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CARACTERIZAÇÃO DAS UNIDADES DE PAISAGEM DO BAIXO ACARÁ: UM ESTUDO DE CASO DA COMUNIDADE GUAJARÁ MIRI Aline Soares de Lima a Joelson da Silva Nascimento b Marcia Aparecida da Silva Pimentel c Sergio Luis Barbosa da Silva d José Galiza e a) Mestranda em Geografia pela Universidade Federal do Pará, professora EBTT do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Pará b) Mestrando em Geografia pela Universidade Federal do Pará c)Professora Dr. Da Faculdade de Geografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Pará d) Especialização em Geografia e Meio Ambiente pela UFPA (Em andamento) e) Representante quilombola de comunidades do Baixo Acará Eixo: Solos, paisagens e degradação RESUMO O presente artigo tem como objetivo caracterizar as unidades de paisagem do Baixo Acará, partindo do pressuposto de análise dos recursos hídricos existentes na área da comunidade Guajará Miri, considerando a relevância socioambiental que a mesma possui em um contexto de diversas comunidades quilombolas do munícipio de Acará, Pará. Essa descrição geográfica levou em conta os aspetos das morfoestruturas do relevo que compõem o mosaico de paisagens do local, além da cobertura vegetal, formação geológica e os diversos usos que se apresentam nestes espaços através da realização de um trabalho de campo e uso de imagens de satélites da respectiva área. A partir destes procedimentos metodológicos obteve-se como resultado que em Guajará Miri a população mantêm uma relação sustentável com o uso dos recursos naturais da área, principalmente quando se refere ao uso dos recursos hídricos, apresentando como implicação, uma área de areal que era de suma importância para um conjunto de nascentes, mas que encontra-se degradada e pode gerar um efeito cascata no sentido de promover o desaparecimento das mesmas e provocar um desequilíbrio ecossistêmico no ambiente. Palavras Chaves: Unidades de Paisagem. Recursos Hídricos. Guajará Miri INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo caracterizar as unidades de paisagem do Baixo Acará, partindo do pressuposto de análise dos recursos hídricos existentes na área da comunidade Guajará Miri. Essa descrição geográfica irá levar em conta também aspetos das morfoestruturas do relevo que compõem o mosaico de paisagens do local, além da cobertura vegetal, formação geológica e os diversos usos que se apresentam nestes espaços através da realização de um trabalho de campo.

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CARACTERIZAÇÃO DAS UNIDADES DE PAISAGEM DO BAIXO

ACARÁ: UM ESTUDO DE CASO DA COMUNIDADE GUAJARÁ MIRI

Aline Soares de Limaa Joelson da Silva Nascimentob Marcia Aparecida da Silva

Pimentel c Sergio Luis Barbosa da Silvad José Galizae

a) Mestranda em Geografia pela Universidade Federal do Pará, professora EBTT do Instituto Federal de Ciência

e Tecnologia do Pará

b) Mestrando em Geografia pela Universidade Federal do Pará

c)Professora Dr. Da Faculdade de Geografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade

Federal do Pará

d) Especialização em Geografia e Meio Ambiente pela UFPA (Em andamento)

e) Representante quilombola de comunidades do Baixo Acará

Eixo: Solos, paisagens e degradação

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo caracterizar as unidades de paisagem do Baixo Acará, partindo do pressuposto

de análise dos recursos hídricos existentes na área da comunidade Guajará Miri, considerando a relevância

socioambiental que a mesma possui em um contexto de diversas comunidades quilombolas do munícipio de Acará,

Pará. Essa descrição geográfica levou em conta os aspetos das morfoestruturas do relevo que compõem o mosaico

de paisagens do local, além da cobertura vegetal, formação geológica e os diversos usos que se apresentam nestes

espaços através da realização de um trabalho de campo e uso de imagens de satélites da respectiva área. A partir

destes procedimentos metodológicos obteve-se como resultado que em Guajará Miri a população mantêm uma

relação sustentável com o uso dos recursos naturais da área, principalmente quando se refere ao uso dos recursos

hídricos, apresentando como implicação, uma área de areal que era de suma importância para um conjunto de

nascentes, mas que encontra-se degradada e pode gerar um efeito cascata no sentido de promover o

desaparecimento das mesmas e provocar um desequilíbrio ecossistêmico no ambiente.

