eacute de se supor que nos livros que Foacutecio natildeo nos daacute a
conhecer arrolassem-se as espeacutecies imitativas) eacute nesse sentido portanto que a delimitaccedilatildeo
dos carminai Diomedes equivale ao poietikeacute de Proclo pois como se viu as
espeacutecies de Proclo (excetuando o cataacutelogo meacutelico) satildeo os carmina de Diomedes
80
Eacute mais do que evidente por isso tambeacutem que ambos os autores referiam-se a uma
mesma classificaccedilatildeo descritiva da poesia enraizada na gramaacutetica e a julgar pelos textos
difundida e profusa
Ambos os textos apresentam ainda uma terceira classificaccedilatildeo com algo em comum
(Diomedes apresenta quatro no total Proclo trecircs) os moldes da elocuccedilatildeo abordados antes da
classificaccedilatildeo geneacuterica na Crestomatia os ldquocaracteres do poemardquo (characteres poematos)
entre a exposiccedilatildeo das espeacutecies e a exposiccedilatildeo dos carmina em Diomedes que os nomeia em
particcedilatildeo quaacutedrupla e com nomes gregos makroacutes brakhyacutes meacutesos e antheroacutes
Essa classificaccedilatildeo seria uma das poucas ocorrecircncias do que em Fortunaciano lemos
como os geacutene pelikoacutetetos ou genera magnitudinis que diferentemente dos geacutene posoacutetetos
(cujo criteacuterio eacute a quantidade) pensam na grandeza na magnitude do discurso71 no que parece
ser uma tentativa de separaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de quantidade e a noccedilatildeo de extensatildeo do discurso
O que lemos na grande maioria dos textos como ldquomoldes gecircneros ou caraacutecteres da elocuccedilatildeordquo
aqui seria o criteacuterio da quantidade os geacutene posoacutetetos De qualquer forma o elemento em
comum com a Crestomatia eacute apresentar um criteacuterio que permita medir e avaliar a elocuccedilatildeo do
poema e assim tambeacutem julgaacute-lo por tal
O momento em que ocorrem ambas as distinccedilotildees nos respectivos textos vale menccedilatildeo
o conteuacutedo geral da obra de Proclo natildeo nos eacute acessiacutevel os indiacutecios arrolados nos capiacutetulos
anteriores levam-nos a crer que em seu iniacutecio para delimitar a poesia diferenciava-a da prosa
pelo criteacuterio da elocuccedilatildeo o que levava a uma discussatildeo sobre seus moldes Esse estudo da
elocuccedilatildeo era proacuteprio da tratadiacutestica retoacuterica de que o grande exemplar eacute Dioniacutesio de
Halicarnasso Sabemos por ele que pensando pelo ponto de vista da elocuccedilatildeo a anaacutelise da
composiccedilatildeo pelos moldes ou caracteacuteres se dava sobre a poesia e sobre a prosa Ora textos de
comentaacuterio gramatical conforme visto tambeacutem podiam recorrer a essa classificaccedilatildeo ou citaacute-
la Que essa doutrina fosse primeiramente exposta na Crestomatia quando em uma
introduccedilatildeo versava sobre a distinccedilatildeo prosa-poesia antes de partir para a classificaccedilatildeo dos
gecircneros poeacuteticos e que os geacutene pelikoacutetetos ocorram antes da menccedilatildeo dos carmina como
outro criteacuterio preponderantemente classificatoacuterio da poesia (justamente a elocuccedilatildeo) em uma
seccedilatildeo do texto que se propotildee a discutir somente a poesia sem mencionar a prosa sequer por
ensejo de distinccedilatildeo isso junto das outras similaridades de organizaccedilatildeo tende a cofirmar a
abordagem de base gramatical que vai se estabelecendo ao longo dos seacuteculos e que natildeo
71 Cf GABERLLINI Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Consulto Fortunaciano paacuteg 57 ndash 63
Tambeacutem DOS SANTOS MM As Epiacutestolas de Horaacutecio e a confecccedilatildeo de uma ars dictaminis o opus p 142
Cf Bibliografia
81
descreve a poesia a partir de Aristoacuteteles Se a distinccedilatildeo pela elocuccedilatildeo insere-se dentro da
diferenciaccedilatildeo entre prosa e poesia na Crestomatia no caso do De Poematibus o criteacuterio jaacute eacute
dado inclusive depois do criteacuterio maior como maneira jaacute aceita pela qual tambeacutem se julgam
ou se medem pelo criteacuterio de grandeza no caso os poemas Tal mediccedilatildeo de grandeza para
elocuccedilatildeo embora sirva para essa em geral eacute apresentado como criteacuterio dentro da classificaccedilatildeo
da poesia jaacute assumido como maneira de se julgar poemas pois satildeo ldquocaracteres do poemardquo
sem nenhuma menccedilatildeo agrave prosa o que os poemas tambeacutem se classificavam assim
Nenhum desses criteacuterios eacute tratado ou descrito como condiccedilatildeo sine qua non se diraacute que
algo eacute poesia tais criteacuterios pelo contraacuterio proveem agravequeles que visam agrave explicaccedilatildeo dos
gecircneros manancial variado para descrever dentro de suas respectivas variaccedilotildees (mas
atentando aqui e ali a noccedilotildees semelhantes) as diferentes praacuteticas poeacuteticas da Antiguidade
Esses textos partem de outro ponto que natildeo o criteacuterio de Aristoacuteteles da miacutemesis de accedilatildeo como
o elemento base que define a poeacutetica
33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO
A noccedilatildeo de accedilatildeo ocorreraacute concomitantemente no epiacutetome e no De poematibus apenas
quando ambos abordam o epos Consequentemente soacute voltaraacute a aparecer no texto latino
quando se ateacutem agrave trageacutedia e agrave comeacutedia
A filiaccedilatildeo do texto grego e do texto latino a um mesmo meacutetodo ou forma de pensar e
expor o objeto se explicita agrave medida que os carmina de Diomedes equivalentes agraves espeacutecies
gregas de Proclo trazem etimologias semelhantes em passagens tambeacutem semelhantes de uma
breve histoacuteria de cada um dos tipos de composiccedilatildeo classificados pelo criteacuterio taacutecito de metro e
mateacuteria (semelhanccedila que evidentemente natildeo ocorre para as espeacutecies latinas ausentes no texto
grego) Em outras palavras natildeo apenas as etimologias satildeo as mesmas mas a histoacuteria que se
compotildee com elas revelando uma interpretaccedilatildeo convencionada e autorizada das informaccedilotildees
provedoras de uma mesma organizaccedilatildeo de fatos ilustrativos e explicativos do que em
Diomedes ganha o tiacutetulo de carmina
Como razatildeo histoacuterica da fixaccedilatildeo ao longo dos seacuteculos dessa forma de se exporem os
gecircneros e espeacutecies poeacuteticos devem-se considerar natildeo soacute o estabelecimento dos criteacuterios
editoriais alexandrinos como criteacuterios tambeacutem exegeacuteticos mas por que isso ocorreu A
82
relevacircncia desse fator natildeo estaacute apenas no fato de que graccedilas a essa atividade editorial os
poetas satildeo transmitidos estaacute mais especificamente sim no que consiste essa transmissatildeo eacute
por meio dela que se tornaratildeo objeto do conhecimento no traslado de uma cultura
essencialmente oral para um mundo da erudiccedilatildeo letrada Eacute segundo esses criteacuterios e essa
classificaccedilatildeo que satildeo organizados e pensados Natildeo eacute necessaacuterio elocubrar no caso plural do
melos Basta conceber que aleacutem de Homero muita poesia hexameacutetrica que narrava uma ou
muitas accedilotildees (porque Aristoacuteteles mesmo notifica-nos de poetas que natildeo seguem o criteacuterio que
ele expotildee em seu tratado) esteve em matildeos dos eruditos ou filoacutelogos da biblioteca carecendo
de uma classificaccedilatildeo que ndash e isso eacute o mais relevante ndash ora se tornava necessaacuteria
Bem como se reuacutenem nesse periacuteodo as diferentes formas poeacuteticas reuacutenem-se
tambeacutem diferentes dados doutrinais explicativos bem como se observam formas
convencionadas no discurso poeacutetico e suas variaccedilotildees a partir daiacute observam-se tambeacutem formas
convencionadas de descriccedilatildeo doutrinal e suas variaccedilotildees
Dentro dessa perspectiva histoacuterica a razatildeo de ordem doutrinal que torna relevante o
criteacuterio etimoloacutegico e a presenccedila de mais de uma etimologia para muitos casos
principalmente das espeacutecies poeacuteticas de nomenclatura corrente (os carmina de Diomedes) eacute a
abrangecircncia de explicar o nome da coisa a fim de explicar a coisa A explicaccedilatildeo do nome da
coisa trazendo os diferentes fatores que deram origem a seu nome pontua os elementos pelos
quais a proacutepria coisa o recebeu sendo indiretamente sua explicaccedilatildeo Por isso a etimologia
vem acompanhada de explicaccedilotildees etioloacutegicas quando uma explicaccedilatildeo natildeo eacute ela mesma as
duas coisas ie etimologia-etiologia Mais uma vez tem-se um quadro de soma de
informaccedilatildeo relevante para esclarecer minimamente como aquela espeacutecie poeacutetica veio a ser
Assim natildeo eacute de espantar que mais de uma etimologia seja apresentada sem que se
selecione uma como verdadeira Agraves vezes o autor pode se pronunciar a respeito delas e
apontar uma ou outra como equivocada mas geralmente as arrola como possibilidades
igualmente verdadeiras Em alguns casos parece preferir uma a outra mas natildeo se vecirc por parte
dos antigos a preocupaccedilatildeo de crivaacute-las repetidamente para se obter uma uacutenica e definitiva
(como eacute proacuteprio de nosso meacutetodo cientiacutefico) e seria ilusoacuterio esperar que o fizessem apenas
porque o fazemos jaacute que isso natildeo estaacute a seu alcance e nem teria como ser seu foco72 Os
textos antigos preocupam-se antes em coligir as diferentes etimologias e etiologias e fornececirc-
las todas como igualmente verossiacutemeis como teoricamente plausiacuteveis porque cirscunscrevem
o toacutepico de maneira geralmente didaacutetica e autoexplicativa Equivocou-se Severyns portanto
72 Apenas agrave guisa de ilustraccedilatildeo devemos considerar do ponto de vista linguiacutestico que os antigos gregos natildeo
tinham agrave sua disposiccedilatildeo tudo quanto hoje sabemos sobre o proto-indoeuropeu
83
apesar de seu refinamento e equivoca-se quem tente descobrir qual etimologia estaria no
texto ocupando o status de verdadeira Comparada Crestomatia ao texto de Diomedes que
possuiacutemos integralmente vemos natildeo haver o objetivo de para cada seacuterie de etimologias e
explicaccedilotildees da origem de uma espeacutecie poeacutetica selecionar a ldquouacutenicardquo etimologia verdadeira em
detrimento das demais
Por fim deve-se recordar que ldquorevelar as etimologiasrdquo e ldquoexplicar as histoacuteriasrdquo o que
sabemos ser parte da exegese textual dos antigos eram ou pelo menos se tornam como visto
em nossa reflexatildeo sobre o proecircmio da Ars de Dioniacutesio Traacutecio ofiacutecio do gramaacutetico Esse eacute o
elemento chave que daacute espaccedilo nos textos de gramaacutetica ou como dito de ascendecircncia
gramatical agrave descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies da poesia Teoricamente o gramaacutetico ou o
enfoque gramatical desarrola a exposiccedilatildeo da poesia por gecircneros e espeacutecies como modelo das
letras e lhes explica os nomes Essa eacute sua funccedilatildeo Natildeo as explica filosoficamente A causa ou
etiologia vem por necessidade se eacute relevante ou se a etimologia natildeo a conteacutem por ser
autoexplicativa
331 Epos
3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria
A primeira definiccedilatildeo de epos que se lecirc no texto de Diomedes eacute hauridade de Teofrasto
ldquoEpos se diz em grego a inclusatildeo das accedilotildees divinas heroicas e humanas no canto hexacircmetro
eacutepos estigraven periokhegrave theiacuteon te kaigrave heroiumlkocircn kaigrave anthropiacutenon pragmaacuteton73rdquo74 Como se vecirc essa
primeira definiccedilatildeo pontua claramente o elemento ldquoaccedilatildeordquo mas chama atenccedilatildeo outro elemento
de ordem terminoloacutegica o fato de que epos se defina pela ldquoinclusatildeordquo (periokheacute) das ldquoaccedilotildeesrdquo
(praacutegmata) no metro Natildeo soacute se verifica o criteacuterio metro-mateacuteria mas tambeacutem a sucessatildeo
desta agravequele A definiccedilatildeo atribuiacuteda a ningueacutem menos que o sucessor de Aristoacuteteles afirma
mais uma vez a preponderacircncia da accedilatildeo como elemento definidor da poesia narrativa por
excelecircncia mas o emprego do plural abre margem a conjecturas porque permite a leitura
73 Fortenbaugh et ali Theophrastus of Eresus Brill 1993 apud Gaberllini (2005) 74 Gaberllini op cit pg 233
84
segundo a qual natildeo eacute necessaacuteria a unidade de accedilatildeo basta que os hexacircmetros ndash parte-se do
metro ndash tragam accedilotildees e recebem o nome de epos
Essa seria a definiccedilatildeo simples de epos segundo metro e mateacuteria Restaria explicar
como isso se deu e aiacute se tem a mesma etimologia de Proclo justamente aquela que segundo
Severyns eacute absurda e natildeo poderia ser aceita como a endossada por um autor como Proclo
Proacutepria ou natildeo absurda ou natildeo ela explica a histoacuteria do epos de maneira coerente e
verossiacutemil dentro da tratadiacutestica trata-se da etimologia que aproxima epos do verbo hepomai
(seguir) Essa seria a origem da palavra Um ldquoeposrdquo (palavra) seria uma corruptela de algo
que se segue e assim se empregou a palavra para designar alguma coisa que ldquose seguiardquo nos
hexacircmetros apoacutes a descoberta do metro (mais uma vez anterior agrave adiccedilatildeo de accedilotildees) ldquoparagrave tograve
heacutepesthai en autocirci tagrave hexecircs meacutere toicircs proacutetoisrdquo75 O elemento sequencial apresentado por
Diomedes eacute a proacutepria consecuccedilatildeo das partes e das accedilotildees ie o proacuteprio elemento consecutivo
da narraccedilatildeo hexameacutetrica No caso da etimologia da Crestomatia aquilo que se segue a
consecuccedilatildeo satildeo as accedilotildees em relaccedilatildeo aos oraacuteculos accedilotildees que foram consoantes aos ouvidos
As duas etimologias natildeo satildeo a rigor completamente diferentes porque na verdade
trabalham com o mesmo elemento na expressatildeo ldquoforam consoantesrdquo (syacutemphona ecircn)76 da
Crestomatia supotildee-se a perfeita acomodaccedilatildeo entre accedilotildees e hexacircmetro comum a essa
exposiccedilatildeo do epos que se dessarola nos dois textos O texto de Diomedes natildeo agrave toa seguindo
o procedimento de compor uma breve histoacuteria com as informaccedilotildees agrave disposiccedilatildeo diraacute logo na
sequecircncia que ldquo() Na verdade o verso hexacircmetro se diz precipuamente eacutepos pois que por
primeiro o deus vate77 incluiu neste verso as palavras da resposta por assim dizer em muacutetua
consecuccedilatildeo de onde [vem] posteriormente por catacrese o termo o eacutepos por outros foi dita a
palavra e a proacutepria escrita consecutiva do discurso prosaicordquo78 Aqui como na Crestomatia a
associaccedilatildeo entre epos e palavra embora interpretada diferentemente Na Crestomatia porque
as composiccedilotildees hexameacutetricas passaram a se destacar demais e a exibir enorme superioridade
passaram a se designar por antonomaacutesia ldquopalavrardquo por serem a palavra por excelecircncia O
argumento se pauta na analogia com outros termos que designam pessoas ldquopoetardquo por
ldquoHomerordquo ldquooradorrdquo por ldquoDemoacutestenes Nela como visto o elemento ldquoconsecussatildeordquo se daacute
quando naturalmente das respostas do oraacuteculo percebe-se que a inclusatildeo de accedilotildees resultava
consoante ao metro Ora eacute uma diferenccedila de apresentaccedilatildeo da ideia mas esta de modo taacutecito
75 Diomedes 484 8 76 Proclo in Foacutecio 319a 10 ndash 11 in Severyns op cit sect13 77 Apolo 78 ldquo[] praecipue vero hexameter versus epos dicitur quoniam quidem hoc versu verba responsi in mutuam ut
sic dixerim consequentiam primus deus vates conprehendit unde postea abusive verbum et solutae orationis
ipsa scriptura consequens ab aliis epos dictumrdquo Diomedes (484 8 ndash 12)
85
eacute muito semelhante O texto de Diomedes traz a ilaccedilatildeo de que essa respota que se seguia era
um dizer um eacutepos e que seu nome se estendeu agraves composiccedilotildees com o tempo quando se deu
aquela inclusatildeo das sequecircncias de accedilotildees por catacrese (ldquounde postea abusive verbumrdquo) e natildeo
por antonomaacutesia Se essa informaccedilatildeo natildeo vem expressa no texto grego pode-se supor que
estaacute subentendida ao nomear a profetiza de Apolo que primeiro professou os oraacuteculo no metro
hexameacutetrico Femocircnoe composto de phemiacute (dizer) e nocircus (pensamento)
Como comprovaccedilatildeo da propagaccedilatildeo do nome o texto latino menciona que a extensatildeo
de sentido se deu ateacute o ponto de alguns usarem o termo tambeacutem para a fala e a escrita do que
denomina ldquodiscurso prosaicordquo ie a fala no que se pode supor a praacutetica oratoacuteria O mesmo
tipo de demonstraccedilatildeo seraacute empregado na Crestomatia mas laacute o exemplo satildeo os triacutemetros que
tambeacutem recebiam de alguns a designaccedilatildeo ldquoeacuteperdquo Vale lembrar que jaacute segundo Aritoacuteteles o
discurso das personagens se adaptou no estaacutegio final do desenvolvimento da trageacutedia ao
triacutemetro que eacute comum da fala79 Observa-se pois o mesmo tipo de argumento expresso com
exemplos parcialmente diferentes se considerarmos que a ambos subjaz o elemento ldquofala
comumrdquo natildeo tatildeo elevada menos poeacutetica de acordo com o criteacuterio do ldquomais e do menosrdquo da
elocuccedilatildeo segundo o qual a poesia naturalmente mais elevada deve conter em maior nuacutemero
as mesmas virtudes da prosa80
Os mesmos pressupostos subjazem agraves duas exposiccedilotildees lembrando sempre que no
caso de Diomedes isso vale apenas para o que diz da origem grega das espeacutecies poeacuteticas uma
vez que para cada carme fala da invenccedilatildeo entre os latinos As diferenccedilas ficam por conta de
um exemplo ou da maneira e da ordem atraveacutes das quais cada texto compotildee sua breve histoacuteria
explicativa da espeacutecie poeacutetica contudo ndash enfatizando mais uma vez ndash utilizando os mesmos
criteacuterios e causas consolidados Ora em nenhum momento Diomedes nega ndash mas pelo
contraacuterio deixa claro ndash que segue a preceptiva grega
Se pensarmos que esquematicamente os traccedilos apresentados satildeo
a ndash eacutepos ndash heacutepomai (ldquosyacutemphona ecircnrdquo)
b ndash uso primitivo do hexacircmetro nas respostas dos oraacuteculos
c ndash compreensatildeo das accedilotildees
79 Mais precisamente Aristoacuteteles diz que na fala comum os triacutemetros ocorrem repetidamente enquanto os
hexacircmetros satildeo poucos Cf Poeacutetica 1449a 23 ndash 27 80 De fato Aristoacuteteles na referida passagem diz que os hexacircmetros ocorrem quando na fala hodierna
desviamo-nos do registro coloquial ndash ldquoekbaiacutenontes tecircs lektecircs harmoniacuteasrdquo
86
d ndash confusatildeo entre fala hexameacutetrica e fala comum e extensatildeo para outros tipos de fala
(eacutepe)
a exposiccedilatildeo em Proclo seguiria um arranjo sequencial b a c d em Diomedes c a b d
3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico
Do que foi exposto no item anterior resulta nesta classificaccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies
poeacuteticos um criteacuterio que agruparia como epos toda poesia hexameacutetrica arcaica Mais
precisamente segue-se que por uma exposiccedilatildeo histoacuterico-etioloacutegica propotildee-se um conjunto
de traccedilos que agrupariam um poema na categoria ldquoeposrdquo A classificaccedilatildeo natildeo eacute como em
Aristoacuteteles exclusiva por tentar delimitar criteacuterios especiacuteficos e particularizantes mas
inclusiva porque assume mais de um criteacuterio ou traccedilo que permitiria incluir um poema no
gecircnero e apresenta as causas de cada um desses traccedilos como coexistentes
Por esse criteacuterio a rigor ndash e isso merece destaque no texto de Proclo ndash a invenccedilatildeo ou
descoberta do epos sua heuacuteresis eacute a descoberta do hexacircmetro e seu desenvolvimento ndash todas
as exposiccedilotildees mais detidas de espeacutecies seguem o esquema descoberta-desenvolvimento ndash
ocorre a partir do momento em que ldquose seguemrdquo as accedilotildees Parece que essa seria a exegese
mais literal dessa exposiccedilatildeo do epos como se encontra em Proclo e Diomedes Isso implica
que a rigor se o que Femonoe profetizava em hexacircmetros era ldquoeposrdquo ora poderiacuteamos
conceber um epos sem accedilatildeo Por isso talvez o segundo elemento etimoloacutegico imediatamente
arrolado seja o que propotildee a sucessatildeo imediata das accedilotildees por cosonacircnsia natural Vale
menccedilatildeo que a consonacircncia por si soacute seja ndash como por natureza ndash argumento suficiente (cf
supra 74)
Por esse criteacuterio abrangente observa-se que o texto de Proclo traria uma seccedilatildeo que natildeo
ocorre no livro III de Diomedes afinal de contas este natildeo teria a menor intenccedilatildeo embora
ambos compartilhem o mesmo ensejo didaacutetico e o mesmo modelo de categorizaccedilatildeo de
abordar detalhadamente o epos grego e daacute-lo a conhecer de modo geral agravequele que busca
instruccedilatildeo a seu respeito A Crestomatia traria nesse passo antes da apresentaccedilatildeo da elegia
uma discussatildeo geral de diferentes aspectos teoacutericos relacionados aos poemas classificados e
87
herdados como epos Como parte dessa discussatildeo eacute provaacutevel que se apresentassem
resumidamente evento a evento diferentes poemas contendo o ciclo eacutepico
A primeira peculiaridade aqui se refere ao fato de que os eventos mencionados por
Foacutecio (sect17) natildeo condizem com os eventos iniciais do primeiro poema na cronologia que nos
chega resumido a saber as Ciacuteprias que se iniciariam com Zeus tramando a guerra de Troia
junto a Tecircmis Considerando-se o episoacutedio das narraccedilotildees mitoloacutegicas com o qual o epiacutetome
de Foacutecio pontua o iniacutecio do ciclo verificamos que os fragmentos natildeo o contecircm por completo
uma vez que se iniciam com os poemas que visam ldquocompletarrdquo ndash ldquo
sympleroucircmenosrdquo ndash Homero (sect19) narrando fatos concernentes agrave guerra a partir de suas
causas que natildeo se encontram nem na Iliacuteada nem na Odisseia Eacute provaacutevel portanto que o
texto de Proclo transmitisse aqui de poemas como a Teogonia de Hesiacuteodo ou a
Titanomaquia atribuiacuteda a Eumelo eventos cosmogocircnicos concernentes agrave origem do mundo e
dos deuses culminando no reinado de Zeus e na Guerra de Troia a julgar inclusive pelo que
seria um dos toacutepicos do texto de Proclo destacado como relevante por Foacutecio a vir na
sequecircncia ldquotagrave mythologoucircmenardquo (sect19) ie as narraccedilotildees miacuteticas
O fato de Ceacuteu natildeo ser apresentado explicitamente como filho de Terra e de mesmo
assim a uniatildeo e a prole de ambos seguirem o padratildeo arcaico como se lecirc em Hesiacuteodo gerando
centiacutemanos e ciclopes (sem menccedilatildeo aos titatildes poreacutem) sugere a hipoacutetese defendida por
Severyns (paacuteg 87 ndash 88 n 17) de que Proclo se referia aqui agrave Titanomaquia jaacute entendida por
Ateneu (VII 277d ndash e) como poema do ciclo Nessa Ceacuteu seria filho do Ar (ou Eacuteter)81
O epiacutetome nos informa pela lista de cinco nomes anteriormente apresentada (sect15)
que dentro dessa interpretaccedilatildeo de epos Hesiacuteodo era exemplo da espeacutecie bem como outros
trecircs poetas que ou escreveram sobre Heacuteracles ndash sem atender como se sabe ao criteacuterio da
unidade de accedilatildeo por que Aristoacuteteles propugnaraacute (Poeacutetica VIII 1451a 16 ndash 35) ndash ou sobre as
guerras e eventos em torno da cidade de Tebas Os episoacutedios da Teogonia de Hesiacuteodo
portanto natildeo soacute seriam epos como tambeacutem de uma perspectiva a posteriori aquilo que
poetou faria parte do manancial episoacutedico que servia de mateacuteria prima aos poetas de epos A
respeito de Paniacuteasis Pisandro e Antiacutemaco resta a duacutevida que eram poetas de epos segundo
um mesmo criteacuterio que agrupava Hesiacuteodo e Homero natildeo haacute duacutevidas porque o texto o diz
contudo traria a Crestomatia menccedilatildeo dos episoacutedios por eles poetados
A referecircncia a essa primeira seccedilatildeo do ciclo eacutepico como ldquoτά περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι
μυθολογούμεναrdquo ldquoas narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos gregosrdquo (sect19) confirma que
81 Cf Anecdota Oxoniensa (I 75) Caliacutemaco (fragmento 498) Pseudo-Higino (Fabulae Preface) Ciacutecero (De
Natura Deorum 3 17)
88
antes dos resumos integralmente conhecidos o autor referia episoacutedios cosmogocircnicos mas
desse trecho natildeo temos fragmentos Eacute incerto se essa primeira parte do ciclo eacutepico era narrada
evento a evento apenas para anteceder os episoacutedios em torno da guerra de Troia do plano de
Zeus agrave morte de Odisseu ou se Proclo proporia uma sequecircncia de resumos dos diferentes
poemas considerados epos de acordo com a cronologia
Quanto agrave sequecircncia temporal dos eventos Ciacuteprias precedem a Iliacuteada Etioacutepida sucede
Na introduccedilatildeo agravequelas lecirc-se ldquoSucedem-se a esses eventos [a isso] as chamadas Ciacutepriasrdquo82
na introduccedilatildeo a esta ldquoSucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada
de Homero depois dela haacute a Etioacutepidardquo83 O texto a que o fragmento de Proclo refere-se satildeo
as Ciacuteprias a elas sucedem-se na cronologia os eventos da Iliacuteada e entatildeo os eventos da
Etioacutepida A jugar por essa passagem postos em sequecircncia o iniacutecio de ambos os fragmentos
indicariam que por deveras conhecida e copiada a Iliacuteada bem como a Odisseia natildeo eram
resumidas no texto de Proclo A introduccedilatildeo agrave Telegonia ocorre de maneira semelhante
ldquoDepois disso eacute a Odisseia de Homero depois disso a Telegoniardquo84 Chama a atenccedilatildeo que
pela cronologia dentro dessa esquematizaccedilatildeo de episoacutedios constituintes do ciclo a Odisseia
seria um nostos ie um retorno como uma espeacutecie a vir depois do poema Nostoi atribuiacutedo a
Aacutegias de Trezene e dedicado justamente a ldquosuprirrdquo os retornos natildeo poetados
Considerando que a Teogonia de Hesiacuteodo natildeo era obscura e que por isso poderia ser
simplesmente aludida como se faz com Iliacuteada e Odisseia natildeo restam muitos indiacutecios para
saber o que consistia esse iniacutecio do ciclo ou sua primeira seccedilatildeo Se no mesmo formato dos
resumos que a noacutes chegaram pode-se vislumbrar um autor que arrolasse um a um os eventos
em sequecircncia cronoacutelogica e mudando de um poema para o outro na ordem cronoloacutegica
fizesse menccedilatildeo disso Como faria no entanto no caso de poemas que continham ambos os
mesmos eventos A Titanomaquia como se sabe eacute narrada por Hesiacuteodo do verso 617 a 721
Poderia esse iniacutecio do ciclo ser apenas narrado de modo resumido e comentado pelo proacuteprio
Proclo a julgar pela construccedilatildeo ldquoΔιαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι
μυθολογούμεναrdquo ndash ldquoPassa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os
deuses dos gregosrdquo de modo que nele tanto o poema de Hesiacuteodo como o de Eumelo fossem
objeto do exame de Proclo A diferenccedila genealoacutegica apontada poreacutem eacute argumento aceite
para se supor que nesta passagem constasse o poema atribuiacutedo a Eumelo85 e daiacute como
tambeacutem consta na lista de kraacutetistoi (ou de modelos da espeacutecie) Antiacutemaco a quem se atribuem
82 Cypria 79 in Severyns tomo IV paacuteg 77 83 Cetera (a)Aethiopis 172 ndash 4 idem paacuteg 87 84 Cetera (e)Telegonia 306 ndash 7 ibidem paacuteg 96 85 Cf Evelyn-White (2003) e West (2003)
89
Tebaida e Epiacutegonos pode-se conjecturar que os eventos em torno de Tebas tambeacutem viessem
resumidos Se de fato Proclo se propusesse a enumerar episoacutedio a episoacutedio encaixando os
poemas em uma cronologia eacute provaacutevel que incluiacutesse esses eventos do ciclo tebano e dissesse
em que poema constam como nos resumos do ciclo troiano que conhecemos Como trataria a
Teogonia permanece uma questatildeo apenas a referiria e comentaria as diferenccedilas em relaccedilatildeo
ao poema de Eumelo Haveria um comentaacuterio sobre cosmogonia em geral no que
indiscriminadamente o autor exporia a interpretaccedilatildeo histoacuterica de que fala o paraacutegrafo 19
A passagem de Ateneu86 citada por Severyns confirma-nos apenas uma coisa pelo
menos desde o seacuteculo III dC as palavras ldquociclo eacutepicordquo podiam designar apenas os poemas
que se encarregavam de no entendimento dos exegetas e como aparece no texto mesmo de
Proclo completar a narraccedilatildeo de mitos que emboram conhecidos da audiecircncia dos poemas de
Homero natildeo se encontravam narrados em nenhum de seus dois poemas Independente de os
eacutepe que continham tais eventos serem primordialmente diferentes cantos hexameacutetricos de
uma Greacutecia ateacute preacute-homeacuterica dos quais postereiormente reunidos restaram-nos as
composiccedilotildees ou versotildees atribuiacutedas aos autores do chamado ciclo a percepccedilatildeo antiga dessas
composiccedilotildees pelo menos como expressa em Ateneu concebia-os como um conjunto de
poemas posteriores por oposiccedilatildeo a poemas anteriores Homero certamente pertencia ao
segundo grupo Portanto pensando episodicamente os eventos poetados por Homero podem
ser pensados como pertencentes a uma cronologia total de accedilotildees que os poetas abordam mas
parece que referindo-se a mais de um poema a proacutepria designaccedilatildeo ndash ldquociclo eacutepicordquo ndash supotildee-se
como um conjunto por exclusatildeo
Podia ser essa a distinccedilatildeo no texto de Proclo Se Foacutecio o resumiu atentando inclusive agrave
ordem de exposiccedilatildeo tambeacutem aqui se vecirc uma reorganizaccedilatildeo de um padratildeo expositivo
havendo definido a espeacutecie epos do gecircnero narrativo conforme o criteacuterio metro-mateacuteria e
organizado a exposiccedilatildeo de modo a fornecer uma breve histoacuteria para ela segundo a estrutura
invenccedilatildeo-desenvolvimento para completar o que seria uma exposiccedilatildeo didaacutetica87 dessa poesia
86 Logo no princiacutepio do livro VII do Deipnosophistae 277d ndash e discute-se o emprego da palavra por no
verso 1297 do Aacutejax de Soacutefocles e Zoilo afirma que o tragedioacutegrafo hauriu-a na Titanomaquia ao que emende
ldquode fato o ciclo eacutepico aprazia a Soacutefoclesrdquo Ateneu testemunha portanto na boca de Zoilo natildeo soacute que os poemas
do ciclo eram concebidos como um todo mas tambeacutem que a Titanomaquia estava inclusa 87 Essa finalidade didaacutetica ainda mais especificamente nessa exposiccedilatildeo de biografias e do ciclo natildeo poderia
ficar mais clara do que em uma passagem da briografia de Homero que seria do proacuteprio autor da obra
Ponderando sobre isso que no resumo de Foacutecio aparece como ldquotinas epi meacuterous praacutexeisrdquo ndash ldquoalgumas histoacuterias
particularesrdquo a respeito de Homero havendo exposto as histoacuterias a respeito de sua cegueira as etimologias a
repeito de seu nome e principalmente a anedota de sua morte escreve ldquoEsses eventos contudo carecem de
investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo ignorante neles avanccedilo nesse sentidordquo (Vita Homeri 45 ndash 46 in
Severyns op cit tomo IV paacuteg 71 ndash 72 Traduccedilatildeo paacuteg 131)
90
1 ndash a) proporia um piacutenax ie uma lista dos poetas exemplares b) forneceria uma
biografia dos poetas dessa lista contemplando sua origem ie sua paacutetria vida e histoacuterias a
seu respeito Depois
2 ndash a) havendo exposto os principais poetas do epos dedicar-se-ia aos poemas dos
menores poetas de epos agrupados sob o tiacutetulo de ldquociclo eacutepicordquo se aqui se aplicasse a
denominaccedilatildeo como em Ateneu o primeiro poema seria o de Eumelo porque na cronologia
miacutetica eacute o mais velho dos poemas do ciclo b) iniciando-se o ciclo portanto por eventos
comogocircnicos haveria um excurso explicativo sobre tais eventos se o excurso se desdobrava
na anaacutelise de mais eventos divergentes Hesiacuteodo e episoacutedios do ciclo tebano poderiam vir
referidos mas o foco seria a explicaccedilatildeo histoacuterica dos mitos sem que se possa saber se essa
explicaccedilatildeo se dava sobre um resumo cosmogocircnico como um todo em que se inseria a
Titanomaquia ou apenas sobre os eventos nela contantes c) uma ponderaccedilatildeo sobre o valor do
ciclo eacutepico e a explicitaccedilatildeo do criteacuterio adotado para sua exposiccedilatildeo a sequecircncia de accedilotildees nele
contidas ou ndash por que natildeo ndash registradas d) a menccedilatildeo apenas ou uma breve biografia dos
poetas que compuseram tais poemas
Como no caso do ciclo o foco satildeo os eventos transmitidos e natildeo a virtude das
composiccedilotildees a exposiccedilatildeo dos seus eventos eacute anterior os poetas seriam discutidos apenas
depois se o paraacutegrafo 21 corresponde a algo aleacutem do ldquonomerdquo e ldquopaacutetriardquo que antecedem o
resumo de cada um dos poemas Cosoante a isso parece estar o compilador do Etymologicum
Magnum outrora citado na paacutegina 15 (cf seccedilatildeo 12) e a ordem como coloca o ciclo eacutepico em
sua citaccedilatildeo fornecida como de Proclo
332 Elegia
Na exposiccedilatildeo da elegia como eacute de se esperar natildeo haacute diferenccedilas gritantes entre a
histoacuteria que se lecirc em Proclo e a que se lecirc no gramaacutetico latino Ambos iniciam pelo metro
elemento preciacutepuo a ser observado para a classificaccedilatildeo e definem como ldquoelegeiacuteardquo o diacutestico
em que se compotildeem os poemas que recebem tal denominaccedilatildeo Sobre a mateacuteria ou sobre a
histoacuteria do que se canta nas elegias ambos satildeo unacircnimes como todas as descriccedilotildees que
conhecemos em associar a elegia ao lamento fuacutenebre irmanando-a ao treno e agrave necircnia
A etimologia apresentada por Proclo quanto agrave palavra exata eacute a que aproxima a forma
ldquoelegeiacuteardquo da forma ldquoeacutelegosrdquo que eacute dada como nome antigo do lamento fuacutenebre mais
91
precisamente segundo a etimologia do coacutedice seria o nome que os antigos davam ao proacuteprio
treno esse sim o canto de lamento por um morto O termo tambeacutem adviria do fato de que se
elogiava o morto o que se diria ldquoeucirc leacutegeinrdquo havendo proximidade foneacutetica entre o nome do
lamento antigo (eacutelegos) e a expressatildeo para ldquofalar bemrdquo A formulaccedilatildeo que se lecirc no texto natildeo
deixa duacutevida de que pelo menos neste caso natildeo se trata de escolher uma a outra mas de
entender o que consistia a etimologia antiga explicar uma palavra atraveacutes de outras
principalmente se haacute implicaccedilatildeo histoacuterica entre elas o que se deduz de seus significados
Assim eacute porque o lamento fuacutenebre se dizia entre os antigos ldquoeacutelegosrdquo e porque
simultanemante nele se elogiava o morto (ldquoeucirc leacutegeinrdquo) que se cunhou a palavra que designa
as composiccedilotildees no metro A etimologia aqui busca explicar o nome que diferentemente do
hexacircmetro eacute o nome do metro e por conseguinte o nome da composiccedilatildeo Isso se explicita no
terceiro comentaacuterio explicativo a respeito da elegia posteriormente se passou a usar o metro
para diferentes ldquohipoacutetesesrdquo para diferenes argumentos explicando portanto que muito da
elegia (principalmente a julgar pelo que conhecemos) natildeo conteacutem o elemento fuacutenebre
A etimologia de Diomedes difere quanto agrave expressatildeo para o lamentar mas constroacutei-se
de maneira semelhante ie pela concomitacircncia das duas coisas ou dos significados dos
significantes aproximados De fato diz-nos Diomedes
ldquo() elegia autem dicta sive
(fere enim defunctorum laudes hoc carmine conprehendebantur) sive
id est miseratione quod Graeci vel
isto metro scriptitaveruntrdquo
(Diomedes op cit 484 22 ndash 25)
ldquo() A elegia por sua vez disse-se quer paragrave tograve eucirc leacutegein tougraves
tethneocirctas88 (pois quase todos os elogios aos mortos eram
compreendidos neste canto) quer apograve toucirc eleacuteou89 isto eacute comiseraccedilatildeo
porque os gregos tinham o haacutebito de escrever neste metro threacutenous ou
eleeicircardquo
(trad Gaberllini op cit 234)
Diomedes prefere as palavras que nomeiam a substacircncia do canto fuacutenebre e
primeiramente na contraposiccedilatildeo ao elogio oferece outra palavra em vez de eacutelegos Nisso natildeo
diverge do saber gramatical que aqui se expotildee porque essa etimologia na verdade eacute
recorrente em outros textos Lecirc-se por exemplo no Etymologicum Magnun e no escoacutelio a
88 ie ldquopelo elogiar os mortosrdquo 89 ldquoPor causa da laacutestima piedaderdquo a ldquocomiseraccedilatildeordquo como o proacuteprio Diomedes traduz em sequecircncia
92
Dioniacutesio Traacutecio preferindo-se ali o verbo eleeicircn (ldquolastimar comiserar-serdquo)90 em vez do aqui
empregado substantivo eacuteleon91
Igualmente apenas em outra ordem o texto do gramaacutetico propotildee como argumento
final (o que na Crestomatia seria o primeiro argumento) o fato de que era nesse metro que os
antigos gregos compunham trenos Propotildee contudo outro nome para eles eleeicirca Essa
possibilidade etimoloacutegica natildeo eacute mencionada por Severyns em seu comentaacuterio a essa
passagem do epiacutetome embora ocorra no singular em duas das passagens que colige do
escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio em (173 8 ndash 10)
ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν τοῦ ltγgt
ἐκθλιβομένου παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ εὐλογεῖον παρὰ
τὸ εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo
ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo92 eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo
elidindo-se o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo [lastimar] o falecido ou lsquoeulogeicirconrsquo93
pelo lsquoeucirc logeicircnrsquo [elogiar] o que cessou de viverrdquo
(grifos e traduccedilatildeo do autor)
e (307 24 ndash 26)
ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν ἐλλειφθέντος
τοῦ ltγgt ἀπὸ τοῦ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖον ἀπὸ τοῦ ἔ
λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo
ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo faltando
o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo o falecido ou lsquoelegeicirconrsquo por causa do lsquoeacute leacutegeinrsquo94 o
que cessou de viverrdquo
(Idem)
90 O levantamento completo das etimologias encontra-se bem exposto e organizado em Severyns op cit II
commentaire 25 paacuteg 99 ndash 102 Para essa em especiacutefico cf Etymologicum Magnun 326 50 e o escoacutelio a
Dioniacutesio Traacutecio 307 24 ndash 26 173 8 ndash 9 20 25 ndash 27 475 26 91 Haurido por Severyns no Etymologicum Gudianum 180 17 e no Et Mag idem em outra etimologia que
aproxima eacuteleon de goacuteon sendo este segundo a expressatildeo acerba do luto Essa etimologia diferentemente eacute
apenas pautada no campo semacircntico do lamento funeral 92 Termo que tambeacutem designa priemeiro o diacutestico e por metoniacutemia a composiccedilatildeo em diacutestico daiacute o poema ou a
inscriccedilatildeo no metro 93 Algo como ldquoelogiosordquo 94 Essa seria a etimologia mais baacutesica supondo que o termo viria de ldquodizer lsquoersquordquo como expressatildeo de dor
93
Em ambos os casos como os gramaacuteticos se repetem e parecem se copiar obserava-se
o emprego da conjunccedilatildeo ldquohoioneiacuterdquo quase como se fosse formular ao se dar essa etimologia O
plural ocorre somente uma vez
ldquo()διὸ καὶ καλεῖται ἐλεγεῖα οἱονεὶ ἐλεεῖα τοῦ ltγgt ἐκθλιβομένου
παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖα οἱονεὶ εὐλεγεῖα παρὰ τὸ
εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταhelliprdquo
(Sch Dion Tr 20 25 ndash 27)
ldquo() razatildeo pela qual tambeacutem se chamava ldquoelegeicircardquo como se ldquoeleeicircardquo
elidido o lsquogrsquo pelo ldquoeleeicircnrdquo o falecido ou ldquoelegeicircardquo como se
ldquoeulegeicircardquo pelo ldquoeucirc leacutegeinrdquo o que cessou de viverrdquo
(Idem)
Severyns natildeo menciona o termo como uma etimologia em separado porque natildeo o
entende e com razatildeo assim a comeccedilar pela conjunccedilatildeo mencionada vecirc-se que nessas
explicaccedilotildees o termo eacute hipoteacutetico Severyns igualmente natildeo estaacute comparando o coacutedice 239 agrave
Ars de Diomedes que natildeo menciona Em todas as referidas ocorrecircncias seja antes (173 e
307) seja depois (20) assume-se que o termo eacutelegos era primordialmente sinocircnimo de treno
portanto em todas a palavra seguindo o mesmo esquema derivacional eacute apresentada como
transiccedilatildeo de uma derivaccedilatildeo do verbo eleeacuteo como uma espeacutecie de deverbal anterior a
forma com g Seria o que se diria imediatamente a princiacutepio como resultado do verbo
ldquocomiserar-se lastimarrdquo
Ora eacute esse o termo que Diomedes fornece como sinocircnimo de treno haurido como se
vecirc tambeacutem na gramaacutetica de base heleniacutestica Assim salvo pela escolha Diomedes natildeo
diverge do texto da Cretomatia mas refere-se agrave etapa primeira do processo expliacutecito nos
demais textos do qual se subentende que pela adiccedilatildeo de um som jaacute se estaacute na famiacutelia das
palavras ldquoeacutelegos elegeicircon elegeiacuteardquo Esses seriam os trecircs termos maiores da histoacuteria que se
compotildee com as etimologias sendo o primeiro o nome antigo para o lamento que se fazia pelo
passamento de algueacutem o segundo do metro e de seu emprego um diacutestico qualquer sendo o
plural uma forma de designar as composiccedilotildees Elegia se diria do poema inteiro composto
nesse metro a ldquoforma literaacuteriardquo ou em outros termos o poema pensado para ser uma
composiccedilatildeo nesse metro ndash segundo o emprego amplo que se fez do termo e a que o epiacutetome
alude e com esse feminino natildeo se designariam mais as inscriccedilotildees ou epigramas O texto
mesmo de Diomedes exemplifica o emprego de ldquoeacutelegosrdquo e ldquoelegiardquo como sinocircnimos a
95 Severyns agrupa as passagens referidas no conjunto de etimologias a partir do referido verbo
94
posteriori seja por empregaacute-los ele mesmo (ldquoelegiardquo como nome do carme mas depois
ldquoelegosrdquo referido-se agraves composiccedilotildees96) seja pelo exemplo de Horaacutecio nas linhas seguintes
Odes I 33 2 ndash 397
Assim teriacuteamos como designaccedilotildees mais primitivas eacutelegos (lamento) e elegeicircon (o
metro em que se exprimia sua confecccedilatildeo) Ambos se agrupariam na nomenclatura geneacuterica
posterior elegeiacutea O eacutelegos contudo a designaccedilatildeo para o elemento baacutesico desse canto
derivaria em geral de
a) ldquoeacute leacutegeinrdquo eleeicircn-eacuteleon para o que alguns supotildeem uma expressatildeo resultativa
ldquoeleeicirconardquo agrave qual se adicionou o gama ( )
b) ldquoeucirc leacutegeinrdquo
Esses satildeo os dois elementos baacutesicos de significado que as etimologias contemplam
Vemos por fim que Diomedes empregou a expressatildeo ldquoeleeicirconardquo para o que em Proclo eacute o
eacutelegos pensado como o treno antigo a expressatildeo da comiseraccedilatildeo (eleacuteon item a) somado ao
item b de nosso binocircmio ldquoeucirc legeicircnrdquo compondo uma histoacuteria natildeo diferente da exposta em
Proclo
333 Iambo
As similaridades entre os dois textos quanto aos referentes gregos eacute bem evidente
por exemplo nos dois modelos gregos arrolados pelo gramaacutetico latino Mas eacute a etimologia
para to iambeicircn a uacutenica proposta por Diomedes que imediatamente chama a atenccedilatildeo em seu
texto porque tambeacutem como Severyns diz muito bem acerca do texto de Proclo (op cit tomo
II commentaire 28 1 paacuteg 104) segue em primeiro lugar a etimologia proposta por ningueacutem
menos que Aristoacuteteles
96 Op cit 485 1 97 ldquoAlbi ne doleas plus nimio memor
inmitis Glycerae neu miserabilis
decantes elegos cur tibi iunior
laesa praeniteat fiderdquo
95
ldquo()
rdquo
(ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1448b 30 ndash 32)
ldquoNos quais [No Margites e poemas semelhantes] por acomodaccedilatildeo o iacircmbico veio
como metro ndash eacute por isso que eacute chamado ldquoiacircmbicordquo hoje porque nesse metro se ralhavam uns
com os outrosrdquo
(Trad do autor)
Aristoacuteteles mesmo supotildee que o verbo iambizar jaacute existia antes de se referir tambeacutem
ao peacute com o significado de ldquoimprecar ralhar insultarrdquo e por causa do uso que se fazia do
metro posteriormente esse obteve seu nome a partir da finalidade com que era empregado
Severyns propotildee que a recorrecircncia dessa etimologia nos textos em geral e sua presenccedila
encabeccedilando o texto de Proclo se deveria acima de tudo ao peso da autoridade de
Aristoacuteteles98 Caberia entatildeo indagar porque Aristoacuteteles natildeo eacute seguido em diversas outras
passagens Que sua autoridade pese como autor que endossava essa opiniatildeo natildeo se nega mas
fiar-se a ela como etimologia primeira e baacutesica parece estar atrelado agrave ausecircncia de outra
etimologia plenamente satisfatoacuteria uma vez que o proacuteprio texto de Proclo atesta que a
associaccedilatildeo direta entre iacuteambos e iambiacutezein seria dialetal sem identificar sua origem poreacutem
No lugar de iambiacutezein na primeira associaccedilatildeo etimoloacutegica (sect28 15) refere-se a ldquoloidoriacuteasrdquo
para em seguida associar o verbo cognato (loidorein) ao que Aristoacuteteles emprega pois que
satildeo sinocircnimos
Demais Proclo apresentaraacute outras duas explicaccedilotildees a primeira delas eponiacutemica
parece que ocorre de modo a fornecer uma etiologia que reforccedila a associaccedilatildeo baacutesica metro-
mateacuteria apresentada no paraacutegrafo anterior a segunda tem a mesma intenccedilatildeo uma vez que
apresentaria o processo pelo qual o uso sobejo de iambiacutezein teria ocupado o proacuteprio lugar de
hybriacutezein Porfim esse argumento eacute endossado pela comparaccedilatildeo com o verbo komaacutezein se
primeiramente significava apenas participar de uma koacutemos um cortejo galhofeiro pela
praacutetica poeacutetica torna-se o proacuteprio verbo para ldquocriticar satirizarrdquo
Merece destaque tambeacutem o fato de que nesse passo ambos autores descrevem o
mesmo processo muito plausiacutevel observado no caso do epos segundo o qual uma palavra
em funccedilatildeo de um uso acaba tomando o lugar de outra
98 Op cit paacuteg 105
96
334 Meacutelica
O texto de Diomedes natildeo traz uma extensa classificaccedilatildeo da meacutelica mas a Ars de
Horaacutecio como se sabe natildeo soacute chama a atenccedilatildeo por mencionar a liacuterica mas principalmente
por apresentar brevemente uma divisatildeo segundo olha de maneira semelhante para as espeacutecies
da meacutelica grega (83 ndash 85)
ldquoMusa dedit fidibus divos puerosque deorum
et pugilem victorem et equum certamine primum
et ivuenum curas et libera vina referrerdquo
ldquoA Musa concedeu agrave lira o cantar deuses e filhos de deuses o
vencedor no pugilato e o cavalo que primeiro cortou a meta nas
corridas os cuidados dos jovens e o vinho que liberta dos cuidadosrdquo
(trad Rosado Fernandes 1984)
Semelhantemente ao criteacuterio da Crestomatia Horaacutecio vai do sacro ao profano ou
secular aludindo a exemplos semelhantes ao que no texto de Proclo seratildeo trecircs dos grandes
grupos em que a poesia meacutelica apareceraacute agrupada o hino e alguma espeacutecie que poderia
incluir homens (fosse um peatilde secular o encocircmio ou outra espeacutecie)99 o epiniacutecio e a poesia de
acircmbito simposial (uma composiccedilatildeo eroacutetica ou um escoacutelio) Os grupos do texto de Proclo satildeo
a saber
(a) para os deuses ndash hino (uma categoria que poderia se pensada como gecircnero para espeacutecie)
prosoacutedio peatilde ditirambo nomo adoniacutedia iobaco hiporquema
(b) para os homens ndash encocircmio (que conteria o elemento baacutesico podendo ser para as demais
espeacutecies tomado como gecircnero) epiniacutecio escoacutelio eroacuteticas epitalacircmio himeneu silo epiceacutedio
e treno
99 E aqui eacute interessante que Horaacutecio sugira a possibilidade dessa inclusatildeo do homem como objeto da poesia
primeiramente sacra ou seja a secularizaccedilatildeo da espeacutecie poeacutetica dado que como se notaraacute ao longo da anotaccedilatildeo
ao cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas tal noccedilatildeo estaacute presente e eacute aplicada mesmo que subentendida em alguns casos
ao longo da classificaccedilatildeo Horaacutecio como se sabe eacute bem anterior a Proclo o que confirma portanto que o
resumo de Foacutecio atesta uma classificaccedilatildeo as poesia (natildeo soacute da meacutelica) que pelo menos ateacute Proclo era conhecida
aceita e difundida
97
(c) para deuses e homens ndash partecircnio (assumidamente gecircnero para espeacutecies) e daiacute dafnefoacutericas
tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas
(d) para circunstacircncias acidentais quando o poeta por conta de uma circunstacircncia ocasional
comporia versos para situaccedilotildees particulares da vida praacutetica motivo pelo qual as pragmaacuteticas
poderiam ser pensadas como gecircnero para espeacutecies seguida das empoacutericas apostoacutelicas
sentenciosas geoacutergicas e epistolares
A classificaccedilatildeo dessas espeacutecies estaria portanto diretamente atrelada agrave situaccedilatildeo em
que se davam Para diversas delas como se veraacute a situaccedilatildeo seraacute pressuposta apenas Os
criteacuterios ateacute entatildeo observado (etimologia e etiologia) seratildeo empregados para circunscrever as
origens e circunstacircncias que tatildeo somente por nomear permitiriam ao gramaacutetico categorizar
ie tornar algo vasto e impreciso em uma classificaccedilatildeo acessiacutevel e didaacutetica
De agora em diante portanto dada a extensatildeo do cataacutelogo concernente agraves espeacutecies
meacutelicas como natildeo eacute objetivo deste estudo resolver os problemas concernentes a cada uma
delas em separado mas sim entender seu funcionamento dentro do tipo de classificaccedilatildeo aqui
estudada a classificaccedilatildeo dos gramaacuteticos e estabelecer a filiaccedilatildeo do texto atribuiacutedo a Proclo
(uacutenico espeacutecime a trazer a extensa classificaccedilatildeo da liacuterica) o texto assumiraacute a forma de
anotaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo do epiacutetome a fim de fornecer as referecircncias necessaacuterias para sua
compreensatildeo (pois natildeo faltam passagens obscuras) pontuando e ponderando elementos agraves
vezes apenas conjecturais que explicitem as caracteriacuteticas da obra (como ateacute entatildeo tem sido
pensada) e a aplicaccedilatildeo dos criteacuterios que foram aqui propostos como instrumentais dos textos
de base gramatical Seguir-se-atildeo os dois editores e comentadores modernos do coacutedice 239
(Severyns e Ferrante) visando tal exclarecimento e a seus comentaacuterios se somaratildeo as
ponderaccedilotildees segundo as finalidades deste estudo
98
PARTE II
Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
1 COacuteDICE 239
11 TEXTO
Segue-se a ediccedilatildeo de Severyns e sua paragrafaccedilatildeo junto da numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo de
Bekker para a Biblioteca
[1] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου Xρησ- 239318b22
τομαθείας ραμματικῆς rsquoEκλογαί
[2] Ἔστι δὲ τὸ βιβλίον εἰς διῃρημέ-
νον λόγους
[3] Λέγει μὲν ἐν τῷ αʹ ὡς αἱ αὐταί εἰσιν ἀρεταὶ
τοῦ λόγου καὶ ποιήματος παραλλάσσουσι δὲ ἐν τῷ μᾶλ- 25
λον καὶ ἧττον
[4] Καὶ ὅτι τοῦ πλάσματος τὸ μέν ἐστιν ἁδρόν
τὸ δὲ ἰσχνόν τὸ δὲ μέσον
[5] Καὶ τὸ μὲν ἁδρὸν ἐκπκληκ-
τικώτατόν ἐστι καὶ κατεσκευασμένον μάλιστα καὶ ποιη-
τικὸν ἐπιφαῖνον κάλλος
[6] Tὸ δὲ ἰσχνὸν τὴν τροπικὴν μὲν
καὶ φιλοκατάσκευον σύνθεσιν μεταδιώκει ἐξ ἀνειμένων 30
δὲ μᾶλλον συνήρτηται ὅθεν ὡς ἐπίπαν τοῖς γοεροῖς
ἄριστά πως ἐφαρμόττει
[7] Τὸ δὲ μέσον καὶ τοὔνομα μὲν
δηλοῖ ὅτι μέσον ἐστὶν ἀμφοῖν
[8] Ἀνθηρὸν δὲ κατ ἰδίαν
οὐκ ἔστι πλάσμα ἀλλὰ συνεκφέρεται καὶ συμμέμικται
99
τοῖς εἰρημένοις ἁρμόζει δὲ τοπογραφίαις καὶ λειμώνων 35
ἢ ἀλσῶν ἐκφράσεσιν
[9] Οἱ δὲ τῶν εἰρημένων ἀποσφα-
λέντες ἰδεῶν ἀπὸ μὲν τοῦ ἁδροῦ εἰς τὸ σκληρὸν καὶ ἐπηρ-
μένον ἐτράπησαν ἀπὸ δὲ τοῦ ἰσχνοῦ εἰς τὸ ταπεινὸν
ἀπὸ δὲ τοῦ μέσου εἰς τὸ ἀργὸν καὶ ἐκλελυμένον
[10] Διαλαμ- 239319a1
βάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδί-
δωσι τίς ἤθους καὶ πάθους διαφορά
[11] Καὶ ὅτι τῆς ποιη-
τικῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόν
[12] Καὶ τὸ
μὲν διηγηματικὸν ἐκφέρεται δι ἔπους ἰάμβου τε καὶ ἐλε- 5
γείας καὶ μέλους τὸ δὲ μιμητικὸν διὰ τραγῳδίας σατύρων
τε καὶ κωμῳδίας
[13] Καὶ ὅτι τὸ ἔπος πρῶτον μὲν ἐφεῦρε Φημονόη ἡ
Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς χρησα-
μένη καὶ ἐπειδὴ τοῖς χρησμοῖς τὰ πράγματα εἵπετο 10
καὶ σύμφωνα ἦν ἔπος τὸ ἐκ τῶν μέτρων κληθῆναι
[14] Οἱ δέ φασιν ὅτι διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαν
ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ
κοινὸν ὄνομα παντὸς τοῦ λόγου τὸ ἑξάμετρον ἰδιώ-
σατο καὶ ἐκλήθη ἔπος καθάπερ καὶ Ὅμηρος τὸν 15
ποιητὴν καὶ ὁ Δημοσθένης τὸν ῥήτορα ᾠκειώσατο
ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευον
[15] Γεγόνασι δὲ
τοῦ ἔπους ποιηταὶ κράτιστοι μὲν Ὅμηρος Ἡσίοδος Πεί-
σανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος
[16] Διέρχεται δὲ τούτων ὡς
οἷόν τε καὶ γένος καὶ πατρίδας καί τινας ἐπὶ μέρους 20
πράξεις
[17] Διαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ τοῦ λεγομένου ἐπικοῦ
κύκλου ὃς ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μυθο-
λογουμένης μίξεως ἐξ ἧς αὐτῷ καὶ τρεῖς παῖδας ἑκα-
100
τοντάχειρας καὶ τρεῖς γεννῶσι Κύκλωπας
[18] Διαπορεύεται
δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα 25
καὶ εἴ πού τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται
[19] Καὶ περα-
τοῦται ὁ ἐπικὸς κύκλος ἐκ διαφόρων ποιητῶν συμπλη-
ρούμενος μέχρι τῆς ἀποβάσεως Ὀδυσσέως τῆς εἰς Ἰθά-
κην ἐν ᾗ ὑπὸ τοῦ παιδὸς Τηλεγόνου ἀγνοοῦντος
κτείνεται
[20] Λέγει δὲ ὡς τοῦ ἐπικοῦ κύκλου τὰ ποιήματα 30
διασῴζεται καὶ σπουδάζεται τοῖς πολλοῖς οὐχ οὕτω διὰ
τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν τῶν ἐν αὐτῷ πραγμά-
των
[21] Λέγει δὲ καὶ τὰ ὀνόματα καὶ τὰς πατρίδας τῶν πραγ-
ματευσαμένων τὸν ἐπικὸν κύκλον
[22] Λέγει δὲ καὶ περί
τινων Κυπρίων ποιημάτων καὶ ὡς οἱ μὲν ταῦτα εἰς 35
Στασῖνον ἀναφέρουσι Κύπριον οἱ δὲ Ἡγησῖνον τὸν
Σαλαμίνιον αὐτοῖς ἐπιγράφουσιν οἱ δὲ Ὅμηρον
γράψαι δοῦναι δὲ ὑπὲρ τῆς θυγατρὸς Στασίνῳ καὶ διὰ τὴν 239319b1
αὐτοῦ πατρίδα Κύπρια τὸν πόνον ἐπικληθῆναι
[23] Ἀλλ οὐ
τίθεται ταύτῃ τῇ αἰτίᾳ μηδὲ γὰρ Κύπρια προπαροξυτόνως
ἐπιγράφεσθαι τὰ ποιήματα 5
[24] Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου καὶ πεντα-
μέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις
[25] Ὅθεν καὶ
τοῦ ὀνόματος ἔτυχε τὸ γὰρ θρῆνος ἔλεγον ἐκάλουν οἱ
παλαιοὶ καὶ τοὺς τετελευτηκότας δι αὐτοῦ εὐλόγουν
[26] Οἱ
μέντοι γε μεταγενέστεροι ἐλεγείᾳ πρὸς διαφόρους 10
ὑποθέσεις ἀπεχρήσαντο
[27] Λέγει δὲ καὶ ἀριστεῦσαι τῷ μέ-
τρῳ Καλλῖνόν τε τὸν Ἐφέσιον καὶ Μίμνερμον τὸν Κολο-
101
φώνιον ἀλλὰ καὶ τὸν τοῦ Τηλέφου Φιλίταν τὸν Κῷον
καὶ Καλλίμαχον τὸν Βάττου Κυρηναῖος οὗτος δ ἦν
[28] Ἀλλὰ γὰρ καὶ τὸν ἴαμβον τάττεσθαι μὲν ἐπὶ λοιδο- 15
ρίας τὸ παλαιόν καὶ γὰρ καὶ τὸ ἰαμβίζειν κατά τινα
γλῶσσαν λοιδορεῖν ἔλεγον
[29] Οἱ δὲ ἀπό τινος Ἰάμβης
θεραπαινίδος Θρᾴττης τὸ γένος ταύτην φασίν τῆς
Δήμητρος ἀνιωμένης ἐπὶ τῇ τῆς θυγατρὸς ἁρπαγῇ
προσελθεῖν περὶ τὴν Ἐλευσῖνα ἐπὶ τῇ νῦν Ἀγελάστῳ 20
καλουμένῃ πέτρᾳ καθημένην καὶ διά τινων χλευασμάτων
εἰς γέλωτα προαγαγέσθαι τὴν θεόν
[30] Ἔοικε δὲ ὁ ἴαμβος
τὸ μὲν παλαιὸν ἐπὶ τῶν εἰς ψόγον καὶ ἔπαινον γρα-
φομένων ὁμοίως λέγεσθαι ἐπεὶ δέ τινες ἐπλεόνασαν ἐν
ταῖς κακολογίαις τὸ μέτρον ἐκεῖθεν τὸ ἰαμβίζειν εἰς 25
τὸ ὑβρίζειν ὑπὸ τῆς συνηθείας ἐκπεσεῖν ὥσπερ ἀπὸ
τῶν κωμικῶν τὸ κωμῳδεῖσθαι
[31] Ἰάμβων δὲ ποιηταὶ Ἀρχί-
λοχός τε ὁ Πάριος ἄριστος καὶ Σιμωνίδης ὁ Ἀμόργιος
ἤ ὡς ἔνιοι Σάμιος καὶ Ἱππῶναξ ὁ Ἐφέσιος ὧν ὁ μὲν
πρῶτος ἐπὶ Γύγου ὁ δὲ ἐπ Ἀμύντου τοῦ Μακεδόνος 30
Ἱππῶναξ δὲ κατὰ Δαρεῖον ἤκμαζε
[32] Περὶ δὲ μελικῆς ποιήσεώς φησιν ὡς πολυμερεστάτη
τε καὶ διαφόρους ἔχει τομάς
[33] Ἃ μὲν γὰρ αὐτῆς μεμέρισται
θεοῖς ἃ δὲ ltἀνθρώποις ἃ δὲ θεοῖς καὶgt ἀνθρώποις ἃ δὲ
εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις
[34] Καὶ εἰς θεοὺς μὲν ἀνα- 35
φέρεσθαι ὕμνον προσόδιον παιᾶνα διθύραμβον νόμον
ἀδωνίδια ἰόβακχον ὑπορχήματα
[35] Εἰς δὲ ἀνθρώπους ἐγκώμια ἐπίνικον σκό- 239320a1
λια ἐρωτικά ἐπιθαλάμια ὑμεναίους σίλλους θρήνους
ἐπικήδεια
[36] Εἰς θεοὺς δὲ καὶ ἀνθρώπους παρθένια δα-
102
φνηφορικά τριποδηφορικά ὠσχοφορικά εὐκτικά ταῦτα
γὰρ εἰς θεοὺς γραφόμενα καὶ ἀνθρώπων περιείληφεν ἐπαί- 5
νους
[37] Τὰ δὲ εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις οὐκ ἔστι
μὲν εἴδη τῆς μελικῆς ὑπ αὐτῶν δὲ τῶν ποιητῶν ἐπικεχείρη-
ται τούτων δέ ἐστι πραγματικά ἐμπορικά ἀποστολικά γνωμολογικά γεωργικά
ἐπισταλτικά
[38] Καί φησι τὸν ὕμνον
μὲν ὠνομάσθαι ἀπὸ τοῦ ὑπόμονόν τινα εἶναι καὶ οἷον 10
εἰς μνήμην καὶ ὑπόμνησιν ἄγειν τὰς πράξεις τῶν ὑμνου-
μένων ἢ ἀπὸ τοῦ ὕδειν αὐτάς ὅπερ ἐστὶ λέγειν
[39] Ἐκά-
λουν δὲ καθόλου πάντα τὰ εἰς τοὺς ὑπερόντας γραφόμενα
ὕμνους διὸ καὶ τὸ προσόδιον καὶ τὰ ἄλλα τὰ προειρη- 15
μένα φαίνονται ἀντιδιαστέλλοντες τῷ ὕμνῳ ὡς εἴδη
πρὸς γένος καὶ γὰρ ἔστιν αὐτῶν ἀκούειν γραφόντων ὕμνος
προσοδίου ὕμνος ἐγκωμίου ὕμνος παιᾶνος καὶ τὰ ὅμοια
[40] Ἐλέγετο δὲ τὸ προσόδιον ἐπειδὰν προσίωσι τοῖς βω-
μοῖς ἢ ναοῖς καὶ ἐν τῷ προσιέναι ᾔδετο πρὸς αὐλόν ὁ
δὲ κυρίως ὕμνος πρὸς κιθάραν ᾔδετο ἑστώτων
[41] Ὁ δὲ 20
παιάν ἐστιν εἶδος ᾠδῆς εἰς πάντας νῦν γραφόμενος
θεούς τὸ δὲ παλαιὸν ἰδίως ἀπενέμετο τῷ Ἀπόλλωνι
καὶ τῇ Ἀρτέμιδι ἐπὶ καταπαύσει λοιμῶν καὶ νόσων ᾀδό-
μενος Καταχρηστικῶς δὲ καὶ τὰ προσόδιά τινες παιᾶνας
λέγουσιν
[42] Ὁ δὲ διθύραμβος γράφεται μὲν εἰς Διό- 25
νυσον προσαγορεύεται δὲ ἐξ αὐτοῦ ἤτοι διὰ τὸ κατὰ τὴν
Νύσαν ἐν ἄντρῳ διθύρῳ τραφῆναι τὸν Διόνυσον
ἢ διὰ τὸ λυθέντων τῶν ῥαμμάτων τοῦ Διὸς εὑρεθῆναι
αὐτόν ἢ διότι δὶς δοκεῖ γενέσθαι ἅπαξ μὲν ἐκ τῆς Σε-
μέλης δεύτερον δὲ ἐκ τοῦ μηροῦ
[43] Εὑρεθῆναι δὲ τὸν διθύ- 30
ραμβον Πίνδαρος ἐν Κορίνθῳ λέγει τὸν δὲ ἀρξάμε-
103
νον τῆς ᾠδῆς Ἀριστοτέλης Ἀρίονά φησιν εἶναι ὃς
πρῶτος τὸν κύκλιον ἤγαγε χορόν
[44] Ὁ μέντοι νόμος γρά-
φεται μὲν εἰς Ἀπόλλωνα ἔχει δὲ καὶ τὴν ἐπωνυμίαν
ἀπ αὐτοῦ Νόμιμος γὰρ ὁ Ἀπόλλων Νόμιμος δὲ ἐκλήθη 35
ὅτι τῶν ἀρχαίων χοροὺς ἱστάντων καὶ πρὸς αὐλὸν ἢ λύραν
ᾀδόντων τὸν νόμον Χρυσόθεμις ὁ Κρὴς πρῶτος 239 320b 1
στολῇ χρησάμενος ἐκπρεπεῖ καὶ κιθάραν ἀναλαβὼν εἰς
μίμησιν τοῦ Ἀπόλλωνος μόνος ᾖσε νόμον εὐδοκι-
μήσαντος δὲ αὐτοῦ διαμένει ὁ τρόπος τοῦ ἀγωνίσματος
[45] Δοκεῖ δὲ Τέρπανδρος μὲν πρῶτος τελειῶσαι τὸν νό- 5
μον ἡρῴῳ μέτρῳ χρησάμενος ἔπειτα Ἀρίων ὁ Μη-
θυμναῖος οὐκ ὀλίγα συναυξῆσαι αὐτὸς καὶ ποιητὴς καὶ
κιθαρῳδὸς γενόμενος
[46] Φρῦνις δὲ ὁ Μιτυληναῖος ἐκαι-
νοτόμησεν αὐτόν τό τε γὰρ ἑξάμετρον τῷ λελυμένῳ
συνῆψε καὶ χορδαῖς τῶν ζʹ πλείοσιν ἐχρήσατο
[47] Τι- 10
μόθεος δὲ ὕστερον εἰς τὴν νῦν αὐτὸν ἤγαγε τάξιν
[48] Ἔστι δὲ ὁ μὲν διθύραμβος κεκινημένος καὶ πολὺ τὸ
ἐνθουσιῶδες μετὰ χορείας ἐμφαίνων εἰς πάθη κατα-
σκευαζόμενος τὰ μάλιστα οἰκεῖα τῷ θεῷ καὶ σεσόβηται
μὲν καὶ τοῖς ῥυθμοῖς καὶ ἁπλουστέρως κέχρηται ταῖς λέ-
ξεσιν
[49] Ὁ δὲ νόμος τοὐναντίον διὰ τὸν θεὸν ἀνεῖται 15
τεταγμένως καὶ μεγαλοπρεπῶς καὶ τοῖς ῥυθμοῖς ἀνεῖται
καὶ διπλασίοις ταῖς λέξεσι κέχρηται
[50] Οὐ μὴν ἀλλὰ καὶ
ταῖς ἁρμονίαις οἰκείαις ἑκάτερος χρῆται ὁ μὲν γὰρ
τὸν φρύγιον καὶ ὑποφρύγιον ἁρμόζεται ὁ νόμος δὲ 20
τῷ συστήματι τῷ τῶν κιθαρῳδῶν λυδίῳ
[51] Ἔοικε δὲ ὁ
μὲν διθύραμβος ἀπὸ τῆς κατὰ τοὺς ἀγροὺς παιδιᾶς καὶ
τῆς ἐν τοῖς πότοις εὐφροσύνης εὑρεθῆναι ὁ δὲ νόμος
104
δοκεῖ μὲν ἀπὸ τοῦ παιᾶνος ῥυῆναι (ὁ μὲν γάρ ἐστι κοι-
νότερος εἰς κακῶν παραίτησιν γεγραμμένος ὁ δὲ 25
ἰδίως εἰς Ἀπόλλωνα) ὅθεν τὸ μὲν ἐνθουσιῶδες οὐκ
ἔχει ὡς ὁ διθύραμβος
[52] Ἐκεῖ μὲν γὰρ μέθαι καὶ παι-
διαί ἐνταῦθα δὲ ἱκετεῖαι καὶ πολλὴ τάξις καὶ γὰρ
αὐτὸς ὁ θεὸς ἐν τάξει καὶ συστήματι κατεσταλ-
μένῳ περιέρχεται τὸν κρουσμόν
[53] Ἀδωνίδια δὲ λέγεται τὰ 30
εἰς Ἄδωνιν ἀναφερόμενα
[54] Ἤιδετο δὲ ὁ ἰόβακχος
ἐν ἑορταῖς καὶ θυσίαις Διονύσου βεβαπτισμένος πολλῷ
φρυάγματι
[55] Ὑπόρχημα δὲ τὸ μετ ὀρχήσεως ᾀδό-
μενον μέλος ἐλέγετο καὶ γὰρ οἱ παλαιοὶ τὴν ltὑπόgt ἀντὶ
τῆς ltμετάgt πολλάκις ἐλάμβανον
[56] Εὑρέτας δὲ τούτων 35
λέγουσιν οἱ μὲν Κουρῆτας οἱ δὲ Πύρρον τὸν Ἀχιλ-
λέως ὅθεν καὶ πυρρίχην εἶδός τι ὀρχήσεως λέγου- 239321a1
σιν
[57] Ὁ δὲ ἐπίνικος ὑπ αὐτὸν τὸν καιρὸν τῆς νί-
κης τοῖς προτεροῦσιν ἐν τοῖς ἀγῶσιν ἐγράφετο
[58] Τὸ
δὲ σκόλιον μέλος ᾔδετο παρὰ τοὺς πότους διὸ καὶ πα-
ροίνιον αὐτὸ ἔσθ ὅτε καλοῦσιν ἀνειμένον δέ ἐστι τῇ 5
κατασκευῇ καὶ ἁπλούστατον μάλιστα
[59] Σκόλιον δὲ εἴρηται
οὐχ ὡς ἐνίοις ἔδοξε κατὰ ἀντίφρασιν τὰ γὰρ κατὰ
ἀντίφρασιν ὡς ἐπίπαν τοῦ εὐφημισμοῦ στοχάζεται οὐκ εἰς
κακοφημίαν μεταβάλλει τὸ εὔφημον
[60] ἀλλὰ διὰ τὸ
προκατειλημμένων ἤδη τῶν αἰσθητηρίων καὶ παρειμέ- 10
νων οἴνῳ τῶν ἀκροατῶν τηνικαῦτα εἰσφέρεσθαι τὸ
βάρβιτον εἰς τὰ συμπόσια καὶ διονυσιάζοντα ἕκαστον
105
ἀκροσφαλῶς συγκόπτεσθαι περὶ τὴν προφορὰν τῆς ᾠδῆς
Ὅπερ οὖν ἔπασχον αὐτοὶ διὰ τὴν μέθην τοῦτο τρέψαν-
τες εἰς τὸ μέλος σκόλιον ἐκάλουν τὸ ἁπλούστατον
[61] Τὰ δὲ 15
ἐρωτικὰ δῆλον ὅτι γυναικῶν καὶ παίδων καὶ παρ-
θένων ἐρωτικὰς ᾄδει περιστάσεις [62] Καὶ τὰ ἐπιθα-
λάμια δὲ τοῖς ἄρτι θαλαμευομένοις ἅμα οἱ ἠΐθεοι καὶ
αἱ παρθένοι ἐπὶ τῶν θαλάμων ᾖδον [63] Ὑμέναιον
δὲ ἐν γάμοις ᾄδεσθαί φησι κατὰ πόθον καὶ ζήτησιν 20
Ὑμεναίου τοῦ Τερψιχόρας ὅν φασι γήμαντα ἀφανῆ
γενέσθαι
[64] οἱ δὲ κατὰ τιμὴν τοῦ Ἀττικοῦ Ὑμεναίου τοῦ-
τον γάρ φησί ποτε διώξαντα ἀφελέσθαι κούρας Ἀττι-
κὰς λῃστῶν
[65] Ἐγὼ δὲ οἶμαι βίου τινὰ εὐτυχοῦς προανα-
φώνησιν ὑπάρχειν καὶ συνεύχεσθαι τοῖς συνιοῦσι πρὸς 25
γάμου κοινωνίαν μετὰ φιλοστοργίας αἰολικῇ παρα-
πλέκοντας τὴν εὐχὴν διαλέκτῳ οἷον ὑμεναίειν καὶ
ὁμονοεῖν τούτους ἀεὶ ὁμόσε ναίοντας
[66] Ὁ δὲ σίλλος
λοιδορίας καὶ διασυρμοὺς πεφεισμένως ἀνθρώπων
ἔχει 30
[67] Διαφέρει δὲ τοῦ ἐπικηδείου ὁ θρῆνος ὅτι τὸ
μὲν ἐπικήδειον παρ αὐτὸ τὸ κῆδος ἔτι τοῦ σώματος
προκειμένου λέγεται ὁ δὲ θρῆνος οὐ περιγράφεται χρό-
νῳ
[68] Τὰ δὲ λεγόμενα παρθένια χοροῖς παρθένων
ἐνεγράφετο
[69] Οἷς καὶ τὰ δαφνηφορικὰ ὡς εἰς γένος
πίπτει δάφνας γὰρ ἐν Βοιωτίᾳ διὰ ἐννεαετηρίδος εἰς 35
τὰ τοῦ Ἀπόλλωνος κομίζοντες ἱερεῖς ἐξύμνουν αὐ-
τὸν διὰ χοροῦ παρθένων
[70] Καὶ ἡ αἰτία τῶν Αἰολέων
ὅσοι κατῴκουν Ἄρνην καὶ τὰ ταύτῃ χωρία κατὰ 239 321b 1
106
χρησμὸν ἀναστάντες ἐκεῖθεν καὶ προκαθεζόμενοι Θήβας
ἐπόρθουν προκατεχομένας ὑπὸ Πελασγῶν
[71] Κοινῆς ἀμ-
φοῖν ἑορτῆς Ἀπόλλωνος ἐνστάσης ἀνοχὰς ἔθεντο καὶ
δάφνας τέμνοντες οἱ μὲν ἐξ Ἑλικῶνος οἱ δὲ ἐγγὺς τοῦ 5
Μέλανος ποταμοῦ ἐκόμιζον τῷ Ἀπόλλωνι
[72] Πολεμά-
τας δέ ὁ τῶν Βοιωτῶν ἀφηγούμενος ἔδοξεν ὄναρ νεα-
νίαν τινὰ πανοπλίαν αὐτῷ διδόναι καὶ εὐχὰς ποιεῖ-
σθαι τῷ Ἀπόλλωνι δαφνηφοροῦντας διὰ ἐννεαετηρί-
δος προστάττειν 10
[73] Μετὰ δὲ τρίτην ἡμέραν ἐπιθέμενος
κρατεῖ τῶν πολεμίων καὶ αὐτός τε τὴν δαφνηφο-
ρίαν ἐτέλει καὶ τὸ ἔθος ἐκεῖθεν διατηρεῖται
[74] Ἡ δὲ
δαφνηφορία ξύλον ἐλαίας καταστέφουσι δάφναις καὶ
ποικίλοις ἄνθεσι καὶ ἐπ ἄκρου μὲν χαλκῆ ἐφαρμό-
ζεται σφαῖρα ἐκ δὲ ταύτης μικροτέρας ἐξαρτῶσιν 15
κατὰ δὲ τὸ μέσον τοῦ ξύλου περιθέντες ἐλάσσονα τῆς
ἐπ ἄκρῳ σφαίρας καθάπτουσι πορφυρᾶ στέμματα τὰ
δὲ τελευταῖα τοῦ ξύλου περιστέλλουσι κροκωτῷ
[75] Βούλεται
δὲ αὐτοῖς ἡ μὲν ἀνωτάτω σφαῖρα τὸν ἥλιον (ᾧ καὶ τὸν
Ἀπόλλωνα ἀναφέρουσιν) ἡ δὲ ὑποκειμένη τὴν σελήνην 20
τὰ δὲ προσηρτημένα τῶν σφαιρίων ἄστρα τε καὶ ἀστέρας
τὰ δέ γε στέμματα τὸν ἐνιαύσιον δρόμον καὶ γὰρ καὶ
τζε ποιοῦσιν αὐτά
[76] Ἄρχει δὲ τῆς δαφνηφορίας παῖς
ἀμφιθαλής καὶ ὁ μάλιστα αὐτῷ οἰκεῖος βαστάζει τὸ
κατεστεμμένον ξύλον ὃ κώπω καλοῦσιν 25
[77] Αὐτὸς δὲ ὁ δα-
φνηφόρος ἑπόμενος τῆς δάφνης ἐφάπτεται τὰς μὲν
κόμας καθειμένος χρυσοῦν δὲ στέφανον φέρων καὶ λαμ-
πρὰν ἐσθῆτα ποδήρη ἐστολισμένος ἐπικρατίδας τὲ ὑπο-
107
δεδεμένος ᾧ χορὸς παρθένων ἐπακολουθεῖ προτείνων
κλῶνας πρὸς ἱκετηρίαν ὑμνῶν 30
[78] Παρέπεμπον δὲ
τὴν δαφνηφορίαν εἰς Ἀπόλλωνος Ἰσμηνίου καὶ Χαλα-
ζίου
[79] Τὸ δὲ τριποδηφορικὸν μέλος τρίποδος προη-
γουμένου παρὰ τοῖς Βοιωτοῖς ᾔδετο
[80] Ἔσχε δὲ καὶ τοῦτο
αἰτίαν τοιαύτην Πελασγῶν τινες Πάνακτον τῆς Βοιω-
τίας ἐπόρθουν Θηβαῖοι δὲ ἤμυνον καὶ πέμψαντες εἰς 35
Δωδώνην περὶ τῆς τοῦ πολέμου νίκης ἐχρῶντο
[81] Χρησμὸς
δὲ τοῖς Θηβαίοις ἐξέπεσεν ὡς εἰ μέγιστον ἀσέβημα
ἀσεβήσουσι νικήσουσιν 239 322a 1
[82] Ἔδοξεν οὖν αὐτοῖς ἀσε-
βημάτων εἶναι μέγιστον τὸ τὴν χρησμῳδήσασαν αὐτοῖς
τὸν χρησμὸν ἀνελεῖν καὶ ἀνεῖλον [83] Αἱ δὲ περὶ τὸ τέ-
μενος συνιέρειαι δίκην λαβεῖν ἀπῄτουν τοῦ φόνου τοὺς
Θηβαίους 5
[84] Θηβαῖοι δὲ οὐκ ἐπιτρέπουσι γυναιξὶ μόναις
τὴν περὶ αὐτῶν δίκην ἀξιοῦν κοινῆς δὲ κρίσεως ἀνδρῶν καὶ
γυναικῶν γεγενημένης καὶ τῶν ἀνδρῶν λευκὰς αὐτοῖς
ἐπενεγκόντων ψήφους ἀπέφυγον Θηβαῖοι
[85] Ὕστερον δὲ
ἐπιγνόντες αὐτοῖς τὸ ὑπὸ τοῦ χρησμοῦ προστασσόμενον
βαστάσαντες τῶν κατὰ τὴν Βοιωτίαν ἱερῶν τριπόδων 10
ἕνα καὶ κατακαλύψαντες ὡς ἱερόσυλοι ἀνέπεμψαν εἰς
Δωδώνην
[86] Εὐπραγήσαντες δὲ ἐξ ἐκείνου τοῦ λοιποῦ
τὴν πρᾶξιν ἑορτὴν ἐποίουν
[87] Ὠσχοφορικὰ δὲ μέλη παρὰ
Ἀθηναίοις ᾔδετο
[88] Τοῦ χοροῦ δὲ δύο νεανίαι κατὰ γυ-
ναῖκας ἐστολισμένοι κλῆμά τ ἀμπέλου κομίζοντες μεστὸν 15
108
εὐθαλῶν βοτρύων (ἐκάλουν δὲ αὐτὸ ὤσχην ἀφ οὗ καὶ
τοῖς μέλεσιν ἡ ἐπωνυμία) τῆς ἑορτῆς καθηγοῦντο
[89] Ἄρ-
ξαι δέ φασι Θησέα πρῶτον τοῦ ἔργου ἐπεὶ γὰρ ἑκούσιος
ὑποστὰς τὸν εἰς Κρήτην πλοῦν ἀπήλλαξε τὴν πατρίδα
τῆς κατὰ τὸν δασμὸν συμφορᾶς χαριστήρια ἀποδιδοὺς 20
Ἀθηνᾷ καὶ Διονύσῳ οἳ αὐτῷ κατὰ τὴν νῆσον τὴν
Δίαν ἐπεφάνησαν ἔπραττε τοῦτο δυσὶ νεανίαις ἐσκια-
τραφημένοις χρησάμενος πρὸς τὴν ἱερουργίαν ὑπηρέ-
ταις
[90] Ἦν δὲ τοῖς Ἀθηναίοις ἡ παραπομπὴ ἐκ τοῦ Διο-
νυσιακοῦ ἱεροῦ εἰς τὸ τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Σκιράδος τέ- 25
μενος
[91] Εἵπετο δὲ τοῖς νεανίαις ὁ χορὸς καὶ ᾖδε τὰ
μέλη
[92] Ἐξ ἑκάστης δὲ φύλης ἔφηβοι διημιλλῶντο πρὸς
ἀλλήλους δρόμῳ καὶ τούτων ὁ πρότερος ἐγεύετο ἐκ τῆς
πενταπλῆς λεγομένης φιάλης ἣ συνεκιρνᾶτο ἐλαίῳ
καὶ οἴνῳ καὶ μέλιτι καὶ τυρῷ καὶ ἀλφίτοις 30
[93] Εὐκτικὰ
δὲ μέλη ἐγράφετο τοῖς αἰτουμένοις τι παρὰ θεοῦ γενέσθαι
[94] Πραγματικὰ δὲ ἅ τινων περιεῖχε πράξεις
[95] Ἐμπορικὰ
δὲ ὅσα κατὰ τὰς ἀποδημίας καὶ ἐμπορίας ἐπιδεικνύ-
μενά τισιν ἐγράφη
[96] Καὶ ἀποστολικὰ δὲ ὅσα διαπεμπό-
μενοι πρός τινας ἐποίουν 35
[97] Τὰ δὲ γνωμολογικὰ δῆλον
ὅτι παραίνεσιν ἠθῶν ἔχει
[98] Καὶ τὰ γεωργικὰ δὲ χώρας
καὶ φυτῶν καιροὺς καὶ ἐπιμελείας
[99] Καὶ τὰ ἐπισταλτικὰ
δὲ ὅσα κατ ἐντολὰς πρός τινας ποιοῦντες διέπεμπον
[100] Οἱ μὲν δύο λόγοι τῆς Πρόκλου γραμματικῆς Χρης-
109
τομαθείας ἐν τούτοις
12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO
1 Realizou-se leitura1 a partir do livro intitulado Excertos2 de Crestomatia3 de Letras4
de Proclo5 2 O livro eacute dividido em quatro arrazoados6
1 A forma anegnoacutesthe que introduz o epiacutetome da Crestomatia bem como praticamente todos os resumos
da Biblioteca eacute indicativa desse tipo de texto evidenciando literalmente que natildeo se apresenta ali uma obra mas
sim a leitura de uma cujo tiacutetulo segue-se Cf para a interpretaccedilatildeo dessa forma Ferrante (1957 pg 161)
seguindo a liccedilatildeo de Severyns (1939 I 4 174-75 e II pg 65) cuja recensatildeo acerca da tradiccedilatildeo manuscrita e a
liccedilatildeo para este primeiro periacuteodo parecem de fato as melhores A forma verbal eacute passiva mas deve ser
entendida no grego sem sujeito de forma absoluta ou intransitiva ie ldquoleu-serdquo ldquofoi lidordquo a que se adiciona um
termo preposicionado especificando a partir do que se deu essa leitura Aqui se supre como nos referidos
editores o termo ldquoleiturardquo para viabilizar a traduccedilatildeo remetendo agrave proacutepria atividade originaacuteria da Biblioteca
compilada por Foacutecio dar notiacutecia das sucessivas leituras de diferentes livros Cf Estudo 131 Para a discussatildeo
acerca da introduccedilatildeo dos epiacutetomes na Biblioteca as demais ocorrecircncias da forma e o entendimento desta em
especiacutefico comparada agraves outras A ausecircncia de artigo antes do substantivo ldquoleiturardquo na traduccedilatildeo opccedilatildeo
semelhante agrave dos referidos editores pretende aqui conferir um traccedilo de maior generalidade agrave pratica que
designa uma vez que para aleacutem da discussatildeo acerca de qual seria a matildeo que realmente anotou os textos
mencionados transformando-os em epiacutetomes (Foacutecio ele mesmo um copista um disciacutepulo e companheiro de
viagem que se encarrega da leitura ou vaacuterios etc ndash cf Severyns I 4 ndash 5) essa leitura foi motivo de uma ou mais
sessotildees internas do grupo de estudos dirigido pelo entatildeo embaixador e futuro patriarca ela eacute portanto uma de
diversas leituras dos textos tomados como objeto dessas sessotildees 2 Sobre as implicaccedilotildees da palavra ldquoexcertosrdquo (eklogaiacute) e como foi aqui interpretada cf Estudo 132 3 A palavra ldquocrestomatiardquo khrestomaacutetheia encontra-se lexicalizada em portuguecircs e agrave disposiccedilatildeo do
erudito de liacutengua romacircnica Houaiss haure-a no Novo Diccionario Critico Etymologico da Lingua Portugueza
Paris 1836 de Francisco Solano Constacircncio e a daacute como traslado do francecircs O Littreacute a registra na liacutengua e ao
fazecirc-lo interpreta-a como o referido portuguecircs florileacutegio coletacircnea das melhores passagens de diferentes
autores com fins didaacuteticos (provavelmente jaacute interpretando o adjetivo grego khrestoacutes ldquouacutetilrdquo presente no
composto) Dado isso adoto a forma vernaacutecula e natildeo me utilizo de artigo (ldquoArdquo Crestomatia) a fim de manter
combinando-se com ldquoexcertosrdquo a ambiguidade e a duacutevida que imediatamente em grego saltam aos olhos do
leitor de que a saber de acordo com a interpretaccedilatildeo que se faz da palavra ldquocrestomatiardquo ou se entende em um
extremo que a Biblioteca mesma jaacute nos traz o resumo de uma obra de segunda matildeo ie a abreviaccedilatildeo de algo jaacute
previamente resumido em uma coletacircnea escrita ou em outro extremo que o proacuteprio termo ldquoextratosrdquo faria
parte do tiacutetulo da obra original abrindo margem a pensar a palavra ldquocrestomatiardquo (e mesmo ldquocoletacircneardquo em
portuguecircs) sem um caraacuteter abreviativo mas como ldquoreuniatildeo de ensinamentosrdquo hauridos de outros textos e autores
que ao longo de seacuteculos foram ampliando e detalhando sob diferentes aspectos as doutrinas referentes agraves letras
de modo geral (em prosa ou verso oratoacuteria ou poeacutetica) Defende-se aqui uma terceira hipoacutetese entre esses dois
extremos Concorda-se com Severyns quanto ao caraacuteter natildeo abreviativo da palavra (cf Severyns op cit II 65 ndash
69) mas entende-se que eklogaiacute pelo cotejo com as introduccedilotildees de outros epiacutetomes da Biblioteca soacute pode
implicar neste caso uma abreviaccedilatildeo a seleccedilatildeo de excertos Cf Estudo 133 Ferrante natildeo se pronuncia quanto
a sua traduccedilatildeo mas manteacutem ldquoextratosrdquo e usa o artigo antes da palavra apesar de seguir Severyns em sua notaccedilatildeo
do texto Pretendeu-se aqui (natildeo soacute pelo uso do vernaacuteculo mas tambeacutem por natildeo se empregar o artigo) como
khrestomaacutetheia eacute um substantivo que definia certa obra por sua finalidade manter a dubiedade e o caraacuteter
duvidoso que salta aos olhos de um leitor moderno dos gregos 4 A traduccedilatildeo de grammatikoacutes por ldquoliteraacuteriardquo aqui seguiria o mesmo criteacuterio acima definido (n 3) de
manter o estranhamento em relaccedilatildeo ao tiacutetulo por isso bem como para ldquoeklogaiacuterdquo poder-se-ia manter a
literalidade do correlato latino numa uacutenica palavra Como se sabe poreacutem o termo aqui natildeo eacute sinocircnimo direto do
que noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash uma seacuterie de
categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco mesmo ou os preceitos da chamada
ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira estranha aos antigos Cf Estudo 134 paacuteg 38 ndash 50
110
3 No primeiro fala como as virtudes da prosa e da poesia satildeo as mesmas mas
diferenciam-se quanto ao mais e ao menos7 4 e que do molde da elocuccedilatildeo8 haacute o copioso o
tecircnue e o meacutedio9 5 Que o copioso eacute estonteante10 e muitiacutessimo elaborado reluzindo uma
beleza poeacutetica 6 Jaacute o tecircnue proscreve uma composiccedilatildeo com tropos e afeita agrave elaboraccedilatildeo mas
antes se entretece de despojamento motivo pelo qual em geral se adapta de um modo
excelente agraves lamentaccedilotildees11 7 Quanto ao meacutedio o nome evidencia que eacute meacutedio entre ambos
5 Consoante ao que se defende no cap 133 do Estudo e ao que foi dito acima na nota 3 entende-se aqui
que a atribuiccedilatildeo a Proclo ou seja o trecho ldquode Proclordquo porque o objeto lido estaria nomeado como Excertos
estava contido na intitulaccedilatildeo desse objeto Supotildee-se que a proacutepria intitulaccedilatildeo desse objeto que eacute resumido
porque se precisava identificar de que e de quem era excertos trazia a atribuiccedilatildeo ldquode Proclordquo daiacute o itaacutelico
adotado na traduccedilatildeo Sobre a questatildeo da atribuiccedilatildeo cf Estudo 12 paacuteg 12 ndash 15 6 Embora se saiba que os loacutegoi sejam mesmo etimologicamente as diferentes partes tomos coacutedices de
um bibliacuteon ie o conjunto desses rolos a obra preferiu-se aqui a traduccedilatildeo por ldquoarrazoadosrdquo referindo-se ao
significado cognitivo da palavra (pensamentofala) para manter natildeo soacute a ideia de que quando confeccionadas e
daiacute registradas de forma escrita essas partes natildeo arbitrariamente buscavam corresponder agraves partes menores de
um loacutegos tomadas por si mas tambeacutem a ideia de que num contexto como o da Biblioteca tanto no sentido de
sua composiccedilatildeo como de sua recepccedilatildeo essa noccedilatildeo era evidente senatildeo presente afinal a obra eacute o resultado de
seccedilotildees coletivas de leitura e assim mesmo se tenta reproduzi-la na forma de texto 7 Nomeando prosa ( loacutegos) e poesia ( poiacuteema) o texto imediatamente estabelece o
primeiro criteacuterio pelo qual se julgaraacute a composiccedilatildeo poeacutetica a elocuccedilatildeo que logo seraacute desdobrada (sect4) na teoria
de seus moldes ou gecircneros De acordo com esse primeiro criteacuterio a prosa e a poesia possuem as mesmas virtudes
ou qualidades ( aretaiacute) distinguindo-se pela quantidade esta possui mais do que aquela Esse criteacuterio jaacute
