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Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 217-220 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X Caracterização geoquímica das rochas vulcânicas da Ilha da Graciosa, Açores, Portugal: considerações preliminares Geochemical characteristics of volcanic rocks from Graciosa Island, Azores, Portugal: preliminary considerations C. A. Sommer 1* , E. F. Lima 1 , L. M. M. Rossetti 1 , B. L. Waichel 2 , A. Machado 3 , F. C. Lopes 4 , D. L. Saldanha 1 , M. T. A. Barata 4 , C. J. Barreto 1 © 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Resumo: A Ilha da Graciosa faz parte do Grupo Central do Arquipélago dos Açores e situa-se nas proximidades da intersecção da Cordilheira Meso-Atlântica com o Rift da Terceira, ramo da junção tripla dos Açores. Dados radiométricos disponíveis indicam uma evolução ao longo do Pleistoceno e Holoceno (1,05 Ma - 3,9 ka). Três complexos vulcano-estratigráficos foram propostos para agrupar as unidades da ilha: (1) Serra das Fontes: predominantemente rochas efusivas básicas; (2) Serra Branca: produtos mais evoluídos, chegando a composições traquíticas; com predomínio de depósitos piroclásticos, sendo as rochas efusivas subordinadas; e (3) Vulcão Central-Vitória: composição basáltica predominante na unidade Vitória e basáltica-traquítica na unidade Vulcão Central, ambos com abundantes atividades explosivas e efusivas. Dados geoquímicos preliminares sugerem uma série alcalina-sódica, com composições variando de basaltos alcalinos a hawaiitos, chegando a benomoreitos e traquitos peralcalinos. O comportamento dos elementos maiores e traços em relação aos índices de diferenciação, sugerem um trend evolutivo que envolve processos de diferenciação magmática, a partir da cristalização de plagioclásio ± clinopiroxênio ± olivina ± titanomagnetita. Os padrões dos elementos traços são próximos a unidade, quando normalizados pelo OIB. Quando normalizados pelo condrito, constata-se um leve enriquecimento de ETR leves em relação aos pesados e suave anomalia positiva de Eu. As características químicas são coerentes com as demonstradas anteriormente para outras ilhas do Arquipélago dos Açores e típicas de magmas alcalinos intra-placa. Palavras-chave: Litogeoquímica, Ilhas oceânicas, Arquipélago dos Açores. Abstract: The Graciosa Island is part of the Central Group of the Azores Archipelago and is located near the intersection of Mid- Atlantic Ridge with the Terceira Rift, part of the Azores triple junction. Radiometric data available indicate an evolution along the Pleistocene and Holocene (1.05 Ma - 3.9 ka). Three volcano- stratigraphic complexes were proposed to group the units on the island: (1) Serra das Fontes: predominantly basic effusive rocks; (2) Serra Branca: more evolved products, reaching trachytic compositions; with predominance of pyroclastic deposits, whereas the effusive rocks are subordinate, and (3) Central Volcano-Victory: predominance of basaltic composition in Victoria unit and basaltic- trachytic in Central Volcano unit, both with abundant explosive and effusive activity. Preliminary geochemical data suggest a Na-alkaline series, with compositions ranging from alkali basalts to hawaiites, reaching benomoreites and peralkaline trachytes. The major and trace element behavior in relation to differentiation index, suggests an evolutionary trend, which involves magmatic differentiation processes, with magmatic crystallization of plagioclase ± clinopyroxene ± olivine ± titanomagnetita. The pattern of trace elements is close to unity when normalized to OIB. When normalized to chondrite, it is observed a slight enrichment of LREE relative to HREE and a slight Eu positive anomaly. The chemical characteristics are consistent with the previously demonstrated for other islands of the Azores and typical of intra-plate alkaline magmas. Keywords: Lithogeochemistry, Oceanic islands, Azores Islands. 1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Instituto de Geociências, RS, Brasil. 2 Universidade Federal de Santa Catarina - Campus Trindade, SC, Brasil. 3 Universidade Federal de Sergipe –Departamento de Geologia, SE – Brasil. 4 Universidade de Coimbra – Centro de Geofísica, Portugal. * Autor correspondente / Corresponding author: [email protected] 1. Introdução e localização O Arquipélago dos Açores é constituído por um conjunto de nove ilhas, compreendidas entre as coordenadas de 37º - 40º N e de 25º - 31º W (Fig. 1), que emergem da Plataforma dos Açores, uma estrutura acidentada sob o ponto de vista geomorfológico, limitada, grosso modo, pela curva batimétrica dos 2 000 metros, e que abrange uma área da ordem dos 5,8 milhões de km 2 .A Ilha da Graciosa fazparte do Grupo Central deste arquipélago que, juntamente com as ilhas do Faial, Pico, São Jorge e Terceira, definem um sistema vulcânico, controlado por uma tectônica ativa,expressa por acidentes estruturais de direção geral NW-SE. A Ilha da Graciosa situa-se nas proximidades da intersecção da Cordilheira Meso-Atlântica com o Rift da Terceira, ramo nor-nordesteda junção tripla dos Açores (Fig. 1). Com uma orientação geral NW-SE a WNW-ESE, o Rift da Terceira apresenta um comprimento total de cerca de 500 km e é composto por uma série de bacias (fossas) tectônicas, separadas por cristas ou maciços vulcânicos submarinos, ligando a Crista Médio-Atlântica à Zona de Fratura Açores- Gibraltar. Foram determinadas neste troço da fronteira de placas, velocidades de deslocamento relativo entre as placas Euroasiática e Africana de 0,76 cm/ano (Buforn et al., 1988).Vários trabalhos tem sido publicados sobre a geologiadesta ilha, destacando-se Zbyszewski (1970), Forjaz & Pereira (1976), Feraud et al. (1980), Maund Artigo Curto Short Article

