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CAPÍTULO 8 – O CASO DA ESCOLA SUPERIOR DE MÚSICA DE LISBOA 1 - A ESCOLA SUPERIOR DE MÚSICA DE LISBOA A Escola Superior de Música de Lisboa (ESML) foi criada em 1983, no âmbito da reforma dos ensinos artísticos ministrados no Conservatório Nacional (Música, Dança, Teatro e Cinema) e em estabelecimentos congéneres, determinada pelo Decreto-lei nº 310/83, de 1 de Julho. No que se refere à música, a referida reforma determinou a estruturação do seu ensino em níveis correspondentes aos do ensino regular (básico, complementar e superior), sendo os dois primeiros níveis concebidos como uma vertente especializada desse tipo de ensino, enquanto o nível superior era integrado no subsistema politécnico. O Conservatório Nacional, enquanto instituição de ensino, foi extinto, tendo sido criadas novas escolas para a leccionação dos vários níveis, umas assegurando os níveis não superiores e duas responsáveis por este, uma em Lisboa (ESML) e outra no Porto (actualmente designada Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo (ESMAE), por posterior alargamento da sua oferta ao Teatro). A ESML foi integrada, em 1985, no Instituto Politécnico de Lisboa, no mesmo ano em que ficou constituído o Conselho Científico, o que permitiu proceder-se às primeiras propostas de contratação de docentes e dar início, no ano lectivo de 1986/87, ao funcionamento dos cursos entretanto aprovados: Clarinete, Composição, Oboé, Violoncelo (Portaria nº 765/86, de 26 de Dezembro). De acordo com o diploma instituidor, o ensino superior da música visa “a formação de profissionais [...] ao mais alto nível técnico e artístico”, incluindo também “a formação de professores do ensino vocacional” e podendo ainda ministrar “cursos de especialização” (nºs 1 e 2 do artº 15º do DL nº 310/83). Além disso, as escolas de ensino superior deveriam assegurar, a solicitação do ministério da tutela, a organização de “cursos de reciclagem de professores” do ensino particular e cooperativo (nº 4 do artº 13º do mesmo diploma). Em conformidade com estas disposições e com a qualidade de estabelecimento de ensino superior politécnico da ESML, os seus Estatutos apontam como finalidades da instituição a formação profissional, a investigação e a promoção e divulgação culturais no domínio da música, estabelecendo-se que elas serão concretizadas através (i) da formação, ao mais alto nível artístico, técnico e científico, de instrumentistas, cantores, compositores, directores de orquestra e de coro e de docentes para o ensino musical; (ii) da formação recorrente e da actualização profissionais; (iii) da investigação e do desenvolvimento experimental; (iv) da extensão cultural; (v) da prestação de serviços à comunidade. Para a prossecução destes objectivos a ESML desenvolveu progressivamente as suas áreas de formação ao nível dos cursos de bacharelato e de licenciatura– tanto quanto foi 267

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CAPÍTULO 8 – O CASO DA ESCOLA SUPERIOR DE MÚSICA DE LISBOA 1 - A ESCOLA SUPERIOR DE MÚSICA DE LISBOA A Escola Superior de Música de Lisboa (ESML) foi criada em 1983, no âmbito da reforma dos ensinos artísticos ministrados no Conservatório Nacional (Música, Dança, Teatro e Cinema) e em estabelecimentos congéneres, determinada pelo Decreto-lei nº 310/83, de 1 de Julho. No que se refere à música, a referida reforma determinou a estruturação do seu ensino em níveis correspondentes aos do ensino regular (básico, complementar e superior), sendo os dois primeiros níveis concebidos como uma vertente especializada desse tipo de ensino, enquanto o nível superior era integrado no subsistema politécnico. O Conservatório Nacional, enquanto instituição de ensino, foi extinto, tendo sido criadas novas escolas para a leccionação dos vários níveis, umas assegurando os níveis não superiores e duas responsáveis por este, uma em Lisboa (ESML) e outra no Porto (actualmente designada Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo (ESMAE), por posterior alargamento da sua oferta ao Teatro). A ESML foi integrada, em 1985, no Instituto Politécnico de Lisboa, no mesmo ano em que ficou constituído o Conselho Científico, o que permitiu proceder-se às primeiras propostas de contratação de docentes e dar início, no ano lectivo de 1986/87, ao funcionamento dos cursos entretanto aprovados: Clarinete, Composição, Oboé, Violoncelo (Portaria nº 765/86, de 26 de Dezembro). De acordo com o diploma instituidor, o ensino superior da música visa “a formação de profissionais [...] ao mais alto nível técnico e artístico”, incluindo também “a formação de professores do ensino vocacional” e podendo ainda ministrar “cursos de especialização” (nºs 1 e 2 do artº 15º do DL nº 310/83). Além disso, as escolas de ensino superior deveriam assegurar, a solicitação do ministério da tutela, a organização de “cursos de reciclagem de professores” do ensino particular e cooperativo (nº 4 do artº 13º do mesmo diploma). Em conformidade com estas disposições e com a qualidade de estabelecimento de ensino superior politécnico da ESML, os seus Estatutos apontam como finalidades da instituição a formação profissional, a investigação e a promoção e divulgação culturais no domínio da música, estabelecendo-se que elas serão concretizadas através (i) da formação, ao mais alto nível artístico, técnico e científico, de instrumentistas, cantores, compositores, directores de orquestra e de coro e de docentes para o ensino musical; (ii) da formação recorrente e da actualização profissionais; (iii) da investigação e do desenvolvimento experimental; (iv) da extensão cultural; (v) da prestação de serviços à comunidade. Para a prossecução destes objectivos a ESML desenvolveu progressivamente as suas áreas de formação ao nível dos cursos de bacharelato e de licenciatura– tanto quanto foi

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possível dentro das condicionantes impostas pelo défice de espaços suficientes e adequados – bem como a nível de mestrado, em colaboração com a Universidade Nova de Lisboa (Departamento de Ciências Musicais da Faculdade de Ciências Sociaias e Humanas). No que respeita à formação de professores, as propostas de cursos de formação inicial nesta área nunca tiveram acolhimento por parte da Tutela, que contudo publicou legislação ( Portaria nº 916/98, de 20 de Outubro) que permitiu à ESML e a outras instituições de ensino superior politécnico de música e de dança organizarem a formação contínua de docentes do ensino artístico especializado, através da profissionalização em serviço. No que respeita à formação recorrente, à actualização profissional, à extensão cultural e à prestação de serviços à comunidade, a ESML desenvolve actividades pedagógicas e artísticas abertas a públicos específicos, mais ou menos amplos, tais como seminários, cursos breves, conferências e masterclasses por especialistas nacionais e estrangeiros, destinados não só aos seus alunos, mas também a ex-alunos e a estudantes de outros estabelecimentos, bem como a profissionais já em plena vida activa. No âmbito da sua actividade artística, a ESML realiza concertos em contextos muito diversificados e destinados a públicos diversos, de modo a proporcionar aos futuros profissionais condições de trabalho idênticas àquelas com as quais se irão confrontar ao longo das suas carreiras. No desenvolvimento destas actividades, a ESML tem vindo a apoiar-se numa rede de contactos institucionais - muitas vezes formalizados através de protocolos de cooperação – que inclui outras instituições de ensino superior e do ensino especializado da música, bem como instituições que oferecem condições adequadas para a realização de actividades artísticas e pedagógicas que a ESML não pode levar a efeito nas suas deficientes instalações (Fundação Calouste Gulbenkian, British Council, Museu de Arte Antiga, Centro de Estudos Judiciários, Sociedade Histórica da Independência de Portugal, Orquestra Sinfónica Juvenil, por exemplo). A ESML tem ainda acordos bilaterais de cooperação com 26 instituições europeias de ensino superior da música de 13 países, ao abrigo do Programa Erasmus, no qual participa desde o início do mesmo, em 1987. No âmbito deste programa tem sido realizado o intercâmbio de estudantes e de docentes, bem como a realização de projectos de desenvolvimento curricular e de projectos intensivos comuns. Os objectivos da ESML são assegurados por uma estrutura organizativa que obedece à genericamente fixada para os estabelecimentos de ensino superior politécnico pela Lei de Autonomia dos Institutos Superiores Politécnicos (Lei nº 54/90, de 5 de Setembro) e que compreende uma Assembleia de Representantes, um Conselho Científico, um Conselho Pedagógico, um Conselho Consultivo e um Conselho Administrativo. Usando da faculdade que é concedida naquele diploma, a ESML optou por um órgão directivo uninominal, contrariamente a todas as restantes instituições do Instituto

