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CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA , ARQUITETURA E AGRONOMIA CREA-PR ASSESSORIA DA PRESIDÊNCIA SEMINÁRIO HUMANIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO MUNDIAL FRITJOF CAPRA CURITIBA - 21 de outubro de 2004 PALESTRAS: HUMANIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E O MODELO ECONÔMICO MUNDIAL E A ENERGIA E A TRANSGENIA COMO ELEMENTOS PARA A HUMANIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO FRITJOF CAPRA, Ph.D., físico e cientista de sistemas, é diretor fundador do Center for Ecoliteracy e membro dicente do Schumacher College, na Inglaterra. Dr. Capra é autor de diversos bestsellers internacionais, todos publicados no Brasil pela Editora Cultrix. Seus livros incluem O Tao da Física, O Ponto de Mutação, A Teia da Vida e As Conexões Ocultas. Capra foi também co-autor do filme Mindwalk, criado e dirigido por seu irmão, Bernt Capra, cujo tema se baseia em seus livros. Após obter seu título de Ph.D. em física teórica na Universidade de Viena em 1966, realizou pesquisas durante 20 anos no campo teórico da física de alta-energia, na Universidade de Paris, no Imperial College de Londres, no Centro de Aceleração Linear de Stanford e na Universidade da Califórnia. Além de suas pesquisas no campo da física, Capra está envolvido num exame sistemático das implicações filosóficas e sociais da ciência contemporânea ao longo dos últimos 30 anos. Seus livros sobre o assunto tem sido aclamados internacionalmente, e ele tem proferido palestras para leigos e especialistas ao redor do mundo, na Europa, Ásia, América do Norte e América do Sul.

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CREA-PR

ASSESSORIA DA PRESIDÊNCIA

SEMINÁRIO

HUMANIZAÇÃO DODESENVOLVIMENTO MUNDIAL

FRITJOF CAPRACURITIBA - 21 de outubro de 2004

PALESTRAS:

HUMANIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTOE O MODELO ECONÔMICO MUNDIAL

EA ENERGIA E A TRANSGENIA

COMO ELEMENTOS PARA A HUMANIZAÇÃODO DESENVOLVIMENTO

FRITJOF CAPRA, Ph.D., físico e cientista de sistemas, é diretor fundador do Center forEcoliteracy e membro dicente do Schumacher College, na Inglaterra.

Dr. Capra é autor de diversos bestsellers internacionais, todos publicados no Brasil pelaEditora Cultrix. Seus livros incluem O Tao da Física, O Ponto de Mutação, A Teia da Vida eAs Conexões Ocultas. Capra foi também co-autor do filme Mindwalk, criado e dirigido por seuirmão, Bernt Capra, cujo tema se baseia em seus livros.

Após obter seu título de Ph.D. em física teórica na Universidade de Viena em 1966, realizoupesquisas durante 20 anos no campo teórico da física de alta-energia, na Universidade deParis, no Imperial College de Londres, no Centro de Aceleração Linear de Stanford e naUniversidade da Califórnia.

Além de suas pesquisas no campo da física, Capra está envolvido num exame sistemático dasimplicações filosóficas e sociais da ciência contemporânea ao longo dos últimos 30 anos. Seuslivros sobre o assunto tem sido aclamados internacionalmente, e ele tem proferido palestraspara leigos e especialistas ao redor do mundo, na Europa, Ásia, América do Norte e Américado Sul.

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HUMANIZÇÃO, DESENVOLVIMENTO E O MODELO ECONÔMICO MUNDIAL

Introdução

Gostaria de começar apresentando a mim e ao meu trabalho a vocês num nível

mais pessoal. Nos últimos 30 anos minha vida profissional teve dois lados. Sou um

cientista e sou um cientista escritor. Eu também trabalho como educador ambiental e

ativista. Gostaria de lhes contar um pouco sobre ambos os lados e mostrar-lhes como

eles estão inter-relacionados.

Eu fui educado como físico e fiz pesquisas em física teórica sobre energias altas

nos anos 60 e 70. Desde os meus anos de aluno, eu ficava fascinado pelas mudanças

dramáticas de conceitos e idéias que ocorriam na física durante as três primeiras

década do século XX. Em meu primeiro livro, O Tao da Física (1975) discuti a profunda

mudança na nossa visão de mundo que foi oportunizada pela revolução conceitual na

física – uma mudança da visão cartesiana e newtoniana para uma nova visão holística

e ecológica.

Nas minhas pesquisas e escritas subseqüentes, envolvi-me numa exploração

sistemática de um tema central: a mudança fundamental da visão de mundo, ou

mudanças de paradigmas, como é conhecido. Isto agora está acontecendo em outras

ciências e na sociedade, o desdobramento de uma nova visão da realidade e as

implicações sociais desta transformação cultural.

Para conectar as mudanças conceituais na ciência com a mudança maior na

visão do mundo e nos valores da sociedade, eu tive que ir além da física e procurar por

uma estrutura conceitual maior. Ao fazer isso percebi que nossos temas centrais

maiores – saúde, educação, direitos humanos, justiça social, poder político, proteção

ao meio-ambiente, modelos de gestão empresarial, a própria economia, etc - tudo tem

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relação com os sistemas vivos, os seres humanos, os sistemas sociais e os

ecossistemas.

Percebendo isso, meu interesse em pesquisa desviou-se da física para as

ciências da vida, comecei, então, a construir o modelo conceitual que estava

procurando, usando insights da teoria dos sistemas vivos, da teoria da complexidade e

da ecologia.

Simultaneamente, durante os anos 80, eu envolvi-me com ativismo ambiental.

Em 1984, fundei uma entidade de pensamento ecológico, chamada Instituto Elmwood,

e nos dez anos seguintes nós construímos uma rede de pensadores e ativistas

oriundos de campos diferentes e de muitas partes do mundo. Em 1984, nos

transformamos o Instituto numa organização chamada “Centro para Ecoalfabetização ”

o que promove “educação para uma vida sustentável” nas escolas primárias e

secundárias.

Tendo trabalhado como um educador e ativista ambiental por mais de vinte

anos, agora tenho muitos contatos pessoais numa rede global de ONGs – de

pesquisadores, ativistas, e instituições – que forma a nova sociedade global, sobre a

qual falarei posteriormente.

Fechando esta introdução, desejo contar-lhes que através dos anos eu percebi

mais e mais que os dois lados da minha vida profissional estão, de fato, estreitamente

conectados. Esta foi uma descoberta feliz, porque me permitiu continuar com meus

interesses particulares como cientista de uma forma que é totalmente consistente com

meus valores, e assim manter a minha integridade pessoal.