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Page 1: Caracterização geoquímica das rochas vulcânicas da … · e uma matriz hemicristalina. A Unidade Vulcão Central é caracterizada principalmente por uma sucessão de depósitos

Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/185 Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 217-220 IX CNG/2º CoGePLiP, Porto 2014 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X

Caracterização geoquímica das rochas vulcânicas da Ilha da Graciosa, Açores, Portugal: considerações preliminares Geochemical characteristics of volcanic rocks from Graciosa Island, Azores, Portugal: preliminary considerations C. A. Sommer1*, E. F. Lima1, L. M. M. Rossetti1, B. L. Waichel2, A. Machado3, F. C. Lopes4, D. L. Saldanha1, M. T. A. Barata4, C. J. Barreto1

© 2014 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP

Resumo: A Ilha da Graciosa faz parte do Grupo Central do Arquipélago dos Açores e situa-se nas proximidades da intersecção da Cordilheira Meso-Atlântica com o Rift da Terceira, ramo da junção tripla dos Açores. Dados radiométricos disponíveis indicam uma evolução ao longo do Pleistoceno e Holoceno (1,05 Ma - 3,9 ka). Três complexos vulcano-estratigráficos foram propostos para agrupar as unidades da ilha: (1) Serra das Fontes: predominantemente rochas efusivas básicas; (2) Serra Branca: produtos mais evoluídos, chegando a composições traquíticas; com predomínio de depósitos piroclásticos, sendo as rochas efusivas subordinadas; e (3) Vulcão Central-Vitória: composição basáltica predominante na unidade Vitória e basáltica-traquítica na unidade Vulcão Central, ambos com abundantes atividades explosivas e efusivas. Dados geoquímicos preliminares sugerem uma série alcalina-sódica, com composições variando de basaltos alcalinos a hawaiitos, chegando a benomoreitos e traquitos peralcalinos. O comportamento dos elementos maiores e traços em relação aos índices de diferenciação, sugerem um trend evolutivo que envolve processos de diferenciação magmática, a partir da cristalização de plagioclásio ± clinopiroxênio ± olivina ± titanomagnetita. Os padrões dos elementos traços são próximos a unidade, quando normalizados pelo OIB. Quando normalizados pelo condrito, constata-se um leve enriquecimento de ETR leves em relação aos pesados e suave anomalia positiva de Eu. As características químicas são coerentes com as demonstradas anteriormente para outras ilhas do Arquipélago dos Açores e típicas de magmas alcalinos intra-placa. Palavras-chave: Litogeoquímica, Ilhas oceânicas, Arquipélago dos Açores. Abstract: The Graciosa Island is part of the Central Group of the Azores Archipelago and is located near the intersection of Mid-Atlantic Ridge with the Terceira Rift, part of the Azores triple junction. Radiometric data available indicate an evolution along the Pleistocene and Holocene (1.05 Ma - 3.9 ka). Three volcano-stratigraphic complexes were proposed to group the units on the island: (1) Serra das Fontes: predominantly basic effusive rocks; (2) Serra Branca: more evolved products, reaching trachytic compositions; with predominance of pyroclastic deposits, whereas the effusive rocks are subordinate, and (3) Central Volcano-Victory: predominance of basaltic composition in Victoria unit and basaltic-trachytic in Central Volcano unit, both with abundant explosive and effusive activity. Preliminary geochemical data suggest a Na-alkaline series, with compositions ranging from alkali basalts to hawaiites, reaching benomoreites and peralkaline trachytes. The major and trace element behavior in relation to differentiation index, suggests an evolutionary trend, which involves magmatic differentiation processes, with magmatic crystallization of plagioclase ±

