carlos roberto husek - direito internacional público

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  • 8/7/2019 Carlos Roberto Husek - Direito Internacional Pblico

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    CURSO DE DIREITO INTERNACIONAL PBLICO

    3. edio

    Carlos Roberto Husek

    SUMRIO

    CAPTULO I - INTRODUO. NOES GERAIS

    1. A sociedade internacional. Conceito, caracteres 172. Direito Internacional. Conceito, caracteres 203. Esboo histrico 224. Fundamentos, autores, nomenclatura 245. Direito Internacional e Direito Interno 286. Fontes e princpios de Direito Internacional 317. Codificao 33

    CAPTULO II - SUJEITOS INTERNACIONAIS

    1. Noes 362. Classificao dos sujeitos 363. Estados 393.1. Tipos de Estados 414. Organismos internacionais 415. Outras coletividades 426. Indivduos 46

    CAPTULO III - TRATADOS

    1. Conceito 502. Elementos 513. Terminologia 514. Classificao. Tratados em espcie 525. Procedimento para o texto convencional 565.1. Noes 565.2. Representao - Habilitao dos agentes - Carta de Plenos Poderes 575.3. Adeso 575.4. Assinatura 585.5. Ratificao 585.6. Reservas 595.7. Durao do tratado 595.8. Vcios do consentimento 595.9. Objeto lcito e possvel 596. Estrutura do tratado 597. Entrada em vigor. Execuo. Clusula da nao mais favorecida.Extino 60

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    CAPTULO IV - ESTADOS

    1. Nascimento. Reconhecimento do Estado e do governo 642. Extino e sucesso 663. Direitos inatos e adquiridos. Deveres, interveno e restries 684. Responsabilidade internacional do Estado. Isenes. Reparao 715. Jurisdio. Nacionais e estrangeiros. Aquisio da nacionalidade.Deportao, expulso, extradio e asilo poltico 74

    CAPTULO V - ESTADO (TERRITRIO)

    1. Territrio. Modos de aquisio 822. Domnio fluvial 833. Domnio martimo 843.1. Estreitos e canais 853.2. O solo martimo 864. O alto-mar 865. Domnio areo 866. Direito de navegao 87

    CAPTULO VI - ESTADO: RGOS DE RELAO EXTERNA 1. Diplomacia. Conceito 922. Representao do Estado 933. Ministro das Relaes Exteriores 944. Relacionamento externo 955. Agentes diplomticos 976. Agentes consulares 997. Princpios sobre relaes exteriores 1007.1. Independncia nacional 1017.2. Prevalncia dos direitos humanos 1017.3. Autodeterminao dos povos 1017.4. No-interveno 1017.5. Igualdade entre os Estados 1027.6. Defesa da paz 1027.7. Soluo pacfica dos conflitos 1027.8. Repdio ao terrorismo e ao racismo 1027.9. Cooperao entre os povos para o progresso da Humanidade 1027.10. Concesso de asilo poltico 1027.11. Integrao da Amrica Latina 102

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    CAPTULO VII - O ESTADO E A SOBERANIA

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    1. Noo de soberania 1042. Escoro histrico 1063. Caractersticas do Estado atual 1074. Caractersticas da soberania 108

    CAPTULO VIII - AS ORGANIZAES INTERNACIONAIS

    1. Conceito. Elementos. Classificao 1102. ONU 1143. OIT 1174. UNESCO 1175. OMS 1186. FAO 1187. OMM 1188. UPU 1189. AIEA 11810. FMI 11811. BIRD 11912. AID 11913. SFI 11914. UIT 11915. IMCO/IMO 11916. OACI 12017. OMPI 12018. UNCTAD 12019. UNIDO 12020. FIDA 12021. GATT 12022. OMC 12123. Outras organizaes 121

    CAPTULO IX - DIREITO DA INTEGRAO.

    1. Globalizao/Regionalizao - Noes 1282. Interdependncia 1313. Fases da integrao 1313.1. Zona de Livre Comrcio 1313.2. Unio Aduaneira 1323.3. Mercado Comum 1323.4. Unio Econmica e Monetria 1333.5.Unio Poltica 133

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    CAPTULO X - A UNIO EUROPIA. ASPECTOS GERAIS

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    1. Esboo histrico 1342. Realizaes 1363. Unio Europia 1414. Estrutura jurdica 1424.1. Comisso Europia 142

    4.2. Conselho de Ministros 1434.3 .Tribunal de Justia 1434.4. Parlamento Europeu 1434.5. Comit Econmico e Social e Comit Consultivo, CECA 1444.6. Tribunal de Contas 1445. Finalidade das instituies 145

    CAPTULO XI - A AMRICA LATINA. MERCOSUL

    1. Relaes internacionais na Amrica Latina. Esboo histrico 1472. Mercosul. Negociao e implantao 1543. Mercosul. Relaes de trabalho 1614. Mercosul. Relaes com outras comunidades 1655. Mercosul - Ampliao 166

    CAPTULO XII - A ORGANIZAO INTERNACIONAL DO TRABALHO

    1. Gnese da instituio. Objetivo 1682. Estrutura 1713. Funcionamento 1734. Convenes ratificadas pelo Brasil 176

    CAPTULO XIII - LITGIOS INTERNACIONAIS. SOLUESDIPLOMTICAS JURDICAS E COERCITIVAS. GUERRA

    1. A sociedade internacional e os litgios 1812. Solues na Carta das Naes Unidas 1813. Meios diplomticos 1824. Meios jurisdicionais 1845. Solues polticas 1866. Meios coercitivos 1877. Guerra 1898. Tipos de guerra 1919. Guerra interna e internacional 19510. Neutralidade 195

    Pg. 15

    11. Trmino da guerra 19712. Conceitos sobre a guerra 19713. Conflitos localizados 19814. O objetivo da paz 199

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    CAPTULO XIV - O HOMEM. ASPECTOS INTERNACIONAIS

    1. Situando o problema 2032. A personalidade jurdica do Homem 205

    3. Direitos do Homem consagrados na ONU 2054. Documentos histricos sobre os direitos humanos 2065. Exerccio dos direitos humanos 211

    CAPTULO XV - DIREITO INTERNACIONAL AO MEIO AMBIENTE

    1. Noes gerais 2162. Direitos especficos 2183. Poluio dos espaos. Futuro 219

    CAPTULO XVI - RELAES ECONMICAS INTERNACIONAIS - NOES

    1. Consideraes iniciais 2222. Escoro histrico 2233. Direito Internacional e Direito Internacional Econmico 2244. Princpios e normas da NOEI 2255. Definies 2275.1. Empresa transnacional 2275.2. Nacionalizao de empresa 2285.3. Contratos entre Estados e estrangeiros 2285.4. A transferncia de tecnologia 2295.5. Direito Internacional do Desenvolvimento 2295.6. Perspectivas 231

    Bibliografia 235

    CAPTULO I

    INTRODUO. NOES GERAIS

    1. A sociedade internacional. Conceito, caracteres. 2. Direito Internacional. Conceito,caracteres. 3. Esboo histrico. 4. Fundamentos, autores, nomenclatura. 5. DireitoInternacional e Direito Interno. 6 Fontes e princpios de Direito Internacional. 7.Codificao.

    1. A sociedade internacional. Conceito, caracteres

    Quando se fala em sociedade tem-se em mente o conjunto de pessoas cujocomportamento se desenvolve em determinado espao territorial, com padres culturaiscomuns (1).

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    * 1. "Quem quer que tenha observado a transformao de um agregado casual emsociedade testemunhar que essa transformao abrange dois processos fundamentais: 1)acomodao e organizao do comportamento dos indivduos, seus componentes e 2)desenvolvimento de uma conscincia de grupo, um sentimento de unidade. Normalmente, atransformao comea pela diviso de atividades a determinados indivduos. Este processo

    muitas vezes inconsciente e freqentemente se d por meio de tentativas e erros, at queos vrios membros do agregado encontrem o trabalho que lhes mais adequado e quemelhor podem executar. medida que a diviso de atividade se faz e se estabiliza, h umcorrespondente aumento de independncia dos membros do grupo e um desenvolvimentode atitudes e padres de comportamentos habituais. A conduta recproca dos indivduostorna-se cada vez mais previsvel e sua cooperao cada vez mais completa e eficiente"(Ralph Linton, "O Homem - Uma Introduo Antropologia", pp. 114 e 115.

    Provm a sociedade de estgios histricos de convivncia humana como a famlia, ogrupo de famlias, as comunidades, e entre suas caractersticas principais temos: a permanncia de seus membros, a organizao e um objetivo comum.

    Darcy Azambuja ensina que a sociedade a unio moral de seres racionais e livres,organizada de maneira estvel e eficaz para realizar um fim comum e conhecido de todos.(2)

    * 2. "Teoria Geral do Estado", p. 2.

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    Fcil apontar a sociedade circunscrita em um territrio como aquela a que pertencemos, dentro de um Estado. O Brasil forma uma sociedade especfica, apesar dasdiferenas regionais, como ocorre em outros pases.

    Entretanto, falar de uma sociedade internacional importa esforo de abstrao.Quais os elementos que formariam uma sociedade internacional?Ora, se se trata de uma sociedade, necessariamente, tais elementos so os mesmos

    das sociedades internas: permanncia, organizao e objetivo comum.O fenmeno comunicativo, entendido no s nos estritos parmetros da linguagem

    falada ou escrita, mas nos gestos, sinais, smbolos etc., ocorre num s espao fsico - omundo -, repleto de artefatos radiofnicos e televisivos.

    Hoje, muitos anseios e preocupaes humanas constituem pontos comuns daAmrica Europa, desta sia, da sia ao Continente Africano. H uma prtica reiteradade iguais hbitos e iguais padres de comportamento em diversos locais do Planeta. No se pode deixar de ver no ser humano um nico ser, cada vez mais parecido.

    Esse fato deve-se ao grande desenvolvimento das comunicaes. Espantoso assistir pela televiso ao momento do ataque areo na guerra entre dois pases, com explicaes doreprter, que em poucas horas de vo se deslocou de seu trabalho ou de sua residncia echegou cena dos acontecimentos.

    O homem no vive mais isolado, e isso j faz alguns sculos. Entretanto, ainterdependncia, principalmente econmica e poltica, intensificou-se a partir da II GuerraMundial, com a formao de blocos de influncia: de um lado, os pases liderados pelosEstados Unidos, e, de outro, aqueles liderados pela Unio Sovitica.

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    A organizao do mundo em Estados e estes dentro de organizaes maiores, comoa das Naes Unidas, a paz que perseguem, a necessidade de mtuo auxlio, revelam ostraos de uma nica sociedade: a sociedade internacional.

    A sociedade internacional formada pelos Estados, pelos organismos internacionaise, sobretudo, pelos homens, como seres individuais e atuantes dentro de cada organizao

    (3).* 3. "Del Vecchio afirma que o Homem, ser ontologicamente social', s se realiza

    em sociedade, a sociedade internacional sendo a sua forma mais ampla. Esta afirmao se baseia na unidade do gnero humano, que, como assinala Ruyssen, uma realidadecientfica comprovada pela possibilidade de procriao entre as mais diversas raashumanas" (Celso D. de Albuquerque Mello, "Curso de Direito Internacional Pblico", v.1., p. 34).

