carlos henrique lopes rodrigues -...

275
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA CARLOS HENRIQUE LOPES RODRIGUES Imperialismo e Empresa Estatal no Capitalismo Dependente Brasileiro (1956-1998) Campinas 2017

Upload: vuongtuyen

Post on 15-Dec-2018

222 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

CARLOS HENRIQUE LOPES RODRIGUES

Imperialismo e Empresa Estatal no Capitalismo

Dependente Brasileiro (1956-1998)

Campinas 2017

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

CARLOS HENRIQUE LOPES RODRIGUES

Imperialismo e Empresa Estatal no Capitalismo

Dependente Brasileiro (1956-1998)

Prof. Dr. Fabio Antonio de Campos – orientador

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: História Econômica.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO CARLOS HENRIQUE LOPES RODRIGUES E ORIENTADO PELO PROF. DR. FABIO ANTONIO DE CAMPOS.

Campinas Fevereiro de 2017

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

CARLOS HENRIQUE LOPES RODRIGUES

Imperialismo e Empresa Estatal no Capitalismo

Dependente Brasileiro (1956-1998)

Defendida em 23/02/2017

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da

Comissão Examinadora, consta no processo de

vida acadêmica do aluno.

Agradecimentos

A conclusão de uma tese de doutorado em uma Universidade Pública que presa pela

qualidade não é tarefa fácil. Contudo, é imprescindível para quem busca compreender a

realidade na tentativa de transformá-la para que se consiga trilhar o caminho da emancipação

humana, ainda mais quando a realidade nos mostra o avanço da barbárie.

Apesar do trabalho de elaboração de uma tese ser solitário, tanto na leitura dos livros,

textos, artigos, documentos etc. e, principalmente na fase da escrita, o convívio e as condições

objetivas para esse percurso são indispensáveis.

Nesse sentido, gostaria de agradecer a UFVJM por ter concedido afastamento de

minhas atividades na Universidade no período da tese e também por ter disponibilizado um

professor substituto, de modo a não sobrecarregar, pelo menos no que diz respeito às aulas,

meus colegas do Departamento de Ciências Econômicas, aos quais agradeço pelo apoio que

recebi para a realização desta tese.

Agradeço principalmente a meus familiares que compreenderam esse período de

ausência e que me apoiaram incondicionalmente, tanto para que eu conseguisse realizar esse

trabalho, quanto também em todos os momentos da minha vida. Faço um agradecimento

especial a minha mãe: Neide Lopes Rodrigues. Aos meus irmãos: Paulo César Rodrigues,

Gilberto César Lopes Rodrigues, Mary Lídia Lopes Rodrigues e Meiry Blanco Baldini

Rodrigues. Aos meus sobrinhos: Mário Baldini Neto, João Paulo Baldini Rodrigues, Luís

Paulo Baldini Rodrigues e a Maia Vieira Lopes Rodrigues.

Também agradeço a Judith Vieira, aos meus tios Benê e Mada e meus primos

Fabiana, Emiliano e Carol.

Sou grato aos servidores da secretaria de pós-graduação do Instituto de Economia:

Marinete, Andréa, Ricardo e Fátima, que sempre se mostraram muito solícitos para resolver

quaisquer problemas burocráticos. Agradeço também à servidora Bel, cujo café ajudou nos

desafios das leituras e da escrita, e ao Benê, do xerox do IFCH.

Faço um agradecimento também aos servidores da Biblioteca, cuja dedicação e

empenho foram importantes nesses quatro anos de convivência praticamente diária:

Lourdinha, Clayton, Alexandra, Kelly e Mirian.

Agradeço aos colegas que fiz nesses quatro anos no Instituto de Economia da

Unicamp e cuja convivência e conversa diminuíram as angústias da tese: Victor Young,

Gustavo Zullo, Evandro Santinho, Maurício Espósito, Fábio Pádua, Henrique Braga, Ulisses

Rúbio, Lucas Andrietta, Leonardo Nunes, Franco Villalta, Jaime Leon, Flávia Silva, Juliano

Goulart, Artur Cardoso, Daniel Cardoso, Marcos Haddad, Leandro Pereira, Lima Júnior,

Robinho Gabioneta e Vinícius Figueiredo.

Sou grato também aos diálogos realizados com os professores: Paulo Lima, Carlos

Cordovano, Fernando Macedo, Bruno de Conti, Carol Baltar, Alice Peres, Eduardo Mariutti,

Evaldo Piolli e Lalo Minto.

Agradeço ao professor Plinio de Arruda Sampaio Jr. as disciplinas e as conversas que

tive o prazer de desfrutar nesses anos, além de sua grande contribuição na banca de

qualificação e de defesa da tese. Sou grato à professora Lígia Osório que me orientou no

mestrado, contribuindo muito para minha formação, além da sua colaboração na banca de

defesa desta tese. Agradeço ao Paulo Kliass a participação na banca de defesa, sua arguição e

seu trabalho pioneiro sobre a SEST. Faço também um agradecimento ao professor Adilson

Marques Gennari, meu amigo e orientador na graduação, que me estimulou na pesquisa

acadêmica e que esteve presente na banca de qualificação e defesa desta tese, fazendo parte de

toda minha trajetória acadêmica.

Gostaria de agradecer aos professores Anderson Deo, Bruno de Conti e Alexandre

Saes por aceitarem prontamente o convite para membros suplentes da banca de defesa da tese.

Faço um agradecimento ao meu orientador Fábio Campos, meu amigo de duas

décadas, por ter aceitado o desafio de orientar essa tese e ter realizado uma orientação

dedicada com leituras detidas e contribuindo para o seu resultado.

Agradeço aos amigos de longa data e que tiveram um papel importante para que esta

tese se concretizasse: Márcio Lupatini, Ellen Tristão, Thiago Mandarino, Fernando Leitão,

Anderson Deo, Mauricio Sabadini e Rangel Nascimento.

Por fim, gostaria de agradecer a Vanessa Follmann Jurgenfeld pelo companheirismo,

pelas discussões, leituras, sugestões e revisões da tese. Sem sua participação, com certeza, a

caminhada teria sido muito mais árdua e o resultado, aquém do alcançado.

Resumo

Esta tese tem o objetivo de analisar como as pressões do imperialismo promoveram mudanças

na política econômica brasileira entre os governos Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique

Cardoso na forma de ação das empresas estatais de modo a acentuar a dependência externa.

Para tanto, foi estudado principalmente o enquadramento sofrido pelas empresas estatais a

partir da atuação da SEST, na década de 1980, período entendido nesta pesquisa como o

início do neoliberalismo no país, pela maneira como essas empresas foram instrumentalizadas

por meio da política macroeconômica para satisfazer os anseios do imperialismo. O Estado,

como pressuposto da acumulação de capital também na periferia, atuou de maneira

dependente e subordinada, de modo que as empresas estatais foram relevantes para viabilizar

o processo de criação e envio de excedente econômico para os países centrais, seja como

lucros, juros ou transferências de patrimônio por meio de privatizações.

Palavras-chave: imperialismo, dependência e empresas estatais.

Abstract:

This thesis aims to analyze how the pressures of the imperialism promoted changes in

Brazilian economic policy between the Juscelino Kubitschek and Fernando Henrique Cardoso

government in the form of state companies‟ actions to accentuate external dependency. In

order to do so, this thesis mainly studied the framework undergone by the state companies due

to the operation of SEST, during the 1980‟s, a period understood in this research as the

beginning of neoliberalism in the country, because of the form those companies were

instrumentally transformed through macroeconomic policy to satisfy all the requirements of

the imperialism. The State, as a precursor of the accumulation of capital also in the periphery,

acted as dependent and subordinated, in such a way that the state companies were relevant to

make the process of creation and sending economic surplus to the central countries viable,

like profits, interests rates or assets transference during privatizations.

Keywords: imperialism; dependency; state companies.

Lista de Tabelas

Tabela 1 - Investimento no Exterior dos Principais Países Exportadores de Capital...........p. 26

Tabela 2 - Lucros e Capital Social........................................................................................p. 30

Tabela 3 - Remessas e Inversões...........................................................................................p. 57

Tabela 4 - Despesas da União Segundo os Setores...............................................................p. 70

Tabela 5 - Rentabilidade das 100 Maiores Empresas Brasileiras.........................................p. 73

Tabela 6 - Criação das Empresas Estatais.............................................................................p. 75

Tabela 7 - Países Receptores dos Investimentos Diretos Mundiais......................................p. 86

Tabela 8 - Créditos Concedidos no Euromercado: Participação do Brasil como

Tomador..............................................................................................................................p. 102

Tabela 9 - Serviços da Dívida, Empréstimos e Financiamentos.........................................p. 104

Tabela 10 - Empréstimos em moeda (Lei 4.131): Captações brutas anuais realizadas pelo setor

público, segundo principais setores de atividade (1972-1981)...........................................p. 106

Tabela 11 - Empréstimos em Moeda Estrutura dos Fluxos Brutos Anuais, segundo

modalidades de captação (1972-1981)................................................................................p. 109

Tabela 12 - Dívida Mobiliária Interna Federal (1980-1985)..............................................p. 112

Tabela 13 - Juros Líquidos Pagos: Brasil (1970-1985).......................................................p. 128

Tabela 14 - Evolução da Dívida Externa Bruta: Brasil (1970-1985)..................................p. 129

Tabela 15 - Exportações Brasileiras de Produtos Industrializados (FOB): 1980-1985......p. 131

Tabela 16 - Transferência Líquida de Capital Realizada pelo Brasil..................................p. 134

Tabela 17 - Dispêndios Globais SEST: 1980-1985............................................................p. 135

Tabela 18 - Dispêndios Globais SEST & PIB (1980-1985)...............................................p. 136

Tabela 19 - Dispêndios Globais - Importações Diretas (exclusive petróleo) & Importações

Brasil (exclusive petróleo e trigo) (1980-1985)..................................................................p. 136

Tabela 20 - Orçamento SEST - Recursos Externos (1980-1985).......................................p. 137

Tabela 21 - SEST - Encargos Financeiros & Receita Operacional (1980-1985)................p. 138

Tabela 22 - Evolução e Serviço da Dívida Externa das Estatais.........................................p. 138

Tabela 23 - Evolução de Preços e Tarifas Públicas............................................................p. 142

Tabela 24 - SEST - Investimentos (SPE) (1980-1985).......................................................p. 143

Tabela 25 - Formação Bruta de Capital Fixo (1980-1985).................................................p. 143

Tabela 26 - Formação Bruta de Capital Fixo/PIB (1980-1985)..........................................p. 144

Tabela 27 - As Maiores Empresas Estatais (1983).............................................................p. 145

Tabela 28 - Encargos Financeiros (1980-1983)..................................................................p. 146

Tabela 29 - Relação entre Despesa com Pessoal & Encargos e a Receita Operacional (1980-

1983)...................................................................................................................................p. 148

Tabela 30 - Relação entre Despesa com Encargos Financeiros e a Receita Operacional (1980-

1983)...................................................................................................................................p. 149

Tabela 31 - Índices de Recursos Reais do Tesouro (1980-1983)........................................p. 150

Tabela 32 - Operações de Crédito.......................................................................................p. 151

Tabela 33 - Índices de Investimento Real...........................................................................p. 152

Tabela 34 - Encargos Financeiros.......................................................................................p. 154

Tabela 35 - Privatizações em 1981.....................................................................................p. 177

Tabela 36 - Privatizações em 1982.....................................................................................p. 177

Tabela 37 - Privatizações em 1983.....................................................................................p. 178

Tabela 38 - Privatizações em 1984.....................................................................................p. 179

Tabela 39 - Privatizações em 1987.....................................................................................p. 182

Tabela 40 - Privatizações em 1988.....................................................................................p. 183

Tabela 41 - Privatizações em 1989.....................................................................................p. 184

Tabela 42 - Privatizações em 1991.....................................................................................p. 190

Tabela 43 - Privatizações em 1992.....................................................................................p. 195

Tabela 44 - Privatizações em 1993.....................................................................................p. 205

Tabela 45 - Privatizações em 1994.....................................................................................p. 211

Tabela 46 - Privatizações em 1995.....................................................................................p. 221

Tabela 47 - Privatizações em 1996.....................................................................................p. 228

Tabela 48 - Privatizações em 1997.....................................................................................p. 236

Tabela 49 - Privatizações em 1998.....................................................................................p. 241

Tabela 50 - Lucratividade do sistema Telebrás em 197......................................................p. 245

Lista de Gráficos

Gráfico 1 - Serviços e Rendas - Brasil: 1975-1985............................................................p. 129

Gráfico 2 - Balança Comercial - FOB - Brasil: 1975-1985................................................p. 130

Gráfico 3 - Exportações - FOB - Brasil: 1975-1985...........................................................p. 132

Gráfico 4 - Importações - FOB - Brasil: 1975-1985...........................................................p. 133

Gráfico 5 - Importações de Bens de Capital - FOB - Brasil: 1975-1985............................p. 133

Gráfico 6 - Transações Correntes - Brasil: 1970-1985.......................................................p. 134

Gráfico 7 - Evolução de Preços - Petrobrás........................................................................p. 139

Gráfico 8 - Evolução de Preços - Sistema Siderbrás...........................................................p. 140

Gráfico 9 - Evolução de Preços - Grupo Telebrás..............................................................p. 141

Gráfico 10 - Evolução de Preços - Grupo Eletrobrás..........................................................p. 141

Gráfico 11 - Evolução de Preços - Grupo CVRD...............................................................p. 142

Gráfico 12 - Composição acionária da Usiminas após privatização...................................p. 191

Gráfico 13 - Composição Acionária da Copesul Após a Privatização................................p. 196

Gráfico 14 - Composição acionária da Acesita Após a Privatização..................................p. 198

Gráfico 15 - Composição acionária da CST após privatização...........................................p. 199

Gráfico 16 - Composição Acionária da CSN Após a Privatização.....................................p. 206

Gráfico 17 - Composição Acionária da Petroquímica União Após a Privatização.............p. 211

Gráfico 18 - Composição Acionária da Embraer Após a Privatização...............................p. 213

Gráfico 19 - Composição Acionária da Escelsa Após a Privatização.................................p. 222

Gráfico 20 - Composição Acionária da Copene Após a Privatização................................p. 224

Gráfico 21 - Composição Acionária da Light Após a Privatização....................................p. 229

Gráfico 22 - Composição Acionária da CVRD Após a Privatização..................................p. 237

Lista de Quadros

Quadro 1 - Compradores da RFFSA em 1996....................................................................p. 232

Quadro 2 - Síntese das Privatizações..................................................................................p. 250

Lista de Abreviaturas

ADR – American Depositary Receipt

ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica

BACEN – Banco Central

BB – Banco do Brasil

BC – Banco Central

BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BNDESPar – BNDES Participações

BNH – Banco Nacional de Habitação

CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica

CDE – Conselho de Desenvolvimento Econômico

CIP – Conselho Interministerial de Privatização

CMBEU – Comissão Mista Brasil-Estados Unidos

CND – Conselho Nacional de Desestatização

EUA – Estados Unidos

EM – Exposição de Motivo

ESG – Escola Superior de Guerra

FBCF – Formação Bruta de Capital Fixo

FED – Federal Reserve

FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FMI – Fundo Monetário Internacional

FSE – Fundo Social de Emergência

GATT – Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio

GE – Grupos Executivos

GEIA – Grupo Executivo da Indústria Automobilística

JK – Juscelino Kubitschek

IDE – Investimento Direto Estrangeiro

IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática

IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais

LTN – Letras do Tesouro Nacional

NFSP – Necessidade de Financiamento do Setor Público

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

ORTN – Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional

PAEG – Plano de Ação Econômica do Governo

PIB – Produto Interno Bruto

PM – Plano de Metas

PND – Plano Nacional de Desenvolvimento

PND – Plano Nacional de Desestatização

SEPLAN – Secretaria de Planejamento Econômico

SEST – Secretaria de Controle das Empresas Estatais

SMI – Sistema Monetário Internacional

SPE – Setor Produtivo Estatal

Sumário

Introdução ............................................................................................................................... 16

Capítulo 1 – Imperialismo, Estado e Industrialização (1956-1973) ................................... 19

1. Introdução ............................................................................................................................. 19

2. Especificidade do Imperialismo no Imediato pós-Segunda Guerra Mundial ....................... 19

2.1. Expansão Imperialista no Centro do Capitalismo ...................................................................... 25

2.1.1. Desdobramentos sobre os Países Subdesenvolvidos ........................................................... 29

3. Burguesias Brasileiras e Subordinação às Empresas Multinacionais ................................... 31

4. Empresa Estatal como Apoio Interno para Valorização do Capital Internacional ............... 38

4.1. Desenvolvimento das Empresas Estatais ................................................................................... 43

4.2. Os Interesses dos IDEs Acima dos Interesses da Nação ............................................................ 47

4.2.1. A Impossibilidade de Controle sobre o Capital Internacional ............................................. 53

4.3. O Golpe de 1964, a Conexão da Economia Brasileira ao Mercado Financeiro Internacional e as

Reformas do PAEG ........................................................................................................................... 59

4.4. Empresas Estatais como Instrumento de Dominação Imperialista no Limiar da Ditadura ........ 72

4.5. “Milagre Econômico”: Expansão do Investimento das Estatais e Subsídio à Oferta de Bens e

Serviços às Empresas Multinacionais ............................................................................................... 77

5. Conclusão ............................................................................................................................. 81

Capítulo 2 – Mutações do Imperialismo e o Ajuste Estatal à Financeirização (1974-1985)

.................................................................................................................................................. 83

1. Introdução ............................................................................................................................. 83

2. Imperialismo e Financeirização: Transformações do Espaço Nacional de Acumulação ..... 83

3. As Propostas do II PND e o Papel das Empresas Estatais ................................................... 91

3.1. Financiamento do II PND e Crise da Dívida Externa ................................................................ 99

3.1.1. Estatização da Dívida Externa ........................................................................................... 105

4. A SEST e o Ajuste sobre as Empresas Estatais .................................................................. 114

4.1. NFSP: Método para Validar o Ajuste Fiscal ............................................................................ 118

4.2. A Estratégia da SEST para o Desmonte do SPE ...................................................................... 119

4.2.1. Contexto Econômico dos Ajustes da SEST ...................................................................... 125

4.2.2. O Ajuste da SEST ............................................................................................................. 135

4.2.3. Outra Metodologia para a Análise do SPE ........................................................................ 144

4.3. Análise dos Orçamentos e dos Relatórios da SEST: de 1982 a 1986 ...................................... 153

5. Conclusão ........................................................................................................................... 160

Capítulo 3 – Internacionalização Financeira, Neoliberalismo e Desestatização da

Economia Brasileira (1986-1998) ........................................................................................ 162

1. Introdução ........................................................................................................................... 162

2. Imperialismo no Contexto da Internacionalização Financeira ........................................... 163

3. O Aprofundamento do Neoliberalismo no Brasil ............................................................... 169

3.1. As Mudanças dos Marcos Legais e dos Processos de Privatização ......................................... 175

3.1.1. Governo Militar de João Figueiredo: Primeiras Medidas Privatizantes ............................ 175

3.1.2. Governo Sarney: Fortalecimento Institucional das Privatizações ..................................... 179

3.1.3. Governo Collor: Adesão ao “Consenso de Washington” e as Privatizações do SPE ........ 185

3.1.4. Governo Itamar: Continuidade do Processo de Privatização ............................................ 203

3.1.5. Governo FHC: Acirramento das Privatizações no Brasil .................................................. 218

4. Conclusão ........................................................................................................................... 250

Considerações Finais ............................................................................................................ 253

Referências Bibliográficas ................................................................................................... 257

16

Introdução

A dependência externa na periferia somente pode ser apreendida a partir de seus

nexos com o imperialismo. O posicionamento das burguesias brasileiras1 no comando do

Estado entre 1956 e 1998 mostra que a economia brasileira respondeu a cada fase de

transformação do capitalismo com mudanças na sua política econômica e com ajustes sobre as

empresas estatais sempre voltados a atender a lógica de acumulação dos Investimentos

Diretos Estrangeiros (IDEs).

A compreensão do uso que as burguesias brasileiras fizeram do Estado neste período

histórico como forma de atender as demandas do imperialismo possibilita uma contraposição

a interpretações “correntes”, que entenderam que, com a industrialização pesada, o Estado

brasileiro poderia articular os interesses nacionais, sobrepô-los aos do capital internacional e

isso levar ao desenvolvimento econômico nacional.

Esta tese insere-se num esforço de crítica que se baseia no reexame da economia

brasileira, a partir dos seus determinantes externos e internos. A pesquisa tem como objetivo

geral analisar como as pressões do imperialismo promoveram mudanças na política

econômica brasileira entre os governos Juscelino Kubitschek (JK) e Fernando Henrique

Cardoso (FHC) na forma de ação das empresas estatais de modo a acentuar a dependência

externa.

O imperialismo, principal determinante externo que serve de base para este estudo,

deve ser entendido como a fase superior do capitalismo2, na qual a transformação da

concorrência em monopólio é um dos fenômenos mais importantes do capitalismo moderno

(LÊNIN, 1985). A elevada concentração e centralização de capitais, já a partir da transição do

século XIX para o XX, que levou ao aumento da escala de produção, à expansão dos

1 Florestan Fernandes utilizou muitas vezes o termo burguesias brasileiras, no plural, porque ele as identificou

como bastante heterogêneas em seus interesses. Há um padrão compósito de hegemonia burguesa que dá

unidade a essas burguesias, funcionando como uma colcha de retalhos, ou unidade de diferentes. O que divide

essas burguesias na luta política é a polarização entre polo modernizador e polo conservador, o ritmo e a

intensidade das mudanças, e não sua direção. O que as unifica é a superexploração do trabalho, as restrições à

emergência do povo no cenário político e a associação dependente com o capital internacional. 2 “Movido pela exigência de compreender a situação gerada pelas crescentes rivalidades entre as potências

capitalistas, que empurravam o mundo para uma guerra generalizada, e pela urgência de encontrar uma resposta

teórica e prática para o fortalecimento das tendências oportunistas no interior da social-democracia, a partir de

1912, Lênin voltou sua atenção para o estudo do imperialismo. A importância crucial que ele dava ao

entendimento do imperialismo pode ser aquilatada nas suas próprias palavras: „O problema do imperialismo‟ –

escreve em 1915 – „não é somente um dos elementos essenciais na esfera da ciência econômica que estuda a

mudança de forma do capitalismo nos tempos modernos. Conhecer os fatos relacionados a esta esfera [...] é

absolutamente indispensável para quem se interessa, não só pela economia, mas por qualquer aspecto da vida

social contemporânea‟” (SAMPAIO JR., 2011, p. 31). Este trabalho não se propõe a discutir o imperialismo

clássico, uma vez que este tema por si só representaria uma nova tese, mas sim a influência do imperialismo no

Brasil, sobretudo, a partir da industrialização pesada.

17

mercados consumidores e a um maior controle das fontes de matérias-primas por um número

restrito de capitalistas, é uma das suas principais características.

Com a necessidade cada vez maior de expandir suas fronteiras, a exportação de

capitais tornou-se, sobretudo, ao longo do século XX a maneira de este capital monopolista

resolver seu problema de sobreacumulação nos países desenvolvidos. A exportação de

capitais significava levar o estilo de vida do centro para a periferia do capitalismo, definindo a

forma pela qual se desenvolveriam as forças produtivas e o padrão de consumo das economias

periféricas.

No pós-Segunda Guerra Mundial, período em que esta pesquisa centra seus esforços,

a especificidade do imperialismo diz respeito à supremacia de uma grande potência

imperialista, os Estados Unidos. A expansão dos IDEs, principal estratégia imperialista, é a

mais expressiva marca da exportação de capitais, tendo resultado na instalação das empresas

multinacionais em países periféricos como o Brasil.

Por meio de uma periodização que aborda três fases distintas do uso das empresas

estatais, esta tese analisará, portanto, a forma de atuação do Estado brasileiro. Inicialmente,

será discutida a fase da internacionalização produtiva (1956-1973), em que há o

fortalecimento das empresas estatais. Em segundo lugar, a transição para a

internacionalização financeira (1974-1985), quando ocorre o enfraquecimento das mesmas.

Posteriormente, o período da internacionalização financeira (1986-1998), caracterizado pelo

processo de privatização de empresas e serviços estatais.

Para entender esse período, analisam-se diversas fontes primárias, como os relatórios

da Secretaria de Controle sobre as Empresas Estatais (SEST), de 1979 a 1985, e os do Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de 1990 a 1998, além de

jornais. O estudo dessas fontes ganha relevância quando alicerçado nas interpretações do

Brasil feitas por Florestan Fernandes, Caio Prado Jr. e Celso Furtado. Fernandes contribui

pela importância dada em sua obra às especificidades das burguesias brasileiras e seu caráter

autocrático, principalmente após a contrarrevolução burguesa no país. Além disso, Fernandes,

entre outros aspectos, é relevante por mostrar, ainda na fase da industrialização pesada, o

aumento da dependência externa e do desenvolvimento desigual que conformam a dupla

articulação. Prado Jr. ajuda com seus estudos sobre a relação entre a industrialização pesada, o

desequilíbrio estrutural do balanço de pagamentos e a reversão colonial. Já Furtado auxilia

por meio da sua contribuição sobre a transformação dos espaços nacionais de acumulação

diante da “deslocalização” produtiva das empresas transnacionais.

18

Parte-se da hipótese de que o enquadramento sofrido pelas empresas estatais a partir

da atuação da SEST marca o começo do neoliberalismo no país, pela maneira como essas

empresas foram instrumentalizadas por meio da política macroeconômica. Complementa-se

essa hipótese com a ideia de que o Estado é o pressuposto da acumulação de capital também

na periferia, onde este atua de maneira dependente e subordinada, de modo que as empresas

estatais ganham relevância para viabilizar o processo de criação e envio de excedente

econômico para os países centrais, seja como lucros, juros ou transferências de patrimônio por

meio de privatizações.

A partir desses pressupostos, a tese se divide em três capítulos. No primeiro, o

objetivo será analisar como, no período entre 1956 e 1973, se realizou a industrialização e se

acirrou, ao mesmo tempo, a dependência externa. Ademais, pretende-se mostrar como as

empresas estatais tiveram um papel central ao criar as condições necessárias para que as

empresas multinacionais se instalassem no país. O capítulo vai ainda discutir por que a

consolidação e o fortalecimento das empresas estatais nesse período se deram, em grande

medida, devido aos interesses de valorização dos IDEs no Brasil.

No segundo capítulo, será analisado como a crise estrutural do capital na transição

para os anos 1970 levou à internacionalização financeira. Também se discutirá a política

econômica do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), seu financiamento, a crise da

dívida externa brasileira diante da elevação da taxa de juros norte-americana e como o país

voltaria sua economia para o pagamento dos juros dessa dívida, orientando as empresas

estatais para este fim, a partir do seu alto endividamento e descapitalização. Parte-se da ideia

de que as empresas estatais sofreram no início da década de 1980 o ajuste neoliberal

promovido pela SEST.

No terceiro capítulo, discute-se como o aprofundamento do neoliberalismo no Brasil

entre o fim dos anos 1980 e início na década de 1990, com exigências pautadas no Consenso

de Washington, ampliou a desnacionalização, a financeirização e a dependência externa do

país. O processo de venda de empresas estatais foi importante nesse processo, tendo ocorrido

a partir do governo de José Sarney mudanças na legislação para este fim. Contudo, as maiores

privatizações ocorreram somente anos depois, nos governos de Fernando Collor de Mello,

Itamar Franco e FHC, principalmente.

Ao desenvolver um estudo crítico pretende-se com esta pesquisa contribuir para a

qualificação do debate sobre o papel das empresas estatais, sob comando das burguesias

brasileiras, para forcejar a acumulação de capital privada no espaço nacional.

19

Capítulo 1 – Imperialismo, Estado e Industrialização (1956-1973)

1. Introdução

Com base no processo de internacionalização produtiva movido pelo imperialismo

no Brasil, que originou a implantação da indústria pesada, o objetivo deste primeiro capítulo

será mostrar como entre 1956 e 1973 as empresas estatais tiveram um papel central. Ao criar

as condições necessárias para que as empresas multinacionais se instalassem e se

expandissem no país, o Estado brasileiro por meio de suas empresas permitiu uma situação

privilegiada para a valorização do capital internacional.

O capítulo está dividido da seguinte forma: i) Especificidade do imperialismo no

imediato pós-Segunda Guerra Mundial, seção em que será mostrada a necessidade de

expansão das empresas multinacionais para fora de seu espaço nacional de origem; ii)

Atuação das burguesias brasileiras nesta fase do imperialismo, parte em que serão analisadas

as reflexões de Florestan Fernandes sobre as características das burguesias brasileiras e como

elas promoveram as mudanças necessárias exigidas pelo o que ele denominou “imperialismo

total”, favorecidas pelo golpe civil-militar; e iii) Empresas estatais brasileiras na fase do

imperialismo total. Nessa seção haverá uma divisão em cinco partes, de modo a mostrar como

a expansão das empresas estatais e as reformas promovidas a partir do Estado autoritário no

Brasil propiciaram alterações financeiras e institucionais para subsidiar a acumulação das

empresas multinacionais.

2. Especificidade do Imperialismo no Imediato pós-Segunda Guerra Mundial

Após a Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos saíram do conflito bélico como a

maior potência mundial do ponto de vista tecnológico, militar, financeiro e cultural, além de

deter 75% das reservas mundiais de ouro. Essa situação vantajosa possibilitou aos norte-

americanos liderarem o processo de reorganização da economia mundial, ampliando sua

dominação imperialista sobre os países europeus e, principalmente sobre a América Latina,

através da exportação de seus IDEs por meio das filiais das empresas multinacionais, cujos

níveis de concentração e centralização de capitais se encontravam muito elevados e

necessitavam cada vez mais se expandir para fora de suas fronteiras nacionais para acelerar

sua rentabilidade.

Os países subdesenvolvidos tiveram um papel estratégico, uma vez que a

lucratividade das filiais instaladas nesses países era maior do que a das suas matrizes. No

20

entanto, a maneira como o imperialismo foi praticado no Brasil, sobretudo, a partir da

industrialização, diferenciava-se da forma como ele atuava na Europa e no Japão. Se nestes

últimos países a operação das multinacionais norte-americanas propiciava desenvolvimento e

fortalecimento do capitalismo em bases nacionais, nos países subdesenvolvidos a

industrialização se dava cada vez mais de forma dependente, acirrando suas contradições e

dificultando um desenvolvimento econômico que caminhasse no sentido de promover um

capitalismo autodeterminado e que rompesse com as estruturas heterogêneas dessa sociedade.

Florestan Fernandes (1975; 2005) identificou quatro fases de dominação externa

sobre a periferia, nas quais os países da América Latina, principalmente o Brasil, tiveram um

papel importante no processo de acumulação de capital nos países centrais. Essa constatação

mostrou por que, à medida que os padrões tecnológicos e organizacionais sofriam mudanças

nos países desenvolvidos, essas alterações refletiam diretamente nas economias dependentes e

satélites de modo a reorientar sua produção e a favorecer a extração do excedente econômico

em direção aos países centrais3.

A primeira fase foi caracterizada pelo sistema colonial (1500-1808), em que a

metrópole portuguesa detinha os privilégios sobre a colônia na aquisição de seus produtos

agrícolas e na venda de bens de consumo, em uma relação de exclusivo metropolitano, pela

qual a metrópole obtinha grandes saldos positivos em sua balança comercial4.

Com a crise final do antigo sistema colonial, houve um segundo tipo de dominação

externa, denominado neocolonialismo, representado pelo domínio britânico (1808-1860), que

manteve as estruturas já montadas de exportação de produtos primários, mesmo porque o

Brasil não tinha condições de produzir as mercadorias que importava. Neste sentido, pesava

também o fato de que a classe dominante local se beneficiava economicamente mantendo as

estruturas econômicas vigentes.

3 “O desenvolvimento do capitalismo avançado impõe contínuos reajustamentos no mercado mundial, dos quais

resultam a transformação e a reorientação das técnicas capitalistas de controle à distância das economias

nacionais dependentes. Essas alterações convergem todas para um mesmo ponto: converter os dinamismos de

crescimento da economia capitalista satélite em fonte de transferência para fora de seu próprio excedente

econômico” (FERNANDES, 1972, p. 55). 4 O pacto colonial, estabelecido pelas regras do antigo sistema colonial, resultava em uma situação de extremo

privilégio para a metrópole, na qual, por um lado, ela seria a única compradora dos produtos ofertados pela

colônia, caracterizando-se uma situação de monopsônio, de outro lado, a metrópole seria a única vendedora que

a colônia poderia adquirir suas mercadorias manufaturadas, estabelecendo-se um monopólio. Nessa relação de

exclusivo metropolitano, a metrópole conseguia um saldo significativo em sua balança comercial, por meio da

inequivalência das trocas, ou seja, comprar barato da colônia produtos primários que a metrópole não produzisse,

e vender caro produtos que a colônia necessitasse. Para mais informações, ver Novais (2006), p. 72 e segs. Nas

palavras de Prado Jr. (1997, p. 31, grifos do autor), “no seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a

colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa que a antiga feitoria,

mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em

proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical”.

21

A terceira etapa de dominação externa foi determinada pela ordem competitiva

(1860-1955), quando o neocolonialismo entrou em crise terminal como desdobramento da

primeira revolução industrial que, por um lado, teve na exploração colonial a sua principal

contribuição, por meio da acumulação de capital que propiciou à Europa, principalmente à

Inglaterra. E, por outro lado, repercutiu nessas economias dependentes, reorganizando-as para

satisfazer os interesses dessa nova realidade econômica. Apesar dessa nova articulação, as

estruturas arcaicas foram mantidas, uma vez que eram indispensáveis ao esquema “exportação

– importação”, e introduziu-se uma dominação caraterizada pelo imperialismo inglês. Mesmo

com essas mudanças no Brasil, resultado da absorção de parte do excedente econômico após a

independência, o país ainda se mantinha agrário-exportador e dependente dos IDEs.

No quarto padrão de dominação imperialista, pós-Segunda Guerra Mundial e em um

contexto de Guerra Fria, quando o imperialismo britânico foi substituído pelo imperialismo

norte-americano, evidenciou-se o “imperialismo total”, em contraposição ao anterior (Grã-

Bretanha), que era caracterizado pelo imperialismo restrito. A partir de então, uma outra

grande potência hegemônica (Estados Unidos) dominava significativamente o comércio, a

tecnologia e os mercados latino-americanos, por meio das suas empresas multinacionais.

O traço específico do imperialismo total consiste no fato de que ele organiza

a dominação externa a partir de dentro e em todos os níveis da ordem social,

desde o controle da natalidade, a comunicação de massa e o consumo de

massa, até a educação, a transplantação maciça de tecnologia ou de

instituições sociais, a modernização da infra e da superestrutura, os

expedientes financeiros ou do capital, o eixo vital da política nacional etc.

[...]. Esse tipo de imperialismo demonstra que mesmo os mais avançados

países latino-americanos ressentem-se da falta de requisitos básicos para o

rápido crescimento econômico, cultural e social em bases autônomas5

(FERNANDES, 1975, p. 18).

Com isso, as possibilidades de se conquistar um capitalismo de autonomia relativa

tornavam-se cada vez mais distantes da realidade latino-americana, e sobretudo a brasileira,

porque a reorganização exigida pelo capitalismo monopolista estimulava o aumento do

5 Campos (2014, p. 4, grifos do autor), ao interpretar o conceito de imperialismo total de Florestan Fernandes,

afirmou: “o que Fernandes chama de „imperialismo total‟ significa a difusão de valores fordistas dos países

hegemônicos do capitalismo, em especial a economia norte-americana, subordinando as burguesias periféricas

em um heterogêneo espaço transnacional. Nesse plano global é por onde se fundem tanto os novos processos

produtivos, as relações de trabalho e padrões de consumo, quanto a cultura capitalista dominante nos mais

diferentes estratos sociais. A dominação imperialista alargou-se de tal maneira, que ao penetrar por todas as

dimensões da vida, transpôs qualquer fronteira que se opusesse ao „controle societário externo‟. Haveria uma

espécie de penetração da estrutura organizacional das empresas transnacionais e de sua forma de administração,

gestão e produção, nos hábitos profissionais e culturais de grande parte das populações urbanas e

industrializadas, e até mesmo na organização militar”.

22

excedente econômico gerado internamente e incrementava a apropriação do mesmo pelas

empresas multinacionais. Nessa fase,

[...] mais que sob o capitalismo competitivo, a drenagem [do excedente] se

faz sob a estratégia da bola de neve [...]. Sob o capitalismo monopolista, o

imperialismo torna-se o imperialismo total. Ele não conhece fronteiras e não

tem freios. Opera a partir de dentro e em todas as direções, enquistando-se

nas economias, nas culturas e nas sociedades hospedeiras. A norma será: „o

que é bom para a economia norte-americana é bom para o Brasil‟ (e assim

por diante) só que nunca se estabelecerão as diferenças entre a economia

norte-americana (ou as outras economias centrais) e a economia brasileira.

Nessa situação, o industrialismo e a prosperidade capitalista virão

finalmente, mas trazendo consigo uma forma de articulação econômica às

nações capitalistas hegemônicas e ao mercado capitalista mundial que jamais

poderá ser destruída, mantidas as atuais condições, dentro e através do

capitalismo (FERNANDES, 2005, p. 319-320, grifos do autor).

Assim como Fernandes, ao analisar o período do pós-Segunda Guerra Mundial,

Michalet (1983) chamou a atenção para a expansão das empresas multinacionais norte-

americanas em direção a outros países com a instalação de indústrias completas, substituindo

suas exportações no exterior pela produção de suas filiais, principalmente se estabelecendo

nos países subdesenvolvidos6. Este movimento acentuou-se a partir dos anos 1950 e teve

como uma de suas características essenciais o maior controle sobre os países periféricos.

As empresas multinacionais passaram a moldar o sistema econômico mundial de

acordo com seus anseios, se sobrepondo, inclusive, aos interesses das economias nacionais

periféricas, de forma que a industrialização dos países subdesenvolvidos não se colocava

enquanto “sinônimo de desenvolvimento econômico” (MICHALET, 1983, p. 258),

preservando estruturas produtivas arcaicas, além de aumentar a dependência externa e o

desenvolvimento interno desigual. Essa condição também levou Evans (1980, p. 44) a afirmar

que as empresas multinacionais eram “a materialização organizacional do capital

internacional” e que suas decisões refletiam “os ditames do imperialismo”.

Para Michalet (1983), ainda que o deslocamento da produção pudesse provocar uma

proximidade na produtividade do trabalho entre os países, não haveria a mesma equalização

em relação às remunerações. Seria justamente este diferencial que garantiria uma

desigualdade das taxas de mais-valia e que faria sentido para o deslocamento das plantas

6 Constatou Magdoff (1983, p. 197): “enquanto que a produção no estrangeiro a partir de investimentos dos

Estados Unidos era, em 1950, 41/2

vezes maior que as exportações, em 1964 essa proporção aumentou para 51/2

vezes a exportação”. Reiterou Michalet (1983, p. 19): “segundo um relatório da ONU, em 1971 a produção

internacional de um certo número de economias – isto é, o valor da produção realizada fora das fronteiras por

filiais de empresas nacionais – excede o montante de exportações. Assim, para os Estados Unidos, o valor da

produção internacional é quatro vezes superior ao das exportações; é mais do que o dobro para a Grã-Bretanha e

a Suíça (respectivamente 2,14 e 2,35) e mais ou menos igual às exportações nos casos da França e do Japão”.

23

industriais. “Em suma, a sobrevivência de uma economia pré-capitalista [forneceria] a

condição para o baixo valor da força de trabalho” (MICHALET, 1983, p. 259), e isso

permitiria que fosse usada apenas uma parcela desta economia em setores integrados ao

capitalismo mundial.

O tipo de mercadoria e o padrão de consumo impostos pelas multinacionais atingiam

uma restrita camada da população da periferia que possuía um elevado nível de renda e que

proporcionava expressivas demandas para as mercadorias que essa indústria ofertava. Nesse

sentido, a entrada dessas empresas não resolveu o problema da concentração de renda nos

países subdesenvolvidos. Como ressaltado por Evans (1980), esse comportamento refletia o

fato de que as multinacionais tinham interesse tanto em manter baixos os salários para que

tivessem lucros nas operações rotineiras de manufatura quanto na permanência da

concentração de renda, porque esta lhes garantia um mercado para os tipos de mercadorias

que ofertavam.

A tecnologia que as filiais das empresas multinacionais utilizavam na periferia

também se mostrava inadequada à realidade dos países subdesenvolvidos. Como era

poupadora de mão de obra, consequentemente, não absorvia um grande contingente de

trabalhadores. Esse quadro influenciava diretamente o baixo nível salarial dos trabalhadores e

aumentava a dependência tecnológica ao não permitir uma industrialização completa e

autodeterminada7. Para as multinacionais, era muito mais rentável utilizar uma tecnologia

desenvolvida e produzida no centro – muitas vezes já amortizada – e empregá-la em um país

subdesenvolvido. Como ressaltado por Evans (1980, p. 46): “O custo adicional do uso de

tecnologia num mercado novo é desprezível, se comparado ao custo de desenvolver

inicialmente essa tecnologia”.

A ida dessas empresas para outros países não se restringia à sua rentabilidade

imediata apenas. Magdoff (1983) explicitou que o cálculo para os gastos governamentais de

um país imperialista, como os Estados Unidos, em uma “nova” região levava em conta

também outros fatores importantes, como a expansão ao máximo de seu controle sobre os

demais países; a vantagem que traria aos investimentos das suas empresas multinacionais por

meio da ampliação do comércio; e o controle da região, “indo da ocupação militar às técnicas

informais de esferas de influência” (MAGDOFF, 1983, p. 9). Mesmo alguns países da

América Latina, onde as possibilidades de rentabilidade eram baixas, acabavam sendo 7 “As multinacionais têm toda motivação para manter as atividades inovativas de seus negócios o mais próximo

possível do centro. Enquanto puderem fazer essa escolha, a industrialização da periferia continuará sendo

parcial. As instalações para a produção do conhecimento novo não serão localizadas ali. A tecnologia nova

continuará sendo gerada pelos países do centro e, mais tarde assimilada na periferia” (EVANS, 1980, p. 46).

24

“importantes na elaboração da política dos EUA, porque o essencial [era] o controle sobre

toda a América Latina” (MAGDOFF, 1983, p. 9), já que o comando dessas regiões periféricas

possibilitava grandes chances de lucros para as empresas multinacionais.

Além dos IDEs, o poder norte-americano estava na reorganização do Sistema

Monetário Internacional (SMI) durante e após a Segunda Guerra Mundial, cujo protagonismo

estadunidense foi evidente e resultou na “liderança de um agente único: o estado imperial

norte-americano” (PANITCH; GINDIN, 2006, p. 29, grifos dos autores).

Os Estados Unidos constituíram nesse período um “império informal”8, com a

disseminação de uma nova forma de organização industrial; uma produção em massa, baseada

no modelo fordista9, e uma ideologia de estilo de vida estimulado por Hollywood.

Disseminava-se o American way of life10

. Mas, apesar de informal, seu império ganhava

proporções maiores que os anteriores, como o império formal da Grã-Bretanha do século

XIX. O planejamento estatal e a expansão das grandes empresas norte-americanas se

destacavam de maneira inigualável no pós-Segunda Guerra Mundial. “Graças à expansão da

corporação multinacional, com investimento estrangeiro direto na produção e serviços, o

império informal ia demonstrar uma capacidade de penetração muito maior que outras

formações sociais precedentes” (PANITCH; GINDIN, 2006, p. 30).

8 “As tendências expansionistas do capitalismo norte-americano na segunda metade do século XIX eram ainda

mais propensas a adotar formas informais de imperialismo que o capitalismo britânico [...]. Foi através do

investimento estrangeiro direto e da forma corporativa moderna – exemplificada pela Singer Company

estabelecendo-se como a primeira corporação multinacional a superar a barreira tarifária canadense para

estabelecer uma sucursal com o intuito de produzir máquinas de costura para os prósperos plantadores de trigo

de Ontário – que o imperialismo norte-americano informal logo assumiu uma forma claramente distinta da do

britânico [...]. Foi logo com o New Deal que o estado norte-americano começou a desenvolver as capacidades

modernas de planejamento que, uma vez exercidas na Segunda Guerra Mundial, transformariam e estenderiam

amplamente o imperialismo informal norte-americano” (PANITCH; GINDIN, 2006, p. 32-33). 9 “A imitação das formas de tecnologia norte-americanas e administração „fordista‟ foram maciçamente

reforçadas através do investimento estrangeiro direto estadunidense” (PANITCH; GINDIN, 2006, p. 38, grifos

dos autores). 10

Para Harvey (2003, p. 53), “o imperialismo cultural tornou-se importante arma na luta para afirmar a

hegemonia geral. Hollywood, a música popular, formas culturais e até movimentos políticos inteiros, como o dos

direitos civis, foram mobilizados para promover o desejo de emular o modo americano de ser”. De acordo com

Chesnais (1996, p. 120), “o sonho projetado mundialmente a partir de Hollywood ou de Anaheim (a cidadezinha

da Califórnia onde fica a sede do grupo multinacional Disney) é o do capitalismo e da mercantilização total das

atividades humanas, sua aspiração e tendência. Dele se beneficiam, em consequência, todas as multinacionais,

bem como o conjunto das forças sociais comprometidas com a extensão e consolidação da influência do

capitalismo em todo o planeta. Porém, para a evolução da concorrência em nível mundial e para o resultado da

rivalidade oligopolista, em indústrias bem distantes do setor de mídia, não é indiferente que sejam os EUA, e não

outro grande país, a projetar esse „sonho mundial‟, e que a imagem da mercantilização seja essencialmente

americana. Os grandes grupos japoneses ou alemães não alimentaram qualquer dúvida a respeito. Em vez de

tentarem projetar, pelo menos por enquanto, uma imagem capitalista própria, trataram de se inserir no molde

americano”.

25

2.1. Expansão Imperialista no Centro do Capitalismo

A expansão do imperialismo após a Segunda Guerra Mundial ocorreu inicialmente

sobre a Europa e o Japão. Ao fim do conflito, detendo metade de toda a produção industrial

mundial, os Estados Unidos viram seus principais aliados tornarem-se seus devedores e o

dólar se projetar enquanto moeda de troca internacional. Essa situação facilitava aos norte-

americanos trazerem para seu entorno e sob seu controle as potências capitalistas mundiais

sem encontrar resistência desses governos. Esses países entendiam a hegemonia norte-

americana como importante para sua reconstrução (PANITCH; GINDIN, 2006). A soberania

dos Estados Unidos era tamanha que

[...] os países capitalistas centrais poderiam continuar se beneficiando da

clivagem Norte-Sul, mas qualquer intervenção teria de ser iniciada, ou

mesmo aprovada pelos EUA. Somente os EUA podiam, então, arrogar-se o

direito de intervenção contra a soberania de outros estados (o que foi feito

repetidas vezes ao redor do mundo) e somente o estado norte-americano

reservaria para si próprio o direito “soberano” de rechaçar normas e leis

internacionais quando fosse necessário. É nesse sentido que apenas o estado

norte-americano foi ativamente “imperialista” (PANITCH; GINDIN, 2006,

p. 38-39, grifos dos autores).

Diferentemente do imperialismo formal da Grã-Bretanha11

, o imperialismo norte-

americano proporcionava o fortalecimento dos Estados nacionais na Europa e no Japão12

, uma

vez que esses Estados eram importantes para a recepção de seus IDEs.

Os estados-nação constituíam o veículo principal através do qual (a) as

relações sociais e as instituições de classe, a propriedade, a moeda, os

contratos e os mercados se estabeleciam e se reproduziam; e (b) a

acumulação internacional do capital se levava adiante. A grande expansão do

investimento estrangeiro direto em todo o mundo implicou que, longe de

abandonar o estado, o capital aumentou sua dependência de muitos estados (PANITCH; GINDIN, 2006, p. 39-40, grifos dos autores).

Além disso, havia outra característica nova, a “internacionalização do Estado”, ou

seja, países europeus adotavam medidas econômicas internas pelas quais se comprometiam

com a organização e o revigoramento da ordem capitalista mundial, condição que fortalecia o

11

Para um aprofundamento do debate e das características do imperialismo em sua fase clássica e no pós-

Segunda Guerra Mundial, além de seus reflexos sobre a América Latina, ver Campos (2015). 12

Observou-se também uma grande diferença no tratamento estabelecido pelos Estados Unidos para os países

europeus (e em relação ao Japão) e para os países periféricos. A integração econômica europeia foi estimulada

pelos EUA “para „resgatar o estado-nação europeu‟. Contudo, isto contrastava com a aversão norte-americana

pelas estratégias de industrialização por substituições de importações adotadas pelos estados do sul” (PANITCH;

GINDIN, 2006, p. 39, grifos dos autores).

26

império informal dos Estados Unidos13

, por meio do livre comércio e da penetração de suas

empresas multinacionais com poucas restrições por parte dos Estados nacionais (PANITCH;

GINDIN, 2006).

O IDE caracterizou-se enquanto a principal forma de exportação de capitais no pós-

Segunda Guerra Mundial sob a liderança dos Estados Unidos e promoveu uma maior

integração internacional. “Diferentemente do comércio, o investimento estrangeiro direto

norte-americano afetou diretamente as estruturas de classe e as formações estatais dos outros

países capitalistas centrais” (PANITCH; GINDIN, 2006, p. 42).

O aumento exponencial da exportação de capitais dos Estados Unidos após o conflito

bélico e a sua liderança nesse quesito, superando a Grã-Bretanha, são observados na tabela 1,

que mostra que em 1960 os norte-americanos já eram responsáveis por 59,1% de toda a

exportação mundial de capitais.

Tabela 1

Investimento no Exterior dos Principais Países Exportadores de Capital (em %)

1914 1930 1960

Reino Unido

França

Alemanha

Países Baixos

Suécia

Estados Unidos

Canadá

Total

50,3

22,2

17,3

3,1

0,3

6,3

0,5

100

43,8

8,4

2,6

5,5

1,3

35,3

3,1

100

24,5

4,7

1,1

4,2

0,9

59,1

5,5

100

Fonte: Magdoff (1978, p. 60).

Esse crescimento do IDE ocorreu depois de anos de restrições durante a Primeira

Guerra Mundial, a Crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial. Os Estados Unidos se

esforçaram em estabelecer as regras do novo SMI, por meio das quais a expansão de suas

multinacionais seria garantida tanto nas economias desenvolvidas quanto nas

subdesenvolvidas.

A liderança das empresas norte-americanas no pós-Segunda Guerra Mundial levou a

um nível de concentração e centralização de capitais muito acentuado. Esse quadro dificultava

cada vez mais a valorização de seus investimentos produtivos dentro do seu próprio espaço

nacional e exigia a abertura de mais mercados externos para essas empresas, por meio de seus

13

Para Teixeira (1983, p. 170), “se há um período em que se pode falar de hegemonia absoluta da potência

americana, é sem dúvida nenhuma este, e o fato pode ser verificado tanto na esfera produtiva, como na comercial

e financeira”. Para mais informações, ver Harvey (2003), p. 48-76.

27

IDEs14

. Os acordos de Bretton Woods faziam parte dessa estratégia, uma vez que

potencializavam a entrada de suas empresas no mercado mundial15

.

Nos acordos de Bretton Woods foram criados o Fundo Monetário Internacional

(FMI), o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e o Acordo

Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, hoje Organização Mundial do Comércio). Tratava-se

de uma superestrutura política internacional que daria condições para que as multinacionais

tivessem maior autonomia no sistema mundial sob tutela do governo dos Estados Unidos, que

dominaria essas instituições. Oficialmente, o FMI se definia como uma instituição que tinha

como objetivo ajudar os países que se encontravam com déficits em seus balanços de

pagamentos por meio de propostas de ajuste e concessão de empréstimos. Os recursos

poderiam ser do próprio Fundo, fruto das quotas dos países membros, ou recursos do BIRD.

Este, por sua vez, se intitulava enquanto responsável por prover empréstimos aos governos

dos países que estavam em dificuldades financeiras, atuando como um banco voltado ao

financiamento de investimentos. O Banco, que começou emitindo títulos e vendendo-os a

instituições e pessoas, tornou-se na verdade um intermediário financeiro entre o tomador do

empréstimo e os indivíduos e as instituições dispostas a deixar o dinheiro a seus cuidados. Já

o GATT, apesar de se autodenominar uma instância capaz de reduzir os obstáculos ao

comércio internacional, pode-se dizer que tinha como propósito ajudar a defender os

interesses comerciais de alguns países desenvolvidos.

Cabe ressaltar que havia um esforço nas orientações do novo SMI para dificultar que

os países protegessem suas economias por meio de desvalorização cambial ou mesmo

adotassem políticas protecionistas alfandegárias. No período entreguerras foi comum a

utilização desses mecanismos na tentativa de os países preservarem seus mercados.

14

Nas palavras de Tavares e Teixeira (1981, p. 19), “a situação no imediato pós-guerra mostrava a economia

americana altamente trustificada, com grande concentração de capital financeiro que não podia ser plenamente

reinvestido no interior da própria indústria trustificada; daí a necessidade de expandir-se para fora”. Ainda, para

Belluzzo (2009, p. 43, grifos do autor), “qualquer forma de capital „trustificado‟ conduz necessariamente a uma

concentração de capital financeiro que não pode ser reinvestido dentro da própria indústria trustificada. Deve

expandir-se para fora. Os novos lucros têm que ser transformados em capital financeiro geral e dirigidos para a

formação e o financiamento de outras grandes empresas. Assim, o processo de concentração e consolidação

monopolista avança de forma generalizada em todos os ramos industriais onde prevalecem métodos de produção

capitalista. Por mais que seja a extensão do espaço nacional monopolizado e protegido pelo Estado nacional,

como era o caso dos Estados Unidos, a expansão contínua dos lucros excedentes obriga a busca de mercados

externos, tanto para as mercadorias quanto para investimentos diretos e exportação „financeira‟ de capital”. 15

De acordo com Campos (2009, p. 11), “o padrão de acumulação que se desenvolveu após a Segunda Guerra

Mundial se constitui na relação entre o planejamento estatal e a expansão da grande empresa norte-americana.

Decorridas décadas de paralisação da circulação de bens de capitais, motivada pela grande depressão, e a

devastação das estruturas produtivas das economias centrais, cujos desdobramentos fizeram erigir uma crítica ao

liberalismo desregulado, os EUA se colocaram como hegemon no sistema capitalista, sem oposição das outras

economias ocidentais”.

28

Preconizavam-se mercados abertos para as relações comerciais, taxas de câmbio estáveis e a

supervisão do FMI, medidas que favoreceriam significativamente os Estados Unidos e suas

empresas multinacionais na reconstrução do mundo após a Segunda Guerra Mundial16

.

[...] o IDE norte-americano, além de reconstruir as economias destruídas

pela Guerra, exportou um tipo de internacionalização que deu maior

organicidade ao capitalismo, assim como facilitou a difusão de um projeto

americano de influência global [...]. Para tanto, fez-se necessário criar uma

institucionalidade multilateral que permitisse realizar – graças à regulação

monetária, comercial e política – tal hegemonia. Bretton Woods representou

parte desse projeto de hegemonia norte-americana, que teve como um dos

objetivos centrais o ajuste das condições econômicas nacionais para o livre

trânsito de capitais, pavimentando por meio de instrumentos financeiros

internacionais o acesso dos mercados potenciais para a riqueza mundial17

(CAMPOS, 2009, p. 11-12).

Como os recursos disponíveis por meio do FMI e do BIRD eram insuficientes para a

recuperação dos países devastados pela Segunda Guerra Mundial, o contexto político e

socioeconômico na Europa se agravava e os Partidos Comunistas ganhavam cada vez mais

espaço nos governos europeus, os Estados Unidos decidiram criar o Plano Marshall18

. Ele

tinha o objetivo de aumentar a destinação de recursos à reconstrução da Europa e, com isso,

conter a influência soviética sobre esses países. Estabelecido em 1947, o Plano exigia que

qualquer país beneficiário desses recursos não tivesse, em seu governo, nenhum representante

de partidos de esquerda. Esse Plano “contribuiu para reforçar a supremacia política dos

Estados Unidos e, simultaneamente, criar espaço para uma maior integração da Europa

16

Ao ressaltar a supremacia dos Estados Unidos, escreveu Teixeira (1983, p. 149), “esta complexa

institucionalidade era obra principalmente do empenho dos Estados Unidos em promover uma reordenação das

relações internacionais à sua feição. Tratava-se de afirmar sua própria hegemonia e, ao fazê-lo, revelavam uma

particular concepção do mundo. Um analista insuspeito como Solomon, por exemplo, chega a dizer que „os

dispositivos monetários internacionais celebrados em Bretton Woods no ano de 1944 refletiam o predomínio

político, industrial e financeiro dos Estados Unidos‟”. 17

Prossegue Campos (2009, p. 12, grifos do autor), “O IDE foi primordial para desobstruir os limites à

construção dessa ordem manejada por Washington. Senão vejamos. A liberalização do comércio e de capitais,

ainda que tivesse passado por uma ampla discussão interna nos EUA e com a oposição dos setores

„isolacionistas‟, criou critérios de não discriminação, reciprocidade e princípio da nação mais favorecida

sintetizados no GATT (General Agreement on Tariffs and Trade). Essa estratégia, porém, teve que ser

reavaliada, uma vez que as frágeis condições que apresentavam as economias europeias e japonesa exigiam um

pragmatismo maior dos EUA na manutenção da ordem capitalista nessas regiões. O problema da „escassez de

dólares‟ (dollar gap) para reativar a circulação de capitais e mercadorias fez com que fossem desrespeitadas as

principais pautas de conduta do GATT. Tais restrições significavam que a salvaguarda do sistema dependeria da

solidariedade do hegemon com o desenvolvimento dos Estados nacionais das principais potências capitalistas

que, por sua vez, ao reconstruírem suas forças produtivas internas, garantiriam a expansão de todo o padrão de

acumulação. O Plano Marshall se constitui em uma expressiva destinação de recursos líquidos norte-americanos

para tal fim, tendo como contrapartida a penetração da corporação americana, sobretudo, do setor de bens de

consumo na Europa Ocidental, atrelando-se aos setores de bens de capital europeus, principalmente alemães”. 18

Ver: Block (1987).

29

capitalista” (TEIXEIRA, 1983, p. 168), além de aumentar a participação de suas empresas

multinacionais nessas regiões.

Os norte-americanos impuseram, assim, seu poder e sua hegemonia. Contudo, esse

processo levou ao posterior fortalecimento das empresas da Alemanha e do Japão19

principalmente na segunda metade da década de 1950. Com isso, elas competiriam com as

empresas dos Estados Unidos em uma posição de “superioridade tecnológica e

organizacional” (CAMPOS, 2009, p. 12-13).

2.1.1. Desdobramentos sobre os Países Subdesenvolvidos

Com o fim da reconstrução da Europa (principalmente da Alemanha) e do Japão, os

interesses imperialistas norte-americanos na América Latina aumentavam, entre várias razões,

também para fazer frente à expansão de alemães e japoneses sobre essa região. Esses países

estavam começando a competir com os norte-americanos na destinação de seus IDEs aos

países periféricos. “Uma vez recuperadas as forças produtivas europeias, as estratégias de

suas empresas seguiram o caminho norte-americano, exportando plataformas de produção

para a periferia” (CAMPOS, 2009, p. 12).

Como consequência, a ampliação dos IDEs de diferentes países consolidou a

internacionalização produtiva, porque trazia à periferia plantas produtivas completas, com

elevado conteúdo tecnológico e produção de mercadorias com alto valor unitário e voltadas ao

mercado interno dessas regiões.

O expressivo crescimento dos investimentos dos países centrais nos periféricos

também se explicava pelas elevadas taxas de lucro. A rentabilidade nos países periféricos

mostrava-se maior do que o retorno sobre os investimentos, por exemplo, dos norte-

americanos em seu próprio país20

. Daí a grande importância das economias subdesenvolvidas

para a estratégia dos Estados Unidos e o “enquadramento” que eles impuseram a esses países.

“Entre 1950 e 1965, os rendimentos dos investimentos americanos no estrangeiro aumentaram

2.3 vezes mais rápido que os dos investimentos internos, passando a parte dos primeiros de

19

“No Japão, tendo em vista a controversa posição no continente asiático animada pela proximidade soviética,

mais uma vez os EUA se valeram do seu pragmatismo, permitindo que a economia japonesa se desenvolvesse

por seus próprios meios, sem IDE norte-americano, mas com forte injeção de liquidez e agressivas

discriminações contra as importações de produtos americanos” (CAMPOS, 2009, p. 12). 20

De acordo com Evans (1980, p. 271-272, grifos do autor), “para a Ford Motor Company, a „ameaça‟ de

exportações brasileiras de automóveis para a Nigéria, substituindo as exportações americanas, não constitui uma

ameaça, a menos que os carros exportados do Brasil sejam Volkswagens, e não Fords [...]. Como os retornos

gerais sobre os investimentos industriais pelas multinacionais no Brasil e México são cerca de 50% mais altos do

que nos mesmos investimentos nos Estados Unidos, a produção no Brasil representa uma oportunidade de maior

lucratividade para as multinacionais”.

30

8,8% a 17,8% dos lucros totais das sociedades americanas” (AMIN, 1973, p. 210). A tabela 2

explicita essa situação.

Tabela 2

Lucros e Capital Social (em %)

Ano Relação entre lucros e capital

social em países subdesenvolvidos

Relação entre lucros e capital

social no Estados Unidos

1945

1946

1947

1948

11,5

14,3

18,1

19,8

7,7

9,1

12,0

13,8

Fonte: Baran (1984, p. 205).

De acordo com a tabela 2, entre 1945 e 1948 os lucros nos países periféricos

aumentaram significativamente em relação ao retorno sobre o capital investido nos Estados

Unidos. Se em 1945 a relação era de 11,5% nos países subdesenvolvidos contra 7,7% nos

Estados Unidos, em 1948 essa mesma comparação passava a ser de um retorno de 19,8% nos

subdesenvolvidos ante 11,8% nos Estados Unidos. Enquanto em 1945 a diferença a favor dos

subdesenvolvidos era de 3,8 pontos percentuais, em 1948 ela chegava a 6 pontos percentuais,

mostrando quão vantajoso tornava-se o retorno obtido pelo capital investido nesses países em

detrimento aos Estados Unidos.

O Brasil foi muito atrativo para esses IDEs em função do tamanho de seu mercado

interno, da grande concentração de renda, do baixo nível salarial e da grande quantidade de

recursos naturais. Mas embora o país tivesse se tornado estratégico para a vinda das empresas

multinacionais, eram necessárias outras transformações internas para que esses investimentos

se dirigissem em maior magnitude ao país. Essas mudanças incluíam: uma maior

homogeneidade das burguesias brasileiras, alterações nos marcos institucionais e legais para

favorecer os interesses das empresas multinacionais e a contenção de movimentos

nacionalistas, como será discutido posteriormente neste capítulo.

As imposições do IDE expressavam-se por meio da rearticulação das burguesias

brasileiras – que viam na associação com tais empresas multinacionais oportunidades de

ganhos para seu capital privado nacional – e a partir da instrumentalização e uso do Estado

por essas burguesias. Neste último caso, houve o importante papel das empresas estatais na

criação de infraestrutura e no fornecimento de bens e serviços necessários para as empresas

multinacionais se robustecerem no Brasil e aumentar sua influência. A articulação das

empresas multinacionais com as burguesias nativas e a atuação do Estado brasileiro em favor

deste capital internacional foram imprescindíveis para o coroamento do processo de

industrialização dependente.

31

Não se pode negar que os IDEs possibilitaram um salto no padrão de

desenvolvimento capitalista brasileiro devido às mudanças que trouxeram na forma de

acumulação, que passou a se dar dentro do espaço nacional. “O Brasil foi o país que mais

recebeu IDE nas décadas de 1950 e 1960” (CAMPOS, 2009, p. 23). Mas, apesar de a

acumulação privada promover a geração de valor dentro do país (diferentemente do período

agrário-exportador, quando isso era feito exogenamente), ela continuava, no entanto,

efetivando sua realização em moeda conversível (dólar) no exterior. Além disso, o controle

sobre o mercado interno passou a ser maior. Dessa forma, em vez de o capital internacional

promover uma mudança qualitativa no padrão de desenvolvimento brasileiro, dando

autonomia ao país, aumentava a necessidade de reservas cambiais em dólar, fragilizando o

balanço de pagamentos e acirrando o processo de dependência externa.

Essa fase imperialista caracterizava-se não só pelo aumento da dependência externa

do Brasil em relação aos Estados Unidos, mas também pela forma de ação das burguesias

brasileiras, que teve como conclusão a revolução burguesa como uma contrarrevolução (golpe

civil-militar de 1964). Acatou-se, assim, completamente às exigências do “imperialismo

total”, como denominou Fernandes (1975), e foi preservada a posição privilegiada das

burguesias em uma sociedade de grande concentração de renda e disparidades sociais, mas

muito rentável para a valorização dos IDEs.

A seguir, será aprofundada a discussão sobre o papel das burguesias brasileiras e do

Estado no processo de subordinação do país aos interesses das empresas multinacionais.

3. Burguesias Brasileiras e Subordinação às Empresas Multinacionais

O aumento da concorrência internacional e a expansão das filiais das empresas

multinacionais, por meio da internacionalização produtiva para a América Latina21

, levaram

as burguesias brasileiras a atuarem para garantir internamente os interesses de valorização dos

capitais produtivos dessas empresas, colocando tanto o Estado quanto as empresas estatais

para este fim.

Com o ingresso expressivo dos IDEs, houve o desenvolvimento das forças

produtivas, que redundou na industrialização pesada no Brasil, ao mesmo tempo em que

21

“Essas empresas trouxeram à região um novo estilo de organização, de produção e de marketing, com novos

padrões de planejamento, propaganda de massa, concorrência e controle interno das economias dependentes

pelos interesses externos. Elas representam o capitalismo corporativo ou monopolista, e se apoderam das

posições de liderança – através de mecanismos financeiros, por associação com sócios locais, por corrupção,

pressão ou outros meios – ocupadas anteriormente pelas empresas nativas e por seus „policy-makers‟”

(FERNANDES, 1975, p. 18, grifos do autor).

32

foram aprofundadas a dependência externa e a influência imperialista. As empresas

multinacionais ditavam o processo de industrialização brasileira de acordo com seus anseios e

recebiam a anuência das burguesias nativas, que viam nessa associação dependente e

subordinada uma grande oportunidade de fortalecer seus vínculos com essas empresas e deles

também tirar vantagens. As empresas multinacionais operavam internamente (por meio das

filiais), sob comando de fora (das matrizes), realizando alterações que potencializassem seus

ganhos e sua posição privilegiada nessas economias subdesenvolvidas.

Para a completa efetivação do “imperialismo total” nos termos de Fernandes,

contudo, era necessária uma transformação interna das economias periféricas, no sentido de

promoção do moderno mercado capitalista e de criar condições para que as empresas

multinacionais aumentassem seu grau de participação na periferia22

. Por conseguinte, ocorreu

uma nova forma de intervencionismo por parte do Estado brasileiro a partir da

industrialização pesada. Ele passou a conceder garantias aos investimentos privados, dado o

elevado volume de inversões necessário para o tipo de indústria que se consolidava, e também

promoveu o investimento de uma indústria de base a partir das empresas estatais, para facilitar

a instalação das empresas multinacionais no país.

Outra exigência do imperialismo nesta fase foi uma estabilidade política nos países

periféricos, uma vez que a ameaça do socialismo poderia influenciar os desígnios dos países.

Essa estabilidade permitiria às burguesias internas, na prática, uma reorganização para conter

os movimentos reivindicatórios que ganhavam força com a evolução do capitalismo

competitivo. Tal “segurança” viria com o golpe civil-militar de 1964. Para colaborar com essa

estabilidade, os Estados Unidos, principalmente, atuavam com ajuda militar, com projetos e

financiamentos. Assim, a intervenção passava a ser mais direta e o comando, mais eficaz23

.

Na fase do “imperialismo total”, a lógica adotada nos países periféricos era a de que

as inversões das empresas multinacionais não poderiam correr nenhum risco de serem

restringidas, tanto na liberdade e segurança de seus investimentos e sua lucratividade quanto 22

“As grandes firmas e organizações das economias nacionais avançadas disputam entre si as oportunidades de

alocação econômica no mundo subdesenvolvido, intensificando a redução das economias nacionais dependentes,

dotadas de melhores perspectivas de autonomização em bases capitalistas, em verdadeiras economias de

consumo. Isso põe fim ao mito segundo o qual a autonomização do desenvolvimento econômico capitalista seja

uma função da capacidade revelada pelas economias capitalistas dependentes de absorver os modelos

econômicos das nações hegemônicas” (FERNANDES, 1972, p. 55-56, grifos do autor). 23

“As dimensões dos projetos, dos recursos materiais e humanos envolvidos, dos prazos de duração, forçam as

grandes corporações, e através delas os governos das nações hegemônicas e suas organizações internacionais, a

colocarem em primeiro plano os requisitos políticos da transformação capitalista da periferia. „Sem estabilidade

política não há cooperação econômica‟, eis a nova norma ideal do comportamento econômico „racional‟, que se

impõe de fora para dentro, exigindo das burguesias e dos governos pró-capitalistas das nações periféricas que

ponham a „casa em ordem‟, para que pudessem contar com a viabilidade do „desenvolvimento por associação‟”

(FERNANDES, 2005, p. 297-298, grifos do autor).

33

na garantia de poder remetê-los aos seus países de origem. Mas não eram todos os países da

América Latina que tinham condições de receber esse padrão de industrialização, visto que

era necessário um enorme mercado interno e uma grande concentração de renda, pré-

requisitos que o Brasil possuía. Deste modo, as burguesias brasileiras não mediram esforços

para estabelecer as transformações pleiteadas pelo imperialismo em detrimento das

necessidades da nação. Nesse período, a economia brasileira já não concorria, “apenas, para

intensificar o crescimento do capitalismo monopolista no exterior: ela se [incorporaria] a esse

crescimento, aparecendo, daí em diante, como um de seus polos dinâmicos na periferia”

(FERNANDES, 2005, p. 299).

Com o capitalismo monopolista, sob a égide dos Estados Unidos, o controle sobre o

Brasil não era mais externo, ele passava a se dar a partir de dentro, com o domínio do

mercado interno, processo que se iniciou com Juscelino Kubitschek (JK) e se aprofundou nos

governos autoritários.

No primeiro momento, as grandes corporações só contaram com o espaço

econômico que elas próprias conseguiam abrir, numa economia capitalista

dependente, mas em fase de transição industrial relativamente madura [...].

No segundo momento, que se situa depois da consolidação dos governos

militares no poder, elas puderam contar com uma política econômica que

unificava a ação governamental e a vontade empresarial. Então, começa a

configurar-se o espaço econômico típico de que elas necessitam para crescer

(FERNANDES, 2005, p. 301).

O Estado brasileiro teve, portanto, um papel estratégico, uma vez que criou as

condições necessárias para um determinado tipo de desenvolvimento que satisfizesse as

demandas do “imperialismo total”. Com a tomada por completo desse Estado, as burguesias

mantinham sua posição superprivilegiada nessa sociedade, e continham, por meio do

monopólio da violência, grande parte da população que ficava escoimada dos benefícios do

desenvolvimento capitalista. As burguesias brasileiras fizeram do Estado “veículo por

excelência do poder burguês”, que se instrumentalizava “através da maquinaria estatal até em

matérias que não [eram] nem administrativas nem políticas”24

(FERNANDES, 2005, p. 312).

Não por outro motivo, as classes privilegiadas no Brasil “passaram tão rapidamente, em 1964,

da automobilização social para a ação militar e política; como o Estado nacional foi posto a

24

“O Estado transforma-se em instrumento de defesa e de suporte incondicional da iniciativa privada. Cabendo-

lhe não apenas compensar as debilidades que comprometessem a capacidade de a iniciativa privada incorporar as

transformações econômicas difundidas do centro mas também arbitrar os ajustes internos necessários para

viabilizar a convivência entre o „moderno‟ e o „atrasado‟” (SAMPAIO JR., 1999, p. 151, grifos do autor).

34

serviço de fins particularistas da iniciativa privada” (FERNANDES, 2005, p. 312, grifos do

autor).

Com a industrialização pesada nesses moldes, o capitalismo brasileiro não conseguia

romper com os problemas do passado. Apresentava-se enquanto um país ainda mais

dependente, com uma economia cada vez mais comandada pelo imperialismo, em um

processo de satelização (FERNANDES, 2005).

Para a classe dominante brasileira, a associação subordinada e dependente com os

IDEs proporcionava vantagens econômicas e políticas, motivos pelos quais as burguesias

aderiram incontestes às suas orientações e promoveram uma forma excludente de organização

da sociedade. O subdesenvolvimento era tido como um negócio lucrativo para essas

burguesias. Para garantir a exclusividade do poder político e econômico, buscavam se

fortalecer a partir de uma contrarrevolução, isto é, “uma revolução dinamizada por burguesias

que dispõem de um espaço histórico tão reduzido de autoafirmação, de autoprivilegiamento e

de autodefesa, que precisavam recorrer reiteradamente a formas tirânicas de dominação de

classe e de organização do Estado” (FERNANDES, 1980, p. 63). Por isso, Fernandes (2005)

ressaltou que a política era um componente muito importante para entender essas sociedades.

Com o controle político por meio do Estado, as burguesias atuavam com forte repressão,

intransigência e força contra as demandas da outra classe social25

, além de calibrar o “ritmo e

a intensidade”26

da inserção subordinada de acordo com seus interesses e as maiores

vantagens que pudessem conseguir nessa relação com as empresas multinacionais. Como

desdobramento, a dupla articulação – dependência externa e desenvolvimento interno desigual

– se aprofundava.

As burguesias brasileiras criavam as condições para que o imperialismo norte-

americano se operacionalizasse e se intensificasse, mantendo, inclusive, formas de produção

pretéritas. Esse processo de desenvolvimento a partir de métodos arcaicos de produção

mantinha a heterogeneidade da estrutura produtiva do capitalismo dependente e funcionava

como um “colchão amortecedor” para as burguesias periféricas em momentos de crise no

mercado internacional, quando diminuía o preço das mercadorias exportadas e

25

“As burguesias dependentes desenvolvem uma extrema intolerância em relação à utilização do conflito como

instrumento legítimo de luta política pelas classes populares. Elas são obrigadas a sufocar qualquer iniciativa de

transformação social contra ou dentro da ordem que ameace o controle absoluto das classes dominantes. Daí o

aparecimento de um padrão de luta de classes que impede a mudança social construtiva, aprisionando a história

no circuito fechado do subdesenvolvimento” (SAMPAIO JR., 1999, p. 148, grifos do autor). 26

“O ritmo e a intensidade do processo de incorporação e universalização das transformações capitalistas devem

estar subordinados ao objetivo maior de preservação do monopólio da força política das classes dominantes”

(SAMPAIO JR., 1999, p. 152).

35

consequentemente o lucro dessas burguesias. Nesse contexto, acirrava-se a exploração sobre

as formas atrasadas de produção e a segregação social27

.

A combinação do atraso com o moderno, ou seja, a conciliação de diferentes estágios

do processo produtivo no capitalismo subdesenvolvido funcionou, logo, como uma função

estabilizadora da economia brasileira, por isso não podia ser superada por suas burguesias,

uma vez que isso as levaria à crônica instabilidade do cálculo capitalista (SAMPAIO JR.,

1999). A heterogeneidade estrutural era “o único meio de contrabalançar a extrema

instabilidade do capitalismo dependente e lhe dar um mínimo de estabilidade” (SAMPAIO

JR., 1999, p. 136).

No capitalismo brasileiro o passado se renovava e impedia o futuro, apesar de

sempre reivindicar o futuro. Assim, a história do país se reciclava sem romper com o passado.

O Estado se caracterizava enquanto um Estado particular para reproduzir o capitalismo de

forma dependente, ou seja, perpetuando a heteronomia e não assumindo um caráter

nacionalista, a não ser de fachada. O nacionalismo burguês no Brasil se formava enquanto

uma farsa, contudo, funcionou como um instrumento de dominação.

Ao não se eliminar a dupla articulação, o moderno foi arcaizado e o arcaico foi

modernizado. Isso significou que as formas modernas de produção introduzidas não

romperam com as estruturas socioeconômicas do passado, porque estas se mostraram

imprescindíveis para os ganhos capitalistas na região28

. Como resultado, ocorreu

[...] uma rearticulação do todo, através da qual o que parece arcaico é de fato

atualizado, servindo de suporte ao moderno, e pela qual o moderno parece

perder esse caráter, revitalizando o seu oposto ou gerando formas

socioeconômicas que misturam a acumulação pré-capitalista com a

acumulação especificamente capitalista. O que importa, no conjunto, não é a

existência do arcaico e do moderno, seu grau de visibilidade e os mundos

superpostos que evidenciam. Mas o modo pelo qual as transformações

sucessivas do mercado e do sistema de produção encadeiam a persistência de

27

“As técnicas de produção anacrônicas e a conglomeração de formas produtivas heterogêneas representam, em

si mesmas, um meio de defesa do „produtor‟ (ou seja, do agente econômico que detém a propriedade das

unidades produtivas e dos bens exportados). Conforme as condições, a combinação de modalidades de economia

de subsistência com a produção para exportar pode constituir um mecanismo de transferência de pressões para os

ombros do trabalhador. Nesse esquema, o proprietário-exportador consegue enfrentar fortes processos de

descapitalização da „empresa‟, do setor e até longas depressões da economia interna, em relativa segurança e

com riscos limitados. [...] A articulação de formas de produção heterogêneas e anacrônicas entre si preenche a

função de calibrar o emprego dos fatores econômicos segundo uma linha de rendimento máximo, explorando-se

em limites extremos o único fator constantemente abundante, que é o trabalho – por bases anticapitalistas, semi-

capitalistas ou capitalistas” (FERNANDES, 1972, p. 51-52, grifos do autor). 28

“A independência, a emergência do Estado nacional e a eclosão do mercado capitalista moderno não destroem

as estruturas econômicas, sociais e de poder de origens coloniais, mas se adaptam a elas. O „moderno‟ e o

„arcaico‟ se superpõem, tornando-se interdependentes como fatores de acumulação capitalista primitiva e de

consolidação do desenvolvimento capitalista a partir de dentro” (FERNANDES, 1979, p. 38, grifos do autor).

36

estruturas socioeconômicas herdadas do passado com a formação de

estruturas socioeconômicas novas (FERNANDES, 1975, p. 61-62).

A segregação social, que se perpetuava nessa combinação do arcaico com o

moderno, tinha sua referência no passado colonial e escravocrata da economia brasileira. A

forma como houve a abolição da escravidão, em um contexto de grande oferta de

trabalhadores livres imigrantes, dificultou a inserção dos negros na sociedade brasileira,

mantendo-os marginalizados, e tornou o trabalho manual desvalorizado. Também não

permitiu a constituição de um nível salarial dentro de um patamar mínimo que

impossibilitasse a superexploração da mercadoria força de trabalho e tirasse a maior parte da

população de um padrão tradicional de vida muito baixo29

.

A dependência externa, entendida como parte da dupla articulação, por sua vez,

deixava claro o acirramento do escoamento do excedente econômico para as economias

centrais, para remunerar seus IDEs, por meio de remessas de lucros, dividendos, royalties,

assistência técnica e administrativa e remessas de juros, assim como pelo pagamento dos

encargos da dívida externa.

Para Fernandes (2005), a endogeneização deste capital internacional acirrou a dupla

articulação porque boa parte do excedente foi drenado para fora e a parte que ficou

internalizada foi imprescindível para manter a estrutura local de poder. Se a segregação social

fosse rompida, se comprometeria essa estrutura de poder de cima para baixo, por isso as

burguesias mantinham a concentração de renda e a exclusão social.

O golpe civil-militar de 1964 despontou como fundamental para fortalecer a dupla

articulação, uma vez que as mudanças implementadas naquele momento anularam grande

parte das demandas da sociedade civil, principalmente as relacionadas às reformas que

poderiam amenizar ou mesmo romper com a dependência externa e o desenvolvimento

desigual interno e que iam de encontro aos anseios do imperialismo total.

As burguesias brasileiras puderam, dessa forma, se apropriar do Estado com uma

intensidade que não conseguiriam se houvesse um Estado democrático-burguês. Elas se

aproveitaram dos momentos mais intensos de conflitos sociais para capitanear, em proveito

próprio, mudanças que as fortaleciam e que levavam cada vez mais a sociedade para uma

dominação autoritária, impedindo “a emergência do povo no cenário político” (SAMPAIO

JR., 1999, p. 144).

29

“A articulação de formas de produção heterogêneas e anacrônicas entre si preenche a função de calibrar o

emprego dos fatores econômicos segundo uma linha de rendimento máximo, explorando em limites extremos o

único fator econômico constantemente abundante, que é o trabalho” (SAMPAIO JR., 1999, p. 139).

37

Com o golpe, as burguesias utilizaram a tecnocracia e, com o apoio dos militares,

coroaram sua contrarrevolução que “bloqueou a passagem, em processo, de uma democracia

restrita para uma democracia de participação ampliada” (FERNANDES, 1980, p. 118). A

militarização e a tecnocratização se transformaram, assim, nos instrumentos da dominação

burguesa. Sem a ditadura militar e sem estratos das burguesias brasileiras controlando o

Estado, elas não conseguiriam promover as transformações necessárias para a afirmação do

“consenso burguês”. Com o Estado autoritário as burguesias conquistavam

[...] as condições mais vantajosas possíveis: 1o) para estabelecer uma

associação mais íntima com o capitalismo financeiro internacional; 2o) para

reprimir, pela violência, ou pela intimidação, qualquer ameaça operária ou

popular de subversão da ordem (mesmo como uma „revolução democrático-

burguesa‟); 3o) para transformar o Estado em instrumento exclusivo do poder

burguês, tanto no plano econômico quanto nos planos social e político

(FERNANDES, 2005, p. 255, grifos do autor).

Se a classe dominante brasileira teve como característica intrínseca, por um lado, ser

subserviente e impotente perante os interesses das empresas multinacionais no país, por outro

lado, foi imponente e implacável com grande parte da população que não fazia parte de seu

“circuito fechado”30

, que fora eleita inimiga principal e que teve reduzido seu espaço de

reinvindicação e participação nos destinos da sociedade brasileira31

. Pode-se dizer que a força

das burguesias brasileiras vinha, portanto, de sua fraqueza nesta associação com o capital

internacional, por isso não podia ser contra seus interesses. Nesse sentido, essas burguesias

não tinham como vacilar, não se aliavam à classe trabalhadora e não permitiam sua ascensão

nas decisões internas. A dominação era instável e suscetível a crises. Tal situação evidenciou-

se pelo resultado da revolução burguesa no país.

30

“O circuito fechado constitui uma equação metafórica de um dos ângulos da situação que prevalece graças aos

tempos retardados da revolução burguesa. A história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha para sempre.

São os homens, em grupos e confrontando-se com classes em conflito, que „fecham‟ ou „abrem‟ o circuito da

história. A América Latina conheceu longos períodos de circuito fechado e curtos momentos de circuito aberto.

No entanto, o modo pelo qual se dão as coisas, nos dias que correm, revela que „o impasse de nossa era‟ não

consiste mais no caráter perene da repressão e da opressão. Os que reprimem e oprimem, nestes dias, lutam para

impedir o curto circuito final, que para eles vem a ser o desaparecimento de um Estado antagônico à Nação e ao

Povo, ou seja, um Estado que, como todo o Estado elitista, tem sempre de „fechar a história‟ para os que não

estão no poder. Nesse sentido, vivemos a pior fase da transição, aquela na qual a autodefesa do privilégio pela

violência sistemática, organizada, institucionalizada e „legitimada‟ através do poder concentrado do Estado dá a

impressão que o „passado é perene‟ e que tenderá a reproduzir-se no futuro como se reproduzia socialmente no

passado” (FERNANDES, 1976, p. 5, grifos do autor). 31

“Para Florestan Fernandes, o problema central das economias dependentes é que o processo de modernização

fica à mercê de burguesias impotentes para superar a situação de subordinação externa e onipotentes para impor

unilateralmente a sua vontade ao conjunto da população. Nesse sentido, o desenvolvimento dependente aparece

como o produto de burguesias incapazes de levar às últimas consequências as utopias de que são portadoras: a

revolução nacional e a revolução democrática” (SAMPAIO JR., 1999, p. 143-144).

38

A principal debilidade da revolução burguesa atrasada [residia] no fraco

espírito revolucionário das burguesias que a [lideraram] [...]. A revolução

burguesa [tornou-se], assim, um processo eminentemente político. A

economia dependente só assimila as transformações capitalistas que são

compatíveis com a perpetuação do ultraprivilegiamento econômico,

sociocultural e político das classes dominantes (SAMPAIO JR., 1999, p.

159-160).

As burguesias brasileiras também se caracterizavam por ser uma burguesia

compósita: elas se desenvolveram sedimentando-se com o senhor de engenho, com o senhor

de escravo, nunca se antagonizando e sempre compondo, se amalgamando. Na fase da

industrialização pesada elas se evidenciavam como uma burguesia desse momento, mas sem

abrir mão de seu passado, de seu ventre mercantil.

Sem o controle absoluto do poder, que as classes burguesas podem tirar da

constituição desse Estado, seria inconcebível pensar-se como elas

conseguem apropriar-se, com tamanha segurança, da enorme parte que lhes

cabe no excedente econômico nacional; ou, ainda, como elas logram

dissociar, quase a seu bel-prazer, democracia, desenvolvimento capitalista e

revolução nacional (FERNANDES, 2005, p. 408, grifos do autor).

O Estado foi, deste modo, instrumentalizado pelas burguesias brasileiras para

defender exclusivamente seus privilégios e também os daqueles considerados seus aliados: as

burguesias das sociedades capitalistas avançadas32

.

4. Empresa Estatal como Apoio Interno para Valorização do Capital

Internacional

Como consequência desse tipo de controle do Estado, consolidou-se uma estrutura

estatal por meio das empresas estatais, que teve como objetivo satisfazer as demandas de

acumulação privada dentro do espaço nacional. O setor estatal converteu-se, “com grande

rapidez e flexibilidade, na espinha dorsal da adaptação do espaço econômico e político interno

aos requisitos estruturais e dinâmicos do capitalismo monopolista” (FERNANDES, 2005, p.

305), servindo, dessa maneira, para o fortalecimento dos interesses da iniciativa privada.

32

“As burguesias nativas detinham o controle da sociedade política. Contudo, eram burguesias relativamente

fracas (com referência aos centros dinâmicos do capitalismo mundial) e incapazes de dinamizar as funções

básicas da dominação burguesa (o que as concentrava naquelas funções diretamente vinculadas a seus próprios

interesses particularistas, de autopreservação e autoprivilegiamento direto ou indireto, como a „defesa da ordem‟

e a consolidação do capitalismo privado de duas faces; ou, em outras palavras, o que as absorvia nas „funções

nacionais‟ diretamente vinculadas aos interesses das classes possuidoras e ao exercício de sua dominação,

mesmo que isso acarretasse o monopólio do poder político estatal por segmentos muito reduzidos da sociedade

global). Em consequência, como sucedia com as elites coloniais, convertiam-se no elo interno da dominação

imperialista externa” (FERNANDES, 1979, p. 39-40, grifos do autor).

39

Para a classe dominante, as grandes beneficiárias desse processo, formou-se um

Estado disposto a barganhar para favorecer seus anseios, promover políticas de planejamento

econômico com o falso argumento de auxiliar a população como um todo, ou de levar o país a

um capitalismo com certa autonomia. Como as burguesias não queriam abrir mão de seus

privilégios, o Estado só pode se constituir enquanto um Estado autoritário. Democracia e

privilégios tornaram-se inconciliáveis.

No contexto atual do uso do poder estatal e das funções do Estado, as

ramificações, as influências diretas ou indiretas, e a eficácia da plutocracia

ampliaram-se e aprofundaram-se. O que antes só podia ser conseguido

mediante tráfico de influências, corrupção ou coação, hoje pode ser feito de

modo simples e direto, através de composição entre interesses privados

(nacional e estrangeiro) e as cúpulas políticas, militares ou tecnocráticas dos

governos. Diferentes tipos de políticas „nacionais‟, de programas de

„racionalização‟ e de „planificação estatal‟, canalizam as decisões que

interessam à „iniciativa privada‟ e mobilizam os meios para atingi-las [...].

As classes privilegiadas entenderam que não podem ser “iluministas”,

“liberais” e muito menos „tolerantes‟. Acabaram acomodando-se à ideia de

que não podem repetir o padrão europeu de revolução burguesa e que podem

tirar maior proveito do “pragmatismo político”, que lhes ensina ser

impossível conciliar capitalismo e democracia, sem abrir mão do seu

superprivilegiamento relativo e sem atacar as iniquidades do

subdesenvolvimento. Portanto, o resultado final dessa complexa evolução foi

uma concentração ainda maior do poder político no tope, uma adulteração

ainda maior do ritualismo democrático e uma desenvoltura sem contestações

no uso do Estado para fins particularistas. As estruturas de poder em que se

funda a hegemonia burguesa racionalizam-se, enquanto as demais estruturas

da sociedade de classes evocam as realidades e os dilemas do

subdesenvolvimento (FERNANDES, 1975, p. 111-112, grifos do autor).

A tomada do Estado e o uso das empresas estatais no processo de industrialização

não significaram que o país tinha como rumo um capitalismo autodeterminado. Como

acertadamente mostrado por Fernandes (2005), o país cada vez mais se direcionava para a

intensificação da dependência externa e do desenvolvimento desigual, mesmo em períodos de

crescimento econômico expressivo33

, que foram necessários à legitimação dessas burguesias

brasileiras. O crescimento permitia que uma parcela da população excluída conseguisse

alguma inserção no mercado de trabalho, o que amenizava as mazelas sociais, sem nenhuma

mudança estrutural34

. Assim, as possibilidades de uma mudança “dentro” ou mesmo “fora da

33

“O Estado adquire estruturas e funções capitalistas, avançando, através delas, pelo terreno do despotismo

político, não para servir aos interesses "gerais" ou "reais" da Nação, decorrentes da intensificação da revolução

nacional. Porém, para satisfazer o consenso burguês, do qual se tornou instrumental, e para dar viabilidade

histórica ao desenvolvimentismo extremista, a verdadeira moléstia infantil do capitalismo monopolista na

periferia” (FERNANDES, 2005, p. 401-402, grifos do autor). 34

“Mesmo quando o ritmo de modernização é intenso, as estruturas fundamentais da sociedade colonial não

desaparecem [...]. Como as burguesias dependentes não abrem mão de privilégios exacerbados, os esforços para

40

ordem” diminuíam e o “imperialismo total” convertia “os dinamismos de crescimento da

economia capitalista satélite em fonte de transferência para fora de seu próprio excedente

econômico” (FERNANDES, 1972, p. 55). Como desdobramento,

A dominação imperialista externa cresce (e não diminui, como se esperava)

com a diferenciação e a aceleração do desenvolvimento capitalista; e, ao

mesmo tempo, ela se redefine e se fortalece, agora, a partir de dentro,

utilizando a base material quase inexpugnável que alcançara na organização

do sistema econômico e manipulando as probabilidades de decisões

inerentes à sua própria posição institucional (FERNANDES, 2005, p. 291).

A conclusão da revolução burguesa no Brasil se deu com o golpe de 1964 porque as

mudanças do “imperialismo total” abalaram as estruturas de poder internamente,

principalmente por quatro motivos: i) o antagonismo interno apareceu, apesar de as classes

trabalhadoras e populares não terem condições de levar a revolução adiante, entretanto, sua

pressão colocou as burguesias brasileiras em estado de alerta; ii) para garantir a capacidade de

controlar o tempo político com o imperialismo total, essas burguesias tiveram que se

reorganizar e aparar suas arestas; iii) houve uma pressão externa para a adequação do ritmo e

da intensidade do desenvolvimento capitalista; e iv) ocorreu uma pressão interna das classes

populares dentro do Estado que autonomizaram alguns setores que foram criados desde

Getúlio Vargas e reivindicavam um certo nacionalismo.

Essa situação só podia ser resolvida, para manter a posição superprivilegiada de uma

parte dessa sociedade, por meio de um golpe, que significava o ajuste necessário ao

“imperialismo total”. Portanto, a contrarrevolução burguesa estabeleceu as condições

necessárias exigidas pelo “imperialismo total” para que suas empresas multinacionais

aumentassem sua participação na economia brasileira.

Atingimos a industrialização maciça não só sob a égide do imperialismo e do

intervencionismo estatal. Fizemo-lo sob a tutela de um mandonismo

intolerante e carrancista, que se metamorfoseava em "racionalidade

burguesa", empenhada não na defesa da ordem existente pela revolução

democrática, mas na sua imposição pela força e pela violência organizada

(isto é, pela contrarrevolução, eufemisticamente aclamada como "revolução

institucional") [...]. Não só o processo que desemboca nessa forma típica e

tópica de revolução burguesa em atraso; mas, também, o fato de que as

forças contrarrevolucionárias de uma sociedade de classes explosiva

ganharam o centro do palco, o domínio sobre a Nação e o controle direto do

combater as desigualdades sociais não podem avançar até o ponto em que a alteração na correlação de forças

ameace a absoluta supremacia das classes dominantes sobre a sociedade. Por este motivo, Florestan Fernandes

adverte que, ainda que o crescimento econômico seja um elemento estratégico do padrão de dominação, pois

alimenta ilusões de melhor classificação social, ele não pode ser considerado uma solução para os problemas

gerados pela dependência” (SAMPAIO JR., 1999, p. 154).

41

Estado. Em suma, uma burguesia cegamente conservadora conta com um

Estado autocrático-burguês como uma terceira mão armada, repressiva e

opressora (FERNANDES, 1980, p. 125, grifos do autor).

O diagnóstico a partir de Fernandes (1972; 1975; 2005) sobre as características das

burguesias brasileiras e as especificidades de sua revolução atrasada permite uma análise das

mudanças ocorridas nas políticas econômicas introduzidas no país durante a fase do

“imperialismo total”. De maneira geral, a sua interpretação não cria a ilusão de que as

medidas econômicas se direcionavam para a construção do país enquanto uma nação e que a

ampliação das empresas estatais que aumentavam o poder de intervenção do Estado na

economia se dirigia para a consolidação de um capitalismo autodeterminado ou para a

homogeneização das estruturas produtivas.