eacute empregado por Aristoacuteteles na Retoacuterica III Cf Estudo 21 paacuteg 51 ndash 52 8 A traduccedilatildeo mais literal considerando o genitivo ldquo rdquo seria evidentemente ldquoe que do
molderdquo contudo talzez natildeo ficaria imediatamente claro ao leitor que a doutrina poeacutetica dos antigos aqui supotildee
ldquomoldarrdquo metaforicamente para a confecccedilatildeo da elocuccedilatildeo e as possiacuteveis variaccedilotildees que permitem claissificaacute-la
mantendo a metaacutefora fiacutesica e escultoacuterica em trecircs grandes estilos gerais Por isso acrescentou-se a expressatildeo ldquoda
elocuccedilatildeordquo Como se sabe outros nomes equivalentes a outras abstraccedilotildees satildeo empregados para nomear essa
doutrina que pelo vieacutes latino e ciceroniano ficaraacute conhecida como ldquodos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo (cf Estudo
22) 9 Inicia-se a exposiccedilatildeo da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo as caracteriacutesticas marcantes de cada um e
seus desvios ou viacutecios O comentaacuterio agrave traduccedilatildeo e a explicaccedilatildeo dos termos encontra-se no Estudo 22 paacuteg 52 ndash
61 10 Repare-se que no original empregam-se dois adjetivos superlativos e com o segundo o superlativo do
adveacuterbio de intensidade Para traduzir tal intensidade poder-se-ia recorrer como Severyns a estender o adveacuterbio
aos dois sintagmas termos ndash ldquomuitiacutessimo estonteante e elaboradordquo Isso daria a entender que as duas
caracteriacutesticas estatildeo em peacute de igualdade quanto agrave intensidade e que haacute graus para o adjetivo ldquoestoanteanterdquo que
talvez se verifiquem nos outros moldes quando parece que ser arrebatador ou estonteante eacute proacuteprio da elevaccedilatildeo
do molde copioso Tentar traduzir o grau superlativo do primeiro adjetivo ndash ldquoo mais estonteanterdquo ndash daria a
entender o mesmo portanto quis-se que a proacuteprio adjetivo ldquoestonteanterdquo por sua forte semacircntica decirc conta do
primeiro adjetivo ldquo ekplektikoacutetatonrdquo remetendo ao sublime etc e que o adveacuterbio
ldquomuitiacutessimo restrinja-serdquo ao segundo adjetivo ldquo kateskeuasmeacutenon maacutelistardquo
julgando-se tal soluccedilatildeo mais fiel ao sentido do grego a saber o de que o molde copioso eacute o mais elaborado de
todos comparado aos demais moldes que podem ser elaborados em menor grau e por isso tem por qualidade
uacutenica ser estonteante atingir o arrebatamento do receptor Para tal intrepretaccedilatildeo cf Estudo 221 paacuteg 55 ndash 57
principalmente o uacuteltimo paraacutegrafo e o comentaacuterio de Quintiliano paacuteg 56 ndash 57 11 A legitimidade desta passagem mais especificamente desta palavra [goeroicircs] foi contestada
diferentemente por trecircs editores propocircs-se [georgikoicircs] (Schott 1606 apud Gaisford p337 apud
Severyns tomo II p 73) [noeroicircs] (Schimid 1894 p 134 n I apud Severyns idem)
[mikroicircs] (Immisch 1902 p 257 n I apud Severyns idem) Uma apreciaccedilatildeo pode ser lida em Severyns (idem)
que em linhas gerais aleacutem de se ater ao fato de que a tradiccedilatildeo manuscrita natildeo traz divergecircncias quanto a essa
passagem segue artigo de Shorey (Classical Philology 1906 apud Severyns) em que este aleacutem dos ceacutelebres
versos da Ars de Horaacutecio (95 ndash 98) arrola diferentes e breves passagens da tradiccedilatildeo retoacuterica nas quais se
evidenciam tal liccedilatildeo de forma explicita e natildeo poeacutetica ex Longino Rhet 21 ldquo() eacute necessaacuterio a quem consola
111
8 Florido por si proacuteprio natildeo eacute um molde mas manifesta-se e encontra-se misturado
junto aos mencionados e combina com topografias e descriccedilotildees12 de descampados ou
bosques
9 Os que cometem desvios das referidas formas geram a mudanccedila do copioso em duro
e exaltado do tecircnue em chatildeo e do meacutedio em truncado e frouxo
10 Entatildeo faz consideraccedilotildees acerca de criacutetica de poesia13 no que transmite qual a
diferenccedila entre caraacuteter e afeto14
11 E da composiccedilatildeo poeacutetica15 diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativo 12 E o
narrativo profere-se por meio de epos bem como de iambo elegia e meacutelica o imitativo por
meio de trageacutedia bem como de drama satiacuterico e comeacutedia16
falar natildeo com clareza sofistica [sophistikeacute tranoteacutes] mas com simplicidade compassiva [sympephonkyicirca
haploteacutes]rdquo Apsines (I 358) ldquoas narraccedilotildees pateacuteticas [pathetikaigrave dieacutegeseis] natildeo devem possuir muita organizaccedilatildeo
[polyn koacutesmon]rdquo idem (I 405) ldquoagrave elocuccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja natildeo-moldada e natildeo-ornada [aacuteplaston kaigrave
akalloacutepiston] o ornar [kallopiacutezein] natildeo eacute proacuteprio de quem canta um trenordquo (a tosca literalidade da traduccedilatildeo eacute
intencional aqui a fim de que se notem os termos gregos) 12 A palavra empregada para ldquodescriccedilatildeordquo eacute eacutekphrasis e eacute o nome que se daacute ao gecircnero pelo
qual se confecciona com palavras a representaccedilatildeo de algo inanimado Consoante ao que se disse (supra) como
algo que eacute descrito parece que todos esses casos tecircm em comum o fato de que se constituem como objetos de
apreciaccedilatildeo em funccedilatildeo da palavra entatildeo eacute pelo proacuteprio floreio que supotildee ornato que esse algo pode se tornar
objeto do prazer Daiacute a possiacutevel interpretaccedilatildeo do epiacutetome segundo a qual o florido natildeo seria por si um molde a
ser selecionado desde o iniacutecio para a confecccedilatildeo de uma obra natildeo seria um molde independente agrave cuja
totalidade se circunscreveria por inteiro toda uma elocuccedilatildeo mas sim uma forma obrigatoriamente concorrente
dependente que se apresenta como parte adicional de um dos trecircs moldes em circunstacircncias como as
exemplificadas qual um adereccedilo de flores 13 kriacutesis poieacutematos entendida aqui como sinocircnimo da sexta parte da empiria
gramatical de Dioniacutesio Traacutecio conforme defendido aqui no Estudo 134 paacuteg 38 ndash 47 para opiniatildeo
semelhante FERRANTE paacuteg 20 ndash 21 Contraacuteria Cf SEVERYNS paacuteg 77 ndash 79 Aventou-se a traduccedilatildeo por
ldquocriacuteticardquo opccedilatildeo natildeo soacute muito coerente como esclarecedora uma vez que aqui se assume a kriacutesis poiemaacuteton de
Dioniacutesio Traacutecio como atividade que mais amplamente passou a corresponder ao que hoje noacutes modernos
diriacuteamos ldquocriacutetica de poesiardquo senatildeo ldquocriacutetica poeacuteticardquo Embora tentadora e chamativa declinou-se tal traduccedilatildeo
porque primeiro a noccedilatildeo de criacutetica natildeo se entende mais em portuguecircs associada ao significado baacutesico da palavra
grega originaacuteria ldquokriacutesisrdquo modernamente natildeo haacute mais a noccedilatildeo de ldquocisatildeo litiacutegio disputardquo e daiacute ldquoavaliaccedilatildeo juiacutezo
julgamentordquo e basicamente a palavra eacute do campo semacircntico judicial segundo como o proacuteprio Dioniacutesio Traacutecio
atesta que no iniacutecio se tratava justamente desta segunda noccedilatildeo de ldquojulgamentordquo ocupando-se a princiacutepio tatildeo
somente do estabelecimento do texto a traduccedilatildeo por criacutetica poderia criar o falso entendimento da parte do leitor
de que se trata de uma atividade de ldquocriacutetica literaacuteriardquo como a dos dias de hoje quando mesmo em seu
desdobramento posterior em que poderia modernamente receber tal nome a interpretaccedilatildeo dos antigos lidava
com um instrumental de noccedilotildees diferentes das nossas como reafirmado em outras passagens deste trabalho
Embora pareccedila se perder com esta soluccedilatildeo preferiu-se fazer juz ao ldquojuiacutezordquo e recorrer a esta nota 14 eacutethous kaigrave paacutethous ndash talvez aqui como pensados por Dioniacutesio de Halicarnasso no
tratado Da Imitaccedilatildeo Cf Estudo 134 especificamente paacuteg 47 ndash 50 15 O adjetivo feminino poietikecircs sem um substantivo acompanhando-o tende a supor teacutechne Sabemos que
assim Aristoacuteteles nomeia essa aacuterea do saber Como suprir o termo poderia dar a entender o tratado e o
entendimento aristoteacutelicos do objeto quando na verdade parece que o epiacutetome usa o termo para se referir aos
poemas ie agraves composiccedilotildees em verso por oposiccedilatildeo agraves em prosa certamente entendendo-as todas como poesia
e como o termo neutro poiacuteema foi empregado anteriormente por oposiccedilatildeo agrave prosa (loacutegos) optou-se nesta
traduccedilatildeo por suprir ldquocomposiccedilatildeordquo dando a entender o resultado o objeto o poema como ldquoconfecccedilatildeordquo trazendo
tambeacutem a noccedilatildeo do ato em si e da teacutecninca (teacutekhne) Cf Estudo 32 paacuteg 77 ndash 79
O emprego do termo no genitivo junto do artigo e do verbo leacutegei implica uma forte carga
partitiva ao termo ateacute entatildeo o texto versava sobre a elocuccedilatildeo que poderia ocorrer em prosa ou em verso ie
poderia ser um discurso juriacutedico ou um poema liacuterico mas ora sobre a confecccedilatildeo que eacute apenas poeacutetica eis os
112
13 Tambeacutem que Femocircnoe17 a profetiza de Apolo foi quem descobriu18 o epos19 por
professar oraacuteculos em hexacircmetros A partir daiacute aos oraacuteculos seguiram-se [heiacutepeto ] os
feitos20 que lhes eram consonantes nomeando-se ldquoeposrdquo qualquer composiccedilatildeo no metro
14 Outros dizem que por causa da elaboraccedilatildeo e da ampla superioridade21 observada
nos hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo e passou a ser
chamado ldquoeposrdquo [fala palavra falada]22 bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo
e Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez tambeacutem que alguns denominavam ldquoeacuteperdquo [falares plura
de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetros23
15 Os mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro24 Paniacuteasis25 e
Antiacutemaco26
16 Desses discorre na medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas
histoacuterias particulares27
gecircneros e espeacutecies em que eacute possiacutevel discriminaacute-las No sentido de que sobre elas o que o texto em questatildeo nos
ensina eacute tal discriminaccedilatildeo uacutetil ao gramaacutetico e aquele que busca ler tais composiccedilotildees agora textos tanto o termo
poietikeacute como a secccedilatildeo que se segue estatildeo em concordacircncia com a kriacutesis do item acima Cf Estudo 134 paacuteg
38 16 Eis a biparticaccedilatildeo em dois grandes gecircneros dos quais os nomes poeacuteticos arrolados satildeo espeacutecies de
acordo com o modelo da calssificaccedilatildeo geneacuterica discutida Os termos empregados bem como essa divisatildeo satildeo
objeto do Capiacutetulo 3 do Estudo mais precisamente seccedilatildeo 31 paacuteg 67 ndash 83 17 Cf Estrabatildeo (IX 419) Pausacircnias (X 5 7) e o Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (475 22) Composto de phemiacute
e noucircs ie ldquofalarrdquo e ldquopensamentoespiacuteritordquo 18 O termo do verbo epheuriacutesko ldquodescobrirrdquo eacute composto de heuriacutesko que tem o
significado baacutesico do verbo ldquoacharrdquo eacute comum na tratadiacutestica serve para designar a ldquoinvenccedilatildeordquo ndash termo latino
que traduz o grego ndash de um forma poeacutetica ou entatildeo para designar quem a encontra seu ldquoinventorrdquo ou como natildeo
haacute a noccedilatildeo moderna de ldquooriginalidaderdquo e ldquocriaccedilatildeordquo o ldquodescobridorrdquo ndash heureteacutes Esses termos se
empregaratildeo ao longo do texto consecutivamente 19 A palavra teria o significado primitivo de ldquofalardquo sua raiz (F eacute cognata do latim vox ldquovozrdquo 20 No grego tagrave praacutegmata heiacutepeto juntos o termo que designa os feitos as accedilotildees
caracteriacutesticas da poesia eacutepica e o termo que compotildee a etimologia designando tanto a sucessatildeo em relaccedilatildeo aos
oraacuteculos como o elemento de consecuccedilatildeo das accedilotildees ou feitos definidores da espeacutecie Cf Estudo 331 paacuteg 83 21 A ampla superioridade ndash aacutegan hyperokheacuten ndash da composiccedilatildeo hexameacutetrica introduz o
argumento em prol da terceira explicaccedilatildeo etimoloacutegica 22 A etimologia como visto no Estudo 331 paacuteg 83 para aleacutem do sugestivo nome da profetiza que
conteacutem o elemento ldquofalardquo seguiria a sequecircncia eacutepos heacutepomai eacutepous = logos e gt(maior que) outros eacutepe 23 Cf Estudo 331 para a noccedilatildeo de eacutepos associado a outras formas como o triacutemetro ou a oratoacuteria De
qualquer forma o argumento geral eacute o de que outros designavam outras espeacutecies que julgavam ldquoa fala por
excelecircnciardquo pelo termo comum para ldquopalavra faladardquo ie ldquoeposrdquo 24 Pisandro de Camiro c 650 aC A ele eacute atribuiacuteda uma Heracleida que narrava todos os feitos de
Heacutercules 25 Paniacuteasis de Halicarnasso tio de Heroacutedoto morreu por volta de 457 aC A ele se atribui tambeacutem uma
Heracleida em 14 cantos e 900 versos 26 Antiacutemaco de Colofatildeo c 405 aC autor da Tebaida que comporia junto de outro poemas o ciclo
tebano 27 Aqui seguiria a Vita Homeri atribuiacuteda que chegou a noacutes a Proclo Eacute de se supor que para cada um dos
poetas mencionas seguisse uma biografia semelhante Essa passagem e a seccedilatildeo seguinte sobre o ciclo eacutepico
cotejadas com os uacutenicos excertos originais que temos da Crestomatia permitem-nos ter um iacutenfimo vislumbre da
dimensatildeo da obra que de fato pela menccedilatildeo a quatro livros feita no iniacutecio do coacutedice dos quais apenas dois satildeo
resumidos devia ser extensa
113
17 Entatildeo faz consideraccedilotildees sobre o chamado ldquociclo eacutepicordquo que se inicia pelo
intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra28 a partir do qual geram a ele trecircs filhos centiacutemanos e
trecircs Ciclopes29
18 Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos
gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser verdade em referecircncia agrave histoacuteria
19 Fecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo de diferentes
poetas ateacute o desembarque de Odisseu em Iacutetaca quando eacute morto por seu filho Teleacutegono que
natildeo o reconhecera30
20 Fala como os poemas do ciclo eacutepico tecircm se conservado e recebido atenccedilatildeo de
muitos natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele contidas
21 Fala entatildeo o nome e a paacutetria dos que se dedicaram ao ciclo eacutepico
22 Fala entatildeo acerca de certos poemas ldquoCiacutepriosrdquo como alguns os atribuem a Estasino
de Chipre outros lhes inscrevem ldquoHegesino de Salaminardquo Outros dizem que Homero
escreveu-os deu a Estasino por obter-lhe a filha e por causa de sua paacutetria nomeou ldquoCiacutepriasrdquo
a obra 23 Mas de sua parte natildeo se apoia nessa hipoacutetese pois que tambeacutem os poemas natildeo se
intitulam ldquoCiacutepriasrdquo com acentuaccedilatildeo proparoxiacutetona31
24 Diz quanto agrave elegia [elegeiacutea ] ser composta de um verso heroacuteico e um
pentacircmetro32 e acomodar-se33 aos que jaacute partiram 25 E obteve seu nome daiacute os antigos
28 Aqui se iniciava o resumo do ciclo eacutepico Cf Estudo 3312 paacuteg 86 para as conjecturas a respeito
daquilo em que talvez consistisse essa primeira parte do ciclo a julgar pelo paraacutegrafo seguinte (18) em que se
nomeiam as histoacuterias do iniacutecio do ciclo ldquonarraccedilotildees miacuteticasrdquo ou considerando a acepccedilatildeo moderna ldquomitologiardquo 29 Esse episoacutedio cosmogocircnico como apresentado ie sem uma referecircncia expliacutecita agrave geraccedilatildeo de Ceacuteu a
partir de Terra (diferente do que se lecirc em Hesiacuteodo Teogonia 126 ndash 127) derivaria da Titanomaquia de Eumelo
Cf Estudo 3312 paacuteg 88 ndash 90 e Ateneu (Deipnosophistae VII 277d ndash e) 30 Buscou-se manter na traduccedilatildeo a possibilidade de leitura equivocada e a imprecisatildeo que pode geraacute-la a
quem desconhece os episoacutedios do ciclo o desembarque em questatildeo natildeo eacute o da Odisseia em retorno de Troia
mas o que encerra a viagem de Odisseu agrave Tesproacutetia que se narrava na Telegonia de Ecircugamon de Cirene uacuteltimo
poema na cronologia do ciclo 31 Para a extensa consideraccedilatildeo de todos os possiacuteveis tiacutetulos para o poema segundo diferentes autores da
Antiguidade cf Severyns (paacuteg 93 ndash 98) e Ferrante (27 ndash 30) Para a opiniatildeo de Proclo que Foacutecio natildeo menciona
ambos editores e criacuteticos apontam como consideraccedilatildeo final para a passagem de Ateneu (XV 682d) em que
Demodamas sugere como autor Ciacutepria de Halicarnasso Eacute conjetural poreacutem que concordando com
Demodamas Proclo aceitasse que a intitulaccedilatildeo se desse pelo autor sugerindo uma forma genitiva como
intitulaccedilatildeo que a formulaccedilatildeo de Foacutecio sugere Vale lembrar que no excerto sobre as Ciacuteprias Proclo informaria
sua discordacircncia sobre a intitulaccedilatildeo do poema e diria que para evitar a interrupccedilatildeo da continuidade do discurso
discutiria posteriormente esse toacutepico como um excurso Pelo menos quanto agrave ordem portanto o resumo de
Foacutecio seria fiel pois eacute de supor que tal excurso ocorresse apoacutes o resumo do ciclo e antes de abordar a elegia Isso
tambeacutem explica por que natildeo haveria razotildees para que Proclo natildeo considerasse as Ciacuteprias como parte do ciclo
(Severyns paacuteg 98) uma vez que dos resumos do ciclo esse eacute o uacutenico que natildeo conteacutem uma atribuiccedilatildeo em seu
iniacutecio 32 Como observado no caso do epos a exposiccedilatildeo segue o criteacuterio metro-mateacuteria explicando o
desenvolvimento da espeacutecie a partir dos usos do metro Cf Estudo 3312 paacuteg 86 332 paacuteg 90 em diante 33 Cf supra sect14 suacutemphona explicitando o criteacuterio metro-mateacuteria pontuando a invenccedilatildeo da espeacutecie e seu
desenvolvimento a partir da mateacuteria que a princiacutepio se lhe acomodava naturalmente
114
chamavam ao treno34 eacutelegos [ ] e atraveacutes dele elogiavam [euloacutegoun ] os
mortos35 26 Os poacutesteros36 contudo usaram ldquoelegiardquo amplamente para diferentes
argumentos
27 Fala entatildeo que exceliram nesse metro Calino de Eacutefeso37 e Mimnermo de
Colofatildeo38 mas tambeacutem o filho de Teacutelefo Filetas de Coacutes39 e Caliacutemaco filho de Bato (esse era
de Cirene)40
28 Jaacute no que diz respeito ao iambo [ ] primeiro em tempo antigo era atribuiacutedo
agrave ralhaccedilatildeo41 inclusive de acordo com certo dialeto ldquoiambizarrdquo [ldquoiambiacutezeinrdquo ] era
nome para ldquoralharrdquo42
29 Uns dizem ser por causa de certa criada Iambe [Iaacutembe ]43 de origem
traacutecia Ela quando Demeacuteter estava de luto pelo rapto de sua filha foi ateacute as redondezas de
34 Para a interpretaccedilatildeo de que a elegia haveria derivado do treno cf Harvey The Classification of Greek
Lyric Poetry The Classical Quarterly New Series Vol 5 No 34 (Jul - Out 1955) pp 157-175 35 O trinocircmio elegia eacutelegos elogio eacute a etimologia baacutesica que subjaz a essa exposiccedilatildeo da descoberta e do
desenvolvimento da espeacutecie Cf Estudo 332 paacuteg 90 a 94 36 Hoi metageneacutesteroi os poacutesteros ndash o texto mesmo pontua como etapa posterior ao uso primeiro do
diacutestico para o lamento fuacutenebre seu uso para diferentes argumentos hypotheacuteseis 37 Viveu por volta do seacuteculo VII a c e pelo que sabemos de sua poesia que nos chega fragmentada seria
de caraacuteter beacutelico e guerreiro recorrendo aos exemplos dos mitos que seratildeo posteriormente circunscritos ao
ciclo eacutepico (FERRANTE paacuteg 32) para exortar ao combate e agrave bela morte Portanto entendida a definiccedilatildeo da
elegia ao peacute da letra mesmo o mais velho elegiacuteaco natildeo a ilustra eacute de se supor portanto que ele mesmo jaacute ilustre
o uso do metro para ldquodiferentes argumentosrdquo o caraacuteter lamentoso e primordial do metro abarcaria por exemplo
a exortaccedilatildeo agrave morte na guerra uma vez que pressupotildee a situaccedilatildeo fuacutenebre independente dos poemas ou desse
tipo de poema suporem quando da sua composiccedilatildeo uma execuccedilatildeo primeira e um funeral ou funerais como
ocasiatildeo em performance especiacutefica uma vez que mesmo que nas situaccedilotildees em que um poema se destinasse agrave
uma performance especiacutefica sua execuccedilatildeo poderia se dar tambeacutem em um simpoacutesio posteriormente 38 Viveu entre o final do seacuteculo VII e o iniacutecio do seacuteculo VI a C seu lamento eacute de caraacuteter amoroso Foi
imitado pelos heleniacutesticos e a ele Galo e os demais elegiacuteacos romanos fazem remontar a elegia eroacutetica
tomando-o por seu descobridor 39 Poeta e gramaacutetico agrave maneira alexandrina mestre de Zenoacutedoto e Teoacutecrito seria tambeacutem reconhecido
pelos romanos o intermediaacuterio heleniacutestico da elegia eroacutetica no iniacutecio nos meandros do seacuteculo IV aC 40 Seacuteculo III aC foi disciacutepulo de Hermoacutecrates e Praxiacutefanes o peripateacuterico disciacutepulo de Teofrasto
Fundou uma escola de gramaacutetica em Alexandria seguindo os passo do mestre que se dedicara especificamente a
esse saber Compocircs sob a corte de Ptolomeu II o Filadelfo e Ptolomeu III o Eveacutergeta Foi o grande propagador
da poesia breve e cultista de base Heleniacutestica a quem se filiaraacute entre os romanos Catulo modelo dos elegiacuteacos
junto a Galo Cultivou aleacutem da elegia o epigrama o hino o epiacutelio e o iambo 41 Cf Estudo 333 paacuteg 94 42 Eacute impossiacutevel identificar a que dialeto o texto se referia uma vez que se o fizesse Foacutecio natildeo o anotou
Tanto Severyns (28 2 paacuteg 105) como Ferrante (28 paacuteg 33) remetem a Chantraine (La Formation des Noms en
Grec Ancien paacuteg 260) pontuando que de fato a formaccedilatildeo do nome em questatildeo eacute externa ao grupo indo-
eruropeu Talvez se a indefiniccedilatildeo do texto do epiacutetome partiu do texto do proacuteprio Proclo os proacuteprios antigos
percebessem a palavra como estrangeira sem poder identificar sua origem 43 A primeira e uma das poucas etimologias eponiacutemicas que ocorrem no epiacutetome O argumento baacutesico ndash
note-se ndash eacute etioloacutegico ie e funciona como outras explicaccedilotildees que apareceratildeo ao longo do cataacutelogo de
subespeacutecies meacutelicas haacute um marcante evento miacutetico ou histoacuterico que uma vez aceito eacute por si mesmo argumento
para a adoccedilatildeo de um costume e repeticcedilatildeo da forma Neste caso a accedilatildeo da criada de nome Iambe seria modelar do
que se faz com os iambos tanto que de seu nome derivaria o proacuteprio nome do metro Embora natildeo se possa
dizer que tambeacutem eponiacutemica a associaccedilatildeo do hexacircmetro a Femocircnoe (sect14) continha um argumento de base
etioloacutegica semelhante na medida em que localiza em um passado remoto um acontecimento que se fixa como
praacutetica Esse tipo de argumento seraacute amplamente usado na exposiccedilatildeo das subespeacutecies liacutericas na liacuterica sacra por
115
Elecircusis e apoacutes subir sobre a pedra hoje chamada ldquoSolenerdquo44 por meio de algumas zombarias
levou a deusa agrave gargalhada45
30 Parece que em tempo antigo poreacutem dizia-se o iambo para o que era composto
visando ao vitupeacuterio e ao enaltecimento igualmente Como alguns sobreabundaram o metro
nas maledicecircncias a partir daiacute o ldquoiambiacutezeinrdquo [ldquoiambizarrdquo ]46 por forccedila do haacutebito
acabou por ser ldquohybriacutezeinrdquo [ldquoimprecarrdquo ] bem como por causa dos ldquococircmicosrdquo
[komikoiacute ] ldquokomiacutezeinrdquo [ldquoridicularizarrdquo ]47
31 De iambos Arquiacuteloco de Paros eacute o melhor poeta seguido de Semocircnides de
Amorgos ndash de Samos segundo uns ndash e Hipocircnax de Eacutefeso dos quais o primeiro floresceu na
eacutepoca de Giges48 o segundo na de Amintas o macedocircnio49 por fim Hipocircnax durante o
periacuteodo de Dario50
32 Sobre a poesia meacutelica51 diz que eacute a mais diversificada e comporta diferentes
divisotildees
33 Parte dela encontra-se distribuiacuteda para deuses parte para homens parte para
deuses e homens e parte para as circunstacircncias acidentais
exemplo eacute usado na explicaccedilatildeo do nomo (sect44) entre as subespeacutecies sacras e seculares na explicaccedilatildeo da
dafneforia (sect70 ndash 73) das canccedilotildees tripodefoacutericas (sect80 ndash 86) das oscofoacutericas (sect89) etc 44 Chama a atenccedilatildeo o silecircncio de Pausacircnias (I 38 6 e I 39 I) a respeito da pedra Cf Severyns paacuteg 108
6 ndash as referecircncias tardias pontuadas pelo autor sugerem que se trate de um elemento proverbial e posterior que se
preencheu em um episoacutedio antigo e conhecido que remonta afinal ao Hino Homeacuterico a Demeacuteter (197 ndash 204)
em que tal criada aparece e de fato faz a deusa rir mas no palaacutecio do rei Celeo e sob seu senhorio em uma
versatildeo diferente da histoacuteria Referem-se agrave pedra Apolodoro (I 30) o Escoacutelio a Aristoacutefanes (Cavaleiros 785) e o
Suda ( 49 ADLER) 45 Severyns (paacuteg 107 ndash 109) fornece detalhadamente todas as referecircncias para essa versatildeo da histoacuteria
valendo menccedilatildeo a mesma passagem de Apolodoro que apresenta a histoacuteria semelhantemente e o Escoacutelio a
Hefestiatildeo (214 9 Consbruch) que apresenta a versatildeo homeacuterica 46 Cf Ferrante 32 ndash 33 n 28 para a etimologia a partir de ldquoiagraven baacutezeinrdquo ldquo rdquo ldquolanccedilar a vozrdquo
(Et Magn 463 29) bem como para a possibilidade a partir do homeacuterico iaacute ldquolanccedilas setasrdquo (Il 20 68) +
baacutezein ie ldquolanccedilar setasrdquo metaacutefora poeacutetica para imprecar (cf Catulo 116)47 O termo que de iniacutecio significava apenas integrar um koacutemos ie uma farra folia patuscada pacircndega
um cortejo festivo passa a designar no desenvolvimento da trageacutedia ldquocompor um coro cocircmicordquo e por
metoniacutemia satirizar detratar fazer de algo ou algueacutem objeto da criacutetica cocircmica Esse processo teria igualmente
ocorrido em relaccedilatildeo ao emprego abundante do iambo para a imprecaccedilatildeo de modo que o proacuteprio verbo
ldquoofenderrdquo ldquoinjuriarrdquo (hybriacutezein passa a ter o mesmo emprego que ofender sem implicar a
composiccedilatildeo de versos iacircmbicos Essa uacuteltima passagem natildeo eacute senatildeo uma ampliaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da primeira
etimologia apresentada que apenas endossa a opiniatildeo de Aristoacuteteles para a origem do iambo (Cf Estudo 333
paacuteg 94) 48 Arquiacuteloco teria vivido na primeira metade do seacuteculo VI aC Giges que eacute dado como referecircncia foi o
rei liacutedio de 689 a 653 aC Menciona-o fragmento 19 do poeta (Gerber) Sua poesia nos chega fragmentada e
faz menccedilatildeo de um eclipse que ocorreu em 6 de abril de 648 aC o que nos permite situar sua atividade poeacutetica
pelo menos ateacute essa deacutecada Sabemos que compocircs elegias tambeacutem mas eacute geralmente referido como o primeiro
poeta iacircmbico entre os gregos como se vecirc por exemplo na Ars de Horaacutecio (79) 49 Trata-se de Amintas I da Macedocircnia que teria vivido entre 540 e 498 aC o que colocaria Semocircnides
depois de Arquiacuteloco na segunda metade do seacuteculo VI aC Dele nos resta algo em torno de 40 fragmentos
dentre os quais o mais famosos seria o fragmento 6 (WEST) ldquoContra as Mulheresrdquo 50 Segundo esse testemunho Hipocircnax teria vivido aproximadamente entre 521 e 485 aC eacute considerado o
descobridor do coliambo 51 Sobre a divisatildeo cf Estudo 334 paacuteg 95
116
34 Aos deuses de um lado referem-se hino prosoacutedio peatilde ditirambo nomo
adoniacutedia iobaco hiporquema
35 Aos homens de outro encocircmios epiniacutecio escoacutelios eroacuteticas espitalacircmios
himeneus silos trenos e epiceacutedios
36 Aos deuses e homens partecircnias dafnefoacutericas tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas
pois essas eram escritas para deuses e compreendiam enaltecimentos de homens
37 A que se refere agraves circunstacircncias acidentais natildeo eacute uma espeacutecie da meacutelica mas eacute
atentada pelos proacuteprios poetas
38 Diz que o hino [hyacutemnos ]52 recebe seu nome pelo fato de ser algo
ldquohypoacutemononrdquo [ldquopersistenterdquo ]53 e por conduzir desse modo agrave mneacuteme [memoacuteria
] e agrave hypomneacutesis [rememoraccedilatildeo ] as accedilotildees dos hineados [hymnoucircmenoi
]54 ou tambeacutem pelo ldquohydeicircnrdquo [ldquonomearrdquo ] que eacute o mesmo que ldquodizerrdquo55
52 Do sacircnscrito syuman (ldquoligaccedilatildeordquo) Essa noccedilatildeo se confere no latim suo (coser) bem como em palavras
gregas com a noccedilatildeo geral de ldquourdidurardquo ldquotecidordquo ldquopelerdquo υμην (membrana) υφη (teia urdidura) υφαινω
(sinocircnimo do latim suo ie tecer) ndash Exemplos de Ferrante paacuteg 38 n 38 53 Essa hipoacutetese eacute verossiacutemil linguisticamente e nos eacute apresentada pelo Et Mag 777 2 dizendo apenas
que se trata de siacutencope υμνος derivaria de υπομονος palavra postulada e teoacuterica (uma vez que temos o verbo
ldquorestarrdquo e o substantivo deverbal ldquopersistecircnciardquo mas natildeo o adjetivo em questatildeo) por
apoacutecope e assimilaccedilatildeo υπομονος passaria a υμμονος e depois por simplificaccedilatildeo e siacutencope cairia o [o] de
μονος resultando υμνος (Ferrante idem) A etimologia antiga como se sabe pauta-se natildeo soacute na proximidade
das palavras mas tambeacutem em seu significado Essa etimologia teoacuterica contribui portanto para a noccedilatildeo cabal de
que na percepccedilatildeo antiga um hino o eacute porque ldquopersistenterdquo ie hino eacute algo que visa permanecer daiacute a
associaccedilatildeo direta e primeira entre hyacutemnos e hypoacutemonos a partir da qual na formulaccedilatildeo dessa etimologia se
parte para as demais associaccedilotildees paroniacutemicas 54 Tais formas se associariam morfoloacutegica e semanticamente (e daiacute etimologicamente) ao binocircmio
hyacutemnos - hypoacutemonos expandindo-o Dessa associaccedilatildeo baacutesica decorre que a espeacutecie poeacutetica recebe seu nome
porque opera com a mneacuteme a capacidade de retenccedilatildeo na memoacuteria e com a hypomneacutesis a capacidade de
rememorar o que foi armazenado em relaccedilatildeo agraves accedilotildees dos hineados Dessarte os demais termos ocorrem para
explicar a associaccedilatildeo primeira com uma palavra teoacuterica ie porque o hino eacute ldquopersistenterdquo Talvez devecircssemos
considerar o contraacuterio que a palavra teoacuterica se postula a fim de permitir a associaccedilatildeo com as outras que
explicariam o nome do gecircnero A se diz por causa de B que se diz em funccedilatildeo de C e D seguindo-se E Este
uacuteltimo termo explica o uacuteltimo elemento da exposiccedilatildeo do coacutedice em que os ldquohineadosrdquo (hymnoucircmenoi) satildeo
praticamente os ldquorelembradosrdquo
Esse eacute o esquema etimoloacutegico de dois outros textos semelhantes a esse passo do coacutedice de Foacutecio o
leacutexico de Oacuterion 155 22 (fundamental porque ele teria sido professor de Proclo) e Et Magnun 777 2 (que como
se sabe junto do Et Gudianum pauta-se no gramaacutetico Oacuterion em vaacuterios de seus verbetes) O cotejo completo
encontra-se em Severyns II 38 paacuteg 117 Ambas as referidas passagens (esta baseada naquela) atribuem a
etimologia a Diacutedimo e sua obra Acerca dos Poetas Liacutericos citados nominalmente nos dois textos 55 Apenas pelo lsquo rsquo o verbo em questatildeo viria agrave etimologia porque condensa as noccedilotildees anteriores e a antiga
funccedilatildeo religiosa subjacente agrave origem da espeacutecie em questatildeo o celebrar de um deus finalidade do hino
consistiria em relembrar ie trazer agrave tona seus feitos suas accedilotildees ( praacutexeis) manter a memoacuteria delas
Essa etimologia encontra-se nos leacutexicos antigos e provavelmente adveacutem dos autores heleniacutesticos uma vez que o
uso do verbo parece reintroduzido na liacutengua pelos poetas de tal periacuteodo cf Severyns idem paacuteg 119 Tanto no
Et Magnun como no Et Gudianum provavelmente contemplando o uso heleniacutestico aparece junto dos verbos
e como sinocircnimo primeiro de ldquo rdquo Para a derivaccedilatildeo antiga da palavra por exemplo o Et
Gud 539 56 ldquo
rdquo ndash ldquohyacutedein sinaliza o hyacutemnein surge a patir do verbo hymnocirc pela queda
do lsquonrsquo hymocirc e mudanccedila do lsquomrsquo para lsquodrsquo hyacutedo pelo recuo do acentordquo A associaccedilatildeo entre os dois verbos para a
qual tambeacutem se apresenta uma formaccedilatildeo teoacuterica nos leacutexicos posteriores ao texto do epiacutetome parece apontar de
qualquer modo dentro dessa classificaccedilatildeo de base gramatical para a necessidade de reforccedilar pelo emprego de
117
39 Chamavam hino em geral toda composiccedilatildeo aos que satildeo superiores56 por isso
aparecem contrapondo o prosoacutedio e as demais canccedilotildees mencionadas ao hino como a espeacutecie
ao gecircnero Assim dos que escrevem57 podem-se ouvir coisas como ldquohino de prosoacutediordquo ldquohino
de encocircmiordquo ldquohino de peatilderdquo e semelhantes58
40 O prosoacutedio [prosoacutedion ] era entoado quando se seguia em procissatildeo
[prosiacuteosi ] ao altar ou ao santuaacuterio e na procissatildeo [prosieacutenai ] era
cantado [eiacutedeto ]59 ao som do aulo O hino propriamente se cantava ao som da ciacutetara
uma vez que se estivesse parado60
um termo que tambeacutem eacute heleniacutestico a exposiccedilatildeo da espeacutecie como ldquodiegeacuteticardquo ou narrativa bem como
caracterizar a forma poeacutetica como celebraccedilatildeo de accedilotildees Em outras palavras aventa-se a possibilidade de que natildeo
eacute senatildeo pelas accedilotildees as praacutexeis anteriormente mencionadas que as duas explicaccedilotildees estatildeo aqui postas juntas
uma vez que nesta ocorrecircncia o verbo tenha as accedilotildees por objeto (hyacutedein autagraves) Eacute provaacutevel portanto que o
texto de Proclo as propunha contiguamente e natildeo opostamente jaacute que como mostrado por Severyns (paacuteg 120)
eacute tambeacutem por essa possibilidade que o texto do epiacutetome mencionaraacute outra disposiccedilatildeo para o hino em relaccedilatildeo agraves
outras espeacutecies dentro da classificaccedilatildeo geneacuterica a saber como gecircnero para as demais espeacutecies (infra n 58) 56 hyperoacutentas eacute correccedilatildeo de Severyns proposta a partir das referidas passagens de Oacuterion e do
Et Mag que trazem ldquo hypereacutekhontasrdquo sinocircnimo uma vez que o texto de Foacutecio traz
ldquo hypereacutetasrdquo (servo do deus) o que implicaria um contrassenso uma vez que o hino faz parte da
liacuterica sacra 57 A passagem parece ambiacutegua e aqui se pretendeu manter essa ambiguidade Natildeo eacute possiacutevel estabelecer
apenas pela passagem se tocircn graphocircnton designa aqueles que escrevem sobre hinos referindo-se a como outros
textos e classificaccedilotildees geneacutericas referem-se aos hinos e os nomeiam ou se isso parte daqueles que compuseram
tais hinos e portanto o referente do particiacutepio seriam os poetas A opccedilatildeo por ldquoescrevemrdquo e natildeo ldquocompotildeemrdquo na
traduccedilatildeo visa manter as duas possibilidades de leitura Das duas passagens semelhantes Oacuterion (155 22) e o Et
Magnun (777 2) apenas a primeira emprega o termo referindo-se aos que compotildeem com certeza e eacute por isso
mesmo que essa provavelmente seria a leitura correta Natildeo nos cabe emendar o texto poreacutem 58 Conforme as aludidas passagens de Oacuterion e do Etymologicum Magnum Diacutedimo distinguia entre duas
classificaccedilotildees Uma consideraria o hino particularmente como espeacutecie meacutelica sacra separada das demais
mencionadas no epiacutetome outra tomaria o temo de forma geneacuterica no sentido de que seu significado geral
abarcaria as demais formas sacras como espeacutecies Da exposiccedilatildeo anterior de fato se pode conjecturar que como
um hino eacute um louvor qualquer louvor poderia ser designado ldquohinordquo cantando-se as accedilotildees do ldquohineadordquo
inclusive referindo-se a homens e natildeo deuses A denominaccedilatildeo particular poreacutem a que Diacutedimo se filia
distinguia todas essas formas como espeacutecies pelo criteacuterio do destinataacuterio e por traccedilos circunstanciais
particulares apesar do mesmo testemunhar a generalizaccedilatildeo do termo que relacionava o hino a outras espeacutecies
liacutericas que empreendiam um elogio De acordo com Diacutedimo estaacute Amocircnio Sacoacuteforo (Diff Verb p 139
Valckenaer) quando diz que ldquoυμνος εγκωμιου διαφερει ο μεν γαρ υμνος εστι θεων το δε εγκωμιον ανθρωπωνrdquo (o hino difere do encocircmio o hino eacute proacuteprio dos deuses o encocircmio dos homens) tambeacutem se encontra passagem
similar no Etym Gud (540 42) ldquoο μεν υμνος επι θεου λεγεται το δε εγκωμιον επι ανθρωπουrdquo (o hino se diz a
um deus o encocircmio a um homem) A distinccedilatildeo jaacute ocorria na Repuacuteblica de Platatildeo (X 607a) quando absolvia do
ostracismo os ldquohinos aos deuses e os encocircmios ao virtuososrdquo A diferenciaccedilatildeo entre hino e as demais espeacutecies
sacras se daraacute logo em seguida no texto do epiacutetome quando se aborda a segunda delas no cataacutelogo de Proclo o
prosoacutedio (cf infra n 60) Cf igualmente Severyns paacuteg 119 em que organiza claramente as trecircs interpretaccedilotildees
de hino em relaccedilatildeo agraves demais formas poeacuteticas
Para a confusatildeo entre o hino e as formas encomiaacutesticas cf tambeacutem Harvey (1955) 59 Seria portanto combinando os trecircs termos arrolados na paroniacutemia explicativa da etimologia uma
ldquocanccedilatildeo em procissatildeordquo Aqui o que a etimologia faz eacute tatildeo somente explicar por outras palavras os termos do
composto que nomeia a espeacutecie a preposiccedilatildeo proacutes que daacute a noccedilatildeo de ldquoem direccedilatildeo ardquo que compotildee os verbos de
movimento que permitem designar o caminhar da procissatildeo (pros + ieacutenai) e o verbo ldquocantarrdquo (aiacutedo) donde o
ldquocantordquo ldquoa oderdquo ( oacuteide) 60 Aqui a distinccedilatildeo entre o hino como espeacutecie particular ndash o ldquohino propriamenterdquo ldquo rdquo ndash em
relaccedilatildeo agraves demais que remonta ateacute onde nos eacute possiacutevel saber a Diacutedimo Segundo o Et Magn 690 ldquoπροσωδια
παρα το προσιοντας ναοις η βωμοις προς αυλον αδειν ltαντιgt δια ltστελλεταιgt δε των υμνον οτι τους υμνους
προς κιθαραν εστωτες αδουσιν Ουτω Διδυμος εν τω περι λυρικων ποιητωνrdquo ndash ldquoos prosoacutedios foram assim
118
41 O peatilde [paiacutean ] eacute uma espeacutecie de canto nos nossos dias escrito para todos
os deuses mas em tempo antigo se dedicava propriamente a Apolo e a Aacutertemis sendo
cantado pela democcedilatildeo [katapauacutesei ] de pestes e moleacutestias61 Alguns chamam
peatildes por extensatildeo os prosoacutedios62
42 O ditirambo [dithyacuterambos ]63 eacute composto para Dioniso e denominado
a partir dele ou por Dioniso ter crescido sob o monte Nisa em uma caverna diacutethyros
chamados pois os que se aproximam dos templos ou altares cantam ao acompanhamento de aulo Opotildeem-se aos
hinos pois os cantam parados ao acompanhamento de ciacutetara Assim disse Diacutedimo no Acerca dos Poetas
Liacutericosrdquo
Sobre a forma hestoacuteton ( ) considerando que ocorre similarmente nos textos semelhantes
Severyns observou (124 6 citando o Etm Magnun 690 41) que sendo a espeacutecie executada por um coro pelo
menos em origem dificilmente o termo aqui se emprega ao peacute da letra O termo poderia ter o sentido de
estaacutesimo como na trageacutedia ou seja ldquouma paradardquo em relaccedilatildeo ao movimento geral pela orquestra mas com uma
coreografia o que significaria que o coro faria as evoluccedilotildees tiacutepicas da estrutura estroacutefica junto ao canto e agrave
composiccedilatildeo instrumental por oposiccedilatildeo aos meacutele hyporkheacutemata aqueles que possuiacuteam uma danccedila e aos meacutele
prosoacutedia esses opostos aos dois por ser em procissatildeo Contudo em se tratando de um genitivo absoluto o que
se tentou manter na traduccedilatildeo podemos aventar igualmente uma explicaccedilatildeo mais simples o termo estaacute a
continuar a oposiccedilatildeo entre o ldquohino em sentido proacutepriordquo o hyacuterios hyacutemnos e o prosoacutedio significando que aquele
se iniciava apoacutes este ou seja apoacutes o teacutermino da procissatildeo ldquouma vez que se estivesse paradordquo Note-se que uma
possibilidade natildeo nega a outra e ambas me parecem presentes porque isso inclusive explicaria primeiro os
hyporkheacutemata em particular como espeacutecie (seguindo o raciociacutenio do cataacutelogo) assim como em segundo a
ausecircncia de explicaccedilatildeo para estes no epiacutetome (cf n 77) 61 A etimologia se constitui pela proximidade do nome da canccedilatildeo com o termo ldquocessaccedilatildeo democcedilatildeordquo
( katapapaucircsis) e aqui a classificaccedilatildeo da espeacutecie se faz em prol da etiologia antiga Busca-se um
termo que lhe seja proacuteximo do ponto de vista do significante mas tambeacutem do significado Assim os leacutexicos (Et
Mag 657 2) traratildeo uma derivaccedilatildeo teoacuterica e dentre eles o Et Gudianum (446 50) daraacute como fonte Diacutedimo
Vale nota que o Et Magnum e o escoacutelio a Platatildeo (Banquete 177a) datildeo amostra da preocupaccedilatildeo terminoloacutegica
que perfaz a classificaccedilatildeo do epiacutetome pois embora ambos consoem com Proclo e este segundo empregue
praticamente a mesma formulaccedilatildeo do epiacutetome (ldquo rdquo)
ambos empregam o termo hyacutemnos propondo o peatilde como um tipo de hino evidenciando que o uso de ldquohinordquo
como gecircnero para espeacutecies era corrente na tratadiacutestica
Derivaria de παιω tambeacutem (cf lat pauio pauimentum) ldquobater percutirrdquo (cf Dioniacutesio Traacutecio) mas pela
mesma razatildeo etioloacutegica acima explicada pois Apolo batendo com seu bastatildeo demoveria os males Haveria
tambeacutem a derivaccedilatildeo do nome pela expressatildeo caracteriacutestica que se dizia ao longo do canto ldquo rdquo (cf
Ateneu XV 696d ndash 697b) Em tempos poacutes-homeacutericos o termo foi confundido com Peatildeo deus da medicina (cf
Ferrante paacuteg 43 n41) evidentemente associado a Apolo e jaacute Aacutertemis sua irmatilde era tambeacutem destinataacuteria do
canto como testemunha o epiacutetome Entatildeo o canto seria ou uma suacuteplica pela liberaccedilatildeo como testemunha Homero
no canto I da Iliacuteada (472 ndash 4) ou um agradecimento ao deus por ela Daiacute que como ldquoaccedilatildeo de graccedilardquo ndash termo que
Severyns ndash penso ndash emprega sem erro o peatilde passou a servir de agradecimento a diferentes deuses e por
diferentes accedilotildees A Vida de Soacutefocles (III) conta-nos que o tragedioacutegrafo teria se destacado ainda jovem por
conta de um peatilde em agradecimento pela vitoacuteria em Salamina Parece que natildeo muito mais tarde (embora seja
impossiacutevel precisar se a praacutetica jaacute era corrente mesmo anteriormente) peatildes passaram a se compor para homens
Ateneu (supra) arrola diferentes exemplos de peatildes para mortais dos quais merece destaque o referido por
Plutarco na Vida de Lisandro (18) o general espartano ndash Cf Severyns (127 3) 62 Tanto Severyns (41 7 paacuteg 129) como Ferrante (41 paacuteg 45) a julgar pela diferenciaccedilatildeo inferem que a
confusatildeo se dava porque antes do canto de um peatilde propriamente haveria uma procissatildeo ao templo do deus a
que se agradeceria o que se faria ao som de um prosoacutedio propriamente e este poderia ser designado pelo
criteacuterio apenas da finalidade da ocasiatildeo um peatilde ignorando-se os elementos formais explicitados Ambos autores
tambeacutem datildeo como referecircncia para o estudo e a bibliografia a respeito do peatilde A Fairbanks A study of the greek
paean New York 1900 L Deubner Neue Jahrbuumlrch 1919 p 585 L Delatte in Antiquiteacute classique 7 (1938)
p 23 ndash 29 Sobre o a confusatildeo entre os gecircneros sacros e a impossibilidade de estabelecer o que consistia cada
um Harvey (op cit1955) 63 Segundo alguns o termo eacute de origem liacutedia mas a etimologia eacute incerta Διθυραμβος era uma outra
designaccedilatildeo de Dioniso e mais tarde tornou-se o nome do canto em honra ao deus o que seria embora isso talvez
119
[bifurcada ]64 ou por ter sido encontrado quando se abriram as rhaacutemmata [suturas
] de Zeus65 ou porque nasceu ndash ao que parece ndash duas vezes [diacutes ] a primeira de
Secircmele e a segunda da coxa66
43 Piacutendaro diz que o 67ditirambo foi descoberto em Corinto e Aristoacuteteles fala que o
inaugurador desse canto eacute Aacuterio quem primeiro conduziu um coro em ciacuterculo68
44 Jaacute o nomo [ ] era composto para Apolo que por sua vez tem seu epiacuteteto
derivado dele69 de fato Apolo eacute ldquoNocircmimosrdquo [ ]70 ndash foi chamado ldquoNocircmimosrdquo
porque estando os antigos a dispor o coro e cantar o nomo ao som da lira ou do aulo
Crisocirctemis o cretense vestindo pela primeira vez uma exuberante estola e sacando uma ciacutetara
por imitaccedilatildeo de Apolo cantou sozinho [monos ]71 um nomo Como ele foi aclamado a
maneira do concurso permanece
45 Ao que tudo indica primeiro Terpandro aperfeiccediloou o nomo empregando o metro
heroico Depois natildeo foi com pouco que contribuiu Aacuterio de Metimna ele mesmo sendo poeta e
fosse desconhecido dos antigos um epocircnimo Para diferentes possibilidades etimoloacutegicas associadas a aspectos
do culto de Dioniso a partir do grego e de outras liacutenguas cf Ferrante (42 paacuteg 45 ndash 46) 64 De δις + θυρα cf lat fores (com duas portas) cf Herodiano (II 492 28 Lentz) apud Ferrante (op cit
idem) e Piacutendaro (fr 76 BOWRA) A mesma etimologia ocorre no Et Magnum (274 44) e no Escoacutelio a
Apolocircnio de Rodes (IV 1131 Wendel) 65 O simples segmento focircnico [-ram-] - seria suficiente para se fazer a associaccedilatildeo a outro episoacutedio
conhecido sobre a mitologia em torno de Dioniacuteso a saber sua segunda gestaccedilatildeo na coxa de Zeus gerando a
associaccedilatildeo entre dithyacuterambos e a locuccedilatildeo ldquolugravethi rhammardquo ( ) frase com que Zeus teria consumado o
nascimento definitivo de seu filho cujo significado seria ldquosoltem-se as suturasrdquo Essa etimologia encontra-se
tambeacutem no Et Magn (274 50) e era ao que tudo indica poeacutetica remontando a Piacutendaro (fr 75 BOWRA) 66 O uacuteltimo elemento associado ao numeral dois ldquoduas vezesrdquo ndash [dis] - - eacute uma etimologia meramente
semacircntica e tambeacutem associada a um segmento focircnico A rigor essa etimologia eacute a melhor demonstraccedilatildeo do aqui
se denomina uma etimologia etioloacutegica porque na verdade eacute a somatoacuteria de partes da palavra cada uma
remetendo a outra palavra que por sua vez representa um elemento do mito de nascimento do deus compondo
seu significado geral e a origem de um nome que entre os gregos mesmos era de origem incerta As diferentes
partes dessa etimologia em que cada associaccedilatildeo contribui para a inserccedilatildeo do mito no significado da palavra
aparecem aleacutem do Et Magn (274 44) no Et Gud (146 24 e 43) de modo que neste se observa a mesma
associaccedilatildeo entre ldquoduas viasrdquo e ldquodois nascimentosrdquo ndash cf Severyns 42 8 paacuteg 132 67 Cf Ferrante (43 paacuteg 46) Piacutendaro Ol 13 25 68 Aristoacuteteles Pol VIII 7 1342 b 7 Para Aacuterio c 625 aC cf Heroacutedoto (I 23 ndash 24) 69 A melhor explicaccedilatildeo para tal passagem eacute de Severyns (op cit 44 1 paacuteg 137) buscando brevidade
didaacutetica na exposiccedilatildeo Foacutecio teria pecado no estilo produzindo a ambiguidade da passagem que na sua
literalidade daacute a entender primeiro que Apolo herdou seu epiacuteteto do canto Como Severyns observa a passagem
sequer faria sentido caso se pensasse que Foacutecio a entendeu dessa maneira 70 Severyns (idem 2) e Ferrante (n 44 paacuteg 48) concordam que noacutemimos seria a variaccedilatildeo adotada por
Foacutecio mas para fins etimoloacutegicos Proclo provavelmente empregava a forma noacutemios constante na recorrecircncia
dessa etimologia O epiacuteteto de Apolo poderia tanto ser cognato de ldquoneacutemo pastorearrdquo significando
ldquopastorilrdquo como de ldquonoacutemos leirdquo significando algo como ldquoprovedor de leisrdquo ndash Severyns (44 4 paacuteg 139) 71 Aventa-se aqui a possibilidade de que como em sect65 em que Foacutecio expotildee a etimologia que prefere em
funccedilatildeo do lsquomrsquo de moacutenos Foacutecio esteja explicando seu emprego natildeo em vatildeo e natildeo meramente estiliacutestico de
noacutemimos em vez de noacutemios que devia constar no texto de Proclo Essa hipoacutetese seria consoante agrave confusatildeo que
ocorre no iniacutecio do trecho de modo que aqui Foacutecio estaria nos informando que haveria uma confusatildeo entre o
epiacuteteto do deus e o nome da subespeacutecie nome que sofreria uma sutil modificaccedilatildeo em funccedilatildeo do evento
estabelecedor da praacutetica performaacutetica que passa a caracterizaacute-lo Assim teriacuteamos duas etimologias combinadas
uma claramente epocircnima outra uma variaccedilatildeo etioloacutegica
120
citaredo 46 Friacutenis de Mitilene inovou-o juntou o hexacircmetro ao verso livre e utilizou mais de
sete cordas 47 Posteriormente Timoacuteteo levou-o a seu arranjo atual72
48 O ditirambo eacute movimentado junto agrave danccedila uma manifestaccedilatildeo de entusiasmo em
alto grau elaborado para as paixotildees muito proacuteprias do deus eacute agitado quanto ao ritmo e
emprega de forma mais simples as palavras 49 O nomo pelo contraacuterio por causa do deus
distende-se de forma ordenada e magnificente distende-se no ritmo e emprega as palavras
compostas73
50 Natildeo diferentemente cada um tambeacutem emprega as escalas proacuteprias pois o primeiro
afina-se ao friacutegio e ao hipofriacutegio e o nomo ao sistema liacutedio dos citaredos74
51 Ao que parece o ditirambo foi descoberto a partir da brincadeira das crianccedilas
pelos campos e da animaccedilatildeo entre os eacutebrios O nomo por sua vez parece decorrer do peatilde ndash
este eacute mais comum sendo escrito para a deprecaccedilatildeo de males aquele propriamente para
Apolo ndash por isso natildeo tem o entusiasmo como o ditirambo
52 Laacute enfim bebedeiras e brincadeiras aqui suacuteplicas e muita ordem pois que o
proacuteprio deus na ordenaccedilatildeo e em um arranjo contido daacute voltas no compasso
53 Adoniacutedias se dizem as canccedilotildees que se referem a Adocircnis75
54 Cantava-se o iobaco imerso em frecircmitos nos festivais e sacrifiacutecios a Dioniso76
72 Aqui se forneceria conforme o modelo padratildeo uma histoacuteria do nomo a partir de sua invenccedilatildeo
passando por seus desenvolvimentos Para as conjecturas histoacutericas sobre a evoluccedilatildeo formal do nomo Severyns
op cit II 140 a 150 Ferrante op cit paacuteg 48 traz uma breve exposiccedilatildeo sobre as partes do nomo e da paacuteg 50
a 51 a biografia de cada um dos poetas referidos 73 Empreende-se uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas gerais dessas composiccedilotildees de acordo com o
deus a que se destinava cada uma Agrave paixatildeo proacutepria de Dioniacutesio e do entusiasmo caracteriacutestico de seu culto
acomodar-se-ia um estilo mais baixo empregando palavras simples aqui entendidas no sentido da elocuccedilatildeo
propriamente enquanto por outro lado combinando com o ritmo do nomo que ao inveacutes de se agitar em prol da
danccedila dos entusiasmados buscava prolongar-se pausadamente as palavras seriam mais belas visando ao ornato
da elocuccedilatildeo portanto compostas 74 Igualmente a cada um dos referidos ritmos melhor caberiam diferentes escalas musicais Para
interpretaccedilotildees divergentes da passagem e a possiacutevel discordacircncia em relaccedilatildeo a uma interpretaccedilatildeo peripateacutetica
Cf Severyns paacuteg 160 ndash 163 75 Adocircnis era divindade de origem siacuteria e feniacutecia (Ferrante 53 paacuteg 57) O pouco que se pode saber sobre
essa espeacutecie eacute que talvez fosse um treno ritual em que as mulheres lamentavam imitando Afrodite a morte do
belo jovem O termo que nomeia a canccedilatildeo epocircnima ocorre poucas vezes na liacutengua em Aristoacutefanes (Lisistrata
389) ocorre na forma adoniasmoacutes O Et Mag explica a forma como ldquoo treno por Adocircnisrdquo A peccedila
de Aristoacutefanes ainda ilustra expressotildees que provavelmente eram tiacutepicas desse canto (393 e 396) ldquo rdquo
(ldquoAi Adocircnisrdquo) e ldquo rdquo (ldquobatei no peito lsquoAdonisrsquordquo) Tambeacutem havia um peacute meacutetrico chamado
adocircnio 76 Como em uma das etimologias possiacuteveis para o peatilde o nome eacute composto da interjeiccedilatildeo de juacutebilo ldquoioacuterdquo
mais um dos nomes do deus Baacutekkhos cf Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (450 15) Cf severyns (54 paacuteg 171) em
Atenas representaccedilotildees do seacutequito de Dioniso chamavam-se Ioacutebakkhoi e Iobakkheicirca era o nome de uma festa
puacuteblica em honra do deus A expressatildeo ldquoimerso em muito frecircmitordquo sugere uma celebraccedilatildeo de caraacuteter semelhante
a do ditirambo
121
55 Hiporquema [hypoacuterkhema ]77 chamava-se a canccedilatildeo cantada junto agrave
danccedila [oacuterkhesis ]78 de fato os antigos frequentemente empregavam a preposiccedilatildeo
hypoacute [ ] no lugar de metaacute [ ]79
56 Quanto aos descobridores alguns dizem ter sido os curetas80 outros Pirro [Pyrros
] filho de Aquiles donde tambeacutem dizem piacuterrica [purrikheacute ] uma espeacutecie
de danccedila81
56a [paraacutegrafo pertinente ao encocircmio falta nos manuscritos]82
57 Jaacute o epiniacutecio escrevia-se pelo momento mesmo da vitoacuteria aos primeiros nas
competiccedilotildees83
77 Segundo Ferrante (55 paacuteg 58) seriam composiccedilotildees em versos creacuteticos ou peocircnicos Opotildee-se agraves demais
espeacutecies sacras porque era composta com uma danccedila em especiacutefico e natildeo evoluccedilotildees do coro Seria um canto de
origem cretense originariamente dedicado a Apolo mas depois a Dioniso e Atena ateacute que jaacute na eacutepoca de
Piacutendaro secularizou-se 78 A julgar pelo fato do resumo de Foacutecio mencionar mesmo que sucintamente as consideraccedilotildees do texto
original que explicavam a classificaccedilatildeo dessas espeacutecies sacras eacute de supor que o proacuteprio texto acessado natildeo trazia
muitas outras consideraccedilotildees sobre essa espeacutecie uma vez que um criteacuterio que as definisse como tal jaacute fora
discutido e estava subentendido no restante da exposiccedilatildeo da liacuterica sacra O nome por si soacute eacute autoexplicativo
ainda mais apoacutes a discussatildeo na exposiccedilatildeo do prosoacutedio particularizando o hino 79 Cf Ferrante (55 paacuteg 59) que arrola por exemplo O Escoacutelio a Piacutendaro (Ol VI 73b) e a Homero
(XVIII 492) como testemunhos arcaicos do uso de uma preposiccedilatildeo no lugar da outra O nome da espeacutecie seria
portanto algo como ldquodanccedilanterdquo (ldquocom danccedilardquo) Para as demais etimologias antigas cf Severyns (56 paacuteg 174 ndash
178) 80 Seriam sacerdotes do culto a Rea influentes em Creta Cf Ferrante (56 paacuteg 59) 81 Epiacuteteto de Neoptoacutelemo 82 Cf Harvey (1955) para ponderaccedilotildees sobre o encocircmio em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies principalmente em
relaccedilatildeo aos hinos Segundo a definiccedilatildeo de Heliodoro apud Ferrante (paacuteg 61) ldquoeacute a composiccedilatildeo poeacutetica que
compreende o enaltecimento de homens e cidadesrdquo mas morfoloacutegica e etimologicamente tambeacutem significava
fazer parte de um koacutemos mas em uma solenidade festiva ndash cf Piacutendaro Nemeias 8 50 Portanto poderia se
confundir com o epiniacutecio e em ambiente simposial ao escoacutelio mas se diferenciaria desse por ser coral 83 Fosse literalmente ie com valor temporal ldquono momento da vitoacuteriardquo fosse em sentido causal ldquopor
causa da vitoacuteriardquo
Severyns (57 paacuteg 181) defende que a liccedilatildeo talvez fosse epigrave autograven tograven kairograven porque aiacute ocorreria uma
etimologia que diz ldquoaludidardquo por oposiccedilatildeo ao encocircmio o epiniacutecio era obrigatoriamente no momento da vitoacuteria
em uma competiccedilatildeo atleacutetica supondo a celebraccedilatildeo do homem na proacutepria ocasiatildeo pairando a sugestatildeo de que
esse criteacuterio definiria o epiniacutecio em ldquoparticularrdquo semelhantemente agrave distinccedilatildeo entre hino em ldquoparticularrdquo jaacute
observada em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies sacras Em resumo o epiniacutecio em particular ou propriamente por
oposiccedilatildeo ao encocircmio que tambeacutem eacute um elogio seria apenas o que se cantava na ocasiatildeo performaacutetica especiacutefica
da vitoacuteria do atleta A proposta de Severyns natildeo me parece necessaacuteria para certas composiccedilotildees de fato talvez o
uacutenico criteacuterio realmente distintivo fosse uma ocasiatildeo performaacutetica apenas aludida e pressuposta o que na
praacutetica inevitavelmente se dava com certa flutuaccedilatildeo por um lado um epiniacutecio poderia ser executado mesmo
que posteriormente em um simpoacutesio e nesse caso a ocasiatildeo performaacutetica original seria pressuposta de
qualquer maneira o que o originou fora uma vitoacuteria atleacutetica A ocasiatildeo original por outro lado como se lecirc nos
epiniacutecios pindaacutericos talvez natildeo fosse o proacuteprio local da competiccedilatildeo mas uma cerimocircnia ciacutevica (com um koacutemos)
na paacutetria do atleta Natildeo parece necessaacuterio julgar com tanto rigor a classificaccedilatildeo dos antigos porque natildeo nos eacute
possiacutevel estabelecer quando exatamente se dava a cerimocircnia ciacutevica de celebraccedilatildeo do atleta e ao que tudo indica
havia uma flutuaccedilatildeo A emenda natildeo se faz necessaacuteria a rigor a motivaccedilatildeo do canto em uacuteltima instacircncia seria a
vitoacuteria atleacutetica e sempre se referiria a essa ocasiatildeo ou seja mesmo que por referecircncia estaria sempre
circunscrita a um ldquotempo especiacuteficordquo ndash o mesmo criteacuterio seraacute empregado para distinguir epiceacutedio de treno (sect67)
poreacutem explicitamente O encocircmio talvez natildeo se prendesse a uma motivaccedilatildeo especiacutefica mas natildeo nos resta
hipoacutetese para o que o definiria ldquoem particularrdquo
122
58 O escoacutelio [torto tortuoso skoacutelion ] era uma canccedilatildeo cantada entre os
convivas Por isso agraves vezes tambeacutem a chamam ldquocanccedilatildeo de beberrdquo Eacute despojado na preparaccedilatildeo
e muitiacutessimo simples84
59 ldquoEscoacuteliordquo eacute dito natildeo por antiacutefrase como julgam alguns o que se diz por antiacutefrase
em geral visa ao eufemismo e natildeo se muda o eufecircmico em maldizer85 60 Eacute poreacutem pelo
fato de que estando os sentidos enfim arrebatados e os ouvintes folgados por conta do vinho
bem nesse instante se introduzia o baacuterbito86 nos simpoacutesios e cada um continuando a
festividade combalia-se instavelmente no proferimento do canto Por causa disso que eles
proacuteprios sofriam em funccedilatildeo da bebedeira voltando-o para a canccedilatildeo chamavam-na tatildeo
simplesmente ldquoescoacuteliordquo [canccedilatildeo ldquotortardquo]87
61 As eroacuteticas [eroticaacute ] evidentemente cantam circunstacircncias de amores
[eroticagraves peristaacuteseis ] por mulheres meninos e moccedilas88
62 E as epitalacircmias [epithalaacutemia ]89 cantam-nas aos receacutem-casados
simultaneamente os rapazes e as moccedilas90 em direccedilatildeo [epiacute ] ao quarto nupcial[thaacutelamoi
]
84 Para as demais etimologias antigas e a hipoacutetese de que a etimologia por antiacutefrase fosse de Diacutedimo
Severyns (58 paacuteg 182 ndash 189) A etimologia proposta por Proclo associa o termo diretamente agrave ocasiatildeo e ao que
ocorre nela de modo a determinar o tipo de canto a canccedilatildeo seria tortuosa por causa da bebida seria portanto a
ldquocanccedilatildeo de beberrdquo por excelecircncia porque se cantava bebendo Essa etimologia supotildee que skoacutelion viria por
baritonaccedilatildeo do adjetivo skolioacutes a on (subentendendo-se melos) que significa ldquotortuosordquo e por isso tambeacutem
ldquodifiacutecilrdquo A etimologia opta pelo primeiro significado em vez do segundo ou seja o nome viria do significado
primeiro e literal da palavra 85 A etimologia por antiacutefrase ndash ldquodizer o contraacuteriordquo ndash seria dizer ldquodifiacutecilrdquo a canccedilatildeo porque na verdade eacute
simples e faacutecil uma vez que se daacute em meio agrave bebedeira dificultando a elaboraccedilatildeo Mas a antiacutefrase se daacute por
eufemismo ie para evitar o maldizer e natildeo o contraacuterio o que acabaria ocorrendo se essa hipoacutetese fosse
verdadeira supostamente porque para o autor da Crestomatia chamar difiacutecil o faacutecil natildeo seria eufecircmico mas
depreciativo 86 Lira grande de nove cordas 87 A canccedilatildeo eacute duplamente tortuosa o efeito tortuoso da bebida presente no canto dos eacutebrios se reflete na
consecuccedilatildeo do canto conforme os convivas se sucedem entoando-o desorganizada ou tortuosamente ie sem
uma sequecircncia predeterminada e linear 88 O nome eacute autoexplicativo Aqui provavelmente se agrupavam os poemas de Safo Anacreonte e Alceu
que tambeacutem satildeo dados como poetas de escoacutelios Essa pequena seccedilatildeo da Crestomatia provavelmente eacute a que
tratava das espeacutecies que nos satildeo legadas tendo como ocasiatildeo performaacutetica baacutesica o simpoacutesio 89 Outra etimologia autoexplicativa que se definia pela ocasiatildeo mais especificamente aqui diferencia esta
espeacutecie da seguinte por conta de sua finalidade e da ocasiatildeo pontual em que era cantada Segundo Severyns (62
191 ndash 194) tanto epithalaacutemios como hymeacutenaios poderiam designar as canccedilotildees de mateacuteria nupcial sendo a
primeira arcaica e poeacutetica e a segunda posterior heleniacutestica teoacuterica cunhada pelos gramaacuteticos De fato eacute o que
demonstra com as ocorrecircncias de ambas as designaccedilotildees esta segunda em Ateneu (I 5e) por exemplo
referindo-se (a) ao canto executado no banquete nupcial junto aos pais da noiva ou quando (b) ela era levada
pelo cortejo de amigos junto ao esposo da casa de seus pais agrave casa dele (Homero Il XVIII 491 seq e Hesiacuteodo
Escudo 272 seq) ou quando (Teoacutecrito XVIII 8 etc) o casal (c) se retira ao cocircmodo nupcial guardado por uma
espeacutecie de porteiro ou guardiatildeo o thyroroacutes jaacute aquela primeira classificando as mesmas coisas em
textos de base gramatical como Amocircnio Sacoacuteforo (junto de diversos sinocircnimos como gameacutelios e
variantes) ou o Escoacutelio a Teoacutecrito (XVIII) etc referindo-se ao terceiro significado (c) de himeneu ou cobrindo
todos seus significados como sinocircnimo direto de hymeacutenaios (Et Magn 776 46) ou designando uma
composiccedilatildeo natildeo liacuterica mas com o mesmo valor da primeira noccedilatildeo (a) de himeneu agraves vezes em diacutestico elegiacuteaco
123
63 Diz que o himeneu cantava-se nos casamentos em conformidade ao sofrimento e agrave
procura por Himeneu filho de Terpsiacutecore91 o qual dizem ter se tornado invisiacutevel apoacutes casar-
se
64 Outros em honra de Himeneu de Atenas pois ele ndash diz ndashapoacutes perseguir resgatou
de bandidos moccedilas atenienses92
65 Eu penso que era uma exultaccedilatildeo prenunciando uma vida afortunada e que
rezavam junto aos cocircnjuges pela comunhatildeo de um matrimocircnio com ternura entretecendo a
prece com dialeto eoacutelio de modo a sempre hymenaiacuteein [coabitarem ] e
homonoeicircn [concordarem ] os que vatildeo morar sob o mesmo teto93
66 O silo94 conteacutem a ralhaccedilatildeo e o menoscabo de homens comedidamente95
(Luciano Banquete 29 40 etc) ou referindo-se a uma composiccedilatildeo em prosa ie um discurso equivalente ao
primeiro tipo (a) de himeneu
Parece acertada a conclusatildeo do autor de que como se observa para outras espeacutecies da liacuterica secular em
que se cunha posteriormente uma nomenclatura a fim de diferenciaacute-la de outras formas poeacuteticas congecircneres
designadas a princiacutepio por um mesmo nome geral ldquohimeneurdquo como designaccedilatildeo mais antiga seria o nome para
qualquer ode nupcial qualquer canto referente aacutes nuacutepcias entoado mesmo que em meio ao simpoacutesio enquanto o
termo ldquoepitalacircmiordquo passaria a designar em uma tentativa mais teacutecnica de classificaccedilatildeo (gramatical) uma
circunstacircncia especiacutefica em que se realizava um canto liacuterico nupcial a ida ao leito ou taacutelamo 90 Conforme demonstra Severyns (62 4 paacuteg 193) parece que a princiacutepio esse coro se compunha apenas
de moccedilas mas Proclo deve atestar a praacutetica posterior de incluir tambeacutem rapazes Piacutendaro (Piacuteticas III 18) e
Teoacutecrito (XVIII 2 e 22) a testariam o primeiro caso Eacutesquilo (fr 43 Nauck) o segundo Sobre o uso de
discursos nas mesmas ocasiotildees Dioniacutesio de Halicarnasso (Ret IV I 266 22) emprega a mesma distinccedilatildeo de
espeacutecies levando Severyns agrave pertinente observaccedilatildeo de que ela fosse alexandrina 91 Confere para as divergecircncias em relaccedilatildeo agrave matildee do jovem Himeneu Severyns (63 3 126 ndash 197) 92 Ambas as etimologias propostas por Proclo para o nome da espeacutecie compotildeem epocircnimos etioloacutegicos
para os quais a interpretaccedilatildeo de Severyns (63 5 198) parece acertada Para a primeira Proclo estaria
interpretando pela referecircncia miacutetica a expressatildeo formular desse tipo de canto ldquo Hymegraven ocirc
Hymeacutenaierdquo focando-se no segundo termo como mito etioloacutegico do canto associado pelo que se subentende agrave
perda do hiacutemem (Cf Severyns 65 2 paacuteg 200 para outras etimologias linguiacutesticas dos antigos) A segunda
etiologia eacute associada a outra personagem e segundo o autor seria de base heleniacutestica teoricamente em funccedilatildeo
do quanto subentende de referecircncias e contecircm de amplificaccedilatildeo episoacutedica em relaccedilatildeo a outras fontes (cf 64 paacuteg
198 ndash 200) Supotildee a praacutetica do casamento natildeo concedido por parte de piratas e raptores um casamento ilegal
para a poacutelis portanto Como o referido heroacutei aacutetico teria impedido tal praacutetica iniciara-se a pratica de celebraacute-lo
junto ao casamento consentido e legal 93 Nessa curiosa passagem Foacutecio daacute sua opiniatildeo teria considerado as etimologias de Proclo por demais
pagatildes Natildeo se pode dizecirc-lo mas talvez tenha considerado muito obtusas as ilaccedilotildees feitas uma vez que pelas
constantes expressotildees ldquouns outrosrdquo ao longo do resumo natildeo haacute por que duvidar de que nos forneccedila por
completo as etimologias com que Proclo operava 94 Palavra que significa ldquomordazrdquo ldquosarcaacutesticordquo mas que tambeacutem seria ldquovesgordquo Para as etimologias que
natildeo constam no epiacutetome porque provavelmente jaacute assume o nome do canto pelo teor satiacuterico como se vecirc na
definiccedilatildeo cf Ferrante (paacuteg 72) 95 Teriam sido compostos por Timatildeo de Flio filoacutesofo ceacutetico do periacuteodo heleniacutestico e eram basicamente
hexacircmetros paroacutedicos ridicularizando de maneira branda outros filoacutesofos Pelo mesmo nome se designavam os
escritos de Xenoacutefanes de Colofatildeo anterior a Timatildeo em aproximadamente um seacuteculo Por extensatildeo hexacircmetros
que parodiassem Homero tambeacutem deviam ser considerados siacutelos (Ferrante paacuteg 72) Segundo Dioacutegenes Laeacutercio
(IX 109 apud Ferrante) agrave eacutepoca de Tibeacuterio o gramaacutetico Apolocircnide de Niceacuteia teria composto uma ldquoMemoacuteria
dos Silosrdquo em cujo livro primeiro se contava a vida de Timatildeo e se estudava sua poesia Autores modernos
(Smyth apud Severyns paacuteg 68) questionam a classificaccedilatildeo do silo como poesia liacuterica e coral por ser
hexameacutetrico Ferrante (idem) a partir de Heliodoro (451 23 apud Severyns) aventa a possibilidade de se
considerar o silo uma subespeacutecie do iambo pelo emprego de loidoriacutean em sua definiccedilatildeo mas parece ignorar
tambeacutem o metro bem como o fato de Proclo usou a palavra na definiccedilatildeo do iambo provaacutevel razatildeo pela qual natildeo
124
67 O treno difere do epiceacutedio [epikeacutedion] porque o epiceacutedio se diz a partir do proacuteprio
kecircdos [luto funeral ] com o corpo ainda jazendo exposto enquanto o treno natildeo se
circunscreve a um periacuteodo de tempo96
68 As chamadas partecircnias [partheacutenia ] eram escritas para coros de moccedilas
[partheniai ]
69 A elas as dafnefoacutericas [ldquoporta-lourosrdquo daphneforicaacute ] pertencem
como a um gecircnero97 a cada nove anos na Beoacutecia os sacerdotes portando [komiacutezontes
] louros [daacutephnai ] aos templos de Apolo louvavam-no com um coro de
moccedilas98
70 Sua origem os muitos eoacutelios que habitavam Arne e as terras da regiatildeo de laacute
migrando de acordo com um oraacuteculo e que sitiando deram iniacutecio ao saque de Tebas antes
ocupada pelos pelasgos99
71 Em advindo um festival de Apolo comum a ambos estabeleceram armistiacutecio e
enquanto uns agrave margem do Heacutelicon cortavam louros outros agrave margem do rio Melas os
ofertavam a Apolo
72 Entatildeo Polematas comandante dos beoacutecios sonhou que via um jovem entregar-lhe
a armadura e ordenar-lhe fazer votos de a cada nove anos levar louros a Apolo
73 Depois de trecircs dias investindo sobrepujou os inimigos e ele proacuteprio entatildeo
executaria uma dafnefoacuteria [dafneforiacutea ] A partir daiacute se preserva o costume
74 A dafnefoacuteria cingem um galho de oliveira com louros e flores coloridas na ponta
se acopla uma esfera de bronze e dela pendem menores No meio do galho dispondo em
ciacuterculo dependuram uma menor que a da ponta e guirlandas roxas A parte final do galho
envolvem com um manto cor de accedilafratildeo
a empregaria aqui Para a associaccedilatildeo excessiva de Proclo com Diacutedimo neste passo e outros autores anteriores a
Proclo que classificam o silo entre as espeacutecies liacutericas cf Severyns (paacuteg 205) 96 Para as partes do sepultamente entre os gregos e o kecircdos como funeral cf Severyns (67 2 paacuteg 207)
Essas duas formas de canccedilatildeo fuacutenebre se distinguiriam por um momento especiacutefico da ocasiatildeo Esse criteacuterio jaacute se
aplicou em relaccedilatildeo ao epiniacutecio e ao epitlacircmio (supra notas 167 e 173) Para a associaccedilatildeo e a distinccedilatildeo dessas
espeacutecies liacutericas em relaccedilatildeo agrave elegia e o emprego do metro aleacutem de Ferrante (paacuteg 73) e Severyns (paacuteg 208 ndash
210) cf Harvey (1955) 97 Conforme visto porque a noccedilatildeo de que hino e encocircmio aleacutem de espeacutecies em particular poderiam
tambeacutem ser propostos no proacuteprio texto de Proclo como gecircneros para espeacutecies eacute mais plausiacutevel que essa
explicitaccedilatildeo seja do proacuteprio texto que se resumiu e natildeo do resumidor e talvez para esse terceiro grupo da liacuterica
que compreende homens e deuses juntos o criteacuterio fosse assumido senatildeo endossado por Proclo e natildeo apenas
contraposto a um criteacuterio que tambeacutem considera todas as espeacutecies em particular 98 Aqui o texto torna-se etioloacutegico mal ocorrendo etimologias uma vez que os nomes satildeo
autoexplicativos e o que se faz nada mais eacute do que explicitar sua composiccedilatildeo O criteacuterio eacute explicito seguir-se-atildeo
as espeacutecies de partecircnios que satildeo definidas pela festa em que ocorrem O que resta entatildeo eacute contar a origem de
cada uma dessas ocasiotildees puacuteblicas 99 Para todas as referecircncias histoacutericas a respeito da etiologia e da festividade cf Severyns (70 ndash 78 paacuteg
214 ndash 232)
125
75 Pretendem que a esfera mais ao alto signifique o sol (com que remetem a Apolo) a
subposta a lua as demais suspensas os planetas e estrelas as guirlandas o curso anual ndash de
fato contavam 365
76 Um menino cujos pais ainda satildeo vivos vem no iniacutecio da dafnefoacuteria e o seu parente
mais proacuteximo carrega o galho cingido o qual chamam koacutepo [koacutepo ] 77 Seguindo o
proacuteprio dafneacuteforo [daphnefoacuteros ] vem segurando o louro soltos os cabelos
porta uma coroa de ouro traja um longo manto brilhante e veacuteu aos peacutes100 Acompanha-o de
perto um coro de moccedilas empunhando ramos de suacuteplica hineando
78 Enviavam a dafnefoacuteria aos templos de Apolo Ismecircnio e Calaacutezio
79 A canccedilatildeo tripodefoacuterica [levada por um triacutepodo] cantava-se entre os beoacutecios um
triacutepodo tomando a frente101
80 Foi esta sua origem um grupo de pelasgos tentava saquear a cidade de Panacto da
Beoacutecia Os tebanos a defendiam e enviando uma comitiva a Dodona consultaram o oraacuteculo
sobre a vitoacuteria no conflito
81 O oraacuteculo designou aos tebanos que se cometessem o maior sacrileacutegio venceriam
82 Pareceu-lhes entatildeo que a maior das impiedades era imolar aquela que lhes dera o