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Politécnico de Lisboa, dispondo assim de um director, que pode ser coadjuvado por dois subdirectores. Esta opção prendeu-se com as características da organização em causa no que se refere à participação fluida dos actores, sejam eles docentes (muitos em tempo parcial) ou estudantes (maioritariamente exercendo já actividade profissional). Prevendo-se que “uma direcção colectiva podia trazer dificuldades quer do ponto de vista da sua constituição (número suficiente de candidatos) quer do seu funcionamento (oportunidades de reunião para tomada de decisão), correndo-se o risco de paralização da actividade corrente de gestão” (ESML, 2004, 20), considerou-se que a opção feita era a mais eficaz para “garantir a operacionalidade deste órgão” (id., 19). De todos os órgãos estatutariamente previstos apenas o Conselho Consultivo – que pretende fazer a ligação aos sectores profissionais, sociais e culturais com relevância para as áreas dos estabelecimentos, incluindo na sua composição representantes desses sectores – não foi nunca constituído “em grande parte por razões que terão a ver com a dificuldade que é sentida já quanto aos órgãos existentes, isto é, a dificuldade da sua constituição e funcionamento, pelas mesmas razões que levaram à opção por um órgão directivo uninominal” (id., 21,22). A ESML oferecia, à data da realização do trabalho empírico desta investigação, uma licenciatura bietápica em Música, nas Variantes de Canto, Canto Gregoriano, Composição, Direcção Coral, Formação Musical e Instrumento. Esta licenciatura foi adequada, segundo os princípios do Processo de Bolonha, para uma licenciatura em 3 anos, a partir de 2007/08. Em cooperação com a Universidade Nova – através do Departamento de Ciências Musicais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – a ESML colabora no Mestrado em Artes Musicais, criado em 2003, tendo sido abertas as especialidades de Composição, Sopros/Madeiras, Música de Câmara, Piano e ainda “Lied” e Acompanhamento. Em 2006/07 frequentavam a licenciatura 236 alunos. O corpo docente compreendia 70 pessoas, correspondendo a 49,4 ETIs. O número de não docentes era de 13. A falta de instalações suficientes e adequadas impediu a ESML de se expandir de acordo com o que seria desejável, designadamente no que se refere à leccionação de todas as áreas “tradicionais” bem como à expansão para áreas que respondam às novas procuras e necessidades. Assim, por exemplo, a ESML não teve possibilidade de leccionar alguns instrumentos, como a Harpa e a Tuba, nem de ampliar a sua oferta formativa ao Jazz, às Músicas Tradicionais, à World Music, etc. A ESML iniciou o seu funcionamento no edifício do ex-Conservatório Nacional, onde “conquistou” alguns espaços em competição com as restantes quatro escolas resultantes da reforma de 1983. A insuficiência destas instalações determinou o arrendamento de dois e posteriormente três andares de um prédio numa zona não muito distante do primeiro edifício, mas esta solução não responde totalmente, em termos de número e características das salas, às necessidades do ensino musical, pelo que as actividades

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lectivas de algumas áreas se têm vindo a desenvolver noutros locais, tais como o Instituto Gregoriano de Lisboa (Canto Gregoriano, Direcção Coral), a Fundação Calouste Gulbenkian (Percussão), a Igreja Evangélica Alemã (Órgão, Música de Câmara) e a Capela do Centro de Estudos Judiciários (Órgão, Música de Câmara). Se as instalações são insuficientes e inadequadas para as actividades pedagógicas e artísticas – refira-se apenas, como ilustração, os problemas decorrentes das dificuldades de eficiente insonorização das salas – o mesmo acontece quanto às actividades e serviços de apoio. O Centro de Documentação, a Reprografia, a própria Secretaria funcionam em locais exíguos e sem as necessárias condições de privacidade e segurança, além de que não existem gabinetes para docentes nem para os órgãos da escola (excepto para o Director). Os alunos dispõem de uma pequena sala, mas não existe uma cantina nem sequer um pequeno bar. Em 2005 deu-se início à construção de um edifício para a ESML, no campus do Instituto Politécnico de Lisboa, onde já estão instaladas a Escola Superior de Educação e a Escola Superior de Comunicação Social e onde provavelmente se virão a instalar mais duas unidades orgânicas do IPL, a de Contabilidade e a de Dança. O financiamento da ESML é assegurado pelas dotações do Orçamento de Estado (OE) e por receitas próprias, tendo estas representado, em 2006, 11 % do financiamento total. Do OE, 99, 81 % foi afectado às despesas com o pessoal docente. Contrariamente ao que se verifica nas escolas inglesa e holandesa anteriormente analisadas, a retórica produzida pela ESML sobre a sua missão/visão é praticamente inexistente, limitando-se a reproduzir o que consta dos textos legais (diploma fundador e estatutos). Quer nos Planos e Relatórios de Actividades anualmente aprovados pela Assembleia de Representantes, quer nos Relatórios de Auto-avaliação ou no texto que é incluído em todos os programas de concertos realizados pelas suas orquestras e grupos de música de câmara ou solistas, a ESML descreve de forma “seca” e sucinta aquilo que faz ou pretende fazer, sem “ornamentar” a sua acção com referências aprofundadas à sua missão relativamente ao desenvolvimento pessoal dos alunos ou às necessidades da sociedade, em geral, ou do mercado de trabalho, em particular. Também na página da ESML na internet – e contrariamente ao que é usual em quase todas as instituições estrangeiras congéneres – não existe qualquer texto de apresentação da escola ou da sua missão ou qualquer mensagem do director. Muito provavelmente, esta situação irá sofrer alterações à medida que as exigências quanto às questões da avaliação e acreditação forem aumentando, obrigando as instituições portuguesas – tal como já acontece noutros países, designadamente os aqui analisados – (i) a justificarem a pertinência dos cursos que oferecem, bem como a demonstrarem a eficiência do seu desempenho, numa perspectiva de prestação de contas vertical e (ii) a evidenciarem as particularidades únicas da sua oferta e das condições de trabalho oferecidas, numa prespectiva de prestação de contas horizontal destinada a

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captar estudantes e professores qualificados, numa situação de concorrência crescente quanto a estes dois tipos de recursos humanos. Por enquanto, a ESML tem centrado a demonstração da qualidade do seu ensino e da formação dos profissionais por que se responsabiliza na apresentação pública do trabalho artístico-pedagógico realizado, através dos concertos dados pelas suas orquestras (Orquestra Sinfónica e Orquestra de Sopros), pelos seus Coros (Coro de Câmara, Coro de Reportório e Coro Renascentista/ Maneirista), pelo Grupo de Música Contemporânea e por inúmeros Grupos de Música de Câmara. Estes “embaixadores” da ESML são também utilizados pelo Instituto Politécnico de Lisboa como um instrumento simbólico da sua identidade enquanto instituição com uma dimensão artístico-cultural, sendo as orquestras solicitadas anualmente para as comemorações do Dia do IPL e os restantes agrupamentos para congressos, conferências ou outras iniciativas onde o IPL participa. 2 – O PROCESSO DE AVALIAÇÃO INTERNA A auto-avaliação é, na ESML como na esmagadora maioria das instituições de ensino superior portuguesas, apenas a fase inicial do processo que culminará com a avaliação por uma comissão de avaliação externa (CAE), ou seja, só é desencadeado e orientado nesta perspectiva última de prestação de contas e não para fins exclusivamente internos de melhoria. O exercício sistemático da reflexão interna e a criação de estruturas e procedimentos para esse efeito não foram ainda incorporados na prática institucional, de forma a tornar a auto-avaliação num instrumento de aprendizagem colectiva individual e organizacional, ou numa ferramenta de gestão ao serviço da organização, pelo que o processo de avaliação é uma exigência exterior a que a escola responde de forma reactiva, nos tempos e modos heteronomamente determinados. As variantes da licenciatura da ESML foram avaliadas na sua totalidade, entre 2001 e 2005, tendo sido criada, pela equipa directiva que entrou em funções em 2001, uma estrutura ad-hoc designada por Comissão de Avaliação, coordenada por um dos subdirectores e onde estavam representados a Assembleia de Representantes, o Conselho Científico e o Conselho Pedagógico, através dos respectivos presidentes, bem como os responsáveis das áreas (variantes) em avaliação, e ainda a Associação de Estudantes. Aquando da avaliação da Variante de Instrumento – e dada a quantidade de áreas envolvidas (Cordas, Madeiras, Metais, Piano, etc.) - optou-se por escolher como responsável um docente de disciplinas teóricas comuns a todos os instrumentos e já com experiência anterior destes processos, embora a distribuição e recolha dos questionários tenha sido feita pelos responsáveis de cada uma das áreas. Esta tentativa de formalizar procedimentos não funcionou totalmente, uma vez que a participação dos órgãos da escola e da AE foi variável, ao longo dos anos. Até mesmo um dos mais activos participantes no processo – como responsável e como Presidente do

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Conselho Pedagógico – manifestou grandes hesitações quando solicitado a pronunciar-se sobre a Comissão de Avaliação: “P -... Não se lembra quem constituiu essa Comissão? R – Eu lembro-me de se ter constituído inicialmente…Mas para o caso dos Instrumentos ou…? Vamos esquecer o outro? P – Sim…sim. No caso dos Instrumentos. R – A Comissão era a C… P – Como subdirectora, não é? R – Exacto. Era eu por ter estado… P – Na anterior e já ter experiência… R – E eram os professores, portanto, coordenadores das diferentes áreas, portanto, dos Sopros, das Madeiras, dos Metais, de Piano, não é, das Cordas Friccionadas, da Guitarra e da área da Música Antiga, a Cr…No entanto, nós pudemos constatar facilmente que o único trabalho depois realizado foi o trabalho de uma equipa reduzida basicamente a duas pessoas, não é? (Riso). Na medida em que… Isto não significa que não tivesse existido um mínimo de estrutura de competência garantida com o controlo, por exemplo, da entrega dos inquéritos e dos questionários quer aos alunos quer aos docentes, portanto, das diferentes disciplinas, sobretudo das nucleares das diferentes Variantes e realmente houve uma boa… uma boa…uma boa acção por parte da larga maioria dos coordenadores, com a excepção essencialmente de dois, não é? P – E os professores…e os órgãos da escola não estavam representados nessa Comissão? R – Aann… (Pausa reflexiva) O Presidente do Conselho Científico… P – Huum, huum.. R - …directamente não. Portanto, se entretanto naquela reunião em que se fez uma apreciação, portanto, do …Eu só senti a presença do Conselho Científico…enfim, não é, de facto…exposta (Riso) portanto na reunião já findo todo o processo da redacção final do documento. Tal como no caso do prof. M., não é … P – Presidente da Assembleia de Representantes… R – Exactamente. O Conselho Pedagógico…por acaso… P – Era o próprio N. que exercia essas funções… R – Exacto, sou o presidente. E também da Cr., com certeza. A directora esteve também sempre interessada no processo” (EC1, 1,2)