As empresas estatais criadas e ampliadas principalmente na fase da

internacionalização produtiva foram voltadas em grande medida para atender as necessidades

das empresas privadas multinacionais e nacionais; principalmente as primeiras, a fim de

permitir a valorização de seus investimentos no país, notadamente no período da

internacionalização produtiva.

Como os investimentos privados internacionais na periferia tornavam-se muito

elevados, e consequentemente os riscos também, havia a necessidade de mudanças internas

nos países periféricos para que houvesse segurança para essas inversões e garantias para que a

rentabilidade auferida internamente pudesse ser destinada aos países centrais, principalmente

aos Estados Unidos. Assim, as burguesias brasileiras promoveram diversas alterações

exigidas pelas empresas multinacionais, entre as mais importantes, o uso das empresas

estatais como principal alicerce para a vinda dessas empresas.

A forte expansão das empresas estatais foi uma condição essencial para os interesses

privados de valorização do capital produtivo no país principalmente a partir do Plano de

Metas (PM)35

de JK, quando já se observava um período de constituição e consolidação das

empresas estatais no sentido de ensejar a industrialização dependente. Tanto JK quanto os

35

“A metade dos anos 50 marca um período de mudanças no padrão de acumulação com alteração da estrutura

produtiva. Nessa época (Governo Juscelino Kubitschek), ocorre uma expansão econômica liderada,

principalmente, pelo setor de bens de produção e bens de consumo duráveis. O setor produtivo estatal emerge

significativamente através das diretrizes traçadas pelo Plano de Metas, possibilitando vários projetos na área de

infraestrutura (energia, transporte) e insumos básicos. Essa infraestrutura seria condição prévia para que o setor

privado se desenvolvesse, tornando-se também um dos fatores necessários para a instalação de empresas

multinacionais no País. E essas empresas direcionam seus investimentos para a indústria de bens duráveis,

implementando diversos projetos na área. Como o setor de bens de capital não estava totalmente consolidado, os

investimentos estrangeiros vieram de forma direta. As empresas multinacionais tiveram, ainda, uma série de

vantagens para se instalarem no País, em termo de estímulos fiscais e facilidades para saída de lucros”

(RÜCKERT, 1981, p. 79-80). Para uma análise detalhada sobre o Plano de Metas, ver Lessa (1983), p. 23-117.

42

governos militares subsequentes entendiam como necessário para o processo de

industrialização brasileiro o atendimento, por parte do Estado periférico, das exigências do

capital monopolista, como a criação de uma infraestrutura mínima e o fornecimento de

serviços e insumos básicos para dar suporte aos investimentos privados36

.

Assim, o papel do Estado enquanto empresário [foi] basicamente o de –

atuando em setores que se caracterizam por investimentos de volume

elevado, longa maturação e baixa rentabilidade – suprir insumos e serviços

básicos à economia. Com isso [gerava] importantes economias externas, que

[beneficiavam] principalmente o setor privado. Nesse sentido, em termos de

estrutura de poder na economia, a ação do Estado por meio das empresas do

governo [foi] muito mais no sentido de oferecer suporte às outras bases do

tripé econômico do que de miná-las (SUZIGAN, 1976, p. 107).

O Estado, portanto, criava as condições – economias externas – para as empresas

privadas potencializarem seus ganhos ao investir no país37

. As empresas estatais atuavam em

setores relacionados a insumos básicos e infraestrutura, de baixa rentabilidade, e transferiam

parte de seus excedentes a preços subsidiados para as empresas privadas, principalmente

multinacionais, as quais, por sua vez, atuavam em áreas mais dinâmicas da economia, com

elevada lucratividade. “Essa intervenção foi parte integrante de um padrão de

desenvolvimento capitalista cujos constrangimentos mais importantes eram o caráter

incipiente do setor privado nacional e os laços de dependência estrutural em relação ao centro

capitalista mundial”38

(ABRANCHES, 1977, p. 8-9).

36

De acordo com Cipolla (1977, p. 107, grifos do autor), “ao investir na produção de serviços e insumos básicos,

institucionalizando a baixa lucratividade para potenciar o capital privado – o que foi feito com a administração

dos preços [...] – o Estado termina por perpetuar-se nessas atividades [...]. Não há dúvida de que se trata de um

mecanismo de transferência de mais-valia, que é criada nas empresas do governo, mas que é apropriada pelas

empresas multinacionais e empresas privadas nacional, via preços administrados”. Para Villela (1984, p. 18),

“foram criadas empresas públicas em situações em que as necessidades de capital para os projetos eram muito

grandes e, pelo menos a curto prazo, a rentabilidade esperada pelo setor privado seria muito baixa para atraí-lo”.

De acordo com Trebat (1980, p. 843), “as empresas estatais brasileiras nos setores de utilidades públicas e de

indústria básica revelaram-se substitutas efetivas da propriedade privada. Criadas para desempenhar papéis no

processo de crescimento que, por numerosas razões, as empresas privadas não podiam cumprir, as estatais

alteraram o curso e o ritmo da industrialização no Brasil. Em vez de concorrer com as empresas privadas, elas de

fato criaram condições para que o setor privado estendesse suas operações”. 37

Para Martins (1977, p. 279-280): “a estatização [foi] um dos expedientes de que a burguesia [lançou] mão para

maximizar a taxa de lucro e/ou multiplicar as oportunidades de investimento privado. Para ela, os recursos do

Estado são seus recursos, uma vez que o Estado é o seu Estado”. 38

“A intervenção do estado em atividades diretamente produtivas está intimamente ligada à questão da

apropriação e alocação de recursos necessários à dinamização da atividade econômica [...]. Uma parcela

ponderável das atividades produtivas do estado destina-se a gerar economias externas ou insumos essenciais

(muitas vezes a preços administrados) à produção privada de bens industriais. Na medida em que apoia o setor

privado, garantindo-lhe a oferta de certos bens e serviços básicos, o setor estatal serve, também, como

intermediário no repasse desses recursos, indo beneficiar, em última instância, setores de produção final,

integralmente controlados pela iniciativa privada” (ABRANCHES, 1977, p. 48).

43

Nesta fase, as empresas multinacionais se articulavam em suas apostas por rígidas

fronteiras nacionais, conforme um regime central de acumulação. Por isso, deslocavam para a

periferia suas plantas produtivas completas para a produção de mercadorias com alto valor

agregado, se relacionando diretamente com os mercados internos desses países.

Para melhor explicar o papel das estatais e o acirramento da dependência externa

com a internacionalização produtiva39

, são discutidos os tópicos a seguir: i) A gênese e

desenvolvimento das empresas estatais antes da contrarrevolução burguesa, e que ganhou

força na segunda metade da década de 1950, com o Plano de Metas (PM); ii) Os interesses

dos IDEs acima dos interesses da Nação; iii) As reformas empreendidas pelo Plano de Ação

Econômica do Governo (PAEG), programa econômico traçado pelo primeiro governo militar,

que tinha como meta satisfazer os interesses irrestritos do imperialismo total; iv) A expansão

das empresas estatais após o golpe civil-militar de 1964 e; v) O período de crescimento

econômico conhecido como “milagre”, com o intuito de mostrar como a expansão da

economia teve como protagonistas as empresas estatais, as quais aumentaram seus

investimentos e possibilitaram a reversão do ciclo. Essa situação favoreceu expressivamente

as empresas multinacionais no aumento de sua lucratividade no período, além de ampliar sua

participação no mercado nacional.

4.1. Desenvolvimento das Empresas Estatais

O Setor Produtivo Estatal (SPE) consolidou-se a partir da década de 1950 com a

constituição das usinas siderúrgicas Usiminas e Cosipa, da refinaria Duque de Caxias,

vinculada a Petrobrás, e de projetos hidrelétricos40

(COUTINHO; REICHSTUL, 1977). As

empresas estatais atuavam no setor de energia (principalmente geração, uma vez que a parte

mais rentável, ligada à distribuição de energia, ficaria sob responsabilidade muitas vezes do

setor privado estrangeiro); de petróleo; siderurgia41

; mineração42

; transportes e

39

Este trabalho se baseia na periodização sistematizada por Campos (2009, p. 10), para quem, “a fase de

internacionalização produtiva iniciou-se no final da Segunda Guerra e seguiu até o início dos anos 60, quando o

IDE, sobretudo de origem norte-americana, internacionalizou os mercados internos. Aqui houve uma ampliação

dos padrões de produção e de consumo norte-americanos, protagonizada pela corporação originária do EUA, que

difundiu novos processos empresariais nos países da Europa Ocidental que estavam reconstruindo suas

economias, ao mesmo tempo em que firmou uma dimensão política, ao garantir o espaço de sociabilidade

capitalista entre o risco do avanço soviético nas franjas do sistema. Para isso, foi necessário criar mecanismos

multilaterais para certa conduta econômica internacional, tendo como planejador central o poder estatal dos

Estados Unidos”. 40

Para Abranches (1977, p. 10), “seria enganoso admitir que a incorporação das ferrovias seja o marco inicial do

processo de formação do setor produtivo estatal [...]. Foi a partir de três setores de base da economia –

siderurgia, petróleo e energia elétrica – que se constituiu o núcleo do segmento estatal na economia”. 41

Esse setor “só foi viabilizado pelo Estado depois de fracassarem as negociações para que o setor privado

estrangeiro assumisse o risco, uma vez que o setor privado nacional não teria aporte de capital suficiente. A

44

telecomunicações, entre outros, que não eram de interesse do capital internacional, mas se

mostravam fundamentais para a instalação de suas filiais no país. Essas áreas de atuação do

SPE caracterizavam-se pelo

[...] volume elevado de capital, com longo prazo de maturação, baixo

faturamento por pessoa ocupada e baixos níveis de rentabilidade direta. Os

principais setores em que se [localizavam] as empresas do Governo

[correspondiam] a essa constatação: insumos básicos (mineração, siderurgia,

química e petroquímica, fertilizantes e adubos, e petróleo); serviços

industriais de utilidade pública (energia elétrica, gás, água e esgotos) e

outros serviços públicos; armazenagens; transportes e comunicações. Sob

outro prisma, na indústria de transformação, por categorias de bens, o Estado

[concentrava-se] na produção de bens intermediários e combustíveis

(SUZIGAN, 1976, p. 127).

Sobre as fases de participação direta do Estado na economia brasileira houve várias

periodizações, dentre as quais destacaram-se três: a de Suzigan (1976), que identificou 4

momentos dessa atuação43

; a feita por Baer, Kerstenetzky e Villela (1973), que estabeleceram

5 estágios da intervenção do Estado na economia brasileira44

; e a de Dain (1977), que, por

sua vez, caracterizou 3 gerações de empresas estatais relacionadas ao SPE: i) de 1930 até o

PM45

; ii) durante a vigência do PM46

; e iii) após o golpe civil-militar de 196447

.

decisão do Estado em implantar esse projeto com empréstimo externo colocou-se como única solução para

impedir escassez e estrangulamento na utilização desse insumo” (RÜCKERT, 1981, p. 79). 42

A criação da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), em 1942, esteve relacionada às necessidades de

fornecimento de minérios a preços subsidiados para os Estados Unidos e a Inglaterra, como forma de apoio aos

esforços de Guerra, conforme estabelecido entre Estados Unidos, Inglaterra e Brasil, através dos Acordos de

Washington, que impunham uma ingerência dos Estados Unidos à empresa, como garantia dos pagamentos dos

empréstimos disponibilizados por meio do Eximbank (DAIN, 1986). 43

Esses momentos se dividiram em: i) intervencionismo incidental, que vai do início do século XX até a década

de 1920; ii) intervencionismo consciente, entre 1930 e 1945; iii) intervenção circunstancial, da segunda metade

da década de 1940 até meados da década de 1960; e iv) dirigismo da economia pelo Estado, a partir do golpe

civil-militar (SUZIGAN, 1976). 44

Tais estágios se dividem em: i) o período anterior a 1930; ii) os anos 1930; iii) os anos 1940, durante a

Segunda Guerra Mundial e nos primeiros anos do pós-guerra; iv) os anos 1950 e; por fim, v) os anos 1960

(BAER; KERSTENETZKY; VILLELA, 1981). 45

“Fazem parte da primeira geração as empresas do setor ferroviário as quais, quando de origem privada, passam

progressivamente ao controle estatal. Na década de 40, a ação estatal se dirige à extração de minério de ferro,

criando a Vale do Rio Doce e encampando duas outras companhias. É dessa época também a criação da Cia.

Nacional de Álcalis e da Cia. Siderúrgica Nacional. O destaque mais importante dos anos iniciais da década de

50 é o estabelecimento do monopólio estatal de petróleo, com a criação da Petrobrás” (DAIN, 1977, p. 143). 46

“Durante o Plano de Metas surge a segunda geração de empresas produtivas, integradas por vários

empreendimentos no setor de energia elétrica, bem como pela Rede Ferroviária Federal, que com sua

constituição, unifica as estradas de ferro federais. No setor de insumos básicos, são constituídas a Usiminas, a

Ferro e Aço Vitória e a Cosipa. Nos anos iniciais de 1960, e coroando um processo decisório iniciado

anteriormente surge a Eletrobrás como a primeira holding estatal” (DAIN, 1986, p. 143-144). 47

“A terceira geração reúne o maior número de empresas estatais criadas. No entanto, este aparente

desenvolvimento do setor estatal deve ser melhor qualificado. Parte das novas empresas corresponde a uma

reorganização administrativa e de controle de decisões, que se consubstancia na multiplicação de subsidiárias ou

na constituição de novas holdings setoriais. No caso das subsidiárias, inúmeras resultam da diversificação

vertical e horizontal de empresas já existentes” (DAIN, 1977, p. 144).

45

Na visão de Suzigan (1976), Dain (1986)48

, Baer, Kerstenetzky e Villela (1973)49

,

além de Motta (1980)50

, a participação do Estado na economia por meio das empresas

estatais, de modo geral, “não resultou de ação planejada”51

(SUZIGAN, 1976, p. 126). Essas

análises representavam, portanto, um indício de que o aumento das empresas estatais na

economia ocorria de fato, principalmente, para atender os interesses de valorização do capital

produtivo das empresas privadas, ou seja, à medida que o processo de internacionalização

produtiva avançava, o Estado criava e expandia as empresas necessárias para dar suporte à

industrialização dependente e subordinava cada vez mais sua política econômica ao desiderato

dessas empresas52

.

A sinalização sobre quais setores o Estado deveria atuar vinha da Comissão Mista

Brasil–Estados Unidos (CMBEU), que também indicava a necessidade de um banco de

fomento, que resultou na criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

(BNDE) em 1952. No governo de JK, “embora enfatizando o papel do capital privado,

principalmente de origem estrangeira, que recebeu tratamento privilegiado” (SUZIGAN,

1976, p. 89), o BNDE passou a financiar diretamente os investimentos estatais em setores

indispensáveis para a instalação das indústrias multinacionais no Brasil, principalmente

energia, transportes e indústrias de base53

. Caso o Estado não atuasse nessas áreas,

dificilmente haveria o estabelecimento das filiais das empresas multinacionais no país da

48

Dain (1986, p. 279) ressaltou “a inexistência de um padrão de intervenção estatal”. Diferentemente do que

ocorreu em países europeus, como a França e a Itália. 49

De acordo com Baer, Kerstenetzky e Villela (1973, p. 883), “a atual preponderância do estado na economia

brasileira não é o resultado de um esquema cuidadosamente concebido. Decorre, em grande parte, de numerosas

circunstâncias que, em sua maioria, forçaram o Governo a intervir de maneira crescente no sistema econômico

do País”. 50

Motta (1980, p. 70) afirmou que “as empresas públicas que proliferaram no Brasil nos últimos 30 anos tiveram

as suas origens assentadas na combinação de diversos fatores. Não surgiram de qualquer política global de

estatização, mas resultaram de decisões fragmentadas ao longo do tempo, inclusive movidas por fatores

circunstanciais que em dado momento exigiram a intervenção do Estado”. 51

Para uma visão que se contrapõe especificamente à análise de Suzigan, ver Cipolla (1977). 52

De acordo com Abranches (1979, p. 101, grifos do autor), “torna-se patente o caráter complementar da

atividade produtiva estatal em relação ao segmento privado da economia. Na medida em que as empresas estatais

concentram-se na produção de insumos básicos, impõe-se ao setor produtivo estatal certas tarefas de reforço à

acumulação privada, em função, mesmo, de seus efeitos para frente. A concentração das empresas estatais em

setores básicos faz com que o setor produtivo estatal submeta-se à lógica de expansão do setor privado – em

particular dos segmentos produtores de bens finais –, que lideram o crescimento da economia. Contudo, esta

mesma concentração determina o caráter estratégico do Estado na formação de base técnica necessária à

continuidade de acumulação de capital no setor privado. Isso significa que a expansão prévia da infraestrutura de

responsabilidade estatal e a oferta de insumos de uso geral são requisitos fundamentais para a expansão, em base

ampliada, do setor privado”. 53

Assim, foram criados “no setor de energia elétrica as Centrais Elétricas de Furnas (1957), a Cia. de

Eletricidade do Amapá (1959) e a Cia. Hidrelétrica do Vale do Paraíba, no âmbito federal, e várias outras

unidades na esfera estadual; no setor de transportes, foram unificadas as estradas de ferro federais pela criação da

Rede Ferroviária Federal (1957); e, no setor de indústria de base, a USIMINAS (1956), a Cia. Ferro e Aço de

Vitória (1959) e a COSIPA (1960)” (SUZIGAN, 1976, p. 89).

46

forma como ocorria54

. No PM, respondendo às exigências da indústria automobilística, o

Estado brasileiro criou as condições para a instalação desse setor, fomentando assim o

transporte rodoviário e, inclusive, comprometendo significativamente o setor ferroviário55

.

A opção adotada durante o PM não encontrou resistências ou mesmo contraposição à

criação das empresas estatais. Posteriormente, no período militar, a relutância à expansão das

empresas estatais também foi muito baixa, pelo menos até meados da década de 197056

.

Como ressaltou Dain (1977, p. 146):

A criação das empresas estatais da terceira geração não se [dava] ao mesmo

nível e natureza de conflito que [caracterizava] sobretudo a primeira geração

empresarial pública. Além de se processar sob um estado autoritário, no qual

[estavam] bloqueados os canais de acesso e de mobilização popular, nesta

etapa [eram] garantidas ao capital estrangeiro condições de permanência e de

maior comando dos setores produtivos, e [assim se mantinha] o padrão de

industrialização iniciado com o Plano de Metas.

O Estado, de fato, atuou em “vácuos” deixados pelo setor privado, isto é, ele entrou

“no mercado não para cercear a voracidade da empresa privada, mas para suprir sua ausência”

(MARTINS, 1977, p. 289). Assim, “o arsenal de instrumentos da política econômica à

disposição do governo aí [estava] não para estatizar a economia, mas para servir à burguesia:

sua razão de ser [consistia] em que a burguesia [vivia] melhor com ele do que sem ele”

(MARTINS, 1977, p. 292). É um grande equívoco, portanto, afirmar que as empresas estatais

se expandiram em setores que prejudicavam a iniciativa privada57

, pelo contrário, as empresas

estatais forneceram subsídios à acumulação dessas empresas58

.

54

Para mais informações sobre a importância das empresas do governo na economia no período JK, ver Villela

(1962). 55

No período do PM, a malha rodoviária cresceu em 20.000 km, enquanto a ferroviária aumentou menos que

900 Km. “A indústria de bens de capital cresceu à taxa de 26,4% ao ano entre 1955 e 1960 em grande medida

devido ao comportamento dos segmentos „equipamentos e veículos‟ e equipamentos de transporte‟”

(ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1992, p. 174, grifos dos autores). Para Abranches (1977, p. 9), “a

estatização das ferrovias não constitui nenhum plano deliberado de confisco da propriedade privada, implicando,

apenas, na transferência para o setor público de um empreendimento decadente”. 56

Para Prado (1984, p. 88), foi “surpreendente [a] facilidade com que a privatização ampla foi aceita e endossada

pela sociedade brasileira [...] mesmo operando processos de privatização desde 1981, somente em 1990 o

governo brasileiro inicia um amplo e abrangente processo de reforma da produção estatal, adotando um

programa de privatização totalmente integrado às políticas de ajustamento macroeconômico”. 57

Mesmo porque o Estado operava em “empreendimentos que exigem pesados investimentos, com longo prazo

de maturação e retorno lento, que se implantam em um momento em que a escassez de capitais era mais

acentuada. Mas setores necessários para a realização de condições apropriadas para a produção manufatureira e

superação de deficiências oriundas do desenvolvimento capitalista retardatário. A intervenção direta do estado

foi uma demanda das forças mais interessadas na combinação do processo de desenvolvimento e na abertura de

novas possibilidades e arranjos para a expansão das atividades produtivas. Essa demanda articulava-se em torno

de empreendimentos estratégicos, de cuja produção a indústria necessitava, mas que o capital privado não tinha

condições ou interesse em assumir” (ABRANCHES, 1977, p. 10). 58

Elucidando tal situação, afirmou Martins (1977, p. 286): “se o grosso da burguesa deseja, digamos, comprar

aço barato, não é de seu interesse impedir que a Companhia Siderúrgica Nacional ou a USIMINAS dediquem-se,

47

4.2. Os Interesses dos IDEs Acima dos Interesses da Nação

Embora Fernandes (1972; 1975; 2005) tenha mostrado que os IDEs impuseram seus

interesses ao país e que as burguesias brasileiras atuaram estabelecendo as mudanças internas

necessárias aos negócios dos IDEs a partir de JK acirrando a dependência, essa interpretação

não representava um consenso. Houve autores que entenderam essa associação entre capital

internacional e atuação do Estado brasileiro de outra maneira, como Lessa e Dain (1988);

Cardoso e Faletto (1970) e Cardoso (1995). Estes defenderam a possibilidade de o Estado

brasileiro impor controle sobre o capital internacional e submeter os IDEs aos interesses da

nação, havendo assim uma oportunidade de um desenvolvimento capitalista nacional mesmo

que dependente.

A visão de que o Estado teria condições ou interesse em subordinar o capital

internacional às necessidades nacionais como argumentaram Lessa e Dain (1998), que

consideraram que nas teorias gerais do Estado desapareceu a especificidade caracterizada pela

articulação do Estado nacional com o desenvolvimento econômico capitalista, não é

inadequada. No entanto, é incorreta a conclusão de que havia a possibilidade de o Estado

periférico colocar seus interesses acima dos anseios das empresas multinacionais.

Ao assumirem que a industrialização periférica ocorreu com significativo atraso já na

etapa monopolista do desenvolvimento capitalista, esses autores procuraram destacar algumas

diferenças entre as economias periféricas e as economias centrais. Neste sentido, a

especificidade da América Latina estava na articulação que o Estado prescrevia entre as filiais

e os capitais nacionais (LESSA; DAIN, 1998). Para corroborar seus argumentos, Lessa e Dain

(1998) defenderam que as filiais das empresas multinacionais que se instalavam no Brasil

tinham uma “lógica macrodeterminada pelo dinamismo da economia capitalista em que

[penetravam]” (LESSA; DAIN, 1998, p. 253).

Na interpretação desses autores era como se as multinacionais tivessem entrado no

Brasil, por exemplo, aceitando as regras estabelecidas pelo país para seu espaço de

acumulação, respeitando os interesses de valorização do capital nacional e o papel de gestor

por parte do Estado. Por isso, eles identificaram essa relação como associada simplesmente e

não fizeram referência a seu complemento: dependente e subordinada. Isso se explicitou

quando destacaram que a comunidade de interesses dos capitais nacionais presenciava um

através de subsidiárias criadas para esse efeito, como a Cobrafi e Usimec, às atividades relativas à elaboração de

projetos à construção de equipamentos siderúrgicos, em lugar de onerar os seus custos adquirindo esses bens e

serviços das mãos de terceiros e a preços que incluem o lucro dos fornecedores privados”.

48

movimento inicial em que o capital industrial internacional estava “subordinado econômica e

politicamente ao capital nacional” (LESSA; DAIN, 1998, p. 256).

Os autores exacerbavam o papel do Estado enquanto dotado de condições de

estabelecer regras e limites às filiais instaladas no país. Não por outro motivo, chegaram a

afirmar: “Se há algo que uma filial valora e teme na América Latina é a capacidade do Estado

de criar (ou derrogar) barreiras à entrada, em seu espaço, de filiais de outros blocos”59

(LESSA; DAIN, 1998, p. 254).

É necessária uma contraposição a essa interpretação, uma vez que, conforme

discutido na primeira parte desse capítulo, a partir de Fernandes (1972; 1975; 2005), com a

internacionalização produtiva, o Estado voltou-se ao atendimento das exigências de

acumulação privada estabelecidas pelas empresas multinacionais. Dessa forma, o Estado foi

incapaz de “prescrever” a articulação entre o capital nacional e as filiais das empresas

estrangeiras de modo a conduzir a uma maior autonomia relativa para o país.

Lessa e Dain (1998) equivocamente tiveram como pressuposto que as burguesias

brasileiras promoviam um Estado nacional capaz de impor regras para a entrada das filiais no

país e restrições à valorização de seu capital no espaço nacional na fase da industrialização

pesada. Se essas análises estivessem corretas, a revolução burguesa brasileira não teria como

desfecho uma contrarrevolução.

O fato principal é que não existiu esse protagonismo por parte do Estado brasileiro.

Isso não quer dizer que este Estado tenha sido fraco. Ele foi muito forte internamente para

promover as mudanças exigidas pela acumulação privada dentro do espaço nacional, de modo

a manter boa parte da população alijada das vantagens do desenvolvimento econômico e, ao

mesmo tempo, propiciar ganhos elevados e uma posição de superprivilegiamento para as

burguesias brasileiras, tanto no circuito industrial como na exploração de formas mercantis de

acumulação.

Na mesma linha de análise de Lessa e Dain (1998), Mello (1977) argumentou que

após a II Revolução Industrial as grandes empresas monopolistas que controlavam a

tecnologia e as finanças aumentaram muito sua capacidade instalada, o que poderia criar um

grave problema de realização de demanda em períodos de crise. Para amenizar essa

59

De acordo com Sampaio Jr. (1999, p. 47-48, grifos do autor): “O ensaio Capitalismo Associado, de Carlos

Lessa e Sulamis Dain, é ilustrativo da convicção de que as filiais estrangeiras teriam vindo à periferia para ficar,

pautando sua estratégia de valorização do capital em função das oportunidades de negócios abertas no espaço

econômico nacional. Inverte-se, assim, o papel desempenhado pelo capital internacional, no desenvolvimento

nacional. Já não é a Nação que se ajusta às „exigências‟ do capital internacional, mas exatamente o contrário: é o

capital internacional que se adapta às „exigências‟ da sociedade periférica”.

49

possibilidade, principalmente depois da crise de 1929, tais empresas estabeleceram uma

relação de interdependência com os Estados, que se constituiu enquanto um capitalismo

monopolista de Estado60

.

No caso do Brasil, esse capitalismo monopolista de Estado, na interpretação de

Mello (1977), teria surgido no governo JK, com a instalação da indústria pesada e a partir

desse momento completaram-se as bases técnicas à “autodeterminação do capital (base

produtiva pesada de bens de produção), cristalizadas no estabelecimento de relações entre os

Departamentos de Bens de Produção, Bens de Consumo Assalariado e Bens de Consumo

Capitalista” (MELLO, 1977, p. 3).

A função reguladora do Estado se desenvolveu, então, no processo de

internacionalização produtiva e instalação do capital monopolista no país; de expansão do

SPE; e da debilidade do capital privado nacional. Essa função reguladora impunha “ao Estado

a presença de um setor produtivo estatal capaz de apoiar em forma negociada e, portanto,

conflitiva às grandes empresas internacionais, e ao mesmo tempo proteger o capital nacional,

regulando seu avanço em direção à monopolização” (MELLO, 1977, p. 3).

A defesa da ideia de que a industrialização tardia do Brasil ensejou uma função

reguladora do Estado, presente tanto em Lessa e Dain (1998) quanto em Mello (1977),

também é incorreta. O que a história econômica tem mostrado, diferentemente do que

argumentaram esses autores, é que as empresas multinacionais ao penetrar – e mesmo antes –

em uma economia periférica como a brasileira promoviam as mudanças necessárias para sua

atuação de modo que o Estado se transformasse prioritariamente em um “gestor” de seus

interesses.

A sustentação teórica de que na fase monopolista a situação do menor país latino-

americano era a mesma que a do Brasil – não interessava “a dimensão da economia, o grau de

diferenciação de seu aparelho produtivo etc.” (LESSA; DAIN, 1998, p. 259) –, mostrou-se

também equivocada, haja vista que a dimensão do mercado interno foi um fator decisivo para

a instalação das empresas multinacionais na América Latina. As características brasileiras de

um mercado interno de proporções continentais com um alto nível de concentração de renda

notadamente serviram como estímulos à atração e à penetração dos IDEs.

60 “No capitalismo monopolista há uma politização da economia, no sentido de que tanto a forma da

concorrência intercapitalista como a forma das relações entre capital e trabalho são constituídas no Estado.

Isso, a nosso ver, explica o paradoxo de que nenhum conflito pode-se subtrair à presença do Estado, e, ao mesmo

tempo, a articulação dos interesses é fugaz e circunstancial. Diante disso, necessariamente toda a crise

econômica se transfigura numa crise política. Em suma, é deste ponto de vista que adquire sentido o conceito de

capitalismo monopolista de Estado” (MELLO, 1977, p. 3, grifos do autor).

50

A interpretação de Cardoso e Faletto (1970), que partiu da hipótese de que era

possível compatibilizar desenvolvimento e dependência, também trouxe alguns enganos. Ela

seguiu a direção de que a internacionalização do mercado interno criava a possibilidade de

alguns países da América Latina levarem adiante o processo de industrialização apoiados no

capital internacional em uma situação de solidariedade entre o capital internacional e o espaço

econômico nacional para promover um certo desenvolvimento econômico. Para esses autores,

a entrada das empresas internacionais levava a um maior progresso técnico e à modernização

dessas economias, além de destacarem que a produção e a realização seriam internalizadas de

modo a ajudar no desenvolvimento desses países. Na visão de Cardoso e Faletto (1970), a

dependência persistia porque o capitalismo dependente não conseguia internalizar o

departamento produtor de bens de capitais. Neste caso, então, era necessária a dependência

para se ter acesso a essas mercadorias essenciais para a industrialização.

Esses autores chegaram a explicitar que tinham como objetivo analisar países como o

Brasil, nos quais o desenvolvimento econômico mantinha relações de dependência com os

centros hegemônicos do sistema capitalista, mas, ao mesmo tempo, constituíram-se como

nações e organizaram Estados Nacionais, e assim, como todo Estado, aspiravam à soberania.

Cardoso e Faletto (1970) pareciam ver com bons olhos as mudanças que estavam ocorrendo

com a industrialização das economias latino-americanas também como possibilidade de os

países conseguirem aproveitar as oportunidades do crescimento econômico.

Cardoso e Faletto (1970) ressaltavam não apenas os fatores econômicos, mas

também os sociais e políticos, isto é, se preocupavam com a inter-relação

economia/sociedade/política, dando maior ênfase às questões políticas como determinantes

internos do processo de desenvolvimento. No entanto, não houve uma crítica explícita desses

autores nem mesmo à maneira como se deu a industrialização após o golpe civil-militar de

1964. Restringiam suas críticas ao arrocho salarial, à concentração de renda, que para eles não

resultaram do modelo de desenvolvimento e sim do regime burocrático-autoritário, dos

“excessos” cometidos pelos militares.

Embora essa interpretação levasse em consideração a conexão entre os determinantes

externos e os determinantes internos, ela dava mais ênfase ao segundo. Os autores

ressaltavam, sobretudo, as possibilidades da defesa dos interesses nacionais ao afirmarem que

a situação de subdesenvolvimento supunha um modo de ser que dependia de “vinculações de

subordinação ao exterior e da reorientação do comportamento social, político e econômico em

função de „interesses nacionais‟” (CARDOSO; FALETTO, 1970, p. 31, grifos dos autores).

51

Como forma de corroborar esse superdimensionamento dos determinantes internos, eles

destacaram que a análise da dependência significava não considerá-la como uma “variável

externa”, mas que era possível analisá-la “a partir da configuração do sistema de relações

entre as diferentes classes sociais no âmbito mesmo das nações dependentes”61

(CARDOSO;

FALETTO, 1970, p. 31).

Apesar de reconhecerem que o desenvolvimento da América Latina manteve a

situação de dependência com a instalação da indústria pesada, Cardoso e Faletto (1970)

acreditavam que, ao mesmo tempo, havia a possibilidade de um aumento no grau de

autonomia da região. Por isso, afirmavam que esse processo não significava

[...] que a formação de um forte setor econômico estatal em alguns países,

como o México e o Brasil, com capacidade de regulação econômica e

participação acentuada do setor público na formação de novos capitais, não

[pudesse] ampliar o grau de autonomia real das decisões internas dos países

industrializados da América Latina (CARDOSO; FALETTO, 1970, p. 130).

Em outra passagem, insistiam os autores: “o grau de importância que o setor público

pode adquirir na economia desempenha um papel significativo em cada país que alcançou a

forma de desenvolvimento em questão e possibilita ao Estado distintas margens de manobra

na definição das novas alianças de manutenção do poder” (CARDOSO; FALETTO, 1970, p.

133-134).

Cardoso (1995) e Cardoso e Faletto (1970) mostraram, assim, uma inversão na

análise da relação entre Estado e capital internacional, uma vez que para os autores foi o

Estado que promoveu as mudanças que orientaram os investimentos internacionais em países

da América Latina que se industrializaram. Esse capital supriu as debilidades das “burguesias

nacionais” e era necessário para o desenvolvimento desses países. Como explicitado no trecho

abaixo:

A partir da década de 1950 como consequência da própria reação local,

consubstanciada em políticas industrializadoras e protecionistas, mudou a

estratégia das empresas estrangeiras (dos conglomerados e das

multinacionais). A ação do empresário local (privado e público) mostrou que

existiam possibilidades “técnicas” de industrializar produtos de consumo

corrente e de substituir as importações, desde a época da Segunda Grande

Guerra, quando se interrompe o fluxo de importações. A participação do

estado na regulamentação econômica e na proteção dos mercados, bem como

61

Assim, definiram desenvolvimento enquanto “resultado da interação de grupos e classes sociais que têm um

modo de relação que lhes é próprio e, portanto, interesses materiais e valores distintos, cuja posição, conciliação

ou superação dá vida ao sistema socioeconômico. A estrutura social e política vai se modificando na medida em

que diferentes classes e grupos sociais conseguem impor seus interesses, sua força e sua dominação ao conjunto

da sociedade” (CARDOSO; FALETTO, 1970, p. 22).

52

no deslanchar da produção de insumos industriais básicos (aço, petróleo,

energia, conforme os países) e ainda por cima, a difusão de uma ideologia

favorável ao desenvolvimento, criaram desafios para a antiga política

antiindustrializante do capital estrangeiro. Daí para frente a competição

pelos mercados internos dos países periféricos, bem como a crescente

internacionalização e diversificação da produção propiciada pela

concorrência entre as grandes empresas oligopólicas, tornaram obsoleta a

crença no papel “antiindustrializador” do capital estrangeiro, pelo menos no

caso dos países com importantes mercados internos potenciais (CARDOSO,

1995, p. 193, grifos do autor).

A saída como resolução dos problemas do Brasil, de acordo com eles, estava na

democratização das decisões políticas da sociedade. “A alternativa para isso, além do valor da

igualdade, reside em seu complemento que requer liberdade: a necessidade de participar. Está

na democracia” (CARDOSO, 1995, p. 162, grifos do autor). Daí a possibilidade que

entendiam existir de conciliação entre dependência/desenvolvimento/democracia e Estado de

Bem-Estar Social.

É, no mínimo, controverso afirmar que um país que promoveu mudanças internas

com o objetivo de atender os interesses das empresas multinacionais e que aumentou a

influência externa sobre as decisões internas tenha, de fato, constituído um Estado que

propusesse aumento de sua soberania e de sua autonomia. Essa situação descrita pelos autores

pode até ter sido tentada no momento que antecedeu o golpe civil-militar de 1964 por uma

fração das burguesias brasileiras e dos trabalhadores, contudo, fortemente reprimida, e o

desfecho foi uma maior perda de autonomia, principalmente com o regime autoritário.

Inegavelmente há uma relação dialética entre os interesses externos e as mudanças

internas, entretanto, não se pode colocar em segundo plano as pressões existentes para um

certo tipo de desenvolvimento na periferia pautado pelas aspirações do “imperialismo total”.

Esses autores ignoravam, portanto, determinantes externos que eram decisivos para um tipo

de desenvolvimento capitalista na periferia. O “imperialismo total” cooptava suas burguesias

para que se beneficiassem desse processo à custa de grande parte da população alijada das

melhorias desse suposto desenvolvimento.

Conforme Fernandes (1972; 1975; 2005), o fortalecimento da ação do Estado,

principalmente por meio das empresas estatais, significou atender as demandas do

imperialismo total e reduzir, paradoxalmente, a possibilidade de autonomia por parte do

Estado e das burguesias nativas. O controle externo, neste sentido, operou a partir de dentro e

acentuou a dominação imperialista. Enquanto Cardoso (1995) reiterou sua posição inicial

junto a Faletto (1970), afirmando que existia “simultaneamente um processo de dependência e

de desenvolvimento capitalista” (CARDOSO, 1995, p. 106, grifos do autor), Fernandes (1972;

53

1975; 2005) identificou que a industrialização na América Latina representava a consolidação

do subdesenvolvimento com o fortalecimento da dependência62

. Sem desconsiderar as lutas e

os determinantes internos, os fatores externos impuseram sua maneira de explorar as regiões

do globo.

O equívoco de Cardoso (1995) e Cardoso e Faletto (1970) consistiu, em suma, em

enxergar de forma positiva o papel industrializante do capital internacional, como se este

pudesse ser controlado pelo Estado e assim fortalecesse os interesses da nação.

Diferentemente, Fernandes (1972; 1975; 2005) mostrou que o imperialismo sobre a América

Latina colocava esses países como reféns dos objetivos do capital internacional e com a

anuência das burguesias nativas comprometia-se o desenvolvimento capitalista autônomo

nessas regiões e a construção de uma nação. Dessa forma, não foi o Estado o ator que

planejou e definiu o investimento do capital estrangeiro canalizando-o para um tipo de

industrialização que atendesse as necessidades da nação. Mas sim foi a maturação dos capitais

das empresas multinacionais no pós-Segunda Guerra Mundial e a necessidade de investir nos

países da América Latina que fizeram com que as burguesias nativas se reorganizassem,

tomassem o Estado para si e levassem sua autocracia adiante para satisfazer as demandas do

“imperialismo total”. Deste modo, a possibilidade de desenvolvimento em um contexto de

dependência apenas pode se dar para uma minoria privilegiada.

4.2.1. A Impossibilidade de Controle sobre o Capital Internacional

Além de Fernandes (1972; 1975; 2005), Prado Jr. (1961; 2006) explicitou a

impossibilidade de desenvolvimento econômico ou controle por parte do Estado brasileiro

sobre os capitais internacionais63

a partir da industrialização pesada. Diferentemente das

interpretações de Dain e Lessa (1980), Cardoso (1995) e Cardoso e Faletto (1970), a análise

de Prado Jr. revelava a atuação dessas empresas como trustes e o seu poder de influência

sobre os países onde se instalavam, impondo sua lógica de acumulação. 62

Por isso, Fernandes (1975, p. 286) afirmou sobre a América Latina: “a discussão funda-se em conhecimentos

que possuo de países economicamente mais avançados, nos quais a dependência é mais profunda e diferenciada

e o subdesenvolvimento mais desenvolvido”. 63

De acordo com Campos (2012, p. 18. grifos do autor), para Caio Prado Jr., “capital internacional não diz

respeito ao mero „capital estrangeiro‟ identificado apenas com a origem. Trata-se de entendê-lo nessa fase como

complementar à lógica de reprodução ampliada do capital, procurando pontuar os seus vínculos precários que se

estabelecem com a zona de destino. Em segundo lugar, é também capital internacional porque se articula com

interesses nativos e com eles defende uma rentabilidade esperada que remunera um variado arco de negócios,

cuja fronteira nacional se define apenas como conjuntura de apostas e não um espaço estruturante para

construção de um desenvolvimento genuinamente nacional. No afã da valorização que requer um espaço

periférico como parte complementar à remuneração do capital internacional, o sócio burguês latino-americano

prefere abrir mão do controle da política econômica, que eventualmente confrontaria o imperialismo em seu

território, do que ficar alijado das benesses oferecidas pela remuneração imediata na indústria pesada”.

54

Enquanto trustes64

, as filiais das empresas multinacionais escolhiam operar em

segmentos nos quais o mercado interno propiciasse grande rentabilidade. Esses trustes

concentravam-se em “atividades produtoras de bens direta ou indiretamente ligados ao

consumo de restritos setores de maior poder aquisitivo, sem o atendimento suficiente das

necessidades gerais e fundamentais do país” (PRADO JR., 2006, p. 324). Instalavam-se em

áreas nas quais havia um mercado interno consumidor elitizado pronto para demandar suas

mercadorias conspícuas65

.

Não se pode portanto considerar o moderno empreendimento capitalista, que

é o truste, como simples inversão de capital destinada a proporcionar um

certo lucro a esse capital, segundo o modelo já largamente ultrapassado do

capitalismo clássico. O truste é um empreendimento essencialmente

dinâmico e conquistador insaciável de controle e domínio econômicos, que

constituem para ele a fonte principal do lucro. Assim sendo, a sua expansão

internacional [...] longe de constituir mera inversão de capitais excedentes

em busca de aplicação no exterior, é sobretudo instrumento de controle e

domínio econômicos. [...] O objetivo de um truste instalado no Brasil com

suas filiais, subsidiárias e satélites será fatalmente o de se expandir ao

máximo, destruindo todos os obstáculos que se anteponham a essa expansão

e captando em seu proveito os benefícios daquele desenvolvimento na

medida restrita em que ele se realizar (PRADO JR., 2006, p. 326-327).

É importante ressaltar que os trustes, na fase monopolista do capitalismo, tiveram

uma forma peculiar de operar que os diferenciava das empresas da fase do capitalismo

competitivo66

. Enquanto as empresas no capitalismo competitivo procuravam adaptar-se ao

mercado, os trustes, por sua vez, representavam o oposto: adaptavam o mercado a seus

investimentos. Daí o poder de transformar a economia de um país subdesenvolvido de acordo

64

Anteriormente a Prado Jr., outros autores como Hilferding (1985) e Lênin (1985) também concluíram que a

empresa multinacional na fase do capitalismo monopolista organizava-se por meio de trustes. Essa forma de

organização facilitava sua expansão e a dominação de mercados externos para auferir uma rentabilidade

expressiva em suas inversões fora de suas fronteiras nacionais, dado o elevado nível de concentração e

centralização de seus capitais. 65

“Isso se pode afirmar inclusive dos principais setores de nossa indústria, como a siderurgia, metalurgia,

cimento, vidro etc., que se fundam sobretudo, embora indiretamente, naquele consumo suntuário, pois se

destinam em sua maior parte à produção final de bens de consumo durável cujo mercado é restrito a pequenos

setores da população brasileira, como sejam: automóveis, aparelhos eletrodomésticos etc. bem como edificações

urbanas de luxo (prédios de apartamentos e de escritórios de alto custo). No que se refere à siderurgia, enquanto

a construção civil absorve 26,1 por cento do aço consumido no país, e a indústria automobilística, 12,6 por cento,

as atividades de interesse mais geral e que dizem respeito mais de perto às necessidades das massas da população

se mantêm em índices bem mais modestos: 7,4 por cento para as ferrovias; 2,0 por cento para a construção naval;

1,3 por cento para o equipamento agrícola” (PRADO JR., 2006, p. 331). 66

Para Prado Jr., “diferentemente do que tinha ocorrido na fase do capitalismo concorrencial – quando a

exportação de capital produtivo integrava-se organicamente nas economias periféricas –, na etapa do

imperialismo total este processo é regido pelo interesse do grande capital financeiro internacional em

monopolizar os mercados e os processos produtivos das economias dependentes. Enquanto no período anterior a

difusão de estruturas produtivas contribui para o desenvolvimento das economias retardatárias, na etapa

subsequente tal processo bloqueia o desenvolvimento nacional, fechando as possibilidades para uma arrancada

recuperadora” (SAMPAIO JR., 1999, p. 120).

55

com suas necessidades de obtenção de lucro e em detrimento dos interesses desta nação. Os

trustes, portanto, não se relacionavam ou apenas por coincidência se associavam com as

necessidades próprias dos países subdesenvolvidos67

(PRADO JR., 1961).

Em uma síntese, Prado Jr. (2006, p. 315) destacou os motivos que levaram ao avanço

dos trustes no Brasil:

[...] revigoramento da ação imperialista por força, de um lado das

circunstâncias gerais derivadas da intensificação do processo de trustificação

da economia capitalista contemporânea, e doutro lado, pela final recuperação

econômica dos países imperialistas europeus, até então ainda sofrendo as

consequências devastadoras da guerra. O efeito no Brasil dessa conjugação

de fatores, internos e externos, será de estimular fortemente as inversões

estrangeiras não somente em empreendimentos novos, mas sobretudo em

associação com empreendimentos nacionais já existentes [...]. Longe de o

capital estrangeiro ser absorvido, ou tender para isso, são as empresas

brasileiras que se dissolvem dentro das grandes organizações financeiras

internacionais; e aos poucos a indústria brasileira evolui para a situação a

que se verá reduzida e que não será, fundamentalmente, mais que a de uma

constelação de filiais e subsidiárias mais ou menos declaradas de grandes

empresas imperialistas.

A entrada dos trustes no Brasil promoveu mudanças internas que acirraram os

desequilíbrios das contas externas da economia, já que essas empresas quando passaram a

produzir suas mercadorias com destino ao mercado interno necessitavam de recursos em

moeda estrangeira para a destinação de seus lucros nos países de origem de suas matrizes.

Isso gerava um processo de deformação em sua industrialização, pois o país perdia sua

capacidade de levar adiante uma industrialização que tivesse um vínculo orgânico com o

desenvolvimento da nação (PRADO JR., 1961; 2006).

As empresas privadas nacionais não saíam necessariamente prejudicadas com a

associação subordinada e dependente em relação às empresas multinacionais. A despeito de

perderem sua autonomia, ganhavam com a resolução dos problemas técnicos e financeiros,

facilitados pelo contato com as multinacionais. O capital internacional também se beneficiava

dessa associação com as empresas nacionais, porque estas ajudavam a sua penetração na

economia brasileira com maior segurança e menor risco. A criação da Instrução 113 da

67

De acordo com Prado Jr., “a participação dos grandes monopólios internacionais no processo de substituição

de importações agravou a instabilidade das economias dependentes porque, ao recorrerem à periferia atraídos

pelas oportunidades de negócios abertas pela expansão do mercado interno, eles inviabilizaram a consolidação

de um „capital industrial‟ de origem nativa capaz de liderar o processo de acumulação. Por mais paradoxal que

isso possa parecer, apesar do expressivo desenvolvimento das forças produtivas, a subordinação do processo de

industrialização à lógica do capital financeiro internacional agravou a vulnerabilidade externa da economia, uma

vez que não há nada que assegure de antemão que os lucros acumulados internamente poderão ser sancionados

no mercado internacional” (SAMPAIO JR., 1999, p. 118, grifos do autor).

56

Sumoc, em 1955, foi um marco deste processo de facilidades ao capital estrangeiro ao

autorizar a emissão de licenças de importação sem cobertura cambial de equipamentos

industriais de investimentos estrangeiros. A Instrução 113

[...] dava aos investidores estrangeiros o direito de trazerem seus

equipamentos sem nenhuma despesa cambial, enquanto os industriais

nacionais eram obrigados a adquirir previamente com pagamento à vista, as

licenças de importação exigidas para trazerem do exterior os equipamentos

de que necessitassem. Os interesses imperialistas eram tão poderosos junto

às autoridades brasileiras que logravam inclusive favores negados aos

próprios nacionais (PRADO JR., 2006, p. 314).

O ano de 1954, quando houve a baixa do preço do café no mercado internacional –

principal produto de exportação do Brasil –, foi importante para a criação da Instrução 113.

Ele representou um forte desequilíbrio na balança comercial e, consequentemente, levou a

uma acentuada desvalorização da moeda. O grave desequilíbrio das contas externas e sua

forma de “resolução” foram interpretados por Prado Jr. (2006, p. 313) como o uso “de um

velho arsenal colonialista, procurando a solução do problema no estímulo ao afluxo de

capitais estrangeiros”.

Enquanto os investimentos estrangeiros aplicados nos países subdesenvolvidos

destinavam-se a atividades relacionadas ao mercado externo, essas inversões não criavam

problemas estruturais no balanço de pagamentos porque geravam os saldos de exportação

necessários para remunerar seus investimentos. Mas, com a instalação das empresas

multinacionais em atividades ligadas ao mercado interno, essa situação inverteu-se e os

desequilíbrios do balanço de pagamentos tornaram-se estruturais e mais acentuados, de forma

que os saldos da balança comercial não eram mais, em regra, suficientes para equalizar esses

desequilíbrios. Isso ocorria porque, com essas empresas remetendo seus lucros para suas

matrizes, cada vez mais se faziam necessários recursos em moedas estrangeiras, que se

tornavam mais limitados pelas atividades de tais empresas relacionarem-se ao mercado

interno.

Se antes da industrialização pesada os superávits comerciais estabeleciam, em grande

medida, os limites para a importação de mercadorias, a partir de então, com a

internacionalização produtiva, os recursos necessários para as remessas de lucro aumentavam

expressivamente e, consequentemente, o nível de dependência e endividamento externo do

país também cresciam. Essa nova realidade indicava, de acordo com Prado Jr. (2006, p. 327-

328), que

57

Efetivamente, o nosso desenvolvimento econômico, enquadrado no sistema

imperialista [...] pautar-se-á necessariamente pelos interesses dos trustes aqui

instalados, que se farão, como já acontece e será cada vez mais o caso, o

elemento principal e fator decisivo de nossa economia. São trustes que

fixarão as normas, o ritmo e os limites do desenvolvimento, para eles

naturalmente determinados pelo montante dos lucros que a economia

brasileira é capaz de proporcionar. E que limites são esses? Encontramo-los

na margem de saldos financeiros que o Brasil oferece nas suas contas

externas; a saber, aqueles que resultam de nosso intercâmbio com o exterior.

A tabela 3 explicita o agravamento das contas nacionais tanto em relação aos

investimentos estrangeiros como em relação às remessas das rendas nesse processo de

industrialização dependente.

Tabela 3

Remessas e Inversões (em US$ milhões)

Ano 1963 1964 1965 1966 1967

Remessas de Rendas

Inversões

Saldo

- 147

51

- 96

- 192

76

- 116

- 269

75

- 194

- 291

133

- 158

- 313

84

- 229

Fonte: Boletim do Banco Central. In: Prado Jr. (2006, p. 317).

Conforme a tabela 3, houve um aumento exponencial das remessas de lucro auferidas

no Brasil no momento posterior ao golpe civil-militar e no período do PAEG. As retiradas

superaram os investimentos em quase US$ 230 milhões em 1967, agravando a situação do

balanço de pagamentos do país, que necessitava cada vez mais gerar os recursos em moeda

estrangeira para a realização dessas remessas, que somaram, em 1967, US$ 313 milhões.

Esses dados se contrapõem à afirmação de que a entrada das empresas

multinacionais e do capital internacional no Brasil atuavam no sentido de amenizar os

desequilíbrios das contas externas do país ou mesmo que o capital internacional seria

absorvido em determinado momento pelo capital nacional. Como consequência desses

desequilíbrios houve no país “instabilidade financeira, inflação, perturbações profundas e

incontroláveis” (PRADO JR., 2006, p. 318). Essas se repetiam e ameaçavam cada vez mais a

economia brasileira.

Mesmo “deformando” o desenvolvimento nacional, as empresas multinacionais

encontraram um apoio fundamental das burguesias brasileiras, assim como do Estado,

representante dos interesses dessas burguesias68

. Nesse contexto, as próprias empresas estatais

68

Marx afirmava que a classe que surge enquanto classe dominante tem, necessariamente, que conquistar o

poder político e, além disso, criar a sensação de que os seus interesses enquanto classe são os interesses de todas

as classes, ou seja, “toda classe que aspira à dominação, mesmo que essa dominação, como no caso do

proletariado, exija a superação de toda a antiga forma de sociedade e de dominação em geral, deve conquistar

58

que poderiam atuar em prol do desenvolvimento do país acabavam capitaneadas pelos

interesses do imperialismo. “A iniciativa estatal, em vez de objetivar o fim que realmente lhe

[competia], que [era] o de contribuir para a estruturação de uma economia efetivamente

nacional, se [colocava] a serviço de empreendimentos imperialistas” (PRADO JR., 2006, p.

322).

Nesse processo, o Brasil não conseguia se livrar de seu passado colonial, uma vez

que necessitava em grande medida de saldos positivos em sua balança comercial, os quais só

seriam possíveis com “uma organização fundada na produção de matérias-primas e gêneros

alimentares demandados no mercado internacional” (PRADO JR., 2006, p. 323). Assim, “o

principal problema [era] que a substituição de importações ficou subordinada à lógica de

modernização dos padrões de consumo das elites nacionais. Por essa razão, a industrialização

preservou as estruturas da sociedade colonial” (SAMPAIO JR., 1999, p. 115-116). E, como

essas empresas trouxeram a tecnologia desenvolvida nos países centrais, houve no Brasil “um

vínculo irremovível de dependência e subordinação” (PRADO JR., 2006, p. 330). Esta relação

eliminou qualquer perspectiva “de um progresso tecnológico original, independente e

impulsionado por forças e necessidades próprias” (PRADO JR., 2006, p. 330).

Esse tipo de industrialização pesada não tirava o país da posição de retardatário, de

um complemento periférico e apêndice dos centros. A determinação dos empreendimentos

imperialistas representava “uma deformação e amesquinhamento” do que deveria ser o

processo de industrialização brasileira, além de caracterizar um reforço do sistema colonial,

“o principal responsável pelas nossas deficiências, limitando o desenvolvimento aos

acanhados horizontes daquele sistema” (PRADO JR., 2006, p. 330).

Como parte importante desse processo de subordinação ao capital internacional,

Campos (2009) explicitou que no governo JK os Grupos Executivos (GE) criados, como foi o

caso do Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA), promoveram a proeminência

das empresas multinacionais no processo de orientação da industrialização brasileira,

estabelecendo uma ruptura com o modelo de desenvolvimento capitalista estabelecido no

segundo governo Vargas69

. Em suas palavras,

primeiro o poder político, para apresentar seu interesse como interesse geral, ao que está obrigada no primeiro

momento” (MARX, 1996, p. 49). 69

Como exemplo, Vargas priorizava o transporte de ferrovias e não o das rodovias. Uma análise sobre o GEIA,

de acordo com Campos (2009, p. 65), “deixa transparecer como o ritmo da produção dado, mesmo tendo como

orientação mais geral o poder estatal, resultava numa crescente subordinação da industrialização ao

planejamento privado. Assim, o governo estimulava o desenvolvimento setorial por meio de instrumentos

cambiais e fiscais e estabelecia as metas mais amplas do seu plano de desenvolvimento, sem interferir no ritmo

estabelecido pelo grupo executivo da indústria automobilística”.

59

Os grupos executivos dos quais a empresa estrangeira foi a protagonista,

sobretudo no GEIA, dimensionavam os programas setoriais aliados sim, ao

Estado, mas por sua própria lógica. A contribuição pública se dava por meio

de taxa cambial estável e subsidiada para importações, ou mesmo pela

concessão de financiamentos, isenções tributárias ao consumo de veículos,

auxílios financeiros do BNDE e do Banco do Brasil, ficando aquém, todavia,

de uma condução vertical da maneira que Getúlio havia idealizado para seu

padrão de desenvolvimento. O capital internacional, por ter preponderância

estratégica, escala infinitamente superior ao privado nacional e força

econômica suficiente para impor seus interesses, teve o caminho livre para

fazer os grupos executivos exercerem por si próprios as decisões e

descentralizarem as execuções, ignorando até mesmo o Conselho de

Desenvolvimento (CAMPOS, 2009, p. 63, grifos do autor).

Os interesses privados internos também foram satisfeitos com a participação do

capital privado nacional fornecendo mercadorias para a cadeia produtiva das empresas

multinacionais ou mesmo os investimentos públicos ofertando bens e serviços à produção

privada. De acordo com Campos (2009, p. 134), “com exceção do Despacho 28.816, a 113

revogou todos os outros avisos, instruções e decretos que animavam e davam sentido a um

padrão de desenvolvimento capitalista menos subordinado à internacionalização”.

Aproveitando-se de sua posição privilegiada na importação de máquinas e equipamentos sem

cobertura cambial, a empresa multinacional trazia de seu país de origem máquinas e

equipamentos obsoletos, “superfaturando valores de importação e amortizando os custos fixos

de seus bens de capital, ou mesmo ganhando desconto no imposto de renda, por estar

incorporando ativos produtivos à capacidade instalada” (CAMPOS, 2009, p. 135). Com isso,

a “Instrução 113 representou o primeiro grande salto da internacionalização da economia

brasileira” (BENAKOUCHE, 2013, p. 24, grifos do autor).

A partir da industrialização ocorrida durante o PM, portanto, houve um aumento da

dependência externa brasileira, que foi aprofundada com o Estado autoritário, após o golpe

civil-militar de 1964, e com as reformas do PAEG, que vincularam a economia brasileira ao

circuito financeiro mundial.

4.3. O Golpe de 1964, a Conexão da Economia Brasileira ao Mercado

Financeiro Internacional e as Reformas do PAEG

O golpe civil-militar de 1964 propiciou às burguesias brasileiras o total controle do

Estado (político e das empresas estatais) para imprimir o ritmo e a intensidade da absorção

das mudanças estabelecidas pelo “imperialismo total”. Tais alterações não seriam possíveis

sem a consolidação de um Estado autoritário que alijava a participação popular e bloqueava a

60

constituição da nação. Não por acaso, o golpe contou com apoio incondicional dos Estados

Unidos70

, para que fossem bloqueadas as Reformas de Base encampadas pelo governo de

João Goulart (Jango)71

, além da Lei 4.131, que limitava e dificultava as remessas de lucro ao

exterior, desagradando os interesses do “imperialismo total” sobre o país72

.

Para atuar na articulação da derrubada do governo Jango, os norte-americanos

encaminharam ao Brasil, principalmente momentos antes do golpe, os Boinas Verdes73

, uma

tropa de elite militar treinada para desarticular movimentos nacionalistas na América Latina e

ainda coordenaram a Operação Brother Sam74

. Esta não foi efetivada, uma vez que não houve

resistência significativa ao golpe. Além disso, o complexo formado pelo Instituto de

Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD)

também trabalhava contra o governo democraticamente eleito e conspirava sua destituição75

.

70

“Os agentes da CIA teceram, sem dúvida, toda rede da conspiração contra o governo de Goulart, com a

colaboração não só de militares brasileiros, mas, também, de latifundiários, comerciantes e industriais,

amatilhando os radicais de direita para atos de terror e sabotagem, lutas de guerrilhas e antiguerrilha. Os

depósitos de material bélico, bem como os campos de treinamento militar, espalhavam-se por todo o país,

escondidos em igrejas e fazendas. E organizações como Ação de Vigilantes do Brasil, Grupo de Ação Patriótica,

Patrulha da Democracia, Mobilização Democrática Mineira e outras apareceram em todos os Estados, como

forças policiais paralelas, espécie de milícias fascistas, num processo de crescente irradiação” (BANDEIRA,

1978, p. 126). 71

As Reformas de Base foram explicitadas no discurso de Jango 18 dias antes do golpe. Discurso disponível em:

http://outraspalavras.net/brasil/ha-cinquenta-anos-o-discurso-da-central/. 72

Para Gennari (1999, p. 30), “o governo brasileiro, ao promulgar a Lei 4.131, tocou num aspecto central do

imperialismo daquele período, qual seja, impediu que a mais-valia criada na esfera nacional (de país receptor de

investimentos diretos) retornasse para a origem, rompendo assim o próprio ciclo internacional do capital, [...] a

questão não era puramente econômica, mas também política e ideológica”. 73

Houve uma entrada maciça de norte-americanos, principalmente no Estado do Nordeste, que eram os

chamados Boinas Verdes, “uma unidade de elite, treinada e especializada na tarefa de combater movimentos de

esquerda e reprimir intentos de insurreição” (BANDEIRA, 1978, p. 138). 74

Bandeira (1978, p. 174) ressaltou que essa Operação “consistia na expedição para o Brasil de uma força-tarefa,

composta pelo porta-aviões Forrestal, destróieres de apoio, entre os quais um com mísseis teleguiados, navios

carregados de armas e mantimentos, bem como quatro petroleiros (Santa Inez, Chepachet, Hampton Roads e

Nash Bulk), com um total de 136.000 barris de gasolina comum, 272.000 barris de óleo diesel e 20.000 barris de

gasolina de avião, 35.000 barris de óleo diesel e 20.000 barris de querosene. A fim de atender às necessidades

mais prementes dos insurrectos, sete aviões de transporte C 135, levando 110 toneladas de armas, oito aviões de

caça, oito aviões-tanques, um avião de comunicações e um posto aéreo de comando estabeleciam uma ponte-

aérea, ligando as bases norte-americanas e o Brasil”. 75

Para Toledo (1988, p. 84, grifos do autor), “o complexo IPES/IBAD procurou desempenhar, assim, o papel de

„verdadeiro partido da burguesia – a vanguarda das classes dominantes – e seu estado-maior para a ação política,

ideológica e militar‟. Entre os objetivos perseguidos pela organização, destacavam-se: impedir a solidariedade da

classe operária; conter a sindicalização dos trabalhadores rurais e a mobilização dos camponeses; apoiar as

facções de direita dentro da Igreja Católica; dividir o movimento estudantil, bloquear as forças nacional-

reformistas no Congresso e nas Forças Armadas; mobilizar a alta oficialidade militar e as „classes médias‟ para a

desestabilização do regime „populista‟. A tarefa „construtiva‟ do IPES/IBAD estaria na sua proposta de uma

nova ordem sócio-política sob a hegemonia do capital multinacional e associado”. Prossegue Toledo (1988, p.

86), “Miguel Arrais demonstrou com documentos que o IBAD recebeu contribuições da Texaco, Shell, Ciba,

Schering, Coca-Cola, IBM, Esso, Cigarros Souza Cruz, Hanna Mining Corp. , General Motors, etc. O IPES

conseguiu ajuda financeira de 297 corporações norte-americanas; contribuições também vieram da Alemanha

Ocidental, Inglaterra, Bélgica, etc. Recursos da Central Intelligence Agency (CIA), agência governamental

norte-americana, foram igualmente canalizados para as campanhas do IBAD”.

61

Dreifuss (1987) explicitou toda a articulação do IPES/IBAD para derrubar o governo

Jango, com ajuda externa e envolvimento de nativos, tanto militares quanto civis, como

empresários, banqueiros e intelectuais, que estavam diretamente relacionados ao IPES e de

onde sairiam para ocupar os principais cargos do país como: ministérios, secretarias, bancos e

presidência da República. Entre as pessoas ligadas ao IPES estavam Roberto Campos,

Antonio Delfim Netto, Mário Henrique Simonsen, João Paulo dos Reis Velloso, Octávio

Gouveia de Bulhões76

. Nessas posições, eles formularam as reformas do PAEG77

, revelando

que a pressão externa ecoava internamente e contribuía para o fortalecimento de uma minoria

privilegiada78

.

As multinacionais que haviam chegado principalmente durante o PM79

aproveitavam

as facilidades e aumentavam sua participação, alicerçadas na política econômica do governo

autoritário. Assim, “a tendência para a desnacionalização, concentração e predominância em

setores industriais específicos das multinacionais aumentou fundamentalmente após 1964”

(DREIFUSS, 1987, p. 62) e os Estados Unidos, que atuaram diretamente na implantação do

regime autoritário, obtiveram tratamento privilegiado, conforme acordo “assinado em

princípios de 1965, concedendo garantias especiais ao investimento norte-americano no

Brasil” (DREIFUSS, 1987, p. 441).

O golpe aprofundava a interação entre o imperialismo e as burguesias brasileiras, por

meio das filiais, e explicitava como “os interesses multinacionais e associados foram capazes

de controlar a vida política do Estado e forjar sua máquina de acordo com as necessidades do

76

“Sem dúvida, o desenvolvimento mais importante em assuntos econômicos foi o estabelecido pelo IPES, de

sua hegemonia dentro da rede financeira do Estado, controlando assim a alocação dos vastos recursos ao seu

dispor. Além disso, os ativistas do IPES controlaram os principais escritórios de elaboração de política financeira

e todos os mecanismos decisórios, moldando assim a economia” (DREIFUSS, 1987, p. 429). 77

De acordo com Dreifuss (1987, p. 417), existia uma forte “congruência das reformas administrativas,

econômicas e políticas pós-1964 com as propostas de reformas aventadas pelos grupos de Estudo e Doutrina do

IPES, que forneceu as diretrizes e a orientação para as reformas estruturais e mudanças organizacionais da

administração pós-1964, e muitas dessas diretrizes políticas haviam sido desenvolvidas pela elite orgânica

empresarial durante sua vitoriosa campanha de 1961 a 1964. Os tecno-empresários e empresários puderam

assegurar, através de seus cargos públicos, o rumo do Estado brasileiro ao longo de uma via capitalista, servindo

aos interesses gerais dos industriais e banqueiros multinacionais e associados”. 78

Para se ter uma ideia do alinhamento com os Estados Unidos, o novo Ministro do Exterior chegou a afirmar

que: “„o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil‟, parafraseando o conhecido dito sobre a General

Motors e os Estados Unidos” (DREIFUSS, 1987, p. 441). 79

“O controle oligopolista de mercado baseava-se principalmente na preferência multinacional pela penetração

setorial seletiva, especializada e concentrada, e na integração tecnológica e financeira. Até a década de

cinquenta, o capital transnacional havia se estabelecido em serviços, extração e comercialização de produtos

agrícolas e em menor grau, em empresas industriais. Através do Plano de Metas, os interesses multinacionais no

Brasil redirecionaram seus investimentos para outros setores e expandiram a economia local em direção à

manufatura” (DREIFUSS, 1987, p. 51). Para se ter uma ideia dos investimentos norte-americanos no Brasil, “em

1950 a manufatura já representava 44%, subindo para 54% em 1960 e atingindo 68% em 1966” (DREIFUSS,

1987, p. 53).

62

capital monopolista, ocupando cargos centrais de poder e determinando suas metas,

procedimentos e meios” (DREIFUSS, 1987, p. 419).

Fernandes (1980; 2005) explicitou como esse regime autoritário teve um caráter

contrarrevolucionário, confirmado tanto pelo seu conteúdo interno quanto pelo contexto

mundial. No nível interno, era um equívoco defender o golpe em razão de uma ameaça

comunista, como se ele significasse uma autodefesa da democracia, como argumentavam seus

arautos. Na verdade, “o que se procurava impedir era a transição para uma democracia de

participação ampliada” (FERNANDES, 1980, p. 113), retirando do espaço político a classe

trabalhadora, o “que queria dizer não só „brecar a revolução dentro da ordem‟, mas

restabelecer um status quo ante, no qual as chamadas „franquias democráticas‟ apenas teriam

eficácia para as classes possuidoras e suas elites” (FERNANDES, 1980, p. 113-114).

Do ponto de vista externo, a Guerra Fria caracterizada pela disputa capitalismo

versus socialismo promoveu uma política do centro capitalista em relação à periferia voltada a

estabelecer uma maior intervenção, com o argumento do desenvolvimento com segurança.

Como desdobramento dessa interferência, o avanço capitalista sobre a América Latina

“alcançou e paralisou em nome da „defesa‟ e da „interdependência do Ocidente‟ vários tipos

de revoluções nacionais, submetendo a modernização, em geral, e as transições democráticas,

em particular, a um controle político e policial-militar estrito” (FERNANDES, 1980, p. 113,

grifos do autor). O Brasil tinha um papel central nesta estratégia, então erodir as iniciativas

transformadoras no país era imprescindível para a “segurança do Hemisfério Ocidental”

(FERNANDES, 1980, p. 114).

As classes “possuidoras”80

no país eliminavam suas divergências em defesa do golpe

por conta da união em torno da proteção da “propriedade privada” e da “iniciativa privada”81

.

O regime autoritário instituía, deste modo, uma tirania das classes possuidoras, “ainda que

justificasse „revolucionariamente‟ a ditadura da minoria através de mistificações, como a

„defesa da ordem‟, a „proteção do regime democrático‟, o „resguardo da civilização ocidental

e da fé cristã‟ etc.‟” (FERNANDES, 1980, p. 118-119, grifos do autor). O coroamento da

contrarrevolução tinha como objetivos:

80

“Na verdade, a contrarrevolução só foi possível porque as classes possuidoras, através de seus setores

dirigentes e de suas elites econômicas, políticas, culturais, militares, judiciárias e policiais (e em certo sentido

também religiosas), revelaram-se capazes de unificar socialmente o seu espaço político, engendrando o

equivalente político de uma união sagrada dos interesses comuns das classes possuidoras” (FERNANDES,

1980, p. 118, grifos do autor). 81

“A ameaça – real ou potencial – de uma insurreição dos condenados do sistema obriga os donos do poder a

passar por cima de suas diferenças e a cerrar fileiras contra o inimigo comum: as classes subalternas”

(SAMPAIO JR., 1999, p. 149).

63

1.°) o controle dessa periferia pelas nações capitalistas hegemônicas e por

sua superpotência; 2.°) a estabilidade política exigida pelas multinacionais

(ou as grandes corporações) para operar em escala mundial e para crescer

nas nações capitalistas dependentes "estratégicas"; 3.°) os setores

hegemônicos das classes possuidoras nestas nações, como e enquanto uma

comunidade "nacional" de negócios, como empresários associados ao

imperialismo ou como os "quadros" administrativos e políticos do Estado

(FERNANDES, 1980, p. 120, grifos do autor).

Para Fernandes (1980), ficava evidente o desequilíbrio entre os privilegiados e

aqueles que se encontravam excluídos, tendo caracterizado o Brasil como um capitalismo

selvagem que avançava para uma modernização ultrarreacionária. O mandonismo se convertia

com a modernidade em autoritarismo sem máscara, o que transformava o caráter do

despotismo burguês em uma dominação abertamente autocrática.

Na periferia do mundo capitalista da atualidade, as multinacionais, as nações

capitalistas hegemônicas e sua superpotência, com uma rede internacional de

instituições econômicas, políticas, militares e culturais, ofereceram a

burguesias impotentes potencialidades novas, que lhes [asseguravam] um

forte poder de autodefesa e de auto privilegiamento. Elas se tornaram aptas a

modificar a estrutura e as funções do Estado capitalista e, em particular, a

usá-lo de uma forma discricionária e tirânica, passando assim da era do

“Estado democrático-burguês” para a era do “Estado autocrático-burguês”.

O que quer dizer que os tempos históricos da revolução democrático-

nacional foram superados e substituídos pelos tempos históricos da

aceleração do desenvolvimento econômico e do aprofundamento da

incorporação aos mecanismos econômicos, culturais e políticos do sistema

de poder mundial do capitalismo (FERNANDES, 1980, p. 79, grifos do

autor).

Subservientes aos anseios imperialistas, as burguesias brasileiras tentavam aumentar

suas possibilidades de manter e mesmo expandir sua posição superprivilegiada na sociedade

por meio da “dependência permanente”. Por isso, após a instauração do regime autoritário, as

reformas efetuadas nos marcos legais e institucionais seguiram a direção de promover

amplamente os interesses imperialistas e os desejos dessa restrita camada da sociedade

brasileira com um tripé “em que as multinacionais e as nações capitalistas hegemônicas, com

sua superpotência, se [associavam] com as burguesias locais e com o Estado burguês”

(FERNANDES, 1979, p. 38).

De modo geral, nessas reformas havia uma retórica de conter o processo

inflacionário com uma política econômica de estabilização de preços e, desta forma, preparar

as bases para o crescimento econômico de longo prazo. Durante o programa (1964-1967),

foram implementadas várias medidas decorrentes da leitura de que não havia mais

64

possibilidade do financiamento inflacionário no país, como ocorrera no período do PM, então

seria necessário assegurar outras fontes de recursos para o Estado.

As principais reformas no âmbito do PAEG propiciaram o aumento da arrecadação

por parte do governo federal, sua centralização financeira e decisória em detrimento dos

Estados e municípios e, principalmente, a entrada do país no circuito financeiro mundial,

acirrando a dupla articulação. Essa inserção se deu por meio de instrumentos de remuneração

da dívida pública, como, por exemplo, as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional

(ORTNs)82

e as Letras do Tesouro Nacional (LTNs), e pelo aumento da dívida externa,

facilitada pela Lei 4.390 de 1964, que alterou a Lei 4.13183

, a Instrução 289 de 196584

e as

Resoluções 63 e 64 de 1967. Estas estimularam o endividamento externo em um contexto de

abundância de liquidez no mercado financeiro internacional.

A Instrução 289 da Sumoc “possibilitava a contratação de empréstimos externos em

moeda estrangeira, diretamente entre empresas do exterior e do País (industriais e

comerciais), prevalecendo as transações entre firmas associadas” (PEREIRA, 1974, p. 22). A

Instrução 289 foi suprimida em 1972 após cumprir sua função de privilegiar as empresas

estrangeiras. “[Alegava-se] que a 289 foi um poderoso instrumento para as empresas

multinacionais internalizarem recursos no Brasil e provocarem uma profunda

desnacionalização no combalido parque industrial brasileiro” (SOCHACZEWSKY, 1993, p.

249).

As Resoluções 63 e 64, de agosto de 1967, por sua vez, permitiam, “respectivamente,

aos bancos comerciais e bancos privados de investimento e ao BNDE a obtenção de

empréstimos em moeda estrangeira a serem repassados a empresas industriais e comerciais no

País, para financiamento de capital fixo ou de giro” (PEREIRA, 1974, p. 23-24). A Resolução

63 favorecia a obtenção de recursos externos por parte das empresas nacionais. Os bancos

capitaneavam os empréstimos no mercado internacional e os repassavam às empresas

82

As ORTNs foram criadas, nesse contexto, com o objetivo de “garantir a cobertura do déficit de caixa do

tesouro (Banco do Brasil) sem que se recorresse à emissão primária. Isto é, permitia-se ao recém-criado Banco

Central adquirir massas de capital circulante para cobrir as operações governamentais” (COUTINHO;

REICHSTUL, 1977, p. 70). 83

A criação de canais institucionais voltados ao acesso da liquidez internacional teve início com a modificação

da Lei de Remessas de Lucro por meio da Lei nº. 4.390 de 29/08/1964, que recolocou na base de cálculo para

remessas os reinvestimentos e o aumento da alíquota das remessas de lucro de 10% para 12%. 84

De acordo com Baer (1986, p. 18, grifos da autora), “a forte influência que, no início, o capital estrangeiro teve

na institucionalização de uma maior abertura para o mercado financeiro internacional via endividamento ficou

evidente no estabelecimento da Instrução 289. Além da Lei 4.131, que não faz distinção entre empresas privadas

(nacionais e estrangeiras) e públicas, implementou-se a Instrução no 289 em 1965, que autorizava as empresas

estrangeiras residentes no Brasil a contrair empréstimos diretamente de empresas do exterior para financiar seu

capital de trabalho”.

65

brasileiras85

. Essas operações de repasse por meio da Resolução 63 “constituíram, por sua

vez, o elo através do qual as instituições financeiras locais absorveram quantidades massivas

de recursos originários do sistema financeiro dos países avançados no bojo do forte

movimento de internacionalização financeira verificado no período” (CRUZ, 1984, p. 168).

Com a Resolução 63, tentou-se equilibrar o acesso tanto das empresas estrangeiras

como das empresas nacionais aos recursos no mercado externo. Era reconhecido o privilégio

das filiais das multinacionais, “que obtinham parte do capital de giro no exterior, no montante

desejado e a juros inferiores aos que as firmas nacionais pagavam, as quais enfrentavam ainda

severas restrições creditícias internas” (PEREIRA, 1974, p. 62). A partir de então, tanto as

empresas multinacionais como as nacionais passavam a ter acesso ao mercado financeiro

internacional.

O Banco Central (BC) foi também fundado nesse período, em 31 de dezembro de

1964, pela Lei nº 4.595. Ainda em 1965 foi reaberto o ministério do Planejamento, concebido

em 1962, e em 1964 foi criado o Banco Nacional de Habitação (BNH) que, após o fim da

estabilidade no emprego promovida pelo regime autoritário, teve o reforço do aporte do

Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), vinculado ao BNDE para promover

empréstimos de longo prazo86

.

As causas da inflação, como em qualquer análise monetarista, eram para os

articuladores do PAEG “o crescente déficit público, a expansão exacerbada do crédito ao

setor privado e os „demagógicos‟ aumentos salariais acima dos aumentos da produtividade”

(OLIVEIRA, 1981, p. 39-40, grifos do autor). O novo cálculo do reajuste salarial abaixo da

inflação “facilitava a sobrevivência das pequenas e médias empresas. Por outro lado,

propiciava substancial reforço à rentabilidade das grandes empresas” (COUTINHO;

REICHSTUL, 1977, p. 71).

Instituiu-se a correção monetária dos débitos fiscais com o objetivo de defender a

arrecadação dos efeitos da inflação, que corroíam esses débitos e diminuíam o montante de

impostos a ser pago. O Imposto sobre Produtos Industrializados passou a substituir o Imposto

sobre Consumo. Transferiu-se o Imposto de Exportação da esfera estadual para a União e o

85

“A demanda por estes recursos cresceu substancialmente pois interpunha entre a empresa brasileira e o

mercado financeiro internacional uma instituição financeira, o que eliminava o problema de garantia para a

empresa brasileira. O aval do empréstimo era dado pelo banco brasileiro, que exigia uma garantia colateral

aceitável” (SOCHACZEWSKY, 1993, p. 258). 86

Sobre o financiamento do BNDES, afirmou Martins (1978, p. 34), “o BNDE, que passou a administrar o PIS-

PASEP, e que teve seus recursos aumentados em 305% em termos reais entre 1964 e 1975, dedicava mais de

90% de seus financiamentos ao setor público em 1964; atualmente, a situação é precisamente inversa: cerca de

90% de seus dispêndios são destinados ao setor privado”.

66

Imposto sobre Operações Financeiras entrou no lugar do Imposto do Selo. A Reforma

ampliava a concentração da riqueza, uma vez que a sistemática de incentivos fiscais tendia a

destinar os recursos para as empresas e a camadas da sociedade em melhor situação. O

sistema tributário se tornava ainda mais regressivo87

e inibia as possibilidades de o Estado

contribuir para atenuar as disparidades regionais e sociais (OLIVEIRA, 1981).

Assim, para diminuir o déficit público, o PAEG atuou em três frentes: “corte nos

gastos públicos; criação de um mecanismo não inflacionário do déficit; e aumento da carga

tributária” (OLIVEIRA, 1981, p. 40). O governo federal promoveu com a reforma tributária,

consolidada em 1966, o aumento de seu poder arrecadatório88

e a centralização das decisões

em relação aos Estados e aos municípios, que ficaram mais dependentes da esfera federal e de

recursos externos89

.

As reformas oriundas do PAEG no período 1964-1967 permitiram uma conexão mais

profunda entre o Brasil e o sistema financeiro internacional. Três mudanças do ponto de vista

institucional estimularam a internacionalização financeira: “1. A Lei no 4.595, de dezembro de

1964, além de criar o Banco Central, reformulou o sistema bancário, promovendo a

especialização financeira; 2. A institucionalização da Resolução 63 em 1967; e 3. A

implementação do mecanismo de correção cambial de 1968”90 (BAER, 1986, p. 14).

Como as reformas financeiras promovidas no âmbito dos governos militares

objetivavam possibilitar o acesso ao mercado de divisas internacional, alterou-se a Lei 4.131 e

instituiu-se a Instrução 289 para beneficiar as empresas multinacionais. Havia nesse programa

o objetivo declarado de propiciar “incentivos a uma entrada maciça de capital estrangeiro”

87

É interessante ressaltar que “embora a receita tributária tenha crescido substancialmente, a contribuição para

ela dos impostos indiretos (renda e propriedade) decresce de 45% (1960) para 29,2% (1974)! O que indica uma

das mais altas taxas de tributação indireta que se conhece no mundo capitalista” (MARTINS, 1978, p. 33, grifos

do autor). 88

“A distribuição dos recursos tributários efetivamente disponíveis por nível de governo revela que, em 1966,

couberam à União 40,6% e aos Estados, 46,3%. A situação em 1974 se alterou significativamente: a participação

da União atingiu 51,6%, enquanto a dos Estados caiu para 35,2%” (LOPREATO, 2002, p. 55). 89

“Cabe notar a tendência para a centralização pela União (relativamente aos Estados e Municípios) da tarefa da

arrecadação tributária em plano nacional. Da receita tributária total do país, a União eleva sua participação de

49,5% (1960) para 59,7% (1976), ao mesmo tempo em que declina a parte apropriada diretamente pelos Estados

(passa de 44,5% a 37,1%) e pelos Municípios (reduz-se de 6% a 3,2%) entre aqueles dois anos. Passando a

União a recolher parte do que antes era diretamente arrecadado pelos Estados e Municípios, os últimos ficam na

dependência política da primeira para a transferência dos termos que lhe cabem” (MARTINS, 1985, p. 44-45). 90

A captação de recurso via Resolução 63 que conectava o sistema financeiro nacional ao sistema financeiro

internacional foi estimulada pelas correções cambiais, uma vez que “a existência de ajustes periódicos do tipo de

câmbio, que fazem parte do mecanismo global de indexação da economia, fez com que os riscos de captação

externa praticamente se equiparassem aos de uma fonte interna de financiamento. Resultado disso foi uma

articulação mais estreita entre o sistema financeiro nacional e o internacional, passando esse último a ser uma

importante fonte alternativa de recursos” (BAER, 1986, p. 14).

67

(SOCHACZEWSKY, 1993, p. 219). Posteriormente, as empresas nacionais também tiveram

acesso aos recursos disponíveis no mercado externo por meio das Resoluções 63 e 64.

Deve-se ressaltar que a Lei 4.131, conhecida como Lei de Remessa de Lucros91

,

havia sido aprovada pelo Congresso em setembro de 1962, e sancionada pelo presidente João

Goulart em janeiro de 196492

. Essa lei tinha como meta o controle sobre os IDEs a partir dos

registros de ingresso desses recursos no país e a taxação de seu envio ao exterior, uma vez que

“as remessas de lucros das empresas estrangeiras [privavam] o país, sem compensação

adequada, de recursos essenciais ao nosso desenvolvimento” (PRADO JR., 1966, p. 314). A

lei estabelecia as regras para o capital privado estrangeiro, diferenciando-o do capital nacional

e, desta forma, impunha limites para sua remessa93

. “Uma das pontas da polêmica giravam em

torno da proposta do governo brasileiro de não considerar investimento estrangeiro a parte dos

lucros aqui auferidos e aqui reinvestidos” (GENNARI, 1999, p. 165). Essa mudança diminuía

significativamente as remessas para as matrizes.

Como a implementação da Lei 4.131 havia contrariado os interesses das empresas

multinacionais que ampliavam seus investimentos no país, após o golpe o regime autoritário

rapidamente promoveu alterações nessa Lei, de modo a levar adiante um dos principais

91

Prado Jr. (1966) chamou a atenção para o fato de que essa Lei caracterizava uma consciência anti-imperialista

que surgia no Brasil. Não por outro motivo, após o golpe ela foi alterada para atender justamente aos interesses

do imperialismo total. Para Campos (2009, p. 142, grifos do autor), “a Lei 4.131 representava uma inflexão no

marco institucional destinado a regular o capital estrangeiro por várias razões. Primeiro, por ser a mais bem

organizada legislação feita para essa questão até o momento. Segundo, ela se diferenciava da Instrução 113, que

havia revogado todo o complexo de essencialidade e seletividade da legislação varguista, cujo desdobramento do

sentido do termo „de especial interesse nacional‟ havia sido extinto em 1955. Em terceiro lugar, ela se distinguia

também da Lei de Tarifas, que apresentou um excesso de proteção ao oligopólio estrangeiro internalizado, do

próprio Decreto no. 42.820 que regularizou a Instrução n

o.113, assim como da Instrução n

o. 204 que, ao unificar

o câmbio, colocava o Estado nacional como avalista do grave problema cambial. A Lei de Remessas de Lucro

vinha no sentido contrário a todas essas institucionalidades que tinham como intuito diminuir a

discricionariedade dos centros internos de decisão perante a internacionalização em curso”. 92

Campos (2009, p. 142) explicou os motivos pelo quais o presidente Goulart demorou para sancionar a Lei: “a

Lei 4.131 também restaurava uma continuidade com o DL 9.025 de 1946 e o DL 30.363, principalmente no que

tange à proibição da base de cálculo para remessas de reinvestimento de lucro. Se dez anos antes as outras

legislações já tinham provocado a celeuma nos grupos internacionais instalados, agora, depois de toda a

internacionalização da indústria pesada ocorrida a partir de 1955 com IDEs novos, cuja capacidade de recuperar

100% do capital inicial se dava em poucos anos, dá para imaginar as proporções e implicações políticas muito

maiores que na época de Vargas, que a Lei de Remessa de Lucro representava. Talvez esse fosse um dos motivos

que fizeram João Goulart sancionar esse polêmico diploma legal só no dia 17 de janeiro de 1964”. 93

Para Campos (2009, p. 144), “a Lei 4.131 procurou repor o controle ao capital internacional que a Instrução

113 havia suprimido, tornando-se um dos elementos mais relevantes da argumentação dos setores conservadores

contra o governo. Por outro lado, ela também simbolizou o questionamento da internacionalização brasileira,

constituindo-se como uma das razões pela qual o Golpe de 64 não foi mero resultado da conspiração dos

quartéis, mas, acima de tudo, dos interesses reais constituídos em parte pelo próprio capital internacional. Se

assim não fosse, como explicar que uma das primeiras medidas tomadas pelo primeiro governo militar ao ser

empossado, ainda no segundo semestre de 1964, tenha sido a alteração dos artigos mais polêmicos da Lei de

Remessas de Lucro por meio da Lei 4.390”.

68

objetivos do PAEG, que era eliminar os obstáculos à entrada do capital estrangeiro e

satisfazer os interesses do “imperialismo total”.

O novo programa “apresentava uma novidade ao propor incentivos à entrada de

capitais estrangeiros pela eliminação de certos artigos restritivos na Lei de Remessas de

Lucros” (SOCHACZEWSKY, 1993, p. 210). Tais incentivos ficaram evidentes já em agosto

de 1964, quando foram “aprovadas as modificações onde os quatro parágrafos, que limitavam

a remessa de lucros a 10% sobre o capital investido [e que não consideravam] o

reinvestimento para efeito de remessa, foram simplesmente suprimidos”94

(SOCHACZEWSKY, 1993, p. 241). Com essas mudanças criou-se “de maneira inédita a

possibilidade de intermediação direta de liquidez internacional pelas multinacionais instaladas

no país” (CAMPOS, 2009, p. 145).

Além das vantagens quanto a prazos e custos, os empréstimos em moeda nos

moldes da Lei n. 4.131 mostraram-se especialmente atrativos às empresas de

capital externo, de vez que passaram a representar um mecanismo de burla

das restrições quanto à remessa de lucros originária de investimentos

estrangeiros realizados no país (CRUZ, 1984, p. 110).

Por meio da Lei 4.131, das Resoluções 63 e 64 e da Instrução 289, a entrada de

recursos externos no Brasil sob a rubrica de empréstimos estrangeiros alcançou cifras

elevadas, que sinalizavam a confiança que os investidores tinham no governo autoritário.

“Evidenciando o contraste da magnitude dos influxos no período 1968/73 com os de fases

anteriores, verifica-se que os ingressos brutos médios neste período foram quase 100 vezes

superiores aos do imediato pós-guerra (1947/52) e cerca de sete vezes aos do período

1961/67” (PEREIRA, 1974, p. 50), sendo esses capitais predominantemente norte-

americanos. A abundância de recursos no mercado financeiro internacional, principalmente

no mercado de Eurodólar95

, e a grande diferença de taxa de juros interna e externa

corroboravam para essa situação.

94

O Estado autoritário, para Campos (2009, p. 144-145), “além de flexibilizar a Lei de Remessa de Lucro,

instaurou uma reforma institucional que conectava os interesses das multinacionais e classes associadas aos

empréstimos externos altamente disponíveis pelo sistema financeiro internacional (Euromercado). Esse estágio

de desregulamentação financeira interna, aliado à sobreoferta de empréstimos externos, foi conduzido

conscientemente pelo complexo multinacional, impondo uma nova descontinuidade ao padrão de

desenvolvimento capitalista brasileiro, porque, além de repor as condições do marco regulatório menos

restritivas criadas em 1955, fez da política econômica súdita dessa etapa de acumulação de capital”. 95

Sobre a expansão dos empréstimos e financiamentos do exterior, principalmente a partir de 1971, observou

Wells (1973, p. 13): “no curso de 1971, por todo o ano de 1972 e primeiros meses do presente ano [1973],

[caracterizou-se] um estado de excesso de liquidez no mercado de euro-dólar. A reação desse mercado foi: 1)

buscar clientes fora dos EUA e da Europa; 2) estender consideravelmente os prazos médios de maturação dos

investimentos; e 3) reduzir, tanto as taxas interbancárias de empréstimos, como as margens cobradas pelos

bancos. (Para isso contribuiu, também, o acirramento da concorrência interbancária.) A existência de

69

Essa conexão com os recursos disponíveis globalmente levou à elevação expressiva

da dívida externa e aumento significativo das reservas internacionais96

, cujos custos em

função do diferencial das taxas de juros internas e internacionais chegaram a alcançar perdas

líquidas anuais entre US$ 60 milhões97

e US$ 100 milhões para o Brasil (PEREIRA, 1974). A

forte entrada desses recursos também impactou diretamente o aumento da oferta monetária

que, apesar de o governo tentar esterilizar com a colocação de títulos no mercado brasileiro,

repercutia diretamente no aumento da inflação (WELLS, 1973).

Como resultado, houve um aumento expressivo tanto das reservas internacionais

quanto da dívida externa brasileira. Em relação às reservas internacionais, em agosto de 1973

“atingiram US$ 6.339 milhões, ou seja, US$ 2.156 milhões acima do nível de dezembro de

1972, tendo como contrapartida a elevação da dívida externa” (PEREIRA, 1974, p. 77). O

crescimento das reservas cambiais redundava em aumento da dívida externa que, por sua vez,

majorava o pagamento dos serviços dessa dívida. Quando o fluxo de liquidez externo

diminuía, a saída para pagar tais encargos estava na geração de superávits na balança

comercial, acirrando o desequilíbrio do balanço de pagamentos.

Entre 1967 e 1973, o Brasil esteve entre os “maiores tomadores de fundos no

mercado internacional, se considerados os montantes absolutos, superando mesmo as posições

de tradicionais mutuários, como Israel, África do Sul, México e Argentina”98

(PEREIRA,

1974, p. 106). Nesse período, “enquanto o PIB ampliava-se à taxa geométrica de 8,6% (de

US$ 31.962 milhões para US$ 57.083 milhões), o endividamento externo expandia-se a 22%

a.a., passando de US$ 3.281 milhões para US$ 12.882 milhões” (PEREIRA, 1974, p. 127).

Em 1972 os recursos destinados ao pagamento do serviço da dívida somaram US$ 2,3 bilhões

e no ano seguinte, US$ 2,79 bilhões.

substanciais linhas de crédito serviu, também, para dar às corporações multinacionais muito maior liberdade de

manobra para expandir suas atividades em âmbito mundial”. Nesse mesmo período, Wells, reproduzindo um

analista financeiro, ressaltou: “a redução da procura de empréstimos, de parte das multinacionais norte-

americanas e dos grandes clientes europeus forçou os bancos de euro-moedas a oferecer essas ótimas taxas a

clientes periféricos, fora das áreas tradicionais de operação do sistema de euro-moedas” (WELLS, 1973, p. 14). 96

Entre 1967 e 1973, “67 por cento do incremento da dívida destinaram-se à acumulação de reservas”

(FURTADO, 1982, p. 24). Cruz (1984, p. 17) chamou a atenção para “o caráter predominantemente financeiro,

ou seja, não-produtivo, do endividamento ocorrido no período [que] fica evidenciado quando se observa que as

contratações líquidas de empréstimos e financiamentos tiveram como contrapartida principal a formação de

reservas internacionais, ou seja, a criação de poder de compra que não se realiza no período e que retorna ao

circuito financeiro internacional”. 97

De acordo com Wells (1973, p. 26), “a acumulação de reservas além do que é necessário para o financiamento

normal das importações é uma operação bastante custosa [...], o fato é que há uma margem considerável entre a

taxa de juros dos empréstimos feitos, o que, no contexto brasileiro, representa um pesado encargo, possivelmente

da ordem de US$ 60 milhões por ano”. 98

O movimento líquido de capitais para as regiões menos desenvolvidas mostrava a evolução do Brasil enquanto

destinatário desses recursos, passando de US$ 138 milhões em 1967 para US$ 1,578 bilhão em 1971, superando

o México na América Latina que recebera, em 1971, US$ 671 milhões (PEREIRA, 1974).

70

Além da dívida externa, houve a expansão da dívida pública interna, caracterizada

por seu caráter especulativo e sustentada por taxas de juros elevadas em relação às praticadas

no mercado internacional. Como resultado, ocorreu um elevado comprometimento dos

recursos do governo federal, cujo poder arrecadatório havia aumentado com as reformas do

PAEG. A partir de então, grande parte das despesas da União passou a ser destinada aos

gastos com a remuneração dos títulos públicos, conforme ilustra a tabela 4.