Palavras Chaves: Unidades de Paisagem. Recursos Hídricos. Guajará Miri

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo caracterizar as unidades de paisagem do Baixo Acará,

partindo do pressuposto de análise dos recursos hídricos existentes na área da comunidade Guajará Miri.

Essa descrição geográfica irá levar em conta também aspetos das morfoestruturas do relevo que

compõem o mosaico de paisagens do local, além da cobertura vegetal, formação geológica e os diversos

usos que se apresentam nestes espaços através da realização de um trabalho de campo.

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O trabalho de campo na ciência geográfica é uma ferramenta formidável, pois permite a

relação entre teoria e prática, fornecendo ao pesquisador uma experiência que consideramos

indispensável: o contato direto com o objeto de estudo. Este contato propicia a percepção e a vivência

do que foi estudado em sala de aula.

Trata-se, portanto, de uma experiência rica que, conforme afirma Alentejano e Rocha-Leão

(2006) vêm acompanhando a Geografia desde sua sistematização enquanto ciência. Da sistematização

da Geografia enquanto ciência até meados do século XX, o trabalho de campo orientava-se na

observação e na descrição dos fenômenos nas paisagens, resultado, portanto numa prática descritiva.

Com o advento da Geografia Crítica, o trabalho de campo, além da observação, perpassa também pela

interpretação e compreensão.

A fim de alcançar esses objetivos, foi organizado um roteiro de trabalho de campo de contendo

as principais atividades realizadas durante o trajeto ( figura 01 – Mapa de Localização e trajeto

percorrido), sendo instituída como metodologias a observação, anotações de campo, coleta de dado por

meio de visitas guiadas, registro fotográfico, marcação de pontos via GPS e relato de pesquisa em grupo.

Nas visitas guiadas, tivemos o auxílio da Professora Márcia e do Sr. José Galiza que discorreu sobre

características gerais da comunidade ora visitada.

Figura 01 – Mapa de Identificação da comunidade Guajará Miri e os pontos de deslocamento da

aula de campo.

Fonte: NASCIMENTO, J.S. 2018

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A relevância social dessa análise socioambiental é ratificada pela necessidade de

subsidiar esta comunidade com estudos de fundamentação teórica e científica sobre os recursos

naturais existentes e orientar como deve ser o planejamento e manejo referente aos seus usos.

Um importante marco histórico é a titulação de terras quilombolas, realizada pelo ITERPA

(Instituto de Terras do Pará) em 2002, e, portanto, configura a pertinência de se estudar a área

com uma maior escala de detalhe.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

Assim, para execução desta análise utilizou-se a metodologia quali-quantitativa, a partir

da utilização de dados primários e secundários. Os primeiros foram fundamentais para a

consecução dos objetivos, onde elaborou-se material cartográfico de localização da área em

estudo e das unidades de Paisagem, a partir dos recursos hídricos de Guajará Miri, todos com

escala de 1: 100.000. Os segundos, subsidiaram as análises da pesquisa a partir dos textos

referências sobre estas temáticas.

Como procedimentos metodológicos realizou-se: revisão de literatura das principais

referências sobre paisagens, uso de imagens de satélites Landsat, de cartas topográficas,

pesquisa de campo com objetivos exploratório de conhecer a realidade social e ambiental da

área, onde foram marcados pontos de GPS (Sistema de Posicionamento Global) e a partir destas

observações e literaturas, escreveu-se o texto.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 UM OLHAR SOBRE AS PAISAGENS E SUA COMPARTIMENTAÇÃO

As categorias geográficas são fundamentais para a elucidação de diversas questões relativas a

dinâmica sociedade-natureza, dentre estes termos, paisagem apresenta uma significativa importância e

será listado a evolução histórica do conceito nas diversas correntes do pensamento geográfico. O termo

paisagem, no âmbito da ciência Geográfica, tem origem na Geografia alemã com a terminologia

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landchaft, atrelado a uma compreensão de natureza (SOBRINHO, 2007). O mesmo apresenta-se como

base epistemológica de estudos geográficos na Geografia Tradicional (1870-1950), em uma perspectiva

naturalista.