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Importa referir que, sendo eu a coordenadora desta Comissão, não desempenhei o papel activo de dinamização da participação que me competiria enquanto tal, na medida em que eu estava simultaneamente no papel de investigadora do processo em causa, sobre o qual tentei interferir o menos possível. O processo de auto-avaliação é orientado, como oportunamente descrevi, por um guião que, nas suas linhas gerais, a ESML tem respeitado, mas onde foram, nalguns casos, introduzidas alterações visando uma mais adequada aplicação à realidade em análise: “....relativamente ao guião havia aspectos que deveriam ser adaptados à realidade específica da escola...inclusivamente relativamente aos inquéritos a realizar aos docentes e aos alunos...” (EC1, 1) “Fizemos muitas adaptações, devo confessar (sorriso).Para já, porque isto é mesmo assim: cada pessoa sabe da sua área e havia muita coisa que estava a ser pedida naquele guião que nós não sabíamos bem a que é que corresponderia, o que é que se pretendia. Às vezes, parecia mesmo que não tinha nada a ver com a nossa realidade. E portanto esse foi logo o primeiro trabalho que fiz com a C, que foi pegar no guião, tentar perceber qual era o fio condutor e depois fazer uma série de adptações e estruturar um guião alternativo, no fundo. Porque penso que se tivesse feito tal e qual como o guião original, não teríamos chegado a parte nenhuma. Achei realmente constrangedor, eram muitos pontos muito detalhados e que se calhar iriam provocar um texto que poderia ser eventualmente escamoteado, não sei, houve várias coisas em que fizemos assim uma certa batota (risos), juntámos várias coisas num ponto só para tentar dar alguma…enfim, alguma coerência em relação ao curso, porque provavelmente o curso era muito específico e portanto havia coisas que não conseguiamos pôr dentro daqueles parâmetros todos” (EP4, 3) A parte do “Registo Descritivo” do guião referente à “Caracterização Institucional” foi da responsabilidade do IPL no que diz respeito à sua própria caracterização e da responsabilidade da coordenadora da Comissão de Avaliação no que se refere à ESML. A recolha de dados, distribuição e tratamento dos inquéritos, bem como a redacção do relatório no que respeitou ao curso e à 2ª parte (“Apreciação Crítica”) foram da competência dos responsáveis das áreas, com a supervisão final da coordenadora, que não fez nunca alterações substanciais no texto, limitando-se a alterações formais quando necessárias para a maior clareza e melhor leitura do mesmo. A “Análise descritiva do curso” é um capítulo que obriga ao manuseamento de um elevado número de registos que, embora disponíveis, em maior ou menor grau de profundidade, nos serviços das escolas, nem sempre estão organizados numa perspectiva que facilite a sua utilização no âmbito do processo de avaliação, tornando morosa e “pesada” a tarefa da sua recolha e tratamento para os fins visados, como se verificou na ESML: “...da questão...da busca do material e da documentação para sistematização [...] ter sido, de facto, muito difícil [...] um levantamento não estava realizado e portanto foi feito praticamente deliberadamente por imposição, entre aspas...do próprio processo...” (EC1, 3)

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“Eu acho que a única coisa que nos faz ficar às vezes com uma opinião não tão boa é que estas coisas dão imenso trabalho e são demoradas e implicam um esforço de muitas horas...passámos muitas, muitas, muitas horas, chegando ao ponto de estar semanas inteiras a trabalhar no relatório. Portanto, é evidente que quando nos queixamos é sobretudo por causa do trabalho em excesso que depois se acumula” (EP4, 4) Por outro lado, é também questionada a pertinência do tipo de dados que são pedidos, quando se pensa na utilidade destes processos sobretudo numa perspectiva de melhoria da qualidade: “Se não tivesse tido nenhum guia para seguir – parece que, aliás, seguimos relativamente pouco (Riso), porque a maneira como os dados são arquivados na Secretaria torna altamente complicado o preenchimento de alguns dos formulários que eles queriam que a gente tivesse - se eu pudesse fazer uma coisa semelhante sem guia, eu levava mais tempo a recolher, por exemplo, todas as notas de todas as disciplinas ao longo de todos os anos, para ver quais as disciplinas onde as notas têm tendência a ser mais altas, ou mais baixas, quais os anos em que as notas têm tendência a ser mais altas ou mais baixas, eventualmente quais os professores com os quais as notas têm tendência a ser mais altas ou mais baixas, várias coisas desta natureza. Acho que isto poderia ajudar a dar uma imagem realmente interessante do desempenho do curso em termos gerais. Eu percebo perfeitamente que em termos ministeriais, por exemplo, a naturalidade dos alunos – se vêm de Tomar, ou de Lisboa, ou dos Açores ou da Madeira – poderá ser interessante. No nosso caso, na verdade, este é o tipo de informação que é muito difícil colher na Secretaria, porque os dados que lá estão não foram realmente colhidos com este intuito, com esta ideia. Houve uma altura em que fui vendo os números de telefone dos alunos, para ver de que zona é que vinham. Simplesmente, depois também há…por exemplo, havia um aluno que vinha dos Açores, mas que tinha um número de telefone de Lisboa, e eu vi que uma série de informações iam sair…iam sair completamente…tortas. Mas eu entendo que este tipo de coisas, em termos muito gerais, financiamento, etc, pode ser muito importante. Eu acho que, em termos de funcionamento do curso, se a ideia é auto-avaliar o curso para poder tornar o curso cada vez melhor e a funcionar cada vez melhor, este tipo de informação é relativamente pouco importante.” (EP3, 6,7) A “Apreciação Crítica “ é – ou deve ser – muito baseada na opinião dos principais stakeholders dos cursos, sendo que o guião considera como tais os estudantes, os docentes, os ex-alunos e as entidades empregadoras, relativamente aos quais sugere que as respectivas opiniões sejam recolhidas através de inquéritos, de que fornece modelos orientadores. Na ESML, todos estes modelos foram adaptados ao tipo de ensino ministrado. As taxas de resposta aos inquéritos variou conforme o grupo em questão e os métodos utilizados. No que respeita aos estudantes, a quem os inquéritos foram distribuídos pelos docentes da disciplina nuclear, foram sempre obtidas taxas boas ou muito boas de resposta, embora também aqui, como nos casos inglês e holandês descritos, se possam colocar as questões do anonimato e da fiabilidade das opiniões:

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“...nós sabíamos exactamente de quem eram as respostas. E sentimo-nos muito mal por isso. Mesmo nas respostas por cruz: nós conhecemos os alunos muito bem e o curso é muito pequeno. E nós sabemos quem respondeu e portanto tanto eu como a C demos por nós a dizer: “Olha, sei quem acha isto ou aquilo!”, sem lá estar nada escrito, mas nós conhecíamos a letra e conhece-se…E isto a nós custou-nos muito. Tínhamos preferido que alguém tivesse recolhido os inquéritos e os tivesse tratado sem nós darmos por isso. Provavelmente da parte dos alunos…Eles não se queixaram, devo dizer, mas por parte dos alunos se calhar também surgiu essa dúvida que é: “Toda a gente vai perceber quem é que escreveu o quê” e eu não faço ideia se eles se sentiram constrangidos ao responder ou não…não sei” (EP4, 3) “...em alguns casos sei que... os alunos procederam ao preenchimento do inquérito no momento, portanto, imediatamente após a entrega, para facilmente a recolha ser feita (claro está, nós podemos eventualmente achar que isso poderá ter condicionado a cruzinha em alguns casos, mas também não estávamos lá para ver se realmente o professor estava mesmo em cima do menino com o nariz para ver se tinha 5 em tudo…(Riso) ou 1 naquilo que achasse que tinha que...(Riso) (EC1, 4)

“...e no inquérito feito aos alunos não houve nenhuma sugestão de que não estivessem satisfeitos, nomeadamente com o 1º ano de x. Foi precisamente no mesmo ano em que, chegámos em conjunto à conclusão de que seria necessário redistribuir a distribuição docente desta disciplina, porque tinha havido falhas na leccionação. Agora: se houve falhas na leccionação que são tão graves que levam à necessidade de redistribuir o serviço docente, é muito estranho que estes factos não tenham saído, de alguma forma, na auto-avaliação, feita exactamente no mesmo ano.

P – Portanto, o que me está a dizer é que os alunos, nas respostas ao inquérito, não assinalaram quaisquer problemas e depois, por outras vias, fizeram chegar ao conhecimento do coordenador que havia problemas?

R – Exactamente, exactamente, não foram os alunos directamente que me fizeram chegar, foi através de outras fontes, mas rapidamente acabei por falar com vários outros colegas, outros professores, com os contínuos, com os alunos e rapidamente viu- se a imagem de alguma coisa...algum mau funcionamento. Se este mau funcionamento tivesse sido sugerido pelas respostas dos inquéritos de auto-avaliação, poderia ter sido detectado e remediado – esperamos – bastante mais cedo. Mas é curioso que uma auto-avaliação que supostamente é precisamente…tem a finalidade de localizar pontos fracos do curso, não tenha localizado precisamente o ponto que precisou da mudança mais drástica naquele ano” (EP3, 4)

Os alunos assinalaram, sobretudo, questões relacionadas com a formulação das questões e com o método utilizado para a distribuição e recolha dos questionários: “Acho que me lembro que, na altura, foi pouco claro, o inquérito em si e acho que houve, inclusive, alguns erros - por ter sido feito um bocado assim à pressa – de compreensão das próprias perguntas, que penso não estavam também muito claras, algumas coisas até se perceberam ao contrário…Por isso não sei se teria a dimensão que seria suposto ter… P – Portanto, a própria formulação das perguntas não era clara? R – Não era muito clara. Tenho essa ideia e por isso também não foi tomado como uma coisa muuuito importante, na altura.

