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CAPOEIRA: UM POUCO DA HISTÓRIA E DOS DESAFIOS NO BRASIL E EM SUZANO 1

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Page 1: Capoeira: um pouCo da história e dos desafios no Brasil e ......O terceiro capítulo revela um pouco o jogo da capoeira; a composição da bateria na roda de ca-poeira; os instrumentos

Capoeira: um pouCo da história e dos desafios no Brasil e em suzano

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Capoeira: um pouCo da história e dos desafios no Brasil e em suzano

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Capoeira: um pouCo da história e dos desafios no Brasil e em suzano

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CAPOEIRAUm pouco da história e dos desafios no Brasil e em Suzano

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Capoeira: um pouCo da história e dos desafios no Brasil e em suzano

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Capoeira: um pouCo da história e dos desafios no Brasil e em suzano

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Do processo deconstrução do livro

A história da capoeira é marcada por vários episódios que acompanham a história do Brasil pós século 18, com o início da imigração dos africanos. Eles foram utilizados como mercado-ria no período escravagista, que está diretamente associado à expansão da produção agrícola no País, já que as lavouras de café e de cana de açúcar e, em menor grau, a mineração, utilizaram mão de obra escrava.

Este modelo de produção impôs aos escravos uma série de privações, que resultaram em atos de resistência, com a formação de quilombos– esconderijos dos escravos fugidos, onde eles também celebravam a vida e a liberdade. Para celebrar a vida, eles usavam a espiritualidade ri-tualizada, como forma de preservação das raízes culturais e do conhecimento, transmitidos oral-mente. Por meio de histórias, eram revelados aos jovens os costumes, as práticas diárias e a impor-tância de manter viva a historicidade da África, exercitando a memória. Era a única forma de re-gistro possível naquele cenário de sobrevivência.

Apenas recentemente a história da capoei-ra passou a contar com uma produção textual, com pesquisadores se debruçando sobre o tema. Mas o assunto ainda não recebe a mesma aten-ção dada a outros aspectos da história brasileira. Há lacunas como imprecisões de datas, a origem fenomenológica da capoeira e, principalmente, biografias sobre os precursores desta arte.

Ainda hoje há questionamentos sobre a capo-eira, se ela se trata de uma linguagem, uma mani-festação cultural, uma dança, um esporte ou uma luta marcial. Acrescenta-se a tudo isso o fato de estar associada á prática de ordem ritoespiritual, difundida especialmente pela matriz africana.

Todos esses aspectos podem ser considerados como o universo da capoeira e neles está inserida a riqueza intrínseca de uma atividade essencial-

mente humana e praticada por um povo.Para este livro, foram entrevistados oito mes-

tres de capoeira, um professor, uma instrutora e uma gestora de projeto que atuam em Suzano, ci-dade da região do Alto Tietê, um dos 39 municí-pios que compõem a região Metropolitana de São Paulo. Todos compartilharam seu conhecimento sobre a história da capoeira, o início da prática da arte, o entendimento sobre os fundamentos e como a ensinam para centenas de crianças, jovens e adultos, sendo assim a principal fonte de informação para a elaboração do conteúdo. Ainda foram pesquisados sites ligados a grupos e confederações, que permitiram criar um fio con-dutor sobre a capoeira e as suas nuances.

Durante os meses de entrevistas, foi possível observar o quanto a capoeira pode transformar a vida de seus praticantes, principalmente quando tratada como forma de transmissão de conhe-cimento, valores humanos e o sentimento de pertencimento de um povo, de uma nação. No universo da capoeira está contida a identidade cultural e artística de um povo.

Foram mais de 40 horas de entrevistas e conversas gravadas, e meses de pesquisa em di-ferentes fontes sobre o tema, na tentativa criar uma narrativa única, levando em consideração essas fontes e principalmente os depoimentos dos mestres que trazem a capoeira viva e repleta de símbolos e significados. Assim, lançamos um olhar sobre a história da capoeira em Suzano, que não se encerra com este livro – nem temos a pretensão de fazê-lo. A capoeira possui várias nuances e interpretações, por sua natureza cul-tural multifacetada, que revela as alteridades que somente a vivência torna possível compreendê-la na sua plenitude e diversidade.

Este livro está dividido em duas partes, com sete capítulos. O primeiro traz as origens da ca-poeira, as perseguições, o uso político dos capo-eiristas e a resistência cultural pós-escravatura. Já o segundo capítulo é dedicado aos dois principais estilos da capoeira, a “angola”, que é considerada

por muitos como a capoeira raiz, e a “regional” criada nos anos de 1930.

O terceiro capítulo revela um pouco o jogo da capoeira; a composição da bateria na roda de ca-poeira; os instrumentos utilizados, com uma breve descrição de cada um deles, os toques do berimbau; e a importância da música no jogo da capoeira, com e-xemplos de letras das ladainhas e cantigas.

A aprendizagem da capoeira é o tema do quar-to capítulo do livro, em que são abordados os cordões, o período de formação, os movimentos e golpes utilizados, com descrição dos principais.

A segunda parte do livro é dedicada exclu-sivamente à capoeira em Suzano, com três ca-pítulos. O quinto capítulo revela a trajetória e dificuldades enfrentadas pelos mestres para a organização da capoeira na cidade. O sexto capí-tulo traz a importância da capoeira na formação de crianças e jovens em parceria com instituições e escolas na cidade. E por fim, o sétimo capítulo apresenta os mestres e a linhagem na formação de cada um deles.

O livro possui ainda anexos, com a crono-logia da capoeira, com os principais episódios durante os 300 anos da sua existência no Brasil; uma linha do tempo da capoeira em Suzano; o marco legal da capoeira; e a lista das academias de capoeira na cidade.

Esperamos ter dado o pontapé para o estudo da capoeira em Suzano e na região do Alto Tietê, já que esta obra tem como objetivo ser apoio no processo de formação em escolas do município. Pode ser utilizada como material pedagógico a ser explorado, discutido e ampliado pelos profes-sores, mestres e capoeiristas, tanto na formação da capoeira como nas disciplinas com olhar para a diversidade e manifestações culturais, manten-do viva a expressão da capoeira com autêntica e reveladora da identidade do povo brasileiro.

Boa leitura!

Mauro Bonfim – Habilits Consultoria

AgradecimentosA realização deste trabalho de pesquisa so-

bre a capoeira em Suzano coincidiu com a nos-sa chegada à cidade, que nos recebeu de forma acolhedora, onde pudemos conhecer outra for-ma de convivência. Assim fizemos novas ami-zades, principalmente com os participantes do processo da pesquisa, o pessoal da Secretaria Municipal de Cultura e os mestres de capoeira do município, que nos receberam em suas aca-demias durante esse processo de trabalho cola-borativo.

Somos especialmente gratos a:Geraldo Garippo, pelo convite para realiza-

ção dessa empreitada, que foi um grande desa-fio para todos nós na elaboração desse material;

Valter Passarinho, que nos apresentou a possibilidade de realizar um trabalho de cunho cultural de relevância para a cidade;

Walmir Pinto, que no primeiro dia que che-gamos à cidade nos convidou para conhecer os espaços culturais e a programação, o que signifi-cou para nós o cartão de visitas de Suzano;

Iberê Rodrigues, que sempre nos recebeu muito bem e contribuiu com a pesquisa.

Aos mestres de capoeira:Mestre Quim, por nos ajudar com as con-

versas inspiradoras sobre a capoeira, além dos depoimentos sobre a sua vida, suas impressões

e visões sobre o futuro da capoeira;Mestre Yuna, pela revelação de outra verten-

te da capoeira e a contribuição com diálogos re-cheados de muito conhecimento e informações;

Mestre Chico, por nos apresentar o proces-so de construção do principal instrumento da capoeira, o berimbau, além da acolhida à nossa equipe de forma simpática e hospitaleira;

Mestre João D’Barro, por nos mostrar os caminhos da organização da capoeira na cida-de de Suzano e a suas possibilidades na vida da cidade;

Mestre Leão, por sua simplicidade na trans-missão de como a capoeira pode contribuir na transformação social;

Mestre Morcego, por revelar a sua história na capoeira e nos receber de forma hospitaleira em sua residência;

Mestre Faísca, que nos fez compreender a importância da capoeira na formação da crian-ça, bem como as diferentes fases e tradições des-ta manifestação cultural;

Mestre Amaro, que mesmo com uma agen-da atribulada, nos concedeu uma entrevista por e-mail e de grande utilidade;

Instrutora Alice, por revelar a visão da mu-lher na capoeira e contribuir de forma muito simpática com as suas percepções acerca dos rumos da capoeira;

Professor Camaleão, por permitir o acom-panhamento da sua aula com crianças do pro--jeto e contribuir de forma significativa para

compreensão da importância da capoeira na vida dos adolescentes;

Leonice Ferreira, que revelou a visão de uma instituição social que trabalha com a capoeira como elemento de transformação social.

Aos colaboradores da Habilit’s que atuaram no projeto em diferentes etapas:

Simone Ciraque, na coordenação da primei-ra etapa da pesquisa, com a realização das entre-vistas e na seleção dos trechos de depoimentos;

Janaina Silva, organizadora do material de pesquisa;

Camila Brazão, pelo intenso trabalho de leitura e tematização das entrevistas transcritas;

Thais Saraiva, na realização do copydesk nas entrevistas para elaboração do caderno de depoimentos;

A nossa parceira Mocinha Soares, pelo in-tenso trabalho de transcrição das entrevistas;

Ao pessoal da Secretaria Municipal de Co-municação Social, que contribuiu para a publi-cação final do material;

A Claudia Lima, da Secretaria Municipal de Cultura, no prestativo trabalho de agendamen-to das reuniões e conversas ao longo de todo o trabalho de elaboração do projeto;

Aos alunos das academias de capoeira, que nos receberam sempre com carinho e que con-tinuarão a levar adiante a riqueza desta manifes-tação cultural pelos próximos tempos.

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PARTE 1: As oRigEns dA cAPoEiRA

capítulo i - Uma breve história da capoeira1. Uma breve história........................................................................10

capítulo ii - A capoeira Angola e capoeira Regional2.1.Capoeira Angola .........................................................................122.2.Capoeira Regional ......................................................................14

capítulo iii - o jogo da capoeira 3.Composição e hierarquia na roda de capoeira ..........................153.1. As regras nas competições ........................................................163.2. Instrumentos musicais ..............................................................163.3. Breve descrição dos toques de berimbau ...............................173.4. A música na capoeira ................................................................18

capítulo iV - Aprendendo a capoeira4.O significado dos cordões .............................................................254.1. Os movimentos e golpes na capoeira ......................................26

Em 2008, a Prefeitura de Suzano foi con-templada com o “Prêmio Culturas Populares – Mestre Duda 100 Anos de Frevo”, pela tercei-ra edição do projeto “Roda de Todos os San-tos”, evento de valorização da cultura popular. O projeto suzanense concorreu, por meio de edital, com 800 trabalhos culturais de todo o Brasil, e ficou entre as 260 iniciativas seleciona-das. Destas, 23 eram do Estado de São Paulo, e apenas Suzano e outras duas cidades foram con-templadas como iniciativas públicas.

Como premiação, a administração munici-pal recebeu uma verba de R$ 10 mil do Minis-tério da Cultura (MinC), que foi investida na elaboração deste livro, “Capoeira: um pouco da história e dos desafios no Brasil e em Suzano”. Houve um intenso trabalho de pesquisa e de entrevistas, realizado pela Habilits Consultoria, que culminou nesta publicação on-line.

A utilização da verba do prêmio para fazer

Valorização da cultura popular e afro-brasileiraum resgate da capoeira no Brasil e em Suzano foi uma escolha justificada pela valorização de culturas que estão entre as mais belas do mun-do, mas que infelizmente ainda são muito pou-co reconhecidas em nosso país. São elas a cultu-ra popular e a cultura afro-brasileira.