Tabela 4

Despesas da União Segundo os Setores (em % total)

Setores 1965 1967 1969

I – Governo e Administração

II – Agricultura e Recursos Naturais

III – Energia

IV – Transportes e Comunicações

V – Indústria e Comércio

VI – Educação

VII – Habitação e Serviços Urbanos

VIII – Saúde e Saneamento

IX – Trabalho, Prev. e Assistência

X – Defesa e Segurança Pública

XI – Trans. a Estados e Municípios

XII – Dívida Pública

Total Geral

13,3

2,9

4,3

24,0

3,4

5,1

0,2

5,0

27,3

10,9

2,7

0,9

100

7,2

3,0

2,0

19,9

6,4

3,8

0,1

7,3

28,8

11,4

8,8

1,3

100

6.8

1,7

2,3

17,6

1,4

3,8

0,2

6,9

28,9

8,7

5,4

16,3

100

Fonte: IPES/INPES e FGV/IBRE/CEF. In: Silva (1974, p. 63).

Enquanto os gastos, excluídos os relativos ao serviço da dívida pública, decresceram,

ou se mantiveram estáveis ou com pouca variação, os recursos do erário destinados à dívida

pública aumentaram, em 5 anos, passando de 0,9% das despesas da União para 16,3%, de

acordo com a tabela 4. Assim, a peculiaridade do sistema financeiro brasileiro se devia ao fato

de que o Estado criava os ativos financeiros, ancorados nos títulos da dívida pública, cujas

taxas de juros eram atrativas e com grande liquidez99.

As medidas estabelecidas pelo PAEG, em resumo, favoreceram as empresas

multinacionais instaladas no país, no sentido de facilitar a remessa de lucro ao exterior, a

intermediação financeira nos empréstimos matriz-filial e o acesso aos recursos abundantes no

99

“Os principais tomadores de ORTN são os bancos comerciais privados. Entretanto, é fundamental notar que se

trata de uma tomação induzida. Ora, o governo dá como alternativa ao recolhimento compulsório em moeda a

possibilidade de os bancos comerciais comprarem títulos da dívida pública federal. Os bancos privados

obviamente preferem especular com os títulos ao invés de terem seu capital subtraído ao processo de

valorização. Fica ainda mais evidente o caráter especulatório desse mercado se atentarmos para o fato de que são

também os bancos comerciais os principais tomadores de Letras do Tesouro Nacional. No caso das LTNs –

títulos de curto prazo – não existe mecanismo de indução à sua compra que não sejam os mecanismos normais

do mercado de capitais, isto é, o governo não apresenta as LTNs como alternativa ao recolhimento compulsório

em moeda e mesmo assim os bancos comerciais privados são os maiores tomadores!” (CIPOLLA, 1980, p. 35-

38, grifos do autor).

71

Euromercado100

. Também estimularam os bancos instalados no país101

a captar diretamente

recursos no mercado internacional e a disponibilizá-los internamente. Dessa maneira, foram

satisfeitos os interesses das empresas multinacionais tanto em seus investimentos produtivos

quanto em seus investimentos financeiros no país. Toda vez que o mercado internacional

gozava de excesso de liquidez, o país se endividava, por meio da dívida externa e da dívida

pública interna. Em contrapartida, quando esses recursos escasseavam, o Brasil tinha que

adotar medidas com o objetivo de colocar a economia a reboque dos pagamentos dessa dívida.

Esse processo acentuava a vulnerabilidade externa e possibilitava grandes ganhos para

aqueles que tramaram o golpe civil-militar. Ressaltando o aumento da dependência

econômica brasileira ante as reformas do Estado autoritário, destacou Campos (2009, p. 148),

Se em uma primeira etapa fomos envolvidos em uma internacionalização de

capital cuja dimensão produtiva foi compatibilizada com a política

econômica em curso buscando a implantação da indústria pesada, em um

segundo momento, a internacionalização financeira iniciada no centro

começou a ser importada por meio das reformas financeiras da ditadura

militar, que teve como reflexo tornar a política econômica refém das

expectativas de valorização do complexo multinacional. Na verdade, as

reformas institucionais do regime militar vieram responder às necessidades

externa e interna do complexo multinacional, que tinham na empresa

estrangeira o eixo de sua existência102

.

100

O excesso de liquidez internacional após a Segunda Guerra Mundial, expresso pelo poder do dólar enquanto

moeda internacional, levou à constituição dos Eurodólares e “quem se beneficiará particularmente dessa

conjuntura de largueza financeira, abrindo-lhe perspectivas e oportunidades imensas, serão naturalmente, em

primeiro lugar, os grandes trustes e monopólios norte-americanos, e logo em sequência, das demais potências

capitalistas, em especial a Alemanha e o Japão [...]. E aqui entra em cena o caso brasileiro. O nosso país não

ficaria à margem da tremenda ofensiva, pelo mundo afora, do capitalismo internacional mobilizados pelos

grupos financeiros e monopólios, e que encontraria aqui larga e generosa acolhida graças à orientação política

entre nós adotada. Os primeiros, à busca de aplicações para o excesso de liquidez proporcionados pelos

Eurodólares e outras fontes abundantes de capitais na época disponíveis; os outros, os monopólios, como bons

negociantes, à cata de quaisquer oportunidades de novos negócios, que relativamente abundavam, e, de imediato,

muito bons, nas áreas do Terceiro Mundo, semivirgem ainda do progresso capitalista mais recente, onde quase

tudo, no nível desse progresso, estava por fazer ou introduzir” (PRADO JR., 2006, p. 347-348). “A estrutura

enviesada que ia assumindo o sistema financeiro internacional ajustava-se como uma luva ao que, no cenário

internacional, era requerido como condições para a perfeita articulação da economia brasileira com o sistema

internacional privado, em franca expansão. Como se pode ler hoje em qualquer texto de iniciação ao problema

da dívida externa, o desenvolvimento do chamado Euromercado acelera-se justamente naquela época, meados

dos 60” (TAVARES; ASSIS, 1986, p. 19). 101

“As instituições financeiras locais absorveram quantidades massivas de recursos originários do sistema

financeiro dos países avançados no bojo do forte movimento de internacionalização financeira” (CRUZ, 1984, p.

168). 102

“Tanto o capital internacional do setor produtivo quanto o da esfera financeira foram os grandes beneficiados

dessa reforma que teve seu início na modificação da Lei de Remessas de Lucro. Essa reestruturação no padrão de

desenvolvimento significou a imposição sistemática dos interesses da internacionalização em detrimento das

necessidades internas. Por meio da exigência de mecanismos institucionais que integrassem a estrutura

financeira nacional ao ritmo de expansão do crédito internacional, essa reforma estrutural concedeu enormes

vantagens, com prazos alongados e custos baixos à captação de empréstimos externos, dos quais as filiais

instaladas no país desfrutaram de maneira intensa nos anos 70” (CAMPOS, 2009, p. 147).

72

Nesse movimento, o Brasil mostrou-se como um “setor periférico e satélite do

capitalismo internacional, de onde lhe [vinham] todos os impulsos e freios que [comandavam]

o seu comportamento econômico” (PRADO JR., 2006, p. 346). A seguir, será discutido como

as estatais foram usadas para estabelecer a magnitude desse processo.

4.4. Empresas Estatais como Instrumento de Dominação Imperialista no Limiar

da Ditadura

Com o regime autoritário, houve uma descentralização administrativa das empresas

estatais, por meio do Decreto-Lei 200, de 25 de fevereiro de 1967, que em seu Artigo 10o

explicitava: “A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente

descentralizada”103

. Esse decreto aumentou o número de empresas estatais no país e tinha

como objetivo, por um lado, estimular essas empresas na implantação de uma administração

mais próxima das empresas privadas, além de maior rentabilidade, como por exemplo, a partir

da política de inflação corretiva. Esta se caracterizava pelo aumento de preços de bens e

serviços das estatais a fim de diminuir sua defasagem, tornando-os mais realistas. Por outro

103

Disponível em: file:///C:/Users/User/Desktop/Decreto%20200_1967/Decreto-Lei%20200%201967.htm. Esse

Decreto-Lei, com algumas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 900 de 1969, em seu Artigo 4° estabeleceu a

Administração Federal nos seguintes moldes:

I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da

República e dos Ministérios.

II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade

jurídica própria:

a) Autarquias;

b) Empresas Públicas;

c) Sociedades de Economia Mista;

d) Fundações Públicas.

Parágrafo único. As entidades compreendidas na Administração Indireta vinculam-se ao Ministério em cuja área

de competência estiver enquadrada sua principal atividade.

No Artigo 5º é detalhado o que compreende cada uma das quatro categorias da Administração Indireta:

I - Autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para

executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão

administrativa e financeira descentralizada.

II - Empresa Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e

capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a

exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas

admitidas em direito.

III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei

para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto

pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.

IV - Fundação Pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos,

criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por

órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos

respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes.

Deve-se destacar que “as empresas governamentais podem assumir duas formas básicas: empresas públicas e

sociedades de economia mista” (MARTINS, 1985, p. 57).

73

lado, também havia a intensão de melhorar sua capacidade de financiamento, por meio de

endividamento externo direto e negociação de suas ações na Bolsa de Valores.

Quanto à política de preços realistas, esta não obteve muito êxito, uma vez que o

papel estratégico das empresas estatais no sentido de subsidiar as empresas privadas com

repasses de bens e serviços a preços baixos não permitia a elevação de seus preços, pelo

menos para muitas dessas estatais104

. Já em relação à captação de recursos por meio do

endividamento externo ou mesmo ações na Bolsa, os objetivos foram alcançados. O nível de

endividamento externo das empresas estatais aumentou, além de ter sido ampliada sua

participação no mercado de ações105

.

A partir do Decreto-Lei 200, as empresas estatais foram orientadas a expandir suas

áreas de atuação por meio de um comportamento que se assemelhava ao das empresas

privadas. Para tanto, o decreto determinava: “assegurar-se-á às empresas públicas e às

sociedades de economia mista condições de funcionamento idênticas às do setor privado

cabendo a essas entidades, sob a supervisão ministerial, ajustar-se ao plano geral do

Governo”. Contudo, a meta de continuar a subsidiar as empresas privadas colocava restrições

às orientações governamentais em relação às empresas estatais106

. A rentabilidade dos setores

público e privado, como mostra a tabela 5, explicita a menor lucratividade das empresas

estatais em comparação com as empresas privadas, tanto nacionais quanto estrangeiras.

Tabela 5

Rentabilidade das 100 Maiores Empresas Brasileiras

Empresas 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 Média

Estatais

Nacionais

Estrangeiras

6,7

8,0

8,1

7,7

5,5

9,7

7,6

10,4

14,8

9,3

14,1

18,3

10,1

15,8

20,1

10,0

15,8

20,1

11,3

18,4

20,4

9,0

12,5

14,8

Fonte: Quem é Quem na Economia Brasileira. In: Cipolla (1980, p. 43).

104

Para Coutinho e Reichstul (1977, p. 72): “Entre a necessidade de assegurar elevadas margens de lucros para

aqueles setores líderes (dos bens duráveis) e a necessidade de conter a inflação, prevaleceria a imposição de

limites para os reajustes de determinados preços para o aço, álcalis etc., com reflexos posteriormente

desfavoráveis sobre a expansão das siderúrgicas”. Corroborando a análise, explicitou Rückert (1981, p. 81), “a

siderurgia que, devido a sua posição de estar articulada com as empresas produtoras de bens duráveis, para

favorecer esse setor, se manteve numa política de contenção de preços. A fixação de preços num patamar muito

baixo forçou as empresas estatais do setor siderúrgico a operarem com elevados níveis de endividamento”. 105

De acordo com Martins (1985, p. 71), “a especulação na Bolsa de Valores, desde o início dos anos 70,

atividade incentivada pelo próprio Governo, foi em grande parte sustentada pelos papéis de empresas

governamentais. Tanto assim que no período 1972-75 papéis de empresas governamentais responderam por

cerca de 75%, em média, do conjunto das transações realizadas”. 106

Cipolla (1980, p. 43-44, grifos do autor), comparando a rentabilidade das empresas que atuam no Brasil, no

período compreendido entre 1968 e 1974, concluiu: “a evolução comparativa da taxa de lucro das cem maiores

empresas separadas em Estatais, Nacionais e Estrangeiras, mostra que a função das empresas estatais foi, de um

lado, a de cobrir os setores para os quais o capital privado não se mostrou disponível e, de outro, a de „poupar

lucro‟ para o capital privado, isto é, repassar via preços parcela da mais-valia produzida”.

74

É interessante ressaltar que a menor rentabilidade das empresas estatais ocorreu

mesmo após a política de elevação de preços, de 1967, orientada pelo Estado autoritário.

Como ilustra a tabela 5, entre 1968 e 1974, a lucratividade das empresas estatais cresceu

168,6% enquanto a das empresas privadas nacionais teve incremento maior, de 230%, e as

estrangeiras melhoraram sua rentabilidade em 251,8%. Esses dados corroboram o argumento

de que a expansão das empresas estatais no período esteve relacionada principalmente a sua

capacidade de endividamento para dar suporte à lucratividade do setor privado. Tanto foi

assim que as próprias possibilidades de reinvestimentos do setor estatal diminuíram por conta

da sua baixa rentabilidade relativa.

A descentralização promovida pela reforma administrativa, apesar de aumentar a

participação estatal na economia, causou retração nos gastos do governo relativos ao

pagamento de salários da administração direta107

. Estes diminuíram, em termos reais, 6,5%

entre 1965 e 1971108

. A explicação para isso esteve no fato de que “o modo assumido pela

expansão das atividades estatais no Brasil [conduziu] à expansão da burocracia „para fora‟ do

setor governo, ou seja, na órbita da chamada administração descentralizada (autarquias,

fundos e fundações), para não mencionar ainda a órbita das empresas estatais” (MARTINS,

1985, p. 51).

As reformas estabelecidas pelo Decreto-Lei 200, portanto, propiciaram a expansão

das empresas estatais de maneira significativa109

, porque aumentaram sua capacidade de

financiamento, com a elevação de preços de alguns setores, a maturação dos investimentos em

outros setores e, principalmente, a possibilidade de recorrerem a financiamentos disponíveis

no mercado financeiro, portanto, endividando-se. Assim, as empresas estatais difundiram-se

por meio de holdings, como a Eletrobrás, a Siderbrás, a Petrobrás e a Companhia Vale do Rio

107

Essa diminuição se justificava pelo fato de que “„a peça orçamentária‟ enviada anualmente ao Congresso

inclui em suas previsões de receitas e despesas apenas a administração direta e parte das atividades e programas

desenvolvidos por órgãos do tipo autarquias, fundações etc., afetos à administração indireta. A proposta de

orçamento do Executivo exclui, portanto, todo o setor das estatais (na administração indireta) [...]. Sob o ponto

de vista orçamentário, portanto, somente a administração direta está focalizada em sua totalidade na peça

orçamentária apreciada pelo Congresso anualmente” (MEREGE; NEDER, 1984, p. 57, grifos do autor). 108

“Tomando-se o período 1965/1971, nota-se que, enquanto a receita total do Governo federal aumenta em 80%

em termos reais, o custo operacional aumenta apenas em 50%. Mais significativo talvez é o fato de que as

despesas do Governo federal com o pagamento do pessoal ativo da administração direta cresce apenas 32% no

mesmo período. Dado que esse ainda é distorcido pelo notável aumento do custo do pessoal militar: um aumento

de 85% em termos reais, no período. Eliminando essa „distorção‟, verifica-se que o custo do pessoal ativo

decresce em termos reais, de 6,5% entre 1965 e 1971” (MARTINS, 1985, p. 50, grifos do autor). 109

“Na década 1966-1976 foram criadas mais empresas governamentais (60% delas) do que no curso dos 60

anos precedentes. Proporção essa ainda mais acentuada (70%) para o caso das empresas da União [...]. Do total

assinalado, 476 empresas (ou seja, 84% do universo) têm suas atividades no setor terciário e muitas delas

dedicam-se à prestação de serviços públicos, que constitui atividade tipicamente estatal. É certo, entretanto, que

desperta atenção o número significativo (92) de empresas que exercem atividades financeiras (bancos, seguros,

etc.)” (MARTINS, 1985, p. 60-61).

75

Doce (CVRD). Entretanto, apesar dessa ampliação, não houve mudanças expressivas na

diversificação das áreas de atuação de tais empresas. Elas se expandiram em várias etapas da

produção de bens e serviços que já ofereciam, mesmo porque essas empresas não podiam

entrar em atividades privilegiadas de lucratividade, reservadas ao setor privado.

Várias empresas estatais, além de sua atividade-fim, passaram a atuar em

numerosas atividades-meio, o que gerou um aumento significativo no

número de empresas a cargo do Estado sem, no entanto, significar,

necessariamente, novas áreas de atuação. Essas, chamadas subsidiárias das

empresas estatais, geralmente se [relacionavam] diretamente com a empresa

responsável pela sua criação, exercendo atividades de apoio ou conexas

(RÜCKERT, 1981, p. 82).

A tabela 6 ressalta o aumento expressivo do número de empresas estatais no país,

principalmente a partir da década de 1960, destacando-se o período compreendido entre 1961

e 1976, no qual foram criadas mais de 270 estatais na economia brasileira.

Tabela 6

Criação das Empresas Estatais

Períodos Número de Empresas

Até 1930

De 1931 a 1950

De 1951 a 1960

De 1961 a 1970

De 1971 a 1976

Não identificado

17

18

37

147

131

221

Total 571

Fonte: Quem é Quem na Economia Brasileira. In: Rückert (1981, p. 85).

Outro motivo para o crescimento do número de empresas estatais, especialmente no

setor de bens e serviços públicos básicos, foi o fato de que algumas empresas estrangeiras que

haviam se instalado nesses setores anteriormente não vislumbravam mais as taxas de retorno

esperadas e queriam se desfazer dessas empresas e se dirigir para setores mais rentáveis da

economia. O Estado autoritário rapidamente atendeu a essa demanda. Como exemplo, houve

o pagamento generoso que o então ministro do Planejamento, Roberto Campos, fez à Amforp,

que atuava no setor de energia elétrica, adquirindo uma empresa que já se encontrava

sucateada, cedendo aos interesses do “imperialismo total”, que pressionavam o governo

brasileiro, desde o período de João Goulart, para que o país indenizasse a Amforp110

.

110

Apesar da compra da Amforp não ter sido concluída pelo governo Jango, em função dos valores elevados

exigidos por essa empresa, logo após o golpe, o ministro Roberto Campos “reassumiu as negociações para se

submeter graciosamente às pretensões da Amforp, pagando 135 milhões de dólares pelo seu ferro-velho – valor

no qual se embutia a correção monetária integral do investimento histórico, algo que não se reconhecia na

legislação brasileira, que previa um índice específico. Além disso, aceitou um sobrepreço de 17,7 milhões de

dólares a título de multa pelo atraso na execução do protocolo de Washington [...], também a Companhia

76

A ampliação das empresas estatais se dava principalmente por meio de holdings e de

empresas que foram constituídas para atuar em atividades-meio. Este foi o caso da expansão

da Petrobrás, da Eletrobrás, da Telebrás e da Siderbrás. A Petrobrás, em 1967, criou sua

primeira subsidiária, a Petroquisa111

; em 1971 outra subsidiária, a Petrobrás Distribuidora112

,

já em 1972 concebeu a Braspetro113

, em 1976 instituiu a Petrofértil114

e, por fim, em 1977, a

Petromisa115

. É importante ressaltar que essas subsidiárias da Petrobrás possuíam, por sua vez,

várias outras subsidiárias. Em 1962, foi constituída a Eletrobrás e esta já surgia enquanto

holding. A Eletrobrás absorveu empresas já existentes, em âmbito federal, como Chesf116

e

Furnas117

, além de incorporar empresas estaduais, como a Cia. Paranaense de Energia Elétrica

(Copel), a Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig) e a Cia. Energética de São Paulo

(Cesp). Em 1969 foi fundada a Eletrosul118

, em 1973 foi instituída a Eletronorte119

. Por fim,

“completam a relação das subsidiárias da Eletrobrás a Escelsa e a Light, esta última adquirida

em 1979” (VILLELA, 1984, p. 43). A parte nacional da Usina de Itaipu foi também gerida

pela Eletrobrás. Criada em 1972, a Telebrás tinha o objetivo de resolver os problemas de

telecomunicações no país, já que a Embratel, fundada em 1965, não conseguira solucioná-los.

Para tanto, a Telebrás criou uma subsidiária em cada Estado do país para substituir as mais de

800 concessionárias. A própria Embratel virou uma subsidiária da Telebrás (VILLELA,

1984). A Siderbrás, por sua vez, foi constituída em 1973 e teve como meta estabelecer a

articulação e organização das subsidiárias do setor de siderurgia, que já contava com a

presença do Estado desde a década de 1940. Para se ter uma dimensão do tamanho das

empresas sob controle da holding Siderbrás, estiveram a ela vinculadas: a CSN, a Usiminas, a

Cosipa, a CST, a Açominas, Cofasi, Cosim, e a Usiba. De acordo com Villela (1984, p. 49),

[...] a exemplo do que [ocorria] com a ELETROBRÁS e a TELEBRÁS, a

SIDERBRÁS não [atuava] diretamente na produção, a qual [cabia] às suas

subsidiárias. Desempenha, porém, o importante papel de agente financiador

Telefônica Brasileira era „nacionalizada‟ em bases semelhantes, igualmente favoráveis ao investidor externo”

(TAVARES; ASSIS, 1986, p. 19-20, grifos dos autores). 111

“Cujo objetivo primordial era prover o desenvolvimento da indústria petroquímica nacional, até então de

reduzidas proporções” (VILLELA, 1984, p. 32). 112

Atuava no setor de distribuição de derivados (VILLELA, 1984). 113

“Cujo objetivo fundamental era reforçar a produção interna com petróleo produzido pela empresa no exterior”

(VILLELA, 1984, p. 32). 114

Essa holding atuava na produção de insumos básicos para a agricultura (VILLELA, 1984). 115

A empresa atuava na área de pesquisa de potássio e enxofre (VILLELA, 1984). 116

A Chesf foi constituída em 1945, com a construção e operação da Usina Paulo Afonso (VILLELA, 1984). 117

Criada em 1957 e “constituída com a finalidade de suprir de eletricidade o Centro-Sul, que no início dos anos

60 se ressentia de grave escassez de energia” (VILLELA, 1984, p. 42). 118

A Eletrosul iniciou suas operações em 1969 e voltou-se para a expansão da geração de energia no Sul do país

(VILLELA, 1984). 119

A empresa foi criada em 1973 para atuar no setor de energia da região Norte do país (VILLELA, 1984).

77

de todo o sistema, tendo propiciado às controladoras boa parte dos recursos

necessários à gigantesca ampliação efetuada ao longo da década passada.

Apesar do aumento do número das empresas estatais após a descentralização

promovida pelo Decreto-Lei 200, o que se observou foi que essa expansão continuou anos

depois e se acentuou a orientação para que as empresas estatais criassem cada vez mais

economias externas às empresas privadas, principalmente as estrangeiras. As empresas

privadas, por sua vez, permaneceram em setores da economia mais rentáveis, como o de

transformação e bens de consumo duráveis120

. O aumento da participação das empresas

estatais na economia brasileira e sua maior atuação em atividades-meio foram fundamentais

para a reversão do ciclo econômico, após o período recessivo, principalmente devido aos

grandes investimentos de tais empresas, sua elevada demanda e os subsídios às empresas

privadas.

4.5. “Milagre Econômico”: Expansão do Investimento das Estatais e Subsídio à

Oferta de Bens e Serviços às Empresas Multinacionais

O ciclo expansivo nos anos 1968/1973, após a recessão121

que o país atravessou nos

anos anteriores, teve como um dos seus fatores de reversão os investimentos realizados pelo

SPE, principalmente a expansão de suas empresas. O crescimento médio do Produto Interno

Bruto (PIB), no período, foi em torno de 11% ao ano122

e o endividamento externo se elevou

em mais de 300% entre 1968 e 1973. Este momento se caracterizou como o primeiro salto do

endividamento externo brasileiro.

Nesses anos, as empresas multinacionais, em um primeiro momento, optaram pelo

caminho mais fácil de aumentar a utilização de sua capacidade instalada, que se encontrava

em um nível de ociosidade muito grande desde sua instalação durante o PM123

. Tais empresas

120

De acordo com Trebat (1980, p. 846, grifos do autor), “os exemplos brasileiros de empresas estatais

„passivas‟ ou de „baixo rendimento‟ poderiam incluir as estradas de ferro, as companhias urbanas de telefones, a

maioria das companhias fornecedoras de eletricidade e, talvez, as siderúrgicas do Estado. Dando um exemplo,

uma das principais funções da siderurgia estatal é prover abastecimento adequado de aço de baixo preço à

indústria automobilística. Grandes empresas e grupos na faixa superior de riqueza são os que mais se beneficiam

com as operações das empresas de propriedade estatal. As companhias telefônicas beneficiam uma pequena

fração de residências servidas por telefone. As operações ferroviárias podem beneficiar principalmente os

embarcadores de produtos industriais e agrícolas. Em seus substanciais programas de compras, todas essas

empresas de propriedade do Estado favorecem a indústria nacional de bens de capital (de origem privada)”. 121

A recessão derivou, em grande medida, das ações adotadas durante o PAEG. 122

Bonelli e Malan (1976) reiteraram os fatores endógenos que contribuíram para o crescimento econômico, tais

como: expansão do crédito ao consumo; facilidades de financiamento à construção residencial; facilidades e

subsídios concedidos às exportações; e políticas monetárias e fiscal expansionistas. Em outro texto, Malan e

Bonelli (1983, p. 5) acrescentaram “o aumento dos investimentos públicos, incluindo empresas públicas”. 123

“Em 1967 o sistema industrial brasileiro trabalhava com cerca de um quarto de sua capacidade produtiva

ociosa, comparativamente às normas que haviam prevalecido em 1961-62. [...] A retomada do crescimento fez-

78

que dominavam o setor de bens de consumo duráveis tiveram um crescimento expressivo no

período, com taxas médias de 22,5% ao ano, entre 1968 e 1974, além da elevação de seus

lucros.

De acordo com Coutinho e Reichstul (1977), as empresas estatais desempenharam

um papel decisivo na reversão do ciclo recessivo que vinha desde 1963. Na inflexão do ciclo,

destacou-se em um primeiro momento a liderança do setor de energia elétrica que, após a

criação da holding Eletrobrás, aumentou expressivamente seus investimentos. “Como nesse

setor não havia capacidade ociosa, a impossibilidade de importação de energia elétrica e sua

natureza imprescindível ao processo produtivo exigiram do Estado não só planejamento a

longo prazo, mas também um controle direto e firme sobre o setor” (COUTINHO;

REICHSTUL, 1977, p. 74).

A Petrobrás, no período, teve um “nível mínimo de crescimento moderado de sua

capacidade produtiva. Numa situação de crise geral a manutenção de um patamar mínimo de

inversões certamente atua como elemento positivo” (COUTINHO; REICHSTUL, 1977, p.

75). O setor siderúrgico intensificou suas inversões a partir de 1970, contribuindo também

para o ciclo expansivo. A recuperação do crescimento, a elevação da demanda de bens de

consumo duráveis e a expansão do gasto público contribuíram “para pressionar

crescentemente os setores de insumos básicos de produção (particularmente do SPE)

incentivando a manutenção/reativação de seus investimentos” (COUTINHO; REICHSTUL,

1977, p. 75).

Os setores de energia elétrica, de petróleo e de siderurgia, portanto, tiveram um papel

central no expressivo crescimento econômico a partir de 1968. Essas empresas eram

intensivas em capital e seu crescimento exigia volumes expressivos de capital, por isso sua

grande capacidade de reverter o ciclo. As importações dessas empresas estatais auxiliavam o

oligopólio internacional, reforçando seu nível de acumulação, e traziam desdobramentos

perversos para a economia brasileira, como o não desenvolvimento de um setor nacional

produtor de bens de capital, a abertura da economia para facilitar as importações e pressões

sobre o balanço de pagamentos.

Além disso, o crescimento dos ganhos dessas empresas no país aumentava suas

remessas de lucros ao exterior, um problema que acabava sendo contornado com o

endividamento do Estado para propiciar a moeda necessária para a destinação desses lucros

se mediante uma melhor utilização da capacidade de produção já instalada, mantidos os salários reais

estacionários. Não de é admirar, portanto, que as margens de lucro hajam crescido abruptamente” (FURTADO,

1982, p. 21).

79

no país onde se localizavam suas matrizes, como já destacado anteriormente. Nesses termos,

enquanto houvesse abundância de capitais no mercado internacional, o financiamento dessas

importações se daria – além dos saldos de exportação – por meio do endividamento externo.

Portanto, o nível de endividamento das empresas estatais aumentou no período, influenciado

por uma política econômica que o incentivava e que não promovia um crescimento articulado

dessas empresas124

.

Mantega (1979), apesar de não concordar que a retomada do ciclo tenha se dado por

meio das inversões das empresas estatais125

, reconheceu a participação de tais empresas para o

crescimento econômico acentuado no período, principalmente subsidiando bens e serviços

utilizados pelas empresas multinacionais. Em suas palavras,

No setor produtivo, as empresas estatais concentraram-se principalmente nas

áreas da siderurgia, petroquímica, hidrelétrica e mineração, procurando

preencher as lacunas deixadas pelo desinteresse ou incipiência dos capitais

nacionais e estrangeiros, de modo a produzir valores de uso indispensáveis

para a manutenção e ampliação do ritmo de acumulação. Como se pode

verificar, as empresas produtivas estatais localizaram-se nas atividades que

requeriam investimentos mais vultosos e, somente elas poderiam dar-se ao

luxo de, mesmo desfrutando de posição monopolista, cobrar preços menores

por seus produtos para favorecer a acumulação privada (MANTEGA, 1979,

p. 56-57).

No período do “milagre econômico”, a participação do Estado e das empresas

estatais revelou-se, portanto, imperativa para o crescimento econômico acentuado, não para

proporcionar um desenvolvimento econômico mais autônomo ou melhorar as condições de

vida da maior parte da população brasileira, mas sim para subvencionar a acumulação privada

das empresas multinacionais principalmente, das quais o Estado autoritário e as burguesias

brasileiras eram signatários.

124

De acordo com Coutinho e Reichstul (1977, p. 90, grifos dos autores), “apesar da tendência à maior

centralização e planejamento em cada sub-bloco do SPE, através das grandes empresas-holdings, o seu

crescimento foi largamente desarticulado enquanto bloco agregado. Esse fato é inteiramente explicável e

compatível com a condução da política econômica durante o „milagre brasileiro‟, caracterizado pelo imediatismo

e pela miopia, incapaz de perceber que sérios desequilíbrios se agravavam e poderiam entravar o crescimento

futuro”. 125

Os fatores que influenciaram o “milagre econômico” se deveram, para Mantega (1979, p. 51-52), “à custa de

concentração de renda, do incremento das exportações, da rearticulação e concentração do sistema financeiro, da

maciça intervenção estatal na economia e, finalmente, da ampla generosidade governamental de um Estado que

extorquia o que podia da grande maioria da sociedade, para dar o que tinha e o que não tinha aos grandes

monopólios”. Complementou Mantega (1979, p. 56), “ao lado das modificações postas em prática pelo governo

na área fiscal e financeira, foi implementado um amplo programa de investimentos e gastos estatais em

infraestrutura, cuja contribuição foi considerável na expansão do ciclo de acumulação. [...]. Porém, não se deve

superestimar o efeito dinamizador das atividades estatais. Sabe-se que parte dele é canalizado para o exterior sob

a forma de importações, pois parcela considerável dos financiamentos utilizados pelas empresas do Estado

compõe-se de „suppliers credits‟ que as obrigam a comprar máquinas e equipamentos dos grandes cartéis

internacionais, tornando o setor estatal o maior importador de bens de capital do país”.

80

A conjuntura internacional favorável ajudou nesse processo, possibilitando o

financiamento e o endividamento do Estado e das empresas estatais. As empresas

multinacionais, por sua vez, aumentaram sua participação na economia, por meio de fusões e

aquisições126

, redundando em um nível mais acentuado de desnacionalização da economia127

,

que já se comprovava desde a instalação da industrialização pesada no país128

. “Nos períodos

1966-1970 e 1971-1973, respectivamente, 52% e 61% das filiais estrangeiras que se

estabeleceram no Brasil, o fizeram por meio da compra de indústrias já instaladas”129

(BAER,

1986, p. 93). A importância do Estado autoritário nesse processo foi sintetizada por Mantega

(1979, p. 67-68):

No centro das articulações financeiras com o exterior [estava] o imenso

aparato financeiro estatal, comandando e procurando equilibrar o nada

desprezível trânsito de divisas. O Estado distinguiu-se como principal

tomador de empréstimos do país, seja para financiar as compras de máquinas

e equipamentos importados pelas grandes empresas produtivas estatais, seja

para fornecer créditos às principais agências de financiamento do setor

privado como o BNDE e outros bancos regionais de desenvolvimento. Essas

agências estatais de financiamento forneciam empréstimos a juros negativos,

constituindo-se num importante sustentáculo da elevada lucratividade das

empresas oligopolistas. Enquanto as empresas estatais se endividavam para

produzir insumos básicos a „bon marché‟, as agências estatais de

financiamento forneciam empréstimos a juros negativos, arcando, na prática,

com parte dos custos do capital constante e do capital de giro. Vê-se, pois,

que uma parcela considerável dos lucros das empresas oligopolistas deve-se

às transações financeiras do aparato estatal e, em grande parte, à capacidade

de endividamento deste último no exterior. De certa forma, o Estado fornece

aos vários segmentos do capital monopolista quantidades de valor que ainda

não [foram criadas] na estrutura produtiva local. Essas antecipações de valor

contam não apenas com os recursos do exterior, como também com a

crescente disponibilidade financeira interna que vai passando para as mãos

do Estado. À medida em que este se tornou um dos grandes captadores da

poupança nacional, negociando os papéis mais seguros e dentre os mais

126

“Entre 1956 e 1960 cerca de 33% das novas filiais estabelecidas no Brasil o foram por compra de indústrias;

enquanto entre 1960 e 1965 aquela estimativa alcançou os 38%, de 1966 a 1970 chegou-se a 52%, e no triênio

seguinte a 61%” (BONELLI; MALAN, 1976, p. 397). 127

De acordo com Dreifuss (1987, p. 62, grifos do autor), “em 1969, a „apropriação‟ da economia brasileira por

interesses multinacionais era um fato consumado. Companhias multinacionais controlavam 37,7% da indústria

do aço, 38% da indústria metalúrgica, 75,9% dos produtos químicos e derivados de petróleo, 81,5% da borracha,

60,9% das máquinas, motores e equipamentos industriais, 100% dos automóveis e caminhões, 77,5% de peças e

acessórios para veículos, 39,8% da construção naval, 71,4% do material para construção e rodovias, 78,8% dos

móveis de aço e equipamentos para escritório, 49,1% dos aparelhos eletrodomésticos, 37,1% do couro e peles,

55,1% dos produtos alimentícios, 47% das bebidas, 90,6% do fumo, 94,1% dos produtos farmacêuticos, 41% dos

perfumes e cosméticos e 29,3% da indústria têxtil”. 128

Nas palavras de Campos (2009, p. 56), “durante o período de 1967 e 1973, contudo, o IDE que impulsionou o

crescimento da economia ocorreu a partir de uma base produtiva pré-existente, em que o volume destinado à

desnacionalização e às importações de insumos no âmbito do comércio intrafirma explicam o fato de o seu

ingresso em moedas ser dezoito vezes maior em médias anuais do que em mercadorias”. 129

Para Baer (1986, p. 95), “o capital estrangeiro instalado no país, através de seu acesso privilegiado aos

recursos externos acelerou a concentração e a desnacionalização da economia”.

81

rentáveis do mercado financeiro (ORTN e LTN), o governo passou a deter

uma disponibilidade financeira que lhe permite fornecer aos grupos

oligopolistas uma quantidade de recursos maior que as suas entradas reais,

sem que isso [redundasse] em déficit contábil para o Orçamento Federal.

O golpe civil-militar possibilitou, em suma, a tomada por completo do Estado

brasileiro por parte dessas burguesias e seu direcionamento para atender as demandas das

empresas multinacionais. As empresas estatais tiveram um papel central, sem as quais não

haveria o processo de industrialização na intensidade e nos moldes que ocorreu, isto é, de

maneira dependente e subordinada. As mudanças financeiras e institucionais foram realizadas,

o crescimento econômico ocorreu, contudo, mesmo depois do chamado “milagre econômico”,

a dependência externa se acentuou e o desenvolvimento desigual interno não foi eliminado.

Pelo contrário, a “dupla articulação”, conceituada por Florestan Fernandes, se fortalecia.

5. Conclusão

Em meio a ascensão de uma nova fase imperialista, a partir da segunda metade da

década de 1950 a industrialização pesada no Brasil fez parte de uma estratégia de

internacionalização produtiva das empresas multinacionais, que exigiram determinadas

condições políticas e econômicas no país para o seu avanço. A associação subordinada das

burguesias brasileiras às empresas multinacionais desdobrou-se em um Estado autocrático

direcionado a satisfazer tanto os interesses do capital internacional quanto as próprias

burguesias nativas.

À medida que instrumentalizou as empresas estatais em setores essenciais, como

siderurgia, mineração, energia, transportes, telecomunicações etc., o Estado construiu uma

infraestrutura mínima, reduziu os pontos de estrangulamento da economia brasileira, e

garantiu o fornecimento de insumos em áreas que o capital privado não estava disposto a

investir. Na verdade, a expansão das empresas estatais nesse período se apresentou,

essencialmente, como uma reação às mudanças dadas pelas necessidades do capital

internacional, situação característica de uma economia satélite, como é o caso da economia

brasileira. Desse modo, as empresas estatais foram subordinadas à valorização das

multinacionais no espaço nacional desde o governo JK, com o Plano de Metas, e,

posteriormente, nos governos ditatoriais.

A atuação das empresas estatais não ocorreu para fortalecer a economia nacional no

sentido de orientar o investimento privado e de operar em áreas rentáveis. Ao se instalarem

em setores nos quais o capital privado não tinha interesse em atuar, a principal função que

82

tiveram foi a de conceder economias externas às empresas privadas multinacionais. Sendo

assim, as empresas estatais não só serviram para produção estratégica de matérias-primas,

como também para o fornecimento de bens e serviços a preços subsidiados, isto é, repassando

parte da lucratividade estatal às filiais estrangeiras, possibilitando que obtivessem lucros

extraordinários, maiores até do que os de suas matrizes.

Entendido como uma contrarrevolução burguesa, o golpe civil-militar de 1964

estabeleceu as demais condições necessárias exigidas pelo imperialismo dessa fase. O

controle irrestrito do Estado a partir de então, conseguido com a tomada do poder e as

reformas financeiras e institucionais, possibilitou a essas burguesias imporem o seu domínio

por meio da repressão e da elevação das desigualdades sociais no país.

As reformas mais importantes vinculadas ao PAEG, como a alteração da Lei 4.131 e

a emissão de títulos da dívida pública, somadas ao endividamento externo, foram elementos

fundamentais para aumentar a capacidade de financiamento das empresas multinacionais e

das estatais. Atraído pelo Euromercado, que permitia o acesso a recursos abundantes a preços

baixos, o capital internacional conseguiu ampliar seus lucros e realizar seus excedentes

econômicos no seu país de origem enquanto as estatais elevaram seu nível de endividamento

para dar suporte, por meio de novos investimentos, à rentabilidade das multinacionais no

Brasil.

Essas transformações levaram à desnacionalização da economia brasileira,

evidenciada principalmente no período do “milagre econômico”. Como resultado, o capital

internacional ganhou força, com a expansão das filiais, com elevação de seus ganhos e de seu

poder de influência sobre as decisões políticas e econômicas do país. Em contrapartida,

acirrou-se a dupla articulação: dependência externa e desenvolvimento interno desigual, uma

vez que não se permitiu a homogeneização da estrutura produtiva, perpetuando a

modernização do arcaico e a arcaização do moderno como pontuou Florestan Fernandes.

Nesse processo de associação subordinada, na fase do “imperialismo total”, as burguesias

brasileiras saíram fortalecidas, com maior concentração de renda e aumento de sua posição

privilegiada.

No seio das múltiplas determinações do imperialismo no imediato pós-Segunda

Guerra Mundial, essas mudanças prepararam o terreno para a transição da internacionalização

produtiva para a internacionalização financeira. Nesta nova fase há alterações importantes no

papel das empresas estatais no Brasil, como será discutido no próximo capítulo.

83

Capítulo 2 – Mutações do Imperialismo e o Ajuste Estatal à Financeirização (1974-1985)

1. Introdução

A crise estrutural do capital na passagem dos anos 1960 para os anos 1970 teve como

desfecho a internacionalização financeira e o neoliberalismo. Esse contexto foi estimulado

pela estratégia dos Estados Unidos de retomada de sua hegemonia mundial. Entre as empresas

multinacionais, este novo padrão de acumulação significou uma ampla reestruturação

produtiva130

, que as conduziu a uma produção cada vez mais flexível e a ganhos financeiros

expressivos.

Decorrente dessas mudanças, na década de 1980 houve a crise da dívida externa dos

países da América Latina. O Brasil, um dos mais endividados da periferia, direcionou sua

economia para o pagamento dos juros dessa dívida, instrumentalizando as empresas estatais

para tal fim. Diante deste contexto, o objetivo deste capítulo é mostrar como as empresas

estatais sofreram no começo da década de 1980 um ajuste promovido pela SEST que

comprometia suas atividades, iniciava o neoliberalismo no país e atendia as demandas do

capital internacional.

Para melhor compreensão deste período, o capítulo está dividido em três partes: i)

Imperialismo e financeirização, seção em que se discute a transição dos anos 1960 aos anos

1970 e como o avanço da financeirização refletiu em transformações do espaço nacional de

acumulação; ii) O II PND e as empresas estatais, parte em que se analisam as propostas do II

PND, seu padrão de financiamento e o papel das empresas estatais; e iii) A SEST e o ajuste

sobre as empresas estatais, item que estuda a criação da SEST, sua forma de atuação e o uso

das empresas estatais pelo Estado no período da crise da dívida externa.

2. Imperialismo e Financeirização: Transformações do Espaço Nacional de

Acumulação

Na transição para os anos 1970 o capitalismo viveu uma crise estrutural131

, depois de

um período de forte acumulação de capital, como foram “os anos dourados”132

após a

130

O termo reestruturação produtiva, para Lupatini, (2015, p. 133), foi “empregado no sentido de expressar as

transformações na produção, mas também para capturar as alterações nas atividades de gestão, com a introdução

de métodos ohnoistas, sobretudo a partir da crise do capital dos anos 1960/70. Recaem sobre este termo ainda as

alterações na relação organizacional-espacial da produção, nas relações inter-empresas e na relação capital

versus trabalho, as quais se expressam no processo de desverticalização dos processos produtivos, no

estabelecimento de relações de subcontratação, na terceirização de etapas ou de processos produtivos inteiros,

nas relações de trabalho informal etc”. 131

Ver Mészáros (2009) e Mandel (1990).

84

Segunda Guerra Mundial. Os investimentos produtivos não encontravam mais os rendimentos

esperados133

especialmente nos países centrais e houve uma estagnação com inflação. Com

isso, iniciou-se um processo de reestruturação das empresas multinacionais que se

direcionaram para a financeirização e para novos espaços de acumulação.

Na crise do modo de produção capitalista que se manifestava de maneira mais

explícita na década de 1970, os Estados Unidos, cuja hegemonia fora contestada com o fim

dos acordos de Bretton Woods, reestabeleceram seu poder imperialista134

. O governo norte-

americano fortaleceu sua moeda, valorizando-a, com a brusca elevação de suas taxas de

juros135

. Nessa fase, caracterizada pela transição para a internacionalização financeira136

, o

imperialismo praticado pelos Estados Unidos aumentou ainda mais ao comandarem esse

processo por meio de suas empresas multinacionais e por deterem uma grande soberania

financeira em relação aos demais países, além do poderio bélico. Essa superioridade dos

Estados Unidos foi ressaltada por Chesnais (1996, p. 19, grifos do autor):

[...] nenhum Estado pode confrontá-los militarmente e nenhum vai

questioná-los no plano do sistema de propriedade dos meios de produção, os

Estados Unidos gozam de uma situação sem precedentes na História. A

132

Ver Hobsbawm (1995), especialmente p. 253-281. 133

De acordo com Gonçalves (1999, p. 33-34), “no caso dos Estados Unidos os dados mostram uma queda

dramática da taxa média de lucro de 20% em 1947-69 para 12,4% em 1970-83. O processo de globalização – por

meio da abertura e exploração dos mercados externos – tem permitido uma recuperação da taxa de lucro”. Para

entender a Lei da queda da taxa de lucro, ver Marx (1984), seção III. 134

A ruptura dos acordos de Bretton Woods a partir de 1971 resultou no fim do lastro dólar-ouro, permitindo

assim que o dólar atuasse como moeda fiduciária e flexível, aumentando a liquidez internacional e fomentando a

expansão de bancos e de empresas multinacionais, principalmente por meio do Euromercado. Já o primeiro

choque do petróleo, em 1973, possibilitou aos Estados Unidos ampliarem a liquidez internacional com a

reciclagem dos petrodólares e com isso aumentar o endividamento da periferia, que recorreu ao crédito externo

em meio a abundância de oferta com taxas de juros baixas e flexíveis, dando força à exacerbação do capitalismo

financeiro mundial. 135

Em 1979, o presidente do Banco Central dos Estados Unidos (FED), Paul Volcker, adotou uma política

econômica de valorização do dólar por meio da elevação da taxa de juros, canalizando os recursos financeiros

mundiais para seu mercado, com a aquisição de títulos da dívida pública. Essa política econômica resultou na

crise da dívida externa dos países da América Latina e nas suas dificuldades em pagar os juros dessa dívida, uma

vez que os Estados Unidos passavam a ser o “porto seguro” dos investimentos financeiros. A intenção era

“garantir a drenagem, para o mercado financeiro americano, de parte elevada da liquidez mundial” (CHESNAIS,

1996, p. 260) para equacionar os elevados déficits do governo Ronald Reagan. As taxas de juros estiveram entre

12% e 8% em termos reais entre 1980 e 1984 (CHESNAIS, 1996; FURTADO, 1989). Além disso, de acordo

com Tavares (1985, p. 6-7), “a partir daí o movimento do crédito interbancário se orientou decisivamente para os

EUA e o sistema bancário passou a ficar sob o controle do FED. E não apenas sob o controle da política

monetária, que dita as regras do jogo, as flutuações da taxa de juros e de câmbio, mas também a serviço da

política fiscal americana”. Com a nova política econômica construída em Washington, o capital industrial e

financeiro beneficiaram-se das medidas estabelecidas pelos principais Estados capitalistas sob a forma de

“liberalização, desregulamentação e privatizações que estes adotaram, um após o outro, desde a chegada ao

poder dos governos Thatcher e Reagan” (CHESNAIS, 1995, p. 2-3). 136

Campos (2009, p. 10) entendeu esse período que vai da segunda metade dos anos 1960 ao final dos 1970

como uma fase de crise e transição, “em virtude de o capital estar se reestruturando em uma nova base produtiva

e restaurando sua dimensão financeira (controlada e restringida desde a Crise de 1929), de modo a definir, na

fase posterior, um tipo de acumulação assentado essencialmente na internacionalização financeira”.

85

rivalidade entre modos de organização do capitalismo (capitalismo “renano”,

“nipônico” ou “anglo-saxônico”) não pode ir muito longe, depois de os

Estados Unidos imporem aos demais exatamente as regras de jogo mais

convenientes para eles próprios, calcadas nas necessidades do capital

financeiro de características rentistas, de que são o epicentro. São eles, então,

que ditam as regras do comércio e das finanças internacionais, através de

seus posicionamentos no FMI e GATT (agora Organização Mundial do

Comércio, com maiores poderes de intervenção para impor aos países mais

fracos as políticas de liberalização e desregulamentação) e, também dos

posicionamentos menos formais que ordenam o relacionamento interno do

oligopólio mundial137

.

Este período de transição para a internacionalização financeira foi interpretado por

Chesnais (1996) como “mundialização do capital”138

, uma vez que se diferenciava do

momento da internacionalização produtiva baseada na acumulação fordista. Neste estágio, a

acumulação era dada principalmente “pelas novas formas de centralização de gigantescos

capitais financeiros (os fundos mútuos e fundos de pensão), cuja função [era] frutificar

principalmente no interior da esfera financeira” (CHESNAIS, 1996, p. 15). Como a

acumulação produtiva não encontrava retorno a uma taxa média de lucro esperada no setor

produtivo, o que se evidenciou com a crise da década de 1970, houve o recrudescimento do

capital financeiro. Este contrarrestava a diminuição da taxa de lucro na esfera produtiva com

recursos expressivos destinados à “acumulação financeira”139

.

A formação do Euromercado140

ofereceu ao capital internacional possibilidades sem

precedentes de valorização puramente financeiras141

(CHESNAIS, 1996). Com as mudanças

137

“Basta lembrar aqui o papel mundial do dólar; a capacidade dos Estados Unidos de aplicarem a política

monetária que quiserem, sem se preocuparem muito com as repercussões que pode ter em praticamente todos os

outros países, ricos ou dominados e pobres; a possibilidade de „compensar‟ as mais baixas taxas de poupança

interna dos países da OCDE, drenando para si todos os capitais requeridos para financiar seu déficit

orçamentário e servir de paliativo ao subinvestimento. A ascensão da esfera financeira recolocou quase todos os

trunfos da rivalidade imperialista mundial nas mãos dos Estados Unidos. Os mercados financeiros são

inigualáveis em suas dimensões, mas também em sua diversidade” (CHESNAIS, 1996, p. 119, grifos do autor). 138

Chesnais (1996; 1995) utilizou o termo “mundialização do capital” porque para ele globalização dava a

entender que se promoveria a globalização das trocas em uma situação de concorrência, na qual o grande

beneficiário seria o consumidor que compraria mercadorias e contrataria serviços de melhores qualidades a

preços menores, entretanto, “ao se observar as coisas de perto, percebe-se que o conteúdo efetivo da

globalização é dado, não pela mundialização das trocas, mas pela mundialização das operações do capital, em

suas formas tanto industrial quanto financeira [...]. Em vez de usar o termo „globalização‟ e, portanto, de fazer

referência à „economia‟ de modo vago e impreciso, parece então desde já preferível falar em „globalização do

capital‟, sob a forma tanto do capital produtivo aplicado na indústria e nos serviços quanto do capital

concentrado que se valoriza conservando a forma dinheiro. Pode-se então dar mais um passo, aquele que

consiste em falar de „mundialização‟ em vez de „globalização‟” (CHESNAIS, 1995, p. 3-5, grifos do autor) 139

“Por acumulação financeira, entende-se a centralização em instituições especializadas de lucros industriais

não reinvestidos e de rendas não consumidas, que têm por encargo valorizá-los sob a forma de aplicação em

ativos financeiros – divisas, obrigações e ações – mantendo-os fora da produção de bens e serviços”

(CHESNAIS, 2005, p. 37). 140

Boa parte dos recursos disponíveis no Euromercado foram destinados à periferia. O Brasil, por exemplo, foi

um grande receptor. Contudo, com a elevação da taxa de juros dos Estados Unidos no fim da década de 1970,

esse fluxo para a periferia foi completamente invertido. Entre 1980 e 1983, os ingressos líquidos de “créditos

86

no novo padrão de acumulação, entendido também como financeirização, as empresas

multinacionais passaram a enviar seus recursos sobretudo aos investimentos financeiros nos

países periféricos, reduzindo os IDEs. Assim, os IDEs direcionados a esses países entre 1967

e 1989 diminuíram significativamente para os menores níveis registrados em décadas, como

mostra a tabela 7.

Tabela 7

Países Receptores dos Investimentos Diretos Mundiais (em US$ bilhões)

Ano Países Industrializados Países em

Desenvolvimento

Valor Total

1967 69,4 30,6 105,5

1973 73,9 26,1 208,1

1980 78,0 22,0 504,5

1989 80,8 19,2 1.402,90

Fonte: Departamento de Comércio dos EUA. In: Chesnais (1996, p. 65).

Ocorria também uma inversão no fluxo de IDEs, não mais estes tendo como destino

prioritário os países subdesenvolvidos. Conforme tabela 7, enquanto os fluxos de IDEs aos

países desenvolvidos aumentavam de US$ 69,4 bilhões em 1967 para US$ 80,8 bilhões em

1989, isto é, 16,42%, os IDEs endereçados aos países subdesenvolvidos diminuíam de US$

30,6% bilhões em 1967 para US$ 19,2% bilhões em 1989, ou seja, em 37,25%. Ao invés

deste IDE “criar novas plataformas produtivas, ou manter seu habitual fluxo para a periferia,

nessa fase, sua função foi a de efetivar a redistribuição de capitais em favor da centralização

mediante fusões e aquisições (F&A), e consolidar as posições oligopólicas no centro do

sistema” (CAMPOS, 2009, p. 11).

Outras regiões subdesenvolvidas que não a América Latina começaram a receber boa

parte deste IDE, entre elas o Sudeste Asiático e a China. O deslocamento gradativo das

empresas multinacionais para novos locais de acumulação era estimulado por auxílios

concedidos pela legislação tributária dos Estados Unidos142 a produtos importados e pelas

privados para os países em desenvolvimento passaram de 26 a 1,6 bilhão de dólares. Depois, a partir de 1984, o

fluxo simplesmente passou a correr em sentido contrário, tornando-se uma transferência líquida de 25 bilhões de

dólares aos bancos credores” (CHESNAIS, 1996, p. 256). O resultado foi a elevação expressiva da dívida

externa e os ajustes que o país realizou para pagar os empréstimos desses recursos. 141

Deve-se ressaltar que os investimentos financeiros se apropriam da riqueza produzida no setor produtivo. “A

esfera financeira nutre-se da riqueza criada pelo investimento e mobilização de uma força de trabalho de

múltiplas qualificações. Uma parte, hoje elevada, dessa riqueza é captada ou canalizada em proveito da esfera

financeira, e transferida para esta” (CHESNAIS, 1996, p. 246). 142

“Em conformidade com as seções 806/807 da lei de tarifas dos Estados Unidos, estão isentas de impostos as

partes dos produtos que reingressarem nesse país, limitando-se a incidência tributária ao valor adicionado no

estrangeiro, ou seja, essencialmente aos custos salariais. Graças a essas facilidades, o valor das importações

chamadas „806/807‟ subiu entre o final dos anos 60 e o dos anos 80 de menos de 1 bilhão para 40 bilhões de

dólares” (FURTADO, 1992, p. 20).

87

facilidades estabelecidas pelos países hospedeiros aos investimentos norte-americanos143

(FURTADO, 1992). Começou a ocorrer, de acordo com Chesnais (1996), um processo de

deslocalização da produção, que favoreceu países com níveis de salário e de proteção social

muito baixos. Isso potencializou elevados ganhos aos investidores e comprometeu os espaços

econômicos nacionais, como ressaltado por Sampaio Jr. (1999, p. 23, grifos do autor):

Na era da mundialização do capital estamos assistindo a um fenômeno muito

diferente: trata-se de quebrar as barreiras entre os diferentes espaços

econômicos nacionais. Nesse contexto, o objetivo das empresas

transnacionais não é controlar o processo de industrialização das economias

periféricas, mas diluir as economias dependentes no espaço do mercado

global, para poder explorar suas potencialidades econômicas sem que isso

implique sacrifício de sua própria mobilidade espacial.

A diferenciação dos custos da mercadoria força de trabalho, por meio da divisão

internacional do trabalho, cada vez mais determinada pela lógica intra-firma, se tornava o

elemento central para este processo de deslocalização produtiva144 (FURTADO, 1992).

A deslocalização era assim uma forma de descentralização da empresa multinacional,

que fragmentava sua produção pelo mundo. A partir da transnacionalização145 das empresas,

“as relações externas, comerciais ou financeiras, [eram] vistas, de preferência, como

operações internas da empresa” (FURTADO, 1992, p. 32), e, portanto, não haveria mais

espaços nacionais de acumulação146. Estes se tornariam regionais e determinados pela

racionalidade da acumulação das empresas transnacionais147. Dentro deste quadro, Furtado

(1977) entendeu que os governos não mais teriam como coordenar a ação desses agentes

143

“As chamadas zonas de processamento de exportações, instaladas na Coréia do Sul, em Taiwan, nas Filipinas

e em outros países do Sudeste asiático são um conjunto de facilidades destinadas a atrair empresas

multinacionais” (FURTADO, 1992, p. 20). 144

Nos Estados Unidos, “por essa época, o salário médio mensal do trabalhador atingia 1.220 dólares. Ora, em

Taiwan, ele se situava ao redor de 45 dólares, na Coréia do Sul, não passava de 68 dólares; em Cingapura, de 60,

e em Hong Kong, de 82 dólares. A luta para utilizar mão de obra barata do Sudeste asiático passou a ser a frente

mais dinâmica dos investimentos das multinacionais norte-americanas” (FURTADO, 1992, p. 19-20). 145

“Nos Estados Unidos, onde as grandes dimensões do mercado interno haviam permitido às empresas

industriais esgotarem as possibilidades de economias de escala, e o custo da mão de obra era muito mais alto, as

firmas saíram diretamente para a descentralização transnacional” (FURTADO, 1977, p. 79). 146

“A extrema mobilidade do capital internacional comprometeu o controle das sociedades nacionais sobre as

empresas transnacionais. Os aumentos nas escalas mínimas de produção fizeram com que os novos processos

produtivos exigissem um espaço econômico de referência mais amplo, que tendia a ultrapassar os limites das

fronteiras dos Estados nacionais. A integração do sistema financeiro internacional levou ao paroxismo a

liberdade de movimento de capitais, generalizando, para as economias centrais, um problema que até então se

restringia aos países subdesenvolvidos: a incapacidade de circunscrever o circuito de valorização do capital ao

espaço econômico nacional” (SAMPAIO JR., 1999, p. 18-19). 147

“Posto que essas empresas têm acesso ao mercado financeiro internacional e decidem da localização de seus

investimentos – decisões muitas vezes tomadas a partir de holdings localizadas em países de conveniência – a

possibilidade que tem um governo de atuar sobre elas é necessariamente limitada” (FURTADO, 1982, p. 121).

88

poderosos do capitalismo. A partir de então estabeleceu o termo “pós-nacional”148 como

forma de interpretação do sistema capitalista. Nesse sentido, tenderia a deixar de existir a

possibilidade de um desenvolvimento nacional, especialmente nos países periféricos.

Em um país ainda em formação como é o caso do Brasil, a predominância da

lógica das empresas transnacionais na ordenação das atividades econômicas

conduzirá quase necessariamente a tensões inter-regionais, à exacerbação de

rivalidades corporativas e à formação de bolsões de miséria, tudo apontando

para a inviabilização de um projeto nacional (FURTADO, 1992, p. 35).

O Brasil, cujo tamanho do mercado interno chegou a ser determinante, em período

anterior, para a instalação da empresa multinacional e para a unidade territorial do país,

deixou de ter neste mercado interno um referencial para o seu crescimento. Desta forma, os

efeitos de sinergia que existiam pela interdependência das diferentes regiões do país

desapareciam, reduzindo os vínculos de solidariedade entre elas. Em lugar do fortalecimento

das relações internas, as regiões se vinculavam cada vez mais ao exterior. “Se se instalam

plataformas de exportação no Nordeste, no estilo das „maquiladoras‟ mexicanas, a integração

regional com o exterior se fará por vários meios, em detrimento da articulação em nível

nacional” (FURTADO, 1992, p. 32).

Desde então, a relação entre as regiões do Brasil tendeu a uma disputa para atrair as

empresas multinacionais com incentivos fiscais, por exemplo, e vários outros estímulos que,

inclusive, comprometiam a unidade territorial do país.

Nessas circunstâncias, já não se contará com a integração das economias

regionais e a formação do mercado interno em geral como um motor do

crescimento. A alternativa [consistia] em apoiar-se, de preferência, no

mercado internacional, o que [significava] depender da dinâmica das

empresas transnacionais (FURTADO, 1992, p. 32, grifos do autor).

A dependência externa brasileira, ainda que remontasse ao seu passado colonial, se

aprofundava com a transição para a internacionalização financeira, bem como o problema da

identidade nacional. O mimetismo cultural, que levou a um certo tipo de industrialização e fez

com que as burguesias do país copiassem os padrões de consumo dos países centrais, gerou

uma modernização da sociedade brasileira e não uma industrialização que propiciasse a

homogeneização social. Enquanto nos países desenvolvidos a acumulação de capital conduzia

ao progresso técnico e à homogeneização social, no Brasil a modernização pelo consumo da

classe dominante acentuava o subdesenvolvimento, principalmente após a crise da dívida

externa. A indústria especializava-se na produção final de algumas mercadorias e não em seu

148

Para mais informações ver Furtado (1977), capítulo II: O capitalismo pós-nacional.

89

processo como um todo. Deixava de internalizar o progresso tecnológico, mantendo a

heterogeneidade estrutural e induzindo a economia brasileira a uma fragmentação nunca

superada.

Em uma sociedade com extrema concentração de renda como a brasileira149, o padrão

de consumo imitado dos países centrais por parte de uma classe dominante “aculturada”150 não

tinha condições de se difundir para o conjunto da sociedade. Grande parte da população foi

alijada desse consumo e sofreu uma exploração grande, tendo que conviver com um

desemprego estrutural permanente. A industrialização brasileira não resolveu o problema da

formação, do passado colonial, e tampouco solucionou a questão da falta de autonomia

tecnológica e financeira. Em consonância com Fernandes e Prado Jr., Furtado entendeu que,

como resultado, não houve a criação de uma indústria autodeterminada e explicitou-se, na

verdade, “o mito do desenvolvimento econômico”151.

Temos assim a prova definitiva de que o desenvolvimento econômico – a

ideia de que os povos pobres podem algum dia desfrutar das formas de vida

dos atuais povos ricos – é simplesmente irrealizável. Sabemos agora de

forma irrefutável que as economias periféricas nunca serão desenvolvidas,

no sentido de similares às economias que formam o atual centro do sistema

capitalista. Mas como negar que essa ideia tem sido de grande utilidade para

mobilizar os povos da periferia e leva-os a aceitar enormes sacrifícios, para

legitimar a destruição de formas de cultura arcaicas, para explicar e fazer

compreender a necessidade de destruir o meio físico, para justificar formas

de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema produtivo?

Cabe, portanto, afirmar que a ideia de desenvolvimento econômico é um

simples mito. Graças a ela tem sido possível desviar as atenções da tarefa

básica de identificação das necessidades que abrem ao homem o avanço da

ciência, para concentrá-las em objetivos abstratos como são os

investimentos, as exportações e o crescimento (FURTADO, 1974, p. 75-76,

grifos do autor).

Com a transnacionalização, a possibilidade de desenvolvimento nacional no Brasil

entrou em crise, uma vez que os meios (racionalidade instrumental) se sobrepuseram aos fins

(racionalidade substantiva)152

, inclusive negando-os. O Estado ficou sem condições de mediar

149

“A homogeneização dos padrões de consumo que se logra entre as minorias privilegiadas dos países

periféricos e as populações dos países de elevados níveis de renda tem como contrapartida a crescente

heterogeneidade social daqueles países” (FURTADO, 1982, p. 123). 150

“O excedente retido na periferia desempenhará papel fundamental no processo de aculturação desta, operando

como vetor dos valores culturais do núcleo industrial em expansão” (FURTADO, 1980, p. 86). 151

Ver Furtado (1974). 152

De acordo com Furtado (2000, p. 7-8, grifos do autor), “[...] existe alguma evidência de que por toda parte, no

espaço e no tempo, a invenção cultural tende a ordenar-se em torno de dois eixos: a busca da eficácia na ação e a

busca de propósito para a própria vida. É o que desde Max Weber se tem chamado de racionalidade formal ou

instrumental e racionalidade substantiva ou dos fins. A invenção diretamente ligada à ação supõe a existência de

90

os fins aos meios, ou seja, a acumulação capitalista foi totalmente usada para atender os

interesses privados dos capitalistas sem a possibilidade de se levar adiante um projeto de

nação. A construção foi interrompida153 no Brasil mais notadamente a partir dos anos 1980154

.

Como o desenvolvimento nacional deveria estar relacionado com a conciliação entre

meios e fins, por meio da mediação do Estado, a fratura entre meios e fins, observada por

Furtado, mostrou que a incorporação do progresso técnico se deu de maneira descolada da

estrutura econômica e das necessidades sociais brasileiras155 e a busca por lucros passou a ser

o único objetivo. Deste modo, a sociedade como um todo se voltava ao lucro capitalista como

se este fim fosse coletivo.

Nesse sentido, por mais que pudesse haver desenvolvimento capitalista no Brasil, o

mesmo não redundava em desenvolvimento nacional. Ainda que o país avançasse, de certa

forma, no desenvolvimento dos meios (das técnicas) desde 1930 e durante o governo de JK,

com o golpe civil-militar houve uma completa subordinação dos meios ao lucro capitalista,

dadas as características das burguesias brasileiras que comandavam o Estado. O avanço da

técnica servia assim ao grande capital e não para emancipar o homem a partir do

desenvolvimento de sua criatividade156

. Isso levou Furtado (1980, p. 44) a destacar que

parecia “não haver dúvida de que nos últimos dois séculos [XIX e XX] a criatividade humana

[foi] principalmente canalizada para a inovação da técnica”. E com o agravante de que o

monopólio da inventividade ocorria em benefício de apenas alguns países.

A transnacionalização do capitalismo esteve relacionada não somente ao

aparecimento das empresas transnacionais industriais como também às empresas

transnacionais bancárias, que criaram uma nova forma de articulação com a economia

brasileira que caracterizou a “nova dependência”157, tendo três desdobramentos na década de

1980: i) a armadilha da dívida externa, ou seja, a subordinação do Estado à lógica de

objetivos previamente definidos. Ela nos dá a técnica. A invenção ligada aos desígnios últimos nos dá os

valores, os quais podem ser morais, religiosos, estéticos etc.” 153

Ver Furtado (1992). 154

De acordo com Campos (2014, p. 82), “para Furtado a crise da dívida externa que acometeria a América

Latina no limiar dos anos 1980, em especial o Brasil, não se constituiu como uma simples crise do financiamento

da industrialização, mas a atrofia tanto dos meios quanto dos fins para alcançar o desenvolvimento nacional,

cujos limites do desenvolvimento capitalista brasileiro descortinavam seu contínuo caráter dependente e

subdesenvolvido. Mais do que um bloqueio passageiro, que poderia ser suplantado a qualquer momento pelo

mero crescimento econômico, instaurou-se nesse contexto uma relação inconciliável entre dependência e

desenvolvimento”. 155

“Foram as economias periféricas que se adaptaram às exigências da racionalidade econômica das

transnacionais, o que conduziu a uma marcada divergência entre os resultados da acumulação e os objetivos de

melhoria das condições de vida da massa da população, com que acenavam as políticas de desenvolvimento”

(FURTADO, 1982, p. 122). 156

Ver Furtado (1978). 157

Ver Furtado (1982).

91

pagamento da dívida que promoveu um ajuste macroeconômico; ii) o mimetismo cultural, que

foi acentuado; e iii) o neoliberalismo como política econômica hegemônica, que negou o

planejamento. Assim, “com o avanço da internacionalização dos circuitos econômicos,

financeiros e tecnológicos, debilitam-se os sistemas econômicos nacionais” (FURTADO,

1998, p. 38), como ficou evidente no Brasil a partir da década de 1980.

3. As Propostas do II PND e o Papel das Empresas Estatais

O II PND foi encaminhado ao Congresso Nacional no dia 10 de setembro de 1974

pelo presidente da República do regime autoritário, Ernesto Geisel. No plano, Geisel

destacava a crise internacional e as possibilidades e potencialidades de o Brasil suplantar a

crise e integrar o seleto grupo dos países desenvolvidos.

A situação difícil do contexto mundial no pronunciamento de Geisel (II PND, 1974)

era definida a partir dos seguintes problemas: crise do SMI; crise de energia e matérias-primas

essenciais; problemas com a inflação; arrefecimento do comércio mundial; desequilíbrio do

balanço de pagamentos; convulsão social; climas de incerteza; estagnação inflacionária e

depressão econômica.

Apesar da conjuntura internacional conturbada, Geisel (II PND, 1974) mostrava um

grande otimismo em relação ao Brasil com a implementação do II PND, prevendo para o

quinquênio taxas de crescimento econômico elevadas, superiores a 10% ao ano; uma renda

per capita maior que US$ 1.000 em 1979; um PIB em 1977 na ordem de US$ 100 bilhões,

tornando o país a oitava economia do mundo; um crescimento do emprego em torno de 3,5%

ao ano, com a criação de mais de 6,6 milhões de empregos.

No discurso, o governo autoritário explicitava a necessidade de poupanças externas

para financiar o II PND que, segundo ele, “[exigiria] a manutenção de um adequado

escalonamento da dívida externa e elevado volume de reservas monetárias, essenciais ambos à

captação da poupança externa” (II PND, 1974, n/p). Além disso, haveria um esforço para

expandir as exportações e uma adequação da pauta de importações para ajustar o balanço de

pagamentos.

O II PND foi aprovado pelo Congresso Nacional e publicado no Diário Oficial por

meio da Lei no 6.151 de dezembro de 1974

158 para viger no quinquênio 1975 a 1979. No

documento ficava patente a preocupação com a crise de energia e se indicava que haveria

investimentos para amenizar esse problema, tanto na exploração de petróleo quanto em fontes

158

Disponível em: http://www.fau.usp.br/docentes/depprojeto/c_deak/CD/5bd/2br/3plans/1974II-PND/pdf/II-

PND.pdf.

92

alternativas de energia, uma vez que “a política de energia, num País que [importava] mais de

dois terços do petróleo consumido (respondendo este por 48% da energia utilizada), [passava]

a ser peça decisiva da estratégia nacional” (II PND, 1974, p. 17). A crise do petróleo e a

evolução industrial, de acordo com o documento, exigiam mudanças no Brasil com “grande

ênfase nas Indústrias Básicas, notadamente o setor de Bens de Capitais e o de Eletrônica

Pesada, assim como o campo dos Insumos Básicos, a fim de substituir importações e, se

possível, abrir novas frentes de exportação” (II PND, 1974, p. 17).

Havia o diagnóstico de que o país era muito dependente de petróleo para transporte e

também como fonte de matéria-prima para as indústrias, sobretudo, a indústria química. “O

Brasil [importava] cerca de 40% das suas fontes de energia, sendo a quase totalidade disso

constituída pelo petróleo” (II PND, 1974, p. 81). Na tentativa de amenizar essa situação, o

plano propunha uma atuação para promover o crescimento da economia e,

concomitantemente, reduzir a dependência desse insumo por meio do aumento da oferta

interna de petróleo e investimentos na produção de outras fontes internas de energia, como o

xisto e a produção de álcool.

A crise do petróleo, ao mesmo tempo em que criava problemas para a balança

comercial brasileira e para o balanço de pagamentos, dada a grande dependência do país desse

insumo, possibilitava a obtenção dos recursos externos necessários para levar o II PND

adiante – e consequentemente diminuir a dependência em relação ao petróleo –, na visão dos

formuladores do plano. A reciclagem dos petrodólares era vista como a principal fonte de

recursos externos aos países subdesenvolvidos, que teriam garantido o seu ingresso

[...] aos centros financeiros da Europa e dos Estados Unidos, que [faziam]

boa parte da reciclagem do dinheiro árabe. E principalmente [para os países

subdesenvolvidos seriam] montados esquemas especiais de financiamento de

longo prazo junto às instituições internacionais, como o FMI, o BIRD e o

BID (II PND, 1974, p. 27).

Nessa leitura, o endividamento externo se configurava como elemento central para o

financiamento do II PND. Sem esses recursos, o plano se tornaria frustrante, assim como a

previsão de crescimento para a indústria na ordem de 12% ao ano no quinquênio. Para essa

ampliação, o setor privado teria papel de destaque e as empresas estatais atuariam para dar

suporte à iniciativa privada em setores que não eram do interesse do capital privado, mas

importantes para o desenvolvimento industrial. A orientação do plano era ressaltada da

seguinte forma:

93

[...] deixar com a iniciativa privada a função de investir e produzir, com

rentabilidade adequada. Só [haveria] projetos sob controle de empresas

governamentais se, na prática, a iniciativa privada, claramente,

[demonstrasse] que não [poderia], ou não [desejaria], realizá-los (por

motivos ligados ao volume dos investimentos, à baixa rentabilidade direta

dos projetos ou à tecnologia) [...]. Ainda mais: mesmo que [tivessem] de

assumir o comando de certos projetos, [procurariam] normalmente as

empresas de Governo associar-se ao setor privado utilizador do insumo a

produzir, e, sempre que possível, em oportunidade futura, [passariam] a

iniciativa às mãos de empresários159

(II PND, 1974, p. 38).

Ficava assim manifesto que as empresas estatais continuariam a subsidiar a

acumulação privada e que quando as áreas de atuação dessas empresas se tornassem de

interesse do capital privado o governo não mediria esforços para destiná-las à iniciativa

privada nesse “modelo brasileiro de capitalismo industrial” (II PND, 1974, p. 37).

No documento era ainda ressaltado que se implantaria um regime econômico de

mercado. O II PND estabelecia quais seriam as áreas de atuação do governo e da iniciativa

privada:

1) Os setores de Infraestrutura Econômica, normalmente através de empresas

governamentais, em Energia, Transportes e Comunicações, operando

articuladamente com os Estados e Municípios. Nessas áreas de concessão de

serviços públicos, o setor privado [atuaria] complementarmente, na forma

que for definida.

Todavia, as indústrias produtoras de equipamentos materiais para tais

setores, pertencentes à Indústria de Transformação, não [eram] áreas de

responsabilidade do Governo, e sim da iniciativa privada.

2) As áreas de Desenvolvimento Social, frequentemente em ação conjugada

com a iniciativa privada: Educação, Saúde, Previdência Social (a Habitação

[era] caso especial, pois a ação executiva [caberia], em geral, ao setor

privado).

Constituem campo de atuação próprios da área privada setores diretamente

produtivos: Indústria de Transformação, Indústria de Construção,

Agricultura e Pecuária, Comércio, Seguros, Sistema Financeiro (ressalvada a

função pioneira e de estímulo atribuída aos bancos oficiais).

Nesses setores, não apenas o Governo [confiava] seu desenvolvimento à

iniciativa privada, como [procurava] provê-la das condições para um

desenvolvimento satisfatório, através de incentivos fiscais, financeiros,

políticas de preços e outros estímulos (II PND, 1974, 48-49).

Essa divisão em setores de atividades explicitava que as áreas mais lucrativas

ficariam a cargo da iniciativa privada (internacional ou nacional) e às empresas estatais seriam

reservadas atividades menos rentáveis, com elevadas inversões, e que serviriam aos interesses

159

“Essa orientação geral se aplica também aos esquemas de participação montados pelo BNDE, PETROQUISA

e outras entidades governamentais (mecanismos tipo IBRASA), que se destinam a criar a grande empresa

nacional, ou dar ao empresário nacional oportunidade de participar de grandes empreendimentos, ou a expandir-

se sem irracional estrutura financeira. Mas que não significam nenhum propósito de, como se tem feito em

alguns países europeus, criar um sistema de controle estatal sobre áreas industriais” (II PND, 1974, p. 38).

94

do capital internacional no país, para auxiliar nos seus IDEs. Assim, as empresas estatais

continuariam gerando economias externas para as empresas multinacionais.

Ao constatar a participação significativa das atividades governamentais na economia

brasileira, o plano enfatizava que tal presença não se devia à atuação em setores prejudiciais à

iniciativa privada e reconhecia que isso era resultado da intervenção em áreas estabelecidas

para o Estado, como “as transferências do sistema de Previdência Social, as despesas de

Infraestrutura Social (Educação e Habitação, principalmente), e os investimentos das

empresas em Infraestrutura de Energia, Transportes e Comunicações” (II PND, 1974, p. 49),

necessários para as empresas privadas. Por isso, “as empresas governamentais se elevariam a

8 entre as 25 maiores empresas pelo valor das vendas, a 7 entre as 25 maiores pelo número de

empregados, e a 17 entre as 25 maiores pelo total de ativo” (II PND, 1974, p. 49). Essa

significativa participação das empresas estatais “[funcionava] a favor do setor privado, nas

áreas que a este, no Brasil, realmente [interessavam]” (II PND, 1974, p. 50), mesmo porque a

estratégia governamental era “de apoio ao regime de mercado, com a divisão de trabalho já

definida. Nas áreas de responsabilidade da iniciativa privada, o setor público [estaria]

ativamente apoiando e estimulando a empresa [privada], para que [ocupasse] efetivamente os

campos à sua disposição” (II PND, 1974, p. 50).

O governo apostava no crescimento do comércio mundial. Era prevista uma elevação

das exportações na ordem de 20% ao ano no quinquênio, superando o crescimento projetado

para as importações. O II PND fazia uma análise bastante otimista das relações comerciais

com os Estados Unidos, o Mercado Comum Europeu, a América Latina, a África, o Japão, a

União Soviética e a China. Com esse diagnóstico, o plano estabelecia uma diversificação da

pauta de exportação brasileira por meio de incentivos fiscais e financiamento das exportações.

Havia uma preocupação com o fortalecimento da empresa privada nacional, “com

apoio governamental, por intermédio do BNDE (IBRASA, EMBRAMEC, FIBASE), da

PETROQUISA e de outros financiamentos oficiais”160

(II PND, 1974, p. 51). O II PND

também mantinha o tripé que existia desde o Plano de Metas – empresa estatal, empresa

nacional e empresa multinacional. Contudo, mesmo com a grande participação das empresas

estatais para dar suporte à acumulação do setor privado, isso não configurava uma maior

autonomia por parte do Estado.

160

“Em 1974 foram criadas as três irmãs – FIBASE, EMBRAMEC e IBRASA – como companhias de

investimento para assumirem participações acionárias minoritárias em projetos inscritos nas prioridades da

Estratégia” (LESSA, 1998, p. 224).

95

Sempre que [fosse] possível os espaços [eram] ocupados nas áreas de

insumos básicos por uma grande empresa privada nacional existente ou

constituída sob estímulo do II PND. Na ausência de grandes empresas

nacionais candidatas a tais projetos eles [seriam] tocados pela empresa

estatal. Esta, entretanto, [procuraria], em seu esforço por implantar tais

projetos prioritários, associar capitais nacionais e estrangeiros (LESSA,

1998, p. 217).

Entretanto, para Lessa (1998), a experiência não mostrava que as empresas privadas

nacionais fariam a escolha de crescer nas condições imaginadas, assim, priorizá-las, nas áreas

de insumos básicos, por mais vantagens que a elas fossem concedidas, não propiciaria sua

liderança, como advogava o plano. Com a crise que já se manifestava em 1976, houve críticas

dos empresários privados nacionais contra o II PND, com o argumento de que a participação

das empresas estatais na economia havia aumentado muito e prejudicado a iniciativa

privada161

. Esses empresários não “percebiam” que a expansão das empresas estatais se dava

justamente para fortalecer o setor privado, tanto nacional como internacional, por meio

principalmente da transferência de “lucros potenciais para os capitais privados alimentando a

elevação de sua rentabilidade” (LESSA, 1998, p. 160). As empresas estatais atuavam

[...] nas áreas de alta relação capital/produto e praticavam uma política de

preços baixos quando [supriam] indústrias – não necessariamente nos

fornecimentos para consumidores finais. [Obtinham] rentabilidade baixa,

que [era] rebaixada adicionalmente, quando ante a elevação da taxa de

inflação se [adotava] uma política de comprimir os reajustes dos serviços e

bens de produção pública (LESSA, 1998, p. 159).

Havia, portanto, uma baixa rentabilidade das empresas estatais em função de

subsidiarem as empresas privadas e por serem um dos principais meios de o governo tentar

conter a inflação. O repasse do Tesouro Nacional às empresas estatais que poderia compensar

essa “subvenção” destinava-se em grande parte às empresas privadas. Além disso, os recursos

do BNDE direcionavam-se em sua maioria para projetos privados. Assim, a saída para as

empresas estatais estava na busca de fontes externas. Com isso, se elevou o endividamento

161

“A constatação da óbvia ponderação das empresas estatais no coração da Estratégia forneceu o principal pilar

ideológico da campanha contra o modo de manejo do Estado” (LESSA, 1988, p. 139). Tavares e Assis (1986, p.

61-62) também destacaram as críticas ideológicas das burguesias brasileiras ao processo de estatização da

economia: “A redução de ritmo dos grandes programas estatais frustrou em boa medida as expectativas de

crescimento a médio prazo dos produtores nacionais de equipamentos. Vendo minguar seu espaço de expansão e

premidos pela concorrência externa, representada pelas quotas de equipamentos importados que vieram

empurrados junto com os „pacotes‟ de financiamento, elevaram o tom de seu protesto contra o novo surto de

„estatização‟, numa crítica em que se misturavam, e ainda se misturam, vários componentes meramente

ideológicos [...]. Muitos empresários não reconheceram o óbvio: que o investimento estatal e os subsídios é que

sustentavam sua atividade e mantêm suas margens de lucro”.

96

das estatais e a desnacionalização da economia a partir das exigências de compra de máquinas

e equipamentos nas regiões onde obtinham os empréstimos.

Para Lessa (1998), havia uma resistência dos elaboradores do plano a assumir que as

empresas estatais teriam um papel fundamental no quinquênio, mas com o mesmo propósito

de sempre: gerar economias externas às empresas privadas. “Uma leitura com maior atenção

do II PND constataria o trivial mantido implícito: a Estratégia proposta desdobrar-se-ia

precipuamente a partir de um elenco de projetos diretamente formulados e implantados pelas

empresas estatais” (LESSA, 1998, p. 106). A participação central das estatais do setor

produtivo foi destacada por Lessa (1977, p. 53) com os seguintes questionamentos:

Quais são as grandes metas do II PND?

Siderurgia? São metas da siderurgia estatal.

Grande mineração? Vale do Rio Doce.

Prospecção de novas frentes energéticas, de alteração do balanço energético

no Brasil? Eletrobrás, Petrobrás etc.

Química de base? Petroquisa.

Se o crescimento da economia brasileira havia se dado de maneira desequilibrada

durante o I PND (“milagre econômico”), como anunciavam os formuladores do II PND, a

correção se daria com o desenvolvimento dos setores de insumos básicos e de bens de capital

(indústria de base). Este último ficaria a cargo das empresas privadas, que teriam o aumento

de sua produção puxado pelas atividades das empresas estatais no setor de insumos básicos,

visto que as empresas privadas produziriam equipamentos para suprir as necessidades da

crescente oferta de insumos de base.

Quanto às empresas multinacionais, o II PND previa que elas não seriam

prejudicadas em suas áreas de atuação, principalmente nas indústrias de transformação, setor

no qual já se encontravam consolidadas e que se caracterizava por ser área mais complexa da

economia. Além disso, o plano reservava para “as empresas multinacionais um papel de

destaque, ao serem admitidas como transferidoras de tecnologia ao capital privado nacional,

financiadoras do setor de bens intermediários e também geradoras de divisas através de

exportações” (CAMPOS, 2009, p. 85).

Contudo, as mudanças que permitiram grande rentabilidade no mercado financeiro,

dado o diferencial de taxa de juros no país em relação ao mercado internacional, estimularam

as empresas multinacionais a aumentar sua participação em aplicações financeiras (LESSA,

1998). Assim, “o capital estrangeiro [...] foi premiado com o espaço livre do circuito

financeiro alargado progressivamente pela política anti-inflacionária e de „equilíbrio‟ das

97

contas externas”162

(LESSA, 1998, p. 270). Além disso, setores não prioritários, como a

indústria automobilística163

, notadamente controlada pela empresa multinacional, tinham

barreiras à entrada de novos competidores, circunstância que aumentava a lucratividade

dessas empresas por dois motivos: a diminuição da concorrência, que repercutia diretamente

no aumento de seus preços; e o repasse de bens e serviços das empresas estatais ao setor

privado a preços ainda menores na tentativa de conter a inflação (LESSA, 1998).

Com a elevação da inflação e as medidas de controle sobre as estatais, houve cortes

em seus financiamentos e diminuição ainda maior de seus preços em relação à inflação. Essa

condição levou à redução de suas importações e de suas atividades produtivas, o que

repercutiu diretamente sobre o setor privado com a queda de encomendas. “O quadro geral

contracionista [ficava] visível a partir de 1976, quando caem as importações de bens de

capital e se contraem as taxas de crescimento das compras internas de bens de capitais”

(LESSA, 1998, p. 168).

Como desdobramento, “ao longo do 1º semestre de 1976 se avolumaram indícios de

sérios problemas para a continuidade dos programas do II PND” (LESSA, 1998, p. 168), visto

que a estratégia do plano era aumentar a demanda de insumos básicos, com a atuação direta

das empresas estatais164

, estimulando a produção de máquinas e equipamentos do setor

privado e a expansão do mercado interno com diversificação e sofisticação da indústria

nacional de bens de capital.

A reversão do ciclo econômico em direção a uma crise e a diminuição das atividades

das empresas estatais repercutiu negativamente nas pretensões do II PND. Houve uma

diminuição e uma mudança dos investimentos do setor privado que, nesta fase, se

direcionavam a outras áreas com elevadas rentabilidades, como o setor financeiro e atividades

relacionadas aos recursos naturais e voltadas ao mercado externo. A crise do petróleo, ao

repercutir diretamente na elevação dos preços das matérias-primas, favoreceu para que novos

IDEs fossem agora reservados a esses setores. Nesse processo, o Japão165

surgiu como o

162

“Num descenso cíclico de uma economia com alto grau de monopólio surge inexoravelmente a tendência de a

acumulação financeira se deslocar da acumulação produtiva. No Brasil a sondagem cuidadosa feita por

Campos/Delfim entre os mecanismos financeiros externos e o circuito do mercado financeiro internacional

favorecia a tal tendência, reforçando suas dimensões especulativas” (LESSA, 1998, p. 166). 163

Apesar de em abril de 1974 o Banco Central ter reduzido de 48 para 24 meses o financiamento para aquisição

de automóveis novos, em abril do ano seguinte o mesma fora aumentado para 36 meses. 164

A produção de insumos básicos, em grande medida sob o controle das empresas estatais, cumpriria essa

função, com aumento da produção de aços e lingotes, alumínio, cobre, zinco, álcalis, fertilizantes, nitrogenados,

potássicos, fertilizantes fosfatados, petroquímicos, papel e celulose, entre outras. Para mais informações ver

Lessa (1998), p. 107-116. 165

“O Brasil, por possuir amplas reservas naturais e a melhor infraestrutura, além de apresentar um regime

relativamente flexível na conta capital, assim como incentivos e subsídios para atividades exportadoras, tornar-

98

terceiro maior IDE no Brasil para a exploração desses recursos, atrás apenas dos Estados

Unidos e da Alemanha. O novo IDE166

sinalizava a reestruturação produtiva das empresas

multinacionais. Diante dessa mudança, o II PND se adaptava às multinacionais, deixando de

lado suas próprias pretensões de receber um capital vinculado à produção de bens de consumo

duráveis167

.

Nesta reação aos novos condicionantes externos, o II PND passou a incentivar uma

associação entre empresas estatais, empresas privadas nacionais e o capital internacional por

meio de “empreendimentos conjuntos (joint ventures)” (II PND, 1974, p. 51). Tais formas de

associação estimulavam amplamente as empresas multinacionais, uma vez que “derivavam da

necessidade de obter vantagens na compra de produtos primários em economias periféricas e

de vendê-los como produtos processados industrialmente em seu espaço econômico de origem

e em economias desenvolvidas” (CAMPOS, 2009, p. 84).

Em suma, apesar das propostas do II PND de promover o adensamento das cadeias

produtivas brasileiras tentando levar o Brasil ao patamar de um país industrializado,

depreende-se que esse projeto se deu em um momento inicial de grande liquidez no mercado

financeiro internacional e de uma conjuntura ainda de crescimento econômico. Contudo, a

mudança do contexto mundial no fim dos anos 1970, a recessão econômica interna e a

aceleração inflacionária repercutiram negativamente nas propostas do II PND, com as

se-ia o lócus preferido por esses fluxos no continente. Tais investimentos tinham um caráter complementar à

estrutura industrial japonesa, visto que o processamento de recursos naturais, sobretudo mineração, garantia o

suprimento de matérias-primas e insumos básicos indispensáveis a uma economia deficitária nesses bens, ao

mesmo tempo em que se constituía como uma ampla plataforma de compra de produtos primários e venda de

manufaturados nos principais entrepostos comerciais” (CAMPOS, 2009, p. 83). Como será mostrado no Capítulo

3, os japoneses interessaram-se por siderúrgicas como a Usiminas. 166

Nas palavras de Campos (2009, p. 84), “ao tratarmos dos requisitos exigidos pelas empresas multinacionais

para investirem no país, temos que transpor a análise a dois níveis de distinção do IDE: o antigo e o novo. O

primeiro, estabelecido na indústria de bens de capital e consumo duráveis, continuou exigindo proteção do

mercado interno, facilidades para captação de empréstimos externos e estabilidade política para manter seu

ingresso. Já o novo, que se fixou basicamente na indústria de bens intermediários – apesar de muitas de suas

exigências serem semelhantes a do antigo por ter um perfil voltado ao drive exportador –, só se instalaria se

tivesse uma ampla oferta de recursos naturais escassos em escala mundial, mão-de-obra barata, incentivos fiscais

e facilidades financeiras. A maneira como o Estado garantiu tais requisitos foi influindo em um padrão de

desenvolvimento capitalista capaz de dar sustentabilidade institucional à associação do capital internacional com

as empresas estatais e as privadas nacionais na forma de joint ventures. Certos projetos industriais se mostravam

empreendimentos de alto risco, lenta maturação e de grande soma de investimentos, que exigiam a presença do

poder estatal como forma de sustentar a lucratividade do negócio. Em contrapartida, o país contaria com certas

transferências tecnológicas e acúmulo de divisas”. 167

“O II PND, dentro dessa transição no padrão de acumulação, mostrou-se como mais um programa de

desenvolvimento que se relacionava aos novos destinos do IDE. O Governo Geisel teria o papel de proporcionar

à empresa multinacional acesso privilegiado e rentabilidade garantida por meio da intervenção estatal. Abriria

aqui um movimento distinto na internacionalização brasileira, visto que, diferentemente daquele capital

vinculado à produção de bens de consumo duráveis ao mercado doméstico, o IDE novo, voltado aos recursos

naturais, tinha sua estratégia definida pela industrialização de produtos intermediários destinados ao mercado

externo” (CAMPOS, 2009, p. 83).

99

burguesias brasileiras colocando-se contra o plano e as empresas multinacionais transitando

cada vez mais para a internacionalização financeira e restringindo seus novos investimentos

produtivos no país ao setor de recursos naturais direcionados à exportação168

.

3.1. Financiamento do II PND e Crise da Dívida Externa

A característica central da transição para os anos 1980 foi o alto endividamento

externo do Brasil, contraído a partir do aumento dos recursos disponíveis no mercado

financeiro internacional por conta da expansão do Euromercado. Recorrer a esses

empréstimos era uma medida de política econômica dos governos militares, que defendiam a

necessidade de poupança externa para a economia crescer. O “milagre econômico” e o II PND

foram períodos característicos deste salto no endividamento externo. A tomada de recursos

fora do país era justificada pela equipe econômica do governo como forma de o Brasil crescer

sua capacidade produtiva de maneira significativa, e, desse modo, não ter problemas para

realizar o pagamento desses empréstimos no futuro.

As mudanças feitas pelo PAEG, no sentido de promover a articulação da economia

brasileira com o sistema financeiro internacional, principalmente por meio da alteração da Lei

4.131 e da Resolução 63, foram fundamentais para o padrão de financiamento da economia

brasileira que iria se configurar no II PND por permitirem acesso fácil ao Euromercado.

O avanço sobre os recursos externos, no entanto, ampliava a vulnerabilidade externa

do país, uma vez que não havia uma contrapartida de investimentos produtivos a partir desses

empréstimos a fim de sustentar o ciclo expansivo da economia brasileira tanto naquele

momento quanto no futuro. Isto é, grande parte dos recursos contraídos fora do país acabava

na conta das reservas cambiais, voltada ao pagamento de juros aos credores, não passando,

portanto, para a esfera produtiva.

Para Baer (1986), a década de 1970 estabeleceu a conexão plena da economia

brasileira com o circuito financeiro internacional, que se iniciara já no final da década de 1960

com a elevação da liquidez mundial, quando países como o Brasil “pela primeira vez

passaram a ter acesso direto e relativamente fácil aos mercados mundiais de capitais. Isso

permitiu, por um lado, que se realizasse um crescimento vertiginoso da dívida externa

brasileira e, por outro, que mudassem radicalmente as fontes de financiamento”169 (BAER,

168

Diferentes análises sobre o II PND podem ser vistas em Belluzzo (1985) e Castro; Souza (1985). 169

“Até 1964 os fundos da dívida externa brasileira provinham principalmente de fontes de financiamento

oficiais. Ainda que em 1969 seu peso já se havia reduzido relativamente pela metade dos recursos captados no

exterior. Não obstante, a partir de 1970, ano em que se deu a primeira grande expansão da dívida externa

brasileira, mais de 50% dela passou a ser financiada por fontes privadas. Em 1972, 70% da dívida de médio e

100

1986, p. 68). A partir desse momento, a dívida externa brasileira que vinha praticamente baixa

e estável ao longo do tempo teve um crescimento expressivo.

O endividamento externo acelerou, sobretudo, entre os anos de 1969 e 1973. Com a

maior parte dessa dívida direcionando-se para a elevação das reservas cambiais, a dívida

externa saltou de US$ 3,8 bilhões para US$ 12,6 bilhões entre 1969 e 1973, enquanto as

reservas cambiais aumentaram de US$ 300 milhões para US$ 6,4 bilhões. A expressiva

elevação das reservas cambiais no período, de 2.133%, deixava nítido que os empréstimos

contraídos, em grande parte, não eram voltados à expansão da capacidade produtiva industrial

do país, mas sim mantidos no circuito financeiro, como garantia para pagamento a credores

em caso de inadimplência dos tomadores desses recursos. Esses dados revelavam o caráter

eminentemente financeiro da dívida externa (CRUZ, 1984).

O comportamento da balança comercial brasileira neste período ajuda a entender a

lógica financeira da dívida externa, uma vez que a balança comercial manteve-se equilibrada,

sem grande aumento das importações de bens de capital. Estas, em teoria, seriam ampliadas

para o crescimento do parque produtivo do país, se este fosse o objetivo de fato do

endividamento externo. As importações não cresceram muito “devido principalmente ao fato

de que o período recessivo de 1964-67 havia criado uma grande capacidade ociosa, que pôde

ser aproveitada nos anos seguintes, fazendo com que as importações só se expandissem mais

rapidamente após 1970” (BAER, 1986, p. 89).