O foco principal da minha educação e do meu ativismo ambiental é ajudar a

construir e manter comunidades sustentáveis – comunidades onde podemos satisfazer

as nossas necessidades e aspirações sem prejudicar as gerações futuras. Para

construir estas comunidades, nós podemos aprender lições valiosas a partir do estudo

dos ecossistemas os quais são comunidades sustentáveis de plantas, animais e

microorganismos. Assim, a questão da sustentabilidade ecológica conduz a outra

questão: como os ecossistemas funcionam e como se organizam para sustentar seu

processo de vida? E esta questão, em seu turno, leva a uma outra mais genérica:

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como os sistemas vivos – organismos, ecossistemas e sistemas sociais – se organizam

a si próprios? Em outras palavras, qual é a natureza da vida? E este é o foco de meu

trabalho teórico.

Durante os últimos cinco anos desenvolvi uma estrutura conceitual que integra

três dimensões da vida: a biológica, a cognitiva e a social. Eu discuto esta estrutura

no meu livro mais recente chamado “As conexões ocultas”. Meu objetivo neste livro não

é apenas oferecer uma visão unificada da vida, da mente e da sociedade, mas também

desenvolver uma forma coerente e sistemática de manusear alguns temas críticos de

nossos tempos.

O título deste livro foi tomado do discurso de Václav Ravel – escritor de peças

e estadista Tcheco – no qual ele dizia “Educação hoje é a habilidade de perceber as

conexões ocultas entre os fenômenos”. Em ciência referimo-nos a esta habilidade

como pensamento sistêmico ou “pensando sistemas”. O que vale dizer, pensando em

termos de relações, padrões e contexto. Através dos últimos vinte anos o pensamento

sistêmico projetou-se para um novo nível com o desenvolvimento da teoria da

complexidade, tecnicamente conhecida como dinâmica não-linear. Esta é uma nova

linguagem matemática e um novo conjunto de conceitos para descrever sistemas

complexos não-lineares.

No meu livro valho-me do pensamento sistêmico e de alguns conceitos chaves

da teoria da complexidade para desenvolver uma visão unificada da vida, da mente e

da sociedade. Eu insiro a visão dos sistemas para os domínios sociais e culturais e

aplico-a na interpretação de algumas das grandes questões dos nossos tempos.

Metabolismo - A essência da vida

Permitam-me começar com uma pergunta muito antiga; o que é a vida? Qual a

diferença entre uma pedra e uma planta, um animal e um microorganismo? Para

entender a natureza da vida é preciso muito mais que entender DNA, proteínas e

outras estruturas moleculares, que são os blocos construtores dos organismos vivos,

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porque estas estruturas também estão presentes em organismos mortos, por exemplo,

em objetos mortos como: pedaços de madeiras mortos e ossos.

A diferença entre um organismo vivo e um morto assenta-se no processo

básico da vida – naquilo que os sábios e poetas tem chamado de “sopro da vida” . Na

linguagem científica moderna isso é chamado de “metabolismo”. Significa o fluxo

ininterrupto de energia e matéria através de uma rede de reações químicas, que

permite a um organismo vivo gerar, reparar e perpetuar a si mesmo continuamente.

A compreensão do metabolismo inclui dois aspectos básicos. Um é o fluxo

contínuo de energia e matéria. Todos os sistemas vivos necessitam de energia e

alimento para se sustentar, e todos os sistemas vivos produzem sobras. Isto é parte do

metabolismo. Mas a vida evolui de tal forma que os organismos formam comunidades,

os ecossistemas, onde a sobra de uma espécie é alimento para outra, de modo que a

matéria circula continuamente através do ecossistema.

Redes Vivas

O segundo aspecto do metabolismo é caracterizado pela rede de reações

químicas que processam os alimentos e forma a base bioquímica de todas as

estruturas biológicas, suas funções e comportamentos. A ênfase aqui esta na “rede”.

Uma das mais importantes percepções da compreensão sistêmica sobre a vida

assenta-se no reconhecimento de que as redes constituem-se no padrão básico de

organização de todos os sistemas vivos. Os ecossistemas devem ser entendidos em

termos de teias alimentares (i.e. rede de organismos); organismos são rede de células,

órgãos e sistemas de órgãos; e as células são redes de moléculas. A rede é padrão

comum a toda vida. Onde quer que vejamos vida, vemos redes.

É importante notar que estas redes vivas não são estruturas materiais, como

uma rede de pesca ou uma teia de aranha. Elas são redes funcionais, redes de relação

entre vários processos. Numa célula, por exemplo, estes processos são reações

químicas entre as moléculas da célula. Numa cadeia alimentar, os processos são de

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alimentação, de organismos vivos comendo um ao outro. Numa rede social, são

processos de comunicação. Em todos os casos, a rede é um padrão de relações não-

material.

Um exame mais detalhado destas redes vivas mostra-nos que a característica

básica delas é que são auto-geradoras. Numa célula, por exemplo, todas as estruturas

biológicas – proteínas, enzimas, o DNA, a membrana celular, etc – são continuamente

produzidas, reparadas e regeneradas pela rede celular. Apanhando nutrientes do

mundo exterior, a célula se sustenta através de uma rede de reações químicas que

acontecem dentro dos seus limites e produz todos os componentes da célula, incluindo

aqueles que formam o próprio limite. A função de cada componente nesta rede é

transformar ou substituir outros componentes, de forma que toda a cadeia continue a

se reproduzir continuamente.

Similarmente no nível dos organismos multicelulares, as células estão

continuamente sendo regeneradas e recicladas pela rede metabólica do organismo.

As redes vivas criam e recriam continuamente a si mesmas através da transformação

ou substituição de seus componentes. Desta forma elas sofrem mudanças estruturais

contínuas enquanto preservam seus padrões - teias de organização.

Redes Sociais

Permitam-me agora mudar dos sistemas biológicos para os sociais. A vida no

reino social pode também ser entendida em termos de rede, mas aqui não lidamos com

reações químicas, lidamos com comunicação. As redes vivas nas sociedades

humanas são redes de comunicação. Assim como as redes biológicas, elas são

autogeradoras, mas o que elas geram é, na sua grande totalidade, não-material. Cada

comunicação cria pensamentos e significados, que dá oportunidade para mais

comunicação e, assim, toda a rede, gera a si própria.

A dimensão do significado é crucial para se compreender as redes sociais.

Mesmo quando estruturas materiais – como mercadorias, artefatos ou artes - tais

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estruturas são muito diferentes daquelas produzidas pelas redes biológicas. Elas são

usualmente produzidas com um propósito, de acordo com um objetivo e incorporam

algum significado.

Na medida em que a comunicação prossegue numa sociedade em rede, criam-

se múltiplos círculos de feedbacks os quais, eventualmente, produzem e partilham um

sistema de crenças, explicações, e valores – um contexto comum de significados,

também conhecido como cultura, o qual é continuamente sustentado por mais

comunicação.

Através desta cultura os indivíduos adquirem identidade como membros de

uma rede social e desta forma a rede gera seus próprios limites. Não se trata de um

limite físico, mas um limite de expectativas, de confiabilidade e lealdade, continuamente

mantido e renegociado pela rede de comunicação.