oraacuteculo e imolaram-na
83 As sacristatildes em torno do santuaacuterio moveram accedilatildeo contra os tebanos pelo
assassinato
84 Os tebanos no entanto natildeo concederam que apenas mulheres julgassem o meacuterito
Havendo um julgamento comum entre homens e mulheres como os homens lhes deram voto
branco os tebanos foram absolvidos
85 Soacute mais tarde depois que entenderam o que lhes fora ordenado pelo oraacuteculo
elevaram uma das triacutepodas sacras da regiatildeo da Beoacutecia e cobrindo-na como o fazem os
profanadores de templos envairam-na ao alto de Dodona
86 Como daiacute em diante prosperaram passaram a fazer desse ato um festival
87 As canccedilotildees oscofoacutericas [porta-oacutesche] cantavam-se entre os atenienses102
88 Dois jovens do coro trajados como mulheres lideram o festejo portando um ramo
de vinha cheio de uvas vicejantes ndash chamam-no oacuteskhe [ ] donde o epocircnimo das canccedilotildees
100 Epicratidas eacute um termo plural que significa ldquopanos de testardquo ie ldquolenccedilo de testardquo ldquoveacuteurdquo Embora se
pudesse apenas decalcar a palavra para o portuguecircs a passagem ficaria obscura Ao que tudo indica era somente
um tecido que o dafneacuteforo usava sobre os peacutes talvez como extensatildeo do manto 101 Idem 79 ndash 86 paacuteg 232 ndash 242 102 Ibidem 87 ndash 92 paacuteg 243 ndash 254
126
89 Dizem ter sido Teseu quem primeiramente deu iniacutecio ao rito depois que aceitando
voluntariamente a viagem a Creta livrou sua paacutetria do infortuacutenio do tributo ao prestar graccedilas
a Atena e Dioniso que se manifestaram a ele na ilha de Dia fez isso empregando dois jovens
efeminados como assistentes na cerimocircnia
90 O cortejo dos atenienses dava-se do altar de Dioniso ateacute o santuaacuterio de Atena
Esquira
91 Um coro seguia os jovens e cantava as canccedilotildees
92 Efebos de cada uma das tribos competiam uns com os outros numa corrida a peacute e
o primeiro deles saboreava de uma pipa dita ldquoquiacutentuplardquo que se preparava com oliva vinho
mel queijo e grumos de cevada
93 As canccedilotildees votivas eram escritas pelos que pediam que alguma coisa lhes adviesse
de um deus103
94 Pragmaacuteticas [pragmaticaacute ] eram as canccedilotildees que compreendiam as
accedilotildees praticadas [praacutexeis ] por algueacutem104
95 As empoacutericas [comerciais ] foram escritas sobre o quanto se mostrava a
algueacutem no decurso de suas viagens e mercancias [empoacuteriai ]105
96 As apostoacutelicas106 o quanto faziam aqueles enviados a algueacutem como emissaacuterios
97 Eacute evidente que as sentenciosas107 contecircm o enaltecimento dos caracteres
103 Euktikoacutes eacute o deverbal de euacutekhomai ndash rezar Tanto Severyns como Ferrante
concordam que eacute pelo elemento humano aleacutem do divino que tais cantos vecircm aqui como uacuteltima espeacutecie do
terceiro grupo Em Menandro o termo serve para classificar os hinos Menandro (Rhet Gr X p 134 Walz)
divide os hinos pela intenccedilatildeo kleacutetikoi (invocatoacuterios) apopemptikoiacute (de adeus para a viagem do deus) physikoiacute
(naturais sobre as manifestaccedilotildees do deus na natureza) apeuktikoiacute (deprecatoacuterios) euktikoiacute (votivos) Eacute provaacutevel
que senatildeo concorrentes sejam duas classificaccedilotildees pelo menos com intenccedilotildees diferentes Menandro subdivide as
intenccedilotildees de quem canta o hino em relaccedilatildeo ao hineado O mesmo criteacuterio define a uacuteltima canccedilatildeo da liacuterica mista
em Proclo ie sua funccedilatildeo por outro lado o criteacuterio que Proclo emprega para tratar dos hinos os distingue como
Severyns observou em particular ie pelo destinataacuterio mesmo nos casos em que poderiam se confundir com
esses cantos ecircuktikos pela intenccedilatildeo como seria o caso por exemplo do peatilde que passou a ser cantado para se
pedir ou agradecer por diferentes coisas Soacute o que se pode dizer eacute que talvez ambas as definiccedilotildees ainda que
diferentes tratassem de um mesmo objeto em comum mas lhe conferindo lugares diferentes na classificaccedilatildeo
geral segundo seus criteacuterios Sobre isso e a categorizaccedilatildeo de Menandro confere Harvey (1955) 104 Sobre essas espeacutecies em geral cf Severyns (94 paacuteg 255 ndash 257) Vale-nos sua observaccedilatildeo de que
conforme hinos desempenhavam um papel generalizante para a liacuterica sacra encocircmio para a liacuterica secular
partecircnio para a liacuterica mista as pragmaacuteticas deveriam fazecirc-lo em relaccedilatildeo ao quarto grupo o das circunstacircncias
acidentais 105 Severyms (95 257) cogita aqui os poemas de Riano (Eliacuteaca Tessaacutelica Messeniacuteaca) poeta e gramaacutetico
do periacuteodo heleniacutestico bem como a Bitiniacuteaca de Demoacutestenes da Bitiacutenia mas crecirc que Proclo natildeo tinha tais
poemas em mente por serem essencialmente hexammeacutetricos 106 Do verbo aposteacutello ldquoenviarrdquo Tanto Severyns (paacuteg 257) como Ferrante (paacuteg 95)
mencionam Heliodoro (paacuteg 450 11) ldquoἈποστολικὸν μέλος ἐστὶ τὸ πεμπόμενον πρός τινα περιέχον ltπαραι-
νέσειςgt ἢ αἴτησιν παρ αὐτοῦ δωρεᾶςrdquo ndash ldquoA canccedilatildeo apostoacutelica eacute a que se envia a algueacutem contendo
recomendaccedilotildees ou pedidos de donsrdquo e concordam que natildeo seria a isso que pelo menos no entendimento do
resumo de Foacutecio Proclo se referiria Parece que ou Foacutecio teria se equivocado na ordem dos termos mais uma vez
(como pode ter ocorrido em sect44) ou o que Heliodoro chamaria apostoacutelica o que se assemelhe talvez com o que
Proclo chama canccedilatildeo epistaacuteltica (sect99)
127
98 As geoacutergicas o que se refere aos campos estaccedilotildees e cuidados das plantas108
99 As epistolares o quanto se refere agraves designaccedilotildees que compunham em verso e
enviavam a algueacutem109
100 Aqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de Proclo
107 Gnomologikaacute ndash Confere Heliodoro (450 13) para definiccedilatildeo semelhante108 Embora como notado por Severyns Ferrante e outros esse item pareccedila associado ao anterior ie
poesia de caraacuteter gnocircmico mesmo os Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo que conteriam os dois itens poderiam como
composiccedilatildeo didaacutetica hexameacutetrica ser arrolados aqui 109 Diferentes das apostoacutelicas porque essas sim como cartas eram enviadas designando coisas Tanto
Severyns como Ferrante assumem que natildeo se pode saber com precisatildeo o que eram
128
2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO
EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO
21 VIDA DE HOMERO
Πρόκλου περὶ Ὁμήρου
Ἐπῶν ποιηταὶ γεγόνασι πολλοί τούτων δ εἰσὶ κρά-
τιστοι Ὅμηρος Ἡσίοδος Πείσανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος
Ὅμηρος μὲν οὖν τίνων γονέων ἢ ποίας ἐγένετο πα-
τρίδος οὐ ῥᾴδιον ἀποφήνασθαι οὔτε γὰρ αὐτός τι λελάληκεν 5
ἀλλ οὐδὲ οἱ περὶ αὐτοῦ εἰπόντες συμπεφωνήκασιν ἀλλ ἐκ
τοῦ μηδὲν ῥητῶς ἐμφαίνειν περὶ τούτων τὴν ποίησιν αὐτοῦ
μετὰ πολλῆς ἀδείας ἕκαστος οἷς ἐβούλετο ἐχαρίσατο
καὶ διὰ τοῦτο οἱ μὲν Κολοφώνιον αὐτὸν ἀνηγόρευσαν
οἱ δὲ Χῖον οἱ δὲ Σμυρναῖον οἱ δὲ Ἰήτην ἄλλοι δὲ Κυμαῖον 10
καὶ καθόλου πᾶσα πόλις ἀντιποιεῖται τἀνδρός ὅθεν εἰκότως
ἂν κοσμοπολίτης λέγοιτο
οἱ μὲν οὖν Σμυρναῖον αὐτὸν ἀποφαινόμενοι Μαίονος
μὲν πατρὸς λέγουσιν εἶναι γεννηθῆναι δὲ ἐπὶ Μέλητος
τοῦ ποταμοῦ ὅθεν καὶ Μελησιγενῆ ὀνομασθῆναι δοθέντα 15
δὲ Χίοις εἰς ὁμηρείαν Ὅμηρον κληθῆναι οἱ δὲ ἀπὸ τῆς
τῶν ὀμμάτων πηρώσεως τούτου τυχεῖν αὐτόν φασι τοῦ ὀνό-
ματος τοὺς γὰρ τυφλοὺς ὑπὸ Αἰολέων ὁμήρους καλεῖσθαι
Ἑλλάνικος δὲ καὶ Δαμάστης καὶ Φερεκύδης εἰς Ὀρφέα
τὸ γένος ἀνάγουσιν αὐτοῦ Μαίονα γάρ φασι τὸν Ὁμήρου 20
πατέρα καὶ Δῖον τὸν Ἡσιόδου γενέσθαι Ἀπέλλιδος τοῦ Μελα-
νώπου τοῦ Ἐπιφράδεος τοῦ Χαριφήμου τοῦ Φιλοτέρπεος τοῦ
Ἰδμονίδεω τοῦ Εὐκλέος τοῦ Δωρίωνος τοῦ Ὀρφέος
Γοργίας δὲ ὁ Λεοντῖνος εἰς Μουσαῖον αὐτὸν ἀνάγει
περὶ δὲ τῆς τελευτῆς αὐτοῦ λόγος τις φέρεται τοι- 25
129
οῦτος ἀνελεῖν φασιν αὐτῷ τὸν θεὸν χρωμένῳ περὶ ἀσφα-
λείας τάδε
ἔστιν Ἴος νῆσος μητρὸς πατρίς ἥ σε θανόντα
δέξεται ἀλλὰ νέων ἀνδρῶν αἴνιγμα φύλαξαι
λέγουσιν οὖν αὐτὸν εἰς Ἴον πλεύσαντα διατρῖψαι μὲν 30
παρὰ Κρεωφύλῳ γράψαντα δὲ Οἰχαλίας ἅλωσιν τούτῳ χαρί-
σασθαι ἥτις νῦν ὡς Κρεωφύλου περιφέρεται καθεζόμενον
δὲ ἐπί τινος ἀκτῆς θεασάμενον ἁλιεῖς προσειπεῖν αὐτοὺς
καὶ ἀνακρῖναι τοῖσδε τοῖς ἔπεσιν
ἄνδρες ἀπ Ἀρκαδίης θηρήτορες ἦ ῥ ἔχομέν τι 35
ὑποτυχόντα δὲ αὐτῶν ἕνα εἰπεῖν
οὓς ἕλομεν λιπόμεσθ οὓς δ οὐχ ἕλομεν φερόμεσθα
οὐκ ἐπιβάλλοντος δὲ αὐτοῦ διελέσθαι τὸ αἴνιγμα ὅτι ἐπὶ
ἰχθυΐαν καταβάντες ἀφήμαρτον φθειρισάμενοι δὲ ὅσους μὲν
ἔλαβον τῶν φθειρῶν ἀποκτείναντες ἀπολείπουσιν ὅσοι δὲ 40
αὐτοὺς διέφυγον τούτους ἀποκομίζουσιν οὕτω δ ἐκεῖνον
ἀθυμήσαντα σύννουν ἀπιέναι τοῦ χρησμοῦ ἔννοιαν λαμβά-
νοντα καὶ οὕτως ὀλισθόντα περιπταῖσαι λίθῳ καὶ τριταῖον
τελευτῆσαι
ἀλλὰ δὴ ταῦτα μὲν πολλῆς ἔχεται ζητήσεως ἵνα δὲ μηδὲ 45
τούτων ἄπειρος ὑπάρχῃς διὰ τοῦτο εἰς ταῦτα κεχώρηκα
τυφλὸν δὲ ὅσοι τοῦτον ἀπεφήναντο αὐτοί μοι δοκοῦσι
τὴν διάνοιαν πεπηρῶσθαι τοσαῦτα γὰρ κατεῖδεν ὅσα οὐδεὶς
ἄνθρωπος πώποτε
εἰσὶ δὲ οἵτινες ἀνεψιὸν αὐτὸν Ἡσιόδου παρέδοσαν 50
ἀτριβεῖς ὄντες ποιήσεως τοσοῦτον γὰρ ἀπέχουσι τοῦ γένει
προσήκειν ὅσον ἡ ποίησις διέστηκεν αὐτῶν ἄλλως δὲ οὐδὲ
τοῖς χρόνοις συνεπέβαλον ἀλλήλοις
ἄθλιοι δὲ οἱ τὸ ἀνάθημα πλάσαντες τοῦτο
Ἡσίοδος Μούσαις Ἑλικωνίσι τόνδ ἀνέθηκεν 55
ὕμνῳ νικήσας ἐν Χαλκίδι θεῖον Ὅμηρον
ἀλλὰ γὰρ ἐπλανήθησαν ἐκ τῶν Ἡσιοδείων Ἡμερῶν ἕτερον
γάρ τι σημαίνει
τοῖς δὲ χρόνοις αὐτὸν οἱ μὲν περὶ τὸν Ἀρίσταρχόν
130
φασι γενέσθαι κατὰ τὴν τῆς Ἰωνίας ἀποικίαν ἥτις ὑστερεῖ 60
τῆς Ἡρακλειδῶν καθόδου ἔτεσιν ἑξήκοντα τὸ δὲ περὶ τοὺς
Ἡρακλείδας λείπεται τῶν Τρωϊκῶν ἔτεσιν ὀγδοήκοντα οἱ δὲ
περὶ Κράτητα ἀνάγουσιν αὐτὸν εἰς τοὺς Τρωϊκοὺς χρόνους
φαίνεται δὲ γηραιὸς ἐκλελοιπὼς τὸν βίον ἡ γὰρ ἀν-
υπέρβλητος ἀκρίβεια τῶν πραγμάτων προβεβηκυῖαν ἡλικίαν 65
παρίστησι
πολλὰ δὲ ἐπεληλυθὼς μέρη τῆς οἰκουμένης ἐκ τῆς
πολυπειρίας τῶν τόπων εὑρίσκεται τούτῳ δὲ προσυπονοη-
τέον καὶ πλούτου πολλὴν περιουσίαν γενέσθαι αἱ γὰρ μακραὶ
ἀποδημίαι πολλῶν δέονται ἀναλωμάτων καὶ ταῦτα κατ ἐκεί- 70
νους τοὺς χρόνους οὔτε πάντων πλεομένων ἀκινδύνως οὔτε
ἐπιμισγομένων ἀλλήλοις πως τῶν ἀνθρώπων ῥᾳδίως
γέγραφε δὲ ποιήσεις δύο Ἰλιάδα καὶ Ὀδύσσειαν
ἣν Ξένων καὶ Ἑλλάνικος ἀφαιροῦνται αὐτοῦ οἱ μέντοι γε ἀρ-
χαῖοι καὶ τὸν Κύκλον ἀναφέρουσιν εἰς αὐτόν προστιθέασι δὲ 75
αὐτῷ καὶ παίγνιά τινα Μαργίτην Βατραχομαχίαν ἢ Μυο-
μαχίαν Ἕπτ ἐπ ἀκτίον Αἶγα Κέρκωπας Κενούς
De Proclo sobre Homero
Muitos satildeo os poetas eacutepicos Os mais egreacutegios deles satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro
Paniacuteasis e Antiacutemaco
Sobre Homero quais seus pais e de que paacutetria era originaacuterio eacute difiacutecil afirmar
claramente ele proacuteprio natildeo fala coisa alguma e nem se acham de acordo os que falaram sobre
ele pelo fato contudo de sua poesia natildeo trazer expressamente nenhuma indicaccedilatildeo a respeito
cada um contenta-se com o que deseja sem nenhuma restriccedilatildeo
Por causa disso uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de
Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral reclama o homem pelo
que razoavelmente pode ser dito cosmopolita
Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era Meatildeo e que foi concebido
perto do Rio Meles motivo pelo qual tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado
Homero [Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea [refeacutem ]
131
aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo esse nome por causa da deficiecircncia dos
olhos Os cegos de fato eram chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios
Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu Dizem que Meatildeo pai de
Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades
filho de Carifemo filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de Doriatildeo
filho de Orfeu
Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas
Sobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua
proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta resposta
ldquoHaacute uma ilha Io paacutetria de tua matildee que morto
receber-te-aacute Cuidado com enigma de homens jovensrdquo
Dizem entatildeo que tendo velejado para Io passava um tempo na companhia de
Creoacutefilo quando escreveu e dedicou-lhe a Tomada de Ecaacutelia (que hoje circula como de
Creoacutefilo) Sentando-se agrave praia apoacutes observar alguns pescadores dirigiu-lhes a palavra e
interrogou com estas palavras
ldquoDa Arcaacutedia caccediladores varotildees o que temosrdquo
Um deles replicou-lhe dizendo
ldquoOs que pegamos deixamos pra traacutes os que natildeo pegamos trazemos conoscordquo
Natildeo conseguindo solver o enigma ndash como natildeo foram bem sucedidos indo pescar
puseram-se a caccedilar piolhos matando quantos pegavam mas quantos lhes fugiam traziam-nos
de volta ndash aquele ficou desgostoso e foi embora meditabundo entendendo o oraacuteculo e assim
escorregou tombou contra uma pedra e no terceiro dia faleceu
Esses eventos contudo carecem de investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo
ignorante neles avanccedilo nesse sentido
Os que o afirmam cego parecem-me eles mesmos incapacitados do juiacutezo coisas viu
tantas quantas ningueacutem jamais o fez
132
Existem aqueles que o datildeo como primo de Hesiacuteodo natildeo versados em poesia estatildeo tatildeo
distantes na relaccedilatildeo de parentesco quanto eacute diferente sua poesia No mais nem coincidem um
com outro cronologicamente
Haacute os miseraacuteveis que forjaram esta inscriccedilatildeo votiva
ldquoHesiacuteodo agraves Musas Heliconiacutedas consagra isto
por ter vencido com um hino em Caacutelcis o divino Homerordquo
equivocaram-se contudo nos ldquoDiasrdquo de Hesiacuteodo pois isso tem outro significado
Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na eacutepoca da imigraccedilatildeo
jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno dos Heraclidas e o evento em torno dos
Heraclidas estaacute oitenta anos depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o
recuam aos tempos de Troia
Parece que jaacute era bem velho quando deixou a vida sua insuperaacutevel precisatildeo nos fatos
permite estabelecer uma idade jaacute avanccedilada
Crecirc-se que visitou muitas partes do mundo habitado dada sua vasta experiecircncia de
lugares Nisso tambeacutem se deve notar a vasta abundacircncia de sua riqueza pois as grandes
viagens necessitavam de muitos gastos e isso naquele tempo em que nem todas as
navegaccedilotildees se faziam sem perigo nem os homens estabeleciam relaccedilotildees comerciais entre si
com tal facilidade
Escreveu dois poemas Iliacuteada e Odisseia a qual Xenatildeo e Helacircnico lhe negam
entretanto os antigos atribuem-lhe inclusive o Ciclo Imputam-lhe tambeacutem algumas
brincadeiras Margites Guerra dos Sapos ou Guerra dos Ratos Sete na Praia Cabra
Ceacutercopes os Matildeos Vazias
22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO
221 Ciacuteprias
Τοῦ αὐτοῦ περὶ τῶν Κυπρίων λεγομένων ποιημάτων
133
Ἐπιβάλλει τούτοις τὰ λεγόμενα Κύπρια ἐν βιβλίοις 80
φερόμενα ἕνδεκα ὧν περὶ τῆς γραφῆς ὕστερον ἐροῦμεν
ἵνα μὴ τὸν ἑξῆς λόγον νῦν ἐμποδίζωμεν τὰ δὲ περιέχοντά
ἐστι ταῦτα
Ζεὺς βουλεύεται μετὰ τῆς Θέμιδος περὶ τοῦ Τρωϊκοῦ
πολέμου 85
παραγενομένη δὲ Ἔρις εὐωχουμένων τῶν θεῶν ἐν τοῖς
Πηλέως γάμοις νεῖκος περὶ κάλλους ἀνίστησιν Ἀθηνᾷ Ἥρᾳ
καὶ Ἀφροδίτῃ αἳ πρὸς Ἀλέξανδρον ἐν Ἴδῃ κατὰ Διὸς
προσταγὴν ὑφ Ἑρμοῦ πρὸς τὴν κρίσιν ἄγονται καὶ προκρίνει
τὴν Ἀφροδίτην ἐπαρθεὶς τοῖς Ἑλένης γάμοις Ἀλέξανδρος 90
ἔπειτα δὲ Ἀφροδίτης ὑποθεμένης ναυπηγεῖται καὶ
Ἕλενος περὶ τῶν μελλόντων αὐτοῖς προθεσπίζει καὶ ἡ Ἀφρο-
δίτη Αἰνείαν συμπλεῖν αὐτῷ κελεύει καὶ Κασσάνδρα περὶ
τῶν μελλόντων προδηλοῖ
ἐπιβὰς δὲ τῇ Λακεδαιμονίᾳ Ἀλέξανδρος ξενίζεται 95
παρὰ τοῖς Τυνδαρίδαις καὶ μετὰ ταῦτα ἐν τῇ Σπάρτῃ παρὰ
Μενελάῳ καὶ Ἑλένῃ παρὰ τὴν εὐωχίαν δίδωσι δῶρα ὁ Ἀλέξ-
ανδρος καὶ μετὰ ταῦτα Μενέλαος εἰς Κρήτην ἐκπλεῖ κελεύ-
σας τὴν Ἑλένην τοῖς ξένοις τὰ ἐπιτήδεια παρέχειν ἕως ἂν
ἀπαλλαγῶσιν ἐν τούτῳ δὲ Ἀφροδίτη συνάγει τὴν Ἑλένην τῷ 100
Ἀλεξάνδρῳ καὶ μετὰ τὴν μίξιν τὰ πλεῖστα κτήματα ἐνθέ-
μενοι νυκτὸς ἀποπλέουσι
χειμῶνα δὲ αὐτοῖς ἐφίστησιν Ἥρα καὶ προσενεχθεὶς
Σιδῶνι ὁ Ἀλέξανδρος αἱρεῖ τὴν πόλιν καὶ ἀποπλεύσας
εἰς Ἴλιον γάμους τῆς Ἑλένης ἐπετέλεσεν 105
ἐν τούτῳ δὲ Κάστωρ μετὰ Πολυδεύκους τὰς Ἴδα καὶ
Λυγκέως βοῦς ὑφαιρούμενοι ἐφωράθησαν καὶ Κάστωρ μὲν
ὑπὸ τοῦ Ἴδα ἀναιρεῖται Λυγκεὺς δὲ καὶ Ἴδας ὑπὸ Πολυ-
δεύκους καὶ Ζεὺς αὐτοῖς ἑτερήμερον νέμει τὴν ἀθανασίαν
καὶ μετὰ ταῦτα Ἶρις ἀγγέλλει τῷ Μενελάῳ τὰ 110
γεγονότα κατὰ τὸν οἶκον ὁ δὲ παραγενόμενος περὶ τῆς ἐπ
Ἴλιον στρατείας βουλεύεται μετὰ τοῦ ἀδελφοῦ καὶ πρὸς
Νέστορα παραγίνεται Μενέλαος
134
Νέστωρ δὲ ἐν παρεκβάσει διηγεῖται αὐτῷ ὡς Ἐπωπεὺς
φθείρας τὴν Λυκούργου θυγατέρα ἐξεπορθήθη καὶ τὰ περὶ 115
Οἰδίπουν καὶ τὴν Ἡρακλέους μανίαν καὶ τὰ περὶ Θησέα
καὶ Ἀριάδνην
ἔπειτα τοὺς ἡγεμόνας ἀθροίζουσιν ἐπελθόντες τὴν
Ἑλλάδα καὶ μαίνεσθαι προσποιησάμενον Ὀδυσσέα ἐπὶ
τῷ μὴ θέλειν συστρατεύεσθαι ἐφώρασαν Παλαμήδους ὑπο- 120
θεμένου τὸν υἱὸν Τηλέμαχον ἐπὶ κόλασιν ἐξαρπάσαντες
καὶ μετὰ ταῦτα συνελθόντες εἰς Αὐλίδα θύουσι καὶ
τὰ περὶ τὸν δράκοντα καὶ τοὺς στρουθοὺς γενόμενα δείκ-
νυται καὶ Κάλχας περὶ τῶν ἀποβησομένων προλέγει αὐτοῖς
ἔπειτα ἀναχθέντες Τευθρανίᾳ προσίσχουσι καὶ ταύ- 125
την ὡς Ἴλιον ἐπόρθουν Τήλεφος δὲ ἐκβοηθεῖ Θέρσανδρόν
τε τὸν Πολυνείκους κτείνει καὶ αὐτὸς ὑπὸ Ἀχιλλέως τι-
τρώσκεται
ἀποπλέουσι δὲ αὐτοῖς ἐκ τῆς Μυσίας χειμὼν ἐπι-
πίπτει καὶ διασκεδάννυνται Ἀχιλλεὺς δὲ Σκύρῳ προσσχὼν 130
γαμεῖ τὴν Λυκομήδους θυγατέρα Δηϊδάμειαν
ἔπειτα Τήλεφον κατὰ μαντείαν παραγενόμενον εἰς
Ἄργος ἰᾶται Ἀχιλλεὺς ὡς ἡγεμόνα γενησόμενον τοῦ ἐπ
Ἴλιον πλοῦ
καὶ τὸ δεύτερον ἠθροισμένου τοῦ στόλου ἐν Αὐλίδι 135
Ἀγαμέμνων ἐπὶ θηρῶν βαλὼν ἔλαφον ὑπερβάλλειν ἔφησε
καὶ τὴν Ἄρτεμιν μηνίσασα δὲ ἡ θεὸς ἐπέσχεν αὐτοὺς τοῦ
πλοῦ χειμῶνας ἐπιπέμπουσα Κάλχαντος δὲ εἰπόντος τὴν
τῆς θεοῦ μῆνιν καὶ Ἰφιγένειαν κελεύσαντος θύειν τῇ
Ἀρτέμιδι ὡς ἐπὶ γάμον αὐτὴν Ἀχιλλεῖ μεταπεμψάμενοι 140
θύειν ἐπιχειροῦσιν Ἄρτεμις δὲ αὐτὴν ἐξαρπάσασα εἰς
Ταύρους μετακομίζει καὶ ἀθάνατον ποιεῖ ἔλαφον δὲ ἀντὶ
τῆς κόρης παρίστησι τῷ βωμῷ
ἔπειτα καταπλέουσιν εἰς Τένεδον καὶ εὐωχουμένων
αὐτῶν Φιλοκτήτης ὑφ ὕδρου πληγεὶς διὰ τὴν δυσοσμίαν 145
ἐν Λήμνῳ κατελείφθη καὶ Ἀχιλλεὺς ὕστερος κληθεὶς δια-
φέρεται πρὸς Ἀγαμέμνονα
135
ἔπειτα ἀποβαίνοντας αὐτοὺς εἰς Ἴλιον εἴργουσιν
οἱ Τρῶες καὶ θνῄσκει Πρωτεσίλαος ὑφ Ἕκτορος ἔπειτα
Ἀχιλλεὺς αὐτοὺς τρέπεται ἀνελὼν Κύκνον τὸν Ποσειδῶνος 150
καὶ τοὺς νεκροὺς ἀναιροῦνται
καὶ διαπρεσβεύονται πρὸς τοὺς Τρῶας τὴν Ἑλένην
καὶ τὰ κτήματα ἀπαιτοῦντες ὡς δὲ οὐχ ὑπήκουσαν ἐκεῖνοι
ἐνταῦθα δὴ τειχομαχοῦσιν
ἔπειτα τὴν χώραν ἐπεξελθόντες πορθοῦσι καὶ τὰς 155
περιοίκους πόλεις
καὶ μετὰ ταῦτα Ἀχιλλεὺς Ἑλένην ἐπιθυμεῖ θεάσασθαι
καὶ συνήγαγεν αὐτοὺς εἰς τὸ αὐτὸ Ἀφροδίτη καὶ Θέτις
εἶτα ἀπονοστεῖν ὡρμημένους τοὺς Ἀχαιοὺς Ἀχιλ-
λεὺς κατέχει κἄπειτα ἀπελαύνει τὰς Αἰνείου βοῦς καὶ 160
Λυρνησσὸν καὶ Πήδασον πορθεῖ καὶ συχνὰς τῶν περιοικίδων
πόλεων καὶ Τρωΐλον φονεύει
Λυκάονά τε Πάτροκλος εἰς Λῆμνον ἀγαγὼν ἀπεμπολεῖ
καὶ ἐκ τῶν λαφύρων Ἀχιλλεὺς μὲν Βρισηΐδα γέρας
λαμβάνει Χρυσηΐδα δὲ Ἀγαμέμνων 165
ἔπειτά ἐστι Παλαμήδους θάνατος
καὶ Διὸς βουλὴ ὅπως ἐπικουφίσῃ τοὺς Τρῶας Ἀχιλ-
λέα τῆς συμμαχίας τῆς Ἑλλήνων ἀποστήσας
καὶ κατάλογος τῶν τοῖς Τρωσὶ συμμαχησάντων
Do mesmo autor sobre os poemas chamados Ciacuteprias
Sucedem-se a isso as chamadas Ciacuteprias transmitidas em onze livros sobre cujo nome
falaremos depois a fim de natildeo obstar a sequecircncia do discurso Eis o que compreendem
Zeus delibera junto de Tecircmis sobre a guerra de Troia
Estando os deuses a festejar nas bodas de Peleu aparece Eacuteris e suscita uma querela a
respeito da beleza de Atena Hera e Afrodite que satildeo levadas por Hermes agraves ordens de Zeus
para o arbiacutetrio de Alexandre no Ida Alexandre prefere Afrodite excitado pelas bodas com
Helena
136
Em seguida aconselhando-o Afrodite faz para si uma nau e Heleno lhes faz
prediccedilotildees sobre os acontecimentos futuros Afrodite manda Eneias navegar com ele
Cassandra revela o porvir
Depois de chegar a Lacedemocircnia Alexandre eacute hospedado pela casa dos Tindaacuteridas
em seguida em Esparta pela casa de Menelau no decorrer do festim Alexandre presenteia
Helena Depois disso Menelau parte para Creta antes ordenando a Helena que provesse o
necessaacuterio aos estrangeiros ateacute que estivessem liberados Nesse momento Afrodite une Helena
a Alexandre e apoacutes o intercurso tendo embarcado o maior nuacutemero de riquezas zarpam
durante a noite
Hera envia uma tempestade contra eles Aportando em Sidatildeo Alexandre captura a
cidade Enfim consumou suas bodas com Helena apoacutes navegar para Iacutelio
Nesse passo Caacutestor junto de Polideuces satildeo descobertos furtando as vacas de Idas e
Linceu Entatildeo Caacutestor eacute morto por Idas mas Linceu e Idas por Polideuces Zeus lhes despende
a imortalidade em dias intercalados
Depois disso Iacuteris relata a Menelau os eventos em sua casa Apoacutes chegar ele delibera
com o irmatildeo sobre a expediccedilatildeo contra Iacutelio e vai ter com Nestor
Neacutestor num excurso narra-lhe como Epopeu foi destruiacutedo apoacutes violentar a filha de
Licurgo e os eventos envolvendo Eacutedipo a loucura de Heacuteracles e os eventos envolvendo
Teseu e Ariadne
Depois unem os chefes tendo percorrido a Heacutelade Descobriram entatildeo que Odisseu
passara a se fazer de louco por natildeo querer juntar-se agrave expediccedilatildeo depois de por sugestatildeo de
Palamedes raptarem-lhe o filho Telecircmaco como desforra
Depois disso reuacutenem-se em Aacuteulis e fazem um sacrifiacutecio Revela-se o prodiacutegio
envolvendo a serpente e os pardais e Calcas lhes prediz os resultados
Depois satildeo levados pelo alto mar aportam em Teutracircnia e saqueiam-na como se fosse
Iacutelio Teacutelefo empreende uma investida surpresa e mata Tersandro filho de Polinices mas ele
mesmo acaba sendo ferido por Aquiles
Zarpando de Musia uma tempestade se abate sobre eles e se dispersam Aquiles que
aporta em Esquiro esposa a filha de Licomedes Didamia
Entatildeo Aquiles quando Teacutelefo conforme divinaccedilatildeo chega a Argos cura-o para que se
torne o guia da navegaccedilatildeo ateacute Iacutelio
Foi entatildeo na segunda vez em que a expediccedilatildeo estaacute reunida em Aacuteulis que
Agamecircmnon por ter abatido um cervo nas caccediladas disse superar ateacute Aacutertemis Irada a deusa
impede-lhes a navegaccedilatildeo enviando tempestades sobre eles Uma vez que Calcas comunica a
137
ira da deusa e ordena sacrificar a Aacutertemis Ifigecircnia preparam seu sacrifiacutecio como se a
tivessem convocado para um casamento com Aquiles Aacutertemis a arrebata poreacutem transporta-a
a Taacuteuris e a faz imortal e coloca um cervo no altar no lugar da moccedila
Aportam em Tecircnedo Filoctetes picado por uma cobra-drsquoaacutegua enquanto ceavam eacute
abandonado em Lemnos por causa do mau-cheiro e Aquiles o uacuteltimo a ser chamado entra
em divergecircncia com Agamecircmnon
Em seguida os troianos encurralam-nos quando estatildeo desembarcando em Iacutelio e
Protesilau perece sob Heacutector Depois Aquiles rechaccedila-os matando Ciacutecnon filho de Poseidatildeo
Entatildeo recolhem os corpos
Mandam uma embaixada aos troianos reclamando Helena e as riquezas Nesse ponto
porque estes natildeo anuem datildeo iniacutecio ao cerco
Investem e saqueiam a regiatildeo e as cidades nas dependecircncias
Depois dessas accedilotildees Aquiles deseja contemplar Helena Para tal Afrodite e Teacutetis
conduzem-nos a um encontro
Nisso Aquiles conteacutem os aqueus que jaacute se prontificavam a navegar de volta Logo
depois leva embora as vacas de Eneias saqueia Lirnesso Peacutedaso e um bom nuacutemero de
cidades vizinhas tambeacutem abate Troilo
Paacutetroclo leva Licaacuteon a Lemnos e o negocia como escravo
Dos espoacutelios Aquiles toma Briseida como precircmio Agamecircmnon Criseida
Em seguida vem a morte de Palamedes
A deliberaccedilatildeo de Zeus com o intuito de inflamar os troianos apoacutes Aquiles se retirar da
alianccedila
O cataacutelogo dos que combateram aliados aos troianos
222 Etioacutepida
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Αἰθιοπίδος
Ἐπιβάλλει δὲ τοῖς προειρημένοις [ἐν τῇ πρὸ ταύτης 173
βίβλῳ] Ἰλιὰς Ὁμήρου μεθ ἥν ἐστιν Αἰθιοπίδος βιβλία
πέντε Ἀρκτίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε
Ἀμαζὼν Πενθεσίλεια παραγίνεται Τρωσὶ συμμαχή- 175
138
σουσα Ἄρεως μὲν θυγάτηρ Θρᾷσσα δὲ τὸ γένος καὶ κτείνει
αὐτὴν ἀριστεύουσαν Ἀχιλλεύς οἱ δὲ Τρῶες αὐτὴν θάπτουσι
καὶ Ἀχιλλεὺς Θερσίτην ἀναιρεῖ λοιδορηθεὶς πρὸς
αὐτοῦ καὶ ὀνειδισθεὶς τὸν ἐπὶ τῇ Πενθεσιλείᾳ λεγόμενον
ἔρωτα καὶ ἐκ τούτου στάσις γίνεται τοῖς Ἀχαιοῖς περὶ 180
τοῦ Θερσίτου φόνου
μετὰ δὲ ταῦτα Ἀχιλλεὺς εἰς Λέσβον πλεῖ καὶ θύσας
Ἀπόλλωνι καὶ Ἀρτέμιδι καὶ Λητοῖ καθαίρεται τοῦ φόνου
ὑπ Ὀδυσσέως
Μέμνων δὲ ὁ Ἠοῦς υἱὸς ἔχων ἡφαιστότευκτον παν- 185
οπλίαν παραγίνεται τοῖς Τρωσὶ βοηθήσων καὶ Θέτις τῷ
παιδὶ τὰ κατὰ τὸν Μέμνονα προλέγει
καὶ συμβολῆς γενομένης Ἀντίλοχος ὑπὸ Μέμνονος
ἀναιρεῖται ἔπειτα Ἀχιλλεὺς Μέμνονα κτείνει καὶ τούτῳ
μὲν Ἠὼς παρὰ Διὸς αἰτησαμένη ἀθανασίαν δίδωσι 190
τρεψάμενος δ Ἀχιλλεὺς τοὺς Τρῶας καὶ εἰς τὴν πό-
λιν συνεισπεσὼν ὑπὸ Πάριδος ἀναιρεῖται καὶ Ἀπόλλωνος
καὶ περὶ τοῦ πτώματος γενομένης ἰσχυρᾶς μάχης Αἴας ἀν-
ελόμενος ἐπὶ τὰς ναῦς κομίζει Ὀδυσσέως ἀπομαχομένου
τοῖς Τρωσίν 195
ἔπειτα Ἀντίλοχόν τε θάπτουσι καὶ τὸν νεκρὸν τοῦ
Ἀχιλλέως προτίθενται
καὶ Θέτις ἀφικομένη σὺν Μούσαις καὶ ταῖς ἀδελφαῖς
θρηνεῖ τὸν παῖδα καὶ μετὰ ταῦτα ἐκ τῆς πυρᾶς ἡ Θέτις
ἀναρπάσασα τὸν παῖδα εἰς τὴν Λευκὴν νῆσον διακομίζει 200
οἱ δὲ Ἀχαιοὶ τὸν τάφον χώσαντες ἀγῶνα τιθέασι
καὶ περὶ τῶν Ἀχιλλέως ὅπλων Ὀδυσσεῖ καὶ Αἴαντι στάσις
ἐμπίπτει
Do mesmo sobre a Etioacutepida
Sucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada de Homero
depois dela haacute a Etioacutepida em cinco livros de Arctino de Mileto que compreendem o seguinte
139
A amazona Pentesileia chega para combater ao lado dos troianos filha de Ares traacutecia
de origem Aquiles a mata quando ela estaacute no auge de sua bravura combativa e os troianos
realizam seu funeral
Entatildeo Aquiles abate Tersites ofendido com ele repreendido por sua paixatildeo declarada
por Pentesileia Surge uma dissenccedilatildeo entre os aqueus em funccedilatildeo do assassinato de Tersites
Apoacutes isso Aquiles navega ateacute Lesbos e feitos sacrifiacutecios a Apolo Aacutertemis e Leto eacute
purificado do assassinato por Odisseu
Mecircmnon filho de Aurora possuidor de uma armadura confeccionada por Hefesto
chega ao socorro dos troianos Teacutetis prediz a seu filho o que decorreraacute a partir do embate com
Mecircmnon
Em confronto Antiacuteloco eacute abatido por Mecircmnon e logo Aquiles o mata Aurora lhe
concede a eternidade por rogaacute-la da parte de Zeus
Rechaccedilando os troianos e jaacute irrompendo cidadela adentro Aquiles eacute abatido por Paacuteris
e por Apolo Violenta batalha tem iniacutecio em volta do cadaacutever Aacutejax resgata-o e carrega ateacute as
naus enquanto Odisseu vai repelindo os troianos
Entatildeo sepultam Antiacuteloco e dispotildeem o corpo de Aquiles para o funeral
Chegando junto das Musas e das irmatildes Teacutetis vela seu filho Depois disso Teacutetis subtrai
o filho de sobre a pira e o transporta para a Ilha Branca
Os aqueus lhe erigem uma sepultura e instauram jogos e uma disputa pelas armas de
Aquiles sobreveacutem entre Odisseu e Ajax
223 Pequena Iliacuteada
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλιάδος μικρᾶς
Ἑξῆς δ ἐστὶν Ἰλιάδος μικρᾶς βιβλία τέσσαρα Λές- 206
χεω Μυτιληναίου περιέχοντα τάδε
Ἡ τῶν ὅπλων κρίσις γίνεται καὶ Ὀδυσσεὺς κατὰ
βούλησιν Ἀθηνᾶς λαμβάνει Αἴας δ ἐμμανὴς γενόμενος
τήν τε λείαν τῶν Ἀχαιῶν λυμαίνεται καὶ ἑαυτὸν ἀναιρεῖ 210
μετὰ ταῦτα Ὀδυσσεὺς λοχήσας Ἕλενον λαμβάνει
καὶ χρήσαντος περὶ τῆς ἁλώσεως τούτου Διομήδης ἐκ Λήμνου
140
Φιλοκτήτην ἀνάγει ἰαθεὶς δὲ οὗτος ὑπὸ Μαχάονος καὶ μονο-
μαχήσας Ἀλεξάνδρῳ κτείνει καὶ τὸν νεκρὸν ὑπὸ Μενελάου
καταικισθέντα ἀνελόμενοι θάπτουσιν οἱ Τρῶες 215
μετὰ δὲ ταῦτα Δηΐφοβος Ἑλένην γαμεῖ
καὶ Νεοπτόλεμον Ὀδυσσεὺς ἐκ Σκύρου ἀγαγὼν τὰ
ὅπλα δίδωσι τὰ τοῦ πατρός καὶ Ἀχιλλεὺς αὐτῷ φαντάζεται
Εὐρύπυλος δὲ ὁ Τηλέφου ἐπίκουρος τοῖς Τρωσὶ παρα-
γίνεται καὶ ἀριστεύοντα αὐτὸν ἀποκτείνει Νεοπτόλεμος 220
καὶ οἱ Τρῶες πολιορκοῦνται
καὶ Ἐπειὸς κατ Ἀθηνᾶς προαίρεσιν τὸν δούρειον
ἵππον κατασκευάζει
Ὀδυσσεύς τε αἰκισάμενος ἑαυτὸν κατάσκοπος εἰς
Ἴλιον παραγίνεται καὶ ἀναγνωρισθεὶς ὑφ Ἑλένης περὶ 225
τῆς ἁλώσεως τῆς πόλεως συντίθεται κτείνας τέ τινας τῶν
Τρώων ἐπὶ τὰς ναῦς ἀφικνεῖται
καὶ μετὰ ταῦτα σὺν Διομήδει τὸ παλλάδιον ἐκκο-
μίζει ἐκ τῆς Ἰλίου
ἔπειτα εἰς τὸν δούρειον ἵππον τοὺς ἀρίστους ἐμ- 230
βιβάσαντες τάς τε σκηνὰς καταφλέξαντες οἱ λοιποὶ τῶν
Ἑλλήνων εἰς Τένεδον ἀνάγονται
οἱ δὲ Τρῶες τῶν κακῶν ὑπολαβόντες ἀπηλλάχθαι τόν
τε δούρειον ἵππον εἰς τὴν πόλιν εἰσδέχονται διελόντες
μέρος τι τοῦ τείχους καὶ εὐωχοῦνται ὡς νενικηκότες τοὺς 235
Ἕλληνας
Do mesmo sobre a Pequena Iliacuteada
Em sequecircncia haacute os quatro livros da Pequena Iliacuteada de Lesques de Mitilene que
compreendem o seguinte
Ocorre o juiacutezo a respeito das armas e Odisseu obteacutem-nas conforme a intenccedilatildeo de
Atena Ajax por sua vez apoacutes ficar ensandecido destroacutei o espoacutelio de gado dos aqueus e
tambeacutem imola a si mesmo
141
Depois disso Odisseu captura Heleno em uma emboscada apoacutes um oraacuteculo deste a
respeito da tomada da cidadela Diomedes traz Filoctetes de volta de Lemnos Curado por
Macaacuteon ele mata Alexandre em um duelo Os troianos sepultam o cadaacutever depois de reavecirc-lo
desfigurado por Menelau
Depois disso Decircifobo toma Helena por esposa
Apoacutes trazer Neoptoacutelemo de Esquiro Odisseu lhe entrega as armas do pai Aquiles
aparece para ele
Euriacutepilo filho de Teacutelefo se apresenta como aliado dos troianos e no auge de sua
bravura combativa Neoptoacutelemo o mata
Os troianos estatildeo encurralados
Epeu constroacutei o cavalo de madeira segundo o plano de Atena
Odisseu flagelando-se a si mesmo adentra Iacutelio como espiatildeo e combina com Helena
por quem fora reconhecido a tomada da cidade mata alguns troianos e chega de volta agraves
naus
Depois com Diomedes carrega o palaacutedio para fora de Iacutelio
Em seguida os melhores dos helenos ingressam no cavalo de madeira e o restante
navega para Tecircnedo havendo ateado fogo ao acampamento
Os troianos supondo-se livres de males recebem o cavalo de madeira dentro da
cidade quebrando uma brecha na muralha e festejam como se houvessem vencido os
helenos
224 Saque de Iacutelio
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλίου πέρσιδος
Ἕπεται δὲ τούτοις Ἰλίου πέρσιδος βιβλία δύο Ἀρκ-
τίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε 240
ὡς τὰ περὶ τὸν ἵππον οἱ Τρῶες ὑπόπτως ἔχοντες
περιστάντες βουλεύονται ὅ τι χρὴ ποιεῖν καὶ τοῖς μὲν
δοκεῖ κατακρημνίσαι αὐτόν τοῖς δὲ καταφλέγειν οἱ δὲ ἱερὸν
αὐτὸν ἔφασαν δεῖν τῇ Ἀθηνᾷ ἀνατεθῆναι καὶ τέλος νικᾷ
ἡ τούτων γνώμη 245
142
τραπέντες δὲ εἰς εὐφροσύνην εὐωχοῦνται ὡς ἀπηλ-
λαγμένοι τοῦ πολέμου
ἐν αὐτῷ δὲ τούτῳ δύο δράκοντες ἐπιφανέντες τόν
τε Λαοκόωντα καὶ τὸν ἕτερον τῶν παίδων διαφθείρουσιν
ἐπὶ δὲ τῷ τέρατι δυσφορήσαντες οἱ περὶ τὸν Αἰνείαν 250
ὑπεξῆλθον εἰς τὴν Ἴδην
καὶ Σίνων τοὺς πυρσοὺς ἀνίσχει τοῖς Ἀχαιοῖς πρό-
τερον εἰσεληλυθὼς προσποίητος
οἱ δὲ ἐκ Τενέδου προσπλεύσαντες καὶ οἱ ἐκ τοῦ δου-
ρείου ἵππου ἐπιπίπτουσι τοῖς πολεμίοις καὶ πολλοὺς ἀν- 255
ελόντες τὴν πόλιν κατὰ κράτος λαμβάνουσι
καὶ Νεοπτόλεμος μὲν ἀποκτείνει Πρίαμον ἐπὶ τὸν
τοῦ Διὸς τοῦ ἑρκείου βωμὸν καταφυγόντα
Μενέλαος δὲ ἀνευρὼν Ἑλένην ἐπὶ τὰς ναῦς κατάγει
Δηΐφοβον φονεύσας 260
Κασσάνδραν δὲ Αἴας ὁ Ἰλέως πρὸς βίαν ἀποσπῶν
συνεφέλκεται τὸ τῆς Ἀθηνᾶς ξόανον ἐφ ᾧ παροξυνθέντες
οἱ Ἕλληνες καταλεῦσαι βουλεύονται τὸν Αἴαντα ὁ δὲ ἐπὶ
τὸν τῆς Ἀθηνᾶς βωμὸν καταφεύγει καὶ διασῴζεται ἐκ τοῦ
ἐπικειμένου κινδύνου 265
[ἔπειτα ἀποπλέουσιν οἱ Ἕλληνες καὶ φθορὰν αὐτοῖς
ἡ Ἀθηνᾶ κατὰ τὸ πέλαγος μηχανᾶται]
καὶ Ὀδυσσέως Ἀστυάνακτα ἀνελόντος
Νεοπτόλεμος Ἀνδρομάχην γέρας λαμβάνει
καὶ τὰ λοιπὰ λάφυρα διανέμονται 270
Δημοφῶν δὲ καὶ Ἀκάμας Αἴθραν εὑρόντες ἄγουσι
μεθ ἑαυτῶν
ἔπειτα ἐμπρήσαντες τὴν πόλιν
Πολυξένην σφαγιάζουσιν ἐπὶ τὸν τοῦ Ἀχιλλέως τάφον
Do mesmo sobre o Saque de Iacutelio
143
Seguem-se a isso os dois livros do Saque de Iacutelio de Arctino de Mileto compreendendo
isto
Como os troianos estatildeo desconfiados do cavalo reunindo-se em torno dele deliberam
sobre o que fazer A uns parece melhor atiraacute-lo precipiacutecio abaixo a outros incendiaacute-lo uns
dizem entatildeo que ele deveria ser dado como oferenda a Atena Vence a proposta destes por
fim
Tomados pela animaccedilatildeo festejam como se estivessem dispensados da guerra Bem
nesse momento duas serpentes aparecem e trucidam Laoconte e seu filho mais novo
Consternados com esse prodiacutegio Eneacuteias e os companheiros escapam secretamente
para o monte Ida
Entatildeo Sinatildeo o primeiro a disfarccedilado lograr um incurso acende tochas ao alto da
cidade como sinal aos aqueus
Juntos tanto os que retornam de Tecircnedos como os de dentro do cavalo os helenos
precipitam-se sobre os inimigos e tomam a cidade de assalto matando muitos
Neoptoacutelemo mata Priacuteamo que se refugiara no altar de Zeus Guarda Lar
Apoacutes achar Helena Menelau a leva de volta para as naus assassinando Decircifobo
Aacutejax filho de Ileu levando Cassandra agrave forccedila arrasta tambeacutem a imagem de madeira
de Atena Irritados com isso os helenos decidem apedrejar Aacutejax mas ele busca refuacutegio no
altar de Atena e se manteacutem a salvo do perigo iminente
[Entatildeo os helenos zarpam e Atena estaacute maquinado contra eles um naufraacutegio em alto
mar]
Tendo Odisseu matado Astiacuteanax Neoptoacutelemo toma Androcircmaca como seu precircmio
Repartem o restante do espoacutelio
Apoacutes acharem Etra Demofatildeo e Aacutecamas levam-na consigo
Em seguida sacrificam Polixena sobre o tuacutemulo de Aquiles havendo incendiado a
cidade
225 Retornos
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Νόστων
Συνάπτει δὲ τούτοις τὰ τῶν Νόστων βιβλία πέντε 277
144
Ἀγίου Τροιζηνίου περιέχοντα τάδε
Ἀθηνᾶ Ἀγαμέμνονα καὶ Μενέλαον εἰς ἔριν καθίς-
τησι περὶ τοῦ ἔκπλου 280
Ἀγαμέμνων μὲν οὖν τὸν τῆς Ἀθηνᾶς ἐξιλασόμενος
χόλον ἐπιμένει
Διομήδης δὲ καὶ Νέστωρ ἀναχθέντες εἰς τὴν οἰ-
κείαν διασῴζονται
μεθ οὓς ἐκπλεύσας ὁ Μενέλαος μετὰ πέντε νεῶν 285
εἰς Αἴγυπτον παραγίνεται τῶν λοιπῶν διαφθαρεισῶν νεῶν
ἐν τῷ πελάγει
οἱ δὲ περὶ Κάλχαντα καὶ Λεοντέα καὶ Πολυποίτην
πεζῇ πορευθέντες εἰς Κολοφῶνα Τειρεσίαν ἐνταῦθα τελευ-
τήσαντα θάπτουσι 290
τῶν δὲ περὶ τὸν Ἀγαμέμνονα ἀποπλεόντων Ἀχιλ-
λέως εἴδωλον ἐπιφανὲν πειρᾶται διακωλύειν προλέγον τὰ
συμβησόμενα
εἶθ ὁ περὶ τὰς Καφηρίδας πέτρας δηλοῦται χειμὼν
καὶ ἡ Αἴαντος φθορὰ τοῦ Λοκροῦ 295
Νεοπτόλεμος δὲ Θέτιδος ὑποθεμένης πεζῇ ποιεῖ-
ται τὴν πορείαν καὶ παραγενόμενος εἰς Θρᾴκην Ὀδυσσέα
καταλαμβάνει ἐν τῇ Μαρωνείᾳ καὶ τὸ λοιπὸν ἀνύει τῆς
ὁδοῦ καὶ τελευτήσαντα Φοίνικα θάπτει αὐτὸς δὲ εἰς Μολος-
σοὺς ἀφικόμενος ἀναγνωρίζεται Πηλεῖ 300
ἔπειτα Ἀγαμέμνονος ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυται-
μήστρας ἀναιρεθέντος ὑπ Ὀρέστου καὶ Πυλάδου τιμωρία
καὶ Μενελάου εἰς τὴν οἰκείαν ἀνακομιδή
Do mesmo sobre os Retornos
A esses eventos atrelam-se os cinco livros dos Retornos de Aacutegias de Trezene
compreendendo o seguinte
Atena potildee Agamecircmnon e Menelau em discoacuterdia a respeito da viagem de volta
Agamecircmnon retarda sua partida para apaziguar a colera da deusa
145
Diomedes e Neacutestor levados por alto mar chegam a sua casa em seguranccedila
Menelau que partiu atraacutes deles chega ao Egito com cinco das naus as restantes
naufragando em alto mar
Os comandados por Calcas Leonteu e Polipetes viajam a peacute ateacute Colofatildeo laacute sepultam
Tireacutesias que falecera
Quando os comandados por Agamecircmnon estatildeo partindo uma apariccedilatildeo de Aquiles
tenta impedi-los manifestando-se e anunciando os acontecimentos vindouros
Nesse passo se descreve a tempestade nas redondezas das Rochas Cafeacuterides e a ruiacutena
de Aacutejax da Loacutecria
Neoptoacutelemo faz a jornada a peacute a conselho de Teacutetis Chegando agrave Traacutecia depara-se com
Odisseu em Marocircnia completa o restante de seu percurso e sepulta o falecido Fecircnix
Chegando ateacute os moloacutessios ele proacuteprio eacute reconhecido por Peleu
Em seguida a execuccedilatildeo de Agamecircmnon por Egisto e Clitemnestra a vinganccedila de
Orestes e Piacutelades e o retorno para casa de Menelau
226 Telegonia
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Τηλεγονίας
Μετὰ ταῦτά ἐστιν Ὁμήρου Ὀδύσσεια ἔπειτα Τηλε- 306
γονίας βιβλία δύο Εὐγάμμωνος Κυρηναίου περιέχοντα τάδε
οἱ μνήστορες ὑπὸ τῶν προσηκόντων θάπτονται
καὶ Ὀδυσσεὺς θύσας Νύμφαις εἰς Ἦλιν ἀποπλεῖ
ἐπισκεψόμενος τὰ βουκόλια καὶ ξενίζεται παρὰ Πολυξένῳ 310
δῶρόν τε λαμβάνει κρατῆρα καὶ ἐπὶ τούτῳ τὰ περὶ Τρο-
φώνιον καὶ Ἀγαμήδην καὶ Αὐγέαν
ἔπειτα εἰς Ἰθάκην καταπλεύσας τὰς ὑπὸ Τειρεσίου
ῥηθείσας τελεῖ θυσίας
καὶ μετὰ ταῦτα εἰς Θεσπρωτοὺς ἀφικνεῖται καὶ γαμεῖ 315
Καλλιδίκην βασιλίδα τῶν Θεσπρωτῶν
ἔπειτα πόλεμος συνίσταται τοῖς Θεσπρωτοῖς πρὸς
Βρύγους Ὀδυσσέως ἡγουμένου ἐνταῦθα Ἄρης τοὺς περὶ
146
τὸν Ὀδυσσέα τρέπεται καὶ αὐτῷ εἰς μάχην Ἀθηνᾶ καθίς-
ταται τούτους μὲν Ἀπόλλων διαλύει 320
μετὰ δὲ τὴν Καλλιδίκης τελευτὴν τὴν μὲν βασιλείαν
διαδέχεται Πολυποίτης Ὀδυσσέως υἱός αὐτὸς δ εἰς Ἰθάκην
ἀφικνεῖται
κἀν τούτῳ Τηλέγονος ἐπὶ ζήτησιν τοῦ πατρὸς πλέων
ἀποβὰς εἰς τὴν Ἰθάκην τέμνει τὴν νῆσον ἐκβοηθήσας δ 325
Ὀδυσσεὺς ὑπὸ τοῦ παιδὸς ἀναιρεῖται κατ ἄγνοιαν
Τηλέγονος δ ἐπιγνοὺς τὴν ἁμαρτίαν τό τε τοῦ πατρὸς
σῶμα καὶ τὸν Τηλέμαχον καὶ τὴν Πηνελόπην πρὸς τὴν μητέρα
μεθίστησιν ἡ δὲ αὐτοὺς ἀθανάτους ποιεῖ καὶ συνοικεῖ τῇ
μὲν Πηνελόπῃ Τηλέγονος Κίρκῃ δὲ Τηλέμαχος 330
Do mesmo sobre a Telegonia
Depois disso eacute a Odisseia de Homero depois os dois livros da Telegonia de Ecircugamon
de Cirene que compreendem o seguinte
Os pretendentes satildeo sepultados por seus parentes
Odisseu faz sacrifiacutecios agraves Ninfas e zarpa para Eacutelis a fim de inspecionar o gado Eacute
hospedado por Poliacutexeno recebe de presente uma cratera e nela estaacute a histoacuteria de Trofocircnio
Agamedes e Aacuteugeas
Desembarcando de volta em Iacutetaca executa os sacrifiacutecios especificados por Tireacutesias
Depois desses eventos chega agrave Tesproacutetia e toma Caliacutedice por mulher rainha dos
Tesproacutetios
Depois se concretiza uma guerra dos Tesproacutetios liderados por Odisseu contra os
Brugos Nisso Ares debanda os homens de Odisseu e Atena engaja-se em combate contra ele
Apolo eacute quem os aparta
Depois da morte de Caliacutedice Polipetes filho de Odisseu herda a realeza enquanto
este retorna agrave Iacutetaca
Nesse momento Telecircgono que navegava agrave procura de seu pai e desembarcara em
Iacutetaca devastava a ilha Odisseu que viera defendecirc-la por engano eacute morto por seu filho
147
Telecircgono apoacutes tomar conhecimento de seu crime transporta Telecircmaco Peneacutelope e o
corpo do pai ateacute sua matildee Ela os torna imortais Telecircgono casa-se com Peneacutelope e Telecircmaco
com Circe
148
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
EDICcedilOtildeES DA OBRA ESTUDADA
Ediccedilotildees da Crestomatia
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VOCABULORUM ORIGINE INDAGANS EX PLURIBUS LEXICIS ET GRAMMATICIS
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grammaticam Technicus recensuit Alfredus Hilgard--v2 Apollonii Dyscoli quae supersunt
Recensverunt Richardus Schneider et Gustavus Uhlig--v3 Herodiani Technici reliquiae
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QUINTILIAN The Institutio Oratoriae With an English translation by H E Butler
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ndash USP 2005 ineacutedita
_____ Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Colsulto Fortunaciano Dissertaccedilatildeo de
mestrado apresentada ao Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas da FFLCH-USP
orientada por Marcos Martinho dos Santos Satildeo Paulo DLCV ndash FFLCH ndash USP 2010 ineacutedita
MARTINHO DOS SANTOS M As Epiacutestolas de Horaacutecio e a Confecccedilatildeo de uma Ars
Dictaminis o Opus Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada ao Departamento de
Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas da FFLCH-USP orientada por Zelia Ladeira Veras
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- A CRESTOMATIA DE PROCLOTraduccedilatildeo integral notas e estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
- AGRADECIMENTOS
- RESUMO
- ABSTRACT
- IacuteNDICE
- Apresentaccedilatildeo
- PARTE IEstudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
-
- 1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO
-
- 11VESTIacuteGIOS DA OBRA
- 12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO
- 13 O NOME E A OBRA
-
- 131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio
- 132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239
- 133 O termo ldquocrestomatiardquo
- 134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra
-
- 2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA
-
- 21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO
- 22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO
-
- 221 O molde copioso
- 222 O molde tecircnue
- 223 O molde meacutedio
- 224 O molde florido
- 225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo
-
- 3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA
-
- 31 SEUS GEcircNEROS
- 32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE DIOMEDES
- 33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO
-
- 331 Epos
-
- 3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria
- 3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico
-
- 332 Elegia
- 333 Iambo
- 334 Meacutelica
-
- PARTE IITraduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
-
- 1 COacuteDICE 239
-
- 11 TEXTO
- 12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO
-
- 2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO
-
- 21 VIDA DE HOMERO
- 22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO
-
- 221 Ciacuteprias
- 222 Etioacutepida
- 223 Pequena Iliacuteada
- 224 Saque de Iacutelio
- 225 Retornos
- 226 Telegonia
-
- REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
-
5
RESUMO
A presente dissertaccedilatildeo visa agrave traduccedilatildeo anotada dos textos que nos datildeo a conhecer a
obra convencionalmente denominada Crestomatia e atribuiacuteda a Proclo junto de um estudo
que caracterize o quanto possiacutevel essa obra que permanece tatildeo obscura quanto relevante para
os Estudos Claacutessicos Traduziram-se tanto os fragmentos referentes ao Ciclo Eacutepico provaacuteveis
excertos diretos da obra como o resumo que dela restou na Biblioteca de Foacutecio coacutedice 239
A anotaccedilatildeo se ateacutem ao coacutedice 239 a fim de tornar conhecido o que fosse o variado conteuacutedo
geral da obra O coacutedice tambeacutem eacute o foco do estudo que pretende em trecircs capiacutetulos 1o)
discutir os problemas em torno do texto ie a atribuiccedilatildeo o tiacutetulo a constituiccedilatildeo da obra sua
histoacuteria etc 2o) tendo estabelecido algumas hipoacuteteses sobre essa constituiccedilatildeo diversa
explicitaacute-la comentando a primeira seccedilatildeo do texto e a confluecircncia de saberes diversos sobre as
Letras da Antiguidade fossem a Retoacuterica a Gramaacutetica a Poeacutetica considerando seus limites
3o) considerando a seccedilatildeo posterior do texto sobre a classificaccedilatildeo geneacuterica da poesia antiga
relacionaacute-lo com outros que versem sobre a classificaccedilatildeo dos gecircneros poeacuteticos em especial o
De Poematibus de Diomedes
PALAVRAS-CHAVE poeacutetica gramaacutetica retoacuterica poesia antiga gecircneros literaacuterios
6
ABSTRACT
The scope of the current dissertation is to present a commented translation in
Portuguese of the group of texts that gives us knowledge of the work conventionaly called
Chrestomathy ascribed to Proclus We present as well a study that characterizes as much as
possible this work that remains as obscure as relevant to the Classical Studies The fragments
that refer to the Epic Cycle which are probably direct excerpts of the original work were
translated as well as the summary which was preseved in Photiusrsquo Library the 239 codex
The commentary is about the 239 codex with the purpose of give knowledge of the
miscellaneous general content of the work The codex is also the focus of the study where in
three chapters 1) it will be discussed the questions around the text ie the ascription the
title the constitution of the work its history 2) having been established some hypothesis
about this diverse constitution it will be exposed on commenting the first section of the text
and the confluency as well as the limits of multiple knowledges of Literature in Antiquity
comprehending Rhetorics Grammar and Poetics 3) considering the later section of the text
concerning to the generic classification of ancient poetry we will relate the text with others
that deal with the classification of poetic genres especially Diomedesrsquo De Poematibus
KEYWORDS poetics grammar rhetoric ancient poetry literary genres
7
IacuteNDICE
Apresentaccedilatildeo9
Parte I ndash Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
Capiacutetulo 1 ndash CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO10
11 VESTIacuteGIOS DA OBRA10
12 AUTORIA E ATRIBUUICcedilAtildeO12
13 O NOME E A OBRA18
131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio18
132 A intitulaccedilatildeo do coacutedice 23925
133 O termo ldquocrestomatiardquo32
134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra38
Capiacutetulo 2 ndash A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA
ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA50
21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO50
22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO52
221 O molde copioso55
222 O molde tecircnue57
223 O molde meacutedio59
224 O molde florido61
225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo62
Capiacutetulo 3 ndash A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA67
31 SEUS GEcircNEROS67
32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS
DE DIOMEDES74
33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO81
331 Epos83
3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria83
3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico86
332 Elegia90
333 Iambo94
334 Meacutelica96
Parte II ndash Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
1 COacuteDICE 23998
11 TEXTO98
12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO109
2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO
8
CICLO EacutePICO128
21 VIDA DE HOMERO128
22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO132
221 Ciacuteprias132
222 Etioacutepida137
223 Pequenas Iliacuteada139
224 Saque de Iacutelio141
225 Retornos143
226 Telegonia145
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS148
9
Apresentaccedilatildeo
Esta dissertaccedilatildeo de mestrado se debruccedila sobre o texto tradicionalmente denominado
Crestomatia e apenas atribuiacutedo a um Proclo cuja identidade permanece em litiacutegio Sem que
isso tenha sido um impedimento para muitos antes de mim proponho aqui considerada a
imensidatildeo de toacutepicos apenas aludidos ou sugeridos por tal objeto textual (alguns carentes de
investigaccedilatildeo)
a) uma traduccedilatildeo integral do que o tempo nos legou da obra um resumo preservado
por Foacutecio de Constantinopla seacutec IX dC e os excertos aceites pelos estudiosos como seus
uacutenicos fragmentos ldquooriginaisrdquo
b) um estudo introduzindo a traduccedilatildeo que se focou em questotildees de composiccedilatildeo da
obra (da sua atribuiccedilatildeo agrave sua abrangecircncia) partes organizaccedilatildeo teorias que continha ou
propunha intenccedilatildeo e finalidade Em funccedilatildeo desse enfoque questotildees agraves quais a Crestomatia
de Proclo muitas vezes serve de ponto de partida como por exemplo a aplicaccedilatildeo das
categorias antigas de interpretaccedilatildeo poeacutetica agrave poesia liacuterica da Greacutecia Antiga os testemunhos
que conteacutem dessa interpretaccedilatildeo de base heleniacutestica etc foram em parte contemplados e em
parte deixados de lado em funccedilatildeo de um objetivo primeiro refletir sobre o que seria essa obra
e sua relaccedilatildeo com textos que lidam com assuntos semelhantes
Desta maneira portanto se organiza o texto
PARTE I ndash Um estudo em trecircs capiacutetulos o 1o abordando as questotildees baacutesicas sobre o
objeto escrito (tiacutetulo autoria) e como eacute transmitido a noacutes o 2o abordando o que aqui se
delimita como sua primeira seccedilatildeo em que se definia seu objeto e uma abordagem para ele a
fim de se conseguir uma caracterizaccedilatildeo da obra o 3o propondo a partir dos elementos
estudados uma comparaccedilatildeo com outro texto semelhante a fim de discutir os criteacuterios de
anaacutelise da poesia que na Crestomatia seratildeo empregados ateacute o fim do texto com o objetivo de
classificar a antiga poesia liacuterica ou meacutelica (sendo as especificidades dessa apresentadas ao
longo das nostas agrave traduccedilatildeo agrave medida do necessaacuterio)
PARTE II ndash A traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio que resume
a Crestomatia e a traduccedilatildeo dos resumos do chamado ciclo eacutepico que chega ateacute noacutes atraveacutes de
manuscritos de Homero
10
PARTE I
Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO
11VESTIacuteGIOS DA OBRA
Qualquer um cujo interesse seja desperto por isso que geralmente se denomina a
Crestomatia de Proclo tatildeo logo busque se aproximar do objeto deparar-se-aacute com fragmentos
que unidos ao fim nos forneceratildeo somente o espectro de uma obra que parece ter sido uma
importante e abrangente compilaccedilatildeo sobre as letras antigas algo semelhante ao que hoje
chamariacuteamos um manual de literatura
Haacute dois grupos de textos que juntos compotildeem o quanto se pode acessar do que a
julgar pelo que nos diz Foacutecio no coacutedice 239 de sua Biblioteca teria sido uma obra composta
de quatro livros1 e que sem duacutevida a despeito das discussotildees acerca do primeiro paraacutegrafo do
coacutedice (concernente ao nome) teria em seu tiacutetulo o termo ldquocrestomatiardquo
A comeccedilar pela Biblioteca como se sabe consiste em resumos epiacutetomes cuja
confecccedilatildeo2 para aleacutem do interesse do irmatildeo de Foacutecio3 serviria em uacuteltima instacircncia agraves duas
funccedilotildees mais baacutesicas que se podem supor dar a conhecer os textos resumidos a quem natildeo
poderia acessaacute-los integralmente e fornecer diferentes saberes numa mesma fonte ie reunir
informaccedilatildeo diversa preservando para um leitor que natildeo tivesse acesso a essa informaccedilatildeo agrave
medida do possiacutevel o mais relevante dos originais
Um conjunto de textos consiste portanto nos diferentes manuscritos que seguramente
contecircm a Biblioteca de Foacutecio E eacute entre diferentes obras reunidas para a Biblioteca portanto
que se resume no coacutedice 239 (de um modo a ser discutido) a obra em questatildeo
convencionalmente designada Crestomatia Trata-se pois de tradiccedilatildeo indireta
1 Severyns A Recherches sur la Chrestomathie de Proclos Le Codex 239 de Photius Eacutetude Paleacuteographique et
Critique (t I) Texte Traduction Commentaire (t II) La Vita Homeri et les Sommaires du Cycle Eacutetude
Paleacuteographique et Critique (t III) Texte et Traduction (t IV) Paris Belles Lettres 1977 Tomo II paacuteg 31 2 Severyns op cit tome I paacuteg 1 ndash 6 3 Foacutecio Biblioteca paacuteg 1
11
O outro conjunto de textos eacute bem mais visado pelos estudos claacutessicos em geral dado o
que conteacutem Consiste nos 14 manuscritos da Iliacuteada dos quais todos como uma introduccedilatildeo
trazem uma Vida de Homero4 Deles 10 tambeacutem trazem um texto designado
um apenas Venetus A (o mais velho) traz na sequecircncia
e Aquela Vida
como se vecirc pelo nome eacute uma breve biografia de Homero mas satildeo estes que foram por muito
tempo objeto dos estudiosos pois consistem em resumos aparentemente completos embora
bem pontuais dos poemas ciacuteclicos ou pelo menos de alguns deles ie os poemas que narram
os demais episoacutedios do ldquochamado ciclo eacutepicordquo (para usar os proacuteprios termos do epiacutetome do
coacutedice 239) o qual numa definiccedilatildeo mais teacutecnica seria a somatoacuteria de todas as narraccedilotildees
eacutepicas ou mais rigorosamente todos os (eacutepe)6 circunscritos a um conjunto de episoacutedios
que vai desde a origem do universo ateacute a morte de Odisseu A despeito do que se possa
conjeturar mais pormenorizadamente sobre o que de fato pleiteavam tais poemas o proacuteprio
texto do epiacutetome fociano no seu paraacutegrafo 19 eacute um de nossos principais testemunhos de
como tais poemas eram entendidos por diferentes autores que versaram sobre poeacutetica
integrando um todo ldquo
rdquo7 ndash ldquoFecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo
de diferentes poetasrdquo
Antes desse paraacutegrafo na seccedilatildeo do epiacutetome dedicada ao epos (sect13 a 23) apoacutes a
invenccedilatildeo do metro sua mateacuteria (sect13) como o nome se fixa (sect14) e o elenco de seus melhores
poetas (sect15) o paraacutegrafo 16 nos informa que ldquoele [o provaacutevel autor Proclo] discorre na
medida do possiacutevel sobre a origem a paacutetria e algumas histoacuterias particulares a respeito de tais
poetasrdquo e o paraacutegrafo 17 por sua vez diz que [ele] ldquoentatildeo inicia as consideraccedilotildees sobre o
chamado ciclo eacutepicordquo e assinala seu iniacutecio no intercurso entre Ceacuteu e Terra O verbo
(dialambaacuteno) que inicia o paraacutegrafo tem o sentido forte de ldquojulgar avaliar
tomar como objeto de consideraccedilatildeordquo O verbo que inicia o paraacutegrafo seguinte (sect18)
possui o sentido metafoacuterico de abrir caminho em um texto em uma mateacuteria
em um objeto ie ldquoexaminaacute-lordquo Diz-se que ldquoele [autor] segue examinando diversas coisas
concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticasrdquo Os paraacutegrafos 20 a 23 satildeo dedicados a peculiaridades
referentes ao ciclo que no entendimento do resumidor merecem destaque a razatildeo pela qual
4 Designaccedilatildeo latina do texto que no grego vem designado como ou como Venetus A
ou Homero eacutepoca vida caracteriacutestica tiacutetulo de poemas 5 Que traduzi na ordem por ldquo(sobre) a(s) Ciacuteprias Etioacutepida Pequena Iliacuteada Saque de Iacutelio Retornos Telegoniardquo 6 Entendendo-se aqui no sentido amplo do texto uma composiccedilatildeo hexameacutetrica narrativa A discussatildeo
pormenorizada vem a seguir 7 Severyns 1977 pg 36 Grifo do autor
12
os poemas do ciclo foram preservados o nome e a paacutetria dos poetas que se ocuparam dele e
especificidades sobre a atribuiccedilatildeo e o nome das Ciacuteprias
Considerando-se que ao longo de seu texto o epiacutetome se caracteriza ou por de um
lado apenas notificar aquilo que o suposto autor diz de mais relevante sem entrar nos
detalhes de seu conteuacutedo ou de outro por pontuar informaccedilotildees bem especiacuteficas com o intuito
de daacute-las a conhecer (provavelmente como uma novidade) a seu leitor tanto os dois verbos
referidos que descrevem aquilo que ocorre no texto resumido como as vicissitudes de 20 a
23 que ressaltam especificidades julgadas pelo resumidor como relevantes a um leitor que
recorreria ao epiacutetome satildeo muito favoraacuteveis a que natildeo se ponha em duacutevida a atribuiccedilatildeo dos 14
manuscritos a Proclo ou pelo menos ao mesmo autor resumido no coacutedice 239 Ao que tudo
indica portanto os sete textos que compotildeem o Venetus A8 a julgar pela congruecircncia no que
possui em comum com os demais (que ou trazem a Vida de Homero ou essa mais o resumo
das Ciacuteprias) seriam sete excertos integrais da Crestomatia provavelmente ndash a julgar pelo
resumo ndash referentes agrave seccedilatildeo em que discutindo o epos o autor nos daria suas consideraccedilotildees
sobre quem foi Homero bem como resumos factuais acontecimento a acontecimento dos
demais poemas que compunham o chamado ciclo eacutepico
Eis a nossa obra de um lado um resumo e de outro sete outros breves textos que
pelas indicaccedilotildees nos manuscritos de Homero e pela congruecircncia de assunto brevemente
demonstrada seriam os uacutenicos excertos integrais que chegaram a noacutes De fato ambos
parecem corresponder a uma obra cujo conteuacutedo resumido ainda circulava no acircmbito das
letras bizantinas pelo menos desde algum periacuteodo um pouco anterior ao seacuteculo IX (pois pode
ser que Foacutecio teve acesso a ela integralmente) ateacute aproximadamente o seacuteculo XV seacuteculo a
que remontam os manuscritos mais recentes9 Todas as ediccedilotildees impressas portanto atribuem-
na a Proclo
12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO
8 Nesse manuscrito o resumo das Ciacuteprias encontra-se mutilado mas pode ser reconstituiacutedo pelo manuscrito F
Neapolitanus que de acordo com Severynns derivaria de um manuscrito em comum Cf Severyns tomo III
245 ndash 52 9 A propoacutesito dos uacuteltimos manuscritos Severynns (III 317 ndash 324) identifica o Ottobonianus G e H como
derivados de um arqueacutetipo entre os quais haacute um corretor que identifica como Joatildeo Tzetzes principalmente
por especificar na denominaccedilatildeo dos resumos a atribuiccedilatildeo a ldquoProclo platocircnico Diaacutedocordquo Mesmo que se recuse a
hipoacutetese essa correccedilatildeo e a proacutepria atribuiccedilatildeo revelam natildeo soacute uma atividade filoloacutegica que se debruccedilava sobre o
texto mas a preocupaccedilatildeo em atribuir-lhe a origem precisa
13
Uma vez que todos os manuscritos da Vida e dos Resumos atribuem o texto
indubitavelmente a Proclo e apenas um preocupa-se em explicitar de que Proclo se trata
restaria saber se de fato o suposto autor do texto eacute esse explicitado pelo corretor o Proclo
de quem mais se tecircm notiacutecias e obras o chamado diaacutedokhos ou ldquosucessorrdquo assim
designado por ser o renomado disciacutepulo e sucessor de Siriano na nova escola platocircnica de
Atenas onde estudou tambeacutem com Plutarco (de Atenas) apoacutes ser disciacutepulo de Olimpiodoro o
Velho em Alexandria provavelmente onde ainda jovem obteve sua primeira formaccedilatildeo com
o gramaacutetico Oacuterion de Tebas (Egito)10 de quem adiquiriu sua formaccedilatildeo nas letras ndash se para o
estudo da filosofia sua filiaccedilatildeo aos referidos filoacutesofos eacute fundamental para o estudo da obra
aqui abordada sua filiaccedilatildeo a esse gramaacutetico egiacutepicio seja talvez determinante como logo se
discutiraacute Foi no seacuteculo V dC um dos principais nomes do que denominamos
neoplatonismo e hoje eacute conhecido principalmente por seus comentaacuterios a Platatildeo Nosso
principal testemunho aqui a respeito desse Proclo eacute o Suda Diz-nos dele o Liacutecio (pois era
originaacuterio da Liacutecia) que para aleacutem de seus trabalhos filosoacuteficos escreveu muitas obras de
filosofia e gramaacutetica e aiacute nesse mesmo passo ldquoum comentaacuterio agrave obra de Homero um
comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo e trecircs livros sobre crestomatiardquo que se
entendermos como o tiacutetulo levaraacute agrave grafia ldquoSobre Crestomatiardquo Talvez fosse essa a obra que
nos permitiria identificar Proclo o Sucessor ou o Liacutecio como o autor do texto que
conhecemos pelo epiacutetome fociano Eacute necessaacuterio ressaltar que neste caso como natildeo eacute possiacutevel
fazer mais do que conjeturar o que se faraacute aqui eacute julgar a verossimilhanccedila das hipoacuteteses
Primeiro se deve julgar se eacute possiacutevel identificar essa obra de que o Suda fala agrave obra
resumida na Biblioteca Eacute de se crer que sim pelos seguintes motivos dos quais o primeiro eacute
cronoloacutegico a Biblioteca em que se encontra o epiacutetome foi composta seguramente no seacuteculo
IX no profiacutecuo contexto da atividade copista bizantina (a julgar pelo que se diz na sua
dedicatoacuteria preparada durante a viagem agrave corte dos Abaacutessidas em Bagdaacute e enviada ao irmatildeo
de Foacutecio que natildeo pudera ir e ficara em Constantinopla) o mesmo contexto do qual floresce o
Suda aproximadamente um seacuteculo depois Temos portanto coerecircncia temporal e regional
entre o epiacutetome da Biblioteca de Foacutecio e o leacutexico Em segundo lugar o Suda nos descreve um
neoplatocircnico que (falando de acordo com nossos termos) teria se dedicado natildeo soacute agrave filosofia
embora principalmente mas tambeacutem agrave ldquocriacutetica literaacuteriardquo ou filoloacutegica aqui designada
simplesmente por ldquogramaacuteticardquo (questatildeo terminoloacutegica que logo seraacute abordada) Que isso fosse
10 Ateacute pelo nome da conhecida constelaccedilatildeo julgou-se esse nome consagrado demais para ser vertido segundo o
criteacuterio aqui adotado para outros semelhantes (Oriatildeo) Vale mencionar que foi autor de um Leacutexico que foi
aproveitado por outros duas valiosas obras semelhantes a saber o Etymologicum Gudianum e o Etymologicum
Magnum
14
verdade pelo menos os exemplos parecem confirmaacute-lo uma vez que as obras arroladas
pertencem ou a esta ou agravequela aacuterea do saber antigo duas no entanto configuram um caso
particular por confirmarem que essa distinccedilatildeo de abordagem realmente ocorria Eacute possiacutevel
vislumbrar certo agrupamento temaacutetico parece que estas trecircs primeiras obras elencadas
referem-se agrave atividade filoloacutegica enquanto as que vecircm depois agrave atividade filosoacutefica
[] ἔγραψε πάνυ πολλά φιλόσοφά τε καὶ γραμματικά ὑπόμνημα εἰς
ὅλον τὸν Ὅμηρον ὑπόμνημα εἰς τὰ Ἡσιόδου Ἔργα καὶ Ἡμέρας Περὶ
χρηστομαθείας βιβλία γacute Περὶ ἀγωγῆς βacute Εἰς τὴν πολιτείαν
Πλάτωνος βιβλία δacute Εἰς τὴν Ὀρφέως Θεολογίαν Συμφωνίαν
Ὀρφέως Πυθαγόρου Πλάτωνος περὶ τὰ Λόγια βιβλία ιacute Περὶ τῶν
παρ Ὁμήρῳ θεῶν Ἐπιχειρήματα κατὰ Χριστιανῶν ιηacute
[] Escreveu diversas obras tanto de filosofia como de gramaacutetica Um
comentaacuterio a todo Homero comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de
Hesiacuteodo Acerca de Crestomatia em 3 livros Acerca de Educaccedilatildeo em
2 Sobre a Repuacuteblica de Platatildeo em 4 livros Sobre a Teologia de
Orfeu Consonacircncia de Orfeu Pitaacutegoras Platatildeo acerca dos Oraacuteculos
em 10 livros Sobre os Deuses em Homero 18 Contraprovas aos
Cristatildeos
(Suda 2473 4 ndash 10 traduccedilatildeo e grifos do autor)
De todas essas a recorrecircncia de Homero entre umas e outras parece confirmar mesmo
que neste verbete as obras estatildeo elencadas pela aacuterea a que pertenciam e mais ainda que uma
delas se designa ldquogramaacuteticardquo O suposto argumento de ambas parece tambeacutem confirmar esta
hipoacutetese laacute entre aquelas um comentaacuterio a todo Homero sem uma especificaccedilatildeo do que eacute
abordado o que nos faz pensar em um comentaacuterio a seu texto de forma geral aqui entre as
obras filosoacuteficas um assunto concernente agrave filosofia e ao platonismo a interpretaccedilatildeo da
figuraccedilatildeo dos deuses na obra do poeta
Isso natildeo prova que de fato a obra eacute do Proclo neoplatocircnico mas pelo menos confirma
que sendo posterior o Suda na situaccedilatildeo meramente hipoteacutetica de natildeo possuir nenhuma
referecircncia natildeo vecirc incongruecircncia alguma em atribuir a ele uma Crestomatia que poderia ser
sobre gramaacutetica O Suda pode inclusive ter se fiado agrave mesma tradiccedilatildeo que para Foacutecio jaacute
atribuiacutea a obra ao Proclo platocircnico ou entatildeo como natildeo haacute nenhuma especificaccedilatildeo da parte de
Foacutecio sobre quem seria esse Proclo ter assumido como perfeitamente aceitaacutevel e plausiacutevel na
hipoacutetese extrema de ter como uacutenica fonte a mesma tradiccedilatildeo de Foacutecio ou mais extrema ainda
o proacuteprio epiacutetome que essa ldquocrestomatiardquo versando sobre gramaacutetica fosse de Proclo sem ver
erro nisso ie em atribuir ao filoacutesofo platocircnico uma obra tratando das letras O que de fato
15
parece-nos bem razoaacutevel nesta perspectiva eacute que primeiro natildeo haveria nada de estranho em
atribuir certa crestomatia ao Proclo platocircnico e segundo que essa versava sobre gramaacutetica a
julgar pela aparente divisatildeo em grupos de que o Suda nos fala Mas ainda sobre o primeiro
aspecto natildeo haacute por que duvidar de que o Suda se paute numa tradiccedilatildeo consolidada e
verossiacutemil de atribuiccedilatildeo desse texto a Proclo No seu verbete eacutelegos o Etymologicum
Magnum traz ldquoltἜλεγοςgt Ἐκ τοῦ περὶ Χρηστομαθίας Πρόκλουrdquo ou seja alude a uma obra
de Proclo exatamente da mesma maneira que o verbete do Suda referindo-a como
Crestomatia junto da preposiccedilatildeo ldquoperiacuterdquo nomeando pelo substantivo portanto o conteuacutedo
geral que identificava esse texto no periacuteodo A alusatildeo feita pelo leacutexico portanto
considerando-se que ele eacute apenas um pouco posterior ao Suda sugere que este provavelmente
se insere em um ramo da atividade filoloacutegica bizantina que no mais tardar depois de Foacutecio
identifica sim a Crestomatia em textos de ensejo semelhante como sendo do Proclo Liacutecio ou
Diaacutedoco a congruecircncia formal entre as duas passagens contendo ainda que soacute a mesma
preposiccedilatildeo aleacutem do nome contribui para essa associaccedilatildeo principalmente porque como se
disse os dois textos satildeo praticamente contemporacircneos e pertencem ao mesmo ciacuterculo
filoloacutegico
Natildeo agrave toa o Etymologicum Magnum para explicar o que eacute ldquoeacutelegosrdquo citaraacute o texto que
diz ser de Proclo mas o faraacute praticamente como se encontra no coacutedice da Biblioteca salvo
pela ordem
[]Ὁ μέντοι ἐπικὸς κύκλος ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς μυθολογουμένης
Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μίξεως ἀφ ἧς Ἑκατοντάχειρες γίνονται
Καὶ ἑξῆς
Διαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα
καὶ εἴ που τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται Περατοῦται δὲ ἐξ
διαφόρων ποιητῶν συμπληρούμενος μέχρι Ὀδυσσέως ὧν καὶ
ὀνόματα καὶ πατρίδας φησὶν ὁ αὐτός Σπουδάζεσθαι δὲ τὰ ἐπικοῦ
κύκλου τὰ ποιήματα οὐχ οὕτω διὰ τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν
τῶν ἐν αὐτῷ πραγμάτων Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου
καὶ πενταμέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις καὶ
εὐλογεῖσθαι μὲν ὑπ αὐτοῦ τούτους οἱ μέντοι μεταγενέστεροι ἐπὶ
διαφόροις ὑποθέσεσιν αὐτῷ ἀπεχρήσαντο Τὸ δὲ ἔπος πρῶτον μὲν
ἐφεῦρε Φιμονόη ἡ Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς
[χρησαμένη] Οἷς ἐπεὶ τὰ πράγματα εἵπετο ἔπος τὸ ἐκ μέτρων
ἐκαλεῖτο ἢ διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαι ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς
ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ κοινὸν ὄνομα παντὸς λόγου τὸ
16
ἑξάμετρον ἰδιώσατο καθάπερ Ὅμηρον τὸν ποιητὴν καὶ Δημοσθένην
τὸν ῥήτορα ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευσαν
(Etymologicum Magnum 32740 ndash 3283)
ldquo lsquoO ciclo eacutepico se inicia do intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra a
partir do qual geram centiacutemanosrsquo
E em senguida
Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre
os deuses dos gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser
verdade em referecircncia agrave histoacuteria Fecha-se sendo completo por
diferentes poetas ateacute de Odisseu Desses ele fala o nome e a paacutetria
Tambeacutem [fala] que os poemas do ciclo eacutepico tecircm recebido atenccedilatildeo
natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele
contidas Que agrave elegia se compotildee de um verso heroacuteico e um
pentacircmetro acomoda-se aos que jaacute partiram e esses eram elogiados
por ele Os poacutesteros usaram-no amplamente para diferentes
argumentos Quem primeiro descobriu o epos foi Femocircnoe a
profetiza de Apolo profetizando oraacuteculos em hexacircmetros A eles
seguiram-se os feitos e ldquoeposrdquo era chamada qualquer composiccedilatildeo no
metro ou pela elaboraccedilatildeo e pela ampla superioridade observada nos
hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo
[epos] bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo e
Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez que alguns tambeacutem denominavam
ldquoeacuteperdquo [falares plura de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetrosrsquordquo
(Traduccedilatildeo e acreacutescimos do autor)
Salvo pela ordem deveras estranha ndash afinal aquilo que o verbete pretende definir
ocorre no excerto muito curto referente agrave definiccedilatildeo de elegia e ainda em meio a inuacutemeros
trechos referentes agrave poesia eacutepica ndash pode-se observar que primeiro o Etymologicum julgou
prudente para definir eacutelegos simplesmente citar uma obra que julgava autorizada para definir
tal palavra apresentando sua seccedilatildeo sobre a elegia e seu antigo uso em contexto fuacutenebre e a
atribuiu a Proclo segundo natildeo soacute essa seccedilatildeo mas os demais trechos trazem as mesmas
palavras do coacutedice de Foacutecio salvas algumas supressotildees e diferenccedilas de escolha Ao que tudo
indica para citar a obra que explicava como se achava devido o significado autorizado da
palavra em questatildeo o autor recorreu ao que sabia sobre ela Comparando esse excerto com o
epiacutetome de Foacutecio pode-se conjecturar que ou o compilador recorreu na confecccedilatildeo do
verbete a um manuscrito outro que continha assim essas informaccedilotildees ou copiou trechos
resumida e aleatoriamente ou ndash ainda uma terceira e mais plausiacutevel opccedilatildeo ndash cita de cabeccedila as
referidas partes da obra que conhece como Crestomatia e adota trecircs procedimentos que
parecem observaacuteveis surprime palavras e topicaliza mais o texto emprega sinocircnimos mas
manteacutem os termos e nomes fundamentais cita as outras passagens do contexto em que a
17
desejada se encontrava Estariam as informaccedilotildees citadas sobre a elegia no meio da seccedilatildeo
sobre epos porque uma vez abordada o vasto leque temaacutetico da eacutepica tratava-se do metro
havendo aiacute uma diferenciaccedilatildeo jaacute que elegia e epos considerados metricamente tecircm em
comum o hexacircmetro que eacute isolado ao fim do excerto Seria essa configuraccedilatildeo pensada pelo
compilador e arranjada para a confecccedilatildeo do verbete em questatildeo Ainda que natildeo haja resposta
a somatoacuteria de textos aponta para o fato de que para esse mesmo ramo de lexicoacutegrafos da
Biblioteca do Suda e do Etymologicum Magnum a Crestomatia em questatildeo fora
confeccionada por Proclo Diaacutedoco ou Liacutecio
Ainda dessa perspectiva parece que o uacutenico outro Proclo dentre aqueles de que temos
notiacutecias ao qual parece verossiacutemil atribuir a Crestomatia seria um que natildeo eacute mencionado
entre os constantes no Suda Eutiacutequio Proclo professor de Marco Aureacutelio gramaacutetico do
seacuteculo II dC Eacute igualmente verossiacutemil tambeacutem pela dataccedilatildeo que seja esse o autor A
associaccedilatildeo do texto agrave tradiccedilatildeo filoloacutegica alexandrina eacute reconhecidamente assumida por
diferentes autores que se debruccedilaram sobre o epiacutetome fociano11 seja por seu amplo conteuacutedo
mitoloacutegico e etioloacutegico presente nas etimologias explicativas dos gecircneros seja pelo proacuteprio
conceito de gramaacutetica em que parece se pautar12 Como se sabe a erudiccedilatildeo alexandrina tem
vasta influecircncia na educaccedilatildeo romana desde a eacutepoca dita claacutessica Natildeo seria de se espantar
pois que tal crestomatia fosse um escrito desse provaacutevel professor de Marco Aureacutelio
ensinando sobre letras em geral e os muitos gecircneros poeacuteticos dos gregos ainda mais se
julgarmos que o texto teria um fim didaacutetico
Haacute que se avaliar entatildeo qual dessas duas hipoacuteteses parece mais verossiacutemil e se natildeo
haacute indiacutecios suficientes para confirmar a primeira parece haver menos para desacreditaacute-la
salvo se julgue radical e absurdamente que como filoacutesofo platocircnico o Proclo do seacutec V natildeo se
ateria agrave poesia e agrave atividade filoloacutegica de que a Crestomatia eacute um testemunho Contudo a natildeo
ser que o Suda esteja profundamente equivocado vemos que como comentador alguma
parcela da atividade do diaacutedochos lidava sem contradiccedilatildeo alguma com isso que designamos
criacutetica filoloacutegica ou literaacuteria
Nesse sentido a filiaccedilatildeo de Proclo a Oacuterion como um de seus professores seria um
argumento determinante primeiro porque o longo cataacutelogo de espeacutecies liacutericas do epiacutetome
11 Sejam os dois principais editores e comentadores do texto ie Severyns e Ferrante sejam quantos percebem a
indissociaacutevel apropriaccedilatildeo da categorizaccedilatildeo aventada pelo gramaacutetico alexandrino Diacutedimo de Calcentero 12 Conceito no qual o gramaacutetico jaacute natildeo era apenas aquele que ensinava as letras mas sim o especialista em tudo
quanto agraves tangenciava inclusive os instrumentos e doutrinas de retoacuterica e poeacutetica com os quais os antigos faziam
o que hoje diriacuteamos ldquocriacutetica literaacuteriardquo Tal discussatildeo ainda ocuparaacute boa parte de nosso trabalho (134 paacuteg 38)
18
traz em mais de uma passagem similaridades com o Leacutexico do gramaacutetico13 segundo porque
como se sabe tal obra seraacute aproveitada pela profiacutecua atividade lexicograacutefica bizantina dos
seacuteculos posteriores e natildeo eacute nada infundado supor que o proacuteprio Proclo apoia-se nas liccedilotildees do
professor (e esse provavelmente toma por base a obra de Diacutedimo) A julgar pelas
similaridades tal transmissatildeo natildeo eacute absurda e nesse caso o Proclo de quem falamos soacute pode
ser o diaacutedoco
A dificuldade de identificaccedilatildeo resta pois inevitavelmente atrelada ao que seria o
nome dessa obra que se identifica com o resumo de Foacutecio tatildeo somente por uma palavra
levando-nos ao problema mesmo de definir seu conteuacutedo pois se nos fosse perfeitamente
possiacutevel circunscrevecirc-lo obtendo um vislumbre mais amplo dos assuntos do texto seria
possiacutevel caracterizaacute-lo melhor e daiacute compreendendo em que consistiria essa crestomatia
reconsiderar a atribuiccedilatildeo
Inevitavelmente nessa linha de raciociacutenio haacute que se considerar tambeacutem qual
ldquogramaacuteticardquo eacute essa de que falam os testemunhos mais especificamente que noccedilatildeo de
gramaacutetica eacute essa
13 O NOME E A OBRA
131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio
O problema mais imediato referente agrave leitura do texto resumido estaacute logo em sua
