carlos heitor cony - conto - tudo nos conformes

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Tudo nos conformesCarlos Heitor ConyNo lhe sabia o nome, apenas o apelido. Era "Conformes". Freqentava nossa roda no Leme, um grupo de jornalistas, escritores, gente do cinema e do teatro, ele se aproximava, ningum sabia de onde vinha nem quem era. Esfregava as mos, sentava-se na mesa e perguntava: - Como ? Est tudo nos conformes? Pois naquela viagem para Recife, mal sentei na poltrona preferida, 7L, dei de cara com Conformes, que estava no assento ao lado. Para variar, ele esfregou as mos e perguntou: - Como ? Est tudo nos conformes? Respondi que sim, para evitar conversa. Trs horas de avio com um chato ao lado dose. Se tudo estava nos conformes, o tempo no estava nada para conformes. Mal o avio decolou, comeou a jogar. O tempo pssimo e o aparelho pior, no ganhava altura. Comecei a suar frio. E mais frio suava quando via Conformes, na poltrona ao lado, dormindo em paz, sem dar bola para o pnico que aumentava em mim e nos demais passageiros. Mas tudo tem limite. O avio comeou abeirar a copa das rvores de uma pequena floresta, o piloto manobrava direita e esquerda, tentando desviar-se do perigo, eu sabia que, aps a floresta, viria uma montanha. E com o avio sem altura, o choque seria fatal. Irritei-me com Conformes. Dei um jeito de acord-lo. Lvido, atesta encharcada, mos crispadas pelo terror, mostrei-lhe a janela, as rvores passando rente cabine. Os passageiros gritando, um deles garantindo que nem Deus nos salvaria. Conformes olhou l fora, no disse nada. Levantou-se, cambaleando foi at a cabine. Se a situao estava pssima, ficaria pior com Conformes l dentro. Consegui vencer o pnico e chamara comissria, dando o alerta: - Olha tem um louco l dentro, saiu daqui agora mesmo, um idiota, tirem o sujeito de l! A comissria, que estava alarmada, mais alarmada ficou. Alguns passageiros j estavam gritando, chorando e rezando, com a notcia de um louco na cabine gritaram, choraram e rezaram com mais veemncia. Fechei os olhos, esperando a morte. Senti que o avio continuava a descer, estvamos agora no meio das rvores. Eu chegava ao fim dos meus dias. Cerrei os punhos esperando o impacto final. O avio sacolejou, sacolejou muito e s ento percebi que o aparelho conseguira aterrissar numa clareira providencial. Estvamos salvos mas o avio devia estar em pedaos. Estava. Galhos de rvores haviam invadido a cabine, vidros destroados, forte cheiro ~1~

Tudo nos conformesCarlos Heitor Conyde queimado em toda a parte. Fui cabine agradecer a percia do piloto que nos salvara. Encontrei Conformes no comando, com a cara de sempre. S ento fiquei sabendo que ele era instrutor na FAB, medalhado e tudo o mais. Ele olhou para mim, livrando-se do cinto que o amarrava cadeira do comandante. Esfregou as mos e perguntou: - Como ? Est tudo nos conformes?

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