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FACULDADE ASSOCIADA BRASIL CURSO DE GRADUAÇÃO EM TURISMO CARNAVAL PAULISTANO: A EVOLUÇÃO DE UMA FESTA POPULAR. Paulo Sérgio Ferreira Rodrigues Ulysses Rodrigues da Silva Filho São Paulo 2008

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FACULDADE ASSOCIADA BRASIL

CURSO DE GRADUAÇÃO EM TURISMO

CARNAVAL PAULISTANO: A EVOLUÇÃO DE UMA FESTA POPULAR.

Paulo Sérgio Ferreira Rodrigues

Ulysses Rodrigues da Silva Filho

São Paulo 2008

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FACULDADE ASSOCIADA BRASIL

CURSO DE GRADUAÇÃO EM TURISMO

CARNAVAL PAULISTANO: A EVOLUÇÃO DE UMA FESTA POPULAR.

Paulo Sérgio Ferreira Rodrigues

Ulysses Rodrigues da Silva Filho

Trabalho de Conclusão de Curso de graduação

em Turismo, da Faculdade Associada Brasil,

apresentado como parte dos requisitos para a

obtenção do Título de Bacharel em Turismo,

sob orientação da Professora Jussara Cássia

da Silva.

São Paulo 2008

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CARNAVAL PAULISTANO: A EVOLUÇÃO DE UMA FESTA POPULAR.

Paulo Sérgio Ferreira Rodrigues

Ulysses Rodrigues da Silva Filho

DATA DA APROVAÇÃO

____/____/____

BANCA EXAMINADORA

JUSSARA CÁSSIA DA SILVA

VERA CECÍLIA LANZONI FERREIRA

THAIS PRADO HORTA

São Paulo 2008

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Dedicamos este trabalho aos amantes do

carnaval, do samba e, especialmente, a

todos os foliões, que com amor enaltecem o

carnaval paulistano, fazendo deste evento,

uma das mais brilhantes festas populares

brasileira.

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AGRADECIMENTOS

Deixamos aqui registrado, os nossos agradecimentos a todos aqueles que

colaboraram e nos apoiaram na realização desse trabalho. Às nossas famílias,

especialmente, nossos pais, mães, irmãos, tios e avós que, ao nosso lado, todos os

dias e, até nas situações mais difíceis, sempre mostraram apoio e cumplicidade,

contribuindo para a conclusão deste curso. Aos colegas de classe e do Programa

Escola da Família, pelos momentos de descontração, marcados pelo

companheirismo. E, finalmente, aos nossos professores, que com dedicação

abrilhantaram o nosso saber, maximizando as nossas potencialidades,

especialmente a Coordenadora Jussara Cássia da Silva, as professoras Thais Horta

e Vera Ferreira por viabilizarem as nossas atividades acadêmicas.

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"No carnaval, esperança que gente longe viva na lembrança, que gente triste possa entrar na dança, que gente grande saiba ser criança..."

Sonho de um Carnaval - Chico Buarque

“A liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem os tesouros que a terra encerra no seu seio, nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida."

Miguel de Cervantes

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

CAPÍTULO 1 – A ORIGEM DO CARNAVAL 12

1.1. Como surgiu o carnaval 12 1.2. A etimologia da palavra carnaval 14 1.2. A mobilidade da comemoração carnavalesca 15 1.3. Uma breve abordagem do carnaval brasileiro 17

1.3.1. O entrudo 17 1.3.2. Os bailes de máscaras e fantasias 19 1.3.3. As grandes sociedades 20 1.3.4. Zé Pereira 20 1.3.5. Os cordões carnavalescos 21 1.3.6 Os ranchos 22 1.3.7. Os corsos 23

1.4. Referenciais carnavalescos brasileiros 24

CAPÍTULO 2 – O CARNAVAL PAULISTANO DE RUA 29

2.1. A história do carnaval paulistano 29 2.2. O carnaval do Brás 31 2.3. O carnaval da Lapa 37 2.4. O carnaval da Água Branca 43 2.5. A decadência dos carnavais de rua 46

CAPÍTULO 3 – O CARNAVAL PAULISTANO E OS CORDÕES 49

3.1. O surgimento dos cordões carnavalescos 49 3.2. A montagem dos cordões carnavalescos 56

3.2.1. Tema 58 3.2.2. Baliza 59 3.2.3. Batedores ou bastedores 60 3.2.4. Mestre de cerimônias 60 3.2.5. O apitador 60 3.2.6. Reinado ou corte 63 3.2.7. Fantasias 63 3.2.8. Quadros ou alegorias 64 3.2.9. Dança ou evolução 65 3.2.10. Músicos e música 66 3.2.11. Bateria 66

3.3. Os cordões carnavalescos e os clubes de futebol 67 3.4. Os cordões carnavalescos e a mídia paulistana 68

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CAPÍTULO 4 – O CARNAVAL PAULISTANO E AS ESCOLAS DE SAMBA 70

4.1. O surgimento das escolas de samba paulistanas 70 4.2. A produção dos desfiles carnavalescos 75 4.3. Samba-enredo: o “combustível” do desfile carnavalesco 83 4.4. No barracão, a todo vapor, as mãos criam os elementos da folia 97 4.5. Carnavalesco, o planejador do desfile carnavalesco 98 4.6. Competitividade na avenida: “o julgamento do desfile” 101

CAPÍTULO 5 – COMUNIDADE E CARNAVAL 116

5.1. Uma visão da comunidade inserida no carnaval 116 5.1. Perfil do carnaval paulistano 124 5.3. Investimentos e políticas públicas no carnaval paulistano 133

CONSIDERAÇÕES FINAIS 140

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 142

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RESUMO

Este trabalho foi idealizado a partir de nossa admiração pelo carnaval paulistano. Foi

feita uma investigação sobre o seu surgimento e evolução na cidade de São Paulo,

que posteriormente converteu-se em um evento plástico musical. Considerado um

dos mais belos espetáculos da terra é caracterizado por um show de luzes, cores e

magia, envolvendo comunidades que trabalham o ano todo para que todos possam

dançar, cantar e pular. O evento tem despertado o turismo cultural nesta cidade,

dinamizando, assim, a economia local. Procurou-se, também, abordar as políticas

sócio-culturais necessárias à manutenção do caráter popular do carnaval na cidade

de São Paulo.

Palavras-Chave: Carnaval, Evento, Escolas de Samba, Samba, Comunidades, Identidade Cultural.

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ABSTRACT

This project was accomplished due to our admiration for the paulistano Carnival. It

was made a research about its beginning and evolution in São Paulo city, that later

became a musical plastical event. It is considered the most beautiful event of the

world, marked by a show of light, colors and magic, involving communities that work

all year long to perform it, so that everyone can dance, sing and jump. This event has

increased the cultural tourism in this city capable to boost the local economy. It was

seen, also, to approach the necessary partner-cultural politics to maintain the popular

character of the carnival in São Paulo city.

Keywords: Carnival, Event, Samba Schools, Samba, Communities, Cultural Identity

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INTRODUÇÃO

Apesar do carnaval ser comumente associado a uma criação genuína

brasileira, não paira nenhuma dúvida que sua origem é totalmente européia e,

posteriormente, passou a ser festejado em escala mundial. O seu início e a forma

como se manifestou e se desencadeou nos quatro cantos do mundo é certamente

controvertida e está ligada às variadas passagens de tempo.

As origens mais remotas acerca do carnaval ocorreram na Grécia antiga,

quando surgiu a agricultura. Era uma forma que os homens encontraram para

comemorar a fertilidade e a produtividade do solo. Quando chegou ao Egito, passou

a ser comemorado com danças e cantorias, em volta de fogueiras, utilizando-se

máscaras e disfarces.

No Brasil, ganhou raízes fortes e sólidas, tornando-se, ao lado do futebol,

quase um sinônimo de brasilidade e solidificou-se no aspecto turístico-financeiro no

país. Durante o carnaval 2008, São Paulo recebeu 29,9 mil pessoas que

movimentaram R$ 41,5 milhões de reais, configurando-o entre os cinco maiores

eventos da cidade.

Procurou-se remontar a trajetória do carnaval na cidade de São Paulo,

atualmente, uma das principais atrações turísticas desta cidade, convertendo-se em

uma grande oportunidade de negócios. De uma festa popular, com pouca finalidade

financeira, tornou-se uma espécie de “indústria cultural” de entretenimento, que

trabalha o ano todo, para produzir os desfiles anuais, considerado por muitos, como

sendo o maior espetáculo da terra.

Primeiramente, a pesquisa inicia-se fazendo uma abordagem do surgimento

do carnaval e suas raízes históricas, até sua chegada ao Brasil, por meio do entrudo

lusitano. Em seguida, na cidade de São Paulo, destaca-se a segregação racial

existente nos carnavais de rua, modificada substancialmente, com a projeção dos

cordões carnavalescos, futuros embriões das escolas de samba atuais.

Com o surgimento das escolas de samba paulistanas, o evento passou a ter

maior expressividade e visibilidade no cenário nacional, com o apoio e divulgação

dos meios de comunicação de massa. Com as novas dimensões alcançadas,

algumas questões passaram a ganhar notoriedade, como o afastamento gradativo

das camadas populares e o processo de comercialização provocado por ele.

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CAPÍTULO 1 – A ORIGEM DO CARNAVAL

Este capítulo faz um estudo sobre a origem do carnaval e a forma como se

disseminou pelo mundo, e mais tarde aportou no Brasil com o entrudo português.

Em terra brasileira, esta manifestação ganha raízes fortes e sólidas, sendo

comemorado distintamente pelos estados brasileiros, tornando-se quase um

sinônimo de brasilidade, de forma a sermos internacionalmente reconhecidos como

o “país do carnaval”.

1.1. Como surgiu o carnaval

Até os dias atuais, a origem do carnaval é controversa1, existindo muitas

dúvidas a respeito do início de sua comemoração. Alguns pesquisadores apontam

que o carnaval tenha surgido em meados dos anos 600 a 520 a.C., quando havia

rituais agrários realizados por povos primitivos para comemorar e agradecer aos

deuses gregos pela fertilidade e produtividade do solo. Para marcar essa etapa,

homens e mulheres se pintavam, bebiam e dançavam durante a festa, deixando-se

guiar pela dança e pela embriaguez.

No entanto, a maior aceitabilidade, segundo, alguns historiadores, é a de que

de seja uma festa popular em honra aos deuses pagãos Baco e Saturno. Em Roma,

aconteciam homenagens ao Deus Baco, Dionísio para o povo grego, patrono do

vinho, do seu cultivo, da embriaguez e da fertilidade. Nessa festa ocorriam os

bacanais. Durante a festa era intenso o consumo de vinho e a prática de orgias e,

nesses momentos, todos se mostravam alegres, pois representava uma

oportunidade de livrarem-se da sensação de repressão e de censura, havendo

possibilidade de liberdade de atitudes críticas e eróticas.

A comemoração romana remonta às influências dos bailes de máscaras,

fantasias e carros alegóricos. A Saturnália era uma festa em que um carro, em

formato de navio, seguia pelas ruas cheias de gente, e seus participantes utilizavam

máscaras e promoviam diversas brincadeiras.

Durante os festejos, em Roma, a hierarquia social era rompida, e todos se

misturavam em praça pública, reunindo escravos, filósofos e tribunos, ou seja, a

1ARAUJO, Hiram. Carnaval, seis milênios de história. Rio de Janeiro: Griphus, 2000.

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separação da sociedade em classes fazia com que houvesse a necessidade de

válvulas de escape. O império romano se expandia e a festividade tornou-se mais

animada e freqüente.

A inserção de bebidas e práticas sexuais era fato comum aos gregos e

romanos durante as comemorações, tornando-se algo intolerável aos “olhos” da

Igreja.

O carnaval pagão começou quando Pisistráto oficializou o culto a Dioniso na

Grécia, no século VII a.C. e, terminaou, quando a Igreja Católica adotou a festa em

590 d.C.

Com o início da era cristã, surgiram os primeiros sinais de censura, à medida

que a Igreja Católica começou a se solidificar e, assim, passou a impor uma política

austera, exigindo que esses festejos fossem realizados antes da quaresma. Mais

tarde, combateu algumas manifestações pagãs. No entanto, o carnaval foi uma das

que se manteve, enraizando suas origens profanas. A comemoração foi adotada

pela Igreja Católica, em 590 d.C, até, então, o carnaval era uma festa condenada

pela por suas realizações em canto e dança que aos “olhos” cristãos eram

considerados como atos pecaminosos. As autoridades eclesiásticas da época se

viram num beco sem saída. Não era mais possível proibir o carnaval. Foi então que

houve a imposição de cerimônias oficiais sérias para conter a libertinagem. Mas,

esse tipo de festa, bateu de frente com a principal característica do carnaval: o riso e

a brincadeira.

Se o catolicismo não aceitou o carnaval, mostrou-se tolerante, tendo em vista

que a fixação do período carnavalesco foi estabelecido em torno de datas

predeterminadas pela Igreja. Ao que os fatos remetem, nesse período é incorporado

o calendário religioso, pois o carnaval antecede a quaresma.

O carnaval chega à Veneza, e posteriormente começa a se espalhar pelo

mundo. Em Veneza, a festa toma as características atuais, reunindo elementos

como máscaras, fantasias, carros alegóricos e desfiles.

Em 1545, no Concílio de Trento, o carnaval é reconhecido como uma

manifestação popular de rua.

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Em 1582, o Papa Gregório XIII transformou o Calendário Juliano2 em

Gregoriano3, estabelecendo as datas do carnaval. O motivo da mobilidade da data

era fazer com que a Páscoa Católica não coincidisse com a Páscoa dos judeus.

1.2. A etimologia da palavra carnaval

Igualmente polêmico em relação a sua origem, a etimologia da palavra

carnaval4, também, é objeto de constante discussão. O vocábulo segundo muitos,

deriva da expressão latina “carrum novalis”, que significa carro naval, uma espécie

de carro alegórico, semelhante a um barco, utilizado pelos romanos no início de

suas comemorações. Porém, essa idéia para muitos pesquisadores, não tem

fundamento histórico.

A maior aceitabilidade, de acordo com alguns pesquisadores é a de que sua

etimologia seja originária do latim "carnem levare", que posteriormente se modificou,

e passou a "carne, vale !", que significa adeus, carne!, ou seja, abstenção à carne,

originada entre os séculos XI e XII, para designar a quarta-feira de cinzas e devido a

supressão de carne em razão da Quaresma. Daqui, subentende-se a expressão

“Dias Gordos”, onde os abusos são tolerados, havendo, portanto, certa

transgressão, em contraposição ao jejum e à abstenção total do próximo período: os

dias magros da quaresma.

No período de quaresma, os católicos se preparam para a Páscoa devendo

evitar comer carnes, ambientes dançantes e tão pouco freqüentar festas. Dessa

forma, no último dia de quaresma todos aproveitavam para comemorar tudo o que

podiam, iniciando, portanto, o que conhecemos atualmente como carnaval.

2O calendário Juliano foi ortougado pelo líder romano Caio Júlio César, entrando em vigor em 46 a.C., em substituição ao calendário romano. Na atualidade, ainda é utilizado em alguns países cristãos ortodoxos. No calendário Juliano foi retirado 5 dias do ano, criando-se um dia extra, a cada quatro anos, o que hoje conhecemos como ano bissexto, inserido no mês de fevereiro.

3O calendário Gregoriano foi adotado pelo Papa Gregório XIII, a partir de 15 de outubro de 1582, em substituição ao calendário Juliano. Tal medida foi tomada em razão da postergação da comemoração da Páscoa, que já não era mais comemorada no mês de março. O calendário gregoriano manteve as principais definições do calendário Juliano, fazendo algumas alterações: definiu que os anos múltiplos de 100 não mais seriam bissextos, com exceção dos anos múltiplos de 400 e que o ano da promulgação do novo calendário teria dez dias a menos, para acertar-se a data de comemoração da Páscoa. Todos os países católicos passaram a adotar este calendário.

4 São Paulo Turismo. A história do carnaval Paulistano. http://www.cidadedesaopaulo.com/carnaval2006/historia.asp.

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1.3. A mobilidade da comemoração carnavalesca

Os dias que antecedem à quaresma, cuja data foi estabelecida pela Igreja

Católica, no início do século XI, são vividos com alegria pelos foliões. Todos se

“esbaldam”, sejam nos desfiles de escola de samba, atrás do trio elétrico, nos bailes

à fantasia ou nos tradicionais blocos de rua.

O dia de Páscoa, por definição, é o primeiro domingo após a lua cheia que

ocorre após o equinócio vernal e pode ocorrer entre 22 de março e 25 de abril. A

seqüência dos dias de Páscoa se repete em ciclos de aproximadamente 5.700.000

anos.

As fórmulas existentes5 calculam o que se convencionou a chamar de

"Cálculo Eclesiático", quando em 325, o Concílio de Nicea assim o definiu.

O carnaval acontece 47 dias antes da Páscoa, portanto, o Carnaval pode acontecer

de 4 de fevereiro a 9 de março. Para calcular o dia da Páscoa (domingo), pode-se

lançar mão da fórmula de Gauss, onde o ANO deve ser introduzido com 4 dígitos e o

Operador MOD, que estabelece o resto da divisão. A fórmula é válida para os anos

entre 1901 e 2099. Para a aplicação a outros anos, deve-se alterar o X e o Y,

conforme visualizado na tabela a seguir.

faixa de anos X Y 1582 1599 22 2 1600 1699 22 2 1700 1799 23 3 1800 1899 24 4 1900 1999 24 5 2000 2099 24 5 2100 2199 24 6 2200 2299 25 7

Tabela 01 – Cálculo da Páscoa.

Para anos entre 1901 e 2099: X=24 Y=5 a = ANO MOD 19 b= ANO MOD 4 c = ANO MOD 7

5 Fonte: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Endereço: http://www.inf.ufrgs.br/~cabral/Pascoa.html.

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d = (19 * a + X) MOD 30 e = (2 * b + 4 * c + 6 * d + Y) MOD 7

Se (d + e) > 9 então DIA = (d + e - 9) e MES = Abril senão DIA = (d + e + 22) e MES = Março

Há dois casos particulares que ocorrem duas vezes por século: quando o

domingo de Páscoa cair em abril e o dia for 26, corrige-se para uma semana antes,

ou seja, vai para dia 19 e quando o domingo de Páscoa cair em abril e o dia for 25 e

o termo "d" for igual a 28, simultaneamente com "a" maior que 10, então o dia é

corrigido para 18.

Neste século, estes casos, só ocorrerão em 2049 e 2076. Com base no

cálculo da Páscoa, é possível calcular a terça-feira de carnaval, subtraindo-se

quarenta e sete dias do domingo de Páscoa. Ainda, com base no calendário da

Páscoa, pode-se chegar à quinta-feira de Corpus Christi, somando-se sessenta dias

ao domingo de Páscoa, conforme visualizado nos exemplos6 publicados no site da

UFRS, a seguir demonstrados.

Para o ano de 2008:

a= 2008 MOD 19 = 13 b= 2008 MOD 4 = 0 c= 2008 MOD 7 = 6 d=(19 * 13 + 24) MOD 30 = 1 e=(2 * 0 + 4 * 6 + 6 * 1 + 5) MOD 7 = 0 (d + e) = 1 + 0 = 1

Logo, o domingo de Páscoa ocorreu em: 23/3/2008, o carnaval em: 5/2/2008

e Corpus Christi em: 22/5/2008.

Para o ano de 2009:

a= 2009 MOD 19 = 14 b= 2009 MOD 4 = 1 c= 2009 MOD 7 = 0 d=(19 * 14 + 24) MOD 30 = 20 e=(2 * 1 + 4 * 0 + 6 * 20 + 5) MOD 7 = 1 (d + e) = 20 + 1 = 21

6Op. cit.; Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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Logo, o domingo de Páscoa ocorrerá em: 12/4/2009, o carnaval em:

24/2/2009 e Corpus Christi: 11/6/2009.

1.3. Uma breve abordagem do carnaval brasileiro

Com o sucesso das grandes sociedades, outras modalidades de cortejos

carnavalescos como os cordões, ranchos e blocos apareceram a partir de 1870 e,

finalmente, sugiram os corsos em 1907, formas de comemoração que levaram o

desaparecimento do entrudo do carnaval carioca e de outras partes do Brasil.

1.3.1. O entrudo

No início do período colonial, em meados do século XVII, chegou ao Brasil o

entrudo, palavra originária do latim entroitus, que significa entrada, servindo para

designar as solenidades litúrgicas da quaresma.

O entrudo7 chega com os colonizadores portugueses, provenientes das Ilhas

da Madeira, Açores e Cabo Verde, sendo iniciado antes da quaresma e demorava

três dias, de domingo à terça-feira gorda. Com o passar do tempo, a brincadeira foi

ficando mais agressiva. Era uma forma primitiva de se comemorar o carnaval. As

pessoas se divertiam jogando água, farinha de trigo, ovos, polvilho, cal, goma,

laranja podre e restos de comida em transeuntes. As famílias brancas se divertiam

em suas casas, jogando água e outros dejetos em passantes desavisados, com

certa infantilidade, e num clima de quebra temporária da rigidez imposta pela família

patriarcal.

Figura 01 – Carnaval brasileiro de rua, no Rio de Janeiro, em 1834, por Debret. Fonte: Almanaque Brasil.

7 FERREIRA, Felipe. O livro de ouro do carnaval brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.

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Em fase posterior, o entrudo tornou-se mais civilizado, sendo introduzidos

elementos como limões de cheiro, pequenas esferas de cera, cheias de água

perfumada, frascos de borracha ou bisnagas cheias de vinho, vinagre ou groselha,

que seriam os futuros embriões dos lança-perfumes, introduzidos a partir de 1885.

O entrudo não possuía um ritmo ou melodia que o caracterizasse. A partir da

primeira metade do século XIX, com a chegada dos bailes de máscaras nos moldes

europeus, se pôde notar um desenvolvimento musical mais sofisticado.

Apesar de seu caráter violento e cruel, marcado por brincadeiras estúpidas,

foi tolerado por D. Pedro II, que chegou a participar da brincadeira. Os foliões se

armavam de baldes e latas cheias de água. Todos acabavam molhados.

Em razão da agressividade, em 1854, um chefe de polícia do Rio de Janeiro,

determinou que a partir daquela data o entrudo deveria ser seco, para não estragar

as roupas das pessoas e para não provocar desordens e confusões na cidade.

A tolerância e, até incentivo, que havia nas festas religiosas, como a Festa do

Divino e no Coração de Nossa Senhora, não ocorria nas festas profanas. A maioria

dos participantes era imigrante, com boas condições socioeconômicas e preferiam

conviver neste círculo social, o que fazia com que os negros passassem a ser

vítimas do folguedo.

Por seu caráter agressivo, as pessoas evitavam sair às ruas nos dias de

entrudo, o que motivou o aparecimento de bailes de máscaras, a partir de 1840. Tal

fato provocou uma enorme adesão por parte da classe média e da imprensa, que

passou a rechaçar o entrudo e a apoiar o modelo do elegante carnaval de Veneza,

como escreveu o jornalista, José de Alencar, em sua coluna no Jornal Mercantil, do

Rio de Janeiro “... confesso que esta idéia me sorri. Uma espécie de baile

mascarado, às últimas horas do dia, à fresca da tarde, num belo e vasto terraço,

com todo o desafogo, deve ser encantado”.

De 1870 a 1890, o entrudo vai desaparecendo gradativamente, sendo

substituído por bailes em clubes e pelos desfiles de rua, com o apoio de jornalistas

contrários às práticas do entrudo. Como nem todos tinham condições de freqüentar

os bailes de clubes pagos realizados em salões e teatros, o entrudo continua nas

zonas mais afastadas, pela população pobre e negra.

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Segundo Ismael Silva8, em 1927, embora alguns historiadores falem em 1928,

no bairro do Estácio, Rio de Janeiro é fundada a primeira escola de samba, que se

chamava Deixa Falar. O compositor, que nasceu em 14 de setembro de 1905,

associou para sempre o bairro de Estácio de Sá à história do ritmo e do carnaval. A

partir disso, outras escolas foram surgindo até chegarmos à grande festa que vemos

hoje.

1.3.2. Os bailes de máscaras e fantasias

A introdução de máscaras, durante as festividades carnavalescas ocorreram a

partir de 1834. Eram produzidas em cera fina ou em papelão, assemelhados a

animais, caretas ou outros formatos. Logo, em seguida, surgiram as fantasias,

dando mais brilho e colorido à festividade.

O primeiro baile de máscaras foi realizado no Hotel Itália, no largo do Rócio,

Rio de Janeiro, em 18409. Os donos eram italianos, e inspirados pelo sucesso

destes bailes na Europa, decidiram incorporar essa idéia ao carnaval carioca. Com o

êxito obtido, surgiram outros tantos.

Nessa fase, já era perceptível a divisão das classes sociais e raciais,

observando-se dois fatos importantes: a classe mais rica freqüenta os bailes de

salão, como visto na batalha das flores, nos corsos, e nos desfiles dos carros

alegóricos, enquanto os negros e pobres aderem o maracatu, cordões, blocos,

ranchos, frevos e afoxés.

Os bailes eram realizados em teatros, animados pelo ritmo da polca, gênero

adotado como música carnavalesca no Brasil, posteriormente, da valsa, do tango, do

"cake walk", do "charleston" e do maxixe. Inicialmente, executavam-se apenas sons

instrumentais. Somente a partir de 1880, apareceram as primeiras versões

cantadas.

Em 1909, aconteceu o primeiro concurso para eleger a mais bela mulher, a

fantasia mais bonita e a melhor dança, premiando os ganhadores com jóias valiosas,

8 Ismael Silva, compositor carioca que criou a primeira escola de samba, a Deixa Falar. SILVA, Ismael. Samba Centenário. Diário do Nordeste. 14.09.2005.

9 SOUZA, Eliane Santos de. Carnaval. Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. 2003.

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mas apenas os homens poderiam votar. O carnaval crescia, já sendo vivenciado

como parte da cultura brasileira, ao passo que, na Europa, estava decaindo.

Inspirados pela classe média européia, a classe média brasileira começou a

participar de desfiles em carros alegóricos pelas ruas da cidade, apoiados pelas

idéias do romancista e jornalista José de Alencar, que fundou uma sociedade

denominada Sumidades Carnavalescas.

Segundo Renato Roschel10, no Rio de Janeiro, os bailes eram realizados em

teatros e hotéis. Porém, a dança não era o samba, mas o schottischa, as mazurcas,

as polcas, valsas e o maxixe. A partir de 1869, o ator Correia Vasques, adaptou a

música de uma peça francesa, que recebeu o nome de Zé Pereira. Esta foi a

primeira música de carnaval em português, pois todas as demais eram estrangeiras.

1.3.3. As Grandes Sociedades

As sociedades eram clubes e agremiações, que faziam uso de alegorias

satíricas às ordens do governo, de forma saudável. Foi uma espécie de substituição

à comemoração do entrudo.

As grandes sociedades possibilitaram, de certa forma, uma nova aparência e

conteúdo ao carnaval carioca, como acentua Pereira (1994), elas “... tinham por

base, explicitamente, a tentativa de trazer aos dias de folia da corte, certas tradições

carnavalescas européias, mais especificamente italianas e francesas”.

As “sociedades” predominaram no carnaval carioca. O primeiro clube a

desfilar foi o Congresso das Sumidades Carnavalescas, em 1855.

A coqueluche do Império era a União Veneziana, em 1856. As sociedades se

multiplicaram rapidamente e estavam envoltos em competições saudáveis. Com o

passar do tempo apenas 3 sociedades prosperaram: Tenentes, Democráticos e

Fenianos.

1.3.4. Zé Pereira

O Zé Pereira revolucionou o carnaval carioca. De acordo com Eneida (1958),

esse personagem surge em 1846. Este foi o apelido dado ao português José

10 ROSCHEL, Renato. Carnaval. Almanaque UOL. Banco de dados da Folha de São Paulo.

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Nogueira de Azevedo Paredes. Supostamente, ele introduziu no Brasil o hábito de

animar folias carnavalescas pelas ruas, utilizando bumbos, zabumbas e tambores.

Tratava-se de um tipo de adaptação à peça Les pompiers de Nanterre (Os

bombeiros de Nanterre), Esta versão se transformaria em uma espécie de hino

durante o carnaval brasileiro.

"E viva o Zé Pereira Pois que ninguém faz mal Viva a bebedeira Nos dias de carnaval".

A partir de 1870, a quadrinha é cantada nos carnavais, porém, o povo

simplifica o estribilho:

Zé Pereira, Zé Pereira Zé Pereira, Zé Pereira

Viva o Zé Pereira Viva o Zé Pereira Viva o Zé Pereira E viva o carnaval

Extinto no começo deste século, o Zé Pereira deixou como sucessores a

cuíca, o tamborim, o reco-reco, o pandeiro e a frigideira, instrumentos que

acompanhavam os blocos de “sujos”, e que hoje animam as escolas de samba.