Neste sentido, esta publicação se soma a di-versos outros projetos com este caráter que rea-lizamos ao longo de nossas duas gestões à frente da Prefeitura de Suzano, como a “Roda de To-dos os Santos”, que apresentou o talento, a ca-pacidade e a vocação de cada um destes grupos de cultura popular existentes em nosso municí-pio, e as atividades em comemoração ao Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novem-bro, feriado municipal por nós instituído. Uma das ações que comprovam o nosso comprome-timento com estas culturas foi a construção do Pavilhão da Cultura Afro-brasileira Zumbi dos Palmares, no Parque Municipal Max Feffer, que

desde 2009 recebe exposições, shows, encon-tros e outras atividades voltadas à valorização da população negra e afrodescendente de nosso município.

Este livro on-line permitirá o registro e a perpetuação de parte do patrimônio imaterial do município, pois as manifestações culturais de um povo não podem ser medidas somente a partir de cálculos quantitativos. De nada adian-ta uma obra material se estes espaços não forem ocupados pelas pessoas.

Esperamos que esta publicação seja trans-formada num instrumento de divulgação des-tas ricas culturas existente em Suzano, e que seja capaz de levar às novas gerações um olhar de diversidade, respeito e orgulho da cultura afro--brasileira.

MARcElo cAndidoPrefeito de suzano

PARTE 2:dEsAfios E conqUisTAs dA cAPoEiRA EM sUzAno

capítulo V - A capoeira em suzano........................................345.1. A organização da capoeira em Suzano....................................355.2. A ação do poder público............................................................35

capítulo Vi - A capoeira na formação de crianças e adolescentes6.A capoeira e a educação não formal ............................................36

capítulo Vii - os mestres e a linhagem 7.1.Os mestres de capoeira de Suzano ...........................................387.2.Linhagem dos mestres de Suzano ............................................40

considerações finais ....................................................................41

Bibliografia consultada ...............................................................42

Anexo I - A evolução histórica da capoeira no Brasil Anexo II - Linha do tempo da capoeira em SuzanoAnexo III - Os marcos legais na capoeira

Sumário

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Parte IAs origens da Capoeira

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1. Uma breve história... A capoeira1, segundo uma das versões histó-

ricas, nasceu com os negros africanos trazidos ao Brasil nos navios negreiros, em meados do século 16. O Brasil recebeu negros de várias re-giões da África. Muitos angolanos vieram tra-balhar como escravos. Um grande número de africanos foi enviado para a Bahia, para traba-lhar de forma escrava nas fazendas de cana de açúcar, de café e, mais tarde, nas mineradoras. A mesma situação foi vivenciada por praticamen-te todos os escravos trazidos ao Brasil, indepen--dentemente da região do País para a qual fo-ram enviados.

Não aceitando sua condição de escravos e sendo maltratados, os negros então descobri-ram que, para se libertarem e não serem mais explorados, teriam de resistir e lutar. Eles se lembraram de uma dança N’Angolo, uma dança folclórica do sul de Angola.

Nesta dança, os guerreiros lutavam entre si ao som dos tambores para disputar a mulher de sua preferência que tivesse atingido a idade para se casar. Os movimentos são inspirados nos coi-ces das lutas das zebras e representam um ritual de transição, em que as jovens adolescentes pas-sam a ser reconhecidas como mulheres perante a comunidade. Observando o comportamento dos animais da fauna brasileira, como cobras, lagartos e a onça, os negros criaram novos mo-vimentos e foram incorporando-os à sua luta.

Em virtude dos trabalhos forçados, os escra-vos desenvolveram força física que favorecia a realização destes movimentos. Os treinamentos

Capítulo I

Uma breve história da capoeira

tinham de ser longe dos olhos dos capitães do mato2 (ou feitores) e distantes das senzalas3 . Eles se dirigiam, então, às “capoeiras”, que sig-nifica mato ralo ou rasteiro na língua tupi-gua-rani. Daí surgiu o nome do jogo, que mais tarde passou a ser uma forma de luta.

Nos raros momentos de folga nas senzalas, os negros procuravam festejar, dançar, cantar, cultuar os seus orixás4 e praticar o jogo da ca-poeira, que com o passar do tempo recebia a influência dos movimentos da dança e dos ri-tuais africanos, e da música como marcação do ritmo para a realização dos movimentos, trans-formando a capoeira num conjunto de mani-festações culturais. Desta forma, os escravos conseguiam camuflar a prática da capoeira da vigilância dos capitães do mato, que viam nela uma simples dança vinda da África. Porém, quando os capitães se afastavam, os negros in-tensificavam o jogo e exercitavam a luta.

A partir de 1640, alguns negros começaram a fugir das fazendas em que trabalhavam. No início, as fugas eram de forma desordenada: os escravos entravam nas matas em busca de luga-res seguros, mas alguns eram capturados pelos capitães do mato, que os castigavam com açoi-tes5 . Com o tempo, os negros passaram a se or-ganizar em quilombos6 , locais em sua maioria de difícil acesso para feitores. O quilombo mais conhecido do Brasil era e ainda é o Quilombo dos Palmares, que fica em Penedo, no estado de Alagoas. Seu líder foi o lendário Zumbi dos Pal-mares7.

Depois de fugas e mortes, os escravos “capo-eiras” foram enviados, em 1870, para os campos de batalha da guerra do Paraguai, sob a justi-

ficativa de que possuíam habilidade e astúcia adquiridas com a prática da capoeira. Eles tor-naram-se soldados e os que sobreviviam à luta voltavam vitoriosos e idolatrados, mas ainda escravos. Anos após o retorno dos campos de batalhas surgiram as maltas (SOARES. 1994), formadas por grupos de capoeiristas que se jun-tavam para soltar outros negros das fazendas, criando um clima de instabilidade entre a classe política e os fazendeiros escravagistas8.

Em 1888, após pressões de setores da socie-dade contrários ao modelo escravagista, final-mente é abolida a escravidão no Brasil, com a assinatura da Lei Áurea, pela princesa Izabel. O Brasil foi o último país ocidental a acabar com a escravidão.

Após o fim da escravidão, os negros começa-ram a enfrentar outros problemas, como a falta de trabalho, de moradia e de recursos para so-breviverem nas cidades. Passaram, então, a usar a capoeira como forma de sobrevivência, com apresentações públicas, apostas e desafios.

A classe política logo percebeu a força e a ri-validade contida na capoeira e passou a recrutar remanescentes das maltas para promover de-sordens, destruir comícios e reuniões políticas e até mesmo atacar políticos de partidos opos-tos. Teriam, inclusive, a anuência da polícia, que também se servia dessa mercantilização da violência para combater a própria capoeira com a justificativa de que a sua prática aumentava a violência nas cidades.

No ano seguinte, um decreto de 14 de de-zembro de 1890 proibia qualquer pessoa de pra-ticar a capoeira. Se a pessoa fosse vista jogando capoeira, era presa e enviada para a Ilha de Trin-

dade (atual Fernando de Noronha), onde per-manecia de dois a seis meses reclusa, fazendo trabalhos forçados.

Depois de décadas de muitos preconceitos, em 1941, o então presidente Getúlio Vargas de-terminou que a capoeira se tornasse um espor-te. Assim, ela foi reconhecida pela Confedera-ção Brasileira de Pugilismo, com a criação do Departamento Nacional de Luta Brasileira (Ca-poeiragem), que foi o embrião da Confederação Brasileira de Capoeira. Este foi o primeiro reco-nhecimento desportivo oficial da modalidade.

No século 20 apareceram os dois maiores ex-poentes da capoeira: Mestre Bimba (Manoel dos Reis Machado), que fundou em 1937 o Centro de Cultura Física e Luta Regional, a conhecida capoeira Regional (que utiliza os fundamentos da Capoeira Angola, mas com elementos das lutas marciais); e o Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha) que criou em 1952, o Cen-tro Esportivo de Capoeira Angola, considerada a mais antiga capoeira surgida com os negros escravizados.

A capoeira se disseminou principalmente nas cidades de Salvador, na Bahia; em Recife, Pernambuco; e na cidade do Rio de Janeiro, ca-pital do estado fluminense. Durante as décadas seguintes, as marcas de perseguição e margina-lização do jogo de capoeira persistiram, mesmo com a formalização da capoeira como esporte, como podemos verificar no relato de Mestre Morcego (2009):

Acho que a capoeira herdou até hoje esse lado meio marginaliza-do. Hoje já melhorou muito, mas na década de 1970, na década de 1980, quando chegasse o policial e [você] falasse que era capoeirista, você até apanhava mais. A capoei-ra conseguiu quase entrar na elite [esportiva], mas ainda você pode

ver que o esporte de elite até hoje é o judô, e mesmo o jiu-jítsu, que é bem mais violento que a capoeira, é da elite. E a capoeira ainda continua sendo mais povão. Tem muita gen-te da elite fazendo capoeira, mas é bem menos que outro esporte.

Após três séculos de perseguição contra os seus praticantes, a capoeira foi reconhecida como patrimônio cultural brasileiro, pelo Ins-tituto de Patrimônio Histórico e Artístico Na-cional (Iphan), em março de 2008, em sessão solene no Palácio Rio Branco, em Salvador, ca-pital do Estado da Bahia, considerado o berço da capoeira no Brasil.

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1 Existe uma discussão quanto à origem da capoeira: se teria vindo com os escravos ou nascido de fato com eles já no Bra-sil. Segundo João Grande, discípulo de Mestre Pastinha, que presenciou a dança de N’Angolo em Dakar em 1966, alguns movimentos da capoeira são exatamente os mesmos do ritual africano: negativa, meia lua de frente, meia lua de costas, cabeçada, rabo de arraia etc. Entretanto, segundo Waldeloir Rego, tudo leva a crer que a capoeira seja uma invenção dos africanos no Brasil, desenvolvida por seus descendentes afrobrasileiros, tendo em vista uma série de fatores colhidos em documentos escritos e, sobretudo, no convívio e diálogo constante com capoeiras antigos da Bahia.2 O capitão do mato era, na origem, um empregado público da última categoria, encarregado de reprimir os pequenos delitos ocorridos no campo. Na sociedade escravocrata do Brasil, sua tarefa principal ficou a de capturar os escravos fugitivos.3 Senzalas eram grandes galpões próximos à casa grande, que abrigavam a família do fazendeiro. Nas senzalas, os negros dormiam, festejavam e até mesmo sofriam alguns castigos.4 Orixás são divindades da cultura africana, que exercem o papel de proteger os homens.5 Açoite significa chibatada.6 Quilombo significa fortaleza, acampamento, esconderijo, aldeia. É palavra originaria do povo bantu, uma das culturas africanas.7 Estrategista habilidoso, instituiu a capoeira no adestramen-to de seus homens. O Quilombo de Palmares foi destruído em 1694, pelo bandeirante paulista Domingos Jorge Velho. Zumbi conseguiu escapar vivo, mas tempos depois foi traído. Preso, foi decapitado e sua cabeça viajou quilômetros para assustar e intimidar os negros.8 Segundo Soares (1994), a malta era a forma associativa de resistência mais comum entre escravos e homens livres pobres no Rio de Janeiro, na segunda metade do século XIX. Neste período, as maltas de capoeiras já se encontravam bas-tante sofisticadas, geograficamente abarcando não apenas as igrejas – marco de referência da cidade colonial – mas igual-mente seus bairros. Os pontos de reunião das maltas eram escolas, praças, ruas e corredores. Os cronistas desta época reiteravam a rivalidade simbólica das duas maltas com seus emblemas, cores, signos, como expressão dessa luta pelo espaço urbano; e deste embate político das ruas utilizavam, inclusive, expressões marcadamente políticas de partidos: os nagôs ou nagoas - gente da nação nagô, da costa da África Ocidental. O branco era a cor dessa malta. As evidências apontam que os nagoas teriam relação com os africanos e baianos, seguidores da religião dos orixás. Já os guaiamus seriam uma tradição nativa, crioula, natural da terra, ligada aos escravos nascidos no Brasil.