Cabe salientar, que os estudos de paisagem na Geografia tradicional apresentavam-se de forma

normativa e descritiva, dotada de um forte conteúdo empírico, este conceito chave passou por diversas

compreensões metodológicas ao longo das demais correntes do pensamento geográfico. A aplicação

desta categoria de análise na evolução e sistematização do conhecimento geográfico era associado, por

sinonímia, a natureza (SOBRINHO, 2007).

Esta surge como elemento integrador que busca demostrar a distribuição espacial e as relações

existentes entre os elementos que compõe o quadro natural, possibilitando a criação do termo paisagem

natural, além de uma outra visão que leva em consideração os aspectos humanos. Estas concepções

emergem da dicotomia existente na própria Geografia, influenciadas pelas correntes deterministas e

possibilistas, respectivamente.

Uma das defesas de Bertrand é o valor da visão holística da paisagem (síntese), contrapondo-

se à análise compartimentada, que é comumente encontrada na Geografia (BERTRAND, 1971). Nesse

sentido, Bertrand conceituou a paisagem como “[...] o resultado da combinação dinâmica, portanto

instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros,

fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução”. No decorrer dos seus

estudos sobre a paisagem, um conceito resgatado pelo autor foi o de geossistema, criado pelo soviético

V. B. Sotchava, em 1963, cuja definição se baseava na interconexão de fluxos de matéria e de energia

entre os elementos bióticos e abióticos (PASSOS, 1997).

Além destas designações do conceito de paisagem, observa-se que Bertrand observando a

complexidade existente no dinamismo das paisagens, elaborou uma nova proposta de abordagem. Em

1997, durante o VII Simpósio Nacional de Geografia Física Aplicada, realizado em Curitiba/PR, ele

apresentou uma forma de estudo baseada em um sistema tripolar e interativo: o Sistema GTP –

Geossistema, Território e Paisagem. Segundo Georges Bertrand e Claude Bertrand (2007), trata-se de

três entradas ou três vias metodológicas que correspondem à trilogia fonte / recurso / aprisionamento e

que são baseadas em critérios de antropização, de artificialização e de artialização.

Essa perspectiva integrada do conceito de paisagem, apresentou-se como uma necessidade do

momento histórico da própria ciência geográfica e por evolução da Geografia Física Moderna. Segundo

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Corrêa (1995) a década de 1970 é marcada pelo surgimento da Geografia Crítica ou Marxista,

fundamentada no materialismo histórico e na dialética. Todas essas discussões apresentam influência

decisiva no esboço metodológicos das categorias geográficas.

Diante de toda esta discussão é relevante entender que não existe um único conceito

de paisagem, uma vez que é necessário considerar o recorte histórico o qual está sendo citado,

observando também a perspectiva de estudo dessa categoria de análise espacial e toda sua

evolução metodológica, que necessita que seja levado em consideração uma visão holística e

integrada da natureza.

Partindo de uma percepção integrada que todos os componentes que formam a

paisagem, é interessante compartimentá-la conforme características específicas: uso e

ocupação, caracterização dos recursos hídricos e os saberes proporcionados pela mesma.

3.2 RECURSOS HÍDRICOS E MANEJO

Discutir esta temática promove uma série de reflexões a respeito do conceito do que vem a ser

o recurso hídrico, sabe-se da importância alcançada pelo recurso água em nossa sociedade industrial

moderna. No entanto, para efeitos metodológicos é fundamental diferenciá-lo do conceito da água como

elemento natural. A esse respeito, Rebouças (2006) afirma que a utilização da definição recurso hídrica

está associada ao valor econômico alcançado por este recurso, o que converge com diversas discussões

realizadas sobre manejo dos mesmos.