Este desempenho da balança comercial não condizia, portanto, com o argumento da

equipe econômica liderada pelo ministro Delfim Netto, que insistia na posição de que o Brasil

necessitava de poupança externa para crescer sua produção industrial, assim, endividando-se

(CRUZ, 1984).

O endividamento externo teve uma relação direta com a elevação da dívida pública

brasileira:

O “excesso” de endividamento externo verificado no início dos anos setenta,

notadamente no biênio 1972-73, e a preocupação das autoridades

governamentais quanto ao impacto desse fenômeno sobre a massa monetária

e, por essa via, sobre os níveis de inflação, tiveram um importante

desdobramento: um massivo lançamento de letras do Tesouro visando

eliminar o excesso de liquidez derivado do crescimento das reservas. Isso

significa que o primeiro grande salto da dívida pública brasileira – ocorrido

longo prazo havia sido contraída junto a fontes privadas de financiamento, havendo as fontes oficiais reduzido

sua participação relativa a 26,3%. Se bem que os credores privados continuaram aumentando sua participação

relativa no financiamento da dívida externa brasileira ao longo de todo o período, passando nos últimos anos a

ser responsáveis por cerca de 80% da mesma, podemos observar que a nova estrutura das fontes de recursos

externos praticamente já se havia consolidado em princípios da década de 70” (BAER, 1986, p. 73).

101

no início dos anos setenta – foi determinado pela intensa abertura financeira

para o exterior experimentada pela economia brasileira no período (CRUZ,

1984, p. 36, grifos do autor).

Poucos anos depois, o II PND (1975-1979) aprofundava ainda mais o endividamento

externo brasileiro. Como o plano desenvolvimentista propunha equacionar o crescimento do

Brasil e entendia que alguns setores da economia teriam ficado atrofiados (caso dos insumos

básicos e dos bens de capitais, que formavam gargalos que necessitariam ser sanados), não era

visto como um problema pelos membros do governo o aumento do endividamento. De 1974 a

1976, mesmo após a primeira crise do petróleo (1973), a equipe econômica ainda defendia a

necessidade de um “hiato de recursos”170 para levar adiante as propostas do II PND. Nesse

triênio, o saldo da balança comercial ficou negativo em US$ 10,5 bilhões, impactado

principalmente pela crise do petróleo (o preço do barril em 1970 era de US$ 1,80 e em 1974

já alcançava a cifra de US$ 11,58). A conjuntura internacional recessiva também refletia

diretamente na diminuição das exportações brasileiras e na deterioração dos termos de

intercâmbio.

O governo brasileiro entendia que a crise internacional seria passageira e que o II

PND deveria ser levado adiante. Para tanto, o financiamento do plano se daria com o

“aprofundamento do endividamento externo [que] era visto como desejável, de vez que

financiaria não mais um crescimento desequilibrado, como o do período anterior, mas sim a

erradicação estrutural da dependência da economia brasileira em relação aos países centrais”

(CRUZ, 1984, p. 19-20).

Mesmo com o contexto internacional ainda desfavorável em 1974, a equipe

econômica anunciou medidas que tinham como objetivo angariar recursos externos

necessários para implementar as propostas anunciadas no II PND e que repercutiam

diretamente no aumento da dívida externa, principalmente do setor público, como a Circular

no 230

171, por meio da qual o Banco Central assumiria o endividamento privado. Em agosto

de 1974,

[...] passou a ser permitido que os recursos não utilizados nas operações

financeiras de repasse fossem aplicados na forma de depósitos em moeda

estrangeira junto ao BACEN, como alternativa à compra de LTN. Sobre tais

depósitos o BACEN assumiria os juros devidos ao credor externo e, também,

170

“Ideia de que o endividamento externo teria a função de financiar o déficit na conta de mercadorias e de

serviços produtivos que necessariamente acompanharia a trajetória de crescimento acelerado de uma economia

atrasada” (CRUZ, 1995, p. 123). 171

Disponível em: http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/circ/1974/pdf/circ_0230_v10_l.pdf.

102

o ônus do imposto de renda quando de responsabilidade do depositante

(Circular n.o 230) (CRUZ, 1984, p. 41).

Entre 1974 e 1976, os gastos com juros sofreram uma elevação, chegando a US$ 4

bilhões, o que significava “em termos médios anuais um acréscimo de 300% em relação à

média do quinquênio 1969-73” (CRUZ, 1984, p. 21). Esse quadro já ressaltava o processo que

se gestava de aumento da taxa básica de juros internacionais e a elevação dos spreads

bancários. Contudo, a partir do segundo semestre de 1976 o Euromercado voltava a se

ampliar e a dívida externa brasileira iniciava um novo movimento de crescimento. A tabela 8

revela como o Brasil foi um dos maiores demandantes de recursos no Euromercado entre a

década de 1970 e o início dos anos 1980.

Tabela 8

Créditos Concedidos no Euromercado

Participação do Brasil como Tomador (em US$ milhões)

Ano Euromercado Brasil Participação do Brasil (%)

1970 4.730 87 1,8

1972 6.796 579 8,5

1974 29.263 1.672 5,7

1976 28.849 3.232 11,2

1977 41.766 2.814 6,7

1978 70.179 5.634 8

1979 82.812 6.278 7,6

1980 77.392 4.158 5,4

1981 133.379 5.751 4,3

1982 84.905 5.716 6,7

1983 73.899 4.475 6,1

Fonte: FGV. In: Lima (1991, p. 28).

De acordo com a tabela 8, em 1972 o país demandou 8,5% de todos os empréstimos

realizados por esse mercado ante 1,8% em 1970. Esse volume chegou a alcançar 11,2% em

1976, durante o II PND, mantendo uma posição de destaque na contratação desses recursos.

Nos anos compreendidos entre 1977 e 1978 a dívida externa brasileira crescia “a uma taxa

média de 30% a.a.” (CRUZ, 1984, p. 21).

Nesse período (1977-1978), a melhora das relações comerciais do Brasil e a

valorização dos preços dos produtos primários, como o café e a soja, somadas às restrições às

importações resultaram em uma balança comercial relativamente equilibrada, cujo déficit

alcançou “0,9 bilhão de dólares [...]. Somados os déficits das contas de mercadorias e de

serviços produtivos, [chegava-se] a um déficit de 3,8 bilhões de dólares no biênio” (CRUZ,

1984, p. 22). Em contrapartida, entraram no período a título de contratação líquida de capitais

103

de empréstimos US$ 13,5 bilhões. Os juros líquidos da dívida externa alcançaram US$ 4,8

bilhões e as reservas internacionais chegaram a US$ 5,3 bilhões, ou seja, 36% e 40%

respectivamente do total de contratação líquida de empréstimos no biênio (CRUZ, 1984).

Esses números explicitavam “que o acréscimo da dívida ocorrido no período [tinha]

pouco a ver com o financiamento do „hiato de recursos‟. Ou, em outras palavras, [revelava] o

caráter predominantemente financeiro da tomada de novos recursos externos” (CRUZ, 1984,

p. 22). O endividamento nessa época se deveu, de fato, a um “segundo movimento de

„transbordamento‟ do Euromercado de moeda e de uma política indutora de tomada de

recursos externos” (CRUZ, 1984, p. 23). Para Baer (1986, p. 95), “no período 1974-1978, o

endividamento externo passou a guardar uma relação mais estreita com o desequilíbrio do

balanço de pagamentos, tanto em sua dimensão produtiva como financeira”.

Nos anos de 1979 e 1980, a balança comercial brasileira voltou a ter déficit,

acumulando um saldo negativo de US$ 5,7 bilhões, como resultado direto do segundo choque

do petróleo. O preço do barril se elevou de US$ 13,60 em 1978 para US$ 30,03 em 1979.

Segundo Baer (1993), quando ocorreu o segundo choque do petróleo o Brasil importava 87%

do que consumia deste recurso.

Além da conjuntura mundial de recessão com inflação, no biênio 1979-1980 houve

também um aumento significativo da taxa de juros, que levou a uma situação inédita para o

Brasil: o aumento da dívida externa seria insuficiente para fazer frente aos juros líquidos

vencidos no período. “De fato, as tomadas líquidas totalizaram 9,2 bilhões de dólares,

enquanto os juros líquidos alcançaram o montante de 10,5 bilhões de dólares”172 (CRUZ,

1984, p. 24). Para fechar o balanço de pagamentos, só restavam duas alternativas: a utilização

das reservas cambiais e/ou a contratação de mais empréstimos externos com um prazo menor

e com custos mais elevados. Esse contexto revelou que

A economia brasileira, à medida que aprofundou sua dívida, tornou-se

duplamente vulnerável a conjunturas mundiais recessivas e inflacionárias:

por um lado, tais conjunturas têm um pesado efeito negativo sobre a conta

comércio – tanto pelo lado da absorção de nossas exportações como pelo

lado dos termos de intercâmbio – enquanto, por outro, é nessas conjunturas

que tendem a prevalecer, nos países centrais, políticas monetárias ortodoxas

que, via elevação de taxas de juros internacionais, impactam negativamente

a conta financeira das economias endividadas (CRUZ, 1984, p. 25).

Os desequilíbrios derivados dos custos dos juros e das amortizações da dívida

externa tornavam-se assim os causadores principais das crises do balanço de pagamentos 172

“Após 1978, o processo de endividamento externo brasileiro assumiu uma dimensão eminentemente

financeira” (BAER, 1986, p. 111).

104

brasileiro. A política econômica voltava-se para a geração de megasuperávits na balança

comercial para tentar honrar os compromissos da dívida externa. Mesmo porque, apesar da

grande contratação de empréstimos no Euromercado, conforme tabela 9, os recursos

necessários para pagar os juros e as amortizações da dívida externa mostravam-se

insuficientes.

Tabela 9

Serviços da Dívida, Empréstimos e Financiamentos (em US$ milhões)

Ano Serviços da Dívida Empréstimos e

Financiamentos

Juros Amortizações

1968 628 583 144 484

1969 675 1.023 182 493

1970 906 1.433 234 672

1971 1.152 2.037 302 850

1972 1.561 4.299 359 1.202

1973 2.186 4.495 514 1.672

1974 2.572 6.891 652 1.920

1975 3.670 5.932 1.498 2.172

1976 4.796 7.772 1.809 2.987

1977 6.163 8.424 2.103 4.060

1978 8.019 13.810 2.696 5.323

1979 10.570 11.228 4.185 6.385

1980 11.321 10.596 6.311 5.010

1981 15.403 15.553 9.161 6.242

1982 18.305 12.515 11.353 6.952

1983 16.418 6.708 9.555 6.863

1984 16.671 10.401 10.203 6.468

1985 18.479 7.010 9.589 8.890

Fonte: Banco Central do Brasil. In: Lima (1991, p. 30).

A partir de 1980, os empréstimos e financiamentos deixavam de ser maiores que os

gastos com juros e amortizações da dívida externa, como mostra a tabela 9. Em 1982 a

diferença entre os serviços da dívida e os empréstimos e financiamentos alcançava US$ 5,59

bilhões, já em 1983 chegava a US$ 9,71 bilhões, em 1984 foi a US$ 6,27 bilhões e em 1985

atingiu impressionantes US$ 11,461 bilhões. A única maneira que a equipe econômica

encontrou para tentar saldar esses déficits, uma vez que o Brasil não pediu uma moratória da

dívida, foi a geração de robustos superávits comerciais173, principalmente comprometendo o

SPE, como será analisado na próxima seção deste capítulo.

173

“O governo brasileiro transformou em prioridade absoluta o objetivo de gerar superávits comerciais sem

precedentes na história econômica brasileira, acelerando o esforço iniciado em 1980-1981. Um dos resultados foi

o imediato aprofundamento dos problemas financeiros do governo. Como o setor público responde pela maior

105

Dado que os empréstimos tornaram-se insuficientes, a partir de 1980 adotou-se uma

política econômica ainda mais recessiva para diminuir as importações públicas e privadas e

expandir as exportações, na tentativa de gerar saldos positivos na balança comercial, mesmo

com o Brasil apresentando uma deterioração dos termos de troca. No período 1980-1985

houve uma queda de 27% neste índice (BAER, 1993).

Essas medidas econômicas ortodoxas significaram: “corte no gasto público e redução

de subsídios, controle quantitativo de expansão do crédito com a concomitante liberação das

taxas de juros praticadas no segmento livre do mercado financeiro e contenção salarial”

(CRUZ, 1984, p. 26). Mesmo com o ajuste, ainda assim houve a necessidade de queima de

reservas cambiais. Isso fragilizava as contas nacionais e tanto a capacidade do país quanto a

das empresas do SPE de honrarem seus compromissos externos. O resultado desse processo

foi a socialização da dívida externa.

3.1.1. Estatização da Dívida Externa

A elevação da dívida externa brasileira ocorreu por meio da Lei 4.131 e da

Resolução 63. A estatização (ou socialização) da dívida externa ganhava impulso com a

criação de outros instrumentos como a Circular no 230 de agosto de 1974 e a Resolução

432174

, do Banco Central de junho de 1977, que absorviam o endividamento externo privado

assumindo os custos relacionados aos juros, aos spreads bancários e às desvalorizações

cambiais.

Em princípio, os maiores demandantes dos recursos externos eram as empresas

privadas, principalmente as multinacionais, com o privilégio de conseguir recursos no exterior

por meio de suas matrizes, com taxas de juros menores e prazos maiores aos praticados no

mercado interno brasileiro. Detinham ainda outras vantagens, como burlar as poucas

restrições que se relacionavam às remessas de lucro para suas matrizes. A dívida externa

brasileira caracterizava-se, em um primeiro momento, enquanto uma dívida notadamente parte da dívida externa e como o setor privado passou a responsabilizar-se pela produção de divisas necessárias

ao pagamento dos juros devidos pelo setor público, o aumento do superávit comercial traduzia-se em forte

pressão sobre as contas do Banco Central. A preocupação em manter algum controle sobre os agregados

monetários e a impossibilidade prática de gerar superávits orçamentários comparáveis ao montante de recursos

transferidos para o exterior levaram o governo a promover expansão acentuada do seu endividamento interno.

Em consequência, produziu-se substancial elevação das taxas de juros, o que reforçou a pressão inflacionária,

aumentou o déficit público e deprimiu o investimento privado” (BATISTA JR., 1987, p. 21). 174

A partir da Resolução 432 do Conselho Monetário Nacional, segundo Tavares e Assis (1986, p. 70-71),

“qualquer devedor ao exterior poderia, a qualquer tempo, transferir ao Banco Central, em caráter temporário ou

definitivo, o remanescente de sua dívida nas condições contratadas, desde que nele depositasse os cruzeiros

correspondentes ao principal da obrigação na data. Foi o sinal para a estatização crescente da dívida privada, a

um custo em dólares para o Banco Central equivalente ao spread arbitrado pelo credor e aceito pelo devedor

originais – não raro, matriz externa e subsidiária interna de um mesmo banco, ou vice-versa”.

106

privada. Entre os anos 1972 e 1973, quando houve o primeiro momento de crescimento

elevado do endividamento externo, o setor privado detinha quase 70% de toda a dívida. Em

1975, essa participação diminuiu para algo em torno de 50%. Nos anos 1979-1980, houve a

inversão: o setor estatal passou a responder por mais de 75% de toda a dívida externa

brasileira (CRUZ, 1984). A tabela 10 explicita esse aumento da dívida externa do setor

público e o endividamento dos setores de atividade dentro do setor público por meio da Lei

4.131.

Tabela 10

Empréstimos em moeda (Lei 4.131)

Captações brutas anuais realizadas pelo setor público, segundo principais setores de atividade

1972-1981 (em US$ milhões)

Discriminação 1972

Valor %

1973

Valor %

1974

Valor %

1975

Valor %

1976

Valor %

SETOR PÚBLICO

Energia

Siderurgia

Petroquímica

Transportes

Telecomunicações

Interm. Financeira

Adm. Pública

Outros

SETOR PRIVADO

623,1 24,9

89,9 3,6

3,9 0,2

72,5 2,9

197,7 7,9

63,5 2,5

77,2 3,1

89,0 3,5

29,4 1,2

1.874,4 75,1

1.130,9 39,7

143,0 5,0

19,1 0,7

117,3 4,1

306,0 10,8

50,5 1,8

135,9 4,8

352,0 12,3

7,1 0,2

1.718,3 60,3

1.098,0 35,3

112,0 3,6

26,4 0,9

43,6 1,4

422,7 13,6

209,1 6,7

99,1 3,2

182,0 5,8

2,2 0,1

2.011,5 64,7

1.900,9 50,4

180,0 4,8

72,0 1,9

129,9 3,4

531,0 14,1

267,7 7,1

141,2 3,7

459,0 12,2

120,1 3,2

1.872,1 49,6

1.953,3 51,1

187,1 4,9

128,5 3,4

0,0 0,0

475,7 12,4

262,2 6,8

282,0 7,4

515,9 13,5

101,9 2,7

1.872,7 48,9

Total 2.497,5 100 2.849,2 100 3.109,5 100 3.773,0 100 3.826,0 100

Discriminação 1977

Valor %

1978

Valor %

1979

Valor %

1980

Valor %

1981

Valor %

SETOR PÚBLICO

Energia

Siderurgia

Petroquímica

Transportes

Telecomunicações

Interm. Financeira

Adm. Pública

Outros

SETOR PRIVADO

2.500,5 51,5

591,4 12,2

610,7 12,6

136,0 2,8

603,2 12,4

10,0 0,2

427,7 8,8

50,0 1,0

71,5 1,5

2.356,9 48,5

5.317,4 60,2

1.368,3 15,5

610,0 6,9

151,5 1,7

1.096,8 12,4

267,0 3,0

717,8 8,1

580,0 6,6

526,0 6,0

3.511,5 39,8

6.642,9 76,8

1.599,1 18,5

913,0 10,6

133,9 1,5

560,0 6,5

309,0 3,6

710,0 8,2

1.749,7 20,2

668,2 7,7

2.007,4 23,2

3.687,0 76,6

1.207,7 25,1

378,2 7,9

250,0 5,2

113,9 2,4

229,0 4,8

535,5 11,1

822,6 17,1

150,1 3,0

1.124,1 23,4

5.285,5 69,6

2.009,5 26,5

317,0 4,2

522,0 6,9

994,4 13,1

15,0 0,2

429,3 5,7

657,1 8,6

341,3 4,4

2.311,1 30,4

Total 4.857,4 100 8.828,9 100 8.650,3 100 4.811,1 100 7.596,6 100

Fonte: Banco Central do Brasil. In: Cruz (1984, p. 96).

Como mostra a tabela 10, os setores da esfera pública que mais se destacaram na

captação de recursos externos foram o de energia e o de siderurgia. O primeiro aumentou sua

participação de 3,6% em 1972 para 25,1% em 1980. Já o segundo, representava 0,2% em

1972 e passou a 7,9% em 1980. Além desses ramos do SPE, os recursos captados pela

administração pública evoluíram de 3,5% em 1972 para 17,1% em 1980175 e o da

175

“Para os banqueiros internacionais é mais seguro emprestar ao Estado, seja à administração central ou a

grandes empresas públicas, como forma de garantir o pagamento das dívidas numa conjuntura que tendia

certamente à recessão” (BAER, 1986, p. 120).

107

intermediação financeira se elevou de 3,5% em 1972 para 17,1% em 1980, chegando a 20,2%

em 1979. O endividamento desses dois segmentos do setor público principalmente a partir de

1979 caracterizou-se pelo “„empréstimo jumbo‟ contratado diretamente pelo Tesouro junto a

um pool de bancos internacionais”176 (CRUZ, 1984, p. 97). À medida que o endividamento

externo do setor público aumentava, o endividamento privado diminuía.

O endividamento externo privado, principalmente das empresas multinacionais, teve

um comportamento próximo ao dos ciclos econômicos. Durante a fase expansiva, o

endividamento se elevava, e quando o ciclo sofria uma inflexão e a tomada de recursos no

mercado financeiro internacional passava a ser mais necessária para equilibrar o déficit do

balanço de pagamentos tais captações recuavam e os empréstimos do setor público subiam.

O setor privado nacional, que em 1972 foi responsável por 27,3% dos empréstimos

em moeda177

via Lei 4.131, apresentou uma participação de apenas 6,2% em 1975, devido

principalmente à desaceleração do crescimento e às restrições de liquidez que ocorreram em

1976. Em 1980, sua participação continuava baixa, representando somente 3,7% do total. Já

as empresas multinacionais tiveram um elevado endividamento a partir de 1972 quando este

chegou a 47,8% do total das contratações de empréstimos em moeda, caindo para 37,7% no

ano seguinte e mantendo uma média superior a 40% até 1977. Somente a partir daí

começaram a diminuir os empréstimos, chegando a 34,5% em 1978; 16,8% em 1979 e 19,7%

em 1980 (CRUZ, 1984).

O significativo endividamento do setor público na segunda metade da década de

1970 em um primeiro momento era para conseguir recursos para levar o II PND adiante e em

um segundo momento, para que o governo realizasse, com esses recursos, o pagamento de

juros e amortizações da dívida externa que cresciam aceleradamente. “A estatização da dívida

atendia ao objetivo de financiar tanto os investimentos públicos previstos no II PND, como a

necessidade de recursos do balanço de pagamentos, principalmente para a reciclagem da

dívida externa” (CAVALCANTI, 1988, p. 26, grifos do autor).

Esse processo acirrava a estatização da dívida externa, principalmente com a segunda

expansão do Euromercado em 1977 e 1978. Todavia, mesmo em uma conjuntura

176

De acordo com Cruz (1984, p. 87), “tais dados evidenciam que o processo de „estatização‟ passou, também,

pelo endividamento externo do governo federal, de quase todos os governos estaduais e, mesmo, de algumas

prefeituras, e que contou com a participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE –

como importante agente tomador de recursos via Lei n.o 4.131”.

177 “Os empréstimos em moeda são recursos levantados pelo Brasil no Euromercado a taxas flutuantes, que são

ajustadas semestralmente. Por conseguinte, o processo que transformou os empréstimos em moeda na principal

fonte de financiamento da dívida externa brasileira está diretamente associado com o fácil acesso que o Brasil

teve ao Euromercado a partir do final dos anos sessenta” (BAER, 1986, p. 75).

108

internacional momentaneamente mais favorável, as empresas multinacionais diminuíam suas

demandas por tais recursos, ignorando o estímulo da equipe econômica brasileira a essa

contratação com algumas medidas, como a Resolução 432 de 23/061977, que protegia os

devedores em moeda estrangeira de possíveis aumentos das taxas de juros e de

desvalorizações cambiais – como a que ocorreu em dezembro de 1979. Por essa resolução, o

devedor poderia depositar o principal de sua dívida no Banco Central (BC), como depósitos

registrados em moeda estrangeira (DRME), que o BC arcava com os custos dessas dívidas,

processo que acirrou a “socialização” dos prejuízos com o Estado assumindo boa parte da

dívida externa privada.

Essas medidas de política econômica confirmavam o quanto seus elaboradores

acreditavam que a crise mundial seria passageira e o Brasil não seria atingido por ela, já que

consolidado o II PND o país sairia fortalecido com uma economia com um nível de

desenvolvimento equivalente ao dos países industrializados e com grande capacidade de pagar

a dívida externa. Para as empresas estatais, o financiamento deveria vir dos recursos próprios

ou de empréstimos externos. Como essas empresas se deparavam com o reajuste de seus

preços e tarifas limitados, a única saída seria o endividamento externo178

.

Diferentemente, para as empresas privadas nacionais, o governo reservou créditos

subsidiados para que elas promovessem seus investimentos em setores estabelecidos pelo II

PND, principalmente por meio do BNDE, cujo objetivo era amparar o setor privado nacional

produtor de bens de capital e de insumos básicos, “seja através dos empréstimos diretos – e

subsidiados – do BNDE, da participação acionária das três subsidiárias – IBRASA, FIBASE e

EMBRAMEC –, seja, ainda através do crédito FINAME para a aquisição de equipamentos

nacionais” (CRUZ, 1984, p. 119). Esses recursos subsidiados ajudavam a explicar por que

esse setor privado nacional não se endividou significativamente no mercado internacional por

meio da Lei 4.131, como explicitado na tabela 11.

Cruz (1984) ressaltou três características que deixavam a captação de recursos

externos por meio da Resolução 63 muito atrativa para os conglomerados financeiros

localizados no Brasil. A primeira se deveu ao fato de que os recursos angariados no exterior

por meio de operações de longo prazo poderiam ser emprestados internamente a curto ou

médio prazo, com um período mínimo de seis meses. A segunda era que os custos relativos a

178

“Em janeiro de 1975 o CDI fixou em 20% o limite superior do reajuste dos preços e tarifas de bens e serviços

públicos para todo o ano. E mesma política foi adotada nos anos imediatamente seguintes, agora no bojo das

„políticas restritivas‟ que prevalecem a partir de 1976. Essa política significava, em última instância, que as

empresas estatais estavam impossibilitadas de exercer seu „poder de monopólio‟, via preços, para assegurar um

crescimento autofinanciado” (CRUZ, 1984, p. 120).

109

encargos, juros e variação cambial eram de responsabilidade do mutuário final do

empréstimo. A terceira era que o BC, a partir de 1974 por meio da Circular no 230, assumia

todos os custos dos empréstimos externos das contratações que não fossem repassadas

internamente ou até o momento em que esses empréstimos encontrassem demandantes, desde

que o saldo em moeda estrangeira ficasse depositado no BC.

As operações de repasse via Resolução 63 ganhavam cada vez mais importância no

endividamento externo e na estatização dessa dívida, principalmente à medida que as

empresas multinacionais diminuíam suas contratações no exterior e o país necessitava de

recursos em moeda estrangeira para pagar os juros e as amortizações da dívida externa,

conforme tabela 11.

Tabela 11

Empréstimos em Moeda

Estrutura dos Fluxos Brutos Anuais, segundo modalidades de captação

1972-1981 (em US$ milhões)

Discriminação 1972

Valor %

1973

Valor %

1974

Valor %

1975

Valor %

1976

Valor %

Lei no 4.131

Resolução 63

2.497,5 63,0

1.465,2 37,0

2.849,2 72,7

1.069,5 27,3

3.109,5 65,9

1.608,0 34,1

3.773,0 80,3

928,3 19,7

3.826,0 70,9

1.572,5 29,1

Total 3.962,7 100 3.918,7 100 4.717,5 100 4.701,3 100 5.398,5 100

Discriminação 1977

Valor %

1978

Valor %

1979

Valor %

1980

Valor %

1981

Valor %

Lei no 4.131

Resolução 63

4.857,4 78,6

1.321,4 21,4

8.828,9 74,3

3.053,8 25,7

8.650,3 84,6

1.574,5 15,4

4.811,1 57,9

3.500,9 42,1

7.596,6 58,2

5.467,1 41,8

Total 6.178,8 100 11.882,7 100 10.224,8 100 8.312,0 100 13.063,7 100

Fonte: Banco Central do Brasil. In: Cruz (1984, p. 140).

De acordo com a tabela 11, os recursos demandados por meio das operações de

repasse diminuíram significativamente em 1975, chegando a 19,7% do total. Essa diminuição

se deveu à reversão do ciclo expansivo da economia que impactou diretamente na tomada de

empréstimos externos, além dos créditos internos subsidiados para a empresa privada nacional

via BNDE. Em 1978 houve um crescimento expressivo de captação, tanto pela Lei 4.131

quanto pela Resolução 63, beneficiado pela melhora da conjuntura internacional, fruto do

aumento da liquidez a partir da segunda expansão do Euromercado. Entre 1980 e 1981

destacava-se o crescimento das operações de repasse, que alcançavam 42,1% e 41,8% do total

de empréstimos demandados, respectivamente. Estes eram principalmente demandados pelas

empresas estatais. A conjuntura desfavorável em função da elevação das taxas de juros no

mercado internacional e a necessidade de recursos externos crescentes para pagar os juros da

110

dívida externa geravam o imperativo de entrada de recursos em moeda estrangeira para essas

empresas.

A partir de 1973 os empréstimos começaram a ser concedidos, em grande medida,

com taxas de juros flutuantes179, situação que deixava países como o Brasil vulneráveis às

variações dessas taxas no mercado internacional. Entre o final da década de 1970 e o início da

década de 1980, “em torno de três quartos da dívida externa brasileira de médio e longo

prazos estavam contratados a taxas de juros flutuantes, o que implicou um impacto forte e

imediato da política de valorização do dólar praticada pelos Estados Unidos a partir de

1978”180 (BAER, 1993, p. 75). Assim, a elevação da taxa de juros somada à deterioração dos

termos de intercâmbio levaram a “uma duplicação da dívida externa líquida num período de

quatro anos, de 1979 a 1982. Neste último ano, os encargos do passivo externo alcançaram a

cifra de US$ 18,3 bilhões” (BAER, 1993, p. 84).

Em 1980 a equipe econômica permitiu que municípios e autarquias contratassem

operações de repasse por meio da Resolução 63, bem como facilitou às empresas estatais a

captação desses empréstimos, acabando com “a divisão até então prevalecente que

contemplava a tomada direta de recursos externos por parte de empresas de capital externo e

de empresas estatais, reservando os recursos de repasse a empresas privadas de capital

nacional” (CRUZ, 1984, p. 146). As empresas estatais recorreram a muitos empréstimos e

começaram a fortalecer o processo de estatização da dívida externa brasileira. Além disso,

com a retração da atividade econômica, montantes crescentes de empréstimos sob a

Resolução 63 não conseguiam encontrar demandantes internos e os mesmos eram depositados

no BC, via Circular 230, que assumia essa dívida, o que também incidia diretamente na

estatização da dívida externa.

Com a necessidade crescente de recursos externos e diante da piora das condições

para sua contratação, as empresas estatais sofreram a pressão dos credores internacionais para

que os empréstimos concedidos estivessem vinculados com a aquisição de máquinas e

179

A quantidade de dólares que se encontrava fora dos Estados Unidos era muito grande e para fugir do controle

do sistema financeiro norte-americano foi criado o mercado de eurodólares, cuja maior liberdade nos

empréstimos resultaram em empréstimos com taxas de juros flutuantes. “Os bancos participantes desse mercado

captavam entre si recursos a curto prazo e os repassavam aos países do terceiro mundo por um prazo mais longo,

com taxas flutuantes. A cláusula fazia-se necessária na medida em que o banco repassador deveria renovar seus

empréstimos com o primeiro banco periodicamente no curto prazo e, portanto, renegociar a taxa” (LIMA, 1991,

p. 27). 180

Houve, de acordo com Baer (1993, p. 77), “um acréscimo de US$ 10 a US$ 16 bilhões na dívida externa

brasileira, no período 1979-1982, somente por conta do impacto de elevação das taxas de juros internacionais”.

111

equipamentos de seu país de origem181

. Essa situação, além de aumentar o endividamento

externo e a vulnerabilidade das empresas estatais, ampliava o grau de desnacionalização da

economia brasileira182.

Para tentar gerar as divisas para o pagamento dos encargos da dívida externa, a

equipe econômica promoveu uma desvalorização do câmbio de 30% em fevereiro de 1983 e

um aperto na política monetária para diminuir a demanda interna e, com isso, aumentar as

exportações e desestimular as importações. Essas medidas tiveram repercussão direta tanto

nos encargos da dívida externa quanto no aumento da dívida interna.

No que se refere aos encargos da dívida externa, as desvalorizações cambiais

impactavam diretamente nos seus dispêndios. Como o SPE detinha a maior parte dessa dívida,

ele foi o setor mais penalizado com as desvalorizações, uma vez que elas aumentavam na

mesma proporção “o custo em moeda local dos passivos denominados em moeda estrangeira”

(CAVALCANTI, 1988, p. 38). Dessa forma, tornava-se necessário mais ajustes sobre o SPE

para o pagamento dos juros e amortizações da dívida externa.

Como o setor público, já no final de 1982, acumulava a maior parte do

estoque de dívida em moeda estrangeira – US$ 47 bilhões, que equivaliam a

68% do total da dívida externa de médio e longo prazos e a 15,7% do PIB –

a desvalorização real do cruzeiro criou um desajuste patrimonial neste setor,

já que uma parte não desprezível de seu passivo era indexado em moeda

estrangeira e seu ativo, assim como suas receitas, não o eram (BAER, 1993,

p. 101).

Sobre a dívida interna, a política monetária contracionista promoveu um aumento

expressivo das taxas de juros internas como mecanismo para inibir a demanda doméstica que,

com uma correção monetária que incorporava a aceleração inflacionária em sua totalidade,

elevou a taxa de financiamento da dívida mobiliária interna federal. Com a dívida interna,

houve um novo canal de transferência de fundos públicos para a valorização dos capitais

181

Lênin (1985) já chamava a atenção para o fato de que a exportação de capitais trazia consigo a exigência de

compra de mercadorias por parte dos países demandantes desses capitais. Nessa situação, o país prestamista se

beneficiava duplamente, com os ganhos financeiros e com os da produção. 182

“A necessidade de levantar créditos em moeda para assegurar a cobertura do serviço da dívida externa tem-

nos levado a negociar „pacotes‟ comerciais e financeiros, nos quais a obtenção de empréstimos livres se encontra

explicitamente vinculada à aceitação pelo Brasil de suppliers credits em proporção variável (geralmente 1 ou 1,5

de empréstimos livres para 1 de financiamento de importação). Como agravante, deve-se ter presente que o

financiamento de importações passou a receber significativo aporte de recursos por parte de instituições

financeiras privadas que operam a escala internacional. Como consequência, vários dos financiamentos

contratados pelo setor público brasileiro têm como credores agências financeiras privadas. Resulta daí que o

setor púbico foi-se tornando duplamente dependente do sistema financeiro privado internacional: além de tornar-

se o principal tomador de recursos em moeda nos moldes da Lei n.o 4.131, passou a ter parcela crescente de suas

importações financiada por bancos privados internacionais. Sob tais condições, é evidente a crescente

vulnerabilidade das empresas estatais brasileiras face às exigências quanto à compra de bens de capital junto aos

países de origem das instituições financeiras” (CRUZ, 1984, p. 165).

112

privados do setor exportador (CAVALCANTI, 1988; CRUZ, 1995). Essa dívida passou a ter

um acentuado crescimento em relação ao PIB, como mostra a tabela 12.

Tabela 12

Dívida Mobiliária Interna Federal1 – 1980 – 1985 (em Cr$ bilhões de 1985)

Ano ORTN

(A)

LTN

(B)

Dívida Total

(C= A+B)

Dívida

Total/PIB

(%) (E)

Taxa de

Financiamento do

Overnight2 (F)

1980 589,0 259,0 848,0 6,4 85,4

1981 1.986,0 1.102,0 3.088,0 12,0 120,5

1982 6.399,0 1.463,0 7.862,0 15,5 172,4

1983 20.723,0 4.712,0 25.435,0 21,0 197,1

1984 84.775,0 5.501,0 90.276,0 23,3 266,9

1985 341.131,0 61.602,0 402.733,0 29,5 385,3

Fonte: Banco Central do Brasil. In: Cavalcanti (1988, p. 39). 1 Inclui títulos públicos em poder do público e na carteira das autoridades monetárias. Saldo no final

do período. 2 Taxas nominais.

As taxas de juros praticadas pela autoridade monetária para remunerar os detentores

da dívida mobiliária interna federal, conforme a tabela 12, foram um estímulo para esse tipo

de investimento. Se consideradas as taxas de financiamento do overnight em termos reais, ou

seja, descontada a inflação no período, tem-se: 72,7% em 1982; 43,9% em 1984; e 150,3%

em 1985. Por isso essa dívida crescia de maneira exponencial visto que o governo tentava

enxugar a liquidez interna para diminuir a demanda e, com isso, estimular os saldos positivos

na balança comercial.

Na impossibilidade prática de obter recursos externos para financiar uma

parcela de seus encargos financeiros externos e/ou gerar superávits

orçamentários no montante equivalente aos recursos que transferia ao

exterior, o setor público [promoveu] uma expansão adicional de seu

endividamento interno gerando maiores pressões sobre a taxa de juros

doméstica e, consequentemente, sobre o déficit público. Assim, a política

implementada para permitir que o país transferisse recursos ao exterior

implicou encargos adicionais para o setor público, que somente puderam ser

financiados com déficits crescentes, uma vez que a taxa de juros que incidia

tanto sobre a dívida externa como a dívida interna era maior do que a taxa

factível de crescimento das receitas públicas (CAVALCANTI, 1988, p. 39).

Quem tirava proveito dos investimentos em títulos da dívida pública era o setor

privado, principalmente as empresas multinacionais exportadoras de manufaturas que tinham

saído da crise favorecidas pela política adotada pela equipe econômica, que estimulava as

exportações de suas mercadorias, seu desendividamento e a constituição de altas taxa de

lucros. Essas empresas, “ao invés de destinar seus ganhos para a ampliação substantiva da

113

capacidade produtiva [...], passaram a valorizar seus recursos mediante aplicações altamente

lucrativas, tornando-se credores de um setor público cada vez mais endividado”183

(CRUZ,

1995, p. 141).

Apesar de parte da dívida externa se transformar em dívida interna, isso não resultou

em diminuição daquela, pelo contrário, significou que a necessidade crescente de dólares para

honrar os juros e as amortizações da dívida externa tinha como corolário o aumento da dívida

interna. Esta possuía a função de esterilizar os recursos que entravam no país para diminuir a

demanda agregada e favorecer os saldos positivos da balança comercial.

Em síntese, no processo de estatização da dívida externa184

foi possível identificar

dois momentos: o primeiro relacionado ao período do II PND, entre os choques do petróleo, e

o posterior, após o segundo choque do petróleo. A primeira etapa dizia respeito às captações

de recursos externos no Euromercado pelas empresas estatais por meio da Lei 4.131 e da

Resolução 63. O segundo movimento se iniciou no fim da década de 1970 e se estendeu até

meados da década de 1980. Neste período, além do endividamento por meio da Lei 4.131 e da

Resolução 63, a socialização da dívida ocorreu em função de mecanismos destinados a

proteger o setor privado das altas das taxas de juros internacionais e das desvalorizações

cambiais185

promovidas pela equipe econômica para ajudar o setor exportador, como os

estabelecidos pela Circular no 230 e pela Instrução 432. Deve-se também destacar a

renegociação da dívida externa no final de 1982 em que o BC muitas vezes se transformou no

tomador final dos empréstimos denominados “depósitos de projetos” (CRUZ, 1995).

183

Para mais informações ver Belluzzo e Almeida (2002), p. 201-237. 184

De acordo com Prado (1994, p. 99), “ao explicitar-se a crise fiscal e financeira do Estado e das estatais, no

final dos setenta, a política econômica evitou com sucesso a transferência do ônus do ajustamento para o setor

privado. O Estado assumiu o ônus, avançando na estatização da dívida externa pelas estatais e pelo Banco

Central. Foi evitado qualquer tipo de ajustamento patrimonial, e preservada a política de compressão tarifária.

Não havia, portanto, razão para o acirramento da resistência privada nos moldes da campanha antiestatização dos

setenta. O SPE estava encolhido e limitado às suas fronteiras básicas, e preservando sua funcionalidade

instrumental para a acumulação privada”. 185

As desvalorizações cambiais prejudicavam ainda mais o setor público. Nas palavras de Baer (1993, p. 101),

“a perversidade do efeito da aplicação de uma política de ajuste externo baseada essencialmente na

desvalorização cambial se gera pelo seu impacto sobre um estoque de passivo dolarizado, quando este é

significativo. No caso do Brasil, essa perversidade desembocou no setor público, onde se concentrou o processo

de endividamento externo ao longo dos anos 70 e que, consequentemente, foi atingido mais intensamente pela

elevação dos juros internacionais. O setor privado, além de concentrar as exportações em suas mãos e deter uma

parcela menor da dívida externa, também foi em parte poupado dos impactos negativos da política da

desvalorização cambial através de várias medidas de política econômica. Assim, o Estado, além de arcar com a

maior parte do impacto direto da elevação dos juros internacionais, viu sua situação fiscal e financeira agravada

pela política de desvalorização cambial priorizada pelo ajuste externo, diretamente pela valorização de seu

passivo externo e, indiretamente, pelos mecanismos que se criaram para desonerar agentes privados das

consequências desta estratégia de ajuste”.

114

4. A SEST e o Ajuste sobre as Empresas Estatais

Entre o fim da década de 1970 e o início da década de 1980, houve no Brasil ajustes

internos com o objetivo de amenizar a crise do país, fruto das políticas econômicas adotadas

pelos governos militares que se explicitaram com a elevação da taxa de juros dos Estados

Unidos, o segundo choque do petróleo (1979), o fim dos fluxos externos voluntários, a crise

da dívida externa, as desvalorizações cambiais e o recrudescimento da inflação.

Adotaram-se no país, no período do governo militar de João Figueiredo (1979-1985),

por meio do ministro Delfim Netto, medidas econômicas que se concentravam no combate ao

déficit público, no controle da inflação, na redução da participação do Estado na economia,

principalmente das empresas estatais, com a retórica de que com essas mudanças o Brasil

retomaria o ciclo virtuoso do crescimento econômico com geração de emprego e renda.

Diferentemente do México que decretou moratória em agosto de 1982, a equipe

econômica brasileira mostrou que faria todo o esforço necessário para o pagamento dos juros

da dívida externa. Para tanto, o Brasil promoveu um ajuste fiscal alinhado ao conceito de

Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP), que confundia a identificação dos

reais motivos do déficit público e permitia ao governo fazer cortes em setores nos quais não

havia “desequilíbrio”, como era o caso de muitas empresas estatais.

O ajuste ocorreu principalmente sobre o SPE, que tinha aumentado

significativamente sua participação na economia não só na fase de instalação da indústria

pesada no país como também no período dos governos ditatoriais. Como explicado

anteriormente, após as empresas multinacionais se instalarem e se beneficiarem do grande

mercado consumidor, do baixo nível salarial e da utilização dos recursos naturais não

renováveis, tais empresas passavam a transitar para a internacionalização financeira, e com

isso as empresas estatais deixavam de ter a mesma importância para elas como havia no

período da internacionalização produtiva. Desde então, portanto, os ajustes enfraquecendo as

empresas estatais não causariam prejuízos para as demandas das multinacionais. E isso fazia

sentido também porque na década de 1980 havia um acirramento da especulação financeira no

país186

, muitas empresas multinacionais tinham investido seus lucros no rentismo; partiram

186

Esse processo foi estimulado pelas reformas ocorridas principalmente no primeiro governo militar do general

Castelo Branco, no âmbito do PAEG (1964-1967), que permitiram as remunerações dos investimentos

financeiros no Brasil. Além disso, facilitou-se o ingresso de capitais externos de empréstimos e “se constituiu no

País uma estrutura bancária atrelada ao sistema financeiro internacional” (FURTADO, 1982, p. 27). A grande

empresa passa a operar no mercado financeiro, como “aplicadora privilegiada de recursos [...]. Já que o sistema

financeiro foi progressivamente aperfeiçoando instrumentos para a aplicação a juros de todo tipo de saldos

monetários” (BELLUZZO; ALMEIDA, 2002, p. 224). Ainda, durante a década de 1980 as empresas

115

para a produção em outros lugares do globo; aumentaram seus investimentos em setores

ligados aos recursos naturais ou adquiriram empresas estatais.

O SPE foi identificado pela equipe econômica como “desequilibrado” por conta do

excesso de gastos do governo, principalmente para manter as empresas estatais. Estas eram

entendidas como a causa do déficit público; do quadro inflacionário pelo excesso de demanda

agregada, expansão monetária e elevação do salário acima da produtividade.

Para promover o ajuste das empresas estatais, no começo da década de 1980, foi

criada a Secretaria de Controle das Empresas Estatais (SEST)187

por meio do Decreto

84.128/79 de 29 de outubro de 1979188

, no governo militar de João Figueiredo. A SEST ficou

subordinada diretamente à Secretaria de Planejamento Econômico (SEPLAN)189

.

A presidência da SEST esteve a cargo de um representante do setor privado, Nelson

Mortada, do grupo Matarazzo, indicado pelo ministro Delfim Netto. Em seu primeiro

relatório190

, a nova secretaria explicitou que as empresas estatais cresceram muito, acabaram

causando desequilíbrios nas contas do governo e comprometeram a atuação do setor privado.

Mortada desvelava sua preocupação com a situação inflacionária causada, em sua visão, pela

forma de atuação das empresas estatais191

, discurso que era consonante com o do ministro que

o indicou192

.

multinacionais diminuíram o IDE no Brasil e aumentaram, significativamente, as remessas de lucro para suas

matrizes 187

A SEST foi utilizada como um dos principais mecanismos de política macroeconômica. “É interessante notar

que, pela primeira vez, o investimento das empresas públicas, sob comando da SEST-SEPLAN, passa a ser

utilizado como instrumento de política macroeconômica, muito embora vise apenas objetivos conjunturais:

desaquecer a economia e controlar o fluxo de caixa governamental dentro das estreitas metas de expansão da

base monetária” (REICHSTUL; COUTINHO, 1998, p. 54, grifos dos autores). 188

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-84128-29-outubro-1979-

433673-publicacaooriginal-1-pe.html. 189

Havia um discurso privatizante e a acusação de que as empresas estatais precisavam ter maior controle. Por

conta disso, a criação da SEST foi comemorada. Kliass (1989, p. 112) ressaltou esse otimismo com as manchetes

dos jornais da época: “„Delfim passa a controlar também empresas estatais‟ (FSP – 30.10.79). „Decreto dá a

Delfim controle total da economia‟ (JT – 30.10.79). „Um verdadeiro Ministério da Economia‟ (OESP –

31.10.79). „Apoio ao controle das estatais‟”. 190

BRASIL. Secretaria de Planejamento. Secretaria de Controle de Empresas Estatais. Empresas Estatais no

Brasil e o controle da SEST; antecedentes e experiência de 1980. Brasília, 1981. 113p. 191

Em entrevista à revista Exame, em 21/11/79, Mortada expôs que “a principal razão para o governo criar esses

controles foi o fato de termos concluído que a pretensão de gastos acima de suas possibilidades colocou as

empresas estatais entre as principais causas da inflação no país, seja pelo seu déficit, seja por atacarem projetos

de maturação longa, que começam a gerar renda muitos anos antes de criar produtos ou serviços” (KLIASS,

1989, p. 126-127). 192

Apesar de ter criado durante o período do “milagre econômico” mais de uma centena de empresas estatais,

“„Delfim acusou as estatais de pretenderem realizar, a um só tempo, 50 grandes projetos, quando o normal seria

tocar 5 e levá-los até o fim, e não iniciar todos e não concluir nenhum‟. Em reunião com os Secretários de

Planejamento dos Estados e Territórios, Delfim procura deixar clara a política do governo federal com relação às

estatais. E suas declarações são, explicitamente, um novo golpe na autonomia que se procurava manter

aparentemente intocável, ao menos no nível do discurso. Ele afirma, então, que „se deixarmos as estatais

sozinhas, logo logo elas estarão planejando o Brasil‟” (KLIASS, 1989, p. 127-128).

116

A SEST surgiu como uma secretaria com grandes poderes. Ela tornou-se responsável

pela elaboração do orçamento das empresas estatais; financiamentos internos e externos;

cortes; quadro de trabalhadores das empresas; salários193

; investimentos194

; e política de

preços do setor. A SEST também ficou incumbida das alterações institucionais e patrimoniais

das empresas estatais195

, com a meta de “evitar o excessivo crescimento do setor público na

economia e, se possível, reduzir a sua participação aos setores monopolísticos e de

infraestrutura” (BRASIL, 1981, p. 28). Cabia a SEST, ainda, impor tetos de importações com

o objetivo de diminuí-las para ajudar a elevar o saldo da balança comercial; controlar a

aquisição de combustíveis “destinados a veículos automotores, por parte das empresas estatais

e dos órgãos da Administração Direta Federal” (BRASIL, 1981, p. 29); principalmente após o

segundo choque do petróleo, em 1979. Além disso, a secretaria responsabilizava-se pelo

recolhimento de dividendos da União196

; a remuneração dos dirigentes das empresas

estatais197

e; por fim, pelo controle dos planos assistenciais e benefícios indiretos.

Com todas essas atribuições, as empresas estatais passavam ao controle quase

irrestrito da SEST. A secretaria ganhava mais poder do que o de vários ministérios198

,

utilizando as empresas estatais como um instrumento macroeconômico de curto prazo para a

promoção do ajuste estabelecido pela equipe econômica do governo.

Em relação aos orçamentos das empresas estatais199

, a SEST os elaborava a partir das

informações obtidas das próprias empresas, fixava os limites máximos de “dispêndios

193

“Particularmente no que se refere aos gastos de modificação do quadro de pessoal, aumentos salariais e

assuntos correlatos, cabe também ter presente que é expressamente do titular do SEST a responsabilidade de

representação da SEPLAN no Conselho Nacional de Política Salarial – CPS, fato que concorre para o melhor

acompanhamento e definições mais precisas no tocante aos gastos associados a esse tópico” (BRASIL, 1981, p.

21). 194

“Todo este enfoque de controle de investimentos está eminentemente marcado pela preocupação financeira

dos gastos, em consequência das características conjunturais observadas no País. Mas é evidente que o

instrumento de controle do investimento só será eficaz à medida que se avançar mais na definição de prioridades,

a partir de estudos em níveis setoriais, com o que se verificará a razão de ser dos correspondentes programas e

projetos de investimento e a adequação dos seus custos aos recursos disponíveis” (BRASIL, 1981, p. 22). 195

“A criação e assunção do controle de empresas estatais, bem como a liquidação ou incorporação de entidades

descentralizadas em crítica situação econômico-financeira, somente podem ser realizadas após parecer emitido

pela SEST e apreciação final do Presidente da República” (BRASIL, 1981, p. 27). 196

“De um lado, isto permite aumentar os recursos do Tesouro e evitar a sua automática utilização pela empresa,

fora dos limites de dispêndios aprovados e, por outro, permite um acompanhamento da política de distribuição

de lucros e dividendos dessas entidades” (BRASIL, 1981, p. 30). 197

“O objetivo aqui perseguido é o de estabelecer padrões de remuneração a partir da hierarquização dessas

empresas, evitando iniciativas casuísticas e gastos excessivos nessa área” (BRASIL, 1981, p. 30). 198

“Mortada é bastante claro ao abordar esse tema. „Podem chiar, afirmou, mas nós temos todas as armas nas

mãos. É aqui na SEPLAN que se decidem os preços praticados por essas empresas e o seu montante de recursos

próprios. É aqui que se decidem os seus níveis de endividamento externo. Podemos também segurar as suas

fontes de crédito” (KLIASS, 1989, p. 131). 199

“Este orçamento, que sintetiza toda a programação financeira anual das empresas, se constitui na peça chave

de controle da ação das empresas” (BRASIL, 1981, p. 19).

117

globais”200

, e encaminhava para aprovação do presidente da República. As fontes de recursos

eram oriundas, principalmente, de quatro itens: recursos próprios201

; transferências

orçamentárias202

; operações de crédito externo203

; e operação de crédito interno204

. Todas

essas fontes ficavam sob o manejo da secretaria para análise e aprovação. A SEST dispunha

então de “todos os instrumentos necessários à definição e controle dos limites de recursos a

serem utilizados pela empresa” (BRASIL, 1981, p. 27). Com base nesses orçamentos205

, ela

promovia “o acompanhamento permanente, a partir de informações ou relatórios próprios

preenchidos pelas empresas regularmente a cada mês ou trimestre, dependendo do caso,

estudando os devidos ajustes, se necessário, e submetendo-os à aprovação presidencial”

(BRASIL, 1981, p. 32).

A secretaria lançava anualmente o Orçamento SEST e o Relatório Anual SEST. No

Orçamento, havia inicialmente as Exposições dos Motivos (EMs) pelos quais a secretaria

havia feito o planejamento para as empresas estatais referente ao ano seguinte para aprovação

do presidente da República, e no Relatório constava um balanço sobre os êxitos dos

resultados obtidos a partir das orientações da SEST.

Esta seção contemplará um estudo sobre as Necessidades de Financiamento do Setor

Público (NFSP) para entender o significado desse conceito na administração pública, que foi

200

A fixação de limites de gastos se dava “por rubricas básicas, a partir de alguns parâmetros globais, como

taxas desejáveis de crescimento do PIB e participação do setor público na economia” (BRASIL, 1981, p. 20). 201

“Os recursos próprios decorrem essencialmente das vendas dos bens e serviços das empresas, e, portanto, o

instrumento fundamental sobre esta parte é a política de fixação de preços e tarifas, que atualmente é definida

pela própria SEPLAN, mediante proposta da Secretaria Especial de Abastecimento e Preços (SEAP), em

articulação com a SEST” (BRASIL, 1981, p. 23). 202

“Os recursos fiscais são considerados no Orçamento SEST, segundo os valores constantes da Lei

Orçamentária, fato que impõe à SEST, durante a fase de elaboração da proposta do orçamento da União, uma

atuação coordenada com a Secretaria de Orçamento e Finanças – SOF, órgão da SEPLAN, no tocante à definição

dos montantes que se destinarão às estatais. Esta articulação será ainda mais importante a partir de 1982, quando

não mais existirão os fundos vinculados e será possível maior flexibilidade na distribuição dos recursos fiscais”

(BRASIL, 1981, p. 24). 203

“As operações de crédito externo, como forma de antecipação de recursos futuros, se constituem, até então,

em uma das formas mais significativas de viabilização do programa de investimento de algumas empresas,

notadamente quanto aos recursos de origem externa. Destarte, o controle dessas operações torna-se um dos

instrumentos de vital importância do sistema SEST. [...] Isso implica, portanto, um controle total dessa fonte de

recursos, vez que nenhuma operação de crédito externo poderá ser feita sem prévia e expressa concordância da

SEST. Nesse processo, a SEST realiza seu trabalho articulada com o Banco Central, a quem cabe definir o

momento de entrada no mercado externo, após a mencionada autorização da SEPLAN” (BRASIL, 1981, p. 25). 204

“As empresas estatais [...] somente poderão contratar ou renovar operações de crédito interno com instituições

financeiras, públicas ou privadas, e obter concessão de garantia em nome da União ou de entidade da

Administração Indireta Federal a essas operações após expressa autorização da SEPLAN” (BRASIL, 1981, p.

26). 205

Esses orçamentos eram definidos de diferentes formas: a) Orçamento de Recursos e Dispêndios Globais –

Orçamento SEST/Dispêndios Globais; b) Orçamento de Captação de Recursos Externos – Orçamento

SEST/Recursos Externos; c) Fixação de Teto de Importação do Setor Público – Orçamento SEST/Importações e;

d) Fixação de Limites de Aquisição de Combustíveis Derivados de Petróleo para Autoveículos – Orçamento

SEST/Combustível.

118

utilizado inclusive posteriormente nos acordos com o FMI206

; e também trará uma análise a

fim de apreender os objetivos da SEST sobre o SPE ao promover o ajuste das empresas

estatais. Por fim, será feita uma incursão nos Orçamentos e Relatórios SEST (1981-1986) para

explicar como nas EMs e na análise dos resultados da atuação da SEST na economia

patenteou-se o desmonte das empresas estatais no país e o fim do período desenvolvimentista,

que tinha como meta a industrialização, mesmo que dependente.

4.1. NFSP: Método para Validar o Ajuste Fiscal

Para promover o ajuste fiscal a partir da SEST, o governo federal utilizou como

mecanismo de mensuração a Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP).

Basicamente, esse conceito elencava as receitas menos os gastos governamentais em um

determinado período de tempo, geralmente um ano, e mostrava o tamanho do déficit público e

a necessidade de receitas para cobri-lo.

O argumento central para o ajuste fiscal era a contenção da inflação, ou seja, as

contas públicas deveriam estar equilibradas, sem déficit operacional, com o Estado gastando

menos do que arrecadava, de forma a retomar o ciclo virtuoso do crescimento econômico com

geração de emprego e renda. As privatizações, neste período de contenção de gastos, eram

entendidas como um bom mecanismo para o governo aumentar suas receitas, conter o déficit

e, ao mesmo tempo, controlar a inflação. A venda de uma empresa estatal era considerada um

grande trunfo para o equilíbrio fiscal. Este era o raciocínio que estava implícito quando se

utilizava o conceito de NFSP.

A interpretação de Mello (1994), porém, argumentava que existia uma percepção

bastante equivocada da parte do governo de que a privatização poderia reduzir o déficit

público. Com o uso do conceito NFSP, o déficit realmente se reduziria quando o governo

vendesse ativos, da mesma forma que aumentaria quando o governo investisse. Essa relação

simplista, feita pelos defensores da privatização, no entanto, ignorava o fato de que a venda de

uma empresa estatal resultaria, posteriormente, no fim da receita gerada por essa empresa,

comprometendo ainda mais as contas públicas nos anos subsequentes.

As estatais eram entendidas como um custo para o Estado e não como um

investimento de fato. Assim, cada “investimento” nas estatais, medido pela NFSP, significava

que haveria um aumento do gasto do governo em relação a sua receita naquele determinado

206

Os técnicos do FMI identificaram seis problemas na economia brasileira que causavam distorções na estrutura

produtiva, sendo o segundo problema listado a “excessiva presença das empresas estatais na economia, assim

como a inadequação na escala de seus investimentos” (SAMPAIO JR., 1988, p. 125)

119

ano e isso não poderia ocorrer em uma situação de ajuste econômico, como o adotado pela

equipe econômica na década de 1980. Muito pelo contrário, a regra do ajuste pregava a

necessidade de não só as inversões nas estatais serem contidas como também a empresa ser

privatizada. A lógica era que isso serviria para aumentar as receitas e minorar o déficit

público207

, ignorando que esse investimento poderia resultar em retornos reais muito maiores

do que o dispêndio em períodos posteriores.

Como também não havia no conceito de NFSP a discriminação dos gastos, então

todo o aumento de receita naquele período, independentemente de sua origem, significava que

se estava promovendo um ajuste fiscal supostamente bom para o país retomar o crescimento.

“A dificuldade advém do fato de que o conceito de NFSP é obtido a partir de um sistema

contábil que não discrimina as contas correntes e de capital, como na prática usual da

contabilidade das empresas”208

(WERNECK, 1989, p.288).

O fato é que as análises sobre os investimentos não poderiam se dar simplesmente

em cálculos de retorno sobre o capital e nem tampouco em estudos de períodos tão curtos

quanto o de um ano, mas sim em períodos muito maiores, uma vez que os retornos sobre os

investimentos de uma estatal geralmente não ocorrem em um espaço de tempo pequeno.

Estrategicamente, entretanto, foi utilizado o conceito de NFSP para justificar a política

econômica adotada e convencer a opinião pública de que essas medidas seriam necessárias,

principalmente sobre o SPE, para resolver os problemas do país. Na verdade, esse ajuste sobre

as empresas estatais significava uma adequação do país enquanto uma economia satélite às

novas demandas do imperialismo na transição para a internacionalização financeira.

4.2. A Estratégia da SEST para o Desmonte do SPE

No primeiro Relatório da SEST foi realizado um histórico sobre as empresas estatais

no Brasil e as razões da criação das mesmas. Concluiu-se que elas cresceram tanto que

acabaram causando desequilíbrios nas contas do governo e prejudicaram a atuação do setor

207

“Se, por exemplo, as receitas do programa [de privatização] forem utilizadas para o financiamento de gastos

correntes, a capacidade de poupança futura do governo será deprimida, já que ficarão sem cobertura aquelas

despesas que o governo costumava financiar, implícita ou explicitamente, com as receitas e dividendos da

empresa que foi privatizada” (MELLO, 1994, p. 6). 208

O equívoco deste argumento foi sintetizado por Mello (1994, p. 5): “quando os gastos de custeio do governo

excedem sua renda corrente, a eliminação do déficit passa necessariamente, ou pela redução dos gastos

correntes, ou pelo aumento da receita corrente, ou ambos. Portanto, uma medida mais adequada do déficit do que

as NFSP poderia ser obtida, por exemplo, através da DCG – Déficit Corrente do Governo, que não é afetado por

variações das contas de capital [...]. Se não juntarmos num mesmo agregado as contas de custeio e de capital fica

muito mais fácil compreender que a contribuição que a privatização pode dar à eliminação do déficit público é

marginal”.

120

privado. Os organizadores do documento209

explicitavam que a intervenção federal na

economia por meio da criação das empresas estatais se deveu menos a uma opção do governo

e mais a uma imposição da conjuntura mundial210

. Assim, as mudanças em âmbito mundial,

principalmente no pós-Segunda Guerra Mundial, teriam obrigado o governo a atuar em áreas

em que a iniciativa privada não tinha condições de responder prontamente e nem de atender a

sua crescente demanda.

Curiosamente, essa análise revelou que a constituição das estatais não ocorreu como

uma política estratégica do Estado brasileiro para fortalecer a economia interna no sentido de

o país se dirigir para um capitalismo autodeterminado, mas se deu principalmente como uma

reação às demandas das empresas multinacionais. Como desdobramento, em uma situação de

mudança do contexto internacional, desfazer-se dessas empresas seria a medida mais racional.

Daí o importante papel da SEST como revelava o decreto de sua criação ao fundamentar suas

obrigações:

a) compatibilizar os programas de investimentos das empresas estatais com

os Planos Nacionais de Desenvolvimento, segundo as prioridades

estabelecidas e a disponibilidade de recursos, ajustando-os às políticas

monetária, cambial e fiscal;

b) garantir o bom desempenho do setor público, quanto à execução de seus

programas de investimentos, propiciando, em consequência, melhores

condições ao setor privado para o planejamento adequado de suas atividades

(BRASIL, 1981, p. 17-18).

Antes da existência da SEST, as empresas estatais eram vinculadas aos ministérios

que correspondiam às suas principais áreas de atuação (por exemplo, a Petrobrás e a CSN se

vinculavam ao Ministério de Minas e Energia). A SEST surgiu como uma secretaria com

grandes poderes, a fim de centralizar as informações, os investimentos e a política de preço

dessas empresas211

. Como órgão de controle das estatais, a SEST era definida como portadora

de instrumentos de ação que tinham

209

Assinavam o Relatório o Ministro-Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República Antonio

Delfim Netto, o Ministro da Fazenda Ernane Galvêas, os Ministros do Interior, da Indústria e Comércio, da

Agricultura e do Trabalho. 210

“No Brasil, principalmente no século XX, o Governo foi forçado a assumir crescentes responsabilidades na

economia, não em função de qualquer opção no sentido do dirigismo social, mas de circunstâncias diversas

relacionadas com as flutuações do comércio internacional e com as ambições de rápida industrialização do país”

(BRASIL, 1981, p. 11). 211

“As razões que levaram à criação da SEST decorreram da necessidade de ajustar a atuação das estatais aos

interesses da política econômica global, dentro de um marco referencial completo, que, entre outros, se

traduzisse em: a) explicitação dos gastos totais e não apenas dos investimentos; b) conciliação do total de usos e

fontes e consequente eliminação do conceito de „recursos a definir‟; c) abrangência de todo o universo de

estatais, incluindo as subsidiárias e coligadas, em lugar de restringir-se apenas às empresas líderes ou empresas-

mãe; e, também; d) completo conhecimento dos estágios e efeitos dos empreendimentos em execução e das suas

exigências e viabilidade de recursos” (BRASIL, 1981, p. 17).

121

em vista o objetivo maior de que as empresas estatais [estivessem] realmente

envolvidas não só com projetos efetivamente prioritários, mas também

devidamente ajustados às metas de combate ao processo inflacionário e da

busca do equilíbrio da balança comercial. [Procurava-se], ainda, buscar

maior eficiência do aparato estatal empresarial e, também, limitar o aumento

indiscriminado da participação das empresas estatais na economia brasileira,

mantendo, assim, uma das condições necessárias para o fortalecimento do

setor privado. Nesse sentido, a fixação antecipada de tetos de gastos das

empresas estatais [permitia] que o setor privado se [orientasse] na sua

programação de trabalho e de investimentos (BRASIL, 1981, p. 19).

Os objetivos da secretaria manifestavam-se nesse primeiro relatório: atuar sobre o

SPE para conter a inflação; ajudar nos resultados da balança comercial, isto é, diminuir as

importações e seus investimentos; reduzir sua participação na economia, o que significava

privatizações; e fortalecer o setor privado, e assim continuar favorecendo esse setor com o

fornecimento de bens e serviços a preços subsidiados. A SEST sinalizava que promoveria

alterações na economia brasileira que antecipavam inclusive as medidas impostas pelo FMI a

partir de 1983212

.

Conforme definição das empresas estatais estabelecido pelo Decreto Nº 84.128, um

dos grandes problemas da SEST foi caracterizar da mesma forma empresas totalmente

diferentes em seus meios e fins e englobá-las, sem distinções, como equivalentes213

. Por

exemplo, eram enquadradas como empresas estatais até mesmo as universidades públicas,

cuja capacidade de gerar recursos próprios era baixa, uma vez que este não era seu objetivo.

Ao mesmo tempo, entrava também nesta denominação a Petrobrás, uma empresa com grande

capacidade de geração de recursos próprios e de autofinanciamento. Como enunciava o

Decreto de criação da SEST:

Art 1º Consideram-se empresas estatais, para os fins deste Decreto:

I – empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias e

todas as empresas controladas, direta ou indiretamente, pela União;

II – autarquias e fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público;

212

As cartas de intenções do FMI propunham, de um lado, aumentar a liberalização da economia, diminuir o

protecionismo e subsídios, reduzir a presença do setor público, promover privatizações e eliminar distorções no

câmbio; de outro lado, para conter a inflação, o aumento do salário dos trabalhadores deveria ocorrer abaixo da

inflação, para eliminar o excesso de demanda, além de medidas econômicas recessivas para conter a expansão do

mercado interno (SAMPAIO JR., 1988). 213

“Tratando de uma maneira homogênea entidades tão heterogêneas, e rotulando-as todas como empresas

estatais, o orçamento Sest levou também a visões distorcidas sobre o significado da absorção de recursos do

Tesouro por estas entidades. Há centenas de entidades incluídas neste orçamento que, sendo simplesmente

agências governamentais que operam com relativa autonomia, têm nos recursos do Tesouro a fonte básica do

financiamento de seus dispêndios. São hospitais, universidades, escolas técnicas, fundações de pesquisa,

agências executoras de política regional ou setorial. Sendo basicamente unidades de dispêndio, não há por que

classificá-las como empresas. Mas tendo sido assim classificadas, passou a ser mal compreendido o caráter

natural das transferências de recursos do Tesouro a estas entidades” (WERNECK, 1987, p. 22).

122

III – órgãos autônomos da Administração Direta (Decreto-lei nº 200/67, art.

172.

Parágrafo único. Poderão ser equiparadas às empresas estatais, para efeito do

controle governamental de que trata o presente Decreto, as entidades e

organismos de Direito Privado, que recebam contribuições parafiscais ou

transferências do Orçamento da União e prestem serviços de interesse

público ou social [...]. (DECRETO FEDERAL Nº 84.128, 1979).

A estratégia de considerar como similares estatais tão heterogêneas214

tinha como

objetivo promover a privatização de muitas delas, visto que com essa metodologia as

especificidades desapareciam e todas as empresas caracterizadas enquanto estatais poderiam

ser vistas como supostas causadoras dos desequilíbrios das contas do governo e,

consequentemente, responsáveis pela inflação e por onerar o erário. “O discurso oficial com

frequência chamava a atenção para o fato de que boa parte dos recursos do Tesouro acabava

tendo que ser utilizada para „cobrir o déficit‟ do orçamento das „empresas estatais‟”

(WERNECK, 1987, p. 22).

No Artigo 4o, inciso III, do decreto, definiu-se que a SEST iria “elaborar, com base

nas informações fornecidas pelas empresas estatais, propostas de fixação de limites máximos

de dispêndios globais a serem aprovados pelo Presidente da República, no âmbito do

Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE)”. Ao avaliar os gastos por meio dos

dispêndios globais, impossibilitava-se uma análise das especificidades de cada estatal. Em

razão disso, a despesa com pessoal ou com investimentos entrava simplesmente como

gasto215

.

O cálculo dos dispêndios globais passou a ser o principal termômetro para o valor de

recursos que as empresas estatais teriam acesso e para o montante de investimentos que

poderiam realizar. Entretanto, o valor global de dispêndio representava “um agregado que não

se [sabia] bem o que [significava] ou o que [media], sendo totalmente destituído de sentido

macroeconômico. É surpreendente, portanto, a centralidade que se [atribuiu] exatamente ao

controle deste agregado pela SEST” (WERNECK, 1986a, p. 385).

Além do problema de agregação das empresas estatais heterogêneas, a SEST

estabeleceu um esquema de financiamento que juntava todos os tipos de financiamentos em

214

“É preciso colocar em seu devido lugar o problema do desequilíbrio financeiro das estatais. Aqui a confusão,

frequentemente deliberada e de má fé, começa pela classificação equivocada. Estão qualificadas como empresas

tanto as entidades prestadoras de serviços públicos quanto o setor produtivo estatal” (MELLO; BELLUZZO,

1983, p. 19, grifos dos autores). 215

“Na tentativa de se consolidar as contas do setor público federal, tratou-se indiscriminadamente as receitas e

as despesas, não importando a natureza da rubrica. Assim, a título de exemplo, um dispêndio no valor de x

cruzeiros na folha de pessoal do Ministério da Justiça passou a ser tratado de forma idêntica a um dispêndio de

igual montante na compra de carvão pela Companhia Siderúrgica Nacional. Implicando ambos, supostamente,

no mesmo impacto sobre o orçamento consolidado do setor público” (WERNECK, 1987, p. 18-19).

123

uma única denominação, de modo a não deixar explícitas as especificidades financeiras de

cada empresa. Ao serem considerados todos iguais, desconsiderava-se que os financiamentos

poderiam se dar de diferentes formas: i) receita operacional; ii) outros recursos próprios; iii)

crédito; iv) recursos do Tesouro e; v) outros recursos. Essa metodologia fazia com que se

chegasse a conclusões equivocadas sobre a suposta dependência dessas empresas em relação

ao Estado, além de superdimensionar a participação das mesmas na economia. Essa forma de

enquadramento satisfazia os apelos que recrudesceram na segunda metade da década de 1970

em defesa das privatizações. De acordo com Prado (1985, p. 166, grifos do autor),

Seguramente, boa parte das análises mais apressadas e superficiais se

contenta com os dados a este nível de agregação, para dar suporte às críticas

quanto ao gigantismo e ao parasitismo das “empresas” estatais. No entanto,

tal ordem de conclusões só seria sustentável caso esta estrutura agregada de

financiamento se referisse a um universo homogêneo de empresas, isto é,

entidades que formassem preços para seus produtos, e caso tivessem esses

preços uma relação microeconômica específica com os custos de produção.

Na realidade, o universo em questão é uma disparatada coleção dos mais

diversos tipos de organismos estatais, envolve padrões de financiamento os

mais diversos e, principalmente, refere-se à execução de muitas atividades

que nada têm de empresariais ou produtivas.

A secretaria não diferenciava recursos operacionais, ou seja, aqueles gerados pela

própria empresa, e recursos fiscais, que eram externos às empresas, como, por exemplo,

recursos do Tesouro Nacional. Além disso, não havia a separação, por parte da SEST, dessas

empresas e das outras que eram deficitárias e dependentes por sua própria natureza, mas

estratégicas para o suposto desenvolvimento do país.

As distorções causadas pela SEST no sentido de colocar em um mesmo grupo

empresas tão diferentes; não fazer distinção entre recursos operacionais e fiscais; despesas

correntes e despesas com capital; e analisar simplesmente o lado dos dispêndios globais tinha

como meta fazer o ajuste das estatais de maneira indiscriminada216

.

216

“O dispêndio global de uma agência governamental descentralizada, que geralmente tem uma receita própria

desprezível, representa apenas um gasto indireto de recursos advindos do Tesouro e tem um impacto fiscal

semelhante a qualquer outra forma de dispêndio público realizado pela União. E como tal é natural que seja

objeto de controle. Já o dispêndio global de uma empresa estatal, capaz de financiar o seu próprio custeio com

receita própria, frequentemente não tem qualquer impacto fiscal. Quando o tem, ele se mede pelo montante de

recursos do Tesouro transferido a esta empresa. Do ponto de vista exclusivamente fiscal, o que importa, no que

tange às empresas estatais, é o volume de recursos do Tesouro que direta e indiretamente a elas se transfere e não

os seus gastos globais” (WERNECK, 1986a, p. 387). Prado (1985), analisando a partir de sua metodologia os

dispêndios globais e a transferência de recursos por parte da União, dos grupos de empresas que compõem as

estatais, chamou a atenção para as distorções, em função da metodologia utilizada pela SEST, ao asseverar:

“constatamos que 149 empresas, respondendo por uma despesa global de Cr$ 1.866 bilhões (portanto, 50% da

despesa total do orçamento SEST) envolvem apenas 10% dos recursos do Tesouro destinados àquele orçamento,

e constituem apenas 2% dos recursos totais envolvidos com seu financiamento” (PRADO, 1985, p. 231).

124

Para construir um parâmetro mais adequado para o enquadramento das empresas

estatais e um estudo mais acurado sobre as necessidades de seu financiamento em relação às

suas receitas operacionais, Prado (1985, p. 214, grifos do autor) caracterizou como empresas

estatais aquelas onde ocorria “um padrão apoiado na formação do preço como elemento

principal do financiamento, deslocando-se os fluxos fiscais abertos para uma posição

complementar e crescentemente esporádica e assistemática”. A partir desta metodologia,

concluiu o autor que a capacidade de autofinanciamento dessas empresas era bastante elevada

e, portanto, não se caracterizavam enquanto empresas deficitárias como sinalizava a

metodologia adotada pela SEST.

Parece claro, então, que o problema central com a crítica ortodoxa, portanto,

foi comprar precipitadamente a mercadoria posta no mercado pela SEPLAN

de Delfim Netto, sem verificar adequadamente sua qualidade. É essencial

notar que a agregação de orçamentos tão heterogêneos como os da SEST cai

na velhíssima armadilha da média: pés na geladeira e cabeça no forno,

barriga em temperatura ambiente (PRADO, 1985, p. 232, grifos do autor).

No Anexo Nº 12 encaminhado ao presidente militar João Figueiredo, que seguiu

juntamente com o primeiro Relatório da SEST, ficava explícito qual era o verdadeiro objetivo

da recém-criada secretaria:

- permitir às empresas a utilização de maior parcela relativa de recursos

próprios no desenvolvimento de suas atividades, mediante política de preços

e tarifas que melhor se ajustem às suas estruturas de custos, mas sem perder

de vista as metas de contenção inflacionária estabelecidas para o exercício.

- evitar aumento da participação das empresas estatais na economia

brasileira e, com isso, manter as condições necessárias para o fortalecimento

do setor privado.

- estabelecer parâmetros, através da fixação antecipada de tetos e fluxos de

gastos das empresas estatais, a fim de orientar o programa de trabalho do

setor privado (BRASIL, 1981, p. 74-75).

As restrições impostas às empresas estatais foram tão grandes que elas não podiam

aumentar de maneira autônoma seus investimentos mesmo que suas receitas com recursos

próprios se elevassem. Isso porque os dispêndios estabelecidos pela secretaria eram

considerados valores máximos de gastos e deveriam ser cumpridos. Caso houvesse

necessidade de extrapolar esses valores seria preciso uma autorização do presidente da

República após a proposta ter o aval da SEPLAN.

Mesmo com a posterior divisão das empresas estatais em cinco grupos, a partir de

1983, o problema da agregação não foi resolvido. Werneck (1986a, p. 389) chegou a destacar

que “apesar da separação, todas estas entidades [continuaram] sendo inapropriadamente

125

rotuladas de „empresas estatais‟. E os orçamentos, embora os relatórios SEST [apresentassem]

os dados separados, [continuaram] também sendo agregados”. As novas categorias, que

compunham o universo das empresas estatais, passavam a ser:

a) Empresas do Setor Produtivo Estatal – são as empresas que produzem

bens e serviços, quase sempre de forma monopolista ou oligopolista, em

setores importantes, de insumos básicos, como a PETROBRÁS, CVRD,

SIDERBRÁS, ELETROBRÁS e em setores de serviços, como na área de

telecomunicações (TELEBRÁS), de transportes (RFFSA, PORTOBRÁS),

entre outros. Normalmente essas empresas são regidas pela Lei n.º 6.404/76.

b) Entidades Típicas de Governo – são as instituições regidas, em geral, pela

Lei 4.320/64 (órgãos autônomos, autarquias e fundações e outros), que

possuem objetivos típicos de atividade governamental (educação, saúde,

fiscalização, normatização) e dependem basicamente de recursos do

Tesouro.

c) Previdência Social – são as entidades que compõem o Sistema Nacional

de Previdência e Assistência Social (SINPAS) cujas fontes básicas de

recursos são as contribuições legais feitas por empregados e empregadores.

d) Bancos Oficiais Federais – são as instituições financeiras oficiais cuja

atuação é regida pela Lei 4.595/64.

e) Empresas Estaduais – constituídas de concessionárias de energia elétrica

por autorização do Governo Federal e dos dois metrôs, dado o grau de

dependência de decisões na área federal no que diz respeito ao programa de

investimento (BRASIL, 1983a, p. 10).

Apesar de a equipe econômica do governo reconhecer que a divisão das empresas

estatais estava errada, o equívoco metodológico persistiu tanto do ponto de vista do

enquadramento das estatais, que continuou com grupos muito heterogêneos, quanto do ponto

de vista do orçamento, que prosseguiu agregando as empresas sem considerar suas

especificidades financeiras.

4.2.1. Contexto Econômico dos Ajustes da SEST

O momento de criação da SEST foi sintomático e guardou relação direta com a crise

do modo de produção capitalista e a transição financeira das empresas multinacionais. No

plano internacional, houve a elevação da taxa de juros dos Estados Unidos, causando a crise

da dívida externa dos países latino-americanos no início da década de 1980, como discutido

anteriormente. Como consequência, em setembro de 1982, o México decretou moratória,

encerrando o ciclo de recursos externos voluntários para a América Latina217

. No plano

217

“Dois fatos mudariam radicalmente o comportamento do mercado financeiro internacional. No final de

agosto, após intensas negociações com o governo norte-americano e com os credores externos, o México

suspendeu o pagamento da dívida externa, abalando seriamente a confiança dos bancos internacionais na

capacidade de pagamento dos devedores. Nas primeiras semanas de setembro, os bancos sofreram um novo

revés, ao verem frustradas, na reunião anual do FMI (em Toronto), suas expectativas de que as organizações

126

nacional, o ministro Delfim Netto capitulou junto ao FMI e aceitou seus condicionantes para o

pagamento dos juros da dívida externa218

, assinou 6 cartas-compromisso com o Fundo de

forma a realizar o ajuste da economia na tentativa de gerar os saldos para o pagamento dos

juros219

. Além disso, “os bancos privados vincularam os acordos de renegociação da dívida

externa à adoção de programas de ajustamento supervisionados pelo Fundo, o qual passou a

ter um papel estratégico na reciclagem da dívida externa” (SAMPAIO JR., 1988, p. 1).

Nesse processo houve uma política explicitamente recessiva220

, uma diminuição real

do poder de compra do salário221

, maior perda de autonomia para realizar a política

econômica, visto que o FMI auditava as contas brasileiras para assegurar que o Brasil fizesse

o “dever de casa”. As estatais foram instrumentalizadas para assumir boa parte da dívida

externa no chamado processo de estatização da dívida, além de repassar bens e serviços para

as empresas privadas com preços ainda mais subfaturados222

. Apesar da retórica de aumento

de suas tarifas, presente no discurso do governo, que exaltava a “realidade tarifária” ou a

financeiras internacionais aumentassem substancialmente a dotação de recursos aos países devedores”

(SAMPAIO JR., 1988, p. 109-110). 218

Para uma análise sobre a reciclagem da dívida externa, ver: Sampaio Jr. (1988). 219

“A terapia do Fundo Monetário começa por atirar sobre os ombros do devedor a exclusiva responsabilidade

pela correção do desequilíbrio do balanço de pagamentos. Supõe simplesmente que a repetição de déficits em

transações correntes indica que o País está „vivendo acima de seus meios‟. Como as condições de financiamento

externo não podem ser modificadas – na visão do Fundo –, eliminar o déficit em conta corrente significa ampliar

os saldos positivos da balança comercial. Se, por outro lado, a taxa de câmbio está fixada em termos realistas, só

resta o caminho da contenção das importações através de uma redução do nível de dispêndio global da

economia. As medidas impostas pelo Fundo Monetário visam, portanto, comprimir as importações pela via

recessiva” (MELLO; BELLUZZO, 1983, p. 10). “Como o volume de despesas com juros era considerado um

parâmetro exógeno, o superávit comercial transformou-se na variável de ajuste do setor externo. Em

consequência, a política econômica passou a ser determinada pela necessidade de viabilizar a geração de mega-

superávits na Balança Comercial” (SAMPAIO JR., 1988, p. 113). 220

“A necessidade de garantir de qualquer maneira um mega-superávit comercial, independentemente das

condições da economia internacional, significa que, em última instância, o ajuste do setor externo se deveria

recair sobre as importações, e, como o coeficiente de importações é rígido no curto prazo, a expansão do

mercado interno teria de ser sacrificada” (SAMPAIO JR., 1988, p. 113). 221

“Os técnicos do FMI consideravam indispensável que o governo modificasse a lei salarial. Na sua avaliação,

era necessário impedir reajustes salariais equivalentes à inflação para que a nova política cambial de fato

produzisse desvalorizações reais do cruzeiro e para facilitar a redução do déficit público. Além disso,

considerava-se que a mudança na lei salarial contribuiria para o ajuste estrutural aumentando a eficiência como

um todo” (SAMPAIO JR., 1988, p. 127-128). 222

Nas palavras de Belluzzo e Almeida (2002, p. 235-237), “a observação relevante no caso das empresas

estatais é que seu desempenho, no período de crise, foi assimétrico ao das empresas líderes do setor privado [...]

a inflação alta que facilitara a ampliação das margens brutas de lucro das grandes empresas não operava da

mesma maneira no caso das estatais devido aos controles tarifários [...]. As tarifas e os preços públicos sofreram

intensamente os efeitos dos „choques‟ e dos atrasos de reajustes em face da aceleração inflacionária. Enquanto

isso, os preços privados lograram aprimorar seu grau de proteção, através de antecipações de reajustes e da

crescente flexibilização de margens brutas de lucro [...]. As empresas estatais, que antes do período de crise

apresentavam padrões de desempenho financeiro (grau de endividamento, margens e taxa de lucro) próximos aos

padrões das empresas privadas, terminam por se distanciar enormemente”.

127

“inflação corretiva”223

, as estatais ficaram com seus preços ainda mais defasados e suas

capacidades de autofinanciamento comprometidas224

. Werneck (1986b) mostrou que, no

período compreendido entre 1979 e 1984, houve redução real no preço dos produtos

siderúrgicos de 50%, na energia elétrica de 40% e nos serviços telefônicos, 60%.

Nas cartas-compromisso com o Fundo225

, explicitava-se a orientação para uma maior

liberalização da economia, uma especialização na produção de commodities e a diminuição da

participação do Estado, uma vez que apesar de a crise ser mundial e de ter ocorrido um

aumento abusivo da taxa de juros dos Estados Unidos, a crise era tida pelos técnicos do FMI

como decorrente de decisões internas equivocadas na direção do protecionismo econômico,

da criação de indústrias artificiais no país e da excessiva participação do Estado na economia,

principalmente por meio das empresas estatais.

O contexto econômico é imprescindível para se entender as transformações que se

realizaram sobre as empresas estatais. Trata-se de um período de aumento expressivo dos

encargos financeiros, oriundo da elevação da taxa de juros internacional e de crescimento da

dívida externa brasileira, com efeitos negativos sobre as contas nacionais.

A tabela 13 explicita o grande aumento dos gastos com pagamento de juros da dívida

externa brasileira, dispêndios estes que se elevaram ao longo dos anos, principalmente a partir

de 1979.

223

Este era o discurso da dupla Bulhões e Campos no início do governo militar, os responsáveis pela

implementação do PAEG, após o golpe civil-militar de 1964. 224

“Preços relativos mantidos artificialmente baixos podem inviabilizar financeiramente as empresas estatais,

aumentar suas necessidades de financiamento e torná-las crescentemente dependentes do Tesouro, até mesmo

para cobrir os seus gastos correntes. Por outro lado, podem também estimular indevidamente a demanda de bens

e serviços produzidos por estas empresas. Em consequência, as necessidades de expansão de capacidade e os

requisitos de investimento das empresas tornam-se maiores [...]. Ironicamente, os desequilíbrios financeiros que

as empresas estatais passam a ter que enfrentar abrem espaço para que se atribua à ineficiência destas empresas

as razões da recalcitrância do processo inflacionário” (WERNECK, 1986b, p. 43). 225

“Em linhas gerais, os programas de ajuste supervisionados pelo Fundo orientam-se no sentido de promover o

livre funcionamento do mercado em seus dois principais corolários: o desenvolvimento dos setores em que o

país possui vantagens comparativas; e estímulo à expansão da iniciativa privada vis-à-vis a participação do setor

público na economia. As recomendações do FMI partem dos princípios básicos do liberalismo, segundo o qual o

livre jogo das forças de mercado leva o sistema econômico a uma posição de ótima alocação de recursos, tanto

em nível nacional como internacional, consubstanciando-se, portanto, no mecanismo mais eficaz para maximizar

o bem-estar econômico, não apenas do país que o adota como também das demais economias” (SAMPAIO JR.,

1988, p. 64-65).

128

Tabela 13

Juros Líquidos Pagos

Brasil: 1975 – 1985 (US$ bilhões)

Ano Valor Índice (1979 = 100)

1975 1,50 36

1976 1,81 43

1977 2,10 50

1978 2,69 64

1979 4,19 100

1980 6,31 150

1981 9,16 219

1982 11,35 271

1983 9,56 228

1984 10,20 243

1985 9,66 230

Fonte: Conjuntura Econômica, vários números. In: KLIASS (1989, p. 188).

Em 1985, o gasto com juros para pagar os credores da dívida externa era 130% maior

do que os juros pagos em 1979, após a implementação do ajuste e dos acordos com o FMI, e

era 6,44 vezes maior que os juros pagos em 1970. Antes desse período, como havia grande

liquidez no mercado mundial (Euromercado) e as taxas de juros eram baixas, em razão da

crise e da reciclagem dos petrodólares226

, o Brasil aumentou muito sua dívida externa

principalmente durante o II PND. Quando os Estados Unidos elevaram as taxas de juros em

dólar, a partir de 1979, estourou a crise da dívida externa nos países da América Latina e estes

deixaram de ser receptores e destinaram grandes recursos para fora na forma de pagamento de

juros.

Mesmo elevando esses dispêndios, a dívida externa não era amortizada e o principal

aumentava significativamente no período devido às altas taxas de juros e às condições cada

vez mais restritivas no mercado financeiro internacional, principalmente a partir de 1982,

conforme mostra a tabela 14.

226

“O enorme aumento de liquidez internacional, provocado, a partir de 1974, pelos excedentes dos países

exportadores de petróleo, não encontrou aplicação fácil nos países industrializados, que se empenharam em

recuperar o equilíbrio externo abalado pelo aumento dos preços do petróleo ainda que apelando para a recessão

[...]. Foram estes últimos países [do Terceiro Mundo] (e os socialistas) que absorveram os excedentes da OPEP,

o que foi feito com a cooperação entusiasta dos bancos privados internacionais, que transformaram a

aparentemente difícil tarefa de „reciclagem‟ dos petrodólares em um grande negócio financeiro” (FURTADO,

1982, p. 18).

129

Tabela 14

Evolução da Dívida Externa Bruta

Brasil: 1975 – 1985 (em US$ milhões)

Ano Valor

1975 25.115

1976 32.145

1977 37.951

1978 52.187

1979 55.803

1980 64.259

1981 73.963

1982 85.487

1983 93.745

1984 102.127

1985 105.171

Fonte: Ipeadata (http://www.ipeadata.gov.br/)

De acordo com a tabela 14, o endividamento externo brasileiro praticamente dobrou

entre 1979 e 1985. Além disso, nota-se um aumento de 4,18 vezes em relação ao ano de 1975,

ultrapassando em 1984 a casa dos US$ 100 bilhões. O gasto com pagamento de juros disparou

e consequentemente o déficit na conta de serviços e rendas também, como verificado no

gráfico 1.

Fonte: Ipeadata (http://www.ipeadata.gov.br/)

O pagamento com serviços e rendas cresceu 63,4% entre 1979 e 1985, passando de

US$ 7,880 bilhões para US$ 12,877 bilhões e aumentou em 1985 cerca de 3,72 vezes em

-18.000

-16.000

-14.000

-12.000

-10.000

-8.000

-6.000

-4.000

-2.000

0

1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985

US

$ m

ilhõ

es

Gráfico 1

Serviços e Rendas - Brasil: 1975-1985 (US$ milhões)

130

relação a 1975, quando somava US$ 3,461 bilhões. Esses números confirmavam o elevado

envio de recursos ao exterior.

Para tentar minimizar o déficit em transações correntes, a política econômica

promoveu medidas para gerar saldos na balança comercial. Foram incentivadas as

exportações em detrimento das importações, com uma política interna recessiva, de baixo

crescimento do PIB, desvalorizações cambiais e retração na geração de emprego e renda. O

desempenho da balança comercial pode ser verificado no gráfico 2.

Fonte: Ipeadata (http://www.ipeadata.gov.br/)

Os saldos da balança comercial tornaram-se positivos a partir de 1981, ficando mais

expressivos em 1983, com um superávit de US$ 6,470 bilhões. O pico foi em 1984, quando o

saldo foi de US$ 13,090 bilhões, mantendo-se praticamente estável no ano seguinte, com um

montante de US$ 12,486 bilhões. Esses saldos resultaram, em certa medida, das exportações

dos produtos industrializados, como mostra a tabela 15. O papel de destaque foi o das

empresas multinacionais, que contavam com grandes subsídios e incentivos por parte do

Estado, além de uma contribuição decisiva das empresas estatais.

-6.000

-4.000

-2.000

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

14.000

1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985

US

$ m

ilhõ

es

Gráfico 2

Balança Comercial - FOB - Brasil: 1975-1985 (US$ milhões)

131

Tabela 15

Exportações Brasileiras de Produtos Industrializados (FOB) 1980-1985

(em US$ milhões)

Ano Valor

1980 11.376

1981 14.000

1982 11.686

1983 13.057

1984 17.955

1985 16.821

Fonte: CRUZ (1995, p. 139). Elaboração própria.

Conforme a tabela 15, o incremento das exportações dos produtos industrializados

em 1985 foi de quase 50% em relação ao ano de 1980. Contribuíram para esse aumento os

subsídios que chegaram a quase “3% do PIB”227

. “Os repasses de fundos públicos aos capitais

privados do setor exportador não se limitaram aos incentivos e subsídios proporcionados

diretamente pelo governo central” (CRUZ, 1995, p. 140). Os repasses dos preços e tarifas das

empresas estatais foram fundamentais. “Além de operar como instrumento anti-inflacionário,

essa redução visou subsidiar indiretamente as exportações através da mudança dos preços

relativos de alguns insumos cruciais para a atividade exportadora” (CRUZ, 1995, p. 140).

Assim, as exportações como um todo tiveram um crescimento, como mostra o gráfico 3.

227

“As exportações de manufaturado contaram com um vasto rol de incentivos, dentre os quais vale assinalar as

operações de drawback, o crédito prêmio, a redução do imposto de renda, as isenções tributárias, os incentivos

financeiros pré ou pós-embarque e o programa Befiex. Tais incentivos, se plenamente utilizados, atingiriam um

montante equivalente a cerca de 60% do valor FOB das exportações de manufaturados no período 1980-1985.

Por outra parte, estimativas aproximadas indicam que as políticas de incentivo teriam provocado uma

transferência anual de recursos públicos ao setor exportador da ordem de 3% do PIB, no período considerado”

(CRUZ, 1995, p. 140).

132

Fonte: Ipeadata (http://www.ipeadata.gov.br/)

Os saldos da balança comercial ocorreram preponderantemente por meio das

exportações das empresas multinacionais228

; da diminuição das importações por conta da

recessão interna – que reduzia o consumo no país e a entrada de produtos importados –; e do

endividamento e da precarização das empresas estatais que foram utilizadas para repassar ao

setor privado bens e serviços com preços baixos.

Em 1985 as importações alcançaram apenas US$ 13,153 bilhões contra US$ 22,955

bilhões em 1980, ou seja, um decréscimo de 42,7%, como mostra o gráfico 4.

228

“A grande empresa privada manteve em plena recessão, condições favoráveis para o seu ajuste, o que àquela

altura, significava principalmente promover a recomposição dos níveis de endividamento. Esta recomposição

teve como pressuposto a obtenção de valores mais elevados de margens brutas de lucro (mark-up), a principal

peça da engrenagem inflacionária durante a recessão promovida pelo ajustamento” (BELLUZZO; ALMEIDA,

2002, p. 219).

0,00

5.000,00

10.000,00

15.000,00

20.000,00

25.000,00

30.000,00

1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985

US

$ m

ilhõ

es

Gráfico 3

Exportações - FOB - Brasil: 1975-1985 (US$ milhões)

133

Fonte: Ipeadata (http://www.ipeadata.gov.br/)

A diminuição das importações foi generalizada, mas incidia sobremaneira nos bens

de capitais (gráfico 5). Numa economia subdesenvolvida, em que esse setor não estava

consolidado, isso significou uma diminuição no processo de industrialização do país.

Fonte: Ipeadata (http://www.ipeadata.gov.br/)

0,00

5.000,00

10.000,00

15.000,00

20.000,00

25.000,00

1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985

US

$ m

ilhõ

es

Gráfico 4

Importações - FOB - Brasil: 1975-1985 (US$ milhões)

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985

US

$ m

ilhõ

es

Gráfico 5

Importações de Bens de Capital - FOB - Brasil: 1975-1985 (US$ milhões)

134

De acordo com o gráfico 5, a queda das importações de bens de capital foi tão

intensa que em 1985 atingiu US$ 1,095 bilhão ante US$ 2,646 bilhões em 1975. Esses

números representavam uma redução de quase 60% nessas importações.