clinopyroxene ± olivine ± titanomagnetita. The pattern of trace elements is close to unity when normalized to OIB. When normalized to chondrite, it is observed a slight enrichment of LREE relative to HREE and a slight Eu positive anomaly. The chemical characteristics are consistent with the previously demonstrated for other islands of the Azores and typical of intra-plate alkaline magmas. Keywords: Lithogeochemistry, Oceanic islands, Azores Islands. 1Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Instituto de Geociências, RS, Brasil. 2Universidade Federal de Santa Catarina - Campus Trindade, SC, Brasil. 3Universidade Federal de Sergipe –Departamento de Geologia, SE – Brasil. 4Universidade de Coimbra – Centro de Geofísica, Portugal. *Autor correspondente / Corresponding author: [email protected]

1. Introdução e localização

O Arquipélago dos Açores é constituído por um conjunto de nove ilhas, compreendidas entre as coordenadas de 37º - 40º N e de 25º - 31º W (Fig. 1), que emergem da Plataforma dos Açores, uma estrutura acidentada sob o ponto de vista geomorfológico, limitada, grosso modo, pela curva batimétrica dos 2 000 metros, e que abrange uma área da ordem dos 5,8 milhões de km2.A Ilha da Graciosa fazparte do Grupo Central deste arquipélago que, juntamente com as ilhas do Faial, Pico, São Jorge e Terceira, definem um sistema vulcânico, controlado por uma tectônica ativa,expressa por acidentes estruturais de direção geral NW-SE. A Ilha da Graciosa situa-se nas proximidades da intersecção da Cordilheira Meso-Atlântica com o Rift da Terceira, ramo nor-nordesteda junção tripla dos Açores (Fig. 1). Com uma orientação geral NW-SE a WNW-ESE, o Rift da Terceira apresenta um comprimento total de cerca de 500 km e é composto por uma série de bacias (fossas) tectônicas, separadas por cristas ou maciços vulcânicos submarinos, ligando a Crista Médio-Atlântica à Zona de Fratura Açores-Gibraltar. Foram determinadas neste troço da fronteira de placas, velocidades de deslocamento relativo entre as placas Euroasiática e Africana de 0,76 cm/ano (Buforn et al., 1988).Vários trabalhos tem sido publicados sobre a geologiadesta ilha, destacando-se Zbyszewski (1970), Forjaz & Pereira (1976), Feraud et al. (1980), Maund

Artigo Curto Short Article

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218 C. A. Sommer et al. / Comunicações Geológicas (2014) 101, Especial I, 217-220

(1985), Gaspar & Queiroz (1995), Gaspar (1996), Almeida (2001), Hipólito et al. (2010), Larrea et al. (2010, 2014). Este trabalho faz parte do Projeto de Cooperação Internacional CAPES-FCT 330-13 e visa apresentar e discutir,preliminarmente,novos dados geoquímicos obtidos para a Ilha da Graciosa, contribuindo, desta maneira, para a compreensão dos aspectos evolutivos relacionados as formação desta ilha dentro do contexto tectônico dos Açores.