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Capítulo II

A capoeira Angola e capoeira Regional(Uma só capoeira e dois estilos9)

1. A capoeira Angola

É considerada a primeira forma de jogar a capoeira que se tem conhecimento, desde o período da escravidão. Tem como característi-cas ser jogada de forma mais lenta e maliciosa, com as mãos apoiadas no chão, e uma maior aproximação com o oponente, alternando mo-vimentos lentos e rápidos. Ela é apresentada pelos mestres como uma maneira de manter a ancestralidade viva entre os seus praticantes. É chamada de capoeira-mãe, por trazer na sua es-sência a historicidade dos períodos em que os negros estavam sob o julgo da escravidão.

Durante muito tempo, possivelmente, ela re-presentou essa relação mais espiritualizada do praticante com as suas origens, o que pode ser verificado na devoção e respeito com o qual os mestres se referem a ela. Mestre Pastinha é o seu maior defensor e divulgador. Apesar de não ter sistematizado a capoeira Angola de forma cien-tífica, o fez por meio de escritos em prosa e ver-so, buscando transmitir o essencial da capoeira Angola aos seus seguidores.

A capoeira Angola é estruturada em rituais de aprendizado. Diferentemente da Regional, ela trabalha a malícia e a dissimulação como formas de aprendizado, tornando o jogo mais complicado para o oponente, tão ou mais peri-goso quanto a capoeira Regional.

Pelo fato de ser jogada em curta distância, os movimentos possuem grande plasticidade, com sequências de golpes e contragolpes. Para que

o jogo seja perfeito e eficiente, os capoeiristas devem estar com os movimentos em sintonia, não havendo o contato entre os oponentes, ao menos nos golpes de desequilíbrio, e sempre no ritmo do berimbau, como jogavam os antigos angoleiros.

A transmissão do conhecimento passa de geração para geração, e a sua codificação per-manece quase que inalterada ao longo do tem-po. As orientações acerca do jogo, as regras, os golpes, os ritos e, sobretudo, a essência da ancestralidade, são facilmente verificáveis nas falas dos mestres, o que potencializa a capoei-ra Angola como uma forma original de jogar e interagir com a história de resistência e luta enfrentada pelos negros escravizados daquele tempo. Conforme relata Mestre Chico:

Angola é uma capoeira de raiz, foi a primeira. Porque os escravos trabalhavam na senzala, no perí-odo de descanso eles praticavam a “capoeiragem”, com a finalidade de se defender dos capatazes que lhes vigiavam. Então, naquele mato baixinho, jogavam mais próximo do chão. A capoeira Angola não tem agressividade, é uma capoeira limpa, bonita e mais resistente. Eu acho a capoeira Angola mais ma-liciosa.

O jogo da capoeira Angola também possui variações em relação ao ritmo, mas por utilizar-

-se de movimentos próximos ao chão. É rea--lizada de forma mais lenta, dando a ela uma sincronia maior entre os jogadores, como se estivessem dançando.

O fato de não existir roupas nem cordões dá à capoeira Angola um caráter mais simples, po-rém não menos complexo na execução dos mo-vimentos. Assim como explica Mestre Faísca:

A capoeira Angola pode se jogada em vários ritmos, mas ela é mais conhecida por se jogada de forma lenta. Ela tem uma forma de ser jogada, tem o jogo de dentro e o jogo de fora e isso é normal dentro da capoeira Angola. Só que os gol-pes são da cintura para baixo. Não se usa cordão, nem roupa especifi-ca. Na capoeira Angola, a bateria é [formada por] dois berimbaus, dois pandeiros, um atabaque e um agogô.

A ancestralidade e a alteridade são os pontos que os mestres apontam como fundamentais na capoeira Angola, revelados por meio das ladai-nhas de como era a vida dos negros no período da escravidão, o que reforça a importância dessa tradição como de identidade histórica. Afirma Mestre João D’Barro:

Eu vejo a capoeira Angola como um caminho de você resgatar tudo aquilo que o escravo, que o negro

passou. Através da Angola você consegue imaginar tudo o que aconteceu lá na senzala, no cativei-ro, quando o negro estava lá preso, amarrado, acorrentado. Só na ca-poeira Angola consegue imaginar isso. Dá para você ter uma sensa-ção através da música, através do toque, através dos sentimentos do capoeirista que joga Angola.

Na forma como é jogada, a Angola revela a importância do bom condicionamento físico do praticante. Por essa característica, de ser um jogo de chão, pode ser praticada por pessoas de várias faixas etárias, garante a Instrutora Alice:

A capoeira Angola é um jogo mais de chão, jogo de mandinga. A pes-soa, quanto mais leve ela for, mais fácil para ela fazer os movimentos, porque é um jogo rasteiro. Às vezes a pessoa faz o movimento em pé, mas já volta para o chão, porque [é] lá que o jogo acontece.

A alternância na forma de jogar a Angola aparece, na visão dos mestres, como um dos pontos fortes, pois a lentidão a torna imprevi-sível: quando menos se espera, surge um golpe que pode atingir o oponente. Disse Mestre Leão:

A Angola é uma capoeira muito de malandragem, baixa. Angola foi baseada em movimentos de ani-mais, como da serpente. Penso que é uma capoeira pesada, apesar de ser baixa, ela é uma capoeira que começa sem agressividade para de-pois ficar agressiva e, se precisar, são utilizados movimentos rápidos para dar dinâmica ao jogo.

Complementa o Professor Camaleão:

A capoeira Angola é um pouco mais cadenciada. Tem gente que diz que a capoeira Angola se joga no chão, é uma capoeira que tem bastante mandinga, bastante malícia. O que vem a ser mandinga? É aquela coi-sa de você fazer que vai, mas não vai, de você enganar o oponente.

A formação do angoleiro permite trabalhar os golpes de forma mais defensiva. No entanto esta característica não a deixa menos letal, pois os movimentos atuam no contragolpe. Afirma Mestre Morcego:

A capoeira Angola é mais defesa que ataque, pois antigamente os outros lutadores não conseguiam bater no capoeirista de Angola, ele fugia de todos os movimentos.

A simplicidade de golpes na capoeira Ango-la revela como ela é complexa, pois a sequência de movimentos e a astúcia do jogador podem definir um jogo. Revela Mestre Quim:

A capoeira Angola é a capoeira pri-mitiva, que só tinha rasteira, uma cabeçada, um rabo de arraia, o cara rolava para lá, rolava para cá, [era] cheia de malícia.

A capoeira Angola traz, de forma mais acen-tuada, a ancestralidade dos povos africanos. Seus ritos estão mais presentes nos jogadores de Angola. Isso demonstra o fato de que ela é considerada, por muitos mestres, uma forma de capoeira primitiva. Conta Mestre Yuna:

Os mestres de capoeira Angola, na maioria,

usam um fio de conta, fazem louvação não só a Deus, mas ao santo que mais têm fé, que mais têm apego, a Santo Expedito, a São Jorge, a San-ta Catarina, seja qual for. E, dentro da mitologia dos orixás africanos, quem responde é Ogum, Oxossi, Oxum, Iansã, os orixás guerreiros, Xan-gô. Então, existe, sim, essa sincronia religiosa com a capoeira.

Quem foiMestre Pastinha

Vicente Ferreira Pastinha, o Mestre Pasti-nha, nasceu em 1889. Foi o principal precursor da capoeira Angola, estilo mais tradicional de capo-eira. Era um mestre muito respeitado, sendo lem-brado até hoje por quem o conhecia e também por seus admiradores capoeiristas. Fundou a primeira academia de capoeira Angola, no Pelourinho, em Salvador (BA).

Procurou, ao longo da vida, deixar um legado da importância da aprendizagem da capoeira An-gola com uma forma de evolução humana. Mestre Pastinha viajou para Dakar, na África, para des-cobrir as origens da capoeira, mas voltou de lá sem nenhum indício ou vestígio de uma possível capoeira primitiva. Morreu em 1981, esquecido e pobre, após anos de dedicação à construção de uma capoeira que tinha com valor principal a espi-ritualidade e o respeito ao próximo.

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9 O pesquisador Ângelo Decanio Filho traz no livro “A Herança de Mestre Bimba” que o mestre Pastinha considera a capoei-ra Regional como sendo uma modalidade de capoeira, e que o manuscrito de Caribé diz que a capoeira é uma só e que cada mestre possui o seu estilo.

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2. A capoeira Regional

O jogo de capoeira passa por transformações e adequações na virada do século 20, quando ganha novos adeptos. Com eles são inseridas novas formas de realizar golpes e movimen-tos. O responsável por essas mudanças foi Mestre Bimba, apelido do capoeirista Manoel dos Reis Machado, que criou uma nova forma de jogar a capoeira, conhecida como capoeira Regional da Bahia.

O estilo da capoeira Regional tem como ca-racterísticas os movimentos rápidos, exigindo bastante força, com movimentos acrobáticos, tendo mais golpes de ataque do que de defesa. Diferentemente da capoeira Angola, os jogado-res ficam mais distantes uns dos outros.

Há influência de outras lutas, praticadas principalmente no Japão, como as artes mar-ciais (kung-fu e caratê) e a luta olímpica greco--romana, praticada na Europa e nos Estados Unidos, além das danças brasileiras, o que am-pliou a maneira de se jogar a capoeira.

A composição da bateria na capoeira Re-gional foi alterada com a retirada do ataba-que, instrumento associado normalmente ao candomblé, restando um berimbau e dois pandeiros (um de cada lado do berimbau), acompanhados pelas palmas compassadas dos participantes da roda.

No início, essas mudanças causaram muitas críticas e descontentamento entre os praticantes da capoeira Angola, que temiam a perda da tra-dição e dos códigos de conduta para sua prática, o que é comum em situações de mudanças ou inserção de novos conceitos. Conforme relatos, o objetivo do Mestre Bimba era popularizar a capoeira e levá-la para todas as classes sociais, gêneros e faixas etárias, abrindo as portas para a capoeira ser aceita socialmente.

Essa constatação fica evidenciada na ma-

neira pela qual os mestres se referem à capo-eira Regional, atribuindo ao Mestre Bimba essa evolução no jogo da capoeira. Eles reco-nhecem a sua importância para que a capoeira continuasse viva e presente entre os praticantes que identificaram na Regional uma forma de aprimorar os aspectos da capoeira enquanto uma forma de luta.

Porém, em nenhum momento qualificam ou quantificam qual das duas formas de jogar a capoeira seria a melhor. Apenas ressaltam os desafios que tanto uma quanto a outra impõem aos seus praticantes.

As transformações impostas pelo Mestre Bimba com a fusão de outras lutas possibilitou uma nova maneira de jogar a capoeira. A influ-ência de seu pai foi determinante para a criação da capoeira Regional, como pode ser verificado no depoimento de Mestre Chico:

O Mestre Bimba era angoleiro, ele fazia muitas lutas marciais, fazia vale-tudo e outras lutas como jiu--jítsu. O pai dele já lutava, era campeão de vale-tudo [luta greco--romana], e ele fazia também capo-eira Angola. Só que ele achou me-lhor fazer uma capoeira do estilo dele, juntar aquela Angola que ele já sabia com as lutas marciais e das outras lutas incluídas na capoeira, para fazer uma capoeira alta. Foi de onde saiu à capoeira Regional da Bahia.

As regras impostas aos praticantes da ca-poeira Regional visavam transformá-la num esporte distanciado dos elementos rituais carac-terísticos da capoeira Angola. Essas mudanças irritaram as capoeiras mais tradicionais, conta Mestre Faísca:

A capoeira Regional só usa bran-co, não pode ter outra cor. Usa um berimbau médio e dois pandei-ros para evidenciar o lado esporte e não a religião, por isso o Mestre Bimba não colocou o atabaque na formação da bateria musical.