É importante destacar, que este recurso tornou-se notável, sobretudo nas últimas três décadas,

o substancial incremento de estudos relativos aos recursos hídricos, bem como a eleição da bacia

hidrográfica como unidade territorial preferencial destes estudos, o que a tem tornado referência espacial

destacada, subsidiando tanto o planejamento territorial quanto fundamentando boa parte da legislação

ambiental no Brasil e em muitos países (MACHADO; TORRES, 2012).

Assim, o estudo detalhado de uma bacia hidrográfica, seja de suas características físicas, de

seus modelos de parcelamento, uso e ocupação do solo ou de suas características sociais e econômicas,

é fundamental para que se proceda à utilização e ao manejo mais adequado de recursos, especialmente

os hídricos (MACHADO; TORRES, 2012).

TERRA FIRME

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Relacionado a isso, observa-se a legislação pertinente ao manejo dos recursos hídricos, uma

preocupação de análise integrada para o entendimento dos possíveis impactos de uso, riscos e

vulnerabilidades. O principal apontamento nesta direção é sobre a Política Nacional dos Recursos

Hídricos, lei nº 9.433/97, que orienta a gestão das águas no Brasil e através de suas definições especifica

formas de uso e permite identificação de aspectos relativos a qualidade da água e gerenciamento das

demandas existentes. O manejo neste contexto será relacionado as formas de uso.

Assim, a partir da análise de imagens, da pesquisa de campo e do subsídio da fundamentação

teórica, observou-se alguns aspectos importantes na área da comunidade quilombola Guajará Miri a

respeito dos diversos usos dos recursos hídricos disponíveis na comunidade. No entanto, antes disso

vamos salientar como ocorreu o processo de produção e reprodução do espaço nestes locais. Assim, faz-

se necessário uma pequena retrospectiva histórica da comunidade.

3.3 HISTÓRICO DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO BAIXO ACARÁ: A PARTIR

DE GUAJARÁ MIRI

Discutir a titulação de comunidades quilombolas, significa fazer uma série de reflexões sobre

o direito à terra no Brasil e na Amazônia. No caso, do estado do Pará está problemática é pertinente, em

função de que segundo o ITERPA é o estado brasileiro com maior titulação de terra (um quantitativo de

53 comunidades) , e, portanto, área de estudo, importante para observar os usos e recursos do território,

nestas comunidades tradicionais.

Desta forma, cabe ressaltar os marcos legais que demarcam regularização de terras no Brasil

para destacar as especificidades na área de pesquisa. A nível nacional têm-se como instrumentalização

jurídica o artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição

Federal do 1988 “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras

é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Dando

assim, legitimidade a titulação destas áreas, realizadas por órgãos oficiais, como o ITERPA e o Instituto

de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Assim, a partir destes regulamentação, tornou-se crescente este fenômeno de titulação destas

terras, e iniciou-se o processo de auto reconhecimento de várias áreas como remanescentes de

quilombos, e, portanto, que precisavam deste título coletivo. Na pesquisa de campo, pode-se perceber

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essa característica, já que a partir de relatos de José Carlos Galiza, representante da comunidade Guajará

Miri, observou-se que este foi um passo relevante para os moradores se organizarem na forma de

associação para solicitarem seus direitos, pelos relatos de experiência este é o ponto crucial para estes

povos iniciarem uma mobilização.

Em relação ao Baixo Acará, localizado no município de Aracá, Pará na coordenadas

geográficas latitude 1º 29’32,85’’ e longitude 48º 22’ 33,84” ( Figura 02 – Mapa de localização do

município do Acará, observa-se a concentração de comunidades quilombolas, que agrupam um grande

contingente de famílias e que procuram por meio de instituições oficiais se apropriarem da legislação e

se inserir em órgão públicos para solicitar projetos e benfeitorias para estes espaços, entre elas, Guajará

Miri que é nosso foco de análise

Figura - 02 Mapa de localização do município do Acará, Pará

Fonte: Silva, 2019

Nesse sentido, José Carlos Galiza, importante liderança quilombola de Guajará Mirim,

coordenador administrativo da Malungu (organização estadual que é responsável pela articulação das

associações quilombolas do Pará) relata como ocorreu a reconstrução da identidade da população que

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vive no local, como negros que lutam por seus direitos. Em suas falas, o mesmo afirmou que o lócus da

pesquisa “Não era uma comunidade de negros que fugiram da escravidão. Na realidade, aqui era uma

fazenda onde negros e negras foram escravizados. [...] E quando a escravidão se tornou um crime, os

escravocratas – porque não estava mais sendo lucrativo, ou por algum outro motivo – foram embora, e

os negros ficaram aqui nas terras. [...] Depois de um tempo, vai-se incorporando negros que vinham de

outras comunidades aqui mesmo da região.”