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P – Não foi tomado por quem? R – Não sei, pela importância que teria, acho que foi como uma coisa bastante informal. P – Mas da parte dos alunos que responderam ou da parte dos professores que apresentaram o inquérito? R- (Riso) Foi isso… P – Em geral? R – Sim, não foi tomado como uma coisa assim…fundamental, não foi levado como uma coisa muito a sério, pelo menos pelo timing que nos foi proposto para responder na altura, que foi muito rápido: “’Olha, preencham aí e não sei quê!’ P – E acha que isso de algum modo afectou a fiabilidade dos dados recolhidos? R – Sim, não foi só isso, foi o conjunto das coisas: o facto de, como já disse, não estar muito claro e de ter sido feito um bocado à pressa. P – Acha que os inquéritos são uma maneira adequada de recolher a opinião dos alunos duma escola deste tipo? R – Sim, acho que sim se as perguntas estiverem mais claras e talvez se houver mais perguntas de resposta…escrita. P – Ah! De resposta aberta… R – Sim, acho que sim…Porque às vezes ser só ‘Bom’, ‘Muito bom’ ou ‘Mau’ pode ser variável e se a pessoa disser realmente aquilo que acha que está bem ou menos bem, acho que é mais directo. P – Mas o inquérito tinha uma parte que era de resposta aberta. R – Pois, mas lá está: a maioria era tudo de resposta de cruzes, se bem me lembro – eu não me recordo bem - e tinha: ‘Ah, no final, se quiseres dar alguma sugestão’. Era qualquer coisa assim, eu não me recordo também bem…e pelo timing que nos foi dado, não podíamos estar a dar grandes respostas…” (EE5, 1,2) “Acerca dos inquéritos: eu fui uma das pessoas que… não participei…Houve um inquérito interno, aquele inquérito que era para avaliar os professores, se estávamos a gostar do curso, havia uma série de perguntas…Mas o mais curioso (riso) foi que foi o meu próprio professor que me entregou a folha, e dizendo que tinha que lha entregar! Quer dizer: se eu tivesse alguma coisa de mal…que eu achasse que não estava a gostar, com que cara é que eu lha ia entregar a dizer: “Realmente, não estou a gostar nada do curso, não me está a correr bem!”…Quer dizer, achei um inquérito assim um bocado …falso, porque muitos dos meus colegas fizeram isso: preencheram e entregaram ao professor. Logo, aquilo dá uma taxa de sucesso roçando os 100%. Coisa que não é verdade aqui nesta escola, tenho que ser peremptório, porque o que acontece é que…ou estamos na sala dos alunos ou estamos fora da escola e vejo que: “Ah, e tal, o professor fez isto e não sei

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que mais…”, “Então diz isso ao professor”, “Ah, mas se eu disser isso o professor “lixa-me” no exame”. É sempre, tem sempre a faca e o queijo na mão. Quer dizer as pessoas…os professores que ouvem isto, dizem “É sempre o mesmo, sempre a mesma resposta, mas a gente compreende se vierem dizer…” Mas se for na realidade, o professor nunca compreende porque fica mal visto. Se fosse uma pessoa…”Realmente até tens razão, vamos tentar mudar isto”…Mas eu, da minha experiência, nunca vi isto…E recusei-me a responder a esse inquérito, porque achava um bocado falso. P – Mas isso relativamente ao método que foi utilizado para distribuição e recolha do… R – Eu lembro-me que até estava no Conselho Pedagógico e houve essa sugestão de fazer um novo inquérito…E eu nunca me esquece que a professora X – que também era aluna, na altura, estava nos dois lados – pôs uma interrogação acerca de os inquéritos serem anónimos: “Ah, mas isso vai haver inquéritos assim muito…a dizer muito mal, as pessoas vão ter a liberdade…”Às tantas, as pessoas podiam abusar dessa liberdade, podia ser até um bom professor, mas há pessoas assim, que agem de má fé e respondem de uma forma que não é real. Mas ela punha-se também do lado do aluno: “Realmente, sempre é melhor…” E andava assim naquele “bico de obra”…Mas vi que ela pendia mais para o lado do professor e…acho que aquilo foi a votação e ela foi das pessoas que não votaram a favor. Porquê? Porque os professores estavam com medo. Mas eu, sinceramente, acho que um professor que sabe que está a fazer o seu papel, que está a fazer bem o seu papel, não tem que ter medo, não que ter medo! O que eu acho é que…os professores têm medo dos alunos nesses inquéritos ou nessas queixas, mas no entanto os alunos também têm medo de serem prejudicados nos seus exames…É que, por mais voltas que se dê, há professores que são vingativos, de certa forma. Sei que é muito forte dizer isto, mas sei que é assim.” (EE6, 1) Todas estas questões parecem resultar da reduzida dimensão da instituição e do tipo de ensino ministrado, ambos fomentando relações muito estreitas entre os diversos actores: “... eu acho que ao escrever alguma coisa, ao pôr alguma coisa por escrito, os alunos – e não só os alunos, todos nós, aliás, quando estamos dentro de um contexto de um curso com relações bastante familiares, bastante…toda a gente conhece toda a gente e mesmo que a pessoa não goste de uma aula, pode até conversar com o mesmo professor de uma maneira perfeitamente normal noutro contexto e, portanto, não quer incomodar demasiado até possivelmente numa coisa que se pode perfeitamente dizer mais dificilmente escreve e qualquer pessoa…Eu também, quando tenho uma crítica a fazer, que eu penso que quero fazer, quando falo sai mais facilmente, quando é preciso escrever, é preciso questionar-me a mim próprio, será que é a minha opinião pessoal, será que sou eu que estou a falhar e não o outro…Portanto, a pessoa, não é…quando é escrito não é tão…objectivo, não é tão verídico.

P – Portanto, do seu ponto de vista a formalização destes processos de avaliação pode ajudar ou dificultar – a auto-avaliação, ainda estamos aqui no processo da auto-avaliação – [...] a obrigatoriedade da formalização facilitará, porque obriga as pessoas a juntarem-se e a discutirem as coisas ou, por outro lado, dificulta, porque as coisas se fariam mesmo sem estes processos?

R – Eu acho que sim, eu acho que é por causa do tipo de escola que é…Lá está, onde todos conhecem todos, os professores, os alunos e os contínuos e a Secretaria e tudo…Eu acho que…enfim, uma manifestação de uma opinião, em geral, em forma de estatística, como são eleições presidenciais ou legislativas, como são outras coisas, aí trata-se de n milhões de pessoas a votar ou milhares ou centenas e com centenas faz sentido tirar uma estatística e uma estatística que depois vale a pena, não é? Eu estou perfeitamente consciente de que havia no nosso dossier de auto-avaliação gráficos do género …mostrar uma estatística …não sei quê que avalia 0,6,

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quando na realidade isto correspondia a apenas 3 alunos em 5. Ora 3 respostas em 5…se houver uma resposta que foi para o outro lado…então de repente são 20% de diferença no gráfico. Em termos de estatística não faz sentido, não é útil (riso) ” (EP3, 4, 5)

Questionados sobre se a forma mais eficaz de recolher as opiniões dos estudantes era o inquérito, os alunos entrevistados manifestaram opiniões contraditórias: “P – Um problema que se levanta em cursos com um número reduzido de alunos é o do anonimato, porque embora os inquéritos não sejam assinados, às vezes há a sensação, por parte dos alunos, de que o seu anonimato não estará totalmente assegurado. Concorda com esta…reserva que é muitas vezes apresentada? R – Concordo e respeito. A mim não me faz grande diferença, acho que não tenho problemas em dizer aquilo que penso, mas…é uma opção e acho que as pessoas têm direito a essa opção. Agora se é violada, eu não sei… P – Desse ponto de vista não se sentiu constrangido, ou seja, respondeu sem pensar que podia ser identificada a sua resposta? R – Sim,sim, respondi de consciência tranquila, acho que não tive…medo de…(riso) P – Portanto a sua reserva, no que diz respeito ao inquérito, é quanto à própria estrutura das perguntas e ao tempo que foi dado para o seu preenchimento . R – Sim, sim. Acho que realmente se tivessem dado mais importância aos inquéritos e se tivessem sido elaborados duma forma ligeiramente diferente, acho que teria havido mais predisposição para fazer uma coisa mais consciente, mais…bem pensada. P – Foi a primeira vez, enquanto aluno, que sentiu que a sua opinião estava a ser ouvida ou tem tido oportunidade, noutras circunstâncias e de um modo até mais informal, de dar a sua opinião, relativamente ao curso e à escola? R – Há coisas que comentamos directamente com os professores. O inquérito deu para dizer algumas dessas coisas, mas outras acho que não (riso) P - Acha que num curso deste tipo, em que há uma grande proximidade entre professores e alunos, um inquérito deste tipo, desde que bem elaborado, pode ser uma mais-valia ou não acrescenta muito àquilo que pode ser dito em reuniões ou mesmo nos intervalos, nas aulas…?

R – Acrescenta, porque um inquérito é sempre uma ferramenta muito importante, porque reúne o que um grande número de pessoas pensa relativamente a n pontos e acho que isso depois permite construir uma determinada opinião, que vai incidir sobre diversas coisas, com diferentes pesos…que vão permitir certas conclusões que devem ser tidas em conta”.(EE5, 2) “Acho esses inquéritos fantásticos, se forem da forma como eu disse: anónimos. Ou mesmo entrevistas: chamar um aluno ou outro, aleatoriamente, para eles dizerem da sua justiça.