primeira linha a ordem das palavras e o arranjo sintaacutetico criam dificuldades para determinar o
quecirc exatamente foi primeiro lido e depois resumido por Foacutecio
Praticamente todos os epiacutetomes de sua Biblioteca se iniciam pela forma
(anegnoacutesthe) que eacute formular nessa obra e se refere mais amplamente natildeo soacute ao que foi lido
mas ao fato de que se realizou mais uma das sessotildees (ou seacuterie de sessotildees) de leituras do
ciacuterculo de letrados em torno do entatildeo embaixador Foacutecio na qual seu irmatildeo Taraacutesio natildeo podia
estar presente por ter ficado em Constantinopla Como se sabe pela dedicatoacuteria mesma da
Biblioteca (Bekker 1824 ndash 25) essa eacute a motivaccedilatildeo primeira para a escrita da extensa obra
13 Cf Traduccedilatildeo n 54 paacuteg 116 e n 56 57 e 58 paacuteg 117
19
tomar nota dos textos que foram tratados e de diferentes coisas relativas a eles Eacute pela referida
forma verbal aliaacutes que se pode identificar quando acaba um resumo e inicia-se outro
A Biblioteca de Foacutecio portanto consiste de diferentes ndash antes de dizermos resumos ndash
notas ou anotaccedilotildees referenciais do que era objeto das sessotildees de leituras Assim eacute que certas
palavras como eacute o caso de eklogaiacute (ldquocoletacircnea extratos excertosrdquo) que figura na introduccedilatildeo
do resumo do coacutedice 239 na liccedilatildeo aqui adotada de Severyns ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τοῦ
ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου χρηστομαθείας γραμματικῆς ἐκλογαίrdquo geram dificuldades
de interpretaccedilatildeo por natildeo permitirem estabelecer com exatidatildeo a que etapa se referem de todo
esse processo que resulta na confecccedilatildeo da Biblioteca se por vezes o termo parece
claramente se referir a um livro que foi tido em matildeos e era ele mesmo uma coletacircnea
excertos coligidos por outras parece que o mesmo termo se refere a uma coletacircnea de textos
ou de grupos de textos mais longos feita pelo proacuteprio grupo senatildeo por Foacutecio ele mesmo
Exemplo bem evidente do primeiro caso eacute o epiacutetome de Estobeu cuja obra eacute
conhecidamente uma coletacircnea assim mesmo nomeada ao longo dos seacuteculos
ldquo[1]14 Ἀνεγνώσθη ltἸωάννου Στοβαίουgt ἐκλογῶν ἀποφθεγμάτων ὑποθηκῶν βιβλία
τέσσαρα ἐν τεύχεσι δυσίrdquo
ldquoLeram-se dos excertos ditos notaacuteveis e conselhos de Joanes Estobeu quatro livros em
dois volumesrdquo
(Foacutecio op cit 167 112a 14 ndash 16 traduccedilatildeo e grifo do autor)
A maior literalidade visada nesta traduccedilatildeo busca nos introduzir a uma das formas
padrotildees de se apresentar os resumos das leituras ao longo da Biblioteca Neste caso a
traduccedilatildeo ao peacute da letra ndash por assim dizer ndash da forma verbal que encabeccedila os epiacutetomes (ldquoleram-
serdquo) eacute simples e imediatamente aceitaacutevel porque ao fim de tudo haacute um nominativo neutro
plural (bibliacutea) que clara e gramaticalmente concorda com a forma verbal de que eacute sujeito O
que se leu aqui foram os ldquoquatro livros em dois tomosrdquo que vecircm definidos pelos genitivos de
conteuacutedo que os precedem que vecircm por sua vez precedidos pelo genitivo de posse ou
origem designando quem apontariacuteamos como autor Aqui portanto a sintaxe natildeo exige para
que se natildeo trunque o portuguecircs um arranjo outro para a forma verbal como o que se adotou
logo agrave primeira linha da traduccedilatildeo do coacutedice 239 (v Traduccedilatildeo paacuteg 109 e nota 1 agrave mesma) A
proacutepria obra de Estobeu eacute conhecida por ser um exemplo de eklogeacute eklogaiacute que se fazia na
14 Numeram-se aqui as introduccedilotildees dos coacutedices citados a fim de se poder citaacute-los como exemplos de construccedilotildees
gramaticais
20
antiguidade ie excertos coligidos de diferentes autores visando agrave reuniatildeo de um saber ou
no caso de Estobeu saberes
No geral a forma verbal concorda com alguma palavra singular geralmente
designando que tipo de obra se leu o gecircnero do escrito uma ldquohistoacuteriardquo ie uma obra
historiograacutefica (as quais sobejam na Biblioteca) uma epiacutestola um discurso etc Exemplos
ldquo[2] Ἀνεγνώσθη ltΒασιλείου Κίλικοςgt ἐκκλησιαςτικὴ ἱστορίαrdquo
ldquoLeu-se histoacuteria eclesiaacutestica de Basiacutelio Ciliacuteciordquo
(Idem 42 9a 21)
ldquo[3] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜαξίμουgt λόγος ἀσκητικός εἰς πεῦσιν ἐσχηματισμένος
καὶ ἀπόκρισινrdquo
ldquoLeu-se de Santo Maacuteximo um discurso asceacutetico15 esquematizado em pergunta e
respostardquo
(Idem 193 157b 33 ndash 34)
[4] Ἀνεγνώσθη τοῦ αὐτοῦ ἁγίου ἀνδρὸς πρὸς Γεώργιον ἔπαρχον ἐπιστολήrdquo
ldquoLeu-se do mesmo santo homem uma carta ao prefeito Geoacutergiordquo
(Idem 194 158a 13 ndash 14)
Agraves vezes se nomeia a obra por sua finalidade ou destinaccedilatildeo (e geralmente aiacute se tem
preposiccedilatildeo)
ldquo[5] Ἀνεγνώσθη ltΓρηγορίου Νύσσηςgt ὁμοίως ὑπὲρ Βασιλείου κατὰ Εὐνομίουrdquo
ldquoLeu-se de Gregoacuterio de Nisa igualmente por Basiacutelio contra Eunocircmiordquo
(Idem 6 3b 17 ndash 18)
Em outras palavras um texto apologeacutetico em favor das opiniotildees de Basiacutelio contra Eunocircmio
Contudo por vezes lecirc-se
ldquo[6] Ἀνεγνώσθη ltΘεοπόμπουgt λόγοι ἱστορικοί
rdquo
(Idem 176 120a 6 ndash 7)
15 Asceacutetico de treino preparatoacuterio
21
O nominativo natildeo concorda gramaticalmente com a forma verbal embora como em
todas as linhas introdutoacuterias de um novo resumo apoacutes o verbo haja sempre o genitivo (ora
com preposiccedilatildeo) que nomeia a origem do que se lecirc geralmente a pessoa a quem se atribui o
objeto da leitura Natildeo se diraacute aqui autor porque nosso problema eacute justamente esse Da
traduccedilatildeo literal ndash ldquoleram-se16 de Teopompo discursos [ou arrazoados] histoacutericos De seus
discursos histoacutericos 53 satildeo os preservadosrdquo ndash chama-nos a atenccedilatildeo aqui o segundo periacuteodo
O que se pode inferir (bem como de outras muitas passagens semelhantes) eacute que as sessotildees do
ciacuterculo de Foacutecio em algum momento dedicaram-se agrave leitura do provaacutevel historiador do
seacuteculo IV AC de quem a julgar pelo conteuacutedo do coacutedice (uma avaliaccedilatildeo geral sobre sua
cronologia temas e escritos vida e estilo do autor) 53 peccedilas estiveram em matildeos de Foacutecio e
seus circunstantes e foram objeto de suas leituras Essa passagem nos aproxima daquilo que
provavelmente era o material da Biblioteca como eacute de se esperar o que o grupo tinha em
matildeos eram manuscritos diversos em diversos rolos (tomos) Essa imagem aproximada torna-
se mais viacutevida nas passagens em que haacute uma preocupaccedilatildeo maior em se notificarem as fontes
do que se lecirc como por exemplo nos coacutedices de 172 a 174 dedicados agraves leituras de obras de
Joatildeo Crisoacutestomo
ldquo[7] Ἀνεγνώσθη τοῦ ltΧρυσοστόμουgt ὁμιλίαι εἰς τὴν γένεσιν ξʹ καὶ μία ἐν τεύχεσι
τρισίν ὧν τὸ μὲν πρῶτον ὁμιλίας περιεῖχεν κʹ τὸ δεύτερον δὲ δεκα έξ τὸ τρίτον κεʹrdquo
ldquoLeram-se de Crisoacutestomo 61 homilias agrave Criaccedilatildeo em trecircs rolos [ou volumes tomos]
dos quais o primeiro compreendia 20 o segundo dezesseis o terceiro 25rdquo
(Idem 172 118b 15 ndash 18)
Em se tratando natildeo apenas de um anuacutencio do que se lecirc mas de uma descriccedilatildeo do
objeto a interpretaccedilatildeo mais plausiacutevel para a falta de concordacircncia entre o nominativo e a
forma verbal no grego eacute a de que se trata do ldquotiacutetulordquo natildeo da obra entendida como noacutes
modernos concebemos nossa relaccedilatildeo com os produtos do mercado editorial todos
(teoricamente) individualizados por uma designaccedilatildeo particular (e ldquoparticularizanterdquo) mas
funcionalmente como aquilo que o copista inscreve no topo do manuscrito para nomeaacute-lo e
permitir a identificaccedilatildeo descritiva do objeto um cabeccedilalho Da mesma forma deveriacuteamos
considerar quando dizemos ldquoobrardquo que tambeacutem natildeo se trata de tal como concebemos hoje
16 Marcar-se-atildeo assim as traduccedilotildees de anegnoacutesthe justamente porque se discutiraacute sua adequaccedilatildeo a como se leem
e interpretam suas ocorrecircncias nas diferentes passagens
22
mas do texto o manuscrito que o copista tem em matildeos e esse eacute como o grego os nomeia
ldquologosrdquo um discurso
Assim se observa no texto grego da biblioteca aquilo que na tipografia moderna
indicariacuteamos de diferentes maneiras maiuacutesculas itaacutelico aspas etc o que jaacute implica mesmo
que inconscientemente uma forma outra de conceber o objeto Retomando nosso uacuteltimo
exemplo deveriacuteamos pensar que mesmo pertencentes ao domiacutenio comum dos disciacutepulos de
Foacutecio futuro patriarca da igreja do oriente e mesmo sendo renomados nesse contexto da
religiatildeo ortodoxa abertos os rolos estava-se diante de ldquo61 homilias de Crisoacutestomordquo e natildeo drsquo
ldquoAs Sessenta e Uma [ou quantas sejam] Homilias de Joatildeo Crisoacutestomordquo
Nossa dificuldade entatildeo retomando a palavra que observamos tambeacutem no epiacutetome de
Estobeu torna-se precisar o significado de eklogaiacute nesses diferentes contextos Observemos
por exemplo o que ocorre no coacutedice 273 em que a construccedilatildeo logo apoacutes o verbo assemelha-
se agravequela da introduccedilatildeo da Crestomatia
(8) ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τῶν τοῦ μακαρίου ltΘεοδωρήτουgt λόγων οὓς εἰς τὸν ἐν ἁγίοις
Ἰωάννην τὸν Χρυσόστομον συνετάξατο ὧν ἡμεῖς πέντε τέως εἴδομεν ἐξ ὧν καί τινας
ἐκλογὰς τὰς ὑποτεταγμένας παρεγραψάμεθαrdquo
(Idem 273 507b 15 ndash 18)
Partindo para uma traduccedilatildeo literal o quanto possiacutevel ldquoLeu-se [fez-se leitura] a partir
dos discursos [ou arrazoados] do abenccediloado Teodoreto (que compilou sobre a santidade de
Joatildeo Crisoacutestomo) dos quais estudamos cinco ateacute entatildeo e a partir dos quais copiamos alguns
excertos abaixo arroladosrdquo ndash considere-se que paregrapsaacutemetha ldquocopiamosrdquo indica o
proacuteprio ato de ldquoescrever ao ladordquo copiando em outro manuscrito trechos selecionados a
partir do manuscrito que primeiramente se leu Chama a atenccedilatildeo o fato de que a primeira
oraccedilatildeo natildeo precisa de um nominativo Essa construccedilatildeo da forma passiva mais a preposiccedilatildeo ek
eacute diferentemente entendida e explicada pelos editores do coacutedice 239 todos editores ateacute
Severyns mesmo natildeo adotando-a propotildeem que o ideal seria a correccedilatildeo para o plural (Cf
Severyns op cit I 173) Esse rejeita imediatamente a hipoacutetese pois que natildeo consta em
nenhum manuscrito De fato natildeo se trata do coacutedice 239 julgado por si apenas mas como um
coacutedice da Biblioteca Explica a forma poreacutem tatildeo somente como um uso da linguagem de
Foacutecio advindo da repeticcedilatildeo17 Ferrante (1957 paacuteg 1) adota a liccedilatildeo de Severyns explica qual
17 ldquoSupposeacute mecircme que fucirct le sujet grammatical le pluriel du verbe ne serait pas encore de rigueur dans
la langue de Photius Car aacute force drsquoecirctre reacutepeacuteteacute devient chez lui une espegravece de mot invariable et
mecircme degraves les premiegraveres pages de la Bibliothegraveque on trouve des expressions comme cellescirdquo Entatildeo Severyns
23
a leitura gramatical que se deve fazer da frase e diz da forma verbal que ldquotem valor
impessoalrdquo o que eacute uma parte do proposto aqui ldquoformularrdquo18 Nenhum autor faz menccedilatildeo
discutindo esta construccedilatildeo agraves ocorrecircncias da terceira pessoa do plural na introduccedilatildeo de alguns
coacutedices ocorrecircncias essas que parecem muito bem justificadas A terceira pessoa do plural
aparece nos coacutedices 192B 216 260 261 e 269 por razatildeo que jaacute se deduz na passagem da
primeira para a segunda parte de 192 O coacutedice 192A refere-se ao livro de Santo Maacuteximo a
Taraacutessio contendo 164 resoluccedilotildees de questionamentos Observemos o que descreve o coacutedice
192B
ldquo[9] Ἔτι ἀνεγνώσθησαν αὐτοῦ καὶ ἐπιστολαὶ περὶ διαφόρων ὑποθέσεων ψυχωφελῶν
τε καὶ ἀναγκαίων τοῖς ὀρθοῦν τε τὰ ἤθη καὶ τὸν νοῦν ἐγρηγορότα συντηρεῖν πρὸς τὴν
εὐσέβειαν ἐσπουδακόσι τὸν ἀριθμὸν ζʹ καὶ κʹrdquo
ldquoAinda dele tambeacutem se leram epiacutestolas acerca de diferentes argumentos espirituais
necessaacuterios aos que estatildeo empenhados tanto em corrigir os costumes como preservar a mente
desperta agrave piedade 27 quanto ao nuacutemerordquo
(192b 157a 11 ndash 14)
Em princiacutepio poder-se-ia pensar que a forma verbal estaacute no plural para concordar com
o nominativo plural epistolaiacute mas consoante ao observado isso seria uma exceccedilatildeo em uma
obra de 280 coacutedices a todas as ocorrecircncias anteriores do tipo dos exemplos 6 e 7 acima
citados em que essa concordacircncia natildeo ocorre Diversos elementos aqui podem nos ajudar a
formular uma hipoacutetese para a variaccedilatildeo da forma hipoacutetese que parece se confirmar nos demais
coacutedices que trazem o plural e oferecem menos indiacutecios agrave conjectura
Observem-se as formas eacuteti e kaiacute da primeira oraccedilatildeo Referem-se ao coacutedice anterior
192A dedicado a resumir uma obra que parece bem extensa Nesta divisatildeo B do mesmo
coacutedice informa-se que se continuou lendo o mesmo autor mas natildeo uma obra completa ie
natildeo apenas uma uacutenica obra dele Fez-se uma seleccedilatildeo do que seria objeto da leitura
especificado apenas no fim pelo acusativo de relaccedilatildeo tograven arithmograven zacute kaigrave kacute Pode-se imaginar
que Foacutecio provavelmente quem determinava o que se leria ou natildeo aquilo que estaria
circunscrito a esta ou agravequela seccedilatildeo (ie na hipoacutetese de diferentes matildeos escrevendo ou
revezando-se em escrever as anotaccedilotildees que comporiam a Biblioteca) ou pelo menos quem
exercia a funccedilatildeo de organizar as sessotildees julgou prudente complementar este coacutedice dedicado
a Satildeo Maacuteximo com 27 epiacutestolas que natildeo eram elas mesmas se todas copiadas num mesmo
arrola coacutedices cuja construccedilatildeo eacute condizente com as dos exemplos 6 e 7 aqui ie verbo + genitivo + nom plural
(Severyns op cit I p 173) 18 Cf nota 1 agrave Traduccedilatildeo paacuteg 109
24
manuscrito ou coacutedice um conjunto intitulado pela palavra (no nominativo pois se trataria do
tiacutetulo) epistolaiacute Como se observa pela descriccedilatildeo mesma as epiacutestolas se unem pelo conteuacutedo
e aqui sim satildeo reunidas em um mesmo coacutedice ou parte de um (192B) que se soma agrave
primeira metade de 192 e o complementa O que se faz aqui no sentido menos teacutecnico da
palavra principalmente porque ela natildeo aparece natildeo deixa de ser uma eklogeacute no sentido de
uma reuniatildeo uma seleccedilatildeo como testemunhada no exemplo 8 acima referente ao coacutedice 273
Neste caso de fato a forma verbal deve concordar no plural com ldquoepiacutestolasrdquo porque sim natildeo
constitui um ldquotiacutetulordquo como anteriormente entendido nos casos acima estudados natildeo eacute a
palavra ou parte do conjunto de palavras que nomeia o manuscrito ou manuscritos objetos das
sessotildees de leitura mas sim o substantivo comum e forccedila a concordacircncia da forma que surge
em cinco dos 280 coacutedices
Isso nos leva a uma hipoacutetese para explicar as diferenccedilas de emprego o singular vai
com os ldquotiacutetulosrdquo por assim dizer enquanto o plural distingue documentos textos separados
agora reunidos em uma mesma ediccedilatildeo ie especifica partes diacutespares ou conjuntos delas que
estatildeo sendo lidos e que pelo menos no material de que os letrados junto a Foacutecio dispunham
provavelmente natildeo se encontravam reunidos sob um mesmo tiacutetulo ou mais propriamente
intitulaccedilatildeo para consoar com o que se defende aqui Isso se exemplifica pelas outras quatro
ocorrecircncias do plural nos coacutedices 216 260 261 e 269 A forma plural serve tanto para indicar
que diferentes textos estatildeo resumidos num mesmo coacutedice como no caso de 192B19 como
para indicar que os proacuteximos coacutedices na sequecircncia satildeo uma seleccedilatildeo de diferentes textos que
estatildeo agora sendo agrupados concomitantemente agraves sessotildees e agrave confecccedilatildeo da Biblioteca
Em resumo a forma ldquo rdquo referir-se-ia a uma ldquocoletacircneardquo de leituras ie
agrave leitura de ldquofontesrdquo filoloacutegicas ou de objetos filoloacutegicos diferentes concorda portanto com
diferentes nomeaccedilotildees de manuscritos
Eacute impressionante como essas formas gramaticais acabam por testemunhar na verdade
numerosa atividade filoloacutegica Assim eacute que o iniacutecio do coacutedice 216 notifica-nos a leitura
(anegnoacutesthesan) de dois grupos de textos (a forma plural concordando com o sujeito
composto portanto) ldquo4 livros que compreendem A Ciecircncia Meacutedica [provavelmente a
intitulaccedilatildeo] estabelecida por Oribaacutesio e ainda outros 7 [sc de Ciecircncia Meacutedica] do mesmo
homem e publicada sobre [em relaccedilatildeo a]o mesmo modelordquo Aqui a forma plural que
encabeccedila o coacutedice 216 pontua justamente essa secccedilatildeo pois que ateacute a o coacutedice 220 tratar-se-aacute
desses livros Leia-se o grego
19 Possibilidade de que 260 e 261 tambeacutem satildeo exemplos
25
ldquo[10] Ἀνεγνώσθησαν βιβλία δʹ ἃ τὴν πραγματείαν ἰατρικὴν ltὈρειβασίῳgt
συντεταγμένην περιεῖχε καὶ ἔτι ἕτερα ζʹ ἀνδρός τε τοῦ αὐτοῦ καὶ εἰς παραπλήσιον
ἐξενηνεγμένην τύπονrdquo
Observe-se que o particiacutepio perfeito meacutedio-passivo feminino exenenegmeacutenen soacute pode
concordar com tegraven pragmateiacutean iatrikeacuten o que nos leva a subentender que ldquoos 7 livros do
mesmo homemrdquo tecircm a mesma intitulaccedilatildeo dos quatro anteriores o que inclusive explica o
conteuacutedo da participial Observe-se principalmente como o verbo inicial que introduz o coacutedice
vai para o plural para concordar com dois nuacutecleos do sujeito bibliacutea dacute e eacuteti heacutetera z que
correspondem aos dois conjuntos de textos que neste momento da confecccedilatildeo da Biblioteca
foram objeto do ciacuterculo de leituras
Dos referidos coacutedices sem duacutevida os que melhor comprovam isso satildeo o 269 e os
seguintes pois introduzindo a leitura de ldquo21 discursos de diferentes homens santosrdquo pela
forma plural o resumo de cada um deles a comeccedilar pelo mesmo coacutedice e posteriormente nos
demais ateacute o fim da Biblioteca seraacute introduzido pela respectiva forma singular20
132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239
Mediante o exposto eacute mais provaacutevel que em formulaccedilotildees como esta do coacutedice 161
(103a)
ldquo[11] Ἀνεγνώσθη ἐκλογαὶ διάφοροι ἐν βίβλοις ιβʹ ltΣωπάτρουgt σοφιστοῦ
Συνείλεκται δὲ αὐτῷ τὸ βιβλίον ἐκ πολλῶν καὶ διαφόρων ἱστοριῶν καὶ γραμμάτωνrdquo
ldquoLeram-se diferentes excertos em 12 livros de Soacutepater o sofista Seu livro foi
coligido a partir de muitas e diferentes investigaccedilotildees e textosrdquo
semelhante agrave do epiacutetome 239 pela ocorrecircncia da palavra eklogai esta seja parte da intitulaccedilatildeo
do manuscrito que eacute objeto de leitura e resumo igualmente21 A julgar pelo que se diz na
20 Cf Biblioteca 479b 36 em diante 21 Portanto a traduccedilatildeo segundo os criteacuterios editorias e diagramaacuteticos de hoje se consideramos que pelo menos
eklogaiacute faz parte da traduccedilatildeo seria ldquoLeu-se diferentes Excertosrdquo
26
sequecircncia o proacutepria copista reconhece que se lecirc sob a designaccedilatildeo de eklogaiacute neste caso de
Soacutepater obra de coletacircnea ou excertos
Mas este ainda natildeo eacute o caso de nosso epiacutetome haacute mais um agravante o coacutedice 239 se
assemelha a um conjunto de epiacutetomes que vecircm introduzidos pela preposiccedilatildeo ek mais genitivo
apoacutes a forma verbal Como por exemplo no coacutedice 254
ldquo[12] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς μαρτυρικῆς Τιμοθέου τοῦ ἀποστόλου συγγραφῆς22rdquo
ldquoLeu-se [realizou-se leitura] a partir do relato testemunhal do apoacutestolo Timoacuteteordquo
(468b 2)
Nestes casos parece que a introduccedilatildeo feita pelo resumidor estaacute antes mais focada em
reconhecer o tipo de obra a ser lido do que referir diretamente agrave intitulaccedilatildeo da mesma
podendo sim o termo que vem no genitivo apoacutes a preposiccedilatildeo ser essa intitulaccedilatildeo Caso
obscuro eacute o do epiacutetome 240 logo apoacutes a Crestomatia
ldquo[13] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltἸωάννου τοῦ Φιλοπόνουgt εἰς τὴν ἑξαήμερον
rdquo
(240 322b 2)
Eacute difiacutecil ater-se agrave literalidade para traduzir tal passagem ldquoLeu-se a partir lsquodas coisasrsquo
sobre os seis dias de Joatildeo Filoacutepono querdquo23 Contudo a mesma explicita bem nosso
problema a saber o de uma leitura que eacute parcial Dois elementos chamam a atenccedilatildeo
Primeiramente a construccedilatildeo da forma verbal acrescida do termo preposicionado
parece referir de forma mais viacutevida (se pensarmos na semacircntica do grego) agrave proacutepria situaccedilatildeo
de leitura de que os volumes da Biblioteca se originam A forma parece possuir aqui um
aspecto mais forte ndash observado por Severyns e mantido tanto em Ferrante como nesta
traduccedilatildeo ndash de pontuar o caraacuteter resumido de que se leraacute algo a partir do que foi mais uma
sessatildeo ou sessotildees de leitura Falando por paraacutefrase eacute como se aquela forma de apresentaccedilatildeo
observada nos epiacutetomes anteriores (1 ndash 10) fosse um equivalente da nossa enumeraccedilatildeo
lacocircnica que recorre aos dois pontos ndash ldquoleu-se Homilias ao Gecircnese de Crisoacutestomo etcrdquo
22 Lembrando-se de que a suggrafeacute eacute especificamente o relato escrito o relato anotado 23 Mais uma vez a noccedilatildeo que na traduccedilatildeo do coacutedice 239 traduziu-se de modo perifraacutestico por ldquorealizou-se
leiturardquo natildeo foi adotada definitivamente pelos fins explicativos deste capiacutetulo para o cabeccedilalho dos demais
epiacutetomes semelhantes ao da Crestomatia mas ou apenas mencionada nos casos em que seria possiacutevel mantecirc-la
sem afetar a literalidade do que vem em seguida ou utilizada quando uacutenica maneira de manter legiacutevel essa
mesma traduccedilatildeo (infra exemplo 15) Cf Traduccedilatildeo nota 1 paacuteg 109
27
enquanto esta forma seria mais descritiva e analiacutetica ldquoleu-se realizou-se leitura deu-se
leitura a partir de lsquoxrsquo (ek + gen) etcrdquo
Em segundo lugar a presenccedila do artigo neutro plural se laacute naquela outra foacutermula por
assim dizer a brevidade e a introduccedilatildeo dos nominativos permitia identificar o que
chamaacutevamos intitulaccedilatildeo no caso desta formulaccedilatildeo mais descritiva ela nem sempre parece
clara Se focircssemos tentar inferi-lo o ldquotiacutetulordquo da obra nos nossos termos seria ldquoTagrave eis tegraven
exaeacutemeronrdquo ou ldquoEis tegraven exaeacutemeronrdquo Traduzindo (certamente) sem nenhum fim esteacutetico ldquoAs
Coisas sobre Os Seis Diasrdquo ou ldquoSobre Os Seis Diasrdquo A rigor o que se lecirc em grego tanto em
12 como em 13 parece mais uma descriccedilatildeo sendo que neste o texto parece dizer que se
realizou uma seccedilatildeo de leitura a partir daquilo que Joatildeo diz dos seis dias da Criaccedilatildeo ie o que
ele compocircs escreveu a respeito De fato sabemos que em se tratando do comentador de
Aristoacuteteles cristatildeo ortodoxo e (curiosamente) opositor de Proclo no campo teoloacutegico o
tratado deveria designar-se ie ser intitulado a partir da preposiccedilatildeo Dessarte esse resumo
estaria disposto da seguinte maneira (mais uma vez sem preocupaccedilatildeo esteacutetica nesta traduccedilatildeo
literal) ldquoLeu-se a partir [das coisas do que diz do conteuacutedo do assunto] de Joatildeo Filoacutepono
Sobre Os Seis Dias querdquo E segue-se um texto muito parecido na sua estrutura de reportar
enunciados ie de discurso indireto ao do epiacutetome 239
Parece portanto que o emprego de ek mais genitivo na introduccedilatildeo dos epiacutetomes tem
uma semacircntica intencionalmente partitiva ou ablativa no sentido de que particiona marca a
partir de que se daacute a leitura que apenas hipoteticamente pode natildeo ter sido integral Natildeo agrave toa
junto da palavra eklogeacuteeklogai em diferentes introduccedilotildees serviraacute para pontuar justamente
que o conteuacutedo apresentado natildeo eacute integral
Assim tambeacutem o coacutedice 234 parece muito em sua estrutura com o epiacutetome 239
ldquo[14] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜεθοδίουgt ἐπισκόπου καὶ μάρτυρος ἐκ τοῦ Περὶ
ἀναστάσεως λόγου οὗ ἡ ἐκλογὴ τὰ ὑποκείμενα λέγει
rdquo
ldquoLeu-se [realizou-se leitura] do Santo Metoacutedio epiacutescopo e maacutertir a partir do discurso
acerca da Ressurreiccedilatildeo cuja seleta diz o que se segue
Querdquo
(293a 2 ndash 5)
E assim teriacuteamos mais um texto semelhante ao epitome da Crestomatia ainda mais
considerando os enunciados reportados que se seguem ie a forte evidencia do discurso
28
indireto marcado pelas conjunccedilotildees Mais uma vez as estruturas gramaticais apontam para o
fato de que o texto que se segue eacute ele mesmo uma eklogeacute
Tantos indiacutecios inevitavelmente nos levariam a achar que eklogaiacute no tiacutetulo de nosso
coacutedice referir-se-ia como neste caso ao resumo feito para a proacutepria Biblioteca
Contudo observa-se que ao todo as introduccedilotildees que recorrem agrave forma com
preposiccedilatildeo ek subdividem-se em dois tipos ou aquelas que trazem como se viu essa
descriccedilatildeo da fonte que se lecirc como no tipo 12 de onde eacute possiacutevel inferir um tiacutetulo24 ou outro
subtipo (a que 239 pertence) que traz aleacutem do genitivo uma especificaccedilatildeo da intitulaccedilatildeo ou
pelo pronome relativo mais a forma verbal passiva epigraacutephetai ou entatildeo pelo particiacutepio da
mesma no genitivo Por exemplo
ldquo[15] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου λόγου laquoΒίος ἢ ἄθλησις τοῦ ὁσίου πατρὸς
ἡμῶν Παύλου τοῦ Κωνσταντινουπόλεως ἐπισκόπου τοῦ ὁμολογητοῦraquo ἐφrsquo ὁμοίᾳ
συστελλόμενος ἐκδόσειrdquo
ldquoRealizou-se leitura a partir do discurso que se intitula Vida e Julgamento do nosso
Sagrado Epiacutescopo e Homolegeta Paulo de Constantinopla resumido a semelhante ediccedilatildeordquo
(257 407a 22 ndash 25)
Em todas essas ocorrecircncias em que se tem o particiacutepio tem-se tambeacutem um nominativo que
designa o tiacutetulo25
Contrapondo isso a todas as demais formas de introduccedilatildeo brevemente consideradas
nesta discussatildeo sobre como se intitularia a obra parece verossiacutemil que fosse porque ela
mesma era em princiacutepio uma coletacircnea de excertos como a de Estobeu (o que eacute plenamente
verossiacutemil) fosse porque chega assim agrave Biblioteca o que se tinha em matildeos para ler e anotar jaacute
levava a inscriccedilatildeo eklogai ie jaacute era uma composiccedilatildeo de excertos uma seleta
Em outras palavras propotildee-se aqui considerar o plausiacutevel parece que todos os
indiacutecios textuais apontam para o fato de que o proacuteprio objeto escrito trazia a palavra eklogaiacute
uma vez que eacute possiacutevel identificar segundo as distinccedilotildees aqui traccediladas quando a palavra estaacute
sendo empregada para designar que um arrazoado um logos maior estaacute sendo posto
nominalmente na forma de ldquoseletardquo Isso pode perfeitamente significar que a palavra fizesse
parte da intitulaccedilatildeo corrente do texto em questatildeo se ele circulava mas natildeo implica
obrigatoriamente como pretende Severyns que ele sempre fora assim e que a palavra fora
posta no ldquotiacutetulordquo pelo proacuteprio Proclo A julgar pelos indiacutecios apresentados que parecem
24 Cf por exemplo coacutedices 242 (Bekker 335a) 253 (idem 467b) 25 Cf tambeacutem coacutedice 256 (idem 469b) 279 (idem 529b)
29
minimamente passiacuteveis aqui de alguma confirmaccedilatildeo nossa hipoacutetese eacute pelo menos tatildeo
verossiacutemil quanto a do referido editor segundo a qual o texto em matildeos dos letrados da
Biblioteca trazia o termo eklogai porque fora assim nomeado (uma ldquocompilaccedilatildeo de excertosrdquo)
pelo proacuteprio ldquoautorrdquo Tatildeo possiacutevel quanto isso eacute a probabilidade de que mesmo que houvesse
a Crestomatia em sua forma original e os eruditos junto a Foacutecio natildeo a tivessem agrave sua
disposiccedilatildeo o que circulou durante as sessotildees de leitura se tratasse de uma seleta uma
compilaccedilatildeo
Diante dessas duas possibilidades ainda a serem consideradas parece que uma sutil
certeza se confirma entre ambas Eacute de supor que pela terminologia apresentada ao longo do
epiacutetome e sua congruecircncia com diversos outros textos de doutrina mesmo que se trate de
excertos copiados e natildeo da obra na iacutentegra eles o satildeo como uma coletacircnea mesmo de
diferentes trechos copiados e coligidos como na obra de Estobeu em que pese aqui o plural
ekologaiacute Pelo que se observa da obra de Estobeu e dos demais textos que chegam a noacutes como
coletacircneas eklogeacuteeklogai podemos afirmar com algum acerto que o texto que temos eacute pelo
menos uma coletacircnea como a referida uma reuniatildeo talvez natildeo de citaccedilotildees diretas mas das
passagens relevantes ou dos ldquodizeresrdquo de uma obra se lembrarmos que ela eacute um logos que eacute
pensada como um ou como uma seacuterie deles Diante de tal texto a funccedilatildeo do editor ou
resumidor da biblioteca poderia ser simplificada seu resumo consistiria em transcrever e
readequar os excertos Nada impede que neste processo algo tenha se perdido por ser
deixado de lado (da proacutepria coletacircnea)26 mas observa-se que o material preservado consiste
justamente em breves topicalizaccedilotildees de termos teacutecnicos que por si mesmos e tudo que
podem referir compotildeem uma espeacutecie de glossaacuterio resumidor de muito quanto se circunscreve
aos ldquosaberes proveitososrdquo das letras ora como objeto da gramaacutetica ora como objeto da
retoacuterica ora como objeto da poeacutetica Talvez essa seja uma explicaccedilatildeo plausiacutevel para o fato de
que introduzindo o coacutedice 239 pela referida forma aqui comentada diferentemente de outras
semelhantes mas natildeo idecircnticas como a do exemplo 15 natildeo haja menccedilatildeo por parte do
resumidor ao ato de abreviar ie agrave confecccedilatildeo do proacuteprio epiacutetome como uma coletacircnea
porque o texto mesmo jaacute era uma reuniatildeo de passagens que ele passa a arrolar topicalizando
ie o objeto escrito que os eruditos da Biblioteca tinham em matildeos jaacute era um breviaacuterio
26 Eacute possiacutevel obter um sutil vislumbre do tipo de coisa que os resumidores podem ter deixado de lado observando
a inclusatildeo do ciclo eacutepico Considerando-se o epiacutetome e os resumos eacute possiacutevel fazer algumas conjecturas sobre o
tipo e a quantidade de coisa que natildeo foi anotada no coacutedice debate-se ainda se a Crestomatia continha integral ou
parcialmente aleacutem do ciclo troiano episoacutedios cosmogocircnicos e ou ateacute referentes ao ciclo tebano Cf Estudo
3312
30
Eacute por mais esses elementos que contrariamente aacute hipoacutetese de Severyns ndash muito
refinada e plausiacutevel mas natildeo consoante agrave avaliaccedilatildeo dos diferentes indiacutecios arrolados nesta
introduccedilatildeo ndash defende-se aqui a hipoacutetese de que muito provavelmente mesmo que os eruditos
da Biblioteca pudessem consultar agrave Crestomatia original (se eacute que podemos falar nesses
termos) por tecirc-la consigo ou por poder acessaacute-la em outro lugar o que se compila para a
Biblioteca eacute uma seleccedilatildeo daiacute um breviaacuterio (para acentuar a ideia de um segundo momento
em que inevitavelmente a obra foi abreviada) nos moldes de Estobeu quanto agrave sua forma mas
sobre a obra de um uacutenico autor enquanto aquele reuacutene liccedilotildees de diferentes autores Sabemos
que pelo que se entende do termo crestomatia e pelo proacuteprio conteuacutedo do epiacutetome o coacutedice
239 natildeo deixa de ser tambeacutem uma reuniatildeo de diferentes liccedilotildees eacute contudo pelo trabalho
acadecircmico que podemos identificar separadamente o quanto possiacutevel a origem delas em
diferentes textos de doutrina dos saberes antigos (natildeo ignorando o termo ldquogramaacuteticardquo que
parece ser o denominador comum) essa pluralidade circunscreve-se portanto ao termo
ldquocrestomatiardquo ie um uacutenico texto resultante do esforccedilo de compor um ou mais discursos
sucessivos (loacutegoi) tangenciando os diversos temas das diferentes aacutereas pelo eixo comum das
ldquoletrasrdquo (grammatikeacute) Dele fez-se um breviaacuterio uma seleta condensando os toacutepicos cuja
compilaccedilatildeo foi usada no coacutedice 239
A enorme perda de conteuacutedo que haveria se julgaacutessemos ser o coacutedice 239 portanto o
resumo de algo jaacute resumido eacute um dos vaacuterios argumentos de Severyns para defender que a
julgar pela totalidade que se pode vislumbrar no coacutedice natildeo seria esse o caso porque ndash
seguindo esse raciociacutenio ndash muito mais estaria perdido e nos faltaria esse vislumbre Essa perda
eacute questionaacutevel considerados os argumentos acima primeiro a noccedilatildeo de totalidade o
vislumbre de tantos temas diversos tratados em uma mesma obra eacute resultado provaacutevel do que
se tinha por uma crestomatia obra abrangente e natildeo por eklogeacuteeklogaiacute segundo dessa obra
selecionam-se os trechos que contenham resumidamente as liccedilotildees sobre as letras e outros
assuntos que tangenciem esse saber Se observarmos o jaacute citado excerto (paacuteg 16) do
Etymologicum Magnum no verbete ldquoeacutelegosrdquo podemos considerar que talvez natildeo se pautando
diretamente no texto original da Crestomatia o compilador natildeo viu nenhum problema em
fornecer como ldquoProclordquo passagens que satildeo ainda mais reduzidas do que as do coacutedice em
questatildeo mas que contecircm pelo menos as mesmas coisas que ele ou seja toma-as seguramente
como conteuacutedo de Proclo e natildeo de Foacutecio Natildeo haacute por que pois imaginar que os
compiladores da Biblioteca tivessem procedido de maneira diferente em torno do que tinham
ou poderiam acessar da obra Natildeo haacute duacutevida evidentemente que muita coisa que eacute apenas
aludida foi simplesmente suprimida como se vecirc pelo ciclo eacutepico e isso impossibilita
31
justamente o argumento de Severyns segundo o qual natildeo ter acesso agrave obra na iacutentegra geraria
no resumo incongruecircncias ou falta de totalidade
Isso seria condizente finalmente com o uacuteltimo item desse resumo do coacutedice 239 da
Biblioteca de Foacutecio ldquoAqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de
Proclordquo (grifos do autor) O nuacutemero de arrazoados resumidos ou loacutegoi apresentados pelo
resumidor ao fim do coacutedice natildeo equivale ao nuacutemero que no iniacutecio fora dado como o
nuacutemero das partes dessa Crestomatia laacute quatro arrazoados aqui dois Natildeo eacute em vatildeo
portanto que o resumidor preocupa-se bem como nos demais casos de resumos mas agora ao
fim em dar notiacutecias a respeito da disparidade entre o objeto que estaacute agora sendo
confeccionado e o objeto primeiro compilado (como nos casos conforme visto acima em que
se explicita a elaboraccedilatildeo de uma seleta para a Biblioteca) Parece julgar necessaacuterio ao que
tudo indica informar uma disparidade Esse item natildeo poderia senatildeo ser uma nota filoloacutegica
Primeiro o nuacutemero confirma que natildeo se compila a obra por completo mas o que equivaleria
a sua primeira metade seus dois primeiros livros ou arrazoados Mais chama a atenccedilatildeo
todavia a ausecircncia da palavra eklogaiacute aqui Seja porque o objeto escrito uma eklogeacuteeklogaiacute
indicava-o seja porque os letrados ainda estavam em posse dessa informaccedilatildeo a ausecircncia da
palavra busca esclarecer o quanto da obra em questatildeo se leu e agora se disponibiliza a quem
eventualmente acessar a Biblioteca ie o equivalente aos dois primeiros livros ou arrazoados
de outro objeto designado apenas por Proacuteclou Grammatikecircs Khrestomaacutetheia ou Crestomatia
de Letras de Proclo O objetivo dessa passagem que encerra o resumo natildeo eacute senatildeo esclarecer
a equivalecircncia entre o que se resumiu para a Biblioteca a partir de eklogocircn ou seja
ldquoexcertosrdquo equivalentes ao que seria o conteuacutedo da primeira metade da obra original Se natildeo
o fosse por que estaria o resumidor cioso de informar tatildeo especificamente nuacutemeros diacutespares
de partes aleacutem de natildeo empregar a palavra ldquoexcertosrdquo na segunda especificaccedilatildeo
Se o objeto resumido Os Excertos da Crestomatia de Letras de Proclo era uma seleta
apenas dos dois primeiro livros da Crestomatia de modo que por conter a especificaccedilatildeo ou
por saberem-no os eruditos eacute resumido do comeccedilo ao fim com uma especificaccedilatildeo da
equivalecircncia de partes ou se essa equivalecircncia eacute informada justamente porque Os Excertos
tambeacutem compreendiam os outros dois livros mas os eruditos natildeo os incluiacuteram na Biblioteca
isso natildeo eacute possiacutevel saber Em todas as hipoacuteteses poreacutem eacute mais verossiacutemil principalmente
pelo indiacutecio final do texto que os eruditos da Biblioteca compilaram eklogaiacute excertos ou uma
seleta
Resta para talvez ampliar o vislumbre dessa obra inquirir pelo termo grego
khrestomaacutetheia que como se sabe estaacute lexicalizado em nossos bons dicionaacuterios
32
133 O termo ldquocrestomatiardquo
Uma vez que a palavra ldquocrestomatiardquo eacute tradicionalmente entendida como sinocircnimo
direto de ldquocoleccedilatildeo coletacircneardquo o que nos eacute sugerido pelos dicionaacuterios em geral27
inevitavelmente se pensaraacute estar diante de uma dupla coletacircnea o que a princiacutepio consoa
com o exposto leem-se no coacutedice 239 da Biblioteca ldquoexcertos de uma coletacircnea sobre as
Letrasrdquo da antiguidade Embora defendido que seja esse o caso essa simples traduccedilatildeo natildeo nos
permitiria vislumbrar o fato de que o termo crestomatia natildeo se refere tanto agraves dimensotildees ou agraves
proporccedilotildees da obra quanto agraves suas qualidades ou aos traccedilos que a definem como sendo de
certo tipo
Severyns defende em seu estudo que o entendimento de ldquocrestomatiardquo como florileacutegio
natildeo eacute proacuteprio dos antigos28 que tomam o termo como qualificativo ou definidor de uma obra
sem que isso implique um gecircnero de resumo O significado abreviativo derivaria da
interpretaccedilatildeo renascentista do tiacutetulo feita por ocasiatildeo das primeiras publicaccedilotildees impressas da
Biblioteca a partir da metade do seacutec XVI e teria se prolongado como os proacuteprios dicionaacuterios
modernos (Liddel amp Scott Bailly) datildeo a entender ldquoCrestomatiardquo portanto seria tatildeo somente
o que nomeia e define essa obra que pretende fornecer ensinamentos uacuteteis (no sentido praacutetico)
de certo saber (aqui o das Letras) Severyns poreacutem buscando ver totalidade na obra traduz o
nome interpretando-o segundo a hipoacutetese ndash que defende muito coerentemente ndash de que mesmo
a palavra ldquoeklogaiacuterdquo faria parte do tiacutetulo original da obra Justamente por essa leitura junto de
ldquoeklogaiacuterdquo adiciona ldquoabreacutegeacuterdquo ao que em sua traduccedilatildeo seria o tiacutetulo da obra sugerindo que o
significado do termo em questatildeo seria o de acentuar seu caraacuteter de ldquomanualrdquo de liccedilotildees
agregador de diversos ensinamentos supondo claro que se fosse versar detalhadamente
sobre os toacutepicos seria muito maior
Se julgarmos contudo que Severyns estaacute correto quanto agrave interpretaccedilatildeo precisa do
significado da palavra que aqui serve para qualificar certo tipo de texto mesmo sem designaacute-
lo sob uma difundida nomenclatura geneacuterica de uso rigoroso apesar do emprego de eklogaiacute
conforme estudado no item acima entatildeo podemos entender que o simples emprego do termo
ldquocrestomatiardquo como intitulaccedilatildeo bastaria para qualificar a obra por sua finalidade e utilidade
27 Cf Traduccedilatildeo nota 2 Conforme anotado a palavra estaacute lexicalizada nas liacutenguas romacircnicas 28 Severyns op cit tome II 65 ndash 69
33
reunir saberes proveitosos que no caso do texto atribuiacutedo a Proclo contemplam diferentes
autores ou textos Inevitavelmente as duas palavras parecem implicar certa redundacircncia mas
como decorrecircncia do fato de que a noccedilatildeo de khrestomaacutetheia secundariamente implica a noccedilatildeo
de seleccedilatildeo mas natildeo o contraacuterio A palavra eklogeacute referir-se-ia agrave noccedilatildeo geral de ldquoseletardquo
enquanto khrestomaacutetheia a um criteacuterio que nortearia o caraacuteter dessa seleccedilatildeo No caso da
seleccedilatildeo de passagens diversas e ilustrativas do saber de diferentes autores isso implicaria em
uma obra como a de Estobeu que seleciona as passagens de sua Coletacircnea pelo ensinamento
que contecircm O fato de haver certa redundacircncia entre as duas coisas seria mais um argumento a
favor da hipoacutetese de que os eruditos em torno de Foacutecio natildeo leram a obra na iacutentegra A
ocorrecircncia de ambas portanto deve implicar nesse caso que pelo menos nessa passagem
designam coisas diferentes Nesse sentido a obra de Proclo se diria ldquocrestomatiardquo porque o
criteacuterio que a norteia eacute relacionar ensinamentos proveitosos de uma aacuterea em especiacutefico o que
aponta para a caracteriacutestica preponderante do texto a saber conter liccedilotildees que
tradicionalmente satildeo desenvolvidas em textos especiacuteficos de diferentes doutrinas antigas aqui
agremiadas pelo tiacutetulo grammatikeacute gramaacutetica Isso se aventa pelas duas outras ocorrecircncias da
palavra na proacutepria Biblioteca ambas posteriores ao coacutedice 239 A primeira delas que parece
referir-se bem a essa qualidade instrutiva por si soacute consiste no emprego do substantivo no seu
sentido proacuteprio e natildeo teacutecnico para explicar o que se apresenta das Vidas Paralelas a obra de
Plutarco compilada no coacutedice 245
ldquo[16] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltΠλουτάρχουgt παραλλήλων διάφοροι λόγοι ὧν ἡ ἔκδοσις
κατὰ σύνοψιν ἐκλέγεται διάφορον χρηστομαθίανrdquo
(245 393b 9)
O resumidor seguindo o espiacuterito jaacute comentado de para certos casos caracterizar o que
se leraacute em relaccedilatildeo agrave fonte de que se compila (o espiacuterito de nos dar alguma nota editorial do
que se estaacute produzindo) informa-nos que neste coacutedice ldquofez-se a leitura de diferentes
discursos das Vidas Paralelas de Plutarco dos quais a ediccedilatildeo em sinopse seleciona o saber
distintordquo Poder-se-ia seguindo a sugestatildeo de Severyns29 arriscar a traduccedilatildeo por ldquodistinta
erudiccedilatildeordquo uma vez que como laacute demonstrado o substantivo primitivo chrestomateacutes
( ) empregava-se para designar aquele que buscava o saber proveitoso uacutetil o
ldquoeruditordquo Assim a palavra ocorre na introduccedilatildeo ao epiacutetome da obra de Plutarco para
assinalar que natildeo se encontraraacute ali a obra mas que o resumo fruto da leitura ateacutem-se a
29 Severyns op cit II pg 66
34
fornecer os trechos que conteacutem aos olhos de nosso resumidor ensinamentos valiosos ie
aqueles que serviratildeo para ensinar (no caso do gecircnero historiograacutefico atraveacutes de exempla)
A segunda ocorrecircncia (quarta no total) eacute justamente para introduzir outra obra
nomeada ldquoCrestomatiardquo e compilada na Biblioteca a saber a Crestomatia de Helaacutedio
ldquo[17] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς ltἙλλαδίου Βησαντινόουgt ἐπιγ-
ραφομένης πραγματείας χρηστομαθειῶν αʹ βʹ γʹ δʹrdquo
(279 529b 26)
Como se nota natildeo haacute a palavra eklogaiacute nesse caso e a introduccedilatildeo do epiacutetome segue o
mesmo padratildeo dos epiacutetomes anteriormente comentados trazendo um particiacutepio introduzindo a
intitulaccedilatildeo do objeto escrito ldquoTratado de Crestomatia 1 2 3 4rdquo A obra de Helaacutedio como
resumida na Biblioteca parece dedicar suas primeiras seccedilotildees a catalogar informaccedilotildees uacuteteis
sobre palavras ou sobre diversos elementos leacutexicos da pronunciaccedilatildeo correta de certos
vocaacutebulos ateacute usos linguiacutesticos ie quando se empregava preferencialmente esta agravequela
forma ou quando soacute se podia aplicar uma etc Tais saberes uacuteteis tambeacutem seratildeo a respeito das
causas e origens de certos nomes e se trataraacute entatildeo de nomes de lugares ou por que certo
grupo usa tal signo para certa coisa por que tal monumento ou local recebeu seu nome etc e
nesse sentido como ocorre tambeacutem no caso da Crestomatia de Proclo natildeo se distingue
claramente quando o objeto eacute a palavra ou a coisa a discussatildeo linguiacutestica se torna etioloacutegica
Por vezes natildeo haacute essa discussatildeo mas o resumidor anota uma informaccedilatildeo relevante a
passagem de 533b 29 ndash 34 por exemplo eacute dedicada a ordenar o estabelecimento e os locais
das competiccedilotildees atleacuteticas dos gregos30 Do meio em diante pelo menos a julgar pelo epiacutetome
as informaccedilotildees compiladas entatildeo passam agrave origem e histoacuterias diversas de fato definindo o
texto sobre um texto como uma crestomatia sobre coisas diversas
Mais interessante a tiacutetulo de comparaccedilatildeo eacute o fato de que o resumo traz o nome de
autores de que Helaacutedio haure sua ldquoerudiccedilatildeordquo ou ldquosaberes proveitososrdquo Dioniacutesio por exemplo
eacute citado como fonte a partir da qual se arrolam usos proacuteprios dos aticistas31 tais fontes satildeo
dadas nominalmente no epiacutetome muito provavelmente porque o proacuteprio Helaacutedio as
informava uma vez que ocorrem sob a forma de discurso reportado ou indireto ldquoDioniacutesio diz
que os aticistasrdquo e natildeo ldquodiz querdquo como ocorre no coacutedice de Proclo ou seja o coacutedice
informa-nos que na Crestomatia de Helaacutedio ldquoeacute dito que Dioniacutesio diz querdquo e tem-se uma
liccedilatildeo uacutetil como por exemplo ldquoos aticistas natildeo dizem oneacutesamen mas sim
30 Foacutecio Biblioteca 279 533b 29 ndash 34 31 idem 279 529b 29 ndash 34
35
epriaacutemen rdquo e dizem as demais formas do verbo em questatildeo conforme o esperado
morfologicamente32 Eacute pois de se supor que Helaacutedio no suposto texto original dissesse
ldquoDioniacutesio diz querdquo ou seja referia autores fonte das informaccedilotildees uacuteteis que colige Mais agrave
frente sua fonte seraacute ningueacutem menos que o gramaacutetico Diacutedimo
Mais uma diferenccedila se entrevecirc aqui no caso do texto de Helaacutedio o manuscrito agrave
disposiccedilatildeo dos eruditos muito provavelmente por conter ainda a obra por completo trazia seu
autor referindo-se a fontes se natildeo as citando No caso da Crestomatia de Proclo isso natildeo
ocorre As liccedilotildees embora as identifiquemos como pertencentes a diferentes doutrinas satildeo
apenas arroladas uma apoacutes a outra Quando haacute mais de uma hipoacutetese ou possibilidade
principalmente no caso das etimologias geralmente haacute uma menccedilatildeo a ldquooutrosrdquo ou a uma
possibilidade divergente Isso leva a pensar que se a Crestomatia de Proclo tinha as mesmas
dimensotildees que a de Helaacutedio quatro livros trazia ela tantos autores citados na atribuiccedilatildeo de
suas liccedilotildees e diferentes versotildees de etimologias que o resumidor resolveu apenas referir-se a
eles pelo termo ldquooutrosrdquo33 Para aleacutem dos casos em que as diferentes possibilidades
etimoloacutegicas e etioloacutegicas natildeo podem e nem poderiam ser identificadas quanto a sua origem
especiacutefica por natildeo a possuiacuterem (caso de explicaccedilotildees para a origem do epos da elegia do
iambo) eacute de se supor que ou a coletacircnea da obra de Proclo o que se lia natildeo trazia essas
informaccedilotildees por ser uma seleta no sentido discutido de um resumo ou uma primeira
abreviaccedilatildeo ou o autor ele mesmo natildeo as dava por ser um organizador de doutrina ie por
estar focado em organizar saberes doutrinais de modo a instruir Essa segunda hipoacutetese natildeo eacute
de se descartar porque e mais uma vez uma natildeo nega a outra Provavelmente ambas satildeo
verdadeiras pois natildeo eacute de se imaginar que em uma obra com a extensatildeo de quatro livros
como a de Helaacutedio versando sobre diferentes toacutepicos das letras em geral em nenhuma
passagem ocorresse a menccedilatildeo a este ou agravequele autor e o que pensa ou diz sobre determinado
assunto Igualmente eacute de se supor pela mateacuteria do texto que diferentes opiniotildees fossem
apenas referidas a ldquooutrosrdquo como se observa em textos semelhantes como forma padratildeo de
dizer uma vez que satildeo os saberes tradicionalmente consolidados sobre aquele assunto ie as
32 Em outras palavras como diriacuteamos hoje ensina que os autores aacuteticos ldquoclaacutessicosrdquo fazem a 1ordf pessoa do
singular do aoristo do verbo supletivamente ou recorrendo agrave formaccedilatildeo de outro verbo 33 Cf por exemplo 319b 3 ndash 5 sobre as diferentes possibilidades de acentuar a palavra que nomeia o poema
Ciacuteprias do ciclo eacutepico natildeo se identifica ningueacutem aleacutem do autor que proponha e siga essa hipoacutetese bem como
nenhuma autoridade eacute citada em prol da acentuaccedilatildeo vigente ou entatildeo 321a 6 em que haacute uma referecircncia aos que
julgam ser o escoacutelio nomeado por antiacutestrofe Para alguns casos poreacutem natildeo haacute menccedilatildeo e o termo ldquooutrosrdquo se
emprega porque as etimologias jaacute eram assim consolidadas como possibilidades igualmente vaacutelidas para a
mesma coisa ie eram etimologias igualmente aceitas e disseminadas mais ainda autorizadas Eacute o caso claro
das etimologiasetiologias do iambo Cf infra cap 3 seccedilotildees 331 a 333 paacutegs 83 a 95 as explicaccedilotildees satildeo as
mesmas adotadas por exemplo na Gramaacutetica de Diomedes As etimologias para o termo epos tambeacutem jaacute eram
todas consolidadas
36
possiacuteveis explicaccedilotildees que ao longo dos seacuteculos mas principalmente com a atividade editorial
do periacuteodo heleniacutestico em diante foram se consolidando como as ldquoverdadesrdquo aceitas e
igualmente plausiacuteveis Natildeo haacute para elas pois uma origem definida portanto uma fonte a ser
citada
Esse segundo fato se confirma se aceitamos definitivamente que a Vita Homeris do
coacutedex Venetus eacute junto dos demais resumos dos poemas ciacuteclicos laacute contidos excertos da
Crestomatia original Ao referir-se aos diferentes casos particulares da vida de Homero
conforme o proacuteprio epiacutetome diz que fazia em relaccedilatildeo tambeacutem aos demais poetas eacutepicos34
emprega continuamente as expressotildees ldquounsrdquo ldquooutrosrdquo ldquoaquelesrdquo para referir-se aos
diferentes e agraves vezes divergentes ldquoepisoacutediosrdquo da vida de Homero Ora nada mais consolidado
no acircmbito da cultura geral do que Homero e as diferentes histoacuterias a respeiro dele sua morte
sua origem etc Eram todas versotildees consolidadas e discutidas sem terem origem precisa e
identificada Essa Vita ou biografia do vate tambeacutem nos ilustra que sim inevitavelmente
quando tratando de informaccedilatildeo ou hipoacutetese mais teacutecnica inevitavelmente o autor referiria
uma fonte ou origem dessa informaccedilatildeo Eacute o que ocorre quando se discute primeiro sua
origem
Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu
Dizem que Meatildeo pai de Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem
de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades filho de Carifemo
filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de
Doriatildeo filho de Orfeu
Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas
(Vita Homeri 19 ndash 24 in Severyns IV paacuteg 69 trad do autor)
Essas eram opiniotildees sobre Homero solidamente proferidas por outros e assim
identificadas
Nos dois paraacutegrafos imediatamente anteriores e no paraacutegrafo imediatamente posterior
por exemplo temos informaccedilotildees ou episoacutedios anedoacuteticos sobre Homero e nesses casos
vemos a praacutetica de atribui-los a ldquooutrosrdquo indefinidos
[] uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de
Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral
reclama o homem pelo que razoavelmente pode ser dito cosmopolita
34 ldquoOs mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro Paniacuteasis e Antiacutemaco Desses discorre na
medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas histoacuterias particularesrdquo Proclo apud Foacutecio
Biblioteca 239 319a 17 ndash 21
37
Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era
Meatildeo e que foi concebido perto do Rio Meles motivo pelo qual
tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado Homero
[Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea
[refeacutem ] aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo
esse nome por causa da deficiecircncia dos olhos Os cegos de fato eram
chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios
(idem 9 ndash 18 paacuteg 68 trad do autor)
e
ldquoSobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua
proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta respostardquo
(idem 25 paacuteg 68 trad do autor)
Note-se que no primeiro caso inculise fezem-se etimologias
Mais agrave frente discutindo a o periacuteodo em que Homero teria vivido
Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na
eacutepoca da imigraccedilatildeo jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno
dos Heraclidas e o evento em torno dos Heraclidas estaacute oitenta anos
depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o
recuam aos tempos de Troia
(idem 59 paacuteg 73 idem)
Vemos a julgar por esse suposto e breve trecho original da Crestomatia que muito
provavelmente como na Crestomatia de Helaacutedio quando alguma liccedilatildeo especiacutefica haurida
deste ou daquela escola era dada era de se imaginar o nome e a atribuiccedilatildeo Tambeacutem como laacute
conforme dito e como se vecirc no proacuteprio resumo de Foacutecio especificamente nos trechos que
versam sobre as celebraccedilotildees ciacutevico-religiosas que originam gecircneros meacutelicos os ldquosaberes
uacuteteisrdquo ie a ldquoerudiccedilatildeordquo a ser transmitida passa a descriccedilatildeo etioloacutegica e histoacuterica (como no
caso da guerra que daacute origem agrave dafnefoacuteria35)
A Crestomatia de Proclo contudo possui um eixo temaacutetico as letras Conclui-se
portanto que entendida natildeo como um gecircnero textual rigorosamente especiacutefico mas como
uma obra de erudiccedilatildeo no sentido de uma reuniatildeo de informaccedilatildeo registro dessa informaccedilatildeo
vaacuteria num documento uacutenico uma crestomatia pode contemplar saberes de diferentes aacutereas e
elementos que no caso de Helaacutedio natildeo teriam uma associaccedilatildeo direta ie natildeo seriam objeto
35 Idem 321a 36 ndash 321b 12
38
de uma mesma obra A reuniatildeo de informaccedilotildees da obra de Proclo visa agrave instruccedilatildeo na aacuterea das
letras Duas perguntas decorrem disso a quais saberes entatildeo ou a quais aacutereas do saber antigo
essa crestomatia se voltaraacute O que se entende por gramaacutetica na intitulaccedilatildeo do coacutedice
134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra
A palavra gramaacutetica que delimita o eixo temaacutetico dessa crestomatia poderia ser
tomada em sua literalidade para efeitos de traduccedilatildeo mas aqui talvez apenas na literalidade
que possuiacutea entre os gregos Essa mesma literalidade poreacutem eacute ampla e polissecircmica dado
que como se sabe passa a designar o ofiacutecio do gramaacutetico Sua funccedilatildeo na antiguidade
compreendeu atividades que tambeacutem noacutes atribuiacuteamos aos gramaacuteticos hoje mas outras que
natildeo Em princiacutepio segundo Dioniacutesio Traacutecio seis seriam as partes da gramaacutetica36
Γραμματική ἐστιν ἐμπειρία τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ
συγγραφεῦσιν ὡς ἐπὶ τὸ πολὺ λεγομένων
Μέρη δὲ αὐτῆς ἐστιν ἕξ πρῶτον ἀνάγνωσις ἐντριβὴς κατὰ
προσῳδίαν δεύτερον ἐξήγησις κατὰ τοὺς ἐνυπάρχοντας ποιητικοὺς
τρόπους τρίτον γλωσσῶν τε καὶ ἱστοριῶν πρόχειρος ἀπόδοσις
τέταρτον ἐτυμολογίας εὕρεσις πέμπτον ἀναλογίας ἐκλογισμός ἕκτον
κρίσις ποιημάτων ὃ δὴ κάλλιστόν ἐστι πάντων τῶν ἐν τῇ τέχνῃ
(Dioniacutesio Traacutecio 1153 ndash 6 3 in Grammatici Graeci)
ldquoA Gramaacutetica eacute o saber dos usos da liacutengua conforme se daacute no
mais das vezes entre os poetas e os escritores
Suas partes satildeo seis a primeira eacute a leitura treinada de acordo
com a prosoacutedia a segunda eacute a exegese segundo os tropos poeacuteticos
existentes a terceira eacute a pronta explicaccedilatildeo das formas dialetais e
histoacuterias quarta a revelaccedilatildeo da etimologia quinta o cocircmputo das
analogias sexta a avaliaccedilatildeo [o juiacutezoapreciaccedilatildeo] de poemas que eacute a
mais bela de tudo na teacutecnicardquo
(trad e grifo do autor)
Como responsaacutevel por descrever e ensinar o uso devido da liacutengua e por avaliar como
especialista do saber linguiacutestico se um texto era ou natildeo espuacuterio ie determinar a
36 Para uma precisa anotaccedilatildeo da gramaacutetica de Dioniacutesio Traacutecio Cf Dos Santos MM Dioniacutesio da Traacutecia Arte
traduccedilatildeo e notas in Letras Claacutessicas n11 153 ndash 179 2007
39
autenticidade de um texto cabia ao gramaacutetico portanto aquilo que hoje diriacuteamos ldquoo
estabelecimento do textordquo ofiacutecio do filoacutelogo moderno O emprego do termo krisis referindo-
se aos poemas como objeto dessa avaliaccedilatildeo eacute muito semelhante ao que ocorre no epiacutetome
fociano em 319a 1 ndash 3
ldquoΔιαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδίδωσι τίς ἤθους καὶ πάθους
διαφοράrdquo
(Proclo apud Foacutecio 239 319a 1 ndash 3)
ldquoFaz consideraccedilotildees acerca do juiacutezo de poesia no que transmite qual a diferenccedila entre
caraacuteter e afetordquo
Este trecho eacute um dos mais problemaacuteticos do texto porque dado agrave brevidade e agrave
amplitude semacircntica das palavras empregadas possibilita pelo menos mais de uma leitura A
criacutetica notou37 que o conteuacutedo desta primeira oraccedilatildeo e principalmente a expressatildeo kriacutesis
poieacutematos fazem ressoar a sexta parte da empiria gramatical como definida por Dioniacutesio
Traacutecio kriacutesis poiemaacuteton ldquoa mais bela de tudo na teacutecnicardquo Em termos de entendimento
linguiacutestico a dificuldade ocorre primeiro por causa do significado do verbo dialambaacuteno que
semanticamente conteacutem a ideia mesmo de uma kriacutesis um juiacutezo um discernimento
significando ldquotomar separadamente dividir com escruacutepulordquo daiacute ldquodiscernir avaliar
considerarrdquo e justamente ldquojulgarrdquo segundo pela ausecircncia do artigo antes do substantivo kriacutesis
e pelo genitivo singular poieacutematos ao inveacutes de poiemaacuteton (de poema e natildeo de poemas) o
que impossibilita saber se o texto reporta-se agravequela kriacutesis poiemaacuteton (ie avaliaccedilatildeo
julgamento de poemas) que eacute uma parte da gramaacutetica ou se a palavra kriacutesis aqui eacute
empregada (como defende Severyns) em sentido amplo e natildeo teacutecnico junto agrave palavra que no
epiacutetome eacute empregada para designar ldquopoesiardquo siginificando apenas portanto de forma
perifraacutestica que ldquoFoacutecio diz que Proclo faz consideraccedilotildeesrdquo ndash considerando o aspecto verbal do
presente grego lsquoprossegue em suas consideraccedilotildeesrsquo como quer Severyns ndash ldquosobre a avaliaccedilatildeo
da poesiardquo portanto simplesmente ldquoele continua seu exame da poesiardquo que de fato ocorria
em contraposiccedilatildeo agrave prosa desde a distinccedilatildeo entre ambas em 318b 24 (sect3 na ediccedilatildeo de
Severyns) de modo a como se observa a partir de 319a 3 (sect11 idem) logo se concentrar no
que concerne tatildeo somente agrave poeacutetica ie seus gecircneros
Aqui se adota uma terceira leitura contraacuteria a de Severyns mas natildeo totalmente
consoante agrave de Ferrante ndash principalmente nas implicaccedilotildees primeiramente essa kriacutesis
37 cf Severyns (op cit pg 77 ndash 79) para um balanccedilo das leituras e Ferrante (op cit pg 20 ndash 21) para uma
visatildeo ainda contraacuteria a de Severyns)
40
poieacutematos natildeo precisaria orbigatoriamente ser uma alusatildeo ao nome exato da referida parte da
arte gramatical para ser (em se tratando da avaliaccedilatildeo da poesia aqui designada por poiacuteema)
aquele conjunto de avaliaccedilotildees sobre diferentes aspectos do poema Ainda assim natildeo parece
ser o caso
Eacute fundamental pontuar que a passagem deve ser julgada de acordo com o
procedimento geral do resumo ie a forma de resumir O resumidor parece topicalizar
atraveacutes dos termos (quase sempre teacutecnicos) aquilo de que a obra original tratava no respectivo
passo em vez de descrever o que teoricamente Proclo (seja quem for) fazia sem antes
introduzir qual era o objeto ou o toacutepico teoacuterico em questatildeo podendo ater-se ou natildeo a ele
(contrastem-se por exemplo os paraacutegrafos 17 e 69 ndash 78 com os derradeiros referentes agraves
uacuteltimas espeacutecies meacutelicas 93 ndash 99) Se considerarmos como quer Severyns que kriacutesis
poiemaacutetos natildeo eacute um desses termos topicalizados e que ldquonatildeo expressariam senatildeo uma ldquoideia
bem geral natildeo remontando de modo algum agrave sexta parte da arte gramatical tal qual a definiu
Dioniacutesio Traacuteciordquo (sendo um problema exatamente os trechos que aqui sublinho pois assumo
que os termos gregos em si natildeo precisariam ser obrigatoriamente uma citaccedilatildeo tratando-se de
um nome jaacute convencionado para essa atividade) este seria o uacutenico trecho do epiacutetome em que
isso acontece ie em que primeiro se comentaria o que o autor do tratado original faz
(ldquocontinua suas reflexotildees sobre poesiardquo) para soacute depois introduzir o que seria o toacutepico
assinalado a ldquodistinccedilatildeo entre caraacuteter e afetordquo Um outro problema surgiria aqui argumento
favoraacutevel a hipoacutetese defendida se ethos e pathos satildeo os termos teacutecnicos que topicalizam a
passagem ie satildeo o assunto do passo equivalente no suposto texto original entatildeo faltaria
como para os demais casos em que o toacutepico natildeo se explica por um desdobramento da
etimologia uma miacutenima explanaccedilatildeo teoacuterica para ambos como imediatamente antes se fez
para os moldes do dicurso e seus viacutecios Natildeo seria verossiacutemil que se abrisse matildeo dessa
explanaccedilatildeo uma vez que tal distinccedilatildeo entre ethos e pathos natildeo seria menos conhecida que a
doutrina dos gecircneros do discurso Em outras palavras se esse fosse o toacutepico do devido
momento do tratado a que o resumidor se referiria a julgar pelo padratildeo observado referir-se-
ia a ele imediatamente portanto eacute de supor contrariamente que krisis poeiemaacutetos o eacute antes
de diaphoraacute eacutethous kaigrave paacutethos o que inclusive torna mais compreensiacutevel e justificado o
relativo neutro que introduz a segunda oraccedilatildeo
Como uma crestomatia de gramaacutetica aqui entendida como as letras condensando
princiacutepios que em origem satildeo de diferentes disciplinas (gramaacutetica poeacutetica e retoacuterica em
geral) parece razoaacutevel que assim como se falava da doutrina dos gecircneros da elocuccedilatildeo nos
trechos anteriores da obra objeto comum agrave poeacutetica e agrave retoacuterica a distinccedilatildeo entre eacutethos e
41
paacutethos estivesse aqui entre os elementos que eram julgados na avaliaccedilatildeo da poesia Esta liccedilatildeo
parece coerente com o fato de que pelo menos ateacute onde Foacutecio nos daacute notiacutecia apoacutes as
consideraccedilotildees sobre a elocuccedilatildeo (e a doutrina referente a seus gecircneros) seguissem-se esses
dois outros elementos que de acordo com a retoacuterica explicitam-se no discurso
A proacutepria consideraccedilatildeo dos dois termos jaacute eacute um problema pois mesmo em
Aristoacuteteles trazem dificuldade Como se sabe na Retoacuterica o caraacuteter eacute do orador aquele que
fala a paixatildeo suscita-a no ouvinte por meio do discurso a fim de movecirc-lo Eacute logo no livro I
que Aristoacuteteles apresenta essa doutrina dos trecircs meios da persuasatildeo loacutegos eacutethos e paacutethos ou
discurso caraacuteter e afeto Eacute proacuteprio da arte principalmente o primeiro o discurso pois em
condiccedilotildees ideais jurados e ouvintes natildeo se deixam levar pelas paixotildees que oradores treinam
para despertar naqueles que os ouvem Como no entanto o tratado assume por objeto a
persuasatildeo e define a retoacuterica como teacutecnica que a produz (antiacutestrofe da dialeacutetica que produz
verdade) aborda igualmente afeto ndash para esclarecer como suscitado persuade ndash e caraacuteter ndash
pois se as palavras do orador natildeo forem condizentes com a noccedilatildeo de caraacuteter que dele fazem
os ouvintes natildeo se deixaratildeo convencer por julgaacute-lo mentiroso Em termos gerais talvez
pudeacutessemos dizer que na Retoacuterica os trecircs elementos satildeo em um primeiro momento
pensados em si para posteriormente serem considerados como os trecircs fatores ou causas cujo
resultado eacute o convencimento
Natildeo eacute assim poreacutem que os mesmos elementos satildeo considerados na Poeacutetica por conta
da proacutepria conceituaccedilatildeo aristoteacutelica do objeto (o que seraacute discutido mais adiante) neste
tratado Aristoacuteteles cirscunscreve a noccedilatildeo de eacutethos e pathos diferentemente pois trata os
termos como partes de uma imitaccedilatildeo e eacute nos limites desse conceito que surge a dificuldade A
imitaccedilatildeo que define a poesia eacute muito especiacutefica accedilatildeo Trata eacutethos e paacutethos portanto como
elementos que precisam ser representados de maneira condizente para que a imitaccedilatildeo seja
bem sucedida Na descriccedilatildeo da mimese caraacuteter eacute uma das partes qualitativas da trageacutedia
conforme definidas no cap VI da Poeacutetica mito caraacuteter e pensamento seriam as partes
equivalentes a ldquoo querdquo se imita (a mateacuteria) conforme delimitado nos cap I II e III em que o
filoacutesofo expotildee os criteacuterios pelos quais pensa o objeto elocuccedilatildeo e melopeia as partes
equivalentes agravequilo ldquoem querdquo se imita (os meios lembrando que a melopeia equivale ao que
em outras passagens seraacute nomeado apenas ldquomelosrdquo ou ldquocanccedilatildeordquo e refere-se agraves passagens
corais) espetaacuteculo refere-se a ldquocomordquo se imita (o modo)38
38 Poeacutetica VI 1449b 21 ndash 1450a 15
42
Como afirmaraacute ainda no cap VI natildeo eacute objetivo da poesia imitar caracteres mas os
caraceteres satildeo postos em cena apenas em funccedilatildeo da accedilatildeo ie este ou aquele caraacuteter eacute posto
em cena para que a accedilatildeo tenha este ou aquele desdobramento afinal ndash continua dizendo ndash os
eventos e o mito satildeo o fim da trageacutedia e o fim eacute o que haacute de mais importante Portanto o
caraacuteter de certa personagem conhecido do puacuteblico deve apenas ser condizente com o que
desdobramento esperado da accedilatildeo Natildeo agrave toa na mesma passagem Aristoacuteteles afirmaraacute que eacute
possiacutevel trageacutedia sem caraacuteter apenas com accedilatildeo mas natildeo o contraacuterio39 Os uacutenicos termos que
Aristoacuteteles nos fornece para analisar o caraacuteter presente em uma composiccedilatildeo poeacutetica satildeo esses
Natildeo se trata portanto de um caraacuteter presente talvez na elocuccedilatildeo poeacutetica mas simplesmente
o caraacuteter que se pode ou deve representar em funccedilatildeo de uma accedilatildeo mimetizada Esse criteacuterio
portanto mal pode ser aplicado agrave poesia que natildeo se pode analisar nos termos aristoteacutelicos da
imitaccedilatildeo de accedilatildeo Tal noccedilatildeo de eacutethos natildeo nos exclarece qual seria a diferenccedila a que o epiacutetome
se refere
Quanto ao afeto ou paacutethos a noccedilatildeo parece ateacute um pouco mais distante paacutethos na
Poeacutetica eacute a terceira parte do mito descrita como um padecimento na accedilatildeo como algo
destrutivo ou doloroso tal padecimento eacute um efeito e um desdobramento da accedilatildeo Natildeo eacute algo
portanto que se representa a priori poreacutem mais um elemento atrelado ao mito que se
representa por meio de palavra (elocuccedilatildeo ou melopeia) e subordinado a ele Natildeo agrave toa ao fim
do cap 19 da Poeacutetica na transiccedilatildeo para a seccedilatildeo final sobre a elocuccedilatildeo diz Aristoacuteteles
[]Περὶ μὲν οὖν τῶν ἄλλων εἰδῶν εἴρηται λοιπὸν δὲ περὶ λέξεως καὶ
διανοίας εἰπεῖν τὰ μὲν οὖν περὶ τὴν διάνοιαν ἐν τοῖς περὶ ῥητορικῆς
κείσθω τοῦτο γὰρ ἴδιον μᾶλλον ἐκείνης τῆς μεθόδου ἔστι δὲ κατὰ
τὴν διάνοιαν ταῦτα ὅσα ὑπὸ τοῦ λόγου δεῖ παρασκευασθῆναι μέρη
δὲ τούτων τό τε ἀποδεικνύναι καὶ τὸ λύειν καὶ τὸ πάθη παρασκευάζειν
(οἷον ἔλεον ἢ φόβον ἢ ὀργὴν καὶ ὅσα τοιαῦτα) καὶ ἔτι μέγεθος καὶ
μικρότητας δῆλον δὲ ὅτι καὶ ἐν τοῖς πράγμασιν ἀπὸ τῶν αὐτῶν ἰδεῶν
δεῖ χρῆσθαι ὅταν ἢ ἐλεεινὰ ἢ δεινὰ ἢ μεγάλα ἢ εἰκότα δέῃ
παρασκευάζειν πλὴν τοσοῦτον διαφέρει ὅτι τὰ μὲν δεῖ φαίνεσθαι
ἄνευ διδασκαλίας τὰ δὲ ἐν τῷ λόγῳ ὑπὸ τοῦ λέγοντος
παρασκευάζεσθαι καὶ παρὰ τὸν λόγον γίγνεσθαι τί γὰρ ἂν εἴη τοῦ
λέγοντος ἔργον εἰ φαίνοιτο ᾗ δέοι καὶ μὴ διὰ τὸν λόγον
(Aristoacuteteles Poeacutetica 1456a 33 ndash 1456b 8)
ldquoSobre as demais partes jaacute se falou restando falar sobre a elocuccedilatildeo e o
pensamento Fique para os escritos sobre retoacuterica o que tangencia o
pensamento pois isso eacute mais proacuteprio do meacutetodo daquela Eacute referente
ao pensamento o quanto se deve provir pelo discurso Satildeo seus
39 Idem VI 1450a 19 ndash 23
43
elementos o demonstrar o refutar e o prover afetos (como piedade ou
horror ou raiva e todas essas coisas) e ainda grandeza e pequenez Eacute
evidente que tambeacutem se deve servir-se desses elementos nos
acontecimentos quando se devem prover coisas piedosas terriacuteveis
grandiosas ou possiacuteveis entretanto com tal diferenccedila naquele caso
devem aparecer sem elucidaccedilatildeo neste devem ser providas no
discurso pelo falante e ocorrer junto ao discurso pois qual seria a
funccedilatildeo do que fala se aparecessem como devem mas natildeo atraveacutes do
discursordquo
(Trad do autor)
Ora aqui Aristoacuteteles deixa claro que sendo a poesia imitaccedilatildeo de accedilatildeo atraveacutes da
palavra mesmo os afetos decorrentes nas accedilotildees satildeo representados e postos em cena por via da
palavra ie da elocuccedilatildeo Como um fenocircmeno por si soacute natildeo restrito agrave poeacutetica isso eacute objeto
da retoacuterica e por isso a seccedilatildeo seguinte sobre a elocuccedilatildeo trataraacute do que eacute proacuteprio da elocuccedilatildeo
poeacutetica
Ateacute aqui portanto a uacutenica noccedilatildeo que talvez possa nos servir seja a de que tanto caraacuteter
quanto afeto se transparecem na imitaccedilatildeo pela palavra o fazem nela Ainda assim na
conceituaccedilatildeo aristoteacutelica isso se daacute naquele que eacute um actante representado ou natildeo por um
ator ie por aquele que eacute agente de uma accedilatildeo Por isso mesmo no referido capiacutetulo VI
arrolando e definido as seis partes qualitativas citadas definiraacute pensamento como aquilo ldquoem
quanto os falantes demonstram algo ou revelam sua opiniatildeordquo e caraacuteter como aquilo ldquode
acordo com o que dizemos que os agentes satildeo certas coisasrdquo40
Para tentar supor o que significariam caraacuteter e afeto no acircmbito do comentaacuterio do
gramaacutetico ao abordar um texto talvez possamos buscar uma pista em textos semelhantes ao
menos a fim de entender em um primeiro momento se esses conceitos eram levados em
conta Sobre o caraacuteter haacute uma passagem que pode ser esclarecedora O Escoacutelio a Dioniacutesio
Traacutecio (471 26 ndash 472 12) traz uma boa descriccedilatildeo dos diferentes elementos que satildeo objeto da
avaliaccedilatildeo empreendida nesta atividade em questatildeo a qual como se sabe (e isso tambeacutem nos eacute
relevante) opotildee-se natildeo soacute em gramaacuteticos mas daiacute tambeacutem em reacutetores (como Dioniacutesio de
Halicarnasso e Quintiliano) agrave syacutegkresis ie natildeo se trata mais da avaliaccedilatildeo apenas mas da
avaliaccedilatildeo conjunta o discernimento dos poetas e obras considerados conjuntamente a
comparaccedilatildeo
ltἝκτον κρίσις ποιημάτωνgt] Τίνι διαφέρει κρίσις συγκρίσεως καὶ
πότερον αὐτῶν ἐπαναβέβηκεν Λεκτέον ὅτι πρῶτον ἡ κρίσις τὸν
40 Idem 1450a 4 ndash 7
44
συγκρίνοντα γὰρ πρότερον αὐτῶν ἑκάτερον δεῖ κρῖναι καὶ ὁ μὲν
συγκρίνων καὶ κρίνει ὁ δὲ κρίνων οὐ πάντως καὶ συγκρίνει
Πότερον δὲ ὁ γραμματικὸς κρείττων ὢν τῶν ποιητῶν κρίνει αὐτῶν τὰ
ποιήματα ἢ ἥττων Καὶ εἰ μὲν κρείττων δώσομεν καὶ αὐτὸν εἶναι
ποιητήν εἰ δὲ ἥττων πῶς κρίνει Ῥητέον οὖν ὅτι κρίνει οὐχ ᾗ ποιητής
ἐστι κρείττων αὐτῶν ἀλλ ᾗ τεχνίτης ἐστὶ τῆς ὕλης τῆς ἐκείνων καὶ
τῶν ὀργάνων οὐ γὰρ κρίνει εἰ καλῶς αὐτοῖς γέγραπται ἢ οὔ ἀλλ εἰ
νόθα ἢ γνήσια πολλὰ γὰρ νοθευόμενά ἐστιν ὡς ἡ Σοφοκλέους
Ἀντιγόνη ndash λέγεται γὰρ εἶναι Ἰοφῶντος τοῦ Σοφοκλέους υἱοῦ
Ὁμήρου τὰ Κυπριακὰ καὶ ὁ Μαργίτης Ἀράτου τὰ Θυτικὰ καὶ τὰ Περὶ
ὄρνεων Ἡσιόδου ἡ Ἀσπίς
Κρίνει δὲ πρῶτον μὲν ὁρῶν εἰς τὴν λέξιν εἰ συνήθης ἐστὶ τῷ ποιητῇ
ἔπειτα εἰς τὸ πλάσμα τῆς συνηθείας εἶτα εἰς τὴν τῆς φράσεως