1.3.5. Os cordões carnavalescos

Com as repressões ao entrudo, o povo passou a criar formas originais de

comemorar o momo, dotadas de maior brasilidade. Dessa forma, passaram a

organizar procissões religiosas para comemorar o carnaval. E, nesse contexto,

surgem os blocos e os cordões, que foram os embriões do que hoje, conhecemos

como escolas de samba.

Considerando uma das melhores fontes que encontrou para o estudo dos

cordões, Eneida (1958), cita uma série de reportagens publicadas na Gazeta de

Notícias, em 1906, sob o título de “Psicologia dos Cordões”, que registrou a

transformação dos cucumbis em cordões: “houve um tempo em que uma das

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características mais interessantes do nosso carnaval eram os cordões de velhos

piruetando por essas ruas afora desde sábado até à madrugada de cinzas, atraindo

a atenção do público pelas suas ricas vestimentas e suas famosas letras. Hoje os

velhos são os que viram esses cordões. Quanto aos outros, desapareceram por

completo e agora só se vêem os índios, os marinheiros, os tocadores de adufes. Os

cordões passaram a denominar-se “grupos” e alguns foram mais longe e adotaram a

denominação clube, mais elegante e mais em harmonia com uma cidade que já

possui avenidas. É verdade que o pessoal não mudou muito nem nas características

nem nos cantos, nem na música. Mas o fato é que os cucumbis tão originais e os

Vassourinhas precursores - quem diria? - dos Mata Mosquitos desapareceram como

desapareceram os velhos”.

Os blocos carnavalescos eram formados por negros, mulatos e pobres, que

com instrumentos fabricados pelos próprios foliões, animavam as ruas das cidades.

Os cordões faziam suas próprias composições, desfilavam com estandarte,

comandados por um apito de um mestre que, seria hoje, uma espécie de diretor de

harmonia de escola de samba.

1.3.6. Os ranchos

Compostos por pessoas de origem humilde, os ranchos eram agremiações

organizadas com simplicidade. Seus primeiros registros aparecem no carnaval

carioca de 1873, apesar de já existirem antes desse ano.

Os ranchos foram influenciados por festas religiosas. Costumavam desfilar

em comemoração ao Natal e no dia seis de janeiro (Dia de Reis). Fantasiam-se de

pastores e pastoras, que rumavam à Belém, percorrendo a cidade cantando e

pedindo agasalhos em residências. A melodia era bastante rica, a marcha-rancho,

com músicas próprias e o estabelecimento de um gênero musical cadenciado.

De acordo com Moura (1983), a primeira fase dos ranchos carnavalescos e

seus personagens principais, que por sinal foram de extrema importância para a

história do samba, surgem próximo aos bairros degradados da cidade, ao norte e

oeste do centro histórico do Rio de Janeiro, reduto de imigrantes, trabalhadores e

pobres, lugar das comunidades negras baianos, que ficou conhecida como “a

pequena África do Rio de Janeiro”.

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A história dos ranchos é retratada nesses redutos, como confirma Hilário

Jovino, nascido em Pernambuco, porém criado na Bahia, que posteriormente

passou a morar Rio de Janeiro, em 1872, conforme registros do Jornal do Brasil, em

18 de janeiro de 1913.

Os ranchos começaram a desaparecer por volta de 1920, com a evolução das

escolas de samba.

1.3.7. Os corsos

Iniciados ao final da década de 1900, os corsos consistiam em um desfile de

carros ou caminhões, sem capota e enfeitados, que conduziam famílias e grupos

carnavalescos, interagindo com pedestres e com outros desfilantes. Para animar a

festa, utilizavam confete11, serpentina12 e lança-perfume13.

A decadência dos corsos ocorre junto com a modernização dos automóveis,

quando deixam de se fabricar os veículos de capota, sendo substituídos por outros

mais simples.

A concepção inicial do sucesso dos corsos está ligada ao fascínio

despertado pelos automóveis, que se associavam a belos carros, com belas

mulheres, sustentando esta forma de se comemorar o Momo por algumas décadas.

As grandes sociedades, os ranchos e os corsos conceituavam as

comemorações carnavalescas, dando um aspecto “chic” à festividade, durante a

Republica Velha, como acentua Queiróz (1984).

Eneida (1958), não informa de maneira precisa quando o corso terminou,

mas relata que nos anos 30, já se encontrava em crise. Em 1957, ela testemunhou

que não mais existia. De acordo essa autora, o aumento do número de automóveis,

a metropolização e os problemas de trânsito que passaram a existir no decorrer dos

anos, inviabilizou este tipo de manifestação popular.

11De procedência espanhola, chegou ao Brasil em 1892. 12De procedência francesa, chegou ao Brasil em 1892. 13O lança-perfume era uma bisnaga de vidro ou metalizada, que continha em seu interior éter perfumado. De procedência francesa, chegou ao Brasil em 1903.

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1.4. Referenciais carnavalescos brasileiros

O carnaval tornou-se cada vez mais popular a partir do século XX, quando

apresentou um crescimento considerável.

Em Salvador, no estado da Bahia, o carnaval começa praticamente em

dezembro, quando se iniciam os festejos para a festa da Conceição da Praia. Nesse

estado, o destaque fica por conta dos trios elétricos que contagiam o carnaval

baiano. Os músicos percorrem as ruas da cidade, em cima de caminhões altamente

equipados, com alto-falantes super potentes, cantando sucessos carnavalescos

dançantes. Provavelmente, o trio elétrico surgiu em 195014, com Dodô e Osmar.

Conduzidos por vários artistas famosos, desses circuitos participam mais de dois

milhões de foliões, em seis dias de folia.

Figura 02 – Trio Elétrico Pike Maderada. Fonte: Ibahia.com/Globo.com.

O afoxé, também difundido no carnaval baiano é um resgate à herança

cultural africana tendo como principais participantes pessoas ligadas ao candomblé.

14Trio elétrico – A máquina de fazer alegria. Ibahia.com/Globo.com. 14.10.2008.

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Figura 03 – Grupo de Afoxé, em Recife. Fonte: Prefeitura de Recife.

O carnaval de Olinda, no Estado de Pernambuco é igualmente destaque no

cenário nacional. Em Pernambuco surgiu o frevo, e segundo parece “E a multidão

dançando fica a ferver...” e daí surgiu a palavra frevo.

Segundo, a documentação apresentada pela prefeitura do Recife ao Iphan

“o frevo surge15 como expressão máxima do carnaval popular porque refletia as

mudanças da realidade social e a alteração das relações de força entre os grupos de

trabalhadores urbanos”.

Neste estado, o maracatu também é bastante executado. Trata-se de um

cortejo de origem africana, bastante rico em expressão. Os negros homenageavam

os seus antigos reis africanos e, mesmo com o fim da escravidão, estes festejos

continuaram a existir. O maracatu ganhou as ruas e também a simpatia do povo

pernambucano.

15DIAS, Suzana. Frevo nasceu como fenômeno de resistência popular. Revista Eletrônica do Iphan.

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Figura 04 – Galo da Madrugada, 2008. Fonte: Wikipédia.

A composição de blocos como o Homem da Meia-Noite e o Galo da

Madrugada são tradicionais no carnaval pernambucano. Com bonecos gigantescos

e embalados pelo ritmo do frevo, Olinda apresenta um dos carnavais mais

democráticos brasileiros. Os foliões participam ativamente das manifestações, sem a

necessidade um abadá16.

Em Manaus, acontecem desfiles similares ao das escolas de samba de São

Paulo e Rio de Janeiro, e também o Carnaboi, uma festa marcada por ritmos

regionais.

16Abadá é uma palavra de origem africana. É um tipo de bata ou camisolão branco utilizado pelos muçulmanos que aqui aportaram como escravos. No Carnaval de 1993, o designer Pedrinho da Rocha e o Bloco Carnavalesco Eva, lançaram uma nova fantasia em substituição às antigas mortalhas. Em homenagem ao Mestre Sena, antigo capoeirista e amigo, o designer batizou a nova fantasia de "abadá", popularizando a palavra. O abadá habilita o folião brincar dentro de uma área delimitada por cordas e seguranças.

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Figura 05 – Carnaboi, em Manaus. Fonte: Jornal Eletrônico Novo Milênio.

Na região norte, acontece o festival de Parintins, no mês de junho. O evento

é conhecido como a festa do boi. As fantasias são confeccionadas por artistas

parintinenses. A disputa baseia-se em lendas locais e os desfiles ocorrem no

bumbódromo, construído na Praça dos Bois. As principais agremiações a desfilar

são o Garantido e Caprichoso. Parintins exporta talentos para a produção do

carnaval de São Paulo e Rio de Janeiro.

Em várias cidades brasileiras, as escolas de samba promovem desfiles

organizados, onde se travam disputas para que se possa escolher qual a melhor

escola de samba, seguindo uma série de quesitos pré-estabelecidos.

Os desfiles mais tradicionais acontecem no Rio de Janeiro e São Paulo, nos

chamados sambódromos17. O primeiro a ser construído foi o do Rio de Janeiro.

Contudo, existem nestas cidades desfiles de blocos e bandas, reunindo grupos que

desfilam pelas ruas, não havendo um caráter competidor. Os bailes em clubes, em

17No Sambódromo, são realizados os desfiles de escolas de samba, trata-se de um conjunto arquitetônico composto por uma passarela, uma área de concentração e dispersão de agremiações. O sambódromo carioca foi projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, e implantado no governo de Leonel Brizola (1983-1986). Outras construções similares surgiram pelo país, como o "Bumbódromo" no Amazonas e o Sambódromo Anhembi "Pólo Cultural e Esportivo Grande Otelo”, também projetado por Oscar Niemeyer, construído e inaugurado em 1991, na gestão da prefeita Luiza Erundina.

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ambientes abertos ou fechados, onde são executadas músicas carnavalescas,

também são promovidos durante as comemorações do Momo.

Em outras cidades brasileiras, há formas similares de se comemorar o

Momo, como ocorre em Florianópolis, Porto Alegre e Vitória.

Figura 06 – Mestre Sala e Porta Bandeira. Escola de Samba Consulado de Florianópolis. Fonte: Escola de Samba Consulado.

Do ponto de vista cultural, o carnaval é a festa que mais reúne diferenças

em todo o território brasileiro, principalmente porque é celebrada por todas as

camadas da população. Até aqueles que não se envolvem com as celebrações

diretamente, desfrutam do feriado para viajar e planejar encontros de famílias que

vivem em locais distantes. A evolução da abordagem política se apresenta na

preocupação das prefeituras em fazer com que a infra-estrutura básica seja

oferecida aos foliões para que os dias de festa aconteçam com segurança, prova

empírica da vitória do “popular”.

Partindo-se do princípio de que a celebração popular do carnaval é uma

característica brasileira, e que a vontade de comemorar é cultivada pelo povo, a

legitimidade cultural de cada região do país deve ser preservada pelas

administrações públicas, como símbolo de peculiaridade regional, que podem

usufruir destas, para incentivar o crescimento do mercado local por meio do turismo.

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CAPÍTULO 2 – O CARNAVAL PAULISTANO DE RUA

Este capítulo aborda as primeiras manifestações carnavalescas na cidade

de São Paulo, logo após o entrudo. O folguedo representava uma possibilidade de

famílias brancas, de estratos sociais elevados, inspiradas nas tradições do carnaval

europeu se divertirem durante o carnaval. Com a cidade em transformação, o

carnaval paulistano de rua ganha notoriedade, atingindo os principais bairros

paulistanos à época.

2.1. A história do carnaval paulistano

A história do carnaval da Cidade de São Paulo está intrinsecamente

relacionada à evolução política, social e econômica do povo paulistano. As grandes

mudanças e transformações ocorreram com o progresso e com o desenvolvimento

alcançado pela cidade e pela sociedade. Em tempos conservadores brincar o

carnaval significava atentar aos bons costumes sociais. Os bailes promovidos em

meados de 1830 encerravam-se à meia-noite, e não havia naquela sociedade

atividades recreativas para a comunidade negra, hoje um ícone participativo no

carnaval na cidade.

O carnaval paulistano de rua se deu nos bairros operários da cidade,

marcados por fatos históricos que ficaram gravados na memória daqueles que

viveram àquela época, onde a rua era o cenário da folia, com carros alegóricos

puxados a cavalo e os mais variados trajes festivos. A festa carnavalesca de rua era

organizada por grupos de vizinhança, e essa dinâmica envolvia os seus membros,

constituindo-se num grande berço familiar.

Em São Paulo, no início do século XVII, o carnaval surgiu com o entrudo18,

herança de nossos colonizadores. Contudo, esta forma de comemoração era

considerada violenta, e a forma de se comemorar o Momo foi se tornando cada vez

mais refinada e elegante, principalmente, pelos adeptos das camadas mais

abastadas da sociedade. Aproximadamente em 1850, aparecem os primeiros

festejos em que eram utilizadas fantasias e os bailes de máscaras, que tem o seu

18SANTAGO, Maria do Carmo R. Procaci. Carnaval de Antigamente. CECIERG – Educação Pública. 27.02.2007.

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apogeu a partir de 1930. Os aristocratas passam a freqüentar os grandes bailes, sob

forte influência internacional, ao ritmo do tango e a da valsa.

Com o liberalismo que imperou durante o governo de D. Pedro II, e o

florescimento dos barões do café, houve um intenso contato entre as cortes

brasileiras e européias, e os modismos e costumes europeus são introduzidos no

Brasil. As comemorações de Momo se modificam, fazendo brotar uma nova etapa

na história do carnaval, que permanece até 1920, e que seria o embrião dos

carnavais de rua, que teve seu apogeu nos anos de 1940 e 1950.

Dessa forma, fica evidenciada a participação das grandes sociedades, onde

os foliões mais abastados, desfilando em seus carros luxuosos e enfeitados,

ocupam os grandes centros urbanos da cidade. As batalhas de confete ficam

registradas como um dos grandes atrativos do carnaval de rua, assim como a

serpentina, novidades utilizadas pelos foliões.

O entrudo passou a ser um folguedo de pobres, negros e marginais,

desaparecendo dos centros urbanos, passando a ser praticado em áreas mais

afastadas. Aos pobres só restavam duas opções: assistir os desfiles dos burgueses,

ou ser preso, caso insistisse em se divertir com um folguedo dentro de sua

realidade.

A burguesia paulistana estava em ascensão, o que motivou o surgimento de

vários clubes carnavalescos, e o carnaval representava uma espécie de euforia

contagiosa, onde todos queriam adquirir uma fantasia mais garbosa que a outra. A

alegria parecia não ter fim, o povo queria brincar o carnaval.

Para Simson (2007), “o carnaval de rua era um sucesso, o que motivou os

“filhos de família” a deixarem de freqüentar os recatados bailes paulistanos e se

misturar ao povo, durante a comemoração de Momo. Logicamente, que aquela

sociedade, recém- burguesa, não interessava essa mistura, e a solução foi brincar

dentro de seus luxuosos carros, e a partir daí, surge o corso na Avenida Paulista,

que reunia as personalidades da sociedade aristocrata.”

A seguir será abordado, como o carnaval chegou aos Bairros do Brás, da

Lapa e da Água Branca, principais centros urbanos de São Paulo, onde o carnaval

de rua se consolidou e concentrou a população de origem estrangeira, portanto,

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havia um carnaval praticamente europeu, ou seja, um carnaval feito por brancos e

para brancos.

2.2. O carnaval do Brás

O bairro do Brás, atualmente localizado na região central da cidade de São

Paulo, e se destaca pelo intenso comércio de roupas, teve um passado glorioso,

pois foi berço das comunidades européias no Brasil e da instalação de grandes

indústrias. Nos dias atuais cedeu espaço às comunidades nordestinas, coreanas e

bolivianas.

Neste bairro, então, afastado do centro urbano paulistano, ocorreu a primeira

manifestação carnavalesca de caráter popular. De 1905 a 1915 o folguedo, ainda,

encontrava-se em surgimento. Nesse cenário, a composição predominante no bairro

era de origem italiana e espanhola, e as classes sociais eram compostas de média e

proletariado. O bairro representava um conjunto de velhas chácaras, onde o

principal evento era a festa de Nossa Senhora da Penha.

De acordo com Langenbuch (1971) e Menezes (1954), o bairro começou a

viver um período próspero, a partir da construção da estrada de ferro que liga São

Paulo ao Rio de Janeiro. Esta entrou em funcionamento em 1875, porém foi

inaugurada apenas em 1877. Outra contribuição importante foi a criação de uma

linha de bondes, puxados a burro, que ligava o bairro ao centro da cidade,

acelerando e promovendo o seu desenvolvimento urbano. O entroncamento da

Estrada de Ferro São Paulo Railway (São Paulo – Rio de Janeiro – Jundiaí), ligava a

cidade de Santos.

Entre 1866 e 1888 foi construída a Hospedaria dos Imigrantes, que serviu de

instalação aos recém chegados da Europa, conforme esclarece Dean (1971). Estes

seriam, posteriormente, enviados às fazendas para trabalharem na lavoura cafeeira

paulista.

As atividades fabris foram instaladas, em sua maior parte, ao longo das vias

férreas. Desse modo, facilitavam a obtenção de matérias-primas, pois a maior parte

era importada.

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No Brás se instalaram várias indústrias, sendo que seus primeiros operários

foram os imigrantes estrangeiros, que se fixaram próximo ao seu local de trabalho,

habitando pequenas casas, ainda pouco valorizadas.

A maioria dos imigrantes estrangeiros e de seus descendentes, desde as

últimas décadas do século XIX até os anos 40, era de italianos, espanhóis,

portugueses e libaneses, que procuravam formas de se divertir em seus momentos

de tempo livre e lazer.

Simnson (2007), examinando artigos do Correio Paulistano, aponta que

faltava animação aos festejos realizados na região do Triângulo Central19,

importante pólo carnavalesco à época. O Brás chama à atenção com seus

folguedos, apresentando, a partir de 1907, vários festejos pré-carnavalescos, com

mascarados, Zé Pereiras e batalhas de confete, aos domingos.

A partir de 1910, o Brás se consolidou como um importante centro de folia,

apresentando um carnaval com grande participação popular e, as atividades de

salão, passam a ganhar impulso.

Segundo a autora, a primeira Guerra Mundial, em 1915, dificultou a

importação de apetrechos necessários à realização dos folguedos, de nítida

inspiração européia, e o corso da Avenida Paulista, é tida como divertimento

máximo, na comemoração de Momo. Os principais participantes são os fazendeiros

de cafés e industriais, recém enriquecidos, com suas famílias e amigos, portando

luxuosas fantasias e desfilando em carros abertos, assistidos pelo público, postado

na calçada.

As comemorações de Momo, também, eram realizadas nos grandes salões

e teatros, como o Colombo. Lá era realizado um único baile, com concurso de

fantasia, com a participação de famílias locais ou de regiões adjacentes. A

decoração era bem caprichada e a iluminação reforçada. Nos intervalos das danças

era feita uma verdadeira batalha de confetes.

Em 1915, o Brás promovia um modelo de carnaval idêntico aos do centro da

cidade, como na brincadeira “Você me conhece?”, por haver uma grande quantidade

de mascarados. O bairro copiava modelos dominantes à época, com automóveis

19As ruas do Triângulo compreendem, hoje, às ruas Direita, XV de Novembro e São Bento, onde se concentravam o comércio, a rede bancária e os principais serviços de São Paulo.

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abertos e com muitos caminhões e caminhonetes enfeitados com flores de papel,

arcos de bambu e bandeirinhas coloridas, recobertos com colchas e tapeçarias. Os

participantes são numerosos, muitas famílias, amigos e vizinhos.

A festa começava a partir das seis da tarde, em um largo próximo ao Rio

Tamanduatéi, e estendia-se até a Avenida Rangel Pestana, e ao Largo da

Concórdia. Daí, os carros faziam a volta, percorrendo o mesmo trajeto, para então

chegar ao ponto inicial, e começar tudo de novo. Os elementos da folia eram

confete, serpentina, lança-perfumes, lançados de um carro a outro.

Com tantos veículos na rua, os automóveis paravam, e eram ajudados pelos

funcionários municipais, para que fosse retirado o excesso de confete e serpentinas

que se aglomeravam pelas avenidas, depois de horas de folia.

Na imagem abaixo, a Família Brilhante20, em desfile carnavalesco, pelas

avenidas principais do Brás. É possível verificar a utilização de serpentinas

envolvendo o carro, e presença de jovens mocinhas, que ocupam a posição de

destaque no veículo.

Figura 07 – Família Brilhante em desfile pelas ruas do Brás. Fonte: Simson (2007).

20A foto foi cedida por Ana Thomé Brilhante. SIMSON, Olga R. De Moraes von. Carnaval em Branco e Negro. São Paulo: UNICAMP, 2007.

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O auge da festa se dava entre oito horas e meia-noite, seguindo por toda a

madrugada.

De 1920 a 1930, o folguedo do Brás já era o principal festejo carnavalesco

popular, e tem seu percurso estendido até o largo São José do Belém, através da

rua Celso Garcia, devido a grande quantidade de foliões e de veículos.

Toda a estrutura do carnaval era organizada pela Associação Comercial do

bairro que dava, aos comerciantes locais, a possibilidade de conseguir grandes

lucros.

A associação coletava fundos com as casas comerciais e fábricas, para

empregar na iluminação e decoração das ruas do trajeto do corso, e também para a

construção de coretos distribuídos estrategicamente pelo percurso.

As bandas de música eram contratadas na capital e no interior de São Paulo

para animar a festa. As luzes das casas de comércio ficavam ligadas durante todas

as noites de folia, para abrilhantar a festividade.

A Associação Comercial promovia concursos de melhor banda, carros mais

enfeitados, o bloco com melhor fantasia ou a mais original, e os prêmios eram

medalhas, troféus, cartões de prata.

Desses desfiles participavam desde crianças até idosos. Era nítida uma

maior participação de moças e rapazes, o que representava uma possibilidade de

embalar um namoro. Os rapazes separavam para suas amadas os confetes mais

luxuosos e os melhores lança-perfumes para atirar em suas pretendentes, ou até

mesmo presenteá-las.

Outro destaque da festa era a presença de músicos amadores, que

portavam pandeiros, violões, bandolins, flautas e clarinetes, executando melodias

carnavalescas.

As famílias levavam cestas de alimentos, frangos, leitões assados,

almôndegas e sanduíches, acompanhados de vinho e soda, para consumir em

longas horas de comemoração, convergindo em um grande banquete à italiana.

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Os carros enfeitados eram próprios ou alugados e, pertenciam às famílias

mais abastadas. Seus ocupantes vestiam fantasias luxuosas21. Quem não possuía

meio, fazia o percurso a pé, integrava-se aos blocos ou cordões com suas fantasias,

cantando, dançando e brincando com os transeuntes e com o público, tudo em um

clima de “uma grande família”, buscando sempre a respeituosidade. Era

praticamente inexistente a presença de contingentes policiais, pois, eram raras as

brigas entre foliões. Quando ocorriam, tudo era apaziguado por amigos e

conhecidos, desfazendo-se o mal entendido.

Figura 08 – Crianças pousa fantasiadas, antes de participar do corso do Brás. Fonte: Simson (2007).

Na imagem acima, um grupo de crianças fantasiadas, momentos antes de

se dirigirem ao corso do Brás. Ao centro, o filho de Ana Thomé Brilhante, vestido de

mexicano e, nas laterais, duas vizinhas vestidas de tirolesas.

21No corso do Brás, as fantasias mais comuns para moças eram a colombina, espanhola, camponesa italiana, portuguesa, cigana, jardineira e japonesa, e para os rapazes dominó, pierrô, arlequim, palhaço e pirata. As crianças e jovens, até se casarem, se fantasiavam obrigatoriamente. As pessoas casadas geralmente usavam fantasias quando estavam com um grupo que brincasse em conjunto. SIMSON, Olga R. De Moraes von. Carnaval em Branco e Negro. São Paulo: UNICAMP, 2007.

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Apesar do carnaval de rua ser o mais importante e divertido, havia muitos

bailes em recintos fechados, em clubes ou sociedades, com convites distribuídos

entre os sócios e seus amigos e parentes, geralmente, de origem étnica semelhante

e bem situados socialmente.

Outros espaços destinados ao carnaval da região eram os cinemas, teatros

e salões de dança, onde a participação era livre, bastando apenas comprar o

ingresso, por uma quantia não muito elevada. Alguns bailes ficaram muito famosos,

como os do Teatro Colombo, Cine Oberdan, Cine Olímpia e do Cine Piratininga, do

Salão Almeida Garret, dentre outros. Nas casas maiores ou nos quintais promoviam-

se bailes, entre famílias que se juntavam. Os participantes levavam seus

instrumentos musicais, onde todos cantavam, dançavam com as marchas de

carnaval e de sambas carnavalescos. Ainda, incorporavam instrumentos

improvisados, como frigideiras e tampas de panela. O dono da casa organiza

cordões para visitar outras famílias conhecidas, recebidos com café e bebidas, e

novos elementos eram incorporados, onde o destino final era a Avenida Rangel

Pestana.

O carnaval do Brás revelou diferenças sociais, do ponto de vista sócio-

econômico, onde aqueles melhores situados desfilam em carros e portam fantasias

luxuosas. As mulheres vestiam roupas que indicavam sua origem étnica ou as

representavam. Os situados em posição mediana socialmente saiam em blocos com

seus iguais, mas dotados de grande criatividade22, na confecção de suas fantasias,

lançava mão de muitos expedientes, como “sair de sujo”, com roupas esfarrapadas,

ao avesso, índio, ceroula cor de carne e com pinturas.

Entre 1918 e 1919, segundo Simson (2007), o carnaval do Brás ganhou

fama em toda a cidade, além de adjacências como Mooca, Pari, Belém, Tatuapé e

Penha, os foliões mais distantes como Lapa, Pinheiros e Pirituba são incorporados à

folia, com todas as facilidades do bonde e do trem. O bairro tornou-se a atração

máxima do carnaval paulistano. Muitos foliões que participavam do corso da Paulista

passam a comemorar o Momo no bairro do Brás.

22Moças utilizando vestidos de chita e chapéus de palha, rapazes fantasiados de pijamas listrados, outros com fraques confeccionados com sacos de estopa, e troca de fantasias: homens vestidos de mulher e vice-versa. (Simson, 2007).

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O carnaval tornou-se uma importante festa popular, nas décadas de 1920 e

1930, recebendo a atenção do poder municipal. Em 1931, a prefeitura passou a

cobrar uma taxa paga pelos automóveis que quisessem desfilar na folia do bairro. A

taxa tinha caráter beneficente, pois o dinheiro arrecadado era destinado à

Associação Santa Teresinha, que tinha como finalidade cuidar dos filhos de

leprosos. Apesar da taxa não ser alta, o carro só desfilava com uma credencial,

posta no pára-brisa.

O declínio do carnaval do Brás ocorreu a partir da Segunda Guerra Mundial,

com uma série de transformações no bairro. Na Avenida Rangel Pestana havia

poucas casas comerciais dispersas com famílias residindo nos fundos de lojas. A

avenida ficou cada vez mais comercial. Os imóveis foram se valorizando e as

famílias foram se mudando para outros locais, como Cambuci, Aclimação e Jardim

América, no caso dos mais abastados. Os menos favorecidos foram migrando para

bairros operários como Belém, Tatuapé, Vila Esperança e Vila Matilde, pois os

aluguéis e terrenos eram mais acessíveis.

Os automóveis fechados também impossibilitavam as brincadeiras do corso,

mas a razão mais apontada para acabar com o carnaval dessa região foi o

desaparecimento dos grupos de vizinhança, a base do sucesso dessa organização.

A partir dos primeiros anos da década de 1950, o governo municipal, atento

a decadência dos folguedos do Brás, tenta ativá-lo, fazendo a transferência do corso

para a Avenida São João. Isso devido ao fácil acesso e por estar na região central,

além de resgatar os foliões do Brás e atrair novos. O corso é realizado por mais

cinco ou seis anos neste local. Mas, devido à proibição de caminhões e

caminhonetes que substituíram os antigos carros conversíveis e de blocos e cordões

entre os carros, acabou eliminando completamente o folguedo nos últimos anos da

década de 1950.

2.3. O carnaval da Lapa

Localizado na região oeste da cidade de São Paulo, o bairro da Lapa se

consolidou no século XX como um região industrial e proletária. A região norte do

bairro é denominada como Lapa de Baixo, a região sul como Lapa, e a região

sudoeste da área central, como Alto da Lapa. Atualmente, o Alto da Lapa possui

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imóveis de alto padrão, enquanto a Lapa de Baixo conserva as características de

bairro industrial e proletário.