2. Evolução e estratigrafia dos depósitos vulcânicos

A história evolutiva da Ilha da Graciosa é marcada por inúmeras manifestações vulcânicas transcorridas ao longo das centenas de milhares de anos. Constata-se um predomínio demanifestações basálticas de afinidade alcalina que geraram spatter cones e cones de escórias, e derrames com morfologias do tipo pahoehoe e a'a'. As atividades explosivas também foram importantes na formatação desta ilha e normalmente estão associadas as composição mais diferenciadas. Dentre os trabalhos mais recentes sobre a estratigrafia das unidades vulcânicas destacam-se os realizados por Gaspar & Queiroz (1995) e Gaspar (1996) que propuseram o agrupamento dos depósitos em três grande unidades (Fig. 1): (1) Complexo Vulcânico da Serra das Fontes; (2) Complexo Vulcânico

da Serra Branca e (3) Complexo Vulcânico do Vitoria-Vulcão Central. Segundo Gaspar (1996), a evolução da parte insular da ilha da Graciosa tem uma idade em torno de 600 000 anos.Dados geocronológicos mais recentes, obtidos pelo método 40Ar/39Ar (Larrea et al., 2014) expandiram a história evolutiva da Ilha da Graciosa para aproximadamente 1 Ma. Segundo Larrea et al. (2014), as unidades mais antigas vinculadas ao Complexo Serra das Fontes têm idades de 1,05 Ma e o magmatismo associado foi ativo por aproximadamente 600 ka. Os magmas mais diferenciados dos complexos Serra das Fontes e Serra Branca foram gerados a 450 ka. A Unidade Vitória, e posteriormente, a Unidade Vulcão Central tiveram seu início após uma inatividade vulcânica de cerca de 110 ka. Novamente constatou-se um novo processo magmático, com a concentração dos termos mais evoluídos em um único centro eruptivo, o estrato vulcânico Vulcão Central, com idades aproximadas de 50 ka. A formação da caldeira tem uma idade estimada entre 47-50 ka e foisucedida pela formação de derrames basálticos dentro da estrutura, formando lagos de lava até aproximadamente11 ka. As últimas atividades vulcânicas da Ilha da Graciosa datam de cerca de 3,9 ka e são representados por pequenos spatter cones dentro da caldeira e na Unidade Vitória (Pico do Timão).

Fig. 1. Mapa Geológico simplificado da Ilha da Graciosa (modificado a partir de Gaspar, 1996). Fig. 1. Simplified geological map of the Graciosa Island (modified from Gaspar, 1996).

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Geoquímica das rochas da Ilha da Graciosa, Açores 219 3. Faciologia e petrografia dos depósitos vulcânicos

O Complexo Vulcânico Serra das Fontes (Gaspar, 1996) é caracterizado por uma sucessão de derrames basálticos subaéreos do tipo a'a'. Os derrames são pouco espessos, compostos por zonas basal e de topo autobrechadas, e núcleo maciço porfirítico e vesiculado.

O Complexo Vulcânico Serra Branca (Gaspar, 1996) é constituído predominantemente por depósitos piroclásticos de queda, caracterizados por camadas com espessuras variáveis, mas lateralmente contínuas que cobrem uniformemente o relevo. Predominam os lapilitos e os lápili-tufos ricos em púmices e escórias. Domos traquíticos ocorrem de maneira subordinada.

