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153 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA Caracterização geológico-geotécnica das encostas urbanas do Município de Salvador Vieira, C. F. C. Geohidro Consultoria, Salvador, Bahia, Brasil, [email protected] Pereira, A. M. S. Instituto de Geociências/UFBA, Salvador, Bahia, Brasil, [email protected] Dias, V. M. Instituto de Geociências/UFBA, Salvador, Bahia, Brasil, [email protected] Cerqueira Neto, J. X. Instituto de Geociências/UFBA, Salvador, Bahia, Brasil, [email protected] Silva, F. R. Geohidro Consultoria, Salvador, Bahia, Brasil, [email protected] Ferreira, L. A. G. Geohidro Consultoria, Salvador, Bahia, Brasil, [email protected] Resumo: Este trabalho apresenta os fatores condicionantes geológico-geotécnicos, tipologia da ocupação e uso dos terrenos e, dos riscos geológicos, associados a sete domínios do sistema de encostas do sítio urbano do município de Salvador. A metodologia de estudo abrangeu: (i) a realização de investigações geológico-geotécnicas de superfície, (ii) geoprocessamento de modelos cartográficos típicos dentre os temas geologia-geotecnia, geomorfologia e uso do solo, (iii) parametrização de propriedades morfométrics e (iv) análise e integração de dados de investigações geotécnicas de subsuperfície. A caracterização dos diferentes domínios das encostas urbanas consta do Plano Diretor de Encostas de Salvador – elaborado pela CARG/PMS com a consultoria e apoio técnico da Geohidro Consultoria – e, constitui a base técnica para o estabelecimento e aprimoramento de políticas públicas relacionadas ao controle de riscos geológicos no município. Abstract: This paper presents the conditioning geologic-geotechnics factors, typology of the occupation and use of lands and also geologic hazards related to the seven domains of the systems of the hillsides in the urban site of the Salvador city. The study is based upon (i) the

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153IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA

Caracterização geológico-geotécnica das encostasurbanas do Município de Salvador

Vieira, C. F. C.Geohidro Consultoria, Salvador, Bahia, Brasil, [email protected]

Pereira, A. M. S.Instituto de Geociências/UFBA, Salvador, Bahia, Brasil, [email protected]

Dias, V. M.Instituto de Geociências/UFBA, Salvador, Bahia, Brasil, [email protected]

Cerqueira Neto, J. X.Instituto de Geociências/UFBA, Salvador, Bahia, Brasil, [email protected]

Silva, F. R.Geohidro Consultoria, Salvador, Bahia, Brasil, [email protected]

Ferreira, L. A. G.Geohidro Consultoria, Salvador, Bahia, Brasil, [email protected]

Resumo: Este trabalho apresenta os fatores condicionantes geológico-geotécnicos, tipologiada ocupação e uso dos terrenos e, dos riscos geológicos, associados a sete domínios do sistemade encostas do sítio urbano do município de Salvador. A metodologia de estudo abrangeu: (i) arealização de investigações geológico-geotécnicas de superfície, (ii) geoprocessamento demodelos cartográficos típicos dentre os temas geologia-geotecnia, geomorfologia e uso do solo,(iii) parametrização de propriedades morfométrics e (iv) análise e integração de dados deinvestigações geotécnicas de subsuperfície. A caracterização dos diferentes domínios das encostasurbanas consta do Plano Diretor de Encostas de Salvador – elaborado pela CARG/PMS com aconsultoria e apoio técnico da Geohidro Consultoria – e, constitui a base técnica para oestabelecimento e aprimoramento de políticas públicas relacionadas ao controle de riscosgeológicos no município.

Abstract: This paper presents the conditioning geologic-geotechnics factors, typology of theoccupation and use of lands and also geologic hazards related to the seven domains of thesystems of the hillsides in the urban site of the Salvador city. The study is based upon (i) the

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accomplishment of surface geologic-geotechnical investigations, (ii) geoprocessing of typicalcartographic models on the subjects involving geology-geotechnics, geomorphology and land-use, (iii) geomorphometry, e (iv) the analysis and integration of subsurface geotechnicalinvestigations. The characterization of the main domains of urban hillsides consist of the ManagingPlan of Hillsides of Salvador - elaborated by CARG/PMS with the consultancy and techniciansupport of the Geohidro Consultoria - and constitutes a technical base to improve the relatedpublic policies for controlling of geologic hazards in the city.

