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CAPÍTULO 3 Direitos e deveres do consumidor endividado E-BOOK COMO SE PREPARAR PARA A NEGOCIAÇÃO DE DÍVIDAS Numa daquelas confusões da vida, Juliana pagou a parcela mínima do cartão de crédito e usou o “rotativo”, que é pagar o mínimo ou parcelar a fatura. No mês seguinte, sofreu uma queda na escada do prédio onde mora e acabou ficando vários meses sem trabalhar. Autônoma e sem qualquer reserva financeira para emergências, ela entrou no cheque especial e ainda precisou fazer um empréstimo no banco para pagar o aluguel e outras contas. Quando recuperou a saúde, conseguiu um emprego fixo em uma loja, mas estava com a vida financeira tão complicada que não conseguia saldar as dívidas. Pressionada, Juliana aceitou um acordo proposto pela instituição financeira. Suas dívidas foram consolidadas e refinanciadas. E, por conta dos altos juros, pularam de R$ 10 mil para mais R$ 30 mil. “Nessa situação, o melhor a fazer é interromper as negociações com o banco e procurar um negociador externo”, orienta Vera Lúcia Remedi, advogada especializada em direito do consumidor que integra a equipe da Associação Viver Bem, parceira do Serasa Consumidor na orientação a consumidores endividados. Segundo ela, pessoas endividadas estão emocionalmente abaladas e acabam aceitando qualquer negociação. “Isso pode levar a um ciclo eterno de endividamento, comprometendo a capacidade do indivíduo sair dessa situação”, explica a dra Vera. Ela foi assessora executiva do Procon/SP e, com base na longa experiência que tem na área, dá orientações que podem ajudar o consumidor endividado a conhecer melhor seus direitos e deveres. Antes, vamos entender o papel do crédito em nossa sociedade, aprender a identificar os sinais de alerta do endividamento, os fatores que podem levar ao descontrole das dívidas e as consequências que isso pode provocar. Eu tentei, mas ficou impossível pagar. Eu teria que deixar de pôr comida na mesa.

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CAPÍTULO 3Direitos e deveres do consumidor endividado

E-BOOK COMO SE PREPARAR PARA A NEGOCIAÇÃO DE DÍVIDAS

Numa daquelas confusões da vida, Juliana pagou a parcela mínima do cartão de crédito e usou o “rotativo”, que é pagar o mínimo ou parcelar a fatura. No mês seguinte, sofreu uma queda na escada do prédio onde mora e acabou ficando vários meses sem trabalhar. Autônoma e sem qualquer reserva financeira para emergências, ela entrou no cheque especial e ainda precisou fazer um empréstimo no banco para pagar o aluguel e outras contas.

Quando recuperou a saúde, conseguiu um emprego fixo em uma loja, mas estava com a vida financeira tão complicada que não conseguia saldar as dívidas. Pressionada, Juliana aceitou um acordo proposto pela instituição financeira. Suas dívidas foram consolidadas e refinanciadas. E, por conta dos altos juros, pularam de R$ 10 mil para mais R$ 30 mil.

“Nessa situação, o melhor a fazer é interromper as negociações com o banco e procurar um negociador externo”, orienta Vera Lúcia Remedi, advogada especializada em direito do consumidor que integra a equipe da Associação Viver Bem, parceira do Serasa Consumidor na orientação a consumidores endividados.

Segundo ela, pessoas endividadas estão emocionalmente abaladas e acabam aceitando qualquer negociação. “Isso pode levar a um ciclo eterno de endividamento, comprometendo a capacidade do indivíduo sair dessa situação”, explica a dra Vera. Ela foi assessora executiva do Procon/SP e, com base na longa experiência que tem na área, dá orientações que podem ajudar o consumidor endividado a conhecer melhor seus direitos e deveres.

Antes, vamos entender o papel do crédito em nossa sociedade, aprender a identificar os sinais de alerta do endividamento, os fatores que podem levar ao descontrole das dívidas e as consequências que isso pode provocar.