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P – Acha que isso…era mais fácil? R – Eu acho que sim, eu acho que sim! Se realmente fosse “apanhado” uma aluno que tenha tempo…ou se fosse “requisitado” para fazer uma entrevista, acho que os alunos nisso até teriam uma participação activa, acho eu. P – Mais do que através de um inquérito anónimo? R – Um inquérito anónimo é a tal coisa: se as pessoas forem verdadeiras, tudo bem. Mas é que podem cair na tentação de “Ah, um inquérito…” e às vezes, como eu já vi, preencherem as coisas assim um bocado à louca, e depois as pessoas que estão a analisar o inquérito percebem que aquilo não é muito válido…Se estiver a encarar a outra pessoa frente a frente…está bem, às vezes pode não ter muito “paleio” , mas diz “Gosto disto, gosto do meu professor, acho que devia melhorar aqui e ali”. E também se a pessoa que estiver a entrevistar souber “puxar”, às tantas começa a descobrir coisas que estavam assim um tanto ocultas…Isto é uma opinião, mas às tantas poderia dar resultados mais…mais certos” (EE6, 5) A participação dos docentes foi variável quer no que diz respeito ao preenchimento dos inquéritos, quer quanto a outros aspectos do processo (recolha de dados, redação de partes do relatório, etc.). Enquanto em quase todos os casos se obteve uma elevada taxa de retorno relativamente aos inquéritos, a participação quanto ao resto variou, sendo na Variante de Formação Musical – que era aquela em que os docentes estavam mais habituados a funcionar em equipa, com reuniões periódicas - que a responsável sentiu mais apoio de colegas e alunos em todos os momentos do processo: “Participei eu, a CBC, que tinha sido a responsável do curso nos dois anos anteriores, a drª C, que nos ajudou e depois, de certa forma, quase todos os alunos e assistentes e professores do curso acabaram por dar algum contributo. Os assistentes mais, não é, sobretudo a recolher dados, a ir para a Secretaria, pegar em arquivos, fazer o registo dos vários casos, que são coisas muito demoradas e que a nós nos ajudou imenso que fossem eles a fazer. Mas como se fizeram inquéritos a todos, os intervenientes do curso …no fundo acabaram por estar todos envolvidos, pelo menos no inquérito. O inquérito dos alunos, por exemplo, foi respondido praticamente na íntegra por todas as pessoas que estavam a frequentar o curso no momento da avaliação - das pessoas que já se tinham ido embora, não é tão eficaz, ficam sempre algumas pessoas por responder - e dos professores também recebemos quase todos os inquéritos, sendo que toda a gente se envolveu bastante nesta avaliação” (EP4, 1) Por outro lado, a falta de prática de trabalho em equipa também determinou que, pelo menos num caso, nem se tivesse chegado a considerar possível que a elaboração do relatório pudesse ser uma tarefa repartida: “A participação dos professores, lá está…Eu acho que eles…por um lado, tiveram a boa vontade de se disponibilizar, por um lado, por outro, dadas as condições em que a escola trabalha ia tornar-se provavelmente ainda mais complicado partilhar o trabalho entre várias pessoas diferentes, do que fazer o trabalho todo sozinho…” (EP3, 3)

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“...houve realmente um problema na elaboração do documento...e relativamente cedo cheguei à conclusão de que a única maneira de criar um documento com um mínimo de coesão seria a de uma pessoa basicamente fazer tudo...Com certeza que tive o apoio dos outros em certas áreas, mas acabei por ser eu que fiz 90% ou talvez mais...(riso) do documento...” (EP3, 2) E embora se afirme que essa opção “individualista” foi tomada em nome da “coerência” que o documento deveria demonstrar, é lamentada a falta de uma maior dimensão colectiva no processo como um todo: “ O que é pena: parece-me que seria mais útil como documento e como exercício que os outros professores e alunos e...todos, fossem mais envolvidos no processo todo, mas por outro lado parece-me que é um fenómeno que se pode entender... compreender por causa do tipo de escola que é...por causa do espaço que tem... ou não tem, por causa das condições também que não tem, etc...Acabou por ser assim... e isto diminuiu, em parte, a utilidade do processo todo...” (EP3, 2) Mas houve também quem considerasse que o grau de implicação dos docentes no preenchimento dos inquéritos tinha sido insuficiente, admitindo que estes, podendo ser muito importantes, não serão talvez a forma mais adequada de recolher as suas opiniões: “... acho que há uma grande falta de colaboração por parte dos professores nas respostas aos inquéritos. Eu, isso, acho que é bastante grave. Acho que os professores se deviam empenhar mais em responder àqueles inquéritos que se fazem, até para nós, para fazermos uma auto-avaliação mais criteriosa... Claro que os professores têm pouco tempo. Fazem mil e uma coisas, são muito solicitados porque são bons músicos e, por isso, tocam em orquestras, leccionam noutras escolas…e também leccionam aqui nesta escola…De maneira que isso impede um pouco que se debrucem sobre o inquérito e que escrevam as suas opiniões. Mas aí eu acho que deveria ser feita qualquer coisa para os obrigar, um bocadinho, de maneira educada, a verem que são inquéritos muitíssimo importantes, não só para que…até o Instituto Politécnico e o Ministério se apercebam das dificuldades com que nós lutamos, como até para evoluir no próprio sistema do ensino, para melhorar o sistema de ensino. P – E será o inquérito a maneira mais correcta de recolher informação de pessoas que, à partida, revelam pouca disponibilidade ou pensa que haveria outras maneiras mais eficazes para o fazer? R – Poderíamos organizar reuniões com os professores e talvez se não tivessem que ter a ‘maçada’ de ler as perguntas e apenas tivessem que responder às perguntas, tipo entrevista, talvez assim fosse mais fácil: personalizando mais o inquérito, talvez se conseguisse melhor resultado. O que iria era dar muito mais trabalho aos inquiridores, isso é verdade (riso). Mas talvez…mas não tenho a certeza…Mas aí possivelmente as pessoas sentir-se-iam mais ‘metidas’, mais integradas na auto-avaliação” (ED4, 1) A percepção dos alunos quanto à sensibilização e participação dos docentes nas questões da avaliação é semelhante, sendo também atribuída à fraca participação destes na vida da escola:

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“ (Riso) Sinceramente, acho que eles não se interessam nem se querem interessar…alguns, porque pode haver uma meia dúzia que ainda se interesse e que ande em cima disso para saber o que se passa na escola. Mas desde o momento em que a grande maioria dos professores tem outros trabalhos – estão em orquestras ou noutras escolas – o que é que acontece? São professores que vêm aqui, dão as suas aulas e vão-se embora. No fundo, é preciso os alunos contarem o que se passa. Os professores nunca estão dentro do assunto. E mesmo que haja um inquérito desses, acho que os professores nunca vão ser realistas, porque não sabem o que se passa. Há professores que passam aqui o tempo inteiro, mas havia casos de professores…O caso do meu professor de x, eu às vezes é que contava histórias sobre o que se passava e não se passava. Olhe, estou a lembrar-me agora daquela história dos créditos: eu, que era o aluno, é que tive que explicar a professores o que era isso. Quer dizer: os professores é que tinham que estar informados para explicar aos alunos!” (EE6, 4) A participação formal dos ex-alunos – solicitada através do preenchimento de inquéritos – foi bastante fraca, em geral, o que foi lamentado mas não sentido como especialmente grave, uma vez que, sendo o meio pequeno, existe a convicção de que se conhecem os percursos dos alunos: “Também foi pena não termos podido contactar com mais ex-alunos da escola, pura e simplesmente não responderam...muitos deles não responderam...” (EP3, 3) “ Onde realmente as taxas de retorno foram mais magras foi realmente ao nível dos ex-alunos.... Mas ainda assim... comparando a taxa de retorno deste ano com a de do curso de …da Variante de Canto, ela triplicou…triplicou….Mas não deixou de ser magra, portanto… não chegou aos 25%… o que criou todos aqueles problemas de percepção. Mas ... o meio é pequeno e nós acabamos por saber quem são as pessoas e onde é que estão e por afinidade encontramos respostas-tipo, também padrões mais ou menos bem definidos...”(EC1, 4) A participação de ex-alunos só foi mais amplamente conseguida no âmbito da avaliação da Variante de Canto Gregoriano, quando a respectiva responsável solicitou um depoimento, por escrito, a todos os ex-alunos (o que foi possível dado o seu reduzido número) das disciplinas daquela Variante, pedindo-lhes que identificassem os pontos fortes e fracos daquelas e que apresentassem sugestões de melhoria. Também a participação das entidades empregadoras foi decepcionante. Se, por um lado, num tipo de actividade em grande parte desenvolvida por projectos, é difícil falar de “entidades empregadoras”, por outro existem algumas estruturas que recrutam músicos com carácter de regularidade, pelo que foram enviados inquéritos a algumas instituições culturais. Não tendo havido qualquer resposta, no ano seguinte e relativamente à Variante de Formação Musical (cuja saída é especificamente a do ensino, estando bem identificadas as entidades empregadoras), optou-se pela realização de um inquérito presencial a representantes das direccções de duas escolas públicas e três privadas na zona da Grande

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Lisboa, orientado pela Coordenadora da Avaliação (e não pela responsável da área, para garantir maior “liberdade” de resposta aos inquiridos). Elaborados os relatórios finais, procurou-se dá-los a conhecer na ESML, de forma alargada, isto é, para além do âmbito da própria Comissão de Avaliação. Assim, numa primeira fase, promoveu-se uma reunião aberta a toda a escola, onde “...apareceram dois alunos, mais ....os tais...participantes compulsivos, digamos assim...os órgãos tinham forçosamente que estar presentes...” (EC1, 5) O fracasso desta forma de divulgação levou a que se disponibilizasse um exemplar, para consulta, no Centro de Documentação, tendo esta medida sido divulgada através de avisos colocados em diversos locais da escola, com resultados igualmente frustrantes: ”Um exemplar no Centro de Documentação que só teve...um leitor, não é?” (EC1, 5) Os alunos entrevistados reconheceram ter sabido das oportuniddaes de informação sobre o assunto, mas apresentaram justificações para o facto de nem eles, nem os eus colegas, em geral, as terem aproveitado: “Soube que a documentação estava lá, mas acabei por nunca consultar (Riso)...Porquê? Boa pergunta! Ah…Não sei! Talvez porque o envolvimento na escola não é tão grande quanto isso, que motive a querer lá ir ver…Não sei! Talvez por isso. P – Isso é o seu caso pessoal. Em termos gerais dos seus colegas: acha que os alunos relativamente a estes processos de avaliação estão sensibilizados, estão empenhados, estão envolvidos, estão interessados? R – Eu acho que toda a gente, em geral, preocupa-se e está interessada, só que há uma grande diferença entre o pensar fazer e o fazer. E o fazer penso que não se faz muitas vezes porque as pessoas não estão para isso ou têm mais em que pensar. Mas realmente se houver estes momentos de paragem ‘Vamos lá todos pensar nisto’”, se as pessoas são sinceras naquilo que há para discutir, acho que isso é muito produtivo. Porque o ambiente geral desta escola – pelo menos no que diz respeito ao meu curso – as pessoas têm vidas muito ocupadas e vêm cá para as aulas, às vezes com grande sacrifício, sobretudo nos últimos anos, porque já têm coisas para fazer e realmente se não há espaço mesmo para esse tipo de reflexão, as pessoas não a fazem por iniciativa própria... Mas acho que se houvesse mais momentos como este…Não sei se parar as aulas – claro que depois teria outras implicações – mas acho que poderia ser uma hipótese” (EE5, 3) “Eu não quero ilibar-me de responsabilidades, mas quando vi o aviso já tinha passado. Mas também devo dizer que já folheei aquilo, mas como aquilo é assim um bocado um calhamaço, acaba por ser um bocado maçador ler tudo. Logo, aquilo também desincentiva qualquer pessoa a ler, ainda para mais alunos que se preocupam em estudar e…Se reparar, a malta aqui na escola é