1 INTRODUÇÃO

O risco geológico relacionado a escorrega-mentos e processos correlatos constitui umproblema ambiental complexo, devido ao am-plo espectro de variáveis e temas envolvidos.O grande número de acidentes causados porprocessos geológicos em assentamentos pre-cários demonstra a forte relação entre a estabi-lidade dos terrenos urbanos e o quadro de ex-clusão territorial e de degradação ambientaldecorrentes da crise socioeconômica inerenteàs cidades brasileiras, em alguns casos, aliadaà falta de planejamento da ocupação urbana.

No município de Salvador foram identifi-cadas, durante os estudos do Plano Diretor deEncostas, 433 áreas de riscos associadas, emsua grande maioria, a assentamentos precári-os, conforme PMS (2004). Para a reabilitaçãodessas áreas, foi estimado um recurso finan-ceiro de cerca de 150 milhões de reais, o quedemonstra a deseconomia originada desse gra-ve problema social.

Dada a relação adversa entre os recursosdisponíveis e a carência de investimentos emdiversas vertentes de ação municipal (saúde,Educação, infra-estrutura etc.), os instrumen-tos voltados para o gerenciamento de riscos,em especial dos Riscos Geológicos, revestem-se de grande importância.

Um dos principais aspectos, se não o maisimportante, no gerenciamento de riscos geoló-gicos é o conhecimento das características e,

principalmente, do comportamento dos terre-nos ante às intervenções humanas.

Com o propósito de identificar e caracterizaros principais domínios das encostas que com-põem a paisagem urbana, segundo uma pers-pectiva de geologia de engenharia voltada paraa análise de riscos, foi realizado, sob a respon-sabilidade técnica da Geohidro, o Plano Dire-tor de Encostas do Município de Salvador, doqual é feita uma síntese neste trabalho.

Assim, tem-se a sistematização do conheci-mento até então existente, fundamentada emtécnicas, processos e nos dados atuais, orien-tada para a identificação dos fatores mais im-portantes no que tange à estabilidade das ver-tentes urbanas. O trabalho foi realizado em ní-vel de semidetalhe, obtendo-se resultadosimprescindíveis para definição de diretrizes deação e de políticas públicas, bem como parasubsidiar a tomada de decisões a nível de pla-nejamento e/ou em ações de caráteremergencial.

1.1 Área de Estudo

Localizado entre os meridianos 38°40´W e38°18´W e as latitudes 12°44´S e 13°01´S, oMunicípio de Salvador apresenta uma exten-são territorial de cerca de 308 km².

A parte continental do município, quecorresponde a cerca de 90% de todo o territó-rio, encontra-se implantada sobre dois sítiosurbanos, denominados de Cidade Baixa e de

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Cidade Alta, separados fisicamente pelaescarpa de falha geológica – Falha de Salvador– e delineados, respectivamente, pelas águasda Baía de Todos os Santos (BTS) e pelo Oce-ano Atlântico.

O conjunto de ilhas, no qual destacam-se asilhas dos Frades e de Maré, que correspondeaos 10% restantes do território municipal, si-tua-se na BTS a noroeste da Cidade Baixa, nasproximidades dos municípios de Madre deDeus e de Candeias, respectivamente.

2 DADOS E MÉTODOS

2.1 Base de Dados

No desenvolvimento do trabalho foram utiliza-dos os seguintes dados:

• fotografias aéreas verticais, ano de 2002,escala 1: 8.000, SICAR;

• ortofotocartas, ano de 2002, escala de res-tituição 1:2.000, SICAR;

• Cartas topográficas, ano de 1992, escala• 1: 2.000, SICAR;• Cadastro georreferenciado com registros

de 1.070 pontos de risco visitados;• Dados geotécnicos de 1.567 sondagens;

e• Dados geotécnicos referentes a ensaios

com material de 383 amostras indeformadas.

2.2 Processamento dos Dados

Os dados foram processados em ambiente SIG,Sistema de Informações Geográficas – o SIG-PDE, desenvolvido especificamente para o pro-jeto e no contexto do trabalho. O grande volu-me e diversidade da base de dados e, principal-mente, à necessidade de construção de mode-los representativos dos fenômenos de interes-se do estudo, exigiu, portanto, o emprego deci-sivo de geotecnologias no alcance das metas.Técnicas de inferência geográfica, a

parametrização morfométrica de modelos digi-tais e a análise estatística foram os meios em-pregados para a integração dos dados levan-tados e das interpretações realizadas, bemcomo, para a quantificação e sistematização dosresultados obtidos.