Eu tentei, mas ficou impossível pagar.Eu teria que deixar de pôr comida na mesa.“ “

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O crédito ajuda as pessoas a adquirirem produtos e serviços, movimentando a economia. Quando os cidadãos compram, as empresas são estimuladas a produzir mais, gerando emprego e renda. Ou seja, o crédito fomenta a demanda e a capacidade produtiva da sociedade.

No entanto, é preciso cautela na hora de usar. O Brasil tem uma das maiores taxas de juros do mundo e elas, agora, estão batendo recordes históricos. De acordo com dados do Banco Central, em 15 de outubro de 2015, os juros do empréstimo pessoal não consignado chegavam a até 850% ao ano em algumas instituições financeiras. No cheque especial, a 520% ao ano. E no rotativo do cartão de crédito, a 816%!

Confira um exemplo do que você paga quando pede R$ 1.000,00 emprestados de uma instituição financeira no Brasil:

Sinal de alertaSe você precisa recorrer ao crédito para pagar as contas normais, ou seja, os gastos são maiores do que sua renda mensal e você usa o cheque especial ou o rotativo do cartão de crédito, por exemplo, cuidado! Você pode estar caminhando para uma situação em que não conseguirá dar conta de pagar, entrando no chamado superendividamento.

Crédito é bom, mas precisa saber usar

Se você pedeemprestado Tipo de empréstimo Taxa média

(ao mês)Após 2 anos,irá pagar...

R$ 1.000,00 Crédito consignado 2,5% 1.341,84

R$ 1.000,00 Financiamento 4,5% 1.655,76

R$ 1.000,00 Cheque Especial 7,8% 2.241,60

R$ 1.000,00 Cartão de Crédito 13,56% 3.415,92(rotativo)

Fonte: calculadora do cidadão - Banco Central

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Agora, vamos olhar algumas questões que fazem parte da rotina de pessoas que estão endividadas e precisam renegociar com os credores.

Falta de planejamento e de organização das finanças pessoais

Situações inesperadas, como doença na família, separação ou desemprego.

Emprestar o nome ou ser fiador de familiares e pessoas conhecidas.

Compulsão por comprar: é um distúrbio psicológico e, como tal, precisa ser tratado.

Crédito fácil: a taxa de juros é calculada em função do risco da instituição financeira não receber o dinheiro de volta. Quanto mais simples de contratar, mais caro vai ficar.

Limite de crédito elevado para o consumidor de baixa renda ou que já tem boa parte do salário comprometido com outros empréstimos.

Aumento de limite do cheque especial para cobrir encargos gerados pela falta de pagamento.

Tensão familiar: os problemas financeiros estão entre as principais causas de divórcio no Brasil.

Aniquilamento social: perda de reputação (nome sujo) no mercado e no círculo pessoal.

Corte de itens essenciais: saúde e educação são os primeiros a serem eliminados das despesas mensais. Pesquisa feita pelo Serasa mostra um aumento de 22,6% na inadimplência com escolas e universidades.

Doença: o endividamento gera problemas emocionais e sofrimento psíquico, provocando outros problemas, como a depressão. “O adoecimento por conta de dívidas já é uma questão de saúde pública no Brasil”, conta a dra. Vera.

Causas do superendividamento

Principais consequências

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Leia o contrato e fale com o credor para detalhar a composição da dívida, incluindo: valor inicial, honorários cobrados, juros, valor total ao final do prazo contratado e o que você já pagou. Uma opção é usar a Calcula-dora do Cidadão do Banco Central para simular financiamentos com prestações fixas e a correção de valo-res. A calculadora está disponível aqui: http://www.bcb.gov.br/?calculadora

Se o credor dificultar o acesso à informação, procure um serviço de reclamação do órgão regulador da área: o Banco Central, no caso dos bancos, e a Anatel, no caso de empresas de telefonia, por exemplo. “O consumidor tem o direito a esmiuçar a informação sobre a dívida”, reforça Vera Lúcia Remedi.