Um grande número de operários imigrantes e seus filhos, de predominância

espanhola e italiana se instalaram aí, após a vinda das oficinas da Companhia

Inglesa, a Fábrica de Tecidos e Bordados Lapa, a companhia White Martins e

pequenas oficinas. Também se instalaram aí, os técnicos ingleses da São Paulo

Railway, e também os mestres e contramestres vindos de Milão, trazidos pela

Fábrica de Tecidos e Bordados da Lapa, cujo dono era o suíço Henrique Scholk.

A Lapa mostrava-se um bairro precário. A luz elétrica começou a ser

implantada no fim do primeiro decênio, e o abastecimento de água era feito por meio

de poços. Surge, em 1909, o Grupo Escolar da Lapa. Em 1922 é construída uma

pequena escola de datilografia e contabilidade, a Olavo Bilac, que tinha como

objetivo formar pessoas para trabalharem na atividade comercial. Em 1924, criou-se

a Escola de Comércio Campos Salles, particular e com muitos freqüentadores,

oferecendo aulas noturnas, o que confere ao bairro uma preocupação com o

crescimento comercial local.

De acordo com Wanderlei dos Santos23, historiador do bairro da Lapa, desde

1903, o acesso entre o bairro e o centro da cidade era feito pelo bonde 35, e

também contava com um carro fechado destinado ao abastecimento de mercadorias

dos comerciantes do bairro. Diante das dificuldades de abastecimento e os preços

altos das mercadorias, muitas famílias passam a se organizar para combater o

elevado custo de vida. Dessa forma, surgiu a Cooperativa de Consumo da Lapa, em

1908, trazendo muitos benefícios aos seus associados.

Nem tudo se resumia à trabalho. As famílias se reuniam para preencher o

tempo livre ou de descanso nos vários clubes do bairro: União Lapa, fundado em

1910, Lapa Futebol Clube, fundado em 1912 e que também promovia bailes, o Luz e

Esperança, o Clube Carnavalesco Lapeano, fundado em 1916, o Terpsicor, Flor do

Mal, Rose Clube, Elite e Clube Atlético Triângulo (1926).

23SANTOS, Wanderlei dos. Divisão do Arquivo Histórico Municipal. Histórias dos bairros de São Paulo. São Paulo, 1980.

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Durante os três primeiro decênios do século XX, Lucila Hermann24, aponta

que o bairro cresceu significativamente. Já no início de 1930, dá uma idéia de que

se tornaria um importante subcentro comercial, tendo em vista que muitos que por lá

passavam para se dirigirem ao trabalho, utilizavam a infra-estrutura e os serviços

deste local. De 1935 a 1939, o bairro se conectava a muitos subúrbios, por meio de

ferrovias, e possuía linhas de ônibus para Vila Pereira Barreto, Piqueri e Vila

Jaguara.

Ao que tudo indica, a Lapa foi o segundo bairro a promover um carnaval

planejado, depois do Brás, iniciando seus folguedos em 1916. Ambos apresentavam

o mesmo tipo de população predominante e registravam atividades econômicas

similares.

O início do folguedo na Lapa surge quando um grupo de operários que

trabalhavam nas oficinas da São Paulo Railway e na Fábrica de Tecidos e Bordados

da Lapa, além de outras pequenas oficinas, reuniram-se com comerciantes

interessados nos festejos carnavalescos para fundar um clube.

Dessa forma, criaram o Clube Carnavalesco Lapeano, que promoveu o

folguedo até o fim da década de 1920. Os operários, financiados pelos comerciantes

e industriais, construíam os carros alegóricos para o desfile, geralmente, nos finais

de semana e, nos dias úteis, após o expediente. Essas atividades eram feitas em

grandes barracões de marcenaria que havia no bairro. Construíram dois carros: um

alegórico, que tinha em seu centro uma laranja e um outro com estilo satírico, que

tinha como título “Defunto procurando cova”, uma forma de protestar contra a falta

de cemitério no bairro, fazendo que com os mortos tivessem que ser levados até o

cemitério da Freguesia do Ó.

Um outro carro alegórico deste Clube foi montando sobre uma carroça.

Possuindo, como destaque decorativo, um grande vaso de flores, com uma

borboleta pousando sobre ele, e desfilava pela rua Monteiro de Melo. O bairro ainda

estava em formação. As grandes fábricas estavam em construção. As ruas não eram

pavimentadas e água e a luz, estavam chegando ao bairro.

24HERMANN, Lucila. Estudo do Desenvolvimento de São Paulo através da análise de uma Radial. São Paulo, 1944.

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Figura 09 – Carro alegórico do Clube Carnavalesco Lapeano. Fonte: Simson (2007)

Os instrumentos de percussão executavam batidas características do Zé-

Pereira, enquanto os participantes cantavam.

Os festejos carnavalescos se limitaram inicialmente à Lapa de Baixo, por ser

mais desenvolvida e por apresentar maior número de casas comerciais.

Nos cinco anos seguintes, Aureliano Leite25, descreve que o bairro sentiu os

reflexos da Primeira Guerra Mundial e a epidemia de gripe espanhola26. Por isso,

não houve comemorações carnavalescas no Bairro. A epidemia levou as

autoridades a construírem o Cemitério da Lapa, que ficou conhecido como “Goiaba”.

Os desfiles carnavalescos voltam a ocorrer em 1922. Ressurge com maior

intensidade e com a participação de famílias com maior poder aquisitivo. O

tesoureiro do Clube Carnavalesco Lapeano percorria as casas com o seu “livro de

ouro”, uma espécie de caderno, onde efetuava os registros das doações recebidas.

Aquele que não recebia o convite para colaborar com o livro de ouro tomava como

ofensa, o que confirma a aceitabilidade festiva no bairro.

Uma grande parte das famílias possuía carros e, dessa forma, participavam

ativamente dos festejos de Momo. Todos aguardavam com bastante ansiedade o dia

25LEITE, Aureliano. História da Civilização Paulista. São Paulo. 1954. 26Na cidade de São Paulo, que possuía 55.000 habitantes, são registradas 8.000 mortes em quatro dias. No Brasil foram registradas em torno de 300 mil mortes. A doença foi tão severa que vitimou até o Presidente da República, Rodrigues Alves, em 1919.

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do desfile, pois havia suspense em torno da apresentação dos carros e das

fantasias. O desfile era à tarde e o ponto de conversão era a rua Doze de Outubro.

Na fotografia, o carro de uma família, na época influente, levava crianças

fantasiadas para participar do desfile carnavalesco, além dos amigos não

fantasiados. O carro decorado com flores artificiais envolvendo todo o veículo e uma

colcha de crochê cobrindo sua capota, copiava os padrões do corso da Avenida

Paulista.

Figura 10 – Família Barreto faz pose antes do desfile. Fonte: Simson (2007).

O desfile era aberto por uma comissão de frente de cavalos, e doze sócios

do Clube. Estes vestiam roupa clara e portavam palhetas brancas. Desfilavam com

quatro ou cinco carros alegóricos, montados sobre carroças puxadas a burros. Era

uma criação bem elaborada. Tratava-se de um trabalho artesanal em madeira,

papelão e papel, além de pinturas em sua composição lateral.

O destaque dos carros alegóricos geralmente eram os filhos dos operários

que os haviam construído, que vestiam fantasias temáticas.

Ao longo do percurso eram executadas marchas e músicas carnavalescas

que passaram a ser divulgadas a partir de 1920. O cortejo partia da rua Doze de

Outubro, seguindo pelas ruas Trindade (Cincinato Pomponet) e Guaicurus,

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percorrendo, inclusive, os bairros vizinhos da Água Branca, Pompéia, chegando a

Perdizes. O retorno à Lapa se dava às oito horas da noite, sendo todos recebidos e

aguardados com muita ansiedade. Eram soltos fogos de Bengala.

Na segunda-feira, a partir das oito da noite, o Clube Carnavalesco Lapeano

promovia no Cine Teatro Carlos Gomes, com a participação de famílias-sócias,

animados pela Banda Operária da Lapa. Não havia venda de convites para este

evento. Os camarotes eram reservados com antecedência, e somente para

convidados.

A crise de 192927 também interrompe as atividades festivas no bairro, assim

como os reflexos da Revolução Constitucionalista de 193228. Com isso a Lapa só

voltou às atividades carnavalescas, por volta de 1934. Porém, nessa ocasião, o

Clube Carnavalesco Lapeano estava desestruturado.

Devido a essa desestruturação o carnaval de rua da Lapa era feito

espontaneamente, sem nenhuma organização. O corso continua por mais alguns

anos, porém o entusiasmo desapareceu e o percurso bem restrito às suas ruas

principais. Alguns participantes com fantasias idênticas desfilavam pelas ruas Doze

de Outubro e Cicinato Pomponet, antes de se dirigirem aos bailes dos clubes locais,

que permaneciam ativos.

No final da década de 1940, a Sociedade Esportiva Palmeiras começou a

promover bailes carnavalescos no Parque Antártica, concorrendo com os bailes

vizinhos. Os mais jovens foliões da Lapa passaram a freqüentar os bailes do Parque

Antártica, por serem mais modernos e liberais. Representava um ambiente de

vanguarda, em comparação aos clubes da Lapa. E assim, os bailes da Lapa foram

desaparecendo por completo até o início dos anos de 1950.

Até a década de 1960, o carnaval lapeano se resumiu a bailes realizados

nos salões mais populares e alguns grupos carnavalescos vindos de regiões menos

27Em 1929 ocorre a quebra da Bolsa de valores dos Estados Unidos, iniciando-se uma grande crise mundial. No Brasil há uma grande queda do preço do café sobre a economia geral.

28Também conhecida como Guerra Paulista, ou Revolução de 32, foi um movimento armado que objetivava a derrubada do Governo Provisório de Getúlio Vargas à instituição de um regime constitucional após a supressão da Constituição de 1891 pela Revolução de 1930.

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importantes para se apresentarem no bairro, incentivados pelas taças e medalhas

que o comercio oferecia em seus concursos carnavalescos, quase improvisados.

O carnaval da Lapa viveu uma nova fase a partir de 1962, quando o Clube

de Lojistas da Lapa, então, recém-fundado, para promover o comércio local em toda

a cidade, passou a organizar promoções, com competições de decoração natalina e

de desfiles cordões e escolas de samba no bairro, com o apoio do jornal Tribuna da

Lapa.

O primeiro desfile, em 1962, foi patrocinado pela Loja o Barulho da Lapa e

da Indústria Linholene, sendo que esta última patrocinou a transmissão dos desfiles

pela TV Paulista. A partir disso, a Lapa entrou no esquema do “carnaval-espetáculo”,

atraindo para o bairro cerca de cinqüenta a sessenta mil pessoas, além dos

principais cordões e escolas de samba.

Segundo o tipo de folguedo, seu tamanho e sua importância, recebiam

condução gratuita e ajuda financeira para participar de concursos, tendo como

prêmio taças às melhores entidades em cada categoria. Essa iniciativa foi um

sucesso e permaneceu por mais seis anos consecutivos, quando a prefeitura

oficializa os desfiles carnavalescos em 1968, passando a realizar os festejos no

centro da cidade. Assim, o esquema montado na Lapa foi transportado para o Vale

do Anhagabaú.

2.4. O carnaval da Água Branca

Localizado próximo à Barra Funda, o bairro da Água Branca está situado na

zona Oeste de São Paulo. A Água Branca mesmo antes da construção da São

Paulo Railway, era mais conhecido do que a Lapa.

Segundo Taunay (1956), o bairro servia de pouso e rancho para alojamento

de viajantes, tendo em vista que no século XIX era muito difícil encontrar

alojamentos. Em meados de 1867, quando foi construída a São Paulo Railway, tanto

a Lapa quanto a Água Branca, se encontravam no mesmo nível de desenvolvimento,

e seus territórios eram ocupados por olarias e sítios.

A Água Branca é escolhida como sede de uma estação intermediária entre

São Paulo e Perus, junto com a Companhia Inglesa, em 1867.

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Em 1895 é descoberta areia de qualidade excepcional no bairro e é dado

início a fabricação de vidro, surgindo a firma Prado & Jordão, um embrião da

Vidraçaria Santa Marina, que cresceu bastante. Dez anos depois, a fábrica abrigava

quatrocentos operários, que residiam em terrenos da fábrica ou de sua propriedade.

O bairro se desenvolveu com a implantação da estação ferroviária. Mas,

como as oficinas da São Paulo Railway mudam para a Lapa, em 1898, a Água

Branca, passou cerca de vinte anos estagnada.

Havia uma procura intensa de terrenos pelos imigrantes italianos e o

engenheiro Luiz Bianchi Betholdi, resolveu lotear uma zona contígua do bairro, em

1888, chamando-a de Vila Romana. Era um bairro rural e, assim, foi se formando

aglomerados de pequenas chácaras, com plantações de subsistência, próximo à

estação Água Branca.

No final do século XIX, duas ferrovias ligavam centro-bairro, e surgem novos

empreendimentos ao longo da Avenida Água Branca e da Guaicurus, como o

Complexo Industrial Matarazzo, a Vidraçaria Santa Marina29 e o Curtume Franco-

Brasileiro. Isso fez com que fez um grande número de operários habitassem os

bairros da Água Branca e da Lapa. Esse fato estimulou a instalação de indústrias

menores, favorecendo e empregando mão-de-obra não especializada, do sexo

feminino e jovens. Os terrenos eram vendidos a preços acessíveis e o bairro já

possuía facilidades em seus meios de transportes.

Foi neste cenário que surgiram os folguedos carnavalescos na Água Branca.

Simson (2007) esclarece que os desfiles da Água Branca se iniciaram,

aproximadamente, em 1927, quando um grupo de rapazes resolveu montar o bloco

carnavalesco Moderado. Esse nome foi escolhido de forma irônica, pois o grupo era

muito conhecido por fazer brincadeiras pouco comedidas.

Em um terreno baldio, estes jovens construíram uma espécie de barracão.

Lá faziam reuniões, se pintavam e se fantasiavam com roupas velhas e rasgadas e,

desfilavam pelo bairro.

29BARCELOS, Flávio de. Cia. Vidraçaria Santa Marina: 80 anos de Sociedade Anônima, 90 de Vidro. São Paulo, 1983.

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Essa brincadeira foi um sucesso e o número de participantes aumentou

consideravelmente ano após ano. A partir de 1933, o pessoal do Moderado decidiu

construir carros alegóricos.

A maior parte deste bloco era de operários locais. Posteriormente, foi

elevado à condição de rancho carnavalesco, e registrado na Federação das

Pequenas Sociedades Carnavalescas, com o nome de Grêmio Recreativo

Carnavalesco Moderado. Alcançou a qualificativa para desfilar na rua Líbero Badaró,

na segunda-feira de Carnaval e a disputar os prêmios da Comissão de Divertimentos

Públicos.

O prefeito Fábio Prado30 reorganizou os folguedos na cidade e promoveu

uma melhor organização do carnaval em toda a cidade, dispondo os variados

estratos em locais e horas, o que demonstra um claro incentivo às criações

carnavalescas populares.

Estes grupos abordavam músicas carnavalescas de sucesso e que

possuísse um enfoque jocoso, isto é, com aspectos críticos, de forma que todos

rissem e gostassem.

De acordo com Simson (2007), o Moderado fazia duas exibições. Aos

domingos, apresentava-se no centro, nos concursos promovidos pelas emissoras de

rádio, e por último, pela prefeitura, com todos os seus carros alegóricos, bateria,

porta-bandeira, baliza e lança-fogo. Na terça-feira desfilava na Água Branca, e logo

se dirigiam à Lapa, mas na condição de bloco ou cordão, sem seus carros

alegóricos, em sinal de agradecimento aos comerciantes que auxiliavam a entidade.

Os carros sempre apresentavam estilo satírico, fazendo criticas aos maus

comerciantes, por exemplo. A apresentação era esperada com muita ansiedade pelo

público da Água Branca, que comparecia ao desfile no domingo. Muitos vinham de

bairros vizinhos como Pompéia e Perdizes. À meia-noite, ficavam sabendo se o

30Em 1936 ao assumir a prefeitura Fábio Prado remodela a cidade e a melhora como um todo, tanto nas questões básicas, quanto em questões recreativas, buscando dar ao paulistano um caráter menos sisudo e propiciando a todos maiores opções de lazer. Em sua gestão ocorre um dos maiores carnavais que São Paulo já teve. Um gigantesco rei Momo foi construído na Praça Antonio Prado, do tamanho de um prédio de 15 andares, muito enfeitado e iluminado que refletia o seu olhar sobre a Avenida São João, onde o corso deslumbrava os foliões, os turistas e todo o povo.

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Moderado havia trazido mais uma taça para o bairro. Se confirmado, muitas pessoas

voltavam à rua para comemorar madrugada adentro.

Enquanto os mais pobres da Água Branca preocupavam-se com a

organização e o desfile do Moderado, os mais abastados se divertiam em dois

clubes existentes na Guaicurus: o Rugerone e o Roma. Tanto um quanto o outro

tiveram sua origem a partir de clubes de futebol amador. A partir da reunião de

jovens esportistas, acabou se convertendo em clubes dançantes.

Simson (2007) esclarece que havia uma diferença sócio-econômica

envolvendo os dois clubes. O Rugerone tinha como associados, os pequenos

artesãos, alfaiates, barbeiros, tipógrafos, eletricistas, encanadores e operários. O

Roma, os pequenos industriais, profissionais liberais, militares e funcionários

públicos.

A rivalidade entre os dois clubes se acirrava no período carnavalesco,

quando podiam arrecadar fundos para cobrir a manutenção do clube por todo o resto

do ano. No fim da década de 40 e início de 50, o Roma e o Rugerone entram em

decadência, quando o Palmeiras inaugura seus grandes salões no Parque Antártica,

promovendo grandes bailes carnavalescos pagos, apresentando um local com clima

mais liberal e com astros radiofônicos, geralmente da imprensa carioca, sendo a

vanguarda em baile.

Na década de 1940 e início de 1950, dada a grande concentração industrial,

os grupos de vizinhança foram se dissipando para outras regiões, causando a

destruição do carnaval de rua da Água Branca, já que estes grupos foram os

responsáveis pela organização do Moderado.

2.5. A decadência dos carnavais de rua

De acordo com as manifestações carnavalescas abordadas, nos bairros do

Brás, da Lapa e da Água Funda, é possível evidenciar uma série de características

similares entre eles. Todos estes bairros apresentaram um crescimento rápido,

servindo de moradia aos operários imigrantes, em maior parte italianos e espanhóis.

Os bairros apresentados não eram afastados do centro da cidade, embora,

no começo do século, não houvesse agilidade, em relação aos meios de

transportes, para atingir a zona central. Com a aceleração do desenvolvimento

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urbano, estes bairros foram se transformando em bairros habitados pela pequena e

média burguesia e também reduto da classe operária na cidade de São Paulo.

Os folguedos carnavalescos representavam uma possibilidade das famílias

se divertirem em seu tempo livre. A comemoração de Momo era muito aguardada

por todos. Tratava-se de um evento diferenciado, pois, envolvia toda a população

destes bairros, ao passo que os clubes arrecadavam fundos adicionais, o que não

ocorria em outras comemorações ao longo do ano.

Este carnaval branco era o modelo das grandes sociedades, com aspiração

burguesa, regados a bailes à fantasia, que além de desfiles de rua, eram realizados

em cinemas, teatros e clubes locais.

Nestes bairros, as associações carnavalescas recebiam o apoio financeiro

de comerciantes e industriais, sendo que, os operários foram os grandes

responsáveis pela organização carnavalesca, e gastavam muito de seu tempo livre

para fazer a elaboração e produção dos folguedos.

Os grupos de vizinhança e os canais de relacionamentos sociais entre as

famílias e os diversos estratos sociais, formaram a base da organização

carnavalesca destes bairros. Quando a cidade cresceu, e modificou a população dos

bairros e os grupos de vizinhança se dissiparam, os festejos carnavalescos de rua

entram em colapso e desaparecem.

Como o Brás se localizava em uma região mais central, havia melhor acesso

dos foliões ao bairro. Também apresentava estratos sociais diversificados

envolvidos no processo carnavalesco, havendo divisões espaciais entre estes

estratos durante a comemoração do Momo. Foi o primeiro carnaval de rua a

desaparecer, por ser também o primeiro a sofrer o processo de transformação que

dispersou os grupos de vizinhanças originais.

O carnaval da Lapa apresentou-se como uma forma de entretenimento local,

e também foi um bairro que se desenvolveu rapidamente. Tornou-se um importante

centro dos festejos carnavalescos, apresentando uma espécie de carnaval-

espetáculo, tendo em vista que outras agremiações vinham de outros bairros para

participar do carnaval lapeano. Também recebeu a contribuição de comerciantes, e

passou a promover concursos carnavalescos.

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Na Água Branca, o carnaval chega tardiamente, em relação ao Brás e à

Lapa. O comércio também não incentivou os grupos para garantir os desfiles-

espetáculo. O folguedo era baseado nos grupos de vizinhanças. Os bailes lá

promovidos mostravam uma nítida separação por estrato social. O carnaval de rua,

organizado por operários, buscava mostrar apresentações satíricas, conseguindo se

manter até aproximadamente 1950.

A Água Branca transforma-se em um bairro de classe média com a saída

das indústrias e famílias de classe operárias para outros bairros. Isso levou ao fim

do carnaval de rua, conduzindo os foliões a participarem de atividades

carnavalescas de salões em grandes clubes.

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CAPÍTULO 3 - O CARNAVAL PAULISTANO E OS CORDÕES

Este capítulo abordará a trajetória dos cordões carnavalescos, fazendo-se

um estudo do seu processo de formação e crescimento que representou o auge da

folgança do carnaval paulistano. Do ponto de vista sociocultural, os cordões podem

ser definidos como um carnaval negro, pois produziam seus desfiles como forma de

lazer para a população pobre e negra da cidade.

3.1. O surgimento dos cordões carnavalescos

Os primeiros cordões carnavalescos paulistanos surgiram nas décadas de

1910 e 1920 e, nos anos de 1930 a 1950, o número de cordões existentes na cidade

se multiplicou rapidamente. Foi um folguedo típico da população negra e pobre da

cidade de São Paulo. Os principais redutos negros concentravam-se nos bairros da

Barra Funda, Bela Vista e Baixada do Glicério.

De acordo com Lowrie (1938), os bairros acima mencionados situavam-se

próximo ao centro urbano e, em suas imediações, estavam os bairros da classe

média alta paulistana que ofereciam um grande número de empregos. No entanto,

constituíam-se em áreas pouco valorizadas, oferecendo moradias baratas. Nas

áreas mais valorizadas desses bairros habitavam as famílias brancas, enquanto que

nas ruelas e becos, moravam os negros, suscetíveis às constantes inundações.

Nestas áreas desvalorizadas, onde morava um grande número de famílias

negras, com empregos regulares e com renda diminuta, surgiram as primeiras

manifestações negras do carnaval paulistano.

Segundo Verger (1980), nesses espaços, criaram-se associações que

promoviam atividades de lazer direcionadas à comunidade negra e pobre, com

prováveis experiências em festas profano-religiosas, organizadas em bases

familiares. A partir das regiões apresentadas houve uma expansão dessas

associações às áreas mais afastadas. Algumas festas como o Treze de Maio, a

festa de Santa Cruz, no bairro da Liberdade e a festa de Nossa Senhora Achiropita,

sendo que nesta, incluía manifestações de negros da Bela Vista, no dia 15 de

agosto o samba “corria solto” na rua Treze de Maio, reunindo os negros do Bixiga.

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Os festejos negros deram à comunidade a possibilidade de elaborarem

folguedos carnavalescos baseados em seu próprio espaço, seus grupos musicais e

suas experiências profano religiosas.

Nas décadas de 1920 a 1930, a população jovem habitava bairros

diferentes, como a Casa Verde, a Vila Formosa, o Parque do Peruche e Cruz das

Almas, onde se reuniam para dançar e fortalecerem os laços de amizade, saindo da

plena unidade familiar. Supostamente, por esta razão, a partir dessa década,

surgem os salões de raça, clubes dançantes negros que reuniam estes jovens de

diversos bairros paulistanos. Os salões de raça eram espaços privados onde seus

freqüentadores fugiam da repressão policial, fato corriqueiro em espaços de lazer

públicos para a comunidade negra, conforme acentua Raquel Rolnick (1986).

Os salões de raça serviram de base para a criação e manutenção das

entidades carnavalescas que surgiram nas décadas subseqüentes. Neles, os

primeiros cordões fizeram suas apresentações e evoluções, como forma de

homenagear a comunidade negra paulistana. Entre as décadas de 1920 e 1950,

localizaram-se próximo ao centro velho31, sendo um importante espaço na formação

dos folguedos carnavalescos negros.

O clima dos cordões era marcado por uma intensa rivalidade entre as

agremiações, chegando muitas vezes ao entrave de lutas físicas.

Durante as décadas de 1910 e 1920, Simson (2007) lembra que existiram

poucos cordões, todos praticamente da mesma região: a Barra Funda. Ao que tudo

indica, não houve muitos conflitos, muito pelo contrário, era factual as recíprocas

homenagens. No final desta mesma década, promoveu-se um encontro entre três

cordões: Camisa Verde, Campos Elíseos e Flor da Mocidade. Reuniram-se na rua

Souza Lima com a Conselheiro Brotero, e um oferecia homenagem ao outro.

Da década de 1930 a 1940, os cordões começam a se diferenciar um dos

outros, passando a imprimir um caráter mais agressivo. Os mais violentos já iam

“preparados” para os desfiles, portando lanças, bastões e batutas, formando uma

espécie de comissão de frente, prontos para atacar os rivais e defender o estandarte

31Compreendia as ruas Florêncio de Abreu, do Carmo, Quintino Bocaiúva, 25 de março, Largo dos Piques e Praça da Sé.

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da agremiação. Entre os cordões mais aguerridos desta época, destacaram-se o

Vai-Vai, Desprezados, Geraldino, Camisa Verde e Baianas Paulistas.

Mas, não eram todos os cordões violentos. Havia aqueles que, embora

preparados para se defender, evitavam possíveis conflitos. Entre eles, estavam o

Campos Elíseos, Flor da Mocidade, Bloco das Caprichosas e Som Cristal.

Embora possuíssem aspectos comuns, por serem agremiações negras, com

poucos recursos e sem apoio do poder público, inclusive com possibilidade de sofrer

repressões policiais, tornavam-se inimigos, por pertencerem a redutos negros

diferentes. Quando um antigo presidente, por desavença interna, fundava um novo

cordão, ou algum cordão utilizava as cores de outro já existente, e até mesmo

devido às melhores condições econômicas entre eles, serviam de motivos para

embates.

As disputas físicas ocorriam no meio dos desfiles ou nos salões de raça. O

embate era iniciado pelos balizas ou contrabalizas, em que o cordão inimigo tentava

rasgar o estandarte, produzido com artesanato fino, geralmente em cetim, pintado

com as cores do cordão. Os instrumentos frágeis, também se tornavam alvo do

quebra-quebra.

Nas décadas de 1940 a 1960, com a introdução dos concursos, com

patrocinadores dos meios de comunicação (jornais, rádio e televisão), apoiados

pelos setores comerciais e industriais, os cordões passaram a canalizar suas

emoções para o desfile organizado, em razão da premiação ou de taças de metal.

Assim, os embates físicos, começavam logo após a divulgação dos resultados do

concurso, após os desfiles, na terça-feira gorda. Os sambistas se concentravam em

frente à entidade organizadora da disputa, e lá a pancadaria “comia solta”, como

explica Dona Odete, do Vai-Vai:32 “...era uma rua, então todo mundo aguardando,

perto da Praça da Sé, pro lado da rua Direita. É, mas quando falava: Vai-Vai e a

gente, ou de barriga ou de dieta, ou com as criança agarrando, entrando debaixo da

saia pra sumir do meio daquela confusão...Com tudo isso era outro entusiasmo! Era

outro negócio! Então saía briga porque era no dia mesmo o resultado, não tinha que

esperar”.

32Depoimento de Dona Odete, antiga integrante do Vai-Vai. SIMSON, Olga R. De Moraes von. Carnaval em Branco e Negro. São Paulo: UNICAMP, 2007.

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Ao que tudo indica, os primeiros concursos foram realizados a partir da

década de 1930. Flávio Prado, então prefeito da cidade de São Paulo, recebeu

influência de intelectuais paulistanos, ligados ao movimento modernista, tendo em

vista que as manifestações carnavalescas são tidas como traços culturais nacionais,

ou até mesmo para seguir as diretrizes cariocas, que recebiam algum apoio para

desfilar na Praça Onze, oficializado em 1936. Flávio Prado decidiu promover entre

1935 e 1936, desfiles e concursos para todos os tipos de folguedos existentes na

cidade, inclusive os de negros e pobres, os cordões.