Diferentemente da capoeira Angola, a regio-nal é jogada mais em pé, com movimentos mais acrobáticos e de maior velocidade. Para isso, os jogadores têm de manter uma distância maior do oponente, o que exige mais condicionamen-to físico. Afirma Mestre João D’Barro:

A capoeira Regional usa muito vo-lume de jogo, que é aquela quan-tidade de movimento, um após o outro, para causar aquele impacto em quem a está assistindo, exigindo muita ginga, que tenha um movi-mento de ataque e uma resposta de defesa – seja exatamente em con-dição de você responder com outro golpe. [...] É basicamente uma ca-poeira de movimentos em pé, com aquela ginga compassada, com velocidade e movimentos de muita plasticidade.

A transformação do jogo de capoeira pelo Mestre Bimba possibilitou a inserção da modali-dade em competições de lutas marciais, fazendo com que ganhasse mais adeptos. Houve críticas dos mestres mais tradicionais à inserção de ou-tras modalidades de luta ao jogo da capoeira.

Quem foiMestre Bimba

Manuel dos Reis Machado, o Mestre Bimba, foi o precursor da capoeira regional. Nascido em 1900, foi o idealizador do estilo, inserindo elementos de outras lutas. Teve a primeira academia de capoeira regularizada no Brasil e exigia de seus alunos iniciantes a rea-lização de exercícios de musculação, para que pudessem adaptar o corpo a este novo estilo, além de aumentar a resistência para a prática. Mestre Bimba buscou sistematizar a capoeira. Viajou para outros países, fez palestras e aulas abertas, aproximou a capoeira do governo e do mundo acadêmico tornando-a uma modali-dade esportiva. Morreu em 1974.

Capítulo III

O jogo da capoeira

3. Composição e hierarquia na rodade capoeira

A capoeira é composta por elementos como a roda; os instrumentos musicais; as músicas e ladainhas; a ginga; e o jogo da capoeira. Os par-ticipantes da roda se revezam em todos estes elementos. Portanto, para se tornar um capoei-rista, é preciso aprender todos os fundamentos da capoeira: tocar os instrumentos que com-põem a bateria10 , cantar e jogar capoeira.

O jogo da capoeira é feito dentro de um cír-culo de aproximadamente dois metros e meio de raio, onde ficam os capoeiristas que cantam e tocam. Num círculo menor, de um metro de raio, ficam os dois jogadores que jogam a capo-eira. Os participantes vão se revezando nos dois círculos. Não há distinção entre o mestre, que é a maior autoridade na roda, e os formados ou iniciantes. No entanto, quando é dado o toque de Yuna11 , por tradição só é permitido aos mes-tres e formados jogarem a capoeira. Nos demais toques, todos jogam contra todos.

Para começar o jogo, um integrante da bate-ria entoa uma cantiga12 e é acompanhado pelos demais participantes da roda. Os dois jogadores se posicionam de cócoras, na boca da roda, em frente à bateria. Ao toque do berimbau, iniciam o jogo. O berimbau, além de ser o principal instrumento dentro da capoeira, é considerado uma autoridade na roda, pois ele é quem deter-mina a hora da entrada e saída dos oponentes.

Quando um capoeirista quer sair do jogo,

ele dá a mão ao adversário, que tem de tomar cuidado, pois pode ser uma armadilha para um golpe de ataque-surpresa. Os dois juntos se ben-zem13 e saem da roda.

Para outro capoeirista entrar no jogo, en-quanto ainda há jogadores dentro da roda ele deve “comprar” o jogo, postando-se de cócoras na boca da roda, em frente ao adversário com quem ele quer lutar, esperando a melhor opor-tunidade para interromper o jogo.

Ele dá as mãos para o jogador com quem ele pretende jogar e os dois iniciam um novo jogo. A exceção ocorre quando dois mestres estão jo-gando: ninguém pode interromper; eles é que decidem quando querem parar ou passar o jogo para outro mestre ou formado.

É fundamental que o capoeirista formado saiba tocar todos os instrumentos e cantar as

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10 A composição da bateria atualmente é diferente nos dois estilos de capoeira. Na Angola, ela é composta pelo berim-bau, atabaque, pandeiro, agogô e caxixi. Já na capoeira Re-gional os instrumentos são berimbau, caxixi e pandeiro. A quantidade de berimbaus utilizados depende da disponibilida-de dos instrumentos, mas tem de haver pelo menos um para o jogo acontecer (ver mais no capítulo sobre instrumentos).11 O Toque de Yuna tem características específicas dentro da capoeira, que somente os formados podem jogá-lo (ver capítulo sobre toque de capoeira).12 Ladainhas são músicas cantadas no início de um jogo de capoeira.13 Momento em que os oponentes manifestam por gestos a sua religião ou crença. Alguns fazem o sinal da cruz; outros, os gestos das religiões de matriz africana. O ato de se ben-zer antes ou depois do jogo de capoeira fica a critério dos jogadores e é mais comum entre os jogadores de capoeira Angola.

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músicas da roda de capoeira, para que todos possam participar do jogo. Quando um capo-eirista que compõe a bateria de instrumentos quiser jogar, ele deve esperar uma oportunidade para fazer a troca de tocador. Não se pode tro-car de tocador quando um jogo já foi iniciado. A roda de capoeira geralmente é encerrada com cânticos de despedida.

Na capoeira Angola, o jogador inicia a can-tiga, que normalmente traz um desafio ou pro-vocação ao adversário, que responde cantando outra ladainha.

Por alguns períodos, a capoeira ficou um pouco esquecida, principalmente o estilo Ango-la. Ela ressurgiu com a ascensão da capoeira Re-gional, que trazia elementos mais atuais. Tam-bém cresceu com a aceitação de que a capoeira é uma prática esportiva sem pré-requisitos de raça, credo e religião.

3.1. As regras nascompetições

As competições da capoeira14 se dividem em quatro modalidades: individuais, duplas, con-junto ou por equipes. A definição dos combates é feita de acordo com as categorias, determina-das pelas faixas de peso e gênero. Esse princípio segue a orientação da Organização Mundial de Saúde (OMS). Já os golpes são classificados em três grupos: os livres, os permitidos sob contro-le e os proibidos.

Nas decisões de conjunto ou duplas, o vencedor é escolhido pelo número de pontos. Nas individuais e por equipes, por pontos, de-sistência, desclassificação e desqualificação. A contagem dos pontos cabe aos jurados. Eles são em número de três para as competições individuais e por equipe, e de cinco para as de

conjunto e duplas.Para a contagem de pontos nas competições

individuais e por equipes, eles observam os se-guintes itens: técnica, defesa, habilidade para anular, desviar ou atenuar os efeitos dos golpes, eficiência, toque (colocação perfeita dos golpes livres e permitidos sob controle), fuga e falta. Nas competições em duplas, contam pontos a técnica, a defesa, a eficiência, a objetividade e a resistência. Nas de conjunto, a aplicação de gol-pes, a vestimenta, o ritual, o ritmo, os toques e os cânticos. Tanto o árbitro como os jurados se subordinam ao diretor de combate.

3.2. Instrumentosmusicais

Os instrumentos15 que compõem a bateria de uma roda de capoeira são muito importan-tes. São eles que dão ritmo ao jogo da capoeira, assim como as ladainhas16 e os cânticos. O prin-cipal instrumento da capoeira é o berimbau. A roda ainda é composta pelo pandeiro, o ataba-que e o agogô.

BerimbauO berimbau é um instrumento de percussão

de origem africana, usado tradicionalmente na

capoeira para marcar o ritmo do jogo. No Brasil, também é conhecido por vários outros nomes como: rucungo, urucurgo, urucungo, oricungo, ricungo, berimbau de barriga, gobo, marimbau, bucumbumba, bucumbunga, gunga, macungo, matungo, mutungo, aricongo, arco musical uri-cungo, rucungo e rucumbo. No sul de Moçam-bique, este instrumento tradicional tem o nome de xitende. Em Angola, é chamado hungu ou m’bolumbumba. O berimbau era usado antiga-mente por vendedores ambulantes para atrair fregueses. No início, a capoeira era acompanha-da somente por palmas e toques de tambores, posteriormente foi introduzido o berimbau, que só se ligou à capoeira no século 20.

O berimbau é constituído de um arco feito de uma vara de madeira e um fio de aço (ara-me) preso nas extremidades da vara. Em uma das extremidades do arco é fixada uma cabaça, que funciona como uma caixa de ressonância. O tocador de berimbau utiliza uma pedra ou moeda (dobrão), a vareta e o caxixi para produ-zir os sons do berimbau.

A presença do berimbau na capoeira tem como motivos a sua importância para o desen-volvimento do jogo da capoeira, pois é consi-derada uma autoridade dentro da roda. Alguns estudiosos afirmam que o berimbau foi inspi-rado no arco de caça. Outros já acreditam ser o contrário, o berimbau é que originou o arco de caça. Há ainda os que afirmam que as invenções têm origens totalmente diferentes e indepen-dentes.

Na África, o arco musical é encontrado em várias regiões, podendo ser visto nas tribos de Uganda, pigmeus do Congo, em Angola e ou-tras regiões, sendo usado tradicionalmente nas manifestações culturais.

Por possuir essa importância para os prati-cantes da capoeira, o berimbau é um símbolo de resistência. Está associado à capoeira des-de seu surgimento, no período da escravidão,

como forma de comunicação entre os escravos para avisar a aproximação dos capitães do mato à roda e por suas possibilidades sonoras como o principal instrumento da roda. Tanto é que uma roda não pode ser iniciada sem um berimbau, pois é ele que dá o ritmo do jogo.

Há três berimbaus na capoeira. São eles: viola ou violinha, gunga ou berra-boi e médio. A viola ou violinha toca a maioria das impro-visações dentro do ritmo. É o menor berimbau entre os três tipos. Possui uma haste. A cabaça, por ser menor, produz um som mais agudo. O berimbau gunga ou berra-boi é o de tamanho maior e com som mais grave. Faz a marcação do toque e do ritmo e rege a roda de capoeira. Já o berimbau médio complementa o gunga com variações tonais, principalmente no toque de São Bento Pequeno.

3.3. Breve descriçãodos toques de berimbau

Os toques de berimbau17, juntamente aos demais instrumentos da bateria, são utilizados para acompanhar a cantigas ou ladainhas ento-adas na roda de capoeira, determinando o esti-lo do jogo: se mais lento (capoeira Angola) ou mais acelerado (capoeira Regional).

O toque de Angola, assim como o toque de são Bento Pequeno, é frequentemente usado para acompanhar o canto da ladainha e o can-to de entrada, podendo também acompanhar o canto corrido, quando os dois capoeiristas vão jogar lentamente.

O toque de são Bento grande, criado pelo Mestre Bimba, é muito importante, pois acom-panha qualquer tipo de jogo, além de ser ideal para o acompanhamento dos toques corridos.

O toque de são Bento grande de Angola é utilizado no jogo de Angola. É tocado com o be-rimbau viola, fazendo repiques. Seria o mesmo

que capoeiragem no tempo dos escravos.O toque de são Bento Pequeno é um inter-

mediário entre o toque de Angola e o Toque de São Bento Grande.

O toque de Yuna, executado com o berim-bau viola, é o toque ritual, pois só é admitida sua execução quando dois capoeiristas experientes, geralmente mestres, vão jogar, exigindo uma perfeita coordenação dos movimentos, o que só é adquirido depois de muitos anos na prática da capoeiragem.

O toque de benguela era usado para acom-panhar o “jogo de faca”, hoje extinto. Era um jogo de capoeira em que um ou dois capoeiris-tas empunhavam uma faca, lutavam ou simula-vam uma briga entre si.

O toque de cavalaria é um toque de avi-so, e não para ser usado em jogo de capoeira. Na época da escravidão, era usada para avisar aos negros capoeiristas a chegada do feitor. Na República, quando a capoeira foi proibida, os capoeiristas usavam a Cavalaria para avisar da chegada da polícia montada, ou seja, a cavalaria.