    Pg. 19

    Essa sociedade tem caractersticas que a distinguem das sociedades internas. Estasso fechadas, possuem uma organizao institucional e demonstram uma obrigatoriedadedos laos que envolvem os indivduos arrimada em normas de Direito Positivo,hierarquizadas, de estrutura rgida. A sociedade internacional, ao contrrio, caracteriza-se por ser universal, igualitria, aberta, sem organizao rgida e com Direito originrio.

    Universal porque abrange todos os entes do globo terrestre. Igualitria porque supeigualdade formal entre seus membros, o que est estreitamente ligado ao conceito desoberania quanto aos Estados. Aberta porque todos os entes, ao reunirem certas condies,dela se tornam membros sem necessidade de aprovao prvia dos demais. No tem asociedade internacional os poderes encontrados nos Estados: Legislativo, Judicirio eExecutivo, pelo menos na forma em que estes so constitudos nas sociedades internas.Contudo, tem-se criado rgos similares, como a Corte Internacional de Justia da ONU, oTribunal de Justia do Tratado de Roma ou a Conferncia Geral da OIT. A verdade queos membros da sociedade internacional procuram reproduzir nesse mbito, como natural,atravs das organizaes que criam, os institutos conhecidos nas sociedades internas.

    Temos para ns, no entanto, que a hierarquizao dificilmente ocorrer, sendo acooperao internacional a regra que motiva o relacionamento entre os membros.

    , por fim, a sociedade internacional uma sociedade descentralizada, tendoobservado George Scelle que nela predomina o princpio do desdobramento funcional, nosentido de que os prprios Estados, os maiores autores e destinatrios das normasinternacionais, emprestam seus rgos para que o Direito se realize, como mencionaAlbuquerque Mello.

    O mesmo autor lembra a opinio de outros estudiosos contrria existncia de uma comunidade internacional nos termos acima enfocados, ante aconstatao de trs antinomias: a) de um lado, a ordem pblica, que pressupe umaestabilidade, e, do outro lado, a idia de revoluo; b) a idia de cooperao e a idia desoberania; e c) o direito autodeterminao dos povos e a diviso do mundo em zonas deinfluncia.

    Assim no entendemos. Tais aparentes contradies que ensejam a necessidade dacomunho e da harmonia. Por incrvel que parea, o mundo atual uma prova de que issoocorre, porque, se assim no fosse, j de h muito no mais existiria.

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    Para que exista uma sociedade no se pode pretender que, nela, os desentendimentosno ocorram, desde que possam ser administrados. O Homem necessita de outro Homem,

    embora viva com ele em permanente conflito; mas este, at o momento, ainda no destruiua raa humana, porque o instinto gregrio e de acertar ainda maior.

    2. Direito Internacional. Conceito, caracteres

    a sociedade internacional, como no poderia deixar de ser, ao mesmo tempo,fenmeno social e jurdico: ubi societas, ibi jus. Reconhecida a existncia daquela, ipsofacto, h que se reconhecer a existncia do Direito que a informa: o Direito Internacional.

    Este no se confunde com o Direito Interno dos diversos Estados, uma vez que temcampo prprio, delimitado, princpios que lhe so aplicveis, solues que o consagram,institutos que o personificam.

    Interessa-nos, de incio, o conceito de nossa matria. E por que o conceito, e no adefinio? Porque a definio exige preciso maior, uma relao mais justa dos termos dadefinio com a realidade definida. E, no caso desse Direito, a amplitude da matria que ocompe, os sujeitos que a habitam, os prprios fundamentos de sua existncia, ainda hojediscutidos, tornam qualquer definio arriscada, quer se tenha em mente a tese realista dadefinio, quer a tese nominalista, como as descreve Lus Alberto Warat (5).

    * 5. "... Segundo esta tese, haveria definies verdadeiras na medida em que pudessem expressar corretamente as qualidades essenciais da coisa que se pretenderiadefinir. Esta teoria se conhece com o nome de 'tese realista'! Por contraposio, surgem aschamadas 'teses nominalistas', que negam que possa existir uma relao natural entre palavras e aquilo que elas pretendem significar. Afirmam, pelo contrrio, que a relaoaludida atende a um processo convencional..." ("A Definio Jurdica", p. 3).

    O conceito, tomado na acepo de idia, de noo, mais se adapta ao nosso propsito e tem a virtude de demonstrar que o Direito Internacional no Direito acabado nem delimitado no seu campo. A impreciso sua caracterstica.

    Para Belfort de Mattos, o ramo do Direito chamado a regular as relaes entreEstados soberanos ou organismos assimilados.

    Orlando Soares assevera ser o conjunto de princpios e teorias que inspiram eorientam a elaborao de normas internacionais destinadas a reger os direitos e deveres dosEstados e outros organismos anlogos, bem como os indivduos.

    Pg. 21

    Hildebrando Accioly doutrina que o Direito Internacional, ou Direito das Gentes, o conjunto de princpios ou regras destinado a reger os direitos e deveres internacionais,tanto dos Estados ou outros organismos anlogos quanto dos indivduos.

    Amorim Arajo diz que ele se resume num conjunto de regras jurdicas -consuetudinrias e convencionais - que determinam os direitos e deveres, na rbita

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    internacional, dos Estados, dos indivduos e das instituies que obtiveram personalidade por acordo entre Estados.

    Sebastio Jos Roque encara o Direito Internacional como o "conjunto de normas positivas, costumes, princpios, tratados internacionais e outros elementos jurdicos quetenham por objetivo regular o relacionamento entre pases, e completa: "ao se falar em

    internacional, no se pode mais considerar a origem etimolgica do termo, mas se trata dorelacionamento entre Estados soberanos e no mais entre Naes".A esto as chamadas definies, que preferimos encarar como conceitos, porm

    no poderamos fazer melhor. O Direito Internacional isso: teorias que abrangem o estudodas entidades coletivas, internacionalmente reconhecidas - estados, organizaesinternacionais e outras coletividades - alm do prprio homem, em todos os seus aspectos,incluindo os princpios e regras que regem tais sujeitos de direito nas respectivas atividadesinternacionais.

    Os caracteres do Direito Internacional so os caracteres de suas normas, do sistema jurdico que elas presumem, no se concedendo ao vocbulo "sistema", por bvio, o rigor de estrutura, de ordenamento rgido, porque assim no no Direito Internacional.

    Temos, pois, alguns pontos que podem ser levantados de forma simples. Direitoque se baseia numa ordem ainda primeva, com sanes coletivas, com normasextremamente abstratas, quase sem contedo, atributivas - isto , do a competncia semassinalar a materialidade da ao a executar - e relativas, porque cada Estado desenvolvesua prpria concepo sobre as normas.

    As normas de Direito Internacional advm dos tratados ou dos costumes. Estes, principalmente, que imperam, tornando o Direito um pouco diludo na esfera mundial.

    Pg. 22

    3. Esboo histrico

    Seu desenvolvimento histrico pode dar-nos a exatido de suas medidas. Antes deRoma, os gregos e outros povos j principiavam a utilizar regras para dirimir conflitos entretribos, comunidades, cidades-Estados etc. Entretanto, vamos assinalar o jus fetiale romanocomo Direito que possa ser considerado o precursor. Tal Direito continha regras quelegitimavam a guerra e estabeleciam a paz. Tambm o jus gentium, que continhadispositivos sobre os tratados, a declarao de guerra, os embaixadores, embora fosse umDireito antes de tudo interno, pode ser mencionado como precedente ao que hojeconhecemos.

    Os Tratados de Westflia, em 1648, reconheceram a independncia da Sua e daHolanda, assentaram as nacionalidades e criaram Estados novos. A chamada "Paz deWestflia" ps fim Guerra dos Trinta Anos e importante marco para nossa matria, vistoque os Estados deliberaram, em conjunto (11), o que em nenhuma ocasio anterior haviasido feito (12).

    * 11. "A Paz de Westflia foi resultado de um congresso geral europeu, o primeirodessa classe, cujas discusses no tiveram lugar no plenrio, e sim entre as partesseparadamente, com uma interminvel verbosidade e mincia de mercancia sempre por intermedirios, entre os quais se destacaram particularmente o Nncio do Papa e oembaixador de Veneza" (Veit Valentin, "Histria Universal", t. III, p. 36).

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    12. A Paz de Westflia foi negociada em local onde imperava a Frana catlica(Munster) e em onde sobrevivia a Frana protestante (Osnabruck), durante trs anos. Ostratados negociados em tais cidades foram reunidos em 1648 no Ato Geral de Westflia.

    Esse equilbrio de foras nascido de Westflia teve confirmao no Tratado de

    Utrecht, em 1713, reconhecendo-se que no poderia um Estado opor-se a outro Estado.A idade contempornea iniciou-se com a Revoluo Francesa, e esse fato deimportncia mpar para a Humanidade tambm contribuiu, em muito, para o DireitoInternacional, com seus princpios e idias liberais, o respeito individualidade, osentimento de nacionalidade etc. Em decorrncia dessa Revoluo que se norteou aunificao alem e italiana no sculo XIX, em virtude do princpio das nacionalidades. A proibio da guerra de conquista outra conseqncia.

    Pode-se citar, depois, o Congresso de Viena em 1815, no qual se cogitou dainternacionalizao dos grandes rios europeus, da formao de novos Estados, daclassificao dos agentes diplomticos e do reconhecimento da neutralidade da Sua, entreoutras matrias.

    Pg. 23

    No tratado de 26.9.1815 entre a Rssia, a Prssia e a ustria foi criada a SantaAliana, que recomendava aos chefes de Estado que submetessem sua autoridade e seu poder aos princpios cristos.

    Em 1823 elaborada a Doutrina Monroe, com o princpio da no-colonizao daAmrica, da no-interveno e do isolacionismo norte-americano, permitindo aos Estadosamericanos a consolidao de sua independncia e excluindo, por conseqncia, os Estadoseuropeus da Amrica.

    Embora consagrasse uma idia no intervencionista, ela acabou por gerar ointervencionismo dos Estados Unidos, que no respeitavam a soberania dos demaisEstados.

    Em 1856 teve fim a Guerra da Crimia entre Frana, Inglaterra, Rssia e Turquia; pelo Congresso de Paris, foram proclamados princpios importantes de DireitoInternacional. Esse Direito vai encontrar-se em fins do sculo XIX, regendo as relaesentre Estados, expandindo-se da acanhada forma regionalista e continental europia etornando-se Direito universal.

    Outros acontecimentos foram importantes para a formao do Direito Internacional,como a 1. Conferncia de Paz em Haia, em 1899, com convenes referentes s solues pacficas das contendas internacionais, princpios sobre a guerra terrestre, aplicao daConveno de Genebra sobre a Guerra Martima. Com a 2. Conferncia da Paz, em 1907,estabeleceu-se a Corte de Presas e a Corte Permanente de Arbitragem.

    Como se observa, o Direito Internacional tem uma vocao para a paz, para odilogo, para o entendimento, o que no impediu que houvesse a I Grande Guerra Mundialconseqncia sobretudo do esquecimento dos princpios humanitrios e de interesses eegosmos que contrariam o Direito. Importante, no entanto, o Tratado de Versalhes, ao fimda guerra (1914-1918).