Vários intelectuais como Menotti Del Picchia, Wasth Rodrigues, Vitor

Brecheret e Belmont participaram ativamente da Comissão de Divertimentos

Públicos, estabelecendo datas, horários e locais para as apresentações a serem

realizadas na Líbero Badaró e Largo São Bento. Os cordões melhores posicionados

recebiam prêmios. Aproximadamente 46 estavam filiados à Federação das

Pequenas Sociedades Carnavalescas.

No final da gestão do prefeito Flávio Prado, o apoio é cessado. Mas, as

emissoras de rádio, em plena expansão, dão continuidade, organizando o desfile e o

concurso em locais variados, de suas escolhas.

Em 1930, no Parque Antártica foi instalada a Cidade da Folia, onde

desfilavam os cordões renomados, com público pagante. Eram selecionadas as

melhores agremiações que recebiam prêmios em dinheiro. Mas, mesmo aquelas mal

classificadas, recebiam taças e pequena ajuda de custo.

Os esquemas extra-oficiais de competições prevaleceram até 1968. Em

alguns anos houve mais de um campeão, pois existia mais de um promotor de

eventos. Os cordões eram submetidos a deslocamentos distantes de seus bairros.

Em um único ano havia mais de um concurso na Avenida São João no

domingo de carnaval, promovido por uma emissora de rádio; outro na segunda-feira,

na Penha, promovido por um político local e um terceiro, na Terça-Gorda, na Lapa,

organizado pelo clube de lojistas do bairro.

Durante a primeira metade do século XX, buscou-se inspiração nas festas

de caráter religioso-profano, como a congada, Moçambique e o próprio samba de

Pirapora ou pelas festas realizadas pela comunidade periférica paulistana, como as

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de Santa Cruz, do Treze de Maio e de São Benedito, surgidas em bairros afastados

do centro de São Paulo.

Os cordões carnavalescos sofreram também influências contemporâneas e

cosmopolitas de outros folguedos, como o mineiro e o carioca, além do cinema, do

teatro de revista e de rádios e bandas musicais civis e militares, ou seja, a criação

dos cordões surgiu a partir de várias vertentes.

A criação do cordão da Barra Funda, o primeiro paulistano, foi uma

conseqüência de seu fundador Dionísio Barbosa. Este passou quatro anos no Rio de

Janeiro e absorveu detalhes dos desfiles de rancho, então, o primeiro folguedo

carnavalesco carioca, feito pela população negra e, em 1910, estava em plena

expansão. Inserido neste contexto, Dionísio vive todo um universo cultural que dava

vida ao carnaval carioca.

Figura 11 - Dionísio Barbosa (1976). Fonte: Acervo da União das Escolas de Samba Paulistanas.

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Outra inspiração para popularizar os cordões foram as bandas militares,

consideradas verdadeiros espetáculos e apreciadas pelos paulistanos. A partir dos

desfiles militares, Dionísio decide incorporar a baliza, na abertura do desfile de seu

cordão.

O surgimento do Cordão de Dionísio, da Barra Funda, inspirou dezenas de

outros muito parecidos, durante 58 anos de carnaval popular na cidade. Os cordões

paulistanos mantinham atividades de lazer direcionadas à população negra. As

atividades se dividiam ao longo do ano, com ensaios regulares e, geralmente,

ocorrendo na casa dos dirigentes ou na sede da agremiação.

Em suas atividades de meio de ano eram realizados bailes, quase sempre

mensais, na sede das agremiações ou em salões alugados no bairro, o que

representava uma excelente oportunidade para atrair novos membros,

principalmente jovens que buscavam empreender novos relacionamentos. Também

lançavam mão de promoções realizadas durante a festa. Parte da soma arrecadada

era reservada para a montagem dos desfiles.

Outros eventos como piqueniques e romarias eram preparados pelos

diretores e associados. Estes tipos de eventos eram realizados por todos os

cordões, apenas variando os locais escolhidos. O Vai-Vai fazia um único piquenique

no ano, e escolhia quase sempre Santos ou Itapevi utilizando, como meio de

locomoção, o transporte ferroviário, por ser mais econômico.

Simson (2007) esclarece que as romarias, preferencialmente, ocorriam na

cidade de Pirapora, onde acontecia a festa de São Bom Jesus, na primeira quinzena

de agosto, atraindo grupos de negros do interior paulista, do sul de Minas Gerais e

do Sul de Mato Grosso, ocorridas nos anos de 1920 a 1940. Os romeiros construíam

grandes barracões como meios de hospedagem, tendo em vista que não havia

hotéis ou hospedarias. As festas profanas ocorriam aí e eram feitas rodas de samba.

O ponto alto da festa ocorria entre 3 e 7 de agosto, culminando com a procissão em

honra a São Bom Jesus.

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Figura 12 - Grupo Barra Funda na Festa de Pirapora (1915). Fonte: Acervo da União das Escolas de Samba Paulistanas.

Nos barracões os participantes tocavam samba noite e dia, havendo

competitividade entre São Paulo, Campinas e Itu, que só se encerravam no dia da

procissão.

Ao longo dos anos os cordões tornaram-se uma forma de ampliar a rede de

relacionamentos, não só internamente, mas externamente. Todos os seus membros

se ajudavam tanto nas tarefas diárias, quanto durante a fase de montagem dos

desfiles.

Desde 1910 até aproximadamente 1930, somente os negros participavam

dos desfiles. Os brancos ajudavam financeiramente, valorizando o evento,

aplaudindo o desfile, mas não havia uma participação efetiva no folguedo, por não

terem interesse em participar de um evento negro, conforme acentua seu Zezinho,

do Morro da Casa Verde33 “ninguém ia, ou então era completamente rebaixado

pelos amigos dele: “ê cê se mete no meio daquela negrada”, e confirma seu Livinho,

primeiro apitador do Vai-Vai “eles queriam entrar, mas achavam que não ficaria bem

33Depoimento do Seu Zezinho do Morro da Casa Verde. Von Simson, Olga R. De Moraes. Carnaval em Branco e Negro. São Paulo: UNICAMP, 2007.

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pra eles. Quer dizer, não havia preconceito [por parte dos negros], eles por si só

achavam. Nós puxávamos eles para nós, mas eles ficavam sem jeito”.

Com a aceitação social dos folguedos negros, os brancos foram se

integrando gradativamente ao desfile dos cordões, por gosto ou por manter laços de

amizade com negros. Em 1970, o folguedo aumentou o seu status, quando o poder

público oficializa os cordões. Outro fato importante foi dado pelos meios de

comunicação que passam a transmitir o evento, como a TV Paulista.

Os desfiles cariocas foram os primeiros a se transformarem em espetáculo

televisivo, e em 1967, a TV Paulista transmite os desfiles negros da Lapa, com o

apoio de lojistas do bairro.

3.2. A montagem dos cordões carnavalescos

A montagem dos desfiles de cordões caracterizava-se pela criação,

evolução e manutenção. Apesar de não ter o apoio regular do poder público,

tratavam-se, portanto, de um festejo baseado no esforço dos foliões negros da

cidade que, em todas as suas etapas, procuraram fontes alternativas para colocar a

sua agremiação na Avenida. Os cordões surgidos nas décadas de 1910 e 1920, na

Barra Funda, como o Camisa Verde, Campos Elíseos e o Flor da Mocidade tinham a

simplicidade como característica, sendo compostos por homens. A introdução de

elementos femininos se deu posteriormente.

O desfile era aberto por um grupo de balizas e contrabalizas formados,

geralmente, por dois a sete elementos. Todos tinham, como característica

fundamental, a agilidade, a flexibilidade e a juventude.

Com o acirramento da disputa, incorporou-se os batedores, formado de dois

a seis homens, de porte avantajado, desfilando em duplas e munidos de lanças de

madeira, como armas de defesa do estandarte.

Na seqüência do desfile, vinha o grupo musical. Todos os componentes

eram do sexo masculino, equipados por quatro a seis violões, de cinco a seis

cavaquinhos, flautim, clarinete e saxofone, além de pandeiros e de dez a doze

chocalhos.

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Logo em seguida, desfilava o grupo de mulheres, em duas longas fileiras: a

de amadoras ou pastoras. Esta era a única posição dentro do cordão que elas

podiam ocupar.

As amadoras, posicionadas duas a duas, cantavam marchas sambadas,

gingando discretamente durante o trajeto do cortejo, também, executando evoluções

bem elaboradas em pontos previamente determinados.

O desfile era encerrado por uma discreta bateria, composta por um surdinho

e duas caixas para marcar e manter o ritmo da apresentação.

De 1920 a 1930, a violência marca a disputa de cordões, principalmente,

envolvendo os cordões da Bela Vista, o que faz o Camisa Verde incorporar mais um

elemento aos seus desfiles: o abre-alas, um elemento bem dotado fisicamente,

munido de facão de madeira que desfilava à frente da agremiação, antecedendo à

baliza e contrabalizas.

Os grupos que verdadeiramente apresentavam uma produção cultural eram

os músicos, as amadoras e as pastoras.Era dada maior ênfase à melodia, deixando

a percussão em segundo plano, esse fato fez diminuir a influência africana na

criação musical. As amadoras desfilavam sem muita ginga. Suas evoluções

formavam figuras e dizeres.

Os enredos identificavam uma busca de temas não africanos, e as marchas

sambadas cantadas a um público não familiarizados com elas.

A partir de 1930, a Barra Funda perde a hegemonia de criadora de cordões,

havendo um grande número de novos cordões pela cidades, isso faz com que haja

significativas mudanças no processo de montagem dos desfiles. Este passa a

apresentar maior riqueza e a ser melhor elaborado, motivando a participação de um

número maior de aficcionados, inclusive do sexo feminino, e uma diminuição

gradativa de elementos com função defensiva.

De 1930 a 1940, os desfiles são abertos por clarins, executados por dois a

quatro músicos de bandas militares, servindo para anunciar a passagem da

agremiação e conclamando o povo a participar.

As mulheres, então, passaram a compor a baliza e contrabalizas. Deveriam

ser jovens para executar acrobacias e levavam capas e batutas. A violência estava

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diminuta, pois os desfiles eram promovidos por jornais, emissoras de rádio ou

centros de diversão, como a Cidade da Folia.

Um novo elemento é incorporado aos desfiles: o reinado ou corte. Tratava-

se de um grupo elaborado, que incluía rei e rainha, príncipe, princesa e princesinha,

duques e duquesas, vestindo trajes à Luis XV.

Atrás do reinado ou corte vinha o estandarte do cordão, trazido pela porta-

estandarte, muito rica em fantasia, acompanhada pelo mestre-sala ou cantor.

Em seguida, apresentavam-se as pastoras e as passistas, organizadas em

fileiras paralelas.

A bateria fechava o cortejo, agora com um número maior de componentes.

Entre os instrumentos foram incluídos os surdinhos, caixas e chocalhos,

impulsionando um ritmo mais claro e poderoso.

Com a suspensão de alguns elementos e a introdução de novos, os cordões

passaram a valorizar o aspecto lúdico-visual, ao invés da defesa. As danças

passaram a ser mais gingadas, com maior número de componentes na bateria e

significativa melhoria na qualidade dos instrumentos.

Ao que tudo parece, com o incentivo e com os prêmios oferecidos reduziu a

participação dos “defensores”. A população passou a dar maior credibilidade ao

folguedo entre os anos de 1930 e 1940, aumentando o número de componentes dos

cordões, a criação de novos e a introdução de elementos femininos.

3.2.1. Tema

Os temas abordados nos desfiles carnavalescos negros, preliminarmente,

não possuíam grande relevância. Tratava-se apenas de um instrumental necessário

à criação de fantasias.

A composição do tema, em suma, era de autoria dos próprios membros do

cordão, e versavam sobre a própria agremiação e não se constituía

necessariamente no tema do desfile.

Conforme menciona Simson (2007), nas décadas de 1910 a 1930, os

temas mais comuns referenciados faziam alusão a nacionalidades e profissões, o

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que era percebido na composição das fantasias que retratavam marinheiros,

portugueses, holandeses etc.

Os cordões tematizavam fatos ocorridos no Brasil e no exterior como tema

de seus desfiles. Ao longo dos anos, passaram a abordar assuntos históricos e do

cenário nacional, enfatizando o período colonial, para permitir a introdução do

elemento de reinado ou corte, considerado obrigatório no desfile dos cordões.

Após 1968, com a oficialização e com os regulamentos introduzidos no

carnaval paulistano, o tema passou a estar em sincronia com o samba-enredo,

devendo retratar temas nacionais.

3.2.2. Baliza

A baliza constituía-se de um pequeno bastão de madeira que determinados

componentes utilizavam para fazer suas evoluções e malabarismos a partir da

abertura dos festejos.

A idéia da sua incorporação foi de Dionísio Barboza, após assistir uma

parada militar de um batalhão naval, no qual um marinheiro apresentou-se utilizando

uma “batuta”.

Primeiramente, o papel de baliza era exclusivamente masculino, com o

biotipo definido, como ser alto, magro e ser dotado de muita agilidade.

A baliza postava-se a frente da agremiação abrindo o desfile, sendo também

o defensor do estandarte, símbolo principal da agremiação.

De acordo com Simson (2007), as mulheres passaram a ocupar a posição

de baliza após os concursos organizados pelos meios de comunicação e os

requisitos básicos para ocupá-la era ter flexibilidade, agilidade e graça. Assim,

passaram, a abrir o cortejo com suas evoluções e malabarismos.

Todos os cordões tinham a baliza como elemento. Contudo, com a

oficialização dos desfiles carnavalescos e as influências vindas do Rio de Janeiro,

durante a década de 1960, esta desapareceu dos folguedos paulistanos.

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3.2.3. Batedores ou Bastedores

Os batedores ou bastedores não possuíam função musical ou plástica no

desfile dos cordões. A função era a de defender o estandarte dos cordões inimigos,

que disputavam acirradamente os campeonatos. Eram compostos, em média, de

oito homens e ocupavam o lado direito e esquerdo para defender a agremiação.

3.2.4. Mestre de cerimônias

O mestre de cerimônia tinha como função a de ser o defensor da porta-

estandarte, sempre dotado de grande imponência. Era o que hoje representaria o

mestre-sala, que sambava em volta da porta-bandeira, sempre com um pauzinho na

mão.

Eventualmente, o mestre de cerimônia, assumia o papel de apitador, ao

passo que também orientava o canto das pastoras e dos passistas.

Para que o desfile tivesse êxito, a sua figura era primordial, e deveria

denotar graça, agilidade e leveza para dançar com a porta-bandeira.

3.2.5. O apitador

A figura do apitador foi introduzida na primeira metade do século e era de

extrema importância. Sua função era a de manter o entrosamento do cordão e

possibilitar a consecução de suas evoluções. Apesar da importância, a figura do

apitador não foi introduzida em todos os cordões, mas quando existia servia para

organizar os ensaios e coordenar os diversos elementos do cordão.

O apitador mantinha a harmonia entre a batida da bateria em sincronismo

com a melodia, além do canto das pastoras, com um único elemento em cena: apito.

A primeira agremiação a ter um apitador foi o Vai-Vai, utilizado com

propriedade pelo Seu Livinho34, dotado de grande habilidade no manejo do apito,

monitorando todos os aspectos do desfile.

34Seu Livinho foi o fundador do Vai-Vai. Grêmio Recreativo Cultural e Social Escola de Samba Vai-Vai. Nossa história começa assim.

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Figura 13 - Livinho: um dos fundadores e primeiro mestre de bateria do Vai Vai, considerado o primeiro "apitador”.

Quando competia com os outros cordões realizados na Cidade da Folia,

manejava o apito como ninguém, desenvolvendo toques característicos capaz de

manter comando total sobre os elementos do desfile. Quando deixou o carnaval foi

substituído por Pato N´Água, cujo nome era Walter de Oliveira, uma figura lendária

do carnaval paulistano. Pato N´Água controlava toda a bateria, tinha excepcional

capacidade para dirigir desfiles. Quando Pato N´Água achava que o Vai-Vai já havia

conquistado muitos títulos, ia para o Camisa Verde, e lá ganhava outros tantos

títulos, depois, regressava ao Vai-Vai. Os dirigentes desses cordões ficavam sem

ação, pois não havia outro apitador como este.

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Figura 14 – Pato N´água.

Segundo relatos35, “Pato n´Água foi levar uma cabrochinha lá pras bandas

de Suzano. Amanheceu boiando numa lagoa, comido de peixe e de bala. Dizem que

foi a primeira vítima do Esquadrão da Morte. Ninguém sabe direito. Defunto não fala.

O que se sabe é que a notícia chegou no Bexiga à tardinha, na hora da Ave-Maria, e

logo correu pelos estreitos, escamosos e esquisitos caminhos do roçado do bom

Deus. E por todas as quebradas do mundaréu, desde onde o vento encosta o lixo e

as pragas botam os ovos”. Entre os anos de 1940 e 1950, para se fazer samba tinha

que ser bamba36, e talvez por esta razão, Pato tenha sido assassinado. E Geraldo

Filme, conhecido como Geraldão, da Barra Funda, legítimo poeta do povo, chorou

por todos num bonito samba chamado Silêncio no Bexiga37.

Silêncio O sambista está dormindo Ele foi, mas foi sorrindo A notícia chegou quando anoiteceu Escolas Eu peço um minuto O Bexiga está de luto O apito de Pato N´Água emudeceu

35Trecho publicado no site da Escola Camisa Verde e Branco. Grupo Barra Funda. 36Na linguagem do samba corresponde àquele que vive e circula entre a legalidade e a marginalidade.

37CD Geraldo Filme. FILME, Geraldo. Silêncio no Bixiga.

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Partiu Não tem placa de bronze Não fica na história Sambista de rua morre sem glória Depois de tanta alegria que ele nos deu Assim Um fato repete de novo Sambista de rua Artista do povo e É mais um que foi sem dizer adeus.

Quando surgiram as escolas de samba, a figura do apitador desapareceu,

sendo essas funcionalidades assumidas pelo diretor de harmonia, que mantém até

os dias atuais a função de integrar as diversas alas de uma agremiação.

3.2.6. Reinado ou Corte

Simson (2007) explica que com o crescimento das agremiações surge a

Rainha, uma espécie de destaque, trajando fantasias à Luis XV, com vestido de

cetim, cabelos brancos e uma coroa, além de jóias em metal.

Mais tarde foi incorporada a figura do rei, seguido de outros personagens

como príncipe, princesa, duque e duquesas, ricamente fantasiados, seguindo os

padrões do carnaval veneziano e francês.

Devido à aceitabilidade desses elementos acabou tornando-se um elemento

obrigatório do desfile, independentemente do tema abordado pelos cordões.

Esses elementos deixaram de figurar no carnaval paulistano a partir da

oficialização, que sofria a influência do carnaval carioca.

3.2.7. Fantasia

As fantasias constituíram-se em um elemento importante nos desfiles dos

cordões, pois davam uma idéia de conjunto, mostrando aspectos harmônicos da

agremiação.

O processo dado na sua concepção e construção foi muito grande.

Tornaram-se, ao longo do tempo, cada vez mais sofisticadas, e suas criações

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envolviam uma riqueza de materiais e beleza em relação ao poder de criatividade e

inventividade.

De 1914 a 1920, quando a maior parte dos desfilantes eram homens e não

havia grandes preocupações com fantasias, os trajes utilizados eram bem simples:

calça branca, camisa de malha e chapéu de palha. Mas, a partir de 1921, quando

começam a ingressar as mulheres, passam a ganhar maior riqueza do ponto de

vista estético e maior capricho em sua confecção.

Durante a fase dos cordões as fantasias eram decorosas, vestiam todo o

corpo, sem exageros.

Em fase de grande repreensão policial, todos os cordões e seus integrantes

não davam margens às investidas policiais contra a licenciosidade de seus

disfarces. Os homens vestidos de mulher surgiram a partir de 1930, no bloco

Baianas Teimosas, um embrião da escola de samba Lavapés.

Expostos à falta de verba, os panos ou tecidos eram fornecidos muitas

vezes na última hora. Portanto, as fantasias eram feitas às pressas. Houve anos em

que a sua parte dianteira era feita em cetim colorido e a traseira em papelão.

3.2.8. Quadros e alegorias

A evolução dos cordões carnavalescos paulistanos ganharam novas

dimensões em sua plástica visual, conforme aborda Simson (2007), provavelmente a

partir do sucesso das escolas de samba cariocas, no final da década de 1940, e

durante a década de 1950. Na cidade, era sucesso os ranchos, folguedos montados

por operários em suas horas disponíveis, em que era valorizado o aspecto visual,

ficando a música e a dança em um segundo plano.

Estima-se que a partir de 1950 a arte visual usou nos desfiles quadros,

grandes pinturas em madeira, carregados por componentes e constitutivos

importantes do enredo.

Apesar dos recursos limitados e sem intervenção municipal, os elementos

visuais ganharam grande sofisticação ao longo do tempo e podiam explicar o

enredo.

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As alegorias levadas ao público demonstravam requinte e alto poder de

criatividade e envolvia carpintaria, marcenaria, pintura e serralheria, em que seus

membros doavam o seu saber fazer profissionalmente ao seu cordão.

As alegorias com maiores dimensões eram construídas em madeira, e as

mais pesadas eram montadas sobre o carro. Para movimentá-las na avenida, eram

empurradas. O carro alegórico não possuía motor, o que fez surgir uma nova

função, o empurrador de carro alegórico. A princípio, os empurradores o faziam com

boa vontade, mas em uma etapa posterior, passou a ser um trabalho remunerado,

tendo em vista que este tipo de tarefa requer bastante vigor físico.

3.2.9. Dança ou evolução

As montagens dos desfiles dos cordões carnavalescos remontavam

aspectos similares ao das procissões. Dessa forma, os seus integrantes postavam-

se em duas filas paralelas, dançando ao som de marchas sambadas. Essa formação

só não acontecia no reinado ou corte, e também no conjunto musical.

Alguns cordões, inicialmente, faziam apresentações especiais, uma forma

que encontraram para homenagear as autoridades e entidades importantes. Em

pontos pré-determinados, como o Pátio do Colégio, onde se situava a Delegacia

Central, estes cordões faziam evoluções, como forma de pedir permissão àquelas

autoridades policiais para desfilar no centro da cidade. Ao passar pela Líbero

Badaró, onde ficava a sede do jornal A Gazeta, homenageavam os jornalistas que

escreviam notas sobre os cordões, e na Avenida São João, em frente ao Clube

Paulistano, homenageavam a elite paulistana.

Nessas paradas, apresentavam músicas especiais, os sambas de evolução,

formando dizeres ou apresentando figuras, onde os telespectadores assistiam das

sacadas e janelas dos prédios.

Os corpos escreviam o nome do cordão e desenhavam caracóis, estrelas ou

figuras geométricas, sendo finalizado com a formação de rodas e cantando músicas

relacionadas ao tema proposto. O ritmo podia ser reforçado com batida de bastões

ou batutas.

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As apresentações dos cordões demonstravam bom nível de elaboração, e

seus participantes ensaiavam dois ou três meses antes do carnaval.

3.2.10. Músicos e música

Conforme acentua Simson (2007), “na década de 1920, quando já estava

plenamente constituído, os instrumentos apareciam da seguinte forma: um clarim

abria o desfile, chamando a atenção da população para a passagem do grupo; em

meio ao agrupamento carnavalesco, em fila dupla, ia o conjunto musical, formado

por instrumentos de corda (quatro a seis violões, cinco a seis cavaquinhos), de

sopro (clarinete, flautim e saxofone) e de percussão (quatro a cinco pandeiros e de

dez a doze chocalhos); no final do cortejo, depois do grupo das amadoras ou

pastoras, iam a caixa e o surdinho, marcando o ritmo do desfile”.

Essa variedade de instrumentos variava conforme os aspectos financeiros

dos cordões. Para que um músico fosse admitido, o candidato era submetido a uma

prova pelos dirigentes dos cordões e o seu ingresso estava condicionado a sua

aprovação. A seleção era bastante rigorosa e os músicos bem sucedidos,

posteriormente, seguiam carreiras musicais.

As atividades musicais e os ensaios ocorriam durante todo o ano, com a

promoção de bailes na sede das agremiações, além de outros eventos. Os músicos

tinham outras ocupações e participavam do cordão por amor e orgulho que o cordão

ostentava, à noite e nos finais de semana.

O canto das amadoras ou pastoras era ensaiado a rigor, durante três meses

a fio, de duas a três vezes por semana, coordenado pelo mestre de cerimônias ou

pelo cantor do grupo, ou pelo apitador. Por meio do canto das pastoras, as

mensagens do cordão eram transmitidas ao público.

3.2.11. Bateria

Diferentemente do que ocorre nos desfiles atuais das escolas de samba os

grupos de percussão dos cordões eram bem pequenos, não passando muitas vezes

de cinco ou seis elementos: caixa, bumbo, chocalhos, pandeiros e surdo.

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Seus componentes entoavam uma batida pesada, profunda e bem marcada,

contrariamente, nas escolas de samba atuais, esse ritmo é ágil e leve.

Os instrumentos utilizados pelos cordões eram todos fabricados

artesanalmente, sendo pouco duráveis, exigindo reparos constantes e afinação.

Para que se produzisse um bom som, o couro dos instrumentos devia se manter em

bom estado e aquecê-lo constantemente. Nem sempre isso era fácil, principalmente

em relação aos aspectos climáticos, como chuva ou tempo nublado, ou até mesmo

em razão dos desfiles noturnos. Quando isso ocorria, eram acendidas fogueiras para

esquentar o couro dos instrumentos, ou haveria prejuízo ao som emitido pelos

instrumentos.

3.3. Os cordões carnavalescos e os clubes de futebol

De acordo com Pereira (1967), o samba e o futebol sempre foram atividades

de lazer da população negra de São Paulo. Nas décadas de 1910 e 1920, havia uma

relação mútua entre os participantes destes dois segmentos, mas não dentro de um

mesmo agrupamento. De acordo com alguns escritores, o samba e o carnaval eram

tidos pela população negra como uma possibilidade de uma ascensão social em

detrimento de uma sociedade amplamente discriminadora.

O Camisa Verde não possuía um time de futebol, porém cedia o salão do

grêmio ao São Geraldo, time de várzea do bairro. Neste local, o time promovia bailes

para que pudessem comprar suas indumentárias deportivas. Os homens do São

Geraldo faziam a segurança dos bailes do Camisa Verde.

Segundo o autor, a partir da década de 1930, surgem agremiações

carnavalescas ligadas aos agrupamentos futebolísticos, como o Vai-Vai, surgido de

um time de futebol de várzea da rua Manuel Dutra. A partir deste agrupamento

surgiu, então, a idéia de se fazer um cordão.

Ao longo dos anos, as atividades ligadas ao carnaval ganharam notória

importância e o futebol passou a ser uma atividade complementar. O rápido

processo de profissionalização do futebol, a partir de 1950 absorveu os jogadores

negros e acabou esvaziando as atividades amadoras, o que significa que o retorno

econômico não justificaria para o cordão fazer investimentos no futebol amador.

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Dessa forma, os negros oriundos dos cordões, e então jogadores, acabaram

profissionalizando-se.

3.4. Os cordões carnavalescos e a mídia paulistana

Os cordões sempre conduziram as suas atividades com grande esforço para

ocupar o seu espaço dentro das comemorações de Momo. Mas, a imprensa só

passou a demonstrar interesse pelos folguedos negros a partir de 1968, com a

oficialização pelo poder público, dos desfiles carnavalescos. Os jornais da época

preocupavam-se apenas em mostrar os preparativos dos desfiles e as premiações.

Não houve preocupação alguma em registrar tudo o que acontecia em arquivos.

Nas décadas de 1910 e 1920, os jornais de época mostravam quase

exclusivamente o carnaval burguês, como os bailes nos clubes e o corso da Avenida

Paulista, e muito raramente veiculavam notícias sobre o emergente carnaval do

Brás.

Os folguedos negros não recebiam nenhum destaque nos periódicos

paulistanos, e quando o faziam, escreviam na seção policial, sempre relacionado a

confusões ou embates com a polícia.

Em contrapartida, os cordões sempre buscaram o apoio da imprensa escrita.

Muitos relatos evidenciam que os cordões, durante suas apresentações, passavam

em frente do prédio da Gazeta e da sede de O dia, na rua do Carmo, provavelmente,

este último tenha iniciado uma cobertura mais consistente do carnaval paulistano.