O toque de samba de Angola só é usado para a execução do samba de roda e do samba duro. No samba de roda, enquanto os instrumentos tocam, o povo dançam à maneira dos africanos, aos pares ou em grupo. No samba duro, que só é permitido para homens. Enquanto eles sam-bam, são aplicadas rasteiras entre eles.

O toque de santa Maria (capoeira Regional) ou toque de põe a laranja no tico-tico (capoeira Angola) é um dos toques mais bonitos do be-rimbau. O tocador precisa desenvolver uma es-cala de notas e retornar ao começo dela, o que dá ao ritmo uma característica muito diferente dos demais toques da capoeira, em especial da capoeira regional.

O toque samango (ou samanto) era utiliza-do para mostrar que existia a aproximação de pessoas ao local onde havia jogo de capoeira e levava a velocidade das passadas, aumentando

com a aproximação.O toque Amazonas (ou jogo de dentro) é

um toque festivo, usado para saudar mestres visitantes de outros lugares e seus respectivos alunos. É usado em batizados e encontros.

Os toques de santa Maria, Amazonas e Sa-mango são usados, de preferência, em cantos corridos.

caxixiÉ um pequeno cesto

com sementes. Tem in-fluências africanas e dos indígenas brasileiros em sua construção. Usado com o berimbau, dá um segundo momento no

ritmo da baqueta no fio de aço.O caxixi, como instrumento acessório do

berimbau, segundo a maioria dos estudiosos, é um acréscimo brasileiro. Tradicionalmente, é de ocorrência restrita, estando presente na música religiosa dos candomblés, especial-mente nos grupos de matriz linguística banta e na capoeira.

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14 As regras dos eventos e campeonatos podem sofrer alguns alterações ou ajustes conforme cada organização realizadora, mas em linhas gerais elas obedecem a esse formato.15 ADescrição baseada em informações do site http://www.capoeiradobrasil.com.br/jogo.htm, acessado em 15 de abril de 2011 e revisitado em 20 de abril de 2012.16 As ladainhas são as músicas cantadas nas rodas de capoei-ra. Trazem conteúdos sobre a vida dos negros nas senzalas.17 Baseado no site http://360graus.terra.com.br/geral/default.asp?did=2059&action=geral, acessado em 13 de abril de 2012.

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PandeiroDe origem asiática, o

pandeiro tem forma arre-dondada e é feito de couro de cabra e aro de madeira,

cujo retesamento ocorre por aquecimento pró-ximo ao fogo. A percussão é feita com a mão. Era usado pelos portugueses, em Portugal e no Brasil, em procissões. Depois, passou a ser usa-do em várias manifestações musicais. Na roda de capoeira, a batida no pandeiro, com floreios, acompanha o som do caxixi. O som cadenciado do pandeiro acompanha o som do berimbau, dando “molejo” ao som da roda. Também é chamado de mulungu ou panda.

Atabaque O atabaque atende aos

usos mais diversos, indo da prática do candomblé até as festas públicas. No âmbito sagrado, o atabaque está devidamente inclu-ído no sistema sociorre-

-liogioso do candomblé, no qual não é só um instrumento musical. Ele ocupa papel de uma divindade, por isso é sacralizado, alimentado e vestido. Possui nome próprio e apenas os sacer-dotes e pessoas importantes para a comunidade podem tocá-lo e usá-lo nos rituais. Nesse espa-ço religioso, está sempre em três: o maior, rum; o médio, romper; e o menor, rumle, respectiva-mente de registro grave, médio e agudo.

Fora do âmbito sagrado, passa a valer pelos resultados sonoros, marcando, na maioria dos casos, a base rítmica dos conjuntos. É indispen-sável nas várias modalidades de samba, capo-eira, afoxé, jongo, carimbó, principalmente na roda de capoeira.

Conhecido nacionalmente, é um dos instru-mentos mais populares do Brasil. Chamado de

tabaque e batacupé na Bahia e, genericamente, de tambor.

Reco-recoInstrumento idio-

fone, em que o som é obtido por fricção. Ge-ralmente é confecciona-

do com bambu, com sulcos e haste de madeira. O mesmo que pulê. Pode ser chamado de casaca, ca-tacá e raspador. Outra forma de reco-reco é o ganzá, presente no coco de zambé e em outras modalida-des de coco, tanto dançado como de embolada, sus-tentando o ritmo com o bater de palmas.

O reco-reco parece ter origem africana, pois é encontrado em várias manifestações culturais afrobrasileiras.

AgogôO agogô é um ins-

trumento origem afri-cana, formado por duas campânulas (extremi-dades cônicas alargadas dos instrumentos de

sopro) de ferro batido ou cromado, comple-mentado com uma vareta do mesmo material, uma baqueta de madeira ou uma chave de boca como material precursor. É usado na formação de conjuntos, como os da música candomblé; na estrutura dos grupos de samba; e na macro-formação da bateria das escolas de samba.

Também faz parte da bateria da roda de ca-poeira, assumindo a função de ser um contra-ponto rítmico aos berimbaus e ao atabaque.

Dos instrumentos idiofones, o agogô é o de maior ocorrência e abrangência na geografia da música afrobrasileira. Marca as linhas rítmicas que guiam outros músicos do conjunto é e encontrado também em toda a costa oeste do continente afri-cano. Tradicionalmente é tocado por lideranças e mestres. Do ioruba, agogô significa sino.

3.4. A música nacapoeira

No período da escravidão, a música era utili-zada como forma de camuflar a prática da capo-eira, pois em meio à cantoria e à dança, parecia que se tratava de mera manifestação da cultura dos escravos, e não a prática de uma luta.

Assim, o jogo de capoeira sempre contou com a presença da música na sua realização. Foram desenvolvidos cânticos, utilizados até os tempos atuais. Há quatro formas de cântico:

A chula é uma cantiga curta, normalmente feita de improviso, que faz apresentação ou in-trodução para as demais músicas da roda. Nor-malmente faz uma louvação aos seus mestres, às suas origens ou à cidade em que nasceu ou está no momento. Pode ainda fazer culto a fatos his-tóricos, culturais ou lendas que digam respeito à roda de capoeira, com a participação do coro.

O corrido é uma cantiga que acelera o ritmo para que o jogo de capoeira comece. É cantada com a participação do coro, que repete os versos do cantador. As letras podem ser baseadas nas cenas da vida cotidiana, de um passado históri-co ou simplesmente da imaginação do cantador, ou ainda retiradas de outros estilos de cantigas (quadra, ladainha, chula ou mesmo corrido) O corrido é cantado nos toques de São Bento Grande, cavalaria, Amazonas e São Bento Pe-queno, sempre em ritmo mais acelerado.

Dentre as cantigas, quadra é a que possui es-trofes curtas, de apenas quatro versos simples. Traz como conteúdo fatos históricos ou figuras importantes da capoeira, para chamar a atenção dos jogadores; trazer aspectos da cultura, como causos ou lendas; ou mesmo brincar com as ca-racterísticas de jogadores da roda. Normalmen-te as quadras terminam com uma chamada ao coro, que pode ser: “Camaradinha, camará, vol-

ta do mundo, aruandê, iê... êêê”, dentre outros.Por fim, há a ladainha, que tem como carac-

terística o ritmo lento, sofrido, que se assemelha a uma oração ou reza em cultos ou celebrações de louvor. Os conteúdos buscam revelar os as-pectos da vida, os ensinamentos dos antepassa-dos, e são construídos em versos entremeados por refrão e repetidos pelo coro.

Os mestres mais ligados à tradição não per-mitem o jogo da capoeira neste momento em que são entoadas as ladainhas, pois acreditam que os presentes devam prestar atenção ao con-teúdo das letras, que podem chamar qualquer um para o desafio.

As ladainhas ou cânticos18 , como são co-nhecidas as músicas da capoeira, acompanham o jogo e, tradicionalmente, são cantadas por um mestre, o mais velho ou mais considerado, ou por alguém que o mestre indicar para entoá-las.

Exemplo de ladainha:

Riachão tava cantandoNa cidade de AçuQuando apareceu um negoDa espécie de urubuTinha casaca de solaE a calça de couro cruBeiços grossos redobradosDa grossura de um chineloTinha um olho encarnadoO outro bastante amareloEle convidou RiachãoPara cantar o marteloRiachão arrespondeuEu aqui não tô cantandoCom nego desconhecido Ele pode ser cativoE andar aqui fugido...

Ao final da ladainha, dando sequência ao jogo, vem o “canto de entrada”. O mais cantado

é “Água de Beber”:

Água de BeberIê água de beber, camará (coro)Iê, AruandêIê, Aruandê, camará (coro)Iê, viva meu DeusIê, viva meu Deus, camará (coro)Iê, viva meu mestreIê, viva meu mestre, camará (coro)Iê, que me ensinouIê, que me ensinou camará (coro)Iê, a malandragemIê, a malandragem, camará (coro)Iê, da capoeiraIê, da capoeira, camará (coro)Iê dá a volta ao mundoIê dá a volta ao mundo, camará… (coro)

O último verso é o sinal para que os dois ca-poeiristas se benzam e entrem na roda.

Música: Yi!Eu vou ler o B-A-BáB-A-Bá do berimbaua moeda e o aramecom dois pedaços de paua cabaça e o caxixiaí está o berimbauBerimbau é um instrumentoque toca numa corda sóvai tocar São Bento Grandetoca Angola em tom maioragora acabei de crero berimbau é o maiorCamaradinhoYê, viva meu DeusYê, viva meus Deus camarado...Yê!São quatro coisas no mundoque ao homem consome

uma casa pingandoum cavalo chotãouma mulher ciumentaum menino chorãoTudo isso ele dá um jeitoa casa ele retelhao cavalo negoceiao menino acalentamulher ciumentacai na peiaYê, viva a BahiaYê, viva a Bahia camaradoYê!Lá no céu tem três estrelastodas as três em carririnhauma é minha, a outra é suaa outra vai ficar sozinhaCamaradinhaYê, viva meu mestreYê, viva meu mestre camaradoYê! Bahia, minha Bahiacapital do Salvadorquem não conhece esta capoeiranão lhe dá o seu valortodos podem aprenderGeneral e também quem é Doutorquem desejar aprendervenha a Salvadorprocure Pastinhaele é professorCamaradinhoYê, viva meu Deus

__________________________________________________

18 Há uma distinção entre as ladainhas e os cânticos ou can-ções. As ladainhas normalmente trazem um conteúdo maior, repleto de narrativas e de maior fundo histórico. Já os cân-ticos ou canções abordam personalidades e o cotidiano, e se utilizam de estrofes ou versos mais curtos que contêm refrão, que podem ser acompanhados pelos jogadores da roda, inclusive com palmas ritmadas.