    Tal tratado ofereceu instituies de carter internacional, como a Sociedade das Naes, que veio abrir caminho ONU aps a II Guerra Mundial, e na parte XIII criou aOIT.

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    Quanto ONU foi esta uma reafirmao da Liga das Naes, uma vez que o mundo,ante a fragilidade da primeira unio dos Estados, acabou por enfrentar novo conflitoarmado de 1939 a 1945. Aquela instituio, hoje to presente, veio a ser constituda em SoFrancisco, juntamente com o Estatuto da Corte Internacional de Justia, a 26.6.45, sendoratificada pelo Brasil a 12 de setembro do mesmo ano.

    A temos, sem querer esgot-los, alguns acontecimentos mais importantes naHistria da Humanidade, que fizeram sobressair, por assim dizer, a matria de DireitoInternacional.

    Pg. 24

    4. Fundamentos, autores, nomenclatura

    Os fundamentos desse Direito vamos encontr-los nas obras que tm sido escritas eno conhecimento dos respectivos autores. Basta para ns, e para a finalidade deste livro,apenas a meno a alguns deles, a saber:

    Francisco Suarez (1548/1617) - telogo, escreveu De Legibus ac Deo Legislatore,observando o Direito Internacional como uma necessidade para regulamentar a sociedadeinternacional.

    Hugo Grotius (1585/1645) - humanista, publicou De Jure Praedas, 1605, De MareLiberum, 1609, De Jure Belli as Pacis, 1625, sendo este ltimo o primeiro estudosistemtico do Direito Internacional.

    Ricardo Zouch (1590/1660) - divulgou a obra de Grotius e corrigiu a diviso deGuerra e Paz para Paz e Guerra, uma vez que a paz era o estado normal e, por isso, deveria preceder guerra (13).

    * 13. O Direito Internacional, de incio, preocupava-se principalmente com a guerra,era um Direito sobre a guerra. "O prprio Direito Internacional comeou como um Direitode Guerra. Os doutrinadores tm alinhado as primeiras obras de Direito Internacional e elasversam sobre o Direito de Guerra... Um dado objetivo foi coletado por Quincy Wright, queafirma nada menos de 278 guerras de 1840 a 1941. Afora os conflitos entre Estados, h quese situar, tambm, os conflitos dentro do Estado, a guerra interna, que pe em perigo aordem mundial e a existncia do prprio Estado. a guerra ainda uma grande preocupaono Direito Internacional" (Celso D. de A. Mello, "Guerra Interna e Direito Internacional", p. 24).

    Samuel Pufendorf (1632/1694) - escreveu Elementorum Jurisprudentiae UniversalisLibri Duo, 1660, e De Jure Naturae et Gentium Libri Octo, 1672, negando a existncia doDireito voluntrio de Grotius e s admitindo o Direito Natural.

    Cornlio von Bynkershoek (1673/1743) - escreveu De Dominio Maris Dissertatio,1703, e De Foro Legatorum, 1721. o iniciador da Escola Positivista.

    Christian Wolf (1676/1756) - publicou Jus Gentium Methodo ScientificaPertractatum, 1749; Jus Naturae Methodo Scientifica Pertractatum,1740/1748; InstitucioneJuris Naturae et Gentium,1758, ensinando que as naes estariam unidas por umquase-contrato, existindo entre elas uma sociedade natural.

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    Emerech de Vattel (1714/1767) - publicou Le Droit des Gens, ou Principes de Ia Loi Naturelle Appliqus Ia Conduite et aus Affaires des Nations et des Souverains, 1758,dizendo que os Estados vivem em estado de natureza onde se aplica a lei natural.

    Pg. 25

    Georges Frederic de Martens (1756/1821) - autor de "Causes Clbres du Droit desGens Moderne", 1800/1802, e "Prcis du Droit des Gens Moderne de I'Europe", 1788, sadmitindo o recurso ao Direito Natural quando no houver regulamentao no DireitoPositivo.

    Dentre os contemporneos, muitos existem, como Triepel, em "Droit Internationalet Droit Interne" (1920), Hans Kelsen, Verdross, Jellinek, Bustamante, Calvo, S Viana,Clvis Bevilqua, Epitcio Pessoa, Accioly, Albuquerque Mello, Rezek e outros.

    Os autores mais modernos sero objeto de considerao com o desenvolvimento daexplanao, conforme as matrias forem sendo explicadas.

    Todos esses estudiosos e outros mais normalmente se filiam a teorias que explicamou procuram explicar a norma jurdica internacional. As mais importantes so as teoriasvoluntaristas e objetivistas.

    Embora esteja longe de refletir consenso entre os autores, a verdade que, com umaou outra denominao diferente, as teorias acima dividem-se em doutrinas especficas,como abaixo descritas:

    a) Os voluntaristas sustentam que o Direito das Gentes tem seu fundamento navontade dos Estados, destacando-se quatro doutrinas que basicamente assim pensam: 1) ada vontade coletiva; 2) a da autolimitao do Estado; 3) a do consentimento dos Estados e4) a da delegao do Direito Interno.

    a.1) Da vontade coletiva dos Estados - Seu representante maior foi Heinrich Triepel,seguindo por Dionisio Anzilotti. O Direito Internacional um produto da vontade dosEstados, coletivamente considerados, como uma espcie de acordo coletivo. Faz lembrar aconcepo contratualista da sociedade de Rousseau e Hobbes transposta para o planointernacional. A crtica que a ela se dirige que essa teoria no explica como um Estadonovo, que surge na rbita internacional, est obrigado a uma norma que foi elaborada antesOutra objeo a de que; se o Direito nasce de um acordo entre Estados, basta que umdeles retire sua vontade individual desse acordo para que o Direito no mais se sustente.

    a.2) Da autolimitao - Vrios so seus precursores, mas Georg Jellinek lhe deuformulao definitiva. Tem por base a idia de que o Estado, por ser senhor absoluto de seudestino, para conviver pacificamente com os outros Estados, se autolimita. As normasinternacionais somente so obrigatrias pelo consentimento do Estado em se limitar.

    Pg. 26

    Essa uma teoria mais frgil, porque no se pode aceitar que a validade do Direitoencontre amparo para o interessado tendo em vista apenas sua prpria vontade, que poderiade um momento para outro, no mais se manifestar de acordo com a regra,inviabilizando-a.

    a.3) Do consentimento das naes - Oppenheim, Lawrence e Hall, autoresanglo-saxes, so seus inspiradores. Partiam da existncia de uma famlia de naes,constituda tendo em vista interesses econmicos e afinidades culturais. diferente da

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    teoria de Triepel, porque o Direito Internacional nasce no da vontade coletiva dos Estadosmas de atos volitivos destes, expressos ou tcitos. Um consentimento mtuo revela-se navontade majoritria dos Estados. De qualquer forma, as mesmas crticas que se fizerem teoria da vontade coletiva so vlidas para a teoria do consentimento, porque no poderia oDireito Internacional ficar sujeito s decises de um ou mais Estados.

    a.4) Da delegao do Direito Interno - Fundada por Max Wenzel. Seus seguidores procuram justificar a obrigatoriedade do Direito das Gentes no Direito Interno de cada pasatravs deste na Constituio do Estado. uma conseqncia natural da teoria daautolimitao. No fundo, essa teoria termina por negar o Direito Internacional.

    b) Os objetivistas constituem-se numa reao aos voluntaristas, ocorrendo nosltimos anos do sculo XIX. Afirma-se por essa doutrina que o Direito Internacional noretira sua obrigatoriedade da vontade dos Estados, nas diversas formas, como tal expostaslinhas atrs, e sim da realidade internacional e nas normas que regem essa realidade e queindependem das decises do Estado. Dentro dessa teoria destacam-se algumas variedadesde pensamento, tais como: 1) a da norma fundamental ou objetivismo lgico; 2) asociolgica e 3) a do Direito Natural.

    b.1) Da norma fundamental - Kelsen seu maior representante; a ordem jurdicaderiva de uma superposio de normas, em que a validade de uma norma posterior derivada que lhe anterior ou superior. A validade da norma jurdica, pois, no depende damanifestao da vontade, mas, sim, de outra norma jurdica, e assim sucessivamente, numesquema lgico at o vrtice dessa pirmide, onde se encontra a norma fundamental, umanorma hipottica que pode ser formulada da seguinte forma: os acordos livrementeconcludos devem ser observados (pacta sunt servanda).

    Critica-se tal teoria com o raciocnio que se segue: se o fundamento do DireitoInternacional a norma fundamental, que est no ponto mais alto da pirmide de normas(das mais simples quela), e se tal norma uma norma costumeira (os acordos devem ser obedecidos), ela deixa de ser uma hiptese, porque o costume fruto da vontade e semanifesta tacitamente, necessitando de demonstrao.

    Pg. 27

    b.2) Sociolgica - Foi definida, entre outros, por Lon Duguit e George Scelle.Declara que o Direito um produto do meio social, deriva diretamente dos fatos sociais etem como fundamento a solidariedade ou interdependncia entre os homens. Acrescenta-setambm idia de solidariedade a idia de justia, principalmente esta ltima. Soconceitos subjetivos e, de certa forma, arbitrrios.

    b.3) Direito Natural -Tem origens remotas. Sfocles, na Grcia; Ccero, em Roma;Vitria, Suares e Melina, no sculo XVI, Zeuch, Puffendorf, Grotius e outros, nos sculosXVII e XVIII. O Direito Internacional fundamenta-se no Direito Natural, um conjunto deregras objetivas, relativas sociabilidade entre os povos,. como princpios da s razo, quenos indicam quando uma ao moralmente honesta ou no. Pode-se fazer igual crtica que foi feita Escola anterior, dado o subjetivismo das concepes.

    Como se observa, no encontramos razes completas e insuscetveis de crticas emnenhuma das doutrinas. No geral, cada uma delas apresenta argumentos ponderveis. uma questo de escolha, conforme a formao e a convico de cada um, da visofilosfica e, mesmo, religiosa, em alguns casos. Da viso que temos do mundo e dofenmeno que a raa humana no seu desenvolvimento e das suas criaes culturais.

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    Acreditamos, em princpio, no pacta sunt servanda sem o rigor positivista deKelsen. O impulso solidariedade, a necessidade de viver em comum, a interdependncianatural entre os homens e entre os organismos por eles criados fazem com que as normasinternacionais tenham proeminncia e devam ser obedecidas. De h muito a soberaniaabsoluta no caracterstica do Estado. No mundo moderno no existe quem sobreviva s,

    quer sejam indivduos, quer instituies.Quanto denominao desse Direito, muitas j foram utilizadas, como Direito dasGentes, Direito Pblico Externo, Direito Social Universal, Direito Transnacional, Direitosdos Estados e Direito Interestadual. Depois, consagrou-se a expresso "DireitoInternacional", e, para diferenci-lo do outro Direito "Internacional", chamado de Privado,aps-se o epteto "Pblico".

    Assim, atualmente, utilizamos esta ltima expresso; no entanto, o mais corretoseria apenas a dico "Direito Internacional", porque o Direito Internacional Privado , narealidade, um Direito Interno que cuida dos casos e solues com base na legislaonacional em que existam elementos de estraneidade.

    Pg. 28

    Reconhecendo-se esse fato, o qualificativo "Pblico", por certo, desnecessrio (14).