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capaz de deixar de fazer o que quer que seja, porque tem que estudar e o estudo está à frente de tudo! Acho muito bem… P – O estudo do instrumento, esclareça-se, não é? R – Claro (Riso), o estudo do instrumento! Isto são tudo pessoas que trabalham para o instrumento, é estudar ao máximo o instrumento, isso é que interessa, mas depois ficam outras partes por…falhas ou lacunas que ficam por colmatar e que não…Também são musicais: de que vale ter um aluno que estuda, estuda, estuda, estuda mas que é um leigo na envolvência da música, tudo o que envolve a música? Está bem, vai para um concerto, sabe estar lá, toca as notas, faz música e tem uma musicalidade muito interessante, mas em tudo o resto que envolve a música, são autênticos leigos e isso vê-se muito, por exemplo, nas disciplinas de Estética, de Estudo de Estilos, aquelas mais complexas. E o que é que vemos? Alunos brilhantes no Instrumento, mas que naquelas disciplinas são… passam à “rasca”, nem com uma nota mais ou menos! Porque o instrumento é o que importa!” (EE6, 6) Por outro lado, também foi manifestado algum cepticismo quanto ao real interesse de conhecer um documento que se duvida seja um reflexo verdadeiro da realidade: “...pelo que vi, cheguei à conclusão de que eu realmente tinha razão: aqueles números interessantíssimos, aquelas estatísticas eram todas muito boas, era raro um…um aspecto que estivesse negativo, era tudo muito cor de rosa, achei o relatório muito cor de rosa. Achei que aquilo não era, realmente, a realidade da escola… acho que devia ser um inquérito muito elaborado, que também tinha que contar com a sensibilidade dos alunos, não é, tinham que ser o mais sinceros possível, de forma a que a escola tivesse um feedback mais correcto, e não cair nos inquéritos que eu acho que são falsos…Quando se vê números assim muito bons…acho que é de desconfiar, numa escola…Talvez os professores não se dêem conta, mas eu como aluno vejo aqueles números e depois falo com um aluno ou uma aluna de um determinado instrumento e todos têm qualquer coisa a dizer, todos, todos! Também coisas boas – não é só coisas más, há professores aí que são idolatrados, são pessoas com muito respeito, que eu acho extraordinárias, pessoas certas nos lugares certos…E há outros…” (EE6, 2,3) Embora a prática da disponibilização do exemplar para consulta se tenha mantido em anos posteriores, o número de interessados na consulta passou de 1 para 0, sendo esta questão sentida como “penalizadora” por aqueles que se empenharam mais fortemente no processo: “ A nível interno, tive uma enorme tristeza, não é, porque todo aquele trabalho que eu considero um trabalho muito interessante para que se tenha presente um conjunto de dados que são dados reais... portanto de uma determinada situação... de organização e funcionamento da escola e de um curso, ou melhor, de uma Variante de um curso com vários ramos e opções e sei que a taxa de leitura foi absolutamente residual, não é…” (EC1, 5)

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O relatório de auto-avaliação acaba, assim, por ganhar mais relevância enquanto documento preparatório da visita da Comissão de Avaliação Externa (CAE) do que como instrumento de reflexão colectiva ou instrumento de gestão interna. 3 - O PROCESSO DE AVALIAÇÃO EXTERNA Após o envio do relatório de auto-avaliação para a ADISPOR, que a distribui aos elementos da CAE para análise e preparação da visita institucional, esta realiza-se em datas combinadas com a instituição. A ESML não teve nunca interferência na designação dos membros da CAE. Com efeito, apenas uma vez foi pedida a sugestão de nomes, mas nenhum desses acabou por ser contactado e fazer parte de alguma CAE. Estas têm sido constituídas unicamente por docentes ou ex-docentes do ensino superior, universitário e politécnico, sendo secretariadas por um jurista com grande experiência no sector da Educação. O perfil dos membros das CAE nunca levou a qualquer protesto formal e as opiniões recolhidas foram positivas, com algumas reservas quanto aos membros universitários, não pelas pessoas em si, mas pelo tipo da sua cultura profissional: “Sim [eram pessoas com o perfil adequado para aquela função], pelo menos com argumentação para a função (riso). Eu não sei depois o que eles…o resultado do relatório deles, mas pelo menos ao nível da linguagem da comunicação mostraram-se abertos e interessados. Espero que o que fizeram ou vão fazer depois corresponda ao interesse que mostraram!”(EE5, 3) “...eram pessoas com experiências muito diferentes das nossas, com vivências em termos de ensino superior também muito diferentes, com conhecimentos jurídicos específicos e portanto acabou por ser um conjunto de pessoas que ajudou bastante a repensar tudo e…sobretudo foi importante…eu acho que o mais importante da relação com a comissão de avaliação externa foi o poder estar a conversar com aquelas pessoas acerca do curso, foi uma conversa construtiva, foi…foi um analisar calmo e realista e muito gratificante para nós, portanto eu acho que isso correu realmente muito bem”(EP4, 2) “...a equipa de avaliação externa também se revelou uma equipa muito interessante pela leitura que fez e pelos comentários que teceu quando esteve...” (EC1, 6) “A avaliação externa…não sei, depende muito de quem avalia, não é? E…- isto não é apenas uma desculpa, mas com toda a honestidade – sem tirar as grandes qualidades pessoais que cada membro da avaliação externa pode …e deve…e com certeza tem, não é, põe-se sempre um ponto de interrogação quanto ao tipo de opinião dado por um professor claramente virado para um curso universitário quando está a avaliar cursos duma escola superior de música” (EP3, 5) Apenas num caso foram manifestadas mais claramente dúvidas sobre o perfil dos membros da CAE, por esta não integrar nenhum especialista da área específica em análise:

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“ A avaliação externa do curso de Composição ... foi dada por pessoas com conhecimentos, com muita experiência, com muito boa vontade, não é, pessoas que queriam realmente fazer o melhor possível. Isto reconhece-se, é evidente. Se era tão útil o que eles acabaram por dizer, eu francamente ponho as minhas dúvidas. Eu até…Até por outra razão também, porque eu sei que…eu tenho estado pessoalmente à frente do curso de Composição há 18 anos, mas eu penso que é difícil negar que, em certo sentido, o curso de Composição de Lisboa tem funcionado como modelo para as outras escolas que…nomeadamente…O caso mais flagrante até foi quando iniciámos o nosso teste de admissão, com 4 partes, não sei quê, o aluno tinha que escolher 2 e…dentro de 2 anos a Escola Superior de Música do Porto estava a fazer o mesmo teste de admissão. Eu não fico de modo nenhum ofendido, antes pelo contrário, eu fico até…não é, de certa forma feliz por eles terem pensado que o modelo era suficientmente bom para ser imitado. Mas que em muitas coisas o curso de Lisboa tem estado a funcionar como o ponto de partida para as coisas, isso é verdade. E que haja uma avaliação externa por pessoas que não são compositores, que venham comentar um curso que, como o de Lisboa, realmente tem formado tantos compositores de qualidade fora do normal em Portugal nos últimos…quer dizer, quase desde sempre…não sei, eu às vezes custa-me um bocado…não sei até que ponto é útil. E também eles devem sentir um pouco…o que é que vão dizer em relação a um curso de Composição que tem produzido muitos resultados positivos?” (EP3, 8)

De acordo com as normas em vigor, a CAE deve reunir, durante os dois dias da visita, com os órgãos da escola, os responsáveis pela avaliação, estudantes, professores, assistentes, pessoal não docente, ex-alunos e entidades empregadoras. Pelas razões atrás expostas, nunca foi possível reunir representantes destes dois últimos grupos. Dos restantes, os menos participativos revelaram-se sempre os estudantes e os docentes, apesar dos esforços que, neste caso, até mesmo a Coordenadora da Avaliação, para além da directora e dos responsáveis das Variantes, sempre empreenderam junto dos mesmos. Acresce que essa participação nem sempre foi devidamente articulada com as conclusões do relatório de auto-avaliação, que os interlocutores da CAE desconheciam, na sua maioria: “O que não me satisfez tanto, como deve calcular, é o facto de as pes... a larga maioria das pessoas – ou, no fundo, com uma percentagem estrondosa de gente...portanto não é a larga maioria, é mesmo o “estrondo” completo praticamente – em alguns casos mesmo com pessoas que nunca...nem sequer leram uma linha do relatório, portanto terem sido chamadas a intervir, a darem as suas opiniões que poderão ter sido...como é que hei-de dizer...portanto saíram quase directamente dum foro de opinião individual, não é, e portanto não do...do...duma reflexão conjunta...Quer ao nível dos professores, quer ao nível dos alunos” (EC1, 6) Na sequência da visita e das informações/impressões nela recolhidas, a CAE elabora o seu próprio relatório - de acordo com o guião existente para o efeito e já descrito - que é seguidamente enviado para a escola, para o exercício, por esta, do contraditório. A ESML nunca fez mais do que aclarar ou explicitar certos aspectos formais deste relatório, porque quanto à substância as conclusões e recomendações sempre foram muito na linha daquilo que era mencionado nos relatórios de auto-avaliação, considerando-se que o facto de ser