3 TIPOLOGIA DAS ENCOSTAS

3.1 Caracterização Geológico-Geotécnica

O conjunto de encostas do sítio urbano domunicípio de Salvador foi fracionado em 7 prin-cipais domínios, ou sejam: (i) encostas adapta-das ao avanço da erosão do bloco alto da Fa-lha de Salvador, (ii) encostas de pedreirasdesativadas, (iii) encostas de aterro, (iv) en-costas esculpidas na interface das unidadesgeológicas Barreiras e Embasamento Cristali-no, (v) encostas esculpidas no manto de alte-ração do Embasamento Cristalino, (vi) encos-tas esculpidas em solos da unidade geológicadenominada de Formação Salvador e (vii) en-costas esculpidas em solos da FormaçãoPojuca.

A definição dos domínios supracitados foibaseada nas semelhanças e particularidades quemantêm consistência espacial sistemática doponto de vista geológico-geomorfológico-geotécnico-hidrogeológico. Essas particula-ridades definem o comportamento dos terre-nos e permitem inferir as possíveis conseqü-ências de determinados tipos de uso e formasde ocupação. A seguir, encontram-se descri-tas as principais características geológico-geotécnicas de cada domínio de encosta.

3.1.1 Domínio I - Encostas adaptadas ao avan-ço da erosão do bloco alto da Falha deSalvador

Trata-se de um conjunto de encostas associa-do à escarpa situada entre a Vitória e o Parque

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de São Bartolomeu, o qual apresenta linha decumeada contínua e vertentes com declivessuperiores a 150%. Horizontes de alteração porvezes sustentando matacões recobertos, nestaordem: por solos residuais argilo-siltosos e solosarenosos que ocorrem na parte superior daescarpa. Vários trechos da vertente acomodamcolúvios e/ou solos transportados, dispostossobre rocha cristalina muito fraturada ou solosresiduais mais lixiviados.

A água superficial de chuva ou lançada atra-vés de um sistema de esgotamento deficiente,muito comum nas comunidades fixadas no topoda encosta, infiltra no terreno e se mistura coma água subterrânea que circula através das fra-turas do maciço cisalhado, elevando o índicede saturação dos solos ou colúvios que reco-brem a vertente.

Neste contexto de elevada declividade e as-sinatura hidrogeológica favorável à saturaçãodo talude, (i) a herança de descontinuidadespresentes no manto de alteração necessáriaspara facilitar o fissuramento dos materiais aolongo da escarpa, (ii) o amplo espectro deheterogeneidades dos solos, (iii) a posição dainterface de base dos corpos de colúvio a fa-vor das vertentes, combinados com os efeitosda ocupação do espaço físico definem caracte-rísticas singulares no que diz respeito às con-dições de estabilidade das encostas e aos pro-blemas geotécnicos advindos da ocupação ina-dequada e/ou chuvas intensas.

Assim, em situações de chuva adversas, ocontexto de elevada declividade, a intensidadede fraturamento do maciço rochoso, incluindofissuras verticais paralelas à linha da escarpa, oamplo espectro de heterogeneidades dos solos,a própria disposição dos colúvios emsubstratos muito inclinados a favor do decli-ve, e os problemas hidrogeológicos quecondicionam a saturação plena do talude cons-tituem uma conjunção de fatores que determi-nam uma forte suscetibilidade à ocorrência do

seguinte quadro de predisponibilidade paradeslizamentos e queda de blocos: (i)descolamento ao longo da interface doscolúvios, (ii) descolamento na interface rochaalterada/ solo contendo blocos, (iii) ruptura nãocircular em fatias na rocha alterada, (iv) rupturacircular nos solos, no saprólito e no própriocolúvio, e (v) ruptura em cunha ou tombamen-to nos taludes rochosos.

3.1.2 Domínio II - Encostas de pedreirasdesativadas

Consistem em feições tecnogênicas esculpidaspela atividade de mineração. Embora se tratede ocorrências pontuais, os problemas levan-tados numa determinada pedreira podem serestendidos para todas unidades do conjunto.