εὐκολίαν ἢ σκληρότητα εἶτα καὶ εἰς τὴν ἱστορίαν οἱ μὲν γὰρ χαίρουσι
ταῖς ξενιζούσαις ἱστορίαις αἱ δὲ ταῖς κοιναῖς εἶτα ἀπὸ τῶν χρόνων
Ἀρετὴ δὲ ποιήματος ἡ περὶ λέξιν σαφήνεια σύνθεσις τοῦ μέτρου
εὔρυθμος κυριολεξία σχήματα ταῦτα τῆς λέξεως τὰ δὲ περὶ διάνοιαν
οἰκονομία τάξις ἤθη ἐν προσώποις εἰ ltοἱgt μῦθοι ἁρμόδιοι καὶ τὰ
πλάσματαrdquo41
(Scholia in Dionysium Thracem Scholia Londinensia 471 26 ndash 472
12)
Sexta a avalaiccedilatildeo de poemasrsquo ndash Em que difere a avaliaccedilatildeo da
comparaccedilatildeo e qual delas precede Deve-se dizer que a avaliaccedilatildeo vem
primeiro quem estaacute comparando deve primeiro apreciar cada um dos
elementos e quem compara tambeacutem aprecia mas quem aprecia nem
sempre compara
Havendo os maiores poetas o gramaacutetico faz a avaliaccedilatildeo deles ou dos
inferiores Se principalmente dos melhores concederemos que seja
tambeacutem poeta se dos inferiores como aprecia Deve-se dizer
portanto que faz a avaliaccedilatildeo natildeo da maneira pela qual um poeta eacute
melhor do que outros mas de que maneira eacute um artiacutefice do material
deles e de seus instrumentos Pois natildeo aprecia se algo estaacute belamente
escrito com esses ou natildeo mas sua espuriedade ou legitimidade pois
muitos satildeo os escritos considerados espuacuterios como a Antiacutegona de
Soacutefocles ndash pois se diz que eacute de Iofatildeo o filho de Soacutefocles ndash As
Cipriotas e o Margites de Homero As Sacirficiais de Arato e Sobre os
Paacutessaros o Escudo de Hesiacuteodo
Aprecia primeiro visando a dicccedilatildeo se eacute usual ao poeta em seguida o
molde desse uso depois a fluidez ou a dureza da frase depois
visando a histoacuteria uns se comprazem mais nas histoacuterias que satildeo
exoacuteticas outros nas comuns depois aprecia a partir do periacuteodo
cronoloacutegico A virtude do poema satildeo a clarera que tange a dicccedilatildeo a
composiccedilatildeo do metro a regularidade da linguagem ordinaacuteria42 - essas
41 Commentaria In Dionysii Thracis Artem Grammaticam Scholia Londinensia (partim excerpta ex Heliodoro)
in ldquoGrammatici Graeci vol 13rdquo Ed Hilgard A Leipzig Teubner 1901 Repr 1965 Page 471 42 Entendendo-se aqui ldquoordinaacuteriardquo como a padratildeo ie a do dia a dia sem tropoi natildeo ornada Daiacute que a ideia de
ldquoeurritmiardquo a palavra grega deve se referir tanto a sua regularidade ie sua frequecircncia ou sua ocorrecircncia em
medida devida como tambeacutem agrave eufonia ie sua adapatabilidade ou sua consonacircncia com o metro elemento
anteriormente mencionado
45
satildeo as configuraccedilotildees da dicccedilatildeo quanto as que tangem o pensamento
organizaccedilatildeo ordenaccedilatildeo os caracteres nas personagens se
acomodados satildeo os mitos e seus moldesrdquo
(Traduccedilatildeo do autor)
Para o escoliasta a finalidade do gramaacutetico ao empreender a kriacutesis poiemaacuteton natildeo eacute
avaliar se entre eles poetas escreve-se belamente (essa seria a finalidade da syacutegkresis) mas a
ldquoespuriedaderdquo e a ldquolegitimidaderdquo (
Entre os diferentes aspectos considerados chamam a atenccedilatildeo natildeo
soacute aqueles de caraacuteter estrutural que tambeacutem satildeo objetos de um reacutetor como o do Tratado Da
Composiccedilatildeo das Palavras mas elementos mais proacuteprios da concepccedilatildeo da obra da sua
inventio confluindo com o que se concebe nos textos de poeacutetica como ldquoo que tange o
pensamentordquo ldquoos caracteres nas personagensrdquo e ldquose acomodados satildeo os mitos e seus
moldesrdquo Natildeo se pretende aqui que isto era trabalho da gramaacutetica e dessa sua parte em geral
mas sim ressaltar que mesmo nesta kriacutesis oposta agrave syacutegkrisis no iniacutecio da empiria o escoliasta
nos fornece o testemunho de que para desempenhar sua funccedilatildeo o gramaacutetico tambeacutem
precisava eventualmente julgar a confecccedilatildeo dos caracteres e a pertinecircncia dos mitos o que
inevitavelmente nos remete ao capiacutetulo 2 da Poeacutetica de Aristoacuteteles (e o quanto diz sobre
eacutethos bem como agrave parte da poeacutetica que em geral por via horaciana passamos a denominar
invenccedilatildeo) segundo a qual como a imitaccedilatildeo eacute imitaccedilatildeo de agentes eacute necessaacuterio que sejam
representados segundo certo caraacuteter (melhores ou piores do que noacutes)
Portanto natildeo eacute de espantar que assim como os tropos e figuras empregados pelos
poetas por exemplo configurem um caso claro de objeto comum a ser explicado tanto pelo
gramaacutetico quanto pelo reacutetor eacutethos e paacutethos na condiccedilatildeo de elementos que passam a ser
entendidos como inerentes ao discurso (e essa assunccedilatildeo como demonstrado ainda que com
suas especificidades jaacute se encontra no proacuteprio Aristoacuteteles) sejam observados e analisados por
qualquer um que se debruce com certa finalidade sobre uma composiccedilatildeo discursiva em verso
ou em prosa para aplicar mais uma vez o criteacuterio maior e tatildeo relevante desde o iniacutecio para
nossa leitura do epiacutetome ie a distinccedilatildeo prosa-poesia (Cf sect3 318b 24 ndash 26 Traduccedilatildeo paacuteg
110)
Isso se verifica indubitavelmente quando passamos para a syacutegkrisis de que podemos
tomar como exemplo o livro II do tratado Da Imitaccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso e as
diversas passagens em que diferencia poetas e prosadores dos diferentes gecircneros pelo trato
que datildeo a eacutethos e paacutethos (cf 31 2 1 - Homero 31 2 5 ndash Piacutendaro uma de suas virtudes a ser
observada eacute a ethopoiiacutea ou simplesmente confecccedilatildeo de caracteres em que esses se
46
destacam pela prudecircncia piedade e magnificecircncia [sofrosyacutene eusebeiacutea megalopreacutepeia] 31
2 7 ndash Estesiacutecoro os caracteres e os valores das personagens [eacutethe kaigrave axioacutemata toacuten
prosoacutepon] 31 2 8 ndash Alceu Dioniacutesio chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter de todos os seus
poemas poliacuteticos [hapaacutenton tograve toacuten politikoacuten poiemaacuteton eacutethos] etc seguem-se os dramaturgos
os oradores historiadores)
Haacute por isso trecircs observaccedilotildees que aqui se julgam necessaacuterias e passiacuteveis de serem
pontuadas a fim de se interpretar essa obscura passagem do epiacutetome
A 1a eacute concernente a essa comparaccedilatildeo eacute atraveacutes dela que se estabelecem os piacutenakes
ou listagens dos melhores poetas ie aqueles cujas virtudes devem ser imitadas como se
observa em autores como o referido Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado em que aborda a
miacutemesis Quintiliano e quantos outros que se preocupam em fornecer modelos
A 2a eacute que o epiacutetome traz para cada um dos gecircneros que menciona e resume
brevemente (exceto pela poesia meacutelica ldquopor de mais pluralrdquo segundo o proacuteprio texto) uma
listagem igualmente breve de autores Isso natildeo quer dizer que o tratado se ocupava da
comparaccedilatildeo detalhada mas que certamente compreendia as praacuteticas descritivas comuns aos
textos mencionados e estaria nesse universo textual que se torna especiacutefico tambeacutem do
gramaacutetico Eacute de supor portanto que neste passo o texto tratasse de outros aspectos que
julgava pertinentes agrave avaliaccedilatildeo da poesia ndash mesmo que concentrado em aspectos da inventio ndash
na referida fronteira em que os textos sobre doutrina poeacutetica retoacuterica ou gramaacutetical podiam
tangenciar-se e tratar do mesmo objeto focando mais este ou aquele aspecto de acordo com
sua finalidade A finalidade da Crestomatia ao que se infere pelo menos de seu tiacutetulo
completo (Crestomatia de Letras Literaacuteria ou de Gramaacutetica) e da proacutepria composiccedilatildeo da
palavra jaacute discutida khrestomaacutetheia pretendia fornecer o quanto fosse uacutetil para se apreciar o
que diriacuteamos hoje composiccedilotildees ldquoliteraacuteriasrdquo as ldquoletrasrdquo e aqui devia trazer o quanto julgava
conveniente da ocupaccedilatildeo de julgar avaliar ou seja apreciar poemas de que Foacutecio ou o
resumidor em geral destaca provavelmente por julgar o mais valioso do suposto trecho da
obra original a doutrina sobre eacutethos e paacutethos que como se viu acima poderia ser objeto do
gramaacutetico mesmo se tomassemos aquela kriacutesis de Dioniacutesio Traacutecio no seu sentido mais estrito
de ldquojulgamentordquo da autenticidade do texto Que essa distinccedilatildeo fosse doutrinalmente tratada
nesta passagem parece plenamente verossiacutemil se notarmos que apoacutes uma distinccedilatildeo pelo
criteacuterio de quantidade quanto agrave natureza da prosa e da poesia o tratado por tomar como seu
fio condutor para esta primeira parte a elocuccedilatildeo seguia esquematicamente pela triparticcedilatildeo da
retoacuterica que se em Aristoacuteteles refere-se aos meios pelos quais se produz persuasatildeo na
tratadiacutestica posterior (de que Dioniacutesio de Halicarnasso eacute oacutetimo exemplo) que considera a
47
poesia pela elocuccedilatildeo configura os trecircs aspectos segundo os quais se avalia a composiccedilatildeo em
geral
Bem como outros autores propotildeem para esta passagem suas leituras perifraacutesticas aqui
se julga que a mais adequada seria ldquoprossegue fazendo [suas] consideraccedilotildees [refletindo] sobre
a avaliaccedilatildeo de poesia no que transmite [dentre outras coisas] a doutrina sobre a diferenccedila
entre caraacuteter e paixatildeordquo
A 3a e uacuteltima refere-se ao que seriam esse eacutethos e paacutethos em certos tipos de poemas eacute
compreensiacutevel seguindo a liccedilatildeo de Aristoacuteteles que estejam presentes em uma obra cujo
objeto eacute uma accedilatildeo composta de agentes etc uma obra ldquonarrativardquo no nosso sentido moderno
da palavra a eacutepica a trageacutedia etc Como isso se dava poreacutem em um melos ou em uma
elegia Podemos considerar primeiramente que num poema como um epiniacutecio pindaacuterico se
natildeo se circunscreve ao polecircmico criteacuterio da Poeacutetica de Aristoacuteteles de ser miacutemesis de accedilatildeo
pode trazer um mito (no caso de Piacutendaro quase sempre) como seu ornato ou alusotildees
histoacutericas e miacuteticas Inevitavelmente aiacute em se contando algo e portanto representando
agentes ou personagens simplesmente representar-se-atildeo caracteres e afetos inevitavelmente
Segundo haacute que se considerar tambeacutem o que poesia ldquonarrativardquo passa a significar para a
tratadiacutestica posterior a Aristoacuteteles bem como o fato de que aquela figura falante num poema
de gecircnero meacutelico aquela voz poeacutetica que reporta ela mesma por via da elocuccedilatildeo traz caraacuteter
e afeto Eacute nesse sentido que o comentaacuterio de Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit) agrave poesia de
Alceu na referida passagem serve otimamente de exemplo ldquodispa-lhe algueacutem do metro em
vaacuterios lugares descobriria oratoacuteria poliacuteticardquo Para que esse caraacuteter advenha do discurso
retirado o metro como se a composiccedilatildeo fosse um discurso poliacutetico deve ser inerente ao
proacuteprio discurso e natildeo inerente a uma personagem
O termo grammatikeacute aqui portanto (principalmente depois das praacuteticas filoloacutegicas
alexandrinas) eacute abrangente e envolve o quanto se pode saber a fim de instruir na
compreensatildeo da arte que opera com a palavra mesmo que haurido de diferentes doutrinas ou
aacutereas do saber antigo Essa funccedilatildeo de instruir a princiacutepio circunscrevia-se ao ofiacutecio do
gramaacutetico que adotava como modelo para essa instruccedilatildeo exatamente os poetas como o
pedagogo da Greacutecia Antiga contra quem Platatildeo se insurge
Essa ocupaccedilatildeo passa a abarcar diferentes aspectos que naturalmente tangenciam
outras aacutereas do saber letrado que se debruccedilaram sobre a palavra assim o gramaacutetico se torna o
erudito das letras por excelecircncia o filoacutelogo Sobre esse ponto vale citar as consideraccedilotildees de
48
Ferrante que pensa de maneira semelhante a associaccedilatildeo da Crestomatia de Proclo agrave
gramaacutetica e a citaccedilatildeo que faz a respeito
A conforto di questo apelativo da me dato allrsquo autore dela
Crestomazia egrave necessaacuterio citare um passo dela Filologia Claacutessica
dellrsquo Inama (Hoepli Milano 1854 pagg 1 ndash 2) lsquoLa parola filoacutelogo
( ) la quale secondo la sua etimologia non voleva dir altro
da principio che amante dela conversazione ma di uma conversazione
colta ed eletta ( ) venne a designare al tempo degli
alessandrini nel III sec a GC uma classe di studiosi distinti da
quelli43 molto affini dei critici ( ) e dei grammatici
( ) Mentre i grammatici si occupavano soprattutto di
liacutengua e di questioni letterarie ed i critici della correzione ed
interpretazione dei testi degli scittori antichi i fillogi invece avevano
per oggetto preciacutepuo dei loro studi lrsquoerudizione mitologica storica
antiquaria Questi corripondevano a quelli che oggidi diciamo dotti ed
eruditi ecc ecc
(Inama apud Ferrante Crestomazia Introduzione Casa Editrice
Armanni Napoli 1957 pg 13)
Ferrante destaca a atuaccedilatildeo de filoacutelogo que o gramaacutetico passa a ter no periacuteodo
heleniacutestico como responsaacutevel pela ediccedilatildeo dos textos daqueles que para eles jaacute eram
ldquoantigosrdquo Pontua inclusive que essa funccedilatildeo desse erudito supunha conhecimentos do que
hoje noacutes diriacuteamos ldquoliteraturardquo ie dos gecircneros literaacuterios mais especificamente e natildeo do que
noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash
uma seacuterie de categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco
mesmo ou os preceitos da chamada ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira
estranha aos antigos Como fulcro comum talvez se pudesse postular que essa atividade de
exegese literaacuteria era no rigor da palavra grega graacutemmata uma exegese ou descritiva ou
prescritiva ou ambas de todas as atividades envolvendo as letras ou em se preferindo as
praacuteticas letradas
Natildeo poderiacuteamos saber contudo se a obra atribuiacuteda a Proclo trataria tambeacutem da prosa
uma vez que ela eacute menciona na distinccedilatildeo inicial do coacutedice e diferentes indiacutecios apontam para
um texto que estaacute incompleto Pelo que se poderia deduzir da introduccedilatildeo de Dioniacutesio Traacutecio agrave
empiria como o interesse do gramaacutetico era o uso linguiacutestico dos doutos em se assumindo que
ldquosyggrapheucircsinrdquo tambeacutem se referiria e abarcaria os prosadores em geral talvez ao utilizar seu
conhecimento para instruir esse gramaacutetico-filoacutelogo aos moldes heleniacutesticos tambeacutem se
43 Afinal passa-se gradativamente de um mundo da fala para um mundo do registro escrito
49
dedicasse aos gecircneros de composiccedilatildeo em prosa e tratasse daqueles que copunham
historiagrafia e oratoacuteria Por outro lado a julgar pelo padratildeo ie pelo que se observa em
outras obras a oratoacuteria como objeto da retoacuterica tem seus grandes exemplos comentados e
analisados nos autores que se incumbem dessa arte que tendem a demosntrar o que
descrevem com exemplos que aleacutem dos oradores focam-se por vezes nos historiadores como
o faz por exemplo Dioniacutesio de Halicarnasso Natildeo eacute de mais ressaltar que mesmo no caso da
oratoacuteria os tratadistas sempre buscam os exemplos dos poetas como modelo praacutetica
recorrente no citado Dioniacutesio de Halicarnasso e em Quintiliano no caso dos latinos de modo
geral observa-se que quando o foco eacute a instruccedilatildeo em algum aspecto do saber das letras o
modelo tende a serem os poetas Portanto haacute indiacutecios sufientemente plausiacuteveis para se
argumentar contrariamente que natildeo seria proacuteprio dessa Crestomatia de Letras tratar da
prosa mas que inevitavelmente para concentrar-se na poesia como seu objeto precisa crivaacute-
la delimitaacute-la em oposiccedilatildeo agrave prosa principalmente se aborda o tema pelo vieacutes (a ser
comentado) da elocuccedilatildeo Por fim deve-se ressaltar que cada uma dessas que denominamos as
doutrinas antigas se pretendia uma teacutecnica em si teacutecnica retoacuterica teacutecnica gramatical etc
portanto cada uma visava a um fim proacuteprio Vimos tanto no prefaacutecio da gramaacutetica de Dioniacutesio
Traacutecio quanto em seu escoacutelio aquilo a que visa essa teacutecnica Por isso mesmo como uma
crestomatia sobre gramaacutetica mas natildeo uma gramaacutetica propriamente eacute natural que nosso
epiacutetome aborde temas proacuteprios desse ofiacutecio na abrangecircncia que passa a ter apoacutes os
alexandrinos a fim de exlcarecer e instruir a fim de minimamente coligir informaccedilatildeo uacutetil a
repeito do assunto sem ser ela mesma no entanto uma gramaacutetica um manual da Ars Essa
hipoacutetese se aventa principalmente do cotejo entre o epiacutetome e o livro III da Ars Grammatica
de Diomedes que se concebe como uma pequena coleccedilatildeo de gecircneros e espeacutecies poeacuteticas que
natildeo tatildeo abrangente quanto a Crestomatia segue os mesmos criteacuterios do epiacutetome deixando-
nos entrever portanto uma espeacutecie de ldquocriteacuterio gramaticalrdquo com que se tratava da poesia com
a finalidade tatildeo simplesmente de classificaacute-la (v infra cap 3)
Assim se explicaria o tiacutetulo da obra trata-se de um texto que colige de diferentes
aacutereas quanto se eacute uacutetil saber sobre letras e por isso mesmo o epiacutetome refere a diferentes
seccedilotildees das doutrinas antigas ndash da retoacuterica a classificaccedilatildeo da elocuccedilatildeo pelas diferentes
possibilidades de moldaacute-la da poeacutetica os gecircneros enunciativos jaacute da poeacutetica e da etimologia
tangenciando a gramaacutetica as caracteriacutesticas dos gecircneros poeacuteticos (mateacuteria metro) associados
a seu nome e origem o que por vezes quando se descrevem as festas associadas a um
gecircnero por exemplo leva agrave etiologia etc Assim sendo se tanto o termo ldquogramaticalrdquo como
ldquoliteraacuteriardquo sugeririam dois extremos modernos que poderiam levar o leitor a uma interpretaccedilatildeo
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equivocada optou-se aqui pela igualmente literal etimologicamente locuccedilatildeo adjetiva ldquode
Letrasrdquo pois que eacute fiel ao texto grego e pode remeter o leitor ao acircmbito das Belas Letras e das
praacuteticas letradas dos seacuteculos XVI XVII e XVIII em geral cujas convenccedilotildees supotildeem noccedilotildees
e praacuteticas mais afeitas ndash embora natildeo idecircnticas ndash agraves antigas uma vez que ao menos potildeem-se a
emulaacute-las
2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO
POESIA E RETOacuteRICA
21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO
Apoacutes o nome da obra e a informaccedilatildeo de que era composta de quatro livros ou quatro
arrazoados diferentes inicia-se o resumo da Crestomatia pelo procedimento padratildeo dos
diferentes epiacutetomes da Bilbioteca temos a estrura de discurso indeireto ou reportado ou seja
ldquoo autor diz querdquo e assim sucessivamente No caso desta obra em especiacutefico cada
enunciado traz uma liccedilatildeo de doutrina um ensinamento que se pode rastrear em outros textos
A primeira liccedilatildeo que nos traz eacute a distinccedilatildeo entre poesia e prosa distinccedilatildeo que seraacute
preponderante pelo menos ateacute o fim do epiacutetome destinado a classificar os gecircneros e as
espeacutecies da poesia Ao iniciar por essa distinccedilatildeo o epiacutetome daacute a entender que antes se
aplicava um criteacuterio habitualmente empregado na tratadiacutestica retoacuterica ie aborda-se o tema
pelo vieacutes mais amplo da elocuccedilatildeo Natildeo agrave toa se buscamos referecircncias para o que estaacute sendo
ensinado sobejam os textos de retoacuterica principalmente porque seguindo o criteacuterio de abordar
a elocuccedilatildeo todo o resto dessa primeira sessatildeo do epiacutetome por assim dizer focar-se-aacute numa
das formas que conhecemos da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo Apesar disso jaacute podemos
ver aqui a caracteriacutestica acima discutida a saber que esta crestomatia compendiava ou coligia
noccedilotildees ou liccedilotildees cujas origens remontavam a diferentes saberes
Comecemos pela distinccedilatildeo baacutesica
O termo loacutegos por designar ldquopalavrardquo mas tambeacutem a ldquofalardquo o ldquodiscursordquo eacute o termo
usado entre os gregos para designar a obra em prosa justamente como um discurso padratildeo
natildeo-poeacutetico nela empregado Define-se por oposiccedilatildeo a poiacuteesis em boa parte dos textos a
51
comeccedilar por Platatildeo quando opotildee os dois na conhecida passagem do livro III da Repuacuteblica
(390a)
Aristoacuteteles como se sabe emprega poietikeacute para designar o fazer ie a teacutechne que
procura delimitar e definir no tratado que recebe aquele nome Descrevendo a quarta parte
constitutiva da trageacutedia a elocuccedilatildeo (leacutexis) Aristoacuteteles (1450b 12 ndash 14) observa suas
diferentes maneiras de ocorrer (ldquoem palavrasrdquo ldquoem discursordquo ie ldquoem falardquo
apenas) e (ldquoem medida(s)rdquo ldquoem proporccedilatildeordquo ou simplesmente
ldquometrificadordquo) sem que isso como se sabe seja criteacuterio distintivo do que eacute ou natildeo poesia
Na Retoacuterica Aristoacuteteles tambeacutem se ocupa dessa diferenciaccedilatildeo pela elocuccedilatildeo e a distinccedilatildeo
entre prosa e poesia posteriormente acaba por se concentrar como uma questatildeo proacutepria
dessa
Assim Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado da Composiccedilatildeo das Palavras (6 43 ndash 47)
apoacutes expor que todas as artes compartilham das mesmas normas de seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo em
trecircs etapas (mais precisamente erga ldquodeveresrdquo tarefas sucessivas e complementares) propotildee
uma distinccedilatildeo mais especiacutefica do ponto de vista da elocuccedilatildeo entre discurso pedestre loacutegoi
pezoiacute e ldquopoeacuteticardquo Mais agrave frente (15 40 ndash 46) poieacutemata junto a meacutele contrapoem-se a loacutegoi
psiloiacute (discurso ordinaacuterio ou comum) e o que agrupa aqueles dois eacute que ldquosatildeo elaborados
atraveacutes de metro ou ritmordquo ( ) Como se observa
posteriormente o resultado da poieacutetikeacute o poiacuteema passa a ser igual e tecnicamente empregado
para designar a poesia em oposiccedilatildeo agrave prosa
Poesia e Prosa distinguem-se na elocuccedilatildeo natildeo pela qualidade (suas virtudes satildeo as
mesmas) mas pela quantidade A expressatildeo ldquono mais e no menosrdquo ( eacute
tiacutepica do grego para designar quantidade e em se tratando da elocuccedilatildeo poeacutetica ou oratoacuteria
deve naturalmente ser entendida no sentido de que como composiccedilotildees que se utilizam da
palavra as qualidades tanto da prosa como da poesia devem ser as mesmas mas quanto tenha
a prosa a poesia teraacute mais em maior proporccedilatildeo Essa doutrina jaacute eacute exposta por Aristoacuteteles
logo no comeccedilo do livro III da Retoacuterica dedicado agrave elocuccedilatildeo A elocuccedilatildeo do orador deve
parecer o menos distante quanto possiacutevel do natural do falar ldquoconversacionalrdquo (ldquodialogalrdquo
literalmente ndash ) enquanto a elocuccedilatildeo poeacutetica se distancia mais desse falar A
razatildeo os homens tendem a desconfiar daquilo em que lhes parece haver artificio Assim a
principal caracteriacutestica pleiteada pelo orador deve ser a clareza Qualquer elemento que torne
o discurso mais elevado por ornaacute-lo pode servir agrave prosa mas serve melhor agrave poesia pois pode
desviar o orador de seu principal objetivo que eacute tornar claro o significado (cf 1404b ndash
1405a) Para atingir essa clareza o que sobeja na poesia eacute empregado em menor nuacutemero na
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prosa e apenas em algumas circunstacircncias dos nomes e verbos satildeo os proacuteprios que conferem
ao discurso clareza os demais tipos o ornam e satildeo justamente objeto da Poeacutetica
Semelhantemente a Aristoacuteteles Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit idem) apoacutes expor
as referidas etapas do saber compositivo (synthetikeacute episteacuteme opcit 6 1 e sg) afirma ldquo
Esse princiacutepio eacute mais profuso [dapsileacutesteron] na poeacutetica e menos encontradiccedilo [spanioacuteteron]
no discurso pedestrerdquo
22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO
Sendo a elocuccedilatildeo o criteacuterio que orienta o estabelecimento dos primeiros ldquosaberes
proveitososrdquo dos primeiros elementos a serem informados ou ensinados passa-se a uma das
versotildees da exposiccedilatildeo da doutrina geralmente conhecida como dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo
aqui na sua interpretaccedilatildeo por ldquotrecircs moldesrdquo
A traduccedilatildeo de plasma por ldquomolderdquo busca a referida literalidade da traduccedilatildeo e por
essa jaacute trazer algo proacuteprio da doutrina acerca dessas trecircs formas da elocuccedilatildeo ou como eacute mais
comumente designada dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo ou genera dicendi Geralmente
traduzido por ldquoestilordquo perde-se a metaacutefora fiacutesica que classifica a elocuccedilatildeo como que por sua
forma externa sua forma fiacutesica Trata-se portanto das trecircs possiacuteveis formas de se amoldar
(do verbo plaacutesso) o discurso Emprega-se tambeacutem nos textos characteacuter que eacute a marca o
traccedilo impresso por um instrumento (do verbo charaacutesso) daiacute passando ao ldquotipordquo ao ldquotraccedilo
caracteriacutesticordquo portanto distintivo que tambeacutem abre margem para o que dizemos ldquoestilordquo
Quanto ao leacutexico da doutrina a maneira de Plutarco c I dC parece evidenciar o
conhecimento de duas nomenclaturas concorrentes nesse seacuteculo (Vita Homeri 72) ldquo()
rdquo ndash ldquo() tambeacutem satildeo caracteres
dos discursos os chamados moldesrdquo e logo os nomeia atraveacutes dos mesmos termos e ordem
que lemos aqui no coacutedice 236
De fato em Demeacutetrio seacutec II AC (De Eloc 36 1) a divisatildeo aparece sob o tiacutetulo de
charactecircres tecircs hermeneiacuteas ldquocaracaterestraccedilos da elocuccedilatildeordquo no tratado inteiro dedicado a
essa que eacute uma das partes do discurso
Dioniacutesio de Halicarnasso I AC emprega-os mormente e junto tambeacutem a leacutexis (De
Demosthenins Dictione 8 28 ndash 31) e a ldquocomposiccedilatildeordquo (a syacutenthesis De Compositione 21 15)
ie referindo-se agrave composiccedilatildeo como um todo e quando os nomeia na sua obra dedicada a
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Demoacutestenes (33 21 ndash 23) fala em ldquotrecircs caracteres
geneacutericosprincipaistiacutepicosrdquo introduzindo um qualificativo relevante para o entendimento da
doutrina como dos gecircneros (categoria ampla e principalmente abrangente em relaccedilatildeo agrave
espeacutecie) possiacuteveis agrave elocuccedilatildeo de forma geral como se evidencia entre os latinos (Cf Ciacutecero e
Quintiliano infra pg 92) Em uma soacute passagem poreacutem Dioniacutesio que se serve variamente
das palavras testemunha o uso do outro termo para designar a doutrina e emprega tambeacutem
placircsma (De Dem Dict 34)
No mesmo seacuteculo a Retoacuterica a Herecircnio apresenta uma traduccedilatildeo literal da nossa
doutrina e sua triparticcedilatildeo (IV 8) na qual figura (do verbo fingere) verte da maneira mais fiel
e direta o grego jaacute que ambos os verbos servem nas respectivas liacutenguas para designar a arte
plaacutestica de modelar o estatuaacuterio figurar Natildeo se adotou aqui essa traduccedilatildeo latina porque jaacute na
retoacuterica e depois a palavra tambeacutem designaraacute as figuras de linguagem Preferiu-se outra
igualmente literal
Ciacutecero por exemplo (Orator 20) e Quintiliano (Institutiones Oratoriae XII 10 58)
empregaratildeo genera dicendi aproximando-se da noccedilatildeo ldquogeneacutericardquo de Dioniacutesio de
Halicarnasso
O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio (449 26) eacute o mais chamativo ao empregar exatamente os
mesmo termos do coacutedice 239
Jaacute para tratar dos diferentes termos empregados para qualificar os gecircneros eacute
interessante a breve consideraccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso antes de nomeaacute-los no tratado
De Compositione(21 15 ndash 18)
ldquo()
rdquo
ldquo() eu mesmo poreacutem natildeo tendo um nome oficial para designaacute-los como permanecem
inominados por nomes metafoacutericos chamo-osrdquo
(trad do autor)
Dioniacutesio mesmo afirma que os charactecircres natildeo possuem um nome definitivo ie de
caraacuteter oficial (kyacuterios) e natildeo havendo essa jurisprudecircncia de termos nomeia-os
metaforicamente
Diferentes metaacuteforas opositivas portanto satildeo empregadas nos diferentes textos
visando a representar mas igualmente delimitar e definir os limites entre os quais se ajusta a
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elocuccedilatildeo originando um pequeno leacutexico que aparece misturado nas diferentes classificaccedilotildees
concomitantemente a diferentes interpretaccedilotildees da doutrina
Assim Demeacutetrio (op cit) propotildee quatro caracteres simples ndash o
ldquotecircnueesguiodelgadoexiacuteguordquo (ischnoacutes) o ldquomagnificenterdquo (megaloprepeacutes) o
ldquosuavepolidobrunidoeleganterdquo (glaphyroacutes) o
ldquotremendoterriacutevelimpetuosoveementeeneacutergicordquo (deinoacutes) ndash que se misturam (salvo os dois
primeiros que se definem pelo antagonismo) para formar todos os diferentes estilos
A julgar por Quintiliano jaacute seacuteculo I dC (XII 10 2 e sg no paralelo entre histoacuteria da
pintura e oratoacuteria) poder-se-ia pensar em tantas espeacutecies quantas elocuccedilotildees sendo possiacutevel
distingui-las em um niacutevel superior segundo o gecircnero A explicitaccedilatildeo desse raciociacutenio parece
condizente com o que se observa ao longo dos seacuteculo Assim eacute que apoacutes Demeacutetrio observa-
se um rearranjo da doutrina em trecircs tipos dos quais dois satildeo opostos e um supotildee a mistura e
dos quais a plenitude eacute variavelmente interpretada
Assim eacute que Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict supra) parece empregar o
superlativo (hoigrave genikoacutetatoi) para distingir dentre os caracteres ldquomais geneacutericosrdquo primeiro
dois extremos o ldquotecircnuerdquo (ischnoacuten) e o ldquoelevadosublimerdquo(hypseloacuten) e depois um ldquomeio
termordquo (metaxyacute) No De Compositione como mencionado a doutrina eacute transposta para toda e
qualquer composiccedilatildeo em geral e o mesmo tratadista emprega outra terminologia (que pode
confundir-nos comparada agraves demais) a fim de nomear um dos gecircneros que julga o melhor
nomeia uma elocuccedilatildeo ldquoausterardquo (austeacuteran) por natildeo ser ornada uma ldquopolidardquo (glaphyraacuten
bem no sentido de ldquoeleganterdquo) ou ldquofloridardquo (antheacuteran) porque ornada e ndash a melhor ndash ldquobem-
solvidamisturadabalanceadordquo (euacutekratos)
A Retoacuterica a Herecircnio (supra) proporaacute a distinccedilatildeo por ordem decrescente um ldquograverdquo
(gravis que estaacute mais para o grego baryacutes mas tangencia a semacircntica de hadroacuten) um
ldquomedianomediacuteocrerdquo (mediocrismeacutesosmetaxyacute) e um ldquotecircnuerdquo (adtenuata sc figura em que
embaso minha traduccedilatildeo)
Ciacutecero (op cit 20 3) descreve os trecircs gecircneros com os vaacuterios adjetivos desse
vocabulaacuterio mas nomeia o orador ldquoque pratica a grandiloquecircnciardquo (grandiloqui) os ldquotecircnuesrdquo
(tenues) que fazem do discurso algo ldquoagudo aguccedilado adelgaccedilado afiadordquo (acuti) e haacute aquele
ldquoque se situa no meio entre os doisrdquo (interiectus inter hos) e o faz ldquomeacutediordquo (mediusmesos) e
ldquotemperado compoacutesito balanceadordquo (temperatusmetaxus eukratos)
Quintiliano provavelmente o mais abrangente preocupa-se em nos dizer quais os
nomes gregos com que se nomeiam os gecircneros e emprega o ldquosutilrdquo (subtile sinocircnimo de
tenuis ldquoexiacuteguo de pequena proporccedilatildeordquo) para ischnoacuten o ldquorobustordquo (robustum) para hadroacuten e
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por fim como no coacutedice 239 descreve um terceiro que eacute o meio entre os dois (meacutedium ex
duobus) mas que no entanto designa como ldquofloridordquo (floritum antheroacuten)
221 O molde copioso
Embora jaacute se tenham contemplado duas possiacuteveis traduccedilotildees por correlatos latinos
(supra) ambas atentas ao peso (ldquograverdquo) ao volume e agraves proporccedilotildees (ldquorobustordquo) deste
gecircnero e embora se esperasse aqui a adoccedilatildeo de alguma delas por ldquocopiosordquo pretende-se
trazer ao eventual leitor lusoacutefono um termo que tente abranger outras noccedilotildees outros traccedilos
semacircnticos mais especificamente implicados no termo grego natildeo parece de mais remetecirc-lo
ao dicionaacuterio (Liddell amp Scott pg 25 9ordf ed) que sumarizo com a possiacutevel sinoniacutemia do
portuguecircs ldquogrosso volumoso espesso denso robusto forte vigoroso corpulento gordo
firme forte resistente soacutelido avultado maciccedilo pesadordquo A noccedilatildeo abstrata de coacutepia
abundacircncia aplica-se genericamente a todas qualidades observadas nos textos que descrevem
o placircsma principalmente agrave imagem de que possuindo mais ornato resulta numa forma num
molde fisicamente maior mais avultada por conter mais Eacute nesse sentido do uso do ornato
que ldquoenruga entumece avoluma a elocuccedilatildeordquo que se deve entender a segunda seacuterie de termos
que o descreve ldquomuitiacutessimo elaboradordquo (kataskeuasmeacutenon maacutelista) Aleacutem do superlativo
de intensidade maacutelista cujo emprego num texto como este um resumo eacute por demais
relevante no que pretende resumir deve-se lembrar que a palavra grega skeueacute tem a ver com
ldquoequipamento aparelho aparatordquo eacute por exemplo a equipagem do navio em contexto
naacuteutico os aparatos beacutelicos o equipamento da armadura em contexto militar pode ser a
indumentaacuteria do ator mas tambeacutem do sacerdote etc O verbo kataskeuaacutezo significa
literalmente prover por completo esse aparato ie preparar ou elaborar algo No contexto
retoacuterico-poeacutetico a palavra designa a elaboraccedilatildeo da obra em ato e portanto como qualidade
(Cf Dioniacutesio de Halicarnasso De Comp Uerb 1 6 et allia) Este placircsma eacute ldquomais elaboradordquo
no sentido de que eacute mais aparatado paramentado releva maior preparaccedilatildeo Embora essas
traduccedilotildees todas fossem possiacuteveis e caiacutessem bem neste contexto perder-se-ia a noccedilatildeo mesma
de como a doutrina antiga concebe esse processo de confeccionar a obra (amplamente
empregado por Dioniacutesio op cit) uma vez que elaborar em portuguecircs aleacutem de manter esse
significado mais abrangente conserva algo de se sua etimologia ie ldquotrabalhar laborarrdquo em
torno de algo Portanto deve-se lembrar de que neste contexto dos gecircneros da elocuccedilatildeo a
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maior elaboraccedilatildeo do gecircnero em questatildeo de modo geral consiste no uso de ornato dos tropos
e figuras o artifiacutecio da linguagem ie seu aparato
Apontando pois as caracteriacutesticas gerais deste gecircnero Dioniacutesio de Halicarnasso (De
Dem Dict34 7 ndash 8) tambeacutem diz da leacutexis que eacute peritteacute ldquoabundante extraordinaacuteria
prodigiosardquo e exellagmeacutene ie ldquovaacuteria alteradardquo (a partir do idioma comum ndash to idioacutetikon
Arist Rhet 1406a 15) e logo adiante apontaraacute a superioridade de Demoacutestenes dentre outros
motivos porque ldquo rdquo ie ele
(Demoacutestenes) ldquoadvinha grandeza em toda elaboraccedilatildeo que a possuirdquo
Na Retoacuterica a Herecircnio (supra) seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo evidenciam-se suscintamente na
definiccedilatildeo de que a figura grave ldquoconstitui-se a partir de uma construccedilatildeo leve (o que chama a
atenccedilatildeo do ponto de vista doutrinal) e ornada [ornata] de palavras graves [uerborum
grauium]rdquo ie de ldquomaior pesordquo
Ciacutecero (Orator 20 3 ndash 5) vale-se de praticamente todo o leacutexico ldquo() foram (os
grandiacuteloquos) com ampla [ampla] gravidade [grauitates] de pensamentos e majestade
(grandeza) [maiestate] de palavras veementes [vehementes] variados [uarii] copiosos
[copiosi] graves [graves]rdquo
Quintiliano circunscreve cada um dos gecircneros a cada uma das funccedilotildees da retoacuterica O
hadron ou robustum laacute eacute o que tem maior capacidade de mover (mouendi) por possuir o
atributo baacutesico da forccedila (uis) (op cit XII 10 59) ldquoo oradorrdquo segue dizendo (62 1) ldquo()
eleveraacute o discurso a amplificaccedilotildees e ateacute se alccedilaraacute agrave hipeacuterbolerdquo (amplificationibus
extollet orationem et in superlationem quoque erigetur)
Plutarco e o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio como se viu (supra) trazem formulaccedilotildees
praticamente idecircnticas (pelo menos no leacutexico) a de nosso epiacutetome naquele ldquo
rdquo Traduccedilatildeo ldquoo molde copioso eacute aquele que tanto na elaboraccedilatildeo
[kataskeueacute] das palavras [leacutexeis] e dos pensamentos [noeacutemata] possui aspectos [ie a
aparecircncia] grandiosos [megaacutele]) neste ldquo rdquo ndash
tomada em sua literalidade ldquocopioso eacute o proeminente [saliente diermeacutenon] no seu volume
de natureza [oacutegkos katagrave phyacutesin podendo significar ldquotumefaccedilatildeordquo dando a ideia de que o
plasma se faz adiposo rugoso inchado]rdquo
Quanto a ldquoestonteanterdquo uma qualificaccedilatildeo pelo efeito natildeo soacute faz lembrar o quarto
gecircnero puro de Demeacutetrio o tremendo que parece assimilado pelo gecircnero maior na triparticcedilatildeo
posterior como se associaria e poderia ser compreendido pela concentraccedilatildeo de cada um dos
trecircs gecircneros (entatildeo adaptados numericamente) agraves trecircs funccedilotildees da oratoacuteria como se vecirc em
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Quintiliano Aleacutem da referida passagem sobre a forccedila deste gecircnero (supra) descrevendo seu
efeito sobre o ouvinte diz que o orador ao empredar tal elocuccedilatildeo ldquotomaraacute de assalto o juiz
mesmo que manifestamente contraacuterio e o forccedilaraacute a ir aonde o transportarrdquo (iudicem uel
nitentem feret cogetque ire qua rapiet) Inst Orat XII 10 61 3 ndash 34) A forccedila dessa elocuccedilatildeo
logo fora descrita como rio cuja forccedila leva ripas e derruba pontes (idem 61) Adiante (62 7 ndash
9) ldquoesse (tal orador) a ira esse a misericoacuterdia inspiraraacute esse falando paacutelido ficaraacute o juiz e
choraraacute afetado por completo seguiraacute arrastado daqui ali e natildeo desejaraacute mais ser instruiacutedo
(ldquohic iram hic misericordiam inspirabit hoc dicente iudix pallebit et flebite et per ominis
adfectus tratus huc atque illuc sequetur nec doceri desiderabitrdquo Cf tambeacutem Ciacutecero Orator
20 6 ndash 7 ad permouendos et conuertendos acircnimos instructi et parati) Por fim ldquoreluzindo
uma beleza poeacuteticardquo para aleacutem do vocabulaacuterio da imagem e da forma comum agrave referida
passagem de Plutarco essa passagem se explica por tudo quanto se disse da distinccedilatildeo entre
poesia e prosa (supra n8) agora considerada do ponto de vista dos moldes da elocuccedilatildeo
quanto mais se eleva e se afasta da linguagem pedestre mais a prosa tende a parecer com a
poesia portanto eacute de se esperar que se a poesia estaacute para o mais elevado e a prosa para o
mais pedestre quanto mais elevada a elocuccedilatildeo ela mesma mais poeacutetica Eacute portanto natural
que o molde copioso chame atenccedilatildeo (pensando na semacircntica de reluzir epiphaiacuteno) por
mesmo natildeo sendo em um poema ser inevitavelmente mais poeacutetico podendo assim ser
classificado (Cf mais uma vez Aristoacuteteles Ret III)
222 O molde tecircnue
Este molde se define portanto opostamente agravequele uma vez que se nomeia por seu
antocircnimo Podemos resumir o significado da palavra da seguinte maneira ldquoseco enxutordquo
donde negativamente tem-se ldquofraco esquaacutelido magro parcordquo - no sentido de algo que natildeo
se expande ndash ldquocomedidordquo daiacute ldquoplano liso reto esguio delgado direto claro manifesto
inteligiacutevelrdquo (LIddell amp Scott idem p848) A traduccedilatildeo precisa portanto dar conta da noccedilatildeo
fiacutesica de maneira positiva ie algo ldquoesguio enxuto delgado ateacute esbeltordquo Agrave medida que se
comeccedila a fazer uma imagem mais clara da doutrina nota-se que metaforicamente tem por
criteacuterio uma espeacutecie de medida de proporccedilotildees da elocuccedilatildeo conforme ela se nos afigura mais
palavras explicitam o que seja o molde copioso confirmando o quanto se expocircs acima sobre
ele e consequentemente formando por oposiccedilatildeo a imagem do molde tecircnue Este consiste em
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natildeo escolher por banir por ldquoproscreverrdquo [metadioacuteko] aquela composiccedilatildeo que vem retomada
como tropikeacute (literalmente ldquoem que haacute troposrdquo) e philokataskeuacuteos (ldquoamante da elaboraccedilatildeordquo
o que eacute dizer aqui do aparato do paramento do ornato) Enfim ldquoentretece-serdquo [syneacutertatai
dando a ideia simples de sucessatildeo amarraccedilatildeo atrelamento] a partir de literalmente ldquocoisas
soltasrdquo [aneimeacutena] Opta-se aqui por ldquodespojamentordquo para traduzir o que no grego eacute um
neutro plural atentando ao fato de que o particiacutepio aiacute substantivado eacute do verbo aniacuteemi
ldquolanccedilar para o altordquo portanto ldquosoltar relaxar aliviarrdquo e que assim mesmo no particiacutepio
passivo perfeito eacute empregado para designar o que estaacute ldquosolto frouxo relaxado dissolutordquo
Isso significa que os elementos do molde tecircnue juntam-se atrelam-se sem a constriccedilatildeo que
gera o volume de seu oposto O verbo latino expedio possui um uso semelhante a esse de
aniacuteemi e estaacute presente com essa acepccedilatildeo na liacutengua portuguesa mas seu deverbal ldquoexpediccedilatildeordquo
natildeo conserva o sentido Os deverbais de outros verbos semelhantes a expedio poderiam ser
cogitados como o proacuteprio ldquodespirrdquo (ldquodespimentordquo) mas em se optando por nomear essa
qualidade que no grego eacute um neutro plural abstrato quis se aproveitar o uso do portuguecircs que
emprega despojamento justamente para designar algo ou algueacutem ldquodesapegado simplesrdquo que
abre matildeo de ornamento riqueza etc uma vez que se diz o mesmo tambeacutem de estilo que eacute
assim simples modesto
A Retoacuterica a Herecircnio (IV 8) que como visto traz uma exposiccedilatildeo da doutrina
parecida com a de nosso epiacutetome diz que essa eacute a figura ldquorebaixada por completo ao costume
mais usual do falar puro (demissa est usque ad usitatissimam puri consuetudinem sermonis)rdquo
e antes de exemplificar posteriormente (IV 10) ldquoad infimum et cotidianum sermonem
demissum est (genus adtenuatum)rdquo ie ldquoeacute rebaixado ao falar iacutenfimo e cotidianordquo
O contemporacircneo grego Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict 34 13 ndash 14)
descreve a frase desse gecircnero como ldquolisardquo [liteacute] e ldquoparcardquo [aperittoacuten]
Ciacutecero no Orator (20 9 -11) eacute o mais abrangente ldquoet contra tenues acuti omnia
docentes et dilucidiora nom ampliora facientes subtili quadam et pressa oratione et limatardquo ndash
ldquoe contraiamente [aos grandiacuteloquos] os tecircnues agudos ensinando as coisas mais claras natildeo
as fazendo mais amplas sutis em qualquer discurso conciso e limadordquo
Quintiliano ao tomar as personagens homeacutericas como exemplo e usar Menelau para
ilustrar este gecircnero (XII 10 64) caracteriza tal elocuccedilatildeo como ldquobreuem quidem cum
iucunditate et propriamrdquo ldquocarentem superuacuisrdquo ndash ldquodefinitivamente breve com alegria e
proacutepriardquo ldquolivre de redundacircnciasrdquo
Assim Plutarco e o escoliata de Dioniacutesio Traacutecio que provavelmente seguem a mesma
base de nosso resumo ldquo
59
rdquo (Plut Uit Hom 72) ndash ldquotecircnue eacute aquele pequeno na mateacuteria de seus
argumentos e suavizado na palavrardquo ldquo
rdquo ndash ldquotecircnue eacute o contraiacutedo no seu volume natural (por natureza de natureza)rdquo
(Schol Dion Tr 449 28)
223 O molde meacutedio
Quanto agrave traduccedilatildeo embora se pudesse tornar o texto mais palataacutevel e inteligiacutevel
optando-se por alguma outra forma para a segunda ocorrecircncia da palavra optou-se pela
literalidade que natildeo soacute reproduz o caraacuteter repetitivo do texto do epiacutetome como tambeacutem a
dificuldade conceitual que impotildee Dos termos eacute vaacutelido comeccedilarmos pelos dois textos que ateacute
entatildeo se igualavam quase que plenamente ao coacutedice 239 em Plutarco (idem) ldquo
rdquo ndash ldquomeacutedio [meacuteson]
eacute o que estaacute entre [metaxyacute] cada um deles do mais tecircnue [ischnoacuteteron] e do mais copioso
[hadroacuteteron]rdquo poreacutem no escoliasta (idem) ldquo [antheroacuten] rdquo ie
ldquoo florido eacute o meacutedio entre ambosrdquo Aqui se iniciam as principais questotildees acerca da doutrina
mesmo que aparentemente acabada e resolvida em trecircs gecircneros questotildees que apenas se
esboccedilam quando se trata num primeiro momento de distinguir dois extremos antagocircnicos
1) A formulaccedilatildeo de Plutarco dificulta o estabelecimento de um criteacuterio de medida
supondo que se determine o mais absoluto copioso e o seu antiacutepoda tecircnue haveria graus
menores de coacutepia e tenuidade ou qualquer coisa entre ambos seria o gecircnero meacutedio
2) Neste estado terminoloacutegico apenas o problema estaacute quase que inteiramente
confinado agrave semacircntica de ldquomeacutesonrdquo uma vez que a mesma palavra designa abstratamente
tanto o que eacute meacutedio ie que possui a meacutedia proporccedilatildeo (considerando-se a categoria de
volume espessura) quanto o que pontualmente estaacute no meio o que se complica quando a
palavra metaxyacute o adveacuterbio ldquono meiordquo portanto o meio termo eacute tambeacutem empregado
tomando-a com exatidatildeo como determinar o meio termo que permita estabelecer entatildeo que
certa elocuccedilatildeo estando acima seja copiosa e abaixo tecircnue
Considerando que agraves vezes se emprega a palavra ldquomistordquo mas tambeacutem ldquobalanceado
misturadordquo deve-se considerar entatildeo que tal gecircnero tambeacutem seria uma terceira coisa que
combina que mistura aquela com esta como daacute a entender Dioniacutesio de Halicarnasso De
60
Compositione 21 15 ndash 18 (cf supra) Dioniacutesio afirmaraacute que esse uacuteltimo eacute justamente o
melhor (supra n 10)
A Retoacuterica a Herecircnio como se viu parece filiar-se a essa tradiccedilatildeo do nosso texto
pois aleacutem da terminologia conceitual lembra o texto de Plutarco na gradaccedilatildeo ldquomediacuteocre
[mediacuteocris] eacute a [figura] que se constitui de uma inferior [humiliore] mas natildeo a menor
[infima] e a mais coloquial [perulgatissima] dignidade das palavrasrdquo
Ciacutecero o descreveraacute no Orator 21 atente-se ao vocabulaacuterio ldquohaacute aquele que se situa
no meio entre eles [interiectus inter hos] e o faz como que temperado [temperatus] natildeo se
utilizando nem do acume destes [os tecircnues] nem da fulgecircncia daqueles [os grandiacuteloquos] natildeo
se excelindo em nenhum [in neutro ie no que natildeo eacute nem um nem outro mas estaacute no meio]
partiacutecipe [particeps ie tomando parte] tanto de um quanto de outro desprovido ndash a bem da
verdade ndash de maior potencialidade este como dizem flui num curso uacutenico natildeo trazendo
nada aleacutem de capacidade e igualdade ou entatildeo adiciona alguns adereccedilos [tori] como numa
coroa [ut in coronam] e distingue todo o discurso com moacutedicos ornamentos [ornamentis
modicis] de palavras e pensamentosrdquo Quanto agrave preferecircncia Ciacutecero parece divergir de
Dioniacutesio
Nas proporccedilotildees dos adereccedilos talvez permita entrever a concomitacircncia terminoloacutegica
observada natildeo soacute no escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio mas antes em Quintiliano que tambeacutem
aponta florido (com o correlato grego) como outro nome para o meacutedio Na descriccedilatildeo este
gecircnero serve para ldquoaprazerconciliaraplacarrdquo (conciliandi) por possuir como atributo a
ldquoleveza suavidaderdquo (lenitas) ldquoseraacute de uma maneira mais recorrente nas traslaccedilotildees
(variaccedilotildees ie tropos figuras de palavras) e mais agradaacutevel nas figuras ameno nas
digressotildees atado na composiccedilatildeo doce nos pensamentosrdquo (Inst Or XII 10 60) Como jaacute
mencionado no entanto (supra n 10) Quintiliano toma essa classificaccedilatildeo de forma larga
Concordante a isso antes de iniciar a descriccedilatildeo dos trecircs gecircneros (comeccedilando pelo florido por
sinal) em 59 afirma que esses estilos satildeo suficientes em si mesmos sem necessitar um a
ajuda do outro o que supotildee pelo menos que se possam misturar em momentos diferentes de
um mesmo discurso Posteriormente em 66 pensando numa gradaccedilatildeo proporaacute justamente a
partir do florido que assim como esse eacute o meio entre dois entre ele e os dois extremos a
outros intermediaacuterios bem como haveria ainda um extremo maior que cada um dos jaacute
enunciados Assim Quintiliano faz uma interpretaccedilatildeo da doutrina que em um aspecto o de
tomar a nomenclatura como uma medida pode se assemelhar agrave interpretaccedilatildeo de Ciacutecero que
no Brutus 55 201 expotildee rapidamente sua classificaccedilatildeo dupla segundo a qual considerando-
se o artiacutefice de bons oradores soacute haacute dois gecircneros cuja qualidade se deve observar o
61
ldquoatenuadordquo (tecircnueattenuantum) e ldquoconcisordquo (compacto premido pressum) e o
ldquosublevadordquo (sublatum) e ldquoamplordquo (amplum)
224 O molde florido
Em Plutarco (op cit 73) segue-se apoacutes a definiccedilatildeo dos trecircs referidos moldes
ldquoQue tambeacutem a espeacutecie florida dos discursos existe abundantemente
junto ao poeta possuidora de beleza e graccedila para agradar e deleitar
como flor ndash quem diria De fato a poesia eacute cheia desse tipo de
elaboraccedilatildeordquo
(trad do autor)
Cotejada com a Crestomatia e o escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio a passagem daacute indiacutecios de
que independente da dataccedilatildeo em algum momento dentro desta terminologia falava-se em
quatro moldes que satildeo reduzidos a trecircs ou assim se poderia conjecturar jaacute que pelo menos
nesse caso de Plutarco a julgar pelo emprego de outra palavra para se referir ao que eacute
designado como ldquofloridordquo (espeacutecie eidos) algueacutem poderia ao menos considerar os discursos
(os logoi) tambeacutem segundo essa quarta nomenclatura Natildeo eacute evidente como crecirc Severyns44
que Plutarco esteja assumidamente propondo que se trate de um quarto molde mas sem
duacutevida explicita que essa nomenclatura se empregava e poderia ser arrolada ainda que como
espeacutecie classificando algo de que em desacordo algum com o que sabemos da doutrina a
poesia estaacute cheia Aquilo a que serve tal eidos por assim dizer nessa Vita de Plutarco
concorda com a funccedilatildeo que Quintiliano circunscreve ao ldquofloridordquo ou ldquomeacutediordquo deleitar
agradar O vocabulaacuterio assemelha-se aqui os verbos teacuterpo hedyacuteno laacute os verbos delecto
concilio e o adjetivo iucuntus Na sua funccedilatildeo este florido natildeo diverge daquele de Quintiliano
O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio como se viu circunscreve florido e meacutedio a um uacutenico molde ao
dizer com que se combina tal molde assemelha-se agrave liccedilatildeo da epiacutetome (com menos detalhes)
ldquo rdquo
44 op cit paacuteg 75
62
ndash ldquochama-se florido [antheroacutes] porque combina [harmoacutezei] principalmente com reportaccedilotildees
[apaggeliacutea] de descampados [leimocircnes] e flores [aacutenthe]rdquo
Dioniacutesio de Halicarnasso conforme visto usa ldquofloridordquo como outro possiacutevel nome
para o ldquopolidordquo (glaphyroacuten)45 mas descrevendo o que estaria no lugar do molde copioso na
triparticcedilatildeo ie o que se define essencialmente por receber ornato Essa indefiniccedilatildeo acerca do
lugar que o florido deveria ocupar na nomenclatura evidencia natildeo soacute diferentes interpretaccedilotildees
da doutrina como jaacute se pontuou mas explicita como elas foram adequando a profusatildeo a um
sistema de trecircs segundo diferentes necessidades descritivas
De modo geral se Dioniacutesio emprega o termo de maneira positiva na seccedilatildeo 2146 do
tratado sobre a composiccedilatildeo em que descreve trecircs virtudes geneacutericas do discurso das quais
pontua uma melhor e se posteriormente entre os romanos observamos uma triparticcedilatildeo que
funciona como medida de padratildeo (modernamente falando) de modo a chegar agrave flutuaccedilatildeo
observada nos trecircs textos gregos posteriores e lexicalmente afins pode-se conjecturar que a
possiacutevel confusatildeo indefiniccedilatildeo ou flutuaccedilatildeo quanto agrave posiccedilatildeo do quarto gecircnero estivesse
relacionada agrave funccedilatildeo e ao efeito pretendido por tal elocuccedilatildeo e a como a doutrina definia as
trecircs posiccedilotildees em prol deles que identificamos pelas trecircs funccedilotildees do orador Assim haveria
uma elocuccedilatildeo ornada a fim de deleitar ie que se orna pelo deleite que isso traz ao ouvinte e
que agrave maneira que se distinguem poesia e prosa seria como daacute a entender Plutarco comum
na poesia afinal essa tem sempre mais que a prosa e sua principal funccedilatildeo eacute deleitar e outra
elocuccedilatildeo mais ornada ainda cuja finalidade eacute entatildeo comover (em verso ou em prosa) e eacute
inevitavelmente poeacutetica mesmo que na prosa uma vez que eacute (se tomada como extremo)
inteiramente ornada
225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo
O particiacutepio que introduz o paraacutegrafo dedicado aos erros referentes aos moldes
expostos aposphaleacutentes que se traduziu por uma oraccedilatildeo equivale semanticamente a
hamarteacutema que pseudo-Longino emprega amplamente no seu tratado Do Sublime para
designar natildeo soacute o desvio do molde ou gecircnero mas qualquer falha discursiva em geral O
significado primeiro e mais baacutesico do verbo que origina este substantivo eacute ldquoerrar o alvordquo um
45 supra pg 52 46 supra pg 51 e 58
63
hamarteacutema eacute em princiacutepio um ldquodesacertordquo Aposphaacutello por sua vez tem o significado de
ldquodesviar-se errar o caminho passar longerdquo e designa por isso aquele que ldquopega um desviordquo
ie que ldquoerra o caminhordquo do discurso em certo molde ldquoenvereda-se erroneamenterdquo e atinge
uma via mudada daquela em que seguia Engendra portanto natildeo seu antiacutepoda positivo mas
uma forma defeituosa viciosa daquilo que deveria ser sua qualidade Vitia eacute o termo
empregado na Retoacuterica a Herecircnio (IV 11) correlato do grego kakiacutea que pseudo-Longino
emprega igualmente
A noccedilatildeo de que existiria uma medida ou pelo menos uma maneira correta de se aplicar
o princiacutepio baacutesico definidor de cada um dos gecircneros (o traccedilo geneacuterico) ou em outras palavras
o que aqui se denomina molde a fim de se produzir a forma bela aparece alhures e por
exemplo tem sua origem brevemente explicada no tratado Do Sublime em 5 1 3 ldquodaquilo
de que se nos origina o belo proacuteximo tambeacutem a isso os males gostam de se originarrdquo Esse
princiacutepio se sumariza por toda seccedilatildeo 5 apoacutes jaacute ter sido sistematicamente aplicado para
descrever atraveacutes de um vocabulaacuterio que eacute da fisiologia as formas que se pretendiam
sublimes mas resultam defeituosas (3 4 1 ndash 4)
[] κακοὶ δὲ ὄγκοι καὶ ἐπὶ σωμάτων καὶ λόγων οἱ χαῦνοι καὶ
ἀναλήθεις καὶ μήποτε περιιστάντες ἡμᾶς εἰς τοὐναντίον οὐδὲν γάρ
φασι ξηρότερον ὑδρωπικοῦ ἀλλὰ τὸ μὲν οἰδοῦν ὑπεραίρειν βούλεται
τὰ ὕψη τὸ δὲ μειρακιῶδες ἄντικρυς ὑπεναντίον τοῖς μεγέθεσι
feios satildeo os intumescimentos [oacutegkoi note-se o vocabulaacuterio] sobre os
corpos e sobre as palavras que flaacutecidos [chaucircnoi] e falsos
[analeacutetheis] jamais nos revertem ao seu contraacuterio [tounantiacuteon]
afinal nada mais seco [zeroacutetetos] que um hidroacutepico [hydroacutepikos]
Mas o inchaccedilo [oidoucircn] deseja subir [hypaiacuterein] agraves alturas [tagrave hyacutepse]
o pueril [meirakiocircdes] eacute que estaacute diretamente oposto [aacutentikry
hypenantiacuteon] agrave grandiosidade [toicircs megeacutethesi]
(traduccedilatildeo do autor)
Seguir-se-aacute entatildeo uma breve descriccedilatildeo desse pueril (ldquochatildeordquo [tapeinoacuten] ldquomesquinhordquo
[mikroacutepsychon] e ldquoo mais vulgarmente feiovicioso em essecircnciardquo [tocirci oacutenti kakograven
aggeneacutestaton] - idem 5 ndash 6) e de um terceiro viacutecio que se resume ao descomedimento do
paacutethos (afeto ou paixatildeo fora de hora [paacutethos aacutekairon] ou ldquodesmedidordquo quando se requer
ldquomedidardquo [aacutemetron eacutentha metriacuteou deicirc] (3 5 3 ndash 4)
64
Esse princiacutepio encontra-se enunciado aplicado e atribuiacutedo (quanto agrave sua origem) em
Demeacutetrio com um vocabulaacuterio que eacute da eacutetica (op cit 114)
Ὥσπερ δὲ παράκειται φαῦλά τινα ἀστείοις τισίν οἷον θάρρει μὲν τὸ
θράσος ἡ δ αἰσχύνη τῇ αἰδοῖ τὸν αὐτὸν τρόπον καὶ τῆς ἑρμηνείας
τοῖς χαρακτῆρσιν παράκεινται διημαρτημένοι τινές πρῶτα δὲ περὶ τοῦ
γειτνιῶντος τῷ μεγαλοπρεπεῖ λέξομεν ὄνομα μὲν οὖν αὐτῷ ψυχρόν
ὁρίζεται δὲ τὸ ψυχρὸν Θεόφραστος οὕτως ψυχρόν ἐστι τὸ
ὑπερβάλλον τὴν οἰκείαν ἀπαγγελίαν
Como algumas rudezas [phaulaacute] justapotildeem-se [parakeicircmai] a
alguns valores [asteicirca] como agrave coragem a impetuosidade vergonha
ao respeito da mesma forma alguns deslocamentos [diemartemenoi]
justapotildeem-se aos caracteres da elocuccedilatildeo Primeiramente falaremos
do que margeia [geitiniaacuteo] o magnificente Seu nome eacute friacutegido
[psychroacuten] Teofrasto delimitou [horiacutezomai] o friacutegido assim friacutegido
eacute o que excede [hyperbaacutello] a expressatildeo adequada [oikeiacutean]
(idem)
Eacute vaacutelido notar que aleacutem de se empregar um particiacutepio para nomear esse ato de
desviar-se errar (diemartemenoi) o verbo em questatildeo tem a mesma forccedila de aposphaacutello em
sua composiccedilatildeo e eacute um sinocircnimo desse Tambeacutem merece nota o verbo geitiniaacuteo ldquoavizinhar-
se fazer fronteira estar na margemrdquo de modo que natildeo seria lexicalmente errado dizer desses
desvios que satildeo ldquogecircneros marginaisrdquo Eacute aceite que a base para essa teoria que supotildee sempre
uma medida correta para a execuccedilatildeo da forma seja peripateacutetica o que por outro lado natildeo
nos deve levar a supor uma doutrina uniforme subjacente aos textos O princiacutepio sim parece
ter essa origem Deve-se observar assim que pseudo-Longino segundo criteacuterios e conceitos
que satildeo platocircnicos em origem estaacute preocupado em descrever o que atinge a grandeza o
sublime Ao fim portanto descreve um conjunto de trecircs viacutecios que satildeo a rigor o resultado de
uma tentativa equivocada de atingi-lo Natildeo eacute de se espantar entatildeo que a caracterizaccedilatildeo do
viacutecio pueril assemelhe-se ao que seria de certa forma uma versatildeo imperfeita do discurso que
no epiacutetome fociana estaria para o tecircnue denominado aqui por chatildeo [tapeinoacutes baixo
rasteiro] Contudo observa-se que o adjetivo trata na verdade de um julgamento moral sobre
aquele que tenta atingir o sublime de maneira fuacutetil ou vatilde O texto prossegue
ταπεινὸν γὰρ ἐξ ὅλου καὶ μικρόψυχον καὶ τῷ ὄντι κακὸν
ἀγεννέστατον τί ποτ οὖν τὸ μειρακιῶδές ἐστιν ἢ δῆλον ὡς
σχολαστικὴ νόησις ὑπὸ περιεργασίας λήγουσα εἰς ψυχρότητα
ὀλισθαίνουσι δ εἰς τοῦτο τὸ γένος ὀρεγόμενοι μὲν τοῦ περιττοῦ καὶ
65
πεποιημένου καὶ μάλιστα τοῦ ἡδέος ἐξοκέλλοντες δὲ εἰς τὸ ῥωπικὸν
καὶ κακόζηλον
(Pseudo-Longino De Sublimitate 345 ndash 51)
diz-se dele que tem o pensamento preguiccediloso [scholastikeacute noacuteesis] que por causa do
empolamento [periergasiacutea o excesso de coisas fuacuteteis] estagna-se em frigidez [psychroacutetes]
ldquoEscorregam nesse gecircnero os que almejam o prodigioso [tograve perittoacuten que em Dioniacutesio de
Halicarnasso era abundacircncia atributo do elevado] o produzido [pepoiemeacutenos] e
principalmente o prazer [hedyacutes] vagando para o espalhafatoso [rhopikoacuten] e afetado
[kakoacutezelon]rdquo A julgar por ldquoespalhafatoso afetado empolado prodigiosordquo etc temos uma
descriccedilatildeo que se aproxima mais do que poderiacuteamos conceber como a forma falha do molde
copioso que recebe a qualidade de ldquoexaltadordquo que se pode traduzir no contexto do discurso
por ldquopedanterdquo Comparado ao nosso modelo e agrave descriccedilatildeo de gecircneros e defeitos como
observamos na tratadiacutestica retoacuterica embora o princiacutepio seja peripateacutetico o tratado do sublime
natildeo se propotildee a prescrever todos os gecircneros bem sucedidos de elocuccedilatildeo mas concentra-se em
aplicar isso que aqui chamamos preceito ou teoria da medida para descrever tudo quanto pode
produzir um efeito o transporte [ekstaacutesis] e natildeo outro a persuasatildeo [peithoacute] (1 4 1) e eacute a
partir disso que descreveraacute os demais tipos de elocuccedilatildeo o que natildeo eacute seu foco (cf por
exemplo 8 1 e 33 1) Os tratados descrevem ainda que diferentemente os gecircneros da boa
elocuccedilatildeo e a partir deles a forma desproporcional da caracteriacutestica fundamental de cada um
De novo a adequaccedilatildeo (da medida no caso) a trecircs Por fim vale mencionar que esse criteacuterio
peripateacutetico se evidencia na Ars de Horaacutecio47
No epiacutetome de Foacutecio os dois defeitos derivados do desvio do molde copioso duro
[skleroacuten] e exaltado [epermeacutenon] parecem corresponder bem aos viacutecios que pseudo-
Longino refere um ao aspecto do discurso que eacute ldquoinfladordquo laacute ldquoinchadordquo e aqui ldquodurordquo
ldquomaciccedilordquo quase a ideia de ldquoaacutesperordquo no sentido de algo intrataacutevel em funccedilatildeo das saliecircncias
(que leva agrave ideia de ldquoaustero severo aacuterduordquo) outro parece mais relacionado ao afeto e ao
enunciador uma vez que ldquoexaltadordquo ie que estaacute muito acima do necessaacuterio contempla tanto
a ideia do pedantismo e da afetaccedilatildeo como do pathos fora de hora
O escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio que simplesmente emprega o verbo antikeicirctai para
designar a oposiccedilatildeo de gecircneros fala do duro como a epiacutetome mas do escasso [brachyacute]48
Lembrando o texto de pseudo-Longino e sua metaacutefora fisioloacutegica eacute a intumescecircncia de certa
regiatildeo que gera a secura e talvez assim possamos interpretar esse adjetivo no sentido de que
47 Cf Horaacutecio Arte Poeacutetica v 24 ndash 28 48 Op cit 449 32
66
para aleacutem dos adereccedilos desnecessaacuterios e demasiados esse gecircnero estaacute desprovido de sauacutede ou
da coacutepia que o caracteriza Aqui tambeacutem de certa forma o gecircnero vizinho e defeituoso
confunde-se com o oposto virtuoso Parece que no caso do escoacutelio o molde defeituoso eacute
entendido como um oposto propriamente inclusive a julgar pelo verbo que introduz a
passagem
A Retoacuterica a Herecircnio denomina esse gecircnero defeituoso de inflado [sufflata]49 bem
condizente com o aspecto fiacutesico do inchaccedilo de Pseudo-Longino e da macicez do epiacutetome e
contiacutenua pela metaacutefora fiacutesica para exemplificar ldquoAssim como um inchaccedilo [tumor como o
grego oacutegkos] pode parecer uma condiccedilatildeo saudaacutevel do corpo grave [grave] pode parecer o
discurso que turge [turget] e estaacute inflado [inflatum]rdquo natildeo agrave toa o tratado nos daraacute trecircs
possiacuteveis elementos desse gecircnero defeituoso que ou estatildeo para aquela dureza ou para o
empolamento e a afetaccedilatildeo inadequada ou se empregam palavras que satildeo muito recentes ou
arcaicas (ldquonouis aut priscisrdquo) ou usam-se metaacuteforas duras (ldquousa-se delas duramenterdquo ndash
ldquoduriter aliunde translatisrdquo) ou porque algo eacute dito com palavras mais graves do que a mateacuteria
exige (ldquograuioribus quam res postullat aliquid diciturrdquo)
Na divisatildeo quaacutedrupla de Demeacutetrio50 o gecircnero defeituoso eacute qualificado como
ldquofriacutevolordquo adjetivo empregado por Pseudo-Longino e que se associa a essa qualidade afetada
do discurso que traz muito mais do que o necessaacuterio O princiacutepio se torna praticamente uma
maacutexima no verso horaciano ldquoprofessus grandia turgetrdquo- ldquoa grandeza professa turgerdquo51
O adjetivo tapeinoacutes que no epiacutetome nomeia o desvio do molde tecircnue designa aquilo
que eacute baixo abjeto em diferentes contextos (social moral) etc Designa o aspecto vulgar e
rebaixado daquele falar hodierno do qual parte a linguagem bem sucedida deste gecircnero na
Retoacuterica a Herecircnio que qualifica o viacutecio como aacuterido [aridum] e exangue [exsangue]52
Aacuterido [xeroacutes] tambeacutem eacute o nome para Demeacutetrio do desvio do caraacuteter tecircnue Para pseudo-
Longino como visto53 essa aridez tem que ver com uma grandeza um aumento que natildeo se
realiza eacute mais um discurso vicioso que natildeo atinge aquele sublime O escoacutelio a Dioniacutesio
Traacutecio neste passo de fato parece confimar a hipoacutetese de nomear como viacutecio uma forma que
eacute oposta opotildee-se ao tecircnue o amplo [platuacute ou difuso referindo-se agrave elocuccedilatildeo] e grosso
[paxuacute espesso]54 que ora remetem ao hadron forma virtuosa Por fim em Horaacutecio talvez
esteja aqui aquele que procede com excessivo medo da elevaccedilatildeo ldquoserpit humi tutus nimium
49 Retoacuterica a Herecircnio IV 10 19 50 Supra paacuteg 52 ndash 53 51 Op cit v 27 52 Op cit IV 11 16 53 Supra paacuteg 57 54 Op cit 449 32
67
timidisque procellaerdquo ndash ldquoRasteja pelo chatildeo aquele excessivamente cauto e medroso da
procelardquo55
Quando ao desvio do molde meacutedio a primeira caracteriacutestica refere-se ao fato de o
discurso parecer incompleto inacabado tolhido argoacutes designando o objeto em que falta
trabalho ie em que o trabalho natildeo se concluiu Pelas liccedilotildees sobre a diferenccedila entre prosa e
poesia podemos pensar que talvez ele o seja por deixar a impressatildeo de carecer de ornato
quando uma de suas necessidades eacute possuiacute-lo a ponto de deleitar56
Parece que eacute neste sentido que o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio57 que designa este
molde como florido denomina seu oposto por agleukeacutes amargo (em que natildeo haacute doce) e
logoieideacutes prosaico ie natildeo eacute tatildeo poeacutetico quanto precisaria O segundo termo empregado
eklelumeacutenon (solto desatado relaxado dilatado) parece estar associado justamente a esse
mau acabamento do ornato e eacute correlato ao termo com que a Retoacuterica a Herecircnio designa o
gecircnero vicioso dissoluto [dissolutum]58 ldquoque eacute sem nervos e articulaccedilotildeesrdquo ndash mantendo uma
metaacutefora fisioloacutegica (quod est sine neruis et articulis articulaccedilotildees) ndash de modo que posso
chamaacute-lo flutuante [fluctuans] jaacute que flutua caacute e laacute e natildeo possui a capacidade de andar
livremente com firmeza [confirmatis] e virilidade [uiriliter]rdquo Essa mesma noccedilatildeo de firmeza
que se exige para uma elevaccedilatildeo digna que natildeo eacute poreacutem a da coacutepia mas constitui um meio
termo parece condizer com o defeito daquele que na Ars horaciana almejando mais leveza
do que se deve acaba fraco ie sem nervos [nerui] e acircnimo [animi] ldquosectantem leuia nerui
deficiunt animiquerdquo59
3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA
31 SEUS GEcircNEROS
55 Idem v 28 56 Supra paacuteg 54 57 Op cit 449 32 58 Op cit IV 11 1 59 Op cit v 25 ndash 26
68
Eacute pelo emprego do adjetivo ldquopoeacuteticardquo [poietikeacute] no paraacutegrafo 11 da ediccedilatildeo de
Severyns60 319a 3 na ediccedilatildeo de Bekker que se inicia o extenso cataacutelogo de gecircneros e
espeacutecies poeacuteticas que basicamente constitui todo o restante do epiacutetome como parte principal
do objeto resumido Imediatamente a liccedilatildeo do epiacutetome estabelece o criteacuterio segundo o qual
divide dois grandes gecircneros de poesia
Chama a atenccedilatildeo o emprego de outro termo vimos que poiacuteema foi usado para
distinguir poesia e prosa no paraacutegrafo 3 e logo acima no paraacutegrafo 10 foi novamente
empregado como sinocircnimo de poiacuteesis Parece que esse termo se usa laacute enquanto em uma
primeira seccedilatildeo da obra em que se trataria da linguagem em geral contemplando toacutepicos
comuns agrave poesia e agrave oratoacuteria (que consequentemente servem para a prosa em geral como a de
um historiador logoacutegrafo etc) tais quais a elocuccedilatildeo e seus gecircneros virtuosos e viciosos o
eacutethos e o paacutethos Esses trecircs elementos correspondem natildeo perfeitamente agrave triparticcedilatildeo retoacuterica
que vem desde Aristoacuteteles natildeo perfeitamente porque a parte sobre os plaacutesmata fala somente
de elocuccedilatildeo e natildeo do logos como um todo e suas partes etc Assim nenhuma designaccedilatildeo
especiacutefica ou disjuntiva aparece ateacute aqui (ldquoretoacutericardquo ldquopoeacuteticardquo) salvo gramatikeacute do tiacutetulo
que nos serve de indiacutecio para conjeturar justamente sobre como essas liccedilotildees de diferentes
saberes satildeo tomadas aqui nas suas partes concernentes agraves letras
Apoacutes enfim uma primeira parte em que se tomaram essas liccedilotildees apenas no que
concerne agrave linguagem e seu uso por quem compotildee uma obra em prosa ou em verso
significando que desse ponto de vista as mesmas caracteriacutesticas se observariam na prosa de
um logoacutegrafo e nos versos de um tragedioacutegrafo natildeo havendo distinccedilatildeo salvo pelo fato de que
estes conteratildeo virtudes em maior quantidade passa-se entatildeo ao exame da poeacutetica
especificamente entendida como reuniatildeo das obras de poesia Pode-se conjeturar que o termo
(no genitivo e com forte carga partitiva cf nota 9) agora eacute empregado para delimitar o que eacute
assunto apenas referente a esse tipo de confecccedilatildeo A liccedilatildeo do coacutedice logo passa ao que
consiste dentro dessa perspectiva antes explicitada o tratamento da obra poeacutetica E o que
seria Os diferentes gecircneros em que se agrupam as composiccedilotildees considerada agora apenas a
composiccedilatildeo em verso e natildeo dentro do primeiro criteacuterio classificatoacuterio geral a elocuccedilatildeo
Em outras palavras e com implicaccedilotildees mais fortes o que eacute relevante para essa
abordagem das letras sobre a poesia e daiacute sem a elocuccedilatildeo apenas ela inicia-se pela sua
divisatildeo em gecircneros Natildeo agrave toa segue-se imediatamente a primeira e mais ampla distinccedilatildeo
60 Severyns op cit tomo II pg 33
69
geneacuterica relacionada ao que na Poeacutetica de Aristoacuteteles se designa apenas como o modo de
imitaccedilatildeo ou da mimese
Sabe-se que a Poeacutetica de Aristoacuteteles se insere em uma discussatildeo que jaacute estaacute bem
distante de muitos dos textos de base gramatical que foram escritos posteriormente sobre o
assunto embora natildeo tatildeo distante dos textos modelares da praacutetica
A divisatildeo entre poesia narrativa [diegematikoacuten] e imitativa [mimetikoacuten] ndash para cuja
traduccedilatildeo mantecircm-se aqui os termos latinos ndash tem por criteacuterio o modo enunciativo ie mais
especificamente quem eacute o enunciador Essa distinccedilatildeo vem como se sabe desde a Repuacuteblica
em que natildeo eacute dupla mas triacuteplice Nos termos do filoacutesofo (III 394b) a narraccedilatildeo da poesia e da
mitologia ou se daacute inteira por imitaccedilatildeo [diagrave mimeacuteseos] ou por relato do poeta ele mesmo [dirsquo
aggeliacuteas autoucirc toucirc poietoucirc ie de forma reportada pelo proacuteprio poeta] ou ainda por ambos
[aucirc drsquo amphoteacuteron] Esta uacuteltima eacute a forma mista em que ora o poeta fala ora a personagem
da qual Homero eacute o exemplo
A classificaccedilatildeo proposta por Platatildeo ocorre na conversa entre Soacutecrates e Adimanto e a
primeira menccedilatildeo aos modos de enunciar se daacute em 392a passagem em que Soacutecrates comeccedilaraacute
a delimitar e expor a doutrina falando primeiro da chamada haplecirc dieacutegesis
ou ldquonarraccedilatildeo simplesrdquo e da miacutemesis O problema e o foco de Platatildeo natildeo eacute
gramatical ou poeacutetico mas sim filosoacutefico-moral eacute um problema para a paideia da cidade a
imitaccedilatildeo plural ie uma pessoa empreender a imitaccedilatildeo de muitas pessoas (395a) uma vez
que a fidelidade dessas imitaccedilotildees seraacute prejudicada dada a impossibilidade de uma uacutenica
pessoa realizaacute-las todas adequadamente Eacute fundamental frisar que para Platatildeo mimese aqui eacute
algo muito mais restrito do que para Aristoacuteteles pois se trata puramente da imitaccedilatildeo que uma
pessoa faz a de outra ou da fala dela Para o filoacutesofo a narraccedilatildeo eacute primordial ou seja haacute a
narraccedilatildeo em princiacutepio e a imitaccedilatildeo eacute uma coacutepia de uma narraccedilatildeo que pertence a outrem