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uma entidade exterior a exprimi-las conferia uma força acrescida aos argumentos internos: “ Aí foi importante perceber que tanto o balanço que foi feito no relatório de auto-avaliação como aquele que depois foi feito pela avaliação externa eram coincidentes: eles estavam de acordo com aquilo que nós achávamos que eram os problemas, porque em relação ao que está bem, enfim….em equipa vencedora, não se mexe, não é, aí não há problema, o problema é quando há algum assunto a resolver. E aí estavam ambos de acordo, portanto as duas partes estavam de acordo. A nossa principal preocupação – e que também foi uma preocupação da avaliação externa – prende-se com o facto de os nossos alunos não saírem com a profissionalização (e sobretudo se pensarmos que há escolas que já estão a dar esta profissionalização e que acabam por estar a dar uma habilitação superior à nossa e muitas vezes com preparações muito inferiores à que os nossos alunos têm no final da licenciaatura). Essa foi uma preocupação que era comum aos dois lados e que, no fundo, espero sinceramente que o facto de ter ficado no relatório da comissão de avaliação externa provoque alguma…algum andamento, algum avançar nesta questão. Depois houve outras…mais coisas que eram absolutamente concordantes num relatório e noutro, como seja, não haver intercâmbio com escolas estrangeiras, o problema do espaço, o problema do acervo do centro de documentação, enfim, isso foi tudo mais ou menos igual de um lado e de outro”. (EP4, 2) “ [as conclusões do relatório de avaliação externa] tornaram ainda mais acutilante no verbo alguns dos problemas maiores com que nós nos confrontamos” (EC1, 7) Houve também quem considerasse que o trabalho das CAEs tinha sido demasiado “leve”: “...em geral, tem sido muito benevolente: acho que, embora tenha havido críticas – penso nas últimas avaliações – críticas verdadeiras e muito pertinentes, havia às vezes alguns conselhos de seguir e penso que, por vezes, poderia haver um bocadinho mais de rigor nas críticas que nos são feitas... Eu acho que poderia haver talvez um bocadinho mais de tempo por parte das comissões externas para verem melhor o funcionamento da escola que estão a avaliar” (ED4, 3) Assinale-se que nenhum dos entrevistados se referiu ao facto de as CAEs não avaliarem o ensino de forma directa – assistindo a aulas, audições ou concertos – mas apenas através de documentos e conversas com diversos actores organizacionais. Aliás, apenas num caso – o do Canto Gregoriano – a respectiva responsável achou conveniente e possível (pela disponibilidade dos estudantes) proporcionar à CAE uma manifestação musical ao vivo, juntando um grupo de alunos e ex-alunos num Coro Gregoriano que interpretou algumas peças no início da visita institucional, facto assinalado como muito interessante no relatório da CAE (ADISPOR, 2005, 9). Exceptuando este caso – que me parece poder ser justificado pela necessidade de uma “voz” minoritária na ESML se fazer ouvir e cuja concretização foi possível devido ao “espírito de corpo gregoriano” que a responsável tem sabido gerar entre os seus alunos – parece que, pelo menos por parte daqueles que mais directamente estiveram empenhados no processo, foi apreendido o conceito de que a avaliação do ensino superior da música

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se faz de forma mais académica que artística, mais a partir de “fontes secundárias” (documentos, testemunhos) do que de “fontes primárias” (a música e o seu ensino, ao vivo), no respeito pela estandardização dos procedimentos regulamentadores da avaliação do ensino superior, em geral. 4- AS REPRESENTAÇÕES DOS ACTORES Os processos de avaliação exogenamente introduzidos na ESML foram recebidos, de um modo geral, como algo que pode ter resultados positivos na melhoria da qualidade do ensino e na visibilidade dessa qualidade para o exterior, embora representem um esforço acrescido para a instituição e impliquem efeitos que não são muito claramente percebidos. Todos os docentes entrevistados – fosse na qualidade de gestão de topo (a directora), na de gestão intermédia (responsáveis das áreas) ou apenas na de professores – se manifestaram favoravelmente quanto à necessidade e importância que estes processos podem ter: “Eu acho que são completamente indispensáveis... relativamente ao processo de avaliação, ele deve continuar a existir e deve ser feito de maneira cada vez mais rigorosa. Tanto a auto-avaliação, como a avaliação por parte das comissões externas” (ED4, 1, 4) “...não só para que... até o Instituto Politécnico e o Ministério se apercebam das dificuldades com que nós lutamos, como até para evoluir no próprio sistema do ensino, para melhorar o sistema de ensino” (ED4, 1) “A avaliação externa …é interessante no sentido em que…é interessante para nós, acho eu, no sentido em que acaba por haver uma maior compreensão de todas as entidades musicais do país – ou de uma entidade ou outra, de uma escola ou outra – maior compreensão sobre como é que o curso da outra escola funciona e daí têm provavelmente a possibilidade de imitar certas coisas, de poder aprender uns dos outros e de ir melhorando aos bocadinhos o funcionamento do curso, não só na nossa escola como também em todas as escolas. Este intercâmbio de opiniões eu acho que é útil e é um dos resultados deste tipo de…da avaliação externa” (EP3, 5) “... é evidente que quando nos queixamos é sobretudo por causa do trabalho em excesso que depois se acumula... Agora que é útil é, porque é evidente que é preciso olhar para os cursos e pensar o que é que está a correr bem, o que é que está a correr mal, o que é que estão a fazer os outros, como é que…E isso eu acho que é muito positivo... e sobretudo obrigou-nos agora a recolher o material de forma a que se possa fazer essa leitura mesmo que não seja para um relatório de auto-avaliação, para conhecimento do próprio curso e portanto esses dados estão a ficar registados com esse intuito. Portanto, foi positivo ficarmos com esse hábito e com essa necessidade” (EP4, 5, 6) “ [a fase mais importante]...sem sombra de dúvida, é a elaboração do... relatório, porque se o relatório não for suficientemente um elemento de identidade...da realidade – e é esse que está na base...depois da...observação externa (eu acho que a avaliação externa é igualmente muito importante porque permite, não é, que outras “lentes” se...leiam, no fundo o relatório, portanto, as pessoas que estão fora do...contexto...podem, na realidade, “iluminar”...pontos que...nós próprios

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não...lemos...e não tínhamos realizado como tal...a avaliação externa é importante nesta...medida e sobretudo...naquilo que ela pode, no fundo...reforçar, para o meio exterio, da realidade, não é?” (EC1, 12) Também os estudantes entrevistados manifestaram ideias claras sobre o que os processos de avaliação podem trazer de positivo, embora tenha sido confessada a opinião de que estas questões, tal como outras até mais directamente ligadas à vida concreta dos alunos, não despertarão, da parte destes, grande interesse ou empenhamento: “ Para discutir a importância do curso em si, não é, acho que isso é logo fundamental, o currículo do curso, se está bem elaborado, o que é que falta, se faz sentido não só para a aprendizagem dos alunos como para aquilo que eles irão fazer no futuro. Depois para avaliar se as disciplinas que têm sentido funcionam bem, se é um problema de escolha de conteúdos ou de implementação, penso que deve ser este tipo de coisas que se discutem. E depois o funcionamento da organização que implementa esse programa, esse curso, se funciona bem ou não, todas as pessoas que estão envolvidas” (EE5, 4) “ Acho, acho, acho!” [que estes processos são importantes] .... P – Acha que, de uma maneira geral, os alunos desta escola estão atentos à importância que um processo de avaliação pode ter? R – Isso é outro aspecto…Como sabe, eu fiz parte da Associação de Estudantes (AE), e eu também faço parte dessa fracasso que é a AE, em parte…E eu já digo porquê o fracasso…É assim: quando começámos, tínhamos muitas ideias e tal…Aquilo conforme ia passando o tempo, ia esmorecendo, esmorecendo, esmorecendo…E depois para haver novas eleições, era preciso alguém tomar mesmo o pulso, parecia uma obrigação! Não, uma AE tem que ser uma voz activa dos alunos. Mas também digo que a AE não funcionou porque os alunos não se interessam!Os alunos desta escola – é um meio pequeno, 250 alunos, salvo erro - é um meio muito pequeno onde uma AE é difícil trabalhar. No fundo…houve casos caricatos. Lembro-me que quando a escola esteve muito mal a nível de orçamento, numa situação muito má por causa da renda, estávamos na AE e pusemos um cartaz a dizer: “A escola vai fechar”, mesmo, mesmo para assustar, a pensar que aquilo teria um impacte de forma a que os alunos participassem. Acho que, salvo erro, nessa reunião só apareceram 40 ou 50 alunos, quando há 200. Está bem que haja alguns a trabalhar, mas desde o momento em que poderiam ficar sem curso – o que era muito provável, estávamos a passar pelas ruas da amargura – e depois os alunos não se interessaram…aquilo esmorece qualquer um!” (EE6, 3,4)

Quanto aos efeitos sentidos na sequência dos processos de avaliação, a maioria dos entrevistados ou referiu questões de pormenor ou manifestou hesitações ou mero desconhecimento quanto a eventuais consequências /medidas decorrentes dos referidos processos: “Algumas coisas já foram feitas: por exemplo, as sugestões que nos deram de melhorar os serviços de fotocópias para os alunos. Nós conseguimos resolver esse problema: temos mais máquinas, os alunos conseguem ter uma maior possibilidade de fotocopiar aquilo que querem. Também a questão do Centro de Documentação estar aberto mais horas durante o dia, isso já foi

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resolvido. Até o problema da secretaria: também está aberta mais tempo do que estava. ..Mas são tudo pequenas coisas...” (ED4, 3) “P – Em termos globais de escola, considera que estes processos de avaliação já tiveram alguma repercussão, por exemplo no que se refere a mudanças que já foram feitas ou que vão ser propostas?

R – (Pausa) Ahnn…Se tiveram algum resultado…Enfim, algumas pequenas coisas talvez…lá está, falei com os meus colegas e alterámos ligeiramente o nosso comportamento ou a nossa ideia sobre determinado assunto…

P – E noutros sectores da escola: sentiu já alguma mudança que tivesse sido decorrente destes processos de avaliação?