Foram identificadas 25 encostas de pedrei-ras desativadas no território municipal. Essestaludes encontram-se na parte continental, dis-tribuídos nos seguintes bairros: Barbalho, Ci-dade Nova, Pernambués, São Gonçalo do Reti-ro, IAPI, Lobato, São Caetano e Valéria. Deve-se ressaltar que a maioria dessas pedreiras es-tão situadas ao longo do contato da FormaçãoBarreiras com o Embasamento Cristalino, po-dendo, segundo uma outra perspectiva, serenquadradas como um subdomínio do Domí-nio IV.

Regra geral, a atividade da extração expõe emcondições de declividade extrema (taludes ver-ticais), o maciço cristalino fraturado, o manto dealteração (regolito + solo), a capa de sedimen-tos arenosos e também, provoca uma mudançano padrão de escoamento da água superficial esubterrânea.

Em situações de chuvas intensas, cria-se umambiente com potencialidade para: (i) rupturacontrolada por descolamento ao longo dedescontinuidades de primeira ordem(granulito/saprólito ou saprólito/solos), nes-te caso, com deslocamento de grande volume

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de massa, (ii) ruptura não circular em fatias nosaprólito quando, além das fissuras de tração,o sistema de fraturas do embasamento exerceinfluência no mecanismo, (iii) ruptura circularrasa no interior do pacote de sedimentos, e (iv)ruptura circular rasa, em pontos ou zonas ondea alteração do embasamento desenvolve umadescontinuidade de segunda ordem entre solojovem e maduro.

No que tange ao movimento de maciços ro-chosos, podem ocorrer as seguintes situações,ordenadas segundo uma hierarquia de proba-bilidade: (i) ruptura em cunha devido à existên-cia de interseções com caimento menor que ainclinação do talude, (ii) tombamento de blo-cos, nas situações em que a linha do talude ésub-paralela às fraturas de alto ângulo inclina-das para dentro da face do talude, e (iii) rupturaplana paralela às famílias de inclinação mode-rada desde que seja satisfeita a condição desub-paralelismo com a linha da encosta e a fra-tura tenha o seu mergulho no sentido do avan-ço do talude.

3.1.3 Domínio III - Encostas de aterro

Os taludes de aterro são feições criadas pelolançamento encosta abaixo de materialinconsolidado, decorrentes de serviços deterraplanagem, bem como, de expurgos de pe-quenas construções, na maioria, de caráter ir-regular.

Esse tipo de encosta é encontrado em diver-sos setores do sítio urbano da parte continen-tal. As feições com maior expressão em termosde volume e de área, concentram-se nasadjacências de conjuntos habitacionais situa-dos entre os bairros de Castelo Branco eCajazeiras. Depósitos de menor expressão sãocomuns em assentamentos precários situadosem encostas.

Além de mudar drasticamente a declividadeda encosta natural, esses aterros criam uma

condição de descontinuidade entre materiaisde comportamento mecânico distintos com in-clinação a favor do talude, e causam uma sen-sível mudança no regime de escoamento su-perficial e subterrâneo. Por outro lado, o pró-prio mecanismo de construção facilita a forma-ção de fissuras ortogonais ao sentido de incli-nação dos taludes.

Em regime de chuvas mais intensas, a pre-sença das fissuras combinada com a facilidadede saturação plena do material lançado sobreuma base mais resistente com inclinação a fa-vor da vertente, estabelece um quadro desuscetibilidade a deslizamentos por rupturascontroladas pela descontinuidade, com pers-pectiva de movimentação de grande volumede massa.

Numa outra alternativa, o quadro tambémpotencializa eventos de ruptura circular empontos críticos do talude.

3.1.4 Domínio IV - Encostas esculpidas nainterface das unidades geológicas Bar-reiras e Embasamento Cristalino

Encostas longas e sinuosas com vertentes for-temente inclinadas a subverticais, recortandoa base areno-cascalhosa da unidade Barreiras,a superfície sub-horizontal da discordância e oembasamento sotoposto com diversos grausde alteração.

Esse arranjo vertical e a sinuosidade da li-nha de cumeada das encostas caracterizam umambiente com propriedades hidrodinâmicassingulares e largo espectro de heterogenei-dades dos solos recortados por trechos devertentes íngremes.