As medidas tiveram um impacto direto na conta de transações correntes, uma vez

que a diminuição das importações e o aumento das exportações levaram a saldos positivos na

balança comercial que amenizaram o déficit em transações correntes, conforme gráfico 6.

Ipeadata (http://www.ipeadata.gov.br/)

De acordo com o gráfico 6, nota-se que o déficit em transações correntes que chegou

a US$ 16,3 bilhões em 1982, ficou negativo em apenas US$ 248 mil em 1985, quando os

saldos na balança comercial se tornavam mais expressivos e as transferências líquidas de

capital realizadas pelo Brasil ao exterior alcançavam valores excepcionais, conforme explicita

a tabela 16, chegando a montantes superiores a US$ 10,8 bilhões em 1985.

Tabela 16

Transferência Líquida de Capital Realizada pelo Brasil

Ano Transferência

Real em Bilhões

US$

Transferência

Real em % PNB

Variações de

Reservas

Internacionais

Transferência

Financeira

Líquida em

Bilhões US$

Transferência

Financeira

Líquida em %

PNB

1983 4,2 1,9 -1,9 6,1 2,8

1984 11,5 5 5,4 6,1 2,7

1985 10,8 3,4 0,8 10 3,1

Fonte: Helmut Reisen. In: Benakouche (2013, p. 55).

-18000

-16000

-14000

-12000

-10000

-8000

-6000

-4000

-2000

0

2000

1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985

US

$ m

ilhõ

es

Gráfico 6

Transações Correntes - Brasil: 1975-1985 (US$ milhões)

135

No triênio 1983-1985, o Brasil enviou ao exterior mais do que recebeu, algo superior

a US$ 25 bilhões, e a América Latina como um todo remeteu US$ 92,5 bilhões229

, ou seja, as

remessas brasileiras representaram quase 30% do montante total das transferências latino-

americanas, sendo os maiores destinatários os Estados Unidos, com quase 40% dos recursos.

“A transferência de recursos reais ao exterior teve, como contrapartida, uma drástica redução

da capacidade de investimento do setor público brasileiro no período” (CRUZ, 1995, p. 133).

O Brasil adaptou-se, assim, às mudanças da conjuntura internacional. O país deixou

de ser receptor líquido de capitais e passou a exportador, pagando os juros abusivos dos

empréstimos realizados. Nessa situação, a equipe econômica decidiu pagar esses juros e não

declarar uma moratória230

, realizando as mudanças na política econômica para atingir tal

objetivo.

4.2.2. O Ajuste da SEST

Os ajustes da SEST sobre as empresas estatais em 1980 antecipavam as exigências

do FMI com os acordos de 1983, que sinalizavam para o neoliberalismo no Brasil. O Fundo

defendia as privatizações e a diminuição da presença do Estado na economia. Uma análise

mais detalhada, tendo como base os Relatórios da SEST, mostra a forma como foram

realizados esses ajustes. Inicialmente deve-se destacar a diminuição dos dispêndios globais do

setor público, ou seja, como o orçamento das empresas estatais sofreu forte redução e

comprometeu os investimentos produtivos no país, como mostra a tabela 17.

Tabela 17

Dispêndios Globais SEST

1980 – 1985 (em Cr$ bilhões correntes)

1980 1981 1982 1983 1984 1985

valor % valor % valor % valor % valor % valor %

Empresas

Simpas

Bancos

Transferências

2.907 54

738 14

1.722 32

0 00

2.997 55

798 15

1.625 30

0 00

2.959 58

783 15

1.522 30

(441) -3

2.260 58

548 14

1.213 31

(112) -3

2.229 60

489 13

1.085 30

(111) -3

2.229 55

511 12

1.371 34

(57) -1

Total

(1980=100)

5.367 100

100

5.420 100

101

5.123 100

95

3.909 100

73

3.692 100

69

4.054 100

75

Fonte: Relatórios Anuais SEST. In: KLIASS (1989, p. 195).

229

As transferências da América Latina alcançaram, “entre 1982 e 1991, US$ 195 bilhões, quase o dobro, em

valores atualizados, do que os Estados Unidos concederam como doação, à Europa Ocidental entre 1948 e 1952,

sob o Plano Marshall” (BATISTA, 1994, p. 16). 230

“A moratória é considerada providência indispensável para criar outras bases de negociação. Ninguém deseja

a moratória em si mesma, mas no ponto a que chegamos, o de moratória de fato, sem nenhum direito, não há

outro caminho para escapar às vicissitudes cambiais. Ao mesmo tempo, tratando-se de instrumento legítimo e

moralmente saudável, tratando-se de moratória para negociar, e não de repúdio da dívida, não se deve aguardar a

insânia das represálias, mesmo porque já estamos sofrendo boa parte delas” (MELLO; BELLUZZO, 1983, p.

15).

136

Conforme a tabela 17, apesar de serem mantidos praticamente estáveis os gastos

entre 1980 e 1981, após este período o corte tornou-se significativo. Seguindo as orientações

do ajuste voluntário com o FMI, a redução dos gastos chegou a 69% em 1984 e, por fim, a

75% em 1985 do total dos investimentos de 1980.

A tabela 18 não deixa dúvidas sobre a diminuição das despesas com as empresas

estatais na tentativa de a equipe econômica conter os déficits das contas públicas, na direção

errada, uma vez que os cortes comprometiam ainda mais a possibilidade de a economia

brasileira reagir diante da crise que se instalava no período.

Tabela 18

Dispêndios Globais SEST & PIB

1980 – 1985 (em Cr$ bilhões correntes)

1980 1981 1982 1983 1984 1985

Dispêndios

SEST (A)

PIB (B)

A / B

5.367

12.639

0,4246

10.580

24.737

0,4277

19.968

48.148

0,4147

47.387

118.195

0,4009

144.942

387.968

0,3736

533.316

1.406.078

0,3793

Fonte: Relatórios Anuais SEST; Conjuntura Econômica. In: KLIASS (1989, p. 200).

Pelos dados da tabela 18 observa-se a trajetória de diminuição dos gastos com as

empresas estatais em relação ao PIB, que, de um patamar de 42,46% do PIB em 1980,

reduzia-se para 37,93% do PIB em 1985.

Seguindo a política de ajustamento do SPE, a SEST também determinava uma

diminuição das compras de produtos importados, para ajudar nos saldos positivos da balança

comercial, conforme dados da tabela 19.

Tabela 19

Dispêndios Globais – Importações Diretas (exclusive petróleo)

&

Importações Brasil (exclusive petróleo e trigo)

(1980 – 1985 em US$ milhões)

1980 1981 1982 1983 1984 1985

Importações

Diretas (A)

(1980=100)

Importações

Brasil (B)

(1980=100)

(A/B) x 100

2.986

100

12.690

100

23,5

2.870

96

10.650

84

26,9

2.360

79

9.070

71

26,0

1.766

59

6.880

54

25,7

1.589

53

6.420

51

24,7

1.837

62

7.140

56

25,7

Fonte: Relatórios Anuais SEST. In: KLIASS, 1989 (p. 205).

137

De acordo com a tabela 19, as importações diminuíram consideravelmente no

período231

. Caminharam pari passu os cortes das importações diretas (excluído o petróleo) e

das importações totais (excluídos petróleo e trigo), tanto é que a relação entre eles

praticamente se manteve a mesma. Contudo, o recuo dessas importações foi mais intenso

principalmente a partir de 1983, após o país assinar o acordo com o FMI. As importações

diretas chegaram, em 1985, a 62% do que eram em 1980 e as importações totais brasileiras

recuaram para 56% no mesmo período.

O aumento da entrada de recursos externos destinados ao SPE foi considerável até a

moratória mexicana e se refletiu em um maior endividamento das empresas estatais. Após

1982 houve uma queda expressiva e em 1985 voltou ao mesmo nível de 1984, conforme a

tabela 20.

Tabela 20

Orçamento SEST – Recursos Externos

(1980 – 1985 em US$ milhões)

1980* 1981 1982 1983 1984 1985

Valor

Índice

4.596

100

5.443

118

10.400

229

8.652

188

9.839

214

10.992

239

Fonte: Relatórios SEST. In: KLIASS (1989, p. 208).

*1980=100

Os dados da tabela 20 explicitam que, mesmo com um discurso de ajuste e

contingenciamento dos dispêndios das empresas estatais, o endividamento externo por parte

dessas empresas não foi também controlado. Ao contrário, aumentou entre 1980 e 1985 em

quase 140%. O governo, por sua vez, utilizava esses recursos em moeda estrangeira para

minimizar o déficit no balanço de pagamentos. Com elevado endividamento e taxas de juros

mais altas no mercado internacional, o resultado não podia ser outro senão o aumento dos

gastos financeiros das empresas estatais, como explicita a tabela 21.

231

“As importações diretas dos três maiores grupos de empresas estatais – Petrobrás, Siderbrás e Eletrobrás –

perfaziam em 1980 mais de três quartos do total de importações diretas do setor público federal [excluídas as

importações de trigo, petróleos e derivados]. Durante o período de análise, o valor em dólares correntes das

importações da Siderbrás sofreu um corte total de aproximadamente 52%, o da Petrobrás cerca de 42% e o da

Eletrobrás pouco menos do que 30%. As importações do grupo Acesita foram reduzidas em mais de 95%”

(WERNECK, 1986b, p. 57).

138

Tabela 21

SEST – Encargos Financeiros & Receita Operacional

(1980 – 1985 em Cr$ bilhões)

1980 1981 1982 1983 1984 1985

Encargos (A)

Financeiros

(1980=100)

Receita (B)

Operacional

(1980=100)

A / B (%)

29.097

100

437.081

100

6,66

50.060

172

447.007

102

11,20

68.403

235

436.564

100

15,67

75.306

259

433.143

99

17,39

86.686

298

472.178

108

18,36

114.729

394

491.846

113

23,33

Fonte: Relatórios SEST. In: KLIASS (1989, p. 221).

Constata-se, assim, como mostra a tabela 21, o crescente endividamento das

empresas estatais, especialmente porque elas sofreram um duplo processo de endividamento:

tanto para assumir boa parte da dívida externa privada de terceiros quanto para si mesmas em

busca de dólares a fim de ajudar as contas públicas. Nesse período, os encargos financeiros

cresceram quase 300% em relação às receitas operacionais, sem contrapartida nos

investimentos. A tabela 22 complementa este quadro ao mostrar o aumento dos encargos com

a dívida externa de quatro setores estatais.

Tabela 22

Evolução e Serviço da Dívida Externa das Estatais (em US$ milhares)

Ano Setor Elétrico Setor Siderúrgico Setor Petróleo Setor Telecomunicações

1977 4.177 1.830 1.682 2.390

1978 6.130 2.380 1.584 2.260

1979 8.334 4.747 2.935 2.190

1980 10.055 4.972 5.641 2.170

1981 11.972 5.566 6.676 2.000

1982 14.336 5.897 6.881 1.960

1983 14.593 5.958 6.478 1.760

1984 17.016 6.037 6.510 1.370

1985 17.972 6.452 5.786 1.110

Fonte: Eletrobrás/Siderbrás. In: Benakouche (2013, p. 104).

De acordo com a tabela 22, houve uma grande elevação dos gastos com serviço da

dívida externa das empresas estatais. O setor elétrico teve uma elevação de seus encargos

superior a 400% em 1985 se comparado a 1977. Já o setor siderúrgico viu seus gastos com a

dívida externa aumentarem em 3,5 vezes em 1985 em relação a 1977. O setor de petróleo, por

sua vez, teve seus custos com a dívida externa exorbitados em mais de 340% em 1985 se

comparado com 1977. Por fim, apenas o setor de telecomunicações teve uma diminuição de

seus encargos com a dívida externa, que caíram em torno de 45% em 1985 em relação a 1977,

o que mostrava sua menor capacidade de angariar recursos externos. No período

compreendido entre 1977 e 1988, diante dos problemas do balanço de pagamentos, a

139

utilização das empresas estatais para conseguir recursos externos resultou na seguinte conta:

“foram captados US$ 151,421 milhões para o setor elétrico, US$ 61,081 milhões com o

siderúrgico, US$ 57,189 milhões na área petrolífera e US$ 19,910 milhões por meio das

empresas de telecomunicações” (BENAKOUCHE, 1983, p. 104). Tal montante somou US$

289,601 milhões.

Além disso, essas empresas, apesar do discurso do realismo tarifário, não tiveram o

aumento das tarifas dos seus serviços, muito menos dos preços de suas mercadorias corrigidos

no mesmo patamar da inflação, mas sempre abaixo desse nível, uma vez que foram utilizadas

na tentativa de conter o avanço de preços da economia. Essa situação comprometeu a

rentabilidade dessas empresas e a capacidade de promoverem o autofinanciamento.

A seguir será mostrado o descompasso entre o aumento dos preços do SPE e a

inflação. Foram selecionadas cinco estatais: Petrobrás, Siderbrás, Telebrás, Eletrobrás e

CVRD, pela importância que possuíam no fornecimento de bens e serviços imprescindíveis

para a indústria. A forte baixa real de seus preços caracterizou as melhorias que o setor

privado obteria em sua relação comercial com as empresas estatais, além de confirmar o

ajuste que essas empresas sofreram sob controle da SEST.

Entre os anos de 1980 a 1985, de acordo com o gráfico 7, a Petrobrás apenas teve

seus preços equilibrados com a inflação em 1981, nos demais anos a inflação ficou maior do

que seus preços. Essa circunstância se acentuou em 1985 quando os preços da Petrobrás

ficaram defasados em quase 60% em relação à inflação.

Fonte: BRASIL (1986b, p. 65).

151 317 620 1577

5057

16462

144 319 585 1500

4532

10356

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

14000

16000

18000

1980 1981 1982 1983 1984 1985

Gráfico 7

Evolução de Preços - Petrobrás (índice base: dez. de 1979 = 100)

IGP-DI Ind. Preços Setoriais

140

O Sistema Siderbrás apresentou preços menores do que a inflação em todo o período

considerado (1980-1985), de acordo com o gráfico 8. Essa diferença foi acentuada em 1983,

quando seus preços ficaram defasados em mais de 35%, diminuindo em 1984 para 27% e em

1985, quando ficaram 22% abaixo da inflação.

Fonte: BRASIL (1986b, p. 109).

O Grupo Telebrás também teve seus preços aumentados em patamares inferiores ao

da inflação entre 1980 e 1985, mas essa discrepância começou a ficar mais notória a partir de

1984, alcançando o pico em 1985, conforme gráfico 9. Naquele ano seus preços

representavam apenas 47% do índice de inflação (IGP-DI).

268 563 1096 2779

8914

28983

228 506 964 2035

6978

23592

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

35000

1980 1981 1982 1983 1984 1985

Gráfico 8

Evolução de Preços - Sistema Siderbrás (índice base: dez. de 1978 = 100)

IGP-DI Ind. Preços Setoriais

141

Fonte: BRASIL (1986b, p. 95).

O Grupo Eletrobrás teve o reajuste dos preços de seus bens e serviços em patamar

sempre menor do que a inflação de 1980 a 1985, de acordo com o gráfico 10. Essa diferença

começou a ficar mais acentuada a partir de 1984, alcançando maior descompasso em 1985,

quando seu preço ficou abaixo da inflação em 38%.

Fonte: BRASIL (1986b, p. 123).

A CVRD também mostrou preços em descompasso com a inflação em todo o

período, conforme o gráfico 11, ficando mais clara essa defasagem em 1984, quando seus

preços ficaram abaixo da inflação em torno de 40%.

151 317 620 1577

5057

16462

142 273 519 1036

2909

7802

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

14000

16000

18000

1980 1981 1982 1983 1984 1985

Gráfico 9

Evolução de Preços - Grupo Telebrás (índice base: dez. de 1979 = 100)

IGP-DI Ind. Preços Setoriais

151 317 620 1577

5057

16462

122 261 500 1166

3642

11890

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

14000

16000

18000

1980 1981 1982 1983 1984 1985

Gráfico 10

Evolução de Preços - Grupo Eletrobrás (índice base: dez. de 1979 = 100)

IGP-DI Ind. Preços Setoriais

142

Fonte: BRASIL (1986b, p. 81).

Como apontado, houve um comportamento similar dos preços dos bens e serviços

fornecidos pelas empresas estatais analisadas, destacando-se o seu contingenciamento como

resultado de uma política deliberada da SEST. A tabela 23 mostra também essa situação de

baixa significativa dos preços dos bens e serviços das empresas estatais, agrupando-as em

quatro setores: energia elétrica; aços planos; telecomunicações; e de derivados de petróleo.

Tabela 23

Evolução de Preços e Tarifas Públicas (1979 = 100)

Ano Energia Elétrica Aços Planos Telecomunicações Derivados Petróleo

1979 100 100 100 100

1980 96 85 94 95

1981 126 91 82 100

1982 119 70 74 94

1983 82 58 61 94

1984 75 64 54 89

1985 77 64 44 63

1986 76 53 35 46

Fonte: SEST/SEPLAN. In: Benakouche (2013, p. 105).

De acordo com a tabela 23, o decréscimo real dos preços e das tarifas públicas foi

muito acentuado no período compreendido entre 1979 e 1986, chegando a tarifa de energia

elétrica em 1986 a 76% do seu valor em 1979. A tarifa de telecomunicações sofreu uma

redução ainda mais acentuada, alcançando em 1986 apenas 35% de seu preço em 1979. Já o

preço dos aços planos em 1986 representavam 53% de seu valor em 1979 e o preço dos

derivados de petróleo diminuíram para 46% do que eram em 1979.

151 317 620 1577

5057

16462

147 289 599 1278

3628

14000

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

14000

16000

18000

1980 1981 1982 1983 1984 1985

Gráfico 11

Evolução de Preços - Grupo CVRD (índice base: dez. de 1979 = 100)

IGP-DI Ind. Preços Setoriais

143

Com a grande defasagem nos preços dessas empresas e o crescente endividamento,

os encargos financeiros em relação à receita operacional elevaram-se significativamente,

alcançando quase um quarto de toda a receita operacional em 1985. Como resultado, houve

redução e cancelamento de investimentos no período, como mostra a tabela 24.

Tabela 24

SEST – Investimentos (SPE)

(1980 – 1985 em Cr$ bilhões de 1986)

Ano Valores 1980=100

1980 168.315 100

1981 177.881 106

1982 175.214 104

1983 123.031 73

1984 112.610 67

1985 127.815 76

Fonte: Relatório SEST. In: KLIASS (1989, p. 218).

Essa diminuição dos investimentos foi considerável, segundo a tabela 24, chegando

esses gastos a representar em 1985 apenas 76% do que foram em 1980. Tais investimentos

mostraram-se ainda menores no triênio 1983/1985, “situando-se em média, 40% abaixo dos

níveis verificados em 1980” (CRUZ, 1995, p. 137). Com a queda dos investimentos do SPE,

houve um impacto imediato na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que comprometeu a

capacidade de crescimento da economia brasileira (tabela 25).

Tabela 25

Formação Bruta de Capital Fixo

(1980 – 1985 em Cr$ bilhões)

Ano Valores 1980=100

1980 2,84 100

1981 2,57 90

1982 2,52 89

1983 1,94 68

1984 1,96 69

1985 2,29 81

Fonte: Conjuntura Econômica. In: KLIASS (1989, p. 219).

A capacidade produtiva do país foi afetada, já que com a diminuição da participação

das empresas estatais na FBCF as possibilidades de investimentos no setor produtivo

tornavam-se ainda menores. As empresas estatais, que representavam em torno de 40% de

toda a FBCF e atuavam principalmente em setores onde a iniciativa privada não tinha

interesse em investir, ficaram sem recursos para realizar suas inversões. A tabela 26 mostra a

144

redução que houve na FBCF total do país, por conta da diminuição da participação das

empresas estatais.

Tabela 26

Formação Bruta de Capital Fixo/PIB

(1980 – 1985, em %)

Ano Valores

1980 23,5

1981 24,3

1982 23,0

1983 19,9

1984 18,9

1985 18,0

Fonte: Ipeadata (http://www.ipeadata.gov.br/).

Com uma retração tão expressiva da FBCF na economia brasileira – que passou de

uma taxa de 23,5% do PIB em 1980 para 18% do PIB em 1985 – observa-se que a

industrialização, mesmo que dependente, deixou de ser o foco da política econômica.

4.2.3. Outra Metodologia para a Análise do SPE

A fim de melhor entender a situação das empresas estatais no período, Werneck

(1987) realizou uma pesquisa com outra metodologia, discordando daquela realizada pela

SEST. Como discutido anteriormente, a SEST denominava como empresas estatais as

empresas do setor público estatal, as entidades típicas do governo, a previdência social, os

bancos oficiais federais e concessionárias. Werneck optou por analisar apenas os maiores

grupos do SPE não financeiro, a partir dos dados dos relatórios SEST de 1983. Dentro dessa

amostra estavam contidos 20 grupos de empresas estatais, congregando um total de 133

empresas, conforme a tabela 27.

145

Tabela 27

As Maiores Empresas Estatais (1983)

Grupos No de Empresas

Pertencentes

Setores Principais de

Atuação

Grupo Petrobrás 21 Petróleo/Química

Grupo Siderbrás 19 Siderurgia

Grupo Eletrobrás 8 Energia Elétrica

Grupo Telebrás 29 Telecomunicações

Grupo CVRD 17 Mineração

Grupo RFFSA 4 Transporte Ferroviário

Itaipu 1 Energia Elétrica

Grupo Nuclebrás 7 Energia Nuclear

Cobal 1 Comércio de Alimentos e

Abastecimento

Grupo Acesita 3 Siderurgia

Grupo Portobrás 10 Infraestrutura Portuária

Grupo Infraero 2 Infraestrutura Aeroportuária

ECT 1 Telecomunicações/Correios

Caraíba 1 Não Ferrosos/Cobre

Lloydbrás 1 Transporte Marítimo

Grupo Embraer 4 Indústria Aeronáutica

Fosfertil 1 Química/Fertilizantes

Serpro 1 Processamento de Dados

Usimec 1 Mecânica/Equipamentos

Cobra 1 Indústria de Computadores

Total 133

Fonte: Werneck (1987, p. 71).

Na tabela 28, percebe-se a evolução dos gastos com compromissos financeiros

nesses 20 grupos. Apesar do controle da SEST sobre as empresas estatais, foi elevado o gasto

dessas empresas com encargos financeiros.

146

Tabela 28

Encargos Financeiros

(1980 – 1983 em Cr$ bilhões de 1980)

Ano

Empresas*

1980

Valor Índice

1981

Valor Índice

1982

Valor Índice

1983

Valor Índice

G. Petrobrás (21) 8,60 100 10,77 125,20 21,15 245,88 33,85 393,61

G. Siderbrás (19) 15,15 100 48,12 317,61 65,83 434,501 59,37 391,89

G. Eletrobrás (8) 35,98 100 45,21 125,66 58,42 162,36 65,16 181,10

G. Telebrás (29) 18,57 100 17,53 94,41 16,13 86,85 13,38 72,08

G. CVRD (17) 7,69 100 4,95 64,43 12,27 159,55 19,75 256,82

G. RFFSA (4) 6,22 100 8,24 132,51 10,02 161,05 11,76 189,12

Itaipu 0,00 100 14,05 ----- 15,51 ----- 16,71 -----

G. Nuclebrás (7) 3,98 100 4,95 124,49 6,52 163,85 9,22 231,74

Cobal 0,23 100 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00

G. Acesita (3) 5,20 100 5,19 99,86 9,50 182,60 6,31 121,29

G. Portobrás (10) 1,46 100 2,10 143,58 2,54 173,82 2,76 189,04

G. Infraero (2) 1,49 100 0,86 57,55 3,57 239,53 5,23 351,00

ECT 0,05 100 0,05 95,28 0,03 58,51 0,03 51,71

Caraíba 0,00 100 0,00 ----- 2,25 ----- 4,13 -----

Lloydbrás 0,36 100 0,48 132,34 0,40 110,36 0,56 154,29

G. Embraer (4) 0,43 100 0,43 99,72 1,38 321,45 0,87 202,67

Fosfertil 0,81 100 3,43 423,48 2,7 338,29 2,77 341,57

Serpro 0,12 100 0,05 39,70 0,00 0,00 0,00 0,00

Usimec 0,85 100 0,52 61,65 0,45 52,49 0,32 38,08

Cobra 0,87 100 1,05 120,47 0,54 61,65 0,32 36,44

Total 108,6 100 167,98 155,46 229,22 212,13 252,49 233,66

Fonte: Werneck (1987, p. 73).

* Entre parênteses está o número de empresas pertencente a cada grupo.

Esse aumento do endividamento se deveu principalmente à alta da taxa de juros no

mercado internacional e às desvalorizações da moeda: uma maxidesvalorização em dezembro

de 1979 e outra em fevereiro de 1983. O aumento foi tão expressivo que o grupo Petrobrás e o

grupo Siderbrás tiveram esses encargos elevados em quase 300% entre 1980 e 1983. Os

grupos Infraero e Fosfertil elevaram esses custos em 250%. Os grupos CVRD e Nuclebrás

aumentaram esses dispêndios em 150% e os grupos Eletrobrás, RFFSA, Portobrás e Embraer,

em torno de 100%. Todos os 20 grupos sofreram o aumento dos encargos financeiros.

Os credores queriam receber os empréstimos que fizeram ao país com os juros mais

altos estabelecidos pela nova política econômica norte-americana. As reservas cambias

brasileiras já haviam praticamente se esgotado em 1981, chegando a um patamar muito baixo,

de US$ 938 milhões. Em 1982 ficaram negativas em US$ 1,555 bilhão232

, conjuntura que

acirrava os cortes no SPE para conseguir recursos para os gastos com a dívida externa.

Qualquer linha de financiamento que as empresas estatais, como Petrobrás e outras,

tivessem no exterior, o governo utilizava para conseguir divisas estrangeiras, situação que

também aumentou a dívida das empresas e, posteriormente, os encargos financeiros. Além

232

Reservas internacionais – conceito caixa, disponível em:

https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=consultarValores.

147

disso, o governo capitaneava moedas estrangeiras que o Banco do Brasil por ventura tivesse,

visto que os bancos estrangeiros não estavam mais dispostos a emprestar recursos para os

países da América Latina, principalmente após a moratória mexicana.

Assim, os encargos financeiros dentro da composição das despesas correntes

aumentaram, em média, na avaliação desses 20 grupos, no período compreendido entre 1980

e 1983, em 130%. Em contrapartida, as receitas operacionais dessas empresas, no período,

tiveram um pequeno recuo de 1,04%, passando de 85,37% para 82,01%, do total de recursos

próprios desse grupo (WERNECK, 1987).

No discurso de aumento da produtividade dos trabalhadores das empresas estatais

estava o corte de funcionários e o aumento do nível de exploração sobre os mesmos. Para se

ter uma ideia do incremento da produtividade, na Petrobrás holding em 1980 a produção

nacional de óleo e gás natural era de 272 m3

por empregado deslocando-se para 671 m3 em

1985. No Grupo Petroquisa a produção de petroquímicos passou de 436 toneladas em 1980

para 584 toneladas por empregado em 1985. Na CVRD, a produção de minérios e pelotas por

empregado avançou de 2.660 toneladas em 1980 para 3.398 toneladas em 1985. No Sistema

Telebrás, o número de telefones em serviço por empregado aumentou de 91 em 1980 para 139

em 1985. No Sistema Telebrás, a produção de aço por empregado passou de 132 toneladas em

1980 para 176 toneladas em 1985. No Grupo Eletrobrás a produção de GWh (Gigawatt-hora)

por empregado saltou de 1,17 em 1980 para 2,92 em 1985. A tabela 29 mostra a diminuição

das despesas com pessoal e encargos em relação à receita operacional.

148

Tabela 29

Relação entre Despesa com Pessoal & Encargos e a Receita Operacional

(1980 – 1983)

Ano

Empresas

1980

Índices

1981

Índices

1982

Índices

1983

Índices

G. Petrobrás (21) 100 105,70 115,70 89,74

G. Siderbrás (19) 100 104,80 101,99 92,15

G. Eletrobrás (8) 100 109,90 161,30 144,18

G. Telebrás (29) 100 104,68 103,52 91,46

G. CVRD (17) 100 125,18 192,87 158,30

G. RFFSA (4) 100 114,69 127,23 107,01

Itaipu 100 ----- ----- -----

G. Nuclebrás (7) 100 116,54 234,79 132,62

Cobal 100 108,85 102,48 87,78

G. Acesita (3) 100 120,14 121,87 108,75

G. Portobrás (10) 100 178,97 177,53 157,29

G. Infraero (2) 100 113,79 121,18 104,62

ECT 100 106,02 101,54 94,88

Caraíba 100 ----- ----- -----

Lloydbrás 100 148,10 195,18 138,49

G. Embraer (4) 100 123,96 168,17 108,69

Fosfertil 100 55,12 44,57 33,05

Serpro 100 118,26 102,72 97,12

Usimec 100 88,98 90,89 123,77

Cobra 100 77,02 67,16 56,65

Total 100 103,66 114,38 91,76

Fonte: Werneck (1987, p. 78).

O ajuste promovido pela SEST, no que tange à contratação de servidores para as

empresas estatais e à remuneração dos salários, ficou claro pela diminuição dos gastos com

essa rubrica, conforme explicitado na tabela 29, em que se constata uma diminuição de quase

9% no ano de 1983, em comparação com 1980, prejudicando os serviços prestados por essas

empresas. Para Cruz (1995, p. 137), no triênio 1983-85, “o comportamento da massa de

salários e de encargos sociais representou uma queda real na ordem de 30% em relação aos

valores observados em 1980” para tentar compensar o aumento dos gastos com encargos

financeiros. Esta elevação é mostrada na tabela 30.

149

Tabela 30

Relação entre Despesa com Encargos Financeiros e Receita Operacional

(1980 – 1983)

Ano

Empresas

1980

Índices

1981

Índices

1982

Índices

1983

Índices

G. Petrobrás (21) 100 112,26 224,01 342,07

G. Siderbrás (19) 100 316,96 444,33 455,65

G. Eletrobrás (8) 100 172,93 274,46 354,92

G. Telebrás (29) 100 108,65 89,92 79,68

G. CVRD (17) 100 78,46 280,69 452,09

G. RFFSA (4) 100 149,07 190,77 235,22

Itaipu 100 ----- ----- -----

G. Nuclebrás (7) 100 405,03 573,45 727,13

Cobal 100 0,00 0,00 0,00

G. Acesita (3) 100 121,76 220,35 166,84

G. Portobrás (10) 100 126,91 142,79 184,25

G. Infraero (2) 100 55,69 209,95 317,03

ECT 100 91,79 50,10 51,05

Caraíba 100 ----- ----- -----

Lloydbrás 100 167,79 171,15 220,05

G. Embraer (4) 100 120,62 408,93 220,05

Fosfertil 100 95,95 59,09 60,95

Serpro 100 43,27 0,00 0,00

Usimec 100 63,34 54,91 91,24

Cobra 100 102,08 44,28 28,29

Total 100 153,78 216,01 237,39

Fonte: Werneck (1987, p. 78).

Diferentemente das despesas com pessoal e encargos, os gastos com encargos

financeiros, como já ressaltado, aumentaram significativamente em relação às receitas

operacionais. Eles subiram quase 2,4 vezes no período compreendido entre 1980 e 1983, de

acordo com a tabela 30.

No início dos anos 1980 era notória a capacidade do SPE no que dizia respeito as 20

maiores empresas do país de promover seu autofinanciamento. Em 1980, a despesa corrente

em relação à despesa operacional e não operacional233

era de 86,37%. Contudo, após alguns

anos de ajustes esse nível chegou, em 1983, a 101,69%. Além disso, as despesas correntes em

proporção ao total de recursos próprios passaram de 83,08% para 89,45% em 1983

(WERNECK, 1987). Essa conjuntura sinalizava os problemas que essas empresas

enfrentavam para se autofinanciar. Para piorar o quadro, houve diminuição dos repasses do

Tesouro Nacional, conforme tabela 31.

233

Lembrando que a composição dos recursos próprios era constituída por receita operacional, receita não-

operacional e outros recursos. Para se ter uma ideia, em 1980, de todas as receitas do grupo das 20 maiores

empresas, 85,37% eram receitas operacionais; 10,83% receitas não-operacionais e; 3,81% outros recursos

(WERNECK, 1987). Esses números mostravam bem a capacidade dessas empresas para seu autofinanciamento e

investimento.

150

Tabela 31

Índices de Recursos Reais do Tesouro

(1980 – 1983)

Ano

Empresas

1980

1981

1982

1983

G. Petrobrás (21) 100 94,39 20,72 17,17

G. Siderbrás (19) 100 150,94 179,99 88,87

G. Eletrobrás (8) 100 236,34 79,07 44,70

G. Telebrás (29) 100 151,53 128,94 61,50

G. CVRD (17) 100 ----- ----- -----

G. RFFSA (4) 100 115,80 84,38 78,02

Itaipu 100 ----- ----- -----

G. Nuclebrás (7) 100 417,06 249,80 164,23

Cobal 100 9,96 5,42 15,24

G. Acesita (3) 100 120,39 85,61 59,46

G. Portobrás (10) 100 86,95 110,01 76,73

G. Infraero (2) 100 101,62 108,56 133,58

ECT 100 945,74 755,73 450,11

Caraíba 100 ----- ----- -----

Lloydbrás 100 ----- ----- -----

G. Embraer (4) 100 ----- ----- -----

Fosfertil 100 ----- ----- -----

Serpro 100 ----- ----- -----

Usimec 100 18,70 14,19 6,65

Cobra 100 ----- ----- -----

Total 100 139,38 106,63 77,47

Fonte: Werneck (1987, p. 82).

De acordo com a tabela 31, a redução dos recursos do Tesouro Nacional às empresas

estatais chegou a quase 23% em 1983 frente a 1980. Entre os anos 1983 e 1985 a diminuição

foi ainda maior e as estatais arcaram com um decréscimo de “46% em relação aos montantes

transferidos em 1980” (CRUZ, 1995, p. 137).

A insuficiência na geração de recursos próprios não foi compensada por uma

maior transferência de recursos do Tesouro. Esse teria sido um arranjo intra-

setor público capaz de ressarcir as empresas estatais por sua contribuição

compulsória aos objetivos das políticas macroeconômicas, à solidarização de

interesses privados e à socialização do ônus da crise através da estatização

da dívida. Independentemente de outras considerações, alocativas por

exemplo, a desestruturação financeira das empresas estatais poderia ter sido

evitada por um maior aporte do Tesouro, a quem caberia bancar os

benefícios e favores concedidos através das estatais (CRUZ, 1995, p. 137).

Aliada a essa retração dos recursos federais havia a redução das operações de crédito,

que comprometia ainda mais as possibilidades de investimento das estatais, de acordo com a

tabela 32.

151

Tabela 32

Operações de Crédito

(Cr$ bilhões de 1980)

Ano

Empresas

1980

Valor

Índice

1981

Valor Índice

1982

Valor Índice

1983

Valor Índice

G. Petrobrás (21) 24,48 100 30,73 125,53 44,22 192,88 26,49 108,21

G. Siderbrás (19) 88,59 100 113,96 128,64 98,81 111,54 62,82 70,91

G. Eletrobrás (8) 84,35 100 78,15 92,65 102,10 121,04 21,67 25,69

G. Telebrás (29) 21,96 100 14,04 63,96 14,18 64,56 6,13 27,92

G. CVRD (17) 9,86 100 23,50 238,31 42,64 432,48 25,78 261,48

G. RFFSA(4) 27,24 100 21,89 80,36 18,06 66,32 20,53 75,37

Itaipu 56,37 100 67,71 120,11 66,81 118,52 28,13 49,91

G. Nuclebrás (7) 8,88 100 14,59 164,33 25,62 288,48 26,57 299,18

Cobal 0,00 100 0,00 ----- 0,00 ----- 0,00 -----

G. Acesita (3) 20,03 100 5,95 29,68 6,39 31,91 0,31 1,54

G. Portobrás (10) 5,31 100 2,83 53,38 3,47 65,28 1,57 29,54

G. Infraero (2) 0,00 100 0,00 ----- 11,02 ----- 13,73 -----

ECT 0,00 100 0,00 ----- 0,01 ----- 0,01 -----

Caraíba 9,35 100 9,98 106,70 7,95 85,08 3,33 35,60

Lloydbrás 0,75 100 3,37 449,74 0,22 29,58 0,18 23,75

G. Embraer (4) 3,96 100 2,99 75,43 1,15 28,93 2,79 70,37

Fosfertil 3,69 100 0,36 9,68 0,59 15,99 0,00 0,13

Serpro 0,73 100 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00

Usimec 4,89 100 1,39 28,45 0,69 14,01 3,32 67,90

Cobra 6,08 100 0,96 15,75 0,00 0,00 0,00 0,00

Total 376,52 100 392,40 104,22 229,22 118,70 243,36 64,63

Fonte: Werneck (1987, p. 84).

Apesar de um pequeno aumento das operações de crédito em 1981, de 4,22% e, em

1982, de 18%, em relação a 1980, os mesmos apresentaram um decréscimo expressivo em

1983, recuando em torno de 35% em relação ao mesmo período. Assim, com o aumento

menor das receitas operacionais em proporção aos gastos correntes, com o contingenciamento

dos repasses do Tesouro Nacional e com a diminuição das operações de crédito, o resultado

foi uma baixa significativa nos investimentos promovidos pelas empresas estatais, de acordo

com a tabela 33.

152

Tabela 33

Índices de Investimento Real

Ano

Empresas

1980

1981

1982

1983

G. Petrobrás(21) 100 122,62 148,05 108,61

G. Siderbrás(19) 100 83,20 60,34 33,03

G. Eletrobrás(8) 100 96,23 89,58 64,51

G. Telebrás(29) 100 112,76 123,11 98,25

G. CVRD (17) 100 176,94 206,71 122,92

G. RFFSA(4) 100 101,81 67,89 53,35

Itaipu 100 95,35 84,10 55,77

G. Nuclebrás(7) 100 259,34 337,91 280,72

Cobal 100 47,95 26,89 13,72

G. Acesita(3) 100 44,98 35,78 65,39

G. Portobrás(10) 100 61,68 89,71 56,61

G. Infraero(2) 100 3,77 5,07 3,79

ECT 100 78,33 167,34 135,53

Caraíba 100 75,62 52,90 14,61

Lloydbrás 100 458,63 54,28 68,31

G. Embraer(4) 100 179,22 170,65 503,69

Fosfertil 100 3,45 7,54 6,24

Serpro 100 301,73 337,23 568,22

Usimec 100 7,94 24,38 9,58

Cobra 100 19,06 21,94 13,41

Total 100 105,60 104,48 73,33

Fonte: Werneck (1987, p. 86).

Na mesma direção da diminuição dos recursos das empresas estatais, o nível de

investimento caiu significativamente, chegando a apenas 73,33% do que era no ano de 1980.

Com isso, o governo cumpria sua meta de utilizar essas empresas também para a redução da

demanda agregada do país, já que com a retração dos investimentos recuavam as demandas

dessas empresas tanto interna quanto externamente.

Diferentemente das empresas privadas, que rapidamente e com apoio

governamental desenvolveram mecanismos de ajuste patrimonial financeiro,

as empresas estatais se viram forçadas a um endividamento em bola de neve.

Submetidas, uma vez mais, a restrições impostas pelo governo central, tais

empresas tornaram-se prisioneiras de uma situação patrimonial e de liquidez

crescentemente deteriorada. Enquanto as empresas de capital privado,

notadamente as filiais de grandes grupos estrangeiros e as voltadas à

exportação, tornavam-se aplicadoras líquidas em ativos financeiros, as

empresas estatais foram empurradas rumo à inadimplência (CRUZ, 1995, p.

132).

Deste modo, o objetivo da equipe econômica com a intervenção da SEST, no sentido

de promover o ajuste da economia brasileira principalmente por meio das empresas estatais,

foi atingido, com a absorção do endividamento do setor privado. Consequentemente, houve

aumento do endividamento das estatais; corte no quadro de funcionários e contenção dos

reajustes salariais; diminuição de sua capacidade de autofinanciamento por conta do atraso no

153

repasse da inflação aos seus bens, serviços e mercadorias; redução dos investimentos por

parte dessas empresas para reduzir a demanda agregada; e aumento das despesas com

pagamento de juros da dívida externa.

4.3. Análise dos Orçamentos e dos Relatórios da SEST: de 1982 a 1986

A fim de complementar o quadro já exposto, serão analisadas em seguida as

Exposições de Motivos (EMs) contidas nos relatórios da SEST, durante o governo militar de

João Figueiredo. O estudo irá de 1982 até o relatório de 1986234

.

Todas as EMs estavam presentes anualmente no “Orçamento SEST: dispêndios

globais das Empresas Estatais” e eram enviadas pelos ministros de Estado, liderados pela

equipe econômica, por meio do Ministro-Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência

da República, Antonio Delfim Netto, do Ministro da Fazenda, Ernane Galvêas, e dos

Ministros do Interior, da Indústria e Comércio, da Agricultura e do Trabalho, ao presidente da

República, João Figueiredo, para ciência e aprovação das orientações que as empresas do SPE

deveriam adotar no período.

Na EM nº 038/81235

, aprovada para vigorar no ano de 1982, explicitava-se a proposta

de restringir os gastos236

e os investimentos237

das empresas estatais, com a limitação máxima

de dispêndios globais. Além de cortes no orçamento dessas empresas, ficava manifesta a sua

utilização na contenção da inflação e nos estímulos para que o setor privado passasse a

investir em áreas que o setor público atuava e que se tornavam de seu interesse238

.

No balanço do ano de 1982, foi reiterada a necessidade de restringir a participação do

Estado na economia com a diminuição da atuação das empresas estatais. O argumento era que

elas cresceram demais após a promulgação do Decreto-lei nº 200/67239

. Desta forma,

234

Apesar deste último documento ter sido elaborado pela equipe econômica do então novo presidente da

República, Tancredo Neves, eleito indiretamente pelo Congresso Nacional em substituição ao regime militar, ele

mostrava a continuidade das medidas em relação às empresas estatais do governo anterior. 235

A EM 038/81 foi intitulada “CDE: Dispêndios Globais das Empresas Estatais 1982”, encaminhada ao

presidente da República em 29 de dezembro de 1981 e aprovada. 236

“Somente foram aceitos gastos compatíveis com a previsão das fontes existentes” (BRASIL, 1982b, p. 7). 237

“A alocação dos recursos está prioritariamente dirigida a programas e projetos com os menores prazos de

maturação e que, sem gerar pressões indesejáveis no balanço de pagamentos e na taxa de inflação, permitam

manter a atividade econômica do País em nível compatível com sua capacidade de crescimento” (BRASIL,

1982b, p. 8). 238

“Em prosseguimento à decisão adotada por Vossa Excelência há alguns meses e que procurou evitar o

processo de estatização da economia brasileira, devem ser realçadas as condições básicas e reais para o

fortalecimento do setor privado” (BRASIL, 1982b, p. 9). 239

“O primeiro levantamento efetuado pela SEST em 1980 indicou a existência de 530 entidades, conceituadas

como estatais para fins de aplicação do disposto no mencionado decreto, das quais 359 foram criadas nas

décadas de 1960 e 1970 [...]. A partir daquele momento, e mais intensamente na década de 1970 quando foi

duplicado o seu número, as empresas estatais passaram a participar de quase todos os setores da economia, desde

154

promoviam pressões inflacionárias e descontrole no balanço de pagamento do país. De acordo

com o relatório, “a ação estatal na economia evoluíra, ao longo dos anos, de sua característica

essencialmente complementar e de apoio ao setor privado, para se tornar excessiva em alguns

casos, ensejando o surgimento de pressões sobre o processo inflacionário e o balanço de

pagamentos” (BRASIL, 1983a, p. 9).

O contingenciamento dos dispêndios globais das empresas do SPE e a dificuldade de

angariar recursos externos, principalmente após setembro de 1982, fizeram com que os

dispêndios globais do ano de 1982 ficassem 5,6% menores em relação ao limite máximo

autorizado pelo presidente da República, após aprovação do Orçamento da SEST. “Assim,

enquanto o Orçamento SEST autorizou operações externas em moeda estrangeira até o limite

de Cr$ 1.583,8 bilhão, as empresas somente conseguiram captar Cr$ 1.000,5 bilhão”

(BRASIL, 1983a, p. 15).

As empresas do SPE, cujos recursos próprios participaram com 74% de todos os

recursos necessários às suas atividades em 1982, viram sua poupança própria líquida

diminuída significativamente em 20%, em termos reais240

, no período. Isso ocorreu devido,

“basicamente, aos pagamentos de encargos financeiros que se elevaram fortemente”

(BRASIL, 1983a, p. 17).

O relatório reconhecia que “a poupança própria líquida das empresas do setor

produtivo estatal era influenciada negativamente pela ocorrência de despesas não operacionais

(encargos financeiros)” (BRASIL, 1983a, p. 17), que se elevaram de maneira acentuada entre

1981 e 1982, de acordo com a tabela 34.

Tabela 34

Encargos Financeiros (Cr$ bilhões)

Empresas 1981 1982 Variação %

Grupo Siderbrás 100,1 270 170

Grupo Eletrobrás 94,9 239,3 152

Grupo CVRD 10,4 60,9 486

Grupo Nuclebrás 10,3 26,7 159,2

Itaipu 29,5 63,6 115,6

CST 4,8 30,8 541,6

Açominas 16,3 33,3 104,3

Fonte: BRASIL (1983a, p. 17).

infraestrutura, indústria de transformação, bens de capital, até o financeiro, de serviço e de comércio exterior”

(BRASIL, 1985a, p. 9). 240

A poupança própria bruta do SPE significa os recursos próprios menos as despesas correntes, já a poupança

própria líquida é representada pela poupança bruta deduzidos os encargos financeiros.

155

A tabela 34 mostra o aumento expressivo dos encargos financeiros, sobretudo para o

grupo CVRD, de 486%, e de 541% para a CST. Ela também deixa explícito que nenhum dos

sete grupos inclusos no relatório teve aumento de encargos inferior a 100% nesse período,

assim, “[...] para realizar o total dos seus dispêndios de capital (investimentos, amortizações e

outras despesas de capital), as empresas do setor produtivo estatal tiveram de recorrer

fundamentalmente às operações de crédito” (BRASIL, 1983a, p. 17), que significaram 21%

dos recursos utilizados.

Os créditos externos ainda estavam disponíveis em 1982, por isso as empresas do

setor angariavam esses recursos, diferentemente do que passou a ocorrer em 1983. Já o aporte

do Tesouro Nacional representou apenas 5% dos recursos necessários, o que explicitou o

baixo nível de dependência das empresas estatais do setor produtivo em relação aos recursos

fiscais do Estado.

No relatório de 1983, chamava a atenção o aumento do contingenciamento diante da

piora do cenário externo. A EM nº 27/82241

, concebida para vigorar no ano de 1983, mantinha

a mesma linha da anterior, todavia com maiores restrições e exigências de mais

contingenciamentos às empresas estatais. De acordo com o documento,

A presente proposta alicerça-se em premissas consentâneas com o atual

quadro macroeconômico, o qual, como é do conhecimento de Vossa

Excelência, se caracteriza por restrições conjunturais previstas nas áreas

financeira e comercial do setor externo em 1983, disso resultando a

necessidade de um ajustamento bem mais amplo na economia brasileira no

próximo ano (BRASIL, 1983b, p. 11).

As maiores restrições às estatais relacionavam-se à “nova realidade representada pela

menor oferta de recursos externos e da consequente necessidade de o país obter saldo positivo

na sua balança comercial, em valor relativamente elevado, fato que, dadas as restrições

prevalecentes, [impunha] substancial contenção nas importações” (BRASIL, 1983b, p. 13).

Ficava patente que o SPE seria o responsável pela promoção do ajuste, cujo objetivo

era equilibrar as contas do governo, diminuir as importações e apoiar as exportações do setor

privado para a obtenção desejada do saldo da balança comercial242

. Foi considerado que as

empresas estatais teriam de fazer “o máximo esforço para aumentar seu nível de eficiência em

1983, a caracterizar-se pelo aumento da relação entre a produção física e os dispêndios 241

A EM 27/82 foi intitulada “CDE: Dispêndios Globais das Empresas Estatais 1983”, encaminhada ao

Presidente da República, João Figueiredo, em 28 de dezembro de 1982, e aprovada. 242

“Com tais parâmetros assim estabelecidos e tendo presente o objetivo de reduzir as pressões inflacionárias, o

nível de demanda agregada terá de ser adequadamente reajustado, concentrando-se este esforço particularmente

na área governamental, através de cortes nas suas despesas e da consequente redução do déficit do setor público”

(BRASIL, 1983b, p. 13).

156

correntes, exclusive os encargos financeiros” (BRASIL, 1983a, p. 13). Assim, os orçamentos

das estatais em 1983 seriam ainda mais reduzidos em relação aos observados em 1982243

.

O ajuste incidia também sobre a classe trabalhadora, com o argumento da

necessidade que havia em aumentar a eficiência e a produtividade das empresas estatais. Com

isso, restringiam-se as contratações de servidores e limitavam-se os aumentos salariais244

.

No relatório anual da SEST referente ao ano de 1983, foram destacados os êxitos da

política econômica do período no que se refere às empresas estatais. Nesse documento foi

enfatizado o compromisso do presidente Figueiredo de promover a desestatização da

economia, fato que era reforçado por ele não ter criado nenhuma empresa estatal nova e,

anteriormente, ter promovido a privatização de algumas245

.

A partir do fim de 1982, com o aumento das restrições do fluxo externo de capitais,

intensificou-se o ajustamento interno para gerar poupança246

e, com isso, as empresas do SPE

sofreram mais contingenciamentos. “O Governo buscaria a contenção máxima dos seus

gastos, com vistas a gerar excedentes para o Orçamento Monetário” (BRASIL, 1984a, p. 11).

As entidades típicas do governo relacionadas às funções de administração direta do Estado

243

“Os investimentos, como nos anos anteriores, foram definidos residualmente, considerando que, pela menor

oferta esperada de recursos externos em 1983 e pela impossibilidade de serem aumentadas as já elevadas

transferências de recursos do Tesouro, seu limite global no próximo ano se situará aquém do observado em 1982,

em termos reais” (BRASIL, 1983b, p. 15). 244

“Os dispêndios com pessoal e encargos sociais em 1983 (parte integrante dos dispêndios correntes) estão

definidos de forma bastante austera, restritos ao valor efetivado em 1982 e corrigido apenas pela variação média

anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC. Caberá às empresas a responsabilidade de gerenciar

suas folhas de pagamento, de maneira que todas e quaisquer despesas com pessoal e encargos sociais, inclusive

as relativas a promoção, produtividade, aumento físico e reajustes salariais, não excedem, no seu total, os tetos

aqui propostos. Com isso, pretende-se que a produtividade da mão de obra alcance níveis mais elevados em

todas as empresas estatais, no decorrer de 1983” (BRASIL, 1983b, p. 13-15). Na EM do ano seguinte, essa

política em relação aos trabalhadores é mantida e reiterada: “Os dispêndios com pessoal e encargos sociais, por

sua vez, estão definidos ao amparo de uma legislação bastante austera, cabendo às empresas a responsabilidade

de gerenciar suas folhas de pagamento de tal sorte que o total desses gastos não exceda o teto estabelecido, o que

as induzirá a alcançar níveis mais altos de produtividade de mão de obra” (BRASIL, 1984b, p. 15-17). No

primeiro relatório assinado pela nova equipe econômica, há um enaltecimento à contenção real dos gastos com

pessoal e encargos sociais, na ordem de 11,75% em relação ao ano anterior, devido principalmente, ao fato de

que “as revisões salariais em 1984 estiveram regidas, primeiramente, pelos dispositivos do Decreto-lei nº 2.065,

de 26.10.83, que limitava os reajustes semestrais a 80% da variação do INPC para valores acima de 3 salários-

mínimos” (BRASIL, 1985a, p. 13). 245

“As estatais cadastradas pela SEST somam atualmente 471 empresas. Nenhuma empresa foi criada nesse

último período, o que mais uma vez atesta a execução da política de desestatização do Governo Figueiredo. A

respeito de setembro de 1981, quando foram listadas 530 entidades no Cadastro das Empresas Estatais, até essa

data, foram criadas somente três entidades, após exame prévio pela SEST quanto à necessidade e a oportunidade

de sua implantação. Nesse mesmo período, 17 empresas foram privatizadas, 14 incorporadas, nove extintas, duas

fundidas, três transferidas à Administração Estadual e 34 retiradas da classificação original, por inadequação”

(BRASIL, 1984a, p. 9-10). 246

“A estratégia básica do programa consistiria, em tese, em se obter um menor grau de dependência de recursos

de origem externa, pela contrapartida do crescimento da poupança interna especialmente do setor Governo, e

tornar mais eficiente a economia, através da gradual extinção dos subsídios diretos e indiretos e da alteração dos

preços relativos” (BRASIL, 1984a, p. 11).

157

tiveram um contingenciamento na ordem de 11% em comparação com o ano de 1982

(BRASIL, 1984a).

Os cortes em seus dispêndios globais, no ano de 1983, principalmente ocorreram por

dois motivos: i) a redução real de 13% com as despesas com pessoal e encargos sociais e; ii)

uma queda real de 30% nos investimentos dessas empresas247

. Além disso, as transferências

de recursos do Tesouro diminuíram em 26% em comparação com o período anterior. Por fim,

o valor das importações diretas ficou 12,8% abaixo do realizado em 1982 (BRASIL, 1984a).

Um ano depois, no relatório de 1984, o déficit público aparecia como o principal

problema da economia brasileira. A EM nº 023/83248

mostrava a intensificação do ajuste sobre

o SPE. A proposta dizia que as fontes dos desequilíbrios deveriam ser atacadas em suas raízes

para que o país conseguisse retomar o ciclo do crescimento econômico, ou seja, supostamente

o ajuste colocaria o país nos trilhos desse crescimento. Para isso, um programa de

estabilização seria imprescindível. Segundo o documento,

O programa de estabilização econômica [requeria] a adoção de uma

estratégia simultânea de ajustamento externo e doméstico, tendo como

objetivos principais, a curto prazo, a redução substancial do déficit em conta

corrente do Balanço de Pagamento, de modo a torná-lo consentâneo com a

disponibilidade efetiva de financiamentos externos e, a virtual eliminação do

déficit do setor público, cuja expansão em anos recentes [tinha] concorrido

significativamente para a elevação do ritmo inflacionário, das taxas de juros

e da dívida externa; a médio prazo, o objetivo [era] o de se promover

mudanças estruturais na economia que [conduzissem] à retomada de

adequadas e sustentáveis taxas de crescimento e emprego. A estratégia

básica desse programa consistiria em se reduzir a dependência de recursos

externos, pelo crescimento de poupança interna, especialmente do setor

público (BRASIL, 1984b, p. 13).

O diagnóstico da equipe econômica, de que foi a expansão do setor público a

responsável pelos déficits públicos e pela elevação das taxas de juros da dívida externa, trazia

como desdobramento que a solução para resolver essa situação seria simplesmente adotar

medidas contrárias a esse setor. Ou seja, não se consideravam as mudanças no cenário

internacional que explicitaram os equívocos da política econômica adotada pelos governos

militares.

247

“Dois itens contribuíram significativamente para se alcançar esse desempenho. Primeiramente, as despesas

com pessoal e encargos sociais que cresceram somente 105% (queda de 13% real), devido, à nova política

salarial, restrita à variação do INPC, e à redução de 2,6% havida no número de empregados. O segundo aspecto a

considerar é o valor relativamente reduzido dos investimentos (Cr$ 4.342,9 bilhões), que cresceram

nominalmente apenas 79%, com acentuada queda real de 30%. Mesmo que se adicione a variação das dívidas

vencidas com fornecedores e empreiteiros (Cr$ 404,4 bilhões), os investimentos atingiriam Cr$ 4.747,3 bilhões,

verificando-se, ainda assim, um declínio real de 23%” (BRASIL, 1984a, p. 17-18). 248

A EM 023/83 foi intitulada “CDE: Dispêndios Globais das Empresas Estatais 1984”, encaminhada ao

Presidente da República, João Figueiredo, em 28 de dezembro de 1983, e aprovada.

158

Para a retomada do crescimento seria fundamental, na avaliação do governo, o

ajustamento das finanças públicas. Os investimentos para o ano de 1984, apesar de

apresentarem aumento nominal em relação ao ano anterior, tiveram “queda de 20,6%, em

termos reais, face à aplicação de cortes seletivos, à necessidade de se restringir o uso dos

empréstimos externos e internos, e à impossibilidade das transferências dos recursos do

Tesouro ultrapassarem os limites efetivamente disponíveis” (BRASIL, 1984b, p. 17). Ainda,

para cumprir as metas orçamentárias de austeridade, foi criado o Comitê Interministerial de

Acompanhamento dos Orçamentos Públicos249

.

“As empresas do SPE tiveram redução de seus recursos em termos reais, em 16,6%,

abaixo do limite autorizado para 1983” (BRASIL, 1984b, p. 25). Já as empresas típicas de

governo sofreram um “decréscimo real de 47,9% sobre o limite autorizado para 1983,

evidenciando mais uma vez a natureza desse conjunto, com pequena responsabilidade de

realizar investimentos diretamente” (BRASIL, 1984b, p. 25).

No relatório de 1985, o último do governo militar, revelava-se que a política

econômica brasileira estava, de fato, a serviço do pagamento da dívida externa. A EM nº

33/84250

, voltada para o ano de 1985, abarcava “314 empresas, sendo 174 de Setor Produtivo

Estatal e 140 Entidades Típicas do Governo” (BRASIL, 1985b, p. 13). Ressaltava-se, nesse

documento, uma queda real para os dispêndios globais de 1,5% em relação a 1984 e um “rigor

maior na programação de investimentos, caracterizado por uma retração real de 11,1%” [...].

Outro fator limitante da disponibilidade para investir era o serviço da dívida, com crescimento

real de 6,4%” (BRASIL, 1985b, p. 10). Com cortes nos dispêndios globais e nos

investimentos, priorizava-se um ajuste que tinha como objetivo colocar a economia brasileira

a reboque do pagamento dos juros da dívida externa, e o setor mais penalizado para se atingir

este fim seria o das empresas estatais.

Com a nova equipe econômica, o setor privado continuava como prioritário. Em

1986, em novo relatório da SEST, foi reiterado o objetivo de reduzir o déficit público e a 249

“No sentido de assegurar o cumprimento das metas orçamentárias, foi colocado em prática um rigoroso

programa de austeridade em relação à execução dos orçamentos monetários, fiscal e das empresas estatais, tendo

sido criado especialmente para esta finalidade o Comitê Interministerial de Acompanhamento dos Orçamentos

Públicos (COMOR), com atribuições de coordenar as ações que afetam as necessidades de financiamento do

setor público, e analisar os resultados daqueles três orçamentos, propondo medidas corretivas, quando

necessário” (BRASIL, 1984b, p. 13). Além disso, “objetivando-se maior rigor no controle dos gastos, foi

aprovado o Decreto-lei nº 2.037/83, que tornou obrigatória a emissão de ordens de compras e de serviços (OCS)

ou documentos equivalentes, que tenham sido aprovados pela SEPLAN, antes de quaisquer autorizações de

aquisições, realização de serviços, reajustes, correções monetárias, rateios e antecipações referentes a

investimentos, de forma a ser alcançada a compatibilização da realização física dos investimentos com a efetiva

disponibilidade de recursos” (BRASIL, 1984b, p. 17-19). 250

A EM 33/84 foi intitulada “CDE: Dispêndios Globais das Empresas Estatais 1985”, encaminhada ao

presidente da República, João Figueiredo, em 19 de dezembro de 1984, e aprovada pelo mesmo.

159

inflação para que o país pudesse retomar o ciclo do crescimento econômico, projetado pela

equipe econômica de, no mínimo, 6% ao ano, entre 1986 e 1989, sendo o motor deste

crescimento o setor privado. Na EM nº 003/86251

constava:

O papel de destaque na retomada do crescimento é atribuído ao setor

privado, cabendo ao Estado a prestação dos serviços públicos essenciais e a

participação em atividades produtivas estratégicas supridoras de insumos e

serviços básicos necessários ao processo de desenvolvimento. Ênfase

especial será concedida à atuação do Estado nos investimentos de

infraestrutura, assegurando à iniciativa privada as disponibilidades

necessárias de transportes, energia e comunicações (BRASIL, 1986a, p. 10).

Prosseguia o documento,

Ênfase especial está sendo concedida ao referido saneamento financeiro das

estatais, que consiste em um conjunto de medidas. Entre elas, a fixação de

preços e tarifas realistas e a consequente eliminação dos subsídios

implícitos; a interrupção de projetos que não sejam economicamente viáveis

e eficientes e o adiamento de projetos de baixa rentabilidade e longa

maturação; a privatização de empresas que não estejam vinculadas à

Segurança Nacional ou submetidas ao regime de monopólio ou que não

sejam consideradas estratégicas para viabilizar o desenvolvimento do setor

privado. Também compõem o conjunto a capitalização de empresas estatais

pela venda ao público de ações representativas de seu capital social, a

renegociação de dívidas e, ainda, o aporte de recursos do Tesouro (BRASIL,

1986a, p. 11-12).

Este foi o primeiro Relatório pós-ditadura civil-militar, ancorado no I Plano Nacional

de Desenvolvimento da Nova República – IPND-NR. Ele mostrava qual era a postura do

governo civil em relação às empresas estatais. O novo governo e sua equipe econômica

continuariam a promover o ajuste da economia sobre as empresas estatais, privilegiando o

setor privado, principalmente as empresas multinacionais, assim como permaneceriam

honrando os compromissos com o pagamento dos juros da dívida externa252

. Desta maneira, o

cerne da política econômica se mantinha, apesar dos diferentes atores que assumiam o

comando do país.

251

A EM 003/86 foi intitulada “CDE: Dispêndios Globais das Empresas Estatais 1986”, encaminhada pelo novo

Ministro-Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, João Sayad, pelo Ministro da

Fazenda, Dilson Domingos Funaro, além dos Ministros do Interior, da Indústria e Comércio, da Agricultura e do

Trabalho, ao presidente da República, Tancredo Neves, em 9 de janeiro de 1986, e aprovada. 252

“Paralelamente, no ORÇAMENTO SEST/Dispêndios Globais – 1986 estão refletidos os princípios de

austeridade, de racionalidade e de seletividade que têm norteado a atuação da SEST, levando-a a implantar

medidas com vistas a um rigoroso controle de gastos [...]. Em resumo, na elaboração da proposta do

ORÇAMENTO SEST/Dispêndios Globais – 1986 foram observadas as diretrizes gerais destinadas a promover o

reequilíbrio do setor público – rigoroso controle dos gastos operacionais, recuperação de receitas e seletividade

nos investimentos – estabelecidas no I PND da Nova República, bem como as medidas integrantes do „Programa

de Mudanças‟ do Governo de Vossa Excelência” (BRASIL, 1986a, p. 13-14).

160

Em suma, em todos os relatórios da SEST analisados sobressaía a reação da equipe

econômica diante das mudanças na conjuntura internacional. Isso repercutia diretamente sobre

o SPE, que era instrumentalizado para atuar direta e indiretamente na geração de vultosos

superávits comerciais. Com isso, o governo tentava conseguir os recursos necessários para

pagar os juros e as amortizações da dívida externa, mesmo que o resultado fosse o aumento da

dívida pública; uma recessão interna que comprometia o crescimento da economia e a geração

de empregos; uma precarização do SPE que repercutia diretamente na diminuição da FBCF; o

fim de uma política econômica desenvolvimentista que preconizava uma industrialização,

mesmo que dependente; e o início do neoliberalismo no país.

5. Conclusão

O ajuste dos anos 1970 e 1980 recaiu, sobretudo, nas empresas estatais, que foram

estratégicas para o governo efetuar sua política econômica, cujo objetivo central era gerar

saldos na balança comercial para efetuar o pagamento dos juros da dívida externa no período

da crise da dívida. Por meio do ministro Delfim Netto, o Brasil colocou a economia a reboque

do pagamento desses juros. As políticas econômicas adotadas traziam em seu bojo medidas

neoliberais que ficavam explicitadas com a forma de atuação sobre as empresas estatais do

setor produtivo: restrição de seus gastos para reduzir a participação do Estado na economia;

aumento do contingenciamento de seus recursos diante da piora do cenário externo; atuação

para ajudar a gerar recursos para o pagamento dos encargos da dívida externa; e prioridade ao

fortalecimento do setor privado para a tentativa de crescimento da economia brasileira.

Ao terem grande participação na economia pela sua dimensão e áreas de atuação, as

empresas estatais experimentaram um processo de endividamento significativo, por absorver

parte da dívida externa privada e por capitanear no mercado externo recursos em moeda

estrangeira para o pagamento dos juros da dívida externa. Além disso, sofreram um processo

de precarização e sucateamento, por terem atrasos no reajuste de suas tarifas e preços de suas

mercadorias, a fim de que atuassem no sentido de tentar conter a inflação no país, e assim

também auxiliassem as grandes empresas privadas com o fornecimento de bens e serviços a

preços baixos.

Com as mudanças no padrão mundial de acumulação a partir dos anos 1970 em

consonância com a reestruturação global das empresas multinacionais, a função que as

empresas estatais desempenharam na economia brasileira se diferenciava daquela do período

161

desenvolvimentista. Por isso a SEST pode atuar de maneira consentânea com os interesses do

imperialismo.

Se o ajuste tinha, de fato, como meta a contenção da inflação e o crescimento da

economia brasileira, os resultados realçariam, no entanto, seu equívoco, visto que no período

do presidente militar João Figueiredo a economia brasileira cresceu, em média, 1,53% e a taxa

média anual de crescimento do PIB per capita declinou 0,6%. A inflação, por sua vez,

aumentou significativamente, passando de 99,7% em 1982 para 211% em 1983, 223% em

1984 e 235% em 1985. O único êxito da política econômica foi a geração de saldo na balança

comercial para o pagamento dos juros da dívida externa, que em 1983 foi de US$ 6,4 bilhões,

em 1984 foi de US$ 13 bilhões e de US$ 12 bilhões em 1985. O horizonte da política

econômica era, sem dúvida, gerar os saldos necessários para pagar os juros dos detentores da

dívida externa, independentemente do custo que isso pudesse causar para a sociedade

brasileira, e alimentar o circuito da valorização financeira no período marcado pela transição

para a internacionalização financeira.

Neste processo, caracterizou-se o ajuste neoliberal no Brasil já no início da década de

1980 quando as estatais foram instrumentalizadas de acordo com o imperativo

macroeconômico estabelecido pela política econômica com o intuito de subsidiar a geração de

lucros pelas empresas privadas multinacionais e suas sócias nativas. Além disso, as empresas

estatais assumiram boa parte do endividamento externo do setor privado (socialização da

dívida externa) e se endividaram diretamente no mercado externo para trazer dólares ao país a

fim de que com isso o governo realizasse o pagamento da dívida externa brasileira. No fim da

década de 1980, as empresas estatais se encontravam com seu parque produtivo desatualizado

e endividadas. Em seguida, boa parte das empresas estatais será privatizada, não sem antes

serem modernizadas, terem seu endividamento reduzido e o preço de seus bens e serviços

reajustados para que se tornassem lucrativas e atrativas aos compradores. Esses processos

serão discutidos no próximo capítulo.

162

Capítulo 3 – Internacionalização Financeira, Neoliberalismo e Desestatização da

Economia Brasileira (1986-1998)

1. Introdução

A internacionalização financeira aprofundou o neoliberalismo nas economias

periféricas, com exigências pautadas no Consenso de Washington. No Brasil, as burguesias

reagiram favoravelmente ao neoliberalismo com a exacerbação da financeirização sobretudo

nos governos dos presidentes Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso (FHC).

Fatos importantes desse processo da transição dos anos 1980 aos anos 1990 foram a abertura

comercial, produtiva e financeira, a renegociação da dívida externa e a implementação de

planos de estabilização econômica, que ao deixar o câmbio do país sobrevalorizado para sua

própria permanência impuseram a necessidade de entrada de capitais estrangeiros no país para

que se fechasse a conta do balanço de pagamentos no curto prazo. Neste sentido, houve

privatizações de diversas empresas estatais, realizadas muitas vezes às pressas em vários

governos, com preços atrativos para remunerar vantajosamente o capital privado. Com a

desestatização em massa de setores estratégicos como siderurgia, energia e telecomunicações,

o governo faria caixa para equilibrar as contas nacionais, controlaria a inflação com a redução

de seus gastos e geraria superávits para remunerar os credores da dívida pública. Essa política

econômica levou o país a uma redução significativa de sua FBCF e, consequentemente, a uma

importante desindustrialização253

.

As privatizações impulsionaram a desnacionalização da economia, com parte das

ações das empresas estatais sendo comprada por estrangeiros, e induziram a uma

financeirização exacerbada, uma vez que bancos de investimentos e outras instituições

financeiras, como fundos de pensão, foram protagonistas entre os adquirentes nos leilões. Em

vários casos, poucos anos após comprar ações dessas empresas, as instituições financeiras as

revenderam, confirmando seus objetivos puramente especulativos com a rápida saída do

negócio, após aferição de retornos significativos254

.

253

De acordo com Cano (2012, p. 3), a desindustrialização se manifestou “com os nefastos efeitos da década

perdida, de 1980, e os decorrentes da instauração das políticas neoliberais, a partir de 1990, [quando] a queda da

participação da indústria de transformação no PIB para a América Latina em seu conjunto foi grave: com

participações, em 1980, em torno de 24% (Argentina e México) e de 33% (Brasil), os dados entre 2008 e 2010

regridem, para cerca de 19% no México e na Argentina, e a mais aguda, a do Brasil, para cerca de 18%”. 254

Entre as vendas lucrativas realizadas por bancos destacam-se as saídas em 1996 do Bozano, Simonsen e do

Unibanco da Acesita, privatizada quatro anos antes. Os dois bancos tiveram ganho bruto de US$ 500 milhões na

negociação de suas participações na empresa (BANCOS..., 26/04/1996, p. A1 e C1). Também destacam-se as

ofertas recebidas pelo Banco Pactual por sua participação na Escelsa, empresa de energia do Espírito Santo,

privatizada em 1995. Dois anos depois da desestatização o presidente do banco, Luiz Cesar Fernandez,

163

O objetivo desse capítulo é mostrar como as privatizações nesse período iam ao

encontro dos interesses da internacionalização financeira e caracterizavam a conclusão do

ajuste neoliberal instalado no país sobre as estatais ainda nos anos 1980, a partir das

orientações da SEST.

Este capítulo está estruturado em três partes: i) Imperialismo no contexto da

internacionalização financeira, item em que se analisa o avanço da financeirização das

empresas multinacionais e seus interesses sobre a periferia; ii) Aprofundamento do

neoliberalismo no Brasil, seção em que se discute o Consenso de Washington, o Plano Brady

e o Plano Real; e iii) Mudanças dos marcos legais e os processos de privatização desde o

governo de João Figueiredo até o primeiro mandato de FHC, parte em que se estudam as

mudanças nas legislações para promover e intensificar as desestatizações; o perfil das

empresas privatizadas e dos seus compradores; e como foi aprofundada a desnacionalização e

a financeirização da economia brasileira.

2. Imperialismo no Contexto da Internacionalização Financeira

As formas de valorização do capital das empresas multinacionais, assim como seus

interesses sobre os países da América Latina, sofreram alterações no contexto da

internacionalização financeira. Essas transformações se diferenciavam das suas estratégias de

atuação sobre esses países em relação ao período caracterizado pela internacionalização

produtiva255. As mudanças se refletiram, entre outros aspectos, na relação que as empresas

multinacionais estabeleceram com os espaços nacionais dos países periféricos, de maneira que

em alguns deles deixava de haver interesse em instalação de filiais, com a construção de

novas fábricas. Ocorria assim uma redução mais expressiva dos investimentos novos em

FBCF, comprometendo o parque produtivo desses países.

Para países periféricos como o Brasil, esta situação se agravava, por um lado, com o

crescimento do Sudeste Asiático e da China256

enquanto receptores de grande parte dos IDEs

ressaltava: “Sou vendedor e já recusei ofertas de 100% sobre o preço do mercado dos papeis” (PACTUAL...,

25/11/1997, p. C3). A declaração mostra quão lucrativo foi o negócio em dois anos e o alto volume de

interessados, a ponto de Fernandez recusar um lucro superior a 100%. 255

Para Campos (2009, p. 10-11), essa “fase, chamada de internacionalização financeira, consolidou-se nos anos

80 e ingressou nos anos 90 mantendo seus traços essenciais até a atualidade. A dimensão financeira do capital

estabelece então uma dinâmica crescente em relação à dimensão produtiva, em que as transformações iniciadas

na fase anterior lhe possibilitam recentralizar o capital como um todo, impondo também uma mudança nas

estratégias de acumulação das empresas multinacionais instaladas na periferia”. 256

De acordo com Belluzzo (2013, p. 130, grifos do autor), “entre os anos 1980 e 1990, os Estados Unidos não

só pressionaram os parceiros a promover a liberalização das contas de capital como também exerceram políticas

que favoreceram a valorização do dólar, o que reforçou o movimento de migração da grande empresa para

espaços econômicos mais favoráveis à „competitividade‟. A partir daí o mundo presencia um movimento de

164

das empresas multinacionais, sobretudo os voltados à indústria de transformação. Por outro

lado, pelo fato de se tornar importante destinatário dos recursos financeiros em detrimento dos

investimentos produtivos. Essas mudanças comprometiam ainda mais as possibilidades de um

controle por parte do Estado brasileiro de seu desenvolvimento econômico e estabeleciam,

além de uma desindustrialização, reformas em direção a uma divisão internacional do trabalho

em que o país passava cada vez mais a contribuir na reprodução ampliada do capital

remunerando o capital financeiro e exportando produtos primários.

Esta fase de financeirização do IDE, em que os parâmetros financeiros passavam a

orientar os investimentos das empresas multinacionais, embora já estivesse ocorrendo desde a

década de 1980, ganhava seus contornos mais evidentes na periferia a partir da década de

1990.

Além da financeirização das empresas multinacionais propriamente ditas, o

que permitiu e deu sentido à centralização de capitais movidas pelas F&As

foi a própria “financeirização do IDE”. A forma de organização em holding,

comandada por um centro financeiro geralmente sediado em algum paraíso

fiscal, submeteu a avaliação de investimentos industriais a critérios

financeiros em que houve um encurtamento do tempo de maturação,

determinado mais pela rapidez do deslocamento patrimonial, ou pela

arbitragem dos retornos financeiros, que pela criação de capacidade

produtiva nova. Em suma, longe do IDE criar plataformas produtivas ou

manter seu habitual fluxo para o subsistema afiliado, sua função nos anos 80

foi efetivar, através de investimentos cruzados intratríade (EUA, Europa

Ocidental e Japão), a redistribuição de capitais a favor de uma

recentralização que reestruturou e modificou certas posições oligopólicas no

centro do sistema. De fato, ao estabelecer uma espécie de recuo nos influxos

de capitais, especialmente para a América Latina, a nova natureza do IDE,

exercida por sua relação com as finanças globais e a serviço da centralização

de capitais, também marginalizou as zonas periféricas de atração, gerando

uma crise que fez seu aparelho desenvolvimentista se enfraquecer. Contudo,

embora a reestruturação técnico-financeira das multinacionais nos anos 80

passasse ao largo deste continente, nos anos 90, quando as condições

econômicas internas dos países latino-americanos se ajustaram ao processo,

os horizontes de reingresso do IDE se ampliaram. Isso ocorreu depois da

renegociação da dívida, da abertura financeira e comercial e da estabilização

monetária, abrindo as possibilidades, inclusive, para a entrada de novas

profunda transformação na divisão internacional do trabalho. A Ásia se torna produtora e processadora de

manufaturas baratas – peças, componentes e bens finais de consumo e de capital. Conforma-se em torno da

China emergente uma „mancha manufatureira‟, grande importadora de matérias-primas. Com a nova divisão

internacional do trabalho, a economia nacional norte-americana amplia seu grau de abertura comercial, passa a

gerar um déficit comercial crescente para acomodar a expansão „mercantilista‟ dos países asiáticos e avança na

transformação do seu mercado financeiro e de capitais”. Segundo Campos (2009, p. 16), a China “[...] se tornaria

igualmente um importante lócus de atração de IDE, peça-chave, aliás, para exportação de manufaturados baratos

aos EUA, e grande importadora de bens de capital dos países da ASEAN (Association of Southeast Asian

Nations). Esse país, em virtude de suas imensas reservas em dólar, tornou-se o maior demandante de títulos da

dívida pública americana, consolidando-se como principal zona de atração do capital produtivo norte-americano

e dos outros países da periferia no momento atual”.

165

filiais em setores inéditos. Todavia, ao mostrar-se como protagonista das

privatizações e desnacionalizações, o IDE, longe de vir à periferia para

industrializar como fez dos anos 50 aos 70, ele apenas prolongaria a

fragmentação produtiva iniciada no centro (CAMPOS, 2009, p. 18-19, grifos

do autor).

Esse processo de internacionalização financeira reforçou o poder do imperialismo

norte-americano “não apenas devido ao desmoronamento da União Soviética257 e à sua

posição militar inigualável, mas também em função de sua posição no plano do capital

financeiro bem superior à que [tinha] no plano industrial”258 (CHESNAIS, 1996, p. 19). Sobre

isso,

Basta lembrar aqui o papel mundial do dólar; a capacidade dos Estados

Unidos de aplicarem a política monetária que quiserem, sem se preocuparem

muito com as repercussões que pode ter em praticamente todos os outros

países, ricos ou dominados e pobres; a possiblidade de “compensar” as mais

baixas taxas de poupança interna dos países da OCDE, drenando para si

todos os capitais requeridos para financiar seu déficit orçamentário e servir

de paliativo ao subdesenvolvimento. A ascensão da esfera financeira

recolocou quase todos os trunfos da rivalidade imperialista mundial nas

mãos dos Estados Unidos. Os mercados financeiros americanos são

inigualáveis em suas dimensões, mas também em sua diversidade259

(CHESNAIS, 1996, p. 119, grifos do autor).

O imperialismo dos Estados Unidos acentuou-se com a internacionalização

financeira, uma vez que com ela as operações financeiras atingiram “o mais alto grau de

mobilidade, onde [se tornava] mais gritante a defasagem entre as prioridades dos operadores e

as necessidades mundiais”260 (CHESNAIS, 1996, p. 239). As empresas multinacionais,

condutoras em grande medida deste processo, mostrariam nos anos 1990 a importância que

chegariam as operações estritamente financeiras de grandes grupos industriais.

[...] no caso dos grandes grupos do setor de manufaturas ou serviços, a

estreita imbricação entre as dimensões produtivas e financeiras da

mundialização do capital [era] parte integrante de seu funcionamento

257

De acordo com Harvey (2004, p. 42), “os Estados Unidos vêm há muitos anos exercendo inegavelmente a

liderança da parte do mundo dedicada à acumulação interminável do capital, tendo por conseguinte disseminado

amplamente suas maneiras de fazer negócios. Claro que, no curso dos anos da Guerra Fria, eles não exerceram

uma hegemonia verdadeiramente global. Tendo a ameaça do comunismo desaparecido por completo agora, é

mais fácil de definir e manter o papel de liderança dos Estados Unidos”. 258

“O fato de os Estados Unidos serem a fonte principal do parasitismo financeiro que está gangrenando o

capitalismo mundial não os impede de imporem sua hegemonia por todos os meios ao seu alcance”

(CHESNAIS, 1996, p. 19). 259

Para Harvey (2004, p. 59), “o capital financeiro passou ao centro do palco nessa fase da hegemonia norte-

americana, tendo podido exercer certo poder disciplinar tanto sobre os movimentos da classe operária como

sobre as ações do Estado, em particular quando e onde o Estado assumiu dívidas de monta”. 260

Ainda para Chesnais (1996, p. 239, grifos do autor), “a capacidade intrínseca do capital monetário de delinear

um movimento de valorização „autônomo‟, com características muito específicas, foi alçada pela globalização

financeira a um grau sem precedentes na história do capitalismo”.

166

cotidiano. Desde o começo da década de 80, a imbricação entre as

dimensões produtiva e financeira da mundialização [manifestou-se] sob

novas formas. Exprimiu-se, inicialmente, pelos novos e variados meios que

as instituições financeiras e as casas especializadas colocaram à disposição

dos grupos, para suas operações internacionais de aquisições e fusões. A

“desintermediação” financeira permitiu que os grandes grupos colocassem

títulos diretamente nos mercados financeiros internacionais. Por fim, desde o

início dos anos 90, a imbricação esteve marcada pelo notável aumento da

importância das operações puramente financeiras dos grupos industriais

(CHESNAIS, 1996, p. 240, grifos do autor).

Como na fase da internacionalização financeira as empresas multinacionais tiveram

seus investimentos orientados mais para os retornos do rentismo, “os grupos industriais

[passavam a ser], propriamente, grupos financeiros de predominância industrial [...], eles [se

tornavam] organizações cujos interesses [identificavam-se] sempre mais com os das

instituições estritamente financeiras”261 (CHESNAIS, 1996, p. 275-276). Na mesma direção

desta interpretação, Campos (2009, p. 17-18) afirmou que a

[...] utilização de novas tecnologias e a racionalização do subsistema

afiliado, cujos processos terceirizaram e externalizaram vários ramos

industriais menos estratégicos, concederam à empresa multinacional a

capacidade de se concentrar mais no circuito eminentemente financeiro da

corporação do que nos circuitos da produção. Com isso, os grupos

multinacionais diversificaram rumo às finanças globalizadas, tornando-se

operadoras nos circuitos financeiros – tanto extra-empresa, no mercado

cambial, quanto intra-empresa, via transferência líquida filial-filial e matriz-

filial. Criaram também bancos anexados à própria estrutura organizacional

da corporação, de modo que a direção financeira da holding passou a

coordenar as transações de todas as esferas da empresa por uma lógica de

acumulação fictícia. Essa financeirização, ao mesmo tempo em que inflou a

esfera financeira das multinacionais, permitiu melhor gerenciamento das

atividades produtivas, crescentemente parcelizadas e descentralizadas

geograficamente.

O grande desenvolvimento das transações financeiras resultou em um crescimento

mundial muito maior dos ativos financeiros em relação aos investimentos em capital fixo:

“em 1992, os ativos [financeiros] acumulados eram o dobro do PNB acumulado de todos os

países da OCDE juntos, e treze vezes mais do que suas exportações totais”262 (CHESNAIS,

261

De acordo com Chesnais (1996, p. 275), “a globalização financeira pressionou os grupos a acentuar, de

maneira qualitativa, seu caráter de centros financeiros. Os grupos começaram a diversificar-se em direção às

finanças. Tornaram-se operadores importantíssimos em certos segmentos dos mercados financeiros,

especialmente os mercados de câmbio. Em certos casos, o mercado financeiro interno de grupo comporta a

existência de um ou mais bancos de grupo; em outros, é a própria direção financeira da holding que organiza e

controla essas transações em todo o mundo”. 262

“No fim dos anos 90, o volume de ativos [financeiros] em posse dos investidores institucionais ultrapassava

US$ 36 trilhões. Esses haveres representavam em torno de 140% do PIB dos países da zona da OCDE. Mas, em

alguns países, a relação entre ativos financeiros e o PIB – que representa as pretensões de apropriação da

167

1996, p. 244). Do mesmo modo, “o valor dos ativos financeiros mundiais (considerados aí

ações e debêntures, títulos de dívida públicos e privados e aplicações bancárias) cresceu cerca

de 14 vezes entre 1980 e 2006, enquanto que o PIB mundial limitou-se a crescer pouco menos

que 5 vezes no mesmo período.” (PAULANI, 2011, p. 66). Esses dados mostravam a

prioridade dada aos investimentos financeiros, atrativos pelo seu alto e rápido retorno em

relação aos investimentos produtivos e facilitados pela desregulamentação no fluxo de

capitais e pelas inovações tecnológicas, especialmente na microeletrônica.

Na década de 1990 aumentou a financeirização em direção à periferia. Isso porque na

segunda metade da década de 1980 os Estados Unidos fizeram um movimento contrário em

relação ao final da década de 1970 e início da década de 1980, ao reduzir sua taxa de juros de

algo em torno de 20% “para 4,5% no mercado monetário de Nova Iorque, [verificando-se]

uma aceleração do crescimento e da globalização263 dos mercados futuros de juros e câmbio,

com saída de fundos de pensão norte-americanos em busca dos chamados „mercados

emergentes‟”264

(TAVARES; MELIN, 1997, p. 61, grifos dos autores). Esses fundos se

dirigiram, sobretudo, no caso do Brasil, às privatizações e à aquisição de títulos da dívida

pública, após o país fazer mudanças na área econômica exigidas pelos interesses de

acumulação privada, notadamente aderindo às regras estabelecidas pelo Consenso de

Washington265. Intensificou-se assim a especulação financeira com o objetivo de valorização

de seu capital no menor espaço de tempo possível, a elevadas taxas de juros, liberdade para

sua movimentação e garantias de pagamento por parte do Estado.

produção econômica presente e futura – é muito mais elevada: 226% no caso do Reino Unido, 212% nos Países

Baixos, 207% nos Estados Unidos, 200% na Suíça. Ao longo da década, o crescimento do valor dos ativos dos

investidores institucionais se fez a um ritmo sustentado, mais de 11% em média durante o período. Se as

sociedades de seguro estão na frente pelo volume de ativos que detêm, são ultrapassadas no fim dos anos 90

pelas sociedades de investimentos e fundos de pensão, cujos ativos aumentaram a um ritmo mais elevado. Foram

as primeiras, sobretudo aquelas especializadas na gestão dos fundos mútuo, que tiveram maior crescimento:

entre 1990 e 1999, seus haveres aumentaram em média 20% ao ano contra 13% dos fundos de pensão”

(CHESNAIS, 2005, p. 43-44). 263

Gonçalves (1999, p. 29-32) explicitou que a globalização do final do século XX estava relacionada a três

fatores: i) desenvolvimentos tecnológicos associados à revolução da informática e das telecomunicações, que

redundaram em diminuição dos custos de operações produtivas e financeiras; ii) fatores de ordem política e

institucional, causados pelo liberalismo, cujo resultado foi uma onda de desregulamentação do sistema

econômico e liberalização do movimento de capitais; e iii) fatores de ordem sistêmica e estrutural,

caracterizados pela dificuldade de expansão da esfera produtivo-real das economias capitalistas maduras. Assim,

há um deslocamento de recursos da esfera produtivo-real para a esfera financeira. 264

“Entre 1979 e 1989, o banco central americano força uma flutuação da taxa de juros do teto de 20% (servindo

de umbrella para os rentistas de todos os países) para um piso de 4,5%” (TAVARES; MELIN, 1997, p. 62). 265

Harvey (2004, p. 66) chamou a atenção para a hegemonia dos Estados Unidos nessa fase ao afirmar que: “o

poder do complexo Wall Street-Tesouro-FMI está, com respeito a um sistema financeiro coercitivamente

imposto, instaurado em torno do chamado Consenso de Washington e mais tarde desenvolvido por meio da

construção de uma nova arquitetura financeira internacional, numa relação tanto de simbiose como de

parasitismo. Como diz Soederberg, trata-se claramente de um „anexo do Estado norte-americano‟, ainda que

também sirva aos interesses da „burguesia transnacional como um todo‟”.

168

Para receber esses “investimentos”, países periféricos como o Brasil realizaram a

abertura comercial, produtiva e financeira, além de estabelecer uma política econômica com

estabilidade de preços266

. Nesse novo movimento do capital, esses países teriam seus balanços

de pagamentos “fechados” com os “investimentos financeiros” que eram defendidos pelos

governos no discurso de que trariam um suposto desenvolvimento econômico para as

economias periféricas agora denominadas “emergentes”267. Nesta política econômica,

deixavam de ser prioritários saldos na balança comercial, como ocorreu na década de 1980, e

as empresas estatais, até então dirigidas para subsidiar esses saldos, eram entendidas como

passíveis de sofrer um processo de privatização.

Se a abertura financeira estimulou a entrada desses capitais especulativos, a abertura

produtiva e comercial contribuiu para a desindustrialização de vários países porque tornou

possível a oferta de mercadorias das empresas multinacionais de maneira mais expressiva sem

que estas fossem produzidas internamente. A abertura também funcionou no sentido de

permitir aquisições de setores produtivos e de serviços estratégicos, até então nas mãos do

Estado, e que passavam a ser de interesse do capital privado internacional pela sua busca,

sobretudo, de matérias-primas em todo o globo para fomento da sua expansão mundial, e

como forma de amenizar a sua sobreacumulação. Quanto mais o capital se encontrava

sobreacumulado, maior era a interferência imperialista para tentar solucionar essa situação,

assim, o neoliberalismo dava uma resposta à sobreacumulação desde 1973, e as privatizações

fizeram parte de um mecanismo para proporcionar lucros para esse capital, em um processo

liderado pelo imperialismo norte-americano e que Harvey (2004, p. 124) chamou de

“acumulação por espoliação”: “O que a acumulação por espoliação faz é liberar um conjunto

de ativos [...]. O capital sobreacumulado pode apossar-se desses ativos e dar-lhes

imediatamente um uso lucrativo”.

A privatização abriu amplos campos a serem apropriados pelo capital

sobreacumulado na periferia, e em especial, no Brasil. Realizada muitas vezes às pressas, com

266

A transferência de riqueza da esfera produtiva para a esfera financeira fez com que o foco “da política

econômica de muitos governos, não apenas da periferia como também do coração do sistema, [fosse] o

pagamento dos juros e do principal das dívidas públicas e a garantia de juros reais positivas, implementando

políticas sob a égide do combate à inflação” (CHESNAIS, 1995, p. 22). 267

De acordo com Harvey (2004, p. 126, grifos do autor), “a mistura de coerção e consentimento no âmbito

dessas atividades de barganha varia consideravelmente, sendo contudo possível ver agora com mais clareza

como a hegemonia é construída por meio de mecanismos financeiros de modo a beneficiar o hegemon e ao

mesmo tempo deixar os Estados subalternos na via supostamente régia do desenvolvimento capitalista. O cordão

umbilical que une acumulação por espoliação e reprodução expandida é o que lhe dão o capital financeiro e as

instituições de crédito, como sempre com o apoio dos poderes do Estado”.

169

preço e condições de pagamento atrativas para o capital privado268

, a desestatização em massa

levou o Brasil a uma redução significativa de sua Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF),

um processo que intensificou a desindustrialização269

já em curso no país, não revertida desde

então.

3. O Aprofundamento do Neoliberalismo no Brasil

Marcaram as mudanças dos países periféricos para ter acesso ao novo ciclo de

internacionalização de capital a Rodada Uruguai (1986 a 1994), que resultou na criação da

Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995, a cartilha do Consenso de Washington e

a renegociação da dívida externa por meio do Plano Brady, além do Mercosul270

.

Em relação à criação da OMC, deve-se ressaltar a maior influência que os Estados

Unidos teriam nas decisões sobre o comércio mundial a partir de então. Harvey (2004, p. 67)

lembrou que o Senado norte-americano aprovou os acordos da OMC com a “ressalva de que o

país poderia ignorar e recusar toda regra da OMC considerada fundamentalmente injusta do

ponto de vista dos interesses norte-americanos (exemplo do hábito familiar que têm os

Estados Unidos de supor-se portadores do direito de ser tanto juiz como júri)”.

Já o Consenso de Washington surgiu como um documento que explicitou as

orientações econômicas que as economias periféricas deveriam seguir para terem acesso aos

capitais financeiros. Em novembro de 1989, reuniram-se em Washington funcionários do

governo estadunidense e dos organismos financeiros ali sediados tais como FMI e Banco

Mundial e foi feito um balanço da política neoliberal nos países da América Latina que já

haviam implementado o neoliberalismo e uma discussão para introduzir essa política em

outros países271. Entre os pontos importantes deste Consenso esteve o questionamento da

competência do Estado, ressaltando-se a falência do mesmo, visto como incapaz de formular

políticas macroeconômicas, de tal modo que seria necessário transferir essa grande

268

Um exemplo dessas facilidades vinha do BNDES, que muitas vezes financiava a compra das empresas, além

de oferecer financiamentos para o comprador posteriormente. 269

Sobre desindustrialização, consulte Cano (2012). 270

Sobre a OMC, ver Campos (2009). Sobre o Consenso de Washington, ver Batista (1994). Em relação ao

Plano Brady, ver Batista Jr.; Rangel (1994). Sobre o Mercosul, ver Sarti (2001) e Campos (2009). De acordo

com Campos (2009, p. 179), “o MERCOSUL, concebido a partir do Tratado de Assunção em 1991, formou-se

sob a égide do neoliberalismo, ao optar por uma integração comercial e produtiva de natureza aberta e

desregulada”. 271

Essa reunião ficou conhecida como “Consenso de Washington” e é de autoria do economista John

Williamson o termo, uma vez que para ele que participou dessa reunião, “[...] o termo 'consenso' pode parecer

muito forte, mas significa, pelo menos, um alto grau de convergência entre os economistas americanos e os da

América Latina, e também entre os políticos, pelo menos nos aspectos macroeconômicos. E 'Washington' é mais

que um lugar, são instituições: o governo dos Estados Unidos (Executivo e a parte do Congresso interessada na

América Latina), o Banco Mundial e as agências do governo” (CAROS AMIGOS, 1998, p. 14).

170

responsabilidade a organismos internacionais, tais como o FMI272 e o Banco Mundial

(BATISTA, 1994).

Para receber esses capitais que supostamente ajudariam os países periféricos no seu

processo de desenvolvimento em substituição ao Estado, era preciso encontrar formas de bem

remunerá-los273

. Para tanto, foi proposta a renegociação da dívida externa, com uma

substituição do Plano Baker pelo Plano Brady. A partir da renegociação, veio a imposição de

uma política econômica conforme estabelecida pelo Consenso de Washington.