    * 14. "E o maior inconveniente da expresso 'Direito Pblico Internacional' , precisamente, o de fazer supor que h dois ramos de Direito Internacional, um Pblico e umPrivado, quando as duas disciplinas so, por seu objeto, pelo sujeito das relaes jurdicas, pelas suas fontes e por seus processos, no somente independentes, mas diferentes" (ClvisBevilqua, "Direito Pblico internacional", t. I, p. 19).

    Alis, sobre o Direito Internacional Privado afirma Amorim Arajo que este ramodo Direito no nem internacional, nem privado, tendo em vista, sob este ltimo aspecto,que a interveno do Estado cada vez mais acentuada (15).

    * 15. " bem verdade que a bifurcao do Direito em Pblico (quod ad statum reiromanae spectat), isto , que se refere organizao do Estado, e em Privado (quod adsingulorum utilitatem), isto , que se reporta utilidade dos particulares, acolhida no velhoDireito dos Quirites, est ultrapassada, tendo em vista a interveno cada vez maisacentuada do Estado nas atividades e vinculaes dos indivduos em todos os ramos daCincia Jurdica, mormente no Direito de Famlia, no de Propriedade e, no demaisacrescentar, na nossa disciplina, que desautoriza ao juiz adequar ao fato interjurisdicionallei estranha afrontadora da ordem pblica, dos bons costumes e da soberania nacional.

    Em sntese, o DIP no internacional e no privado, e sim uma diviso do DireitoPblico Interno" (Lus lvani de Amorim Arajo, ob. cit., p. 13).

    Independentemente de quaisquer constataes, a verdade que a expresso "DireitoInternacional Pblico" j se consagrou, por isso a mantemos.

    5. Direito Internacional e Direito Interno

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    O Direito de cada pas regula a vida interna do seu Estado, enquanto o DireitoInternacional regula as relaes internacionais dos atores j considerados linhas atrs: osEstados, os organismos internacionais, as empresas transnacionais e o Homem.

    Ambos - Direito Internacional e Direito Interno - tm campos de atuao distintos,sendo no entanto, difcil, s vezes, demarcar quando comea um e quando o outro termina.

    Algumas matrias, como a que discorre sobre a nacionalidade ou a que se preocupa com osdireitos humanos, tm um campo quase-comum.A Carta da ONU, que pode ser considerada o documento n. 1 de Direito

    Internacional, em seu art. 2., alnea 7, delimita a atuao desse Direito, no autorizando ainterveno em assuntos que dependam essencialmente da jurisdio de cada Estado.Porm, a prpria Carta, em seu Captulo VII, prev as excees, como nos casos em que hameaas paz, ruptura dessa ou ato de agresso.

    Pg. 29

    Como se v, a delimitao no muito precisa, e, hoje em dia, dada a estreita convivnciados Estados, muitos atos de governo que antes s tinham valor interno, agora, adquiremrepercusso internacional.

    A relao, pois, existente entre os dois Direitos pauta-se numa linha ainda no muitoclara de entendimento. E, quando o conflito entre normas das duas esferas ocorre, a soluo buscada no dualismo ou no monismo, teorias que explicam a prevalncia do DireitoInterno ou do Direito Internacional.

    A primeira, o dualismo, admite uma diviso radical entre a ordem interna e a ordeminternacional, pondo-as em patamares equivalentes, incomunicveis. Na expresso de GildaRussomano, so "dois rios que fluem de nascentes distintas e que, no seu curso, nuncachegam a se encontrar".

    O Direito Interno elaborado pela vontade soberana do Estado, e o DireitoInternacional na acomodao dessas vontades; alm do que a ordem interna obedece a umsistema de subordinao, e a internacional, de coordenao. A norma internacional soment poder ser aplicada vida do Estado quando transformada em norma interna, por incorporao ao Direito nacional, isto porque as ordens jurdicas estatais tm autonomiaabsoluta. Em outras palavras, no h conflito entre as ordens: a interna prevalece em suaesfera de atuao.

    Triepel, na Alemanha, e Anzillotti, na Itlia, so expresses do dualismo.J o monismo sustenta que o Direito Internacional e o Direito Interno so dois

    ramos de um nico sistema, defendendo uns o primado do primeiro, e outros, a primazia dosegundo. Se uma norma de Direito Interno for de encontro ao Direito Internacional, seraquela nula (Kelsen), ou constitui o Estado em infrao (Verdross). H aqueles queentendem, dentro do monismo, que o Direito Interno deve prevalecer, porque o Direito dasGentes parte do Direito do Estado, uma conseqncia de suas leis.

    Os monistas partem do princpio de que todos os Direitos emanam de uma s fonte,da ser a conscincia jurdica uma s. So seus defensores Kelsen, Verdross e, dando prioridade ao Estado, Wenzel.

    Partilhamos da idia de que o Direito um somente, sendo-nos mais simptica ateoria monista com prevalncia do Direito Internacional.

    Pg. 30

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    As matrias mais recentes na rea do Direito, como a do Direito do Trabalho, o DireitoAreo, o Direito das Comunicaes, grande parte do Direito Comercial (Direito Cambial,Direito Societrio), assentam-se tambm no Direito Internacional. Outras matrias vo-seinternacionalizando, havendo uma tendncia de se equipararem legislaes.

    A opo de cada pas. O Brasil ainda no firmou a sua de forma clara, o que podeser visto atravs das normas constitucionais, que ora revelam uma tendncia ao dualismo,ora, ao monismo. A indefinio se tem observvel no exame dos seguintes dispositivos,todos da Constituio Federal: art. 1., I; art. 4., I, II, III, IV, V e pargrafo nico; art. 5., 2.; art. 49, I; art. 84, VIII; art. 102, III, letra b; art. 105, III, letra a; art. 170, I, e art. 7. doADCT.

    A esto alguns dos artigos que podem servir de caminho de interpretao da nossaeventual opo. Poderamos nos situar entre o dualismo - incorporamos a normainternacional e a transformamos em lei interna, quando importante para ns - e/ou omonismo moderado, uma vez que pelos artigos correspondentes competncia do SupremoTribunal Federal e do Superior tribunal de Justia (arts. 102, III, b e 105, III, a), os tratadosficam no mesmo patamar da lei ordinria federal e abaixo da Carta Magna, prevalecendo oDireito internacional sobre o Direito Interno desde que no contrarie a normaconstitucional, considerando-se ainda que o 2. do art. 5., quando estabelece que os"direitos e garantias expressos nesta Constituio no excluem outros decorrentes doregime e dos princpios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a RepblicFederativa do Brasil faz parte". Em matria de direitos humanos o Brasil se submeter a umtribunal internacional (art. 7. do ADCT).

    Entendemos que o Brasil carece de melhor definio porque com essa falta declareza poderemos deixar os nossos parceiros internacionais, aqueles com quemnegociamos, inseguros se vamos ou no obedecer efetivamente ao tratado assinado eratificado (o tratado uma das expresses da norma internacional), ainda mais com a possibilidade de uma lei interna posterior ao tratado e que regre sobre idntica matria, ser votada pelo Congresso e sancionada, revogando o tratado internamente, embora na rbitainternacional ele possa continuar em vigor.

    A verdade que pela histria do Brasil, pela atuao da nossa diplomacia, pelocomportamento poltico frente s questes internacionais, alm das normas j mencionadastudo leva a crer que nos inserimos numa ordem internacional, ciosos de obedec-la, masno apresentamos corajosamente ao mundo essa nossa opo.

    Pg. 31

    Em determinadas matrias somos monistas, em outras nem tanto e ainda sobramaquelas que nos firmamos pelo dualismo. Algo nos parece certo, pelo menos numa primeiranlise: no somos monistas com primazia na ordem interna.

    O conjunto das normas constitucionais, se bem analisadas, nos revelar, assimcremos, um pas com tendncia monista, e a interpretao das normas em conflito (interna internacional) deveria fazer valer a norma internacional, mesmo porque em matria detratado o Brasil deve assinar e ratificar tais pactos com a aprovao do Congresso (arts. 49,I, e 84, VIII), no se admitindo a leviandade na manifestao definitiva obrigacional, e emrelao aos princpios e costumes internacionais, fato que sempre procuramos segui-los.

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    Alis, alguns deles esto na prpria Lei Maior: igualdade entre Estados, defesa da paz,soluo pacfica dos conflitos, no interveno etc. (art. 4.).

    6. Fontes e princpios de Direito Internacional

    Fonte de Direito representa o modo pelo qual este se manifesta. clara a figura docurso de gua e a nascente desta. A Corte Internacional de Justia, em seu art. 38, declaraque so suas fontes os princpios gerais de Direito, os tratados e os costumes.

    Hildebrando Accioly divide as fontes em fonte real, verdadeira, fundamental,constituda pelos princpios, e fonte formal, positiva, constituda pelos tratados e costumes.

    Quanto a estes, temos o conjunto de normas consagradas pela prtica reiterada nasrelaes internacionais e, por isso mesmo, tidas como obrigatrias.

    Dois elementos distinguem-se no conceito de costume: o objetivo, que representa a prpria prtica reiterada de atos, e o subjetivo, que a certeza de cada um de que aquelamaneira de agir correta.

    As regras costumeiras foram debatidas amplamente na Corte Permanente de Justia,hoje Corte Internacional de Justia, j acima mencionada (19), quando do caso Lotus, em1927, que ops a Frana Turquia, estabelecendo que o costume internacional deve refletiro consenso geral dos Estados, ser de aplicao comum, estvel, antigo, constante erecproco (20).

    * 19. o rgo judicial da ONU e o mais importante Tribunal Judicirio daSociedade Internacional (Cap. XIV, arts. 92-96, da Carta das Naes Unidas).

    20. Antnio Augusto Canado Trindade, "Princpios do Direito InternacionalContemporneo", pg. 6: "A disputa originria em uma coliso em alto-mar, entre o naviofrancs (Lotus) e o navio turco Boz-Kourt, afundando este ltimo e desaparecendo oitocidados turcos; ao chegar o lotus em Constantinopla, seu oficial francs contestou a jurisdio da Corte Criminal de Istambul. Levado o caso Corte Permanente de JustiaInternacional, opinou esta que a Turquia no violara os princpios de Direito Internacional, pois no havia norma que impedisse a Turquia de agir como agiu. No decorrer do processodiante da Corte de Haia, de incio, o Governo turco argiu, em seu memorial, que ocostume internacional deve refletir o consentimento geral dos membros da 'sociedadeinternacional'; ser aplicado uniformemente; ser suficientemente antigo, estvel e constante,tendo, ademais, um carter de reciprocidade; faltando uma dessas condies, no estariaconfigurado o costume como fonte de Direito Internacional". Na prtica, os Estados seabstiveram de exercer perseguies penais; se tais abstenes houvessem sido motivadas pela conscincia de um dever de abster-se que se poderia conceber o costume comorelevante, no caso.

    Pg. 32

    A prova do costume, e, assim, do efeito vinculativo para o Estado deve ser feita por quem o alega, embora h que se supor que um Tribunal conhea o Direito e possa aplicar ocostume mesmo que no tenha sido expressamente argido.

    A repetitividade dos atos revela uma conscincia jurdica, internacional, fundamentode uma ordem acima dos Estados, embora sem a estrutura hierrquica das ordens estatais,como j foi explicado.