A cultura, destarte, nasce da rede de comunicação entre os indivíduos e produz

obrigações sobre suas atitudes. Em outras palavras, as regras do comportamento que

obrigam as ações dos indivíduos são produzidas e continuamente reforçadas por sua

própria rede de comunicação.

A rede social também produz um corpo de conhecimento partilhado –

incluindo informação, idéias e saberes que formata as idiossincrasias da cultura em

adição aos seus valores e crenças. Contudo, os valores da cultura e crenças também

afetam seu próprio corpo de conhecimentos. Eles são partes da lente através da qual

nós vemos o mundo.

Resumindo, as redes biológicas operam no reino da matéria, as redes sociais

no reino do significado. Os sistemas biológicos trocam moléculas em suas redes de

reações químicas; os sistemas sociais trocam informações e idéias em suas redes de

comunicação.

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Dois Desenvolvimentos

A análise das similaridades e das diferenças entre as redes biológica e social

é central para a minha síntese da nova compreensão científica da vida, da mente e da

sociedade, como também para desenvolver uma tratativa coerente e sistêmica de

algumas grandes questões dos nossos tempos.

À medida que este novo século segue em frente, percebem-se dois

desenvolvimentos que terão fortes impactos sobre o bem-estar e a forma de vida da

humanidade. Ambos tem a ver com as redes e envolvem tecnologias radicalmente

novas. Um deles é a ascensão do capitalismo global; a outra é a criação de

comunidades sustentáveis baseadas na prática de uma perspectiva ecológica. Onde

quer que o capitalismo global esteja ligado à rede eletrônica de fluxo informacional e

financeiro, a perspectiva ecológica esta conectada a rede ecológica de fluxo de energia

e material. O objetivo da economia global, em sua presente forma, é maximizar a

riqueza e o poder das elites; o objetivo das perspectivas ecológicas é maximizar a

sustentabilidade da teia da vida. Permitam-me agora expor duas situações mais

detalhadamente.

Redes do Capitalismo Global

Durante as ultimas três décadas a revolução da tecnologia da informação fez

surgir um novo tipo de capitalismo que é profundamente diferente daquele da revolução

industrial ou daquele que emergiu após a segunda guerra. Tem três características

fundamentais. O centro de suas atividades econômicas é global, a principal fonte da

sua produtividade e competitividade é a inovação, geração de conhecimento e

processamento de informação e está estruturado amplamente em redes de fluxo

financeiro. Este novo capitalismo global também é conhecido como nova economia ou

simplesmente globalização.

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Na nova economia o capital opera em tempo real movendo-se rapidamente de

uma opção para outra numa busca incessante de oportunidades de investimento. Os

movimentos de cassino global operado eletronicamente não seguem nenhuma lógica

de mercado. Os mercados são continuamente manipulados e controlados por

estratégias de investimento elaborados por computadores, percepções subjetivas de

analistas influentes, de eventos políticos em qualquer parte do mundo –principalmente,

por turbulências inesperadas causadas por interações complexas do fluxo de capital.

Neste sistema altamente não-linear, estas turbulências descontroladas têm resultado

numa série de graves crises financeiras recentemente, do México em 1994, Ásia do

Pacifico, 1997, Rússia, 1998 e Brasil, 1999. O impacto da nova economia sobre o bem-

estar e humano tem sido altamente negativo. Tem enriquecido uma elite global de

especuladores financeiros, empreendedores e profissionais high-tech. No topo, tem

havido acumulação de riquezas sem precedentes. O capitalismo global também tem

beneficiado algumas economias nacionais especialmente países asiáticos. Mas na sua

totalidade as suas conseqüências sociais e ambientais têm sido um desastre.

A ascensão do capitalismo global tem sido acompanhada pela ascensão e

polarização das desigualdades sociais dentro e fora dos países, em particular a

pobreza, e as desigualdades sociais têm aumentado através do processo de exclusão

social, o qual é uma conseqüência da estrutura em rede da nova economia. À medida

que o fluxo capital e a informação interligam redes de escala mundial, eles excluem

destas mesmas redes todas as populações e territórios que não têm valor ou

interesses para suas buscas de ganho financeiro. Como resultado certos segmentos da

sociedade, áreas das cidades, regiões e mesmo países inteiros tornam-se

economicamente irrelevantes.

Assim, um novo segmento empobrecido da humanidade emerge em volta do

mundo como conseqüência direta da globalização. Isto compreende grandes áreas dos

planetas como as áreas abaixo do Saara Africano, as áreas rurais da Ásia e da

América Latina. Mas a geografia da exclusão social também inclui porções de todos os

países e de todas as cidades do mundo.

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Se você quer a face humana da globalização veja as fotos do conhecido foto-

jornalista brasileiro Sebastião Salgado. Dois anos atrás ele completou um projeto de

sete anos intitulado “Migrações” que o levou a quarenta países em volta do mundo

onde ele tirou milhares de fotos de migrantes e refugiados, mostrando seus grandes

pesares e tristezas, mas também sua coragem e infinita esperança. As fotos épicas de

Salgado, de um mar de humanidade sem fim, são um impressionante testemunho da

dignidade humana e do fracasso do capitalismo global.

De acordo com a doutrina da economia da globalização conhecida como

neoliberalismo, os acordos de livre comércio internacional impostos pela Organização

Mundial do Comércio – OMC - sobre seus países membros aumentarão o comércio

global. Isto criará uma expansão econômica global; e o crescimento econômico global

diminuirá a pobreza, porque seus benefícios eventualmente “fluíram abaixo” para

todos .

Esta afirmação está fundamentalmente errada. O capitalismo global não mitiga

a pobreza e a exclusão social, ao contrário exacerba-os. O neoliberalismo tem estado

cego para este efeito porque os economistas das corporações têm tradicionalmente

excluído dos seus modelos os custos sociais da atividade econômica. Similarmente, os

economistas mais convencionais têm ignorado os custos ambientais da nova

economia - o aumento e a aceleração da destruição ambiental global é tão grave, se

não mais do que seu impacto social.

Uma das crenças do neoliberalismo é que os países pobres deveriam

concentrar na produção de um pequeno e especial grupo de mercadorias para

exportação com intuito de obter capital estrangeiro e deveriam importar grande parte

das demais commodities. Esta ênfase na exportação tem levado a um rápido

esgotamento dos recursos naturais necessários para produzir safras a serem

exportadas país após país – o desvio de água fresca para interior de fazendas; o foco

sobre agricultura de consumo intensivo de água, tal como cana-de-açúcar, resulta em

leitos de rios secos, a conversão de terra agricultável de boa qualidade em plantações

de safra para fazer dinheiro, e a migração forçada de um grande número de

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agricultores de suas terras. Por todo mundo há incontáveis exemplos de como a

globalização econômica está piorando a destruição ambiental.