Ao assumir a presidência em 1990, o governo Collor iniciou algumas das mudanças

sugeridas pelo Consenso: abertura comercial, produtiva e financeira, privatizações a partir da

criação do I Plano Nacional de Desestatização (I PND) e uma tentativa de estabilização dos

preços da economia brasileira, com o Plano Collor274

. Contudo, não logrou êxito na

estabilidade de preços e as dificuldades na composição de forças políticas aliadas fizeram com

que ele sofresse um processo de impeachment e deixasse a presidência da República em

dezembro de 1992. O vice Itamar Franco assumiu a presidência após a sua saída e Fernando

Henrique Cardoso (FHC) foi chamado para ser o novo Ministro da Fazenda (deixando o cargo

de Ministro das Relações Exteriores) e levar adiante as políticas econômicas consubstanciadas

no Consenso de Washington. Ainda que Itamar não tenha rompido com o neoliberalismo de

Collor, foi, no entanto, no governo de FHC que este ganhou força no país e se consolidou. No

governo FHC, houve o acirramento da abertura comercial, produtiva e financeira, uma perda

ainda maior de autonomia por parte do Estado com os desdobramentos do Plano Brady

(negociado enquanto ele era Ministro da Fazenda de Itamar), a estabilização de preços com a

272

Para Tavares (1998, p. 102), “como é natural, as políticas de ajuste recomendadas pelo FMI para a década de

90 são também de sinal contrário. Durante a década de 80 os países periféricos foram obrigados a praticar

políticas destinadas à geração de superávits comerciais para pagar o serviço da dívida externa. Depois de 1990,

os países da periferia são obrigados a inverter sua política cambial e a aceitar a absorção de recursos externos de

curto prazo, com altas taxas de arbitragem em dólar, em reposta ao excesso de liquidez que se esparrama pelo

mundo [...]. Em nome da liberdade de mercado, impôs-se à América Latina uma desregulamentação financeira e

comercial indiscriminada”. 273

“A periferia se transforma em campo de aplicação dos capitais especulativos [...]. Ainda, no caso da América

Latina, a modernização proposta pelos Estados Unidos – através dos organismos multilaterais manejados pela

potência hegemônica – implica transformar o continente num mercado cativo para as exportações americanas e

num território de expansão para os seus capitais, concentrados, em geral, nas privatizações dos serviços de

utilidade pública” (MELLO, 1997, p. 162). 274

Para Filgueiras (2005, p. 11), “o programa apresentado, consubstanciado no chamado Plano Collor, pela

primeira vez não se resumia – quando comparado aos outros planos de estabilização heterodoxos –,

simplesmente ao combate à inflação; era um programa de reformas estruturais do Estado e das relações deste

com o setor privado e do capital com o trabalho, nos moldes da doutrina neoliberal: privatização, abertura

comercial e financeira e ataque aos direitos sociais e trabalhistas – com a desregulamentação e flexibilização do

mercado de trabalho e das relações trabalhistas”.

171

implementação do Plano Real, que havia sido elaborado ainda no governo de Itamar275

, e o

avanço das privatizações por meio do II Plano Nacional de Desestatização (II PND).

Importante para os credores internacionais, o Plano Brady permitiu a renegociação

no mercado financeiro mundial de boa parte dos títulos da dívida externa que até então eram

considerados “podres” e com possibilidade de elevados ágios. Com esta renegociação o Brasil

foi obrigado a oferecer garantias aos detentores dos títulos da dívida externa de duas formas:

“pela contratação de novos empréstimos, e, sobretudo, pela imobilização de parte das reservas

do Banco Central”276 (BATISTA JR.; RANGEL, 1994, p. 16), diferenciando-se das

renegociações do México, Venezuela e Argentina, em que: “grande parte das garantias foi

financiada com recursos de fontes oficiais (FMI, Banco Mundial e outras)” (BATISTA JR.;

RANGEL, 1994, p. 21). Desta forma, estes últimos países renegociaram suas dívidas com um

custo menor. Além de atender os interesses dos credores internacionais, com essa

renegociação FHC ganhou a confiança da “comunidade financeira internacional” para apoiá-

lo na disputa presidencial277.

O Plano Real278, cujo êxito no combate à inflação mostrava-se central para projetar

FHC em sua campanha eleitoral, resultava de uma exigência internacional, dado que o afluxo

de capital financeiro que começaria a emergir principalmente na década de 1990 requereria,

para continuar seu movimento aos países periféricos, uma desregulamentação financeira e

275

“No primeiro governo, com a implementação do Plano Real, a lógica de valorização e a política econômica

do capital financeiro se impuseram de forma cabal – com a estabilização monetária apoiada na valorização

cambial e em taxas de juros elevadas, acompanhadas de desregulamentação e abertura comercial e financeira,

privatização e desregulação do mercado de trabalho –, dando continuidade ao programa de Collor”

(FILGUEIRAS, 2005, p. 13-14). 276

Apesar da retórica de que com a renegociação a dívida seria diminuída, o que se constatava era o contrário.

De acordo com Carcanholo (2003, p. 50), “o crescimento da dívida externa nos anos 90 é nítido, passando de um

total de US$ 115,5 bilhões em 1989 para US$ 241,2 bilhões dez anos depois, um aumento de quase 109% na

década. Os gastos com o serviço dessa dívida também mostraram um crescimento considerável de US$ 24

bilhões no final da década de 80 para US$ 62,8 bilhões ao término da década passada. Deve-se ressaltar,

entretanto, que o serviço da dívida externa experimentou certo recuo no início da década de 90, muito por causa

da renegociação da dívida externa nos moldes do Plano Brady encerrada em 1994. A partir desse momento, a

trajetória de crescimento do serviço da dívida acompanhou a elevação do endividamento do país”. 277

FHC em seu discurso no Senado Federal, após a conclusão da renegociação da dívida externa, declarou “que

estava „extremamente feliz com o fim do problema da dívida externa‟. Admitiu também que um dos

condicionantes do FMI era a vinculação direta do real ao dólar norte-americano, além do receituário tradicional

do Fundo: equilíbrio fiscal, austeridade monetária, superávit comercial e a agilização do programa de

privatizações” (BATISTA JR.; RANGEL, 1994, p. 5). 278

O Plano Real foi implementado em 3 fases, a saber: em primeiro lugar, o governo adotou um Programa de

Ação Imediata, o PAI, que foi um mecanismo de equilíbrio orçamentário, uma vez que o governo, com o fim da

inflação, teria dificuldades em fechar suas contas e criou o FSE (Fundo Social de Emergência) e a IPMF

(Imposto sobre Movimentação Financeira), sendo o FSE o responsável justamente por tirar recursos da área

social, garantidos pela constituição de 1988, para o governo manejar da maneira que quisesse. A segunda fase

consistiria na criação de um mecanismo original de transição, um índice único e obrigatório de indexação que

restituiria a função de unidade de conta da moeda, assim criou-se a URV. A terceira fase seria responsável pela

restauração das duas outras funções da moeda, ou seja, a de servir como meio de troca e reserva de valor, assim

ocorreria a transformação da URV em Real (OLIVEIRA, 1996). Para mais informações ver: Filgueiras (2006).

172

uma estabilidade econômica279. Planos econômicos de estabilização de preços foram bem

sucedidos em vários países que passaram por elevados processos inflacionários

principalmente na década de 1980. No Brasil não foi diferente280

.

Como na fase da internacionalização financeira a estabilidade econômica tornou-se

um pressuposto para que os países conseguissem atrair fluxos de capitais disponíveis no

mercado financeiro mundial, o Plano Real e o então Ministro da Fazenda contaram com o

apoio do FMI, das empresas multinacionais e das burguesias brasileiras. Estas últimas

manifestaram-se em um documento lançado pela Federação das Indústrias do Estado de São

Paulo (Fiesp), em 1990, intitulado “Livres para Crescer”, no qual sinalizava seus anseios de

também tirar vantagens dos ganhos da financeirização em detrimento do setor produtivo

industrial281

(FIESP, 1990).

Para manter a estabilidade do plano, adotou-se uma taxa de juros elevada para atrair

o capital financeiro internacional282

. Isso resultou em uma moeda nacional valorizada, de

modo que o governo tinha que realizar intervenções no mercado ofertando títulos da dívida

pública diariamente. A política econômica promovia, assim, uma excessiva emissão de títulos

remunerados a uma extraordinária taxa de juros que conduzia a um aumento considerável da

dívida pública brasileira. “O estoque de títulos públicos sob responsabilidade da União saltou

de R$ 62 bilhões no final de 1994 para um patamar superior a R$ 674 bilhões em agosto de

2002 (sendo mais de 1/3 deste total atrelado à variação cambial)” 283 (SAMPAIO JR., 2005, p.

279

Braga (1997, p. 199), referindo-se ao modelo, ressaltou que o mesmo defendia “a estabilização monetária, a

qualquer custo, em que se salientam a desindustrialização, a desnacionalização e a expansão de circuitos de

valorização patrimonial e financeira”. 280

Nas palavras de Furtado (1999, p. 29), “É sabido que essa nova política foi concebida nos Estados Unidos,

com a colaboração de técnicos do Fundo Monetário Interacional, o que explica que não se haja tido em conta as

peculiaridades do processo legislativo brasileiro, o qual está longe de ter o nível de racionalidade ao gosto dos

tecnocratas [...]. A estratégia desse órgão [FMI] baseia-se em uma compressão da demanda para aumentar a

capacidade de pagamento do serviço da dívida externa de mais longo prazo. A inovação está em que a recessão

deixa de ser vista como um mal para ser considerada o objetivo a ser perseguido”. 281

Para mais informações sobre as posições da FIESP na década de 1990, ver Deo (2005). 282

De acordo com Furtado (1999, p. 28-29), “como era de prever, a estabilidade de preços engendrou um grave

desequilíbrio na balança de pagamentos. À diferença do ocorrido no passado, quando se enfrentava esse tipo de

desequilíbrio manipulando o câmbio, desta vez, privilegiou-se a estabilidade de preços, buscando o

endividamento de curto prazo mediante a elevação exorbitante da taxa de juros. Essa política de juros altos

provocou uma redução dos investimentos produtivos e uma hipertrofia dos investimentos improdutivos. O país

começou a projetar a imagem de uma economia distorcida que se endividava no exterior para financiar o

crescimento do consumo e investimentos especulativos, alienando o patrimônio nacional mediante um programa

de privatizações [...]. A dimensão do passivo externo praticamente dobrou entre 1994 e 1998, passando de 35%

para 65% do PIB [...]. Isso significou a opção consciente pelo endividamento externo na estratégia de combate à

inflação”. 283

Para se ter uma ideia do montante que o Estado brasileiro destina para os compromissos da dívida pública, “a

peça orçamentária de 2013 reserva 900 bilhões de reais (correspondente a 42% do Orçamento Geral da União)

para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, enquanto estão previstos, por exemplo, 71,7 bilhões

para educação, 87,7 bilhões para a saúde, e 5 bilhões para a reforma agrária”. Disponível em:

http://www.brasildefato.com.br/node/10613.

173

299). Além do endividamento público interno, houve crescimento do endividamento externo,

porque o governo também era obrigado a contrair empréstimos por meio de pacotes do FMI,

principalmente quando havia algum abalo na Bolsa de Valores dos países ditos “emergentes”

e o especulador em títulos públicos ameaçava sair desse mercado284.

Basicamente, nesta forma de operar o Plano Real criava uma armadilha para o

crescimento econômico, visto que quando a economia crescia, elevavam-se ainda mais o

déficit comercial e o de transações correntes. Isso ocorria porque a moeda sobrevalorizada e a

abertura comercial285 rebatiam negativamente em uma das principais contas até então

superavitárias do governo – a balança comercial –, que passava a apresentar vultosos déficits

a partir de 1995. Como em um círculo vicioso, o déficit comercial afetava a conta de

transações correntes e o governo “resolvia” o problema com emissão de títulos da dívida

pública, que crescia exponencialmente para manter a moeda artificialmente valorizada e para

“fechar” o balanço de pagamentos.

Com o aumento da dependência e da vulnerabilidade externas do país, escancaradas

pelo Plano Real, pela possibilidade de os detentores da dívida pública realizarem seus ganhos

a qualquer momento e pelo aumento da instabilidade financeira mundial, o governo brasileiro

acirrou o processo de privatização, tido também como funcional para o suposto equilíbrio

fiscal defendido pela equipe econômica. O governo tentava com os leilões de desestatização

recompor as reservas cambiais a fim de manter o real valorizado286. A melhora do perfil da

dívida pública, a redução dos gastos do governo, o discurso da modernização do parque

produtivo do país e dos excessos da participação do Estado na economia287 eram evocados

284

“Essa permanente instabilidade – que acompanha o país desde a crise do México em dezembro de 1994 e que

se evidenciou sucessivamente e de forma cada vez mais crítica, nas crises da Ásia em 1997, da Rússia em 1998,

do próprio Brasil em 1999, da Argentina em 2001 e, de novo, do Brasil em 2002 – está associada a uma grande

dependência da dinâmica econômica brasileira para com o capital financeiro nacional e internacional, que se

alimenta das altas taxas de juros pagas pelos títulos das dívidas interna e externa” (FILGUEIRAS, 2006, p. 196). 285

De acordo com Carcanholo (2003, p. 50), “a estratégia de abertura, potencializada pelos efeitos da

sobrevalorização cambial da segunda metade da década [1990], levou a um processo de stop and go na trajetória

de crescimento do país. Qualquer melhora conjuntural que elevasse a renda nacional provocaria aumento da

demanda por importações, agravando o déficit em transações correntes e definindo a necessidade de reduzir esse

nível de renda. A variável-chave para isso sempre foi a taxa de juros que, mantida em níveis elevados, conseguiu

não só reduzir o nível de renda a patamares condizentes com a restrição externa, mas também manter o fluxo

positivo de capitais externos”. 286

É importante lembrar que FHC manteve o real valorizado até a sua reeleição e no primeiro mês de seu

segundo mandato já promoveu uma forte desvalorização da moeda na tentativa de reduzir os déficits em

transações correntes e a fuga de capitais foi minorada com empréstimos por parte do FMI e a exigência de metas

de inflação, câmbio flexível e superávit primário, o que ficou conhecido como tripé macroeconômico. 287

Esses argumentos estavam respaldados no relatório do Banco Mundial de 1991. De acordo com este

documento, “a estratégia de crescimento com base na proteção à indústria nascente teria levado à redução da

concorrência e à distorção de preços relativos, reduzindo o ritmo de crescimento do investimento e do aumento

da produtividade dessas economias. O documento se vê em dificuldades para explicar o sucesso asiático fundado

em altas doses de intervencionismo” (CARNEIRO, 2009, p. 18).

174

para justificar as privatizações. Tratou-se da defesa do “Estado mínimo e mercado livre” 288

(LESBAUPIN; MINEIRO, 2002, p. 29).

Apesar de todas as mudanças promovidas pelo governo FHC, com o argumento de

que o país então “emergente” saltaria para a categoria dos países desenvolvidos, os resultados

foram desastrosos ao fim de seu primeiro mandato. Filgueiras (2006, p. 175) os elencou da

seguinte maneira:

[...] elevadíssimo déficit na conta de transações correntes de 4,5% do PIB –

contra menos de 0,5% em 1994 –, apesar do baixo nível de atividade

econômica do país, isto é, uma redução do PIB de 0,12%. O seu “irmão

gêmeo”, o déficit público operacional de todo o setor público, atingiu, em

dezembro de 1998, a incrível marca de 7,71% do PIB, quando, em 1994,

apontava-se um superávit de 1,4%. O déficit público nominal, por sua vez,

passou de 7,2% do PIB, em 1995, para 8,2%, em 1998, apesar de a

estagnação econômica e a taxa de inflação terem ficado em torno de 1%,

superando, assim, a meta prevista para dezembro, no acordo com o FMI, de

8,1% do PIB.

Num ambiente com taxas de juros de quase 30% ao ano, a dívida líquida

total do setor público, que em 1994 situava-se em torno de R$ 153 bilhões –

correspondendo a 29,2% do PIB –, alcançou, em dezembro de 1998, mais de

R$ 388 bilhões, o que representou 42,6% do PIB.

O legado de FHC tornou-se ainda mais prejudicial pelas privatizações289, uma vez

que as receitas com os leilões das empresas estatais não amenizaram a dívida pública, muito

menos os déficits em transações correntes. Entre os motivos, certamente esteve o elevado

patamar das taxas de juros, que aumentava a dívida pública de maneira mais acelerada do que

as receitas com os leilões seriam capazes de cobrir. A maior parte dos gastos do governo FHC

foi destinada justamente para o pagamento dos serviços da dívida pública, em contínuo

crescimento. Deste modo, o Brasil desindustrializava-se290 enquanto o governo priorizava a

remuneração do rentismo, satisfazendo os anseios do capital internacional nesta fase da

internacionalização financeira.

288

Ressalta-se que a privatização estava entre os dez pontos elencados no Consenso de Washington, que foram:

“1) disciplina fiscal; 2) priorização dos gastos públicos; 3) reforma tributária; 4) liberalização financeira; 5)

regime cambial; 6) liberalização comercial; 7) investimento direto estrangeiro; 8) privatização; 9) desregulação;

e 10) propriedade intelectual” (BATISTA, 1994, p. 18). 289

“O processo de privatização realizado no primeiro governo FHC (1995-98) foi extraordinário, segundo

quaisquer padrões históricos, inclusive internacionais” (GONÇALVES, 1999, p. 142). 290

Para se ter uma ideia da desindustrialização brasileira, a China passou a ser o principal parceiro comercial do

Brasil e as exportações nacionais para o país asiático se tornaram predominantemente de produtos primários. Na

década de 1990 exportávamos 19,5% de produtos primários e 80,5% produtos industrializados; na década

seguinte, 1990, esses números mudaram para 68% de produtos primários e 32% de produtos industrializados; e

entre 2000 e 2008, 77,5% foram produtos primários e 22,5% produtos industrializados, sendo que destes últimos,

12,2% estão relacionados a produtos naturais (CANO, 2012).

175

3.1. As Mudanças dos Marcos Legais e dos Processos de Privatização

3.1.1. Governo Militar de João Figueiredo: Primeiras Medidas Privatizantes

No governo de Figueiredo foram implementados dois decretos com objetivos de

promover a desestatização: um em 1979 e outro em 1981291. Em seu primeiro ano de mandato,

o governo ditatorial de Figueiredo estabeleceu o Decreto no 83.740, de 18 de julho de 1979292,

que instituiu o Programa Nacional de Desburocratização (PND) para “simplificar e dinamizar

o funcionamento da administração pública”. O PND ficaria sob a direção do presidente da

República e foi criado um cargo de ministro extraordinário293 para “orientar e coordenar a

execução do Programa”. Dentre os objetivos contidos no decreto, destacavam-se:

Fortalecer o sistema de livre empresa, favorecendo a empresa pequena e

média, que constituem a matriz do sistema, e consolidando a grande empresa

privada nacional, para que ela se capacite, quando for o caso, a receber

encargos e atribuições que se encontram hoje sob a responsabilidade de

empresas do Estado;

Impedir o crescimento desnecessário da máquina administrativa federal,

mediante o estímulo à execução indireta, utilizando-se, sempre que

praticável, o contrato com empresas privadas capacitadas e o convênio com

órgãos estaduais e municipais; e

Velar pelo cumprimento da política de contenção da criação indiscriminada

de empresas públicas, promovendo o equacionamento dos casos em que for

possível e recomendável a transferência do controle para o setor privado,

respeitada a orientação do Governo na matéria (DECRETO 83.740, 1979,

n/p).

Após dois anos da vigência do Decreto no 83.740, o governo militar estabeleceu o

Decreto no 86.215, de 25 de julho de 1981294, que fixava “normas para a transferência,

transformação e desativação de empresas sob o controle do Governo Federal”. Esse decreto

constituía-se enquanto o “primeiro instrumento legal de normatização das privatizações no

Brasil”295 (ALMEIDA, 2010, p. 185) e aprimorava o decreto de 1979. O documento de 1981

considerava os argumentos abaixo para levar adiante o processo de desestatização:

291

“A privatização, como programa de governo se inicia, no Brasil, com o Decreto 86.215, de julho de 1981,

ainda no governo Figueiredo. Nos dez anos que vão até a posse de Collor, sempre houve um programa oficial em

curso. Formalmente apenas o Chile, na América Latina, iniciou antes a privatização” (PRADO, 1994, p. 89). 292

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-83740-18-julho-1979-433047-

publicacaooriginal-1-pe.html. 293

No governo FHC também foi criado um Ministério para levar adiante as privatizações, denominado

Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, tendo Bresser-Pereira à frente desse ministério

durante todo o seu primeiro mandato. 294

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-86215-25-julho-1981-435410-

publicacaooriginal-1-pe.html. 295

“Fica atribuído ao Ministro Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República (SEPLAN), ao

Ministro da Fazenda e ao Ministro Extraordinário para a Desburocratização o encargo de, sob a coordenação do

176

a) que, de acordo com o artigo 170 da Constituição, compete,

preferencialmente, às empresas privadas, com o estímulo e apoio do Estado,

organizar e explorar as atividades econômicas;

b) que são objetivos prioritários do Governo, enunciados no Decreto nº

83.740, de 18 de julho de 1979, que instituiu o Programa Nacional de

Desburocratização, o fortalecimento do sistema de livre empresa, a

consolidação da grande empresa privada nacional, a contenção da criação

indiscriminada de empresas estatais e, quando recomendável, a transferência

do seu controle para o setor privado;

c) o firme propósito do Governo de promover a privatização do controle de

empresas estatais, nos casos em que a manutenção desse controle se tenha

tornado desnecessária ou injustificável;

d) que essa transferência não se vem operando com a rapidez desejada, pela

ausência de uma clara definição das empresas enquadráveis e de normas que

definam os mecanismos e procedimentos de transferência, transformação ou

desativação;

e) que a política de privatização não deve alcançar nem enfraquecer as

empresas públicas cujo controle se considere intransferível, seja por motivo

de segurança nacional, seja pela necessidade de viabilizar o desenvolvimento

do próprio setor privado nacional, seja para assegurar o controle nacional do

processo de desenvolvimento (DECRETO 86.215, 1981, n/p).

Havia a exigência de que os adquirentes das empresas estatais passíveis de serem

privatizadas fossem cidadãos brasileiros residentes no país. Caso os compradores fossem

empresa ou grupo de empresas, estas deveriam estar sob controle nacional. Além disso, as

empresas privatizadas deveriam ser mantidas sob comando nacional tanto em seu capital

quanto em sua administração.

Segundo a tabela 35, em 1981 foram desnacionalizadas duas empresas estatais: i) a

Cia. Recôncavo Baiano, que atuava no setor químico e era controlada pela Petroquisa, cujas

ações foram adquiridas pela Salgema Indústria Química, por US$ 5 milhões; e ii) a Cia.

América Fabril, vinculada ao setor têxtil e administrada pela BNDESPar (sociedade gestora

de participações do BNDES). Esta empresa foi comprada pelo Sistema Cataguazes

Leopoldina (Multiplex S.A.) e o preço das ações adquiridas alcançou US$ 28,7 milhões

(CONSELHO..., [1985]).

primeiro, dirigir, supervisionar e acelerar o processo de transferência de controle, transformação ou desativação

de empresas controladas pelo Governo Federal, observadas as diretrizes, procedimentos e critérios de

enquadramento estabelecidos neste Decreto” (DECRETO 86.215, 1981, n/p).

177

Tabela 35

Privatizações em 1981 (em US$ milhões)

Empresa Privatizada Valor da Venda

Cia. América Fabril 28,7

Cia. Recôncavo Baiano 5,0

Total 33,7

Fonte: Conselho... [1985]. Elaboração própria.

As privatizações em 1982 somaram nove empresas, de acordo com a tabela 36,

totalizando US$ 124,3 milhões, o maior valor de todo o mandato de Figueiredo. A mais

expressiva daquele ano foi a venda de quatro empresas que atuavam no setor de celulose e

estavam sob o controle da BNDESPar: i) Riocell Administ. S.A. (holding); ii) Riocell (Trade

GMBH); iii) Rio Grande Cia. de Celulose do Sul; iv) Florestal Rio Cell. Elas foram vendidas,

conjuntamente, por US$ 77,5 milhões para a KIV Participações S.A. (sociedade constituída

pelos grupos Klabin, Iochpe e Votorantim).

Tabela 36

Privatizações em 1982 (em US$ milhões)

Empresa Privatizada Valor da Venda

Riocell Administ. S.A. (holding) 77,5

Riocell Trade GMBH

Rio Grande Cia. de Celulose do Sul

Florestal Rio Cell

Cia. Pernambuca de Borracha Sintética (Coperbo) 24,7

Fábrica de Tecidos Dona Isabel 16,8

Indústria Brasileira de Papel 3,2

Força e Luz Criciúma S.A. 2

Método Org. Plan. e Adm. De Sistemas Empresariais Ltda. 0,114

Total 124,314

Fonte: Conselho... [1985]. Elaboração própria.

A segunda maior privatização de 1982 foi a da Cia. Pernambucana de Borracha

Sintética (Coperbo). Ela era administrada pela Petroquisa e foi vendida para a Norquisa,

Conepar e Matanor, por US$ 24,7 milhões. Já a terceira maior venda correspondeu a Indústria

Brasileira de Papel. Essa empresa era controlada pelo governo federal e foi adquirida pelo

Bamerindus – Empresas Florestais, pelo preço de US$ 3,2 milhões.

Ainda de acordo com a tabela 36, a Fábrica de Tecidos Dona Isabel, que era

controlada pelo BC e foi adquirida pela Cia. Fluminense de Tecidos, por US$ 16,8 milhões,

representou a quarta maior privatização daquele ano. A quinta foi a Força e Luz Criciúma

S.A., que era controlada pela Sociedade Carbonífera Próspera, e acabou adquirida pela CESC

178

S.A. por US$ 2 milhões. A sexta maior privatização, por sua vez, resultou da venda da

Método Org. Plan. e Adm. de Sistemas Empresariais Ltda., por US$ 114,65 mil. A Método

era uma consultoria sob comando da DATAMEC (CONSELHO..., [1985]).

Em 1983 foram desestatizadas cinco empresas estatais, conforme tabela 37,

totalizando US$ 31,2 milhões.

Tabela 37

Privatizações em 1983 (em US$ milhões)

Empresa Privatizada Valor da Venda

Cia. Brasileira de Cimento Portland Perus 15,8

Estrada de Ferro Pirapora e Cibrape

Federal de Seguros S.A. 7,1

Nitriflix S.A. 5,3

Óleos de Palma S.A. 3,0

Total 31,2

Fonte: Conselho... [1985]. Elaboração própria.

A maior venda de 1983 correspondeu a um conjunto de empresas: a Cia. Brasileira

de Cimento Portland Perus; e a Estrada de Ferro Pirapora e Cibrape. Elas eram controladas

pelo governo federal e foram adquiridas conjuntamente pelo arrendatário Sérgio Stephano

Chohfi pelo valor de US$ 15,8 milhões. A segunda maior privatização em termos de valores

foi a da Federal de Seguros S.A., administrada pelo IAPAS, que teve como adquirente de suas

ações a Carmo Indústria e Comércio Ltda., por US$ 7,1 milhões.

De acordo com a tabela 37, a terceira mais expressiva privatização foi a da Nitriflix

S.A. Indústria e Comércio, que atuava no setor químico e era controlada pela Petroquisa. Ela

acabou comprada pelo ATAP S.A. Embalagens, que adquiriu 30% de suas ações por US$ 5,3

milhões. E a Óleos de Palma S.A. Agro Ind. Opalma, vinculada ao setor de óleos vegetais,

controlada pela CSN, foi a venda de menor vulto naquele ano, então comprada pela Usina

Paranaguá, por US$ 3 milhões (CONSELHO..., n/d).

Segundo a tabela 38, no ano de 1984 houve a privatização de quatro empresas, sendo

que nenhuma delas foi muito significativa em valores, totalizando no ano apenas US$ 301

mil.

179

Tabela 38

Privatizações em 1984 (em US$ milhões)

Empresa Privatizada Valor da Venda

Livraria José Olympio Editora S.A. 0,281

Encine Audiovisual S.A.

Sidacta S.A.

Fiação e Tecelagem Luftala 0,02

Total 0,301

Fonte: Conselho... [1985]. Elaboração própria.

A principal venda em 1984 foi a Livraria José Olympio Editora S.A. juntamente com

a venda da Encine Audiovisual S.A. e da Sidacta S.A., todas firmas relacionadas ao setor de

Editoração, sob controle da BNDESPar, que foram compradas por Henrique Sergio Gregori,

por US$ 281,21 mil. Também foi desestatizada naquele ano a Fiação e Tecelagem Luftala,

adquirida pelo Grupo Carettoni pelo valor de US$ 2 mil (CONSELHO..., [1985]).

Se analisadas pelo âmbito setorial, as desestatizações do governo ditatorial de

Figueiredo foram diversificadas e não apresentaram um setor prioritário. Houve desde

desestatização de editora, tecelagem a setor de celulose, papel e energia. Dentre os setores

privatizados, a maior arrecadação ocorreu no de celulose, com receita de US$ 77,5 milhões.

3.1.2. Governo Sarney: Fortalecimento Institucional das Privatizações

No primeiro ano de seu mandato, o então presidente da República, José Sarney,

promoveu o Decreto no 91.991, de 28 de novembro de 1985296, que dispunha sobre o processo

de privatização de empresas sob controle direto ou indireto do governo federal, com o

objetivo de aprimorar e acelerar o processo de privatização das empresas estatais. Segundo o

decreto, o Programa de Privatização englobaria “os processos de privatização de empresas sob

o controle direto ou indireto do governo federal e [compreenderia] indistintamente a abertura

do capital social, alienação de participações acionárias e desativação dessas empresas”

(DECRETO 91.991, 1985, n/p).

Também foi criado por meio do Decreto 91.991 o Conselho Interministerial de

Privatização (CIP)297, “com a finalidade de enquadrar os processos de privatização” e

296

Disponível em:

file:///C:/Users/User/Desktop/XYZ/DECRETO%20N%C2%BA%2091.991,%20DE%2028%20DE%20NOVEM

BRO%20DE%201985%20-%20Publica%C3%A7%C3%A3o%20Original%20-

%20Portal%20C%C3%A2mara%20dos%20Deputados.html. 297

O CIP era constituído “pelos Ministros de Estado, Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da

República, que o presidirá; Fazenda; Extraordinário para a Desburocratização; Indústria e do Comércio; e pelos

Ministros de Estado que tenham empresa vinculada à sua Pasta incluída no Programa de Privatização”

(DECRETO 91.991, 1985, n/p).

180

intensificar as desestatizações. No governo Sarney, à Secretaria de Planejamento caberia

fornecer todo o apoio técnico e administrativo e o BNDES se responsabilizaria por “cadastrar

empresas de reconhecida reputação e tradicional atuação em atividades de negociação de

capital e transferência de controle acionário”, ou seja, empresas para promoverem o processo

de avaliação econômico-financeira das estatais que seriam privatizadas. A seleção dessas

empresas privadas de assessoramento da desestatização ficaria a cargo do Ministro de Estado

ao qual a empresa a ser privatizada estivesse vinculada298. O decreto estabeleceu que as

privatizações deveriam se dar, sempre que possível, por venda das ações na Bolsa de Valores,

e foi retirada a exigência de manter a empresa sob controle nacional após sua desestatização.

De acordo com Prado (1994, p. 100, grifos do autor),

[...] o uso da Bolsa de Valores era já previsto no decreto de 1981, e foi

progressivamente incorporado até se tornar dominante no final dos anos

oitenta. Não se tratou, porém, de pulverização de ações como realizado na

Inglaterra e certos casos isolados latino-americanos. O leilão em Bolsa era a

etapa final de um processo de pré-qualificação, e dele só participavam

compradores aprovados. A diretriz de “capitalismo popular” nunca teve

muito apelo nesta etapa, refletindo não só a acentuada preocupação com o

perfil dos controladores que assumissem a empresa como as evidentes

dificuldades de popularizar com sucesso o capital desse tipo de empresa.

É importante ressaltar que a maior parte das empresas privatizadas entre 1987 e 1989

relacionava-se à nova estratégia da BNDESPar299. A diretriz era se desfazer das empresas e

das participações que haviam sido adquiridas entre 1982 e 1985 em função das dificuldades

financeiras dessas empresas que não conseguiram “pagar os financiamentos que obtiveram do

BNDES e/ou honrar avais e fianças concedidos pelo Banco [...] e que concentravam mais de

50% do volume de seus desembolsos no período 1982/85” (PRIVATIZAÇÃO..., 1992, n/p).

A partir de 1986, foi decidido que a BNDESPar adotasse medidas para privatizar essas

empresas.

298

Em novembro de 1986, com o Decreto no 93.606, foram promovidas algumas alterações em relação ao

Decreto de 1995, notadamente no que diz respeito à CIP, que seria a responsável pela contratação da empresa

privada para promover o assessoramento da privatização. Disponível em:

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-93606-21-novembro-1986-443812-

publicacaooriginal-1-pe.html. 299

“A BNDESPar foi constituída em julho de 1982, como sucessora das empresas Mecânica Brasileira S.A. –

Embramec, Financiamento e Participações de Insumos Básicos S.A. – Fibase e Investimentos Brasileiros S.A. –

Ibrasa, subsidiárias do BNDES criadas em 1975 no âmbito da política governamental para promover a

capitalização da empresa privada nacional” (PRIVATIZAÇÃO..., 1992, n/p).

181

Ainda sob a presidência de Sarney, foi aprovado o Decreto nº 95.886, de 29 de março

de 1988300, que dispunha sobre o Programa Federal de Desestatização e criava o Conselho

Federal de Desestatização301, sob controle dos ministérios, e que reservava um papel de maior

destaque ao BNDES302. Em seu artigo 1º estavam estabelecidas as metas do Programa:

I - transferir para a iniciativa privada atividades econômicas exploradas pelo

setor público;

II - concorrer para diminuição do déficit público;

III - propiciar a conversão de parte da dívida externa do setor público federal

em investimentos de risco, resguardado o interesse nacional;

IV - dinamizar o mercado de títulos e valores mobiliários;

V - promover a disseminação da propriedade do capital das empresas;

VI - estimular os mecanismos competitivos de mercado mediante a

desregulamentação da atividade econômica;

VII - proceder à execução indireta de serviços públicos por meio de

concessão ou permissão;

VIII - promover a privatização de atividades econômicas exploradas, com

exclusividade, por empresas estatais, ressalvados os monopólios

constitucionais (DECRETO 95.886, 1988, n/p).

O decreto era uma tentativa de melhorar os aspectos institucionais e operacionais dos

processos de privatização. Estabeleceu-se nesse decreto que as empresas objeto de

privatização seriam precedidas de ajustamentos de natureza operacional, financeira, contábil

ou legal.

Em 1986 foi privatizada apenas uma empresa, a Cia. Melhoramentos Blumenau –

Grande Hotel Blumenau, que era de propriedade do governo federal e foi adquirida pela

300

Disponível em:

file:///C:/Users/User/Desktop/XYZ/Decreto%20n%C2%BA%2095.886,%20de%2029%20de%20Mar%C3%A7o

%20de%201988%20-%20Publica%C3%A7%C3%A3o%20Original%20-

%20Portal%20C%C3%A2mara%20dos%20Deputados.htm. 301

“Art. 5º. O Conselho Federal de Desestatização será integrado pelos seguintes membros:

I - Ministro Chefe da SEPLAN, que será seu Presidente;

II - Ministro da Fazenda, que substituirá o Presidente em suas faltas ou impedimentos;

III - Ministro da Indústria e do Comércio;

IV - Ministro do Trabalho;

V - representante dos trabalhadores; e

VI - representante dos empresários.

§ 1º Participarão das reuniões do Conselho:

a) com direito a voto, o Ministro cuja área de competência se relacione a matéria em pauta;

b) sem direito a voto, o Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES e o

Presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.

§ 2º Os representantes classistas (itens V e VI) serão nomeados pelo Presidente da República, mediante

indicação das respectivas categorias, por intermédio do Ministro Chefe da SEPLAN.

§ 3º O Presidente terá, além do voto ordinário, o de qualidade” (DECRETO 95.886, 1988, n/p). 302

“Explicita-se agora a posição do BNDES como agente operacional do processo, respondendo inclusive pelas

suas despesas operacionais, e ampliam-se as atribuições das empresas de consultoria. Ainda assim, o modelo de

1988 mantém claramente o controle das vendas nas mãos do burocrata ministerial, através dos Grupos de

Trabalho” (PRADO, 1994, p. 93).

182

empresa Comercial Claudio Gaertner S.A., pelo valor de US$ 420 mil (CONSELHO..., 1990).

No ano de 1987, por sua vez, ocorreu a privatização de seis empresas estatais, conforme

tabela 39, alcançando uma arrecadação de US$ 34,8 milhões.

Tabela 39

Privatizações em 1987 (em US$ milhões)

Empresa Privatizada Valor da Venda

Cia. de Tecidos Nova América 15,8

Siderúrgica Nossa Senhora Aparecida 12,9

Engematic 3,8

Máquinas Piratininga do Nordeste S.A. 1,4

Fermag 0,853

Máquinas Piratininga S.A. 0,106

Total 34,859

Fonte: Conselho... (1990). Elaboração própria.

A maior venda em 1987 foi a da Cia. de Tecidos Nova América, que era comandada

pela BNDESPar, e foi comprada por Multifabril S.A. (Grupo Cataguazes-Leopoldina), pelo

valor de US$ 15,8 milhões. Já a segunda mais importante privatização correspondeu a da

Siderúrgica Nossa Senhora Aparecida, controlada pela BNDESPar, que foi comprada por

Villares Indústria de Base S.A. (VIBASA), por US$ 12,9 milhões.

Ainda de acordo com a tabela 39, a Engenharia Hidráulica e Instrumentos S.A.

(ENGEMATIC), sob controle da Embraer, foi a terceira maior venda daquele ano, tendo sido

adquirida pela Enginstrel Instrumentos Elétricos, por US$ 3,8 milhões. Em seguida, em

termos de valor, ocorreu a venda da Máquinas Piratininga do Nordeste S.A., do setor de bens

de capital e controlada pelo BNDESPar, que foi adquirida pela Cia. de Cimento Portland

Poty, por US$ 1,4 milhão.

A quinta mais significativa venda do Estado em 1987, por seu turno, foi a da Ferritas

Magnéticas S.A. (Fermag), controlada pela CVRD, que foi arrematada pela Araldi

Participações S.A., pelo valor de US$ 853,2 mil. E, por fim, a privatização da Máquinas

Piratininga S.A., também de bens de capital, que correspondeu a uma arrecadação de US$ 106

mil. Ela também era controlada pela BNDESPar e foi arrematada pela Wyppertal Indústria de

Máquinas Ltda. (CONSELHO..., 1990).

Em 1988, de acordo com a tabela 40, foram desestatizadas mais seis empresas, com

destaque para a venda da Aracruz Celulose S.A., controlada pela BNDESPar, que foi

adquirida por Albatroz S.A. por US$ 133,8 milhões e por 7.860 novos acionistas que pagaram

183

US$ 21 milhões em leilão realizado no início de 1989. Esta empresa teve suas ações sobrantes

compradas por vários novos acionistas por US$ 1,4 milhão.

Tabela 40

Privatizações em 1988 (em US$ milhões)

Empresa Privatizada Valor da Venda

Aracruz Celulose S.A. 156,2

Caraíba Metais S.A. 87,1

Cepalg 72,7

Cimetal Siderúrgica S.A. 59,0

Sibra 47,6

Cosin 4,1

Total 426,7

Fonte: Conselho... (1990). Elaboração própria.

Conforme a tabela 40, o total de privatizações em 1988 atingiu US$ 426,7 milhões, o

volume mais expressivo de todo o mandato de Sarney. Depois da Aracruz, em valor, a mais

importante privatização foi a da Caraíba Metais S.A. Esta empresa estava sob direção da

BNDESPar e foi comprada por uma Associação constituída por S.A. Marvin, Cia. Paraibuna

de Metais e Banco da Bahia Investimentos S.A., por US$ 87,1 milhões.

A terceira maior desestatização daquele ano foi a da Cia. Guatapará de Celulose e

Papel (Cepalg), administrada pela BNDESPar. Ela foi arrematada por Indústrias Votorantim

S.A. pelo valor de US$ 72,7 milhões. A quarta mais significativa venda do Estado, por sua

vez, correspondeu a da Cimetal Siderúrgica S.A. Até então sob administração da BNDESPar,

esta empresa foi vendida em leilão para três grupos de acionistas: o Grupo Gerdau

desembolsou US$ 37,5 milhões, o Grupo Inonibras pagou US$ 11,2 milhões, e “outros”303,

US$ 10,3 milhões.

Segundo a tabela 40, em quinto lugar, esteve a venda da Eletrosiderúrgica Brasileira

S.A. (SIBRA), que atuava no setor de ferro-ligas. Ela era controlada pela BNDESPar e foi

vendida em três fases, sendo comprada por Ferro Ligas do Norte S.A., que desembolsou US$

29 milhões, NKK/Marubeni Corporation, que pagou US$ 5,4 milhões, e “diversos”304, que

arremataram suas ações por US$ 13,2 milhões. Por último naquele ano em valor esteve a

venda da Cia. Siderúrgica de Mogi das Cruzes (Cosin), que atuava na área de tubos.

303

Nos relatórios do BNDES não constam informações sobre quem seriam os acionistas enquadrados sob

denominação “outros”. A regra da Bolsa de Valores é que acionistas com menos de 5% do capital não são

obrigados a revelar seus nomes. 304

Nos relatórios do BNDES não constam informações sobre quem seriam os acionistas enquadrados sob

denominação “diversos”.

184

Controlada pela Siderbrás, ela foi adquirida por JSD Comercial Ltda. (Duferco), pelo valor de

US$ 4,1 milhões (CONSELHO..., 1990).

No último ano do mandato, Sarney reduziu o volume de privatizações para quatro

empresas, que totalizaram uma arrecadação de US$ 84 milhões (tabela 41).

Tabela 41

Privatizações em 1989 (em US$ milhões)

Empresa Privatizada Valor da Venda

Usina Siderúrgica da Bahia 54,2

Cia. Celulose da Bahia 14,4

Cia. de Ferro e Aço de Vitória 8,2

Cia. Brasileira de Cobre 7,2

Total 84,0

Fonte: Conselho... (1990). Elaboração própria.

A mais importante privatização em 1989 foi a da Usina Siderúrgica da Bahia

(Usiba), controlada pela Siderbrás. Ela foi adquirida por Troncosul Administração e

Participações Ltda. (Grupo Gerdau), pelo montante de US$ 54,2 milhões. Em seguida, esteve

a venda da Cia. Celulose da Bahia, que era controlada pela BNDESPar e foi adquirida pelo

Grupo Klabin, por US$ 14,4 milhões.

Ainda de acordo com a tabela 41, a terceira desestatização mais importante de 1989

foi a da Cia. de Ferro e Aço de Vitória (Cofavi), ligada ao setor de siderurgia e administrada

pela Siderbrás. Ela teve suas ações compradas pelo Duferco Trading S.A., pelo valor de US$

8,2 milhões. Já a Cia. Brasileira de Cobre, do setor de mineração e administrada pela

BNDESPar, representou a quarta privatização em valor, tendo sido vendida para o Grupo

Bom Jardim S.A. (empregados da empresa), por US$ 7,2 milhões (CONSELHO..., 1990).

Apesar dos incentivos estabelecidos pelo decreto, as privatizações no governo Sarney

não alcançaram um número elevado e entre 1985 e 1989 chegaram a um valor de venda em

torno de US$ 550 milhões. Assim como o governo de Figueiredo, em termos setoriais, o

governo Sarney teve foco na desestatização de celulose e papel, sendo a Aracruz Celulose a

sua maior privatização, alcançando US$ 133,8 milhões. Além disso, realizou a venda de

outros ramos importantes, como bens de capital e siderurgia.

185

3.1.3. Governo Collor: Adesão ao “Consenso de Washington” e as Privatizações

do SPE

O processo de privatização das empresas estatais brasileiras sofreu um acirramento

na década de 1990. Isso fazia parte da nova estratégia de acumulação de capital no país com a

internacionalização financeira, a produção flexível e os IDEs se destinando cada vez mais

para o mercado asiático. O Brasil, nesse contexto, deixava de ser um país receptor de grandes

IDEs que montavam plantas produtivas completas para a produção de mercadorias com alto

valor agregado, como no período da internacionalização produtiva.

Com essas mudanças estruturais, a infraestrutura proporcionada pelas empresas

estatais para a instalação das empresas multinacionais no país deixava de ser necessária e as

estatais passavam a ser de interesse dos capitais privados principalmente pelo seu potencial de

rentabilidade com a exploração de recursos naturais, como mineração e siderurgia, além de

concessões de ferrovias, portos e telecomunicações, entre outros setores essenciais. Com isso,

o governo promoveu o desendividamento das empresas estatais, sua modernização e o

reajuste de seus bens e serviços, processo inverso ao realizado na década de 1980, para deixá-

las ainda mais atrativas aos investimentos privados. Além disso, o governo financiou, muitas

vezes, a compra dessas estatais com recursos do BNDES, tendo o banco também liberado

recursos para financiamento dos investimentos após a desestatização.

As privatizações no Brasil acentuaram-se com o governo Collor a partir da criação

do I PND, por meio da Lei no 8.031, de 12 de abril de 1990305, que tinha o objetivo de

promover a privatização das empresas estatais notadamente as relacionadas ao SPE. Em seu

artigo 1º, o I PND já deixava manifesto o seu propósito de transferir para a iniciativa privada

as empresas estatais de modo a diminuir a presença do Estado na economia e a sua atuação no

pretendido equilíbrio das finanças públicas306:

Art. 1º É instituído o Programa Nacional de Desestatização, com os

seguintes objetivos fundamentais:

I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à

iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público;

II - contribuir para a redução da dívida pública, concorrendo para o

saneamento das finanças do setor público;

III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que

vierem a ser transferidas à iniciativa privada;

305

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1990/lei-8031-12-abril-1990-375980-

publicacaooriginal-1-pl.html. 306

Para Prado (1994, p. 100), “a agenda básica assumida pelo programa de Collor é exatamente, com alterações

pequenas, aquela já proposta no „Plano Verão‟ (janeiro de 1989) e no „Plano de Emergência‟ (agosto de 1989).

Em grande parte, os elementos centrais do programa Collor estavam dados ou esboçados já em 1988-1989.

Faltava força política para implementar, o que não faltará, pelo menos inicialmente, ao novo Presidente eleito”.

186

IV - contribuir para modernização do parque industrial do País, ampliando

sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos

setores da economia;

V - permitir que a administração pública concentre seus esforços nas

atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução

das prioridades nacionais;

VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do

acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da

propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa (LEI 8.031,

1990, n/p).

No processo de privatização do governo Collor, o BNDES teve um papel central307,

uma vez que ficou responsável por sugerir ao presidente da República quais empresas

poderiam ser desestatizadas, além de coordenar, supervisionar e fiscalizar a consumação do I

PND. A partir das sugestões da Comissão Diretora do PND308, o presidente da República, por

meio de decreto, estabelecia as empresas que deveriam ser privatizadas (PROGRAMA...,

1992). No artigo 6º da Lei 8.031, referente às competências da Comissão Diretora, havia o

parágrafo VI que ressaltava a necessidade de “aprovar ajustes de natureza operacional,

contábil ou jurídica, bem como o saneamento financeiro de empresas que [fossem]

necessários à implantação dos processos de alienação” (Lei 8.031, 1990, n/p). Isso garantiu

que antes de promover as privatizações as empresas fossem sanadas financeiramente309 e

modernizadas.

Para estipular o preço mínimo de venda das empresas que seriam objeto de

privatização, eram contratadas por meio de licitação duas empresas privadas que se

responsabilizavam pela avaliação econômico-financeira das empresas estatais, sugerindo seu

preço mínimo de venda. Uma terceira empresa fazia a auditoria do processo de privatização.

Essa situação foi descrita no relatório de atividades de 1991 como “privatizando-se o processo

307

“O processo de venda adotado pelo BNDES, cegamente controlado pelo mercado, impede que o governo

tenha qualquer controle sobre o „day after‟ da privatização, ou seja, sobre a atuação dos novos proprietários na

gestão dos setores. Em outros países, como México e Argentina, a privatização é negociada previamente a partir

de propostas integradas de preço e compromissos de inversão futura, cabendo à burocracia governamental

selecionar as propostas que sejam tidas como mais adequadas” (PRADO, 1994, p. 150). 308

A Comissão Diretora do PND era um “órgão de deliberação colegiada composto de oito a doze membros

efetivos e igual número de suplentes, nomeados pelo Presidente da República; e o BNDES, como instituição

gestora do FND, com a responsabilidade de supervisionar o trabalho dos consultores privados e de efetivar o

processo de desestatização. O presidente do BNDES é o presidente da Comissão Diretora, onde tem voto de

qualidade” (PROGRAMA..., 1992, p. 5). 309

Tanto foi assim que o setor siderúrgico (que junto com os setores elétricos e de transporte somavam 50% da

dívida externa brasileira em 1986), o primeiro a ser privatizado, teve “a transferência da maior parte da dívida

para a „holding‟. Com a extinção da Siderbrás no governo Collor, a transferência definitiva da dívida para o

Tesouro se completa” (PRADO, 1994, p. 104).

187

de privatização”310 (PROGRAMA..., 1992, p. 17), dando a entender a seriedade e a suposta

lisura do procedimento por se tratar de uma análise comandada por empresas privadas311. Isso

fazia parte do discurso neoliberal de qualificar o Estado enquanto incapaz de realizar tais

processos, em contraposição às potencialidades da iniciativa privada e das leis de mercado, as

quais o Estado criaria distorções. Todavia, não entrava nesses cálculos do preço de venda das

empresas estatais a posição estratégica que elas desempenhavam e que poderiam desempenhar

no país, muito menos a possibilidade real de ganhos futuros com a exploração de recursos

naturais.

Nas primeiras privatizações do governo Collor, no ano de 1991, chamava a atenção o

alto volume de medidas judiciais, no total 27, que denunciavam as incorreções nos processos,

dentre as quais estavam:

- Uso de moedas “não autorizadas”

- Conversão de títulos da dívida interna pelo valor de face

- Venda com desconto para empregados

- “Ilegalidades” no Edital

- Subavaliação

- Não recuperação dos recursos públicos

- Benefícios para a Nippon Usiminas (USIMINAS)

- Transferência de monopólio (PROGRAMA..., 1992, p. 37).

A venda das empresas estatais era feita principalmente por meio de leilões na Bolsa

de Valores312. Uma menor parte das ações das empresas, em torno de 10%, se destinavam aos

funcionários ativos e aposentados das estatais. Essas ações não eram vendidas por intermédio

310

“Uma dessas firmas executava o chamado Serviço A, que compreende a avaliação econômico-financeira da

empresa e a proposição do preço mínimo de venda. A segunda, responsável pelo Serviço B, realiza o mesmo

trabalho e atua também em todo o processo como agente de desestatização, desse modo „privatizando-se o

processo de privatização‟.

O Serviço B inclui os seguintes tipos de serviços técnicos:

- Avaliação econômico-financeira e patrimonial da empresa

- Montagem e execução do processo de desestatização

- Proposta de sistemática para alienação de ações

- Atuação junto ao mercado de capitais

- Preparação de informações a terceiros

- Acompanhamento e assessoramento do procedimento de venda

- Auditoria especial da empresa” (PROGRAMA..., 1992, p. 17). 311

Nem por isso deixaram de haver inúmeras denúncias de irregularidades no processo de privatização e nos

valores estimados para a alienação das ações. Entre 1991 e 1992 foram interpostos 90 procedimentos judiciais

contra as privatizações: 11 ações civis públicas; 3 ações ordinárias; 21 ações populares; 2 interpelações judiciais;

13 mandados de segurança; 36 medidas cautelares e 4 outras medidas (PROGRAMA..., 1993). 312

“Todos os leilões são realizados no âmbito do Sistema Eletrônico de Negociação Nacional – SENN, criado

pela Comissão Nacional de Bolsas de Valores – CNBV, que abrange todo território nacional, através de nove

Bolsas de Valores (A Bolsa de Valores de São Paulo não integra a SENN, embora as corretoras a ela associadas

possam participar do Sistema)” (PROGRAMA..., 1992, p. 37).

188

de leilões, apenas seriam leiloadas se não fossem adquiridas em sua totalidade pelos

funcionários e aposentados.

A Lei 8.031 estabeleceu ainda um limite para a participação do capital estrangeiro

nos leilões de 40% e determinou uma participação máxima, em caráter excepcional, de 15%

para a compra de ações de uma empresa estatal por outra estatal. Não havia no documento a

preocupação com uma reestruturação produtiva do país no sentido de fortalecê-lo ante a nova

divisão internacional do trabalho. Para Prado (1994, p. 101, grifos do autor), “a construção de

um processo de privatização radicalmente subordinado a ajustes fiscal e patrimonial de curto

prazo exigiu não somente desconsiderar como bloquear de todas as formas a introdução de

objetivos e prioridades derivados de políticas de reestruturação produtiva”.

No primeiro relatório do I PND do governo Collor, em 1991, era sinalizado que

seriam seguidas as diretrizes estabelecidas pela Lei no 8.031, de 12 de abril de 1990, que iam

ao encontro das propostas de privatizações estabelecidas pelo Consenso de Washington, cujo

objetivo era o aprofundamento das políticas neoliberais no país. Era reconhecido também no

relatório que as empresas haviam sido criadas pelo Estado principalmente “por se tratar de

empreendimentos de longo prazo de maturação [e] por desinteresse do setor privado, face à

baixa atratividade esperada ou regulamentação inadequada” (PROGRAMA..., 1992, p. 2).

Além disso, se ressaltava que houve “empresas que se tornaram estatais em função da

intervenção governamental para evitar sua falência” (PROGRAMA..., 1992, p. 2) e outras que

foram adquiridas da iniciativa privada313

.

Para o governo, “a intervenção estatal no setor produtivo da economia tornou-se

desaconselhável [porque] deixou de haver razão para que as empresas criadas como

empreendimentos privados, sem nenhuma conexão específica com atividades essenciais do

governo, continuassem sob controle estatal” (PROGRAMA..., 1992, p. 2). Ainda, para a

equipe econômica, os fundamentos que tentavam justificar a “intervenção estatal no setor

produtivo foram esvaziados devido não só à maturidade já alcançada por setores não mais

considerados estratégicos, como também pela situação crítica das finanças governamentais,

que erodiu a capacidade de poupança do setor público” (PROGRAMA..., 1992, p. 2).

O processo de desestatização do governo Collor iniciou-se pelas empresas estatais

ligadas ao setor produtivo, sobretudo as relacionadas à infraestrutura314. O argumento do

presidente, preso à retórica neoliberal de que o Estado só deveria investir em empresas e 313 Isso mostrava muitas vezes que o setor privado não era tão eficiente quanto o discurso privatizante anunciava. 314

“A fase inicial de desestatização das empresas governamentais não estratégicas será seguida pela

desestatização da infraestrutura e dos serviços públicos, que necessita de atenção especial, consideradas suas

características, em muitos casos, de um monopólio natural” (PROGRAMA..., 1992, p. 3).

189

setores infantes e/ou que não fossem do interesse do capital privado, o levava a direcionar as

suas atenções para aquilo que ele entendia como “atividades essenciais”. De maneira vaga, no

relatório, as atividades consideradas estratégicas e de responsabilidade direta do governo se

relacionavam à “educação, saúde, bem-estar social e qualidade de vida” (PROGRAMA...,

1992, p. 2). Essas atividades não diziam respeito ao setor produtivo, ou seja, as empresas

estatais do setor produtivo não eram mais vistas como estratégicas e importantes para o

Estado brasileiro.

No relatório, o eixo central do programa de desestatização correspondia à defesa da

iniciativa privada. Como se as empresas estatais brasileiras não tivessem, em geral, sua

constituição e sua gestão voltadas a atender as necessidades das empresas privadas, o

argumento sustentava que, “com a venda das empresas estatais ao setor privado, sua gestão

[passaria] a ser realizada visando-se essencialmente a eficiência econômica” (PROGRAMA...,

1992, p. 3). Ainda que se reconhecesse que na década de 1980 o desempenho de grande parte

das empresas estatais havia sido “prejudicado por diretrizes governamentais geradoras, entre

outras distorções, de endividamento externo excessivo, defasagem de preços e aquisições

compulsórias de títulos governamentais” (PROGRAMA..., 1992, p. 3), o governo não

mostrava quais seriam os verdadeiros motivos dessas medidas sobre as empresas estatais

durante a década de 1980. Ou seja, não assumia que o endividamento das empresas privadas

era para que repassassem bens e serviços a preços baixos às multinacionais, com o argumento

de conter a inflação.

Assim, a equipe econômica defendia que a venda das empresas estatais promoveria

tanto a eficiência em sua gestão quanto o fortalecimento econômico do país. O governo

inclusive se comprometeria a promover “o desenvolvimento de uma política de fixação de

preços adequada à atração do capital privado” (PROGRAMA..., 1992, p. 3). Isso significava

na prática que, enquanto estatais, a política de preço do SPE era orientada para subvencionar

os lucros do setor privado, mantendo os preços de seus bens e serviços abaixo da inflação, e

quando privatizadas, essas empresas continuariam a prover os lucros privados, só que a partir

de então com aumento expressivo de seus preços, até mesmo acima da inflação.

O conjunto de empresas estatais inclusas no PND de 1991 envolvia os setores de

siderurgia, petroquímica e fertilizantes, porque estes eram considerados pela Constituição

como “áreas livres”315, ou seja, passíveis de serem transferidos para o setor privado:

315

As divisões se davam da seguinte maneira:

“1) Áreas de Monopólio: prospecção, refino e transporte de petróleo e gás natural: PETROBRÁS;

190

a) vinte empresas controladas direta ou indiretamente pelo Governo Federal,

pertencentes aos setores de siderurgia, fertilizantes e petroquímica,

principalmente;

b) trinta participações acionárias minoritárias da PETROQUISA, os polos

petroquímicos de Cubatão (SP), Camaçari (BA) e Triunfo (RS), além de

unidades localizadas em Alagoas, Pernambuco e Rio de Janeiro;

c) duas participações acionárias minoritárias da PETROFÉRTIL

(PROGRAMA..., 1992, p. 11).

Entre as privatizações efetuadas até 31 de dezembro de 1991 de empresas cujas ações

eram de propriedade governamental estavam quatro (tabela 42):

Tabela 42

Privatizações em 1991 (em US$ milhões)

Empresa privatizada Valor da venda

Usiminas 1.112,40

Celma 90,7

Mafersa 48,4

Cosinor 13,7

Total 1.265,20

Fonte: PROGRAMA... (1992). Elaboração própria.

O valor total arrecadado com as privatizações no ano de 1991 foi de US$ 1,26 bilhão.

Nota-se a grande importância da venda da Usiminas, por US$ 1,1 bilhão316, ou seja, ela

respondeu por quase todo o montante das privatizações daquele ano. No relatório de

atividades de 1991 era reconhecida a importância e a capacidade produtiva da Usiminas,

“considerada uma das mais eficientes em termos mundiais” (PROGRAMA..., 1992, p. 49) e

que teve incorporada antes de sua privatização a Usiminas Mecânica S.A. (UNIMEC). O

início das privatizações em 1991 pela Usiminas foi entendido por Prado (1994, p. 133, grifos

do autor) da seguinte forma: “A escolha de uma grande empresa lucrativa e atraente ao

investidor privado [maximizava] as chances de sucesso e [atuava] como „rolo compressor‟

sobre a oposição política. [Envolvia] por outro lado o risco inerente do „tudo ou nada‟”.

2) Áreas de Concessão Estatal: serviços públicos que podem ser realizados por concessão exclusivamente

empresa de capital estatal. Serviços telefônicos, telegráficos e de transmissão de dados: TELEBRÁS;

3) Áreas de Livre Concessão: serviços públicos que podem ser realizados sob concessão a agentes privados:

energia elétrica: ELETROBRÁS, portos: PORTOBRÁS, ferrovias: RFFSA, águas e esgotos, infraestrutura

aeroportuária e rodovias interestaduais; e

4) Área livre: demais empresas industriais e de serviços em geral: SIDERURGIA, PETROQUÍMICA,

MINERAÇÃO e outros” (PRADO, 1994, p. 102, grifos do autor). 316

O preço da Usiminas chegou a quase US$ 1,5 bilhão, em razão de venda posterior de ações remanescentes

(PROGRAMA..., 1994).

191

Antes do leilão, as ações da Usiminas dividiam-se entre: Siderbrás/BNDES (85,3%),

BNDES/opções minoritárias (9,4%), Nippon-Usiminas (5,0%) e outros acionistas antigos

(0,3%). Ao término do processo de alienação317, o controle acionário da Usiminas ficou

distribuído conforme ilustra o gráfico 12:

Fonte: PROGRAMA... (1993). Elaboração própria.

No gráfico 12 observa-se a importante fatia da composição do capital da Usiminas

após a privatização nas mãos de instituições financeiras. Somando os 15% do fundo de pensão

do Banco do Brasil (Previ) com o total adquirido por outras instituições financeiras de 14,5%,

mais a participação do Bozano, Simonsen de 7,6%, do Banco Econômico, de 5,7%, e ainda a

fatia de outras entidades de previdência privada, de 3,4%, chegava-se a uma participação das

instituições financeiras em geral de 46,2% dos negócios.

A Usiminas foi só o começo da participação do Bozano, Simonsen nas privatizações

dos anos 1990. Posteriormente, ele entrará no capital de outras empresas desestatizadas, como

Embraer, Escelsa e CST. O banco tinha entre seus sócios Júlio Bozano e o ex-ministro do

317

“Considera-se privatização a alienação, pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de

outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da

sociedade” (Lei 8.031, 1990).

15%

15%

14%

14%

10%

8%

8%

6%

4% 3% 2%

1% 0%

Gráfico 12. Composição Acionária da Usiminas Após a Privatização

Previ (15%)

CVRD (14,7%)

Outras instituições financeiras(14,5%)

Nippon-Usiminas (13,8%)

Empregados (10%)

Fundação Vale (7,7%)

Bozano Simonsen (7,6%)

Banco Econômico (5,7%)

Distribuidores de Aço (4,4%)

Outras entidades deprevidência privada (3,4%)

Outros acionistas adquirentes(2,3%)

BNDES/opção minoritários(0,6%)

Outros acionistas antigos(0,3%)

192

planejamento do governo João Figueiredo, ex-ministro da Fazenda do governo Ernesto Geisel

e ex-presidente do Banco Central no governo Castelo Branco, Mario Henrique Simonsen318

.

A privatização da Usiminas também mostrou o aumento da presença de capital

estrangeiro, especialmente o japonês, a partir da Nippon319

-Usiminas, que passou a deter uma

fatia de 13,8% na nova composição acionária. A desnacionalização da empresa, no entanto,

não ocorria apenas por meio da participação acionária de estrangeiros como também por

contratos internacionais de compra de tecnologia, que foram firmados ao longo dos anos

subsequentes à sua venda. Em 1993, por exemplo, a Usiminas iniciou investimentos na

reforma e substituição de equipamentos que até 1995 somariam US$ 78 milhões, com

compras provenientes principalmente de empresas japonesas (AUMENTAM..., 06/08/1993,

p. 21). Também em 1993, assinou contrato com a Toshiba Corporation Ltda. para projeto,

fabricação e instalação de novo sistema de acionamento do laminador a quente da siderúrgica

(USIMINAS..., 27, 28 e 29/11/1993, p. 30). Em 1995 acordou com trading japonesa Mitsui &

Co. uma compra de equipamentos (USIMINAS..., 13, 14 e 15/10/1995, p. C2). E em 1998

realizou os trabalhos de montagem de uma nova unidade de laminação de tiras de aço a frio,

com a norte-americana Rockwell (que forneceria o pacote elétrico, que incluía equipamentos

para automatização) e a francesa Kvaerner Metals (venda e montagem da parte mecânica)

(NOVA..., 31/03/1998, p. C3).

Os contratos com fornecedores internacionais recebiam financiamento do governo.

Para sua modernização depois de privatizada, a Usiminas recorria, em grande parte, a recursos

públicos como os do Finep e do BNDES. Em junho de 1994, a Usiminas e o Ministério da

Ciência e Tecnologia assinaram uma portaria que concedeu incentivos fiscais ao programa de

desenvolvimento tecnológico da siderúrgica (APROVAÇÃO..., 10, 11 e 12/06/1994, p. 10).

Em 1997, o BNDES concedeu um financiamento de R$ 500 milhões a Usiminas para

fomentar melhorias tecnológicas e de modernização do seu parque fabril. Os recursos tinham

como foco a unidade industrial de Ipatinga, cujos investimentos totais chegariam a R$ 1

bilhão (STF..., 23/04/1997, p. B1).

A sua privatização também se mostrou representativa de um processo de

concentração e centralização de capitais do setor siderúrgico no Brasil, que seria ampliado

com as aquisições que seus novos controladores fariam no país anos depois. Entre elas,

318

Para se ter uma ideia do tamanho que o banco atingiria com as privatizações, em 1996 ele já atuava em 40

empresas, desde setor agrícola, como café e laranja, à infraestrutura como energia, siderurgia, além da área

mineral, de fertilizantes e imobiliária (GRUPO..., 25/04/1996, p. C1). 319

Nippon Steel Corp. é uma multinacional japonesa, maior produtora mundial de aço líquido (A USIMINAS...,

08/09/1997, p. A1 e C4).

193

ressalta-se a compra da Cosipa em setembro de 1993. Esta negociação envolveu a aquisição

de 49,78% do capital votante da Cosipa, que girava em torno de US$ 200 milhões, então

pertencentes a Brastubo (CÍCERO..., 02/09/1993, p. 23).

Como outros fatores desse movimento de concentração e centralização de capitais,

em 1992 a empresa tentou sem sucesso adquirir a Cia. Aços Especiais Itabira (Acesita). Em

dezembro de 1993, no entanto, comprou 60% do capital da Rio Negro, distribuidora de aços

com sede em São Paulo. As ações pertenciam a Mitsubishi, do Japão. A Usiminas não revelou

o valor do negócio, mas chegou a informar que a Rio Negro estava avaliada em US$ 45

milhões. Também adquiriu neste mesmo ano metade do capital da Fasal, distribuidora de aço

sediada em Minas Gerais (USIMINAS..., 11, 12 e 13/12/1993, p. 24). Em 1996, a Usiminas

comprou 50% do controle acionário da Brasinca Minas, que possuía uma fábrica de

estampados pesados de aço em Pouso Alegre (MG). O valor do negócio não foi revelado

(USIMINAS..., 23, 24 e 25/08/1996, p. C3).

Ainda no sentido da concentração e centralização de capitais, é importante destacar

que houve várias associações com outras empresas, como a CSN, que seria até então sua forte

concorrente no setor. A Usiminas negociou uma parceria com a CSN em 1995 para que juntas

se integrassem ao maior consórcio siderúrgico do mundo (composto por 32 empresas) para

desenvolver um projeto de produção de chapas de aço ultrafinas para automóveis

(ACIONISTAS..., 03/10/1995, p. 7). Também foi parceira da CSN em torno de uma possível

compra de uma empresa venezuelana. Negociavam para disputar juntas o leilão da

Siderúrgica del Orenoco (Sidor), estatal da Venezuela a ser privatizada em 1997. O negócio

foi estimado em US$ 1,5 bilhão (USIMINAS..., 06/10/1997, p. A4).

Após a privatização, a empresa conseguiu realizar diversos aumentos de preços de

seus produtos, o que não era característico do período enquanto estatal. Em abril de 1995, por

exemplo, a Usiminas anunciou um aumento de 8,57% nos preços de laminados - aço

fundamental para a indústria automobilística e a construção civil. O Conselho Administrativo

de Defesa Econômica (CADE) não barrou tais aumentos de preços. Só quem colocou limites à

empresa foram os EUA quando estabeleceram tarifas antidumping sobre as exportações de

chapas grossas da Usiminas ao mercado norte-americano. Em 1997, foi estabelecida uma taxa

antidumping de 10,49% (USIMINAS..., 04/09/1997, p. A4).

Ao longo dos anos após a sua privatização, a empresa cresceu de maneira

significativa. Em 2001, 10 anos após ser privatizada, a Usiminas exibia um patrimônio líquido

de R$ 3,3 bilhões. O lucro líquido chegava a R$ 240 milhões (DEMONSTRAÇÕES..., 2001,

194

n/p)320

. O bom desempenho da Usiminas por vários anos relacionou-se à melhoria dos preços

dos seus produtos, à expansão das empresas do setor automobilístico e de eletrodomésticos,

que aumentavam sua produção no país, e menos aos argumentos de melhoria de gestão após a

privatização. Em novembro de 1993, por exemplo, ela fechou contrato com a Autolatina para

o fornecimento de 3 mil toneladas de chapas de aço galvanizado, num total de US$ 2 milhões.

(USIMINAS..., 23/11/1993, p. 25).

A segunda maior privatização de 1991 foi a da Companhia Eletrônica Celma S.A.

(tabela 35). Ela era uma empresa de reparo de turbinas e fabricava peças de motores de avião,

com sede no Estado do Rio de Janeiro. Suas ações estavam distribuídas entre a União

(85,8%), a Pratt & Whitney (10,8%), o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND) (3,3%) e

outros acionistas antigos (0,1%). Após leilão, cuja venda somou US$ 90,7 milhões, a

distribuição de seu capital acionário passou a ser: Banco Boa Vista (21,4%), Banco Safra

(21,4%), Construtora Andrade Gutierrez (21,4%), Pratt & Whistney (10,8%), General Eletric

do Brasil (9,7%), Fundo de Pensão dos Funcionários da Telebrás – Telos (5,3%), pessoas

físicas (4,0%), empregados (3,0%), Banco Bradesco (1,9%), Banco Montreal (Montrealbank)

(1,1%) e outros acionistas antigos (0,1%) (PROGRAMA..., 1993).

A Mafersa S.A., por sua vez, representou a terceira maior privatização de 1991

(tabela 35). Ela produzia vagões e carros ferroviários, carros de metrô, ônibus urbanos e rodas

forjadas e contava ainda com duas unidades em São Paulo e uma em Minas Gerais. Sua

propriedade era dividida entre o BNDES (99,9%) e acionistas antigos (0,1%). Após leilão,

quando foi vendida por US$ 48,4 milhões, sua distribuição ficou com o Fundo de Pensão dos

Ferroviários da Rede Ferroviária Federal (REFER) (99,8%), acionistas antigos (0,1%) e

empregados (0,1%) (PROGRAMA..., 1992).

Já a quarta maior privatização de 1991, em valor, foi a da Companhia Siderúrgica do

Nordeste (COSINOR), instalada em Pernambuco, que era responsável pela produção de

“laminação de vergalhões de aço para a construção civil” (PROGRAMA..., 1992, p. 49). Suas

ações pertenciam ao BNDES (99,8%) e a outros acionistas (0,2%) Após leilão em que foi

vendida a US$ 13,7 milhões, as ações do BNDES foram adquiridas pela Gerdau.

Em 1991, o relatório de atividades sinalizava os caminhos que o PND deveria seguir

para o próximo ano: promover a desestatização de 15 a 20 empresas, dentre elas: a Açominas,

a Cosipa, a CSN e a Embraer (PROGRAMA..., 1992). Também estabelecia que o BNDES

320

Em 2016, apesar de ter adotado um gestão privada orientada pelo mercado, a empresa entrou em recuperação

judicial contradizendo os arautos do neoliberalismo que defendiam a eficiência da administração privada.

195

deveria atuar para acelerar o processo de liberalização da economia e a necessidade de se

revogar o monopólio estatal do setor de telecomunicações.

O relatório de atividades do PND de 1992, divulgado em 1993 já sob a presidência

de Itamar Franco, mantinha as premissas do governo anterior e enaltecia as privatizações,

ressaltando que elas contribuíam para a modernização do país “com o aperfeiçoamento da

administração pública, visando a uma economia mais eficiente e a um setor público mais ágil

e responsável” (PROGRAMA..., 1993, p. 6). Em 1992 foram privatizadas 14 empresas,

conforme a tabela 43:

Tabela 43

Privatizações em 1992 (em US$ milhões)

Empresa privatizada Valor da venda

Companhia Petroquímica do Sul (Copesul) 797,1

Cia. Aços Especiais Itabira (Acesita) 465,4

Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) 347,4

Petroflex Ind. e Com. S.A. 234,1

Fertilizantes Fosfatados (Fosfértil) 182,0

Aços Finos Piratini S.A. 107,9

Companhia Nacional de Álcalis (CNA) 81,4

Companhia Industrial de Polipropileno (PPH) 59,4

Polisul Petroquímica S.A. 56,8

Nitriflex S.A. Ind. e Com. 26,2

Goiás Fertilizantes S.A. (Goiasfértil) 13,0

Serviço de Navegação da Bacia do Prata (SNBP) 12,0

Companhia Brasileira de Estireno (CBE) 10,9

Indag S.A. 6,80

Total 2.400,4

Fonte: PROGRAMA... (1993). Elaboração própria.

O total de privatizações em 1992 foi praticamente o dobro do ano anterior, chegando

a US$ 2,4 bilhões. Entre as empresas estatais vendidas chama a atenção a privatização da

Companhia Petroquímica do Sul (Copesul), que arrecadou o maior montante do período: US$

797,1 milhões (tabela 43).

Produtora de petroquímicos básicos para transportes de líquidos, gases e carvão, a

Copesul ficava em Triunfo (RS). Antes da privatização, as ações da Copesul eram divididas

entre Petroquisa (67,2%), BNDESPar (30,7%), Poliolefinas (0,7%), Polisul (0,2%), PPH

(0,2%), Petroquímica Triunfo (0,6%), Petroflex (0,3%) e White Martins (0,1%)

(PROGRAMA..., 1993). Posteriormente ao seu leilão, as ações foram distribuídas da seguinte

forma (gráfico 13):

196

Fonte: PROGRAMA... (1993). Elaboração própria

O gráfico 13 mostra que a Copesul teve inicialmente uma certa pulverização de suas

ações entre diversos compradores. Observa-se, contudo, as importantes fatias do consórcio

Empetro, da Petroquisa e da Reserva para Empregados, de 28,8%; 15% e 10%,

respectivamente. Além disso, o leilão da empresa contou com uma aquisição de 5,4% por

parte do capital estrangeiro. Poucos anos depois da sua venda, em 1998, o controle da

Copesul apresentava algumas mudanças, passando a ser da OPP Petroquímica, OPP

Polietileno (essas duas controladas pelo grupo Odebrecht) e da Ipiranga Petroquímica, que

juntas detinham 42,63% do capital ordinário da companhia (CADE..., 13/2/1998, p. 6).

O interesse desses grupos na Copesul justificava-se pelos números que ela

apresentava. A empresa atingia um faturamento de R$ 870 milhões em 1998 e um lucro de R$

94,3 milhões. Em 1999, o lucro líquido crescia 48,3% para R$ 139,766 milhões e a empresa

atingia a receita líquida anual de R$ 1,2 bilhão (COPESUL..., 6/3/2000)321

.

Após a privatização, os sócios da empresa deram sua contribuição para a

desnacionalização do setor com um acordo com a multinacional Perez Companc International,

para a criação de uma empresa denominada Innova S.A., com sede em Triunfo (RS)

321

Disponível em: http://www.dgabc.com.br/Noticia/147950/copesul-teve-lucro-48-2-maior-no-ano-passado.

29%

15%

10% 7%

10%

5%

5%

5%

4%

4% 3% 1%

1% 1% 0% 0%

0%

0%

Gráfico 13. Composição Acionária da Copesul Após a Privatização

PPE-Consórcio Empetro (28,8%)

Petroquisa (15%)

Reserva para Empregados (10%)

Entidades de Previdência Privada(7,1%)Reserva para Oferta Pública (10%)

Capital Estrangeiro (4,8%)

Outros (5,4%%)

Fundo Poolinvest Mútuo Privat.(4,6%)Banco Real (4,5%)

Banco Econômico (4,1%)

Banco Bamerindus (2,8%)

Garantia I - Fundo de Privatização(1,0%)Poliolefinas (0,7%)

Petroquímia Triunfo (0,6%)

Petroflex (0,3%)

Polisul (0,2%)

PPH (0,2%)

White Martins (0,1%)

197

(MINISTÉRIO..., 17/04/1997)322

. A “nova estratégia” seria financiada, em grande medida,

com dinheiro público: em setembro de 1997 uma linha de crédito de R$ 235 milhões foi

aprovada pelo BNDES para o plano de expansão do polo de Triunfo (RS), que demandaria R$

720 milhões em investimento total. Além desse empréstimo, a Copesul obteria financiamento

de R$ 325 milhões da International Finance Corporation (IFC), e do Eximbank, dos EUA

(BNDES..., 22/9/1997, p. C6).

Interessados na concentração e centralização de capitais no setor petroquímico, os

controladores da Copesul chegaram a ensaiar em 2000 uma participação no leilão da Copene,

mas desistiram da operação (LEILÃO..., n/d)323

. Em 2003, a Braskem começou a aparecer

entre os acionistas da companhia com 20,7% das ações com direito a voto no lugar da

Odebrecht. Neste caso, tratava-se apenas de uma substituição de nomes, uma vez que a

Braskem desde então era uma controlada da Odebrecht. Em 2007, a Braskem passou a

compartilhar o controle da Copesul com o grupo Ipiranga. Cada uma detinha 29,5% das ações

com direito a voto. A Petroquisa mantinha sua participação de 15%.

A segunda maior privatização de 1992 foi a da Cia. Aços Especiais Itabira (Acesita),

com sede em Timóteo (MG), controladora da Forjas Acesita S.A. e da Acesita Energética

S.A. A empresa era “produtora de aços inoxidáveis, aços ao silício, aços carbono e ligados

planos e aços não-planos especiais, [era] a única produtora da América Latina de aços planos

inoxidáveis e aços siliciosos de grau orientado e não-orientado” (PROGRAMA..., 1993, p.

47). Suas ações estavam divididas entre o Banco do Brasil (91,5%) e outros acionistas (8,5%).

Após leilão das ações do Banco do Brasil, a Acesita passou a ter a seguinte composição

acionária (gráfico 14):

322

Disponível em: http://anexos.radaroficial.com.br/9c8c860e092fd3de816fc1390a000357.pdf. 323

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/copene-garantias.shtml.

198

Fonte: PROGRAMA... (1993). Elaboração própria

De acordo com o gráfico 14, os maiores compradores da Acesita foram os

denominados “outros adquirentes”, que compraram 22,7% do seu capital. Em segundo lugar,

esteve a Previ, com 15%, seguida pela Reserva a Empregados, que totalizou 12,4%. Outras

entidades de previdência privada ficaram com 9,7%. O fundo de pensão Sistel comprou

participação de 9,2%.

A Acesita chegou a ser disputada pela Usiminas no começo do seu leilão, mas esta

desistiu em meio ao processo depois de divergências com a Previ. Ao constatar que não

conseguiria negociar com a Previ o controle da Acesita, a Usiminas saiu da disputa, sem

comprar nada (LEILÃO..., 23/10/1992, p. 2).

A empresa era cobiçada porque detinha o monopólio nacional da fabricação do aço

inox. Ela registrou em 49 anos de história enquanto estatal prejuízo, mas em 1993, apenas um

ano após a privatização, o setor privado comemorava que a Acesita havia conseguido lucro de

US$ 30 milhões, como se em um ano tivesse feito alguma mudança prodigiosa com uma

suposta “gestão profissional”. A nova gestão, comandada por Wilson Brumer, ex-presidente

da CVRD, implantou três meses depois de privatizada um Programa de Demissões

Voluntárias (PDV). Em cinco dias, saíram 1.800 pessoas, uma redução de custo de US$ 20

milhões. Também era enaltecida uma renegociação de dívida da empresa como justificativa

da melhora do seu desempenho. O endividamento da Acesita era de US$ 220 milhões quando

foi privatizada, sendo que US$ 179 milhões venceriam em 1994. Uma renegociação reduziu a

23%

15%

12% 10%

9%

9%

8%

6%

4% 2% 2%

Gráfico 14. Composição Acionária da Acesita Após a Privatização

Outros Adquirentes (22,7%)

Previ (15%)

Reserva a Empregados (12,4%)

Outras Entidades de Previdência Privada(9,7%)

Fundação Sistel (9,2%)

Banco Safra/Albatrox (8,8%)

Outro Acionistas antigos (8,5%)

Banco Real (5,6%)

Banco Comercial Bancesa (4,2%)

Fundação Petrus (2,2%)

Capital Estrangeiro (1,8%)

199

dívida para US$ 153 milhões e a taxa de juros cobrada, o que teria dado à empresa uma

economia anual de US$ 63 milhões (ACESITA..., 6/2/1994, p. 12). O presidente da empresa

“esquecia” de citar que a maior fonte de recursos para a empresa após a privatização era do

governo, por meio do BNDES.

A terceira maior privatização de 1993 foi a da Companhia Siderúrgica de Tubarão

(CST), voltada ao mercado externo e responsável pela produção de placas de aço, com sede

em Serra (ES) (tabela 36). Ela tinha como controladores: Siderbrás/CSN (74,0%), Kawasaki

Steel (13%), Ilva (13%) e CVRD (0,1%). Após leilão em que foi vendida a US$ 465,4

milhões, passou a ter a seguinte composição acionária (gráfico 15):

Fonte: PROGRAMA... (1993). Elaboração própria.

De acordo com o gráfico 15, os principais adquirentes da CST foram os bancos

Bozano, Simonsen e Unibanco, com 25,4% e 20%, respectivamente, além da CVRD, que

comprou 15% do capital da empresa. Os japoneses da Kawasaki Steel mantiveram 13%, além

da Ilva ter também permanecido com 13%. Os empregados obtiveram 8,8% do capital da CST

e outros acionistas minoritários ficaram com uma fatia de 4,7%.

Os bancos não permaneceram muito tempo com as suas representativas

participações. Em 1996, elas foram vendidas, indicando que seus objetivos eram ganhar com

a especulação das ações e não uma suposta preocupação com o fortalecimento produtivo do

setor siderúrgico nacional após a privatização. As ações do Unibanco foram adquiridas em

25%

20%

15%

13%

13%

9%

5%

Gráfico 15. Composição Acionária da CST Após a Privatização

Bozano Simonsen (25,4%)

Unibanco (20%)

CVRD (15%)

Kawasaki Steel (13%)

Ilva (13%)

Empregados (8,8%)

Outros (4,7%)

200

1996 pela Acesita, que em 1998 passaria a ser controlada pelo grupo francês Usinor. Já as

ações ordinárias do Bozano, Simonsen foram vendidas para a japonesa Kawasaki

(ACESITA..., 22/5/1996, p. C5). A saída do Bozano representou um aumento do poder dos

japoneses no bloco de controle da empresa. Já a entrada da Acesita, com a compra da

participação do Unibanco, levou à chegada dos franceses à empresa.

A saída dos bancos da CST foi bem lucrativa. As ações da empresa haviam se

valorizado 211% desde o leilão. A CST chegou a um valor de mercado (estimado pela

cotação de suas ações em bolsa) de US$ 1,1 bilhão em fevereiro de 1996, apenas quatro anos

após sua privatização, quando foi vendida por menos da metade deste valor (BANCOS...,

26/04/1996, p. A1 e C3) 324

.

A venda das ações desses bancos aos estrangeiros ocorreu dias depois de a CVRD,

até então estatal e a terceira maior acionista da CST, renunciar ao direito de preferência na

compra das ações ordinárias pertencentes a esses acionistas. A empresa informou à época que

considerava alcançada sua estratégia, que era preservar o modelo de controle compartilhado

de gestão. A CVRD compartilhava até aquele momento o controle da CST com os outros

sócios, como a Kawasaki e os bancos. Assim, ela informou que manteria sua participação no

grupo controlador da CST – com 20,51% das ações ON – e renunciaria ao direito de

preferência de aquisição das ações ordinárias que seriam equivalentes a 41,03% do capital

social da CST (VALE..., 30/5/1996, p. C3; ACESITA..., 22/05/1996, p. C5). Curiosamente,

nesta ocasião, deve-se ressaltar que a CVRD renunciava ao controle mais consolidado de uma

empresa com faturamento em ascensão, com bons lucros e que já era considerada a maior

produtora de aços planos do país. Para se ter uma ideia do tamanho da CST, um ano após a

sua privatização ela mostrava um resultado positivo e um faturamento volumoso. Em 1994, o

faturamento chegava perto dos US$ 700 milhões, uma cifra 1 vez e meia superior ao valor da

sua venda em leilão em 1992. O lucro no mesmo ano somava US$ 288,6 milhões, mais do

que a metade do seu valor de venda325

(UM ANO..., 04, 05 e 06/12/1993, p. 28; LUCRO 1...,

07/02/1995326

).

324

Além da valorização das ações no mercado, deve-se ressaltar que os bancos utilizaram “moedas podres” –

aquelas que não têm mais representação do seu valor de face e que dificilmente seriam negociadas no mercado –

para a compra de empresas durante as privatizações. Ao usar essas moedas, o seu desembolso efetivo equivaleu à

metade do valor da venda. Como justificou o presidente do Conselho de Administração do Unibanco, Roberto

Bornhausen, alguns anos depois: o Unibanco havia comprado parte da CST na privatização porque tinha moedas

podres e o leilão representava uma boa oportunidade de usá-las, mas não havia intensão de tornar-se um grande

participante em empresas fora do setor financeiro (BANCOS..., 26/04/1996, p. A1 e C1). 325

Em dezembro de 1997, a siderúrgica celebrava um contrato de financiamento de R$ 110 milhões com o

BNDES (CST..., 23/12/1997, p. C5). 326

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/2/07/dinheiro/21.html.

201

Ao longo dos anos 1990 e 2000, houve um aprofundamento da desnacionalização327

do capital da CST a ponto de em 2005 o grupo Arcelor – o maior grupo siderúrgico do

mundo, fruto da fusão de Usinor (francesa), Aceralia (italiana) e Arbed (luxemburguesa) –, se

tornar o controlador da CST, depois de ter adquirido a Acesita (CSN..., 05, 06 e 07/2002, p.

C1). Ele ficou em 2005 com 39,9% das ações ordinárias, 29% das ações preferenciais,

totalizando 33,2% das ações da CST.

Depois da CST, o quarto maior leilão de 1992 foi o da Petroflex Indústria e

Comércio S.A., responsável pela produção de elastômetro usado principalmente na produção

de pneus, localizada no entorno da Refinaria Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Ela

pertencia integralmente a Siderbrás. Após leilão no valor de US$ 234,1 milhões, suas ações

ficaram assim distribuídas: Consórcio PIC, integrado por Suzano (20,4%), Norquisa (10,4%),

Unipar (10,2%) e Coperto (10,0%), Entidades de Previdência Privada Nacionais (26,0%),

empregados (10,0%), reserva para oferta ao público (10,0%), Instituições Financeiras

Nacionais (2,6%) e capital estrangeiro (0,4%) (PROGRAMA..., 1993).

A Fertilizantes Fosfatados S.A. (Fosfértil), com unidades em Uberaba (MG) e Tapira

(MG), foi a quinta mais significativa privatização de 1992. Ela era a “maior produtora de

matérias-primas e uma das principais fabricantes de fertilizantes fosfatados do país”

(PROGRAMA..., 1993, p. 46) e foi vendida por US$ 182 milhões. Suas ações eram divididas

entre: Petrofértil (76,4%), BNDESPar (11,9%), CVRD (11,5%) e Comig (0,2%). Com sua

privatização, as ações ficaram assim distribuídas: Consórcio Fertifos (68,5%), CVRD

(11,5%), empregados (10,0%), Banco Bamerindus (6,0%), Banco América do Sul (1,6%),

“outros” (1,3%), Grupo Noroeste (1,0%) e Comig (0,2%) (PROGRAMA..., 1993).

A sexta maior venda do Estado em 1992, por sua vez, foi a da Aços Finos Piratini

S.A., com sede em Charqueada (RS), que era responsável pela produção de aços especiais não

planos e cuja participação no mercado brasileiro era de 13% da produção total. O controle da

Piratini pertencia a Siderbrás (98,2%) e outros acionistas detinham 1,8% de suas ações. Após

leilão no valor de US$ 107,9 milhões, suas ações foram adquiridas pelo Grupo Gerdau

(88,7%) e pelos empregados, que demandaram 9,5% das ações ordinárias, além de outros

acionistas (1,8%) (PROGRAMA..., 1993).

Outras privatizações de valores menores – abaixo de US$ 100 milhões – ocorreram

em 1992, conforme a tabela 43, como foi o caso da Companhia Nacional de Álcalis (CNA); 327

Um dos exemplos dessa desnacionalização ocorreu em 1994, quando houve o lançamento de US$ 125

milhões em ADRs em Nova York e em outros mercados internacionais (TUBARÃO..., 20/7/1994, p. 21).

Bancos como Unibanco e Bozano, Simonsen, que juntos detinham 45,4% das ações totais, foram coordenadores

dessa operação.

202

da Companhia Industrial de Polipropileno (PPH); da Polisul; da Nitriflex; da Goiasfértil; do

Serviço de Navegação da Bacia do Prata (SNBP); da Companhia Brasileira de Estireno

(CBE); e da Indag.

A CNA era produtora de barrilha e mineradora de calcário, com sede em Arraial do

Cabo (RJ), e também controlava a Álcalis do Rio Grande do Norte S.A. (Alcanorte),

localizada em Macau (RN). Antes de sua privatização, seu capital acionário era dividido entre

a Petroquisa (92,5%) e BNDES (7,5%). Após leilão, seu controle ficou com o Grupo Cirne

(Fragoso Pires) (99,9%) e os empregados adquiriram 0,1% das ações da empresa

(PROGRAMA..., 1993).

Já a Companhia Industrial de Polipropileno (PPH), sediada em Triunfo (RS),

produzia “resina de polipropileno, substâncias químicas, aditivos e outros produtos

empregados na fabricação, utilização ou desenvolvimento de resina de polipropileno”

(PROGRAMA..., 1993, p. 47). Nesta empresa, a participação estatal era minoritária, uma vez

que “seu capital era distribuído entre os Grupos Petropar (30%), Himont (30%), Odebrecht

(20%) e Petroquisa (20%)” (PROGRAMA..., 1993, p. 47). Após leilão no valor de US$ 59,4

milhões, “a participação minoritária estatal foi adquirida [...] pelos demais grupos [já

acionistas], na proporção de 37,5%, 37,5% e 25%, respectivamente” (PROGRAMA..., 1993,

p. 47).

A Polisul Petroquímica S.A., localizada em Triunfo (RS), era, por sua vez, “a maior

produtora de polímeros de alta densidade da América Latina e líder de mercado”

(PROGRAMA..., 1993, p. 46), com produção voltada para “os segmentos de injeção

aditivada, sopro e extrusão, filmes, tubos e rotomoldagem” (PROGRAMA..., 1993, p. 46).

Suas ações eram divididas igualmente entre a Petroquisa (33,3%), a Ipiranga (33,3%) e a

Hoechst (33,3%). Após a venda das ações da Petroquisa por US$ 56,8 milhões, a divisão

acionária passou a ser: Ipiranga (60%) e Hoechst (40%) (PROGRAMA..., 1993).

Já a Nitriflex S.A. Indústria e Comércio, estabelecida perto da Refinaria Duque de

Caxias (RJ) e com unidades industriais em Duque de Caxias (RJ) e Triunfo (RS), tinha como

principais produtos: “borracha nitrifica NBR, látices diversos, aditivo reforçante de borracha

HSR, ABS, MBS e plásticos de engenharia” (PROGRAMA..., 1993, p. 46). A Petrofértil

detinha 40% das ações da Nitriflex e a Itap S.A., que possuía 60% das ações, adquiriu após

leilão de US$ 26,2 milhões todas as ações da Petrofértil, tornando-se assim a única

proprietária da Nitriflex.

203

Vendida por US$ 13 milhões, a Goiás Fertilizantes S.A. (Goiasfértil), localizada em

Catalão (GO), produzia concentrado de rocha fosfática que era utilizado como matéria-prima

para fertilizantes fosfatados e possuía “reservas de fosfato que asseguravam um período

mínimo de operação de aproximadamente 20 anos” (PROGRAMA..., 1993, p. 47). Sua

propriedade era dividida “entre a Petrofértil (82,7%) e a BNDESPar (17,3%)”

(PROGRAMA..., 1993, p. 47). Após o leilão suas ações ficaram distribuídas entre Fosfértil

(90%) e empregados (10%) (PROGRAMA..., 1993).

Com sede em Ladário (MS), e vendido por US$ 12 milhões, o SNBP, por seu turno,

era responsável pela exploração de transporte fluvial de carga na hidrovia Paraguai-Paraná em

uma extensão de 3.500 km, além de atuar na construção e reparos navais. O SNBP pertencia à

União e foi adquirido pela Cia. Interamericana de Navegação e Comércio (Cinco), que

comprou 90% do seu capital, a outra parte (10%) ficou reservada aos funcionários

(PROGRAMA..., 1993).

Já a CBE, estabelecida em Cubatão (SP), era responsável pela produção de

monômero de estireno, matéria-prima para a produção, entre outros, de óleos esterilizados e

derivados químicos. A participação estatal era minoritária e dividida entre Monsanto (48,3%),

Unigel (27,8%), Petroquisa (23%) e “outros” (0,8%). Após leilão que atingiu US$ 10,9

milhões, a Unigel comprou as ações da Petroquisa e passou a deter 50,9% do total de ações, a

Monsanto e “outros” mantiveram 48,3% e 0,8%, respectivamente (PROGRAMA..., 1993).

A privatização de menor volume de recursos naquele ano foi a da Indag S.A.,

instalada em Cubatão (SP) e que produzia fertilizantes. A Petroquisa, que possuía uma

participação minoritária na empresa (35%), teve suas ações compradas no valor de US$ 6,8

milhões pelo Grupo IAP, que já era acionista majoritário da Indag e passou a deter 100% de

suas ações (PROGRAMA..., 1993, p. 45).

3.1.4. Governo Itamar: Continuidade do Processo de Privatização

No relatório de atividades de 1993, ano em que esteve à frente da presidência da

República Itamar Franco, era comemorado o fato de o setor siderúrgico brasileiro ter sido

quase completamente privatizado e ressaltava-se a necessidade de “atração, via PND, de

capitais privados para atender as necessidades cada vez mais prementes de investimento no

setor infra-estrutural, notadamente nos setores de transporte ferroviário e de geração e

distribuição de energia elétrica” (PROGRAMA..., 1994, p. 6). Ou seja, seria dada

continuidade ao processo de desestatização iniciado pelo governo anterior e com incentivos

204

ainda maiores ao capital privado. Não por acaso, a Comissão Diretora do PND dizia acreditar

“que a ampliação do Programa, seja pela inserção de novas empresas e atividades, seja pela

criação de maiores oportunidades de participação de investidores, [propiciaria] condições

ainda melhores para tornar a economia mais eficiente e o Estado mais eficaz”

(PROGRAMA..., 1994, p. 6).