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    Os tratados, por sua vez, revelam-se outra fonte importantssima de produo denormas jurdicas, porque expressam a vontade dos Estados, normalmente surgindo comotratados-contratos, tratados-leis e tratados-Constituio. Tais divises no sounanimementes adotadas, e existem crticas acerbas em relao a elas. Contudo, comonosso objetivo essencialmente didtico, adotamo-nas para explicar o contedo escrito do

    Direito Internacional.Os tratados-contratos regulam situaes especficas de interesse direto dos Estadosenvolvidos. Os chamados tratados-leis esto mais perto de serem considerados como fonteefetiva, porque produzem regras gerais e abstratas para uma srie de Estados.Acrescentamos os tratados-Constituio, por serem aqueles que criam organismosinternacionais e, assim, trazem dispositivos que se aplicam a todos os partcipes, como otratado que constituiu a ONU, o que criou a OEA ou o que instituiu a OIT. Enfim, dessestratados nascem, sem dvida, normas internacionais de emprego reconhecido.

    Quanto ao conceito e diviso dos tratados, deixaremos para o captulo prprio.Falamos das duas ltimas fontes, costumes e tratados. Agora, vamos situar os

    princpios, e o fazemos por ltimo dada sua importncia como fonte. Por que entendemosdesse modo? Porque os princpios retratam valores que apontam o caminho a seguir.

    Pg. 33

    Sem eles, faltaria ao Direito Internacional a consistncia necessria para se entender comotal. Os princpios proporcionam as diferenas bsicas entre o Direito Interno e o DireitoInternacional. Alm do mais, os princpios tm maior grau de generalizao do que asnormas, sejam elas costumeiras ou escritas.

    Representam os princpios normas internacionais imperativas para a comunidademundial, nos termos do art. 53 da Conveno de Viena sobre o Direito dos Tratados de1969 (21), como, por exemplo, a igualdade de direitos e de autodeterminao dos povos, j prevista no art. 1., n. 2, da Carta da ONU (22).

    * 21. Art. 53 da Conveno de Viena: " nulo o tratado que, no momento de suaconcluso, conflita com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os da presente Conveno, uma norma imperativa de Direito Internacional geral uma normaaceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto, comouma norma da qual nenhuma derrogao permitida e que s pode ser modificada por novnorma de Direito Internacional geral da mesma natureza".

    22. Carta da ONU, art. 1., n. 2: "Os propsitos das Naes Unidas so: (...)Desenvolver relaes amistosas entre as Naes, baseadas no respeito ao princpio deigualdade de direitos e de autodeterminao dos povos, e tomar outras medidas apropriadasao fortalecimento da paz universal".

    Temos, pois, como princpios reconhecidos: a) proibio do uso ou ameaa defora; b) soluo pacfica das controvrsias; c) no-interveno nos assuntos internos dosEstados; d) dever de cooperao internacional; e) igualdade de direitos e autodeterminaodos povos; f) igualdade soberana dos Estados; e g) boa-f no cumprimento das obrigaesinternacionais.

    No se esgotam a os princpios, no se podendo esquecer do pacta sunt servanda, eoutros mais especficos, vlidos na ordem internacional, como a proibio do

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    enriquecimento sem causa, o respeito ao direito adquirido, o repdio ao abuso de direitoetc. Apontamos, no entanto, os sete acima elencados porque contemplam o Direitocontemporneo, conforme elaborao feita pelo Comit Especial para esse trabalho em1970, sob os auspcios da ONU, e que terminou por adotar o nome de "Declarao Relativaaos Princpios do Direito Internacional Regendo as Relaes Amistosas e Cooperao entre

    os Estados".7. Codificao

    Em 1946, a Assemblia Geral da ONU criou uma comisso para estudar acodificao do Direito Internacional, e em 1947 foi criada a Comisso de DireitoInternacional, que apresentou vrios projetos, que se transformaram em convenes, no sechegando, ainda, a uma s codificao de todo o Direito.

    Pg. 34

    A preocupao funda-se no fato de que o desconhecimento das normasinternacionais baseadas nos costumes e o no-cumprimento das regras advindas dos pactosentre Estados tornam a vida internacional insegura. No se entende que essa seja a prtica; porm, quando alguns desses fatos ocorrem, o transtorno muito grande, motivo pelo quala tentativa de sistematizar tais normas.

    Embora se empregue o vocbulo "codificao", parece-nos mais razovel que sefalasse em "consolidao" das normas de Direito Escrito ou Costumeiro, inclusive por emprestar a esse corpo de normas maior maleabilidade e adaptao aos acontecimentos queamide modificam as expectativas dos Estados e dos organismos internacionais em relao melhor conduta. No estamos ss; Alberto Ulhoa ensina que um Cdigo tem,necessariamente, carter de permanncia que no coaduna com um Direito em formao.

    Apesar de sua estrutura e de sua riqueza, certo que o Direito Internacional , como j dissemos, um Direito que ainda tem muito a desenvolver at a maturidade formal doDireito Interno. Por tudo, preferiramos que, num primeiro passo, se consolidassem asnormas j existentes, o que no tarefa fcil; somente depois a codificao, como aentendemos. De qualquer maneira, a tentativa de compreenso das normas internacionais,de enfeix-las num corpo prprio, assegura, por si s, enorme progresso.

    A busca da codificao, contudo, ideal estampado em preceito na CartaConstitutiva das Naes Unidas: "1. A Assemblia Geral iniciar estudos e farrecomendaes a: a) promover cooperao internacional no terreno poltico e incentivar odesenvolvimento progressivo do Direito Internacional e a sua codificao".

    Portanto, o dispositivo acima no deixa margem a tergiversaes, sendo este umdever de todas as naes reunidas na ONU.

    QUADRO SINTICO

    SOCIEDADE INTERNACIONAL- Formada pelos Estados, pelos organismos internacionais e pelo homem- Caracteres:UniversalIgualitria

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    AbertaSem organizao rgidaDireito originrio

    DIREITO INTERNACIONAL

    - Conceito: Conjunto de princpios, regras e teorias que abrangem os entes coletivosinternacionalmente reconhecidos: Estados, organizaes internacionais e Homem- Princpios:Proibio do uso ou ameaa de foraSoluo pacfica das controvrsias No-interveno nos assuntos internos dos EstadosDever de cooperao internacionalIgualdade de direitos e autodeterminao de povosIgualdade soberana dos EstadosBoa-f no cumprimento das obrigaes internacionais

    - Fontes:CostumesTratadosPrincpios

    - Fundamento:Voluntaristas:Vontade coletivaAutolimitao do EstadoConsentimento dos EstadosDelegao do Direito Interno.Objetivistas: Norma fundamentalSociolgicaDireito Natural

    - Conflito entre o Direito Interno e o Direito Internacional:Monismo:Prevalncia do Estado e Prevalncia da ordem internacional.Dualismo:Ordens distintas.

    - Internacionalistas:Estrangeiros: Grotius, Soarez, Zouch, Puffendorf, Verdross, Jellinek, Bustamante,

    Scelle, Rousseau, Duguit, KelsenBrasileiros: S Vieira, Bevilqua, Epitcio Pessoa, Accioly Albuquerque Mello,

    Rezek, Amorim Arajo, Belfort de Mattos, Gilda Russomano, Canado Trindade, GuidoSoares, Vallado, Marota Rangel e outros.

    - Codificao: Sistematizar a norma internacional (ideal estabelecido na Carta das Naes Unidas).

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    CAPTULO II

    1. Noes

    SUJEITOS INTERNACIONAIS1. Noes. 2. Classificao dos sujeitos. 3. Estados: 3.1. Tipos de Estados 4.

    Organismos internacionais. 5. Outras coletividades. 6. Indivduos.

    1. Noes

    Pessoas internacionais so os entes destinatrios das normas jurdicas internacionaise tm atuao e competncia delimitadas por estas. No se pode escapar conceituao doDireito Interno no que concerne a tais pessoas, porque jurdicas e naturais, conforme asconhecemos neste. Clvis Bevilqua ensina que pessoa o ser a quem se atribuem direitose obrigaes, equivalendo, assim, a sujeitos de direito.

    A existncia de tais pessoas comprova a prpria vida internacional e as regras que aanimam, porque "pessoa" uma criao jurdica possvel quando se considera dada ordemnormativa, ainda que no tenha tal ordem, no caso internacional, os mesmos caracteres dasordens internas.

    Assim, os Estados, a ONU, a Santa S e o prprio indivduo, alm das empresastransnacionais ou internacionais, so exemplos de pessoas.

    2. Classificao dos sujeitos

    Todas as pessoas internacionais tm o que se chama de "subjetividadeinternacional", isto , a faculdade de exercer direitos e obrigaes.

    Podem ser classificadas em: coletividades estatais, interestatais e no estatais e oindivduo.

    Pg. 37

    Outros autores falam em sujeitos bsicos permanentes, entidades anmalas,organizaes internacionais e organizaes supra-nacionais, como Belfort de Mattos, ou emEstados, Santa S, organizaes regionais e o Homem, como Agenor Andrade.

    Damos preferncia classificao que est no sumrio deste captulo e condizentecom a primeira classificao aqui mencionada, porque mais genrica e aplicvel variedade de entes internacionais, ainda que estes se transfigurem de acordo com a poca:Estados, organismos internacionais, outras coletividades e os indivduos.

    Uma breve explicao necessria, mesmo porque o rigor jurdico desta e de outrasclassificaes deixa muito a desejar, sendo de difcil obteno em matria que secaracteriza por certa impreciso no seu campo.

    Os Estados, unanimidade das opinies, so sujeitos de Direito Internacional,inexistindo dvida quanto ao seu papel no mundo, com a comprovao ftica e histrica desua participao em vrios eventos, proporcionando-lhes os diversos autores quase queexclusividade de existncia como ser jurdico internacional.

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    Qualquer classificao que no os leve em conta pecar pela base, pois em torno doEstado que giram as diversas concepes sobre o Direito Internacional.

    Para os juristas antigos os Estados se associam para formar a sociedadeinternacional, e tal associao constitui-se na civitas gentium maxima, ou, no dizer deoutros, "uma comunho universal". Tal idia, contudo, no se faz apenas em relao aos

    Estados, estes principalmente, mas, tambm, quanto aos demais sujeitos internacionais.Os organismos internacionais merecem esse nome porque j admitidos de h muitocomo realidade na vida internacional e com atuao inequvoca. A partir de sua criao,tomam corpo prprio, adquirem personalidade e vivem independentemente de seuscriadores. Na expresso "outras coletividades" podemos enfeixar entes que no os Estados, nem asorganizaes por eles criadas, mas aqueles que por outras causas vieram a ter importnciana sociedade internacional, tais como a Santa S, a Cidade do Vaticano, os Beligerantes eInsurgentes em determinadas ocasies, a Soberana Ordem de Malta, as sociedadescomerciais (transnacionais, internacionais), o Comit Internacional da Cruz Vermelha, osTerritrios Internacionalizados e aqueles sob mandato e tutela internacional

    Pg. 38

    Diversas outras coletividades podero eventualmente, surgir no cenriointernacional e se enquadrar na classificao de sujeitos internacionais, mesmo porque estevariam atravs dos tempos, em virtude das necessidades que a comunidade impe.