Desde que o valor dominante no capitalismo global é ganhar dinheiro, seus

representantes procuram eliminar legislações ambientais valendo-se da bandeira do

livre comércio onde quer que possam, a não ser que estas legislações não interfiram

com seus lucros. Assim, a nova economia causa destruição ambiental não somente

aumentando o impacto das suas operações sobre os ecossistemas do mundo, mas

também eliminando leis de proteção ambiental nacional país após país. Em outras

palavras, a destruição ambiental não é apenas um efeito colateral, mas é também uma

parte intestinal do capitalismo global.

Mudando o Jogo

Nos últimos anos o impacto ecológico e social da globalização tem sido

discutido amplamente por pensadores e lideres comunitários. Suas análises mostram

que a nova economia esta produzindo uma diversidade de conseqüências danosas

interconectadas – aumento da desigualdade e exclusão social, destruição da

democracia, deterioração rápida e ostensiva do ambiente natural, aumento da pobreza

e alienação. O novo capitalismo global tem ameaçado e destruído comunidades locais

em volta do mundo e com a ajuda de uma biotecnologia mal-concebida, tem invadido a

santidade da vida tentando transformar diversidade em monocultura, ecologia em

engenharia, e vida em commodities. Tem se tornado extremamente claro que o

capitalismo global na sua presente forma é insustentável e precisa ser

fundamentalmente redesenhado. Na verdade, pensadores e líderes comunitários e

ativistas comuns em volta do mundo estão levantando suas vozes, demandando que

precisamos “mudar o jogo”, e estão sugerindo formas concretas de como fazê-lo.

Qualquer discussão realista para mudar o jogo deve começar reconhecendo

que a forma atual da globalização econômica foi projetada conscientemente e pode ser

alterada. O chamado “mercado global” é, na realidade, uma rede de máquinas

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programadas de acordo com os princípios fundamentais de que ganhar dinheiro

deveria sobrepor-se sobre os direito humanos, democracia, proteção ambiental ou

qualquer outro valor. Entretanto, as mesmas redes eletrônicas de fluxo informacional e

financeiro poderiam ter outros valores embutidos nelas. A questão crítica não é

tecnológica, mas política. Como falamos em Porto Alegre “um outro mundo é possível “

Uma Sociedade Civil Global

Na virada deste século, ocorreu uma impressionante coalizão global de ONGs

formadas em volta de dois valores centrais - dignidade humana e sustentabilidade

ecológica. Em 1999, centenas destas organizações de base conectaram-se

eletronicamente por vários meses para preparar ações de protestos em conjunto para

o encontro da OMC em Seattle. Conhecida como “Coalizão Seattle” teve grande

sucesso em perturbar o encontro da OMC e fazer com que sua visão ficasse

conhecida no mundo. Também teve igual sucesso em perturbar as conversações

comerciais em Cancum um ano atrás. Suas ações em concertos, baseadas em

estratégias de rede, têm permanentemente alterado o clima político em volta das

questões da globalização econômica .

Desde a coalizão Seattle – ou “movimento por justiça global”, como é chamado

agora - tem não apenas organizado protestos posteriores, mas também propiciou três

Fóruns Sociais Mundial em Porto Alegre e um na Índia. Nestes encontros, as ONGs

propuseram um conjunto completo de políticas comerciais alternativas, incluindo

propostas concretas e radicais para reestruturar as instituições financeiras globais, as

quais mudariam profundamente a natureza da globalização.

Uma das principais razões porque o movimento de justiça global tem tido tanto

sucesso é porque está baseado em estratégias de rede. Como vocês conhecem bem

redes - e trabalhar em rede - tem se tornado um dos principais focos de atenção em

anos recentes. A internet tornou-se uma poderosa rede global de comunicação e as

maiores corporações de hoje existem como uma rede de unidades menores. Redes

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similares existem entre as ONGs e as instituição não-lucrativas . Na verdade, trabalhar

em rede tem sido uma das principais atividades das organizações políticas de base por

muitos anos. Os movimentos ambientais, os movimentos pelos direitos humanos, os

feministas, os movimentos pela paz e muitos outros movimentos de base política e

cultural têm se organizado como rede que transcendem as fronteiras nacionais.

O Fórum Social Mundial é uma celebração do trabalho global em rede. Com o

uso inteligente da internet, as ONGs são capazes de partilhar informação e mobilizar

seus membros com uma velocidade sem precedentes. Como resultado, as novas

ONGs globais emergem como atores políticos efetivos, independentes da tradição

nacional ou instituições internacionais. Eles constituem-se numa nova espécie de

sociedade civil global.

Para colocar um discurso político dentro de uma perspectiva sistêmica e

ecológica, a sociedade civil global apóia-se numa rede de pensadores, institutos de

pesquisa, grupos de intelectuais, e centros de aprendizados que operam totalmente à

margem das nossas instituições acadêmicas, organizações de negócios e agências

governamentais. Hoje existem dezenas dessas organizações de pesquisas e

aprendizado no mundo. A característica comum entre elas é que executam suas

pesquisas e ensinam dentro de uma estrutura explícita de valores centrais partilhados .

A maioria desses institutos de pesquisas são comunidades de ativistas de base

e pensadores que estão engajados numa ampla variedade de projetos e campanhas.

Na minha segunda palestra deverei concentrar-me em duas áreas – agricultura e

energia - que são os pontos centrais para coalizões de base gigantescas e muito

ativas.

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A ENERGIA E A TRANSGENIACOMO ELEMENTOS PARA A HUMANIZÇÃO

DO DESENVOLVIMENTO

Introdução

Os Dois Cenários

Gostaria de começar lembrando a vocês sobre os dois desenvolvimentos que

eu mencionei esta manhã. Terão impacto decisivo sobre o nosso bem estar e o futuro

de nossa forma de viver o surgimento do capitalismo global e a criação de

comunidades sustentáveis baseadas na prática de uma perspectiva ecológica. Estes

dois cenários – cada um envolvendo redes complexas e tecnologias especiais

avançadas – estão atualmente em curso de colisão. Enquanto na natureza cada

membro de uma rede viva está incluído e contribui para a sustentação do todo, o

capitalismo global está baseado no princípio que ganhar dinheiro deveria preceder

todos os demais valores, o que cria grandes exércitos de excluídos e um ambiente

cultural, social e econômico que não é a vida agregando, mas a vida degradando.

Entretanto, os valores humanos podem mudar, não são leis naturais. A questão

crítica não é tecnologia, mas política e de liderança. O grande desafio do século XXI

será mudar o sistema de valores que marcam a economia global, de forma fazê-lo

compatível com a demanda humana de dignidade e sustentação ecológica. Na

verdade, este processo de reformulação da globalização já começou.

Na virada deste século, uma coalizão global impressionante de ONGs formou–

se em volta de valores centrais da dignidade humana e da sustentação ecológica. Esta

coalizão agora esta formando uma sociedade civil global. Esta sociedade civil está

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engajada numa ampla variedade de projetos e campanhas. Na minha segunda palestra

me concentrarei em duas áreas – agricultura e energia – que são pontos focais para

coalizões de bases amplas e muito ativas.