Para alcançar seu objetivo de atrair mais os capitais privados, o governo Itamar

Franco, por meio da Medida Provisória no

362, de 25 de outubro de 1993328, permitiu a

elevação da participação do capital estrangeiro no processo de privatização, que até então era

de 40%, para 100% do total das ações disponíveis em leilões329. Outras mudanças implantadas

por Itamar foram: i) Decreto 724, de 19 de janeiro de 1993330, que alterou a composição da

Comissão Diretora do PND331, com cinco membros ligados a ministérios e cinco a sete

membros constituídos de “pessoas de notório conhecimento”; ii) Medida Provisória 327, de

24 de março de 1993332, que mudou mais uma vez a composição da comissão diretora do

PND, desvinculando os cinco membros de ministérios como havia sido exigido anteriormente

pelo próprio governo Itamar333. Além disso, ficou estabelecido que esses membros após

indicados pelo presidente da República enfrentassem o crivo do Senado Federal; e iii) o 328

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/1993/medidaprovisoria-362-25-outubro-1993-

372883-publicacaooriginal-1-pe.html. 329

“Art. 13. IV - a alienação de ações de empresas a pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras poderá atingir cem

por cento do capital votante, salvo determinação expressa do Poder Executivo, que determine percentual

inferior” (MP 362, 1993). 330

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1993/decreto-724-19-janeiro-1993-336523-

publicacaooriginal-1-pe.html. 331

A nova composição passou a ser: “cinco dos cargos de membro titular, e respectivo número de suplentes,

serão exercidos pelos representantes dos Ministérios da Fazenda, do Trabalho, das Minas e Energia e dos

Transportes e da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Coordenação da Presidência da República; e de sete a

dez cargos de membro titular, e respectivo número de suplentes, serão exercidos por pessoas de notórios

conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros, contábeis, de administração de empresas ou de mercado de

capitais” (DECRETO 724, 1993). A Lei original do PND (LEI 8.013, 1990) apenas estabelecia o quantitativo da

Comissão: “O Programa Nacional de Desestatização terá uma Comissão Diretora, diretamente subordinada ao

Presidente da República, cujos membros, titulares e suplentes, serão por ele nomeados, depois de aprovada a sua

indicação pelo Congresso Nacional” (MP 362, 1993). 332

Disponível em:

file:///C:/Users/User/Desktop/PND_BNDES/Medida%20Provis%C3%B3ria%20n%C2%BA%20362,%20de%20

25%20de%20Outubro%20de%201993%20-%20Publica%C3%A7%C3%A3o%20Original%20-

%20Portal%20C%C3%A2mara%20dos%20Deputados.htm. 333

“O Programa Nacional de Desestatização terá uma Comissão Diretora, diretamente subordinada ao Presidente

da República, e vinculada tecnicamente ao Ministério da Fazenda, composta de quinze membros titulares e igual

número de suplentes, sendo:

I - o Presidente da Comissão Diretora indicado pelo Presidente da República, que o nomeará após aprovação do

Senado Federal, e terá voto de qualidade, além do pessoal;

II - quatro membros titulares e respectivos suplentes, exercidos por representantes de órgãos da Administração

Pública Federal, livremente nomeados pelo Presidente da República;

III - cinco membros titulares e respectivos suplentes, indicados pelo Presidente da República que os nomeará

após a aprovação pelo Senado Federal;

IV - cinco membros titulares e respectivos suplentes, indicados pela Mesa do Senado Federal e nomeados pelo

Presidente da República” (MP 327, 1993).

205

Ministério da Fazenda assumia “a coordenação, supervisão e fiscalização da execução do

PND” (PROGRAMA..., 1994, p. 28). O BNDES continuava como “instituição gestora do

FND, com responsabilidade de supervisionar o trabalho dos consultores e auditores privados e

de tornar efetivo o processo de desestatização” (PROGRAMA..., 1994, p. 29). Em 1993

sofreram processo de desestatização seis empresas (tabela 44):

Tabela 44

Privatizações em 1993 (em US$ milhões)

Empresa privatizada Valor da venda

Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) 1.271,7

Aço Minas Gerais S.A. (Açominas) 598,5

Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) 359,8

Ultrafértil - Ind. E Com. De Fertilizantes S.A. 210,5

Poliolefinas S.A. 87,1

Oxiteno S.A. Ind. e Com. 53,9

Total 2.581,5

Fonte: PROGRAMA... (1994). Elaboração própria.

De acordo com a tabela 44, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foi a mais

expressiva privatização do ano de 1993. Do total de US$ 2,58 bilhões arrecadados com todos

os leilões feitos em 1993, a CSN correspondeu a US$ 1,27 bilhão, praticamente a metade da

soma total do ano. O montante total de 1993 foi superior aos US$ 2,4 bilhões de 1992 e ao

US$ 1,6 bilhão de 1991334

, totalizando nesse triênio quase US$ 6,6 bilhões. Foi quando

praticamente se concluiu a desestatização do setor de siderurgia no Brasil (PROGRAMA...,

1994).

A CSN, com sede em Volta Redonda (RJ) e capacidade de produzir 4,6 milhões de

toneladas de aço por ano, era “a maior siderúrgica integrada fabricante de produtos planos e

aço comum no país”335 (PROGRAMA..., 1994, p. 9). Suas ações eram quase todas de

propriedade da Siderbrás/Tesouro (90,8%) e a Caixa Beneficente dos Empregados da CSN

(CBS) possuía 9,2% das ações. Após leilão, as ações da CSN ficaram com a seguinte divisão

(gráfico 16):

334

Valor atualizado com a venda das ações sobrantes da Usiminas. 335

“O minério de ferro é fornecido cativamente pela mina Casa de Pedra, localizada em Congonhas (MG). A

CSN dispõe ainda de duas minas, de dolomita e calcário, em Arcos (MG). Em Conselheiro Lafayette (MG)

opera uma mina de resíduos de manganês [...]. A Fábrica de Estruturas Metálicas, subsidiária da CSN, também

está situada em Volta Redonda, com capacidade de produção anual de 40 mil toneladas de estruturas metálicas e

30 mil toneladas de perfis soldados” (PROGRAMA..., 1994, p. 9).

206

Fonte: PROGRAMA... (1994). Elaboração própria.

De acordo com o gráfico 16, a CSN foi comprada principalmente pelo grupo

denominado “outras instituições financeiras”, que responderam após a privatização por 12,5%

do seu capital – o maior montante entre os novos acionistas. Os empregados ficaram com a

segunda maior fatia, de 11,9%, e “outros acionistas” ficaram com 11%.

Sobre o seu valor de venda de US$ 1,27 bilhão, deve-se destacar que o governo havia

promovido previamente um saneamento financeiro da empresa na ordem de US$ 756 milhões.

Isso significava que do valor arrecadado com a venda mais da metade já havia sido gasto pelo

governo anteriormente.

Com a forte penetração das instituições financeiras no capital da CSN, após sua

venda em abril de 1993, logo houve uma emissão de ADRs336

na Bolsa de Nova York

autorizada. Em outubro do mesmo ano, seus papeis iniciaram negociação fora do país. Assim

como ocorreu em outros processos de privatização, de maneira rápida também foi a reversão

dos seus resultados negativos, o que sinalizava que quando foi privatizada, estava pronta para

uma grande expansão de produção e para dar lucro. Um ano após sua venda, a empresa já

apresentava um lucro de US$ 150 milhões. Quando a direção da empresa anunciou os

336

American Depositary Receipt (ADR) é a denominação de um título de empresas estrangeiras, cotado em dólar

e negociado nos mercados financeiros norte-americanos.

13%

12%

11%

10%

9%

9%

9%

9%

8%

6% 3%

1% 0%

Gráfico 16. Composição Acionária da CSN Após a Privatização

Outras Instituições Financeiras(12,5%)

Empregados (11,9%)

Outros (11%)

Caixa Beneficente dos Empregadosda CSN (9,8%)

Docenava (9,4%)

Grupo Vicunha (9,2%)

Bamerindus (9,1%)

Siderbrás (8,8%)

União Comércio Participações -Bradesco (7,7%)

Privatinvest (6,3%)

Outras Entidades de PrevidênciaPrivada (2,7%)

Outros Fundos de Privatização(1,4%)

Pessoa Física (0,1%)

207

resultados de 1994, ela também informou que a CSN havia atingido o recorde latino-

americano de produção, com 4,6 milhões de toneladas de aço líquido (CSN..., 29/10/1993, p.

19; CSN..., 18/01/1995, p. 9).

A privatização era um negócio tão interessante para a concentração e centralização

de capitais que os controladores da CSN anos depois comprariam mais uma empresa: a

CVRD337

. Por meio de sua subsidiária, a CSN Steel Corp., sociedade constituída nas Ilhas

Cayman, e em parceria com CSN Panamá, com a Litel Participações338, com a Textilia, com a

Sweet River Investments e Eletron, o Consórcio Brasil, liderado pela CSN, comprou o total de

104.318.070 ações ON do capital social da CVRD, representativas de 41,73% de seu capital

votante e de 26,85% de seu capital social total, pelo preço de R$ 3,3 bilhões339

(VALE...,

13/05/1997, p. A3 e C5; CSN..., 03/06/1996, p. B1).

Assim como em outras empresas, depois da desestatização, a CSN não teve mais que

segurar os preços dos seus produtos, como era comum quando ainda era estatal. Em junho de

1997, quando juntamente com a Cosipa e Usiminas reivindicava um reajuste de 8% a 12% no

preço do aço, o CADE a contestou e pediu suspensão do aumento, mas isso durou apenas um

mês. O processo foi revertido depois que a CSN entrou com mandado de segurança

contestando o governo. Naquela ocasião, a Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da

Justiça, alegava indícios de cartelização dessas empresas no preço do aço (CSN..., 18/6/1997,

p. 4; GOVERNO..., 01/07/1997, p. C4).

Os controladores da CSN em boa parte realizavam os novos investimentos pós-

privatização com auxílio do BNDES, o que mostrava a importância do Estado mesmo depois

da desestatização. Em 1996 a empresa anunciou que havia fechado com o BNDES uma linha

de financiamento para a sua rede de fornecedores (BNDES..., 19/3/1996, p. 29). Além dos

recursos do BNDES, a CSN conseguiu em 1996 uma importante vantagem fiscal. Ela assinou

com o governo do Rio de Janeiro uma postergação do recolhimento de ICMS sobre novos

investimentos no Estado (CSN..., 08, 09 e 10/11/1996, p. C3). Mesmo utilizando fartamente

recursos públicos, ela foi acusada pelo governo do Rio de Janeiro de sonegação fiscal um ano

depois das benesses de postergação (RIO..., 12/09/1997, p. 5).

337

A privatização da CVRD será discutida neste capitulo posteriormente. 338

A Litel era uma empresa formada por fundos de investimentos, como diversos fundos do Banco do Brasil;

Funcef, Petros; Fundação Cesp, entre outros. 339

A compra de ações da CVRD em maio de 1997 precedeu um anúncio feito em setembro do mesmo ano de

que a CSN batia recorde de produção de aço líquido, de 4,9 milhões de toneladas em 1997, na usina de Volta

Redonda (CSN..., 11/9/1997, p. C4).

208

A privatização, assim como em outros casos, se mostrava também um bom negócio

para os bancos que participaram dos leilões. Na CSN, por exemplo, o Bamerindus vendeu sua

participação, de 9,1%, já em dezembro de 1995 aos grupos Vicunha, Bradesco e Previ (R$

500 MILHÕES..., 08, 09 e 10/12/1995, p. A1 e B2). O grupo Vicunha, do empresário

Benjamin Steinbruch340, adquiriu 4% das ações do Bamerindus, tornando-se com isso o maior

acionista da CSN, com 9,2% das ações ordinárias. O Bradesco adquiriu 2,6% das ações do

Bamerindus e a Previ ficou com 2,5% (BAMERINDUS..., 01/12/1995, p. 7).

Depois da CSN, a maior privatização de 1993 foi a da Aço Minas Gerais S.A.

(Açominas), com sede em Ouro Branco (MG). Ela produzia “semi acabados de aço comum

(placas, blocos e turugos)” (PROGRAMA..., 1994, p. 10). Em decorrência de sua privatização

por US$ 598,5 milhões, a Açominas, cuja Siderbrás era acionista majoritária (99,9%), passou

a ter a seguinte composição acionária: Cia. Mineira de Participações Industriais (26,8%),

Empregados (20%), Banco SRL (13,4%), Banco de Crédito Nacional (9,9%), Mendes Jr.

(7,6%), Aços Villares (6,8%) e outros (15,5%). Antes de privatizar a Açominas, o governo

estabeleceu uma reestruturação financeira para sanar sua dívida que se encontrava no valor

total de US$ 470 milhões (PROGRAMA..., 1994).

Já a terceira maior privatização de 1993 foi a da Companhia Siderúrgica Paulista

(Cosipa). Localizada em Cubatão (SP), a Cosipa era “uma usina integrada, fabricante de

produtos planos de aço comum, com capacidade de produção anual de 3,9 milhões de

toneladas de aço” (PROGRAMA..., 1994, p. 10), e ainda dispunha de um porto anexo para o

transporte de cargas, tanto para receber matéria-prima quanto para exportar seus produtos.

Após leilão das ações da Siderbrás (99%) por US$ 359,8 milhões, seus acionistas passaram a

ser: Anquilla Participações (34,4%), Brastubo (23%), empregados (20%), Lotten (5%), Alamo

Participações (2,6%) e “outros” (15%). A Cosipa tinha uma dívida estimada em US$ 2

bilhões e para viabilizar sua privatização o governo promoveu um saneamento financeiro na

empresa: “a) assunção e capitalização, pela Siderbrás, de dívidas no valor de US$ 1 bilhão

[...]; e b) reescalonamento de dívida no valor de US$ 605 milhões” (PROGRAMA..., 1994, p.

15 e 18). Considerado o valor gasto com o saneamento financeiro da empresa, nota-se que ele

foi quase 4,5 vezes maior do que o valor atingido na sua privatização.

A quarta maior venda em 1993 pelo Estado foi a da Ultrafértil S.A. – Indústria e

Comércio de Fertilizantes, localizada em Cubatão (SP). Além de possuir uma unidade 340

Steinbruch tinha forte ligação com o filho mais velho de FHC. Em 1995 contratou Paulo Henrique Cardoso

como assessor especial. Apesar das dificuldades financeiras que passava o Grupo Vicunha em função da abertura

da economia brasileira nos anos 1990, Steinbruch tornou-se “megaempresário” com as privatizações já no

primeiro governo FHC, principalmente com a CSN, a CVRD e a Light.

209

produtiva em Araucária (PR) e um terminal marítimo em Cubatão, era responsável pelo

fornecimento de fertilizantes nitrogenados e fosfatados. Com a privatização da Ultrafértil por

US$ 210,5 milhões, as ações que pertenciam integralmente à Petrofértil passaram para a

propriedade da Fertilizantes Fosfatados S.A. (Fosfértil) (90%) e o restante para os

empregados (10%) (PROGRAMA..., 1994).

A Poliolefinas S.A., instalada em São Paulo e com unidades produtivas em Santo

André (SP), Triunfo (RS) e Camaçari (BA), foi, por sua vez, a quinta maior privatização

daquele ano. Era a maior produtora de polietileno da América Latina. Sua propriedade era

dividida igualmente entre a Petroquisa (31,5%), a Odebrecht Química S.A. (31,5%) e a

Indústrias Petroquímicas S.A. (Unipar) (31,5%), além de acionistas minoritários como o Bank

of America (4,4%) e a Hanover (1,2%). Após o leilão das ações da Petroquisa, a Odebrecht

Química S.A. comprou as ações por US$ 87,1 milhões e passou a deter 62,9% do capital total

da Poliolefinas S.A. A Unipar, o Bank of America e a Hanover continuaram com 31,5%,

4,4%, e 1,2%, respectivamente (PROGRAMA..., 1994).

A Oxiteno S.A. Indústria e Comércio representou, em valor, a sexta empresa a ser

vendida em 1993. Ela contava com oito plantas produtivas, localizadas em Cubatão, Mauá e

Tremembé (SP), Camaçari (BA), Santa Cruz e Triunfo (RS), e era a “principal produtora de

óxido de eteno e seus derivados na América Latina” (PROGRAMA..., 1994, p. 10). Antes do

leilão as ações da Oxiteno tinham a seguinte distribuição: Ultraquímica (60,6%), Petroquisa

(18,5%), Monteiro Aranha (11,3%) e “outros” (9,6%). Com seu leilão no valor de US$ 53,9

milhões, sua propriedade passou a ser distribuída entre Ultraquímica (69,3%), Monteiro

Aranha (11,3%), Dresdner Bank (8,9%), GBOEx (0,2%) e “outros” (9,7%). “A Petroquisa

manteve uma participação residual de 0,6% do capital votante devido à existência de litígio

judicial sobre sua participação” (PROGRAMA..., 1994, p. 10).

O relatório de 1994 reiterava o processo de privatização e estipulava para o ano de

1995 “um cronograma de leilões bastante ambicioso” (PROGRAMA..., 1995, p. 7), além de

enaltecer as mudanças promovidas pelo governo Itamar, como “a eliminação da

discriminação ao capital estrangeiro” (PROGRAMA..., 1995, p. 7). Outras mudanças legais

no ano de 1994 foram: i) o Decreto no 1.068, de março de 1994341, que entre outras alterações

incluía no PND “as participações societárias minoritárias de que [eram] titulares as fundações,

autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e quaisquer outras entidades

controladas, direta e indiretamente, pela União [além de facilitar a] avaliação e venda das

341

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D1068.htm.

210

participações minoritárias detidas direta e indiretamente pela União”342 (PROGRAMA...,

1995, p. 7); e ii) a Medida Provisória 772, de 20 de dezembro de 1994, que definiu que

competia “ao Ministério da Fazenda coordenar, supervisionar e fiscalizar a execução do

Programa Nacional de Desestatização”343, além de estabelecer que “as participações

acionárias detidas por entidades não privatizáveis [passavam] a ser explicitamente passíveis

de privatizações” (PROGRAMA..., 1995, p. 43). Ainda esta Medida Provisória alterou a

comissão diretora do PND344.

Cabe ressaltar que no período havia uma preocupação maior em fazer caixa por conta

da introdução do Plano Real, principalmente no que diz respeito aos recursos necessários para

compor o Fundo Social de Emergência (FSE), por isso no relatório de atividades de 1994 foi

comemorado o cumprimento da “meta do Fundo Social de Emergência, estabelecida em US$

900 milhões” (PROGRAMA..., 1995, p. 7). Por essa razão, Itamar e o ministro FHC

estabeleceram um programa audacioso de leilões para 1994. Também neste ano finalizou-se a

venda das ações remanescentes de empresas ligadas ao setor siderúrgico, como Usiminas,

CSN, Cosipa e CST; encerrando-se, portanto, o processo de privatização do setor siderúrgico

brasileiro. Em 1994 foram privatizadas nove empresas (tabela 45):

342

O governo de Itamar Franco comemorava o decreto ao asseverar que o mesmo “conferiu maior abrangência

ao Programa” (PROGRAMA..., 1995, p. 44). 343

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/1994/medidaprovisoria-772-20-dezembro-1994-

377244-publicacaooriginal-1-pe.html. 344

A nova composição passou a ser:

“I - o Presidente da Comissão Diretora indicado pelo Presidente da República, que o nomeará após aprovação do

Senado Federal, e terá voto de qualidade, além do pessoal;

II - quatro membros titulares e respectivos suplentes, representantes de órgãos da Administração Pública Federal,

livremente nomeados pelo Presidente da República;

III - cinco membros titulares e respectivos suplentes, indicados pelo Presidente da República que os nomeará

após a aprovação pelo Senado Federal;

IV - cinco membros titulares e respectivos suplentes, indicados pela Mesa do Senado Federal e nomeados pelo

Presidente da República” (MP 772, 1994).

211

Tabela 45

Privatizações em 1994 (em US$ milhões)

Empresa privatizada Valor da venda

Petroquímica União S.A. 287,53

Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. (Embraer) 192,20

Politeno Indústria e Comércio S.A. 44,87

Companhia Pernambucana de Borracha Sintética (Coperbo) 25,95

Ciquini - Companhia Petroquímica 23,69

Polialden Petroquímica 16,73

Acrilonitrila do Nordeste S.A. (Acrinor) 12,14

Arafértil S.A. 10,76

Mineração Caraíba Ltda. 5,77

Total 619,634

Fonte: PROGRAMA... (1995). Elaboração própria.

De acordo com a tabela 45, o ano de 1994 representou privatizações no valor de US$

619,6 milhões, sendo a venda da Petroquímica União S.A. (PQU), com sede em Santo André

(SP), a mais expressiva, no valor de US$ 287,5 milhões. Antes da privatização, suas ações

estavam divididas entre Petroquisa (67,8%), Unipar (28,9%), Banco Indústria e Comércio

(1,3%), Bradesco (0,8%), Odebrecht (0,7%) e EDN (0,6%). Após a desestatização da PQU, as

ações dividiram-se da seguinte forma (gráfico 17):

Fonte: PROGRAMA... (1995). Elaboração própria.

30%

18%

13%

10%

7%

6%

5%

4%

2%

2% 1% 1%

1%

0%

Gráfico 17. Composição Acionária da Petroquímica União Após a

Privatização

Unipar (30%)

Petroquisa (17,5%)

Consórcio Polo Invest (13%)

Empregados (9,8%)

Polibrasil (6,8%)

San Felipe Adm. e Part. (6,3%)

Outros Compradores (5,5%)

Privatinvest (4,5%)

Banco Indústria e Comércio (2,5%)

Entidades de Previdência Privada(1,7%)

Bradesco (0,8%)

Odebrecht (0,7%)

EDN (0,6%)

Capital Estrangeiro (0,3%)

212

O gráfico 17 mostra que os três principais acionistas da PQU após o leilão foram: a

Unipar (que praticamente manteve a fatia que já possuía, de 30%); a Petroquisa (empresa da

Petrobrás que detinha o controle da PQU e que reduziu sua participação com a privatização,

uma vez que foram justamente as suas ações que foram colocadas à venda, ficando com

17,5%) e o Consórcio Polo Invest, que ficou com 13%.

Os novos acionistas refletem a desnacionalização do seu capital. O Consórcio Polo

Invest foi liderado pela Union Carbide, empresa norte-americana que estava entre os maiores

demandantes da nafta da PQU. Além da Union Carbide, eram consumidores da PQU e

integraram este consórcio a Oxiteno, a CBE e a Polibrasil, que era composta por Ipiranga,

Suzano e Shell (CONSÓRCIO..., 24/01/1994, p. 1). Algumas instituições financeiras também

participaram do leilão da PQU adquirindo fatias minoritárias para posteriormente negociá-las

por meio de acordo com o Consórcio Polo Invest (DEPOIS..., 06/12/1993, p. 25).

A entrada do capital estrangeiro foi facilitada na PQU. Poucos dias antes do leilão, o

edital de desestatização sofreu alterações: a Comissão Diretora do PND corrigiu artigo no

edital que limitava em 40% do capital votante a participação do capital estrangeiro. Com base

na MP 362, de 25 de outubro de 1993, então recentemente publicada, a Comissão permitiu

que o capital estrangeiro adquirisse até 100% do capital votante da petroquímica

(COMISSÃO..., 09/11/1993, p. 20).

A PQU era a principal indústria de abastecimento de produtos petroquímicos básicos

de São Paulo e integrava o grupo das 10 maiores empresas do setor no país. A empresa tinha

1.200 funcionários e vendia sua fabricação, principalmente de propileno, benzeno e etileno,

para as indústrias de embalagens, autopeças, tintas, eletrodomésticos, produtos farmacêuticos

e têxteis. A PQU por ano faturava cerca de US$ 400 milhões (CONSÓRCIO..., 24/1/1994, p.

1).

O leilão da PQU sofreu seis adiamentos. A resistência dos interessados esteve entre

os motivos do adiamento da venda porque exigiam uma fórmula por parte do governo para o

cálculo do preço da nafta e a garantia de que após a compra não teriam que cobrir o passivo

ambiental da empresa, avaliado em US$ 200 milhões. Esses acertos foram feitos entre o fim

de 1993 e início de 1994. Em dezembro de 1993 a Companhia de Tecnologia de Saneamento

Ambiental de São Paulo (Cetesb) informou que estaria disposta a discutir com os novos donos

o problema ambiental e, no início de janeiro de 1994, o governo divulgou uma fórmula para o

cálculo da nafta que agradou os empresários (CONSÓRCIO..., 24/1/1994, p. 1).

213

A segunda privatização de maior expressão no ano de 1994 foi a da Empresa

Brasileira de Aeronáutica S.A. (Embraer), que totalizou US$ 192,2 milhões. Localizada em

São José dos Campos (SP), ela se dedicava “a projetar, construir e comercializar aeronaves e

respectivos acessórios componentes e equipamentos, assim como a executar atividades

técnicas vinculadas à produção e à manutenção de material aeronáutico” (PROGRAMA...,

1995, p. 21). A Embraer comandava ainda quatro empresas: “Indústria Aeronáutica Neiva

S.A.; Embraer Aircraft Corporation (EAC), na Flórida (Estados Unidos); Embraer Aviation

International (EIA), na França; e Órbita Sistemas Aeroespaciais S.A.” (PROGRAMA..., 1995,

p. 21). Além disso, a Embraer participava como acionista das empresas: “Motortec Indústria

Aeronáutica (11% do capital) e AM-X International Limited (29,7% do capital), sediada em

Londres, com as quais [mantinha] contratos de transferência de tecnologia” (PROGRAMA...,

1995, p. 21). Antes da privatização, as ações da Embraer eram quase todas da União (95,2%),

além do Banco do Brasil (4,7%) e outros acionistas prévios (0,1%). Após a venda de suas

ações, o controle da empresa ficou assim dividido (gráfico 18):

Fonte: PROGRAMA... (1995). Elaboração própria.

De acordo com o gráfico 5, após a privatização, a União ficou com 20% da Embraer, a

maior fatia. Em seguida, aparece o Banco Bozano, Simonsen, com 16,1%. Os fundos de

20%

16%

10%

10%

10%

10%

10%

5%

5%

2% 2%

0%

Gráfico 18. Composição Acionária da Embraer Após a Privatização

União (20%)

Bozano, Simonsen (16,1%)

Reserva para Empregados (10%)

Reserva para o Público (10%)

Outras Fundações de Previdência Privada(9,9%)

Sistel (9,8%)

Previ (9,8%)

Outros Compradores no Leilão (5,6%)

Banco do Brasil (4,7%)

Banval CCTVM (2%)

Outros Compradores Estrangeiros (2%)

Outros Acionistas Prévios (0,1%)

214

pensão Previ e Sistel também compraram participação importante, com 9,8% cada345

e outras

fundações de previdência privada ficaram com 9,9%. Para justificar manter 20% na Embraer,

o governo enaltecia a empresa ao ressaltar o “caráter especifico da indústria, com

desenvolvimento tecnológico de elevado padrão, treinamento de mão de obra de altíssima

qualificação técnica e científica e potencial de exportação de alto conteúdo tecnológico”

(PROGRAMA..., 1995, p. 24).

A única explicação que não existia era o porquê da privatização. A Embraer era, de

acordo com Biondi (2014, p. 56), “a única indústria aeronáutica – existente em um país menos

desenvolvido – fora do circuito dos países ricos, com tradição na área e capaz de roubar

mercado das empresas multinacionais no filão que [explorava], isto é, a produção de aviões de

porte médio”.

Desde 1991, no governo Collor, a privatização da Embraer esteve na agenda do

governo federal, mas ela se concretizou de fato três anos depois, em dezembro de 1994, no

governo de Itamar. Antes disso, a trajetória da empresa foi marcada por um processo de

investimento voltado à modernização e principalmente ao saneamento financeiro.

Em 1993, a empresa possuía uma dívida total de US$ 902,9 milhões, sendo US$

263,1 milhões no curto prazo, dos quais US$ 239 milhões já haviam vencidos. Do total, US$

438 milhões foram contratados entre 1987 e 1992 (OZIRES..., 19/5/1993, p. 11). O presidente

Itamar então decidiu apoiar o Plano de Saneamento Financeiro da Embraer, seguido de sua

privatização. Esse saneamento envolvia um refinanciamento de US$ 438 milhões, negociado

com o Banco do Brasil (BB) e injeção direta de recursos na empresa “em moeda forte”, de

US$ 300 milhões (GOVERNO..., 27/9/1993, p. 28). Em novembro de 1993, a União fez um

aumento de capital de US$ 190 milhões na Embraer. Foi negociado no BB cerca de US$ 172

milhões e bens que o Ministério da Aeronáutica possuía na Embraer sob comodato, no valor

de US$ 18,2 milhões. O aumento de capital foi usado para diminuir o estoque de dívida de

longo prazo da empresa, de modo a saneá-la para a privatização (GOVERNO..., 20, 21 e

22/11/1993, p. 31).

Com esses ajustes financeiros prévios, a companhia elaborou um plano enviado ao

PND que mostrava até 2003 um potencial de faturamento subestimado, entre US$ 800

milhões e US$ 900 milhões. A Comissão Diretora do PND chegou a estabelecer no dia 7/3/94

o preço mínimo de venda da companhia em US$ 295,3 milhões, que em agosto foi reduzido

345

Em 1997, com um aumento de capital de R$ 230,2 milhões, esse grupo de acionistas majoritários passou a

controlar 85,4% do capital votante da companhia. A operação envolveu conversão de ações preferenciais em

ordinárias (CAPITAL..., 08/09/1997, p. C4).

215

para US$ 265 milhões, e em novembro caiu ainda mais, para US$ 153 milhões, com a

justificativa de que havia dívidas remanescentes (EMBRAER... 8/3/1994, p. 26). Para se ter

uma ideia do que se entendeu por subestimado, somente o valor de exportação da empresa em

1997 (cerca de US$ 600 milhões) representava 3 vezes mais o valor que ela foi vendida346. Em

1997, a receita bruta ficou próxima a US$ 750 milhões ante US$ 380 milhões em 1996

(EMBRAER..., 03, 04 e 05/10/1997, p. C6).

O potencial da empresa era notado pelo seu desempenho pouco tempo depois de ser

privatizada. Somente em 1995, em uma única viagem de exibição de um novo avião EMB

145 em três dias, nos Estados Unidos, a Embraer vendeu 15 aviões de US$ 15 milhões cada.

As próprias previsões dos controladores da empresa não escondiam o otimismo: esperavam

reduzir seu prejuízo líquido de US$ 300 milhões de 1995 para algo entre US$ 50 milhões e

US$ 70 milhões já em 1996. Estimavam que sua receita bruta aumentaria para US$ 400

milhões em 1996 e dobraria em 1997, para US$ 703,2 milhões. A estimativa também era de

conseguir um lucro líquido em 1997 de US$ 20,2 milhões (A EMBRAER..., 25, 26 e

27/10/1996, p. C3).

O negócio Embraer era tão rentável que em 1999 alguns bancos como o Bozano,

Simonsen manifestavam interesse de vender sua participação na companhia. Na justificativa

oficial do banco, o processo de reestruturação da Embraer já estava feito e “a companhia

encontrava-se pronta para atrair interessados pela perspectiva de vendas ascendentes e lucros”

(BOZANO..., 10/6/1999, p. 2). No entanto, o verdadeiro motivo de sua saída certamente era

vender sua participação com lucro significativo.

Em relação ao capital estrangeiro, a privatização da Embraer teve duas denúncias do

Sindicato dos Engenheiros de São José dos Campos (SP). A primeira esteve relacionada à

entrega de documentos sigilosos pelo presidente da Comissão do PND, André Franco

Montoro Filho, a grupos estrangeiros antes do leilão. A segunda era contra o então presidente

da Embraer nos EUA, Newton Berwing, e o superintendente Ozires Silva, por participação

desses empresários na formação de um grupo de investidores norte-americanos interessados

no leilão da Embraer (DENÚNCIA..., 10/07/1994, p. 20).

A empresa recorreu ao BNDES logo depois de desestatizada algumas vezes para se

financiar. Em 12 de fevereiro de 1997, por exemplo, o BNDES aprovou US$ 1 bilhão em

financiamento para que uma empresa norte-americana, a American Eagle (subsidiária da

American Airlines), comprasse 40 jatos da Embraer. Em junho de 1998, anunciou que estava

346

O resultado da venda da Embraer foi de US$ 192,2 milhões, com uma dívida transferida de US$ 263,4,

totalizando US$ 455,6 milhões (PROGRAMA..., 1996).

216

negociando o fornecimento de 150 aviões ARJ-135, de 37 lugares, para a American Airlines,

um contrato de US$ 1,7 bilhão, que contaria com financiamento do BNDES por meio do

Programa de Financiamento à Exportação (Finamex) (EMBRAER..., 02/06/1998, p. C3; US$

1 BI..., 10, 11 e 12/02/1997, p. C3).

Mesmo recorrendo a financiamentos no BNDES, a Embraer queria reduzir

funcionários. Em 1997, a Embraer propunha ao sindicato dos metalúrgicos de São José dos

Campos a demissão de 320 trabalhadores diretos e 80 indiretos (VENDAS..., 13/2/1997, p.

C5). Em maio de 1995, é importante lembrar, ela já havia anunciado a demissão de 1,7 mil

pessoas dentro do PDV (EMBRAER..., 31/5/1995, p. A1), além de terceirizar alguns

processos.

Além da Embraer, o ano de 1994 ainda foi marcado por privatizações menores em

valores, mas importantes em termos setoriais, pela continuidade da privatização do setor

petroquímico, siderúrgico e mineração. A Politeno Indústria e Comércio S.A., instalada em

Camaçari (BA) no Polo Petroquímico do Nordeste, que produzia e comercializava “resinas

poliolefínicas, com destaque para o polietileno de baixa intensidade (PEBD), termoplástico de

maior utilização no mercado” (PROGRAMA..., 1995, p. 26), foi a terceira maior privatização

de 1994. A Petroquisa possuía 30% do seu capital votante e 24,9% do capital total. Com a

privatização por US$ 44,8 milhões, as ações da Petroquisa foram adquiridas de maneira

equivalente “pelos sócios Conepar e Suzano, que atingiram assim, cada um, 35% do capital

votante. Os dois sócios estrangeiros mantiveram suas participações em 20% (Sumitomo) e

10% (Itochu)” (PROGRAMA..., 1995, p. 26).

A Companhia Pernambucana de Borracha Sintética (Coperbo), vendida por US$ 25,

9 milhões347

, foi a quarta maior venda de 1994. Ela produzia “copolímeros de butadieno e

estireno a partir do eteno proveniente de Camaçari (BA)” (PROGRAMA..., 1995, p. 28). A

empresa tinha seu controle dividido entre Petroquisa (23,1%), Copene (15,4%), Petroflex

(53,6%), Estado de Pernambuco (5,2%) e “outros” (2,8%) (PROGRAMA..., 1995,). Após

leilão, a Petroflex passou a deter 71,5% das ações e a Copene aumentou para 20,5% sua

participação na Coperbo. O governo do Estado de Pernambuco, assim como “outros”,

mantiveram suas participações em 5,2% e 2,8%, respectivamente (PROGRAMA..., 1995).

Em quinto lugar no ranking das maiores privatizações de 1994, a Ciquine,

Companhia Petroquímica com sede no Polo de Camaçari (BA), foi vendida por US$ 23,7

347

“No biênio 1992/93, a Coperbo apresentou uma receita operacional líquida de US$ 87 milhões/ano, com um

lucro líquido médio de US$ 68 milhões/ano. Em dezembro de 1993 o ativo total da empresa atingia US$ 115

milhões, com um patrimônio líquido de US$ 68 milhões” (PROGRAMA..., 1995, p. 28).

217

milhões. Ela possuía unidades em Arujá (SP) para produção de plastificantes; em Taubaté

(SP), onde fabricava acrilatos, no Uruguai para produção de ftálicos e na Argentina, onde

explorava anidrido maleico. A Petroquisa detinha 33,2% do capital votante e 31,4% do capital

total da empresa (PROGRAMA..., 1995). Após leilão, suas ações foram adquiridas pela

Companhia Nordeste de Participações (Conepar), “já acionista da empresa, que elevou seu

nível de participação para 66,5% do capital votante (50,6% do capital total). O principal

acionista estrangeiro (Mitsubishi) manteve sua participação em 27,9% do capital votante e

13,1% do capital total” (PROGRAMA..., 1995, p. 27). Assim como a Nissho Iwai e “outros”

que permaneceram com seu capital votante em 5,4% e 03%, respectivamente

(PROGRAMA..., 1995).

A Polialden Petroquímica S.A., com sede em Camaçari (BA), vendida por US$ 16,7

milhões, foi o sexto maior valor de leilão em 1994. Ela explorava “resinas derivadas do eteno,

produzindo polietileno de alta densidade (PEAD) e polietileno de ultra-alto peso molecular

(PEUAPM)” (PROGRAMA..., 1995, p. 27). Antes da desestatização, o capital da Polialden

era dividido entre Petroquisa (33,3%), Conepar (33,3%), Mitsubishi (16,7%) e Nissho Iwai

(16,7%). Posteriormente a sua privatização, as ações da Petroquisa foram compradas “pelo

sócio Conepar, que passou a controlar a empresa com 66,7% do capital votante. Os demais

sócios mantiveram as participações detidas antes do leilão” (PROGRAMA..., 1995, p. 28).

A Acrilonitrila do Nordeste S.A. (Acrinor), sediada em Camaçari (BA) e produtora

de acrilonitrila, produto petroquímico intermediário de grande uso na produção de fios e

fibras para a indústria têxtil e de resinas ABS para as indústrias automobilísticas e

eletroeletrônica, também foi vendida em 1994, por US$ 12,1 milhões, sendo a sétima em

valor no ranking das empresas privatizadas naquele ano. Ela atendia a todo o mercado interno

e exportava 45% de toda a sua produção. A Petroquisa e a Rhodia detinham 35% do capital

votante da Acrinor cada uma, a Copene 26% e a Unigel, 4%. As ações da Petroquisa foram

adquiridas pela Copene e pela Rhodia que passaram a possuir 48% da empresa cada uma, e a

Unigel manteve sua participação em 4% (PROGRAMA..., 1995).

A Arafértil S.A., localizada em Araxá (MG), vendida por US$ 10,7 milhões, foi, por

sua vez, o oitavo maior negócio de 1994. Ela fornecia concentrado fosfático e superfosfato em

pó granulado. A empresa era dividida igualmente (33,3%) “entre a Petrofértil, a Quimbrasil

(Grupo Moinho Santista) e a Fertisul (Grupo Ipiranga)” (PROGRAMA..., 1995, p. 25). Após

o leilão, as ações da Petrofértil foram adquiridas pela Fertisul que passou a deter 50,1% da

empresa e pela Quimbrasil que ficou com 49,9% das ações (PROGRAMA..., 1995).

218

Já a Mineradora Caraíba Ltda., com sede em Jaguarari (BA) e produtora de

concentrado de cobre, foi a privatização de menor valor em 1994. Suas ações pertenciam a

BNDESPar (100,0%) e foram adquiridas pela Caraíba Metais (80,0%) e empregados (20,0%)

(PROGRAMA..., 1995).

No ano de 1994, em um balanço sobre a privatização do setor siderúrgico, mesmo

constatando que “o resultado representou uma recuperação consolidada de apenas 20% dos

recursos líquidos aplicados pela União nessas oito empresas (US$ 25,3 bilhões)”

(PROGRAMA..., 1995, p. 45), o governo não só comemorava a desestatização completa do

setor siderúrgico brasileiro, como apontava vantagens com a sua venda, como a criação de

2.500 empregos nas comunidades onde estavam localizadas, o que significava apenas 30% da

mão de obra demitida com a privatização (PROGRAMA..., 1995). O setor de fertilizantes

também se encontrava completamente privatizado e o setor petroquímico, em fase final de

desestatização.

O relatório de 1994 sinalizava para a necessidade de privatização dos setores de

energia (como a Light e a Escelsa), transporte (como a Rede Ferroviária Federal) e

instituições financeiras (como o Banco Meridional), o que ocorreria em anos posteriores.

3.1.5. Governo FHC: Acirramento das Privatizações no Brasil

No ano de 1995, as privatizações que foram realizadas sob o governo FHC

acentuaram a desnacionalização e a financeirização da economia348

. Houve leis, decretos e

medidas provisórias que não só estenderam as privatizações para setores ligados a serviços

públicos, como também facilitaram e simplificaram o processo de privatização. A Medida

Provisória 841, de janeiro de 1995349, foi uma das principais. Ela promoveu mudanças na Lei

8.031, de abril de 1990, e criou o Conselho Nacional de Desestatização (CND) em

substituição à Comissão Diretora, com o objetivo de conferir "maior agilidade”

(PROGRAMA..., 1996, p. 35) às privatizações, ficando o Conselho assim constituído:

I - Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, na

qualidade de Presidente;

II - Ministro de Estado do Planejamento e Orçamento;

III - Ministro de Estado da Fazenda;

348

De acordo com Furtado (1999, p. 92), “as privatizações feitas pelo governo nos últimos quatro anos [1995-

1998] criaram compromissos permanentes com o estrangeiro, de remessas de lucros. Ninguém discutiu essa

opção. E pergunto: o Brasil, endividado do jeito que está, pode se da ao luxo de assumir compromissos externos

crescentes sem prazo fixo, como os criados pelas privatizações?”. 349

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/1995/medidaprovisoria-841-19-janeiro-1995-

377369-publicacaooriginal-1-pe.html.

219

IV - Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado (MP

841, 1995).

Todos esses cargos eram subordinados à presidência da República. O argumento era

o de que “a elevação em nível ministerial do órgão diretor do Programa visou possibilitar a

implementação das deliberações de maneira mais expedita”350 (PROGRAMA..., 1996, p. 35).

O presidente do Banco Central participaria das reuniões, com direito a voto, quando elas

estivessem relacionadas à privatização de instituições financeiras. Além destes, integraria as

reuniões, sem direito a voto, um representante do BNDES. Na Medida Provisória 841, era

destacado que as privatizações tinham como uma de suas metas “contribuir para a redução e

melhoria do perfil da dívida pública, concorrendo para o saneamento do setor público”.

Apesar das privatizações realizadas no governo FHC, a dívida pública brasileira cresceu de

maneira exponencial, como pontuado anteriormente.

A Lei No 8.987, de 13 de fevereiro de 1995351, que estabelecia a lei geral de

concessões, e a Lei No 9.074, de 7 de julho de 1995352, que definiu o novo regime de

concessões de serviços públicos foram outros marcos importantes do governo FHC. Elas

tinham como objetivo principal transferir para a iniciativa privada a execução de serviços

públicos353 e com isso levar adiante a política neoliberal no país. A Lei 8.987 “definiu o novo

regime de concessão e permissão de serviços públicos, aplicável aos setores de energia

elétrica e de transportes, este último envolvendo o sistema rodoviário, ferroviário e portuário”

(PROGRAMA..., 1996, p. 7). Por sua vez, a Lei 9.074 foi “aplicada às concessões dos

serviços e obras públicas, em especial os serviços de energia elétrica, viabilizando sua

transferência ao setor privado” (PROGRAMA..., 1996, p. 7). Além disso, a Lei 8.987 trouxe

350

“As decisões mais importantes do Programa – antes tomadas por uma Comissão Diretora, composta por

membros do setor público e privado – foram transferidas para o Conselho Nacional de Desestatização (CND),

composto pelos ministros de Estado relacionados com o Programa, visando agilizar a implementação das

decisões” (PROGRAMA..., 1996, p. 7). 351

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1995/lei-8987-13-fevereiro-1995-349810-

publicacaooriginal-1-pl.html. 352

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1995/lei-9074-7-julho-1995-347472-

publicacaooriginal-1-pl.html. 353

“A Lei 8.987, de 13.02.95, originou-se no Senado Federal, de autoria do então senador Fernando Henrique

Cardoso, e foi aprovada, após realizadas modificações, pela Câmara Federal. Devido ao seu impacto em grande

número de concessionárias existentes no setor elétrico, foi simultaneamente publicada a Medida Provisória 890,

de 13.02.95, que passou por quatro reedições mensais antes de se transformar, com algumas alterações, na Lei

9.074, de 07.07.95” (PROGRAMA..., 1996, p. 35). “Mais de quatro anos já se passaram desde que o então

Fernando Henrique Cardoso, hoje presidente da República, decidiu apresentar o projeto que estabelece as regras

para as concessões dos serviços públicos à iniciativa privada” (PROJETO..., 18/01/1995, p. 6).

220

outra alteração significativa para o processo de privatização em relação à Lei 8.031: estender

o PND aos Estados e Municípios354

.

Entre outras mudanças dos marcos legais do governo FHC ainda, no mesmo ano, foi

enviado ao Congresso Nacional um projeto de lei relacionado ao setor de telecomunicações

que regulamentava “a exploração pela iniciativa privada de serviços de telefonia celular e

adicionados e de serviços de satélites. Foram ainda regulamentados a outorga de serviços de

telecomunicações e de radiodifusão e os serviços de TV a cabo” (PROGRAMA..., 1996, p. 7).

O BNDES foi colocado ainda mais a serviço do processo de desestatização da

economia brasileira, quando em 1997 foi permitido ao banco “prestar serviços financeiros

para a implementação de projetos de privatização de serviços públicos nos níveis federal,

estadual e municipal, bem como na estruturação de projetos do setor privado”355

(PROGRAMA..., 1996, p. 8). Para acelerar e estimular ainda mais as privatizações foi

eliminado “pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil o desconto de

25% que incidia sobre o valor de face de vários tipos de bônus da dívida externa, assegurando

melhores condições para utilização desses títulos no Programa Nacional de Desestatização”356

(PROGRAMA..., 1996, p. 7-8).

354

Enquanto a Lei original do PND de 1990 estabelecia em seu artigo 2º a alienação das empresas ligadas direta

ou indiretamente à União, a nova lei determinava a desnacionalização e concessões além da União, para os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios. 355

De acordo com Biondi (2014, p. 82), o governo FHC assinou um decreto por meio do qual “o BNDES ficou

„autorizado‟ a [...] conceder empréstimos também a grupos estrangeiros [...]. O decreto presidencial de 24 de

maio de 1997 escancarou os cofres do BNDES às multinacionais, para que comprassem estatais”. 356

Houve ainda várias mudanças cujo objetivo era estimular crescentemente o processo de privatização, quais

sejam:

- Resolução Bacen 2.203, de 28.09.95:

Reduziu o desconto inicial sobre tipos de bônus da dívida externa de 25% para 0%;

Permitiu que o registro de investimento estrangeiro fosse realizado pelo valor de face dos títulos da dívida

externa efetivamente empregados no âmbito do PND;

Eliminou a proibição de que pessoas físicas ou jurídicas no país e/ou suas subsidiárias, filiais e agências no

exterior participassem dos leilões de privatização utilizando títulos da dívida externa.

- Emenda Constitucional 5, de 15.08.95:

Permitiu a exploração pela inciativa privada, mediante concessão estadual, dos serviços locais de distribuição de

gás canalizado.

- Emenda Constitucional 6, de 15.08.95:

Revogou a diferença entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional;

Autorizou a pesquisa e lavra de minérios às empresas constituídas sob a lei brasileira e que tenham sede

administrativa no país.

- Emenda Constitucional 7, de 15.08.95:

Abriu a navegação interna brasileira a empresas estrangeiras.

- Emenda Constitucional 8, de 15.08.95:

Permitiu a exploração dos serviços de telecomunicações pela iniciativa privada, mediante autorização, concessão

ou permissão, pela União;

Para os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens.

- Emenda Constitucional 9, de 09.11.95:

Permitiu a contratação pela União, com empresas estatais ou privadas, da realização de atividades ligadas à

exploração de petróleo (PROGRAMA..., 1996, p. 36-37).

221

No ano de 1995 oito empresas foram desestatizadas, conforme tabela 46:

Tabela 46

Privatizações em 1995 (em US$ milhões)

Empresa privatizada Valor da venda

Espírito Santo Centrais Elétricas S.A. (Escelsa) 399,932

Companhia Petroquímica do Nordeste (Copene) 270,444

Salgema Indústrias Químicas S.A. 139,213

Companhia Petroquímica de Camaçari (CPC) 99,564

Pronor S.A. 63,452

Companhia Brasileira de Poliuretanos (CBP) 36

Nitrocarbono S.A. 29,55

Companhia Química do Recôncavo (CQR) 1,708

Total 1.039,9

Fonte: PROGRAMA... (1996). Elaboração própria.

A Espírito Santo Centrais Elétricas S.A. (Escelsa) foi a primeira empresa estatal de

serviço público privatizada e a mais importante em valor no ano de 1995 (US$ 399,9

milhões). A Escelsa inaugurou a privatização do setor elétrico após FHC mudar a lei vigente.

Em todo o ano de 1995 as privatizações somaram cerca de US$ 1 bilhão (tabela 46).

A Escelsa era responsável pela geração, transmissão e distribuição de energia em

uma área de concessão de 40,67 mil Km2, cobrindo 90% da área do Estado do Espírito Santo,

atingindo 66 municípios e 651 mil consumidores. Antes de ser desestatizada, as ações da

Escelsa estavam distribuídas entre: Eletrobrás (72,3%), Iven S.A. 20,1%, Banco Pactual

(1,1%), Estado do Espírito Santo (3,4%), Prefeituras (1,2%), e “outros” (1,9%)

(PROGRAMA..., 1996). Após sua privatização, a divisão das ações da empresa ficou da

seguinte forma (gráfico 19):

222

Fonte: PROGRAMA... (1996). Elaboração própria

De acordo com o gráfico 19, a composição acionária da Escelsa após o leilão foi

dominada por instituições financeiras, representadas pela Iven, que passou a deter 45,1%, e

pela empresa GTD Participações, que adquiriu uma participação de 25%. A Iven era formada

pelos Bancos Pactual, Icatu/Opportunity, Nacional e Bozano, Simonsen. Fundos de pensão,

como Previ, Valia, Real Grandeza, Petros, Fapes, Eletros, Aeros, Fachest, Centrus, dentre

outros, estavam reunidos na GTD Participações (SÓ DOIS..., 07/07/1995, p. B3). A

Eletrobrás, que era a sua antiga controladora com 72,3%, ficou com 14,7% e o Estado do

Espírito Santo manteve sua participação de 3,4%. O caráter rentista da compra era visto no

próprio leilão, quando os novos acionistas informaram em declaração à imprensa que uma das

suas primeiras iniciativas seria torná-la uma empresa de capital aberto (A ESCELSA...,

12/07/1995, p. A1, B1 e B6).

A Escelsa foi vendida em 11 de julho de 1995, um mês após o governo admitir que

havia problemas no edital de privatização. Mesmo assim, com certa pressa, manteve a

realização do leilão na data prevista (ESCELSA..., 14 e 15/6/1995, p. A1). A Escelsa era uma

empresa lucrativa quando foi privatizada. Em 1994, a empresa teve um lucro de US$ 40

milhões (A ESCELSA..., 12/07/1995, p. A1, B1 e B6).

Após sua privatização, os acionistas majoritários decidiram ampliar a concentração

de capitais com a compra da Enersul, estatal de energia do Mato Grosso do Sul. Essa

aquisição no valor de R$ 625,5 milhões foi realizada em 1997. Os sócios da Escelsa chegaram

45%

25%

15%

8%

3% 2% 1%

1%

Gráfico 19. Composição Acionária da Escelsa Após a Privatização

Iven (45,1%)

GTD Part. (25%)

Eletrobrás (14,7%)

Empregados (7,7%)

Estado do Espírito Santo(3,4%)

Outros (1,9%)

Prefeituras (1,2%)

Banco Pactual (1,1%)

223

também a manifestar interesse na Cerj (estatal do Rio) e na Coelba (estatal da Bahia), mas não

adquiriram essas empresas (ESCELSA..., 26/8/1996, p. B8; ESCELSA..., 23, 24 e

25/05/1997, p. B7).

Depois de privatizada, os aumentos de tarifa da Escelsa também foram permitidos.

Em 2001, por exemplo, sob intensa pressão dos concessionários, conseguiu reajuste de

19,89%, quando a própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) falava em reajuste de

14,90% (ESCELSA...; 08/08/2001, p. A4). Os aumentos ocorriam mesmo com a Escelsa

apresentando baixos indicadores de qualidade nos serviços prestados, situação que foi

explicitada pelo índice de duração de interrupção de energia, que passou de 28,37 para 35,67,

e do valor de frequência, que saiu de 25,33 para 27,21 em 1996 (LIGHT..., 14/06/1996357

).

Quatro anos após a sua privatização, acionistas portugueses entraram no capital da

Iven adquirindo uma parte do que pertencia aos bancos. Assim, a Escelsa e a Enersul foram,

enfim, vendidas aos portugueses da EDP, confirmando uma desnacionalização do seu capital.

A transação ocorreu em agosto de 1999, quando a EDP Eletricidade de Portugal S.A., por

meio de suas subsidiárias EDP 2000 Participações Ltda., EDP Investimentos Ltda. e EDP

Internacional S.A., informou ter adquirido participação acionária direta e indireta na Iven,

então controladora da Escelsa e da Enersul. As empresas do grupo EDP adquiriram o

correspondente a 73,12% do capital social da Iven, pagando US$ 534,6 milhões à vista.

Assim, a EDP passava a deter o controle da Iven de forma compartilhada, por meio de uma

sociedade constituída por EDP, por Opportunity358 e Citibank, que não alteraram o montante

de suas participações acionárias no capital ordinário da Iven (EDP..., 26/08/1999, p. C5). Em

2002, o grupo EDP assumiu de fato a gestão da Escelsa. A EDP indicou a nova diretoria

composta por três portugueses e apenas um brasileiro (EDP..., 11, 12 e 13/10/2002, p. A7).

Com a compra da Iven em 1999, os portugueses ampliaram o seu poder no setor

elétrico brasileiro. Isso porque em setembro de 1998 eles já haviam adquirido a Bandeirante

Energia359, de São Paulo, que integrava a Eletropaulo, pelo preço mínimo R$ 1,01 bilhão.

Naquele leilão, a EDP ficou com 56% do capital e 44% ficou com a CPFL, controlada pelo

357

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/6/14/dinheiro/7.html 358

O Opportunity atuou nas privatizações da década de 1990 e na década de 2000 seu dono, Daniel Dantas, foi

preso na operação Satiagraha. Além de telecomunicações, realizou compras na área de mineração e no setor

agropecuário (DANIEL..., 8/7/2008. Disponível em: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Daniel-Dantas-

Naji-Nahas-e-Celso-Pitta-sao-presos-acusados-de-integrar-organizacao-criminosa/4/14234). Para mais

informações sobre a operação Satiagraha, ver: Valente (2014). 359

Além de financiar a compra no leilão, o BNDES teve protagonismo no financiamento para expansão da

empresa, em 2009 foi liberado R$ 190 milhões de um total de R$ 900 milhões (EDP..., 28/12/2009. Disponível

em: https://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/valor/2009/12/28/edp-obtem-r-190-milhoes-de-financiamento-

direto-do-bndes.jhtm).

224

VBC (Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa) (SEM DISPUTA..., 18/09/1998, p. 4). Em

2004, deve-se ressaltar que uma reorganização societária transformou todas as participações

acionárias no setor elétrico detidas pelos portugueses da EDP no Brasil na empresa Energias

do Brasil (COMUNICADO..., 11/4/2005)360

.

A segunda maior desestatização de 1995 foi a da Companhia Petroquímica do

Nordeste (Copene). Ela era “destinada à transformação de nafta em produtos petroquímicos

básicos, à comercialização de seus produtos e à prestação de serviços diversos às empresas do

Polo Petroquímico do Nordeste, [era] a principal central de matérias-primas petroquímicas do

Brasil” (PROGRAMA..., 1996, p. 18). Antes do leilão a composição acionária da Copene

estava distribuída entre: Petroquisa (36,2% do total – 48,2% capital ordinário e 29,5% capital

preferencial), Norquisa (25,7% do total – 47,6% capital ordinário e 13,4% capital

preferencial), “outros” (38% do total – 4,2% capital ordinário e 57,1% capital preferencial).

Depois da privatização no valor de US$ 270,4 milhões, suas ações ficaram divididas da

seguinte forma (gráfico 20):

Fonte: PROGRAMA... (1996). Elaboração própria.

360

Disponível em www.bovespa.com.br.

38%

36%

16%

6%

3%

1%

Gráfico 20. Composição Acionária da Copene Após a Privatização

Outros (38%)

Norquisa (36,4%)

Reserva ao Público (15,8%)

Petroquisa (5,6%)

Empregados (3,1%)

Fundos de Pensão (1,2%)

225

A nova composição acionária da Copene mostrava que os acionistas denominados

“outros” mantiveram 38% do total das ações, divididas em 4,2% ações ordinárias e 57,1%

ações preferenciais. A Norquisa (Nordeste Química S.A., que pertencia a 17 empresas)

comprou a maior parte das ações vendidas pela Petroquisa, estatal do grupo Petrobrás,

passando a deter um total de 36,4% das ações, divididas em 77,1% ações ordinárias e 13,4%

ações preferenciais, constituindo-se, portanto, como a controladora da Copene. A Norquisa,

que já possuía alta participação acionária na Copene (47,6% das ações ON), compartilhando a

gestão da empresa com a Petroquisa, tinha o direito de preferência para compra desse capital

da Petroquisa e o utilizou para adquiri-lo (DISPUTA..., 02/08/1995, p. B3). As ações de

reserva ao público somaram 15,8%, sendo 24,7% ações preferenciais. A Petroquisa ficou com

uma participação de apenas 5,6% do total das ações e 15,4% das ações ordinárias.

Antes de ser privatizada, a Copene era a maior fabricante de insumos básicos da

petroquímica brasileira (EMPRESA..., 16/08/1995, p. 6). Também era lucrativa. Ela encerrou

1994 com um lucro líquido de R$ 116 milhões (RECUPERAÇÃO..., 13/02/1995, p. 22). Em

um processo de concentração e centralização de capitais, após alguns anos, a Norquisa, nova

controladora da Copene, comprou a Braskem e depois o grupo Odebrecht adquiriu a Braskem.

Em 2005, o novo nome da Copene passou a ser Braskem S.A.

Com um leilão em que foram arrecadados US$ 139,2 milhões, a Salgema Indústrias

Químicas S.A., sediada em Maceió (AL), foi a terceira maior venda do Estado em 1995. Ela

produzia soda cáustica e produtos correlatos como o cloro. Antes do leilão, a composição do

capital da Salgema estava dividida em: Petroquisa (29,3% do total – 23,2% ações ordinárias e

33,7% ações preferenciais), EPB (15,5% do total – 36,5% ações ordinárias), Copene (17,1%

do total – 40,3% ações ordinárias), “outros” (38,1% do total – 66,3% ações preferenciais).

Após o leilão, a nova composição ficou distribuída em: EPB (25% do total – 50% ações

ordinárias e 6,5% ações preferenciais), Copene (21,2% do total – 50,0% ações ordinárias),

“outros” (38,1% do total – 66,3% ações preferenciais) e “novos adquirentes” (15,7% do total

– 27,2% ações preferenciais) (PROGRAMA..., 1996).

Já a quarta maior privatização de 1995 foi a da Companhia Petroquímica de

Camaçari (CPC), estabelecida em Camaçari (BA), Marechal Deodoro (AL) e São Paulo (SP)

e produtora de cloreto de polivilina (PVC). Ela era a maior produtora de PVC do Brasil,

atendendo 65% do mercado interno. Antes de sua privatização, as ações da CPC

encontravam-se assim repartidas: Petroquisa (20,8% do total – 33,3% ações ordinárias e

10,7% ações preferenciais), EPB (14,9% do total – 33,3% ações ordinárias), Mitsubishi (8,5%

226

do total – 19,0% ações ordinárias), Nissho Iwai (6,4% do total – 14,3% ações ordinárias),

“outros” (49,4% do total – 89,3% ações preferenciais). Após leilão, as ações da Petroquisa

foram vendidas por US$ 99,6 milhões e passaram a ser distribuídas entre: EPB (29,8% do

total – 66,7% ações ordinárias), Mitsubishi (8,5% do total – 19,0% ações ordinárias), Nissho

Iwai (6,4% do total – 14,3% ações ordinárias), “outros” (49,4% do total – 89,3% ações

preferenciais) e “novos adquirentes” (5,9% do total – 10,7% ações preferenciais)

(PROGRAMA..., 1996).

Em 1995, o Estado também se desfez da Pronor Petroquímica S.A. Sediada no Polo

Petroquímico de Camaçari (BA), era fabricante de tolueno diisocianato (TDI) destinado para a

produção de espumas de poliuretano utilizadas em estofados para móveis, autos e colchões. A

Pronor era a única produtora de TDI no Brasil. A empresa também produzia monóxido de

carbono e fosgênio. A composição do capital da Pronor se distribuía entre a Petroquisa

(35,3% do total – 49,3% ações ordinárias e 25,6% ações preferenciais), Petroquímica da

Bahia (20,6% do total – 50,0% ações ordinárias e 0,4% ações preferenciais), Petrobrás (0,3%

do total – 0,5% ações preferenciais), BNDESPar (38,9% do total – 65,8% ações preferenciais)

e “outros” (4,9% – 0,7% ações ordinárias e 7,7% ações preferenciais). Após o leilão das ações

da Petroquisa, a Petroquímica da Bahia comprou por US$ 63,5 milhões todas as ações

leiloadas. O controle da Pronor Petroquímica passou a ser dividido entre: Petroquímica da

Bahia (55,9% do total – 99,3% ações ordinárias e 26% ações preferenciais), Petrobrás (0,3%

do total – 0,5% ações preferenciais), BNDESPar (38,9% do total – 65,8% ações preferenciais)

e “outros” (4,9% – 0,7% ações ordinárias e 7,7% ações preferenciais) (PROGRAMA...,

1996).

Vendida por US$ 36 milhões, a Companhia Brasileira de Poliuretanos (CBP), que

produzia “MDI, matéria-prima alternativa ao TDI na produção de poliuretanos”

(PROGRAMA..., 1996, p. 24), foi o sexto maior leilão de 1995. Ela tinha seu capital social

distribuído entre Petroquisa (23,7% do total – 82% ações preferenciais), Pronor (73,6% do

total – 100% ações ordinárias e 8,6% ações preferenciais), “outros” (2,2% do total – 7,6%

ações preferenciais) e BBM (0,5% do total – 1,8% ações preferenciais). Decorrido o leilão no

valor de US$ 36 milhões, a Atrium comprou todas as ações ofertadas e a CBP passou a ter o

seguinte controle: Pronor (73,6% do total – 100% ações ordinárias e 8,6% ações

preferenciais), BBM (0,5% do total – 1,8% ações preferenciais), Atrium (23,7% do total –

82,0% ações preferenciais), e “outros” (2,2% do total – 7,6% ações preferenciais)

(PROGRAMA..., 1996).

227

Com um leilão em que foram arrecadados US$ 29,55 milhões, a Nitrocarbono S.A.,

pertencente ao Polo Petroquímico de Camaçari (BA), foi a sétima maior privatização de 1995.

Ela produzia “caprolactama, insumos de fios e fibras químicas” (PROGRAMA..., 1996, p.

23), e também foi privatizada por FHC. Antes do leilão, suas ações eram segmentadas entre a

Petroquisa (19,0% do capital total – 24,6% ações ordinárias e 13,6% ações preferenciais),

Petroquímica da Bahia (10,9% do total – 17,5% ações ordinárias e 4,6% ações preferenciais),

Pronor (28,2% do total – 57,9% ações ordinárias), “outros” (41,9% do total – 81,7% ações

preferenciais). Após a venda da participação da Petroquisa, a nova composição da

Nitrocarbono passou a ser: Petroquímica da Bahia (12,7% do total – 19,8% ações ordinárias e

5,9% ações preferenciais), Pronor (45,4% do total – 80,2% ações ordinárias e 12,4% das

ações preferenciais), “outros” (41,9% do total – 81,7% ações preferenciais) (PROGRAMA...,

1996).

Outro leilão de 1995 foi o da Companhia Química do Recôncavo (CQR), com sede

em Camaçari (BA). Ela produzia sódica cáustica e cloro e tinha suas ações fracionadas entre

Petroquisa (36,9% do total – 72,6% ações preferenciais), Salgema (49,0% do total – 99,7%

das ações ordinárias) e “outros” (14,1% do total – 0,3% ações ordinárias e 27,4% ações

preferenciais). Após o leilão em que foi vendida por US$ 1,7 milhão – o menor volume entre

as privatizações de 1995 –, ela ficou partilhada entre Salgema (49,0% do total – 99,7% das

ações ordinárias), “outros” (14,1% do total – 0,3% ações ordinárias e 27,4% ações

preferenciais), e Apply Com. Empreend. (36,9% do total – 72,6% ações preferenciais) que

comprou todas as ações ofertadas pela Petroquisa (PROGRAMA..., 1996).

No ano de 1996 o governo FHC promoveu ainda mais mudanças por meio de leis,

medidas provisórias e emenda constitucional com o objetivo de acirrar o processo de

privatização, facilitando a desnacionalização da economia brasileira361. Neste ano foi

361

Como exemplos, destacam-se (PROGRAMA..., 1997, p. 6):

“Lei 9.295/96 de 19.07.96, regulamentada pelo Decreto 2.056/96, de 04.11.96, institui o Serviço Móvel de

Celular, a ser prestado, sem exclusividade, sob o regime de concessão, em áreas delimitadas do território

nacional.

A Emenda Constitucional 13/96, de 21.08.96, aboliu o monopólio estatal para o setor de resseguros, permitindo,

em consequência, a participação da iniciativa privada no setor.

O Decreto 2.003/96, de 10.09.96, regulamentou a produção de energia elétrica por produtor independente e por

autoprodutor, mediante concessão ou autorização.

O Projeto de Lei 32/96, de 22.11.96, encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional, dispondo sobre o uso

de recursos depositados em contas nominativas detidas pelos participantes do Fundo de Garantia por Tempo de

Serviço (FGTS) para utilização como meio de pagamento na aquisição de ações alienadas no âmbito do PND

(moedas sociais).

O Projeto de Lei 2.648/96, que versa sobre a nova organização geral dos serviços de telecomunicações, a criação

de um órgão regulador e aspectos institucionais do setor, encaminhado pelo Executivo ao Congresso Nacional.

A Medida Provisória 1.556/96 de 18.12.96, estabeleceu mecanismos objetivando incentivar a redução da

presença do setor público estadual na atividade financeira bancária e a privatização de instituições financeiras.

228

finalizada a privatização de uma boa parte do SPE com a conclusão da desestatização do setor

petroquímico (venda de participações da Petroquisa – Petrobrás Químicas S.A.). Além disso,

avançou o processo de privatização dos serviços públicos, com o leilão da Light, da Rede

Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) e o início da reestruturação do setor elétrico para posterior

venda do Sistema Eletrobrás. Ainda em 1996 foram incluídos no PND o setor portuário e a

CVRD (PROGRAMA..., 1997).

O Decreto no 2.077, de 21 de novembro de 1996362, promoveu alterações no Decreto

no 1.024, de 29 de julho de 1994363, permitindo, por meio do Artigo 33, que o CND pudesse

“estabelecer procedimentos simplificados para os processos de desestatização, inclusive para

a fixação do preço mínimo” com o objetivo de favorecer e acelerar as privatizações. Com

essas novas “facilidades” no ano de 1996 foram privatizadas 11 empresas, um volume maior

do que as 7 do ano anterior (tabela 47):

Tabela 47

Privatizações em 1996 (em US$ milhões)

Empresa privatizada Valor da venda

Light Serviços de Eletricidade S.A. 2.356,90

Rede Ferroviária Federal S.A. Malha Sudeste 888,9

Rede Ferroviária Federal S.A. Malha Centro-Leste 316,9

Rede Ferroviária Federal S.A. Malha Sul 216,6

Polibrasil S.A. Ind. e Com. 99,4

Polipropileno S.A. 81,2

Rede Ferroviária Federal S.A. Malha Oeste 62,36

Rede Ferroviária Federal S.A. Malha Tereza Cristina 18,51

Estireno do Nordeste S.A. 16,6

Deten Química S.A. 12,1

Koppol Films S.A. 3,1

Total 4.072,6

Fonte: PROGRAMA... (1997). Elaboração própria.

A tabela 47 mostra que o total de privatizações em 1996 foi significativo: US$ 4,07

bilhões. A privatização mais importante de 1996 em valor foi a da Light Serviços de

Eletricidade S.A., por US$ 2,36 bilhões. A Light, distribuidora de energia, atuava no Estado

do Rio de Janeiro cobrindo 72% de sua população, ou seja, 2,7 milhões de pessoas. Antes de

A Lei 9.427, de 26.12.96, instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), vinculada ao Ministério de

Minas e Energia, com a finalidade de regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização

de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal”. 362

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1996/decreto-2077-21-novembro-1996-444978-

publicacaooriginal-1-pe.html. 363

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1994/decreto-1204-29-julho-1994-449481-

publicacaooriginal-1-pe.html.

229

sua alienação, a Eletrobrás detinha 81,61% de suas ações e os acionistas denominados

“outros” detinham 18,39%. Após a venda de suas ações, sua composição acionária ficou

distribuída da seguinte forma (gráfico 21):

Fonte: PROGRAMA... (1997). Elaboração própria.

A privatização da Light não deixou dúvidas sobre a desnacionalização do serviço

essencial de energia elétrica no país. A empresa foi arrematada pelo consórcio liderado pela

estatal francesa Electricité de France (EDF), associada às norte-americanas Houston Energy

Industries, do Texas, e a AES Corporation, de Virginia. Também fizeram parte do consórcio a

CSN e a BNDESPar, mas com fatias minoritárias. O leilão não teve disputa nem ágio. A

empresa foi vendida exatamente pelo seu preço mínimo (LIGHT..., 23/05/1996, p. A1 e B4).

A Light era uma empresa estatal cujas receitas operacionais líquidas em 1994, dois

anos antes da sua privatização, somavam R$ 1,3 bilhão. Era uma empresa lucrativa, tendo

obtido um lucro líquido de R$ 127 milhões em 1994 (PROGRAMA..., 1997). Em 1996, ano

da sua privatização, ela apresentou um lucro líquido ainda maior, de R$ 173,3 milhões

(COMUNICADO..., 20/02/1997, p. 32). Em 1997, um ano após a sua desestatização, sua

receita líquida já era de R$ 1,6 bilhão (ESTRANGEIROS..., 01/08/1997, p. 21). Seu lucro em

1997 chegava a R$ 324,3 milhões (LIGHT..., 17/3/1998, p. A1 e C4).

Uma das formas de o governo “preparar” a empresa para a privatização foi promover

mudanças a fim de “propiciar maior lucratividade e eficiência operacional”, (PROGRAMA...,

20%

20%

20%

17%

13%

10%

Gráfico 21. Composição Acionária da Light Após a Privatização

Electricité de France (20,32%)

Houston Industries Energy (20,32%)

AES Coral Reef Inc. (20,32%)

BNDESPAR (16,37%)

CSN (12,99%)

Outros (9,68%)

230

1997, p. 30), para torná-la ainda mais atraente ao setor privado. Dentre as alterações esteve

um ajuste financeiro em 1995. Houve entendimentos entre o BNDES, Eletrobrás, Eletropaulo

e Light sobre o valor do débito da Eletropaulo com a Light. Até então, a Light reconhecia uma

dívida de US$ 1 bilhão enquanto a Eletropaulo alegava uma dívida de US$ 400 milhões. No

acordo, foi fechado um número único para a dívida da Eletropaulo, de US$ 800 milhões

(ELETROPAULO..., 08/03/1995, p. 21). Isso foi importante para definir a privatização da

Light, pois além de estabelecer o valor em comum da dívida, houve a ideia de uma

modelagem de leilão em que se desvincularia a Light operacional das participações que a

Light possuía, como os 47,5% da Eletropaulo, e definiu-se pela realização de dois leilões

separados. A primeira parte da empresa, que representaria a sua melhor parte, visto que

envolveria uma empresa saneada, chamaria Light Rio e seria logo leiloada, enquanto a outra,

chamada Light Participações, só seria leiloada após o equacionamento da dívida da

Eletropaulo. A cisão da empresa era entendida pelo governo como uma forma de viabilizar a

privatização da Light (PRIVATIZAÇÃO..., 05/01/1995, p. 27; GOVERNO..., 19/09/1995, p.

B3; ELETROPAULO..., 29, 30 e 01/10/1995, p. B3).

Após comprar a Light364

, a EDF já se empenhava em aumentar sua participação no

Brasil, ampliando a concentração e centralização de capitais. A empresa sinalizava a

possibilidade de participar do leilão da Cerj, no Rio, o que poderia lhe render o monopólio da

distribuição de energia do Estado do Rio de Janeiro (LIGHT..., 21/08/1996, p. A1 e B6).

Manifestava-se também interessada nas distribuidoras de gás do Rio – CEG e Riogás – e

também chegou a dizer que tinha interesse na Coelce, no Ceará, mas dela desistiu (LIGHT...,

15/01/1998, p. C5) porque seu foco principal após o Rio de Janeiro foi o Estado de São Paulo,

no qual cobiçava a disputa, por exemplo, da Companhia Energética de São Paulo (CESP)

(LIGHT..., 10/11/1997, p. B6).

Os serviços de energia do Rio começaram a ter aumentos mais significativos de

tarifas de energia. “Os reajustes de 100%, 300%, 500% antes da privatização [garantiriam]

lucros aos novos donos. E houve aumentos até de última hora, como o reajuste de 58% para as

contas de energia no Rio, poucos dias antes do leilão da Light” (BIONDI, 2014, p. 27),

De acordo com Biondi (2014), enquanto o discurso a favor das privatizações era de

que as tarifas seriam reduzidas para beneficiar o consumidor, o governo já havia concordado

em reajustar, após os leilões, todos os anos as tarifas pelo IGP-DI, portanto, indexando a tarifa

de energia à inflação. “Prazo previsto para essa indexação durar: cinco anos. Prazo anunciado

364

Que chegou a ser considerada a “semi-jóia da coroa”, pelo então consultor do Banco BBA e um dos mentores

do Plano Real, Edmar Bacha (FALTAM..., 07, 08 e 09/06/1996, p. 5).

231

por Elena Landau365: oito anos. Mais três anos de reajuste automático” (BIONDI, 2014, p. 83).

Segundo Biondi, à época da privatização as empresas distribuidoras compravam energia

gerada por estatais a R$ 30 o megawatt-hora e o vendiam a R$ 84.

Em grande parte, após a privatização, a Light realizava seus investimentos com

auxílio do BNDES. Em novembro de 1998, por exemplo, negociava um empréstimo de R$

325 milhões com o banco. Isso representava a segunda vez somente naquele ano que

recorreria ao banco. A primeira operação havia sido de R$ 105 milhões (LIGHT...,

09/11/1998, p. C5). Mesmo demandando dinheiro público em seu financiamento, era dada

liberdade de escolha para a tecnologia que seria utilizada pela empresa nos investimentos,

podendo trazer equipamentos das matrizes de seus sócios. “Essa concessão trouxe a

consequência previsível: as empresas „privatizadas‟ passaram a importar maciçamente

equipamentos, peças, componentes. „Quebraram‟ a indústria nacional. E „torraram‟ dólares,

contribuindo para a crise futura do real” (BIONDI, 2014, p. 83, grifos do autor).

Do mesmo modo como ocorreu com outras empresas desestatizadas, a privatização

da Light, ao contrário do que era defendido pelo governo, não resultou em melhoria dos

serviços prestados366. Poucos anos depois de vendida, a Light já seria multada pela má

prestação de serviços. Em fevereiro de 1998, a Aneel determinou uma multa de R$ 2 milhões

para a Light (LIGHT..., 12/02/1998)367

.

Depois da Light, a maior privatização de 1996 foi a da RFFSA. Ela foi dividida em 6

malhas regionais para facilitar sua privatização, que ocorreu especialmente no transporte de

cargas. As malhas se dividiram em: Oeste368, Centro-Leste369, Sudeste370, Tereza Cristina371,

365

Diretora de desestatização do BNDES. 366

Para se ter uma ideia da piora dos serviços prestados pela Light após a privatização, basta constatar que os

índices de duração de interrupção (DEC) da Light em 1992 foi de 14,82 e o de frequência (FEC) 14,64, contudo,

o contrato de privatização autorizava que os mesmos pudessem ser aumentados para 19,30 e 16,38

respectivamente, diminuindo a qualidade do serviço prestado. Para uma comparação, em São Paulo o DEC das

estaduais estava na faixa de 10 e o das concessionárias privadas entre 28 e 32 (LIGHT..., 14/6/1996, p. 2). 367

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc12029802.htm. 368

“Malha Oeste, composta pela antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, ligando Bauru (SP) a Corumbá e

Ponta Porã (MS), correspondendo à Superintendência Regional de Bauru (SR10)” (PROGRAMA..., 1997, p.

22). 369

“Malha Centro-Leste, englobando as regiões atendidas pelas Superintendências Regionais de Belo Horizonte

(SR2), Salvador (SR7) e Campos (SR8), com conexão com a Estrada de Ferro Vitória-Minas, da CVRD”

(PROGRAMA..., 1997, p. 22). 370

“Malha Sudeste, formada pelas linhas ferroviárias de bitola larga, que servem aos Estados de São Paulo, Rio

de Janeiro e Minas Gerais, sob a jurisdição das Superintendências Regionais Juiz de Fora (SR3) e São Paulo

(SR4)” (PROGRAMA..., 1997, p. 22). 371

“Malha Tereza Cristina, localizada no Estado de Santa Catarina, isolada das demais linhas da RFFSA, ligando

a região produtora de carvão de Criciúma à Usina Termelétrica Jorge Lacerda (Eletrosul) e ao Porto de Imbituba,

correspondente à regional de Tubarão (SR9)” (PROGRAMA..., 1997, p. 22).

232

Sul372

e Nordeste373. A mais importante em valor foi a malha Sudeste, que atingiu US$ 888,9

milhões. Ela tinha uma abrangência de 1.674 km. A única malha ferroviária que não foi

privatizada em 1996 foi a Nordeste, cujo leilão foi adiado para o ano seguinte.

Permitiu-se no processo de desestatização da RFFA de maneira geral uma carência

de 2 anos e um prazo total de 30 anos para o pagamento das ações dessas empresas, mesmo

período da concessão. A Malha Oeste tinha 1.621 km de extensão e foi vendida por US$

62,36 milhões; a Malha Centro-Leste possuía 7.080 km de abrangência e leiloada por US$

316,9 milhões; a Malha Tereza Cristina percorria 164 km de extensão e foi privatizada por

US$ 18,51 milhões; a Malha Sul, com 6.586 km de abrangência, foi vendida por US$ 216,6

milhões. Os compradores dessas malhas foram os seguintes grupos (quadro 1):

Quadro 1

Compradores da RFFSA em 1996

Malhas

privatizadas

Grupos adquirentes

Malha Oeste

Noel Group Inc. (20%); Brasil Rail Partners (20%); Western Rail Investors, LLC (20%);

Chemical LatinAmerica Equity Assoc. (20%); Bankamerica Interm. Invest. Corp. (18%);e DK

Partners (2%)

Malha

Centro-Leste

Mineração Tucumã (12,5%); Interférrea S.A. Serv. Intermodais (12,5%); CSN (12,5%);

Tupinambarana S.A. (12,5%); Railtex Int. Holding Inc. (12,5); Varbra S.A. (12,5%); Ralph

Partners I (12,5%); e Judori Adm., Empre. e Part. Ltda. (12,5%)

Malha

Sudeste

CSN (20%); Minerações Brasileiras Reunidas S.A. (MBR) (20%); Usiminas (20%);

Ferteco Mineração S.A. (16,8%); Ultrafértil S.A. (8,9%); Cia. Siderúrgica da Guanabara

(Cosigua) (5,3%); ABS - Empreend. Imob. Part. Serv. S.A. (4,7%); e

Celato Integração Multimodal S.A. (4,3%)

Malha Tereza

Cristina

Santa Lúcia Agro-indústria e Comércio S.A. (33,33%); Banco Interfinance S.A. (33,3%); e

Gemon - Geral de Engenharia e Montagens (33,3%)

Malha Sul

Varbra S.A. (17,5%); Judori Adm., Empreend. e Part. (17,5%); Interférrea S.A. Serv.

Ferrov. e Intermodais (17,5%); Ralph Partners (17,5%); Railtex International Holding (15%);

Brazil Private Equity (11,3%); Brazilian Equity Invest. III (2,9%); e Brazilian Equities (0,8%)

Fonte: PROGRAMA... (1997). Elaboração própria.

O quadro 1 mostra que alguns grupos se repetiram, tendo adquirido participação em

mais de uma malha, como a Varbra S.A., que comprou uma fatia da Malha Centro-Leste e

outra da Malha Sul, assim como a CSN, que adquiriu uma parte da Malha Sudeste e outra

parte da Malha Centro-Leste. O quadro também realça o interesse de alguns setores nas

ferrovias, como o siderúrgico e o de mineração. Além da CSN, a Usiminas comprou uma

parte da Malha Sudeste, bem como a Cosigua. Entre as mineradoras, compraram participações

nas ferrovias empresas como a Ferteco Mineração e a MBR. Alguns fundos de investimentos

372

“Malha Sul, incorporando as Superintendências Regionais de Curitiba (SR5) e Porto Alegre (SR6), com

grande potencial de atendimento ao Mercosul” (PROGRAMA..., 1997, p. 22). 373

“Malha Nordeste, formada pela junção das regiões atendidas pelas Superintendências Regionais de Recife

(SR1), Fortaleza (SR11) e São Paulo (SR12)” (PROGRAMA..., 1997, p. 22).

233

também fizeram parte dos compradores como o Brazil Private Equity, que adquiriu 11,3% da

Malha Sul.

Em 1996 o Estado também se desfez da Polibrasil S.A. Indústria e Comércio. Ela

tinha uma participação minoritária da Petroquisa (25,70%) e da Shell (Poliolefinas) (25,70%)

e uma participação muito pequena da Ipiranga (1,13%). A maior acionista era a Polipropileno

(47,47%). Com o leilão de US$ 99,4 milhões, o “Consórcio Mega, composto por Hipart

Participações Ltda., Ipiranga Químicas S.A. e Polipropileno S.A., adquiriu 100% das ações

ofertadas” (PROGRAMA..., 1997, p. 34).

Outra privatização ocorrida em 1996 foi a da Polipropileno S.A., sediada em

Camaçari (BA), sendo a sexta maior venda daquele ano. Ela era responsável pela

industrialização de resina de polipropileno. A Polipropileno tinha como principal acionista a

Petroquisa (34,19% do total – divididas em 42,85% de ações ordinárias e 17,20% de ações

preferenciais), seguida pela Suzano (34,09% do total – 29,99% ações ordinárias e 42,13%

ações preferenciais) e Cevekol (29,50% do total – 27,15% ações ordinárias e 34,09% ações

preferenciais), além de uma pequena participação da Iretama (0,04% do total – 0,13% ações

preferenciais) e “diversos” (2,18% do total – 6,45% ações preferenciais). A Suzano Resinas

Petroquímica Ltda. arrematou todas as ações da Petroquisa por US$ 81,2 milhões, passando a

controlar 72,9% do capital votante da Polipropileno (PROGRAMA..., 1997).

Também foi vendida em 1996 a Estireno do Nordeste S.A. (EDN), instalada no Polo

Petroquímico de Camaçari (BA), produtora de estireno e de poliestireno. A distribuição das

ações da EDN antes de sua alienação era: Petroquisa (26,74% do total – 33,33% ações

ordinárias e 33,33% ações preferenciais “b”), Dow Química (26,74% do total – 33,33% ações

ordinárias e 33,33% ações preferenciais “b”), massa falida Cevekol (13,15% do total –

51,03% ações preferenciais “a” e 33,33% ações preferenciais “b”), novos acionistas (23,68%

do total – 33,33% ações ordinárias) e “outros” (9,69% do total – 0,01% ações ordinárias,

48,97% ações preferenciais “a” e 0,01% ações preferenciais “b”). As ações da Petroquisa

foram compradas por US$ 16,6 milhões em sua totalidade pela Dow Química S.A., que

passou a ser acionista majoritária da EDN (PROGRAMA..., 1997).

Outra venda de 1996 foi a da Deten Química S.A., localizada em Camaçari (BA) e

integrante do Polo Petroquímico de Camaçari, que era responsável pela “produção de

matérias-primas para a fabricação de tensoativos, detergentes biodegradáveis, produtos

intermediários e derivados e outros produtos químicos em geral” (PROGRAMA..., 1997, p.

32). Antes do leilão, as ações ordinárias da Deten eram de propriedade da Petroquisa

234

(35,63%), Unipar (35,63%), UNA S.A. Administração e Participações (28,56%) e Isabel

Meira (0,17%). As ações da Petroquisa correspondiam a 35,63% do capital votante e 33,50%

do capital social. Apenas uma parte de suas ações foram vendidas para a UNA, no valor de

US$ 12,1 milhões, o que correspondeu a 7% do capital social da Deten (PROGRAMA...,

1997).

Localizada em Mauá (SP), a Koppol Films S.A. foi a privatização de menor volume

de recursos em 1996: US$ 3,1 milhões. Ela produzia filmes de polipropileno (BOPP), a partir

do homopolímero de polipropileno produzido pela Polibrasil. “Sua fábrica [contava] com uma

avançada tecnologia, tendo seus equipamentos sido projetados e construídos por um pool de

empresas alemãs, norte-americanas e brasileiras” (PROGRAMA..., 1997, p. 20). A

composição societária no que se refere às ações ordinárias antes do leilão era: Petroquisa

(49,6%), Poliolefinas (49,6%), Ipiranga (0,4%) e Polipropileno (0,4%). As ações ordinárias da

Petroquisa foram adquiridas em sua totalidade pela Suzano Resinas Petroquímicas Ltda.

Em 1997 as privatizações se acentuaram, por isso foram enaltecidas pelo relatório de

atividades que ressaltava seu “extraordinário desempenho” (PROGRAMA..., 1998, p. 5).

Naquele ano foram privatizadas a CVRD, concluiu-se a desestatização da RFFSA, promoveu-

se o primeiro leilão do setor portuário e do setor financeiro e o CND permitiu a venda de

ações ordinárias da Petrobrás.

A aprovação da Lei 9.491, de 9 de setembro de 1997374, “incorporou vários

aprimoramentos e revogou a Lei 8.031, de 12.04.90, que instituiu o PND” (PROGRAMA...,

1998, p. 5), a fim de acelerar o processo de desestatização da economia brasileira, com a

reformulação do I PND que já vinha sofrendo mudanças desde o governo Itamar. Os objetivos

fundamentais do II PND de 1997375 se assemelhavam aos do I PND, do governo Collor. No

374

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1997/lei-9491-9-setembro-1997-365396-

publicacaooriginal-1-pl.html. 375

“Art. 1º O Programa Nacional de Desestatização - PND tem como objetivos fundamentais:

I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades

indevidamente exploradas pelo setor público;

II - contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da

redução da dívida pública líquida;

III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa

privada;

IV - contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infra-

estrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial

nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito;

V - permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado

seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais;

VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores

mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa” (LEI

9.491, 1997).

235

que dizia respeito às empresas que poderiam ser privatizadas, o II PND incluiu dois tipos de

empresas em seu artigo 2º que não faziam parte do I PND: “III - serviços públicos objeto de

concessão, permissão ou autorização; e IV - instituições financeiras públicas estaduais que

tenham tido as ações de seu capital social desapropriadas, na forma do Decreto-lei nº 2.321,

de 25 de fevereiro de 1987”376. Foi permitida a utilização de recursos do FGTS no II PND por

meio de cotas de Fundos Mútuos e por intermédio de Clubes de Investimentos377, permissão

que foi regulamentada pelo Decreto 2.430, de 17 de dezembro de 1997378.

Outra lei, a de no 9.472, de 16 de julho de 1997379, estabeleceu a organização dos

serviços de telecomunicações e a criação da Agência Nacional de Telecomunicações

(Anatel)380 como órgão regulador e com o objetivo de promover a privatização do Sistema

Telebrás381 e as concessões para o setor privado. Também foi criada no mesmo ano, em 6 de

376

Os outros dois que se mantinham eram: “I - empresas, inclusive instituições financeiras, controladas direta ou

indiretamente pela União, instituídas por lei ou ato do Poder Executivo; e II - empresas criadas pelo setor

privado e que, por qualquer motivo, passaram ao controle direto ou indireto da União” (LEI 9.491, 1997). 377

“Art. 1º O Fundo Mútuo de Privatização de que trata o inciso XII do art. 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de

1990, com a redação dada pelo art. 31 da Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997 - FMP-FGTS, será constituído

sob a forma de condomínio aberto, de que participem exclusivamente pessoas físicas detentoras de contas

vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, individualmente ou por intermédio de Clubes de

Investimento - CI, a ser regulamentado pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM, e terá por objeto, nas

condições aprovadas pelo Conselho Nacional de Desestatização - CND, a aquisição de valores mobiliários no

âmbito do Programa Nacional de Desestatização e programas estaduais de desestatização. Art. 2º O Clube de

Investimento - CI-FGTS a que se refere o art. 1º terá por finalidade reunir pessoas físicas detentoras de contas

vinculadas do FGTS para constituir ou participar de FMP-FGTS, e será, necessariamente, administrado por

instituição autorizada pela CVM, sujeitando-se às normas que vierem a ser estabelecidas por aquela Autarquia”

(DECRETO 2.430, 1997). 378

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1997/lei-9491-9-setembro-1997-365396-

publicacaooriginal-1-pl.html. 379

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1997/lei-9472-16-julho-1997-367735-

publicacaooriginal-1-pl.html. 380

“Art. 8º. Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública

Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a

função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades

regionais” (LEI 9472, 1997). 381

“Art. 187. Fica o Poder Executivo autorizado a promover a reestruturação e a desestatização das seguintes

empresas controladas, direta ou indiretamente, pela União, e supervisionadas pelo Ministério das Comunicações:

I - Telecomunicações Brasileiras S.A. - TELEBRÁS; II - Empresa Brasileira de Telecomunicações -

EMBRATEL; III - Telecomunicações do Maranhão S.A. - TELMA; IV - Telecomunicações do Piauí S.A. -

TELEPISA; V - Telecomunicações do Ceará - TELECEARÁ; VI - Telecomunicações do Rio Grande do Norte

S.A. - TELERN; VII - Telecomunicações da Paraíba S.A. - TELPA; VIII - Telecomunicações de Pernambuco

S.A. - TELPE; IX - Telecomunicações de Alagoas S.A. - TELASA; X - Telecomunicações de Sergipe S.A. -

TELERGIPE; XI - Telecomunicações da Bahia S.A. - TELEBAHIA; XII - Telecomunicações de Mato Grosso

do Sul S.A. - TELEMS; XIII - Telecomunicações de Mato Grosso S.A. - TELEMAT; XIV - Telecomunicações

de Goiás S.A. - TELEGOIÁS; XV - Telecomunicações de Brasília S.A. - TELEBRASÍLIA; XVI -

Telecomunicações de Rondônia S.A. - TELERON; XVII - Telecomunicações do Acre S.A. - TELEACRE;

XVIII - Telecomunicações de Roraima S.A. - TELAIMA; XIX - Telecomunicações do Amapá S.A. -

TELEAMAPÁ; XX - Telecomunicações do Amazonas S.A. - TELAMAZON; XXI - Telecomunicações do Pará

S.A. - TELEPARÁ; XXII - Telecomunicações do Rio de Janeiro S.A. - TELERJ; XXIII - Telecomunicações de

Minas Gerais S.A. - TELEMIG; XXIV - Telecomunicações do Espírito Santo S.A. - TELEST; XXV -

Telecomunicações de São Paulo S.A. - TELESP; XXVI - Companhia Telefônica da Borda do Campo - CTBC;

236

outubro, a Aneel, por meio do Decreto 2.335382, “com a finalidade de regular e fiscalizar a

produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, desempenhando

papel fundamental na desestatização e na operação das atividades do Sistema Telebrás”

(PROGRAMA..., 1998, p. 7). Como desdobramento, em 1997 quatro empresas foram

desestatizadas (tabela 48):

Tabela 48

Privatizações em 1997 (em US$ milhões)

Empresa privatizada Valor da venda

CVRD 3.298,90

Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp - Tecon 1) 251,1

Banco Meridional do Brasil 240,1

Rede Ferroviária Federal S.A. Malha Nordeste 15,8

Total 3.805,90

Fonte: PROGRAMA... (1998). Elaboração própria.

De acordo com a tabela 48, o ano de 1997 teve um valor total de privatizações de

US$ 3,8 bilhões, apenas um pouco inferior ao ano de 1996. A principal venda de empresa

estatal neste período foi a da CVRD, por aproximadamente US$ 3,3 bilhões.

Com sede em Itabira (MG), a CVRD era a “maior empresa produtora e exportadora

de minério de ferro do mundo e a maior produtora de ouro da América Latina”

(PROGRAMA..., 1998, p. 22). A composição acionária da CVRD antes de sua desestatização

tinha a União como detentora de 75,97% das ações ordinárias e 6,31% das preferenciais e os

acionistas denominados “outros” com 24,03% das ações ordinárias e 93,69% das

preferenciais. A venda da CVRD foi realizada em três etapas. Na primeira etapa deveria

ocorrer a oferta de um lote entre 40% e 45% das ações ordinárias; a segunda etapa venderia

10% da participação da União, ou seja, 5,1% do capital total da CVRD aos empregados da

empresa; e a terceira etapa seria uma oferta pública do restante das ações, entre 17% e 23%,

no Brasil e no exterior. Foi incluída na privatização da CVRD a outorga por 30 anos da

Estrada de Ferro de Vitória a Minas Gerais e da Estrada de Ferro Carajás (PROGRAMA...,

1998). Após leilão, a composição acionária da CVRD ficou assim dividida (gráfico 22).

XXVII - Telecomunicações do Paraná S.A. - TELEPAR; XXVIII - Telecomunicações de Santa Catarina S.A. -

TELESC; XXIX - Companhia Telefônica Melhoramento e Resistência – CTMR” (LEI 9.472, 1997). 382

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1997/decreto-2335-6-outubro-1997-437247-

publicacaooriginal-1-pe.html.

237

Fonte: Biondi (2014). Elaboração própria.

* Composição da Valepar: Siderúrgica Nacional (25%); Litel Participações S.A. (39%); Eletron S.A.