Em situações de chuvas intensas e prolon-gadas, as encostas naturais e os taludes decorte que apresentem (i) ocorrência de fissurasde tração rasas ou ancoradas no saprólito sub-paralelas a sua direção, (ii) condições de infil-tração da água favoráveis a saturação plena

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do talude, e (iii) interface embasamento/cober-tura inclinada no sentido do talude, merecemuma atenção especial porque apresentam umamaior potencialidade para o seguinte quadrode suscetibilidade a deslizamentos:

• ruptura não circular controlada pordescolamento ao longo da descontinuidadegranulito alterado/sedimentos arenosos Barrei-ras, ou imediatamente abaixo desta interface, commovimentação de grande volume de massa

• ruptura não circular em fatias no saprólito/solo quando, além das fissuras de tração, osistema de fraturas do embasamento exerce in-fluência no mecanismo

• ruptura circular rasa no interior do pacotede sedimentos

• ruptura circular rasa quando a alteração doembasamento desenvolve uma descontinuidadeentre solo jovem e rocha alterada ou entre solojovem e maduro

A atenção deve ser redobrada nos casosde cortes inadequados e/ou ocupação agres-siva desse cenário, em taludes de corte naspedreiras desativadas e nos taludes de aterroque mobilizam sedimentos arenosos na suaconstrução.

Todo esse quadro natural desuscetibilidade a acidentes, comprovado pelogrande número de pontos de risco distribuí-dos em vários setores desse conjunto de en-costas, acrescido dos efeitos contínuos e pro-gressivos da sua ocupação inadequada, retra-ta uma vocação particular de risco real e umapotencialidade para acidentes em múltiplospontos, em situações de chuvas intensas e pro-longadas.

3.1.5 Domínio V - Encostas esculpidas no man-to de alteração do Embasamento Crista-lino

São encostas alongadas com vertentes escul-pidas em perfis de alteração evoluídos a partir

do Embasamento Cristalino. Regra geral, es-ses perfis apresentam de base para topo: Ro-cha alterada / Regolito / Solos jovem-maduroargilo-siltosos com espessuras de até 30 metros.Diferem entre si, pelo grau de evolução do soloamadurecido e/ou pelas modificaçõesintroduzidas por recorte mecânico do terreno.

Em situações de chuvas intensas e prolon-gadas, encostas ou mesmo taludes de corte emsolos com maior ou menor grau de alteração,delineados pela técnica SINMAP (ver seção 3.4)como unidades de estabilidade e que, além dis-so, apresentem (i) ocorrência de fissuras de tra-ção rasas ou ancoradas no saprólito com ori-entação ortogonal à vertente; (ii) condições deinfiltração da água favoráveis a saturação ple-na do talude e (iii) importante diferenciação noperfil de alteração, merecem uma atenção espe-cial, porque apresentam uma maiorpotencialidade para o seguinte quadro desuscetibilidade a deslizamentos:

• ruptura não circular em fatias no saprólito/solo quando, além das fissuras de tração, osistema de fraturas do embasamento exerce in-fluência no mecanismo

• ruptura circular rasa nas proximidades dapassagem solo jovem / solo maduro

• a atenção deve ser redobrada nos casosde cortes inadequados e/ou ocupação agres-siva desse domínio, em taludes de corte naspedreiras desativadas e nos taludes de aterroque mobilizam sedimentos para vertente

Deve-se salientar que em condições de dre-nagem satisfatória e de baixo passivoambiental, essas encostas apresentam estabili-dade moderada.

3.1.6 Domínio VI - Encostas esculpidas em so-los da unidade geológica denominada deFormação Salvador

Essas encostas recortam perfis de solos areno-siltosos e da mesma forma que as encostas do

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Domínio V, diferem entre si, pelo grau de evolu-ção do solo amadurecido e/ou pelas modifica-ções introduzidas por recorte de taludes.

Ocorrem numa faixa irregular, nas proximi-dades do traço da Falha de Salvador, com mai-or expressividade na área do Parque de SãoBartolomeu e Plataforma, desaparecendo paranorte, tanto por afinamento estratigráfico,como em razão de seu recobrimento pela uni-dade Barreiras.

Acidentes nesse ambiente ocorrem nainterface solo jovem/solo maduro ou no ambi-ente raso do solo maduro, condicionados aproblemas de drenagem em terrenos recorta-dos.