Deixem-me abordar a sustentação ecológica.

Sustentação Ecológica

O conceito de sustentabilidade foi introduzido no início dos anos 80 por Lestern

Brown, fundador do Worldwatch Institute, que definiu uma sociedade sustentável como

aquela que seja capaz de satisfazer suas necessidades sem diminuir as chances das

gerações futuras. Muitos anos depois, o relatório da Comissão Mundial Sobre o

Desenvolvimento e o Meio Ambiente, conhecido como Brundtland Report, usou a

mesma definição para apresentar a noção de desenvolvimento sustentável:

“A humanidade tem a habilidade de atingir o desenvolvimento sustentável, de

satisfazer suas necessidades presentes sem comprometer a habilidade das

gerações futuras em satisfazer suas próprias necessidades.”

Estas definições de sustentabilidade são exortações morais importantes. Elas

lembram-nos das nossas responsabilidades em passar aos nossos filhos e netos um

mundo com tantas oportunidades como aquele que herdamos. Entretanto, esta

definição não nos diz nada de como construir uma sociedade sustentável. O que

precisamos é uma definição operacional de sustentabilidade ambiental.

A chave para esta definição é a percepção de que nós não precisamos inventar

comunidades humanas sustentáveis partindo do zero, mas podemos modelá-las nos

ecossistemas naturais, os quais são comunidades sustentáveis de plantas, animais e

microorganismos. Como uma das características impressionantes da biosfera é sua

inerente capacidade de sustentar a vida, uma comunidade humana sustentável deve

ser projetada de tal modo que sua forma de vida, negócios, economia, estrutura física e

tecnologias não interfiram com a habilidade inerente da natureza em sustentar a vida.

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Ecoalfabetização e Ecodesign

Esta definição implica que o primeiro passo da nossa luta na construção de

comunidades sustentáveis deve ser a de tornarmos-nos “alfabetizados ecologicamente“

i.e., compreender os princípios organizativos que os ecossistemas têm desenvolvido

para sustentar a teia da vida. Nas décadas vindouras, a sobrevivência da humanidade

dependerá da nossa ecoalfabetização – nossa habilidade de compreender os princípios

básicos da ecologia e viver em conformidade com eles. Isso significa que alfabetização

ecológica deve tornar-se uma habilidade crítica para nossos políticos, líderes de

negócios e profissionais em todas as esferas – da escola elementar à universidade,

assim como da educação contínua e do treinamento de profissionais.

Precisamos ensinar aos nossos filhos os fatos fundamentais da vida – que as

sobras de uma espécie são o alimento de outra; que a matéria circula continuamente

através da teia da vida; que a energia que move os ciclos ecológicos vem do sol; que a

diversidade garante a resistência; que a vida, desde o seu primórdio há três bilhões de

anos não tomou este planeta pelo combate, mas pela cooperação em rede.

Todos esses princípios da ecologia estão intimamente relacionados. Eles são

aspectos diferentes de um singelo padrão fundamental de organização que tem

permitido à natureza sustentar a vida por bilhões de anos. A natureza sustenta a vida

criando e alimentando comunidades. Nenhum organismo pode existir no isolamento.

Animais dependem da fotossíntese das plantas para suas necessidades de energia; as

plantas dependem do dióxido de carbono produzido pelos animais como também do

nitrogênio colocado pelas bactérias em suas raízes; e juntos, plantas, animais e

microorganismos, regulam toda biosfera e mantêm as condições que conduzem à vida.

Sustentabilidade, então, não é uma propriedade individual, mas propriedade de

uma complexa rede de relações. Sempre envolve comunidades completas. Esta é uma

lição profunda que precisamos aprender com a natureza: a forma de sustentar a vida

conecta-se `a construção e `a manutenção de comunidades. Uma comunidade humana

sustentável interage com outras comunidades – humanas e não-humanas – de tal

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modo que as capacita a viver e a desenvolver-se de acordo com sua natureza.

Sustentabilidade não significa que as coisas não se alteram. É um processo dinâmico

de coevolução mais do que um estado estático.

No reino humano, sustentabilidade inclui o respeito pela integridade cultural e

o direito básico das comunidades de autodeterminação e auto-organização. Isto

significa que a sustentabilidade ecológica e a justiça econômica são interdependentes.

Dois lados de uma mesma moeda. Sustentação da vida significa reconhecer que

somos uma parte inseparável da teia da vida, das comunidades humanas e não

humanas e que ampliar a sustentabilidade e a dignidade de qualquer uma delas

ampliará todas as outras.

Ser ecologicamente alfabetizado significa compreender como esses valores e

princípios de organização estão interconectados. Este é o primeiro passo na estrada da

sustentabilidade. O segundo passo é um design ecológico. Precisamos aplicar nosso

conhecimento ecológico para uma fundamental reformulação de nossas tecnologias e

instituições sociais, de forma a cobrir a lacuna atual entre o design humano e os

sistemas naturais ecologicamente sustentáveis. Design, no seu sentido mais amplo,

consiste em formatar fluxo de energia e material para propósitos humanos . O design

ecológico é um processo pelo qual nossos propósitos humanos são cuidadosamente

mesclados com padrões e fluxos mais amplos do mundo natural. Os princípios do

design ecológico refletem os princípios de organização que a natureza criou para

sustentar a teia da vida. Para exercer projetos neste contexto é necessário uma

mudança fundamental em nossa atitude em relação à natureza, uma mudança sobre

como descobrir o que podemos extrair da natureza e o que podemos aprender com ela.

Em anos recentes tem havido um aumento dramático de atitudes e projetos

ecologicamente orientados, todos agora muito bem documentados. Nesta palestra

concentrar-me-ei em duas áreas - agricultura e energia, mas antes de fazê-lo direi

algumas palavras sobre desenvolvimento.

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Desenvolvimento Biológico

O conceito de desenvolvimento, como é aplicado hoje, tem dois significados.

Para os biólogos desenvolvimento é uma característica fundamental para toda a vida.

Sistemas vivos – organismos, ecossistemas ou sistemas sociais – desenvolvem-se,

crescem, amadurecem e criam novas formas e novos padrões de comportamento. As

ciências da vida também ensinam-nos que o desenvolvimento de um sistema vivo,

tipicamente inclui um período de rápido crescimento físico. Este é um período

pertinente a um organismo jovem. Nos ecossistemas esta é a fase inicial, caracterizada

pela expansão rápida e pela colonização do território. Este rápido crescimento é

sempre seguido por um crescimento mais lento, pela maturação, e, finalmente, pelo

declínio e decadência ou, nos ecossistemas, chamado de sucessão.