    O fato que embora se diversifiquem as denominaes, vamos encontrar em todasas classificaes os mesmos elementos universalmente aceitos. certo que pessoas jurdicas existem que, ainda funcionando dentro de quadro jurdico do Estado, influenciamcada vez mais as relaes internacionais. Tais entes no podem ser olvidados pelo DireitoInternacional, assim como no o o Homem.

    O Direito Internacional moderno deixou de lado a postura clssica estvel e passoua estudar os diversos fenmenos que ocorrem na sociedade internacional, como o DireitoInternacional Econmico, que cuida das transaes internacionais, dos fatores de produonesse nvel, da circulao de riquezas entre os diversos pases, e outros.

    Quanto ao Homem, no de agora que a nossa matria com ele se preocupa, porm,de forma clara, s agora as obras modernas o vm mencionando.

    Na verdade, qualquer ordenamento jurdico, por mais rarefeito que se apresente, tem por destinatrio o Homem.

    A Carta das Naes Unidas em seu "Prembulo" j revela essa preocupao, porque justifica a unio dos Estados (naes) para "preservar as geraes vindouras do flagelo daguerra", "reafirmar a f nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor doser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres", e, depois, tambm falaem "progresso social", "progresso econmico e social dos povos" etc.

    No vamos reduzir todo o Direito ao Homem de forma simples, esquecendo de suascriaes jurdicas, de suas sociedades, porque, afinal, adquirem vida prpria. Em DireitoInternacional, no entanto, preciso no esquec-lo, sob pena de construirmos teses enormas dele apartadas e que no o beneficiam, tornando o Direito sem alma, como meromecanismo de convivncia. No assim quevemos o Direito Internacional. O homem tem, nele, posio garantida ao lado dos demaisentes (4).

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    * 4. "(...) La opinin tradicional de que los sujetos del Derecho Internacional sonsolamente los Estados y no tos particulares y de que tal Derecho es incapaz, por su mismanaturaleza, de obligar e facultar a stos, es erronea", pois "todo Derecho es regulador de Iaconduta humana" (Hans Kelsen, "Teoria General del Derecho y del Estado", p. 407).

    Pg. 39

    3. Estados

    O Estado deve satisfazer trs condies: possuir um territrio, um povo e ter umgoverno.

    No estamos falando em "nao", pois no se trata de termo sinnimo, ainda quequase sempre venha identificado com o Estado. Nao o conjunto de indivduos que tm mesma origem, as mesmas tradies, os mesmos costumes, geralmente professam a mesmareligio e com a mesma lngua, podendo existir uma nao distribuda em vrios territriose sob distintos governos.

    A Itlia, antes da unificao, estava dividida, da a perorao de Mancini, em suaUniversidade de Turim, 1851, no sentido de que "toda Nao deve constituir um s Estadoe somente um". Entretanto, se assim fosse, algumas naes acabariam por formar Estadosmnimos sem condies de sobrevivncia, como doutrina Accioly.

    O atual desmoronamento da Unio Sovitica, a diviso da Tcheco-Eslovquia e afragmentao dolorosa da Iugoslvia fazem-nos pensar que, de certa forma, estacontecendo o que Mancini propugnava (7).

    * 7. Em meados de 1992, cinco Estados se formaram da ex-Iugoslvia, sendo trsreconhecidos pela comunidade internacional: Crocia, Eslovnia e Bsnia-Herzegovina, emais a Macednia e a Repblica Federal da Iugoslvia, formada pela Srvia e por Montenegro.

    O mundo atual prdigo em exemplos de povos que pretendem transformar-se emEstados soberanos. H uma reorganizao natural das fronteiras polticas e jurdicas e umatendncia de afirmao de nacionalidades esquecidas e subjugadas. Outras manifestaesocorrem sem cessar, fazendo prever para a prxima dcada trabalho maior para gegrafos ecartgrafos ante o realinhamento das linhas tradicionais conhecidas e conseqentesmudanas nos mapas. Basta citar guisa de mero exemplo o Saara Ocidental, consideradouma nao no exlio (8) e o eterno problema dos curdos (9).

    * 8. H um povo que passou no exlio quase 23 anos se preparando para montar um pas: os saaraouis. Tem sistema militar, estrutura de governo em territrio localizado noMarrocos, dominado por muito tempo pelos espanhis. A partir de 1973, com a morte deFranco, surgiu a Frente Polisrio (Popular para Libertao de Saguia ElHamma e do Rio doOuro). Interessante saber que esse povo no exlio conseguiu fazer escolas primrias esecundrias, mandando as famlias seus filhos estudarem no exterior com o apoio deorganizaes no governamentais e governos que o apiam. A ONU procura viabilizar a possibilidade desse povo se afirmar com territrio livre e especificado, atravs de umacordo com Marrocos.

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    9. Os curdos representam povo no rabe, muulmano, sunita, de origem ariana,falam uma lngua indo-europia, aparentada com o persa; vivem numa vasta rea entre aTurquia, Ir, Iraque, Sria, Armnia, Azerbaijo, Gergia, sendo mais numerosos naTurquia. Reivindicam um Estado e por isso so perseguidos pelos governos constitudos. OTratado de Svres, de 1920, previa a criao de um novo Estado, o Curdisto, mas a

    Turquia se posicionou contra.A Turquia tem, atualmente, mais de 15 milhes de curdos, o Iraque uns 5 milhes, oIr uns 7 milhes, mais de 2 milhes na Sria e 500 mil espalhados nas demais repblicas.

    Pg. 40

    Dissemos que um dos elementos o povo, ou, como dizem outros, a populao. O primeiro termo representaria um elemento mais fixo, enquanto o segundo teria sentido maisdemogrfico, numrico, englobando nacionais e estrangeiros.

    Na verdade, esse requisito diz respeito aos que vivem no Estado de forma permanente.

    Territrio outro elemento. o espao delimitado no qual o Estado exerce demaneira constante sua soberania. a parte do globo onde o Estado exerce sua atividade poltica e jurdica, abrangendo nesse binmio atividades econmicas e morais.

    No corresponde o territrio apenas ao pas, como visto nos mapas. Compreende osolo, o subsolo (domnio terrestre), rios e demais cursos d'gua que cortam ou atravessam oterritrio (domnio fluvial ou lacustre), as guas que margeiam as costas do territrio (guaterritoriais) e que se estendem at certa distncia (domnio martimo) e o espao areocorrespondente a tais domnios at a altura determinada pelas necessidades de defesa(domnio areo).

    A noo do territrio no , assim, geogrfica, mas jurdica. Quando falamos emterritrio nos vem mente a existncia de limites, de fronteiras.

    Fronteira um conjunto geogrfico mais ou menos impreciso - porque possvelque o Estado esteja em luta para melhor definir suas fronteiras -, mas que existe, porque odomnio do Estado encontra bice no domnio de outro Estado vizinho, no mar aberto,enfim, nesses fenmenos da natureza e polticos onde a fora de um Estado esbarra com ade outro ou se amolda s regras convencionais.

    As fronteiras estendem-se at a srie de pontos que formam linhas retas ou curvasdenominadas "limites". Limites, assim, so linhas precisas entre fronteiras.

    Por fim, temos o governo. a organizao poltica estvel, que mantm a ordeminterna e representa o Estado no relacionamento com os demais membros da comunidadeinternacional.

    Em face de tais aspectos, tem-se falado em "poder soberano" ou "soberania", que anoo obscura, eminentemente histrica. Jean Bodi foi quem a formulou, em 1576, como poder absoluto e perptuo.

    Pg. 41

    Este no mais o sentido da soberania, uma vez que, atualmente, vista como relativa,dependendo sempre da ordem internacional.

    , tambm, a soberania, aceita pelo Direito Internacional, uma defesa para o Estadomais fraco perante o Estado mais forte.

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    3.1. Tipos de Estados

    Quanto a sua estrutura, os Estados aparecem simples ou compostos.Simples so aqueles que apresentam um poder nico e centralizado. Os compostos

    tm estrutura complexa e dividem-se em compostos por coordenao e compostos por subordinao.Os compostos por coordenao so constitudos pela associao de Estados

    soberanos, com autonomia para cada unidade estatal, mas um poder soberano central. Estonesse caso a "unio pessoal" (dois ou mais Estados unidos temporria ou acidentalmentesob a autoridade de um soberano), a "unio real" (reunio, sob o mesmo monarca ou chefe,de dois ou mais Estados por acordo mtuo, delegando os Estados a um rgo nico os poderes de representao externa), a "unio federal" ou "federao" (dois ou mais Estadosconservam sua autonomia interna, sendo a soberania externa exercida por um governofederal) e a "confederao" (uma associao de Estados soberanos que conservam suaautonomia e personalidade internacional, mas, para certos fins especiais, cedem o poder auma autoridade central).

    Compostos por subordinao: os "vassalos" (gozam de autonomia interna e devemvassalagem a outro Estado - suserano - nos negcios externos), os "protetorados" (soaqueles que, em virtude de um tratado, colocam-se sob proteo e direo de outro Estado)os "Estados-clientes" (so os que confiam a outro Estado a defesa de alguns de seusnegcios e interesses) e os "tutelados" (aqueles que se acham sob o regime de tutela previsto nos arts. 75 a 85 da Carta das Naes Unidas).

    Em captulo posterior desenvolveremos alguns aspectos do Estado, tendo em vistasua importncia na rea internacional.

    4. Organismos internacionais

    Os organismos internacionais so entes formados pela iniciativa de outros sujeitosinternacionais - em regra, os Estados. Representam a cooperao entre eles, porque,sozinhos, no podem realizar seus objetivos.

    Pg. 42

    So criados por meio de tratados e passam a ter personalidade internacionalindependentemente de seus membros. Possuem um estatuto interno, rgos internos efuncionam na forma estabelecida pelo tratado de criao, sendo, pois, passveis deresponsabilidade internacional (10).

    * 10. Em 1986 foi concluda uma Conveno sobre o Direito dos Tratados entreEstados e organizaes internacionais ou entre as prprias organizaes internacionais.

    Como entes internacionais, possuem direito de conveno, como os Estados. Ofinanciamento de tais organizaes realizado por meio de contribuio dosEstados-Membros.

    Reuter apresenta uma teoria geral das organizaes internacionais, como tambm ofazem outros internacionalistas, de que nos ocuparemos no captulo prprio.

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    5. Outras coletividades

    Outras coletividades podem ser apontadas que no se enquadram entre os caracteresdo Estado e dos organismos internacionais. Nesse caso esto os "Beligerantes", os

    "Insurgentes", a "Santa S", "Territrios sob Tutela Internacional", a "Soberana Ordem deMalta", o "Comit Internacional da Cruz Vermelha", as "Sociedades Comerciais" e asorganizaes no-governamentais, que atuam na rea internacional.

    a) Beligerantes - So os revoltosos internos de um Estado que possuem o controlede parte do territrio deste, como era o caso dos confederados na Guerra de Secesso nosEUA, em 1861, reconhecidos como tais pela Frana e pela Inglaterra.

    A razo de ser desse instituto, entre outras, est no fato de obrigar as partes em lutas leis da guerra (ver captulo especfico sobre a guerra), tornando a luta menos selvagem e proporcionando aos contendores iguais oportunidades perante os olhos da sociedadeinternacional, diante da declarao de neutralidade.