Platatildeo natildeo estaacute interessado em utilizar a distinccedilatildeo para analisar e classificar as praacuteticas
poeacuteticas Estaacute sim interessado em lidar com as implicaccedilotildees que as distinccedilotildees estabelecidas
trazem para sua filosofia e se as mentiras que podem ser contadas para em um mito jaacute podem
por si soacute natildeo fornecer um bom exemplo moral para a cidade imitar jaacute eacute por si soacute uma mentira
Em seu tratado Aristoacuteteles estaacute interessado entre outras coisas principalmente em
mostrar que primeiramente mimese ou imitaccedilatildeo eacute algo mais amplo possui uma funccedilatildeo
didaacutetica fundamental e justamente por isso quando julgada a poesia deve ser pensada dessa
perspectiva Isso explica antes de mais nada a exposiccedilatildeo da triparticipaccedilatildeo classificatoacuteria que
ocupa os trecircs primeiros capiacutetulos da Poeacutetica (natildeo agrave toa seguida de um quarto capiacutetulo e quem
o filoacutesofo fala justamente do valor didaacutetico da imitaccedilatildeo) em que se explicitam os criteacuterios
70
com os quais o filoacutesofo pensa mimese de que e poesia eacute uma espeacutecie A distinccedilatildeo dos modos
enunciativos portanto ocupa um ponto especiacutefico da doutrina aristoteacutelica
Ἔτι δὲ τούτων τρίτη διαφορὰ τὸ ὡς ἕκαστα τούτων μιμήσαιτο ἄν τις
καὶ γὰρ ἐν τοῖς αὐτοῖς καὶ τὰ αὐτὰ μιμεῖσθαι ἔστιν ὁτὲ μὲν
ἀπαγγέλλοντα ἢ ἕτερόν τι γιγνόμενον ὥσπερ Ὅμηρος ποιεῖ ἢ ὡς τὸν
αὐτὸν καὶ μὴ μεταβάλλοντα ἢ πάντας ὡς πράττοντας καὶ ἐνεργοῦντας
daggerτοὺς μιμουμένουςdagger ἐν τρισὶ δὴ ταύταις διαφοραῖς ἡ μίμησίς ἐστιν
ὡς εἴπομεν κατ ἀρχάς ἐν οἷς τε ltκαὶ ἃgt καὶ ὥς ὥστε τῇ μὲν ὁ αὐτὸς
ἂν εἴη μιμητὴς Ὁμήρῳ Σοφοκλῆς μιμοῦνται γὰρ ἄμφω σπουδαίους
τῇ δὲ Ἀριστοφάνει πράττοντας γὰρ μιμοῦνται καὶ δρῶντας ἄμφω
ὅθεν καὶ δράματα καλεῖσθαί τινες αὐτά φασιν ὅτι μιμοῦνται δρῶντας
(Aristoacuteteles Poeacutetica 1448a 19 ndash 29)
Descrevendo seu objeto pelos meios ( ) pela mateacuteria ( ) e o modo ( ) a
Poeacutetica traz a distinccedilatildeo dos modos na explicaccedilatildeo da terceira categoria para a qual Aristoacuteteles
distingue duas possibilidades (1448a 19 ndash 24)
[] pois eacute possiacutevel pelos mesmos meios imitar as mesmas coisas ora
relatando [reportando hotegrave megraven apaggeacutelonta] (ou tornando-se de
certa forma outro como faz Homero ou como si proacuteprio e natildeo
alternando) ou todos os que imitam como agentes e operantes [hoacutes
praacutettontas kaigrave energoucircntas]
Aristoacuteteles natildeo propotildee um gecircnero misto como Platatildeo o que natildeo significa que natildeo
observe o fenocircmeno que Platatildeo nomeia como um terceiro tipo Considerando que Aristoacuteteles
discute exatamente miacutemesis e um tipo especiacutefico dela parece que seu criteacuterio eacute a presenccedila ou
natildeo ndash referida reportada e daiacute inferida pelos ouvintes ndash da voz do poeta seja na figura dele
mesmo seja por traacutes da voz de outro como a personagem Parece que no outro gecircnero natildeo
haacute pelo menos para Aristoacuteteles essa voz natildeo ocorre esse reportamento mas a miacutemese se daacute
como atuaccedilatildeo ie pela accedilatildeo dos actantes e natildeo como relato Simplificando pode-se dizer
partindo do segundo membro do par que a composiccedilatildeo pertenceraacute a este ou agravequele gecircnero se
for encenada ou natildeo Mais abstratamente o resultado de uma deve ser a coisa a mateacuteria o
fato sendo executado realizado da outra reportado contado Partindo poreacutem do outro
membro do par a fim de se chegar a uma simplificaccedilatildeo ter-se-aacute um problema modernamente
Dizendo que uma eacute ldquoencenadardquo e a outra eacute ldquonarradardquo buscar-se-aacute entatildeo a ldquounidade de accedilatildeordquo
de que a Poeacutetica tanto fala de toda e qualquer espeacutecie arrolada como narrativa natildeo soacute nesta
obra atribuiacuteda a Proclo mas tambeacutem em outros textos que trazem classificaccedilatildeo geneacuterica Este
71
problema eacute o principal de nosso epiacutetome qual seria por exemplo a unidade de accedilatildeo de um
melos como o epiniacutecio
Em relaccedilatildeo a Platatildeo observam-se duas peculiaridades Primeiramente como eacute
justamente pelo valor cognitivo e didaacutetico da imitaccedilatildeo que Aristoacuteteles confere estatuto
filosoacutefico agrave poesia61 adota o conceito de miacutemesis como nomenclatura mais ampla para
nomear o fenocircmeno dentro do qual se insere a poesia Natildeo agrave toa o iniacutecio do tratado eacute
dedicado agrave miacutemesis dentro da qual a miacutemesis poeacutetica eacute uma espeacutecie No entanto o termo
ldquomimeacuteticordquo (ou imitativo) jaacute foi empregado por Platatildeo quem Aristoacuteteles busca refutar para
designar uma espeacutecie de narraccedilatildeo de mitos uma das trecircs maneiras arroladas na Repuacuteblica
Parece que por essa razatildeo natildeo adota o termo ldquomimeacuteticordquo para calssificar a imitaccedilatildeo
dramaacutetica como se observa poreacutem em praticamente todo o restante da tratadiacutestica posterior
de que a Crestomatia mesma seria um exemplo Prefere empregar os particiacutepios ldquoprattontasrdquo
e ldquoenergoucircntasrdquo para designar a atividade que empreendem e designar seu sujeito justamente
com outro particiacutepio de que tal atividade eacute pelo criteacuterio do modo espeacutecie ldquotougraves
mimoumeacutenousrdquo
Em segundo lugar parece que como haacute uma discordacircncia teoacuterica deste para aquele
implicando tambeacutem uma discordacircncia conceitual ie a repeito de miacutemesis referindo-se aos
modos da enunciaccedilatildeo Aristoacuteteles busca um denominador comum ou um elemento mais
baacutesico que permita uma classificaccedilatildeo diferente por isso abre matildeo do modo ldquomistordquo porque
nem leva em considera o modo ldquopor imitaccedilatildeo rdquo platocircnico O elemento mais
baacutesico que se pontua depende da presenccedila ou natildeo de um ator mas conforme dito acima isso
eacute consequecircncia o elemento propriamente eacute a voz ou natildeo do poeta mas no sentido de que ou o
discurso que nos reporta as accedilotildees eacute percebido como saindo da boca de outros que natildeo o poeta
ou mesmo que esse assuma a voz de outro o discurso que se ouve ainda nos eacute reportado pelo
poeta mudada sua voz na voz de outro que natildeo eacute senatildeo dependente da primeira voz ou um
construto o que se entende de ldquo relatando (ou tornando-se de certa forma outro como faz
Homero ou como si proacuteprio e natildeo alternando)rdquo [grifo do autor]
Poder-se-ia considerar dessarte a julgar pelo que foi acima exposto que o epiacutetome
traria a liccedilatildeo aristoteacutelica uma vez que natildeo menciona um gecircnero misto como Platatildeo e outros
textos que mencionam esse terceiro gecircnero por entenderem que no caso em que o ldquoeu-
poeacuteticordquo daacute voz a uma personagem haacute uma mistura das duas enunciaccedilotildees Para a triparticcedilatildeo
cuja origem recua ateacute Platatildeo essa interpretaccedilatildeo eacute verossiacutemil porque o raciociacutenio parece ser o
61 Cf Poeacutetica (cap IX) Porque a poesia representa o possiacutevel segundo a verossimilhanccedila eacute mais universal por
oposiccedilatildeo agrave historia particular Decorre para Aristoacuteteles que a poesia eacute mais filosoacutefica
72
mesmo como eacute o caso do texto por exemplo do livro III da Ars Grammatica de Diomedes62
que serviraacute para o cotejo com a Crestomatia a mesma ilaccedilatildeo natildeo vale para os textos que
trazem em vez de uma triparticcedilatildeo uma biparticcedilatildeo A concepccedilatildeo aristoteacutelica supotildee
obrigatoriamente a mimese de accedilatildeo e supotildee como fica expliacutecito agentes que podem ser
resultado da miacutemeses da voz do poeta (o poeta lhes daacute voz) ou podem ser eles mesmos donos
dessa voz ie atores e nesse caso o poeta natildeo fala nada (sua voz natildeo aparece)
Parece que os textos posteriores baseiam-se ou copiam uma biparticcedilatildeo que na obra de
Aristoacuteteles eacute traccedilada segundo os criteacuterios que define como proacuteprios da imitaccedilatildeo poeacutetica Eacute
fundamental poreacutem lembrar que Aristoacuteteles natildeo questiona nem faz apontamento algum
acerca da accedilatildeo de outras espeacutecies poeacuteticas aleacutem da trageacutedia da comeacutedia e da epopeia sendo
aquelas duas exemplo de poesia dramaacutetica e esta de narrativa
Natildeo se pode afirmar que o agrupamento de espeacutecies que se segue em textos como o da
Crestomatia seria aristoteacutelico mas poderiacuteamos conjeturar que como o sentido dado ao verbo
apaggeacutello (na referida passagem de Aristoacuteteles) talvez seja um pouco mais amplo do que em
Platatildeo a julgar pelo fato de que laacute primeiramente natildeo haacute um gecircnero intermediaacuterio e segundo
Homero eacute justamente o exemplo de poesia narrativa (enquanto em Platatildeo a poesia estaacute ao lado
do relato de mitos) todas as demais espeacutecies que natildeo as teatrais por nelas se supor a voz de
um poeta sejam ldquonarrativasrdquo no sentido de que o que quer que se cante eacute reportado ao
ouvinte pelo eacutethos de um poeta cuja voz se ouve63 independente da unidade de accedilatildeo da
presenccedila ou natildeo de mito da vitoacuteria do atleta das causas de uma festa ou da celebraccedilatildeo de um
deus ou heroacutei ainda mais se considerarmos que a oralidade nunca deixou de desepenhar
importante papel mesmo nas culturas escritas como a alexandrina ou a bizantina papel esse
determinante no entendimento que as artes e os textos de doutrina fizeram da poesia Eacute bom
ressaltar que os textos mesmos seguem suas convenccedilotildees explicativas e eacute justamente pela
repeticcedilatildeo ao longo dos seacuteculos que satildeo concebidas como autorizadas
Isso significa que as artes gramaticais posteriores podem ter se fiado em um criteacuterio
que eacute adotado senatildeo mesmo desenvolvido por Aristoacuteteles o que eacute diferente de dizer que
seguem sua doutrina afinal de contas o criteacuterio da accedilatildeo natildeo eacute sequer mencionado nesse tipo
de descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies salvo na explicaccedilatildeo sobre o desenvolvimento da eacutepica
O mais importante no fato de o texto da Crestomatia adotar como a Poeacutetica uma
biparticcedilatildeo eacute o fato de que natildeo segue entretanto a terminoliga aristoteacutelica que evita
62 Diomedes Artis grammaticae III paacuteg 482 63 Eacute nesse sentido que conforme visto (supra 134 pag 47 em diante) Dioniacutenio de Halicarnasso no tratado Da
Imitaccedilatildeo fala do eacutethos da poesia de Alceu
73
ldquomimeacuteticordquo para o gecircnero em que os actantes satildeo enunciadores talvez simplesmente porque a
interpretaccedilatildeo que se fazia da doutrina nesta obra optava por uma conceituaccedilatildeo simples em
dois gecircneros abrangentes apenas sem mistura mas natildeo estava preocupada em propugnar a
favor de uma conceituaccedilatildeo preferencialmente a outra pois natildeo se inseria em um contexto de
disputa pelo termo como se pode supor no caso de Platatildeo e Aristoacuteteles
O texto de Diomedes sec IV AC64 testemunha que diferentes termos gregos eram
conhecidos entre os romanos mesmos para nomear esses dois grandes gecircneros O texto do
livro III de sua obra poreacutem adota a triparticcedilatildeo Note-se a variedade terminoloacutegica
Os gecircneros de poema satildeo trecircs Com efeito o gecircnero eacute ativo ou
imitativo que os gregos chamam dramatikoacuten ou mimetikoacuten narrativo
ou enunciativo que os gregos chamam exegetikoacuten ou apangeltikoacuten
comum ou misto que os gregos chamam koinoacuten ou miktoacuten Eacute
dramatikoacuten ou ativo aquele em que atuam somente as personagens
sem interlocuccedilatildeo de algum poeta como ocorre nas faacutebulas traacutegicas e
cocircmicas gecircnero no qual foi escrita a primeira Bucoacutelica [de Vergiacutelio2]
e aquela cujo iniacutecio eacute ldquoquo te Moeri pedesrdquo [ldquoPara onde Meride
levam-te os peacutesrdquo] Eacute exegetikoacuten ou narrativo aquele em que o proacuteprio
poeta fala sem interlocuccedilatildeo de alguma personagem como ocorre nas
trecircs primeiras Geoacutergicas [de Vergiacutelio] e na primeira parte da quarta e
igualmente nos cantos de Lucreacutecio e em outros semelhantes a estes Eacute
koinoacuten ou comum aquele em que o proacuteprio poeta fala e as personagens
satildeo introduzidas falando como foram escritas a Iliacuteada e a Odisseacuteia
inteiras de Homero a Eneida de Vergiacutelio e outros semelhantes a
estes
(Diomedes Arte Gramatical livro III trad Izabella Lombardi
Gaberllini in LETRAS CLAacuteSSICAS n 9 p 231-243 2005 Paacuteg
231)
Agora em uma triparticcedilatildeo Diomedes testemunha o uso da nomenclatura ldquoimitativordquo agrave
que tambeacutem associa o termo ldquodramaacuteticordquo bem como a traduccedilatildeo latina dos respectivos nomes
Curioso notar tambeacutem que siga o criteacuterio semelhante ao de Platatildeo ilustrando o gecircnero misto
com a eacutepica de Homero e Vergiacutelio
Observaremos portanto que para os textos de doutrina (que possuem eles mesmos
como dito suas convenccedilotildees) principalmente esses de acendecircncia gramatical o que concerne
tatildeo somente agrave poesia eacute sua divisatildeo em gecircneros e espeacutecies em outras palavras seu
agrupamento segundo uma nomenclatura funcional que permita tratar da variedade das
composiccedilotildees herdadas dos antigos gregos Se de origem heleniacutestica e portanto
64 Holtz L apud Gaberllini (2005) paacuteg 1 A dataccedilatildeo da Ars Grammatica de Diomedes infere-se a partir do uso
que faz de Donato e Cariacutesio gramaacuteticos anteriores e pelas constantes citaccedilotildees de Prisciano
74
originariamente editorial essa nomenclatura em um texto como o da Crestomatia ou o da
gramaacutetica de Diomedes tornou-se didaacutetica e eacute de se supor no caso da primeira natildeo apenas no
sentido pedagoacutegico Temos muito bons indiacutecios para supor que essa nomenclatura natildeo se
propotildee riacutegida uacutenica infrangiacutevel porque ela mesma no caso da Crestomatia supotildee mais
restritas suas dimensotildees quando o assunto eacute a liacuterica65 O que observamos no cataacutelogo da liacuterica
eacute a preponderacircncia e o emprego de outro criteacuterio ou padratildeo explicativo que tambeacutem estaacute
presente nos gecircneros anteriores natildeo se busca explicar o que seja a poesia como o faz
Aristoacuteteles mas sim reunir quanta informaccedilatildeo eacute uacutetil para compreender as diferenccedilas entres as
diferentes espeacutecies No caso das espeacutecies diegeacuteticas ou narrativas que natildeo a liacuterica junto a um
criteacuterio de mateacuteria e metro que privilegia este em relaccedilatildeo agravequele quanto agrave antecedecircncia
emprega-se um criteacuterio etimoloacutegico que eacute em boa parte das vezes etioloacutegico tambeacutem porque
traz consigo a origem do dizer consequentemente a origem do referente do significante Esse
eacute o criteacuterio que perpassa todo o cataacutelogo liacuterico na sua forma mais baacutesica porque em alguns
casos o emprego de uma palavra como nomenclatura jaacute eacute por si mesmo autoexplicativo eacute o
caso das uacuteltimas subespeacutecies aquelas sobre circunstacircncias incidentais em que se opta pelo
verso Esse eacute tambeacutem o mesmo criteacuterio que no caso das espeacutecies anteriores agrave meacutelica (a eacutepica
a elegia e o iambo) organiza concomitantemente a metro e mateacuteria a exposiccedilatildeo da espeacutecie
poeacutetica na forma de uma breve histoacuteria que nas suas diferentes etimologias busca agrupar os
diferentes elementos arrolados convencionalmente para definir aquele tipo poeacutetico
32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE
DIOMEDES
Consoante ao exposto no item anterior natildeo eacute de espantar que os gecircneros arrolados
entre os imitativos sejam apenas aqueles dramaacuteticos ou teatrais no caso da Crestomatia de
Proclo enquanto observamos que o exemplo de Diomedes refere-se agrave faacutebula teatral em
geral66 e admite que como tal escreveram-se as Bucoacutelicas I e IX
65 Basta conferir como o cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas eacute introduzido no epiacutetome sect33 (Severyns) 319b 33 66 ldquo() dramaticon est vel activum in quo personae agunt solae sine ullius poetae intcrlocutione ut se habent
tragicae et comicae fabulaerdquo ndash DIOMEDES op cit paacuteg 482 17 ndash 19 Diomedes provavelmente pontua o
elemento ldquofabulaerdquo logo aqui porque o mencionaraacute tratando posteriormente e em separado das espeacutecies
cocircmicas e traacutegicas Nada nos impede de conjeturar e tatildeo somente isso que tratando enfim do gecircnero mimeacutetico
nos demais livros da Crestomatia de que natildeo temos notiacutecia alguma o myacutethos aparecesse na obra Se a exposiccedilatildeo
75
Em ambos os textos o criteacuterio preponderante que estabelece a primiera distinccedilatildeo
dentro da qual os poemas se agruparatildeo eacute o modo enunciativo
Aquilo que seratildeo as espeacutecies no tratado de Proclo para Diomedes receberaacute o nome
simples de ldquocarminardquo ou ldquocantosrdquo designados como o resultado a obra em si uma vez que a
palavra latina designa assim o poema a composiccedilatildeo em verso Diomedes adota assim a
designaccedilatildeo jaacute corrente para essas formas poeacuteticas mas propotildee entre os carmes e os gecircneros
maiores outras espeacutecies que consideram agora o que se narra ou mimetiza e que satildeo
apresentadas como espeacutecies dos trecircs primeiros grupos elencados
ldquoPoematos dramatici vei activi genera sunt quattuor apud Graecos
traacutegica comica satyrica mimica apud Romanos praetextata tabernaria
Atellana planipesrdquo
(DIOMEDES op cit III apud Keil paacuteg 482 26)
ldquoOs gecircneros do poema dramatikoacutes ou ativo satildeo quatro entre os
gregos a [espeacutecie] traacutegica a cocircmica a satiacuterica a miacutemica entre os
romanos a pretextata a tabernaacuteria a atelana a planiacutepederdquo
(Trad GABERLLINI op cit 231)
Observa-se que no caso das espeacutecies gregas modelares (salvo pelos mimos) pelo
menos desde Aristoacuteteles67 a um criteacuterio primeiramente selecionado como mais geral porque
mais abrangente e baacutesico sobretudo por permitir a distinccedilatildeo imediata entre a poesia dramaacutetica
e as demais formas conhecidas segue-se uma subdivisatildeo desse criteacuterio que permite elencar e
subagrupar outras formas poeacuteticas geralmente obtusas em relaccedilatildeo agrave nomenclatura Eacute seguindo
o mesmo criteacuterio entatildeo que nos deparamos com outras espeacutecies mas agora do gecircnero
narrativo
ldquoExegetici vel enarrativi species sunt tres angeltice historice
didascalice angeitice est qua sententiae scribuntur ut est Theognidis
liber item chriae historice est qua narrationes et genealogiae
dos livros estivesse organizada como o epiacutetome 239 nos daacute a conhecer eacute de se crer que na sequecircncia do livro
III ocorresse a exposiccedilatildeo do gecircnero que natildeo foi discutido nos dois primeiros livros que o epiacutetome nos transmite 67 A reiteraccedilatildeo dos criteacuterios de unidade medida e adequaccedilatildeo ao longo da Ars Poetica de Horaacutecio ilustram-no
muito bem Sobre os mimos embora Aristoacuteteles mencione-os na Poeacutetica 1447b 8 ndash 12 e seja plausiacutevel que
segundo seu criteacuterio acional sejam miacutemesis poeacutetica nada mais nos eacute dito sobre eles no que temos da obra
76
conponuntur ut est Hesiodu et similia
didascalice est qua conprehenditur philosophia Empedoclis et Lucreti
item aslrologia ut phaenomena Aratu et Ciceronis et georgica
Vergilii et his similiardquo
(Idem paacuteg 482 31 ndash 483 3)
Assim o poema apenas narrativo pode ser ldquoenunciativo (angeltikeacute)rdquo quando apenas
enuncia coisas ie quando ocorre pura e simplesmente uma enunciaccedilatildeo direta ndash o exemplo
seria a poesia gnocircmica de Teoacutegnis e as khreicircai ou ldquomaacuteximasrdquo ditos ceacutelebres de personagens
ou figuras histoacutericas pode ser ldquohistoacuterico (historikeacute)rdquo quando o que se ldquonarra reporta relata
etcrdquo possui um sentido cronoloacutegicogenealoacutegico de que eacute exemplo O Cataacutelogo das Mulheres
de Hesiacuteodo pode ser ldquodidascaacutelica (didaskalikeacute)rdquo quando ensina e aqui satildeo exemplos os
Fecircnomenos tanto de Ciacutecero como de Arato ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio mas tambeacutem os
poemas de conteuacutedo filosoacutefico de que satildeo exemplos Empeacutedocles e Lucreacutecio
Subdividindo a poesia mista menciona como exemplo a poesia heroica ie a poesia
de heroacuteis de que satildeo exemplo a Iliacuteada e a Eneida tambeacutem se refere agrave liacuterica mas aqui a de
Horaacutecio e Arquiacuteloco (DIOMEDES op cit 483 5 ndash 6)
Ora chama a atenccedilatildeo nesse uacuteltimo caso em comparaccedilatildeo ao texto do epiacutetome de
Foacutecio que operando com uma triparticcedilatildeo dos gecircneros enunciativos a liacuterica seja dada como
exemplo misto porque eacute plenamente possiacutevel imaginar que outro e natildeo o eu-poeacutetico fale
como uma personagem Como a Crestomatia opera com uma biparticcedilatildeo a liacuterica eacute posta junto
de todas as espeacutecies que natildeo satildeo modernamente falando teatrais pelo simples pressuposto de
que nelas quem fala eacute a figura do poeta podendo haver outra dependente dela
Ateacute aqui comparados em sua organizaccedilatildeo observamos que tanto a Crestomatia como
o livro III de Diomedes conhecido antigamente como De Poematibus68 partem de um criteacuterio
primeiro e abrangente que classifica os poemas pelo elocutor Ambos jaacute apresentam aiacute uma
primeira diferenccedila69 este uma divisatildeo tripartite aquele bipartite
O texto de Diomedes apresenta uma subdivisatildeo em espeacutecies que considera a mateacuteria e
a finalidade da composiccedilatildeo mesmo no caso dos poemas apenas narrativos (contemplando
assim ateacute poemas de ensinamento filosoacutefico) e distingue com outra nomenclatura agrave parte os
cantos ou carmina como formas que se definem pelo que parece ser um criteacuterio taacutecito de
68 Uma vez que essa seccedilatildeo por si soacute consiste em um pequeno livro sobre classificaccedilatildeo de obras poeacuteticas que se
inspiraria na obra perdida atribuiacuteda a Suetocircnio De Poetica 69 Aleacutem do fato sempre evidente de que a os textos gregos versam sobre as formas poeacuteticas gregas enquanto os
latinos versam sobre as formas gregas ndash feitas romanas pelos autores paacutetrios ndash e a formas apenas latinas
77
metro e mateacuteria Era de se esperar em princiacutepio que esses cantos correspondessem
diretamente aos grupos acima expostos ou que ao menos fossem explicitados como derivados
deles ou a eles associados essa associaccedilatildeo de forma explicita soacute se verifica para os casos do
epos e da poesia bucoacutelica no caso citado de Vergiacutelio70 Jaacute o texto atribuiacutedo a Proclo passa
direto dos gecircneros enunciativos para o nome de cada uma das espeacutecies narrativas gregas
equivalentes (salvo pela liacuterica que ocupa o epiacutetome extensamente) aos carmina de Diomedes
Em resumo natildeo haacute classificaccedilatildeo intermediaacuteria no texto grego
Ora haacute ao menos que se conjecturar a respeito dessas diferenccedilas e se natildeo pudermos
chegar a respostas definitivas podemos formular hipoacuteteses que permitam um melhor
vislumbre da categorizaccedilatildeo poeacutetica com que se preocupavam as gramaacuteticas antigas
Primeiramente a correspondecircncia entre os carmina de Diomedes e as espeacutecies
arroladas em Proclo eacute notaacutevel A equivalecircncia na verdade eacute principalmente do tipo de
classificaccedilatildeo que se desdobra que ndash agrave guisa de esclarecimento por enquanto ndash tem como
elementos baacutesicos os membros do esquema metro-mateacuteriaetimologia-etiologia Esse modelo
de classificaccedilatildeo e as semelhanccedilas entre os dois textos seraacute o foco da comparaccedilatildeo nas seccedilotildees a
seguir (infra 33 paacuteg 81 em diante) Interessam agora as diferenccedilas e a compreensatildeo
estrutural dos dois textos
O texto de Diomedes traz uma classificaccedilatildeo como notado que o texto de Proclo natildeo
Por quecirc Podemos conjecturar que Diomedes conhecendo duas classificaccedilotildees (uma que
apresenta na forma dos carmina pertencente ao mesmo modelo que a classificaccedilatildeo do texto
de Proclo) preocupa-se em dar conta das duas maneiras de classificar senatildeo em reuni-las e
tornaacute-las ambas operantes e natildeo excludentes procedimento que como se verifica a respeito
das etimologias eacute padratildeo
Parece que a primeira classificaccedilatildeo de Diomedes ausente em Proclo privilegia como
dito o criteacuterio mateacuteria considerando tambeacutem o fim a que o gecircnero enunciativo se destina Em
outras palavras eacute como se buscasse esgotar em subcategorizaccedilotildees o criteacuterio maior e
preponderante dos gecircneros enunciativos Assim as formas imediatamente subcategorizadas
satildeo espeacutecies dos trecircs grandes gecircneros segundo aquilo que ldquose narrardquo aquilo que ldquose
mimetizardquo (entenda-se ldquodramatizardquo diretamente dando voz a actantes) e aquilo que ldquose narra
e dramatizardquo simultaneamente Tal hipoacutetese talvez se confirme em se notando que espeacutecies
irmanadas dentro de um mesmo gecircnero o satildeo independente do metro Observe-se a poesia
gnocircmica de Teoacutegnins compocircs-se em diacutesticos elegiacuteacos os Fenocircmenos de Arato ou Ciacutecero
70 Gaberlinni (2005 paacuteg 1)
78
ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio compuseram-se em hexacircmetro ambas no entanto satildeo
subespeacutecies do mesmo gecircnero pois constituem exemplo de poesia narrativa Assim se
explicaria o curioso caso da poesia heroica e da liacuterica em um mesmo gecircnero Mas note-se
tambeacutem Diomedes ao referir-se nesse passo agrave poesia tradicionalmente conhecida como
eacutepica (mais ainda agrave eacutepica por excelecircncia ndash trata-se de Homero e Vergiacutelio afinal) natildeo
emprega o termo ldquoeacutepicardquo ou ldquoeposrdquo porque esse eacute o nome de um carmen dentro da outra
categorizaccedilatildeo que tambeacutem desenvolveraacute O termo ldquoespeacuteciesrdquo rigorosamente emprega-se para
classificar as espeacutecies pela mateacuteria Da perspectiva da mateacuteria a poesia da Eneida ou da Iliacuteada
denomina-se ldquoheroicardquo pois versa sobre heroacuteis e natildeo ldquoeposrdquo embora da perspectiva dos
carmina como se sabe tambeacutem o seja Ao lado dessa poesia como mais um exemplo a liacuterica
citada natildeo eacute a liacuterica enquanto carmen os meacutele de Proclo em outras palavras a meacutelica como
um todo mas sim a liacuterica de Horaacutecio e Arquiacuteloco Evidentemente natildeo se excluem
composiccedilotildees de outros liacutericos Podemos imaginar que Diomedes provavelmente classificaria
sob essa nomenclatura ndash por que natildeo ndash parte de Safo uma vez que na sua ceacutelebre Ode a
Afrodite por exemplo ao dar voz agrave deusa que responde agrave prece do enunciador a poestisa
torna ldquomistardquo a enunciaccedilatildeo Uma liacuterica que natildeo o fizesse no entanto natildeo viria classificada
aqui
Buscando conciliar descriccedilotildees diferentes outra classificaccedilatildeo eacute a que em Diomedes
nomeia as composiccedilotildees como tal em separado a partir do resultado como ldquocantosrdquo Essa
classificaccedilatildeo ao que parece prioriza descrever a origem das formas poeacuteticas consagradas e
por isso seu criteacuterio preponderante eacute o metro seguido das explicaccedilotildees etimoloacutegicas e
etioloacutegicas que justificam como certo nome passou a se aplicar a certo tipo de composiccedilatildeo
natildeo univocamente pois assume que um mesmo nome se aplicava agrave confluecircncia de diferentes
mateacuterias que um metro pode incorporar para alguns casos dos quais o mais evidente eacute o da
elegia busca-se um denominador comum (sempre o lamento fuacutenebre) Mas a premissa
subjacente ndash posta em nossos termos evidentemente ndash seria carmen eacute uma nomenclatura
fechada que se aplica para nomear uma composiccedilatildeo levando em conta prioritariamente as
virtualidades do metro em relaccedilatildeo agrave mateacuteria Afinal de contas natildeo se conhece composiccedilatildeo em
diacutestico elegiacuteaco que almeje por exemplo cantar ldquofeitos e guerras de heroacuteisrdquo Categorizar e
explicar pela histoacuteria a composiccedilatildeo feita em certo metro mais especificamente dado uso de
um metro ndash senatildeo os usos dos metros ndash tornou-se ofiacutecio como visto do gramaacutetico A essa
seccedilatildeo do texto de Diomedes da classificaccedilatildeo dos carmina equivalem diretamente as espeacutecies
do texto de Proclo que natildeo aventando a subdivisatildeo por ldquoo querdquo se enuncia segundo os
79
gecircneros enunciativos propotildee os nomes das composiccedilotildees como as espeacutecies diretas dos grandes
gecircneros
Tal hipoacutetese torna mais clara a estruturaccedilatildeo do texto de Proclo pelo menos como o
resumo de Foacutecio o interpretou ao termo carmina de Diomedes equivale o termo poietikeacute de
Proclo Desde o princiacutepio do resumo o texto segue na esturtura de discurso indireto ldquoDiz
querdquo e entatildeo jaacute se expocircs a doutrinas sobre as virtudes da prosa e da poesia e qual o criteacuterio
discriminatoacuterio (os tropos figuras e todo o ornato ocorrem em maior abundacircncia na elocuccedilatildeo
poeacutetica) tambeacutem a doutrina dos trecircs moldes da elocuccedilatildeo Eacute em 319a 4 (sect12 SEVERYNS)
justamente apoacutes a menccedilatildeo ao juiacutezo de poesia que se inaugura a seccedilatildeo sobre os gecircneros
poeacuteticos
ldquoΚαὶ ὅτι τῆς ποιητ κῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόνrdquo
ldquoE da composiccedilatildeo poeacutetica diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativordquo
Evidentemente a traduccedilatildeo traz uma resoluccedilatildeo Literalmente ldquoE que da poeacutetica haacute o
diegeacutetico e o mimeacuteticordquo ou ldquoe que haacute o diegeacutetico e o mimeacutetico da poeacuteticardquo Como se vecirc o
trecho obriga a traduccedilatildeo a suprir algo que acompenhe o adjetivo ldquopoeacuteticardquo caso contraacuterio
pensar-se-aacute que aristotelicamente aborda-se aqui a Poeacutetica em um tratado sobre a teacutecnica
embora natildeo seja de todo errado entender que desse trecho em diante seratildeo abordadas
questotildees proacuteprias dessa teacutecnica e do conhecimento da poesia mas parece que a carga do
termo aqui eacute menos teacutecnica como se parafraseando o texto Proclo versasse sobre o que eacute
proacuteprio da poesia e portanto pode ser qualificado pelo adjetivo ldquopoeacuteticordquo
Pois havendo descrito trecircs doutrinas relevantes para analisar a composiccedilatildeo poeacutetica as
trecircs aplicaacuteveis igualmente agrave prosa e agrave poesia ndash a medida da elocuccedilatildeo para prosa e poesia
(pesando a balanccedila para esta) os plasmatai ou moldes e seus desvios e diferenccedila entre eacutethos e
paacutethos no juiacutezo de poesia ndash emprega-se o adjetivo para delimitar aquilo que concerne apenas
agrave poesia o que eacute apenas ldquopoeacuteticordquo ie proacuteprio agora do que eacute poema ndash termo que demarca a
oposiccedilatildeo com loacutegos ou prosa ndash e isso eacute justamente a classificaccedilatildeo dos poemas em narrativo ou
imitativo seguidos das espeacutecies daquele (eacute de se supor que nos livros que Foacutecio natildeo nos daacute a
conhecer arrolassem-se as espeacutecies imitativas) eacute nesse sentido portanto que a delimitaccedilatildeo
dos carminai Diomedes equivale ao poietikeacute de Proclo pois como se viu as
espeacutecies de Proclo (excetuando o cataacutelogo meacutelico) satildeo os carmina de Diomedes
80
Eacute mais do que evidente por isso tambeacutem que ambos os autores referiam-se a uma
mesma classificaccedilatildeo descritiva da poesia enraizada na gramaacutetica e a julgar pelos textos
difundida e profusa
Ambos os textos apresentam ainda uma terceira classificaccedilatildeo com algo em comum
(Diomedes apresenta quatro no total Proclo trecircs) os moldes da elocuccedilatildeo abordados antes da
classificaccedilatildeo geneacuterica na Crestomatia os ldquocaracteres do poemardquo (characteres poematos)
entre a exposiccedilatildeo das espeacutecies e a exposiccedilatildeo dos carmina em Diomedes que os nomeia em
particcedilatildeo quaacutedrupla e com nomes gregos makroacutes brakhyacutes meacutesos e antheroacutes
Essa classificaccedilatildeo seria uma das poucas ocorrecircncias do que em Fortunaciano lemos
como os geacutene pelikoacutetetos ou genera magnitudinis que diferentemente dos geacutene posoacutetetos
(cujo criteacuterio eacute a quantidade) pensam na grandeza na magnitude do discurso71 no que parece
ser uma tentativa de separaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de quantidade e a noccedilatildeo de extensatildeo do discurso
O que lemos na grande maioria dos textos como ldquomoldes gecircneros ou caraacutecteres da elocuccedilatildeordquo
aqui seria o criteacuterio da quantidade os geacutene posoacutetetos De qualquer forma o elemento em
comum com a Crestomatia eacute apresentar um criteacuterio que permita medir e avaliar a elocuccedilatildeo do
poema e assim tambeacutem julgaacute-lo por tal
O momento em que ocorrem ambas as distinccedilotildees nos respectivos textos vale menccedilatildeo
o conteuacutedo geral da obra de Proclo natildeo nos eacute acessiacutevel os indiacutecios arrolados nos capiacutetulos
anteriores levam-nos a crer que em seu iniacutecio para delimitar a poesia diferenciava-a da prosa
pelo criteacuterio da elocuccedilatildeo o que levava a uma discussatildeo sobre seus moldes Esse estudo da
elocuccedilatildeo era proacuteprio da tratadiacutestica retoacuterica de que o grande exemplar eacute Dioniacutesio de
Halicarnasso Sabemos por ele que pensando pelo ponto de vista da elocuccedilatildeo a anaacutelise da
composiccedilatildeo pelos moldes ou caracteacuteres se dava sobre a poesia e sobre a prosa Ora textos de
comentaacuterio gramatical conforme visto tambeacutem podiam recorrer a essa classificaccedilatildeo ou citaacute-
la Que essa doutrina fosse primeiramente exposta na Crestomatia quando em uma
introduccedilatildeo versava sobre a distinccedilatildeo prosa-poesia antes de partir para a classificaccedilatildeo dos
gecircneros poeacuteticos e que os geacutene pelikoacutetetos ocorram antes da menccedilatildeo dos carmina como
outro criteacuterio preponderantemente classificatoacuterio da poesia (justamente a elocuccedilatildeo) em uma
seccedilatildeo do texto que se propotildee a discutir somente a poesia sem mencionar a prosa sequer por
ensejo de distinccedilatildeo isso junto das outras similaridades de organizaccedilatildeo tende a cofirmar a
abordagem de base gramatical que vai se estabelecendo ao longo dos seacuteculos e que natildeo
71 Cf GABERLLINI Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Consulto Fortunaciano paacuteg 57 ndash 63
Tambeacutem DOS SANTOS MM As Epiacutestolas de Horaacutecio e a confecccedilatildeo de uma ars dictaminis o opus p 142
Cf Bibliografia
81
descreve a poesia a partir de Aristoacuteteles Se a distinccedilatildeo pela elocuccedilatildeo insere-se dentro da
diferenciaccedilatildeo entre prosa e poesia na Crestomatia no caso do De Poematibus o criteacuterio jaacute eacute
dado inclusive depois do criteacuterio maior como maneira jaacute aceita pela qual tambeacutem se julgam
ou se medem pelo criteacuterio de grandeza no caso os poemas Tal mediccedilatildeo de grandeza para
elocuccedilatildeo embora sirva para essa em geral eacute apresentado como criteacuterio dentro da classificaccedilatildeo
da poesia jaacute assumido como maneira de se julgar poemas pois satildeo ldquocaracteres do poemardquo
sem nenhuma menccedilatildeo agrave prosa o que os poemas tambeacutem se classificavam assim
Nenhum desses criteacuterios eacute tratado ou descrito como condiccedilatildeo sine qua non se diraacute que
algo eacute poesia tais criteacuterios pelo contraacuterio proveem agravequeles que visam agrave explicaccedilatildeo dos
gecircneros manancial variado para descrever dentro de suas respectivas variaccedilotildees (mas
atentando aqui e ali a noccedilotildees semelhantes) as diferentes praacuteticas poeacuteticas da Antiguidade
Esses textos partem de outro ponto que natildeo o criteacuterio de Aristoacuteteles da miacutemesis de accedilatildeo como
o elemento base que define a poeacutetica
33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO
A noccedilatildeo de accedilatildeo ocorreraacute concomitantemente no epiacutetome e no De poematibus apenas
quando ambos abordam o epos Consequentemente soacute voltaraacute a aparecer no texto latino
quando se ateacutem agrave trageacutedia e agrave comeacutedia
A filiaccedilatildeo do texto grego e do texto latino a um mesmo meacutetodo ou forma de pensar e
expor o objeto se explicita agrave medida que os carmina de Diomedes equivalentes agraves espeacutecies
gregas de Proclo trazem etimologias semelhantes em passagens tambeacutem semelhantes de uma
breve histoacuteria de cada um dos tipos de composiccedilatildeo classificados pelo criteacuterio taacutecito de metro e
mateacuteria (semelhanccedila que evidentemente natildeo ocorre para as espeacutecies latinas ausentes no texto
grego) Em outras palavras natildeo apenas as etimologias satildeo as mesmas mas a histoacuteria que se
compotildee com elas revelando uma interpretaccedilatildeo convencionada e autorizada das informaccedilotildees
provedoras de uma mesma organizaccedilatildeo de fatos ilustrativos e explicativos do que em
Diomedes ganha o tiacutetulo de carmina
Como razatildeo histoacuterica da fixaccedilatildeo ao longo dos seacuteculos dessa forma de se exporem os
gecircneros e espeacutecies poeacuteticos devem-se considerar natildeo soacute o estabelecimento dos criteacuterios
editoriais alexandrinos como criteacuterios tambeacutem exegeacuteticos mas por que isso ocorreu A
82
relevacircncia desse fator natildeo estaacute apenas no fato de que graccedilas a essa atividade editorial os
poetas satildeo transmitidos estaacute mais especificamente sim no que consiste essa transmissatildeo eacute
por meio dela que se tornaratildeo objeto do conhecimento no traslado de uma cultura
essencialmente oral para um mundo da erudiccedilatildeo letrada Eacute segundo esses criteacuterios e essa
classificaccedilatildeo que satildeo organizados e pensados Natildeo eacute necessaacuterio elocubrar no caso plural do
melos Basta conceber que aleacutem de Homero muita poesia hexameacutetrica que narrava uma ou
muitas accedilotildees (porque Aristoacuteteles mesmo notifica-nos de poetas que natildeo seguem o criteacuterio que
ele expotildee em seu tratado) esteve em matildeos dos eruditos ou filoacutelogos da biblioteca carecendo
de uma classificaccedilatildeo que ndash e isso eacute o mais relevante ndash ora se tornava necessaacuteria
Bem como se reuacutenem nesse periacuteodo as diferentes formas poeacuteticas reuacutenem-se
tambeacutem diferentes dados doutrinais explicativos bem como se observam formas
convencionadas no discurso poeacutetico e suas variaccedilotildees a partir daiacute observam-se tambeacutem formas
convencionadas de descriccedilatildeo doutrinal e suas variaccedilotildees
Dentro dessa perspectiva histoacuterica a razatildeo de ordem doutrinal que torna relevante o
criteacuterio etimoloacutegico e a presenccedila de mais de uma etimologia para muitos casos
principalmente das espeacutecies poeacuteticas de nomenclatura corrente (os carmina de Diomedes) eacute a
abrangecircncia de explicar o nome da coisa a fim de explicar a coisa A explicaccedilatildeo do nome da
coisa trazendo os diferentes fatores que deram origem a seu nome pontua os elementos pelos
quais a proacutepria coisa o recebeu sendo indiretamente sua explicaccedilatildeo Por isso a etimologia
vem acompanhada de explicaccedilotildees etioloacutegicas quando uma explicaccedilatildeo natildeo eacute ela mesma as
duas coisas ie etimologia-etiologia Mais uma vez tem-se um quadro de soma de
informaccedilatildeo relevante para esclarecer minimamente como aquela espeacutecie poeacutetica veio a ser
Assim natildeo eacute de espantar que mais de uma etimologia seja apresentada sem que se
selecione uma como verdadeira Agraves vezes o autor pode se pronunciar a respeito delas e
apontar uma ou outra como equivocada mas geralmente as arrola como possibilidades
igualmente verdadeiras Em alguns casos parece preferir uma a outra mas natildeo se vecirc por parte
dos antigos a preocupaccedilatildeo de crivaacute-las repetidamente para se obter uma uacutenica e definitiva
(como eacute proacuteprio de nosso meacutetodo cientiacutefico) e seria ilusoacuterio esperar que o fizessem apenas
porque o fazemos jaacute que isso natildeo estaacute a seu alcance e nem teria como ser seu foco72 Os
textos antigos preocupam-se antes em coligir as diferentes etimologias e etiologias e fornececirc-
las todas como igualmente verossiacutemeis como teoricamente plausiacuteveis porque cirscunscrevem
o toacutepico de maneira geralmente didaacutetica e autoexplicativa Equivocou-se Severyns portanto
72 Apenas agrave guisa de ilustraccedilatildeo devemos considerar do ponto de vista linguiacutestico que os antigos gregos natildeo
tinham agrave sua disposiccedilatildeo tudo quanto hoje sabemos sobre o proto-indoeuropeu
83
apesar de seu refinamento e equivoca-se quem tente descobrir qual etimologia estaria no
texto ocupando o status de verdadeira Comparada Crestomatia ao texto de Diomedes que
possuiacutemos integralmente vemos natildeo haver o objetivo de para cada seacuterie de etimologias e
explicaccedilotildees da origem de uma espeacutecie poeacutetica selecionar a ldquouacutenicardquo etimologia verdadeira em
detrimento das demais
Por fim deve-se recordar que ldquorevelar as etimologiasrdquo e ldquoexplicar as histoacuteriasrdquo o que
sabemos ser parte da exegese textual dos antigos eram ou pelo menos se tornam como visto
em nossa reflexatildeo sobre o proecircmio da Ars de Dioniacutesio Traacutecio ofiacutecio do gramaacutetico Esse eacute o
elemento chave que daacute espaccedilo nos textos de gramaacutetica ou como dito de ascendecircncia
gramatical agrave descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies da poesia Teoricamente o gramaacutetico ou o
enfoque gramatical desarrola a exposiccedilatildeo da poesia por gecircneros e espeacutecies como modelo das
letras e lhes explica os nomes Essa eacute sua funccedilatildeo Natildeo as explica filosoficamente A causa ou
etiologia vem por necessidade se eacute relevante ou se a etimologia natildeo a conteacutem por ser
autoexplicativa
331 Epos
3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria
A primeira definiccedilatildeo de epos que se lecirc no texto de Diomedes eacute hauridade de Teofrasto
ldquoEpos se diz em grego a inclusatildeo das accedilotildees divinas heroicas e humanas no canto hexacircmetro
eacutepos estigraven periokhegrave theiacuteon te kaigrave heroiumlkocircn kaigrave anthropiacutenon pragmaacuteton73rdquo74 Como se vecirc essa
primeira definiccedilatildeo pontua claramente o elemento ldquoaccedilatildeordquo mas chama atenccedilatildeo outro elemento
de ordem terminoloacutegica o fato de que epos se defina pela ldquoinclusatildeordquo (periokheacute) das ldquoaccedilotildeesrdquo
(praacutegmata) no metro Natildeo soacute se verifica o criteacuterio metro-mateacuteria mas tambeacutem a sucessatildeo
desta agravequele A definiccedilatildeo atribuiacuteda a ningueacutem menos que o sucessor de Aristoacuteteles afirma
mais uma vez a preponderacircncia da accedilatildeo como elemento definidor da poesia narrativa por
excelecircncia mas o emprego do plural abre margem a conjecturas porque permite a leitura
73 Fortenbaugh et ali Theophrastus of Eresus Brill 1993 apud Gaberllini (2005) 74 Gaberllini op cit pg 233
84
segundo a qual natildeo eacute necessaacuteria a unidade de accedilatildeo basta que os hexacircmetros ndash parte-se do
metro ndash tragam accedilotildees e recebem o nome de epos
Essa seria a definiccedilatildeo simples de epos segundo metro e mateacuteria Restaria explicar
como isso se deu e aiacute se tem a mesma etimologia de Proclo justamente aquela que segundo
Severyns eacute absurda e natildeo poderia ser aceita como a endossada por um autor como Proclo
Proacutepria ou natildeo absurda ou natildeo ela explica a histoacuteria do epos de maneira coerente e
verossiacutemil dentro da tratadiacutestica trata-se da etimologia que aproxima epos do verbo hepomai
(seguir) Essa seria a origem da palavra Um ldquoeposrdquo (palavra) seria uma corruptela de algo
que se segue e assim se empregou a palavra para designar alguma coisa que ldquose seguiardquo nos
hexacircmetros apoacutes a descoberta do metro (mais uma vez anterior agrave adiccedilatildeo de accedilotildees) ldquoparagrave tograve
heacutepesthai en autocirci tagrave hexecircs meacutere toicircs proacutetoisrdquo75 O elemento sequencial apresentado por
Diomedes eacute a proacutepria consecuccedilatildeo das partes e das accedilotildees ie o proacuteprio elemento consecutivo
da narraccedilatildeo hexameacutetrica No caso da etimologia da Crestomatia aquilo que se segue a
consecuccedilatildeo satildeo as accedilotildees em relaccedilatildeo aos oraacuteculos accedilotildees que foram consoantes aos ouvidos
As duas etimologias natildeo satildeo a rigor completamente diferentes porque na verdade
trabalham com o mesmo elemento na expressatildeo ldquoforam consoantesrdquo (syacutemphona ecircn)76 da
Crestomatia supotildee-se a perfeita acomodaccedilatildeo entre accedilotildees e hexacircmetro comum a essa
exposiccedilatildeo do epos que se dessarola nos dois textos O texto de Diomedes natildeo agrave toa seguindo
o procedimento de compor uma breve histoacuteria com as informaccedilotildees agrave disposiccedilatildeo diraacute logo na
sequecircncia que ldquo() Na verdade o verso hexacircmetro se diz precipuamente eacutepos pois que por
primeiro o deus vate77 incluiu neste verso as palavras da resposta por assim dizer em muacutetua
consecuccedilatildeo de onde [vem] posteriormente por catacrese o termo o eacutepos por outros foi dita a
palavra e a proacutepria escrita consecutiva do discurso prosaicordquo78 Aqui como na Crestomatia a
associaccedilatildeo entre epos e palavra embora interpretada diferentemente Na Crestomatia porque
as composiccedilotildees hexameacutetricas passaram a se destacar demais e a exibir enorme superioridade
passaram a se designar por antonomaacutesia ldquopalavrardquo por serem a palavra por excelecircncia O
argumento se pauta na analogia com outros termos que designam pessoas ldquopoetardquo por
ldquoHomerordquo ldquooradorrdquo por ldquoDemoacutestenes Nela como visto o elemento ldquoconsecussatildeordquo se daacute
quando naturalmente das respostas do oraacuteculo percebe-se que a inclusatildeo de accedilotildees resultava
consoante ao metro Ora eacute uma diferenccedila de apresentaccedilatildeo da ideia mas esta de modo taacutecito
75 Diomedes 484 8 76 Proclo in Foacutecio 319a 10 ndash 11 in Severyns op cit sect13 77 Apolo 78 ldquo[] praecipue vero hexameter versus epos dicitur quoniam quidem hoc versu verba responsi in mutuam ut
sic dixerim consequentiam primus deus vates conprehendit unde postea abusive verbum et solutae orationis
ipsa scriptura consequens ab aliis epos dictumrdquo Diomedes (484 8 ndash 12)
85
eacute muito semelhante O texto de Diomedes traz a ilaccedilatildeo de que essa respota que se seguia era
um dizer um eacutepos e que seu nome se estendeu agraves composiccedilotildees com o tempo quando se deu
aquela inclusatildeo das sequecircncias de accedilotildees por catacrese (ldquounde postea abusive verbumrdquo) e natildeo
por antonomaacutesia Se essa informaccedilatildeo natildeo vem expressa no texto grego pode-se supor que
estaacute subentendida ao nomear a profetiza de Apolo que primeiro professou os oraacuteculo no metro
hexameacutetrico Femocircnoe composto de phemiacute (dizer) e nocircus (pensamento)
Como comprovaccedilatildeo da propagaccedilatildeo do nome o texto latino menciona que a extensatildeo
de sentido se deu ateacute o ponto de alguns usarem o termo tambeacutem para a fala e a escrita do que
denomina ldquodiscurso prosaicordquo ie a fala no que se pode supor a praacutetica oratoacuteria O mesmo
tipo de demonstraccedilatildeo seraacute empregado na Crestomatia mas laacute o exemplo satildeo os triacutemetros que
tambeacutem recebiam de alguns a designaccedilatildeo ldquoeacuteperdquo Vale lembrar que jaacute segundo Aritoacuteteles o
discurso das personagens se adaptou no estaacutegio final do desenvolvimento da trageacutedia ao
triacutemetro que eacute comum da fala79 Observa-se pois o mesmo tipo de argumento expresso com
exemplos parcialmente diferentes se considerarmos que a ambos subjaz o elemento ldquofala
comumrdquo natildeo tatildeo elevada menos poeacutetica de acordo com o criteacuterio do ldquomais e do menosrdquo da
elocuccedilatildeo segundo o qual a poesia naturalmente mais elevada deve conter em maior nuacutemero
as mesmas virtudes da prosa80
Os mesmos pressupostos subjazem agraves duas exposiccedilotildees lembrando sempre que no
caso de Diomedes isso vale apenas para o que diz da origem grega das espeacutecies poeacuteticas uma
vez que para cada carme fala da invenccedilatildeo entre os latinos As diferenccedilas ficam por conta de
um exemplo ou da maneira e da ordem atraveacutes das quais cada texto compotildee sua breve histoacuteria
explicativa da espeacutecie poeacutetica contudo ndash enfatizando mais uma vez ndash utilizando os mesmos
criteacuterios e causas consolidados Ora em nenhum momento Diomedes nega ndash mas pelo
contraacuterio deixa claro ndash que segue a preceptiva grega
Se pensarmos que esquematicamente os traccedilos apresentados satildeo
a ndash eacutepos ndash heacutepomai (ldquosyacutemphona ecircnrdquo)
b ndash uso primitivo do hexacircmetro nas respostas dos oraacuteculos
c ndash compreensatildeo das accedilotildees
79 Mais precisamente Aristoacuteteles diz que na fala comum os triacutemetros ocorrem repetidamente enquanto os
hexacircmetros satildeo poucos Cf Poeacutetica 1449a 23 ndash 27 80 De fato Aristoacuteteles na referida passagem diz que os hexacircmetros ocorrem quando na fala hodierna
desviamo-nos do registro coloquial ndash ldquoekbaiacutenontes tecircs lektecircs harmoniacuteasrdquo
86
d ndash confusatildeo entre fala hexameacutetrica e fala comum e extensatildeo para outros tipos de fala
(eacutepe)
a exposiccedilatildeo em Proclo seguiria um arranjo sequencial b a c d em Diomedes c a b d
3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico
Do que foi exposto no item anterior resulta nesta classificaccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies
poeacuteticos um criteacuterio que agruparia como epos toda poesia hexameacutetrica arcaica Mais
precisamente segue-se que por uma exposiccedilatildeo histoacuterico-etioloacutegica propotildee-se um conjunto
de traccedilos que agrupariam um poema na categoria ldquoeposrdquo A classificaccedilatildeo natildeo eacute como em
Aristoacuteteles exclusiva por tentar delimitar criteacuterios especiacuteficos e particularizantes mas
inclusiva porque assume mais de um criteacuterio ou traccedilo que permitiria incluir um poema no
gecircnero e apresenta as causas de cada um desses traccedilos como coexistentes
Por esse criteacuterio a rigor ndash e isso merece destaque no texto de Proclo ndash a invenccedilatildeo ou
descoberta do epos sua heuacuteresis eacute a descoberta do hexacircmetro e seu desenvolvimento ndash todas
as exposiccedilotildees mais detidas de espeacutecies seguem o esquema descoberta-desenvolvimento ndash
ocorre a partir do momento em que ldquose seguemrdquo as accedilotildees Parece que essa seria a exegese
mais literal dessa exposiccedilatildeo do epos como se encontra em Proclo e Diomedes Isso implica
que a rigor se o que Femonoe profetizava em hexacircmetros era ldquoeposrdquo ora poderiacuteamos
conceber um epos sem accedilatildeo Por isso talvez o segundo elemento etimoloacutegico imediatamente
arrolado seja o que propotildee a sucessatildeo imediata das accedilotildees por cosonacircnsia natural Vale
menccedilatildeo que a consonacircncia por si soacute seja ndash como por natureza ndash argumento suficiente (cf
supra 74)
Por esse criteacuterio abrangente observa-se que o texto de Proclo traria uma seccedilatildeo que natildeo
ocorre no livro III de Diomedes afinal de contas este natildeo teria a menor intenccedilatildeo embora
ambos compartilhem o mesmo ensejo didaacutetico e o mesmo modelo de categorizaccedilatildeo de
abordar detalhadamente o epos grego e daacute-lo a conhecer de modo geral agravequele que busca
instruccedilatildeo a seu respeito A Crestomatia traria nesse passo antes da apresentaccedilatildeo da elegia
uma discussatildeo geral de diferentes aspectos teoacutericos relacionados aos poemas classificados e
87
herdados como epos Como parte dessa discussatildeo eacute provaacutevel que se apresentassem
resumidamente evento a evento diferentes poemas contendo o ciclo eacutepico
A primeira peculiaridade aqui se refere ao fato de que os eventos mencionados por
Foacutecio (sect17) natildeo condizem com os eventos iniciais do primeiro poema na cronologia que nos
chega resumido a saber as Ciacuteprias que se iniciariam com Zeus tramando a guerra de Troia
junto a Tecircmis Considerando-se o episoacutedio das narraccedilotildees mitoloacutegicas com o qual o epiacutetome
de Foacutecio pontua o iniacutecio do ciclo verificamos que os fragmentos natildeo o contecircm por completo
uma vez que se iniciam com os poemas que visam ldquocompletarrdquo ndash ldquo
sympleroucircmenosrdquo ndash Homero (sect19) narrando fatos concernentes agrave guerra a partir de suas
causas que natildeo se encontram nem na Iliacuteada nem na Odisseia Eacute provaacutevel portanto que o
texto de Proclo transmitisse aqui de poemas como a Teogonia de Hesiacuteodo ou a
Titanomaquia atribuiacuteda a Eumelo eventos cosmogocircnicos concernentes agrave origem do mundo e
dos deuses culminando no reinado de Zeus e na Guerra de Troia a julgar inclusive pelo que
seria um dos toacutepicos do texto de Proclo destacado como relevante por Foacutecio a vir na
sequecircncia ldquotagrave mythologoucircmenardquo (sect19) ie as narraccedilotildees miacuteticas
O fato de Ceacuteu natildeo ser apresentado explicitamente como filho de Terra e de mesmo
assim a uniatildeo e a prole de ambos seguirem o padratildeo arcaico como se lecirc em Hesiacuteodo gerando
centiacutemanos e ciclopes (sem menccedilatildeo aos titatildes poreacutem) sugere a hipoacutetese defendida por
Severyns (paacuteg 87 ndash 88 n 17) de que Proclo se referia aqui agrave Titanomaquia jaacute entendida por
Ateneu (VII 277d ndash e) como poema do ciclo Nessa Ceacuteu seria filho do Ar (ou Eacuteter)81
O epiacutetome nos informa pela lista de cinco nomes anteriormente apresentada (sect15)
que dentro dessa interpretaccedilatildeo de epos Hesiacuteodo era exemplo da espeacutecie bem como outros
trecircs poetas que ou escreveram sobre Heacuteracles ndash sem atender como se sabe ao criteacuterio da
unidade de accedilatildeo por que Aristoacuteteles propugnaraacute (Poeacutetica VIII 1451a 16 ndash 35) ndash ou sobre as
guerras e eventos em torno da cidade de Tebas Os episoacutedios da Teogonia de Hesiacuteodo
portanto natildeo soacute seriam epos como tambeacutem de uma perspectiva a posteriori aquilo que
poetou faria parte do manancial episoacutedico que servia de mateacuteria prima aos poetas de epos A
respeito de Paniacuteasis Pisandro e Antiacutemaco resta a duacutevida que eram poetas de epos segundo
um mesmo criteacuterio que agrupava Hesiacuteodo e Homero natildeo haacute duacutevidas porque o texto o diz
contudo traria a Crestomatia menccedilatildeo dos episoacutedios por eles poetados
A referecircncia a essa primeira seccedilatildeo do ciclo eacutepico como ldquoτά περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι
μυθολογούμεναrdquo ldquoas narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos gregosrdquo (sect19) confirma que
81 Cf Anecdota Oxoniensa (I 75) Caliacutemaco (fragmento 498) Pseudo-Higino (Fabulae Preface) Ciacutecero (De
Natura Deorum 3 17)
88
antes dos resumos integralmente conhecidos o autor referia episoacutedios cosmogocircnicos mas
desse trecho natildeo temos fragmentos Eacute incerto se essa primeira parte do ciclo eacutepico era narrada
evento a evento apenas para anteceder os episoacutedios em torno da guerra de Troia do plano de
Zeus agrave morte de Odisseu ou se Proclo proporia uma sequecircncia de resumos dos diferentes
poemas considerados epos de acordo com a cronologia
Quanto agrave sequecircncia temporal dos eventos Ciacuteprias precedem a Iliacuteada Etioacutepida sucede
Na introduccedilatildeo agravequelas lecirc-se ldquoSucedem-se a esses eventos [a isso] as chamadas Ciacutepriasrdquo82
na introduccedilatildeo a esta ldquoSucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada
de Homero depois dela haacute a Etioacutepidardquo83 O texto a que o fragmento de Proclo refere-se satildeo
as Ciacuteprias a elas sucedem-se na cronologia os eventos da Iliacuteada e entatildeo os eventos da
Etioacutepida A jugar por essa passagem postos em sequecircncia o iniacutecio de ambos os fragmentos
indicariam que por deveras conhecida e copiada a Iliacuteada bem como a Odisseia natildeo eram
resumidas no texto de Proclo A introduccedilatildeo agrave Telegonia ocorre de maneira semelhante
ldquoDepois disso eacute a Odisseia de Homero depois disso a Telegoniardquo84 Chama a atenccedilatildeo que
pela cronologia dentro dessa esquematizaccedilatildeo de episoacutedios constituintes do ciclo a Odisseia
seria um nostos ie um retorno como uma espeacutecie a vir depois do poema Nostoi atribuiacutedo a
Aacutegias de Trezene e dedicado justamente a ldquosuprirrdquo os retornos natildeo poetados
Considerando que a Teogonia de Hesiacuteodo natildeo era obscura e que por isso poderia ser
simplesmente aludida como se faz com Iliacuteada e Odisseia natildeo restam muitos indiacutecios para
saber o que consistia esse iniacutecio do ciclo ou sua primeira seccedilatildeo Se no mesmo formato dos
resumos que a noacutes chegaram pode-se vislumbrar um autor que arrolasse um a um os eventos
em sequecircncia cronoacutelogica e mudando de um poema para o outro na ordem cronoloacutegica
fizesse menccedilatildeo disso Como faria no entanto no caso de poemas que continham ambos os
mesmos eventos A Titanomaquia como se sabe eacute narrada por Hesiacuteodo do verso 617 a 721
Poderia esse iniacutecio do ciclo ser apenas narrado de modo resumido e comentado pelo proacuteprio
Proclo a julgar pela construccedilatildeo ldquoΔιαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι
μυθολογούμεναrdquo ndash ldquoPassa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os
deuses dos gregosrdquo de modo que nele tanto o poema de Hesiacuteodo como o de Eumelo fossem
objeto do exame de Proclo A diferenccedila genealoacutegica apontada poreacutem eacute argumento aceite
para se supor que nesta passagem constasse o poema atribuiacutedo a Eumelo85 e daiacute como
tambeacutem consta na lista de kraacutetistoi (ou de modelos da espeacutecie) Antiacutemaco a quem se atribuem
82 Cypria 79 in Severyns tomo IV paacuteg 77 83 Cetera (a)Aethiopis 172 ndash 4 idem paacuteg 87 84 Cetera (e)Telegonia 306 ndash 7 ibidem paacuteg 96 85 Cf Evelyn-White (2003) e West (2003)
89
Tebaida e Epiacutegonos pode-se conjecturar que os eventos em torno de Tebas tambeacutem viessem
resumidos Se de fato Proclo se propusesse a enumerar episoacutedio a episoacutedio encaixando os
poemas em uma cronologia eacute provaacutevel que incluiacutesse esses eventos do ciclo tebano e dissesse
em que poema constam como nos resumos do ciclo troiano que conhecemos Como trataria a
Teogonia permanece uma questatildeo apenas a referiria e comentaria as diferenccedilas em relaccedilatildeo
ao poema de Eumelo Haveria um comentaacuterio sobre cosmogonia em geral no que
indiscriminadamente o autor exporia a interpretaccedilatildeo histoacuterica de que fala o paraacutegrafo 19
A passagem de Ateneu86 citada por Severyns confirma-nos apenas uma coisa pelo
menos desde o seacuteculo III dC as palavras ldquociclo eacutepicordquo podiam designar apenas os poemas
que se encarregavam de no entendimento dos exegetas e como aparece no texto mesmo de
Proclo completar a narraccedilatildeo de mitos que emboram conhecidos da audiecircncia dos poemas de
Homero natildeo se encontravam narrados em nenhum de seus dois poemas Independente de os
eacutepe que continham tais eventos serem primordialmente diferentes cantos hexameacutetricos de
uma Greacutecia ateacute preacute-homeacuterica dos quais postereiormente reunidos restaram-nos as
composiccedilotildees ou versotildees atribuiacutedas aos autores do chamado ciclo a percepccedilatildeo antiga dessas
composiccedilotildees pelo menos como expressa em Ateneu concebia-os como um conjunto de
poemas posteriores por oposiccedilatildeo a poemas anteriores Homero certamente pertencia ao
segundo grupo Portanto pensando episodicamente os eventos poetados por Homero podem
ser pensados como pertencentes a uma cronologia total de accedilotildees que os poetas abordam mas
parece que referindo-se a mais de um poema a proacutepria designaccedilatildeo ndash ldquociclo eacutepicordquo ndash supotildee-se
como um conjunto por exclusatildeo
Podia ser essa a distinccedilatildeo no texto de Proclo Se Foacutecio o resumiu atentando inclusive agrave
ordem de exposiccedilatildeo tambeacutem aqui se vecirc uma reorganizaccedilatildeo de um padratildeo expositivo
havendo definido a espeacutecie epos do gecircnero narrativo conforme o criteacuterio metro-mateacuteria e
organizado a exposiccedilatildeo de modo a fornecer uma breve histoacuteria para ela segundo a estrutura
invenccedilatildeo-desenvolvimento para completar o que seria uma exposiccedilatildeo didaacutetica87 dessa poesia
86 Logo no princiacutepio do livro VII do Deipnosophistae 277d ndash e discute-se o emprego da palavra por no
verso 1297 do Aacutejax de Soacutefocles e Zoilo afirma que o tragedioacutegrafo hauriu-a na Titanomaquia ao que emende
ldquode fato o ciclo eacutepico aprazia a Soacutefoclesrdquo Ateneu testemunha portanto na boca de Zoilo natildeo soacute que os poemas
do ciclo eram concebidos como um todo mas tambeacutem que a Titanomaquia estava inclusa 87 Essa finalidade didaacutetica ainda mais especificamente nessa exposiccedilatildeo de biografias e do ciclo natildeo poderia
ficar mais clara do que em uma passagem da briografia de Homero que seria do proacuteprio autor da obra
Ponderando sobre isso que no resumo de Foacutecio aparece como ldquotinas epi meacuterous praacutexeisrdquo ndash ldquoalgumas histoacuterias
particularesrdquo a respeito de Homero havendo exposto as histoacuterias a respeito de sua cegueira as etimologias a
repeito de seu nome e principalmente a anedota de sua morte escreve ldquoEsses eventos contudo carecem de
investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo ignorante neles avanccedilo nesse sentidordquo (Vita Homeri 45 ndash 46 in
Severyns op cit tomo IV paacuteg 71 ndash 72 Traduccedilatildeo paacuteg 131)
90
1 ndash a) proporia um piacutenax ie uma lista dos poetas exemplares b) forneceria uma
biografia dos poetas dessa lista contemplando sua origem ie sua paacutetria vida e histoacuterias a
seu respeito Depois
2 ndash a) havendo exposto os principais poetas do epos dedicar-se-ia aos poemas dos
menores poetas de epos agrupados sob o tiacutetulo de ldquociclo eacutepicordquo se aqui se aplicasse a
denominaccedilatildeo como em Ateneu o primeiro poema seria o de Eumelo porque na cronologia
miacutetica eacute o mais velho dos poemas do ciclo b) iniciando-se o ciclo portanto por eventos
comogocircnicos haveria um excurso explicativo sobre tais eventos se o excurso se desdobrava
na anaacutelise de mais eventos divergentes Hesiacuteodo e episoacutedios do ciclo tebano poderiam vir
referidos mas o foco seria a explicaccedilatildeo histoacuterica dos mitos sem que se possa saber se essa
explicaccedilatildeo se dava sobre um resumo cosmogocircnico como um todo em que se inseria a
Titanomaquia ou apenas sobre os eventos nela contantes c) uma ponderaccedilatildeo sobre o valor do
ciclo eacutepico e a explicitaccedilatildeo do criteacuterio adotado para sua exposiccedilatildeo a sequecircncia de accedilotildees nele
contidas ou ndash por que natildeo ndash registradas d) a menccedilatildeo apenas ou uma breve biografia dos
poetas que compuseram tais poemas
Como no caso do ciclo o foco satildeo os eventos transmitidos e natildeo a virtude das
composiccedilotildees a exposiccedilatildeo dos seus eventos eacute anterior os poetas seriam discutidos apenas
depois se o paraacutegrafo 21 corresponde a algo aleacutem do ldquonomerdquo e ldquopaacutetriardquo que antecedem o
resumo de cada um dos poemas Cosoante a isso parece estar o compilador do Etymologicum
Magnum outrora citado na paacutegina 15 (cf seccedilatildeo 12) e a ordem como coloca o ciclo eacutepico em
sua citaccedilatildeo fornecida como de Proclo
332 Elegia
Na exposiccedilatildeo da elegia como eacute de se esperar natildeo haacute diferenccedilas gritantes entre a
histoacuteria que se lecirc em Proclo e a que se lecirc no gramaacutetico latino Ambos iniciam pelo metro
elemento preciacutepuo a ser observado para a classificaccedilatildeo e definem como ldquoelegeiacuteardquo o diacutestico
em que se compotildeem os poemas que recebem tal denominaccedilatildeo Sobre a mateacuteria ou sobre a
histoacuteria do que se canta nas elegias ambos satildeo unacircnimes como todas as descriccedilotildees que
conhecemos em associar a elegia ao lamento fuacutenebre irmanando-a ao treno e agrave necircnia
A etimologia apresentada por Proclo quanto agrave palavra exata eacute a que aproxima a forma
ldquoelegeiacuteardquo da forma ldquoeacutelegosrdquo que eacute dada como nome antigo do lamento fuacutenebre mais
91
precisamente segundo a etimologia do coacutedice seria o nome que os antigos davam ao proacuteprio
treno esse sim o canto de lamento por um morto O termo tambeacutem adviria do fato de que se
elogiava o morto o que se diria ldquoeucirc leacutegeinrdquo havendo proximidade foneacutetica entre o nome do
lamento antigo (eacutelegos) e a expressatildeo para ldquofalar bemrdquo A formulaccedilatildeo que se lecirc no texto natildeo
deixa duacutevida de que pelo menos neste caso natildeo se trata de escolher uma a outra mas de
entender o que consistia a etimologia antiga explicar uma palavra atraveacutes de outras
principalmente se haacute implicaccedilatildeo histoacuterica entre elas o que se deduz de seus significados
Assim eacute porque o lamento fuacutenebre se dizia entre os antigos ldquoeacutelegosrdquo e porque
simultanemante nele se elogiava o morto (ldquoeucirc leacutegeinrdquo) que se cunhou a palavra que designa
as composiccedilotildees no metro A etimologia aqui busca explicar o nome que diferentemente do
hexacircmetro eacute o nome do metro e por conseguinte o nome da composiccedilatildeo Isso se explicita no
terceiro comentaacuterio explicativo a respeito da elegia posteriormente se passou a usar o metro
para diferentes ldquohipoacutetesesrdquo para diferenes argumentos explicando portanto que muito da
elegia (principalmente a julgar pelo que conhecemos) natildeo conteacutem o elemento fuacutenebre
A etimologia de Diomedes difere quanto agrave expressatildeo para o lamentar mas constroacutei-se
de maneira semelhante ie pela concomitacircncia das duas coisas ou dos significados dos
significantes aproximados De fato diz-nos Diomedes
ldquo() elegia autem dicta sive
(fere enim defunctorum laudes hoc carmine conprehendebantur) sive
id est miseratione quod Graeci vel
isto metro scriptitaveruntrdquo
(Diomedes op cit 484 22 ndash 25)
ldquo() A elegia por sua vez disse-se quer paragrave tograve eucirc leacutegein tougraves
tethneocirctas88 (pois quase todos os elogios aos mortos eram
compreendidos neste canto) quer apograve toucirc eleacuteou89 isto eacute comiseraccedilatildeo
porque os gregos tinham o haacutebito de escrever neste metro threacutenous ou
eleeicircardquo
(trad Gaberllini op cit 234)
Diomedes prefere as palavras que nomeiam a substacircncia do canto fuacutenebre e
primeiramente na contraposiccedilatildeo ao elogio oferece outra palavra em vez de eacutelegos Nisso natildeo
diverge do saber gramatical que aqui se expotildee porque essa etimologia na verdade eacute
recorrente em outros textos Lecirc-se por exemplo no Etymologicum Magnun e no escoacutelio a
88 ie ldquopelo elogiar os mortosrdquo 89 ldquoPor causa da laacutestima piedaderdquo a ldquocomiseraccedilatildeordquo como o proacuteprio Diomedes traduz em sequecircncia
92
Dioniacutesio Traacutecio preferindo-se ali o verbo eleeicircn (ldquolastimar comiserar-serdquo)90 em vez do aqui
empregado substantivo eacuteleon91
Igualmente apenas em outra ordem o texto do gramaacutetico propotildee como argumento
final (o que na Crestomatia seria o primeiro argumento) o fato de que era nesse metro que os
antigos gregos compunham trenos Propotildee contudo outro nome para eles eleeicirca Essa
possibilidade etimoloacutegica natildeo eacute mencionada por Severyns em seu comentaacuterio a essa
passagem do epiacutetome embora ocorra no singular em duas das passagens que colige do
escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio em (173 8 ndash 10)
ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν τοῦ ltγgt
ἐκθλιβομένου παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ εὐλογεῖον παρὰ
τὸ εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo
ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo92 eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo
elidindo-se o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo [lastimar] o falecido ou lsquoeulogeicirconrsquo93
pelo lsquoeucirc logeicircnrsquo [elogiar] o que cessou de viverrdquo
(grifos e traduccedilatildeo do autor)
e (307 24 ndash 26)
ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν ἐλλειφθέντος
τοῦ ltγgt ἀπὸ τοῦ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖον ἀπὸ τοῦ ἔ
λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo
ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo faltando
o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo o falecido ou lsquoelegeicirconrsquo por causa do lsquoeacute leacutegeinrsquo94 o
que cessou de viverrdquo
(Idem)
90 O levantamento completo das etimologias encontra-se bem exposto e organizado em Severyns op cit II
commentaire 25 paacuteg 99 ndash 102 Para essa em especiacutefico cf Etymologicum Magnun 326 50 e o escoacutelio a
Dioniacutesio Traacutecio 307 24 ndash 26 173 8 ndash 9 20 25 ndash 27 475 26 91 Haurido por Severyns no Etymologicum Gudianum 180 17 e no Et Mag idem em outra etimologia que
aproxima eacuteleon de goacuteon sendo este segundo a expressatildeo acerba do luto Essa etimologia diferentemente eacute
apenas pautada no campo semacircntico do lamento funeral 92 Termo que tambeacutem designa priemeiro o diacutestico e por metoniacutemia a composiccedilatildeo em diacutestico daiacute o poema ou a
inscriccedilatildeo no metro 93 Algo como ldquoelogiosordquo 94 Essa seria a etimologia mais baacutesica supondo que o termo viria de ldquodizer lsquoersquordquo como expressatildeo de dor
93
Em ambos os casos como os gramaacuteticos se repetem e parecem se copiar obserava-se
o emprego da conjunccedilatildeo ldquohoioneiacuterdquo quase como se fosse formular ao se dar essa etimologia O
plural ocorre somente uma vez
ldquo()διὸ καὶ καλεῖται ἐλεγεῖα οἱονεὶ ἐλεεῖα τοῦ ltγgt ἐκθλιβομένου
παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖα οἱονεὶ εὐλεγεῖα παρὰ τὸ
εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταhelliprdquo
(Sch Dion Tr 20 25 ndash 27)
ldquo() razatildeo pela qual tambeacutem se chamava ldquoelegeicircardquo como se ldquoeleeicircardquo
elidido o lsquogrsquo pelo ldquoeleeicircnrdquo o falecido ou ldquoelegeicircardquo como se
ldquoeulegeicircardquo pelo ldquoeucirc leacutegeinrdquo o que cessou de viverrdquo
(Idem)
Severyns natildeo menciona o termo como uma etimologia em separado porque natildeo o
entende e com razatildeo assim a comeccedilar pela conjunccedilatildeo mencionada vecirc-se que nessas
explicaccedilotildees o termo eacute hipoteacutetico Severyns igualmente natildeo estaacute comparando o coacutedice 239 agrave
Ars de Diomedes que natildeo menciona Em todas as referidas ocorrecircncias seja antes (173 e
307) seja depois (20) assume-se que o termo eacutelegos era primordialmente sinocircnimo de treno
portanto em todas a palavra seguindo o mesmo esquema derivacional eacute apresentada como
transiccedilatildeo de uma derivaccedilatildeo do verbo eleeacuteo como uma espeacutecie de deverbal anterior a
forma com g Seria o que se diria imediatamente a princiacutepio como resultado do verbo
ldquocomiserar-se lastimarrdquo
Ora eacute esse o termo que Diomedes fornece como sinocircnimo de treno haurido como se
vecirc tambeacutem na gramaacutetica de base heleniacutestica Assim salvo pela escolha Diomedes natildeo
diverge do texto da Cretomatia mas refere-se agrave etapa primeira do processo expliacutecito nos
demais textos do qual se subentende que pela adiccedilatildeo de um som jaacute se estaacute na famiacutelia das
palavras ldquoeacutelegos elegeicircon elegeiacuteardquo Esses seriam os trecircs termos maiores da histoacuteria que se
compotildee com as etimologias sendo o primeiro o nome antigo para o lamento que se fazia pelo
passamento de algueacutem o segundo do metro e de seu emprego um diacutestico qualquer sendo o
plural uma forma de designar as composiccedilotildees Elegia se diria do poema inteiro composto
nesse metro a ldquoforma literaacuteriardquo ou em outros termos o poema pensado para ser uma
composiccedilatildeo nesse metro ndash segundo o emprego amplo que se fez do termo e a que o epiacutetome
alude e com esse feminino natildeo se designariam mais as inscriccedilotildees ou epigramas O texto
mesmo de Diomedes exemplifica o emprego de ldquoeacutelegosrdquo e ldquoelegiardquo como sinocircnimos a