Assim como as encostas esculpidas nomanto de alteração do Embasamento Cristali-no, apresentam estabilidade moderada em si-tuações de drenagem satisfatória e de baixopassivo ambiental.

3.1.7 Domínio VII - Encostas esculpidas emsolos da Formação Pojuca

São encostas com vertentes assimétricas es-culpidas em perfis de solos argilosos e expan-sivos, ou sobre um pacote de arenitos, siltitos efolhelhos interestratificados e estruturados numapilha de camadas sobrepostas com inclinaçãomédia de 20 0.

As encostas que compõem esse domínio,encontram-se distribuídas ao longo do Subúr-bio Ferroviário, no Alto do Bonfim e nas ilhasde Maré e dos Frades.

Nas encostas com vertentes ao longo domergulho, modeladas em solos argilosos ex-pansivos ou rocha alterada no Subúrbio Ferro-viário e no Alto do Bonfim, a estrutura podeser um agente facilitador para a ruptura planaou curviplanar e o conseqüente deslizamentode massa em situações onde a entrada de águano sistema eleva o grau de saturação dos so-los ou do material incompetente

interestratificado, provocando assim, o aumen-tando do peso do maciço e a redução da resis-tência ao cisalhamento.

Esse mesmo padrão de encostas nas ilhasde Maré e dos Frades, não caracteriza situa-ções de instabilidade, em razão da conjunçãopositiva dos seguintes fatores: (i) coberturavegetal natural muito densa, (ii) capa de soloreduzida, e (iii) intervenção antrópica incipiente.

Nas encostas ou falésias esculpidas por ero-são marinha, com vertentes opostas ao mergu-lho, tanto no Subúrbio Ferroviário e Alto doBonfim, como nas ilhas de Maré e dos Frades,as unidades argilosas com diferentes graus dealteração, podem sustentar corpos de arenitoou mesmo uma capa de solo, criando uma situa-ção de suscetibilidade a desmoronamento equeda de blocos. Em algumas situações a pró-pria rocha dura fraturada pode liberar blocos emfunção das interseções entre o plano tangente àencosta e os planos das fraturas ou mesmo daestratificação das rochas.

3.2 Tipologia dos Assentamentos Urbanos

A dinâmica de ocupação das encostas de Sal-vador, desde a fundação da cidade, foi contro-lada pela exclusão territorial da população me-nos abastada. A falta de recursos financeirospara (i) a aquisição de terrenos centralizados ede melhores condições para a habitação e (ii) opagamento de taxas e impostos, motivou umgrande contingente populacional a ocupar in-formalmente terrenos menos seguros, sob oponto de vista geotécnico e hidrológico, quesão as encostas e fundos de vale, respectiva-mente.

O quadro atual é marcado fortemente pelaconcentração de ocupações subnormais em di-ferentes estágios de consolidação, conformeos dados apresentados na Tabela 1. As clas-ses de ocupação, identificadas na referida ta-bela, são as seguintes:

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• ocupação subnormal predominantemen-te horizontal de baixa renda, fortementeadensada e já consolidada (O1.1). Resultadoda evolução da classe O1.2

• ocupação subnormal predominantemen-te horizontal de baixa renda em estágio inicialde implantação (O1.2)

• ocupação mista, composta por padrõesque se assemelham no que tange aos cuidadose procedimentos técnicos construtivos, à bai-xa vulnerabilidade aos problemas decorrentesda ação antrópica e à baixa vulnerabilidade aprocessos de deslizamento de encostas (O2)•ocupação subnormal predominantemente ver-tical, de baixa renda, com até 4 andares e bemadensada (O3). Resultado da evolução da clas-se O1.1

O reflexo desse quadro é a concentraçãode intervenções antrópicas, que induzem a

desestabilização dos maciços e, conseqüente-mente, a ocorrência de acidentes. A distribui-ção dos principais condicionantestecnogênicos de riscos nas encostas urbanasde Salvador é resumida na Tabela 2.

Deve-se destacar a situação de forte de-gradação, em que se encontram as encostasque compõem o Domínio das encostas adapta-das ao avanço da erosão do bloco alto da Fa-lha de Salvador. Essa situação é identificadapela grande concentração de intervençõesantrópicas adversas (ver Tabela 2), que alcan-ça mais do que o dobro dos valores represen-tativos dos demais domínios.