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Yê, viva meu Deus camaradoYê! Menino quem te matou? Foi a língua meu senhoreu te dava conselhopensava ser ruime eu sempre te dizendoinveja matou Caim. CamaradinhoYê, viva a BahiaYê, viva a Bahia camaradoYêHê... Cicade de Assunçãocapital do Itamaratyé engano das naçõesdas sepulturas do BrasilPastinha já foi à Áfricapra mostrar a capoeira do BrasilCamaradinhoYê, viva PastinhaYê, viva Pastinha camaradoYêA Bahia é terra boatem de tudo pra se vertem gostoso acarajétem abará e tem dendêe tem a capoeira Angolapara nós nos defenderCamaradinhoYê, viva a capoeiraYê, viva a capoeira camarado

CânticosApanha a laranja no chão, Tico-TicoApanha a laranja no chão, tico-ticose meu amor for embora eu não ficoapanha com a mão, com o pé ou com o bicosua saia é de renda ou de bico(Coro) apanha a laranja no chão tico-ticoJogo de dentro... jogo de fora

é o jogo de Angolavalha-me Deus e Nossa Senhora(Coro) Jogo de dentro... jogo de foraTabaréu que vem do sertãoVendo quiabo, maxixe e limãoele vende quiabo, maxixe e limão(Coro) Tabaréu que vem do sertãoEu sou AngoleiroAngoleiro é o que eu souAngoleiro de valorAngoleiro de SalvadorAngoleiro, sim, senhormeu mestre me ensinou(Coro) eu sou angoleiro

dona Maria, como Vai Você?Vai você, vai vocêDona Maria, como vai vocêJoga bonito que meu mestre quer verJoga de novo que eu quero aprender(Coro) Dona Maria, como vai vocêSai, sai, Catarina Saia do mar, venha ver IdalinaOi, Catarina, venha ver(Coro) Sai, sai, CatarinaDona Maria do ComboatáChega na venda e manda botá(Coro) Dona Maria do ComboatáOi, tu que é molequeMoleque é tu(Coro) Moleque é tuOlha o nome do pau(Coro) é pindobéJogo de dentro, jogo de foraJogo bonito este jogo de Angola(Coro) Jogo de dentro, jogo de foraTira de lá, bota cá Tira daqui, bota ali(Coro) Idalina

A BenguelaA benguela chamou pra jogar

(Coro) A benguela chamou pra jogar capoeira Tudo começou assimHoje eu tenho que lembrarDe Maria Martinha do BonfimLuiz Candido MachadoQue eram os pais de Mestre BimbaManoel do Reis Machado(Coro) Em mil novecentos, este fato aconteceuEm vinte três de novembroO Mestre Bimba nasceu(Coro) Bimba assim diziaTocando seu berimbauSentado no velho bancoEnsinando a regional(Coro) Nos dias de formaturaEra obrigado a jogarO São Bento GrandeE o Toque de YunaA benguela não podia sujar(Coro) Em cinco de fevereiroDo ano de setenta e quatroEsta tristeza aconteceuNa cidade de GoiâniaMestre Bimba faleceu

navio negreiroO navio ancorou no caisTrazendo tanto sofrimentoNegros de Angola, negros de GuinéAi, meu Deus, quanto lamento(Coro) Foi arrancado de sua família, sem saber nem o porquêO negro se perguntava o que eu fiz pra merecerTanta dor, tanta maldade, não me deram chance de escolherArrancaram minha liberdade, pai Oxalá, onde anda você?(Coro) Acordava antes do sol, ia direto pra lidaSem água, sem pão, sem dó, aquilo não era vidaÀ tardinha voltava do canavial, só trazia ódio e dorAinda ia pro tronco sentir o chicote do feitor

(Coro) Negro sentia saudade da África tão amadaOnde ele era rei, tinha vida respeitadaCaçava, corria as matas, tomava banho de rioCultuava os orixás, não sentia fome nem frio (Coro) Um dia negro cansou de tamanha hu-milhaçãoFugiu correndo pro mato, sem rumo, sem di-reçãoAssim nasceu o quilombo, o começo da vitóriaConstruída com suor, sangue, magia e glória

capoeira é uma dançaPrepare o espírito e o coraçãoPorque a capoeira, e a nossa união.E uma luta que pode matarE uma dança que baila meu corpo pra láe pra cá, eu falei capoeira, aia...Ê... Capoeira, aia E uma dança que baila meu corpo pra láe pra cá, eu falei capoeira, aia...Ê... Capoeira, aia...

quem Vem láQuem vem lá sou eu, quem vem lá sou euBerimbau bateu, capoeira sou eu (Bis)Eu venho de longe, venho de TabunaJogo capoeira, meu nome é Suassuna (Coro)E sou eu, sou euQuem vem láMais sou eu quem vem vindoQuem vem láE montado a cavaloQuem vem láE fumando um charutoQuem vem lá

canarinho da AlemanhaCanarinho da Alemanha que mato meu curióNa roda de capoeira, Mestre Bimba é o maior ê...(Coro) Eu jogo capoeira, quero ver quem é me-

lhor, ê...(Coro) Eu jogo capoeira da Bahia a Maceió, ê...(Coro) Na roda de capoeira seu Pastinha é me-lhor, ê...

AgradecimentoMestre Bimba, muito obrigadoPela capoeira eu saber jogar Pelo aú, pelo S dobradoPela capoeira eu saber jogarSeu Pastinha, muito obrigadoPela capoeira eu saber jogarÀ senzala, muito obrigadoPela capoeira eu saber jogar

capoeira do BatuquegeQuando eu chego no Mercado ModeloPerto do amanhecer (toda frase) (Coro)Tem muita gente me esperando perguntando“Negão, o que vai fazer?” (coro)Eu respondo“Eu sou capoeira de batuquege” (coro)Lá, lá, lá, lá, lauê...Lauê...Lá, lá, lá, lá, lauê...Lauê...Lauê...Capoeira, eu amo você (Bis)Ô senzala, eu amo vocêSou capoeira desde menininho (Bis)Desde que meu pai falava capoeira, meu meni-no (Bis)E eu gingava, eu soltava meia luaEu plantava bananeira até no meio da rua (Bis)

coco de sinhá Na Bahia tem um coco, na Bahia tem um cocoChama-se coco de sinhá, e preciso duas pedrasPra esse coco se quebrarÊ... cocobiomba que tem dendêOlha o coco que tem dendêTem dendê, tem dendê

Olha o coco que tem dendêEu falei dendê, tem dendêOlha o coco que tem dendê

Homenagem a BimbaMandei benzer meu berimbau na capela (Bis)Em homenagem a Bimba toco Yuna e banguela (bis)Ê... BisoroCordão de ouro Ê... BisoroCordão de ouro Ê... BisoroBisoro MangangáOoô... Certo dia numa festa Um moleque me chamou pra jogarEu que sou desconfiadoPois fiquei de lado a repararO que tava escrito na camisaEra um tal de Bisoro MacangáEe... Ea... Era um tal de Bisoro Mancangá

dá no negoDá, dá, dá no negoÔ, no nego você não dáDá, dá, dá no negoÔ, se der vai apanharÔ, no nego você não dáDá, dá, dá no nego

Esse nego é o cãoOlha, pega esse nego e derruba no chãoesse nego é valente, esse nego é o cãoPega esse nego e derruba no chãoÔ, derruba no chão, conforme a razãoPega esse nego e derruba no chãoÔ derruba no chão, derruba no chão

MarinheiroEu não sou daquiMarinheiro só

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Capoeira: um pouCo da história e dos desafios no Brasil e em suzano

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Eu não tenho amorMarinheiro sóEu sou da BahiaMarinheiro sóDe São SalvadorMarinheiro sóLá vem, lá vemMarinheiro sóÔ, lá vem amorMarinheiro sóTodo de brancoMarinheiro sóCom seu bonezinhoMarinheiro sóE chora, chora marinheiroMarinheiro sóÔ, quem te ensinou a nadarMarinheiro sóE foi o tombo do navioMarinheiro sóOu foi o balanço do marMarinheiro só

saci PererêEu vim da Bahia (Bis)Vim cortar cipó (Bis)Encontrei neguinho(Bis)De uma perna só (Bis)Perguntei seu nome (Bis)Ele respondeu (Bis)É o pererê (Bis)O saci pererêPererê, pererê, é o saci pererêPererê, pererê

saci Pererê 2Foi meu avô que me disse Que foi na Bahia ele viu na ribeiraUm moleque de uma perna só, que pulava,gingava e dava rasteira

Cabeçada, rabo de arraia, martelo cruzadonão era brincadeira, foi aí em que eu acrediteiEle viu foi o saci jogando capoeiraPererê, pererê, pererêMoleque saci não era brincadeiraPererê, pererê, pererêMeu avô que me disse, e ele não diz besteiraPererê, pererê, pererêEle foi lá na Bahia perto da ribeiraPererê, pererê, pererêMartelo cruzado, tombo da ladeiraPererê, pererê, pererêO moleque saci que joga capoeira

seu domingãoVocê precisa conhecer a terra boaVocê precisa conhecer Seu DomingãoVocê precisa carregar pedra pesadanessa cabeça raspada pra deixar de ser ladrão(Bis)Ô, não mexe comigo que eu não mexo com nin-guémSe mexer comigo eu topo, se topar comigo tem (bis)

AdeusAdeus, adeusSereiaa...Eu vou-me emboraSereiaa...Eu vou ver senhorSereiaa...Eu vou ver senhoraSereiaa...

sereiaSereia, criatura linda que encanta os homens assim (Bis)Cantando na beira do mar, forçando eles para-rem (Bis)Ô, sereiaa... Ô, sereiaa...Ô, sereiaa... Ô, sereiaa...

Pela doçura do teu cantar Eu me vejo obrigado a parar (Bis)Ô, sereiaa... (bis)Num dia de lua cheiaTava sentado junto ao marQuando de longe ouvi o canto de uma sereiaÔ, sereiaa... (bis)Eu sou filho de Ogum Sobrinho da YemanjáTanto faz se eu tô na terra,Tô nas águas ou tô no marÔ, sereiaa... (bis)Uma criatura linda Que canta na beira do marVestida de azul e branco O seu nome é YemanjáÔ, sereiaa... Ô, sereiaa...

Embole EmboleEu já lhe disse que não boliceCom um tocador de berimbau de Dona Alice (Bis)Embole, emboleÔ, minha negaEmbole, embole que eu também quero embolar (Bis)Embolee... Bolee...Embolee... Bolaa... (Bis)Eu já lhe disse que não boliceCom tocador de berimbau de Dona Alice (Bis)Embolee... Bolee...Embolee... Bolaa... (Bis)

luanda, ÊÔ, Luanda ê, mundeu...Ô, Luanda ê, para...Ô, Teresa, canta sentadaIdalina, canta de péE lá no cais da BahiaNão tem lelê, não tem nadaNão tem lelê nem lalá

Olaê lá que láOlelêOlaê lá que láOlelê

capoeira na Beira do MarFoi no samba de roda, que eu vi minha nega chorarPerguntei: o que foi minha preta?Agora você vai me falarE ela com muita emoçãochegou bem pertinho para me falarHoje sonhei com capoeiraJogada bonita na beira do marSonhei, eu fui sonharCapoeira na beira do marJoguei, eu fui jogarCapoeira na beira do marO balanço de coco na beira do mar (bis)Se o coqueiro e a baiana balançar (bis)E lá vou eu, lá vou eu e lá vou euVou com as ondas do mar (bis)Vou jogar capoeira na beira do mar (bis)O coqueiro e a baiana balançar (bis)

capoeira é BelezaCapoeira não sai da minha cabeça Capoeira não sai do coração Capoeira quem joga é mandingueiroCapoeira é jogo de irmãoCapoeiraEeê... BelezaCapoeiraEeê... TradiçãoCapoeiraTem fundamentoCapoeira E vibraçãoCapoeira nasceu foi no quilomboOlha no sofrimento da senzalaO nego cantava ladainha

Enquanto a cana era cortadaCapoeiraEeê... BelezaCapoeira...Na roda de capoeiraPode-se matar ou morrerMas também se joga limpoO que é bonito é pra se verCapoeira...E pra ser bom capoeira Não basta só aptidãoTem que se entregar de alma E cantar com o coração

capoeira...Maculelê, maracatuCapoeira capu-maculelê, maracatuMais não é caratê, nem também kung-fuMaculelê, maracatuMais eu fui na Bahia comer caruruMaculelê, maracatuEeê... Vim comer caruru e não comer anguMaculelê, maracatuOi, meu filho quando nascerEu vou perguntar pra parteiraO que e que o meu filho vai ser?O meu filho vai ser capoeira, capoeira capuMaculelê, maracatuEu toquei berimbau, berimbau de bambuMaculelê, maracatuOoô... Beira mar auê beira marOoô... Beira mar auê beira mar (bis)Ooô... E um riacho que corre no rio E um rio que corre no marO mar é morada de peixeEu quero ver quem vai jogar no cordão de ouroOi beira mar...Eeê... Minha mãe chama Maria, o meu pai cha-ma JoséBeijei santa MariaMinha mãe não sei quem e não quero saberOi beira mar...

leva Morena, Me levaÔ, leva morena, me levaÔ, me leva pro seu bangalôOi, leva morena, me levaQue hoje faz frio, amanhã faz calorÔ, leva morena, me levaÔ, me leva pro seu bangalôOi, leva morena, me levaQue hoje sou capoeiraAmanhã sou doutorÔ, leva morena...Oi, leva morena parceiraMe faz um denguinhoMe chama que eu vouOi, leva morena...Oi, leva morena faceira Pra um ranchinho Lá em SalvadorOi, leva morena...Oi, leva morena me levaCom o seu jeitinho De fazer amorOi, leva morena...Oi, leva morena me leva Que eu sou capoeira Já disse que sou

os negros de AruandaAi, meu tempo faz tanto tempoQue o meu tempo não volta maisQuando os negros de AruandaCantavam todos iguais (Bis)Cantando o tempo da catinga de AruandaA Conceição me e oruba (Bis)Preto velho ficava sentado no patife do velho portãoPreto velho com sua violaPreto velho com seu violãoPreto velho com sua violaPreto velho com seu violãoLa na festa da Conceição

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Todo mundo pedia, imploravaPreto velho pegava a violaO menino então cantarolavaPreto velho pegava...