Quando estudamos a natureza; podemos ver muito claramente que

crescimento indefinido e irrestrito é insustentável. Por exemplo, há rápido crescimento

com células cancerosas, mas não se sustenta porque as células morrem quando o

organismo hospedeiro morre. Vemos que, embora crescimento seja uma característica

fundamental da vida, crescimento indefinido não é sustentável. Mas é importante notar

que mesmo sem expansão física, pode haver desenvolvimento porque pode haver

aprendizado e maturação ocorrendo sem crescimento físico.

Desenvolvimento Econômico

O segundo significado do desenvolvimento é aquele usado por economistas e

políticos, e é muito diferente. A primeira coisa que percebemos é o diferente uso

gramatical do verbo “desenvolver”. Nas ciências da vida é usado como um verbo

intransitivo: todos os sistemas vivos desenvolvem-se; organismos vivos desenvolvem-

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se; pessoas desenvolvem-se. Há um senso de desdobramento, de percepção do nosso

potencial.

Economistas, por contraste, usam o verbo “desenvolver” como verbo

transitivo”: “pessoas desenvolvem as coisas”. Há uma categoria completa de pessoas

de negócios que se proclamam desenvolvedores e saem por aí desenvolvendo coisas.

Desenvolvem propriedades - sítios, terras, edifícios, etc.

O conceito de Southern – sulista - ou desenvolvimento do terceiro mundo

apóia-se inconsistentemente entre esses dois significados. Primeiro, é um conceito

muito recente. Antes da segunda guerra mundial, ninguém teria pensado em

desenvolvimento como uma categoria econômica. Mas após a segunda guerra mundial

foi quase sempre usado num sentido transitivo. As pessoas sairiam e “desenvolveriam

o terceiro mundo “ sem qualquer percepção das relações de poder que estão

envolvidas nesta sentença, as quais mostram a mais extraordinária falta de respeito.

Pessoas com poder saindo por aí, para desenvolver outras pessoas.

O outro fenômeno extraordinário é a categorização do mundo inteiro numa

única dimensão. Países e pessoas são “desenvolvidos” ou eles estão “se

desenvolvendo “ ou eles são “subdesenvolvidos”. É exatamente como a tabela de uma

liga de futebol, com os países ricos figurando em primeiro, e antes de todos os

Estados Unidos, no topo, e os países pobres no final. Não é de espantar que 25% das

crianças americanas agora vivem abaixo da linha de pobreza; que os EUA gastam

mais em prisão do que em educação superior, e que é o único país industrial que tem a

pena de morte.

A gigantesca diversidade da existência humana agora esta concentrada numa

simples dimensão chamada “desenvolvimento” a qual é freqüentemente medida

simplesmente em receita per capita. É um conceito absolutamente assustador que

pessoas inteligentes, vivendo neste mundo espantosamente diverso, tenham permitido

que tal construto intelectual se tornasse tão poderoso.

Quando nós olhamos detalhadamente para o conceito de desenvolvimento

econômico, podemos observar três características básicas:

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1. Desenvolvimento é um conceito nortista. A tabela da liga – “desenvolvido /

em desenvolvimento / subdesenvolvido” - está arquitetado conforme um critério

nortista. Os países que são desenvolvidos são aqueles que adotaram o estilo de vida

industrial do norte. Assim, desenvolvimento é um conceito profundamente

monocultural. Ser um país em desenvolvimento significa obter sucesso nas suas

aspirações de se tornar como os do Norte.

2. Desenvolvimento significa desenvolvimento econômico. Não há outras

aspirações sociais ou valores culturais permitidos a entrar no caminho deste

desenvolvimento. Se puderem coexistir com o desenvolvimento, OK; se não puderem,

serão varridos.

3. O desenvolvimento econômico é um processo de cima para baixo,

descendente. Decisão e controle encontram-se firmemente na mão de especialistas,

administradores do capital internacional, burocratas de governos, do banco mundial, do

FMI, etc.

Em resumo, existem três características do desenvolvimento na forma como é

correntemente representada no palco mundial: é nortista, puramente econômico e

descendente.

Humanizando o Desenvolvimento do Mundo

Humanizar o desenvolvimento do mundo significa a introdução de valores da

dignidade humana e da sustentabilidade ecológica para dentro do processo de

desenvolvimento. Isto é o que os lideres da sociedade civil global tem proposto no

Fórum Social Mundial. A visão alternativa proposta por esta sociedade civil, ou

movimento de justiça global, vê o desenvolvimento como um processo criativo,

característico de toda vida, um processo de aumento de capacitação onde a coisa mais

importante que se precisa fazer é exercer controle sobre os recursos locais.

Nesta visão, o processo de desenvolvimento não é puramente um processo

econômico. É também um processo social, ecológico e ético – um processo

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multidimensional e sistêmico. Os atores primários do desenvolvimento são instituições

da sociedade civil, baseadas em parentescos, na vizinhança ou em interesses comuns.

Porque as pessoas são diferentes e os lugares onde vivem são diferentes, nós

podemos esperar que o desenvolvimento produza diversidade cultural de todos os

tipos. O processo por onde isso ocorrerá será muito diferente do atual sistema de

comércio global. Será baseado na mobilização de recursos locais para satisfazer

necessidades locais e será alimentado pela dignidade humana e pela sustentabilidade

ecológica.

Agora deixem-me retornar para a questão da sustentabilidade e do ecodesign

para discutir primeiro a agricultura e então energia.

A Biotecnologia na Agricultura

Na agricultura, uma coalizão em escala mundial de ONGs foi formada para

resistir a apressada e descuidada introdução de transgênicos e para promover a prática

de uma agricultura sustentável.

À medida que a lacuna entre os anúncios da indústria biotécnica e as

realidades da alimentação biotecnológica tornam-se ainda mais aparentes nos últimos

anos; a resistência contra os alimentos transgênicos cresceu e transformou-se num

movimento político mundial.

Os anúncios da biotecnologia desenham um novo, mundo no qual a agricultura

não mais dependerá de químicos e assim não mais danificará o meio ambiente. A

alimentação será a melhor e mais segura do que foi antes, a fome mundial

desaparecerá. Aqueles de nós que são ativistas ambientais por muitas décadas sentem

um forte pressentimento de dejá vu quando lêem ou escutam tais projeções otimistas,

mas totalmente insipiente do futuro. Nos relembramos vividamente que uma linguagem

similar foi usada pelas mesmas corporações agroquímicas quando elas promoveram

uma nova era de químicos para agricultura alardeada como “Revolução Verde “

décadas atrás.

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Desde aquela época, o lado escuro da agricultura tornou-se dolorosamente

evidente. Hoje é bem sabido que aquela revolução não ajudou nem agricultores, nem a

terra, nem consumidores. Os efeitos a longo prazo do uso excessivo da química na

agricultura têm sido um desastre para a saúde do solo e para a saúde humana, para as

nossa relações sociais e para todo ambiente natural sobre o qual nosso bem estar e

futura sobrevivência dependem.