A regra de ouro: conhecer bem a dívida

Se a dívida é pagável, ou seja, se você tem condições de saldar as parcelas e, ao mesmo tempo, garantir o sustento básico de sua família, fale diretamente com o credor e combine um jeito de pagar. Uma opção é a ferramenta Limpa Nome Online do Serasa Consumidor. Entre no site para conhecer as empresas participantes.

Mas quando a dívida estiver muito elevada por conta dos juros, a sugestão é procurar um ambiente neutro para renegociar, como o Super Feirão promovido pela Serasa Consumidor. “A solução é renegociar fora do estabelecimento, preferencialmente, na presença de um conciliador que ajude o consumidor a fazer um acordo que consiga pagar”. Para isso, você pode recorrer aos:

Dois caminhos para renegociar

Para fazer sua reclamação contra uma instituição bancária, acesse: http://www.bcb.gov.br/?RECLAMACAO

Para reclamar contra uma prestadora de telefonia, acesse: http://www.anatel.gov.br/consumidor/index.php?option=com_content&view=article&id=39&Itemid=431

Centros Judiciários de Solução de Conflitos e CidadaniaProcure o Tribunal de Justiça de sua cidade para localizar o mais próximo de onde você está.

ProconsPesquise aqui para encontrar o endereço de sua cidade: http://www.portaldoconsumidor.gov.br/procon.asp

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Exigir a compra de um seguro para obter ou renegociar um crédito ou o limite do cheque especial. Essa prática é chamada de venda casada e é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor.

Débito em conta corrente de valor que ultrapasse 30% do seu rendimento mensal ou, no caso do empréstimo consignado, 35%. Há uma série de ações judiciais favoráveis a consumidores que tiveram retenção de salário depositado em conta superior a esses percentuais. Se você ganha R$ 1.000,00 líquidos, o valor total do débito não pode ultrapassar R$ 300,00 ou R$ 350,00 no consignado.

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Pressão para a renegociação imediata da dívida, por telefone, sem que seja feita a análise prévia de sua capacidade de pagamento. “Não há segurança na negociação pelo telefone e, depois, fica mais difícil renegociar. Não aceite em hipótese alguma que isso seja feito pelo telefone”, alerta a dra. Vera.

Oferta de linhas de crédito mesmo quando você está endividado. Muitas vezes, o consumidor já está comprometido com uma instituição financeira e ela continua oferecendo crédito, provocando um agravamento da situação. Portanto, se o que você ganha não comporta mais uma parcela, não se deixe levar.

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Falta de vontade ou displicência na hora informar o custo do produto financeiro que você está adquirindo. Não se conforme em saber o valor da parcela. Faça questão de perguntar qual é a taxa de juros e o valor total que irá pagar. Se você contratar hoje um empréstimo pessoal de R$ 1.000,00 em 12 parcelas, com as taxas de juros atuais, irá pagar cerca de R$ 1.270,60 . É importante que você conheça o valor total da dívida para se organizar.

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5 práticas abusivas, que você não deve aceitar

O que mais você precisa saber

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O Código de Defesa do Consumidor proíbe ameaça, coação e qualquer tipo de constrangimento à pessoa endividada.

Se fizer uma compra e se arrepender, você poderá fazer a devolução do produto (sem uso) no prazo de 7 dias.

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Se deixar de pagar três prestações consecutivas de um bem que adquiriu - um carro ou geladeira, por exemplo -, o credor pode entrar com um pedido de busca e apreensão para ter o bem de volta.

Se receber uma carta de cobrança dizendo que está sujeito à penhora de bens, tenha claro que não podem ser penhorados: salário, imóvel único da família, móveis e utilidades domésticas, como geladeira e fogão, e poupança de até 40 salários mínimos que seja anterior à dívida.

Planeje o pagamento das dívidas: faça seu orçamento pessoal, considerando o que você precisa para viver e o que você pode destinar para o pagamento dos credores.

1 Taxa de 7,26% ao mês referente à média das operações de empréstimo pessoal em outubro/15. Fonte: BACEN