95 Severyns agrupa as passagens referidas no conjunto de etimologias a partir do referido verbo
94
posteriori seja por empregaacute-los ele mesmo (ldquoelegiardquo como nome do carme mas depois
ldquoelegosrdquo referido-se agraves composiccedilotildees96) seja pelo exemplo de Horaacutecio nas linhas seguintes
Odes I 33 2 ndash 397
Assim teriacuteamos como designaccedilotildees mais primitivas eacutelegos (lamento) e elegeicircon (o
metro em que se exprimia sua confecccedilatildeo) Ambos se agrupariam na nomenclatura geneacuterica
posterior elegeiacutea O eacutelegos contudo a designaccedilatildeo para o elemento baacutesico desse canto
derivaria em geral de
a) ldquoeacute leacutegeinrdquo eleeicircn-eacuteleon para o que alguns supotildeem uma expressatildeo resultativa
ldquoeleeicirconardquo agrave qual se adicionou o gama ( )
b) ldquoeucirc leacutegeinrdquo
Esses satildeo os dois elementos baacutesicos de significado que as etimologias contemplam
Vemos por fim que Diomedes empregou a expressatildeo ldquoeleeicirconardquo para o que em Proclo eacute o
eacutelegos pensado como o treno antigo a expressatildeo da comiseraccedilatildeo (eleacuteon item a) somado ao
item b de nosso binocircmio ldquoeucirc legeicircnrdquo compondo uma histoacuteria natildeo diferente da exposta em
Proclo
333 Iambo
As similaridades entre os dois textos quanto aos referentes gregos eacute bem evidente
por exemplo nos dois modelos gregos arrolados pelo gramaacutetico latino Mas eacute a etimologia
para to iambeicircn a uacutenica proposta por Diomedes que imediatamente chama a atenccedilatildeo em seu
texto porque tambeacutem como Severyns diz muito bem acerca do texto de Proclo (op cit tomo
II commentaire 28 1 paacuteg 104) segue em primeiro lugar a etimologia proposta por ningueacutem
menos que Aristoacuteteles
96 Op cit 485 1 97 ldquoAlbi ne doleas plus nimio memor
inmitis Glycerae neu miserabilis
decantes elegos cur tibi iunior
laesa praeniteat fiderdquo
95
ldquo()
rdquo
(ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1448b 30 ndash 32)
ldquoNos quais [No Margites e poemas semelhantes] por acomodaccedilatildeo o iacircmbico veio
como metro ndash eacute por isso que eacute chamado ldquoiacircmbicordquo hoje porque nesse metro se ralhavam uns
com os outrosrdquo
(Trad do autor)
Aristoacuteteles mesmo supotildee que o verbo iambizar jaacute existia antes de se referir tambeacutem
ao peacute com o significado de ldquoimprecar ralhar insultarrdquo e por causa do uso que se fazia do
metro posteriormente esse obteve seu nome a partir da finalidade com que era empregado
Severyns propotildee que a recorrecircncia dessa etimologia nos textos em geral e sua presenccedila
encabeccedilando o texto de Proclo se deveria acima de tudo ao peso da autoridade de
Aristoacuteteles98 Caberia entatildeo indagar porque Aristoacuteteles natildeo eacute seguido em diversas outras
passagens Que sua autoridade pese como autor que endossava essa opiniatildeo natildeo se nega mas
fiar-se a ela como etimologia primeira e baacutesica parece estar atrelado agrave ausecircncia de outra
etimologia plenamente satisfatoacuteria uma vez que o proacuteprio texto de Proclo atesta que a
associaccedilatildeo direta entre iacuteambos e iambiacutezein seria dialetal sem identificar sua origem poreacutem
No lugar de iambiacutezein na primeira associaccedilatildeo etimoloacutegica (sect28 15) refere-se a ldquoloidoriacuteasrdquo
para em seguida associar o verbo cognato (loidorein) ao que Aristoacuteteles emprega pois que
satildeo sinocircnimos
Demais Proclo apresentaraacute outras duas explicaccedilotildees a primeira delas eponiacutemica
parece que ocorre de modo a fornecer uma etiologia que reforccedila a associaccedilatildeo baacutesica metro-
mateacuteria apresentada no paraacutegrafo anterior a segunda tem a mesma intenccedilatildeo uma vez que
apresentaria o processo pelo qual o uso sobejo de iambiacutezein teria ocupado o proacuteprio lugar de
hybriacutezein Porfim esse argumento eacute endossado pela comparaccedilatildeo com o verbo komaacutezein se
primeiramente significava apenas participar de uma koacutemos um cortejo galhofeiro pela
praacutetica poeacutetica torna-se o proacuteprio verbo para ldquocriticar satirizarrdquo
Merece destaque tambeacutem o fato de que nesse passo ambos autores descrevem o
mesmo processo muito plausiacutevel observado no caso do epos segundo o qual uma palavra
em funccedilatildeo de um uso acaba tomando o lugar de outra
98 Op cit paacuteg 105
96
334 Meacutelica
O texto de Diomedes natildeo traz uma extensa classificaccedilatildeo da meacutelica mas a Ars de
Horaacutecio como se sabe natildeo soacute chama a atenccedilatildeo por mencionar a liacuterica mas principalmente
por apresentar brevemente uma divisatildeo segundo olha de maneira semelhante para as espeacutecies
da meacutelica grega (83 ndash 85)
ldquoMusa dedit fidibus divos puerosque deorum
et pugilem victorem et equum certamine primum
et ivuenum curas et libera vina referrerdquo
ldquoA Musa concedeu agrave lira o cantar deuses e filhos de deuses o
vencedor no pugilato e o cavalo que primeiro cortou a meta nas
corridas os cuidados dos jovens e o vinho que liberta dos cuidadosrdquo
(trad Rosado Fernandes 1984)
Semelhantemente ao criteacuterio da Crestomatia Horaacutecio vai do sacro ao profano ou
secular aludindo a exemplos semelhantes ao que no texto de Proclo seratildeo trecircs dos grandes
grupos em que a poesia meacutelica apareceraacute agrupada o hino e alguma espeacutecie que poderia
incluir homens (fosse um peatilde secular o encocircmio ou outra espeacutecie)99 o epiniacutecio e a poesia de
acircmbito simposial (uma composiccedilatildeo eroacutetica ou um escoacutelio) Os grupos do texto de Proclo satildeo
a saber
(a) para os deuses ndash hino (uma categoria que poderia se pensada como gecircnero para espeacutecie)
prosoacutedio peatilde ditirambo nomo adoniacutedia iobaco hiporquema
(b) para os homens ndash encocircmio (que conteria o elemento baacutesico podendo ser para as demais
espeacutecies tomado como gecircnero) epiniacutecio escoacutelio eroacuteticas epitalacircmio himeneu silo epiceacutedio
e treno
99 E aqui eacute interessante que Horaacutecio sugira a possibilidade dessa inclusatildeo do homem como objeto da poesia
primeiramente sacra ou seja a secularizaccedilatildeo da espeacutecie poeacutetica dado que como se notaraacute ao longo da anotaccedilatildeo
ao cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas tal noccedilatildeo estaacute presente e eacute aplicada mesmo que subentendida em alguns casos
ao longo da classificaccedilatildeo Horaacutecio como se sabe eacute bem anterior a Proclo o que confirma portanto que o
resumo de Foacutecio atesta uma classificaccedilatildeo as poesia (natildeo soacute da meacutelica) que pelo menos ateacute Proclo era conhecida
aceita e difundida
97
(c) para deuses e homens ndash partecircnio (assumidamente gecircnero para espeacutecies) e daiacute dafnefoacutericas
tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas
(d) para circunstacircncias acidentais quando o poeta por conta de uma circunstacircncia ocasional
comporia versos para situaccedilotildees particulares da vida praacutetica motivo pelo qual as pragmaacuteticas
poderiam ser pensadas como gecircnero para espeacutecies seguida das empoacutericas apostoacutelicas
sentenciosas geoacutergicas e epistolares
A classificaccedilatildeo dessas espeacutecies estaria portanto diretamente atrelada agrave situaccedilatildeo em
que se davam Para diversas delas como se veraacute a situaccedilatildeo seraacute pressuposta apenas Os
criteacuterios ateacute entatildeo observado (etimologia e etiologia) seratildeo empregados para circunscrever as
origens e circunstacircncias que tatildeo somente por nomear permitiriam ao gramaacutetico categorizar
ie tornar algo vasto e impreciso em uma classificaccedilatildeo acessiacutevel e didaacutetica
De agora em diante portanto dada a extensatildeo do cataacutelogo concernente agraves espeacutecies
meacutelicas como natildeo eacute objetivo deste estudo resolver os problemas concernentes a cada uma
delas em separado mas sim entender seu funcionamento dentro do tipo de classificaccedilatildeo aqui
estudada a classificaccedilatildeo dos gramaacuteticos e estabelecer a filiaccedilatildeo do texto atribuiacutedo a Proclo
(uacutenico espeacutecime a trazer a extensa classificaccedilatildeo da liacuterica) o texto assumiraacute a forma de
anotaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo do epiacutetome a fim de fornecer as referecircncias necessaacuterias para sua
compreensatildeo (pois natildeo faltam passagens obscuras) pontuando e ponderando elementos agraves
vezes apenas conjecturais que explicitem as caracteriacuteticas da obra (como ateacute entatildeo tem sido
pensada) e a aplicaccedilatildeo dos criteacuterios que foram aqui propostos como instrumentais dos textos
de base gramatical Seguir-se-atildeo os dois editores e comentadores modernos do coacutedice 239
(Severyns e Ferrante) visando tal exclarecimento e a seus comentaacuterios se somaratildeo as
ponderaccedilotildees segundo as finalidades deste estudo
98
PARTE II
Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
1 COacuteDICE 239
11 TEXTO
Segue-se a ediccedilatildeo de Severyns e sua paragrafaccedilatildeo junto da numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo de
Bekker para a Biblioteca
[1] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου Xρησ- 239318b22
τομαθείας ραμματικῆς rsquoEκλογαί
[2] Ἔστι δὲ τὸ βιβλίον εἰς διῃρημέ-
νον λόγους
[3] Λέγει μὲν ἐν τῷ αʹ ὡς αἱ αὐταί εἰσιν ἀρεταὶ
τοῦ λόγου καὶ ποιήματος παραλλάσσουσι δὲ ἐν τῷ μᾶλ- 25
λον καὶ ἧττον
[4] Καὶ ὅτι τοῦ πλάσματος τὸ μέν ἐστιν ἁδρόν
τὸ δὲ ἰσχνόν τὸ δὲ μέσον
[5] Καὶ τὸ μὲν ἁδρὸν ἐκπκληκ-
τικώτατόν ἐστι καὶ κατεσκευασμένον μάλιστα καὶ ποιη-
τικὸν ἐπιφαῖνον κάλλος
[6] Tὸ δὲ ἰσχνὸν τὴν τροπικὴν μὲν
καὶ φιλοκατάσκευον σύνθεσιν μεταδιώκει ἐξ ἀνειμένων 30
δὲ μᾶλλον συνήρτηται ὅθεν ὡς ἐπίπαν τοῖς γοεροῖς
ἄριστά πως ἐφαρμόττει
[7] Τὸ δὲ μέσον καὶ τοὔνομα μὲν
δηλοῖ ὅτι μέσον ἐστὶν ἀμφοῖν
[8] Ἀνθηρὸν δὲ κατ ἰδίαν
οὐκ ἔστι πλάσμα ἀλλὰ συνεκφέρεται καὶ συμμέμικται
99
τοῖς εἰρημένοις ἁρμόζει δὲ τοπογραφίαις καὶ λειμώνων 35
ἢ ἀλσῶν ἐκφράσεσιν
[9] Οἱ δὲ τῶν εἰρημένων ἀποσφα-
λέντες ἰδεῶν ἀπὸ μὲν τοῦ ἁδροῦ εἰς τὸ σκληρὸν καὶ ἐπηρ-
μένον ἐτράπησαν ἀπὸ δὲ τοῦ ἰσχνοῦ εἰς τὸ ταπεινὸν
ἀπὸ δὲ τοῦ μέσου εἰς τὸ ἀργὸν καὶ ἐκλελυμένον
[10] Διαλαμ- 239319a1
βάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδί-
δωσι τίς ἤθους καὶ πάθους διαφορά
[11] Καὶ ὅτι τῆς ποιη-
τικῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόν
[12] Καὶ τὸ
μὲν διηγηματικὸν ἐκφέρεται δι ἔπους ἰάμβου τε καὶ ἐλε- 5
γείας καὶ μέλους τὸ δὲ μιμητικὸν διὰ τραγῳδίας σατύρων
τε καὶ κωμῳδίας
[13] Καὶ ὅτι τὸ ἔπος πρῶτον μὲν ἐφεῦρε Φημονόη ἡ
Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς χρησα-
μένη καὶ ἐπειδὴ τοῖς χρησμοῖς τὰ πράγματα εἵπετο 10
καὶ σύμφωνα ἦν ἔπος τὸ ἐκ τῶν μέτρων κληθῆναι
[14] Οἱ δέ φασιν ὅτι διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαν
ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ
κοινὸν ὄνομα παντὸς τοῦ λόγου τὸ ἑξάμετρον ἰδιώ-
σατο καὶ ἐκλήθη ἔπος καθάπερ καὶ Ὅμηρος τὸν 15
ποιητὴν καὶ ὁ Δημοσθένης τὸν ῥήτορα ᾠκειώσατο
ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευον
[15] Γεγόνασι δὲ
τοῦ ἔπους ποιηταὶ κράτιστοι μὲν Ὅμηρος Ἡσίοδος Πεί-
σανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος
[16] Διέρχεται δὲ τούτων ὡς
οἷόν τε καὶ γένος καὶ πατρίδας καί τινας ἐπὶ μέρους 20
πράξεις
[17] Διαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ τοῦ λεγομένου ἐπικοῦ
κύκλου ὃς ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μυθο-
λογουμένης μίξεως ἐξ ἧς αὐτῷ καὶ τρεῖς παῖδας ἑκα-
100
τοντάχειρας καὶ τρεῖς γεννῶσι Κύκλωπας
[18] Διαπορεύεται
δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα 25
καὶ εἴ πού τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται
[19] Καὶ περα-
τοῦται ὁ ἐπικὸς κύκλος ἐκ διαφόρων ποιητῶν συμπλη-
ρούμενος μέχρι τῆς ἀποβάσεως Ὀδυσσέως τῆς εἰς Ἰθά-
κην ἐν ᾗ ὑπὸ τοῦ παιδὸς Τηλεγόνου ἀγνοοῦντος
κτείνεται
[20] Λέγει δὲ ὡς τοῦ ἐπικοῦ κύκλου τὰ ποιήματα 30
διασῴζεται καὶ σπουδάζεται τοῖς πολλοῖς οὐχ οὕτω διὰ
τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν τῶν ἐν αὐτῷ πραγμά-
των
[21] Λέγει δὲ καὶ τὰ ὀνόματα καὶ τὰς πατρίδας τῶν πραγ-
ματευσαμένων τὸν ἐπικὸν κύκλον
[22] Λέγει δὲ καὶ περί
τινων Κυπρίων ποιημάτων καὶ ὡς οἱ μὲν ταῦτα εἰς 35
Στασῖνον ἀναφέρουσι Κύπριον οἱ δὲ Ἡγησῖνον τὸν
Σαλαμίνιον αὐτοῖς ἐπιγράφουσιν οἱ δὲ Ὅμηρον
γράψαι δοῦναι δὲ ὑπὲρ τῆς θυγατρὸς Στασίνῳ καὶ διὰ τὴν 239319b1
αὐτοῦ πατρίδα Κύπρια τὸν πόνον ἐπικληθῆναι
[23] Ἀλλ οὐ
τίθεται ταύτῃ τῇ αἰτίᾳ μηδὲ γὰρ Κύπρια προπαροξυτόνως
ἐπιγράφεσθαι τὰ ποιήματα 5
[24] Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου καὶ πεντα-
μέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις
[25] Ὅθεν καὶ
τοῦ ὀνόματος ἔτυχε τὸ γὰρ θρῆνος ἔλεγον ἐκάλουν οἱ
παλαιοὶ καὶ τοὺς τετελευτηκότας δι αὐτοῦ εὐλόγουν
[26] Οἱ
μέντοι γε μεταγενέστεροι ἐλεγείᾳ πρὸς διαφόρους 10
ὑποθέσεις ἀπεχρήσαντο
[27] Λέγει δὲ καὶ ἀριστεῦσαι τῷ μέ-
τρῳ Καλλῖνόν τε τὸν Ἐφέσιον καὶ Μίμνερμον τὸν Κολο-
101
φώνιον ἀλλὰ καὶ τὸν τοῦ Τηλέφου Φιλίταν τὸν Κῷον
καὶ Καλλίμαχον τὸν Βάττου Κυρηναῖος οὗτος δ ἦν
[28] Ἀλλὰ γὰρ καὶ τὸν ἴαμβον τάττεσθαι μὲν ἐπὶ λοιδο- 15
ρίας τὸ παλαιόν καὶ γὰρ καὶ τὸ ἰαμβίζειν κατά τινα
γλῶσσαν λοιδορεῖν ἔλεγον
[29] Οἱ δὲ ἀπό τινος Ἰάμβης
θεραπαινίδος Θρᾴττης τὸ γένος ταύτην φασίν τῆς
Δήμητρος ἀνιωμένης ἐπὶ τῇ τῆς θυγατρὸς ἁρπαγῇ
προσελθεῖν περὶ τὴν Ἐλευσῖνα ἐπὶ τῇ νῦν Ἀγελάστῳ 20
καλουμένῃ πέτρᾳ καθημένην καὶ διά τινων χλευασμάτων
εἰς γέλωτα προαγαγέσθαι τὴν θεόν
[30] Ἔοικε δὲ ὁ ἴαμβος
τὸ μὲν παλαιὸν ἐπὶ τῶν εἰς ψόγον καὶ ἔπαινον γρα-
φομένων ὁμοίως λέγεσθαι ἐπεὶ δέ τινες ἐπλεόνασαν ἐν
ταῖς κακολογίαις τὸ μέτρον ἐκεῖθεν τὸ ἰαμβίζειν εἰς 25
τὸ ὑβρίζειν ὑπὸ τῆς συνηθείας ἐκπεσεῖν ὥσπερ ἀπὸ
τῶν κωμικῶν τὸ κωμῳδεῖσθαι
[31] Ἰάμβων δὲ ποιηταὶ Ἀρχί-
λοχός τε ὁ Πάριος ἄριστος καὶ Σιμωνίδης ὁ Ἀμόργιος
ἤ ὡς ἔνιοι Σάμιος καὶ Ἱππῶναξ ὁ Ἐφέσιος ὧν ὁ μὲν
πρῶτος ἐπὶ Γύγου ὁ δὲ ἐπ Ἀμύντου τοῦ Μακεδόνος 30
Ἱππῶναξ δὲ κατὰ Δαρεῖον ἤκμαζε
[32] Περὶ δὲ μελικῆς ποιήσεώς φησιν ὡς πολυμερεστάτη
τε καὶ διαφόρους ἔχει τομάς
[33] Ἃ μὲν γὰρ αὐτῆς μεμέρισται
θεοῖς ἃ δὲ ltἀνθρώποις ἃ δὲ θεοῖς καὶgt ἀνθρώποις ἃ δὲ
εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις
[34] Καὶ εἰς θεοὺς μὲν ἀνα- 35
φέρεσθαι ὕμνον προσόδιον παιᾶνα διθύραμβον νόμον
ἀδωνίδια ἰόβακχον ὑπορχήματα
[35] Εἰς δὲ ἀνθρώπους ἐγκώμια ἐπίνικον σκό- 239320a1
λια ἐρωτικά ἐπιθαλάμια ὑμεναίους σίλλους θρήνους
ἐπικήδεια
[36] Εἰς θεοὺς δὲ καὶ ἀνθρώπους παρθένια δα-
102
φνηφορικά τριποδηφορικά ὠσχοφορικά εὐκτικά ταῦτα
γὰρ εἰς θεοὺς γραφόμενα καὶ ἀνθρώπων περιείληφεν ἐπαί- 5
νους
[37] Τὰ δὲ εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις οὐκ ἔστι
μὲν εἴδη τῆς μελικῆς ὑπ αὐτῶν δὲ τῶν ποιητῶν ἐπικεχείρη-
ται τούτων δέ ἐστι πραγματικά ἐμπορικά ἀποστολικά γνωμολογικά γεωργικά
ἐπισταλτικά
[38] Καί φησι τὸν ὕμνον
μὲν ὠνομάσθαι ἀπὸ τοῦ ὑπόμονόν τινα εἶναι καὶ οἷον 10
εἰς μνήμην καὶ ὑπόμνησιν ἄγειν τὰς πράξεις τῶν ὑμνου-
μένων ἢ ἀπὸ τοῦ ὕδειν αὐτάς ὅπερ ἐστὶ λέγειν
[39] Ἐκά-
λουν δὲ καθόλου πάντα τὰ εἰς τοὺς ὑπερόντας γραφόμενα
ὕμνους διὸ καὶ τὸ προσόδιον καὶ τὰ ἄλλα τὰ προειρη- 15
μένα φαίνονται ἀντιδιαστέλλοντες τῷ ὕμνῳ ὡς εἴδη
πρὸς γένος καὶ γὰρ ἔστιν αὐτῶν ἀκούειν γραφόντων ὕμνος
προσοδίου ὕμνος ἐγκωμίου ὕμνος παιᾶνος καὶ τὰ ὅμοια
[40] Ἐλέγετο δὲ τὸ προσόδιον ἐπειδὰν προσίωσι τοῖς βω-
μοῖς ἢ ναοῖς καὶ ἐν τῷ προσιέναι ᾔδετο πρὸς αὐλόν ὁ
δὲ κυρίως ὕμνος πρὸς κιθάραν ᾔδετο ἑστώτων
[41] Ὁ δὲ 20
παιάν ἐστιν εἶδος ᾠδῆς εἰς πάντας νῦν γραφόμενος
θεούς τὸ δὲ παλαιὸν ἰδίως ἀπενέμετο τῷ Ἀπόλλωνι
καὶ τῇ Ἀρτέμιδι ἐπὶ καταπαύσει λοιμῶν καὶ νόσων ᾀδό-
μενος Καταχρηστικῶς δὲ καὶ τὰ προσόδιά τινες παιᾶνας
λέγουσιν
[42] Ὁ δὲ διθύραμβος γράφεται μὲν εἰς Διό- 25
νυσον προσαγορεύεται δὲ ἐξ αὐτοῦ ἤτοι διὰ τὸ κατὰ τὴν
Νύσαν ἐν ἄντρῳ διθύρῳ τραφῆναι τὸν Διόνυσον
ἢ διὰ τὸ λυθέντων τῶν ῥαμμάτων τοῦ Διὸς εὑρεθῆναι
αὐτόν ἢ διότι δὶς δοκεῖ γενέσθαι ἅπαξ μὲν ἐκ τῆς Σε-
μέλης δεύτερον δὲ ἐκ τοῦ μηροῦ
[43] Εὑρεθῆναι δὲ τὸν διθύ- 30
ραμβον Πίνδαρος ἐν Κορίνθῳ λέγει τὸν δὲ ἀρξάμε-
103
νον τῆς ᾠδῆς Ἀριστοτέλης Ἀρίονά φησιν εἶναι ὃς
πρῶτος τὸν κύκλιον ἤγαγε χορόν
[44] Ὁ μέντοι νόμος γρά-
φεται μὲν εἰς Ἀπόλλωνα ἔχει δὲ καὶ τὴν ἐπωνυμίαν
ἀπ αὐτοῦ Νόμιμος γὰρ ὁ Ἀπόλλων Νόμιμος δὲ ἐκλήθη 35
ὅτι τῶν ἀρχαίων χοροὺς ἱστάντων καὶ πρὸς αὐλὸν ἢ λύραν
ᾀδόντων τὸν νόμον Χρυσόθεμις ὁ Κρὴς πρῶτος 239 320b 1
στολῇ χρησάμενος ἐκπρεπεῖ καὶ κιθάραν ἀναλαβὼν εἰς
μίμησιν τοῦ Ἀπόλλωνος μόνος ᾖσε νόμον εὐδοκι-
μήσαντος δὲ αὐτοῦ διαμένει ὁ τρόπος τοῦ ἀγωνίσματος
[45] Δοκεῖ δὲ Τέρπανδρος μὲν πρῶτος τελειῶσαι τὸν νό- 5
μον ἡρῴῳ μέτρῳ χρησάμενος ἔπειτα Ἀρίων ὁ Μη-
θυμναῖος οὐκ ὀλίγα συναυξῆσαι αὐτὸς καὶ ποιητὴς καὶ
κιθαρῳδὸς γενόμενος
[46] Φρῦνις δὲ ὁ Μιτυληναῖος ἐκαι-
νοτόμησεν αὐτόν τό τε γὰρ ἑξάμετρον τῷ λελυμένῳ
συνῆψε καὶ χορδαῖς τῶν ζʹ πλείοσιν ἐχρήσατο
[47] Τι- 10
μόθεος δὲ ὕστερον εἰς τὴν νῦν αὐτὸν ἤγαγε τάξιν
[48] Ἔστι δὲ ὁ μὲν διθύραμβος κεκινημένος καὶ πολὺ τὸ
ἐνθουσιῶδες μετὰ χορείας ἐμφαίνων εἰς πάθη κατα-
σκευαζόμενος τὰ μάλιστα οἰκεῖα τῷ θεῷ καὶ σεσόβηται
μὲν καὶ τοῖς ῥυθμοῖς καὶ ἁπλουστέρως κέχρηται ταῖς λέ-
ξεσιν
[49] Ὁ δὲ νόμος τοὐναντίον διὰ τὸν θεὸν ἀνεῖται 15
τεταγμένως καὶ μεγαλοπρεπῶς καὶ τοῖς ῥυθμοῖς ἀνεῖται
καὶ διπλασίοις ταῖς λέξεσι κέχρηται
[50] Οὐ μὴν ἀλλὰ καὶ
ταῖς ἁρμονίαις οἰκείαις ἑκάτερος χρῆται ὁ μὲν γὰρ
τὸν φρύγιον καὶ ὑποφρύγιον ἁρμόζεται ὁ νόμος δὲ 20
τῷ συστήματι τῷ τῶν κιθαρῳδῶν λυδίῳ
[51] Ἔοικε δὲ ὁ
μὲν διθύραμβος ἀπὸ τῆς κατὰ τοὺς ἀγροὺς παιδιᾶς καὶ
τῆς ἐν τοῖς πότοις εὐφροσύνης εὑρεθῆναι ὁ δὲ νόμος
104
δοκεῖ μὲν ἀπὸ τοῦ παιᾶνος ῥυῆναι (ὁ μὲν γάρ ἐστι κοι-
νότερος εἰς κακῶν παραίτησιν γεγραμμένος ὁ δὲ 25
ἰδίως εἰς Ἀπόλλωνα) ὅθεν τὸ μὲν ἐνθουσιῶδες οὐκ
ἔχει ὡς ὁ διθύραμβος
[52] Ἐκεῖ μὲν γὰρ μέθαι καὶ παι-
διαί ἐνταῦθα δὲ ἱκετεῖαι καὶ πολλὴ τάξις καὶ γὰρ
αὐτὸς ὁ θεὸς ἐν τάξει καὶ συστήματι κατεσταλ-
μένῳ περιέρχεται τὸν κρουσμόν
[53] Ἀδωνίδια δὲ λέγεται τὰ 30
εἰς Ἄδωνιν ἀναφερόμενα
[54] Ἤιδετο δὲ ὁ ἰόβακχος
ἐν ἑορταῖς καὶ θυσίαις Διονύσου βεβαπτισμένος πολλῷ
φρυάγματι
[55] Ὑπόρχημα δὲ τὸ μετ ὀρχήσεως ᾀδό-
μενον μέλος ἐλέγετο καὶ γὰρ οἱ παλαιοὶ τὴν ltὑπόgt ἀντὶ
τῆς ltμετάgt πολλάκις ἐλάμβανον
[56] Εὑρέτας δὲ τούτων 35
λέγουσιν οἱ μὲν Κουρῆτας οἱ δὲ Πύρρον τὸν Ἀχιλ-
λέως ὅθεν καὶ πυρρίχην εἶδός τι ὀρχήσεως λέγου- 239321a1
σιν
[57] Ὁ δὲ ἐπίνικος ὑπ αὐτὸν τὸν καιρὸν τῆς νί-
κης τοῖς προτεροῦσιν ἐν τοῖς ἀγῶσιν ἐγράφετο
[58] Τὸ
δὲ σκόλιον μέλος ᾔδετο παρὰ τοὺς πότους διὸ καὶ πα-
ροίνιον αὐτὸ ἔσθ ὅτε καλοῦσιν ἀνειμένον δέ ἐστι τῇ 5
κατασκευῇ καὶ ἁπλούστατον μάλιστα
[59] Σκόλιον δὲ εἴρηται
οὐχ ὡς ἐνίοις ἔδοξε κατὰ ἀντίφρασιν τὰ γὰρ κατὰ
ἀντίφρασιν ὡς ἐπίπαν τοῦ εὐφημισμοῦ στοχάζεται οὐκ εἰς
κακοφημίαν μεταβάλλει τὸ εὔφημον
[60] ἀλλὰ διὰ τὸ
προκατειλημμένων ἤδη τῶν αἰσθητηρίων καὶ παρειμέ- 10
νων οἴνῳ τῶν ἀκροατῶν τηνικαῦτα εἰσφέρεσθαι τὸ
βάρβιτον εἰς τὰ συμπόσια καὶ διονυσιάζοντα ἕκαστον
105
ἀκροσφαλῶς συγκόπτεσθαι περὶ τὴν προφορὰν τῆς ᾠδῆς
Ὅπερ οὖν ἔπασχον αὐτοὶ διὰ τὴν μέθην τοῦτο τρέψαν-
τες εἰς τὸ μέλος σκόλιον ἐκάλουν τὸ ἁπλούστατον
[61] Τὰ δὲ 15
ἐρωτικὰ δῆλον ὅτι γυναικῶν καὶ παίδων καὶ παρ-
θένων ἐρωτικὰς ᾄδει περιστάσεις [62] Καὶ τὰ ἐπιθα-
λάμια δὲ τοῖς ἄρτι θαλαμευομένοις ἅμα οἱ ἠΐθεοι καὶ
αἱ παρθένοι ἐπὶ τῶν θαλάμων ᾖδον [63] Ὑμέναιον
δὲ ἐν γάμοις ᾄδεσθαί φησι κατὰ πόθον καὶ ζήτησιν 20
Ὑμεναίου τοῦ Τερψιχόρας ὅν φασι γήμαντα ἀφανῆ
γενέσθαι
[64] οἱ δὲ κατὰ τιμὴν τοῦ Ἀττικοῦ Ὑμεναίου τοῦ-
τον γάρ φησί ποτε διώξαντα ἀφελέσθαι κούρας Ἀττι-
κὰς λῃστῶν
[65] Ἐγὼ δὲ οἶμαι βίου τινὰ εὐτυχοῦς προανα-
φώνησιν ὑπάρχειν καὶ συνεύχεσθαι τοῖς συνιοῦσι πρὸς 25
γάμου κοινωνίαν μετὰ φιλοστοργίας αἰολικῇ παρα-
πλέκοντας τὴν εὐχὴν διαλέκτῳ οἷον ὑμεναίειν καὶ
ὁμονοεῖν τούτους ἀεὶ ὁμόσε ναίοντας
[66] Ὁ δὲ σίλλος
λοιδορίας καὶ διασυρμοὺς πεφεισμένως ἀνθρώπων
ἔχει 30
[67] Διαφέρει δὲ τοῦ ἐπικηδείου ὁ θρῆνος ὅτι τὸ
μὲν ἐπικήδειον παρ αὐτὸ τὸ κῆδος ἔτι τοῦ σώματος
προκειμένου λέγεται ὁ δὲ θρῆνος οὐ περιγράφεται χρό-
νῳ
[68] Τὰ δὲ λεγόμενα παρθένια χοροῖς παρθένων
ἐνεγράφετο
[69] Οἷς καὶ τὰ δαφνηφορικὰ ὡς εἰς γένος
πίπτει δάφνας γὰρ ἐν Βοιωτίᾳ διὰ ἐννεαετηρίδος εἰς 35
τὰ τοῦ Ἀπόλλωνος κομίζοντες ἱερεῖς ἐξύμνουν αὐ-
τὸν διὰ χοροῦ παρθένων
[70] Καὶ ἡ αἰτία τῶν Αἰολέων
ὅσοι κατῴκουν Ἄρνην καὶ τὰ ταύτῃ χωρία κατὰ 239 321b 1
106
χρησμὸν ἀναστάντες ἐκεῖθεν καὶ προκαθεζόμενοι Θήβας
ἐπόρθουν προκατεχομένας ὑπὸ Πελασγῶν
[71] Κοινῆς ἀμ-
φοῖν ἑορτῆς Ἀπόλλωνος ἐνστάσης ἀνοχὰς ἔθεντο καὶ
δάφνας τέμνοντες οἱ μὲν ἐξ Ἑλικῶνος οἱ δὲ ἐγγὺς τοῦ 5
Μέλανος ποταμοῦ ἐκόμιζον τῷ Ἀπόλλωνι
[72] Πολεμά-
τας δέ ὁ τῶν Βοιωτῶν ἀφηγούμενος ἔδοξεν ὄναρ νεα-
νίαν τινὰ πανοπλίαν αὐτῷ διδόναι καὶ εὐχὰς ποιεῖ-
σθαι τῷ Ἀπόλλωνι δαφνηφοροῦντας διὰ ἐννεαετηρί-
δος προστάττειν 10
[73] Μετὰ δὲ τρίτην ἡμέραν ἐπιθέμενος
κρατεῖ τῶν πολεμίων καὶ αὐτός τε τὴν δαφνηφο-
ρίαν ἐτέλει καὶ τὸ ἔθος ἐκεῖθεν διατηρεῖται
[74] Ἡ δὲ
δαφνηφορία ξύλον ἐλαίας καταστέφουσι δάφναις καὶ
ποικίλοις ἄνθεσι καὶ ἐπ ἄκρου μὲν χαλκῆ ἐφαρμό-
ζεται σφαῖρα ἐκ δὲ ταύτης μικροτέρας ἐξαρτῶσιν 15
κατὰ δὲ τὸ μέσον τοῦ ξύλου περιθέντες ἐλάσσονα τῆς
ἐπ ἄκρῳ σφαίρας καθάπτουσι πορφυρᾶ στέμματα τὰ
δὲ τελευταῖα τοῦ ξύλου περιστέλλουσι κροκωτῷ
[75] Βούλεται
δὲ αὐτοῖς ἡ μὲν ἀνωτάτω σφαῖρα τὸν ἥλιον (ᾧ καὶ τὸν
Ἀπόλλωνα ἀναφέρουσιν) ἡ δὲ ὑποκειμένη τὴν σελήνην 20
τὰ δὲ προσηρτημένα τῶν σφαιρίων ἄστρα τε καὶ ἀστέρας
τὰ δέ γε στέμματα τὸν ἐνιαύσιον δρόμον καὶ γὰρ καὶ
τζε ποιοῦσιν αὐτά
[76] Ἄρχει δὲ τῆς δαφνηφορίας παῖς
ἀμφιθαλής καὶ ὁ μάλιστα αὐτῷ οἰκεῖος βαστάζει τὸ
κατεστεμμένον ξύλον ὃ κώπω καλοῦσιν 25
[77] Αὐτὸς δὲ ὁ δα-
φνηφόρος ἑπόμενος τῆς δάφνης ἐφάπτεται τὰς μὲν
κόμας καθειμένος χρυσοῦν δὲ στέφανον φέρων καὶ λαμ-
πρὰν ἐσθῆτα ποδήρη ἐστολισμένος ἐπικρατίδας τὲ ὑπο-
107
δεδεμένος ᾧ χορὸς παρθένων ἐπακολουθεῖ προτείνων
κλῶνας πρὸς ἱκετηρίαν ὑμνῶν 30
[78] Παρέπεμπον δὲ
τὴν δαφνηφορίαν εἰς Ἀπόλλωνος Ἰσμηνίου καὶ Χαλα-
ζίου
[79] Τὸ δὲ τριποδηφορικὸν μέλος τρίποδος προη-
γουμένου παρὰ τοῖς Βοιωτοῖς ᾔδετο
[80] Ἔσχε δὲ καὶ τοῦτο
αἰτίαν τοιαύτην Πελασγῶν τινες Πάνακτον τῆς Βοιω-
τίας ἐπόρθουν Θηβαῖοι δὲ ἤμυνον καὶ πέμψαντες εἰς 35
Δωδώνην περὶ τῆς τοῦ πολέμου νίκης ἐχρῶντο
[81] Χρησμὸς
δὲ τοῖς Θηβαίοις ἐξέπεσεν ὡς εἰ μέγιστον ἀσέβημα
ἀσεβήσουσι νικήσουσιν 239 322a 1
[82] Ἔδοξεν οὖν αὐτοῖς ἀσε-
βημάτων εἶναι μέγιστον τὸ τὴν χρησμῳδήσασαν αὐτοῖς
τὸν χρησμὸν ἀνελεῖν καὶ ἀνεῖλον [83] Αἱ δὲ περὶ τὸ τέ-
μενος συνιέρειαι δίκην λαβεῖν ἀπῄτουν τοῦ φόνου τοὺς
Θηβαίους 5
[84] Θηβαῖοι δὲ οὐκ ἐπιτρέπουσι γυναιξὶ μόναις
τὴν περὶ αὐτῶν δίκην ἀξιοῦν κοινῆς δὲ κρίσεως ἀνδρῶν καὶ
γυναικῶν γεγενημένης καὶ τῶν ἀνδρῶν λευκὰς αὐτοῖς
ἐπενεγκόντων ψήφους ἀπέφυγον Θηβαῖοι
[85] Ὕστερον δὲ
ἐπιγνόντες αὐτοῖς τὸ ὑπὸ τοῦ χρησμοῦ προστασσόμενον
βαστάσαντες τῶν κατὰ τὴν Βοιωτίαν ἱερῶν τριπόδων 10
ἕνα καὶ κατακαλύψαντες ὡς ἱερόσυλοι ἀνέπεμψαν εἰς
Δωδώνην
[86] Εὐπραγήσαντες δὲ ἐξ ἐκείνου τοῦ λοιποῦ
τὴν πρᾶξιν ἑορτὴν ἐποίουν
[87] Ὠσχοφορικὰ δὲ μέλη παρὰ
Ἀθηναίοις ᾔδετο
[88] Τοῦ χοροῦ δὲ δύο νεανίαι κατὰ γυ-
ναῖκας ἐστολισμένοι κλῆμά τ ἀμπέλου κομίζοντες μεστὸν 15
108
εὐθαλῶν βοτρύων (ἐκάλουν δὲ αὐτὸ ὤσχην ἀφ οὗ καὶ
τοῖς μέλεσιν ἡ ἐπωνυμία) τῆς ἑορτῆς καθηγοῦντο
[89] Ἄρ-
ξαι δέ φασι Θησέα πρῶτον τοῦ ἔργου ἐπεὶ γὰρ ἑκούσιος
ὑποστὰς τὸν εἰς Κρήτην πλοῦν ἀπήλλαξε τὴν πατρίδα
τῆς κατὰ τὸν δασμὸν συμφορᾶς χαριστήρια ἀποδιδοὺς 20
Ἀθηνᾷ καὶ Διονύσῳ οἳ αὐτῷ κατὰ τὴν νῆσον τὴν
Δίαν ἐπεφάνησαν ἔπραττε τοῦτο δυσὶ νεανίαις ἐσκια-
τραφημένοις χρησάμενος πρὸς τὴν ἱερουργίαν ὑπηρέ-
ταις
[90] Ἦν δὲ τοῖς Ἀθηναίοις ἡ παραπομπὴ ἐκ τοῦ Διο-
νυσιακοῦ ἱεροῦ εἰς τὸ τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Σκιράδος τέ- 25
μενος
[91] Εἵπετο δὲ τοῖς νεανίαις ὁ χορὸς καὶ ᾖδε τὰ
μέλη
[92] Ἐξ ἑκάστης δὲ φύλης ἔφηβοι διημιλλῶντο πρὸς
ἀλλήλους δρόμῳ καὶ τούτων ὁ πρότερος ἐγεύετο ἐκ τῆς
πενταπλῆς λεγομένης φιάλης ἣ συνεκιρνᾶτο ἐλαίῳ
καὶ οἴνῳ καὶ μέλιτι καὶ τυρῷ καὶ ἀλφίτοις 30
[93] Εὐκτικὰ
δὲ μέλη ἐγράφετο τοῖς αἰτουμένοις τι παρὰ θεοῦ γενέσθαι
[94] Πραγματικὰ δὲ ἅ τινων περιεῖχε πράξεις
[95] Ἐμπορικὰ
δὲ ὅσα κατὰ τὰς ἀποδημίας καὶ ἐμπορίας ἐπιδεικνύ-
μενά τισιν ἐγράφη
[96] Καὶ ἀποστολικὰ δὲ ὅσα διαπεμπό-
μενοι πρός τινας ἐποίουν 35
[97] Τὰ δὲ γνωμολογικὰ δῆλον
ὅτι παραίνεσιν ἠθῶν ἔχει
[98] Καὶ τὰ γεωργικὰ δὲ χώρας
καὶ φυτῶν καιροὺς καὶ ἐπιμελείας
[99] Καὶ τὰ ἐπισταλτικὰ
δὲ ὅσα κατ ἐντολὰς πρός τινας ποιοῦντες διέπεμπον
[100] Οἱ μὲν δύο λόγοι τῆς Πρόκλου γραμματικῆς Χρης-
109
τομαθείας ἐν τούτοις
12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO
1 Realizou-se leitura1 a partir do livro intitulado Excertos2 de Crestomatia3 de Letras4
de Proclo5 2 O livro eacute dividido em quatro arrazoados6
1 A forma anegnoacutesthe que introduz o epiacutetome da Crestomatia bem como praticamente todos os resumos
da Biblioteca eacute indicativa desse tipo de texto evidenciando literalmente que natildeo se apresenta ali uma obra mas
sim a leitura de uma cujo tiacutetulo segue-se Cf para a interpretaccedilatildeo dessa forma Ferrante (1957 pg 161)
seguindo a liccedilatildeo de Severyns (1939 I 4 174-75 e II pg 65) cuja recensatildeo acerca da tradiccedilatildeo manuscrita e a
liccedilatildeo para este primeiro periacuteodo parecem de fato as melhores A forma verbal eacute passiva mas deve ser
entendida no grego sem sujeito de forma absoluta ou intransitiva ie ldquoleu-serdquo ldquofoi lidordquo a que se adiciona um
termo preposicionado especificando a partir do que se deu essa leitura Aqui se supre como nos referidos
editores o termo ldquoleiturardquo para viabilizar a traduccedilatildeo remetendo agrave proacutepria atividade originaacuteria da Biblioteca
compilada por Foacutecio dar notiacutecia das sucessivas leituras de diferentes livros Cf Estudo 131 Para a discussatildeo
acerca da introduccedilatildeo dos epiacutetomes na Biblioteca as demais ocorrecircncias da forma e o entendimento desta em
especiacutefico comparada agraves outras A ausecircncia de artigo antes do substantivo ldquoleiturardquo na traduccedilatildeo opccedilatildeo
semelhante agrave dos referidos editores pretende aqui conferir um traccedilo de maior generalidade agrave pratica que
designa uma vez que para aleacutem da discussatildeo acerca de qual seria a matildeo que realmente anotou os textos
mencionados transformando-os em epiacutetomes (Foacutecio ele mesmo um copista um disciacutepulo e companheiro de
viagem que se encarrega da leitura ou vaacuterios etc ndash cf Severyns I 4 ndash 5) essa leitura foi motivo de uma ou mais
sessotildees internas do grupo de estudos dirigido pelo entatildeo embaixador e futuro patriarca ela eacute portanto uma de
diversas leituras dos textos tomados como objeto dessas sessotildees 2 Sobre as implicaccedilotildees da palavra ldquoexcertosrdquo (eklogaiacute) e como foi aqui interpretada cf Estudo 132 3 A palavra ldquocrestomatiardquo khrestomaacutetheia encontra-se lexicalizada em portuguecircs e agrave disposiccedilatildeo do
erudito de liacutengua romacircnica Houaiss haure-a no Novo Diccionario Critico Etymologico da Lingua Portugueza
Paris 1836 de Francisco Solano Constacircncio e a daacute como traslado do francecircs O Littreacute a registra na liacutengua e ao
fazecirc-lo interpreta-a como o referido portuguecircs florileacutegio coletacircnea das melhores passagens de diferentes
autores com fins didaacuteticos (provavelmente jaacute interpretando o adjetivo grego khrestoacutes ldquouacutetilrdquo presente no
composto) Dado isso adoto a forma vernaacutecula e natildeo me utilizo de artigo (ldquoArdquo Crestomatia) a fim de manter
combinando-se com ldquoexcertosrdquo a ambiguidade e a duacutevida que imediatamente em grego saltam aos olhos do
leitor de que a saber de acordo com a interpretaccedilatildeo que se faz da palavra ldquocrestomatiardquo ou se entende em um
extremo que a Biblioteca mesma jaacute nos traz o resumo de uma obra de segunda matildeo ie a abreviaccedilatildeo de algo jaacute
previamente resumido em uma coletacircnea escrita ou em outro extremo que o proacuteprio termo ldquoextratosrdquo faria
parte do tiacutetulo da obra original abrindo margem a pensar a palavra ldquocrestomatiardquo (e mesmo ldquocoletacircneardquo em
portuguecircs) sem um caraacuteter abreviativo mas como ldquoreuniatildeo de ensinamentosrdquo hauridos de outros textos e autores
que ao longo de seacuteculos foram ampliando e detalhando sob diferentes aspectos as doutrinas referentes agraves letras
de modo geral (em prosa ou verso oratoacuteria ou poeacutetica) Defende-se aqui uma terceira hipoacutetese entre esses dois
extremos Concorda-se com Severyns quanto ao caraacuteter natildeo abreviativo da palavra (cf Severyns op cit II 65 ndash
69) mas entende-se que eklogaiacute pelo cotejo com as introduccedilotildees de outros epiacutetomes da Biblioteca soacute pode
implicar neste caso uma abreviaccedilatildeo a seleccedilatildeo de excertos Cf Estudo 133 Ferrante natildeo se pronuncia quanto
a sua traduccedilatildeo mas manteacutem ldquoextratosrdquo e usa o artigo antes da palavra apesar de seguir Severyns em sua notaccedilatildeo
do texto Pretendeu-se aqui (natildeo soacute pelo uso do vernaacuteculo mas tambeacutem por natildeo se empregar o artigo) como
khrestomaacutetheia eacute um substantivo que definia certa obra por sua finalidade manter a dubiedade e o caraacuteter
duvidoso que salta aos olhos de um leitor moderno dos gregos 4 A traduccedilatildeo de grammatikoacutes por ldquoliteraacuteriardquo aqui seguiria o mesmo criteacuterio acima definido (n 3) de
manter o estranhamento em relaccedilatildeo ao tiacutetulo por isso bem como para ldquoeklogaiacuterdquo poder-se-ia manter a
literalidade do correlato latino numa uacutenica palavra Como se sabe poreacutem o termo aqui natildeo eacute sinocircnimo direto do
que noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash uma seacuterie de
categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco mesmo ou os preceitos da chamada
ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira estranha aos antigos Cf Estudo 134 paacuteg 38 ndash 50
110
3 No primeiro fala como as virtudes da prosa e da poesia satildeo as mesmas mas
diferenciam-se quanto ao mais e ao menos7 4 e que do molde da elocuccedilatildeo8 haacute o copioso o
tecircnue e o meacutedio9 5 Que o copioso eacute estonteante10 e muitiacutessimo elaborado reluzindo uma
beleza poeacutetica 6 Jaacute o tecircnue proscreve uma composiccedilatildeo com tropos e afeita agrave elaboraccedilatildeo mas
antes se entretece de despojamento motivo pelo qual em geral se adapta de um modo
excelente agraves lamentaccedilotildees11 7 Quanto ao meacutedio o nome evidencia que eacute meacutedio entre ambos
5 Consoante ao que se defende no cap 133 do Estudo e ao que foi dito acima na nota 3 entende-se aqui
que a atribuiccedilatildeo a Proclo ou seja o trecho ldquode Proclordquo porque o objeto lido estaria nomeado como Excertos
estava contido na intitulaccedilatildeo desse objeto Supotildee-se que a proacutepria intitulaccedilatildeo desse objeto que eacute resumido
porque se precisava identificar de que e de quem era excertos trazia a atribuiccedilatildeo ldquode Proclordquo daiacute o itaacutelico
adotado na traduccedilatildeo Sobre a questatildeo da atribuiccedilatildeo cf Estudo 12 paacuteg 12 ndash 15 6 Embora se saiba que os loacutegoi sejam mesmo etimologicamente as diferentes partes tomos coacutedices de
um bibliacuteon ie o conjunto desses rolos a obra preferiu-se aqui a traduccedilatildeo por ldquoarrazoadosrdquo referindo-se ao
significado cognitivo da palavra (pensamentofala) para manter natildeo soacute a ideia de que quando confeccionadas e
daiacute registradas de forma escrita essas partes natildeo arbitrariamente buscavam corresponder agraves partes menores de
um loacutegos tomadas por si mas tambeacutem a ideia de que num contexto como o da Biblioteca tanto no sentido de
sua composiccedilatildeo como de sua recepccedilatildeo essa noccedilatildeo era evidente senatildeo presente afinal a obra eacute o resultado de
seccedilotildees coletivas de leitura e assim mesmo se tenta reproduzi-la na forma de texto 7 Nomeando prosa ( loacutegos) e poesia ( poiacuteema) o texto imediatamente estabelece o
primeiro criteacuterio pelo qual se julgaraacute a composiccedilatildeo poeacutetica a elocuccedilatildeo que logo seraacute desdobrada (sect4) na teoria
de seus moldes ou gecircneros De acordo com esse primeiro criteacuterio a prosa e a poesia possuem as mesmas virtudes
ou qualidades ( aretaiacute) distinguindo-se pela quantidade esta possui mais do que aquela Esse criteacuterio jaacute
eacute empregado por Aristoacuteteles na Retoacuterica III Cf Estudo 21 paacuteg 51 ndash 52 8 A traduccedilatildeo mais literal considerando o genitivo ldquo rdquo seria evidentemente ldquoe que do
molderdquo contudo talzez natildeo ficaria imediatamente claro ao leitor que a doutrina poeacutetica dos antigos aqui supotildee
ldquomoldarrdquo metaforicamente para a confecccedilatildeo da elocuccedilatildeo e as possiacuteveis variaccedilotildees que permitem claissificaacute-la
mantendo a metaacutefora fiacutesica e escultoacuterica em trecircs grandes estilos gerais Por isso acrescentou-se a expressatildeo ldquoda
elocuccedilatildeordquo Como se sabe outros nomes equivalentes a outras abstraccedilotildees satildeo empregados para nomear essa
doutrina que pelo vieacutes latino e ciceroniano ficaraacute conhecida como ldquodos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo (cf Estudo
22) 9 Inicia-se a exposiccedilatildeo da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo as caracteriacutesticas marcantes de cada um e
seus desvios ou viacutecios O comentaacuterio agrave traduccedilatildeo e a explicaccedilatildeo dos termos encontra-se no Estudo 22 paacuteg 52 ndash
61 10 Repare-se que no original empregam-se dois adjetivos superlativos e com o segundo o superlativo do
adveacuterbio de intensidade Para traduzir tal intensidade poder-se-ia recorrer como Severyns a estender o adveacuterbio
aos dois sintagmas termos ndash ldquomuitiacutessimo estonteante e elaboradordquo Isso daria a entender que as duas
caracteriacutesticas estatildeo em peacute de igualdade quanto agrave intensidade e que haacute graus para o adjetivo ldquoestoanteanterdquo que
talvez se verifiquem nos outros moldes quando parece que ser arrebatador ou estonteante eacute proacuteprio da elevaccedilatildeo
do molde copioso Tentar traduzir o grau superlativo do primeiro adjetivo ndash ldquoo mais estonteanterdquo ndash daria a
entender o mesmo portanto quis-se que a proacuteprio adjetivo ldquoestonteanterdquo por sua forte semacircntica decirc conta do
primeiro adjetivo ldquo ekplektikoacutetatonrdquo remetendo ao sublime etc e que o adveacuterbio
ldquomuitiacutessimo restrinja-serdquo ao segundo adjetivo ldquo kateskeuasmeacutenon maacutelistardquo
julgando-se tal soluccedilatildeo mais fiel ao sentido do grego a saber o de que o molde copioso eacute o mais elaborado de
todos comparado aos demais moldes que podem ser elaborados em menor grau e por isso tem por qualidade
uacutenica ser estonteante atingir o arrebatamento do receptor Para tal intrepretaccedilatildeo cf Estudo 221 paacuteg 55 ndash 57
principalmente o uacuteltimo paraacutegrafo e o comentaacuterio de Quintiliano paacuteg 56 ndash 57 11 A legitimidade desta passagem mais especificamente desta palavra [goeroicircs] foi contestada
diferentemente por trecircs editores propocircs-se [georgikoicircs] (Schott 1606 apud Gaisford p337 apud
Severyns tomo II p 73) [noeroicircs] (Schimid 1894 p 134 n I apud Severyns idem)
[mikroicircs] (Immisch 1902 p 257 n I apud Severyns idem) Uma apreciaccedilatildeo pode ser lida em Severyns (idem)
que em linhas gerais aleacutem de se ater ao fato de que a tradiccedilatildeo manuscrita natildeo traz divergecircncias quanto a essa
passagem segue artigo de Shorey (Classical Philology 1906 apud Severyns) em que este aleacutem dos ceacutelebres
versos da Ars de Horaacutecio (95 ndash 98) arrola diferentes e breves passagens da tradiccedilatildeo retoacuterica nas quais se
evidenciam tal liccedilatildeo de forma explicita e natildeo poeacutetica ex Longino Rhet 21 ldquo() eacute necessaacuterio a quem consola
111
8 Florido por si proacuteprio natildeo eacute um molde mas manifesta-se e encontra-se misturado
junto aos mencionados e combina com topografias e descriccedilotildees12 de descampados ou
bosques
9 Os que cometem desvios das referidas formas geram a mudanccedila do copioso em duro
e exaltado do tecircnue em chatildeo e do meacutedio em truncado e frouxo
10 Entatildeo faz consideraccedilotildees acerca de criacutetica de poesia13 no que transmite qual a
diferenccedila entre caraacuteter e afeto14
11 E da composiccedilatildeo poeacutetica15 diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativo 12 E o
narrativo profere-se por meio de epos bem como de iambo elegia e meacutelica o imitativo por
meio de trageacutedia bem como de drama satiacuterico e comeacutedia16
falar natildeo com clareza sofistica [sophistikeacute tranoteacutes] mas com simplicidade compassiva [sympephonkyicirca
haploteacutes]rdquo Apsines (I 358) ldquoas narraccedilotildees pateacuteticas [pathetikaigrave dieacutegeseis] natildeo devem possuir muita organizaccedilatildeo
[polyn koacutesmon]rdquo idem (I 405) ldquoagrave elocuccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja natildeo-moldada e natildeo-ornada [aacuteplaston kaigrave
akalloacutepiston] o ornar [kallopiacutezein] natildeo eacute proacuteprio de quem canta um trenordquo (a tosca literalidade da traduccedilatildeo eacute
intencional aqui a fim de que se notem os termos gregos) 12 A palavra empregada para ldquodescriccedilatildeordquo eacute eacutekphrasis e eacute o nome que se daacute ao gecircnero pelo
qual se confecciona com palavras a representaccedilatildeo de algo inanimado Consoante ao que se disse (supra) como
algo que eacute descrito parece que todos esses casos tecircm em comum o fato de que se constituem como objetos de
apreciaccedilatildeo em funccedilatildeo da palavra entatildeo eacute pelo proacuteprio floreio que supotildee ornato que esse algo pode se tornar
objeto do prazer Daiacute a possiacutevel interpretaccedilatildeo do epiacutetome segundo a qual o florido natildeo seria por si um molde a
ser selecionado desde o iniacutecio para a confecccedilatildeo de uma obra natildeo seria um molde independente agrave cuja
totalidade se circunscreveria por inteiro toda uma elocuccedilatildeo mas sim uma forma obrigatoriamente concorrente
dependente que se apresenta como parte adicional de um dos trecircs moldes em circunstacircncias como as
exemplificadas qual um adereccedilo de flores 13 kriacutesis poieacutematos entendida aqui como sinocircnimo da sexta parte da empiria
gramatical de Dioniacutesio Traacutecio conforme defendido aqui no Estudo 134 paacuteg 38 ndash 47 para opiniatildeo
semelhante FERRANTE paacuteg 20 ndash 21 Contraacuteria Cf SEVERYNS paacuteg 77 ndash 79 Aventou-se a traduccedilatildeo por
ldquocriacuteticardquo opccedilatildeo natildeo soacute muito coerente como esclarecedora uma vez que aqui se assume a kriacutesis poiemaacuteton de
Dioniacutesio Traacutecio como atividade que mais amplamente passou a corresponder ao que hoje noacutes modernos
diriacuteamos ldquocriacutetica de poesiardquo senatildeo ldquocriacutetica poeacuteticardquo Embora tentadora e chamativa declinou-se tal traduccedilatildeo
porque primeiro a noccedilatildeo de criacutetica natildeo se entende mais em portuguecircs associada ao significado baacutesico da palavra
grega originaacuteria ldquokriacutesisrdquo modernamente natildeo haacute mais a noccedilatildeo de ldquocisatildeo litiacutegio disputardquo e daiacute ldquoavaliaccedilatildeo juiacutezo
julgamentordquo e basicamente a palavra eacute do campo semacircntico judicial segundo como o proacuteprio Dioniacutesio Traacutecio
atesta que no iniacutecio se tratava justamente desta segunda noccedilatildeo de ldquojulgamentordquo ocupando-se a princiacutepio tatildeo
somente do estabelecimento do texto a traduccedilatildeo por criacutetica poderia criar o falso entendimento da parte do leitor
de que se trata de uma atividade de ldquocriacutetica literaacuteriardquo como a dos dias de hoje quando mesmo em seu
desdobramento posterior em que poderia modernamente receber tal nome a interpretaccedilatildeo dos antigos lidava
com um instrumental de noccedilotildees diferentes das nossas como reafirmado em outras passagens deste trabalho
Embora pareccedila se perder com esta soluccedilatildeo preferiu-se fazer juz ao ldquojuiacutezordquo e recorrer a esta nota 14 eacutethous kaigrave paacutethous ndash talvez aqui como pensados por Dioniacutesio de Halicarnasso no
tratado Da Imitaccedilatildeo Cf Estudo 134 especificamente paacuteg 47 ndash 50 15 O adjetivo feminino poietikecircs sem um substantivo acompanhando-o tende a supor teacutechne Sabemos que
assim Aristoacuteteles nomeia essa aacuterea do saber Como suprir o termo poderia dar a entender o tratado e o
entendimento aristoteacutelicos do objeto quando na verdade parece que o epiacutetome usa o termo para se referir aos
poemas ie agraves composiccedilotildees em verso por oposiccedilatildeo agraves em prosa certamente entendendo-as todas como poesia
e como o termo neutro poiacuteema foi empregado anteriormente por oposiccedilatildeo agrave prosa (loacutegos) optou-se nesta
traduccedilatildeo por suprir ldquocomposiccedilatildeordquo dando a entender o resultado o objeto o poema como ldquoconfecccedilatildeordquo trazendo
tambeacutem a noccedilatildeo do ato em si e da teacutecninca (teacutekhne) Cf Estudo 32 paacuteg 77 ndash 79
O emprego do termo no genitivo junto do artigo e do verbo leacutegei implica uma forte carga
partitiva ao termo ateacute entatildeo o texto versava sobre a elocuccedilatildeo que poderia ocorrer em prosa ou em verso ie
poderia ser um discurso juriacutedico ou um poema liacuterico mas ora sobre a confecccedilatildeo que eacute apenas poeacutetica eis os
112
13 Tambeacutem que Femocircnoe17 a profetiza de Apolo foi quem descobriu18 o epos19 por
professar oraacuteculos em hexacircmetros A partir daiacute aos oraacuteculos seguiram-se [heiacutepeto ] os
feitos20 que lhes eram consonantes nomeando-se ldquoeposrdquo qualquer composiccedilatildeo no metro
14 Outros dizem que por causa da elaboraccedilatildeo e da ampla superioridade21 observada
nos hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo e passou a ser
chamado ldquoeposrdquo [fala palavra falada]22 bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo
e Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez tambeacutem que alguns denominavam ldquoeacuteperdquo [falares plura
de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetros23
15 Os mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro24 Paniacuteasis25 e
Antiacutemaco26
16 Desses discorre na medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas
histoacuterias particulares27
gecircneros e espeacutecies em que eacute possiacutevel discriminaacute-las No sentido de que sobre elas o que o texto em questatildeo nos
ensina eacute tal discriminaccedilatildeo uacutetil ao gramaacutetico e aquele que busca ler tais composiccedilotildees agora textos tanto o termo
poietikeacute como a secccedilatildeo que se segue estatildeo em concordacircncia com a kriacutesis do item acima Cf Estudo 134 paacuteg
38 16 Eis a biparticaccedilatildeo em dois grandes gecircneros dos quais os nomes poeacuteticos arrolados satildeo espeacutecies de
acordo com o modelo da calssificaccedilatildeo geneacuterica discutida Os termos empregados bem como essa divisatildeo satildeo
objeto do Capiacutetulo 3 do Estudo mais precisamente seccedilatildeo 31 paacuteg 67 ndash 83 17 Cf Estrabatildeo (IX 419) Pausacircnias (X 5 7) e o Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (475 22) Composto de phemiacute
e noucircs ie ldquofalarrdquo e ldquopensamentoespiacuteritordquo 18 O termo do verbo epheuriacutesko ldquodescobrirrdquo eacute composto de heuriacutesko que tem o
significado baacutesico do verbo ldquoacharrdquo eacute comum na tratadiacutestica serve para designar a ldquoinvenccedilatildeordquo ndash termo latino
que traduz o grego ndash de um forma poeacutetica ou entatildeo para designar quem a encontra seu ldquoinventorrdquo ou como natildeo
haacute a noccedilatildeo moderna de ldquooriginalidaderdquo e ldquocriaccedilatildeordquo o ldquodescobridorrdquo ndash heureteacutes Esses termos se
empregaratildeo ao longo do texto consecutivamente 19 A palavra teria o significado primitivo de ldquofalardquo sua raiz (F eacute cognata do latim vox ldquovozrdquo 20 No grego tagrave praacutegmata heiacutepeto juntos o termo que designa os feitos as accedilotildees
caracteriacutesticas da poesia eacutepica e o termo que compotildee a etimologia designando tanto a sucessatildeo em relaccedilatildeo aos
oraacuteculos como o elemento de consecuccedilatildeo das accedilotildees ou feitos definidores da espeacutecie Cf Estudo 331 paacuteg 83 21 A ampla superioridade ndash aacutegan hyperokheacuten ndash da composiccedilatildeo hexameacutetrica introduz o
argumento em prol da terceira explicaccedilatildeo etimoloacutegica 22 A etimologia como visto no Estudo 331 paacuteg 83 para aleacutem do sugestivo nome da profetiza que
conteacutem o elemento ldquofalardquo seguiria a sequecircncia eacutepos heacutepomai eacutepous = logos e gt(maior que) outros eacutepe 23 Cf Estudo 331 para a noccedilatildeo de eacutepos associado a outras formas como o triacutemetro ou a oratoacuteria De
qualquer forma o argumento geral eacute o de que outros designavam outras espeacutecies que julgavam ldquoa fala por
excelecircnciardquo pelo termo comum para ldquopalavra faladardquo ie ldquoeposrdquo 24 Pisandro de Camiro c 650 aC A ele eacute atribuiacuteda uma Heracleida que narrava todos os feitos de
Heacutercules 25 Paniacuteasis de Halicarnasso tio de Heroacutedoto morreu por volta de 457 aC A ele se atribui tambeacutem uma
Heracleida em 14 cantos e 900 versos 26 Antiacutemaco de Colofatildeo c 405 aC autor da Tebaida que comporia junto de outro poemas o ciclo
tebano 27 Aqui seguiria a Vita Homeri atribuiacuteda que chegou a noacutes a Proclo Eacute de se supor que para cada um dos
poetas mencionas seguisse uma biografia semelhante Essa passagem e a seccedilatildeo seguinte sobre o ciclo eacutepico
cotejadas com os uacutenicos excertos originais que temos da Crestomatia permitem-nos ter um iacutenfimo vislumbre da
dimensatildeo da obra que de fato pela menccedilatildeo a quatro livros feita no iniacutecio do coacutedice dos quais apenas dois satildeo
resumidos devia ser extensa
113
17 Entatildeo faz consideraccedilotildees sobre o chamado ldquociclo eacutepicordquo que se inicia pelo
intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra28 a partir do qual geram a ele trecircs filhos centiacutemanos e
trecircs Ciclopes29
18 Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos
gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser verdade em referecircncia agrave histoacuteria
19 Fecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo de diferentes
poetas ateacute o desembarque de Odisseu em Iacutetaca quando eacute morto por seu filho Teleacutegono que
natildeo o reconhecera30
20 Fala como os poemas do ciclo eacutepico tecircm se conservado e recebido atenccedilatildeo de
muitos natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele contidas
21 Fala entatildeo o nome e a paacutetria dos que se dedicaram ao ciclo eacutepico
22 Fala entatildeo acerca de certos poemas ldquoCiacutepriosrdquo como alguns os atribuem a Estasino
de Chipre outros lhes inscrevem ldquoHegesino de Salaminardquo Outros dizem que Homero
escreveu-os deu a Estasino por obter-lhe a filha e por causa de sua paacutetria nomeou ldquoCiacutepriasrdquo
a obra 23 Mas de sua parte natildeo se apoia nessa hipoacutetese pois que tambeacutem os poemas natildeo se
intitulam ldquoCiacutepriasrdquo com acentuaccedilatildeo proparoxiacutetona31
24 Diz quanto agrave elegia [elegeiacutea ] ser composta de um verso heroacuteico e um
pentacircmetro32 e acomodar-se33 aos que jaacute partiram 25 E obteve seu nome daiacute os antigos
28 Aqui se iniciava o resumo do ciclo eacutepico Cf Estudo 3312 paacuteg 86 para as conjecturas a respeito
daquilo em que talvez consistisse essa primeira parte do ciclo a julgar pelo paraacutegrafo seguinte (18) em que se
nomeiam as histoacuterias do iniacutecio do ciclo ldquonarraccedilotildees miacuteticasrdquo ou considerando a acepccedilatildeo moderna ldquomitologiardquo 29 Esse episoacutedio cosmogocircnico como apresentado ie sem uma referecircncia expliacutecita agrave geraccedilatildeo de Ceacuteu a
partir de Terra (diferente do que se lecirc em Hesiacuteodo Teogonia 126 ndash 127) derivaria da Titanomaquia de Eumelo
Cf Estudo 3312 paacuteg 88 ndash 90 e Ateneu (Deipnosophistae VII 277d ndash e) 30 Buscou-se manter na traduccedilatildeo a possibilidade de leitura equivocada e a imprecisatildeo que pode geraacute-la a
quem desconhece os episoacutedios do ciclo o desembarque em questatildeo natildeo eacute o da Odisseia em retorno de Troia
mas o que encerra a viagem de Odisseu agrave Tesproacutetia que se narrava na Telegonia de Ecircugamon de Cirene uacuteltimo
poema na cronologia do ciclo 31 Para a extensa consideraccedilatildeo de todos os possiacuteveis tiacutetulos para o poema segundo diferentes autores da
Antiguidade cf Severyns (paacuteg 93 ndash 98) e Ferrante (27 ndash 30) Para a opiniatildeo de Proclo que Foacutecio natildeo menciona
ambos editores e criacuteticos apontam como consideraccedilatildeo final para a passagem de Ateneu (XV 682d) em que
Demodamas sugere como autor Ciacutepria de Halicarnasso Eacute conjetural poreacutem que concordando com
Demodamas Proclo aceitasse que a intitulaccedilatildeo se desse pelo autor sugerindo uma forma genitiva como
intitulaccedilatildeo que a formulaccedilatildeo de Foacutecio sugere Vale lembrar que no excerto sobre as Ciacuteprias Proclo informaria
sua discordacircncia sobre a intitulaccedilatildeo do poema e diria que para evitar a interrupccedilatildeo da continuidade do discurso
discutiria posteriormente esse toacutepico como um excurso Pelo menos quanto agrave ordem portanto o resumo de
Foacutecio seria fiel pois eacute de supor que tal excurso ocorresse apoacutes o resumo do ciclo e antes de abordar a elegia Isso
tambeacutem explica por que natildeo haveria razotildees para que Proclo natildeo considerasse as Ciacuteprias como parte do ciclo
(Severyns paacuteg 98) uma vez que dos resumos do ciclo esse eacute o uacutenico que natildeo conteacutem uma atribuiccedilatildeo em seu
iniacutecio 32 Como observado no caso do epos a exposiccedilatildeo segue o criteacuterio metro-mateacuteria explicando o
desenvolvimento da espeacutecie a partir dos usos do metro Cf Estudo 3312 paacuteg 86 332 paacuteg 90 em diante 33 Cf supra sect14 suacutemphona explicitando o criteacuterio metro-mateacuteria pontuando a invenccedilatildeo da espeacutecie e seu
desenvolvimento a partir da mateacuteria que a princiacutepio se lhe acomodava naturalmente
114
chamavam ao treno34 eacutelegos [ ] e atraveacutes dele elogiavam [euloacutegoun ] os
mortos35 26 Os poacutesteros36 contudo usaram ldquoelegiardquo amplamente para diferentes
argumentos
27 Fala entatildeo que exceliram nesse metro Calino de Eacutefeso37 e Mimnermo de
Colofatildeo38 mas tambeacutem o filho de Teacutelefo Filetas de Coacutes39 e Caliacutemaco filho de Bato (esse era
de Cirene)40
28 Jaacute no que diz respeito ao iambo [ ] primeiro em tempo antigo era atribuiacutedo
agrave ralhaccedilatildeo41 inclusive de acordo com certo dialeto ldquoiambizarrdquo [ldquoiambiacutezeinrdquo ] era
nome para ldquoralharrdquo42
29 Uns dizem ser por causa de certa criada Iambe [Iaacutembe ]43 de origem
traacutecia Ela quando Demeacuteter estava de luto pelo rapto de sua filha foi ateacute as redondezas de
34 Para a interpretaccedilatildeo de que a elegia haveria derivado do treno cf Harvey The Classification of Greek
Lyric Poetry The Classical Quarterly New Series Vol 5 No 34 (Jul - Out 1955) pp 157-175 35 O trinocircmio elegia eacutelegos elogio eacute a etimologia baacutesica que subjaz a essa exposiccedilatildeo da descoberta e do
desenvolvimento da espeacutecie Cf Estudo 332 paacuteg 90 a 94 36 Hoi metageneacutesteroi os poacutesteros ndash o texto mesmo pontua como etapa posterior ao uso primeiro do
diacutestico para o lamento fuacutenebre seu uso para diferentes argumentos hypotheacuteseis 37 Viveu por volta do seacuteculo VII a c e pelo que sabemos de sua poesia que nos chega fragmentada seria
de caraacuteter beacutelico e guerreiro recorrendo aos exemplos dos mitos que seratildeo posteriormente circunscritos ao
ciclo eacutepico (FERRANTE paacuteg 32) para exortar ao combate e agrave bela morte Portanto entendida a definiccedilatildeo da
elegia ao peacute da letra mesmo o mais velho elegiacuteaco natildeo a ilustra eacute de se supor portanto que ele mesmo jaacute ilustre
o uso do metro para ldquodiferentes argumentosrdquo o caraacuteter lamentoso e primordial do metro abarcaria por exemplo
a exortaccedilatildeo agrave morte na guerra uma vez que pressupotildee a situaccedilatildeo fuacutenebre independente dos poemas ou desse
tipo de poema suporem quando da sua composiccedilatildeo uma execuccedilatildeo primeira e um funeral ou funerais como
ocasiatildeo em performance especiacutefica uma vez que mesmo que nas situaccedilotildees em que um poema se destinasse agrave
uma performance especiacutefica sua execuccedilatildeo poderia se dar tambeacutem em um simpoacutesio posteriormente 38 Viveu entre o final do seacuteculo VII e o iniacutecio do seacuteculo VI a C seu lamento eacute de caraacuteter amoroso Foi
imitado pelos heleniacutesticos e a ele Galo e os demais elegiacuteacos romanos fazem remontar a elegia eroacutetica
tomando-o por seu descobridor 39 Poeta e gramaacutetico agrave maneira alexandrina mestre de Zenoacutedoto e Teoacutecrito seria tambeacutem reconhecido
pelos romanos o intermediaacuterio heleniacutestico da elegia eroacutetica no iniacutecio nos meandros do seacuteculo IV aC 40 Seacuteculo III aC foi disciacutepulo de Hermoacutecrates e Praxiacutefanes o peripateacuterico disciacutepulo de Teofrasto
Fundou uma escola de gramaacutetica em Alexandria seguindo os passo do mestre que se dedicara especificamente a
esse saber Compocircs sob a corte de Ptolomeu II o Filadelfo e Ptolomeu III o Eveacutergeta Foi o grande propagador
da poesia breve e cultista de base Heleniacutestica a quem se filiaraacute entre os romanos Catulo modelo dos elegiacuteacos
junto a Galo Cultivou aleacutem da elegia o epigrama o hino o epiacutelio e o iambo 41 Cf Estudo 333 paacuteg 94 42 Eacute impossiacutevel identificar a que dialeto o texto se referia uma vez que se o fizesse Foacutecio natildeo o anotou
Tanto Severyns (28 2 paacuteg 105) como Ferrante (28 paacuteg 33) remetem a Chantraine (La Formation des Noms en
Grec Ancien paacuteg 260) pontuando que de fato a formaccedilatildeo do nome em questatildeo eacute externa ao grupo indo-
eruropeu Talvez se a indefiniccedilatildeo do texto do epiacutetome partiu do texto do proacuteprio Proclo os proacuteprios antigos
percebessem a palavra como estrangeira sem poder identificar sua origem 43 A primeira e uma das poucas etimologias eponiacutemicas que ocorrem no epiacutetome O argumento baacutesico ndash
note-se ndash eacute etioloacutegico ie e funciona como outras explicaccedilotildees que apareceratildeo ao longo do cataacutelogo de
subespeacutecies meacutelicas haacute um marcante evento miacutetico ou histoacuterico que uma vez aceito eacute por si mesmo argumento
para a adoccedilatildeo de um costume e repeticcedilatildeo da forma Neste caso a accedilatildeo da criada de nome Iambe seria modelar do
que se faz com os iambos tanto que de seu nome derivaria o proacuteprio nome do metro Embora natildeo se possa
dizer que tambeacutem eponiacutemica a associaccedilatildeo do hexacircmetro a Femocircnoe (sect14) continha um argumento de base
etioloacutegica semelhante na medida em que localiza em um passado remoto um acontecimento que se fixa como
praacutetica Esse tipo de argumento seraacute amplamente usado na exposiccedilatildeo das subespeacutecies liacutericas na liacuterica sacra por
115
Elecircusis e apoacutes subir sobre a pedra hoje chamada ldquoSolenerdquo44 por meio de algumas zombarias
levou a deusa agrave gargalhada45
30 Parece que em tempo antigo poreacutem dizia-se o iambo para o que era composto
visando ao vitupeacuterio e ao enaltecimento igualmente Como alguns sobreabundaram o metro
nas maledicecircncias a partir daiacute o ldquoiambiacutezeinrdquo [ldquoiambizarrdquo ]46 por forccedila do haacutebito
acabou por ser ldquohybriacutezeinrdquo [ldquoimprecarrdquo ] bem como por causa dos ldquococircmicosrdquo
[komikoiacute ] ldquokomiacutezeinrdquo [ldquoridicularizarrdquo ]47
31 De iambos Arquiacuteloco de Paros eacute o melhor poeta seguido de Semocircnides de
Amorgos ndash de Samos segundo uns ndash e Hipocircnax de Eacutefeso dos quais o primeiro floresceu na
eacutepoca de Giges48 o segundo na de Amintas o macedocircnio49 por fim Hipocircnax durante o
periacuteodo de Dario50
32 Sobre a poesia meacutelica51 diz que eacute a mais diversificada e comporta diferentes
divisotildees
33 Parte dela encontra-se distribuiacuteda para deuses parte para homens parte para
deuses e homens e parte para as circunstacircncias acidentais
exemplo eacute usado na explicaccedilatildeo do nomo (sect44) entre as subespeacutecies sacras e seculares na explicaccedilatildeo da
dafneforia (sect70 ndash 73) das canccedilotildees tripodefoacutericas (sect80 ndash 86) das oscofoacutericas (sect89) etc 44 Chama a atenccedilatildeo o silecircncio de Pausacircnias (I 38 6 e I 39 I) a respeito da pedra Cf Severyns paacuteg 108
6 ndash as referecircncias tardias pontuadas pelo autor sugerem que se trate de um elemento proverbial e posterior que se
preencheu em um episoacutedio antigo e conhecido que remonta afinal ao Hino Homeacuterico a Demeacuteter (197 ndash 204)
em que tal criada aparece e de fato faz a deusa rir mas no palaacutecio do rei Celeo e sob seu senhorio em uma
versatildeo diferente da histoacuteria Referem-se agrave pedra Apolodoro (I 30) o Escoacutelio a Aristoacutefanes (Cavaleiros 785) e o
Suda ( 49 ADLER) 45 Severyns (paacuteg 107 ndash 109) fornece detalhadamente todas as referecircncias para essa versatildeo da histoacuteria
valendo menccedilatildeo a mesma passagem de Apolodoro que apresenta a histoacuteria semelhantemente e o Escoacutelio a
Hefestiatildeo (214 9 Consbruch) que apresenta a versatildeo homeacuterica 46 Cf Ferrante 32 ndash 33 n 28 para a etimologia a partir de ldquoiagraven baacutezeinrdquo ldquo rdquo ldquolanccedilar a vozrdquo
(Et Magn 463 29) bem como para a possibilidade a partir do homeacuterico iaacute ldquolanccedilas setasrdquo (Il 20 68) +
baacutezein ie ldquolanccedilar setasrdquo metaacutefora poeacutetica para imprecar (cf Catulo 116)47 O termo que de iniacutecio significava apenas integrar um koacutemos ie uma farra folia patuscada pacircndega
um cortejo festivo passa a designar no desenvolvimento da trageacutedia ldquocompor um coro cocircmicordquo e por
metoniacutemia satirizar detratar fazer de algo ou algueacutem objeto da criacutetica cocircmica Esse processo teria igualmente
ocorrido em relaccedilatildeo ao emprego abundante do iambo para a imprecaccedilatildeo de modo que o proacuteprio verbo
ldquoofenderrdquo ldquoinjuriarrdquo (hybriacutezein passa a ter o mesmo emprego que ofender sem implicar a
composiccedilatildeo de versos iacircmbicos Essa uacuteltima passagem natildeo eacute senatildeo uma ampliaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da primeira
etimologia apresentada que apenas endossa a opiniatildeo de Aristoacuteteles para a origem do iambo (Cf Estudo 333
paacuteg 94) 48 Arquiacuteloco teria vivido na primeira metade do seacuteculo VI aC Giges que eacute dado como referecircncia foi o
rei liacutedio de 689 a 653 aC Menciona-o fragmento 19 do poeta (Gerber) Sua poesia nos chega fragmentada e
faz menccedilatildeo de um eclipse que ocorreu em 6 de abril de 648 aC o que nos permite situar sua atividade poeacutetica
pelo menos ateacute essa deacutecada Sabemos que compocircs elegias tambeacutem mas eacute geralmente referido como o primeiro
poeta iacircmbico entre os gregos como se vecirc por exemplo na Ars de Horaacutecio (79) 49 Trata-se de Amintas I da Macedocircnia que teria vivido entre 540 e 498 aC o que colocaria Semocircnides
depois de Arquiacuteloco na segunda metade do seacuteculo VI aC Dele nos resta algo em torno de 40 fragmentos
dentre os quais o mais famosos seria o fragmento 6 (WEST) ldquoContra as Mulheresrdquo 50 Segundo esse testemunho Hipocircnax teria vivido aproximadamente entre 521 e 485 aC eacute considerado o
descobridor do coliambo 51 Sobre a divisatildeo cf Estudo 334 paacuteg 95
116
34 Aos deuses de um lado referem-se hino prosoacutedio peatilde ditirambo nomo
adoniacutedia iobaco hiporquema
35 Aos homens de outro encocircmios epiniacutecio escoacutelios eroacuteticas espitalacircmios
himeneus silos trenos e epiceacutedios
36 Aos deuses e homens partecircnias dafnefoacutericas tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas
pois essas eram escritas para deuses e compreendiam enaltecimentos de homens
37 A que se refere agraves circunstacircncias acidentais natildeo eacute uma espeacutecie da meacutelica mas eacute
atentada pelos proacuteprios poetas
38 Diz que o hino [hyacutemnos ]52 recebe seu nome pelo fato de ser algo
ldquohypoacutemononrdquo [ldquopersistenterdquo ]53 e por conduzir desse modo agrave mneacuteme [memoacuteria
] e agrave hypomneacutesis [rememoraccedilatildeo ] as accedilotildees dos hineados [hymnoucircmenoi
]54 ou tambeacutem pelo ldquohydeicircnrdquo [ldquonomearrdquo ] que eacute o mesmo que ldquodizerrdquo55
52 Do sacircnscrito syuman (ldquoligaccedilatildeordquo) Essa noccedilatildeo se confere no latim suo (coser) bem como em palavras
gregas com a noccedilatildeo geral de ldquourdidurardquo ldquotecidordquo ldquopelerdquo υμην (membrana) υφη (teia urdidura) υφαινω
(sinocircnimo do latim suo ie tecer) ndash Exemplos de Ferrante paacuteg 38 n 38 53 Essa hipoacutetese eacute verossiacutemil linguisticamente e nos eacute apresentada pelo Et Mag 777 2 dizendo apenas
que se trata de siacutencope υμνος derivaria de υπομονος palavra postulada e teoacuterica (uma vez que temos o verbo
ldquorestarrdquo e o substantivo deverbal ldquopersistecircnciardquo mas natildeo o adjetivo em questatildeo) por
apoacutecope e assimilaccedilatildeo υπομονος passaria a υμμονος e depois por simplificaccedilatildeo e siacutencope cairia o [o] de
μονος resultando υμνος (Ferrante idem) A etimologia antiga como se sabe pauta-se natildeo soacute na proximidade
das palavras mas tambeacutem em seu significado Essa etimologia teoacuterica contribui portanto para a noccedilatildeo cabal de
que na percepccedilatildeo antiga um hino o eacute porque ldquopersistenterdquo ie hino eacute algo que visa permanecer daiacute a
associaccedilatildeo direta e primeira entre hyacutemnos e hypoacutemonos a partir da qual na formulaccedilatildeo dessa etimologia se
parte para as demais associaccedilotildees paroniacutemicas 54 Tais formas se associariam morfoloacutegica e semanticamente (e daiacute etimologicamente) ao binocircmio
hyacutemnos - hypoacutemonos expandindo-o Dessa associaccedilatildeo baacutesica decorre que a espeacutecie poeacutetica recebe seu nome
porque opera com a mneacuteme a capacidade de retenccedilatildeo na memoacuteria e com a hypomneacutesis a capacidade de
rememorar o que foi armazenado em relaccedilatildeo agraves accedilotildees dos hineados Dessarte os demais termos ocorrem para
explicar a associaccedilatildeo primeira com uma palavra teoacuterica ie porque o hino eacute ldquopersistenterdquo Talvez devecircssemos
considerar o contraacuterio que a palavra teoacuterica se postula a fim de permitir a associaccedilatildeo com as outras que
explicariam o nome do gecircnero A se diz por causa de B que se diz em funccedilatildeo de C e D seguindo-se E Este
uacuteltimo termo explica o uacuteltimo elemento da exposiccedilatildeo do coacutedice em que os ldquohineadosrdquo (hymnoucircmenoi) satildeo
praticamente os ldquorelembradosrdquo
Esse eacute o esquema etimoloacutegico de dois outros textos semelhantes a esse passo do coacutedice de Foacutecio o
leacutexico de Oacuterion 155 22 (fundamental porque ele teria sido professor de Proclo) e Et Magnun 777 2 (que como
se sabe junto do Et Gudianum pauta-se no gramaacutetico Oacuterion em vaacuterios de seus verbetes) O cotejo completo
encontra-se em Severyns II 38 paacuteg 117 Ambas as referidas passagens (esta baseada naquela) atribuem a
etimologia a Diacutedimo e sua obra Acerca dos Poetas Liacutericos citados nominalmente nos dois textos 55 Apenas pelo lsquo rsquo o verbo em questatildeo viria agrave etimologia porque condensa as noccedilotildees anteriores e a antiga
funccedilatildeo religiosa subjacente agrave origem da espeacutecie em questatildeo o celebrar de um deus finalidade do hino
consistiria em relembrar ie trazer agrave tona seus feitos suas accedilotildees ( praacutexeis) manter a memoacuteria delas
Essa etimologia encontra-se nos leacutexicos antigos e provavelmente adveacutem dos autores heleniacutesticos uma vez que o
uso do verbo parece reintroduzido na liacutengua pelos poetas de tal periacuteodo cf Severyns idem paacuteg 119 Tanto no
Et Magnun como no Et Gudianum provavelmente contemplando o uso heleniacutestico aparece junto dos verbos
e como sinocircnimo primeiro de ldquo rdquo Para a derivaccedilatildeo antiga da palavra por exemplo o Et
Gud 539 56 ldquo
rdquo ndash ldquohyacutedein sinaliza o hyacutemnein surge a patir do verbo hymnocirc pela queda
do lsquonrsquo hymocirc e mudanccedila do lsquomrsquo para lsquodrsquo hyacutedo pelo recuo do acentordquo A associaccedilatildeo entre os dois verbos para a
qual tambeacutem se apresenta uma formaccedilatildeo teoacuterica nos leacutexicos posteriores ao texto do epiacutetome parece apontar de
qualquer modo dentro dessa classificaccedilatildeo de base gramatical para a necessidade de reforccedilar pelo emprego de
117
39 Chamavam hino em geral toda composiccedilatildeo aos que satildeo superiores56 por isso
aparecem contrapondo o prosoacutedio e as demais canccedilotildees mencionadas ao hino como a espeacutecie
ao gecircnero Assim dos que escrevem57 podem-se ouvir coisas como ldquohino de prosoacutediordquo ldquohino
de encocircmiordquo ldquohino de peatilderdquo e semelhantes58
40 O prosoacutedio [prosoacutedion ] era entoado quando se seguia em procissatildeo
[prosiacuteosi ] ao altar ou ao santuaacuterio e na procissatildeo [prosieacutenai ] era
cantado [eiacutedeto ]59 ao som do aulo O hino propriamente se cantava ao som da ciacutetara
uma vez que se estivesse parado60
um termo que tambeacutem eacute heleniacutestico a exposiccedilatildeo da espeacutecie como ldquodiegeacuteticardquo ou narrativa bem como
caracterizar a forma poeacutetica como celebraccedilatildeo de accedilotildees Em outras palavras aventa-se a possibilidade de que natildeo
eacute senatildeo pelas accedilotildees as praacutexeis anteriormente mencionadas que as duas explicaccedilotildees estatildeo aqui postas juntas
uma vez que nesta ocorrecircncia o verbo tenha as accedilotildees por objeto (hyacutedein autagraves) Eacute provaacutevel portanto que o
texto de Proclo as propunha contiguamente e natildeo opostamente jaacute que como mostrado por Severyns (paacuteg 120)
eacute tambeacutem por essa possibilidade que o texto do epiacutetome mencionaraacute outra disposiccedilatildeo para o hino em relaccedilatildeo agraves
outras espeacutecies dentro da classificaccedilatildeo geneacuterica a saber como gecircnero para as demais espeacutecies (infra n 58) 56 hyperoacutentas eacute correccedilatildeo de Severyns proposta a partir das referidas passagens de Oacuterion e do
Et Mag que trazem ldquo hypereacutekhontasrdquo sinocircnimo uma vez que o texto de Foacutecio traz
ldquo hypereacutetasrdquo (servo do deus) o que implicaria um contrassenso uma vez que o hino faz parte da
liacuterica sacra 57 A passagem parece ambiacutegua e aqui se pretendeu manter essa ambiguidade Natildeo eacute possiacutevel estabelecer
apenas pela passagem se tocircn graphocircnton designa aqueles que escrevem sobre hinos referindo-se a como outros
textos e classificaccedilotildees geneacutericas referem-se aos hinos e os nomeiam ou se isso parte daqueles que compuseram
tais hinos e portanto o referente do particiacutepio seriam os poetas A opccedilatildeo por ldquoescrevemrdquo e natildeo ldquocompotildeemrdquo na
traduccedilatildeo visa manter as duas possibilidades de leitura Das duas passagens semelhantes Oacuterion (155 22) e o Et
Magnun (777 2) apenas a primeira emprega o termo referindo-se aos que compotildeem com certeza e eacute por isso
mesmo que essa provavelmente seria a leitura correta Natildeo nos cabe emendar o texto poreacutem 58 Conforme as aludidas passagens de Oacuterion e do Etymologicum Magnum Diacutedimo distinguia entre duas
classificaccedilotildees Uma consideraria o hino particularmente como espeacutecie meacutelica sacra separada das demais
mencionadas no epiacutetome outra tomaria o temo de forma geneacuterica no sentido de que seu significado geral
abarcaria as demais formas sacras como espeacutecies Da exposiccedilatildeo anterior de fato se pode conjecturar que como
um hino eacute um louvor qualquer louvor poderia ser designado ldquohinordquo cantando-se as accedilotildees do ldquohineadordquo
inclusive referindo-se a homens e natildeo deuses A denominaccedilatildeo particular poreacutem a que Diacutedimo se filia
distinguia todas essas formas como espeacutecies pelo criteacuterio do destinataacuterio e por traccedilos circunstanciais
particulares apesar do mesmo testemunhar a generalizaccedilatildeo do termo que relacionava o hino a outras espeacutecies
liacutericas que empreendiam um elogio De acordo com Diacutedimo estaacute Amocircnio Sacoacuteforo (Diff Verb p 139
Valckenaer) quando diz que ldquoυμνος εγκωμιου διαφερει ο μεν γαρ υμνος εστι θεων το δε εγκωμιον ανθρωπωνrdquo (o hino difere do encocircmio o hino eacute proacuteprio dos deuses o encocircmio dos homens) tambeacutem se encontra passagem
similar no Etym Gud (540 42) ldquoο μεν υμνος επι θεου λεγεται το δε εγκωμιον επι ανθρωπουrdquo (o hino se diz a
um deus o encocircmio a um homem) A distinccedilatildeo jaacute ocorria na Repuacuteblica de Platatildeo (X 607a) quando absolvia do
ostracismo os ldquohinos aos deuses e os encocircmios ao virtuososrdquo A diferenciaccedilatildeo entre hino e as demais espeacutecies
sacras se daraacute logo em seguida no texto do epiacutetome quando se aborda a segunda delas no cataacutelogo de Proclo o
prosoacutedio (cf infra n 60) Cf igualmente Severyns paacuteg 119 em que organiza claramente as trecircs interpretaccedilotildees
de hino em relaccedilatildeo agraves demais formas poeacuteticas
Para a confusatildeo entre o hino e as formas encomiaacutesticas cf tambeacutem Harvey (1955) 59 Seria portanto combinando os trecircs termos arrolados na paroniacutemia explicativa da etimologia uma
ldquocanccedilatildeo em procissatildeordquo Aqui o que a etimologia faz eacute tatildeo somente explicar por outras palavras os termos do
composto que nomeia a espeacutecie a preposiccedilatildeo proacutes que daacute a noccedilatildeo de ldquoem direccedilatildeo ardquo que compotildee os verbos de
movimento que permitem designar o caminhar da procissatildeo (pros + ieacutenai) e o verbo ldquocantarrdquo (aiacutedo) donde o
ldquocantordquo ldquoa oderdquo ( oacuteide) 60 Aqui a distinccedilatildeo entre o hino como espeacutecie particular ndash o ldquohino propriamenterdquo ldquo rdquo ndash em
relaccedilatildeo agraves demais que remonta ateacute onde nos eacute possiacutevel saber a Diacutedimo Segundo o Et Magn 690 ldquoπροσωδια
παρα το προσιοντας ναοις η βωμοις προς αυλον αδειν ltαντιgt δια ltστελλεταιgt δε των υμνον οτι τους υμνους
προς κιθαραν εστωτες αδουσιν Ουτω Διδυμος εν τω περι λυρικων ποιητωνrdquo ndash ldquoos prosoacutedios foram assim
118
41 O peatilde [paiacutean ] eacute uma espeacutecie de canto nos nossos dias escrito para todos
os deuses mas em tempo antigo se dedicava propriamente a Apolo e a Aacutertemis sendo
cantado pela democcedilatildeo [katapauacutesei ] de pestes e moleacutestias61 Alguns chamam
peatildes por extensatildeo os prosoacutedios62
42 O ditirambo [dithyacuterambos ]63 eacute composto para Dioniso e denominado
a partir dele ou por Dioniso ter crescido sob o monte Nisa em uma caverna diacutethyros
chamados pois os que se aproximam dos templos ou altares cantam ao acompanhamento de aulo Opotildeem-se aos
hinos pois os cantam parados ao acompanhamento de ciacutetara Assim disse Diacutedimo no Acerca dos Poetas
Liacutericosrdquo
Sobre a forma hestoacuteton ( ) considerando que ocorre similarmente nos textos semelhantes
Severyns observou (124 6 citando o Etm Magnun 690 41) que sendo a espeacutecie executada por um coro pelo
menos em origem dificilmente o termo aqui se emprega ao peacute da letra O termo poderia ter o sentido de
estaacutesimo como na trageacutedia ou seja ldquouma paradardquo em relaccedilatildeo ao movimento geral pela orquestra mas com uma
coreografia o que significaria que o coro faria as evoluccedilotildees tiacutepicas da estrutura estroacutefica junto ao canto e agrave
composiccedilatildeo instrumental por oposiccedilatildeo aos meacutele hyporkheacutemata aqueles que possuiacuteam uma danccedila e aos meacutele
prosoacutedia esses opostos aos dois por ser em procissatildeo Contudo em se tratando de um genitivo absoluto o que
se tentou manter na traduccedilatildeo podemos aventar igualmente uma explicaccedilatildeo mais simples o termo estaacute a
continuar a oposiccedilatildeo entre o ldquohino em sentido proacutepriordquo o hyacuterios hyacutemnos e o prosoacutedio significando que aquele
se iniciava apoacutes este ou seja apoacutes o teacutermino da procissatildeo ldquouma vez que se estivesse paradordquo Note-se que uma
possibilidade natildeo nega a outra e ambas me parecem presentes porque isso inclusive explicaria primeiro os
hyporkheacutemata em particular como espeacutecie (seguindo o raciociacutenio do cataacutelogo) assim como em segundo a
ausecircncia de explicaccedilatildeo para estes no epiacutetome (cf n 77) 61 A etimologia se constitui pela proximidade do nome da canccedilatildeo com o termo ldquocessaccedilatildeo democcedilatildeordquo
( katapapaucircsis) e aqui a classificaccedilatildeo da espeacutecie se faz em prol da etiologia antiga Busca-se um
termo que lhe seja proacuteximo do ponto de vista do significante mas tambeacutem do significado Assim os leacutexicos (Et
Mag 657 2) traratildeo uma derivaccedilatildeo teoacuterica e dentre eles o Et Gudianum (446 50) daraacute como fonte Diacutedimo
Vale nota que o Et Magnum e o escoacutelio a Platatildeo (Banquete 177a) datildeo amostra da preocupaccedilatildeo terminoloacutegica
que perfaz a classificaccedilatildeo do epiacutetome pois embora ambos consoem com Proclo e este segundo empregue
praticamente a mesma formulaccedilatildeo do epiacutetome (ldquo rdquo)
ambos empregam o termo hyacutemnos propondo o peatilde como um tipo de hino evidenciando que o uso de ldquohinordquo