    Tais sujeitos - os Beligerantes - tm, normalmente, vida curta, uma vez que esseestado tende a se definir. No entanto, observa-se, nos dias atuais, um abandono do institutoante a ameaa da integridade territorial do Estado envolvido.

    Um exemplo recente foi o de 1979, quando os pases do Pacto Andinoreconheceram os sandinistas na Nicargua como Beligerantes.

    Pg. 43

    b) Insurgentes - O reconhecimento do estado de insurgncia abrange os movimentosem terra e no mar que no assumem a proporo de uma guerra civil.

    Diversamente dos Beligerantes, cujo reconhecimento cria direitos e obrigaes, aidentificao dos Insurgentes no tem, de imediato, tais efeitos, dependendo do queestabelece o ato em si, normalmente com efeitos mais restritos.

    Quando, por exemplo, uma esquadra se amotina contra o governo legal, pormcriando problema de monta, exercendo presso poltica, podem os governos estrangeiros oumesmo o governo legal reconhecer tais amotinados como "insurretos".

    Celso D. de A. Mello cita alguns efeitos do reconhecimento doestado de insurgncia: "a) Os navios dos Insurgentes no so considerados piratas; b) ogoverno de jure no responsvel pelos atos dos Insurgentes; c) as partes em luta podemimpedir que o 'inimigo' seja abastecido, mas s podem agir nas guas territoriais do Estado;d) os revoltosos tero tratamento de prisioneiros de guerra; e) os terceiros Estados no estosujeitos neutralidade, mas podem declar-la; f) os revoltosos no tm o direito de capturana guerra martima" (12).

    * 12. "Na verdade, extremamente difcil se fixar os efeitos deste reconhecimento, porque, como bem salienta Falk, "a insurgncia uma designao "depsito de lixo" (catchall) prevista pelo Direito Internacional para permitir aos Estados determinarem o quantumde relaes jurdicas a ser estabelecido com os Insurgentes". Ns apenas enunciamos osefeitos que a maioria dos autores menciona" (Guerra Interna e Direito Internacional, p. 64).

    Tanto o reconhecimento do estado de beligerncia quanto o de

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    insurgncia acionam a aplicao dos mecanismos do direito de guerra a um conflito internona condio temporria que possuem.

    c) Santa S - A personalidade jurdica da Santa S (Papa e Cria Romana), aocontrrio de outros entes, no foi formalmente definida a partir de um certo momento, deuma certa poca, e, embora, de fato, alguns atos tenham levado a isso, certo que pesou

    muito a prpria histria da religio crist, que, atravs de uma srie de fatores felizes,conseguiu um lugar dentro da comunidade internacional.Assim, temos alguns degraus histricos, a saber:c.1) Em 313 o futuro Imperador Constantino concedeu o livre exerccio religio

    crist, em p de igualdade com o paganismo greco-romano, pelo Edito de Milo.

    Pg. 44

    c.2) Em 381, Teodsio, proclamado Imperador, aceitou fazer a penitncia pblicaque lhe foi imposta por Santo Ambrsio, Bispo de Milo, em virtude de ter esmagado demaneira cruel a revolta dos tessalonicenses, o que implicava um reconhecimento oficial do papado.

    c.3) Morto Teodsio, criou-se na Itlia Central um vcuo do Poder, porque a CapitalImperial, para fugir dos hunos, transferiu-se para Ravena, e, a pedido do Senado Romano, oPapa Leo I encarregou-se de negociar com o rei dos hunos para que este poupasse Roma,desiderato que obteve com total xito.

    c.4) A conquista de Roma pelos Ostrogodos, mais ou menos em 476, enfraqueceu aautoridade civil que foi nomeada, sendo a autoridade eclesistica invocada pelosinteressados, e os servios por esta prestados, muitas vezes, eram pagos com terras eherdades.

    A propriedade privada era transformada em direito pblico, e a Santa S apareciacomo autoridade no solo italiano.

    c.5) A atuao diplomtica da Igreja tornava-se cada vez mais freqente erequisitada.

    c.6) O Papa administrava os bens patrimoniais, zelava pela moral pblica, pelaaplicao das leis em diversas propriedades adquiridas de doaes inter vivos e causamortis, chamadas "Estados Pontifcios" ou "Patrimnio de So Pedro".

    c.7) Napoleo despojou Pio VII dos "Estados Pontifcios" aps a reconquista, houvea proclamao da Repblica Romana no Vaticano, enquanto no se resolvia a chamada"questo romana".

    c.8) Em 1871 a Itlia baixou a chamada "Lei das Garantias", reconhecendo ao Papaa propriedade sobre o palcio, o museu e os jardins do Vaticano, a inviolabilidade pessoal,o direito de honras prestadas a um soberano, a imunidade de residncia e de legao ativa e passiva. Embora local, esse reconhecimento estendia-se rea internacional.

    c.9) O reconhecimento coletivo veio em 1916, durante a I Guerra Mundial, porque,a pedido do Papa Bento XV, as potncias em guerra concederam salvo-conduto a um naviocom a bandeira pontifcia que levava prelados a Barcelona.

    c.10) Em 1929 foi firmado o Tratado de Latro, reconhecendo no centro de Romaum minsculo Estado independente (13)

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    * 13. " o nico Estado do mundo formado por uma rea exclusivamente urbana;sua superfcie no atinge 1 km, sua populao constituda em mais de 80% de sacerdotese auxiliares de culto" (Jos Dalmo Fairbanks Belfort de Mattos, ob. cit., p. 219).

    Pg. 45

    A est por que a Santa S sujeito de direitos na ordem internacional. Um Estadoteolgico, sendo o Vaticano apenas o complemento territorial (14). Faz a Santa S parte dediversos organismos internacionais; contudo, no participa da ONU.

    * 14. "Quando se entendia de afirmar, luz do fator teleolgico, que a Santa S no um Estado, cumprir concluir, face evidncia de que ela tampouco configura umaorganizao internacional, que ali temos um caso nico de personalidade internacionalanmala, objetivamente irrecusvel" (Jos Francisco Rezek, "Direito dos Tratados", pp. 53e 54).

    d) Territrios sob Tutela Internacional - Antigamente eram conhecidos comoterritrios sob mandato, expresso esta muito criticada e substituda por tutela.

    Sua finalidade conduzir os povos colocados nesse regime independncia poltica,o que feito por intermdio de acordos de tutela entre a ONU e a potncia administradora.Os territrios sob esse regime possuem personalidade internacional, uma vez que recebemdireitos e deveres diretamente da ordem jurdica internacional.

    e) Soberana Ordem de Malta -Tambm conhecida como Ordem de So Joo deJerusalm, porque teve sua origem nessa cidade, em um hospital para peregrinos cristos e pobres. Aps a 1. Cruzada foi formada uma Ordem Religiosa. Em 1119 o Papa aprovou aOrdem e lhe deu aspecto militar. Em 1523, quando dominava na Ilha de Rodes, de l foiexpulsa e recebeu de Carlos V as Ilhas de Malta, Goza e Comino. A sede atual Roma;dedica-se a fins filantrpicos, mantendo relaes diplomticas junto a diversos Estados; seuGro-Mestre tem gozado de imunidade de jurisdio (15)

    * 15. "A Ordem de Malta nada tem que se assemelhe a um Estado e a nenhum ttuloostenta, anlise objetiva, a personalidade jurdica de Direito das Gentes. Sua presena emcertas conferncias internacionais se d sob o estatuto de entidade observadora. A Ordemno parte em tratados multilaterais e o Estado que porventura haja com ela pactuado, bilateralmente, ter apenas exemplificado aquele arbtrio conceitual inerente soberania"(Rezek, ob. cit., p. 54).

    f) Cruz Vermelha Internacional - Proveio de uma idia de Henri Durant, que publicou, em 1862, "Un Souvenir de Solfrino", que ficou impressionado com a falta deassistncia aos feridos nos campos de batalha, principalmente da guerra havida entre aFrana e a ustria em 1859. Juntamente com Gustave Moynier, leitor da obra, que seconvenceu das idias de Durant, nasce o Comit Internacional e Permanente de Socorro doFeridos Militares.

    Em 1928 foram elaborados os seus estatutos. Tem sede em Genebra. Seu oramento formado com dotao do governo suo, doaes de Estados (a maior parte dos EUA) econtribuies das sociedades nacionais. Sua bandeira uma cruz vermelha em fundo

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    branco, o inverso da bandeira da Sua, sendo uma homenagem a esta, permanentementeneutra. Tem Assemblia, Conselho Executivo e Diretoria.

    Pg. 46

    g) Sociedades Comerciais - Consideradas aquelas que esto dentro de certosorganismos europeus, como o caso das empresas de ao e carvo dentro do CECA. Asempresas multinacionais ou transnacionais, que, por causa disso, atuam em espao diversodas ordens internas e devem ser consideradas pelo Direito Internacional, visto que, devidoao seu poderio econmico, acabam por influenciar a poltica dos Estados e at chegam aameaar a soberania de alguns. A ONU elabora um cdigo de conduta para tais empresas.

    h) ONGs Organizaes No-Governamentais Esse termo surgiu ao final da IIGrande Guerra e foi consagrado pelo art. 71 da Carta das Naes Unidas: O ConselhoEconmico e Social poder entrar em entendimentos convenientes para a consulta comorganizaes no governamentais que se ocupam de assuntos no mbito de sua prpriacompetncia. Tais entendimentos podero ser feitos com organizaes internacionais e,quando for o caso, com organizaes nacionais, depois de efetuadas consultas com omembro das Naes Unidas interessado no caso.

    Ganharam as ONGs statusconsultivo em diversos organismos, so observadorasdas reunies realizadas, mantendo relacionamento com as prprias Naes Unidas e demaiorganizaes espalhadas pelo mundo, com efetiva atuao nos assuntos internacionais nasquestes s mulheres, s minorias, ao meio ambiente, s populaes indgenas, aos direitoshumanos, assistncia humanitria, etc.

    Como exemplos de ONGs temos o Comit Internacional da Cruz Vermelha,Greenpeace, Federao Mundial dos Sindicatos, Friends of the Earth, a International LawAssociation, entre outras.

    Nem todos os internacionalistas admitem-nas como sujeitos na rea internacional,ante o escopo de lucro que buscam, porm entendemos que, exatamente por isso e para queno se tornem uma fora oculta, no pode a ordem internacional ignor-las. Assim como oHomem no tem capacidade plena para postular e participar dos eventos internacionais,tambm no preciso dar a essas sociedades direitos iguais aos dos Estados. Todavia,fechar os olhos sua existncia, quando os Estados no as controlam, criar um monstrono reconhecido pelo Direito e que influencia profundamente Estados, organismosinternacionais e o Homem.

    6. Indivduos

    O desenvolvimento progressivo do estatuto internacional do particular comporta trsfases, como ensina Reuter: regras de Direito Internacional que definam os direitos eobrigaes dos particulares, sanes de Direito Interno com reclamao interestadual e oacesso do indivduo ao Direito Internacional.