Segundo o documento Brasil Movimento Regional de la tierra ( 201?) A presença negra na

região do Baixo Acará inicia-se nos séculos XVIII e XIX. Por ser uma das principais áreas de produção

de cana-de-açúcar no período escravocrata, a região concentrou grande quantidade de negros

escravizados, cujos descendentes ali permaneceram até os dias de hoje.

José Carlos Galiza, ainda fez um breve relato histórico do surgimento dessas comunidades,

assim destacou que a comunidade quilombola de Guajará Mirim possui uma origem comum ao

quilombo vizinho de Itancoã Miri. No final do século XIX, na região, existia uma fazenda chamada

Itanquãm, propriedade do capitão Antônio Maciel de Farias, onde funcionava uma olaria. Os herdeiros

deste homem, após sua morte, arrendaram partes da fazenda para os seus antigos escravos que, na falta

de alternativas de subsistência em outras localidades, ali permaneceram.

Dentro do processo de titulação das terras a associação decidiu que os negros que

permaneceram na luta para conseguir a posse pela terra, conquistaram o direito de fixar residência e

utilizar os espaços coletivos da comunidade. Nesse sentido, as decisões são tomadas coletivamente e

contribuem para a construção de um sentimento de pertencimento ao lugar e de uma relação identitária

com o que eles são e o que representam em um contexto de busca por mais políticas de ações afirmativas

e representividade em diversos espaços institucionais.

3.4 UNIDADES DE PAISAGEM E USO DOS RECURSOS HÍDRICOS DE GUAJARÁ MIRI

Assim, diante deste processo de apresentação dos aspectos históricos de luta pelo

território dos quilombolas de Guajará Miri, cabe salientar a necessidade de conhecer os aspectos

dos recursos e saberes das territorialidades que foram impostas e estabelecidas nestes espaços.

Para isso, faz-se necessário utilizar análises a partir da definição das unidades de paisagem,

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considerando os recursos hídricos das comunidades como parâmetros que permitem inferir

diversos indicadores para um prognóstico ambiental.

Nesse sentido, a paisagem é o ponto inicial para o conhecimento dos usos dos recursos,

uma vez que se parte de uma análise integrada levando em conta fatores como os canais fluviais

que percorrem esta área, a cobertura vegetal e as formas que estas se apresentam em imagens

de satélites.

Após a seleção da paisagem como conceito chave, parte-se para a análise de suas

diferenciações, como selecionou-se o usos do recursos hídricos, observou-se na pesquisa de

campo a relevância que os mesmos apresentam para a população tradicional que ali reside, já

que as várzeas, por exemplo, apresentam-se como componente importante da dinâmica local,

uma vez que os açaizais se estendo por extensas faixas dos rios que cortam esta região, além da

necessidade de consumo humanos deste.

Uma observação relevante a respeito dos recursos hídricos da comunidade, foi

exatamente a área de um areal que foi através de mecanismos legais cedido para exploração,

por uma empresa. Todo o lucro foi revertido em benefícios para a área. Mas, observou-se que

esta retirada de material já impactou na disponibilidade de água no local e pode ocasionar o

efeito cascata no sentido de desaparecimento de alguns canais fluviais importantes nesta região.

Estas delimitações de unidades de paisagem irão seguir os parâmetros da métrica das

paisagens e identificação das mesmas observadas, a partir da figura 03 que apresenta os

diferentes usos dos recursos pelas pessoas das comunidades, utilizando saberes tradicionais e

relevantes também para o extrativismo realizado como atividade econômica. Na mesma

observa-se, o gerenciamento dos recursos hídricos do Areal que a partir de um viés econômico,

beneficia a população local com os recursos para construção de obras infra estruturais, a várzea

é do rio Acará é importante como áreas extrativistas de Açaí, gerando renda. Na Terra firme,

localiza-se as moradias e a realização das atividades econômicas.