O Complexo Vulcânico Vitória-Vulcão Central (Gaspar, 1996) é a unidade predominante da Ilha da Graciosa. A Unidade Vitória ocupa a porção NW da ilha e é constituída por cones de escórias, spatter cones e derrames basálticos associados. Os cones de escórias representam elevações topográficas construídas por fragmentos de escóreas basálticas. Possuem geometrias semicirculares e geralmente apresentam uma das laterais abatidas. Associados aos cones de escórias ocorrem derrames básicos com morfologias do tipo pahoehoe e a'a'. Os derrames pahoehoe ocorrem na forma de lobos de lava pouco espessos e a complexa relação de sobreposição destes fluxos gera um padrão composto anastomosado para estes depósitos. Os derrames mais espessos tem estruturação interna definida por um núcleo maciço sem vesículas e um topo vesiculado. Ocorrem tubos de lava e feições de superfície em corda associados a estes derrames. Petrograficamente são basaltos porfiríticos, ricos em fenocristais de plagioclásio, com matriz afanítica a fanerítica fina. Os derrames a'a' ocorrem subordinadamente em relação aos pahoehoe e são caraterizados por apresentarem espessuras de até 6m, com carapaças externas autobrechadas, compostas por clastos monomíticos de basalto escoriáceo. Os núcleos dos derrames são porfiríticos, com fenocristais de plagioclásio e uma matriz hemicristalina. A Unidade Vulcão Central é caracterizada principalmente por uma sucessão de depósitos piroclásticos (queda, surge e fluxo), intercalados a derrames basálticos do tipo a'a' e são relacionadas a caldeira, que ocorre ao SW da ilha. Depósitos secundários também ocorrem e são caracterizadas por lahares. Hialoclastitos ocorrem subordinadamente em algumas porções da ilha e são relacionados aos estágios transicionais de condições pré-insulares e insulares da ilha, ou seja, eventos mais antigos que aqueles que formaram as unidades do Vulcão Central. Estes depósitos são caracterizados por camadas inclinadas e estratificação planar de baixo ângulo, sendo constituídos por fragmentos milimétricos a centimétricos de basaltos, com geometria côncava em matriz fina palagonizada, além de grandes blocos e bombas. Os depósitos de surge são formados por diversas camadas com grau de seleção moderado a alto, caracterizados pela presença de estruturas trativas, como estratificações cruzadas e feições de dunas e antidunas.

Ocorrem ainda, estruturas de fluidização e carga, além da presença de fragmentos acidentais como bombas e blocos com trajetória balística e estruturas de deformação de camadas associadas.

4. Litogeoquímica

4.1. Procedimentos analíticos

Para a obtenção dos dados litogeoquímicos foram selecionadas 26 amostras representativas da ampla distribuição espacial e composicional dos vulcanitos relacionados às diferentes unidades da Ilha da Graciosa. As amostras foram analisadas no Acme Analytical Laboratories Ltd., utilizando a técnica ICP para elementos maiores e ICP-MS para elementos traço e terras raras. Os dados obtidos foram organizados e tratados estatisticamente nos programas Microsoft Excel e Geochemical Data Toolkit (Janoušek et al., 2003).

4.2. Resultados

Dados geoquímicos preliminares sugerem uma série alcalina-sódica(Na2O-2 > K2O) para as rochas estudadas, com composições variando, predominantemente, de basaltos alcalinos a hawaiitos, chegando a benomoreitos e traquitos de caráter peralcalino, representados pelos termos mais evoluídosdo Complexo Serra Branca (Fig. 2). Esta natureza alcalina é corroborada em diagramas baseados em razões entre elementos traço como Zr e Nb em relação ao TiO2 e SiO2. Os baixos conteúdos de Ni, Sc, Cr, Co e número de magnésio sugerem serem magmas evoluídos e não primários.O comportamento dos elementos maiores e traço em relação ao SI (100* MgO/MgO+FeO+Fe2O3+Na2O+K2O) sugerem um trend evolutivo homogêneo para todas as unidades, envolvendo vários processos de diferenciação magmática ao longo de evolução da Ilha. O forte trend linear observado entre os elementos maiores e o SI, associados à correlação positiva de Cr, Ni, Co e Sc, indica mecanismos de cristalização magmática de plagioclásio ± clinopiroxênio ± olivina ± titanomagnetita.O padrão dos elementos traços e ETR sugerem uma forte similaridade entre as rochas de todas as unidades da Ilha da Graciosa e são próximos a unidade, quando comparados com o padrão OIB (Fig. 2).Quando normalizados ao padrão do manto primitivo, constata-se um leve enriquecimento de ETR leves em relação aos pesados,o que é considerado comum em rochas vulcânicas geradas por um baixo grau de fusão de um manto granada-lherzolítico. Asuave anomalia positiva de Eu é característica e causada, provavelmente,por uma concentração de plagioclásio durante o fluxo magmático. Nos termos mais evoluídos constata-se um maior enriquecimento de ETRL em relação aos ETRP e uma forte anomalia negativa em Eu (Fig. 2), comum em rochas alcalinas mais diferenciadas (Fig. 2).