(17%); Sweet River Investiments Ltda. (9%); BNDESPar (9%); e Investvale (1%) – clube de

investimentos dos funcionários da Vale.

Conforme o gráfico 22, o Consórcio Brasil, liderado pela CSN, adquiriu o controle

da CVRD, criando a sociedade de propósito especial Valepar. A CVRD foi o exemplo mais

emblemático de privatização de uma empresa estatal que registrava lucros altos, tinha um

significativo patrimônio líquido, boa rentabilidade e uma produção em expansão. Antes de ser

vendida em maio de 1997, a empresa fez vários investimentos, expandindo sua capacidade de

produção e diversificação. Entre os planos de investimentos mais importantes, em 1993 ela

anunciou US$ 2,7 bilhões para os 5 anos subsequentes (VALE..., 05/02/1993, p. 11 e 20).

A CVRD era um negócio potente383

. Ao longo de 1993 até início de 1997, ela fez

joint venture com empresas chinesas para exploração e exportação de minério de ferro,

participou de leilões de empresas que estavam sendo desestatizadas de setores correlatos a sua

atividade principal (como o leilão da Açominas e da Rede Ferroviária Federal S.A.). Em

1995, a CVRD chegou a ser avaliada pelo Banco Salomon Brothers em quase US$ 8 bilhões e

pelo Banco Lehman Brothers, em US$ 10,4 bilhões (O OURO..., 07/12/1995, p. B3) –

patamares muito mais altos do que dois anos depois ela seria vendida.

Por várias vezes, a possibilidade de sua privatização chegou a ser negada. Em

setembro de 1993, por exemplo, o então ministro de Minas e Energia, Paulo Cícero de

383

O negócio CVRD tinha um futuro tão promissor que em 10 anos após a privatização ela chegou a uma receita

líquida de US$ 64 bilhões e a um lucro líquido de US$ 20 bilhões.

54%

16%

16%

5%

5% 4%

Gráfico 22. Composição Acionária da Companhia Vale do Rio Doce Após a

Privatização

SPE (Valepar)* (52,2%)

Tesouro Nacional (15,9%)

BNDES (15,9%)

Fundos de Pensão (5%)

BNDESPar/FPS (5%)

Investvale (4%)

238

Vasconcelos, reafirmou que tanto CVRD quanto Petrobrás Distribuidora (BR) não estariam

inclusas no programa de privatização (CONSELHO..., 02/09/1993, p. 23). Era difícil para o

governo achar uma explicação convincente para que o leilão da companhia fosse realizado,

como ineficiência de gestão, prejuízos acumulados, defasagem tecnológica, entre outras

justificativas que foram utilizadas para o leilão de várias outras empresas estatais. Em março

de 1995, contudo, um mês após a estatal anunciar que havia batido o recorde histórico nas

vendas de minério de ferro e pelotas – atingiu 100,9 milhões de toneladas em 1994, alta de

11,9% sobre 1993 – o governo do então presidente FHC autorizou o BNDES a fazer um

estudo sobre a privatização da CVRD (VALE..., 17/02/1995, p. 25). Em maio de 1995, o

CND decidiu recomendar que a CVRD fosse incluída oficialmente, por meio de decreto

presidencial, no PND (ONDE..., 19, 20 e 21/05/1995, p. C1). O leilão da Vale era esperado

pelo governo em 1997 como única alternativa para amenizar o déficit no balanço de

pagamentos e a perda de reservas internacionais.

Houve um grande número de liminares que tentaram suspender o leilão da CVRD,

algumas até conseguiram adiá-lo por alguns dias (STF..., 23/04/1997, p. B1; BNDES...,

23/04/1997, p. B1), mas o governo derrubou todas elas para garantir a sua privatização em

1997. Na noite anterior ao dia do leilão, em 5 de maio, o STJ acolheu o pedido do governo de

cassação de 23 liminares contrárias à sua venda (BNDES..., 06/05/1997, p. A1, B6 e B7).

Várias denúncias de irregularidades também não foram levadas em consideração. Em março

de 1997, por exemplo, a comissão externa da Câmara que acompanhava a privatização

encaminhou ao Tribunal de Contas da União (TCU) um relatório que afirmava que a Merrill

Lynch, uma das empresas que participaram da modelagem da venda, seria proprietária de uma

corretora que operava com um dos fortes candidatos à compra, a mineradora sul-africana

Anglo American (RELATÓRIO..., 07, 08 e 09/03/1997, p. B1).

O empenho do governo para manter a data da privatização também envolveu o

BNDES e uma negociação com fundos de pensão. O BNDES iria formar uma empresa em

parceria com a CVRD que assumiria o direito de pesquisar e explorar as jazidas que fossem

encontradas em Carajás e Serra Leste (PA)384

. A nova empresa teria participações

384

A Docegeo, sua subsidiária para a área de pesquisas geológicas, sempre esteve à frente das mais importantes

descobertas de minérios da empresa. Em 1993, esta subsidiária investiu US$ 30 milhões em pesquisas minerais,

sendo que 70% deste total foram destinados a descobertas de novas reservas de ouro. Em 21 anos essa

subsidiaria chegou a investir US$ 320 milhões, sendo responsável por descobertas de cobre, bauxita, cassiterita e

metais básicos da controladora (DOCEGEO..., 04/05/1993, p. 16). Poucos meses antes de ser privatizada, esse

tipo de pesquisa deu um resultado muito importante: em janeiro de 1997 a CVRD encontrou em Carajás (PA)

reservas de ouro e cobre que foram consideradas uma das mais importantes descobertas geológicas da história.

Segundo o Estado de São Paulo (VALE..., 14/01/1997, p. B1). Segundo o Estado de São Paulo (14/1/1997, p.

239

equivalentes do BNDES e da CVRD. Era uma espécie de contrato de risco pelo qual BNDES

e CVRD dividiriam em partes iguais os riscos passados e futuros da pesquisa geológica em

Carajás e Serra Leste (VALE..., 06/02/1997, p. B1). De acordo com Biondi (2014), essa

solução não era aceitável uma vez que o governo participaria dos lucros da produção do

minério, mas não do aumento do valor do patrimônio da CVRD e consequente valorização de

suas ações resultante das novas descobertas. Também ficou estabelecido que após o leilão a

BNDESPar prepararia uma troca de ações ON da CVRD por papeis que faziam parte de sua

carteira – ações PN da Petrobrás e ON da Eletrobrás. Com a permuta, o BNDES cumpria um

"acordo de cavalheiros" feito com fundos de pensão (Sistel e Centrus), isto é, “um estranho

acerto” para que os fundos não entrassem no leilão, de forma que fossem recompensados a

partir do BNDES, garantindo assim uma troca das ações aos perdedores (BNDESPAR...,

23/06/1997, p. B5).

O valor pago pela CVRD na desestatização, de US$ 3,3 bilhões, correspondia a

quase um terço do seu patrimônio líquido registrado em 1997385

, de R$ 9,4 bilhões, e era

menor do que a empresa teria naquele mesmo ano de 1997 de receita bruta, que chegaria a R$

5,4 bilhões. A grande potência adquirida, portanto, a preços módicos, apenas para

comparação, atingiria um impressionante lucro líquido de R$ 30,1 bilhões em 2010386

.

O então ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco (O CAPITAL...,

02/02/2000) “parecia” não ter ciência dos negócios importantes que estavam sendo colocados

à venda. Justificou que o governo vendia “empresas estatais caindo aos pedaços”.

Contrariando-o, no próprio ano da sua privatização a CVRD mostrava o quanto estava em

boas condições e em nada lembrava uma sucata. Estavam previstos R$ 600 milhões em 1997,

22,7% a mais que os R$ 489 milhões investidos em 1996. A empresa mostrava sua

preocupação com atualização tecnológica, com recursos para reposição e melhoria de peças e

equipamentos, aumento da capacidade de produção de minério de ferro, ouro, estradas de

ferro, portos e para aporte em coligadas e controladas (VALE..., 04/03/1997, p. C3).

Corroborando o que os dados da empresa mostravam, antes da privatização, ainda em

fevereiro de 1997, o geólogo Francisco F. A. da Costa, ex-presidente da Docegeo, chegou a

publicar no Diário do Pará que a desestatização da Vale tinha relação com a perspectiva de

B1), eram comparáveis com as do início do século XX no Canadá e na África do Sul. Com toda a importância

que essa exploração possuía, não houve suspensão do seu leilão, que foi mantido para meses depois, e nem

tampouco incluída essa descoberta no preço mínimo fixado para sua desestatização (BIONDI, 2014). 385

De acordo com Biondi (2014), o governo brasileiro ainda deixou no caixa da empresa para os compradores

R$ 700 milhões. 386

Disponível em: www.bovespa.com.br.

240

aumento muito elevado de seus lucros em um futuro próximo devido à liquidação da dívida de

Carajás e abertura de novas e lucrativas minas de ouro. Isso seria resultante, segundo ele, de

uma administração competente sob regime estatal e que seria enganoso o argumento de que

tão logo privatizada ela registraria grandes lucros em função da gestão privada da empresa

(PRIVATIZAÇÃO..., 23/02/2006)387

.

Após a CVRD, a segunda maior privatização em 1997, no valor de US$ 251,1

milhões, foi a da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), concessionária do

Porto de Santos (Tecon – 1), que representou a primeira privatização do setor portuário no

Brasil. O arrendatário por 25 anos para a exploração comercial portuária foi o Consórcio

Santos Brasil, “constituído pelas Instituições Opportunity Leste (40%), 525 Participações

(15%), Multiterminais Alfândegados do Brasil Ltda. (10%), Caixa Previdenciária dos

Funcionários do Banco do Brasil – Previ (20%) e Fundação Sistel de Seguridade Social

(15%)” (PROGRAMA..., 1998, p. 31).

A terceira maior privatização daquele ano foi a do Banco Meridional do Brasil S.A.,

que também representaria a primeira privatização do setor financeiro. O banco abrangia o Sul

do Brasil, “operando carteiras comercial, de crédito ao consumidor, de crédito imobiliário, de

investimento e de câmbio” (PROGRAMA..., 1998, p. 27) e atuava também como “uma

seguradora, uma corretora de valores mobiliários e câmbio, uma empresa de artes gráficas e

outra de informática, além de uma empresa de leasing e uma de comércio internacional”

(PROGRAMA..., 1998, p. 27). O Banco Meridional era uma instituição de porte, pois em

1996 apresentou “um patrimônio líquido de R$ 326,2 milhões e ativo total de R$ 2.433,2

milhões” (PROGRAMA..., 1998, p. 28). Suas ações eram divididas entre a União (82,36% do

total – 100% das ações ordinárias e 51,40% das ações preferenciais) e “outros” (17,64% do

total – 48,60% das ações preferenciais). O Banco Bozano, Simonsen comprou 75,6% do

capital total e os empregados adquiriram 3,8% do capital social do Meridional em um leilão

no valor total de US$ 240,1 milhões (PROGRAMA..., 1998).

Em 1997 também foi finalizado o processo de privatização do transporte ferroviário

com a venda por US$ 15,8 milhões da Malha Nordeste, que abrangia 193 km de extensão e

uma população de 31 milhões de pessoas. O comprador da Malha foi o consórcio Manor, com

a seguinte composição acionária do capital votante: Taquari Participações (40%), CSN (20%),

CVRD (20%) e ABS Empreendimentos, Participações e Serviços (20%) (PROGRAMA...,

1998).

387

Disponível em: http://cartamaior.com.br/?/Coluna/Privatizacao-da-Vale-do-Rio-Doce-insania-ou-

negociata/21588.

241

Em 1998, novas mudanças ocorreram nos marcos legais: i) Decreto no 2.594, de 15

de maio388, que regulamentou a Lei no 9.491/97, que dizia respeito ao II PND; ii) Decreto n

o

2.655, de 2 de julho de 1998389, que estabeleceu regras para o mercado atacadista de energia

elétrica e definiu as normas de organização do operador nacional do sistema elétrico; iii)

Decreto no 2.534, de 2 de abril de 1998390, que aprovou o plano geral de outorgas de serviço

de telecomunicações prestado no regime público; iv) Decreto no 2.546, de 14 de abril de

1998391, que, por sua vez, aprovou o modelo de reestruturação e desestatização das empresas

federais de telecomunicações supervisionadas pelo Ministério das Comunicações; e v)

Decreto no 2.592, de 15 de maio de 1998392, que aprovou o plano geral de metas para a

universalização do serviço telefônico fixo comulativo prestado no regime público. Foram

todos decretos destinados a facilitar o processo de privatização das empresas estatais

principalmente no setor elétrico e no setor de telecomunicações (PROGRAMA..., 1999).

Em 1998 as empresas privatizadas foram as seguintes (tabela 49):

Tabela 49

Privatizações em 1998 (em US$ milhões)

Empresa privatizada Valor da venda

Sistema Telebrás 22.000

Centrais Geradoras do Sul do Brasil S.A. (Gerasul) 879,48

Porto de Sepetiba 92,96

Terminal Roll-On Roll-off do Porto de Rio de Janeiro 31,56

Cais de Capuaba 29,99

Malha Paulista (antiga Fepasa) 15,8

Cais de Paul 15,8

Porto de Angra dos Reis 9,36

Total 23.075,0

Fonte: PROGRAMA... (1999). Elaboração própria.

*Não inclui a venda da Banda B de telefonia celular por R$ 3,3 bilhões.

As privatizações em 1998 totalizaram US$ 23,07 bilhões – o maior montante do

primeiro governo de FHC. O ano de 1998 ficou marcado principalmente pela privatização do

388

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1998/decreto-2594-15-maio-1998-400871-

publicacaooriginal-1-pe.html. 389

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1998/decreto-2655-2-julho-1998-361411-

publicacaooriginal-1-pe.html. 390

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1998/decreto-2534-2-abril-1998-437364-

publicacaooriginal-1-pe.html. 391

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1998/decreto-2546-14-abril-1998-400716-

publicacaooriginal-1-pe.html. 392

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1998/decreto-2592-15-maio-1998-400867-

publicacaooriginal-1-pe.html.

242

Sistema Telebrás393, que se constituiu enquanto “a maior operação de privatização de um

bloco de controle já realizada no mundo” (PROGRAMA..., 1999, p. 1).

A venda do Sistema Telebrás somou R$ 22 bilhões394 e foi efetuada em julho

“através de 12 leilões consecutivos na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – BVRJ”

(PROGRAMA..., 1999, p. 1). Com esses leilões, foram vendidas “três holding de telefonia

fixa, uma de longa distância e oito de telefonia celular” (PROGRAMA..., 1999, p. 1). Além

disso, no mesmo ano “foi finalizado o processo de venda das concessões para exploração de

Banda B de telefonia celular, com a venda de cinco áreas restantes, para as quais se arrecadou

R$ 3,3 bilhões” (PROGRAMA..., 1999, p. 1).

A venda do Sistema Telebrás mostrou uma articulação política que ficou conhecida

como “escândalo do grampo no BNDES”395 (MENDONÇA..., 20/11/1998, p. 5;

PRESIDENTE..., 21/11/1998, p. 4; GRAMPO..., 24/11/1998396

; ACERVO..., 15/10/2014397

),

que resultou em afastamento do então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de

Barros, que havia substituído Sérgio Motta (morto em 1998 poucos meses antes da

privatização) e de André Lara Resende, então presidente do BNDES, tendo este assumido o

cargo no lugar de Mendonça de Barros. Eles foram acusados de improbidade administrativa

por favorecimento de algumas empresas no processo, entre elas o Banco Opportunity398.

O valor de venda de todo o setor de telecomunicações (incluindo a Banda B de

telefonia celular) chegou a ser estimado em R$ 100 bilhões pelo próprio governo, poucos

393

Para Prado (1994, p. 106), “a Telebrás [...] uma vez liberada de restrições constitucionais, se torna uma das

mais atrativas „mercadorias‟ ofertadas pelo processo. As experiências latino-americanas evidenciam o elevado

interesse dos grupos internacionais por empresas nacionais de comunicações operando em mercados com

demanda potencial elevada”. 394

De acordo com Aloysio Biondi (2001, p. 35), “em 1996, o governo duplicou os investimentos nas teles,

alcançando 7,5 bilhões de reais, chegou aos 8,5 bilhões de reais em 1997 e investiu mais 5 bilhões de reais no

primeiro semestre de 1998, totalizando, portanto, 21 bilhões de reais de investimento em dois anos e meio”. Com

esse investimento, já “no primeiro semestre de 1997, a Telebrás ainda era uma empresa estatal. Mas seu lucro

deu um salto de 250%, passa para 1,8 bilhão de reais [...]. Não houve „milagre‟ algum, pura e simplesmente o

governo havia, finalmente, começado a eliminar o congelamento das tarifas dos serviços das estatais

atualizando-as. Bastou dar início aos reajustes negados durante anos, enquanto a inflação continuava a aumentar

os custos das estatais, para a situação se inverter e os lucros dispararem. Sem privatização” (BIONDI, 2001, p.

45). Mesmo assim, o governo privatizou o sistema Telebrás. Segundo Biondi (2001, p. 33), “[...] quando as teles

afinal foram vendidas por 22,2 bilhões de reais, os meios de comunicação trombetearam o tempo todo que o

governo usara aquela „dinheirama‟ para reduzir a dívida ... Continuavam a esconder que na verdade o governo só

recebera 40% desse valor – 8,8 bilhões de reais. (De fato, receberia menos ainda, considerando que o governo

financiaria, por meio do BNDES, 50% da entrada)”. 395

Para mais informações sobre os meandros das privatizações no governo FHC, ver: Ribeiro Jr. (2011). 396

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc24119803.htm. 397

Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/acervo-lembrancas-do-governo-fhc-8756.html. 398

O ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros admitiu em depoimento no Senado que tinha preferência pelo

consórcio liderado pelo Banco Opportunity no leilão da Tele Norte Leste (MENDONÇA..., 20/11/1998, p. 5).

Um dos diretores do banco era Pérsio Arida, seu amigo pessoal, um dos formuladores do plano real, ex-ministro

do governo FHC, casado com Elena Landau, que foi diretora de desestatização do BNDES entre 1993 e 1996.

243

meses antes do leilão, em julho de 1997 (TELEBRÁS..., 23/07/1997, p. B1). No entanto, esse

número foi desconsiderado logo depois e o sistema foi avaliado com o preço mínimo de

apenas R$ 13,5 bilhões, contemplando o valor aferido pelo mercado, que era de R$ 13 bilhões

(TELECOM..., 10 e 11/06/1998, p. B1; FUNDAÇÕES..., 11/06/1998, p. B1). As cifras se

distanciavam daquilo que havia sido avaliado até mesmo por um banco alemão, o Deutsche

Morgan Grenfell, que citava US$ 63,7 bilhões o valor da Telebrás, sem incluir a Banda B.

Auro Rozenbaum, analista do banco, chegou a afirmar que isso seria o “preço justo para todo

o Sistema” (SISTEMA..., 14/01/1998, p. A1 e B1).

Além de um baixo valor, a Telebrás foi ofertada com um mecanismo de redutor de

preço para compensar o ingresso de competidores nas áreas das subsidiárias leiloadas. O

redutor foi em média de 20% (PREÇO..., 09/06/1998, p. B5). As ofertas generosas por parte

do governo ocorriam apesar de um grande volume de interessados: havia em novembro de

1997, poucos meses antes do leilão, 73 empresas interessadas na privatização do setor de

telecomunicações brasileiro (DISPUTA..., 26/11/1997, p. A1 e B2).

Dos R$ 22 bilhões pagos pela Telebrás, a maior parte foi proveniente de capital

estrangeiro:

Os grupos estrangeiros, principalmente espanhóis e portugueses, dominaram

a disputa. Das 12 empresas, 4 foram arrematadas por consórcios de capital

externo. Em outras 6, houve associação entre capital nacional e estrangeiro.

Somente 2 telefônicas foram arrematadas por grupos exclusivamente

nacionais. Sozinhos, os consórcios estrangeiros investiram R$ 8,026 bilhões,

mais que o dobro do total pago pelas empresas compradas exclusivamente

por grupos nacionais (R$ 3,874 bilhões). Associados, capital externo e

nacional investiram mais R$ 10,157 bilhões (TELES..., 30/07/1998)399

.

O capital estrangeiro foi bem tratado pelo governo. Antes do leilão, FHC chegou a

viajar para a Europa e fazer propaganda das desestatizações. Dizia convidar as empresas

europeias “ao sucesso” e não “ao sacrifício”, e as chamava para participar do que ele

denominou “projeto de transformação definitiva da economia brasileira em uma economia

madura” (FHC..., 19/09/1995, p. A1).

A privatização do sistema público de telefonia do país efetivou-se após investimentos

significativos feitos pelo governo. Enquanto ainda estatal, por exemplo, a Telebrás investiu

US$ 4,3 bilhões em 1993, US$ 4,4 bilhões em 1994, US$ 4,5 bilhões em 1995 e US$ 6,5

399

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc30079802.htm.

244

bilhões em 1996 (RELATÓRIO..., 1996)400

. Em 1995, o governo chegou a anunciar

investimentos bastante elevados para os oito anos seguintes: R$ 75 bilhões (GOVERNO...,

29/11/1995, p. B1)401

.

A trajetória bem-sucedida da Telebrás nos anos anteriores à privatização levou-a a

um patrimônio líquido de R$ 22,3 bilhões em 1994 e de R$ 24,2 bilhões em 1995. Também a

conduziu a anos sucessivos de lucros (R$ 467,1 milhões em 1994; R$ 809,5 milhões em

1995; R$ 3,2 bilhões em 1996 e de R$ 3,9 bilhões em 1997) e de aumento do seu faturamento

bruto (cerca de US$ 10 bilhões em 1994 e de R$ 11,4 bilhões em 1995) (LUCRO...,

26/03/1996, p. A1 e C4; TELEBRÁS..., 06/02/1997, p. A1 e B1; TELEBRÁS...,

24/01/1998402

).

Os dados de 1997 eram elucidativos sobre o lucro do Sistema Telebrás como um

todo: todas as controladas apresentavam lucros, conforme mostra a tabela 50.

400

Disponível em: http://www.telebras.com.br/inst/wp-content/uploads/2011/03/RA1996.pdf. 401

Os investimentos antes da privatização eram acertados de forma que a empresa realizasse os aportes,

sobretudo, em encomendas de tecnologia no mercado nacional. Em março de 1994, por exemplo, ela informava

que mais de 45% das compras do Sistema Telebrás davam preferência aos produtos fabricados no país e com

tecnologia nacional (MAIS..., 07/03/1994, p. 10). A Telebrás mantinha um centro de pesquisas em Campinas

para o desenvolvimento tecnológico do setor. 402

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi240110.htm.

245

Tabela 50

Lucratividade do Sistema Telebrás em 1997 (em R$ mi)

Empresa Lucro

Telesp 1.140

Embratel 508,1

Telemig 381,4

Telerj 254,8

Telesc 175,9

Telepar 162,8

Telpe 154,6

Telebrasília 146,2

Telebahia 141,0

Teleceará 139,4

Telegoiás 88,2

Telest 86,0

CTBC 74,0

Telemat 71,7

Telepará 54,8

Telems 47,5

Telern 33,3

Telemazon 27,5

Telma 26,8

Telpa 24,1

Telergipe 19,1

Telepisa 16,8

CTMR 15,8

Telasa 8,0

Teleamapá 5,9

Teleron 4,5

Telaima 4,3

Teleacre 3,3

Total 3.815,80

Fonte: Gazeta Mercantil (22/1/1998). Elaboração própria.

Entre essas 28 empresas, a Telesp despontava com lucro superior a R$ 1,1 bilhão.

Segundo Biondi (2014), o governo também deixou em caixa na Telesp para os compradores

R$ 1 bilhão.

Enquanto ainda estatal, a Telebrás fechava parcerias com empresas como a Portugal

Telecom e a British Telecom e tinha acesso a financiamentos no mercado externo, com

emissão de títulos como eurobônus e bônus em iene.

Previamente à privatização, como parte do processo do governo de “preparar” o

Sistema Telebrás para a sua venda, devem ser destacados os vários aumentos de tarifas que

246

foram concedidos, e que o governo denominou “reestruturação tarifária”. Em 1995, o governo

admitia que, sem uma reestruturação que significasse aumento de no mínimo cinco vezes o

valor da tarifa básica, o setor de telefonia ficaria menos atrativo para empresas privadas

(TARIFAS..., 13/03/1995, p. 17). Em novembro de 1995, anunciava que a tarifa de assinatura

de telefonia residencial estaria 513% mais cara. Foram elevadas também as assinaturas não

residenciais em 80%, de tronco (87%) e as chamadas interurbanas (22,22%). Os aumentos

possibilitariam uma elevação de 25% na receita da Telebrás (TARIFAS..., 28/11/1995, p. A5).

Como também parte do pacote de preparação para a sua venda, a empresa abriu um PDV. A

Telebrás aprovou o lançamento de um programa de demissão em agosto daquele ano para

“reduzir e renovar” o efetivo de pessoal do sistema, que era de 92,5 mil empregados

(TELEBRÁS..., 07/10/1996, p. A3 e C4).

O papel do BNDES na privatização da Telebrás foi o de “coordenar” a privatização –

e pode-se dizer de influenciar o processo, comprovado pelo escândalo do grampo403 – e o de

403

Entre os trechos grampeados destacam-se as reproduções abaixo. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/pre_sp_67.htm:

“Em conversa com FHC, André Lara Resende (BNDES) critica a composição do consórcio Telemar, que

disputava a Tele Norte Leste. FHC concorda:

André Lara Resende - Em princípio, isso não tem nada de mais. Agora, a conversa quanto mais nós vemos aqui

é, acho que é um pouco, é uma, uma aliança da assim corporativa, do corporativismo das próprias empresas

telefônicas...

FHC - ...Com aventurismo.

Lara Resende - Com a Sistel. Exatamente. Com o pior do aventurismo.

FHC - Com o pior. Exatamente. Comprometedor...

Lara Resende - Inclusive, é o seguinte. É uma coisa muito ruim ir para a frente. É um risco enorme.

FHC - Eu acho também...

Mendonça de Barros e Lara Resende criticam em outro telefonema Pedro Malan e Pedro Parente, ambos do

Ministério da Fazenda, ministro e secretário-executivo, respectivamente.

Mendonça de Barros - Pega o Malan e o Pedro Parente, que são dois babacas, faz aquele discurso privatista e

monta uma mutreta. Depois, o que aconteceu? O Tribunal de Contas está enchendo o saco deles, tá? Então, o que

ele falou é o seguinte: „Nós não... Se o BNDES disser que não dá dinheiro porque é uma empresa pública é um

argumento para o Tribunal de Contas‟.

Lara Resende - É, mas nós dissemos isso tudo.

Mendonça - Agora, o duro é ver o nosso ministro da Fazenda, babaca, dizendo...

Lara Resende - Não sabe nem o que está se passando. Eu vou te dizer...

Mendonça de Barros fala com o então vice-presidente do BNDES, Pio Borges, hoje presidente, sobre

interessados na composição acionária da Telemar.

Mendonça de Barros - E a ratada, aí?

Pio Borges - A ratada está lá em cima. Eu estou aqui e depois eu vou subir já. O Lara Resende está lá.

- O principal diálogo

No diálogo mais importante das fitas gravadas por meio de escutas clandestinas, André Lara Resende, então

presidente do BNDES, diz ao presidente Fernando Henrique Cardoso que é necessário forçar o fundo de pensão

estatal Previ, do Banco do Brasil, a entrar no consórcio do Banco Opportunity e do grupo italiano Stet, que iria

participar do leilão da Telebrás. O presidente concorda e, depois disso, Lara Resende pede explicitamente para

usar o nome de FHC como forma de pressão sobre a Previ, que também negociava com o consórcio Telemar, de

Carlos Jereissati. Eis o trecho da conversa entre os dois:

André Lara Resende - Então, o que nós precisaríamos é o seguinte: com o grupo do Opportunity, nós até

poderíamos turbiná-lo, via BNDESPar. Mas o ideal é que a Previ entre com eles lá.

Fernando Henrique Cardoso - Com o Opportunity?

247

liberar recursos não só para o financiamento do pagamento das empresas adquirentes (que

inclusive podiam parcelar os valores a serem pagos em três vezes), como também o de prover

recursos para investimentos, após concluído o processo de privatização. Em agosto de 1998, o

banco informava que além de destinar R$ 1,2 bilhão ao financiamento da venda do Sistema

Telebrás, preparava a generosidade de uma linha especial de crédito para as empresas que

foram privatizadas, que envolvia até US$ 15 bilhões nos então próximos cinco anos – 30%

dos investimentos de US$ 50 bilhões que estavam previstos para o setor neste mesmo período

(BNDES..., 20/8/1998, p. 8).

A venda do sistema de telecomunicações recebeu críticas sobre a rapidez com que o

procedimento de tamanho vulto foi realizado. Para Biondi (2014, p. 64), a pressa tinha como

motivo o fato de que “desde maio de 1998, os banqueiros e investidores internacionais já

estavam fugindo, cortando o crédito, do Brasil, e o real caminhava para a desvalorização”.

Segundo ele, os leilões da Telebrás permitiriam captar dólares e reais e manter “a ilusão do

real até a reeleição”. Deve-se ressaltar que o déficit em transações correntes em novembro de

1998 atingia 4,4% do PIB, o maior patamar desde a crise da dívida externa (DÉFICIT...,

28/11/1998, p. 8).

O presidente da Telebrás em 1998, Fernando Xavier, chegou a justificar a

privatização dizendo que não havia diferença entre trocar um monopólio estatal por um

monopólio privado, quando questionado por membros da OAB sobre os problemas no

processo. Segundo ele, não havia riscos de trocar um pelo outro. Alegava uma certa boa

negociação à época, uma vez que nos próximos três anos as concessionárias seriam obrigadas

a contribuir para a manutenção do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás

(CPqD), como se isso fosse muito significativo. Em 1997, o CPqD recebeu investimentos de

R$ 120 milhões. Era uma moeda de troca pífia dada a magnitude do negócio que foi vendido.

Para o então presidente do Conselho Federal da OAB, Reginaldo de Castro, era preciso uma

reflexão mais profunda porque a Telebrás era o maior patrimônio público alienado pelo

Estado brasileiro e estava sendo privatizada na antevéspera de eleição presidencial

(PRESIDENTE..., 02/07/1998, p. B1).

Essa reflexão jamais ocorreu. Em texto de homenagem ao ex-ministro das

Comunicações Sérgio Motta, um dos grandes articuladores da privatização do Sistema

Telebrás, o ex-ministro Mendonça de Barros trazia o seu entendimento sobre a conclusão do Lara Resende - Com o Opportunity e os italianos.

FHC - Certo.”

Para mais informações ver: Carta Capital, 25 de novembro de 1998, Ano IV, No 87. Disponível em:

file:///C:/Users/user/Downloads/Edicao%2087.pdf.

248

leilão, afirmando que tinha sido um sucesso pela popularização da telefonia no Brasil: “A luta

agora é para dar renda aos brasileiros a fim de que possam utilizar os telefones disponíveis

quase gratuitamente. Serjão, onde você estiver, nós vencemos!” (QUATRO..., 19/04/2002, p.

2). De fato, alguns foram os vencedores do processo. Mas a maioria da sociedade foi

perdedora. Em 2016, uma das notícias que mostravam o quão desastrosa foi a privatização se

referia à recuperação judicial da empresa Oi, que adquiriu a empresa Brasil Telecom. O plano

de recuperação judicial da Oi, o maior do país, envolvia uma dívida de R$ 65,4 bilhões e um

pedido de pagamento de credores – entre eles o BNDES – em 10 anos (COM DÍVIDA...,

06/09/2016, p. A22).

Depois do Sistema Telebrás, a segunda mais importante venda de empresa estatal em

1998 foi a da Gerasul, fruto da reestruturação da Eletrosul, por US$ 879,48 milhões404

. A

Gerasul era a maior geradora de energia elétrica do Sistema Sul, com área de cobertura de

928.271 Km2, ou seja, 11% do território brasileiro, 7% da energia gerada no Brasil e o

atendimento de 25,8 milhões de pessoas. Abrangia os Estados do Rio Grande do Sul, de Santa

Catarina, do Paraná e do Mato Grosso do Sul. A composição acionária da Gerasul antes do

leilão era: União (49,03% ações ordinárias e 3,26% ações preferenciais “b”), “outros”

(30,63% ações ordinárias, 0,02% ações preferenciais “a” e 12,49% ações preferenciais “b”) e

FND (4,57% ações preferenciais). A empresa Tractebel Sul S.A. adquiriu os lotes de ações de

controle da Gerasul e a oferta para os empregados foi adiada para 1999 (PROGRAMA...,

1999).

Dando continuidade às privatizações no setor portuário, em 1998 a Companhia

Docas do Rio de Janeiro (CDRJ) arrendou por 25 anos o Terminal de Contêineres no

1 –

Tecon 1 do Porto de Sepetiba, o Terminal Roll-on Roll-off do Porto do Rio de Janeiro e o

Porto de Angra dos Reis. O Porto de Sepetiba foi adquirido por US$ 92,96 milhões pelo

consórcio Tecon 1, sendo a terceira maior privatização de 1998. Esse consórcio era formado

pela “Companhia Siderúrgica Nacional e por sua subsidiária integral, a CSN Aceros, com

sede no Paraná” (PROGRAMA..., 1999, p. 26). O Terminal Roll-on Roll-off – quarto maior

leilão de 1998 – foi vendido por US$ 31,56 milhões em leilão pelo consórcio Rio Veículos,

composto por: “Multiterminais Alfandegados do Brasil – 50%; Multivale Terminais e

Serviços Ltda. – 35%; e Fundo Mútuo de Inv. em Ações Carteira Livre – 15%”

(PROGRAMA..., 1999, p. 27). O Porto de Angra dos Reis foi arrematado por US$ 9,36

404

“O lucro operacional da Gerasul, em 31 de julho de 1998, era de R$ 53,7 milhões. O lucro líquido acumulado

nos sete primeiros meses de 1998 foi de R$ 57,5 milhões. O Ativo Total ficou em R$ 3,855 bilhões e o

Patrimônio Líquido em R$ 2,192 bilhões” (PROGRAMA..., 1999, p. 18).

249

milhões pelo “Consórcio Angraporto, liderado pela Ferrovia Centro-Atlântica – FCA”

(PROGRAMA..., 1999, p. 28).

Também foi privatizada em 1998 a Companhia Docas do Espirito Santo (Codesa),

que teve leiloado o Cais de Capuaba – Berços 203, 204 e 205 – e o Cais de Paul – Berço 206

–, localizados no Porto de Vitória, por 25 anos e pagamento dividido em uma parcela inicial,

100 parcelas trimestrais e 300 mensais. O Cais de Capuaba, cuja atividade comercial se

caracterizava pela “movimentação de contêineres e carga geral diversa, inclusive veículo”

(PROGRAMA..., 1999, p. 23), foi adquirido por US$ 29,99 milhões pela CVRD. O Cais de

Paul foi arrematado por US$ 15,8 milhões pelo consórcio Peiú, constituído pelas empresas:

“Eximbir S.A., Agência Marítima Universal Ltda., Cimpac Comércio Importação e

Exportação Ltda., Fertilizantes Heringer Ltda. e Sonny Kaniak” (PROGRAMA..., 1999, p.

25).

Outra desestatização daquele ano foi a da Malha Paulista, antiga Fepasa (Ferrovia

Paulista S.A.), com abrangência nos Estados de São Paulo e Minas Gerais. Ela era “formada

por um conjunto de linhas-tronco e de ramais que interligam o interior paulista, as regiões do

Triângulo Mineiro e do sudoeste de Minas Gerais à Região Metropolitana de São Paulo e ao

Porto de Santos, com uma extensão total de 4.236 km de estradas” (PROGRAMA..., 1999, p.

20). Com um leilão de US$ 15,8 milhões, a Malha Paulista foi a sexta maior privatização de

1998. Ela foi adquirida pelo Consórcio Ferrovias, que era “integrado por dez empresas e

liderado pela Ferropasa e pela Companhia Vale do Rio Doce” (PROGRAMA..., 1999, p. 22).

A concessão foi estipulada em 30 anos, assim como o prazo de pagamento.

A participação dos investimentos estrangeiros em 1998, ano em que mais se

arrecadou com a desestatização, alcançou 58% de toda a receita com as vendas. Com isso,

entre 1991 e 1998, a participação estrangeira chegou a 42% do total arrecadado.

Em uma síntese sobre os anos de 1990 a 1998, deve-se destacar que o ano de maior

volume de privatizações (em valores arrecadados) frente ao PIB foi o de 1998 (quadro 2),

quando as vendas das empresas estatais representaram 2,63% do PIB. Este foi o último ano do

primeiro mandato de FHC, justamente quando ele optava por acelerar a desestatização como

forma de garantir recursos para manter a moeda valorizada, amenizar o déficit em transações

correntes, e assim preservar seu nome para um processo de reeleição.

250

Quadro 2

Síntese das Privatizações

Ano Privatização* PIB** Privatização/PIB Setores

Collor

1991 1.265,20 405.679,23 0,31 Bens de Capital; Fertilizantes;

1992 2.400,40 387.294,94 0,62 Petroquímico e Siderurgia

Média anual 0,47

Itamar

1993 2.581,50 429.685,27 0,60 Aeronáutico; Fertilizantes;

1994 619,63 543.086,59 0,11 Mineração; Petroquímico e

Média anual 0,36 Siderurgia

FHC

1995 1.039,90 770.733,14 0,13 Bancos; Energia; Mineração;

1996 4.072,60 851.019,12 0,48 Petroquímico; Portos;

1997 3.805,90 883.281,56 0,43 Telecomunicações e

1998 23.075,00 863.872,29 2,67 Transportes

Média anual 0,93

Fonte: Relatórios do BNDES (vários anos) e Ipeadata. Elaboração própria.

*Em US$ milhões

** Em US$ milhões (dólar médio anual)

FHC foi o governo mais “privatista”. A média anual do seu primeiro mandato foi a

de uma arrecadação de 0,93% do PIB com vendas de empresas estatais. No governo Itamar,

como comparação, a média foi de 0,36%, e no governo Collor, de 0,47%. Observa-se,

portanto, que FHC privatizou quase o triplo do governo Itamar e mais do que o dobro do

volume do governo Collor (quadro 2).

Ainda conforme o quadro 2, observa-se que as privatizações se iniciaram pelos

setores siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes, como ocorreu no governo Collor, e se

diversificaram no Itamar, quando este também incluiu o setor aeronáutico, privatizando a

Embraer, e iniciou a desmontagem do setor de mineração, com a venda da Caraíba. No FHC,

as privatizações mostraram uma diversificação ainda maior ao chegar aos setores de serviços,

como transportes (vendeu a RFFSA); portuário (vendeu Codesa e Codesp); energia (vendeu a

Escelsa e a Light) e telecomunicações (vendeu o Sistema Telebrás). Durante seu mandato,

FHC deu ainda continuidade à venda do setor petroquímico e de mineração, sendo um marco

do seu governo a polêmica venda da CVRD.

4. Conclusão

Com o avanço da internacionalização financeira, os interesses das empresas

multinacionais em sua forma de acumulação de capital em países periféricos como o Brasil

sofreram alterações. Ancoradas nos ganhos rápidos abertos pela financeirização exacerbada,

251

suas estratégias passaram a ser a da especulação a partir de investimentos financeiros com

títulos da dívida pública e na compra de empresas estatais, vendidas pelo Estado a preços

baixos e com elevadas possibilidades de lucratividade.

Os anos 1990, por conta disso, representaram uma aceleração do processo de

privatização que havia sido inaugurado no governo de Figueiredo. As estatais, que no fim da

década de 1980 estavam sobreendividadas, com atraso tecnológico no seu parque produtivo e

defasagem nos preços de seus bens e serviços, foram rapidamente saneadas nos governos dos

presidentes Collor, Itamar e FHC para que fossem repassadas ao setor privado.

Os processos de privatização caracterizaram-se por ser céleres, revertendo

rapidamente as várias contestações judiciais que questionavam sua lisura; por terem um baixo

valor no preço de venda dos ativos pelo Estado; pelas formas de pagamento facilitadas pelo

Estado; por uma concorrência suspeita, dados os escândalos como o do grampo do BNDES; e

pela entrega ao capital internacional de setores estratégicos para soberania nacional, como

telecomunicações, além de recursos naturais.

As desestatizações explicitaram um caráter especulativo, uma vez que houve uma

grande quantidade de participação de instituições financeiras entre os compradores, que

aproveitaram o processo para adquirir ações que venderiam facilmente e com alta

lucratividade poucos anos depois. Nos mais diversos leilões, ficou evidente a presença de

fundos de pensão e de bancos, como Previ, Sistel, Banco Bozano, Simonsen e Opportunity.

Este último foi protagonista de um dos principais escândalos de corrupção, denunciado à

época dos leilões do Sistema Telebrás, levando à queda de nomes de confiança do presidente

FHC, como André Lara Resende (BNDES) e Luiz Carlos Mendonça de Barros (Ministério

das Comunicações).

Além da grande presença do capital financeiro explicitado por essas instituições, os

leilões revelaram a presença do capital internacional em setores como energia,

telecomunicações e siderurgia, resultando em uma desnacionalização da economia.

Inicialmente, esse capital adquiriu fatias muitas vezes pequenas do controle das empresas

estatais privatizadas, mas nos anos subsequentes aproveitaram para se tornar acionistas

majoritários, adquirindo participações anteriormente detidas pelos bancos, por exemplo.

O governo atuou não só na realização dos leilões e no saneamento das empresas

estatais, reajustando, pouco antes do período de suas vendas, as tarifas acima da inflação para

que ficassem mais atrativas à privatização, mas também inserindo o BNDES como grande

financiador das compras das empresas e dos investimentos que o capital privado faria após as

252

aquisições. Esse papel do Estado refletiu-se em uma maior concentração e centralização de

capitais oligopolistas privados no país, além de ter contribuído para acirrar a

desnacionalização do parque produtivo brasileiro e a financeirização da economia.

As justificativas para a desestatização baseavam-se no argumento, muitas vezes, de

que o Estado se desfazia de “sucatas”, empresas deficitárias, e que este deveria se dedicar

exclusivamente às atividades essenciais, como saúde, educação e Bem-Estar da população. Na

verdade, o Estado mais uma vez atendia as demandas do capital privado, que se interessava

pela compra das empresas estatais pelo seu potencial de rentabilidade. Diferentemente da

época em que elas foram concebidas, quando as inversões eram muito elevadas e o retorno

sobre o investimento demorado, nos anos 1990 as empresas estatais estavam “maduras” e

prontas para continuar dando lucro ao setor privado. Neste momento, não mais repassando

bens e serviços a preços baixos, mas sim sendo vendidas a preços atrativos ao capital privado.

O setor privado adotaria uma estratégia que conduziria essas empresas ao máximo de

lucratividade possível, para atender seus interesses de acumulação.

253

Considerações Finais

O imperialismo constituiu-se como a principal forma de dominação sobre os países

periféricos especialmente. Entre o fim do século XIX e durante o século XX, a atuação do

imperialismo se alterou de acordo com os diferentes momentos históricos de transformação

do capitalismo, entretanto, sempre com o mesmo desiderato: auferir as maiores vantagens

possíveis nessas regiões.

A partir da exportação de capitais, o imperialismo “moldou o desenvolvimento” dos

países subdesenvolvidos. No pós-Segunda Guerra Mundial, na fase da internacionalização

produtiva, cujo eixo da sua exportação de capitais foi a expansão de empresas multinacionais

para os países periféricos, com a instalação localmente de suas filiais, o imperialismo

conseguiu um maior controle sobre esses países e ampliou a dificuldade destes para se

direcionarem a um desenvolvimento nacional com autonomia. Em seguida, no período da

internacionalização financeira, o imperialismo voltou suas forças para exigir dos países

periféricos ajustes que operacionalizassem a acumulação financeira das empresas

multinacionais. Tratou-se de uma mudança qualitativa do imperialismo, que também

modificou seus interesses sobre os espaços nacionais de acumulação, tendo como exemplos

maiores a deslocalização produtiva e os ganhos financeiros sobre os países da América

Latina, como o Brasil.

As burguesias brasileiras reagiram da segunda metade da década de 1950 até 1998

promovendo as mudanças exigidas pelo imperialismo, de modo a controlar o ritmo e a

intensidade. Como exemplo, na fase da internacionalização produtiva, propiciaram a

instalação das empresas multinacionais no Brasil com mudanças nos marcos institucionais e

legais, como a Instrução 113, e com o golpe civil-militar, que possibilitou as reformas do

PAEG, realizaram a alteração da Lei de Remessas de Lucros e as reformas financeiras que

conectavam o país ao circuito financeiro mundial. Essas transformações permitiram a

expansão das empresas multinacionais com fácil acesso ao mercado internacional.

Posteriormente, com a internacionalização financeira, as burguesias realizaram mudanças em

benefício dos ganhos com investimentos financeiros, com elevadas rentabilidades. Dentre

estas estiveram a abertura produtiva, comercial e financeira.

O total controle do Estado brasileiro, de maneira autocrática, foi imprescindível para

atingir os objetivos a que se propunham as burguesias brasileiras. Revelando seu caráter

dependente e subordinado ao capital internacional, elas se mostravam fracas para fora e fortes

254

para dentro. Alçavam o povo brasileiro a seu principal inimigo e tornavam o Estado agente de

seus exclusivos interesses e das empresas multinacionais.

Nesta tese, constatou-se que as empresas estatais, por meio das políticas econômicas

adotadas, foram instrumentalizadas para proporcionar uma organização interna que fosse ao

encontro dos anseios do imperialismo no capitalismo dependente brasileiro. Em todo o

período analisado (1956-1998), em comum, esteve o fato de que as empresas estatais

potencializaram os ganhos das empresas multinacionais no país, desde o momento em que se

fortaleceram até quando foram privatizadas. Isso não significou que não houvesse diferenças

em sua atuação em cada fase histórica.

Durante a internacionalização produtiva, as empresas estatais foram fortalecidas para

que pavimentassem o caminho para a chegada das empresas multinacionais, atuando em áreas

que não eram do foco do setor privado e subsidiando a vinda dessas empresas com a oferta de

bens e serviços a preços baixos. Já depois dos anos 1970, na fase da transição para a

internacionalização financeira, essas empresas estatais sofreram uma precarização de seu

parque produtivo, um sobreendividamento e uma descapitalização, ao intensificar sua ajuda

aos superávits da balança comercial. Como resultado, no início da década de 1980, o Estado

realizou ajustes no SPE, por meio da SEST. Os relatórios da SEST revelaram que esses

ajustes significavam a implantação de políticas neoliberais no Brasil antes das recomendações

do FMI.

No período da internacionalização financeira, a situação das empresas estatais mudou

ao longo década de 1990 com as privatizações, entendidas pelo governo como “solução” para

os problemas das contas nacionais. Isso porque as empresas estatais eram vistas como grandes

causadoras do processo inflacionário e do déficit público. Os documentos do BNDES e as

notícias da época em jornais mostraram justamente o acirramento do neoliberalismo na

década de 1990 com o saneamento financeiro e a posterior privatização dessas empresas

estatais. A desnacionalização e a financeirização ampliaram, ao contrário do que era

defendido pelo governo, a dependência externa e o desenvolvimento interno desigual porque

levou ao paroxismo a perda de autonomia relativa do Estado brasileiro.

Em síntese, de 1956 a 1973, o fortalecimento das empresas estatais teve o objetivo de

atender os anseios de valorização do capital produtivo das empresas multinacionais, na sua

necessidade de instalação na periferia, a partir dos IDEs. Apesar de os IDEs promoverem um

salto no padrão de desenvolvimento capitalista brasileiro e estabelecerem uma forma de

acumulação dentro do espaço nacional a partir da industrialização voltada ao mercado interno,

255

os IDEs também levaram a um acirramento da dependência externa, uma vez que as decisões

passaram a se dar de acordo com os interesses de valorização do capital estabelecidos pelas

matrizes das filiais instaladas no país. Quando essas empresas multinacionais efetuaram sua

reestruturação produtiva e se direcionaram para a financeirização, no período compreendido

entre 1974 e 1985, houve o enfraquecimento da industrialização pesada no Brasil, assim como

na maneira de atuação das empresas estatais. Portanto, na década de 1980 as empresas estatais

agiram de forma a subvencionar os saldos comerciais para o pagamento dos juros da dívida

externa. Na década seguinte, o aumento da pressão para que elas fossem privatizadas se

tornou um dos principais elementos do desmantelamento do SPE. Nesta fase, as empresas

estatais interessavam ao capital privado por sua área estratégica de atuação, no momento de

uma nova divisão internacional do trabalho, e pelo seu alto potencial de rentabilidade.

A partir de uma análise desde o período JK até o primeiro governo FHC conclui-se a

dependência externa enquanto uma característica intrínseca do capitalismo brasileiro, pela

forma de atuação de suas burguesias ante as demandas do imperialismo, a despeito das

especificidades desta dependência em cada momento histórico. Mesmo na industrialização

pesada, isso foi um fator preponderante, apesar das interpretações contrárias. Esta fase

histórica inclusive apresentou as impossibilidades do desenvolvimento com dependência,

servindo de base nesta tese para mostrar que o neoliberalismo começou no início dos anos

1980 no Brasil, em uma contraposição às ideias correntes de que isso só ocorreria

tardiamente, nos anos 1990.

Se tardio fosse o neoliberalismo no Brasil, as burguesias brasileiras teriam criado

resistência ao imperialismo entre os anos 1970 e 1980, o que não foi constatado. Do mesmo

modo, se as empresas estatais não foram privatizadas no início da década de 1980 atendendo

aos preceitos do neoliberalismo, isso não ocorreu porque as burguesias brasileiras resistiram a

esse processo. Mas porque naquele momento as empresas multinacionais ganhavam muito

mais com as empresas estatais facilitando sua acumulação privada com o repasse de bens e

serviços a preços módicos do que se fossem desestatizadas. Caso passassem para as mãos

privadas, sua lógica seguiria a da busca dos lucros com elevação de preços, o que prejudicaria

os ganhos capitalistas das empresas privadas que utilizavam matérias-primas, energia elétrica,

telecomunicações, transportes, entre outros bens e serviços fornecidos pelas empresas estatais.

Desta forma, as privatizações apenas entraram na ordem do dia de maneira mais contundente

quando as multinacionais se financeirizaram e tiveram como meta no Brasil a entrada em

atividades do setor primário e de serviços, além de elevados ganhos financeiros.

256

Com a desestatização e a desnacionalização da economia brasileira, diminuíram-se

ainda mais as possibilidades de uma margem de manobra por parte do Estado no sentido de

um desenvolvimento nacional.

Espera-se que o reexame da história econômica brasileira, como o realizado nesta

tese, permita um entendimento mais próximo da realidade e evite abstrações equivocadas, que

desviam o foco dos verdadeiros desafios a ser enfrentados. Ainda que com suas limitações,

ele possibilita a identificação dos problemas concretos do país, podendo contribuir para a

transformação da sociedade em sua trajetória cada vez mais acentuada em direção à

incivilidade e à barbárie.

257

Referências Bibliográficas

ABRANCHES, Sérgio Henrique Hudson de. A questão da empresa estatal – econômica,

política e interesse público. In: Rev. Adm. Emp. Rio de Janeiro, 19(4), p. 95-105, out./dez.

1979.

______. Empresa estatal e capitalismo: uma análise comparada. In: MARTINS, Carlos

Eduardo. (Org.). Estado e Capitalismo no Brasil. São Paulo: HUCITEC, 1977.

ALMEIDA, Monica Piccolo. Reformas neoliberais no Brasil: a privatização nos governos

Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Niterói-RJ: 2010. Tese (Doutorado) –

Instituto de Ciências Humanas e Filosofia – Universidade Federal Fluminense.

AMIN, Samir. Imperialismo e desenvolvimento desigual. São Paulo: Vértice, 1987.

______. O desenvolvimento desigual: ensaios sobre as formações sociais do capitalismo

periférico. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1973.

BAER, Monica. A internacionalização financeira no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1986.

______. O rumo perdido: a crise fiscal e financeira do Estado brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1993.

BAER, Werner; KERSTENETZKY, Isaac; VILLELA, Anibal. As modificações no papel do

Estado na economia brasileira. In: Pesq. Plan. Econ. Rio de Janeiro, 3(4), p. 883-912, dez.

1973.

BANDEIRA, Moniz. Cartéis e desnacionalização (a experiência brasileira: 1964-1974). 3.

ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

______. O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil (1961-1964). 3. ed. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

BARAN, Paul. A. A economia política do desenvolvimento. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

(Os Economistas)

BATISTA JR., Paulo Nogueira. Formação de capital e transferência de recursos ao exterior.

In: Revista de Economia Política. Vol. 7, no. 1, janeiro-março/1987.

______. Mito e realidade na dívida externa brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1983.

______; RANGEL, Armênio de Souza. A renegociação da dívida externa brasileira e o Plano

Brady: avaliação de alguns dos principais resultados. In: Caderno Dívida Externa. n. 7,

PEDEX, São Paulo, 1994.

BATISTA, Paulo Nogueira Batista. O Consenso de Washington: A visão neoliberal dos

problemas Latino-Americanos. In: Caderno Dívida Externa. n. 6, PEDEX, São Paulo, 1994.

258

BEAUD, Michel. História do capitalismo: de 1500 aos nossos dias. 3. ed. São Paulo:

Brasiliense, 1991.

BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello. O senhor e o unicórnio. São Paulo: Brasiliense, 1984.

______. O capital e suas metamorfoses. São Paulo: Editora UNESP, 2013.

______. Os Antecedentes da tormenta: origens da crise global. São Paulo: Editora UNESP;

Campinas, SP: FACAMP, 2009.

______; ALMEIDA, Júlio Gomes. Depois da Queda. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

2002.

BENAKOUCHE, Rabah. Bazar da dívida externa brasileira. São Paulo: Boitempo, 2013.

BIONDI, A. O Brasil privatizado (Edição Especial). São Paulo: Fundação Perseu Abramo,

2001.

BIONDI, A. O Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado. São Paulo: Geração

Editorial, 2014.

BLOCK, Fred. Las Orígenes del desorden económico internacional. México: Fondo de

Cultura, 1987.

BONELLI, Regis; MALAN, Pedro Sampaio. Os limites do possível: nota sobre balanço de

pagamentos e indústria nos anos 70. In: Pesq. Plan. Econ. Rio de Janeiro, 6(2), p. 353-406,

ago. 1976.

BRAGA, José Carlos de Souza. Financeirização Global: o padrão sistêmico de riqueza do

capitalismo contemporâneo. In: TAVARES, Maria da Conceição; FIORI, José Luís. (Orgs.)

Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

CAMPOS, Fábio Antonio de. A arte da conquista: o capital internacional no desenvolvimento

capitalista brasileiro (1951-1992). Campinas: 2009. Tese (Doutorado) – Instituto de Economia

– Universidade Estadual de Campinas.

______. Complexo multinacional e a Lei de Remessas de Lucro (1956-1973). Texto para

discussão, n. 245, Instituto de Economia – Unicamp, 2014.

______. Imperialismo e internacionalização dos mercados latino-americanos nos anos 1950.

Anais do XVII Encontro Nacional de Economia Política (SEP), UFRJ-IE, 2012.

______. Imperialismo e Internacionalização dos Mercados Latino-Americanos nos Anos

1950. Economia Ensaios, v. 30, p. 7-34, 2015.

______. Meios e fins do desenvolvimento para Celso Furtado. Revista Espaço Acadêmico, No

162, Novembro/2014.

259

______; SABADINI, Mauricio de Souza. Hilferding e o nexo imperialista entre capital

financeiro e exportação de capital. Anais do XVIII Encontro Nacional de Economia Política

(SEP), UFSC, 2014.

CANO, Wilson. A desindustrialização no Brasil. In: Texto para discussão. IE/UNICAMP:

Campinas, n. 200, jan. 2012.

CARCANHOLO, Marcelo Dias. A Década Mais que Perdida: vulnerabilidade e restrição

externas no Brasil nos anos 90. In: Economia-Ensaios, Uberlândia, 17(2)/18(1): 87-102, jul. e

dez./2003.

CARDOSO, Fernando Henrique. As ideias e seu lugar: ensaios sobre as teorias do

desenvolvimento. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

______; FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaios de

interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970.

CARNEIRO, Ricardo. Desenvolvimento em crise. A economia brasileira no último quarto do

século XX. São Paulo: Editora UNESP, IE – Unicamp, 2002.

______. Impasses do Desenvolvimento Brasileiro: aspectos estruturais. In: BALTAR, Paulo;

KREIN, José Dari; SALAS, Carlos (Orgs.). Economia e Trabalho: Brasil e México Debates

Contemporâneos, Economia Social e do Trabalho 7. São Paulo: LTR, 2009.

CASTRO, Antônio Barros de; SOUZA Francisco Eduardo Pires de. A economia brasileira em

marcha forçada. São Paulo: Paz e Terra, 1985.

CAVALCANTI, Carlos Brandão. Transferência de recursos ao exterior e substituição de

dívida externa por dívida interna. Rio de Janeiro, BNDES, 1988.

CHESNAIS, François. (Org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas,

configuração, consequências. São Paulo: Boitempo, 2005.

______. A globalização e o curso do capitalismo de fim-de-século. In: Economia e Sociedade.

Instituto de Economia da Unicamp, Campinas, n. 5, dez. 1995.

______. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.

CIPOLLA, Francisco Paulo. A estatização segundo Wilson Suzigan. In: MARTINS, Carlos

Eduardo. Estado e Capitalismo no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1977.

______. Proporções do capitalismo de Estado no Brasil pós-64. In: Novos Estudo CEBRAP.

São Paulo, v. 25, p. 27-65, 1980.

CORAZZA, Gentil. Dívida interna: o Estado paga a conta. In: Ensaios FEE. Porto Alegre,

6(2): 171-182, 1985.

260

COUTINHO, Carlos Nelson. O Estado Brasileiro: gênese, crise, alternativas. In: LIMA, Júlio

César França; NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Orgs.). Fundamentos da Educação Escolar

do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Fiocruz/EPSJV, 2007.

COUTINHO, Luciano Galvão. A especialização regressiva: um balanço do desempenho

industrial pós-estabilização. In: VELLOSO, João Paulo dos Reis (Org.). Brasil: desafios de

um país em transformação. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.

______; REICHSTUL, Henri Philippe. Investimento estatal 1974/80: ciclo e crise. In:

BELLUZZO, Luiz Gonzaga; COUTINHO, Renata (orgs.). Desenvolvimento capitalista no

Brasil. 4. ed. Campinas: UNICAMP.IE, 1998. V.2. (30 Anos de Economia – UNICAMP, 10)

______. O setor produtivo estatal e o ciclo. In: MARTINS, Carlos Eduardo. Estado e

Capitalismo no Brasil. São Paulo: HUCITEC, 1977.

CRUZ, Paulo Davidoff. Dívida externa e política econômica: a experiência brasileira nos

anos setenta. São Paulo: Brasiliense, 1984.

______. Endividamento externo e transferência de recursos reais ao exterior: os setores

público e privado na crise dos anos oitenta. In: Nova Economia. Belo Horizonte, v. 5, n. 1,

ago. 1995.

DAIN, Sulamis. Empresa estatal e capitalismo contemporâneo. Campinas: Editora Unicamp,

1986.

______. Empresa estatal e política econômica no Brasil. In: MARTINS, Carlos Eduardo

(Org.). Estado e Capitalismo no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1977.

DEO, Anderson. A FIESP e as novas inflexões do capital na década de 1990. Marília: 2005.

Dissertação (Mestrado) – Departamento de Ciência Política – Universidade Estadual Paulista

Júlio de Mesquita Filho.

DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado – ação política, poder e golpe de

classe. 5. ed. Petrópolis – RJ: Vozes, 1987.

EICHENGREEN, Barry. A globalização do capital: uma história do sistema monetário

internacional. São Paulo: Ed. 34, 2000.

EVANS, Peter. A tríplice aliança: as multinacionais, as estatais e o capital nacional no

desenvolvimento dependente brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

FAUCHER, Philippe. A empresa pública como instrumento de política econômica. In:

Revista de Economia Política. Vol. 2/2, N.o 6, abril-junho/1982.

FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação

sociológica; prefácio de José de Souza Martins. 5. ed. São Paulo: Globo, 2005.

261

______. Apontamentos sobre a “teoria do autoritarismo”. São Paulo: Hucitec, 1979.

(Coleção Pensamento Socialista)

______. Brasil: em compasso de espera – pequenos escritos políticos. São Paulo: Hucitec,

1980.

______. Capitalismo dependente e luta de classes na América Latina. 9. ed. Rio de Janeiro:

Zahar Editores, 1975

______. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o “poder institucional”. São Paulo: Hucitec,

1976.

______. Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores,

1972.

FILGUEIRAS, Luiz Antonio Mattos. História do Plano Real: fundamentos, impactos e

contradições. 3 ed. São Paulo: Boitempo, 2006.

______. Projeto político e modelo econômico neoliberal no Brasil: implantação, evolução,

estrutura e dinâmica. Mimeo, 2005.

FURTADO, Celso. A nova dependência: dívida externa e monetarismo. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1982.

______. Brasil: a construção interrompida. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

______. Criatividade e Dependência na civilização industrial. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1978.

______. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto: Centro Celso

Furtado, 2009.

______. Introdução ao desenvolvimento enfoque histórico-estrutural. 3. ed. São Paulo: Paz e

Terra, 2000.

______. O capitalismo global. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

______. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.

______. O longo amanhecer: reflexões sobre a formação do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1999.

______. Pequena introdução ao desenvolvimento – enfoque interdisciplinar. São Paulo: Ed.

Nacional, 1980.

______. Prefácio a nova economia política. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

GENNARI, Adilson Marques. Réquiem ao capitalismo nacional: lei de remessa de lucros no

Governo Goulart. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 1999.

262

GONÇALVES, Reinaldo. A internacionalização da produção: uma teoria geral? In: Revista de

Economia Política. Vol.4, no 1, janeiro-março, 1984.

______. Globalização e desnacionalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

GRAU, Eros. Controle das empresas estatais. In: Cadernos FUNDAP. São Paulo, Ano 8,

No15, p. 62-72, abr./1988.

GRIFFITH-JONES, Stephany & SUNKEL, Oswaldo. O fim de uma ilusão: as crises da

dívida e o desenvolvimento na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 1990.

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança

cultural. 7. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1998.

______. O novo imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2003.

HILFERDING, Rudolf. O capital financeiro. São Paulo: Nova Cultural, 1985. (Os

economistas)

HOBSBAWM. Eric. A era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo:

Companhia das Letras, 2005.

KLIASS, Paulo. O processo de criação da SEST: aspectos e momentos das empresas estatais

no Brasil. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 1989.

LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. 3. ed. São Paulo:

Global, 1985.

LESBAUPIN, Ivo; MINEIRO, Ademar. O desmonte da Nação em dados. Petrópolis: RJ:

Vozes, 2002.

LESSA, Carlos. A estratégia de desenvolvimento, 1975/76; sonho e fracasso. 2. ed.

Campinas, SP: UNICAMP.IE, 1998. (30 Anos de Economia – UNICAMP, 5)

______. Visão Crítica do II Plano Nacional de Desenvolvimento. In: Revista Tibiriçá. n.6,

jan.-mar. 1977.

______; DAIN, Sulamis. Capital associado: algumas referências para o tema Estado e

Desenvolvimento. In: BELLUZZO, Luiz Gonzaga; COUTINHO, Renata. (Orgs.).

Desenvolvimento em crise. 4. ed. Campinas: UNICAMP.IE, 1998. V.1 (30 Anos de Economia

– UNICAMP, 10).

LOPREATO, Francisco Luiz Cazeiro. Caminhos da política fiscal do Brasil. Tese de Livre

Docência, São Paulo: Unesp, 2011.

______. O colapso das finanças estaduais e a crise da federação. São Paulo:

Unesp/Unicamp, 2002.

263

LUPATINI, Márcio Paschoino. O capital em sua plenitude: alguns dos traços principais do

período contemporâneo. Rio de Janeiro: 2015. Tese (Doutorado) – Escola de Serviço Social –

Universidade Federal do Rio de Janeiro.

MAGDOFF, Harry. A era do imperialismo. São Paulo: Hucitec, 1978.

MALAN, Pedro Sampaio. A questão externa. In: Fórum Gazeta Mercantil. Brasil X FMI: a

armadilha da recessão. São Paulo: Gazeta Mercantil, 1983.

______; BONELLI, Regis. Crescimento econômico, industrialização e balanço de

pagamentos: o Brasil dos anos 70 aos anos 80. In: IPEA, Textos para Discussão Interna. No.

60, Novembro de 1983.

MANDEL, Ernest. A crise do capital: os fatos e sua interpretação marxista. São Paulo:

Ensaio; Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1990.

MANTEGA, Guido. Acumulação de capital, crise e capital estrangeiro. In: MANTEGA,

Guido; MORAES, Maria (Orgs.). Acumulação monopolista e crises no Brasil. Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 1979.

MARTINS, Carlos Eduardo. Capitalismo de Estado e modelo político no Brasil. Rio de

Janeiro: Graal, 1977.

MARTINS, Luciano. “Estatização” da economia ou “privatização” do Estado. In: Ensaios

Opinião. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

______. Estado capitalista e burocracia no Brasil pós-64. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã (I – Feuerbach). 10. ed., São Paulo:

Hucitec, 1996.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

Volume III, Livro Terceiro. (Os economistas).

MELLO, João Manuel Cardoso de. A contra-revolução liberal-conservadora e a tradição

crítica latino-americana. Um prólogo em homenagem a Celso Furtado. In: Economia e

Sociedade. Campinas: (9): 159-64, dez., 1997.

______. O capitalismo tardio. 11. ed. São Paulo: Editora UNESP; Campinas, SP: FACAMP,

2009.

______; BELLUZZO, Luiz Gonzaga. Introdução. In: Fórum Gazeta Mercantil. Brasil X FMI:

a armadilha da recessão. São Paulo: Gazeta Mercantil, 1983.

______. Reflexões sobre a crise atual. In: BELLUZZO, Luiz Gonzaga; COUTINHO, Renata.

(orgs.). Desenvolvimento em crise. 4. ed. Campinas: UNICAMP.IE, 1998. V.1. (30 Anos de

Economia – UNICAMP, 10)

264

MELLO, João Manuel Cardoso de; NOVAIS, Fernando. Capitalismo tardio e sociabilidade

moderna. 2. ed. São Paulo: Editora UNESP; Campinas, SP: FACAMP, 2009.

MELLO, João Manuel Cardoso de. O Estado e os limites da estatização. In: Ensaios de

Opinião. n.2-3, 1977.

MELLO, Maria Figueira de. Privatização e ajuste fiscal no Brasil. In: Texto para Discussão

No 317. Departamento de Economia, PUC/RJ, Abril de 1994.

MEREGE, Luiz Carlos; NEDER, Ricardo Toledo. Orçamento das estatais e controle político.

In: Revista de Economia Política. Vol. 4, N.o 1, janeiro-março/1984.

MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2009.

MICHALET, Charles-Albert. O capitalismo global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

MOFFITT, Michael. O dinheiro do mundo: de Bretton Woods à beira da insolvência. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1984.

MORANDI, Lucilene. Estimação do estoque de capital das empresas estatais (1970/2000) e o

impacto da privatização nos anos 90. In: Texto para Discussão (TD 279). Niterói/RJ: UFF,

Dezembro de 2011.

MOTTA, Paulo Roberto. O controle de empresas estatais no Brasil. In: R. Adm. Públ. Rio de

Janeiro, 14(2) p. 69-82, abr./jun. 1980.

OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. A reforma tributária de 1966 e a acumulação de capital no

Brasil. São Paulo: Brasil Debates, 1981.

OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: crítica à razão dualista. 6. ed.

Petrópolis/RJ: Vozes, 1988.

______. A economia da dependência imperfeita. 4. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984.

______; MAZZUCCHELLI, Frederico. Padrões de acumulação, oligopólios e Estado no

Brasil. In: MARTINS, Carlos Eduardo (Org.). Estado e Capitalismo no Brasil. São Paulo:

HUCITEC, 1977.

OLIVEIRA, Gesner. Brasil Real, desafios da pós-estabilização na virada do milênio. São

Paulo: Mandarim, 1996.

ORENSTEIN, Luiz; SOCHACZEWSKI, Antônio Cláudio. Democracia com

desenvolvimento: 1956-1961. In: ABREU, Marcelo de Paiva (Org.). A ordem do progresso:

cem anos de política econômica republicana 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1990.

PAGANO, Leonardo. Endividamento externo das empresas estatais: o setor produtivo estatal

durante o período 1980/85. São Paulo: FGV/EAESP, 1991. (Dissertação de Mestrado)

265

PANITCH, Leo; GINDIN, Sam. Capitalismo global e império norte-americano. In:

PANITCH, Leo; LEYS, Colin. Socialist register: o novo desafio imperial. Buenos Aires:

Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales – CLACSO, 2006.

PAULANI, Leda. A Autonomização das Formas Verdadeiramente Sociais na Teoria de Marx:

Comentários sobre o Dinheiro no Capitalismo Contemporâneo. In: Revista Economia. Brasília

(DF), v.12, n.1, p. 49–70, jan/abr 2011.

PEREIRA, José Eduardo de Carvalho. Financiamento externo e crescimento econômico no

Brasil: 1966/73. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1974.

PINTO, Anibal. Heterogeneidade estrutural e modelo de desenvolvimento recente. In:

SERRA, José. (Org.). América Latina: ensaios de interpretação econômica. 2. ed. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1979.

PRADO JR., Caio. A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1966.

______. Esboço dos fundamentos da teoria econômica. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1961.

______. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2006.

PRADO, Sérgio Roberto Rios do. Descentralização do aparelho de Estado e empresas

estatais: um estudo sobre o setor público descentralizado brasileiro. Dissertação de Mestrado

IE/UNICAMP – Campinas, v.1 e v.2, 1985.

______. Intervenção estatal, privatização e fiscalidade: um estudo sobre a constituição e crise

do setor produtivo estatal no Brasil e os processos de privatização a nível mundial. Campinas:

1994. Tese (Doutorado) – Instituto de Economia – Universidade Estadual de Campinas.

RIBEIRO JR. Amaury. A privataria tucana. São Paulo: Geração Editorial, 2011.

ROSTOW, Walt Whitman. Etapas do desenvolvimento econômico: um manifesto não-

comunista. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1964.

RÜCKERT, Isabel Noemia Junges. Alguns aspectos das empresas estatais no Brasil. In:

Revista Ensaios FEE. V.2, n.1, p. 75-93, 1981.

SAMPAIO JR., Plínio de Arruda. Entre a Nação e a barbárie: os dilemas do capitalismo

dependente em Caio Prado, Florestan Fernandes e Celso Furtado. Petrópolis: Vozes, 1999.

______. Globalização e Reversão Neocolonial: o impasse brasileiro. In: Filosofía y Teorías

Políticas entre la Crítica y la Utopia. GLACSO, Buenos Aires, 2007.

______. Padrão de reciclagem da dívida externa e política econômica do Brasil em 1983 e

1984. Campinas: 1988. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Economia – Universidade

Estadual de Campinas.

266

______. Por que voltar a Lênin?: imperialismo, barbárie e revolução. Campinas, SP:

FE/UNICAMP, 2011. (Navegando publicações)

SARTI, Fernando. A Internacionalização comercial e produtiva no Mercosul nos anos 90.

Campinas: 2001. Tese (Doutorado) – Instituto de Economia – Universidade Estadual de

Campinas.

SILVA, Fernando Rezende da. A evolução das funções do governo e a expansão do setor

público brasileiro. In: Pesq. Plan. Econ. Rio de Janeiro, 1(2), p. 235-282, dez. 1971.

______. Avaliação do setor público na economia brasileira: estrutura funcional da despesa. 2.

ed. Rio de Janeiro: IPEA/INPES,1974.

SOCHACZEWSKI, Antônio Claudio. Desenvolvimento econômico e financeiro no Brasil:

1952-1968. São Paulo: Trajetória Cultural, 1993.

SUZIGAN, Wilson. As empresas do governo e o papel do Estado na economia brasileira. In:

SILVA, Fernando Rezende da, et al. Aspectos da participação do governo na economia. Rio

de Janeiro: IPEA/INPES, 1976.

______. Estado e industrialização no Brasil. In: Revista de Economia Política. Vol. 8, n.o 4,

outubro-dezembro/1988.

TAVARES Maria da Conceição; MELIN Luiz Eduardo. Pós-escrito 1997: a reafirmação da

hegemonia norte-americana. In: TAVARES, Maria da Conceição; FIORI, José Luís. (Orgs.).

Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

TAVARES, Maria da Conceição. A economia política do Real. In: O Brasil pós-Real: a

política econômica em debate. MERCADANTE, Aloizio (Org.). Campinas, SP: UNICAMP,

IE, 1998.

______. A retomada da hegemonia norte-americana. In: Revista de Economia Política, Vol. 5,

n.o 2, abril-junho/1985.

______. Ciclo e crise: o movimento recente da industrialização brasileira. Campinas,

UNICAMP, 1998.

______; ASSIS, José Carlos de. O grande salto para o caos: a economia política e a política

econômica do regime autoritário. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zaar,1986.

TAVARES, Maria da Conceição; BELLUZZO, Luiz Gonzaga. Notas sobre o processo de

industrialização recente no Brasil. In: Rev. Adm. Emp. Rio de Janeiro, 19(1): 7-16, jan./mar.

1979.

267

TAVARES, Maria da Conceição; TEIXEIRA, Aloísio. A internacionalização do capital e as

“multinacionais” na indústria brasileira. In: Texto para Discussão No 1. Universidade Federal

do Rio de Janeiro, 1981.

TEIXEIRA, Aloísio. O Movimento da industrialização nas economias capitalistas centrais no

pós-guerra. Rio de Janeiro: 1983. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Economia Industrial –

Universidade Federal do Rio de Janeiro.

TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o Golpe 64. 9. ed. São Paulo: Brasiliense,

1988.

TREBAT, Thomas. Uma avaliação do desempenho econômico das grandes empresas estatais

no Brasil: 1965/75. In: Pesq. Plan. Econ. Rio de Janeiro, 10(3), p.813-850, dez. 1980.

VALENTE, Rubens. Operação banqueiro. São Paulo: Geração Editorial, 2014.

VILLELA, Annibal. As empresas do governo federal e sua importância na economia nacional

– 1956/1960. In: Revista Brasileira de Economia. Ano 16, no. 1, março de 1962.

______. Empresas do governo como instrumento de política econômica: os Sistemas

SIDERBRÁS, ELETROBRÁS, PETROBRÁS e TELEBRÁS. Rio de Janeiro: IPEA/INPES,

1984.

WELLS, John. Euro-dólares, dívida externa e o milagre brasileiro. In: Estudos CEBRAP. (6),

outubro-dezembro 1973.

WERNECK, Rogério Furquim. A armadilha financeira do setor público e as empresas

estatais. In: Fórum Gazeta Mercantil. Brasil X FMI: a armadilha da recessão. São Paulo:

Gazeta Mercantil, 1983.

______. A questão do controle da necessidade de financiamento das empresas estatais e o

orçamento de dispêndios globais da SEST. In: Revista Pesquisa e Planejamento Econômico.

Rio de Janeiro, 16(2), 381 a 412, ago. 1986a.

______. Aspectos macroeconômicos da privatização no Brasil. In: Revista Pesquisa e

Planejamento Econômico. Rio de Janeiro, 19(2), 277 a 308, ago. 1989.

______. Empresas estatais, controle de preços e contenção de importações. In: Revista

Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, v. 40, no 1, p. 37-62, jan./mar. 1986b.

______. Empresas estatais e política macroeconômica. Rio de Janeiro: Campus, 1987.

______. Uma análise do financiamento e dos investimentos das empresas estatais federais no

Brasil, 1980 - 1983. In: Texto para Discussão. N. 79, Departamento de Economia, PUC/RJ,

Outubro de 1984.

268

Documentos

BRASIL. Secretaria de Planejamento (SEPLAN). Secretaria de Controle das Empresas

Estatais (SEST). Relatório Anual da SEST em 1982. Brasília, 1983a. 181 p.

BRASIL. Secretaria de Planejamento (SEPLAN). Secretaria de Controle das Empresas

Estatais (SEST). Relatório Anual da SEST, 1983. Brasília, 1984a. 139 p.

BRASIL. Secretaria de Planejamento (SEPLAN). Secretaria de Controle das Empresas

Estatais (SEST). Relatório Anual da SEST, 1984. Brasília, 1985a. 113 p.

BRASIL. Secretaria de Planejamento (SEPLAN). Secretaria de Controle das Empresas

Estatais (SEST). Relatório de Atividades da SEST em 1982. Brasília, 1982a. 196p.

BRASIL. Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Secretaria de Controle das

Estatais. Orçamento SEST – 1982; dispêndios globais das Empresas Estatais. Brasília, 1982b.

77p.

BRASIL. Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Secretaria de Controle de

Empresas Estatais. Orçamento SEST – 1984; Dispêndios Globais das Empresas Estatais.

Brasília, 1984b, 153 p.

BRASIL. Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Secretaria de Controle de

Empresas Estatais. Orçamento SEST – 1985; Dispêndios Globais das Empresas Estatais.

Brasília, 1985b, 116 p.

BRASIL. Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Secretaria de Controle de

Empresas Estatais. Orçamento SEST – 1986; Dispêndios Globais das Empresas Estatais.

Brasília, 1986a, 124 p.

BRASIL. Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Secretaria de Controle de

Empresas Estatais. Perfil das Empresas Estatais. Brasília, volume 1, 1986b.

BRASIL. Secretaria de Planejamento da Presidência da República. Secretaria de Controle de

Empresas Estatais. Orçamento SEST – 1983; Dispêndios Globais das Empresas Estatais.

Brasília, 1983b. 128p.

BRASIL. Secretaria de Planejamento. Secretaria de Controle de Empresas Estatais. Empresas

Estatais no Brasil e o controle da SEST; antecedentes e experiência de 1980. Brasília, 1981.

113p.

CONSELHO federal de desestatização. Relatório (1981-1984). Anexos A e B, [1985].

CONSELHO federal de desestatização. Relatório (1985-1989). Brasília-DF, 1990.

DEMONSTRAÇÕES Financeiras da Usiminas (2001). Disponível em: www.bovespa.com.br.

269

DEMONSTRAÇÕES Financeiras da Vale (2005; 2010). Disponível em:

www.bovespa.com.br.

FIESP. Livres para crescer: proposta para um Brasil moderno. São Paulo: Cultura Editores

Associados, 1990.

PRIVATIZAÇÃO a experiência brasileira da BNDESPAR: 1987-1989. Rio de Janeiro:

BNDES, 1992.

PROGRAMA nacional de desestatização: relatório de atividades, 1990. Rio de Janeiro:

BNDES, 1991.

PROGRAMA nacional de desestatização: relatório de atividades, 1991. Rio de Janeiro:

BNDES, 1992.

PROGRAMA nacional de desestatização: relatório de atividades, 1992. Rio de Janeiro:

BNDES, 1993.

PROGRAMA nacional de desestatização: relatório de atividades, 1993. Rio de Janeiro:

BNDES, 1994.

PROGRAMA nacional de desestatização: relatório de atividades, 1994. Rio de Janeiro:

BNDES, 1995.

PROGRAMA nacional de desestatização: relatório de atividades, 1995. Rio de Janeiro:

BNDES, 1996.

PROGRAMA nacional de desestatização: relatório de atividades, 1996. Rio de Janeiro:

BNDES, 1997.

PROGRAMA nacional de desestatização: relatório de atividades, 1997. Rio de Janeiro:

BNDES, 1998.

PROGRAMA nacional de desestatização: relatório de atividades, 1998. Rio de Janeiro:

BNDES, 1999.

Jornais e Revistas

ACESITA descobre o lucro aos 49 anos. Folha de S. Paulo. São Paulo, p. 12,6 fev. 1994.

ACESITA e Kawasaki acertam participação no capital da CST. Gazeta Mercantil. Belo

Horizonte, p. C5, 22 mai. 1996.

ACIONISTAS da CSN agora buscam trégua para conflito. O Estado de S. Paulo. São Paulo,

p. 7, 3 out. 1995.

A EMBRAER desafia a Bombardier. Gazeta Mercantil. Business Week, p. C3, 25, 26 e 27

out. 1996.

270

A ESCELSA é dos bancos e dos fundos. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. A1, B1 e B6, 12

jul. 1995.

AUMENTAM 125% os lucros da Usiminas. Gazeta Mercantil. Belo Horizonte, p. 21, 6 ago.

1993.

APROVAÇÃO do projeto da Usiminas permite reduzir 17,7% os custos em P&D. Gazeta

Mercantil. Belo Horizonte, p. 10, 10, 11 e 12 jun. 1994.

A USIMINAS quer comprar controle da Acesita. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. A1 e

C4, 08 set. 1997.

BANCOS ganham US$ 500 mi com venda de usinas. Gazeta Mercantil. São Paulo, p. A1 e

C1, 26 abr. 1996.

BAMERINDUS fecha venda de seu lote na CSN. Folha de S. Paulo. Rio de Janeiro, p. 7, 1

dez. 1995.

BNDES financiará fornecedores da CSN na região. O Globo. Rio de Janeiro, p. 29, 19 mar.

1996.

BNDES libera crédito para Copesul. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. C6, 22 set. 1997.

BNDES teme mais a ação da OAB. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro. p. B1, 23 abr. 1997.

BNDES tenta vender a Vale ainda hoje. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. A1, B6 e B7, 6

mai. 1997.

BNDES vai financiar as teles privatizadas. Folha de S. Paulo. Brasília, p. 8, 20 ago. 1998.

BNDESPAR prepara troca de ações. Gazeta Mercantil. São Paulo, p. B5, 23 jun. 1997.

BOZANO, Simonsen que sair da Embraer. Folha de S. Paulo. São Paulo, p. 2, 10 jun. 1999.

CADE aprova os contratos da Copesul. Folha de S. Paulo. Brasília, p. 6, 13 fev. 1998.

CAPITAL da Embraer passa para R$ 1,9 bi. Gazeta Mercantil. São José dos Campos, p. C4,

08 set. 1997.

CÍCERO reafirma que Vale e BR estão fora do programa. Gazeta Mercantil. Belo Horizonte,

p. 23, 2 set. 1993.

COM DÍVIDA de R$ 65 bi, Oi propõe 10 anos de carência para pagar a credor. Folha de S.

Paulo. Rio de Janeiro, 6 set. 2016.

COMISSÃO altera edital e estrangeiros podem adquirir 100% do capital da PQU. Gazeta

Mercantil. Rio de Janeiro, p. 20, 9 nov. 1993.

COMUNICADO de fato relevante da Light. O Globo. Rio de Janeiro, p. 32, 20 fev. 1997.

CONSELHO autoriza diretoria da Usiminas a negociar a compra de parte da Cosipa. Gazeta

Mercantil. Belo Horizonte, p. 23, 2 set. 1993.

271

CONSÓRCIO de empresas recua e participa hoje do leilão da PQU. Folha de S. Paulo. Santo

André, p. 1, 24 jan. 1994.

CSN: benefícios para pagar o ICMS. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. C3, 8, 9 e 10 nov.

1996

CSN critica decisão de adiar o reajuste do aço. O Estado de S. Paulo. Rio de Janeiro, p. 4, 18

jun. 1997.

CSN estima fechar 94 com lucro de US$ 100 milhões. Gazeta Mercantil. São Paulo, p. 9, 18

jan. 1995.

CSN obtém autorização para lançar ADR em nível 1 nos Estados Unidos. Gazeta Mercantil.

Rio de Janeiro, p. 19, 29 out. 1993.

CSN prevê recorde de produção neste ano. Gazeta Mercantil. São Paulo, p. C4, 11 set. 1997.

CSN quer comprar a Cerj. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. B1, 3 jun. 1996.

CST assina contrato de R$ 110 milhões com BNDES. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p.

C5, 23 dez. 1997.

DÉFICIT externo cresce para 4,4% do PIB. Folha de S. Paulo. Brasília, p. 8, 28 nov. 1998.

DENÚNCIA contra edital da empresa. Gazeta Mercantil. São José dos Campos, p. 20, 10 jul.

1994.

DEPOIS de cinco adiamentos, leilão da PQU deve ocorrer na segunda-feira. Gazeta

Mercantil. Rio de Janeiro, p. 25, 6 dez. 1993.

DISPUTA acirrada para avaliar Telebrás. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. A1 e B2, 26

nov. 1997.

DISPUTA pela Copene. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. B3, 2 ago. 1995.

DOCEGEO planeja elevar níveis de investimentos. Gazeta Mercantil. São Paulo, p. 16, 4 mai.

1993.

EDP assume gestão da Escelsa. Gazeta Mercantil. Vitória, p. A7, 11, 12 e 13 out. 2002.

EDP compra controle da Escelsa. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro e São Paulo, p. C5, 26

ago. 1999.

ELETROPAULO e Light chegam a acordo sobre valor da dívida: US$ 800 milhões. Gazeta

Mercantil. Rio de Janeiro, p. 21, 8 mar. 1995.

ELETROPAULO negocia com Light. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. B3, 29, 30 e 1 out.

1995.

EMBRAER demite e terceiriza atividades. Gazeta Mercantil. São José dos Campos, p. A1, 31

mai. 1995.

272

EMBRAER negocia a venda de 150 aviões à American Eagle. Gazeta Mercantil. Rio de

Janeiro, p. C3, 2 jun. 1998.

EMBRAER vai a leilão em 20 de maio pelo preço mínimo de US$ 295 milhões. Gazeta

Mercantil. Rio de Janeiro, p. 26, 8 mar. 1994.

EMBRAER vende 4 EMB-145 à Luxair. Gazeta Mercantil. São José dos Campos, p. C6, 03,

04 e 05 out. 1997.

EMPRESA ligada ao Econômico assume Copene. Folha de S. Paulo. Rio de Janeiro, p. 6, 16

ago. 1995.

ESCELSA negocia com operadora estrangeira para leilão da Cerj. Gazeta Mercantil. Rio de

Janeiro, p. B8, 26 ago. 1996.

ESCELSA pressiona e tarifa sobe quase 20%. Gazeta Mercantil. Brasília, p. A4, 8 ago. 2001.

ESCELSA terá novo edital. Gazeta Mercantil. Brasília. p. A1, 14 e 15 jun. 1995.

ESCELSA vai disputar leilão da Coelba. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. B7, 23, 24 e 25

mai. 1997.

ESTRANGEIROS marcam presença no setor elétrico. O Globo. Rio de Janeiro, p. 21, 1 ago.

1997.

FALTAM regras claras para a privatização. Gazeta Mercantil. Foz do Iguaçu, p. 5, 07, 08 e

09 jun. 1996.

FHC convida os alemães "ao sucesso". Gazeta Mercantil. Frankfurt, p. A1, 19 set. 1995.

FUNDAÇÕES articulam-se e procuram bom retorno. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p.

B1, 10 e 11 jun. 1998.

GOVERNO demonstra interesse em sanear a Embraer, que poderá ser privatizada. Gazeta

Mercantil, São José dos Campos, p. 28, 27 set. 1993.

GOVERNO inicia abertura das telecomunicações. O Estado de S. Paulo. Brasília, p. B1, 29

nov. 1995.

GOVERNO permitirá reajustes. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro e São Paulo, p. C4, 1 jul.

1997.

GOVERNO pretende privatizar a Light antes do final do ano. Gazeta Mercantil. Rio de

Janeiro, p. B3, 19 set. 1995.

GOVERNO vai subscrever ações para capitalizar Embraer em US$ 190 milhões. Gazeta

Mercantil. São José dos Campos, p. 31, 20, 21 e 22 nov. 1993.

GRAMPO derruba irmãos Mendonça de Barros, André Lara Resende e Pio Borges. Folha de

S. Paulo. Brasília, p. 4, 24 nov. 1998.

273

GRUPO está presente em 40 empresas de vários setores. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p.

C1, 25 abr. 1996.

LEILÃO da Acesita anima Bolsa de Valores. Folha de S. Paulo. São Paulo, p. 2, 23 ago.

1998.

LIGHT negocia empréstimo de R$ 325 mi com BNDES. Gazeta Mercantil. São Paulo, p. C5,

9 nov. 1998.

LIGHT quer comprar a Cerj. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. A1 e B6, 21 ago. 1996.

LIGHT tem lucro 87% maior em 1997. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. A1 e C4, 17 mar.

1998.

LIGHT terá um novo acordo de acionistas. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. A1 e B4, 23

mai. 1996.

LIGHT vai disputar Eletropaulo e Cesp. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. B6, 10 nov.

1997.

LIGHT vai investir para evitar cortes de energia. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. C5, 15

jan. 1998.

LUCRO da Telebrás subiu 18% em 95. Gazeta Mercantil. Brasília, p. A1 e C4, 26 mar. 1996.

MAIS de US$ 1 bilhão das compras da Telebrás vão privilegiar produtos locais. Gazeta

Mercantil. Rio de Janeiro, p. 10, 7 mar. 1994.

MENDONÇA diz que preferia consórcio do Opportunity. Folha de S. Paulo. Brasília, p. 5, 20

nov. 1998.

NOVA unidade de laminação da Usiminas. Gazeta Mercantil. Belo Horizonte, p. C3, 31 mar.

1998.

O CAPITAL estrangeiro. Revista Veja. Editora Abril, Edição 1634, ano 33, no 5, 2 fev. 2000,

129 p.

ONDE A VALE está investindo. Gazeta Mercantil. São Paulo, p. C1, 19, 20 e 21 mai. 1995.

O OURO da Vale é bom negócio. Gazeta Mercantil. Nova York, p. B3, 7 dez. 1995.

OZIRES Silva anuncia retomada do processo de privatização da Embraer. Gazeta Mercantil.

São José dos Campos, p. 11, 19 mai. 1993.

PACTUAL negocia ações da Iven. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. C3, 25 nov. 1997.

PREÇO da Telebrás terá redutor. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. B5, 9 jun. 1998.

PRESIDENTE da Telebrás descarta monopólio. Gazeta Mercantil. Brasília, p. B1, 2 jul.

1998.

274

PRESIDENTE recusa pedido de demissão de ministro. Folha de S. Paulo. Brasília, p. 4, 21

nov. 1998.

QUATRO anos sem Sérgio Motta. Folha de S. Paulo. São Paulo, p. 2,19 abr. 2002.

R$ 500 MILHÕES entram no Bamerindus. Gazeta Mercantil. São Paulo, p. A1 e B2, 8 ,9 e

10 dez. 1995.

RECUPERAÇÃO traz lucro de volta. Gazeta Mercantil. São Paulo, p. 22, 13 fev. 1995.

RELATÓRIO da Câmara denuncia irregularidades no processo. Gazeta Mercantil. Brasília, p.

B1, 7, 8 e 9 mar. 1997.

RIO cobra dívida de R$ 21 milhões da CSN. O Estado de S. Paulo. Rio de Janeiro, p. 5, 12

set. 1997.

SEM DISPUTA Bandeira é vendida pelo preço mínimo. Folha de S. Paulo. São Paulo, p. 4,

18 set. 1998.

SISTEMA Telebrás pode valer US$ 63,7 bi. Gazeta Mercantil. São Paulo, p. B1, 14 jan.

1998.

SÓ DOIS consórcios disputam a Escelsa. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. B3, 7 jul. 1995.

STF pode adiar venda da Vale. Gazeta Mercantil. Brasília, p. B1, 23 abr. 1997.

TARIFAS telefônicas: governo divide reajuste em duas etapas. Gazeta Mercantil. Brasília,

A5, 28 nov. 1995.

TARIFAS telefônicas vão ser revistas. O Globo. Brasília, p. 17, 13 mar. 1995.

TELEBRÁS. Gazeta Mercantil. Brasília, p. A3 e C4, 7 out. 1996.

TELEBRÁS deve ser vendida até junho. Gazeta Mercantil. Brasília, p. B1, 23 jul. 1997.

TELEBRÁS será dividida em quatro blocos. Gazeta Mercantil. Brasília, p. A1 e B1, 6 fev.

1997.

TELECOM Itália forma consórcio para Telebrás. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. B1, 10

e 11 jun. 1998.

UM ano após privatização Siderúrgica de Tubarão volta a ser lucrativa. Gazeta Mercantil. São

Paulo, p. 28, 4, 5 e 6 dez. 1993.

US$ 1 BI para comprar EMB-145. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro e São Paulo, p. C3, 10,

11 e 12 fev. 1997.

USIMINAS e CSN querem comprar a Del Orenoco. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. A1,

6 out. 1997.

USIMINAS é sobretaxada nos EUA. Gazeta Mercantil. Washington, p. A4, 4 set. 1997.

275

USIMINAS fecha contrato no valor de US$ 25 milhões com a Toshiba Corporation. Gazeta

Mercantil. Belo Horizonte, p. 30, 27, 28 e 29 nov. 1993.

USIMINAS inicia em janeiro o fornecimento de chapas de aço galvanizado à Autolatina.

Gazeta Mercantil. Porto Alegre, p. 25, 23 nov. 1993.

USIMINAS moderniza-se. Gazeta Mercantil. Belo Horizonte, p. C2, 13, 14 e 15 out. 1995.

USIMINAS participa da Brasinca Minas. Gazeta Mercantil. Belo Horizonte, p. C3, 23, 24 e

25 ago. 1996.

USIMINAS vai assumir o controle da distribuidora paulista de aço Rio Negro. Gazeta

Mercantil. Belo Horizonte, p. 24, 11, 12 e 13 dez. 1993.

VALE bate recorde histórico de vendas. O Globo. Rio de Janeiro, p. 25, 17 fev. 1995.

VALE do Rio Doce planeja investir US$ 2,7 bi este ano. O Globo. Brasília, p. 20, 5 fev. 1993.

VALE faz descoberta histórica. O Estado de S. Paulo. São Paulo, p. B1, 14 jan. 1997.

VALE, sócia da China em mina de Carajás. Gazeta Mercantil. São Paulo, p. C3, 4 mar. 1997.

VALE tem sinal verde para investir na CST. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. C3, 30 mai.

1996.

VALE terá parceira em prospecção. Gazeta Mercantil. Brasília, p. B1, 6 fev. 1997.

VALE. Gazeta Mercantil. Rio de Janeiro, p. A3 e C5, 13 mai. 1997.

VENDAS do EMB-145 não evitam corte de pessoal na Embraer. Gazeta Mercantil.

Campinas, p. C5, 13 fev. 1997.