como gecircnero para espeacutecies era corrente na tratadiacutestica
Derivaria de παιω tambeacutem (cf lat pauio pauimentum) ldquobater percutirrdquo (cf Dioniacutesio Traacutecio) mas pela
mesma razatildeo etioloacutegica acima explicada pois Apolo batendo com seu bastatildeo demoveria os males Haveria
tambeacutem a derivaccedilatildeo do nome pela expressatildeo caracteriacutestica que se dizia ao longo do canto ldquo rdquo (cf
Ateneu XV 696d ndash 697b) Em tempos poacutes-homeacutericos o termo foi confundido com Peatildeo deus da medicina (cf
Ferrante paacuteg 43 n41) evidentemente associado a Apolo e jaacute Aacutertemis sua irmatilde era tambeacutem destinataacuteria do
canto como testemunha o epiacutetome Entatildeo o canto seria ou uma suacuteplica pela liberaccedilatildeo como testemunha Homero
no canto I da Iliacuteada (472 ndash 4) ou um agradecimento ao deus por ela Daiacute que como ldquoaccedilatildeo de graccedilardquo ndash termo que
Severyns ndash penso ndash emprega sem erro o peatilde passou a servir de agradecimento a diferentes deuses e por
diferentes accedilotildees A Vida de Soacutefocles (III) conta-nos que o tragedioacutegrafo teria se destacado ainda jovem por
conta de um peatilde em agradecimento pela vitoacuteria em Salamina Parece que natildeo muito mais tarde (embora seja
impossiacutevel precisar se a praacutetica jaacute era corrente mesmo anteriormente) peatildes passaram a se compor para homens
Ateneu (supra) arrola diferentes exemplos de peatildes para mortais dos quais merece destaque o referido por
Plutarco na Vida de Lisandro (18) o general espartano ndash Cf Severyns (127 3) 62 Tanto Severyns (41 7 paacuteg 129) como Ferrante (41 paacuteg 45) a julgar pela diferenciaccedilatildeo inferem que a
confusatildeo se dava porque antes do canto de um peatilde propriamente haveria uma procissatildeo ao templo do deus a
que se agradeceria o que se faria ao som de um prosoacutedio propriamente e este poderia ser designado pelo
criteacuterio apenas da finalidade da ocasiatildeo um peatilde ignorando-se os elementos formais explicitados Ambos autores
tambeacutem datildeo como referecircncia para o estudo e a bibliografia a respeito do peatilde A Fairbanks A study of the greek
paean New York 1900 L Deubner Neue Jahrbuumlrch 1919 p 585 L Delatte in Antiquiteacute classique 7 (1938)
p 23 ndash 29 Sobre o a confusatildeo entre os gecircneros sacros e a impossibilidade de estabelecer o que consistia cada
um Harvey (op cit1955) 63 Segundo alguns o termo eacute de origem liacutedia mas a etimologia eacute incerta Διθυραμβος era uma outra
designaccedilatildeo de Dioniso e mais tarde tornou-se o nome do canto em honra ao deus o que seria embora isso talvez
119
[bifurcada ]64 ou por ter sido encontrado quando se abriram as rhaacutemmata [suturas
] de Zeus65 ou porque nasceu ndash ao que parece ndash duas vezes [diacutes ] a primeira de
Secircmele e a segunda da coxa66
43 Piacutendaro diz que o 67ditirambo foi descoberto em Corinto e Aristoacuteteles fala que o
inaugurador desse canto eacute Aacuterio quem primeiro conduziu um coro em ciacuterculo68
44 Jaacute o nomo [ ] era composto para Apolo que por sua vez tem seu epiacuteteto
derivado dele69 de fato Apolo eacute ldquoNocircmimosrdquo [ ]70 ndash foi chamado ldquoNocircmimosrdquo
porque estando os antigos a dispor o coro e cantar o nomo ao som da lira ou do aulo
Crisocirctemis o cretense vestindo pela primeira vez uma exuberante estola e sacando uma ciacutetara
por imitaccedilatildeo de Apolo cantou sozinho [monos ]71 um nomo Como ele foi aclamado a
maneira do concurso permanece
45 Ao que tudo indica primeiro Terpandro aperfeiccediloou o nomo empregando o metro
heroico Depois natildeo foi com pouco que contribuiu Aacuterio de Metimna ele mesmo sendo poeta e
fosse desconhecido dos antigos um epocircnimo Para diferentes possibilidades etimoloacutegicas associadas a aspectos
do culto de Dioniso a partir do grego e de outras liacutenguas cf Ferrante (42 paacuteg 45 ndash 46) 64 De δις + θυρα cf lat fores (com duas portas) cf Herodiano (II 492 28 Lentz) apud Ferrante (op cit
idem) e Piacutendaro (fr 76 BOWRA) A mesma etimologia ocorre no Et Magnum (274 44) e no Escoacutelio a
Apolocircnio de Rodes (IV 1131 Wendel) 65 O simples segmento focircnico [-ram-] - seria suficiente para se fazer a associaccedilatildeo a outro episoacutedio
conhecido sobre a mitologia em torno de Dioniacuteso a saber sua segunda gestaccedilatildeo na coxa de Zeus gerando a
associaccedilatildeo entre dithyacuterambos e a locuccedilatildeo ldquolugravethi rhammardquo ( ) frase com que Zeus teria consumado o
nascimento definitivo de seu filho cujo significado seria ldquosoltem-se as suturasrdquo Essa etimologia encontra-se
tambeacutem no Et Magn (274 50) e era ao que tudo indica poeacutetica remontando a Piacutendaro (fr 75 BOWRA) 66 O uacuteltimo elemento associado ao numeral dois ldquoduas vezesrdquo ndash [dis] - - eacute uma etimologia meramente
semacircntica e tambeacutem associada a um segmento focircnico A rigor essa etimologia eacute a melhor demonstraccedilatildeo do aqui
se denomina uma etimologia etioloacutegica porque na verdade eacute a somatoacuteria de partes da palavra cada uma
remetendo a outra palavra que por sua vez representa um elemento do mito de nascimento do deus compondo
seu significado geral e a origem de um nome que entre os gregos mesmos era de origem incerta As diferentes
partes dessa etimologia em que cada associaccedilatildeo contribui para a inserccedilatildeo do mito no significado da palavra
aparecem aleacutem do Et Magn (274 44) no Et Gud (146 24 e 43) de modo que neste se observa a mesma
associaccedilatildeo entre ldquoduas viasrdquo e ldquodois nascimentosrdquo ndash cf Severyns 42 8 paacuteg 132 67 Cf Ferrante (43 paacuteg 46) Piacutendaro Ol 13 25 68 Aristoacuteteles Pol VIII 7 1342 b 7 Para Aacuterio c 625 aC cf Heroacutedoto (I 23 ndash 24) 69 A melhor explicaccedilatildeo para tal passagem eacute de Severyns (op cit 44 1 paacuteg 137) buscando brevidade
didaacutetica na exposiccedilatildeo Foacutecio teria pecado no estilo produzindo a ambiguidade da passagem que na sua
literalidade daacute a entender primeiro que Apolo herdou seu epiacuteteto do canto Como Severyns observa a passagem
sequer faria sentido caso se pensasse que Foacutecio a entendeu dessa maneira 70 Severyns (idem 2) e Ferrante (n 44 paacuteg 48) concordam que noacutemimos seria a variaccedilatildeo adotada por
Foacutecio mas para fins etimoloacutegicos Proclo provavelmente empregava a forma noacutemios constante na recorrecircncia
dessa etimologia O epiacuteteto de Apolo poderia tanto ser cognato de ldquoneacutemo pastorearrdquo significando
ldquopastorilrdquo como de ldquonoacutemos leirdquo significando algo como ldquoprovedor de leisrdquo ndash Severyns (44 4 paacuteg 139) 71 Aventa-se aqui a possibilidade de que como em sect65 em que Foacutecio expotildee a etimologia que prefere em
funccedilatildeo do lsquomrsquo de moacutenos Foacutecio esteja explicando seu emprego natildeo em vatildeo e natildeo meramente estiliacutestico de
noacutemimos em vez de noacutemios que devia constar no texto de Proclo Essa hipoacutetese seria consoante agrave confusatildeo que
ocorre no iniacutecio do trecho de modo que aqui Foacutecio estaria nos informando que haveria uma confusatildeo entre o
epiacuteteto do deus e o nome da subespeacutecie nome que sofreria uma sutil modificaccedilatildeo em funccedilatildeo do evento
estabelecedor da praacutetica performaacutetica que passa a caracterizaacute-lo Assim teriacuteamos duas etimologias combinadas
uma claramente epocircnima outra uma variaccedilatildeo etioloacutegica
120
citaredo 46 Friacutenis de Mitilene inovou-o juntou o hexacircmetro ao verso livre e utilizou mais de
sete cordas 47 Posteriormente Timoacuteteo levou-o a seu arranjo atual72
48 O ditirambo eacute movimentado junto agrave danccedila uma manifestaccedilatildeo de entusiasmo em
alto grau elaborado para as paixotildees muito proacuteprias do deus eacute agitado quanto ao ritmo e
emprega de forma mais simples as palavras 49 O nomo pelo contraacuterio por causa do deus
distende-se de forma ordenada e magnificente distende-se no ritmo e emprega as palavras
compostas73
50 Natildeo diferentemente cada um tambeacutem emprega as escalas proacuteprias pois o primeiro
afina-se ao friacutegio e ao hipofriacutegio e o nomo ao sistema liacutedio dos citaredos74
51 Ao que parece o ditirambo foi descoberto a partir da brincadeira das crianccedilas
pelos campos e da animaccedilatildeo entre os eacutebrios O nomo por sua vez parece decorrer do peatilde ndash
este eacute mais comum sendo escrito para a deprecaccedilatildeo de males aquele propriamente para
Apolo ndash por isso natildeo tem o entusiasmo como o ditirambo
52 Laacute enfim bebedeiras e brincadeiras aqui suacuteplicas e muita ordem pois que o
proacuteprio deus na ordenaccedilatildeo e em um arranjo contido daacute voltas no compasso
53 Adoniacutedias se dizem as canccedilotildees que se referem a Adocircnis75
54 Cantava-se o iobaco imerso em frecircmitos nos festivais e sacrifiacutecios a Dioniso76
72 Aqui se forneceria conforme o modelo padratildeo uma histoacuteria do nomo a partir de sua invenccedilatildeo
passando por seus desenvolvimentos Para as conjecturas histoacutericas sobre a evoluccedilatildeo formal do nomo Severyns
op cit II 140 a 150 Ferrante op cit paacuteg 48 traz uma breve exposiccedilatildeo sobre as partes do nomo e da paacuteg 50
a 51 a biografia de cada um dos poetas referidos 73 Empreende-se uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas gerais dessas composiccedilotildees de acordo com o
deus a que se destinava cada uma Agrave paixatildeo proacutepria de Dioniacutesio e do entusiasmo caracteriacutestico de seu culto
acomodar-se-ia um estilo mais baixo empregando palavras simples aqui entendidas no sentido da elocuccedilatildeo
propriamente enquanto por outro lado combinando com o ritmo do nomo que ao inveacutes de se agitar em prol da
danccedila dos entusiasmados buscava prolongar-se pausadamente as palavras seriam mais belas visando ao ornato
da elocuccedilatildeo portanto compostas 74 Igualmente a cada um dos referidos ritmos melhor caberiam diferentes escalas musicais Para
interpretaccedilotildees divergentes da passagem e a possiacutevel discordacircncia em relaccedilatildeo a uma interpretaccedilatildeo peripateacutetica
Cf Severyns paacuteg 160 ndash 163 75 Adocircnis era divindade de origem siacuteria e feniacutecia (Ferrante 53 paacuteg 57) O pouco que se pode saber sobre
essa espeacutecie eacute que talvez fosse um treno ritual em que as mulheres lamentavam imitando Afrodite a morte do
belo jovem O termo que nomeia a canccedilatildeo epocircnima ocorre poucas vezes na liacutengua em Aristoacutefanes (Lisistrata
389) ocorre na forma adoniasmoacutes O Et Mag explica a forma como ldquoo treno por Adocircnisrdquo A peccedila
de Aristoacutefanes ainda ilustra expressotildees que provavelmente eram tiacutepicas desse canto (393 e 396) ldquo rdquo
(ldquoAi Adocircnisrdquo) e ldquo rdquo (ldquobatei no peito lsquoAdonisrsquordquo) Tambeacutem havia um peacute meacutetrico chamado
adocircnio 76 Como em uma das etimologias possiacuteveis para o peatilde o nome eacute composto da interjeiccedilatildeo de juacutebilo ldquoioacuterdquo
mais um dos nomes do deus Baacutekkhos cf Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (450 15) Cf severyns (54 paacuteg 171) em
Atenas representaccedilotildees do seacutequito de Dioniso chamavam-se Ioacutebakkhoi e Iobakkheicirca era o nome de uma festa
puacuteblica em honra do deus A expressatildeo ldquoimerso em muito frecircmitordquo sugere uma celebraccedilatildeo de caraacuteter semelhante
a do ditirambo
121
55 Hiporquema [hypoacuterkhema ]77 chamava-se a canccedilatildeo cantada junto agrave
danccedila [oacuterkhesis ]78 de fato os antigos frequentemente empregavam a preposiccedilatildeo
hypoacute [ ] no lugar de metaacute [ ]79
56 Quanto aos descobridores alguns dizem ter sido os curetas80 outros Pirro [Pyrros
] filho de Aquiles donde tambeacutem dizem piacuterrica [purrikheacute ] uma espeacutecie
de danccedila81
56a [paraacutegrafo pertinente ao encocircmio falta nos manuscritos]82
57 Jaacute o epiniacutecio escrevia-se pelo momento mesmo da vitoacuteria aos primeiros nas
competiccedilotildees83
77 Segundo Ferrante (55 paacuteg 58) seriam composiccedilotildees em versos creacuteticos ou peocircnicos Opotildee-se agraves demais
espeacutecies sacras porque era composta com uma danccedila em especiacutefico e natildeo evoluccedilotildees do coro Seria um canto de
origem cretense originariamente dedicado a Apolo mas depois a Dioniso e Atena ateacute que jaacute na eacutepoca de
Piacutendaro secularizou-se 78 A julgar pelo fato do resumo de Foacutecio mencionar mesmo que sucintamente as consideraccedilotildees do texto
original que explicavam a classificaccedilatildeo dessas espeacutecies sacras eacute de supor que o proacuteprio texto acessado natildeo trazia
muitas outras consideraccedilotildees sobre essa espeacutecie uma vez que um criteacuterio que as definisse como tal jaacute fora
discutido e estava subentendido no restante da exposiccedilatildeo da liacuterica sacra O nome por si soacute eacute autoexplicativo
ainda mais apoacutes a discussatildeo na exposiccedilatildeo do prosoacutedio particularizando o hino 79 Cf Ferrante (55 paacuteg 59) que arrola por exemplo O Escoacutelio a Piacutendaro (Ol VI 73b) e a Homero
(XVIII 492) como testemunhos arcaicos do uso de uma preposiccedilatildeo no lugar da outra O nome da espeacutecie seria
portanto algo como ldquodanccedilanterdquo (ldquocom danccedilardquo) Para as demais etimologias antigas cf Severyns (56 paacuteg 174 ndash
178) 80 Seriam sacerdotes do culto a Rea influentes em Creta Cf Ferrante (56 paacuteg 59) 81 Epiacuteteto de Neoptoacutelemo 82 Cf Harvey (1955) para ponderaccedilotildees sobre o encocircmio em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies principalmente em
relaccedilatildeo aos hinos Segundo a definiccedilatildeo de Heliodoro apud Ferrante (paacuteg 61) ldquoeacute a composiccedilatildeo poeacutetica que
compreende o enaltecimento de homens e cidadesrdquo mas morfoloacutegica e etimologicamente tambeacutem significava
fazer parte de um koacutemos mas em uma solenidade festiva ndash cf Piacutendaro Nemeias 8 50 Portanto poderia se
confundir com o epiniacutecio e em ambiente simposial ao escoacutelio mas se diferenciaria desse por ser coral 83 Fosse literalmente ie com valor temporal ldquono momento da vitoacuteriardquo fosse em sentido causal ldquopor
causa da vitoacuteriardquo
Severyns (57 paacuteg 181) defende que a liccedilatildeo talvez fosse epigrave autograven tograven kairograven porque aiacute ocorreria uma
etimologia que diz ldquoaludidardquo por oposiccedilatildeo ao encocircmio o epiniacutecio era obrigatoriamente no momento da vitoacuteria
em uma competiccedilatildeo atleacutetica supondo a celebraccedilatildeo do homem na proacutepria ocasiatildeo pairando a sugestatildeo de que
esse criteacuterio definiria o epiniacutecio em ldquoparticularrdquo semelhantemente agrave distinccedilatildeo entre hino em ldquoparticularrdquo jaacute
observada em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies sacras Em resumo o epiniacutecio em particular ou propriamente por
oposiccedilatildeo ao encocircmio que tambeacutem eacute um elogio seria apenas o que se cantava na ocasiatildeo performaacutetica especiacutefica
da vitoacuteria do atleta A proposta de Severyns natildeo me parece necessaacuteria para certas composiccedilotildees de fato talvez o
uacutenico criteacuterio realmente distintivo fosse uma ocasiatildeo performaacutetica apenas aludida e pressuposta o que na
praacutetica inevitavelmente se dava com certa flutuaccedilatildeo por um lado um epiniacutecio poderia ser executado mesmo
que posteriormente em um simpoacutesio e nesse caso a ocasiatildeo performaacutetica original seria pressuposta de
qualquer maneira o que o originou fora uma vitoacuteria atleacutetica A ocasiatildeo original por outro lado como se lecirc nos
epiniacutecios pindaacutericos talvez natildeo fosse o proacuteprio local da competiccedilatildeo mas uma cerimocircnia ciacutevica (com um koacutemos)
na paacutetria do atleta Natildeo parece necessaacuterio julgar com tanto rigor a classificaccedilatildeo dos antigos porque natildeo nos eacute
possiacutevel estabelecer quando exatamente se dava a cerimocircnia ciacutevica de celebraccedilatildeo do atleta e ao que tudo indica
havia uma flutuaccedilatildeo A emenda natildeo se faz necessaacuteria a rigor a motivaccedilatildeo do canto em uacuteltima instacircncia seria a
vitoacuteria atleacutetica e sempre se referiria a essa ocasiatildeo ou seja mesmo que por referecircncia estaria sempre
circunscrita a um ldquotempo especiacuteficordquo ndash o mesmo criteacuterio seraacute empregado para distinguir epiceacutedio de treno (sect67)
poreacutem explicitamente O encocircmio talvez natildeo se prendesse a uma motivaccedilatildeo especiacutefica mas natildeo nos resta
hipoacutetese para o que o definiria ldquoem particularrdquo
122
58 O escoacutelio [torto tortuoso skoacutelion ] era uma canccedilatildeo cantada entre os
convivas Por isso agraves vezes tambeacutem a chamam ldquocanccedilatildeo de beberrdquo Eacute despojado na preparaccedilatildeo
e muitiacutessimo simples84
59 ldquoEscoacuteliordquo eacute dito natildeo por antiacutefrase como julgam alguns o que se diz por antiacutefrase
em geral visa ao eufemismo e natildeo se muda o eufecircmico em maldizer85 60 Eacute poreacutem pelo
fato de que estando os sentidos enfim arrebatados e os ouvintes folgados por conta do vinho
bem nesse instante se introduzia o baacuterbito86 nos simpoacutesios e cada um continuando a
festividade combalia-se instavelmente no proferimento do canto Por causa disso que eles
proacuteprios sofriam em funccedilatildeo da bebedeira voltando-o para a canccedilatildeo chamavam-na tatildeo
simplesmente ldquoescoacuteliordquo [canccedilatildeo ldquotortardquo]87
61 As eroacuteticas [eroticaacute ] evidentemente cantam circunstacircncias de amores
[eroticagraves peristaacuteseis ] por mulheres meninos e moccedilas88
62 E as epitalacircmias [epithalaacutemia ]89 cantam-nas aos receacutem-casados
simultaneamente os rapazes e as moccedilas90 em direccedilatildeo [epiacute ] ao quarto nupcial[thaacutelamoi
]
84 Para as demais etimologias antigas e a hipoacutetese de que a etimologia por antiacutefrase fosse de Diacutedimo
Severyns (58 paacuteg 182 ndash 189) A etimologia proposta por Proclo associa o termo diretamente agrave ocasiatildeo e ao que
ocorre nela de modo a determinar o tipo de canto a canccedilatildeo seria tortuosa por causa da bebida seria portanto a
ldquocanccedilatildeo de beberrdquo por excelecircncia porque se cantava bebendo Essa etimologia supotildee que skoacutelion viria por
baritonaccedilatildeo do adjetivo skolioacutes a on (subentendendo-se melos) que significa ldquotortuosordquo e por isso tambeacutem
ldquodifiacutecilrdquo A etimologia opta pelo primeiro significado em vez do segundo ou seja o nome viria do significado
primeiro e literal da palavra 85 A etimologia por antiacutefrase ndash ldquodizer o contraacuteriordquo ndash seria dizer ldquodifiacutecilrdquo a canccedilatildeo porque na verdade eacute
simples e faacutecil uma vez que se daacute em meio agrave bebedeira dificultando a elaboraccedilatildeo Mas a antiacutefrase se daacute por
eufemismo ie para evitar o maldizer e natildeo o contraacuterio o que acabaria ocorrendo se essa hipoacutetese fosse
verdadeira supostamente porque para o autor da Crestomatia chamar difiacutecil o faacutecil natildeo seria eufecircmico mas
depreciativo 86 Lira grande de nove cordas 87 A canccedilatildeo eacute duplamente tortuosa o efeito tortuoso da bebida presente no canto dos eacutebrios se reflete na
consecuccedilatildeo do canto conforme os convivas se sucedem entoando-o desorganizada ou tortuosamente ie sem
uma sequecircncia predeterminada e linear 88 O nome eacute autoexplicativo Aqui provavelmente se agrupavam os poemas de Safo Anacreonte e Alceu
que tambeacutem satildeo dados como poetas de escoacutelios Essa pequena seccedilatildeo da Crestomatia provavelmente eacute a que
tratava das espeacutecies que nos satildeo legadas tendo como ocasiatildeo performaacutetica baacutesica o simpoacutesio 89 Outra etimologia autoexplicativa que se definia pela ocasiatildeo mais especificamente aqui diferencia esta
espeacutecie da seguinte por conta de sua finalidade e da ocasiatildeo pontual em que era cantada Segundo Severyns (62
191 ndash 194) tanto epithalaacutemios como hymeacutenaios poderiam designar as canccedilotildees de mateacuteria nupcial sendo a
primeira arcaica e poeacutetica e a segunda posterior heleniacutestica teoacuterica cunhada pelos gramaacuteticos De fato eacute o que
demonstra com as ocorrecircncias de ambas as designaccedilotildees esta segunda em Ateneu (I 5e) por exemplo
referindo-se (a) ao canto executado no banquete nupcial junto aos pais da noiva ou quando (b) ela era levada
pelo cortejo de amigos junto ao esposo da casa de seus pais agrave casa dele (Homero Il XVIII 491 seq e Hesiacuteodo
Escudo 272 seq) ou quando (Teoacutecrito XVIII 8 etc) o casal (c) se retira ao cocircmodo nupcial guardado por uma
espeacutecie de porteiro ou guardiatildeo o thyroroacutes jaacute aquela primeira classificando as mesmas coisas em
textos de base gramatical como Amocircnio Sacoacuteforo (junto de diversos sinocircnimos como gameacutelios e
variantes) ou o Escoacutelio a Teoacutecrito (XVIII) etc referindo-se ao terceiro significado (c) de himeneu ou cobrindo
todos seus significados como sinocircnimo direto de hymeacutenaios (Et Magn 776 46) ou designando uma
composiccedilatildeo natildeo liacuterica mas com o mesmo valor da primeira noccedilatildeo (a) de himeneu agraves vezes em diacutestico elegiacuteaco
123
63 Diz que o himeneu cantava-se nos casamentos em conformidade ao sofrimento e agrave
procura por Himeneu filho de Terpsiacutecore91 o qual dizem ter se tornado invisiacutevel apoacutes casar-
se
64 Outros em honra de Himeneu de Atenas pois ele ndash diz ndashapoacutes perseguir resgatou
de bandidos moccedilas atenienses92
65 Eu penso que era uma exultaccedilatildeo prenunciando uma vida afortunada e que
rezavam junto aos cocircnjuges pela comunhatildeo de um matrimocircnio com ternura entretecendo a
prece com dialeto eoacutelio de modo a sempre hymenaiacuteein [coabitarem ] e
homonoeicircn [concordarem ] os que vatildeo morar sob o mesmo teto93
66 O silo94 conteacutem a ralhaccedilatildeo e o menoscabo de homens comedidamente95
(Luciano Banquete 29 40 etc) ou referindo-se a uma composiccedilatildeo em prosa ie um discurso equivalente ao
primeiro tipo (a) de himeneu
Parece acertada a conclusatildeo do autor de que como se observa para outras espeacutecies da liacuterica secular em
que se cunha posteriormente uma nomenclatura a fim de diferenciaacute-la de outras formas poeacuteticas congecircneres
designadas a princiacutepio por um mesmo nome geral ldquohimeneurdquo como designaccedilatildeo mais antiga seria o nome para
qualquer ode nupcial qualquer canto referente aacutes nuacutepcias entoado mesmo que em meio ao simpoacutesio enquanto o
termo ldquoepitalacircmiordquo passaria a designar em uma tentativa mais teacutecnica de classificaccedilatildeo (gramatical) uma
circunstacircncia especiacutefica em que se realizava um canto liacuterico nupcial a ida ao leito ou taacutelamo 90 Conforme demonstra Severyns (62 4 paacuteg 193) parece que a princiacutepio esse coro se compunha apenas
de moccedilas mas Proclo deve atestar a praacutetica posterior de incluir tambeacutem rapazes Piacutendaro (Piacuteticas III 18) e
Teoacutecrito (XVIII 2 e 22) a testariam o primeiro caso Eacutesquilo (fr 43 Nauck) o segundo Sobre o uso de
discursos nas mesmas ocasiotildees Dioniacutesio de Halicarnasso (Ret IV I 266 22) emprega a mesma distinccedilatildeo de
espeacutecies levando Severyns agrave pertinente observaccedilatildeo de que ela fosse alexandrina 91 Confere para as divergecircncias em relaccedilatildeo agrave matildee do jovem Himeneu Severyns (63 3 126 ndash 197) 92 Ambas as etimologias propostas por Proclo para o nome da espeacutecie compotildeem epocircnimos etioloacutegicos
para os quais a interpretaccedilatildeo de Severyns (63 5 198) parece acertada Para a primeira Proclo estaria
interpretando pela referecircncia miacutetica a expressatildeo formular desse tipo de canto ldquo Hymegraven ocirc
Hymeacutenaierdquo focando-se no segundo termo como mito etioloacutegico do canto associado pelo que se subentende agrave
perda do hiacutemem (Cf Severyns 65 2 paacuteg 200 para outras etimologias linguiacutesticas dos antigos) A segunda
etiologia eacute associada a outra personagem e segundo o autor seria de base heleniacutestica teoricamente em funccedilatildeo
do quanto subentende de referecircncias e contecircm de amplificaccedilatildeo episoacutedica em relaccedilatildeo a outras fontes (cf 64 paacuteg
198 ndash 200) Supotildee a praacutetica do casamento natildeo concedido por parte de piratas e raptores um casamento ilegal
para a poacutelis portanto Como o referido heroacutei aacutetico teria impedido tal praacutetica iniciara-se a pratica de celebraacute-lo
junto ao casamento consentido e legal 93 Nessa curiosa passagem Foacutecio daacute sua opiniatildeo teria considerado as etimologias de Proclo por demais
pagatildes Natildeo se pode dizecirc-lo mas talvez tenha considerado muito obtusas as ilaccedilotildees feitas uma vez que pelas
constantes expressotildees ldquouns outrosrdquo ao longo do resumo natildeo haacute por que duvidar de que nos forneccedila por
completo as etimologias com que Proclo operava 94 Palavra que significa ldquomordazrdquo ldquosarcaacutesticordquo mas que tambeacutem seria ldquovesgordquo Para as etimologias que
natildeo constam no epiacutetome porque provavelmente jaacute assume o nome do canto pelo teor satiacuterico como se vecirc na
definiccedilatildeo cf Ferrante (paacuteg 72) 95 Teriam sido compostos por Timatildeo de Flio filoacutesofo ceacutetico do periacuteodo heleniacutestico e eram basicamente
hexacircmetros paroacutedicos ridicularizando de maneira branda outros filoacutesofos Pelo mesmo nome se designavam os
escritos de Xenoacutefanes de Colofatildeo anterior a Timatildeo em aproximadamente um seacuteculo Por extensatildeo hexacircmetros
que parodiassem Homero tambeacutem deviam ser considerados siacutelos (Ferrante paacuteg 72) Segundo Dioacutegenes Laeacutercio
(IX 109 apud Ferrante) agrave eacutepoca de Tibeacuterio o gramaacutetico Apolocircnide de Niceacuteia teria composto uma ldquoMemoacuteria
dos Silosrdquo em cujo livro primeiro se contava a vida de Timatildeo e se estudava sua poesia Autores modernos
(Smyth apud Severyns paacuteg 68) questionam a classificaccedilatildeo do silo como poesia liacuterica e coral por ser
hexameacutetrico Ferrante (idem) a partir de Heliodoro (451 23 apud Severyns) aventa a possibilidade de se
considerar o silo uma subespeacutecie do iambo pelo emprego de loidoriacutean em sua definiccedilatildeo mas parece ignorar
tambeacutem o metro bem como o fato de Proclo usou a palavra na definiccedilatildeo do iambo provaacutevel razatildeo pela qual natildeo
124
67 O treno difere do epiceacutedio [epikeacutedion] porque o epiceacutedio se diz a partir do proacuteprio
kecircdos [luto funeral ] com o corpo ainda jazendo exposto enquanto o treno natildeo se
circunscreve a um periacuteodo de tempo96
68 As chamadas partecircnias [partheacutenia ] eram escritas para coros de moccedilas
[partheniai ]
69 A elas as dafnefoacutericas [ldquoporta-lourosrdquo daphneforicaacute ] pertencem
como a um gecircnero97 a cada nove anos na Beoacutecia os sacerdotes portando [komiacutezontes
] louros [daacutephnai ] aos templos de Apolo louvavam-no com um coro de
moccedilas98
70 Sua origem os muitos eoacutelios que habitavam Arne e as terras da regiatildeo de laacute
migrando de acordo com um oraacuteculo e que sitiando deram iniacutecio ao saque de Tebas antes
ocupada pelos pelasgos99
71 Em advindo um festival de Apolo comum a ambos estabeleceram armistiacutecio e
enquanto uns agrave margem do Heacutelicon cortavam louros outros agrave margem do rio Melas os
ofertavam a Apolo
72 Entatildeo Polematas comandante dos beoacutecios sonhou que via um jovem entregar-lhe
a armadura e ordenar-lhe fazer votos de a cada nove anos levar louros a Apolo
73 Depois de trecircs dias investindo sobrepujou os inimigos e ele proacuteprio entatildeo
executaria uma dafnefoacuteria [dafneforiacutea ] A partir daiacute se preserva o costume
74 A dafnefoacuteria cingem um galho de oliveira com louros e flores coloridas na ponta
se acopla uma esfera de bronze e dela pendem menores No meio do galho dispondo em
ciacuterculo dependuram uma menor que a da ponta e guirlandas roxas A parte final do galho
envolvem com um manto cor de accedilafratildeo
a empregaria aqui Para a associaccedilatildeo excessiva de Proclo com Diacutedimo neste passo e outros autores anteriores a
Proclo que classificam o silo entre as espeacutecies liacutericas cf Severyns (paacuteg 205) 96 Para as partes do sepultamente entre os gregos e o kecircdos como funeral cf Severyns (67 2 paacuteg 207)
Essas duas formas de canccedilatildeo fuacutenebre se distinguiriam por um momento especiacutefico da ocasiatildeo Esse criteacuterio jaacute se
aplicou em relaccedilatildeo ao epiniacutecio e ao epitlacircmio (supra notas 167 e 173) Para a associaccedilatildeo e a distinccedilatildeo dessas
espeacutecies liacutericas em relaccedilatildeo agrave elegia e o emprego do metro aleacutem de Ferrante (paacuteg 73) e Severyns (paacuteg 208 ndash
210) cf Harvey (1955) 97 Conforme visto porque a noccedilatildeo de que hino e encocircmio aleacutem de espeacutecies em particular poderiam
tambeacutem ser propostos no proacuteprio texto de Proclo como gecircneros para espeacutecies eacute mais plausiacutevel que essa
explicitaccedilatildeo seja do proacuteprio texto que se resumiu e natildeo do resumidor e talvez para esse terceiro grupo da liacuterica
que compreende homens e deuses juntos o criteacuterio fosse assumido senatildeo endossado por Proclo e natildeo apenas
contraposto a um criteacuterio que tambeacutem considera todas as espeacutecies em particular 98 Aqui o texto torna-se etioloacutegico mal ocorrendo etimologias uma vez que os nomes satildeo
autoexplicativos e o que se faz nada mais eacute do que explicitar sua composiccedilatildeo O criteacuterio eacute explicito seguir-se-atildeo
as espeacutecies de partecircnios que satildeo definidas pela festa em que ocorrem O que resta entatildeo eacute contar a origem de
cada uma dessas ocasiotildees puacuteblicas 99 Para todas as referecircncias histoacutericas a respeito da etiologia e da festividade cf Severyns (70 ndash 78 paacuteg
214 ndash 232)
125
75 Pretendem que a esfera mais ao alto signifique o sol (com que remetem a Apolo) a
subposta a lua as demais suspensas os planetas e estrelas as guirlandas o curso anual ndash de
fato contavam 365
76 Um menino cujos pais ainda satildeo vivos vem no iniacutecio da dafnefoacuteria e o seu parente
mais proacuteximo carrega o galho cingido o qual chamam koacutepo [koacutepo ] 77 Seguindo o
proacuteprio dafneacuteforo [daphnefoacuteros ] vem segurando o louro soltos os cabelos
porta uma coroa de ouro traja um longo manto brilhante e veacuteu aos peacutes100 Acompanha-o de
perto um coro de moccedilas empunhando ramos de suacuteplica hineando
78 Enviavam a dafnefoacuteria aos templos de Apolo Ismecircnio e Calaacutezio
79 A canccedilatildeo tripodefoacuterica [levada por um triacutepodo] cantava-se entre os beoacutecios um
triacutepodo tomando a frente101
80 Foi esta sua origem um grupo de pelasgos tentava saquear a cidade de Panacto da
Beoacutecia Os tebanos a defendiam e enviando uma comitiva a Dodona consultaram o oraacuteculo
sobre a vitoacuteria no conflito
81 O oraacuteculo designou aos tebanos que se cometessem o maior sacrileacutegio venceriam
82 Pareceu-lhes entatildeo que a maior das impiedades era imolar aquela que lhes dera o
oraacuteculo e imolaram-na
83 As sacristatildes em torno do santuaacuterio moveram accedilatildeo contra os tebanos pelo
assassinato
84 Os tebanos no entanto natildeo concederam que apenas mulheres julgassem o meacuterito
Havendo um julgamento comum entre homens e mulheres como os homens lhes deram voto
branco os tebanos foram absolvidos
85 Soacute mais tarde depois que entenderam o que lhes fora ordenado pelo oraacuteculo
elevaram uma das triacutepodas sacras da regiatildeo da Beoacutecia e cobrindo-na como o fazem os
profanadores de templos envairam-na ao alto de Dodona
86 Como daiacute em diante prosperaram passaram a fazer desse ato um festival
87 As canccedilotildees oscofoacutericas [porta-oacutesche] cantavam-se entre os atenienses102
88 Dois jovens do coro trajados como mulheres lideram o festejo portando um ramo
de vinha cheio de uvas vicejantes ndash chamam-no oacuteskhe [ ] donde o epocircnimo das canccedilotildees
100 Epicratidas eacute um termo plural que significa ldquopanos de testardquo ie ldquolenccedilo de testardquo ldquoveacuteurdquo Embora se
pudesse apenas decalcar a palavra para o portuguecircs a passagem ficaria obscura Ao que tudo indica era somente
um tecido que o dafneacuteforo usava sobre os peacutes talvez como extensatildeo do manto 101 Idem 79 ndash 86 paacuteg 232 ndash 242 102 Ibidem 87 ndash 92 paacuteg 243 ndash 254
126
89 Dizem ter sido Teseu quem primeiramente deu iniacutecio ao rito depois que aceitando
voluntariamente a viagem a Creta livrou sua paacutetria do infortuacutenio do tributo ao prestar graccedilas
a Atena e Dioniso que se manifestaram a ele na ilha de Dia fez isso empregando dois jovens
efeminados como assistentes na cerimocircnia
90 O cortejo dos atenienses dava-se do altar de Dioniso ateacute o santuaacuterio de Atena
Esquira
91 Um coro seguia os jovens e cantava as canccedilotildees
92 Efebos de cada uma das tribos competiam uns com os outros numa corrida a peacute e
o primeiro deles saboreava de uma pipa dita ldquoquiacutentuplardquo que se preparava com oliva vinho
mel queijo e grumos de cevada
93 As canccedilotildees votivas eram escritas pelos que pediam que alguma coisa lhes adviesse
de um deus103
94 Pragmaacuteticas [pragmaticaacute ] eram as canccedilotildees que compreendiam as
accedilotildees praticadas [praacutexeis ] por algueacutem104
95 As empoacutericas [comerciais ] foram escritas sobre o quanto se mostrava a
algueacutem no decurso de suas viagens e mercancias [empoacuteriai ]105
96 As apostoacutelicas106 o quanto faziam aqueles enviados a algueacutem como emissaacuterios
97 Eacute evidente que as sentenciosas107 contecircm o enaltecimento dos caracteres
103 Euktikoacutes eacute o deverbal de euacutekhomai ndash rezar Tanto Severyns como Ferrante
concordam que eacute pelo elemento humano aleacutem do divino que tais cantos vecircm aqui como uacuteltima espeacutecie do
terceiro grupo Em Menandro o termo serve para classificar os hinos Menandro (Rhet Gr X p 134 Walz)
divide os hinos pela intenccedilatildeo kleacutetikoi (invocatoacuterios) apopemptikoiacute (de adeus para a viagem do deus) physikoiacute
(naturais sobre as manifestaccedilotildees do deus na natureza) apeuktikoiacute (deprecatoacuterios) euktikoiacute (votivos) Eacute provaacutevel
que senatildeo concorrentes sejam duas classificaccedilotildees pelo menos com intenccedilotildees diferentes Menandro subdivide as
intenccedilotildees de quem canta o hino em relaccedilatildeo ao hineado O mesmo criteacuterio define a uacuteltima canccedilatildeo da liacuterica mista
em Proclo ie sua funccedilatildeo por outro lado o criteacuterio que Proclo emprega para tratar dos hinos os distingue como
Severyns observou em particular ie pelo destinataacuterio mesmo nos casos em que poderiam se confundir com
esses cantos ecircuktikos pela intenccedilatildeo como seria o caso por exemplo do peatilde que passou a ser cantado para se
pedir ou agradecer por diferentes coisas Soacute o que se pode dizer eacute que talvez ambas as definiccedilotildees ainda que
diferentes tratassem de um mesmo objeto em comum mas lhe conferindo lugares diferentes na classificaccedilatildeo
geral segundo seus criteacuterios Sobre isso e a categorizaccedilatildeo de Menandro confere Harvey (1955) 104 Sobre essas espeacutecies em geral cf Severyns (94 paacuteg 255 ndash 257) Vale-nos sua observaccedilatildeo de que
conforme hinos desempenhavam um papel generalizante para a liacuterica sacra encocircmio para a liacuterica secular
partecircnio para a liacuterica mista as pragmaacuteticas deveriam fazecirc-lo em relaccedilatildeo ao quarto grupo o das circunstacircncias
acidentais 105 Severyms (95 257) cogita aqui os poemas de Riano (Eliacuteaca Tessaacutelica Messeniacuteaca) poeta e gramaacutetico
do periacuteodo heleniacutestico bem como a Bitiniacuteaca de Demoacutestenes da Bitiacutenia mas crecirc que Proclo natildeo tinha tais
poemas em mente por serem essencialmente hexammeacutetricos 106 Do verbo aposteacutello ldquoenviarrdquo Tanto Severyns (paacuteg 257) como Ferrante (paacuteg 95)
mencionam Heliodoro (paacuteg 450 11) ldquoἈποστολικὸν μέλος ἐστὶ τὸ πεμπόμενον πρός τινα περιέχον ltπαραι-
νέσειςgt ἢ αἴτησιν παρ αὐτοῦ δωρεᾶςrdquo ndash ldquoA canccedilatildeo apostoacutelica eacute a que se envia a algueacutem contendo
recomendaccedilotildees ou pedidos de donsrdquo e concordam que natildeo seria a isso que pelo menos no entendimento do
resumo de Foacutecio Proclo se referiria Parece que ou Foacutecio teria se equivocado na ordem dos termos mais uma vez
(como pode ter ocorrido em sect44) ou o que Heliodoro chamaria apostoacutelica o que se assemelhe talvez com o que
Proclo chama canccedilatildeo epistaacuteltica (sect99)
127
98 As geoacutergicas o que se refere aos campos estaccedilotildees e cuidados das plantas108
99 As epistolares o quanto se refere agraves designaccedilotildees que compunham em verso e
enviavam a algueacutem109
100 Aqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de Proclo
107 Gnomologikaacute ndash Confere Heliodoro (450 13) para definiccedilatildeo semelhante108 Embora como notado por Severyns Ferrante e outros esse item pareccedila associado ao anterior ie
poesia de caraacuteter gnocircmico mesmo os Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo que conteriam os dois itens poderiam como
composiccedilatildeo didaacutetica hexameacutetrica ser arrolados aqui 109 Diferentes das apostoacutelicas porque essas sim como cartas eram enviadas designando coisas Tanto
Severyns como Ferrante assumem que natildeo se pode saber com precisatildeo o que eram
128
2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO
EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO
21 VIDA DE HOMERO
Πρόκλου περὶ Ὁμήρου
Ἐπῶν ποιηταὶ γεγόνασι πολλοί τούτων δ εἰσὶ κρά-
τιστοι Ὅμηρος Ἡσίοδος Πείσανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος
Ὅμηρος μὲν οὖν τίνων γονέων ἢ ποίας ἐγένετο πα-
τρίδος οὐ ῥᾴδιον ἀποφήνασθαι οὔτε γὰρ αὐτός τι λελάληκεν 5
ἀλλ οὐδὲ οἱ περὶ αὐτοῦ εἰπόντες συμπεφωνήκασιν ἀλλ ἐκ
τοῦ μηδὲν ῥητῶς ἐμφαίνειν περὶ τούτων τὴν ποίησιν αὐτοῦ
μετὰ πολλῆς ἀδείας ἕκαστος οἷς ἐβούλετο ἐχαρίσατο
καὶ διὰ τοῦτο οἱ μὲν Κολοφώνιον αὐτὸν ἀνηγόρευσαν
οἱ δὲ Χῖον οἱ δὲ Σμυρναῖον οἱ δὲ Ἰήτην ἄλλοι δὲ Κυμαῖον 10
καὶ καθόλου πᾶσα πόλις ἀντιποιεῖται τἀνδρός ὅθεν εἰκότως
ἂν κοσμοπολίτης λέγοιτο
οἱ μὲν οὖν Σμυρναῖον αὐτὸν ἀποφαινόμενοι Μαίονος
μὲν πατρὸς λέγουσιν εἶναι γεννηθῆναι δὲ ἐπὶ Μέλητος
τοῦ ποταμοῦ ὅθεν καὶ Μελησιγενῆ ὀνομασθῆναι δοθέντα 15
δὲ Χίοις εἰς ὁμηρείαν Ὅμηρον κληθῆναι οἱ δὲ ἀπὸ τῆς
τῶν ὀμμάτων πηρώσεως τούτου τυχεῖν αὐτόν φασι τοῦ ὀνό-
ματος τοὺς γὰρ τυφλοὺς ὑπὸ Αἰολέων ὁμήρους καλεῖσθαι
Ἑλλάνικος δὲ καὶ Δαμάστης καὶ Φερεκύδης εἰς Ὀρφέα
τὸ γένος ἀνάγουσιν αὐτοῦ Μαίονα γάρ φασι τὸν Ὁμήρου 20
πατέρα καὶ Δῖον τὸν Ἡσιόδου γενέσθαι Ἀπέλλιδος τοῦ Μελα-
νώπου τοῦ Ἐπιφράδεος τοῦ Χαριφήμου τοῦ Φιλοτέρπεος τοῦ
Ἰδμονίδεω τοῦ Εὐκλέος τοῦ Δωρίωνος τοῦ Ὀρφέος
Γοργίας δὲ ὁ Λεοντῖνος εἰς Μουσαῖον αὐτὸν ἀνάγει
περὶ δὲ τῆς τελευτῆς αὐτοῦ λόγος τις φέρεται τοι- 25
129
οῦτος ἀνελεῖν φασιν αὐτῷ τὸν θεὸν χρωμένῳ περὶ ἀσφα-
λείας τάδε
ἔστιν Ἴος νῆσος μητρὸς πατρίς ἥ σε θανόντα
δέξεται ἀλλὰ νέων ἀνδρῶν αἴνιγμα φύλαξαι
λέγουσιν οὖν αὐτὸν εἰς Ἴον πλεύσαντα διατρῖψαι μὲν 30
παρὰ Κρεωφύλῳ γράψαντα δὲ Οἰχαλίας ἅλωσιν τούτῳ χαρί-
σασθαι ἥτις νῦν ὡς Κρεωφύλου περιφέρεται καθεζόμενον
δὲ ἐπί τινος ἀκτῆς θεασάμενον ἁλιεῖς προσειπεῖν αὐτοὺς
καὶ ἀνακρῖναι τοῖσδε τοῖς ἔπεσιν
ἄνδρες ἀπ Ἀρκαδίης θηρήτορες ἦ ῥ ἔχομέν τι 35
ὑποτυχόντα δὲ αὐτῶν ἕνα εἰπεῖν
οὓς ἕλομεν λιπόμεσθ οὓς δ οὐχ ἕλομεν φερόμεσθα
οὐκ ἐπιβάλλοντος δὲ αὐτοῦ διελέσθαι τὸ αἴνιγμα ὅτι ἐπὶ
ἰχθυΐαν καταβάντες ἀφήμαρτον φθειρισάμενοι δὲ ὅσους μὲν
ἔλαβον τῶν φθειρῶν ἀποκτείναντες ἀπολείπουσιν ὅσοι δὲ 40
αὐτοὺς διέφυγον τούτους ἀποκομίζουσιν οὕτω δ ἐκεῖνον
ἀθυμήσαντα σύννουν ἀπιέναι τοῦ χρησμοῦ ἔννοιαν λαμβά-
νοντα καὶ οὕτως ὀλισθόντα περιπταῖσαι λίθῳ καὶ τριταῖον
τελευτῆσαι
ἀλλὰ δὴ ταῦτα μὲν πολλῆς ἔχεται ζητήσεως ἵνα δὲ μηδὲ 45
τούτων ἄπειρος ὑπάρχῃς διὰ τοῦτο εἰς ταῦτα κεχώρηκα
τυφλὸν δὲ ὅσοι τοῦτον ἀπεφήναντο αὐτοί μοι δοκοῦσι
τὴν διάνοιαν πεπηρῶσθαι τοσαῦτα γὰρ κατεῖδεν ὅσα οὐδεὶς
ἄνθρωπος πώποτε
εἰσὶ δὲ οἵτινες ἀνεψιὸν αὐτὸν Ἡσιόδου παρέδοσαν 50
ἀτριβεῖς ὄντες ποιήσεως τοσοῦτον γὰρ ἀπέχουσι τοῦ γένει
προσήκειν ὅσον ἡ ποίησις διέστηκεν αὐτῶν ἄλλως δὲ οὐδὲ
τοῖς χρόνοις συνεπέβαλον ἀλλήλοις
ἄθλιοι δὲ οἱ τὸ ἀνάθημα πλάσαντες τοῦτο
Ἡσίοδος Μούσαις Ἑλικωνίσι τόνδ ἀνέθηκεν 55
ὕμνῳ νικήσας ἐν Χαλκίδι θεῖον Ὅμηρον
ἀλλὰ γὰρ ἐπλανήθησαν ἐκ τῶν Ἡσιοδείων Ἡμερῶν ἕτερον
γάρ τι σημαίνει
τοῖς δὲ χρόνοις αὐτὸν οἱ μὲν περὶ τὸν Ἀρίσταρχόν
130
φασι γενέσθαι κατὰ τὴν τῆς Ἰωνίας ἀποικίαν ἥτις ὑστερεῖ 60
τῆς Ἡρακλειδῶν καθόδου ἔτεσιν ἑξήκοντα τὸ δὲ περὶ τοὺς
Ἡρακλείδας λείπεται τῶν Τρωϊκῶν ἔτεσιν ὀγδοήκοντα οἱ δὲ
περὶ Κράτητα ἀνάγουσιν αὐτὸν εἰς τοὺς Τρωϊκοὺς χρόνους
φαίνεται δὲ γηραιὸς ἐκλελοιπὼς τὸν βίον ἡ γὰρ ἀν-
υπέρβλητος ἀκρίβεια τῶν πραγμάτων προβεβηκυῖαν ἡλικίαν 65
παρίστησι
πολλὰ δὲ ἐπεληλυθὼς μέρη τῆς οἰκουμένης ἐκ τῆς
πολυπειρίας τῶν τόπων εὑρίσκεται τούτῳ δὲ προσυπονοη-
τέον καὶ πλούτου πολλὴν περιουσίαν γενέσθαι αἱ γὰρ μακραὶ
ἀποδημίαι πολλῶν δέονται ἀναλωμάτων καὶ ταῦτα κατ ἐκεί- 70
νους τοὺς χρόνους οὔτε πάντων πλεομένων ἀκινδύνως οὔτε
ἐπιμισγομένων ἀλλήλοις πως τῶν ἀνθρώπων ῥᾳδίως
γέγραφε δὲ ποιήσεις δύο Ἰλιάδα καὶ Ὀδύσσειαν
ἣν Ξένων καὶ Ἑλλάνικος ἀφαιροῦνται αὐτοῦ οἱ μέντοι γε ἀρ-
χαῖοι καὶ τὸν Κύκλον ἀναφέρουσιν εἰς αὐτόν προστιθέασι δὲ 75
αὐτῷ καὶ παίγνιά τινα Μαργίτην Βατραχομαχίαν ἢ Μυο-
μαχίαν Ἕπτ ἐπ ἀκτίον Αἶγα Κέρκωπας Κενούς
De Proclo sobre Homero
Muitos satildeo os poetas eacutepicos Os mais egreacutegios deles satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro
Paniacuteasis e Antiacutemaco
Sobre Homero quais seus pais e de que paacutetria era originaacuterio eacute difiacutecil afirmar
claramente ele proacuteprio natildeo fala coisa alguma e nem se acham de acordo os que falaram sobre
ele pelo fato contudo de sua poesia natildeo trazer expressamente nenhuma indicaccedilatildeo a respeito
cada um contenta-se com o que deseja sem nenhuma restriccedilatildeo
Por causa disso uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de
Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral reclama o homem pelo
que razoavelmente pode ser dito cosmopolita
Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era Meatildeo e que foi concebido
perto do Rio Meles motivo pelo qual tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado
Homero [Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea [refeacutem ]
131
aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo esse nome por causa da deficiecircncia dos
olhos Os cegos de fato eram chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios
Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu Dizem que Meatildeo pai de
Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades
filho de Carifemo filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de Doriatildeo
filho de Orfeu
Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas
Sobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua
proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta resposta
ldquoHaacute uma ilha Io paacutetria de tua matildee que morto
receber-te-aacute Cuidado com enigma de homens jovensrdquo
Dizem entatildeo que tendo velejado para Io passava um tempo na companhia de
Creoacutefilo quando escreveu e dedicou-lhe a Tomada de Ecaacutelia (que hoje circula como de
Creoacutefilo) Sentando-se agrave praia apoacutes observar alguns pescadores dirigiu-lhes a palavra e
interrogou com estas palavras
ldquoDa Arcaacutedia caccediladores varotildees o que temosrdquo
Um deles replicou-lhe dizendo
ldquoOs que pegamos deixamos pra traacutes os que natildeo pegamos trazemos conoscordquo
Natildeo conseguindo solver o enigma ndash como natildeo foram bem sucedidos indo pescar
puseram-se a caccedilar piolhos matando quantos pegavam mas quantos lhes fugiam traziam-nos
de volta ndash aquele ficou desgostoso e foi embora meditabundo entendendo o oraacuteculo e assim
escorregou tombou contra uma pedra e no terceiro dia faleceu
Esses eventos contudo carecem de investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo
ignorante neles avanccedilo nesse sentido
Os que o afirmam cego parecem-me eles mesmos incapacitados do juiacutezo coisas viu
tantas quantas ningueacutem jamais o fez
132
Existem aqueles que o datildeo como primo de Hesiacuteodo natildeo versados em poesia estatildeo tatildeo
distantes na relaccedilatildeo de parentesco quanto eacute diferente sua poesia No mais nem coincidem um
com outro cronologicamente
Haacute os miseraacuteveis que forjaram esta inscriccedilatildeo votiva
ldquoHesiacuteodo agraves Musas Heliconiacutedas consagra isto
por ter vencido com um hino em Caacutelcis o divino Homerordquo
equivocaram-se contudo nos ldquoDiasrdquo de Hesiacuteodo pois isso tem outro significado
Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na eacutepoca da imigraccedilatildeo
jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno dos Heraclidas e o evento em torno dos
Heraclidas estaacute oitenta anos depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o
recuam aos tempos de Troia
Parece que jaacute era bem velho quando deixou a vida sua insuperaacutevel precisatildeo nos fatos
permite estabelecer uma idade jaacute avanccedilada
Crecirc-se que visitou muitas partes do mundo habitado dada sua vasta experiecircncia de
lugares Nisso tambeacutem se deve notar a vasta abundacircncia de sua riqueza pois as grandes
viagens necessitavam de muitos gastos e isso naquele tempo em que nem todas as
navegaccedilotildees se faziam sem perigo nem os homens estabeleciam relaccedilotildees comerciais entre si
com tal facilidade
Escreveu dois poemas Iliacuteada e Odisseia a qual Xenatildeo e Helacircnico lhe negam
entretanto os antigos atribuem-lhe inclusive o Ciclo Imputam-lhe tambeacutem algumas
brincadeiras Margites Guerra dos Sapos ou Guerra dos Ratos Sete na Praia Cabra
Ceacutercopes os Matildeos Vazias
22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO
221 Ciacuteprias
Τοῦ αὐτοῦ περὶ τῶν Κυπρίων λεγομένων ποιημάτων
133
Ἐπιβάλλει τούτοις τὰ λεγόμενα Κύπρια ἐν βιβλίοις 80
φερόμενα ἕνδεκα ὧν περὶ τῆς γραφῆς ὕστερον ἐροῦμεν
ἵνα μὴ τὸν ἑξῆς λόγον νῦν ἐμποδίζωμεν τὰ δὲ περιέχοντά
ἐστι ταῦτα
Ζεὺς βουλεύεται μετὰ τῆς Θέμιδος περὶ τοῦ Τρωϊκοῦ
πολέμου 85
παραγενομένη δὲ Ἔρις εὐωχουμένων τῶν θεῶν ἐν τοῖς
Πηλέως γάμοις νεῖκος περὶ κάλλους ἀνίστησιν Ἀθηνᾷ Ἥρᾳ
καὶ Ἀφροδίτῃ αἳ πρὸς Ἀλέξανδρον ἐν Ἴδῃ κατὰ Διὸς
προσταγὴν ὑφ Ἑρμοῦ πρὸς τὴν κρίσιν ἄγονται καὶ προκρίνει
τὴν Ἀφροδίτην ἐπαρθεὶς τοῖς Ἑλένης γάμοις Ἀλέξανδρος 90
ἔπειτα δὲ Ἀφροδίτης ὑποθεμένης ναυπηγεῖται καὶ
Ἕλενος περὶ τῶν μελλόντων αὐτοῖς προθεσπίζει καὶ ἡ Ἀφρο-
δίτη Αἰνείαν συμπλεῖν αὐτῷ κελεύει καὶ Κασσάνδρα περὶ
τῶν μελλόντων προδηλοῖ
ἐπιβὰς δὲ τῇ Λακεδαιμονίᾳ Ἀλέξανδρος ξενίζεται 95
παρὰ τοῖς Τυνδαρίδαις καὶ μετὰ ταῦτα ἐν τῇ Σπάρτῃ παρὰ
Μενελάῳ καὶ Ἑλένῃ παρὰ τὴν εὐωχίαν δίδωσι δῶρα ὁ Ἀλέξ-
ανδρος καὶ μετὰ ταῦτα Μενέλαος εἰς Κρήτην ἐκπλεῖ κελεύ-
σας τὴν Ἑλένην τοῖς ξένοις τὰ ἐπιτήδεια παρέχειν ἕως ἂν
ἀπαλλαγῶσιν ἐν τούτῳ δὲ Ἀφροδίτη συνάγει τὴν Ἑλένην τῷ 100
Ἀλεξάνδρῳ καὶ μετὰ τὴν μίξιν τὰ πλεῖστα κτήματα ἐνθέ-
μενοι νυκτὸς ἀποπλέουσι
χειμῶνα δὲ αὐτοῖς ἐφίστησιν Ἥρα καὶ προσενεχθεὶς
Σιδῶνι ὁ Ἀλέξανδρος αἱρεῖ τὴν πόλιν καὶ ἀποπλεύσας
εἰς Ἴλιον γάμους τῆς Ἑλένης ἐπετέλεσεν 105
ἐν τούτῳ δὲ Κάστωρ μετὰ Πολυδεύκους τὰς Ἴδα καὶ
Λυγκέως βοῦς ὑφαιρούμενοι ἐφωράθησαν καὶ Κάστωρ μὲν
ὑπὸ τοῦ Ἴδα ἀναιρεῖται Λυγκεὺς δὲ καὶ Ἴδας ὑπὸ Πολυ-
δεύκους καὶ Ζεὺς αὐτοῖς ἑτερήμερον νέμει τὴν ἀθανασίαν
καὶ μετὰ ταῦτα Ἶρις ἀγγέλλει τῷ Μενελάῳ τὰ 110
γεγονότα κατὰ τὸν οἶκον ὁ δὲ παραγενόμενος περὶ τῆς ἐπ
Ἴλιον στρατείας βουλεύεται μετὰ τοῦ ἀδελφοῦ καὶ πρὸς
Νέστορα παραγίνεται Μενέλαος
134
Νέστωρ δὲ ἐν παρεκβάσει διηγεῖται αὐτῷ ὡς Ἐπωπεὺς
φθείρας τὴν Λυκούργου θυγατέρα ἐξεπορθήθη καὶ τὰ περὶ 115
Οἰδίπουν καὶ τὴν Ἡρακλέους μανίαν καὶ τὰ περὶ Θησέα
καὶ Ἀριάδνην
ἔπειτα τοὺς ἡγεμόνας ἀθροίζουσιν ἐπελθόντες τὴν
Ἑλλάδα καὶ μαίνεσθαι προσποιησάμενον Ὀδυσσέα ἐπὶ
τῷ μὴ θέλειν συστρατεύεσθαι ἐφώρασαν Παλαμήδους ὑπο- 120
θεμένου τὸν υἱὸν Τηλέμαχον ἐπὶ κόλασιν ἐξαρπάσαντες
καὶ μετὰ ταῦτα συνελθόντες εἰς Αὐλίδα θύουσι καὶ
τὰ περὶ τὸν δράκοντα καὶ τοὺς στρουθοὺς γενόμενα δείκ-
νυται καὶ Κάλχας περὶ τῶν ἀποβησομένων προλέγει αὐτοῖς
ἔπειτα ἀναχθέντες Τευθρανίᾳ προσίσχουσι καὶ ταύ- 125
την ὡς Ἴλιον ἐπόρθουν Τήλεφος δὲ ἐκβοηθεῖ Θέρσανδρόν
τε τὸν Πολυνείκους κτείνει καὶ αὐτὸς ὑπὸ Ἀχιλλέως τι-
τρώσκεται
ἀποπλέουσι δὲ αὐτοῖς ἐκ τῆς Μυσίας χειμὼν ἐπι-
πίπτει καὶ διασκεδάννυνται Ἀχιλλεὺς δὲ Σκύρῳ προσσχὼν 130
γαμεῖ τὴν Λυκομήδους θυγατέρα Δηϊδάμειαν
ἔπειτα Τήλεφον κατὰ μαντείαν παραγενόμενον εἰς
Ἄργος ἰᾶται Ἀχιλλεὺς ὡς ἡγεμόνα γενησόμενον τοῦ ἐπ
Ἴλιον πλοῦ
καὶ τὸ δεύτερον ἠθροισμένου τοῦ στόλου ἐν Αὐλίδι 135
Ἀγαμέμνων ἐπὶ θηρῶν βαλὼν ἔλαφον ὑπερβάλλειν ἔφησε
καὶ τὴν Ἄρτεμιν μηνίσασα δὲ ἡ θεὸς ἐπέσχεν αὐτοὺς τοῦ
πλοῦ χειμῶνας ἐπιπέμπουσα Κάλχαντος δὲ εἰπόντος τὴν
τῆς θεοῦ μῆνιν καὶ Ἰφιγένειαν κελεύσαντος θύειν τῇ
Ἀρτέμιδι ὡς ἐπὶ γάμον αὐτὴν Ἀχιλλεῖ μεταπεμψάμενοι 140
θύειν ἐπιχειροῦσιν Ἄρτεμις δὲ αὐτὴν ἐξαρπάσασα εἰς
Ταύρους μετακομίζει καὶ ἀθάνατον ποιεῖ ἔλαφον δὲ ἀντὶ
τῆς κόρης παρίστησι τῷ βωμῷ
ἔπειτα καταπλέουσιν εἰς Τένεδον καὶ εὐωχουμένων
αὐτῶν Φιλοκτήτης ὑφ ὕδρου πληγεὶς διὰ τὴν δυσοσμίαν 145
ἐν Λήμνῳ κατελείφθη καὶ Ἀχιλλεὺς ὕστερος κληθεὶς δια-
φέρεται πρὸς Ἀγαμέμνονα
135
ἔπειτα ἀποβαίνοντας αὐτοὺς εἰς Ἴλιον εἴργουσιν
οἱ Τρῶες καὶ θνῄσκει Πρωτεσίλαος ὑφ Ἕκτορος ἔπειτα
Ἀχιλλεὺς αὐτοὺς τρέπεται ἀνελὼν Κύκνον τὸν Ποσειδῶνος 150
καὶ τοὺς νεκροὺς ἀναιροῦνται
καὶ διαπρεσβεύονται πρὸς τοὺς Τρῶας τὴν Ἑλένην
καὶ τὰ κτήματα ἀπαιτοῦντες ὡς δὲ οὐχ ὑπήκουσαν ἐκεῖνοι
ἐνταῦθα δὴ τειχομαχοῦσιν
ἔπειτα τὴν χώραν ἐπεξελθόντες πορθοῦσι καὶ τὰς 155
περιοίκους πόλεις
καὶ μετὰ ταῦτα Ἀχιλλεὺς Ἑλένην ἐπιθυμεῖ θεάσασθαι
καὶ συνήγαγεν αὐτοὺς εἰς τὸ αὐτὸ Ἀφροδίτη καὶ Θέτις
εἶτα ἀπονοστεῖν ὡρμημένους τοὺς Ἀχαιοὺς Ἀχιλ-
λεὺς κατέχει κἄπειτα ἀπελαύνει τὰς Αἰνείου βοῦς καὶ 160
Λυρνησσὸν καὶ Πήδασον πορθεῖ καὶ συχνὰς τῶν περιοικίδων
πόλεων καὶ Τρωΐλον φονεύει
Λυκάονά τε Πάτροκλος εἰς Λῆμνον ἀγαγὼν ἀπεμπολεῖ
καὶ ἐκ τῶν λαφύρων Ἀχιλλεὺς μὲν Βρισηΐδα γέρας
λαμβάνει Χρυσηΐδα δὲ Ἀγαμέμνων 165
ἔπειτά ἐστι Παλαμήδους θάνατος
καὶ Διὸς βουλὴ ὅπως ἐπικουφίσῃ τοὺς Τρῶας Ἀχιλ-
λέα τῆς συμμαχίας τῆς Ἑλλήνων ἀποστήσας
καὶ κατάλογος τῶν τοῖς Τρωσὶ συμμαχησάντων
Do mesmo autor sobre os poemas chamados Ciacuteprias
Sucedem-se a isso as chamadas Ciacuteprias transmitidas em onze livros sobre cujo nome
falaremos depois a fim de natildeo obstar a sequecircncia do discurso Eis o que compreendem
Zeus delibera junto de Tecircmis sobre a guerra de Troia
Estando os deuses a festejar nas bodas de Peleu aparece Eacuteris e suscita uma querela a
respeito da beleza de Atena Hera e Afrodite que satildeo levadas por Hermes agraves ordens de Zeus
para o arbiacutetrio de Alexandre no Ida Alexandre prefere Afrodite excitado pelas bodas com
Helena
136
Em seguida aconselhando-o Afrodite faz para si uma nau e Heleno lhes faz
prediccedilotildees sobre os acontecimentos futuros Afrodite manda Eneias navegar com ele
Cassandra revela o porvir
Depois de chegar a Lacedemocircnia Alexandre eacute hospedado pela casa dos Tindaacuteridas
em seguida em Esparta pela casa de Menelau no decorrer do festim Alexandre presenteia
Helena Depois disso Menelau parte para Creta antes ordenando a Helena que provesse o
necessaacuterio aos estrangeiros ateacute que estivessem liberados Nesse momento Afrodite une Helena
a Alexandre e apoacutes o intercurso tendo embarcado o maior nuacutemero de riquezas zarpam
durante a noite
Hera envia uma tempestade contra eles Aportando em Sidatildeo Alexandre captura a
cidade Enfim consumou suas bodas com Helena apoacutes navegar para Iacutelio
Nesse passo Caacutestor junto de Polideuces satildeo descobertos furtando as vacas de Idas e
Linceu Entatildeo Caacutestor eacute morto por Idas mas Linceu e Idas por Polideuces Zeus lhes despende
a imortalidade em dias intercalados
Depois disso Iacuteris relata a Menelau os eventos em sua casa Apoacutes chegar ele delibera
com o irmatildeo sobre a expediccedilatildeo contra Iacutelio e vai ter com Nestor
Neacutestor num excurso narra-lhe como Epopeu foi destruiacutedo apoacutes violentar a filha de
Licurgo e os eventos envolvendo Eacutedipo a loucura de Heacuteracles e os eventos envolvendo
Teseu e Ariadne
Depois unem os chefes tendo percorrido a Heacutelade Descobriram entatildeo que Odisseu
passara a se fazer de louco por natildeo querer juntar-se agrave expediccedilatildeo depois de por sugestatildeo de
Palamedes raptarem-lhe o filho Telecircmaco como desforra
Depois disso reuacutenem-se em Aacuteulis e fazem um sacrifiacutecio Revela-se o prodiacutegio
envolvendo a serpente e os pardais e Calcas lhes prediz os resultados
Depois satildeo levados pelo alto mar aportam em Teutracircnia e saqueiam-na como se fosse
Iacutelio Teacutelefo empreende uma investida surpresa e mata Tersandro filho de Polinices mas ele
mesmo acaba sendo ferido por Aquiles
Zarpando de Musia uma tempestade se abate sobre eles e se dispersam Aquiles que
aporta em Esquiro esposa a filha de Licomedes Didamia
Entatildeo Aquiles quando Teacutelefo conforme divinaccedilatildeo chega a Argos cura-o para que se
torne o guia da navegaccedilatildeo ateacute Iacutelio
Foi entatildeo na segunda vez em que a expediccedilatildeo estaacute reunida em Aacuteulis que
Agamecircmnon por ter abatido um cervo nas caccediladas disse superar ateacute Aacutertemis Irada a deusa
impede-lhes a navegaccedilatildeo enviando tempestades sobre eles Uma vez que Calcas comunica a
137
ira da deusa e ordena sacrificar a Aacutertemis Ifigecircnia preparam seu sacrifiacutecio como se a
tivessem convocado para um casamento com Aquiles Aacutertemis a arrebata poreacutem transporta-a
a Taacuteuris e a faz imortal e coloca um cervo no altar no lugar da moccedila
Aportam em Tecircnedo Filoctetes picado por uma cobra-drsquoaacutegua enquanto ceavam eacute
abandonado em Lemnos por causa do mau-cheiro e Aquiles o uacuteltimo a ser chamado entra
em divergecircncia com Agamecircmnon
Em seguida os troianos encurralam-nos quando estatildeo desembarcando em Iacutelio e
Protesilau perece sob Heacutector Depois Aquiles rechaccedila-os matando Ciacutecnon filho de Poseidatildeo
Entatildeo recolhem os corpos
Mandam uma embaixada aos troianos reclamando Helena e as riquezas Nesse ponto
porque estes natildeo anuem datildeo iniacutecio ao cerco
Investem e saqueiam a regiatildeo e as cidades nas dependecircncias
Depois dessas accedilotildees Aquiles deseja contemplar Helena Para tal Afrodite e Teacutetis
conduzem-nos a um encontro
Nisso Aquiles conteacutem os aqueus que jaacute se prontificavam a navegar de volta Logo
depois leva embora as vacas de Eneias saqueia Lirnesso Peacutedaso e um bom nuacutemero de
cidades vizinhas tambeacutem abate Troilo
Paacutetroclo leva Licaacuteon a Lemnos e o negocia como escravo
Dos espoacutelios Aquiles toma Briseida como precircmio Agamecircmnon Criseida
Em seguida vem a morte de Palamedes
A deliberaccedilatildeo de Zeus com o intuito de inflamar os troianos apoacutes Aquiles se retirar da
alianccedila
O cataacutelogo dos que combateram aliados aos troianos
222 Etioacutepida
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Αἰθιοπίδος
Ἐπιβάλλει δὲ τοῖς προειρημένοις [ἐν τῇ πρὸ ταύτης 173
βίβλῳ] Ἰλιὰς Ὁμήρου μεθ ἥν ἐστιν Αἰθιοπίδος βιβλία
πέντε Ἀρκτίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε
Ἀμαζὼν Πενθεσίλεια παραγίνεται Τρωσὶ συμμαχή- 175
138
σουσα Ἄρεως μὲν θυγάτηρ Θρᾷσσα δὲ τὸ γένος καὶ κτείνει
αὐτὴν ἀριστεύουσαν Ἀχιλλεύς οἱ δὲ Τρῶες αὐτὴν θάπτουσι
καὶ Ἀχιλλεὺς Θερσίτην ἀναιρεῖ λοιδορηθεὶς πρὸς
αὐτοῦ καὶ ὀνειδισθεὶς τὸν ἐπὶ τῇ Πενθεσιλείᾳ λεγόμενον
ἔρωτα καὶ ἐκ τούτου στάσις γίνεται τοῖς Ἀχαιοῖς περὶ 180
τοῦ Θερσίτου φόνου
μετὰ δὲ ταῦτα Ἀχιλλεὺς εἰς Λέσβον πλεῖ καὶ θύσας
Ἀπόλλωνι καὶ Ἀρτέμιδι καὶ Λητοῖ καθαίρεται τοῦ φόνου
ὑπ Ὀδυσσέως
Μέμνων δὲ ὁ Ἠοῦς υἱὸς ἔχων ἡφαιστότευκτον παν- 185
οπλίαν παραγίνεται τοῖς Τρωσὶ βοηθήσων καὶ Θέτις τῷ
παιδὶ τὰ κατὰ τὸν Μέμνονα προλέγει
καὶ συμβολῆς γενομένης Ἀντίλοχος ὑπὸ Μέμνονος
ἀναιρεῖται ἔπειτα Ἀχιλλεὺς Μέμνονα κτείνει καὶ τούτῳ
μὲν Ἠὼς παρὰ Διὸς αἰτησαμένη ἀθανασίαν δίδωσι 190
τρεψάμενος δ Ἀχιλλεὺς τοὺς Τρῶας καὶ εἰς τὴν πό-
λιν συνεισπεσὼν ὑπὸ Πάριδος ἀναιρεῖται καὶ Ἀπόλλωνος
καὶ περὶ τοῦ πτώματος γενομένης ἰσχυρᾶς μάχης Αἴας ἀν-
ελόμενος ἐπὶ τὰς ναῦς κομίζει Ὀδυσσέως ἀπομαχομένου
τοῖς Τρωσίν 195
ἔπειτα Ἀντίλοχόν τε θάπτουσι καὶ τὸν νεκρὸν τοῦ
Ἀχιλλέως προτίθενται
καὶ Θέτις ἀφικομένη σὺν Μούσαις καὶ ταῖς ἀδελφαῖς
θρηνεῖ τὸν παῖδα καὶ μετὰ ταῦτα ἐκ τῆς πυρᾶς ἡ Θέτις
ἀναρπάσασα τὸν παῖδα εἰς τὴν Λευκὴν νῆσον διακομίζει 200
οἱ δὲ Ἀχαιοὶ τὸν τάφον χώσαντες ἀγῶνα τιθέασι
καὶ περὶ τῶν Ἀχιλλέως ὅπλων Ὀδυσσεῖ καὶ Αἴαντι στάσις
ἐμπίπτει
Do mesmo sobre a Etioacutepida
Sucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada de Homero
depois dela haacute a Etioacutepida em cinco livros de Arctino de Mileto que compreendem o seguinte
139
A amazona Pentesileia chega para combater ao lado dos troianos filha de Ares traacutecia
de origem Aquiles a mata quando ela estaacute no auge de sua bravura combativa e os troianos
realizam seu funeral
Entatildeo Aquiles abate Tersites ofendido com ele repreendido por sua paixatildeo declarada
por Pentesileia Surge uma dissenccedilatildeo entre os aqueus em funccedilatildeo do assassinato de Tersites
Apoacutes isso Aquiles navega ateacute Lesbos e feitos sacrifiacutecios a Apolo Aacutertemis e Leto eacute
purificado do assassinato por Odisseu
Mecircmnon filho de Aurora possuidor de uma armadura confeccionada por Hefesto
chega ao socorro dos troianos Teacutetis prediz a seu filho o que decorreraacute a partir do embate com
Mecircmnon
Em confronto Antiacuteloco eacute abatido por Mecircmnon e logo Aquiles o mata Aurora lhe
concede a eternidade por rogaacute-la da parte de Zeus
Rechaccedilando os troianos e jaacute irrompendo cidadela adentro Aquiles eacute abatido por Paacuteris
e por Apolo Violenta batalha tem iniacutecio em volta do cadaacutever Aacutejax resgata-o e carrega ateacute as
naus enquanto Odisseu vai repelindo os troianos
Entatildeo sepultam Antiacuteloco e dispotildeem o corpo de Aquiles para o funeral
Chegando junto das Musas e das irmatildes Teacutetis vela seu filho Depois disso Teacutetis subtrai
o filho de sobre a pira e o transporta para a Ilha Branca
Os aqueus lhe erigem uma sepultura e instauram jogos e uma disputa pelas armas de
Aquiles sobreveacutem entre Odisseu e Ajax
223 Pequena Iliacuteada
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλιάδος μικρᾶς
Ἑξῆς δ ἐστὶν Ἰλιάδος μικρᾶς βιβλία τέσσαρα Λές- 206
χεω Μυτιληναίου περιέχοντα τάδε
Ἡ τῶν ὅπλων κρίσις γίνεται καὶ Ὀδυσσεὺς κατὰ
βούλησιν Ἀθηνᾶς λαμβάνει Αἴας δ ἐμμανὴς γενόμενος
τήν τε λείαν τῶν Ἀχαιῶν λυμαίνεται καὶ ἑαυτὸν ἀναιρεῖ 210
μετὰ ταῦτα Ὀδυσσεὺς λοχήσας Ἕλενον λαμβάνει
καὶ χρήσαντος περὶ τῆς ἁλώσεως τούτου Διομήδης ἐκ Λήμνου
140
Φιλοκτήτην ἀνάγει ἰαθεὶς δὲ οὗτος ὑπὸ Μαχάονος καὶ μονο-
μαχήσας Ἀλεξάνδρῳ κτείνει καὶ τὸν νεκρὸν ὑπὸ Μενελάου
καταικισθέντα ἀνελόμενοι θάπτουσιν οἱ Τρῶες 215
μετὰ δὲ ταῦτα Δηΐφοβος Ἑλένην γαμεῖ
καὶ Νεοπτόλεμον Ὀδυσσεὺς ἐκ Σκύρου ἀγαγὼν τὰ
ὅπλα δίδωσι τὰ τοῦ πατρός καὶ Ἀχιλλεὺς αὐτῷ φαντάζεται
Εὐρύπυλος δὲ ὁ Τηλέφου ἐπίκουρος τοῖς Τρωσὶ παρα-
γίνεται καὶ ἀριστεύοντα αὐτὸν ἀποκτείνει Νεοπτόλεμος 220
καὶ οἱ Τρῶες πολιορκοῦνται
καὶ Ἐπειὸς κατ Ἀθηνᾶς προαίρεσιν τὸν δούρειον
ἵππον κατασκευάζει
Ὀδυσσεύς τε αἰκισάμενος ἑαυτὸν κατάσκοπος εἰς
Ἴλιον παραγίνεται καὶ ἀναγνωρισθεὶς ὑφ Ἑλένης περὶ 225
τῆς ἁλώσεως τῆς πόλεως συντίθεται κτείνας τέ τινας τῶν
Τρώων ἐπὶ τὰς ναῦς ἀφικνεῖται
καὶ μετὰ ταῦτα σὺν Διομήδει τὸ παλλάδιον ἐκκο-
μίζει ἐκ τῆς Ἰλίου
ἔπειτα εἰς τὸν δούρειον ἵππον τοὺς ἀρίστους ἐμ- 230
βιβάσαντες τάς τε σκηνὰς καταφλέξαντες οἱ λοιποὶ τῶν
Ἑλλήνων εἰς Τένεδον ἀνάγονται
οἱ δὲ Τρῶες τῶν κακῶν ὑπολαβόντες ἀπηλλάχθαι τόν
τε δούρειον ἵππον εἰς τὴν πόλιν εἰσδέχονται διελόντες
μέρος τι τοῦ τείχους καὶ εὐωχοῦνται ὡς νενικηκότες τοὺς 235
Ἕλληνας
Do mesmo sobre a Pequena Iliacuteada
Em sequecircncia haacute os quatro livros da Pequena Iliacuteada de Lesques de Mitilene que
compreendem o seguinte
Ocorre o juiacutezo a respeito das armas e Odisseu obteacutem-nas conforme a intenccedilatildeo de
Atena Ajax por sua vez apoacutes ficar ensandecido destroacutei o espoacutelio de gado dos aqueus e
tambeacutem imola a si mesmo
141
Depois disso Odisseu captura Heleno em uma emboscada apoacutes um oraacuteculo deste a
respeito da tomada da cidadela Diomedes traz Filoctetes de volta de Lemnos Curado por
Macaacuteon ele mata Alexandre em um duelo Os troianos sepultam o cadaacutever depois de reavecirc-lo
desfigurado por Menelau
Depois disso Decircifobo toma Helena por esposa
Apoacutes trazer Neoptoacutelemo de Esquiro Odisseu lhe entrega as armas do pai Aquiles
aparece para ele
Euriacutepilo filho de Teacutelefo se apresenta como aliado dos troianos e no auge de sua
bravura combativa Neoptoacutelemo o mata
Os troianos estatildeo encurralados
Epeu constroacutei o cavalo de madeira segundo o plano de Atena
Odisseu flagelando-se a si mesmo adentra Iacutelio como espiatildeo e combina com Helena
por quem fora reconhecido a tomada da cidade mata alguns troianos e chega de volta agraves
naus
Depois com Diomedes carrega o palaacutedio para fora de Iacutelio
Em seguida os melhores dos helenos ingressam no cavalo de madeira e o restante
navega para Tecircnedo havendo ateado fogo ao acampamento
Os troianos supondo-se livres de males recebem o cavalo de madeira dentro da
cidade quebrando uma brecha na muralha e festejam como se houvessem vencido os
helenos
224 Saque de Iacutelio
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλίου πέρσιδος
Ἕπεται δὲ τούτοις Ἰλίου πέρσιδος βιβλία δύο Ἀρκ-
τίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε 240
ὡς τὰ περὶ τὸν ἵππον οἱ Τρῶες ὑπόπτως ἔχοντες
περιστάντες βουλεύονται ὅ τι χρὴ ποιεῖν καὶ τοῖς μὲν
δοκεῖ κατακρημνίσαι αὐτόν τοῖς δὲ καταφλέγειν οἱ δὲ ἱερὸν
αὐτὸν ἔφασαν δεῖν τῇ Ἀθηνᾷ ἀνατεθῆναι καὶ τέλος νικᾷ
ἡ τούτων γνώμη 245
142
τραπέντες δὲ εἰς εὐφροσύνην εὐωχοῦνται ὡς ἀπηλ-
λαγμένοι τοῦ πολέμου
ἐν αὐτῷ δὲ τούτῳ δύο δράκοντες ἐπιφανέντες τόν
τε Λαοκόωντα καὶ τὸν ἕτερον τῶν παίδων διαφθείρουσιν
ἐπὶ δὲ τῷ τέρατι δυσφορήσαντες οἱ περὶ τὸν Αἰνείαν 250
ὑπεξῆλθον εἰς τὴν Ἴδην
καὶ Σίνων τοὺς πυρσοὺς ἀνίσχει τοῖς Ἀχαιοῖς πρό-
τερον εἰσεληλυθὼς προσποίητος
οἱ δὲ ἐκ Τενέδου προσπλεύσαντες καὶ οἱ ἐκ τοῦ δου-
ρείου ἵππου ἐπιπίπτουσι τοῖς πολεμίοις καὶ πολλοὺς ἀν- 255
ελόντες τὴν πόλιν κατὰ κράτος λαμβάνουσι
καὶ Νεοπτόλεμος μὲν ἀποκτείνει Πρίαμον ἐπὶ τὸν
τοῦ Διὸς τοῦ ἑρκείου βωμὸν καταφυγόντα
Μενέλαος δὲ ἀνευρὼν Ἑλένην ἐπὶ τὰς ναῦς κατάγει
Δηΐφοβον φονεύσας 260
Κασσάνδραν δὲ Αἴας ὁ Ἰλέως πρὸς βίαν ἀποσπῶν
συνεφέλκεται τὸ τῆς Ἀθηνᾶς ξόανον ἐφ ᾧ παροξυνθέντες
οἱ Ἕλληνες καταλεῦσαι βουλεύονται τὸν Αἴαντα ὁ δὲ ἐπὶ
τὸν τῆς Ἀθηνᾶς βωμὸν καταφεύγει καὶ διασῴζεται ἐκ τοῦ
ἐπικειμένου κινδύνου 265
[ἔπειτα ἀποπλέουσιν οἱ Ἕλληνες καὶ φθορὰν αὐτοῖς
ἡ Ἀθηνᾶ κατὰ τὸ πέλαγος μηχανᾶται]
καὶ Ὀδυσσέως Ἀστυάνακτα ἀνελόντος
Νεοπτόλεμος Ἀνδρομάχην γέρας λαμβάνει
καὶ τὰ λοιπὰ λάφυρα διανέμονται 270
Δημοφῶν δὲ καὶ Ἀκάμας Αἴθραν εὑρόντες ἄγουσι
μεθ ἑαυτῶν
ἔπειτα ἐμπρήσαντες τὴν πόλιν
Πολυξένην σφαγιάζουσιν ἐπὶ τὸν τοῦ Ἀχιλλέως τάφον
Do mesmo sobre o Saque de Iacutelio
143
Seguem-se a isso os dois livros do Saque de Iacutelio de Arctino de Mileto compreendendo
isto
Como os troianos estatildeo desconfiados do cavalo reunindo-se em torno dele deliberam
sobre o que fazer A uns parece melhor atiraacute-lo precipiacutecio abaixo a outros incendiaacute-lo uns
dizem entatildeo que ele deveria ser dado como oferenda a Atena Vence a proposta destes por
fim
Tomados pela animaccedilatildeo festejam como se estivessem dispensados da guerra Bem
nesse momento duas serpentes aparecem e trucidam Laoconte e seu filho mais novo
Consternados com esse prodiacutegio Eneacuteias e os companheiros escapam secretamente
para o monte Ida
Entatildeo Sinatildeo o primeiro a disfarccedilado lograr um incurso acende tochas ao alto da
cidade como sinal aos aqueus
Juntos tanto os que retornam de Tecircnedos como os de dentro do cavalo os helenos
precipitam-se sobre os inimigos e tomam a cidade de assalto matando muitos
Neoptoacutelemo mata Priacuteamo que se refugiara no altar de Zeus Guarda Lar
Apoacutes achar Helena Menelau a leva de volta para as naus assassinando Decircifobo
Aacutejax filho de Ileu levando Cassandra agrave forccedila arrasta tambeacutem a imagem de madeira
de Atena Irritados com isso os helenos decidem apedrejar Aacutejax mas ele busca refuacutegio no
altar de Atena e se manteacutem a salvo do perigo iminente
[Entatildeo os helenos zarpam e Atena estaacute maquinado contra eles um naufraacutegio em alto
mar]
Tendo Odisseu matado Astiacuteanax Neoptoacutelemo toma Androcircmaca como seu precircmio
Repartem o restante do espoacutelio
Apoacutes acharem Etra Demofatildeo e Aacutecamas levam-na consigo
Em seguida sacrificam Polixena sobre o tuacutemulo de Aquiles havendo incendiado a
cidade
225 Retornos
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Νόστων
Συνάπτει δὲ τούτοις τὰ τῶν Νόστων βιβλία πέντε 277
144
Ἀγίου Τροιζηνίου περιέχοντα τάδε
Ἀθηνᾶ Ἀγαμέμνονα καὶ Μενέλαον εἰς ἔριν καθίς-
τησι περὶ τοῦ ἔκπλου 280
Ἀγαμέμνων μὲν οὖν τὸν τῆς Ἀθηνᾶς ἐξιλασόμενος
χόλον ἐπιμένει
Διομήδης δὲ καὶ Νέστωρ ἀναχθέντες εἰς τὴν οἰ-
κείαν διασῴζονται
μεθ οὓς ἐκπλεύσας ὁ Μενέλαος μετὰ πέντε νεῶν 285
εἰς Αἴγυπτον παραγίνεται τῶν λοιπῶν διαφθαρεισῶν νεῶν
ἐν τῷ πελάγει
οἱ δὲ περὶ Κάλχαντα καὶ Λεοντέα καὶ Πολυποίτην
πεζῇ πορευθέντες εἰς Κολοφῶνα Τειρεσίαν ἐνταῦθα τελευ-
τήσαντα θάπτουσι 290
τῶν δὲ περὶ τὸν Ἀγαμέμνονα ἀποπλεόντων Ἀχιλ-
λέως εἴδωλον ἐπιφανὲν πειρᾶται διακωλύειν προλέγον τὰ
συμβησόμενα
εἶθ ὁ περὶ τὰς Καφηρίδας πέτρας δηλοῦται χειμὼν
καὶ ἡ Αἴαντος φθορὰ τοῦ Λοκροῦ 295
Νεοπτόλεμος δὲ Θέτιδος ὑποθεμένης πεζῇ ποιεῖ-
ται τὴν πορείαν καὶ παραγενόμενος εἰς Θρᾴκην Ὀδυσσέα
καταλαμβάνει ἐν τῇ Μαρωνείᾳ καὶ τὸ λοιπὸν ἀνύει τῆς
ὁδοῦ καὶ τελευτήσαντα Φοίνικα θάπτει αὐτὸς δὲ εἰς Μολος-
σοὺς ἀφικόμενος ἀναγνωρίζεται Πηλεῖ 300
ἔπειτα Ἀγαμέμνονος ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυται-
μήστρας ἀναιρεθέντος ὑπ Ὀρέστου καὶ Πυλάδου τιμωρία
καὶ Μενελάου εἰς τὴν οἰκείαν ἀνακομιδή
Do mesmo sobre os Retornos
A esses eventos atrelam-se os cinco livros dos Retornos de Aacutegias de Trezene
compreendendo o seguinte
Atena potildee Agamecircmnon e Menelau em discoacuterdia a respeito da viagem de volta
Agamecircmnon retarda sua partida para apaziguar a colera da deusa
145
Diomedes e Neacutestor levados por alto mar chegam a sua casa em seguranccedila
Menelau que partiu atraacutes deles chega ao Egito com cinco das naus as restantes
naufragando em alto mar
Os comandados por Calcas Leonteu e Polipetes viajam a peacute ateacute Colofatildeo laacute sepultam
Tireacutesias que falecera
Quando os comandados por Agamecircmnon estatildeo partindo uma apariccedilatildeo de Aquiles
tenta impedi-los manifestando-se e anunciando os acontecimentos vindouros
Nesse passo se descreve a tempestade nas redondezas das Rochas Cafeacuterides e a ruiacutena
de Aacutejax da Loacutecria
Neoptoacutelemo faz a jornada a peacute a conselho de Teacutetis Chegando agrave Traacutecia depara-se com
Odisseu em Marocircnia completa o restante de seu percurso e sepulta o falecido Fecircnix
Chegando ateacute os moloacutessios ele proacuteprio eacute reconhecido por Peleu
Em seguida a execuccedilatildeo de Agamecircmnon por Egisto e Clitemnestra a vinganccedila de
Orestes e Piacutelades e o retorno para casa de Menelau
226 Telegonia
Τοῦ αὐτοῦ περὶ Τηλεγονίας
Μετὰ ταῦτά ἐστιν Ὁμήρου Ὀδύσσεια ἔπειτα Τηλε- 306
γονίας βιβλία δύο Εὐγάμμωνος Κυρηναίου περιέχοντα τάδε
οἱ μνήστορες ὑπὸ τῶν προσηκόντων θάπτονται
καὶ Ὀδυσσεὺς θύσας Νύμφαις εἰς Ἦλιν ἀποπλεῖ
ἐπισκεψόμενος τὰ βουκόλια καὶ ξενίζεται παρὰ Πολυξένῳ 310
δῶρόν τε λαμβάνει κρατῆρα καὶ ἐπὶ τούτῳ τὰ περὶ Τρο-
φώνιον καὶ Ἀγαμήδην καὶ Αὐγέαν
ἔπειτα εἰς Ἰθάκην καταπλεύσας τὰς ὑπὸ Τειρεσίου
ῥηθείσας τελεῖ θυσίας
καὶ μετὰ ταῦτα εἰς Θεσπρωτοὺς ἀφικνεῖται καὶ γαμεῖ 315
Καλλιδίκην βασιλίδα τῶν Θεσπρωτῶν
ἔπειτα πόλεμος συνίσταται τοῖς Θεσπρωτοῖς πρὸς
Βρύγους Ὀδυσσέως ἡγουμένου ἐνταῦθα Ἄρης τοὺς περὶ
146
τὸν Ὀδυσσέα τρέπεται καὶ αὐτῷ εἰς μάχην Ἀθηνᾶ καθίς-
ταται τούτους μὲν Ἀπόλλων διαλύει 320
μετὰ δὲ τὴν Καλλιδίκης τελευτὴν τὴν μὲν βασιλείαν
διαδέχεται Πολυποίτης Ὀδυσσέως υἱός αὐτὸς δ εἰς Ἰθάκην
ἀφικνεῖται
κἀν τούτῳ Τηλέγονος ἐπὶ ζήτησιν τοῦ πατρὸς πλέων
ἀποβὰς εἰς τὴν Ἰθάκην τέμνει τὴν νῆσον ἐκβοηθήσας δ 325
Ὀδυσσεὺς ὑπὸ τοῦ παιδὸς ἀναιρεῖται κατ ἄγνοιαν
Τηλέγονος δ ἐπιγνοὺς τὴν ἁμαρτίαν τό τε τοῦ πατρὸς
σῶμα καὶ τὸν Τηλέμαχον καὶ τὴν Πηνελόπην πρὸς τὴν μητέρα
μεθίστησιν ἡ δὲ αὐτοὺς ἀθανάτους ποιεῖ καὶ συνοικεῖ τῇ
μὲν Πηνελόπῃ Τηλέγονος Κίρκῃ δὲ Τηλέμαχος 330
Do mesmo sobre a Telegonia
Depois disso eacute a Odisseia de Homero depois os dois livros da Telegonia de Ecircugamon
de Cirene que compreendem o seguinte
Os pretendentes satildeo sepultados por seus parentes
Odisseu faz sacrifiacutecios agraves Ninfas e zarpa para Eacutelis a fim de inspecionar o gado Eacute
hospedado por Poliacutexeno recebe de presente uma cratera e nela estaacute a histoacuteria de Trofocircnio
Agamedes e Aacuteugeas
Desembarcando de volta em Iacutetaca executa os sacrifiacutecios especificados por Tireacutesias
Depois desses eventos chega agrave Tesproacutetia e toma Caliacutedice por mulher rainha dos
Tesproacutetios
Depois se concretiza uma guerra dos Tesproacutetios liderados por Odisseu contra os
Brugos Nisso Ares debanda os homens de Odisseu e Atena engaja-se em combate contra ele
Apolo eacute quem os aparta
Depois da morte de Caliacutedice Polipetes filho de Odisseu herda a realeza enquanto
este retorna agrave Iacutetaca
Nesse momento Telecircgono que navegava agrave procura de seu pai e desembarcara em
Iacutetaca devastava a ilha Odisseu que viera defendecirc-la por engano eacute morto por seu filho
147
Telecircgono apoacutes tomar conhecimento de seu crime transporta Telecircmaco Peneacutelope e o
corpo do pai ateacute sua matildee Ela os torna imortais Telecircgono casa-se com Peneacutelope e Telecircmaco
com Circe
148
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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ETYMOLOGICUM MAGNUM SEU VERIUS LEXICON SAEPISSIME
VOCABULORUM ORIGINE INDAGANS EX PLURIBUS LEXICIS ET GRAMMATICIS
ANONYMI CUIUSDAM OPERA CONCINNATUM Add codd mss recensuit et notis
variorum instruxit Thomas Gaisford STP Amsterdam Adolf M Hakkert ndash Publisher 1962
GRAMMATICI GRAECI recogniti et apparatu critico instructi v1 Dionysii Thracis Ars
grammatica edidit Gustavus Uhlig Herodianos Scholia in Dionsii Thracis Artem
grammaticam Technicus recensuit Alfredus Hilgard--v2 Apollonii Dyscoli quae supersunt
Recensverunt Richardus Schneider et Gustavus Uhlig--v3 Herodiani Technici reliquiae
explicavit Augustus Lentz--v4 Theodosii Alexandrini Canones Georgii Choerobosci
Scholia Sophronii patriarchae alexandrini excerpta recensuit Alfredus Hilgard Stuttgart
Teubner 1867 ndash 1910
HOMERE Iliade Texte eacutetabli et traduit par P Mazon avec la collaboration de P Chantraine
P Collart et R Langumier Paris Les Belles Lettres Tome I chants I-VI 1937 tome II
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VI La Reacutepublique Livres I-IIITexte eacutetabli et traduit par E Chambry introduction par A
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1951 2e partie Les Lois Livres III-VI1951
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Traduccedilatildeo e comentaacuterio do De generibus poematum de Diomedes Iniciaccedilatildeo
cientiacutefica orientada pelo professor Marcos Martinho dos Santos Satildeo Paulo DLCV ndash FFLCH
ndash USP 2005 ineacutedita
_____ Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Colsulto Fortunaciano Dissertaccedilatildeo de
mestrado apresentada ao Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas da FFLCH-USP
orientada por Marcos Martinho dos Santos Satildeo Paulo DLCV ndash FFLCH ndash USP 2010 ineacutedita
MARTINHO DOS SANTOS M As Epiacutestolas de Horaacutecio e a Confecccedilatildeo de uma Ars
Dictaminis o Opus Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada ao Departamento de
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- A CRESTOMATIA DE PROCLOTraduccedilatildeo integral notas e estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
- AGRADECIMENTOS
- RESUMO
- ABSTRACT
- IacuteNDICE
- Apresentaccedilatildeo
- PARTE IEstudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
-
- 1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO
-
- 11VESTIacuteGIOS DA OBRA
- 12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO
- 13 O NOME E A OBRA
-
- 131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio
- 132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239
- 133 O termo ldquocrestomatiardquo
- 134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra
-
- 2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA
-
- 21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO
- 22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO
-
- 221 O molde copioso
- 222 O molde tecircnue
- 223 O molde meacutedio
- 224 O molde florido
- 225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo
-
- 3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA
-
- 31 SEUS GEcircNEROS
- 32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE DIOMEDES
- 33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO
-
- 331 Epos
-
- 3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria
- 3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico
-
- 332 Elegia
- 333 Iambo
- 334 Meacutelica
-
- PARTE IITraduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
-
- 1 COacuteDICE 239
-
- 11 TEXTO
- 12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO
-
- 2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO
-
- 21 VIDA DE HOMERO
- 22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO
-
- 221 Ciacuteprias
- 222 Etioacutepida
- 223 Pequena Iliacuteada
- 224 Saque de Iacutelio
- 225 Retornos
- 226 Telegonia
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- REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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