3.3 Atributos Geotécnicos

A variabilidade de depósitos geológicos, a di-nâmica de evolução geológica e a ação dos

Tabela 1 – Distribuição dos tipos de assentamentos urbanos e das áreas com cobertura vegetalnos diferentes domínios de encostas naturais

Nota: A coluna nomeada de outros, refere-se a outros tipos de ocupação humana e uso do solo (Praças, presídios,fazendas etc.). Nesta Tabela 1 constam apenas dados da parte continental do município.

Tabela 2 – Condicionantes tecnogênicos indutores de escorregamentos mais comuns nos assen-tamentos urbanos da parte continental do município

Nota: Os valores apresentados referem-se à densidade de ocorrências dos condicionantes.

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processos intempéricos, pedogenéticos emorfogenéticos resultaram na formação de di-ferentes tipos de encostas, conforme expostono item 3.1. A Tabela 3 apresenta uma síntesede alguns dos principais atributos geotécnicosdos diferentes domínios de encostas naturais.

A distribuição dos valores dos parâmetros,que definem a resistência ao cisalhamento,mostra a maior variabilidade dos valores decoesão em relação ao ângulo de atrito. Consi-derando esse fato, podemos inferir que as dife-rentes condições de estabilidade são controla-das, predominantemente, pela variabilidade dacoesão dos solos.

A ação do intemperismo resultou em perfisde alteração relativamente espessos, principal-mente nos domínios relacionados à FormaçãoBarreiras e ao Embasamento Cristalino. No casoda Formação Pojuca, o perfil de alteração épouco evoluído em relação aos demais. Essefato é um possível indicativo da predominân-cia de processos de bissialitização, que sãoresponsáveis pela formação de argilomineraisdo tipo 2:1, muito comuns nos solos expansi-vos originados dos folhelhos da FormaçãoPojuca.

A partir do confronto dos valores referen-tes às declividades naturais médias dos talu-des, com os valores das declividades naturaismédias dos taludes, em que ocorreram

deslizamentos, pode-se identificar uma fortecorrelação (r=0,98) entre essas variáveis. Des-sa relação constata-se, que os deslizamentosacontecem sob declividades 1,7 vezes maioresdo que a declividade média das encostas.

3.4 RISCOS GEOLÓGICOS

Os levantamentos de campo realizados na ela-boração do PDE identificaram cerca de 1070pontos de risco em todo o município, PMS(2004). A Tabela 4 apresenta a distribuição dosprincipais processos indutores de riscos geo-lógicos nas encostas do município.

De forma a complementar a avaliação de ris-cos pontuais, foi elaborado um modelo distri-buído para a identificação de áreas potencial-mente susceptíveis a escorregamentos, pormeio do SINMAP. O SINMAP (Stability IndexMaping) é um modelo desenvolvido por Packet al (1998) e implementado na forma de pro-grama de computador utilizado como uma ex-tensão do software ArcView (ESRI). A teoriado SINMAP está baseada no modelo de ruptu-ra plana de taludes infinitos saturados (comporopressão), sendo a saturação representadapor uma associação de parâmetrosmorfológicos fundamentada em um modelohidrogeológico teórico, sob regime de fluxoestacionário.

Tabela 3 – Relação de valores referentes a alguns atributos geotécnicos

Nota: As estatísticas referem-se ao intervalo da média com nível de confiança de 95%, com a exceção da colunaDeclividade I, que apresenta os parâmetros média e desvio padrão das populações analisadas. Deve-se salientarque os valores dos parâmetros de resistência ao cisalhamento referem-se ao solo consolidado sob condição não-drenada. A coluna Declividade I apresenta valores referentes à declividade natural dos taludes, enquanto nacoluna Declividade II constam os valores de declividade natural dos taludes em que aconteceram deslizamentos.

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Para tornar o modelo mais representativodo comportamento dos processos de ruptura,característicos da área de estudo e dos resulta-dos da interação das intervenções antrópicascom o ambiente, foi realizado um processo decalibração com base em 577 ocorrências dedeslizamentos cadastradas no PDE. O resulta-do da aplicação do SINMAP foi um modelodistribuído de um índice de estabilidade quedefine a probabilidade do fator de segurançado talude ser inferior a 1. O modelo resultantefoi reclassificado da seguinte forma:

• Estabilidade crítica – terrenos que, sobcondições de uso inadequado, apresentam ele-vada probabilidade (maior do que 50%) do fa-tor de segurança do ser menor do que 1

• Estabilidade baixa – terrenos que, sobcondições de uso inadequado, apresentamuma probabilidade menor do que 50%, do fatorde segurança ser menor do que 1

• Estabilidade moderada – terrenos que, sobcondições de uso inadequado, apresentam fa-tor de segurança entre 1 e 1,5

• Estável – terrenos que, sob condições deuso inadequado, apresentam fator de seguran-ça maior do que 1,5.