Besouro MangangáQuem é você que acaba de chegar?Quem e você que acaba de chegar?Eu só o besouro pretoBesouro de mangangáEu vim lá de Santo Amaro Vim aqui só pra jogarQuem é você que acaba de chegar?Quem é você que acaba de chegar?Eu só o besouro pretoMe chamam de mangangáAndo com o corpo fechado Carrego meu patuáQuem é você que...Aqui em MaracangalhaVocê não vai escaparContra a faca de ticumNinguém pode se salvarQuem é você que...Eu só o Mestre ZapataMe chamam de mangangáBala de rifle não pegaQuem dirá faca matarQuem é você que...Eu sou o besouro pretoBesouro de mangangáQuem é você que acaba de chegar?Quem é você que acaba de chegar?

Esse gunga é MeuEu fui na mata de sinháEu fui na mata de sinhá colega velhoE esqueci meu gunga láEntão voltei para pegarMas na chegada da mataEncontrei um nego forteCom o meu gunga na mão

Eu pedi para me entregarEle não entregou, nãoMe chamou para jogarA capoeira regionalEntão lhe respondi, dizendo desta maneiraEsse gunga é meu, é de boa madeiraMe entrega esse gunga de qualquer maneira (Bis)Então vamos jogar capoeira (Coro)Olha jogo no mato também na ribeira(Coro)Me entrega esse gunga de qualquer maneira (Coro)Então vamos jogar capoeira

AboliçãoDona Isabel, que estória é essa?Dona Isabel, que estória é essaDe ter feito a abolição?De ser princesa boazinhaQue libertou a escravidão?Eu tô cansado de conversa Eu tô cansado de ilusãoAbolição se fez com sangueQue inundava esse paísQue o negro transformou em lutaCansado de ser infelizAbolição se fez bem antesE ainda por se fazer agoraCom a verdade da favelaNão com a mentira da escolaDona Isabel, chegou a horaDe se acabar com essa maldadeDe se ensinar pros nossos filhosO quanto custa a liberdadeViva Zumbi, nosso rei negroQue fez-se herói lá em PalmaresViva a cultura desse povo A liberdade verdadeiraQue já corria nos quilombosE já jogava capoeiraEeê... Viva ZumbiEeêe... viva Zumbi camarada

Eeê... Viva PalmaresEeê... Viva Palmares, camarada

PastinhaAconteceu Até hoje eu me lembroFoi num dia de novembroMestre Pastinha morreuMais para ele, a morte foi a alforriaQue o livrou dessa agonia do mundo que ele viviaDe tristeza e solidãoÉ triste, eu seiChora fraco, chora brutoCapoeira está de lutoPois perdeu seu guardiãoAdeus Pastinha, pra Deus eu levo uma precePois sei que você mereceVá com Deus, descanse em pazNa capoeira, teve fama, teve glóriaSeu nome foi pra históriaNão te esquecerei jamais, camaradinhaViva meu DeusEeê... Viva meu Deus camará

Mestre BimbaHoje eu canto um lamentoHoje eu canto um lamentoCom uma dor no coraçãoSinto um desgosto profundo por tamanha in-gratidãoEle foi amante dessa arteCujo o nome é capoeiraPraticado nas senzalasBeira de praia e nas ladeirasMais o destino foi cruelCom o mestre consideradoFoi embora da BahiaSolitário e amarguradoMorreu longe da sua terraManoel dos Reis MachadoQue foi discípulo de Bentinho

De Mestre Bimba foi chamadoCriador da regionalAngoleiro respeitadoNas rodas de capoeiraSeu nome será lembrado

BahiaIgreja do Bonfim, Mercado ModeloLadeira do Pelourinho e Praça dos SapateirosFalar na Cidade Alta eu me lembrei do terreiroIgreja de São Francisco, eê... Praça da SéAonde ficam as baianas, vendendo acarajéPor falar em Itapuã, lagoa do AbaetéCamaradinha, viva meu DeusEeê... Viva meu Deus camará

Água de cocoLá na Bahia, corre água sem chover (Bis)A água do coco é doce, eu também quero beber (Bis)Lá na Bahia corre água sem chover, aiá (Bis)A água do coco é doce, eu também quero beber.

Capítulo IV

Aprendendo a Capoeira

4. O significado doscordões

A formação dos alunos de capoeira não é um consenso entre os mestres, principalmente quando se refere aos estágios que cada aluno deve passar, bem como as cores dos cordões que marcam a passagem de fase ou estágio.

Esse dilema, em parte, foi solucionado pela Confederação Brasileira de Capoeira, que nos anos de 1980 adotou para os cordões as cores da bandeira brasileira (verde, amarelo, azul e branco). A entidade formatou uma sequência de evolução, baseada em estágios por faixas etá-rias. A graduação infantil (de 3 até 14 anos) con-ta com oito estágios; a graduação adulta (a par-tir de 14 anos), com sete estágios; e graduação para docência de capoeira, com cinco estágios (ver ilustrações). Existem ligas municipais e fe-derações de capoeiristas que buscam organizar a graduação na capoeira com outros princípios, mas a grande maioria segue as sugestões da Confederação Brasileira.

Outra questão que não é consenso entre os mestres de capoeira é em relação ao tempo de duração que cada aluno deve cumprir para mu-dar de cordão. Cabe ao mestre avaliar a partir do desempenho do aluno, pois não há um pe-ríodo determinado para o processo de apren-dizagem, que também varia de acordo com os estilos praticados.

sistema oficial de graduação da confede-ração Brasileira de capoeira19

O sistema de graduação varia de grupo para

grupo. Nos grupos de capoeira Regional ou de capoeira Angola, a graduação é normalmente representada pelas cores de cordas ou cordéis amarrados na cintura do jogador.

Sistema oficial de graduação da CBC20:

A- gRAdUAção infAnTil (até 14 anos)

1º iniciante: sem corda ou sem cordão2º batizado infantil: cinza claro e verde

3º graduado infantil: cinza claro e amarelo

4º graduado infantil: cinza claro e azul

5º intermediário infantil: cinza claro, verde e amarelo

6º avançado infantil: cinza claro, verde e azul

__________________________________________________

19 Extraído do site www.capoeiradobrasil.com.br/confedera-ção.htm, acesso em 15 de outubro de 2011.20 Extraído do site http://capoeiraafrobrasileiratamoios.arte-blog.com.br/301591/Graduacao-da-Confederacao-Brasileira--de-Capoeira/, acesso em 25 de abril de 2012.

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7º estagiário infantil: cinza claro, amarelo e azul

8º formado infantil: cinza claro, verde, ama-relo e azul

B- gRAdUAção AdUlTA (a partir de 14 anos)

9º iniciante: sem corda ou cordão10º batizado: verde

11º graduado: amarelo

12º graduado: azul

13º intermediário: verde e amarelo

14º avançado: verde e azul

15º estagiário: amarelo e azul

c- docEnTE dE cAPoEiRA

16º estágio – Formado: verde, amarelo e azul

17º estágio – Monitor: verde e branco

18º estágio – Professor: amarelo e branco

19º estágio – Contramestre: azul e branco

20º estágio – Mestre: branco

Obs.: Após a 8º graduação, o aluno forma-do infantil passa para a 10º graduação, que é a primeira corda adulta, a verde. Em alguns casos, dependendo de seu desempenho, pode pegar a 11º corda, que é a amarela, segunda corda adulta.

4.1. Os movimentose golpes na capoeira

A grande variação de golpes existente na ca-poeira se deve ao fato da influência que ela re-cebeu de outras artes marciais, principalmente quando da criação da capoeira Regional pelo Mestre Bimba, nos anos de 1930, fato que tor-nou a capoeira praticada atualmente com uma grande quantidade de movimentos21, exigindo do praticante condicionamento físico conside-rável para sua execução.

Porém, a quantidade de golpes também é tema de discussões entre os mestres, pois a sistematização é dificultada pelas influências e evoluções que a capoeira incorpora a cada novo processo histórico e a forma de como cada pra-ticante desenvolve o jogo da capoeira.

Há estudos que apontam que na capoeira Angola há 24 golpes e na capoeira Regional, 76. No entanto, conforme Mestre Yuna enfatiza, “é quase impossível aplicar todos esses golpes em uma roda de capoeira”, seja pela quantida-de, seja pela condição técnica de aprendizagem do capoeirista. Diante deste fato, elencamos os principais golpes que estão presentes em quase toda a roda de capoeira e são largamente difun-didos nas academias de capoeira.

A descrição dos golpes não segue um pa-drão único, pois eles dependem das caracterís-ticas culturais de cada localidade, bem como do sistema em que os mestres foram informa-dos e formados. Há golpes que são de origem da capoeira Angola, mas que são utilizados na capoeira Regional e podem ter sofrido ao longo do tempo modificações ou fusões como outros golpes, trazendo assim uma nova nomenclatura e descrição.

Neste sentido, nos baseamos nas explicações fornecidas pelos mestres durante os depoimen-tos e em pesquisa nas entidades da capoeira. Constata-se grande variação dos mesmos gol-pes que são aplicados em momentos diferentes do jogo da capoeira, ora sendo um golpe de defesa, mas que se transforma em um golpe de ataque, transformando a capoeira em um jogo de permanente atenção e astúcia para os seus jogadores.

descrição dos principais golpes da capoeiraOs golpes da capoeira podem ser de linha22,

como por exemplo: a meia lua de frente, o mar-telo, a benção, a ponteira, a prisão, e muitos outros. Mas também existem os golpes roda-dos, como por exemplo: a armada, a meia lua de compasso, a armada dupla (ou armada com martelo), rabo de arraia e muitos mais.

golPEs dE linHAMeia lua de frente (foto 1): o mesmo movi-

mento da meia-lua, só que dado com o corpo para frente, formando a imagem de uma meia lua para baixo.

Benção (foto 2): é dada com o pé, como se empurrasse uma porta, encostando nela a planta do pé.

Ponteira: movimento simples, chutando-se o adversário com a ponta do pé, estando total-mente de frente e esticando-se a perna. Consiste num chute reto, forte e bem rápido. Este golpe pode gerar hemorragia interna, devido à força e modo de chute.

Pisão oU MARTEloMartelo em pé (foto 3): estando em base, a

perna de trás sobe lateralmente flexionada, dis-tendendo-se para tocar o adversário.

Martelo de chão (ou chapéu de couro) (foto 4): é o martelo aplicado tendo-se como base uma das mãos no solo. A mão que vai ao solo é oposta à perna que aplica o martelo.

golPEs RodAdosRabo de arraia: consiste em fazer o corpo cair

sobre as mãos, rodando-o ao encontro do adver-sário, de forma a acertá-lo na altura do tronco. É bem semelhante ao golpe meia lua de compasso, porém é um golpe de capoeira Angola.