    Todas essas fases tm sido ultrapassadas, pois temos algumas regras internacionaisque atingem o indivduo, como sobre a pirataria, Estatuto do Estrangeiro, regime docomrcio internacional, direitos dos particulares contra o seu prprio Estado, proteo dasminorias nacionais (curdos, palestinos). Quanto s naes, se a vtima no um estrangeiroo Estado de que ele dependa dispe de reclamao diplomtica; se a vtima no um

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    estrangeiro, os governos podem apresentar reclamao junto ao Estado culpado, o que temsido feito.

    Mais difcil tem sido o acesso do particular aos tribunais e organismosinternacionais; no entanto, j tem ocorrido, como a participao na OIT pelos delegadossindicais ou a possibilidade de reclamao junto ao BIRD ou, ainda, de petio junto ao

    Conselho de Tutela (art. 87-B da Carta das Naes Unidas).Pg. 47

    O Tratado de Roma, em seu art. 173, 2., estabeleceu que "toda pessoa fsica ou jurdica pode interpor (...) um recurso contra decises que a ela se refiram e contra decisesque, embora adotadas sob a aparncia de um regulamento ou de uma deciso dirigida aoutra pessoa, lhe digam respeito, direta ou individualmente".

    Guido Soares lembra-nos o procedimento criado pela Conveno Europia para aProteo dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em4.11.50, que "assegura a qualquer pessoa, inclusive aptridas, o direito de acionar osmecanismos criados por aquele ato interestadual, alando, assim, pessoas fsicas ou jurdicas mesma posio institucional que os Estados. A tais efeitos, criaram (...) aComisso Europia dos Direitos Humanos (tantos membros quantos forem os Estadossignatrios da Conveno). Em seu art. 25, a Conveno dispe que, no caso de terem osEstados signatrios aceitado a competncia da Comisso para receber reclamaes deindivduos (e 11 dos 18 membros do Conselho da Europa assim o aceitarem), qualquer pessoa, organizao governamental ou grupos de indivduos podero dirigir peties Comisso Europia dos Direitos Humanos, no caso de se sentirem lesados por violaes daConveno Europia, por parte de um Estado Contratante (17).

    * 17. "rgos das Solues Extrajudicirias de Litgios", pp. 41 e 42.

    Temos, assim, fatos concretos sobre o Homem como personalidade de DireitoInternacional, embora sem a mesma amplitude de ao dos Estados e dos organismosinternacionais.

    Albuquerque Mello d-nos o fundamento terico: "Na verdade, podemos concluir que existem duas razes para o Homem ser considerado pessoa internacional: a) a prpriadignidade humana, que leva a ordem jurdica internacional, como veremos, a lhereconhecer direitos fundamentais e procurar proteg-los; b) a prpria noo de Direito, obrado Homem para o Homem. Em conseqncia, a ordem jurdica internacional vai-se preocupando cada vez mais com os direitos do Homem, que so quase verdadeiros 'direitosnaturais concretos' ".

    A Carta da OEA colocou como um dos seus princpios os direitos do Homem, prevendo a criao de rgos de proteo.

    H uma Carta Africana de Direitos do Homem e dos Povos, de Nairobi, de 1981,adotada pela OUA.

    Pg. 48

    No Tribunal Militar Internacional de Nuremberg o Homem compareceu comoacusado de crime de guerra. O Homem foi tido como parte nos tribunais arbitrais mistos

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    institudos aps a I Guerra Mundial e na Corte de Justia Centro-Americana, que vigorouat maro de 1918. Igualmente tem acontecido em outros tribunais internacionais.

    Em 1993 foi criado um tribunal em Haia - Holanda para julgar os culpados pelalimpeza tnica na ex-Iugoslvia. Em 1994 em Arusha, na Tanznia foi criado um tribunal para punir responsveis pelo genocdio de mais de um milho de pessoas em Ruanda. Em

    1998 120 pases aprovam o projeto de criao de um Tribunal Penal InternacionalPermanente, com sede em Haia, com previso de funcionamento para quatro ou nove anos.H, ainda, um debate intenso em torno desse projeto envolvendo pases defensores da idia para punir criminosos internacionais e desestimular ditadores (Pinochet, Chile) e outros queno abrem mo da soberania.

    Completamos, dessa forma, os sujeitos de Direito Internacional, apenas procurandodar uma viso bsica sobre aqueles que se movimentam na sociedade internacional.

    QUADRO SINTICO

    PESSOAS INTERNACIONAIS

    - Conceito: entes destinatrios das normas jurdicas internacionais- Caracterstica essencial: todas as pessoas tm a chamada "subjetividade

    internacional"- Subjetividade internacional: faculdade de exercer direitos e obrigaes

    - Classificao:Estadosorganismos internacionaisoutras coletividadesindivduos

    - Estado:territrio:domnio terrestredomnio lacustredomnio areodomnio martimo

    populao:nacionais e estrangeiros

    poder:organizao fundamental/soberania

    - Tipos de Estado:simples: por coordenaocomposto: por subordinao

    Pg. 49

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    - Organismos internacionais:gerais: ONUespecficos: OTAN

    - Outras Coletividades:

    Santa S beligerantesinsurretosterritrios sob tutelaSoberana Ordem de MaltaCruz Vermelha InternacionalSociedades Comerciais

    - Indivduos: dignidade:humanaDireito, obra do homem

    CAPTULO III

    TRATADOS

    1. Conceito. 2. Elementos. 3. Terminologia. 4. Classificao. Tratados em espcie.5. Procedimento para o texto convencional. 5.1. Noes. 5.2. Representao - Habilitaodos agentes - Carta de Plenos Poderes. 5.3. Adeso. 5.4. Assinatura. 5.5. Ratificao. 5.6.Reservas. 5.7. Durao do tratado. 5.8. Vcios do consentimento. 5.9. Objeto lcito e possvel. 6. Estrutura do tratado. 7. Entrada em vigor. Execuo. Clusula da nao maisfavorecida. Extino.

    1. Conceito

    Tratado o acordo formal concludo entre os sujeitos de Direito InternacionalPblico destinado a produzir efeitos jurdicos na rbita internacional.

    a manifestao de vontades de tais entes. Um ato jurdico formal que envolve pelomenos duas vontades.

    Antigamente, somente o Estado soberano tinha capacidade de promover tratadoscom os seus co-irmos. Aos poucos, tal caracterstica foi sendo desvinculada da exclusivafigura do Estado, para abranger as entidades internacionais (1), porm sem fazer concesseao indivduo, que no tem essa capacidade, ou mesmo s empresas pblicas e privadas,ainda que multinacionais (2).

    * 1. "As organizaes internacionais so dotadas de personalidade jurdica deDireito Internacional, o que as torna, ao lado dos Estados, os atores por excelncia da cenainternacional (Celso Ribeiro Bastos, "Curso de Teoria do Estado e Cincia Poltica", p.155).

    2. "O caso da Anglo-Iranian Oil Company (CIJ, 1951-1952) disse respeito concesso petrolfera renovada, em 1932, por acordo entre o Governo do Ir e aquelacompanhia britnica ... Em 1951, o Reino Unido outorga sua proteo diplomtica

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    empresa e, endossando os reclamos desta, aciona o Ir perante a Corte Internacional deJustia... O tribunal deixou claro que o acordo de 1932 era, sob o ponto de vista iraniano, ..um contrato de concesso, feito com uma companhia, e no um tratado internacional feitocom outro Estado" (Jos Francisco Rezek, "Direito dos Tratados", p. 27).

    Pg. 512. Elementos

    Dos conceitos acima descritos, observa-se que os tratados so efetuados atravs deacordos, isto , ato jurdico exarado de cada um dos interessados, formando um atocomplexo. No prescindem de forma escrita, conforme a Conveno de Havana de 1928 e de Viena de 1969 (3), muito embora admita Grandino Rodas o tratado oral: "Aexteriorizao de vontades concordantes, mais comumente atravs de forma escrita, mastambm atravs da oral ou comportamento passivo, manifesta o objeto e a finalidade dotratado" (4). Sob certo aspecto - mormente dada a impreciso dos vocbulos utilizados - hque se dar razo ao eminente doutrinador, uma vez que a Conveno de Viena menciona aexistncia de acordos no escritos, ainda que no amparados pela Conveno dos Tratados.

    * 3. "Parte I, Introduo, Art. 1. mbito da presente Conveno: A presenteConveno aplica-se a tratados entre Estados. Art. 2. Expresses empregadas: 1. Para osfins da presente Conveno: a) "tratado" significa um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumentonico, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominao particular" (Conveno de Viena).

    4. "Tratados Internacionais", p. 11.

    Entretanto, dada a notria dificuldade de execuo de eventuais acordos orais,entendemos que a regra expressa no art. 3. convencional prestigia a relao, lato sensu,internacional, ainda que no escrita, para afirmar o prprio Direito Internacional comoregra e princpio protetor.

    Nota-se, inclusive, que a Conveno em referncia no se aplica aos acordos entreEstados e outros sujeitos de Direito Internacional ou entre estes.

    Os tratados, por fim, so concludos pelos Estados e, de conformidade com a prpria Conveno, a contrario sensu de seu art. 3., pelos demais entes de DireitoInternacional (exceo dos particulares), embora no abrangidos pela codificao especficrepresentada na Conveno de Viena.

    3. Terminologia

    Tratado o nome que se consagra na literatura jurdica. Porm, outros so usados,sem qualquer rigor cientfico; como: conveno, capitulao, carta, pacto, modus vivendi,ato, estatuto, declarao, protocolo, acordo, ajuste, compromisso, convnio; memorando,regulamento, concordata etc.

    Pg. 52

  • 8/7/2019 Carlos Roberto Husek - Direito Internacional Pblico

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    A verdade que a variedade de nomes no guarda relao com o teor substancial dotratado, visto que pode ele referir-se a uma gama imensa de assuntos.

    Algumas tentativas tm sido feitas no sentido de vincular os termos ao tipo detratado, sem xito. Contudo, a prtica, muitas vezes, leva-nos a fixar nomes mais aplicveisem um ou em outro caso. Alguns exemplos sobressaem: a) compromisso arbitral, que o

    tratado em que os Estados submetem arbitragem certo litgio em que so partes; b) acordode sede, que significa um tratado bilateral em que uma das partes organizaointernacional e a outra um Estado, feito para a instalao fsica daquela no territrio deste;c) carta, normalmente reservado para os tratados institucionais, como a Carta da ONU, aCarta da OIT, a Carta da OEA etc.; d) concordata, nome normalmente reservado ao tratado bilateral em que uma das partes a Santa S, tendo por objeto as relaes entre a IgrejaCatlica local e um Estado.

    Como se observa, no h qualquer lgica: apenas a prtica e a adaptao do nomemiuris noo de compromisso de teor cientfico.

    4. Classificao. Tratados em espcie

    O critrio para a classificao mais utilitrio do que de regime jurdico claro ediferenciador. No entanto, nessa matria de Direito Internacional, como em outras, adoutrina vai aos poucos se fixando e justificando determinadas classificaes,influenciando e sendo influenciada pelos fatos, tornando, assim, o entendimento menosvariado.

    Alis, a necessidade de se classificar os fenmenos do mundo vital para acompreenso do ser humano. A inteligncia, o mais das vezes, somente consegue absorver os fatos e proporcionar solues, quando este o desafio, repartindo-os, di