A estabilidade potencial, identificada no re-sultado da aplicação do SINMAP, avalia o com-portamento do maciço sob condições adver-sas de ocupação, por isso não representa aestabilidade natural das vertentes. Essa inter-pretação está relacionada à influência das in-

Tabela 4 – Problemas geotécnicos indutores de riscos mais comuns nos assentamentos urbanosda parte continental do município

Nota: Os valores apresentados referem-se à densidade de ocorrências dos problemas geotécnicos indutores derisco.

Tabela 5 – Avaliação da estabilidade das encostas frente a ações tecnogênicas adversas

Nota: As classes de estabilidade devem ser interpretadas em termos de susceptibilidade relativa, ou seja, o fatodo terreno estar classificado numa classe de baixa estabilidade ou estabilidade crítica não implica que o maciçoirá romper, mas indica que ele tem maior predisposição a desestabilizar-se em situações críticas do que os demaisterrenos.

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tervenções antrópicas (ver Tabela 2) sob oseventos utilizados na calibração do modelo.

O resultado da modelagem, sintetizado naTabela 5, indica que os terrenos menos está-veis estão associados à Escarpa da Falha deSalvador e ao contato da Formação Barreirascom o Embasamento Cristalino. Ressalte-se queo modelo é voltado para a análise de rupturado maciço e não contempla a avaliação do com-portamento e das repercussões daexpansividade dos solos, característica comumde diversos setores dos terrenos associados àFormação Pojuca. Logo, as Encostas esculpi-das em solos da Formação Pojuca constituem,em sua maior parte, áreas de baixa estabilidadepotencial considerando uma perspectiva deocupação urbana.

4 CONCLUSÕES

Os resultados dos estudos geológico-geoténicos integrados aos demais elementostemáticos no ambiente das encostas urbanasde Salvador permite as seguintes conclusões:

• As encostas adaptadas ao avanço da ero-são do bloco alto da Falha de Salvador, segui-da das encostas esculpidas na interface dasunidades geológicas Barreiras e EmbasamentoCristalino e das encostas esculpidas em solosda Formação Pojuca são os domínios de en-costas naturais com maiores restrições quantoà ocupação humana

• A tipologia de ocupação das encostas émarcada fortemente pela concentração de ocu-pações subnormais em diferentes estágios deconsolidação. As encostas relacionadas aosdepósitos da bacia sedimentar (FormaçãoPojuca e Formação Salvador), situadas na re-gião do Subúrbio, apresentam a maior concen-tração de assentamentos precários

• O deficiente sistema de drenagem deáguas pluviais, as escavações feitas pelo ho-

mem, a presença de cortes íngremes, seguidada cobertura vegetal deficiente para proteçãodo solo em áreas urbanizadas e da disposiçãoinadequada de lixo e águas servidas são carac-terísticas de maior presença nas áreas de riscosituadas em encostas

• No tocante aos terrenos das ilhas, a preo-cupação reside nas ocupações urbanas feitasem encostas íngremes, especialmente as volta-das para as praias, que estão sujeitas a proces-sos intempéricos mais severos relacionados àdinâmica marinha (ação das marés, dos ven-tos, da salinização, cristalização dos sais e con-seqüente expansão e fragmentação dos solose rochas expostas)

• A variabilidade da resistência aocisalhamento dos maciços associados às en-costas estudadas, é controlada, principalmen-te, pelo parâmetro de coesão dos solos

• O valor de declividade em que acontecemos deslizamentos é cerca de 1,7 vezes o valorda declividade média do domínio de encostas.Essa relação constitui um parâmetro interes-sante para a definição de critérios de restriçãode usos e ocupações das encostas. Entretan-to, estudos mais detalhados devem ser realiza-dos para obtenção de um conhecimento maisaprofundado dessa relação.

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