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Figura 03 – Mapa das Unidades de Paisagem – Uso dos Recursos Hídricos

Fonte: Silva, 2019

5 AGRADECIMENTOS

Reitero a importância do apoio para a consecução do trabalho, dado pela Capes, Universidade

Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Faculdade de Geografia, Mestrado

Acadêmico em Geografia; e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará e a

realização deste importante evento acadêmico: Simpósio de Geografia Física Aplicada.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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O território imaterial pertence ao mundo das ideias, das intencionalidades que

coordena e organiza o mundo material, transformando coisas e produzindo objetos na produção

do espaço e do território. Por isso os conflitos, as contradições quanto ao reconhecimento, não

de uma visão, um único caminho como a ciência tentar colocar uma singularidade, se impor

diante dos os conhecimentos, mas sim que existe pluralidade e diversidade e não uma hierarquia

das experiências humanas, no campo da política esses embates são ainda mais fortes e mais

complexos, pois os processos são seletivos e desiguais.

O território nasce com uma dupla conotação material e simbólica, relação de poder,

mas não apenas ao tradicional poder político, e sim poder no sentido mais concreto, de

dominação, funcional e quanto ao poder no sentido mais simbólico, de apropriação, carregando

as marcas do vivido, do valor de uso, de identidade, cultural, de representação.

A geografia faz parte de todo esse processo e possui uma importante contribuição para

a construção do conhecimento, para a análise do espaço, de uma essência epistemológica que

priorize as práticas dos sujeitos sociais, e que a pluralidade e a diversidade sejam questões

fundamentais como forma de interpretação da realidade e dos seus agentes que a produzem e a

edificam. Sendo em minha opinião a inserção da política e o seu reconhecimento indispensável

para a formação da cidadania da população, da afirmação de uma sociedade participativa, de

uma nação.

Desta forma, cabe salientar a importância de uma análise integrada da paisagem como

forma de subsidiar o planejamento ambiental e através de visitas e conversas nas comunidades

quilombolas contribuir para o uso sustentável dos recursos naturais, especialmente os recursos

hídricos de sumo interesse para a população que participa dos processos de produção e

reprodução dos espaços. Partindo destas discussões, observou-se impactos ambientais com

prognósticos futuros para desaparecimento de nascentes importantes da região.

É preciso reiterar também que instrumentos como o CAR (Cadastro Ambiental Rural)

devem neste contexto ser utilizados pelas instituições oficiais como mecanismo que permitam

gerenciar os recursos naturais de forma efetiva e real, ouvindo as comunidades no sentido de

realizar um mapeamento participativo adequado as necessidades e vivências dos grupos.

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7 REFERÊNCIAS

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Caderno de Ciências da Terra, n. 13, p. 1-27, 1971.

______, Georges; BERTRAND, Claude. Uma geografia transversal e de travessias: o

meio ambiente através dos territórios e das temporalidades. Maringá: Massoni, 2007

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm#adct>

Acesso em: 04 dez. 2018.

______, Movimento Regional Brasil pela terra. Estudo do caso Quilombolas de

Guajará Mirim e a luta por seu território. Disponível em:

<https://porlatierra.org/docs/3401810b6b3be81608bcfb4da89446c9.pdf>. Acesso em:

04. dez. 2018.

CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. São Paulo, SP: Ática, 1995

TORRES, Fillipe Tamiozzo Pereira; MACHADO, Pedro José de Oliveira. Introdução a

hidrogeografia. São Paulo: Cengange Learning, 2012.

REBOUÇAS, A. da C. Água no Brasil: abundância, desperdício e escassez. Bahia Análise

e Dados, .... 3. ed. rev. e ampl. São Paulo, SP: Escrituras, 2006.

SOBRINHO, J. F. Relevo e Paisagem – Proposta Medodológica. Ed. Sobral. Sobral. 2007