Pé-Rachado38 do Vai-Vai confirma que “... O Dia só ajudava em fotografia e

propaganda e escrevia sobre o carnaval, mas não ajudava com dinheiro”. A

imprensa paulistana passou a divulgar o carnaval negro da cidade de maneira mais

ampla no final da década de 1960. Nessa época, os maiores divulgadores foram os

pequenos jornais de bairro. A Tribuna da Lapa, inclusive, passou a organizar os

desfiles de cordões e escolas de samba no próprio bairro, fazendo divulgações

bastante amplas em suas edições semanais. As revistas de atualidades destacavam

o carnaval carioca, mais valorizado socialmente, e considerado um modelo de

carnaval brasileiro. Portanto, não faziam nenhuma cobertura do carnaval paulistano.

38Pé-Rachado e sua história no samba paulistano. Faculdade do Samba Barroca Zona Sul. SIMSON, Olga R. De Moraes von. Carnaval em Branco e Negro. São Paulo: UNICAMP, 2007.

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A partir de 1940 as emissoras de rádio passaram a dar maior credibilidade

aos folguedos negros39. Segundo informações de sambistas, como seu Zezinho do

Morro da Casa Verde, a primeira que passou a organizar o evento foi a Record,

situada à época na Quintino Bocaiúva, fazendo a promoção.

As emissoras de rádio combinavam com as principais agremiações para que

os desfiles fossem feitos em frente à emissora. As maiores agremiações como a

Camisa Verde, Lavapés e Unidos do Peruche, chamavam as menores para compor

os desfiles.

As emissoras, então, montavam o palanque e organizavam a comissão

julgadora. Sempre os prêmios ficavam com os cordões mais conhecidos, porém a

importância recebida era pequena. De certo modo, faltava transparência pois, após

a divulgação dos resultados, provocavam a desconfiança por parte dos cordões

menores.

Depois da Record, outras emissoras passaram a organizar os folguedos, nos

mais variados pontos da cidade, como a Rádio América, na São João e a

Piratininga, na Praça Patriarca. Todas as rádios procuravam harmonizar-se com os

líderes do samba, pois os concursos transformaram-se em um sucesso.

Em 1954, logo após o quarto centenário da cidade, a Record passou a

organizar o concurso no Parque Ibirapuera. Os cordões primeiramente deveriam

desfilar no Ginásio do Ibirapuera, e em seguida ir para a prefeitura.

Em 1967, a TV Paulista passou a transmitir na íntegra o concurso de

cordões e escolas de samba do ano. Com a oficialização a partir de 1968, os

folguedos estavam bem consolidados, o que gradativamente contribuiu para uma

nova visão desse folguedo na sociedade paulistana.

Os folguedos passaram a ser melhor organizados, melhorando os seus

aspectos plástico-visuais e os meios de comunicação passaram a ceder mais

espaço para divulgar os desfiles, transformando-se em um espetáculo para uma

sociedade mais ampla, alcançando, inclusive, o cenário internacional.

39SIMSON, Olga R. de Moraes. Os poderes públicos e a Imprensa na Transformação do Carnaval Paulistano. Cadernos CERU. 1985.

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CAPÍTULO IV – O CARNAVAL PAULISTANO E AS ESCOLAS DE SAMBA

Neste capítulo será abordada a forma como surgiram e se organizaram as

escolas de samba paulistanas, mostrando como é feita a produção dos desfiles

carnavalescos envolvendo profissionais qualificados com alto poder de inventividade

e criatividade, para competir nos desfiles anuais de carnaval.

4.1. O surgimento das escolas de samba paulistanas

Ao final do século XIX, o uso de fantasias tornou-se um modismo na cidade

de São Paulo, seguindo as tradições do carnaval de Veneza. Os emergentes barões

do café, por meio da fortuna alavancada pela produção cafeeira, imitavam os modos

e costumes europeus, conforme mencionado no capítulo anterior.

Para se dirigir ao público, fazia-se o uso de expressões como “boa

rapaziada”, deixando claro que o carnaval não era uma festa para pobres e muito

menos para moças de família. Como esclarece Olga Rodrigues de Moraes Von

Simson (1998), a propaganda publicitária pelas sociedades nas vésperas do

carnaval nos jornais de época (Correio Paulistano, A província de São Paulo e O

Commercio de São Paulo entre 1885 e 1915), convidava carinhosamente as

mundanas: “Diletas filhas do amor; Alai pois borboletas! Nymphas aia!! Vinde a nós

todas” Filhas do pecado! Corre!, voa! Aos nossos braços... ao prazer sem fim!”.40

A inserção de pobres, mulheres negros e mulatos ocorreu nas décadas

seguintes, onde gradativamente foram ocupando o seu espaço nos dias de folia.

Com fantasias de luxo e carregados por uma espécie de carruagem, jovens de

família abastada se divertiam percorrendo o chamado “giro do triângulo”, ou seja,

percorriam as principais artérias paulistanas da época, as ruas Direita, XV de

Novembro e São Bento. Logo atrás dos abastados, ou simplesmente da calçada, as

brincadeiras eram observadas pelos pobres, negros e mulatos. No entanto, esta

situação duraria por pouco tempo.

Acompanhado de adolescentes oriundos do Bairro da Barra Funda, um

jovem negro chamado Dionísio Barbosa chegou ao centro de São Paulo, dançando

e portando chocalhos feitos à base de chapinhas de metal pregado em ripas de 40Matéria publicada no Diário Oficial do Estado, na seção leitura/cultura, em fevereiro de 1998.

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madeira. Em 1914, a burguesia paulistana transfere o corso de seus carros e

carruagens para a Avenida Paulista. O grupo, então, organiza-se anos após anos,

até que em 1939 surge o Grupo Carnavalesco Barra Funda, posteriormente

chamado de Camisa Verde e Branco, uma referência às cores das fantasias de seus

integrantes, o que motivou o surgimento de outros grupos.

A partir do surgimento dos cordões compostos por sambistas que,

embalados no ritmo do samba, desfilavam pelas ruas da cidade de São Paulo, o

carnaval já não era mais o mesmo. Havia ganhado maiores projeções e novas

dimensões.

Conforme, acentua Blass (2007) e Brito (1986), o primeiro cordão surgiu em

1914, apresentando-se pelo bairro da Barra Funda, com composições próprias, e

com instrumentos feitos com tampinhas de garrafa. Somente após alguns anos

foram introduzidos instrumentos de sopro, de corda e o surdo. Os cordões

representaram a maior expressão do carnaval paulistano.

A burguesia emergente estava em festa, com o surgimento dos clubes, que

davam à festa um tempero refinado. O carnaval tornava-se uma mania. Na Europa,

surgia o lança perfume (líquido gelado lançado de uma bisnaga de vidro ou metal), e

quando esta novidade chega a São Paulo, acabou tornando-se uma grande

sensação. O carnaval invadiu as ruas, teatros, cafés-concerto e cassinos da cidade,

numa contagiante euforia. O povo queria brincar o carnaval. Em todas as partes da

cidade, a alegria era geral.

A ocupação diferenciada pelo povo nas ruas de São Paulo durante as

manifestações carnavalescas evidenciavam uma acentuada segmentação social e

segregação étnica, que marcava o cotidiano da cidade.

No final dos anos 30, segundo Silva (2000), surgiram as primeiras escolas

de samba, e entre elas, a Escola de Samba Primeira de São Paulo, fundada em

1935. No final dos anos 40, havia várias escolas de samba espalhadas pela cidade,

sendo que muitas surgiram dos cordões e dos blocos carnavalescos, e outras foram

extintas, ao longo dos anos.

Alguns cordões sobreviveram até o início dos anos 70, mas a Nenê da Vila

Matilde, da zona leste e a Unidos do Peruche, da zona norte, desde o início eram

tidas como escola de samba.

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Posteriormente, surge a Escola de Samba Lavapés, considerada a mais

tradicional e importante daquela época. Esta agremiação foi a grande responsável

pela formação de ilustres sambistas, e que dela saíram para fundarem outras

escolas, a partir da década de 70.

Entre as mais famosas desse período pode-se apontar a Lavapés41,

Cruzeiro do Sul, Unidos do Tatuapé. No centro, a Brasil Moreno, Primeira do Itaim,

Ases da Garoa, 1ª e 2ª de Vila Isabel, 1ª e 2ª de Santo Amaro, Ipiruíbe da Mooca,

em que desfilavam apenas brancos, Rosas Negras, a vice-campeã do Quarto

Centenário, Som Cristal e Preto e Branco do Pires.

De acordo com Simson (2007), o primeiro cordão esportivo carnavalesco foi

o “Vai -Vai”, no final dos anos 20, nascendo no Bairro do Bixiga, próximo ao riacho

Saracura, afluente do rio Anhangabaú. A sua primeira apresentação pública ocorre

em 1930 e, de acordo com Brito (1986), em represália ao Clube de Futebol Cai-Cai,

também localizado neste bairro e que tinha como cores o branco e preto. A maioria

dos integrantes do cordão eram moradores do próprio bairro. É importante

mencionar que os cordões traziam temas em suas fantasias, sem nenhuma

associação com o enredo.

O Vai -Vai e o Camisa Verde e Branco tornaram-se escolas a partir de 1973.

Isto se deu em face à oficialização do concurso paulistano de carnaval, criado em

1967.

O Vai-Vai é marcado por reunir em seu cordão um grande número de

negros. As músicas cantadas eram compostas por seus próprios participantes e

executadas por instrumentos musicais de couro, como caixa, rufo, pratos, chocalhos

e bumbos enormes.

A escola de samba Nenê da Vila Matilde, fundada em 1949, não segue as

tradições dos cordões carnavalescos, porém, reunia um número significativo de

negros. Esta escola busca inspirações na Portela, e adota a “águia” como escudo, a

partir de 1962. Desde o seu surgimento, utiliza como cores o azul e branco. Com

lideranças atuantes, a Nenê contribui desde o início para a realização dos desfiles

das escolas de samba no centro da cidade, e se mostra engajada para a realização

41A Escola de Samba Lavapés existe desde 1933, e mais tarde torna-se uma agremiação pequena (Silva, 2000).

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dos desfiles no centro da cidade, e mais tarde na Passarela do Samba, o Pólo

Cultural Grande Otelo, do Anhembi. De todas as escolas, a Nenê da Vila Matilde é a

primeira a ter quadra própria para ensaios e a desenvolver um enredo, introduzindo

instrumentos leves de percussão, em sua bateria.

Segundo Joãosinho Trinta “as escolas de samba funcionam com um

organograma e com um cuidado dedicado a todas as áreas porque o trabalho é visto

como holístico (...) as diferentes etapas são planejadas, previstas. É a mesma

previsão da empresa para produzir seja lá o que for”. 42

O primeiro desfile promovido pelo poder público aconteceu em 1934, quando

o inovador prefeito Fábio da Silva Prado criou o Departamento de Cultura e

Recreação e destinou verba (coletada entre seus amigos), para financiar o evento. O

vencedor do concurso foi o rancho Diamante Negro e, em segundo lugar, o Vim do

Sertão. Na categoria blocos, o primeiro lugar ficou com os Fenianos e, para os

cordões, a vitória foi dos Garotos Olímpicos, ficando o Camisa Verde, em segundo

lugar.

O primeiro carnaval oficial da cidade de São Paulo só ocorreu em 1935,

organizado pelo jornal Correio de São Paulo e patrocinado pelo Centro de Cronistas

Carnavalescos e pela Comissão Oficial. Neste evento já havia organização. Os

grupos foram divididos em categorias e houve premiação.

Na década de 50, começaram a surgir as primeiras escolas de samba,

claramente inspiradas nas sociedades de mesmo nome das existentes no Rio de

Janeiro. Os desfiles organizados entre estas entidades eram dominados pelas

tradicionais e mais antigas escolas de samba paulistanas, como as Escolas de

Samba Lavapés, Unidos do Peruche e Nenê de Vila Matilde, sendo esta última, a

mais antiga de todas. O primeiro desfile realizou-se no Ibirapuera, em 1955.

Mesmo após a fundação da Lavapés, os cordões permaneceram dominando

o carnaval da paulicéia.

A partir de 1968, a Prefeitura da cidade decide oficializar os desfiles das

escolas de samba. Primeiramente, foram realizados no Vale do Anhangabaú,

42Entrevista realizada em 25 de janeiro de 1999. BLASS, Leila Maria da Silva. Desfile na avenida, trabalho na escola de samba. A dupla face do carnaval. São Paulo: Annablume, 2007.

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posteriormente na Avenida São João, Avenida Tiradentes e atualmente no

Sambódromo.

A lei que oficializou os desfiles do carnaval paulistano foi sancionada pelo

Prefeito José Vicente Faria Lima, carioca e nascido em Vila Isabel. A Lei nº

7.100/67, destinada a regular a promoção do Carnaval pela Prefeitura Municipal de

São Paulo, é regulamentada pelo Decreto nº 7.663/68. Por esta lei, ficava claro que

a Prefeitura se obrigaria apenas a realizar o desfile das escolas de samba, como

único evento carnavalesco. Com isso, todos os incentivos municipais destinavam-se

aos desfiles, e nenhum recurso era direcionado aos cordões. Face a estes fatos,

partes dos cordões foram extintos ou se converteram em escolas de samba.

De acordo com Pereira de Queiroz (1985), a oficialização dos desfiles

significou a domesticação das manifestações carnavalescas, fazendo desaparecer

outras formas espontâneas de se comemorar o Momo.

A partir da oficialização, a disputa entre as escolas de samba se acirrou,

deixando, em segundo plano, os blocos. Os cordões que se tornassem escolas

deveriam se adaptar ao estilo e seguir as normas do desfile. Os blocos que não se

adaptaram, como foi o caso do Fio de Ouro, rival do cordão Vai-Vai, acabou

desaparecendo. O regulamento criado e aplicado às escolas de samba paulistanas

seguia o regulamento do Rio de Janeiro.

No primeiro desfile de 1968, o palco foi a Avenida São João e teve como

campeã, a Nenê da Vila Matilde, com o enredo “Vendaval Maravilhoso”, versando

sobre Castro Alves.

A partir desse desfile, a Prefeitura Municipal de São Paulo apóia o evento e

opta por dirigir sua atuação, captando capital privado, por meio de sua entidade de

administração indireta, a Anhembi S/A, hoje, São Paulo Turismo, o que provocou

uma melhoria no crescimento do carnaval da cidade.

O desfile oficial de 1977 ocorreu na Avenida Tiradentes, onde foram

construídas arquibancadas que comportavam aproximadamente trinta mil pessoas.

O carnaval paulistano acontece nos moldes atuais desde 1986, com a

fundação da Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo, mais

conhecida como LigaSP. A Liga, de certa maneira, substituiu a UESP (União das

Escolas de Samba do Estado de São Paulo), sem haver necessidade de extinguí-la,

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tendo em vista que ela representa, atualmente, as Escolas dos grupos inferiores e

os blocos da cidade.

A prefeita Luiza Erundina de Souza sancionou a Lei nº 10.831, em que

“oficializa o Carnaval da Cidade de São Paulo, revoga a Lei nº 7100/67, e dá outras

providências”. Por meio desta Lei, a prefeitura tem a responsabilidade de organizar o

carnaval por meio da Anhembi S/A, além de reconhecer e institucionalizar a

representação das Escolas de Samba, por meio de entidades associativas, como a

LigaSP e a UESP. Esta lei, também altera o endereço dos desfiles de carnaval, que

passaram a ser realizados no Pólo Cultural Grande Otelo.

Durante o carnaval de 2006, vigorou dois títulos no carnaval paulistano: o do

Grupo Especial das Escolas de Samba, o principal da cidade, e o Grupo Especial

das Escolas de Samba Desportivas, ligadas às agremiações de clubes de futebol,

como a Mancha Verde (ligada ao Palmeiras) e a Gaviões da Fiel (ligada ao

Corinthians). Isto provocou, ao longo dos anos seguintes, muitos protestos por parte

destas agremiações e da opinião pública, o que motivou, em 2008, a LigaSP a

extinguir o Grupo das Escolas de Samba Desportivas, fazendo com que estas

agremiações concorressem ao título com as demais agremiações do Grupo Especial

do carnaval paulistano.

4.2. A produção dos desfiles carnavalescos

A partida para o início da produção de um desfile de escola de samba

acontece com a contratação do carnavalesco e a definição do tema que constituirá o

enredo da agremiação.

Não é raro, quando na quarta-feira de cinzas, as agremiações já idealizam o

seu próximo carnaval, iniciando a busca pelo seu carnavalesco e definindo o tema

para o carnaval do ano seguinte. Muitas vezes, esses dados são divulgados após

apuração dos resultados. Todo ano é um recomeço. No entanto, não é

desestimulante, pelo contrário, cada desfile é único e, anualmente, as escolas de

samba passam por transformações. Muda-se tudo, renovam-se os profissionais e o

trabalho desenvolvido no barracão da escola.

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Explica Augusto de Oliveira43 que “o enredo é o início de trabalho para a

montagem de uma agremiação”, e complementa o seu desenrolar como “é do

enredo que nasce o samba, surgem às fantasias e alegorias”.

Começa-se, então, o planejamento de todas as atividades que serão

executadas ao longo do ano, estabelecendo-as segundo as previsões orçamentárias

e a busca de patrocinadores. Apesar de tudo ser minuciosamente planejado em

todas as suas etapas, situações imprevistas ou inesperadas fazem parte de todos os

processos de trabalho. Esses imprevistos são observados em vias de fato, até

mesmo durante a apresentação oficial do desfile, na passarela do samba, quando

há, por exemplo, a quebra de um carro alegórico na área de concentração ou no

trajeto do desfile, podendo comprometer o trabalho de quase um ano inteiro. Diante

desse quadro, o carnavalesco e os diretores de harmonia tomam decisões rápidas,

para remanejar todas as seqüências das alas. Os problemas são contornados de

forma improvisada, causando um clima de alta tensão para a escola, misturando-se

razão e emoção. Fatos como este, revelam a diferença entre planejar e executar. A

decisão deve ser dotada de criatividade, inventividade e técnicas apuradas nos

procedimentos adotados pelas diretorias e carnavalesco.

Um desfile de carnaval resulta de vários processos que envolvem valores

éticos, estéticos e práticos, que estão presentes no criar, em seu sentido mais

amplo, conforme informa Ostrower (1976), requerendo, portanto, um método.

Os símbolos utilizados pelo enredo, enquanto sistemas abertos, mudam de

acordo com quem se apropria, ganhando re-significados, conforme descreve Milan

(1994), “não interessa o que é de quem”, e completa “ao carnavalesco não importa

retratar o orixá como ele é, mas como o carnaval requer que ele seja”.

Nesse aspecto, Joãosinho Trinta, comenta o enredo da Viradouro, no

carnaval carioca de 1999, que abordava a Trajetória de Anita Garibaldi: “não é a

história real, com os trajes da época em que se passam os fatos, embora seja

importante uma pesquisa sobre os trajes que eram usados. Isso interessa apenas

como referência. O enredo é uma alegoria à vida de Anita Garibaldi, ele extrapola a

realidade. O enredo trata das sete magias que cercaram a personalidade de Anita.

Aqui está a liberdade para a criação de um enredo... estou inventando a história de

43ROCHA, Fernando. Enredo da Nenê fala sobre o folclore brasileiro. SPTV. 14.01.2008.

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Anita, com beleza, imaginação... imagino com todos os detalhes e passo para o

papel”. 44

As informações históricas ganham re-significados, na linguagem do carnaval,

e também novos sentidos. Ao idealizar o enredo, o carnavalesco reflete na forma

como as imagens o permitirão narrar o enredo, e quais códigos devem ser utilizados,

a fim de que os espectadores e jurados possam decodificar a mensagem.

O enredo é a base essencial do pressuposto do preparativo de um desfile.

São utilizados na sua construção códigos verbais e não-verbais, condensados na

linguagem carnavalesca. Segundo Aguiar (2004), “os enredos transmitem

mensagens de duplo sentido que, muitas vezes, não tem nada em comum, porém a

forma acoplada em que aparecem...” induz a interpretações positivas, concluindo em

seguida “é muito difícil... conceber uma cena negativa, usando recursos plásticos”.

Em relação à construção do enredo confirma Betinho, presidente da escola de

samba Nenê da Vila Matilde45, “se você não for feliz na escolha, o resultado do

desfile não dá certo”. Conclui em seguida, “um enredo de uma escola de samba é

uma forma de você recontar a história de um outro ponto de vista aquilo que a

cultura oficial não propõe ou não tem como colocar”.

As temáticas de enredo são bastante variadas, fazendo abordagens desde os

aspectos da vida cotidiana, como pão, leite, café, cana-de-açúcar, sorvete,

acontecimentos importantes, até o enaltecimento à cidades, regiões e países.

Outros temas como jogos, profecias, relações de poder, centenários, números,

homenagem a personalidades públicas, como artistas e políticos, além da própria

história do samba tornaram-se enredos de agremiações paulistanas.

Os aspectos sociais se refletem nos enredos das agremiações e são

abordados com ambigüidade, jogo de palavras e insinuações. Os próprios

componentes da escola dão um recado social, como fica evidente no enredo Xeque-

Mate46, da Gaviões da Fiel, durante o carnaval 2002. As alegorias e adereços

remetem ao jogo de xadrez, enquanto o samba-enredo pede um xeque-mate na

corrupção e no FMI, como declarado no refrão: 44Entrevista com Joãosinho Trinta, realizada em 25 de Janeiro de 1999. BLASS, Leila Maria da Silva. Desfile na avenida, trabalho na escola de samba. A dupla face do carnaval. São Paulo: Annablume, 2007.

45 ROCHA, Fernando. Enredo da Nenê fala sobre o folclore brasileiro. SPTV. 14.01.2008. 46Carnaval 2002. Enredo: Xeque-Mate. Autores: José Rifai e Alemão do Cavaco.

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Tem peão lutando pra sobreviver, Contra o FMI Que em seu cavalo alado Sempre mal intencionado É a rainha do poder Quero meu Brasil Jogando limpo O povo dando um xeque mate na corrupção Um xeque na impunidade...

Figura 15 – Carro Abre-Alas da Gaviões da Fiel. Carnaval 2002. Fonte: Terra.

Figura 16 – Componente Gaviões da Fiel. Carnaval 2002. Fonte: Terra.

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As quadras de samba não só viabilizam a produção de um desfile, mas

revela-se um espaço capaz de fortalecer os laços entre a comunidade e as

agremiações, reafirmando todo um aspecto social, expondo os laços de afetividade

de seus admiradores e adeptos.

É na quadra que, ao longo do ano, acontecem festas e eventos como

almoços, encontros de bateria, feijoadas, dentre outros, com a finalidade de gerar

receitas para as escolas.

Quando se aproxima a data festiva carnavalesca, as quadras lotam, os foliões

comparecem massivamente, a fim de treinar os movimentos coreográficos e a letra

do samba que será cantado na passarela do samba.

Figura 17 – Ensaio na quadra da Gaviões da Fiel. Fonte: Web Site Gaviões da Fiel.

Nas oficinas são confeccionadas as fantasias, sendo administradas de forma

autônoma e descentralizada. Geralmente, são produzidas com armações de arame,

na composição dos chapéus e nos costeiros, e os calçados, costumam seguir os

padrões terceirizados, ficando a parte de costura dos adereços, a serem

confeccionados na oficina. Os carnavalescos fazem o uso racional de materiais

alternativos, com a finalidade de reduzir os custos. Dessa forma, é comum o uso de

latas, sacos de lixos, CDs e outros.

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Os coordenadores das alas de evolução fazem a interface entre os foliões e a

escola de samba, para vender as fantasias.

Os carros alegóricos são projetados com base em pesquisas e por meio de

coleta de dados e informações que possibilitem o desenvolvimento do enredo. O

carnavalesco e sua equipe fazem visitas a centros urbanos, visualizando edifícios,

esculturas e museus nacionais e internacionais. Com isso ganham referências e

inspirações necessárias para retratar com maior fidelidade as alegorias e fantasias,

de forma que estas possam ser decodificadas pelos jurados e pelo público presente

ao sambódromo, em sua apresentação oficial.

No desfile oficial do carnaval de 2008, a escola de samba Unidos de Vila

Maria47, desenvolveu o enredo "Irashai-Mase48, Milênios de Cultura e Sabedoria no

Centenário da Imigração Japonesa". Durante a fase de pesquisas, o carnavalesco

Wagner Santos, contou com materiais fornecidos pela comunidade japonesa e

também fez visitas ao Museu da Imigração Japonesa, localizado no bairro da

Liberdade, em São Paulo. Dessas idéias, uma das alegorias levadas à avenida foi o

segundo carro da escola, uma réplica do Kasato Maru49.

Figura 18 – Carro abre-alas da Vila Maria, um dos maiores do carnaval paulistano. Carnaval 2008. Fonte: UOL.

47GUTIERRES, Marcelo. Unidos de Vila Maria receberá imperador japonês, diz carnavalesco. G1. 25.12.2007.

48Irashai-Mase, palavra japonesa, que significa boa sorte em português. 49Primeiro navio imigrante japonês a aportar no litoral de Santos, no Estado de São Paulo, em 18 de junho de 1908, trazendo 781 imigrantes, devido a um acordo imigratório estabelecido entre o Brasil e o Japão.

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É feito um levantamento dos tipos de materiais a serem empregados na

produção das fantasias projetadas pelo carnavalesco.

A construção das alegorias, ou carros alegóricos, seguem algumas etapas,

sendo a primeira, a ferragem para preparar o chassi de um caminhão e solda. Na

segunda, vão sendo introduzidos a carpintaria e a marcenaria, onde serão colocadas

as esculturas. Estas são feitas de isopor ou de fibra de vidro. Somente depois de

finalizadas em sua arte fina, ou seja, pintada e concluída, é colocada sobre o carro.

O chão e as laterais são forradas com vários tipos de tecidos, ou decoradas

em conformidade com o enredo.

São acoplados à alegoria, volantes e pedais, que moverão as rodas, durante

o desfile. O regulamento oficial não permite que as alegorias sejam movidas a

motor. Contudo, trazem geradores de energia que iluminam e movem as esculturas

e alegorias.

As agremiações paulistanas têm produzido carros alegóricos maiores que os

do Rio de Janeiro, tanto em altura quanto em comprimento, justifica o carnavalesco

André Machado50, do Império da Casa Verde “A estrutura da Sapucaí é menor, pois

tem arquibancada só de um lado”, e conclui “como aqui tem arquibancadas nos dois

lados, aconteceu de a gente ter que aumentar esses carros alegóricos para a

pessoa que está lá em cima, no final da arquibancada, pode visualizar melhor os

carros”. No desfile do Império de Casa Verde, em 2008, a área do último carro da

escola chegou a 150 metros quadrados, o equivalente a mais ou menos um

apartamento de quatro quartos. Para sustentar toda essa estrutura, são necessários

três eixos e dez rodas, para comportar cerca de 30 pessoas cantando e dançando.

O carnavalesco explica como projeta os carros para a agremiação: “primeiro, é feito

um projeto no papel, e ele é feito em uma escala menor, na parte de isopor; ele é

todo fatiado e depois essas fatias são aumentadas em uma escala proporcional ao

projeto final que a gente quer”.

Apesar dessas dimensões gigantescas, os carros são bastante seguros, pois

são testados pelo corpo de bombeiros, e somente serão aprovados se oferecerem

uma estrutura resistente e segura, para os destaques lá postados.

50ROCHA, Fernando. Carros alegóricos são cenário do carnaval em São Paulo. SPTV 1ª edição. 16.01.2008.

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O transporte das alegorias é feito de madrugada, para não atrapalhar o

intenso trânsito de São Paulo, durante o dia, sendo levados com a ajuda de técnicos

CET (Companhia de Engenharia e Tráfego). A Liga Independente das Escolas de

Samba define previamente o calendário, em que dia-a-dia, as agremiações vão

transportando as suas alegorias, que seguem desmontadas, para facilitar o seu

transporte, até sua chegada ao sambódromo. A saída das alegorias é

acompanhada sob os atentos olhares do carnavalesco e sua equipe de profissionais,

envoltas em saco preto, e vão percorrendo as ruas da cidade. É um momento

emocionante para aqueles que se dedicaram durante meses de trabalho no

barracão. Uns choram, outros batem palmas. É como se fora demarcado o final de

uma etapa e o início de outra, carregada de expectativas e esperanças, o dia mais

esperado, o da apresentação pública na passarela do samba.

Alguns sambistas e estudiosos relatam que “um desfile se define na

concentração”. Nesse sentindo expõe Ferreira (1999), “é nos longos e tensos

momentos que antecedem o desfile (chamados genericamente de concentração)

que a escola se prepara para entrar na passarela, que a agremiação irá organizar e

dar seqüência a tudo o que vinha sendo preparado durante quase um ano de

trabalho”, concluindo em seguida, “do sucesso dessa organização irá depender o

sucesso do desfile”.

É na concentração que vão chegando os ônibus que trazem os foliões. Na

área de concentração, um tenta encontrar o outro, por meio das fantasias e

adereços dos componentes de sua ala.