Os proponentes da biotecnologia freqüentemente argumentam que as

sementes de transgênicos são cruciais para alimentar o mundo. Entretanto, as

agências de desenvolvimento sabem há muito tempo que as raízes da causa da fome

em volta do mundo não estão relacionadas com a produção de alimentos. Elas são

pobreza, desigualdade e falta de acesso a alimento e terra. Se essas causas

estruturais não forem abordadas, a fome persistirá pouco importando que tecnologia

será usada. Mesmo nos EUA hoje existem entre 20-30 milhões de pessoas mal

alimentadas!

A verdade simples é que a maioria das inovações relativas a alimentos

biotecnológicos tem sido orientada pelo lucro não pela necessidade . Por exemplo,

grãos de soja sofreram intervenção da engenharia da Monsanto para resistir

especificamente ao herbicida Roundup produzido pela própria empresa de forma a

aumentar as vendas daquele produto. A Monsanto também produziu sementes de

algodão contendo um gene de inseticida, objetivando aumentar dramaticamente as

vendas de semente. Tecnologias como estas aumentam a dependência dos

agricultores sobre produtos que são patenteados e protegidos por “direitos de

propriedade intelectual “, o que faz as velhas práticas da agricultura de reprodução,

estocagem e divisão de sementes uma prática ilegal.

Há fortes indicações que uso descontrolado de colheitas trangênicas não irá

apenas falhar na solução do problema da fome, mas, ao contrário, poderá perpetuá-la

e agravá-la. Se sementes trangênicas continuarem a ser desenvolvidas e manipuladas

exclusivamente por corporações privadas, agricultores pobres não poderão adquirí-las

e se a indústria biotécnica continuar a proteger seus produtos através de patentes que

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impeçam de estocar e comercializar sementes, os pobres se tornarão no futuro

dependentes e marginalizados.

Os riscos da atual biotecnologia na agricultura são uma conseqüência direta da

falta de uma perspectiva ecológica dentro da indústria biotécnica. Modificações

genéticas de colheitas são feitas com uma pressa inacreditável, e transgênicos são

plantados maciçamente sem testes apropriados de curto e longo prazo dos impactos

sobre os ecossistemas e sobre a saúde humana. Estas colheitas de transgênicos não

testadas e potencialmente perigosas espalham-se por todo planeta criando riscos

irreversíveis; infelizmente estes riscos são freqüentemente colocados de lado pelos

geneticistas cujo conhecimento e treinamento ecológico é mínimo.

Nas suas tentativas de patentear, explorar e monopolizar todos os aspectos da

biotecnologia, as grandes corporações agroquímicas t êm comprado semente e

empresas biotécnicas e têm se reestilizado como “corporações da ciência da vida”. As

fronteiras tradicionais entre as indústrias farmacêuticas, agroquímicas e

biotecnológicas estão desaparecendo rapidamente na medida que se fundem para

formar conglomerados gigantescos sob a bandeira da ciência da vida.

O que todas estas chamadas “corporações da ciência da vida” têm em comum

é o reduzido conhecimento da vida baseado numa crença errada que a natureza pode

estar sujeita ao controle humano. Ignoram a autogeração e a auto-organização

dinâmica, que é a essência da vida, e ao invés disso redefinem organismos vivos como

máquinas que podem ser manuseadas de fora, patenteadas e vendidas como recursos

industriais. Assim, a própria vida tornou-se a última commodity.

Em anos recentes, os problemas de saúde causados pela engenharia genética

assim como seus problemas sociais, ecológicos e éticos tornaram-se todos muito

aparentes, e há agora um movimento global crescente muito rápido que rejeita esta

forma de tecnologia.

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Uma Alternativa Ecológica

Felizmente há uma alternativa ecologicamente aprovada e muito bem

documentada para os transgênicos, nova, que está lentamente tomando conta da

agricultura mundial numa revolução silenciosa. É conhecida como “agricultura

orgânica”, ”agricultura sustentável” ou “agroecologia”. Quando os agricultores plantam

safras organicamente, eles usam tecnologia baseada no conhecimento ecológico e não

no químico ou na engenharia genética para aumentar seus campos, o controle das

pestes e promover fertilidade no solo.

Quando o solo é cultivado organicamente, seu conteúdo de carbono aumenta,

e assim a agricultura orgânica contribui para reduzir o aquecimento global. De fato,

tem-se estimado que aumentando o conteúdo de carbono nos solos empobrecidos do

planeta a níveis plausíveis absorveria quantidade de carbono equivalente àquelas

emitidas pelas atividades humanas.

O renascimento da agricultura orgânica é um fenômeno mundial. Agricultores

em mais de 130 países produzem atualmente alimento orgânico para comercializar; a

área total que está sendo trabalhada de forma sustentável é estimada em mais de sete

milhões de hectares e o mercado da alimento orgânico tem crescido numa estimativa

de U$ 22 bilhões ao ano.

Há evidência abundante que agricultura orgânica é uma alternativa ecológica

saudável à química e à tecnologia genética da indústria da agricultura. A agricultura

orgânica aumenta a produtividade de forma viável economicamente, socialmente e é

ambientalmente benigna.

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Energia Solar

Numa sociedade sustentável, todas as atividades humanas, assim como os

processos industriais devem utilizar energia solar exatamente como fazem os

ecossistemas. Em virtude do papel crítico que o carbono tem sobre as alterações

globais, fica evidente que o uso de combustíveis sólidos é insustentável a longo prazo.

Portanto, mudar para uma sociedade sustentável inclui mudar o modelo energético

baseado em combustíveis fóssil – principal fonte de energia da Era Industrial – para

energia solar.

O sol tem fornecido energia a este planeta por bilhões de anos; virtualmente

todas as formas de energia – madeira, carvão, petróleo, gás natura, vento,

hidroenergia, e assim por diante – são formas de energia solar. Entretanto, nem todas

são renováveis. No debate atual sobre energia, o termo “energia solar” é aplicado mais

especificamente para referir-se a formas de energia que vêm de fontes inesgotáveis ou

renováveis – a luz do sol para aquecimento solar e eletricidade fotovoltaica, vento e

hidroenergia e biomassa (matéria orgânica). A tecnologia solar mais eficiente envolve

equipamentos pequenos a serem usados pelas comunidades locais e que geram uma

ampla variedade de postos de trabalho. Portanto, o uso da energia solar reduz a

poluição ao mesmo tempo em que aumenta a demanda de trabalho. Não obstante, a

mudança para energia solar beneficiará especificamente as pessoas que vivem no Sul,

onde a luz solar é abundante.

Nas décadas anteriores, depositava-se muita esperança que energia nuclear

pudesse ser o combustível ideal para substituir o carvão e o óleo, mas logo tornou-se

aparente que ela trazia enormes riscos e custos e que não era uma solução viável. Os

riscos começam com a contaminação das pessoas e do meio-ambiente com

substâncias radioativas causadoras de câncer, durante todos os estágios do ciclo deste

combustível. Juntando-se a isso, há a emissão inevitável de radiação em acidentes

nucleares e mesmo durante operações rotineiras de manutenção dos equipamentos;

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há o insolúvel problema de segurança na estocagem do resíduo do material radioativo;

na ameaça de terrorismo nuclear e a possibilidade de perda de direitos civis básicos

numa “economia totalitária do plutônio”

Todos estes riscos combinados aumentam o custo de operação de estações de

geração de energia nuclear a um nível que as tornam altamente não-competitivas.