As rochas de todas as unidades da Ilha da Graciosa mostram uma forte similaridade com o magmatismo intra-placa, como demonstrado por alguns diagramas discriminantes de ambientes tectônicos, que levam em

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consideração o comportamento de elementos traço de baixa mobilidade, como Zr, Nb, Y, Th, Hf e Ta. As características químicas apresentadas são coerentes com as demonstradas anteriormente para outras ilhas do Arquipélago dos Açores (p. ex. Lima et al., 2011). Trabalhos futuros envolvendoa geoquímica isotópica contribuirão para a discussão sobre a gênese e a evolução destes magmas alcalinos.

Fig. 2. Diagramas geoquímicos para amostras da Ilha da Graciosa: (a) TAS (Le Maitre, 1989); (b) Diagrama multi-elementar normalizado pelo OIB (Sun & McDonough, 1989); (c) Diagrama de ETR normalizados pelo manto primitivo (McDonough & Sun, 1995); (d) Diagrama discriminante de ambiente tectônico (Meschede, 1986): AI = basaltos alcalinos intra-placa; AII = basaltos alcalinos e toleítos intra-placa; B = E-MORB; C =toleítos intra-placa e basaltos de arco vulcânico; D = N-MORB basaltos de arco vulcânico. Legenda: triângulos preenchidos = Complexo Vulcânico Serra Branca; X = Unidade Vulcão Central; O = Unidade Vitória. Fig. 2. Geochemistry diagrams for the Graciosa Island samples: (a) TAS (Le Maitre, 1989); (b) Spidergram for trace elements normalized by OIB values (Sun & McDonough, 1989); (c) REE patterns normalized by primitive mantle (McDonough & Sun, 1995); (d) Meschede’s (1986) diagram for tectonic setting. Legend: AI, within-plate alkali basalts; AII, within-plate alkali basalts and tholeiites; B, E-type MORB; C, within-plate tholeiites and volcanic-arc basalts; D, N-type MORB and volcanic-arc basalts. Legend: filled triangles = Serra Branca Volcanic Complex; X = Vulcão Central Unit; O = Vitória Unit.

Agradecimentos

CAPES-FCT 330/13; 7989-13-0; 11675-13-6.

Referências Almeida, M.H., 2001. A fonte mantélica na região dos

Açores:constrangimentos impostos pelas características geoquímicas derochas vulcânicas e de xenólitos ultramáficos. Ph.D. thesis, University of Azores (unpublished), 184 p.

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Gaspar, J.L., Queiroz, G., 1995. Carta vulcanológica das Açores, ilha Graciosa, folha A e B, escala 1:10 000. Universidade dos Açores e Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa, Portugal.

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Janoušek, V., Farrow, C.M., Erban, V., 2003. GCD kit: new PC software for interpretation of whole-rock geochemical data from igneous rocks. Geochimica et Cosmochimica Acta, 67, A186.

Larrea, P., Lago, M., França, Z., Widom, E., Galé, C., Ubide, T., Arranz, E., 2010. Enclaves in Graciosa Island (Açores, Portugal): preliminary data. GEOGACETA, 48, 155-158.

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Lima, E.F., Machado, A., Nardi, L.V.S., Saldanha, D.L., Azevedo, J.M.M., Sommer, C.A., Waichel, B.L., Chemale Jr., F., Almeida, D.P.M., 2011. Geochemical evidence concerning sources and petrologic evolution of Faial Island, Central Azores. International Geology Review, 53, 1684-1708.

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