Na área de concentração há sempre muita movimentação, e nesse sentido,

comenta Theobaldo: “...o tesão do carnaval mesmo, é ir realmente lá, na

concentração, acompanhar até a saída da escola. É o momento que é pura energia,

de adrenalina mais absurda, um momento que você não sabe nem como segura,

porque ali parece que sintetiza toda essa conversa de trabalho, como você solidifica,

você se alimenta daquela estrutura... Nas 6 horas (antes) e à medida que vai

chegando... 2 horas antes de partir dali, tudo acontece nesse instante. A sua idéia

está sendo disputada com cinco mil pessoas!”.51

51Entrevista realizada em 28 de outubro de 2002. BLASS, Leila Maria da Silva. Desfile na avenida, trabalho na escola de samba. A dupla face do carnaval. São Paulo: Annablume, 2007.

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As alegorias são acionadas e os efeitos especiais são conferidos pela última

vez, antes de adentrarem pela passarela. Os destaques são alçados pelo corpo de

bombeiros, dentro de enormes fantasias e com costeiros imensos e volumosos. Os

casais de mestres-sala e portas-bandeira vestem as fantasias em local reservado,

observados por membros da Harmonia. O clima é de euforia entre os componentes.

À medida que tudo isso ocorre, são feitos os últimos retoques nas alegorias, e

todos já podem ouvir o “esquenta” da bateria, que faz com que quase quatro mil

componentes, comecem a sambar e a entoar com performance a letra treinada na

quadra da escola. Esse momento para folião é de extrema excitação, todos se

mantém eufóricos, sendo muito difícil descrever exatamente o que se sente antes e

depois de um desfile de carnaval.

É na dispersão que se encerra o final de uma produção de desfile, e o início

de outro. As alas vão chegando gradativamente à dispersão, ou apoteose. Ao cruzar

a linha, que finaliza o desfile, os sentimentos ganham outras dimensões, às vezes

de alívio, por tudo ter dado certo, de tristeza, devido a fatos inesperados, e até

mesmo de vida ou morte, com vistas a ganhar o campeonato, ou ser rebaixada para

o Grupo de Acesso. Os componentes vibram muito, e continuam a cantar, até o

desaparecimento total do som da bateria. Aos poucos os componentes vão

ingressando no ônibus que os deixarão no barracão da escola de samba, ainda

embalados e contagiados permanecem cantando o samba-enredo, e torcendo por

bons resultados durante a apuração do concurso.

Os carros alegóricos são depositados ao lado da dispersão, em local

específico para sua guarda, até sair o resultado a ser apurado na quarta-feira de

cinzas, e que apontará o vencedor .

4.3. Samba-enredo: o “combustível” do desfile carnavalesco

O termo samba-enredo se difundiu na cidade do Rio de Janeiro, no início

dos anos 50, baseado nas regulamentações dos desfiles carnavalescos, ocorridos

entre 1946 a 1948, quando a letra do samba representava um quesito importante no

julgamento do concurso carnavalesco. O samba-enredo é uma modalidade de

samba que consiste em letra e melodia, criadas a partir do resumo do tema

elaborado como enredo de uma escola de samba.

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Ele apresenta versatilidade, ou seja, algumas agremiações preferem deixá-lo

mais agitado, outras preferem deixá-lo mais calmo, e ainda outras o preferem mais

romântico. Estas variações ocorrem anualmente, em virtude dos concursos

carnavalescos.

O primeiro samba gravado por uma escola foi o da Unidos da Tijuca,

agremiação do Rio de Janeiro, em 1936, mas a obra não pode ser considerada um

samba de enredo, pois não retratava um enredo, mas, um tema.

As composições dos sambas de enredo surgiram espontaneamente, por

meio do encontro de sambistas. Não havia autores e muito menos temas a serem

narrados pelas escolas de samba durante o concurso anual de carnaval. Nesse

aspecto, era marcado pela criatividade de seus participantes, fazendo abordagens

sobre a natureza do próprio samba e ao universo dos próprios sambistas, mas já se

utilizava as cores e os símbolos da escola de samba.

Em 1967, o samba-enredo da Mangueira faz grande sucesso no país. Por

esta razão, se produz o primeiro disco de samba-enredo, reunindo todos os sambas

do ano, para o carnaval de 1968, intitulado de "Festival do Samba".

Em São Paulo, o primeiro samba-enredo foi introduzido pela escola de

samba Nenê da Vila Matilde, em 1956, e afirma seu Nenê, em suas Memórias

(2000), “desfilamos com sambas de rua, músicas de carnaval e sucessos de rádio...

Eu tinha vontade de mudar a escola..., mas não sabia como fazer a coisa. Então,

Popó disse: ‘temos que ter um tema, fazer um enredo’”.

Em tempos passados, as agremiações faziam o uso, em seus desfiles, de

mais de um samba-enredo. Dessa forma, um coro de pastoras cantava um samba

na primeira parte, seguido de um grupo de compositores, na segunda, de forma

improvisada.

O samba-enredo é o resultado de um trabalho coletivo, e se constitui em um

importante elemento na produção artística de um desfile de carnaval, sendo

elaborado em diversas fases, até que se chegue à sua versão final, a ser cantada e

entoada pela comunidade, desfilantes e seus adeptos.

A composição e a escolha do samba-enredo seguem critérios coletivos e

individuais e acontecem de trás para frente. Para produzí-lo, há vários encontros na

quadra das escolas de samba, e o seu término é marcado com a gravação de um

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CD, com os sambas selecionados por cada escola de samba, sendo estas, todas do

Grupo Especial.

No decorrer da seletiva que elegerá o samba-enredo oficial da escola, por

vezes, ocorrem muitos atritos e conflitos, constituindo-se num momento de muita

tensão. Isso se dá em razão do poder político e de conflitos internos existentes

dentro das agremiações, mas tudo é resolvido por meio de negociações e de

ajustes.

Caso seja necessário, o carnavalesco também poderá participar da seleção,

porque o enredo eventualmente pode apresentar temáticas pouco tratadas pelos

compositores das agremiações. Às vezes, os carnavalescos se utilizam de

elementos desconhecidos pelos componentes ou são resistentes às suas idéias,

conforme será abordado posteriormente.

Em 2002, na escola de samba o Vai -Vai foram criadas vinte e duas versões,

mas apenas quatro foram apresentadas publicamente na quadra da escola.

Somente, após dois meses, duas dessas versões permaneceram até a escolha do

samba enredo final “Guardado a sete Chaves”.

No processo de escolha, a eleição de um samba determina a eliminação de

outro. As seletivas de sambas-enredo acontecem nas quadras das escolas, entre o

fim do mês de julho e o último fim de semana de setembro. O concurso interno é

coordenado pela ala dos compositores e por toda a diretoria da agremiação. Após

definido o samba, é gravado o CD, com a voz do interprete oficial da escola, muitas

vezes chamado de “puxador”.

Conforme informa Blass (2007), depois da gravação do CD, com os

puxadores oficiais de cada escola, acompanhados por uma bateria, composta por

mestres e instrumentistas do conjunto das agremiações, os sambas enredos são

divulgados pelas emissoras de rádio e mídias especializadas em carnaval.

Este processo desencadeia, para os dirigentes e carnavalescos, a contagem

regressiva para os festejos carnavalescos, inclusive, com a apresentação em

quadra, ou pelos sites da web das agremiações, os protótipos de fantasias a serem

vendidos aos desfilantes.

A composição de um samba-de-enredo costuma ser trabalhoso e demanda

várias semanas de trabalho. Geralmente, a concepção é feita em equipes, e quando

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isso ocorre, formam-se nas alas dos compositores, envolvendo processos individuais

e coletivos. Nesse sentido, afirma Augras (1998), nas palavras de Cartola “os

sambas são uma coisa longa e feita a capricho... abre um livro... tira daí toda a

história e arruma as palavras para rimar.”, ou seja, continua Cartola “criar um samba

enredo dá trabalho”.

O refrão representa um aspecto importante do samba-enredo, porque por

meio dele é expresso o que está internalizado por todos, e remete ao conteúdo que

será tratado nas estrofes seguintes.

Os refrões devem ser envolventes, para conquistar e chamar a atenção dos

foliões e dos espectadores presentes à passarela do samba. Segundo Valença

(1986) “os sambas não eram gravados antes do carnaval, circulavam apenas no

restrito meio dos sambistas e o público os ouvia pela primeira vez na hora do

desfile”.

As escolas de samba paulistanas costumam utilizar, em seus refrões, fortes

referências aos bairros ou pedaços da cidade onde a agremiação se localiza. Isso

reforça a identidade da escola em relação a sua comunidade e aos seus

admiradores, além de ser uma forma de distinguir-se em relação às outras escolas

de samba.

No samba-enredo "Deus fez o homem de barro e a Águia de Ouro, o Brasil

feito a mão” 52, no carnaval 2007, a escola fala a sua comunidade e admiradores, em

seus versos iniciais:

Amor hoje a festa é pra você Sou da Pompéia pode crer No carnaval da ilusão Minha arte é fascinação.

E, mais adiante, convida todos a “caírem no samba”:

Águia de ouro Mostra um Brasil que é feito a mão Chega pra cá vem sambar, o show já vai começar E a bateria vai te arrepiar

52Carnaval 2007. Samba-Enredo: Deus fez o homem de barro e a águia de ouro: o Brasil feito à mão. Compositores: Ala de compositores.

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Figura 19 – Alegoria da Águia de Ouro. Carnaval 2007. Fonte: Terra.

A campeã do carnaval 2007, Mocidade Alegre, comemorava 40 anos de

existência, e levou à avenida o samba "Posso ser inocente, debochado e

irreverente... Afinal, sou o riso dessa gente!” 53, retratando os aspectos lúdicos e a

irreverência do povo brasileiro, como mostrado em nos versos:

A emoção transborda da veia Meu pavilhão o samba festeja Vamos sorrir... Amar enfim Vem Mocidade Alegre ser feliz

53Carnaval 2007. Samba-Enredo: Posso Ser Inocente, Debochado e Irreverente... Afinal, Sou o Riso dessa Gente! Compositores: China, Grandini e Magrão.

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Figura 20 – Alegoria da Mocidade Alegre. Carnaval 2007. Fonte: Terra

E no decorrer do samba-enredo, revela o jeito despojado do brasileiro:

Já fui malandro sim Com um jeitinho assim... Gostoso demais Bom brasileiro, debochado e irreverente Na chanchada fui a arte dessa gente

Figura 21 – Bateria. Carnaval 2007. Fonte: Terra.

Para o carnaval 2009, a agremiação conhecida como “Morada do Samba”,

concorrerá com o samba-enredo “Da chama da razão ao palco das emoções... Sou

máquina, sou vida... Sou coração pulsando forte na avenida!”54. A escola se vestirá

de vermelho para falar do coração. O samba fará referência ao conceito egípcio de

que o coração é o centro de inteligência e razão. Mostrará a saúde e o bem-estar

54Carnaval 2009. Samba-Enredo: Da chama da razão ao palco das emoções... Sou máquina, sou vida... Sou coração pulsando forte na avenida! Compositores: China da Morada, Ferreira, Luis Roberto, Murillo TK, Pinheiro e Rafa.

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com o equilíbrio entre o corpo e alma. A "paixão", representada pelo símbolo do

coração, também será retratada na avenida. O tema fica evidenciado na letra do

samba:

Máquina da vida eu sou Com saúde e mais amor Quem doa renova a vida em outro ser Sou ritmo puro que te faz viver Entre tantas emoções Amores revelam cenário de paixões Enamorados ao luar, o cupido me flechou Gostoso é o amor materno Puro e eterno pra me acalentar Sou inspiração na poesia O grito de gol no ar São tantos sambistas imortais Inesquecíveis carnavais Por ti darei a minha vida Escola querida!!! É mais uma emoção Batendo forte no meu peito Eu sou Morada e não tem jeito Faz pulsar o coração O sonho de ser campeão

Em 1991, a Nenê da Vila Matilde completava 50 anos de tradição no

carnaval paulistano, obtendo o segundo lugar no grupo especial, falando e revelando

os aspectos cotidianos da cidade de São Paulo, conforme declarado no samba-

enredo “Voa Águia, que Sampa é toda tua” 55:

Feliz cidade é aqui Nenê vai abalar vai sacudir São Paulo multicultural É festa, é minha vila, é carnaval Voando sob o manto azul do céu Descortinando o branco véu Veste a fantasia E a águia no cinqüentenário

55Carnaval 1991. Samba-Enredo: Voa Águia, que Sampa é toda tua. Compositores: Santaninha, Clóvis, Barbosinha, Baby e Rubens Gordinho.

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Vem deslumbrar esse cenário Trazendo uma cidade em poesia Amor não chora, vou partir Sou imigrante, retirante Vou em busca do meu sonho, consegui De braços abertos a cidade me adotou Imensa me assustou Tão feia e tão bela Deus abençoou Operários, malandros e artistas Teu contraste eu vi e venci Alô, alô minha gente Gente boa Me apaixonei pela terra da garoa Te amo, Oh, Paulicéia desvairada Miscigenada Das luzes da ribalta teu matiz À noite essa cidade que não pára Mostrando a cara O rosto e o perfil desse país.

Figura 22 – Carro Abre-Alas da Nenê da Vila Matilde. Carnaval 2001. Fonte: Terra.

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As agremiações, eventualmente, questionam ou polemizam temas de

interesse nacional ou internacional, como no samba-enredo dos Acadêmicos do

Tucuruvi, no carnaval 200156, que abordava a trajetória do carnaval paulistano, e as

diferenças entre o carnaval paulistano e carioca, como mostrado nos versos abaixo.

Se enganou, olha aí, não sou Um túmulo, eu sou feliz Ganhei um palco pra provar minha raiz Deixei de ser marginal, segui outra diretriz Meu samba hoje é orgulho do país Vem Tucuruvi Brilhar no pólo cultural Faz resplandecer e estremecer A estrela do meu Carnaval

Em 2004, o samba-enredo “Idéias e paixões: combustível das revoluções” 57,

da Gaviões da Fiel, faz uma homenagem à cidade de São Paulo, procurando dar um

sentido mais amplo e questionador, exigindo mudanças, transformações e

alterações nas econômicas, costumes e idéias, resgatando a opinião de um povo,

como demonstrado nos versos, a seguir:

Viajei e voei E encontrei nessa cidade Idéias e paixões, revoluções por liberdade O eldorado sonhado desperta a cobiça... por nosso tesouro A proteção vem da fé E o índio agradece, obrigado José O bandeirante explorou e o barão plantou... o ouro negro E o estado cresceu, o mundo então conheceu O grande centro de um país em movimento E no decorrer dessa viagem O pensamento segue em outras direções Greve; democracia; Quem sabe um dia comandar essa nação Eu quero é comer... dar arte nacional...

56Carnaval 2001. Samba-Enredo: São Paulo dá samba, olha aí nosso carnaval. Compositores: Leandrinho, Pagodinho, Luiz e Gustavo.

57Carnaval 2004. Samba-Enredo: Idéias e Paixões: Combustível das Revoluções. Compositores: Binho e Claudinho.

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Desfrutar dessa cultura E esquecer a influência internacional Surgiu o futebol, nasceram as paixões Sou gaviões, eu sou Corinthians O verdadeiro campeão dos campeões Ninguém vai me calar Nem conseguir mudar Esse orgulho de ser gavião Nesse carnaval minha emoção É ser fiel de coração

Figura 23 – Carro Abre-Alas da Gaviões 2005. Fonte: Gaviões da Fiel

Em 1995, esta agremiação, ganhou o campeonato, fazendo um resgate ao

passado, com o samba-enredo “Coisa boa é para sempre” 58, retratando tudo o que

se faz desde criança e guarda-se com alegria ao longo dos anos, constituindo-se

momentos felizes vividos, incluindo o jubileu de prata de uma das maiores torcidas

do Brasil.

Me de a mão me abraça viaja comigo pro céu sou Gavião levanto a taça com muito orgulho prá delírio da Fiel

58 Carnaval 1995. Samba-Enredo: Coisa boa é para sempre. Compositor: Grego.

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Vou te levar, pro infinito vou te beijar de um jeito mais bonito ai que gostoso amor, ai que saudade te amo, te amo de verdade Olha prá mim abre o teu sorriso é carnaval, sou o rei do riso vou gargalhar, quero alegria lavar a alma com o som da bateria

Figura 24 - Carros Alegóricos da Gaviões da Fiel na concentração. Carnaval 2002. Fonte: Gaviões da Fiel.

Em 2007, o Vai -Vai, cantou o "O 4º Reino - O Reino do Absurdo"59,

mostrando que é necessário preservar a natureza, inclusive por meio de processos

de reciclagem, a fim de garantir a sustentabilidade do planeta, ao passo que

reforçou a identidade da escola, como declarado em seu primeiro refrão:

É festa, é Carnaval “Se Liga Nessa" que o alerta é geral Com muito orgulho a saracura

59Carnaval 2007. Samba-Enredo: O 4º reino – O reino o absurdo. Compositores: Zé Carlinhos, Naio Denay, Vagner Almeida e Danilo Alves.

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Mostra pro mundo que o planeta ainda tem cura Eu sou "Bixiga", quero ver quem me segura

Figura 25 - Carro alegórico "O Reino do Absurdo", feito com brinquedos de guerra. Carnaval 2007. Fonte UOL

Atual campeã do carnaval paulistano, em 2008, a agremiação apostou no

tema educação, conquistando o seu 13º título, com o samba-enredo "Vai-Vai acorda

Brasil: A saída é ter esperança” 60. A escola propôs a educação, como saída para o

desenvolvimento do país, reforçando as potencialidades e talentos que possui o

povo brasileiro, conforme expresso na letra do samba-enredo, a seguir.

Eu sou guerreiro de fé Meu samba é no pé, sou Vai-Vai Se quero axé meu manto traz No branco a paz, no preto amor Sou brasileiro e tenho meu valor

60Carnaval 2008. Samba-Enredo: Vai-Vai acorda Brasil. Compositores: Zé Carlinhos; Nayo Denai; Vagner Almeida e Danilo Alves.

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Desperta gigante, é novo amanhecer A levada do meu samba, vai te enlouquecer (Meu Brasil) Esbanja talentos musicais, herança de gênios imortais Do céu ecoam melodias, em sinfonias, que embalam meu cantar E "carinhosamente" a Bela Vista a desfilar vem mostrar Que um lindo sonho, nesta vida se torna real Pra quem lutar, acreditar, buscar um ideal Um lindo sonho, nesta vida se torna real Pra quem lutar, acreditar num ideal Alô Brasil, o nosso povo quer mais Educação pra ser feliz! Com união, vencer a corrupção Passar a limpo este país! Brilhou na arte a esperança Iluminou as nossas vidas com o doce afã De tocar, encantar, transformar as mentes do amanhã Com o dom da musicalidade, "acordes com dignidade" Vem ver, na grande ópera do carnaval O bem vencendo o mal é a força da cidadania a trilhar Vamos gritar aos quatro cantos desta pátria mãe gentil Pra sempre vou te amar, "ACORDA BRASIL"

Figura 26 – Integrantes vestidos com roupas de formandos. Carnaval 2008. Fonte UOL.

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As letras de um samba, são escolhidos pela sonoridade, como afirma

Augras (1998) “o sentido das palavras não é o determinante, o que vale é a sua

utilidade estética”.

O samba-enredo recria as tradições populares, ao mesmo tempo em que

influencia as escolhas dos enredos das escolas de samba, conforme acentua

Valença (1996), “um recurso precioso para captar a simpatia e a participação das

arquibancadas”.

Figura 27 - Destaque do carro alegórico "Reino Internet/Reino Mineral". Vai-Vai. Carnaval 2007. Fonte UOL.

Figura 28 - Detalhe do carro abre-alas "Cortejo de Apolo, Deus da Música". Vai-Vai, Carnaval 2008. Fonte: UOL.

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4.4. No barracão, as mãos criam os elementos da folia

A produção dos desfiles das escolas de samba ocorre em vários tempos e

lugares. A produção artística do carnaval é desenvolvida nas quadras, nas oficinas e

nos barracões das agremiações. O nome barracão designa os grandes galpões

onde as escolas de samba criam suas alegorias e fantasias. São nesses espaços

que as idéias do carnavalesco ganham vida.

Os barracões das agremiações funcionam o ano inteiro, sendo gerados

empregos fixos e temporários ao longo do ano. O processo de confecção de

alegorias e fantasias é baseado em práticas artesanais, e no saber fazer, como

lembra Certeau (1994), que em suma são bastante populares. Dessa maneira, a

produção se pauta em diretrizes tradicionais, com propostas modernas de gestão da

produção e do trabalho.

Atualmente, são empregadas tecnologias modernas na confecção desses

elementos. No barracão diversos profissionais de serralheira, carpintaria, solda,

marcenaria, esculturas em isopor, empastelamento, moldes em fibra de vidro,

pintura, espelho e vidraçaria, mecânica, iluminação, e efeitos especiais, conforme

retrata Cavalcanti (1996) e Blass(2007). Alguns setores, como iluminação e efeitos

especiais, em muitas agremiações são terceirizados.

Figura 29 - Carro da Mocidade reproduz aspectos da cidade de são Paulo. Carnaval 2008. Fonte: UOL

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Nas quadras das agremiações são desenvolvidas as atividades pelos

diretores de harmonia, treinos da bateria, baianas, mestre-sala e porta-bandeira,

comissão de frente. É de suma importância lembrar que muitos desses participantes

tentam conciliar o seu trabalho diário com as atividades desempenhadas nas

escolas de samba.

Quando se aproxima o dia da apresentação oficial, os diversos setores que

compõem o barracão funcionam ininterruptamente. E quando isso acontece, há um

intenso trabalho em equipe, de forma que, quem estava construindo carros

alegóricos passa a contribuir na confecção dos adereços e vice-versa, viabilizando a

produção do desfile de carnaval.

A imigração de trabalhadores oriundos de Parintins para comandar o

movimento dos carros alegóricos no carnaval de São Paulo e Rio Janeiro,

principalmente, nas agremiações do grupo especial, cresce a cada ano, e dá a

essas alegorias um agradável aspecto plástico visual.

4.5. Carnavalesco, o planejador e executor do desfile carnavalesco

A produção dos desfiles exige, na atualidade, técnicas complexas. Diante

deste cenário, é necessária a contratação de profissionais altamente qualificados,

com habilidades técnicas para viabilizar esta produção. Assim sendo, surge a figura

do carnavalesco61.

A contratação desse profissional é cercada por muitas polêmicas. Mas, é

indiscutível que é um dos personagens mais importantes no processo de produção

do carnaval. É quem transformará as imagens, sons e palavras.

O cotidiano de uma escola de samba é marcado por conflitos envolvendo

dirigentes, assessores, chefes de ala e comissão de carnaval, e também o

carnavalesco e o presidente. É comum o clima tenso entre o carnavalesco e os

profissionais do carnaval. Por esta razão, os carnavalescos escolhem seus

auxiliares e equipes, para a construção de alegorias e fantasias, nas oficinas.

61Denominação dada pelos membros das escolas de samba para indicar o responsável pela elaboração geral do tema e do plano detalhado do desfile de uma agremiação. Anteriormente, esta função era exercida de forma amadora, tornando-se de caráter profissional a partir da década de 60, lançando-se mão de profissionais brancos, Na atualidade, este profissional é a figura mais bem paga por uma agremiação carnavalesca.

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O carnaval segue um cronograma de tarefas e atividades que nortearão os

trabalhos e atividades, feito em conjunto com os dirigentes da escola de samba, que

estão sempre envolvidos em todos os processos.

O carnavalesco viabiliza o cenário plástico-visual para que todos dancem à

medida que a escola evolua na avenida.

De acordo com Ferreira (1999), o carnavalesco ganha maior visibilidade a

partir dos anos 60, quando são introduzidos profissionais como cenógrafos,

escultores e artistas plásticos, para assumirem a criação plástica e dramática dos

desfiles de carnaval.

Para Joãosinho 30 62, o surgimento da figura do carnavalesco, no carnaval

carioca, relaciona-se ao fato de “quem morava no morro do Salgueiro, vivia ali por

perto, e colaborava na alegoria; ele mesmo fazia a sua fantasia (...) mas a cidade

cresceu, o cara que mora no morro do Salgueiro hoje (1980) trabalha no Leblon,

então tem que acordar cedo, quatro, cinco horas da madrugada (...) e se deslocar

para outro lugar. Quando volta tarde da noite, não tem mais tempo para fazer

alegoria, faixa, bonecos. A grande cidade acabou com a participação do

componente e surgiu então o carnavalesco...”.

Nestes últimos anos, os carnavalescos têm se tornado uma figura-síntese,

pois agregam uma pluralidade de tarefas, durante suas produções. É muito difícil

caracterizar as atribuições de um carnavalesco. Ele está presente nas variadas

fases de produção de um desfile, inclusive, na dispersão do sambódromo, quando

ocorre a desmontagem das alegorias.

O trabalho deste profissional envolve o desenvolvimento plástico visual das

fantasias e das alegorias, a confecção dos protótipos das fantasias, materiais, cores,

formas, tamanho dos adereços, além da preparação das fantasias dos destaques,

das alegorias e dos componentes. Essas tarefas são executadas com contribuição

ou não dos dirigentes das agremiações.

Muitos carnavalescos contam com uma equipe de profissionais que

envolvem escultores, carpinteiros, soldadores, decoradores, técnicos de iluminação

e artesões, dentre outros que possam contribuir com as atividades desenvolvidas no

62BLASS, Leila Maria da Silva. Desfile na avenida, trabalho na escola de samba. A dupla face do carnaval. São Paulo: Annablume, 2007.

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barracão. Apesar de estar cercado de profissionais de primeira grandeza, o

carnavalesco deve ter imaginação própria, tendo em vista que o processo de criação

não é coletivo em uma escola de samba.

O carnavalesco pode atuar praticamente em todos os setores de uma escola

de samba, sendo quase impossível lhe atribuir funções, no sentido de produzir

desfiles carnavalescos, como confessa Augusto de Oliveira: “o meu espaço é a

escola toda: é a quadra, é aqui e é o dia do espetáculo, que é exatamente a direção

(teatral)...”. 63

Entre as rotinas desenvolvidas pelo carnavalesco está a supervisão, visando

à qualidade das alegorias e o seu perfeito funcionamento. Este profissional possui

variadas técnicas e inúmeros macetes e segredos, obtidos por meio da imaginação,

criatividade e inventividade. O trabalho requer responsabilidade e, sobretudo,

capacidade de mando, adquirida ao longo dos anos. A convivência ao meio em que

está inserido também contribui para sua formação, conforme afirma Vasconcelos

(1999), “a formação profissional é prática, e acontece no barracão e oficinas”.

Muitos carnavalescos paulistanos tiveram sua formação profissional no Rio

de Janeiro, e apontam algumas dificuldades para coordenar o desfile paulistano, em

razão dos profissionais não terem prática, ou seja, “saber fazer carnaval”. Faltam

profissionais que se engajem nas atividades desenvolvidas no barracão e oficinas

nas escolas paulistanas. Nesse sentido, sobre o processo de saber fazer carnaval,

define Guedes (2002), “carnavalesco, profissional polivalente, que deve “saber de

tudo um pouco”.

Segundo Raul Diniz64, carnavalesco da X9 Paulistana, para tornar-se um

profissional completo, foi preciso fazer cursos e aprender a falar a linguagem dos

costureiros, carpinteiros e marceneiros, que dão vida às formas que ele inventa, e

afirma “o que mais recompensa é você realizar uma grande idéia” e justifica “crio

uma sinopse, converso com os compositores”.

Tanto a montagem quanto a desmontagem de um desfile de carnaval revela

a importância do carnavalesco, como observa Joãosinho Trinta65: “na escola de

63Entrevista concedida em 17.12.1999. BLASS, Leila Maria da Silva. Desfile na avenida, trabalho na escola de samba. A dupla face do carnaval. São Paulo: Annablume, 2007.

64NORONHA, Isabela. Carnavalesco de SP é tema de tese de mestrado.G1. 24.12.2007. 65 Op. Cit.; BLASS, Leila Maria da Silva.

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samba o lado da fantasia, da diversão se não for bem dosado pode acabar com a

parte prática. O comando é importante, porque a emoção pode atrapalhar a parte

prática”.

As relações entre o carnavalesco e sua equipe, às vezes, tornam-se tensas,

o que pode inviabilizar a sua contratação para o próximo carnaval. Tanto o

carnavalesco quanto os membros de sua equipe, escolhem as agremiações com as

quais gostariam de trabalhar, mas nem sempre conseguem atingir este objetivo. As

contratações dependem das relações de poder que acontecem dentro das escolas.

Apesar de alguns profissionais permanecerem muitos anos em determinada escola

de samba, é comum haver intercâmbio envolvendo o circuito Rio-São Paulo. O

motivo é, em síntese, devido ao fato de alcançar melhores resultados no concurso

anual, prestígio e inclusive o reconhecimento em saber fazer carnaval.