Hoje, a energia nuclear é a fonte energética de menor crescimento, caindo para um

mero percentual de crescimento em 1996, sem nenhuma perspectiva de

melhoramento. De acordo com o jornal inglês The Economist “Nenhuma estação de

geração de energia nuclear no mundo tem mais sentido comercial”.

A energia solar, por oposição, é o setor que mais cresce desde a última

década. O uso de células solares (i.e. células fotovoltaicas que convertem a luz solar

em eletricidade) cresceu perto de 17% ao ano nos anos 90. Uma estimativa mostra que

mais de meio milhão de lares no mundo, a maioria em vilarejos remotos que não estão

ligados à energia elétrica, agora obtém energia de células solares. A recente invenção

de telhas solares no Japão promete levar uma nova explosão na eletricidade

fotovoltaica. Estas placas-telhas são capazes de transformar os telhados em pequenas

estações geradoras de energia e que muito provavelmente revolucionarão a geração

de energia.

A utilização de energia eólica tem crescido ainda mais espetacularmente.

Durante a década de 90 cresceu perto de 24% e em 2001 a capacidade de geração de

energia eólica cresceu espantosamente para próximo a 31%. Desde 1995 esta energia

cresceu mais de cinco vezes enquanto o carvão diminuiu 8%. A energia eólica tem

estabilidade de preços a longo-prazo e independência energética. Não há OPEP para

os ventos, porque eles se espalham.

A capacidade total de geração de energia eólica no mundo é agora de 23.000

megawatts, o suficiente para satisfazer as necessidade de eletricidade de 23 milhões

de pessoas, quase dois terços da população do Canadá. Nas próximas décadas a

Europa sozinha planeja aumentar em três vezes este valor. Mesmo com este dramático

crescimento, a aplicação da energia eólica está ainda no começo.

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Outra fonte valiosa de energia e especialmente de combustível líquido é a

biomassa, em particular o álcool destilado de grãos ou frutas. O problema é embora

seja uma fonte renovável, o solo onde cresce não o é. Podemos certamente esperar

produções significativas de álcool de certas safras, mas um programa em grande

escala para isso, seguramente destruiria o solo com a mesma velocidade que estamos

agora destruindo outros recursos naturais.

Entretanto, a boa notícia é que na agricultura e no reflorestamento sempre se

produz sobra, a grande maioria pode ser coletada e convertida em energia. Por

exemplo, uma simples estação de colheitas no estado de Nebraska nos Estados

Unidos produz uma quantidade de grão de baixa qualidade que não pode ser

comercializado. Tal “resíduo” poderia produzir etanol suficiente para movimentar 10%

dos carros do estado por um ano e ainda mantendo a atual disponibilidade de eficiência

energética. Com carros igualmente eficientes, as sobras das plantações nos campos

da França ou Dinamarca movimentariam a metade da frota daqueles países por um

ano. Outras sobras da agricultura – e.g. cascas, sementes de frutas, óleos vegetais

não digeríveis, restos de algodão, etc – poderiam ser usados igualmente. Tudo isso

junto, esta riqueza oriunda da agricultura e do tratamento das florestas, poderiam,

provavelmente, fornecer combustível líquido de forma sustentável para o setor de

transporte.

Estes exemplos, aos quais outros tantos poderiam se somar, ensinam-nos

duas lições. O primeiro é que um programa eficiente de energia renovável deve ser

diversificado e adaptado ás condições locais. Sempre terá que ser uma combinação de

fontes locais de energia renovável – energia solar, eólica, biomassa, hidroenergia, etc.

A segunda lição é que mesmo a melhor combinação possível entre as fontes

de energias renováveis não será suficiente a não ser que usemo-las de maneira

eficiente. Reforço novamente que os recentes desenvolvimentos no campo da

conservação de energia têm sido extremamente encorajadores. Os projetistas

ambientais acreditam que uma impressionante redução de 90% hoje na energia e nos

materiais é possível apenas com a tecnologia existente sem causar nenhuma redução

no padrão de vida. A razão para esta possibilidade realista de tal dramático aumento na

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produtividade das fontes assenta-se na ineficiência concentrada e no desperdício que

são características da maioria dos projetos industriais atuais.

Conclusão.

As práticas sustentáveis que eu mencionei em dois setores – energia e

agricultura – são apenas alguns exemplos da revolução do ecodesign que está agora

ocorrendo. Suas novas tecnologias e práticas incorporam princípios básicos de

ecologia e, portanto, têm características em comum. Elas tendem a ser pequenas, com

muita diversidade, eficientes energeticamente, não poluentes, orientadas para a

comunidade, intensivas com relação ao trabalho e geradoras de empregos.

As tecnologias agora disponíveis fornecem fortes evidências que a transição

para um futuro sustentável não é mais um problema técnico ou conceitual. É um

problema de valores e desejo político.

Para concluir, deixem-me dizer algumas poucas palavras sobre o papel que o

Brasil está ocupando no mundo hoje. Como vocês sabem, o Estado do Rio Grande do

Sul recepcionou os três primeiros encontros do Fórum Social Mundial. O Presidente

Lula participou de todos os três encontros, o último em janeiro de 2003, logo após a

sua posse.

Desde o primeiro Fórum Social Mundial, o PT tem tido relações estreitas com a

sociedade civil global e estas ainda persistem hoje. O governo Lula contratou muitos

ativistas de ONGs brasileiras para trabalhar em seus ministérios. Somando-se a isso,

o Presidente Lula trouxe para seu governo, brasileiros, pessoas das mais diversas

culturas, muitas etnias e muitas tradições.

Hoje, o Brasil é o único grande país do planeta, no qual o governo coopera com

a sociedade civil e com os negócios. Em particular, o governo Lula criou uma estrutura

governamental através da qual a sociedade civil pode dar seu input em todos os níveis

do governo. Esta forma de parceria entre governo e sociedade civil não existe em

nenhuma outra parte do mundo.

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Naturalmente, a cooperação entre estes três centros de poder no mundo

contemporâneo – governo, negócio e sociedade civil – nem sempre é fácil, em função

dos conflitos de valores entre os grandes negócios e a sociedade civil. Não obstante, o

Brasil está mostrando ao mundo um novo modelo de governo. Agrega-se a isso, o

Brasil também está muito participativo nas relações diplomáticas internacionais para

ajudar a mudar as regras da globalização econômica. Portanto, o que testemunhamos

hoje é o surgimento de um novo Brasil o qual, das mais diversas formas, pode torna-se

um modelo para o mundo.