R – (Pausa) Eu tenho realmente muita dificuldade em responder a essa pergunta, porque neste momento, apesar de ter estado na direcção e de ter estado na escola praticamente todos os dias da semana, actualmente…

P – Mas por exemplo: enquanto membro do Conselho Científico?

R – Eu não estou…Se me relembrar de alguma coisa, sou capaz de me lembrar…Não me recordo assim de imediato de alguma coisa que tenha sido consequência directa da auto-avaliação. Não sei, pode ser defeito meu, pode haver alguma coisa de que me estou flagrantemente (riso) a esquecer, mas a impressão que eu tenho é que não” (EP3, 8)

“Agora relativamente às implicações...quer dizer, não notei assim diferença...O que é que poderia ter notado? (riso) (EE5, 4)

“ Sinceramente, já não me lembro muito bem das conclusões…Mas vai sempre tudo dar ao mesmo: são sempre as coisas que nós sabemos. Sabemos as coisas que se passam na escola e o que falta à escola, logo isso no fundo é dar-nos razão, dizer: “Realmente falta isto, falta aquilo, devíamos fazer mais isto...” Agora quanto à essência das conclusões, já não me lembro muito bem…as palavras, o que foi escrito. Mas do que me lembro do relatório foi a tal história dos números, porque eu desde o momento em que vi os números achei assim um bocado falso, logo também não me interessei muito pelo resto” (EE6, 5) Se quanto às consequências internas os efeitos foram mais não-efeitos, também as consequências externas – ou seja, aquelas que não dependiam da acção da própria instituição - não foram consideradas visíveis, mesmo quanto ao problema mais urgente, que era o das instalações:

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“Por exemplo, um dos pontos que tem sido mais abordado, mais criticado pelas comissões externas são as instalações. Até agora, o que se fez foi nada, não é? Há um projecto que foi autorizado, mas a verdade é que a construção do edifício ainda não foi autorizada e vamos lá ver quando é que será. E isso os relatórios têm dito, inclusivamente se na verdade o Instituto Politécnico não é capaz de encontrar solução para o problema das instalações, que seria mais honesto e mais profissional da parte do Instituto Politécnico passar a Escola Superior de Músca para outra instituição de ensino superior…Porque continuar a trabalhar nas condições em que estamos a trabalhar é absolutamente inacreditável e é uma vergonha até para o país! Eu duvido que em toda a Europa haja uma escola a trabalhar em tão más condições como nós aqui em Lisboa…uma escola oficial…” (ED4, 3) “Que eu saiba, por enquanto não houve nenhumas alterações de acordo com essas conclusões” [determinadas pelo Ministério em função das conclusões dos relatórios] (EP3, 8) “ Não sei se terá sido com base no relatório da avaliação externa, se terá sido com nomeadamente a mudança de presidência ao nível do Instituto Politécnico e uma maior abertura e preocupação, portanto, com a situação da escola, portanto eu não sei qual foi o grau de influência da avaliação externa, sabemos no entanto que a Ministra, não é, já …já assinou o processo para que a construção do novo edifício, não é, da…da escola entre realmente em andamento. Agora, se foi com o… P – Não há uma evidência directa de que… R – Até que ponto a…se foi a expressão brutal utilizada, no bom sentido, portanto, de que mais vale a escola fechar, não é, ou se foi realmente por um canal, não é…por um relacionamento mais positivo, não é…ou então surgiu uma situação política que terá permitido que aquilo que foi ficando durante algum tempo esquecido viesse a ser tomado agora em linha de conta...” (EC1, 12, 13) Foi ainda positivamente assinalado o efeito da repetição dos processos sobre os próprios processos, considerando-se que a experiência tem permitido aperfeiçoar procedimentos e obter produtos de melhor qualidade. Relativamente aos primeiros processos, “...houve claramente uma mudança, houve, porque também houve muito mais…muito maior determinação e empenho em que realmente o processo fosse feito com a máxima qualidade possível relativamente a casos anteriores e a prova disso foi depois também o resultado da avaliação externa ao ter contemplado uma boa classificação ao nível do processo, não é, as negativas foram só as situações negativas da própria escola...” (EC1, 7, 8) Parece, pois, poder dizer-se que os processos de avaliação na ESML se desenrolaram de forma a satisfazer os requisitos formalmente exigidos, com participação fluida por parte dos diferentes actores (pelas razões assinaladas) e em grau variável consoante a Variante e a respectiva cultura profissional, com dificuldades especiais na recolha de dados, não só porque era a primeira vez que estes processos ocorriam e se tornava necessário refazer

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a “história” desde o início, como porque os recursos humanos e técnicos disponíveis se revelaram escassos e inadequados. No entanto, ainda se está longe de poder dizer que a ESML tenha incorporado uma “cultura de avaliação”, tornando esta numa das suas rotinas de gestão e num instrumento estratégico de desenvolvimento. Tal poderá ser explicado em parte por a escola funcionar como uma organização orientada para a “cultura das pessoas”, em que a organização não é mais do que “um recurso para os talentos individuais” (Handy& Aitken, 1990, 89), em parte por o modelo não responder aos verdadeiros interesses e especificidades do tipo de escola: “ Acho que está cada um na sua “toca”, a viver a sua auto-avaliação. Não sei até que ponto isso se pode partilhar ou não, mas realmente…Digamos que as condições na escola – e voltamos a mais um dos pontos negativos que foi falado tanto pela comissão como por nós, que é o espaço físico da escola - é evidente, não é fácil as pessoas encontrarem-se porque não há sala de professores, não há salas de trabalho, mas a sensação que eu tenho é que enquanto decorreu a avaliação de outros cursos nós não demos por nada…nem tenho a consciência assim muito tranquila, nem sei sequer se respondi a algum inquérito…portanto dá-me a sensação de que cada um de nós remexe na sua “toca”, arruma as coisas e depois quando muito comenta-se no corredor que deu muito trabalho, que já está, que correu bem e pronto e agora calha a outro. Não me parece que haja grande vivência de escola relativamente às auto-avaliações, isso acho que não” (EP4, 5). “P – Portanto, a avaliação aparece ainda como um momento específico e desligado da actividade quotidiana da escola?

R – Eu acho que sim. Quer dizer, posto dessa maneira, não deveria, mas acho que acaba por ser essa a situação. Se tivéssemos, por exemplo… se tivéssemos uma estrutura da escola onde a Composição tivesse uma secretária para o departamento ou, digamos, uma secretária para dois departamentos ou qualquer coisa assim, onde pudesse haver alguém que pudesse criar novos programas de computador, arquivar os dados de outra maneira para isto, para isto, para aquilo, para colaborar directamente e alterar o seu comportamento e a sua maneira de arquivar as coisas de acordo com as propostas dos professores e dos alunos e do departamento em geral, poderia ser alguma coisa que teria mais relevância. A impressão que tenho é que o modelo de auto-avaliação teria mais relevância se o curso tivesse 100 alunos. Com um curso que tem apenas 30 parece-me que o tipo de…sistema, o tipo de guia, de abordagem tem que ser diferente ou até mesmo…Não sei: ou o tipo tem que ser diferente ou talvez que não seja auto-avaliação mas que seja outra coisa qualquer, qualquer coisa que…não é…Não, eu acho que é o guia que teria que ser mais…mais de acordo com…Eu penso que é exactamente como a análise de uma peça de música, porque se nós analisarmos Beethoven de acordo com determinados critérios, depois pegamos em Mozart e os critérios podem ser mais ou menos os mesmos e é capaz de dar um resultado relativamente relevante. Agora se pegarmos em Palestrina ou Schöenberg ou Stockhausen utilizando os mesmos critérios de análise duma obra de Beethoven, podem ser estatísticas… mas não interessam nada!” (EP3, 9)

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Em resumo, na ESML o modelo formal de avaliação foi respeitado, mas com algumas alterações relativamente ao guião proposto, alterações essas elaboradas com o fim de melhor adaptar a forma de recolha de dados e opiniões à realidade da instituição.

Relembre-se que a regulação de controlo deixa, logo à partida, alguma margem para a regulação autónoma, uma vez que, por exemplo, os modelos de guião sugeridos são apresentados como um mero conjunto de linhas orientadoras, que as instituições poderão adequar aos seus interesses e necessidades (sem prejuízo de terem que ser respeitadas algumas normas gerais).

No que diz respeito aos processos, verificou-se uma desigual informação e participação dos diversos corpos. O envolvimento efectivo dos actores organizacionais ficou reduzido ao mínimo indispensável ao cumprimento formal das tarefas pedidas (elaboração do guião de auto-avaliação e participação nas reuniões com a CAE). Os processos de avaliação passaram despercebidos à maioria dos actores, internos e externos, que mesmo quando informados e incitados à participação não se manifestaram.

Os processos de negociação e de decisão foram centralizados, com a participação restrita dos directamente implicados na avaliação da sua Variante e dos órgãos directamente responsáveis pelo processo.

Este alheamento dos stakeholders pode ser explicado por duas ordens de razões: em primeiro lugar, a introdução destes processos representa uma mudança na cultura da organização, a qual não se impõe da noite para o dia; por outro lado, ela decorre também da ausência de efeitos sentida relativamente a processos sucessivos. Não foram claramente assinaladas nenhumas alterações significativas, a nível institucional – nem positivas, nem negativas – percepcionadas como resultantes dos processos de avaliação. Estes decorreram de forma periférica, sem qualquer interferência no dia-a-dia da organização e sem quaisquer consequências junto quer dos actores internos, quer das instâncias externas, designadamente da entidade tutelar.

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PARTE IV - CONCLUSÕES Na Parte IV irei sintetizar as principais conclusões da investigação realizada, apresentando-as segundo os três grandes temas das subquestões da pesquisa: modelos normativos, modelos praticados e efeitos percepcionados pelos diversos actores como decorrentes dos processos de avaliação. Seguidamente, tentarei identificar as tendências futuras em matéria de ensino superior e da sua avaliação e as suas consequências no que respeita à área da Música neste nível de ensino.

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