4.6. Competitividade na avenida: o julgamento do desfile

O desfile das escolas de samba de São Paulo é organizado de forma similar

a uma disputa de campeonato.

A LIGA - Liga das Escolas de Samba de São Paulo é tida como uma

Organização de Sociedade Civil de interesse público, que congrega 24 agremiações.

Quatorze destas pertencem ao Grupo Especial e dez ao Grupo de Acesso. A missão

da Liga é promover os chamados Desfiles do Grupo Especial de Samba Oficial da

Cidade de São Paulo. Na segunda-feira, apresentam-se cerca de quarenta e sete

escolas associadas à União das Escolas de Samba de São Paulo (UESP). A LIGA é

a responsável direta pela oferta de ingressos para o carnaval paulistano, a

confecção do CD promocional dos sambas-enredos das agremiações, cursos para

jurados e, também, pela divulgação da apuração dos desfiles realizados pelo Grupo

Especial e de Acesso.

A LIGA estabelece o regulamento ao qual as agremiações estão sujeitas,

estabelecendo os critérios de julgamento que apontarão anualmente a escola

campeã do carnaval paulistano.

O desfile de uma agremiação, na passarela do samba, é um momento vivido

com muita intensidade, por parte daqueles que produzem os desfiles e pelos

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próprios desfilantes, os chamados “foliões descompromissados”, e tem como

resultado final, uma somatória de esforços.

O desfile, por si só, é efêmero e único. Não se repetirá outro igual para cada

uma das agremiações. O evento é planejado em todas as suas etapas, mas está

sujeito a contratempos, por variados motivos, como a quebra de um carro alegórico

ou problemas na evolução da escola. É um desafio do carnavalesco colocar de

forma impecável a sua escola na avenida, de forma que, na dispersão “ou apoteose”

todos comemorem o sucesso do desfile.

Quando a escola de samba faz sua apresentação oficial, compartilha estes

momentos com os os espectadores e corpo de jurados. Dessa interação, pode-se

fazer uma releitura dos códigos verbais e não verbais vistos observados na

apresentação.

Durante o desfile, é de vital importância que as agremiações não cometam

falhas em sua montagem seqüencial, seja nas composições das alas, no bailado do

mestre-sala e porta-bandeira ou em todo o seu conjunto. Quando ocorrem falhas ou

deslizes, a avaliação do desfile fica comprometida, refletindo-se nas notas

conferidas pelos jurados. Cada jurado recebe um roteiro prévio e completo do

desfile de cada agremiação e, baseados nele, definem a nota para os quesitos

estabelecidos em regulamento.

Quando há fuga do roteiro encaminhado aos jurados, a nota do quesito

evolução, certamente, estará comprometida.

As agremiações paulistanas do Grupo Especial são julgadas em nove

quesitos66, a fim de apurar-se a campeã do carnaval paulistano: mestre-sala e porta-

bandeira, bateria, comissão de frente, alegoria, enredo, fantasia, alegoria, samba-

enredo e evolução.

O mestre-sala e porta-bandeira devem executar um bailado próprio, no ritmo

do samba, sempre com passos e características próprias. A porta-bandeira é a 66Em janeiro de 2008, a LIGA mudou o critério de julgamento, unificando os quesitos Letra do Samba e Melodia, que passou a ser julgado sob o título de samba-enredo. Manteve-se a disposição quanto ao número mínimo de 2.000 componentes para cada escola. Cada agremiação deve desfilar com no mínimo 4 e no máximo 5 alegorias. As notas continuam sendo de 7 a 10, podendo ser fracionadas em 0,25. Cada agremiação tem o tempo mínimo de 55 minutos e o máximo de 65 minutos para fazer a sua apresentação. Fonte: LigaSP. 16.01.2008.

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figura mais representativa dentro de uma escola de samba, que acompanhada pelo

mestre-sala, o guardião do pavilhão, executarão movimentos sincronizados e

harmônicos, dotados de elegância, garbo e postura na execução da dança. Devem

fazer uso de fantasias que não dificultem os seus movimentos, devendo ser

seqüênciais e coordenados, evitando-se impreterivelmente qualquer comunicação

entre o casal. O bailado deve ser executado de forma integrada, com sincronismo,

postura e estilo.

Figura 30 – Apresentação oficial do casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira. Vai-Vai. Carnaval 2008. Fonte: UOL.

A bateria representa o “coração” de uma escola de samba. Ela dará a

cadência, proporcinando o ritmo e o andamento do desfile, servindo o canto e a

dança dos desfilantes. A bateria, ao longo do desfile, deve manter o ritmo, e ser

uniforme no desempenho dos diversos instrumentos, não “atravessar”67 e,

tampouco, parar de tocar sem motivos aparentes. Os instrumentos basicos à bateria

são o surdo (naipes graves), repinique (naipes agudos), caixa (naipes agudos),

tamborim (naipes agudíssimos) e chocalhos (naipes agudíssimos). São estes

instrumentos, que servem de referência para a análise ritmica da bateria, sempre

observando-se o equilíbrio dos mesmos. A bateria deve assegurar a sustenção e o

67Ocorre quando a bateria provoca o desentrosamento entre o ritmo e o canto, ou mesmo o descompasso dos instrumentos entre si.

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entrosamento, evitando os descompassos e, ao retomar das chamadas “paradinhas”

ou “breques”, fazê-lo com precisão, no mesmo andamento no qual parou. É

importante a equalização, ou seja, a correta definição do volume dos naipes.

Figura 31 - Bateria Águia de Ouro. Carnaval 2006. Fonte: UOL.

A melodia comprende a sucessão ritmica de sons musicais. É a

interpretação musical do enredo. É importante a criatividade, a originalidade e a

riqueza. Deve induzir os componentes a cantarem e evoluírem durante o desfile,

sem a necessidade de conhecerem tecnicamente a música. Deve existir harmonia

entre a letra e a melodia, para que não haja atropelos, dando-se uma idéia de que a

letra “não coube” dentro da melodia. Deve-se tomar cuidado com plágios, mas

aceitável o que estiver dentro do domínio popular.

A letra do samba refere-se a parte escrita que, em conjunto com a melodia,

formará o samba-enredo. Deve ser composta com base no enredo. A técnica para

compor a letra do samba deve ser a mesma que se utiliza para escrever uma

poesia, uma história. Deve ser feita com clareza, correção e fidelidade, em que a

letra do samba esteja de acordo com o enredo proposto.

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A comissão de frente tem como função essencial saudar e apresentar sua

agremiação ao público, durante todo o trajeto do desfile. Seus integrantes devem

manter uma postura gentil, graciosa, comunicativa e carnavalesca. São executadas

coreografias, levando-se em consideração os trajes de seus componentes e a

movimentação de seu conjunto. É de suma importância a coordenação, a sintonia e

criatividade de sua exibição. A indumentária e fantasias utilizadas podem ser

tradicionais ou não, mas devem estar de acordo com o enredo apresentado. É muito

importante a impressão causada pela fantasia.

Figura 32 – Comissão de Frente da Rosas de Ouro. Carnaval 2008. Fonte: Terra.

As alegorias de uma agremiação correspondem aos elementos cenográficos

que se utilizam de rodas, inclusive, componentes humanos que estejam sob rodas,

em cima de alegorias, caracterizados de acordo com o enredo. É uma

representação plástica e ilustrativa do enredo. As alegorias devem ser criativas,

utilizando os materiais de forma correta, apresentando bom acabamento e cuidados

na decoração e cores em seus elementos, causando bom aspecto visual, inclusive,

em sua parte traseira. Não basta que a alegoria seja bonita. Deve ter um significado

revelado pelo enredo e transmitido de forma clara. As alegorias e adereços devem

demonstrar genialidade e criativade em sua concepção, podendo explorar elementos

alternativos.

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Figura 33 – Alegoria do Império de Casa Verde. Carnaval 2007. Fonte UOL.

O enredo é a criação artística de um tema ou conceito, ou seja, o tema

central abordado pela escola de samba, baseado em todo o trabalho. É a fonte

inspiradora de todos os acontecimentos da elaboração de um desfile. Deve ser

desenvolvido e apresentado de forma clara e retratado de igual maneira nos carros

alegóricos e nas alas durante o desfile. A escola de samba prepara a montagem

técnica de seu desfile e os envia aos jurados. Na apresentação deve-se executá-la

na ordem correta. O enredo deve ser rico em elementos e argumentos permitindo o

desenvolvimento sequencial das partes presentes nas alas, alegorias e todos os

outros grupos. Deve adequar-se às fantasias, alegorias e à letra do samba, de forma

que se perceba os elementos sugeridos pelo enredo.

A função básica da fantasia é a de ilustrar corretamente o enredo e, com

base nele, se originam os protótipos das fantasias. As fantasias devem transmitir

aquilo que é proposto pelo enredo, devendo ser critativas e ter significado dentro do

enredo. É importante a questão plástica, como cores e formas, além de sua correta

utilização, exploração e distribuição, com bom acabamento. A fantasia deve

adequar-se à dança, pemitindo a livre e espontânea movimentação dos

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componentes, permitindo a agilidade, empolgação e vibração dos mesmos. Quando

dentro de uma mesma ala, deve apresentar uniformidade (calçados, biquinis, sutiãs,

chapéus, entre outros). Nenhum componente, dentro de um conjunto equivalente,

poderá destoar dele em suas indumentárias e elementos. Não deve possuir nenhum

elemento estranho à ala.

Figura 34 – Componente fantasiado, da X9 Paulistana. Carnaval 2008. Fonte: Terra.

A evolução do desfile de uma agremiação corresponde ao seu movimento

rítmico e contínuo. Os movimentos devem ser livres e espontãneos, dentro de uma

ala ou conjunto. Os componentes devem ter liberdade corporal integral (pés,

cadeiras e braços), dentro da cadência do samba. Envolve a sintonia, ou seja, a

manutenção da mesma velocidade entre todos os setores da escola, evitando os

chamados “buracos”, aglomerações e atropelos. A desenvoltura é essencial, pois dá

um carater descontraído, proporcionado pelo ritmo, revelendo uma participação total

e com prazer em desfilar.

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Figura 35 - Águia de Ouro evolui no Anhembi. Carnaval 2008. Fonte: Terra.

A harmonia compreende o entrosamento entre o ritmo (causado pela

bateria) e o canto (emando pela escola), de forma sincrônica, sendo importante a

intensidade, o vigor e a empolgação dos componentes, que devem cantar em

consonância com o ritmo, durante todo o desfile em perfeita sintonia.

Figura 36 – Bateria da Mancha Verde. Carnaval 2008. Fonte: Terra.

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Notas inesperadas ou baixas pode levar a desclassificação ou a queda de

uma agremiação, nos casos dos desfiles do grupo especial e de acesso.

Quando a agremiação não obtém bons resultados no concurso em relação

aos quesitos avaliados, há momentos de tensão. Este fato ocorreu em 2002, com a

escola de samba Nenê da Vila Matilde, quando obteve o quarto lugar naquele

campeonato. O desempenho da bateria, da letra do samba e evolução, não eram

esperados, provocando desentimentos internos.

Para evitar o descenso ou a má colocação o carnavalesco responsável pela

agremiação supervisiona todas as etapas, em conjunto com a diretoria.

O desfile das escolas de samba, em sua apresentação oficial para o público

e para juri, constitui um momento de tensão e de responsabilidade. Para os foliões

mais exaltados, representa uma maneira de extravasar suas emoções.

A apuração do Grupo Especial das Escolas de Samba de São Paulo é

transmitida ao vivo pela Rede Globo de Televisão, por rádios e pela internet, tudo

em tempo real. Os foliões despertam logo cedo, para chegarem ao sambódromo às

nove horas e trinta minutos, horário básico inicial para começar a esperada

apuração.

Figura 37 – Apuração do desfile 2008. Carnaval 2008. Fonte: SPCarnaval.

As arquibancadas do Anhembi ficam lotadas, sendo necessária a

intervenção da Polícia Militar, com efetivo razoável, de aproximadamente 300

homens, para evitar possíveis confusões tanto do público fã, quanto dos diretores

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das escolas de samba. No carnaval de 2007, a Liga colocou em seus dispositivos

regulamentares de competição, que os diretores de escola que causarem confusão

durante a apuração, não iriam desfilar no próximo ano (2008). Nesse dispositivo,

nenhuma agremiação foi penalizada. Essa medida tornou à apuração mais

disciplinada.

Figura 38 – Publico presente à apuração do desfile. Carnaval 2008. Fonte: SPCarnaval.

No carnaval de 2001, torcedores da Gaviões da Fiel e policiais militares

entraram em conflito68, logo após a divulgação das campeãs daquele ano, a Vai-Vai

e a Nenê da Vila Matilde, sendo necessário uma forte intervenção da Polícia Militar,

que lançou bombas de gás lacrimogêneo, para dispersar a multidão. A confusão já

começou antes do fim da apuração, envolvendo os presidentes da Gaviões, José

Claúdio de Almeida, conhecido publicamente, por “Dentinho” e Solon Tadeu Pereira,

conhecido como “Tadeu da Vai-Vai”, por discodarem das notas recebidas pelos

jurados.

O que representa descontamento para um presidente de escola de samba,

gera expectativas positivas para outros, como ocorreu com o presidente da

agremiação Nenê da Vila Matilde, que revelava o seu contentamento como o desfile

apresentado por sua escola: “o desfile da escola foi técnico, cheio de criatividade,

luxo e beleza”, sendo este uma das mais respeitadas figuras no carnaval paulistano,

que cheio de orgulho conclui, sem antever o resultado final que sagraria a sua

68XAVIER, Jesuan. Vai-Vai e Nenê dividem primeiro lugar. JB Online. 28.02.2001

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escola uma das campeãs de 2001, “estou convicto de que fizemos um bom carnaval

e fizemos o que prometemos, o que vale é um bom samba, uma boa alegoria, uma

boa história, um bom enredo, uma boa fantasia, isso é o que vale”.

Figura 39 – Tobias da Vai-Vai comera o título do carnaval. Carnaval 2008. Fonte: SPCarnaval.

A desatenção pode significar o rebaixamento de uma agremiação, conforme

aconteceu no desfile da Gaviões da Fiel em 200469, quando lutava pelo

tricampeonato, perdeu oito pontos por ter excedido o tempo regulamentar do desfile,

que deveria ser feito em 65 minutos. De acordo com o regulamento da Liga das

Escolas de Samba, a cada um minuto a mais de desfile na passarela do samba, a

agremiação perderia um ponto. Assim, a Gaviões da Fiel acabou aos 70 minutos. No

decorrer do desfile, o último carro da escola, que tinha como pretensão fazer uma

homenagem ao Corithians, apresentou problemas técnicos e de direção e, em outra

alegoria, parte de um boneco caiu e derrubou uma caixa de som e um cronômetro

que estavam situados ao lado da passarela, ferindo ao todo cinco pessoas.

Depois de conferidas as notas dadas pelos jurados, na quarta-feira de

cinzas, surge a tristeza, quando uma escola é derrotada, às vezes, por décimos. A

euforia toma conta dos integrantes da campeã do ano, como declara Alberto da

Silva Filho, filho do seu Nenê “o resultado foi a somatoria de tudo, do trabalho da

comunidade e da união dos integrantes da escola”, desabafou com emoção. 69Folha Online. Mocidade é a campeã do carnaval 2004 de São Paulo. 24.02.2004

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Figura 40 – Integrantes da Mocidade Alegre lamentam a perda do título do carnaval 2008. Carnaval 2008. Fonte: SPCarnaval.

A escola campeã proporciona a sua comunidade um momento único, uma

explosão de alegria, em que o enredo do ano é coroado na quadra da escola de

forma entusiasmada, atraindo para lá milhares de pessoas, se revelando em uma

festa que não tem hora para acabar, garantindo diversão madrugada adentro.

Figura 41 – Tobias da Vai-Vai discursa a sua comunidade após título. Carnaval 2008. Fonte: SPCarnaval.

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Na tabela abaixo, a listagem com os nomes das escolas de samba campeãs

desde 1950 até 2009, e seus respectivos temas de sambas-enredo.

Ano Campeã Enredo 1950 Unidos do Lavapés * 1951 Unidos do Lavapés * 1952 Unidos do Lavapés * 1953 Unidos do Lavapés * 1954 Brasil de Santos * 1955 Garotos do Itaim *

1956 Nenê de Vila Matilde Casa grande e a senzala. 1956 Garotos do Itaim * 1956 Unidos do Lavapés * 1957 Unidos do Peruche * 1958 Nenê de Vila Matilde O grito do Ipiranga. 1959 Nenê de Vila Matilde Chica da Silva. 1960 Nenê de Vila Matilde O despertar de um gigante. 1961 Unidos do Lavapés * 1962 Unidos do Peruche * 1963 Nenê de Vila Matilde Enaltecendo uma raça. 1964 Unidos do Lavapés *

1965 Nenê de Vila Matilde O mundo encantado de Monteiro Lobato. 1965 Unidos do Peruche IV Centenário do Rio de Janeiro. 1966 Unidos do Peruche Exaltação a Carlos Gomes. 1967 Unidos do Peruche Exaltação a São Paulo. 1968 Nenê de Vila Matilde Vendaval maravilhoso. 1969 Nenê de Vila Matilde Com Recife antigo no coração. 1970 Nenê de Vila Matilde Paulicéia desvairada. 1971 Mocidade Alegre São Paulo e seus carnavais. 1972 Mocidade Alegre São Paulo, trabalho, seresta e samba. 1973 Mocidade Alegre Odisséia de uma raça. 1974 Camisa Verde e Branco Uma certa nega Fulô. 1975 Camisa Verde e Branco Tropicália. 1976 Camisa Verde e Branco Atlântida e suas chanchadas. 1977 Camisa Verde e Branco Nairanã, a alvorada dos pássaros. 1978 Vai - Vai Na arca de Noel quem entrou não saiu mais. 1979 Camisa Verde e Branco Almôndegas de ouro. 1980 Mocidade Alegre Embaixada de sonho e bamba. 1981 Vai - Vai Acredita se quiser. 1982 Vai - Vai Orun-Ayê: o eterno amanhecer. 1983 Rosas de Ouro Nostalgia.

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1984 Rosas de Ouro A velha academia berço de heróis. 1985 Nenê de Vila Matilde O dia em que o cacique rodou a baiana, ai ó! 1986 Vai - Vai Do jeito que a gente gosta. 1987 Vai - Vai A volta ao mundo em 80 minutos. 1988 Vai - Vai Amado Jorge, a história de uma raça brasileira. 1989 Camisa Verde e Branco Quem gasta tudo num dia, no outro assovia.

1990 Camisa Verde e Branco Rosas de Ouro

Dos barões do café a Sarney, onde foi que errei? Até que enfim, "o sábado".

1991 Camisa Verde e Branco Rosas de Ouro

Combustível da ilusão. De piloto de fogão a chefe da nação.

1992 Rosas de Ouro Non Ducor Duco, Qual é a minha cara.

1993 Camisa Verde e Branco Vai -Vai

Talismã. Nem tudo que reluz é Ouro.

1993 Vai - Vai Nem tudo que reluz é ouro. 1994 Rosas de Ouro Sapoti. 1995 Gaviões da Fiel Coisa boa é pra sempre. 1996 Vai -Vai A rainha, à noite tudo transforma. 1997 X-9 Paulistana Amazônia, dama do universo. 1998 Vai -Vai Banzai Vai - Vai.

1999 Gaviões da Fiel Vai -Vai

As buscas de Dom Sebastião na ilha de São Luis do Maranhão. As profecias de Nostradamus.

2000 Vai -Vai X-9 Paulistana

Vai -Vai Brasil. Quem é você?

2001 Vai -Vai Nenê da Vila Matilde

O caminho da luz - A paz universal. Voei, voei, na Vila aportei, onde me deram uma coroa de rei. , onde me deram a coroa de rei

2002 Gaviões da Fiel Mitos e magias na incrível odisséia da criação. 2003 Gaviões da Fiel As cinco deusas encantadas na corte do rei gavião

2004 Mocidade Alegre Do além-mar à terra da garoa, salve esta gente boa.

2005 Império de Casa Verde Brasil - se Deus é por nós, quem será contra nós?

2006 Império de Casa Verde Do boi místico a o boi real. O boi que come capim A saga da pecuária no Brasil para o mundo.

2007 Mocidade Alegre Posso ser inocente, debochado e irreverente... Afinal, sou o riso dessa gente!

2008 Vai -Vai Vai-Vai acorda Brasil: a saída é ter esperança.

2009 Mocidade Alegre Da chama da razão ao palco das emoções... Sou máquina, sou vida... Sou coração pulsando forte na avenida!

Tabela 02 – Campeãs do carnaval paulistano. Fonte: SASP70

70 SASP – Sociedade Amantes do Samba Paulista.

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Da tabela visualizada, verifica-se que as maiores campeãs do carnaval

paulistano do grupo especial foram a Vai-Vai, com 13 títulos, a Nenê de Vila

Matilde, com 11 títulos, a Camisa Verde e Branco, com 9 títulos, a Unidos do

Lavapés e a Mocidade Alegre, com 7 títulos, a Rosas de Ouro, com 6 títulos, a

Unidos do Peruche, com 5 títulos, a Gaviões da Fiel, com 4 títulos, a X-9 Paulistana,

Império de Casa Verde e Garotos do Itaim, com 2 títulos e a Brasil de Santos, com 1

título.

Destas agremiações, apenas oito, se mantêm na elite do carnaval da cidade

de São Paulo: Vai-Vai, Nenê, Rosas de Ouro, Mocidade Alegre, X-9, Império,

Camisa Verde e Branco e Gaviões da Fiel. Das outras quatro, uma está no Grupo de

acesso, a Unidos do Peruche; uma foi extinta, a Garotos do Itaim; uma desfila pelo

carnaval da cidade de Santos, a Brasil de Santos; e a Lavapés, mais antiga escola

da cidade, está no Grupo 2 da UESP.

Figura 42 - Platéia do Anhembi vibra com o desfile da Vai-Vai. Carnaval 2008. Fonte: UOL.

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CAPÍTULO 5 – COMUNIDADE E CARNAVAL

Este capítulo promove uma análise do impacto dos moldes modernos de se

fazer carnaval e reflete estas ações sobre as comunidades. As pesquisas da

SPTuris revelam o perfil do carnaval paulistano, configurando a necessidade de

adoção de políticas públicas e investimentos para manutenção desta consagrada

festa popular, de forma a integrar turistas e comunidades.

5.1. Uma visão da comunidade inserida no carnaval

O fenômeno da espetacularização do carnaval tem se tornado bastante

polêmico. Com todas as mudanças introduzidas, muitos apontam a perda da

autenticidade dos foliões, o que promoveria impactos na concepção da evolução das

escolas de sambas, refletindo na perda da magia de se comemorar o Momo. No

entanto, estas raízes estão cada vez mais solidificadas, em um processo social de

globalização.

Essa evolução é percebida na dinâmica que envolve o carnaval, analisando-

se quem o faz e como são produzidos os desfiles.

As escolas de samba representam um palco social inclusivo e heterogêneo,

pois ao desfilarem representam não apenas o seu pavilhão mas, com suas cores,

também enaltecem os moradores de um determinado bairro da cidade e seus

admiradores.

De acordo com as pesquisas realizadas pela SPTuris, conclui-se que o

carnaval paulistano atrai mais mulheres do que homens, e essa tendência tem se

consolidado ao longo dos últimos anos, com a participação delas no sambódromo

paulistano. Do público presente durante o carnaval de 2007, 61,34% eram do sexo

feminino e 38,66% do sexo masculino.

Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

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Do total de participantes pesquisados, a maior parte possuía grau de

instrução universitário (35,16%). Porém, houve uma pequena redução desse

público, em relação à pesquisa de 2006, quando foi de (40,21%).

Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

A participação individual no coletivo reforça os sentimentos de estarem todos

juntos, construindo elementos em torno dos símbolos de uma determinada

agremiação. Assim, esclarece DaMatta (1979), “desse modo, transparece a

dimensão, primordialmente, humana dos componentes dos desfiles carnavalescos.”

O desafio para os cientistas sociais exigem reconhecer que os próprios

participantes dos desfiles carnavalescos “dão um recado social”, ao cantarem em

massa um determinado samba de enredo.

A face social do carnaval configura o seu caráter enigmático, como acentua

Aguiar (2004), “se os enigmas deformam a realidade também a informam”, e conclui

“Aliás, a deformação pode tornar-se como fonte de informação”.

Apesar de mudanças anunciadas e denunciadas, talvez este seja a

sustentação das agremiações carnavalescas e sua continuidade, apesar de tantas

mudanças. Segundo Valença, essas mudanças são positivas e esclarece

“Exatamente por isso, estão bem vivas”. Assim sendo, permanecem como valores

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de identidades culturais, rompendo com visões redutoras. E confirma Costa (2002),

“sempre socialmente construídas e, por isso, múltiplas e multáveis”.

O sistema de relações sociais deve ter mais importância do que como o

desfile de carnaval está inserido, como a contratação de carnavalescos, o

tratamento da mídia especializada e da invasão de turistas envolvidos com as

escolas de samba.

As desigualdades econômicas e as injustiças sociais assim como as

discriminações insistem em permanecer no carnaval paulistano e em outros tantos,

porém, reflete uma nova luz. O carnaval abriga diversas identidades e possibilitam

igualdades efêmeras, propiciando uma relação de inclusão, ainda que transitório,

quando ocorrem os encontros nos barracões das escolas de samba e durante o

próprio desfile, causando certa emoção naqueles participantes, conforme descreve

Carvalho (2001), “uma fusão do cotidiano com o sonho”, dinamizando as relações

sociais.

Observando-se os dados pesquisados, nota-se, que a maior parte dos foliões

presentes ao sambódromo em 2007, possui renda entre 5 e 10 salários mínimos

(32,69%).

Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

A maioria dos participantes é assalariada, com registro em carteira (39,51%).

Em 2006, os assalariados corresponderam a (35,11%), os autônomos a (16,82%) e

empresários a (11,40%).

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Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

A cada ano, as escolas de samba paulistanas, colocam novas temáticas e

questões que possibilitam a pesquisa de novas dimensões sociais por parte de

estudiosos.

Ainda, no início do século passado, Ferdinand Tönnies (1991) abordava a

passagem de um modelo tradicional, ou seja, a comunidade, para um modelo mais

complexo, a sociedade. Segundo o autor, a sociedade tem como característica a

racionalização e a complexidade em suas relações. É o local de mobilidade e

anonimato, portanto, diferente do viver em comunidade, que pressupõe uma vida

real e orgânica, forte e viva entre os homens, ou seja, uma forma de vida comum,

verdadeira e duradoura. Nesse sentido, o autor informa que a vida em sociedade é

tida como uma estrutura mecânica e imaginária, onde as pessoas se isolam em um

estado de tensão perante todos os outros.

Na comunidade, os indivíduos permanecem essencialmente unidos, a

despeito daquilo que os separa, afirma Tönnies. Na sociedade eles estão

essencialmente separados a respeito de tudo que os une. Os sentimentos

recíprocos comuns e associados, enquanto vontade própria de uma comunidade,

que o autor denomina como consenso, representa a força e a solidariedade social

particular que associa os homens enquanto membros de um todo.

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O conceito de comunidade está intimamente ligado ao samba, como confirma

Simson (1984). Os desfiles de rua representavam o auge das “folganças” do

carnaval negro, pois eram uma forma eficiente para esse grupo se afirmar sócio-

culturalmente na vida urbana de uma cidade como São Paulo, caracteristicamente

reconhecida como branca, imigrante e discriminadora. Segundo a autora, só foi

possível a organização do carnaval negro e a sua articulação através de uma rede

de filiais dos cordões e escolas de samba, pelo profundo sentido comunitário desse

grupo social, que tinha como núcleos fundamentais, as casas de membros mais

influentes das agremiações.

São inúmeros os exemplos de comunidades fortes e organizadas, envolvendo

o mundo das escolas de samba, reforçando as identidades manifestadas em

diversas ocasiões por meio da solidariedade e da responsabilidade social entre os

seus membros.

O ponto maior de convergências entre essas comunidades é o samba, pois

por meio dele, se articulam para o desfile de carnaval. Mas, também se mobilizam

para a prática de ações e projetos sociais, a educação não-formal e lazer, que

abrangem áreas como a arte-educação, cursos profissionalizantes e esportivos,

atendendo uma grande quantidade pessoas, das mais variadas faixas etárias. O

enfoque desses cursos é melhorar a realidade sócio-cultural e econômica dessas

comunidades.

Em 2007, segundo pesquisa da SPTuris, a faixa etária dos participantes dos

desfiles se demonstrou bem homogênea, com maior participação de pessoas entre

18 a 49 anos.

Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

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O acentuado aspecto comunitário que possibilitou que o carnaval negro

paulistano conquistasse esses espaços em uma cidade onde o reconhecimento e a

valorização da comunidade afro-brasileira eram inferiores ao do Rio de Janeiro, foi a

conquista da capacidade organizacional desses grupos, que se refletem até hoje nos

bairros representativos do carnaval paulistano, constituindo em comunidades fortes

e atuantes, que se aglutinam em torno de suas escolas de samba, como a Vila

Matilde, o Peruche, a Casa Verde, e Bixiga (Bela Vista), considerados redutos do

samba paulistano, conforme descreve Simson (2007).

Para a manutenção de tradições do universo da cultura popular, como o

samba e a capoeira, as comunidades são essenciais. Essas tradições só resistem

às transformações impostas pela modernidade, justamente por preservarem, ainda

que de forma ambígua (pois a globalização causa mudanças em todas as esferas

das relações humanas), as formas e modos pelos quais as relações sociais se

estabelecem no seio daquilo que mais se aproxima da definição de comunidade

utilizada por Tönnies.

O saber viver em comunidade não significa uma volta ao passado, porque as

sociedades modernas não permitiriam. Seria necessário reconstruir criativamente

possibilidades de se relacionar com o mundo, baseado em outros princípios e

valores, com dimensões solidárias e humanas. Esse processo está diretamente

ligado à maneira como as tradições da cultura popular se fazem presentes em nossa

sociedade, tendo em vista que os envolvidos que delas participam só tem condições

de articularem-se e organizarem-se, a partir das condições que só uma vivência

comunitária muito coesa e atuante permitiria.

Nas escolas de sambas, desenvolvem-se atividades de caráter cultural e

educativo, que poderia ser conhecido e divulgado, e compartilhado dentro da

perspectiva de turismo cultural e educativo.

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Figura 43 – Aula de vídeo. Rosas de Ouro. Fonte UOL.

A consolidação das escolas de samba como meio de cultura viva e dinâmica,

poderia gerar recursos para a cidade, para o setor do turismo e para as escolas de

samba que, há muito, desejam a emancipação econômica, sem manter

dependências indesejáveis com outros setores.

As agremiações paulistanas desenvolvem em suas quadras atividades de

cunho social, apoiadas por empresas privadas ou pelo poder público municipal.

Estas ações reforçam a presença da escola de samba junto à sua comunidade, à

medida que traz uma nova perspectiva de vida para os envolvidos, aliando

qualificação profissional, empregabilidade e elevação de auto-estima.

Escola de Samba Atividades sociais desenvolvidas

Acadêmicos do Tucuruvi Realiza durante a semana a campanha “Leve Leite”.

Camisa Verde e Branco Desenvolve atividades de lazer, alimentação e confecção de presentes de Natal.

Gaviões da Fiel

Promove cursos de inclusão digital e aulas de violão. Projetos Sociais: Doação de sangue, doação de agasalhos, corte de cabelos, escova, manicure e limpeza de dentes.

Mancha Verde

Doações de cadeiras de rodas, medicamentos, cestas básicas, materiais escolares, colchões, cobertores etc. Orienta e encaminha para atendimentos gratuitos e com descontos para advogados, dentistas, psicólogos, e outros profissionais.

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Nenê da Vila Matilde Possui um telecentro na quadra da escola, para oferecer cursos profissionalizantes gratuitos aos jovens.

Rosas de Ouro

Atendimento psicológico, salas de leitura, oficia de ballet, bateria, dança, manicure, cabeleireiro, trança e entrelaçamento, corte masculino, depilação, maquiagem, capacitação para o samba, e distribuição de cestas básicas mensais por um período de 12 meses e distribuição de leite.

Unidos de Vila Maria

Saúde: fisioterapia, fonoaudiologia, clínica geral, psicologia, odontologia e fisioterapia. Educação: aulas de inglês, computação, cabeleireiro, manicure, depilação maquiagem. Cultura: aulas de violão, cavaquinho, capoeira, audiovisual, bateria e violão. Esportes: Futebol, capoeira e ginástica. Cursos profissionalizantes: Telemarketing, vigia, inglês, espanhol, informática e cinema. Oficina da mulher: Conhecendo a cidade

Vai-Vai Acompanhamento psicológico, aulas de capoeira, aulas de percussão, Brasil alfabetizado, Viva Leite e Viva Leite Idoso.

Tabela 03 – Atividades sociais nos barracões. Fonte: Escolas de sambas mencionadas. Agosto 2008.

Figura 44 – A fisioterapeuta Vanessa Berca, auxilia Roberto Costa. Fonte: Rede Globo.

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5.2. Perfil do carnaval paulistano

A SPTuris é uma empresa de economia mista, sendo a responsável pelas

promoções turísticas na cidade de São Paulo, e administra o Sambódromo do

Anhembi.

A empresa, nesses últimos anos, tem facilitado a compra de ingressos,

possibilitando um melhor canal de relacionamento com os turistas, oferecendo seus

serviços por meio da Internet e da instalação de pontos de vendas de ingressos,

inclusive em outras cidades, como Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Essa estratégia

visa atrair mais turistas à cidade, tendo em vista que, em anos passados, a compra

de ingressos era feita apenas nas bilheterias do Anhembi.

Durante o carnaval paulistano cinqüenta e dois segmentos da economia são

movimentados 71, recebendo investimentos acima de R$ 80 milhões e envolvem

patrocinadores e direitos de transmissão, além da Prefeitura e leis de incentivo à

cultura. Costuma gerar mais de vinte e cinco mil empregos temporários e efetivos,

nos meses que antecedem o evento.

Item Gasto médio em Reais

Hospedagem R$ 184,24

Alimentação R$ 120,61

Lazer/ entretenimento R$ 151,53

Transporte R$ 79,70

Compras R$ 255,51

Gasto médio dos visitantes no evento

R$ 791,59

Tabela 04 – Gastos dos turistas durante o evento. Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

A maior parte dos visitantes presentes ao sambódromo teve gastos entre R$

10,00 e R$ 50,00 (44,23%), conforme visualizado no gráfico a seguir.

71 Prefeitura Municipal de São Paulo. 12 de janeiro de 2007.

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Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

O carnaval paulistano deseja ser profissional, conforme explica Luiz Sales72,

assessor da presidência da SPTuris. “O turismo na cidade está cada vez mais

profissional, com a estratégia de aumentar o tempo de permanência do turista na

cidade. Estamos desenvolvendo um trabalho de retenção do turista. Nós nos

voltamos para um trabalho de afirmação das qualidades de São Paulo como uma

cidade multicultural e com atrações inéditas. Com isso, estamos aumentando o

tempo de permanência dele de três para quatro ou cinco dias”.

A porcentagem de residentes (73,78%) supera a de visitantes.

Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

Em 2007, o total de visitantes foi de 23,6 mil. Sendo que teve presença de 5,5

mil visitantes de outros países.

72 Gestour. Carnaval de São Paulo deve gerar 30 milhões para a cidade. 13.02.2007.

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Estado Visitantes no Carnaval (em %)

São Paulo 93,15%

Rio de Janeiro 1,37%

Paraná 1,20%

Minas Gerais 1,03%

Rio Grande do Sul 0,51%

Pernambuco 0,51%

Mato Grosso do Sul 0,51%

Bahia 0,34%

Maranhão 0,34%

Espírito Santo 0,34%

Outros Estados 0,68%

Tabela 05 – Procedência dos turistas no carnaval 2007. Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

Conforme observado, a maioria dos visitantes é do estado de São Paulo

(93,15%), seguido do Rio de Janeiro (1,37%).

A maioria dos estrangeiros é proveniente dos Estados Unidos, Argentina e

Alemanha. De acordo, com a pesquisa 19,44% dos turistas recebidos em 2007, são

estrangeiros. Houve um aumento de 0,67%, em relação ao carnaval de 2006.

Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

O Carnaval da cidade, cada vez mais, ganha espaço entre os turistas,

evoluindo para um evento de grande apelo turístico. A presença dos “retornantes” teve números significativos, depois de uma queda de mais de 27% entre 2005 e

2006. O número de turistas que afirmaram ter comparecido ao desfile em 2006

aumentou cerca de 10% em 2007.

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Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

Segundo a SPTuris, em 2006, o carnaval e o destino São Paulo, começou a

ser trabalhado como atração turística e o número de visitantes chegou a 22,5 mil

pessoas (25,6% do total, crescimento de 157% sobre 2005). E, em relação à 2007,

foi de cerca de 170% a mais que em 2005).

Na avaliação do presidente da SP Turis, Caio Luiz de Carvalho, o aumento se

deve à inclusão da cidade em pacotes de turismo, incentivada em palestras à

agentes de viagem. "O turista pode chegar na quinta-feira, ir a museus e shoppings

de São Paulo, ver os desfiles, e depois ir para o Rio, ou Salvador. A nossa intenção

é combinar São Paulo com o Rio nos roteiros e não gerar competição", afirma

Carvalho.

Em 2007, 21,32% dos turistas afirmaram vir mensalmente a São Paulo. No

ano de 2006, este índice foi de 27,66%.

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Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

O objetivo das pesquisas da SPTuris é diagnosticar a proporção de turistas

que participam do evento e mapear o seu perfil sócio-demográfico. A partir dos

dados coletados, é possível fazer uma análise descritiva ou crítica e o planejamento

de ações para o melhor aproveitamento da vinda desses turistas a São Paulo, a

extensão do seu tempo de permanência nesta cidade e o aumento das divisas da

cidade.

A presença dos participantes no ano anterior foi de (33,14%). Em 2005, esse

índice foi de (34,76%), portanto, houve uma pequena redução.

Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

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A opinião dos turistas sobre alguns aspectos da cidade, estrategicamente

selecionados, também foram pesquisados pela SPTuris.

A maioria (44,71%), avalia positivamente a sinalização para chegar ao

Sambódromo.

Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

O principal motivo da viagem, apontado pelos participantes para viajar, foi o

carnaval, com 70,29%, o que implica que o carnaval está chamando a atenção do

turista.

Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

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A maioria dos participantes entrevistados, afirmaram organizar por conta

própria esta viagem (69,57%). Esse índice revela que pode haver uma necessidade

de se melhorar o turismo receptivo para o carnaval paulistano.

Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

A maioria, 61,78% dos entrevistados, avaliou positivamente o carnaval 2007.

Apenas 1,10% da população pesquisada, acredita que o evento está abaixo de suas

expectativas.

Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

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A maioria, 51,38%, avalia positivamente a organização do evento.

Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

A organização do carnaval paulistano tem colocado em prática uma série de

medidas para aumentar o conforto e a segurança dos foliões e espectadores.

Essas medidas foram percebidas pelo público entrevistado.

Em 2007, o efetivo de segurança73 em cada dia de desfile foi de 600

integrantes da Polícia Militar, 32 da Polícia Civil e 80 da Guarda Civil Metropolitana

(GCM), além de 600 seguranças privados e 70 bombeiros.

Essas medidas tomadas pelos organizadores foram refletidas no público

pesquisado, pois a maioria, 58,19%, avaliou positivamente a organização do evento.

Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

73 Prefeitura Municipal de São Paulo. Sambódromo pronto para o carnaval 2007. 16.02.2007.

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A hospitalidade do paulistano também é um fator essencial para que o turista

volte a prestigiar o carnaval da cidade. A maioria dos entrevistados (43,88%) avaliou

positivamente a receptividade do povo paulistano.

Fonte: São Paulo Turismo S/A. Fev. 2007.

Em relação ao carnaval carioca, o paulistano se mostra modesto. Segundo

dados da Riotur, o Rio de Janeiro recebeu 680 mil turistas em 2006. Esse número

representa 40 mil visitantes a mais do que em 2005, quando o valor total de turistas

nacionais e estrangeiros no Rio de Janeiro foi de 649 mil visitantes. Haroldo Costa,

comentarista do Desfile das Escolas de Samba da Sapucaí74, assinala que “o

esforço para a construção da Cidade do Samba valeu a pena, uma vez que os

resultados positivos foram constatados no desfile de 2006. Segundo Haroldo, as

escolas puderam desempenhar um trabalho mais qualitativo este ano, com a ajuda

da Cidade do Samba. O prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, também

demonstrou satisfação com os resultados.”

De fato, a Cidade do Samba possibilitou uma nova fase do Carnaval do Rio

de Janeiro, onde as escolas passaram a produzir os desfiles de forma mais

organizada, utilizando a moderna infra-estrutura oferecida dentro e fora dos

barracões. É de extrema importância investimentos em infra-estrutura. Em São

Paulo, a comissão organizadora tem investido inclusive na construção de banheiros

74Rio Convention & Visitors Bureau News. Carnaval do Rio de Janeiro: um evento lucrativo. Edição 111. Fev/Mar 2006.

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especiais. Foram também instaladas rampas, que possibilitam uma melhor

locomoção de cadeirantes ou portadores de mobilidade reduzida.

Em São Paulo, o carnaval 2007 envolveu mais de 400 profissionais de várias

áreas trabalhando diariamente na infra-estrutura. Ao total foram contratados cerca

de 4660 profissionais, para a produção do evento.

Figura 45 – Pista para cadeirantes no sambódromo. Fonte: SPTuris.

5.3. Investimentos e políticas públicas no carnaval paulistano

As escolas de samba são consideradas, por alguns autores, como “indústrias

da folia”. No entanto, a produção dos desfiles carnavalescos é centrada no

consumo, não na acumulação, ou seja, não se configura a separação entre produto

e produto final.

A produção dos desfiles não se assemelha a uma produção industrial, tendo

em vista que o enredo é renovado anualmente, impossibilitando qualquer padrão de

uma linha de montagem industrial, o que resultaria em uma produção em massa,

aspecto fundamental no funcionamento de uma fábrica, visando o consumo em

massa e à acumulação de capital.

Os desfiles resultam de um trabalho coletivo, no barracão e nas oficinas,

tornando-se produtos únicos, dos quais participam o carnavalesco e suas equipes,

na confecção de carros alegóricos e fantasias, além dos foliões descompromissados

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que narram o enredo na avenida, durante a apresentação das escolas em seu

desfile oficial.

Desse ponto de vista, o carnaval mostra, o modo popular de como se fazer

carnaval, com manifestações culturais, que ganharam dimensões empresariais.

Segundo, Caio Luiz de Carvalho, presidente da SP Turismo75, “uma escola de

samba não desfila com menos R$ 1,5 milhão”. O órgão planeja a festa e distribui R$

460 mil para cada escola do Grupo Especial ou R$ 260 mil do Grupo de Acesso. As

bilheterias são responsáveis por aproximadamente R$ 150 mil para cada

agremiação e a Rede Globo de Televisão, cerca de R$ 200 mil.

A Prefeitura de São Paulo gastou em 2008, cerca de R$ 18,9 milhões de

reais, a título de investimento para o carnaval da cidade, onde 80 agremiações

carnavalescas foram contempladas com verbas públicas. Das escolas que desfilam

no grupo especial, no ano de 2008, cada uma recebeu R$ 460 mil da prefeitura

municipal.

Os meios de comunicação focalizam as 14 agremiações do Grupo Especial, e

os desfiles são transmitidos em cadeia nacional e internacional, pela TV Globo. Com

isso, o calendário das apresentações costuma sofrer alterações. Os desfiles são

antecipados para a sexta-feira e sábado, para não coincidir com os desfiles das

Escolas de Samba do Rio de Janeiro, que ocorrem no domingo e segunda-feira.

No Rio de Janeiro, foram investidos mais de R$ 100 milhões da Prefeitura e

aproximadamente 1.800 empregos diretos e indiretos foram gerados durante as

obras. A praça central e algumas ruas, onde acontecem os shows e exposições,

foram reurbanizadas.

De acordo com o presidente da Liga Independentes das Escolas de Samba,

Alexandre Marcelino Ferreira76, “o carnaval precisa receber mais investimentos para

se igualar ao do Rio de Janeiro, tendo em vista que as escolas cariocas recebem

aproximadamente R$ 2 milhões livres, fora o dinheiro arrecadado com shows e com

os ensaios”.

75NUNOMURA, Eduardo. Crime de SP imita modelo do Rio e investe no Carnaval. O Estado de São Paulo. 16.01.2008.

76MATIAS, Beth. Carnaval em São Paulo deve gerar 30 milhões para a cidade. Agência SEBRAE de notícias. 12.02.2007.

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Para Luiz Sales, assessor da presidência da SP Turismo77, “as escolas

paulistanas precisam de amadurecimento, no sentido de atrair mais investidores”, e

conclui “no Rio as escolas buscam parcerias e investidores”.

O povo brasileiro deveria ser reconhecido por seu poder criativo na

incorporação de elementos populares, símbolos de identidade cultural brasileira,

como o samba, a feijoada e o carnaval. O poder público, ao lidar com tais questões,

não mantém um tratamento equilibrado de políticas de incentivo às expressões

culturais, sejam elas tradicionais ou urbanas.

As políticas públicas de valorização e apoio às manifestações culturais

incidem no fortalecimento do carnaval, como manifestação popular. Portanto, deve

ser fomentado pelo poder público.

Com a evolução do carnaval, tornou-se uma tarefa árdua torná-lo sustentável,

tendo em vista que o evento deve gerar dinheiro, distribuir renda, ao mesmo tempo

em que respeite a cultura e preserve o ambiente, isto é, o planejamento estratégico

das escolas de samba deve ser ecologicamente correto, economicamente viável e

socialmente justo.

O contato com experiências e mudanças não pode ser visto como algo

prejudicial à manutenção de tradições, pois a cultura denota a idéia de contato,

intercâmbio, aculturação, assimilação, mestiçagem ou transculturação, como

acentua Ianni, 2000.

Nesse sentido, é preciso adotar estratégias de sustentabilidade cultural, para

que as tradições não sejam perdidas, porém interajam com outros meios, sem

perder sua especificidade ou essência.

O planejamento dos desfiles carnavalescos deve possibilitar o atendimento

das necessidades dos turistas e das comunidades locais, a partir do processo de

sustentabilidade social, para que o desenvolvimento seja conduzido a um padrão

estável de crescimento, com distribuição de renda, redução das atuais diferenças

sociais e garantia dos direitos de cidadania (Saches, Apud Oliveira, 2000).

As escolas de samba se configuram como instituições referenciais para suas

comunidades, atraindo crianças, jovens e adultos sendo, dessa forma, um espaço

77Id. Ibid.

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de convivência entre as gerações. Estes lugares poderiam evitar o ingresso de

jovens no mundo da criminalidade, e representar uma oportunidade de expressarem

o seu talento e suas vocações artísticas.

Essas produções populares podem estimular e fortalecer os vínculos entre

comunidades e agremiações, ou seja, tornar estas organizações sólidas, o que

motiva o controle social de recursos públicos que poderiam ser investidos na

comunidade, escolhidos por ela própria.

Entende-se que as escolas de samba preservam a cultura popular brasileira e

as práticas culturais de suas comunidades. As agremiações tornaram-se uma

referência da identidade nacional no exterior. Nesse sentido, merecem ser

preservadas, do ponto de vista cultural, pelo Estado.

A sustentabilidade cultural está relacionada à utilização da cultura e da

vivência da população local para o aproveitamento do carnaval e o desenvolvimento

e conservação de valores culturais, necessitando ser enxergado pelos governos e

autoridades locais.

O financiamento e a captação de recursos atualmente são voltados apenas

ao desfile dessas agremiações, não em projetos ao longo do ano, o que inviabiliza

qualquer trabalho sustentável com suas comunidades. Para ganharem visibilidade

acabam dependendo de desfiles muito fortes.

O marketing e a propaganda têm acentuado a industrialização e a

profissionalização para a produção dos desfiles de escola de samba, o que se revela

positivo, tendo em vista que este processo contribui para evitar o financiamento

ilícito dos desfiles carnavalescos.

Muitas agremiações não possuem espaço para desenvolverem suas

atividades, servindo-se de galpões alugados e, com o dinheiro da subvenção, não é

possível apresentar bons resultados.

As agremiações pequenas não recebem direitos de transmissão de TV e

mesmo se existisse, provavelmente, não teria audiência, o que inviabiliza qualquer

tipo de patrocínio, por não ter retorno. Esse fato desestimula as pequenas

agremiações. É necessário que haja apoio a elas, por meio de investimentos que

resultem em crescimento e a sua inserção dentro do carnaval.

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Toda essa transformação está diretamente ligada à nova proposta estética

das escolas. Antigamente, apenas com papelão e papel crepom, colocava-se uma

escola na rua. Tudo era feito artesanalmente, com ajuda da comunidade, que estava

ali muito mais para brincar do que apresentar o carnaval turístico.

As escolas de samba, hoje, são voltadas para o patrocínio, principalmente, no

Rio de Janeiro (uma tendência para o carnaval paulistano), em que a escolha do

enredo muitas vezes é intencional pelo carnavalesco, que o faz visando parcerias

para angariar verbas para a escola. As empresas, no entanto, afirmam que não

compram o enredo, porém patrocinam àqueles que falam de seu ramo de atuação.

Essas tendências também envolvem estados, municípios e países, onde os enredos

remetem às riquezas desses lugares. Talvez isso represente que o sambista já

esteja ingressando na era do “patrocinador”.

As escolas de samba representam a expressão de grupos minoritários, mas

essenciais da formação social brasileira. No Rio de Janeiro, vemos escolas às vezes

pouco puritanas, porém, em suas quadras é possível notar ainda a sua essência.

O fomento as nossas manifestações artísticas e culturais se mostram

deficitárias e inoperantes. A cultura popular sempre sofreu o mesmo processo

discriminatório que as classes menos favorecidas, detentoras desse rico acervo

cultural.

É de suma importância a implementação de projetos culturais, que valorizem

e estimulem a participação das comunidades. É importante a criação de órgãos que

valorizem a cultura local, e mecanismos de fiscalização sobre esses órgãos,

fortalecendo, em cada instância, a cultura como política pública cultural.

O Sebrae em São Paulo, desde 2003, implantou o projeto SP Samba, com o

objetivo de profissionalizar os prestadores de serviços do Carnaval de São Paulo e

ampliar suas oportunidades de negócios fora do período das festas de Momo.

A instituição apóia diversos projetos ligados às escolas de samba paulistanas,

em parceria com as secretarias estaduais de Turismo, Trabalho e o Centro Paula

Souza, diagnosticando elementos da cadeia do Carnaval Paulistano, conforme

acentua Mario Valsechi78, gerente do escritório regional do Sebrae "queremos

78Agência Sebrae de notícias. Sebrae em São Paulo capacita profissionais das escolas de Samba. 20.01.2005.

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levantar os gargalos, as demandas e o potencial de negócios que o carnaval tem e

propor, inclusive ações de políticas públicas para as escolas".

Figura 46 - Participante na oficina de corte e costura oferecido pelo programa SP Samba. Fonte Sebrae.

Os cursos de comunicação sobre as alas da escola e a construção de carros

alegóricos também são alvos de oficinas do SP Samba. "O departamento de

marketing nos deu maior clareza quanto às alas e à venda de fantasias de cada

uma. Além do maior controle das vendas, esclarecemos aos participantes do desfile,

na hora da venda, o significado e a importância de cada ala para a escola."

Para motivar a indústria carnavalesca, a exemplo do que fez o Rio de Janeiro,

o prefeito de São Paulo, José Serra anunciou, recentemente, que está estudando a

criação da Cidade do Samba na capital paulista. A atração deve ser instalada em um

estádio municipal quase em frente ao sambódromo no bairro do Bom Retiro. "É um

espaço importante para algo importante para a cidade", ressalta o prefeito, que

aprovou a idéia da Cidade do Samba. "Trata-se de uma possibilidade de

profissionalizar o samba e criar um espaço de turismo na cidade", afirmou Caio

Carvalho79, presidente da São Paulo Turismo, responsável pela elaboração do

projeto.

79Folha de São Paulo. Serra anuncia criação da Cidade do Samba, no bairro do Bom Retiro. 15.02.2006.

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As escolas de sambas estão percebendo que a capacitação contribui também

para o turismo, com a criação do G5, um grupo de desenvolvimento receptivo das

escolas de samba da zona norte de São Paulo, com o apoio da SPTuris, do Sebrae

e da Liga. As mudanças são nítidas em termos de organização, divulgação e

aceitação. É necessário conscientizar comunidades e participantes a ter amor à

escola, não para manutenção de status.

Os desfiles das agremiações proporcionam prazer a quem os acompanha,

convergindo-se em um espetáculo, o que não significa que deixou de ser uma

manifestação cultural. Essa produção é espontânea e expressa os símbolos de

identidade popular da comunidade paulistana.

O fato de se configurar como espetáculo, não significa que as escolas de

samba deixem de ser produtos culturais, porém, não deve ser artificial, deve imprimir

a marca do povo paulistano, de forma espontânea, representando o jeito paulistano.

O carnaval paulistano cresceu muito e tem se tornado popular, que o famoso

comentário do poeta Vinícius de Moraes: "São Paulo, túmulo do samba" já não pode

ser repetido. Atualmente, paulistanos e visitantes, das mais diversas origens, se

rendem aos encantos das escolas, seus carros alegóricos e passistas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O carnaval paulistano passou por uma série de similaridades e diferenças ao

longo dos anos. O entrudo surgiu no Brasil, introduzido pelos portugueses.

Inicialmente era praticado de forma agressiva, e tornou-se mais civilizado ao longo

dos anos, devido à rejeição de autoridades e da sociedade mais ampla. Dessa

forma, a sociedade busca inspiração para comemorar o Momo, no elegante carnaval

de Veneza. Nesse momento histórico, brancos e negros se diferenciam por uma

visão desigual, em relação aos folguedos carnavalescos, caracterizando-se esta

fase como carnaval branco, organizado por clubes, e direcionado às camadas mais

abastadas. Os negros se utilizaram de sua cultura para se opor à dominação branca

e conquistar o seu espaço dentro da sociedade paulistana.

Com a exclusão da camada negra e pobre durante as festividades, estes

grupos passam a criar e participar de associações para promover atividades de

lazer, baseados em seu espaço, suas experiências musicais e religiosas. Essa união

propicia o surgimento dos cordões carnavalescos, que fazem desfiles nos mais

variados bairros da cidade, com apoio da imprensa e dos poderes públicos. A

maioria dos cordões desaparece quando é oficializada a lei que regulamenta o

desfile das escolas de samba, que passam a receber verbas para a promoção de

desfiles, obrigando os cordões a se converterem em escolas.

Um desfile de escola de samba envolve uma grande quantidade de pessoas,

profissionais e voluntários, em sua preparação. Há uma grande mobilização da

comunidade em torno do evento, para torná-lo possível. O trabalho é duro, requer

criatividade e responsabilidade. Mesmo, diante destes aspectos, o ambiente de é de

muita festa, amizade, companheirismo, rigidez e de muita organização. É necessário

superar-se ano a ano.

As escolas de samba estão ganhando amadurecimento, buscando parcerias

para desenvolverem seus desfiles anuais. Também estão preocupadas em estimular

o folião a participar dos ensaios, principalmente, os que não são da comunidade,

pois apenas vender a fantasia, não traz resultados positivos na apuração do desfile.

É necessário que eles cantem o samba, entendam o enredo e se integrem à

comunidade, num sentimento de pertença.

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Nas escolas de samba é possível verificar exemplos de inúmeras ações

sociais. Cada agremiação registra os problemas de seu entorno e responde com

programas sociais. Por meio dos eventos realizados ao longo do ano é possível

levantar fundos para manutenção das agremiações ao longo do ano.

O poder público deve estimular, fomentar, dinamizar e fiscalizar as atividades

das agremiações. À medida que preservará a cultura, também, evitará possíveis

domínios de atividades ilegais dentro das escolas de samba paulistanas. Empresas

e outros tipos de entidades têm contribuído significativamente para a evolução do

carnaval na cidade, sendo possível produzir desfiles cada vez melhores.

A dinâmica da vida urbana trouxe às escolas transformações, como uma

maior participação da classe média. Nas últimas décadas, a produção carnavalesca

experimentou uma crescente mercantilização, proporcionando, também a geração

de empregos e a manutenção de projetos sociais, gerenciados pelas agremiações.

O evento é regido por normas que estabelecem certa ordem e formas de controle,

que resultam de alianças e parcerias. Desse aspecto, é difícil encontrar tradições

puras nas agremiações, e até mesmo, quando se analisa as manifestações culturais

de uma maneira geral.

As escolas de samba preservam a cultura popular e o saber tradicional das

comunidades. É importante lembrar que os novos grupos não criam outros valores,

mas herdam, re-elaboram e transmitem os aspectos tradicionais. Por meio da velha

guarda, estes valores são transferidos aos mais jovens, que a interpretam de acordo

com as necessidades do presente e os projetos para o amanhã, possibilitando a

continuidade, e a mudança nas escolas de samba.

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