ARMAdA Meia lua de compasso (foto 5);Armada dupla, ou armada com martelo;

Martelo Rodado;Parafuso, parecido com o martelo rodado,

mas se aplica com a lateral do pé.

MoViMEnTos BÁsicosEsquivasAú (foto 6): é um movimento característico

de capoeira em que o praticante leva as duas mãos ao solo, subindo imediatamente as duas pernas, geralmente esticadas e caindo de pé. É sempre feito para um dos lados, sendo que pos-sui diversas variações, pois uma das pernas ou mesmo as duas poderão também passar enco-lhidas para maior defesa do corpo. A perna que dá o impulso é a perna do lado que se vai aplicar o aú. A perna que primeiro atinge o chão é jus-tamente a outra, que ao fim do golpe se dobra um pouco para melhor atingir o chão. Também pode ser um golpe ofensivo.

Queda de quatro: é uma esquiva em que o praticante desce ao solo, para trás, e se apoia nas duas mãos, ficando, portanto, com um total de

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21 Baseado nas informações contidas nos sites das entidades que pesquisam a capoeira e no depoimento concedido por Mestre Quim, em novembro de 2010.22 Descrição baseada no site http://360graus.terra.com.br/geral/default.asp?did=2059&action=geral, acesso em 20 de maio de 2012.

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quatro apoios no solo: as duas mãos e os dois pés. Se o capoeira de locomover nesta posição, dá-se o nome de “aranha”.

Cocorinha (foto 7): uma esquiva na qual o praticante se abaixa de frente para o adversário, com os braços protegendo o rosto, não sendo admitido que nenhuma das mãos vá ao chão. O apoio do corpo deverá ser apenas sobre os dois pés, podendo estar sobre as pontas ou não.

Negativa (foto 8): é uma esquiva que o prati-cante faz descendo ao solo, apoiado em uma das pernas e com a outra esticada. As duas mãos vão ao chão, sendo que, se estiverem do lado da perna esticada, sua característica é quase que exclusiva-mente de defesa. Porém, se as mãos estiverem para o lado da perna dobrada, propicia ao executor a oportunidade de aplicar uma rasteira logo em se-guida. Em uma de suas variações, quando as mãos estiverem viradas para o lado da perna dobrada, elas poderão não ir ao solo, permanecendo à altu-ra do rosto e do tórax, em posição de defesa.

Queda de rim: é uma esquiva em forma de rolamento, na qual o praticante de capoeira vai ao chão, rola por cima da cabeça, mas apoiado em um dos braços, que está na altura do seu rim. Ao fim do movimento, estará normalmen-te em posição de negativa ou resistência. Tam-bém pode ser um golpe ofensivo.

Resistência (foto 9): é uma esquiva na qual o praticante desce ao solo em três pontos de apoio: os dois pés e uma das mãos. As duas per-nas deverão estar dobradas e a mão que vai ao solo poderá estar por trás do corpo, pela direita ou pela esquerda. O corpo poderá estar curvado para trás ou mesmo erguido. O que caracteriza a resistência são os três pontos de apoio com as duas pernas dobradas.

golPEs dEsEqUiliBRAnTEsArrastão negativa: quando se cair em nega-

tiva, na situação em que a perna esticada estiver por trás da perna de base do adversário, dá-se um puxão com a mesma, procurando derrubá-lo.

Banda: é uma rasteira com a perna semifle-xionada. Aplica-se em pé.

Banda jogada: é um golpe de capoeira no qual o praticante se aproxima do adversário e aplica-lhe uma batida na coxa com o joelho, prosseguindo o movimento desequilibrante com uma banda.

Banda trançada: é um golpe aplicado estan-do-se em pé. Aplica-se o pé por trás do pé de base do adversário. Introduz-se o joelho pela

frente da perna do adversário, empurrando-a para trás, e ajudando ao empurrão com o peso do corpo, para frente.

Benção (foto 10): o capoeirista em base pro-cura atingir o adversário com a perna de trás, com a planta do pé.

chulipa: aplica-se uma rasteira na frente do adversário como se quisesse derrubá-lo. Se a rasteira for dada com a perna esquerda, antes de completar o giro, deve-se dar um telefone ou um galopante no oponente.

crucifixo: é um golpe no qual o praticante, ao receber um pé de giro alto, “entra no adver-sário”, colocando seu braço por baixo da perna elevada do oponente, lhe tirando o equilíbrio ao elevar mais ainda sua perna.

Escala de pé: é um golpe constituído de di-versas variações que buscam desequilibrar o ad-versário da seguinte forma básica: o praticante desce na posição de rolê ou ponte, introduz os dois pés entre os pés do adversário, puxando, abrindo ou fazendo os dois ao mesmo tempo, derrubando o oponente.

gancho: aplica-se com a perna em forma de gancho, puxando por trás a perna do adver--sário.

Paulista ou letra: o capoeirista, quando o adversário der um golpe alto, escora e entra aplicando um rapa com a perna cruzada, em forma de letra, passo conhecido no futebol.

Rasteira de mão: é um golpe aplicado em

raríssimas oportunidades. Consiste em agarrar e puxar o pé de apoio do oponente quando se estiver executando algum golpe de giro alto.

Rasteira de meia lua presa: é um golpe no qual o capoeirista agacha-se sobre uma das per-nas, põe as mãos no chão e, com a outra per-na esticada, aplica uma meia lua tradicional. Entretanto, o pé que faz o semicírculo da meia lua segue uma trajetória rasteira ao chão. Como este golpe só é empregado quando o oponente está com uma das pernas levantadas, o objetivo é alcançar a outra e com sua passagem desequi-librar o oponente.

Rasteira deitada (foto 11): é um movimento de capoeira com o qual o jogador busca dese-quilibrar seu adversário, abaixando-se e apli-cando um rapa com o pé. O pé passa rente ao chão.

Rasteira em pé (foto 12): é um movimento idêntico ao anterior, só que o praticante perma-nece de pé para efetuar o rapa com o pé, sempre visando desequilibrar o oponente.

Tesoura no chão: é um movimento no qual o capoeirista procura envolver o corpo de seu oponente com suas pernas em forma de tesou-ra, buscando desequilibrar o adversário. A en-trada pode ser efetuada de frente ou de costas.

Tesoura do aú: aplica-se primeiramente um aú bem próximo do adversário. As pernas se separam e envolvem-no aplicando-se a tesoura.

Tesoura voadora: aplica-se contra um ad-versário após um salto para frente. Envolve-se o adversário com as pernas e gira-se o corpo para desequilibrá-lo.

Vingativa (foto 13): é um movimento em que o jogador se aproxima rapidamente do ad-versário, coloca-se lado a lado com ele e, com uma das pernas atrás, servindo de apoio, e um empurrão com o cotovelo para trás. A perna que fica por trás do adversário é a que estiver lado a lado com a perna do oponente.

golPEs ofEnsiVosArmada (foto 14): aplica-se estando em pé, e

consiste em firmar-se com um pé no chão e com a outra perna livre, para fazer um movimento de rotação, varrendo na horizontal e atingindo o adversário com a parte lateral externa do pé.

Arpão: golpe desferido com o joelho con-tra o adversário, de baixo para cima ou late--ralmente.

Arrastão negativa batendo: é um golpe traumático. Quando se cai em negativa, na situação em que a perna esticada estiver por trás da perna de base do adversário, e o pé en-volvendo o seu calcanhar, aplica-se uma forte pancada, com o calcanhar da outra perna (a que está encolhida). A pancada é efetuada em forma de gancho, de fora para dentro, na par-te lateral da perna do adversário.

Arrastão negativa empurrando: quando cair em negativa, na situação em que a perna esticada estiver por trás da perna de base do adversário, aplica-se um chapa de frente com a outra perna na canela do adversário.

Aú chapa de costas: consiste na aplicação de um aú e, logo em seguida, dar um giro no corpo, batendo com a planta do pé no adver-sário e caindo em base de rolê.

Aú chapa lateral: consiste na aplicação de um aú na direção do adversário, aplicando--lhe um golpe com a planta de um ou dois pés, completando o movimento com um rolê.

Aú chibata: é um golpe aplicado estando--se em base de aú. Aplica-se o aú e, desta po-sição, aplica-se a chibata com uma ou com as duas pernas, ou seja, atinge-se o adversário com os peitos dos pés.

Aú cortado: consiste em aplicar um aú quando o adversário estiver no chão. Aplica--se o aú por um dos lados do adversário e, quando as pernas estiverem esticadas no alto, dá-se uma torção no corpo, indo cair sobre o oponente com uma das pernas esticadas, atingindo-o com o calcanhar.

cabeçada: o capoeirista procura atingir o adversário com a cabeça, enquanto ele faz um golpe de giro alto ou um aú.

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chapa em pé (foto 15): é a interrupção de uma armada ou uma meia lua presa. Encolhe--se e dis-tende-se a perna contra o adversário. Aplica-se a armada ou a meia lua presa e, no meio do giro, aplica-se a chapa em pé.

chapa no chão: é um golpe aplicado de frente ou de costas, tendo-se como base as duas mãos e um pé. Aplicando-se de frente e estan-do em negativa com a perna direita esticada, a perna que toca o adversário é a esquerda. Para aplicá-la de costas, caso a negativa seja com a perna direita esticada, faz-se um meio rolê, fi-cando de costas para o adversário. Encolhe-se a perna direita para aplicar a pancada com a plan-ta do pé ou calcanhar, distendendo a perna na horizontal ou de baixo para cima.

cotovelada: consiste em aplicar o cotovelo em qualquer parte do corpo do adversário.

forquilha: é a ação de introduzir um ou mais dedos nos olhos do adversário.

Escala de mão: golpe semelhante ao soco. Aplica-se com a base da mão, no ombro, plexo, queixo ou nariz do adversário. A palma deve es-tar voltada para o adversário e a ponta dos de-dos deve ser encolhida. No ombro e no plexo, aplica-se na horizontal. No queixo e no nariz, de baixo para cima.

galopante: é um golpe traumático, que con-siste na aplicação de uma das mãos em forma de concha, no ouvido do adversário.

Martelo em pé: estando-se em base, a perna

de trás sobe lateralmente e flexionada, disten-dendo-se para tocar o adversário.

Martelo de chão: é o martelo aplicado, ten-do-se como base uma das mãos no solo. A mão que vai ao solo é a oposta à perna, que aplica o martelo.

Meia lua de compasso: praticante agacha--se sobre a perna da frente, e com a outra perna livre, faz um movimento de rotação, varrendo na horizontal ou diagonal. Quando se inicia o movimento de rotação, as duas mãos vão ao solo para melhor equilíbrio. Atinge-se o adver-sário com o calcanhar.

Meia lua presa: é a meia lua de compasso com apenas uma das mãos no chão. A mão que vai ao chão é a mão oposta à da perna que vai desferir o golpe.

Meia lua solta: é a meia lua de compasso sem nenhuma das mãos no chão. Não se pode levantar o tronco. A posição do tronco deve continuar baixa, como se estivesse com as mãos no solo.

Meia lua de frente: consiste em lançar a perna de trás, esticada, num movimento de ro-tação, de fora para dentro. A parte que toca o adversário é a parte interna do pé.

Pisão: é um golpe que se aplica de pé, dis-tendendo a perna de trás contra o oponente, em movimento de coice. Aplica-se o pisão na hori-zontal ou de baixo para cima, e bate-se com a planta do pé ou calcanhar.

Ponteira: o capoeirista em base procura atin-gir o adversário com a perna de trás, utilizando a parte abaixo dos dedos, na planta do pé.

queixada: é um golpe traumático que se aplica de pé, estando-se em base em uma das pernas e suspendendo a outra contra o oponen-te em forma de giro, de dentro para fora, visan-do especialmente seu queixo. A perna é desloca-da e retesada e a parte que toca o adversário é a parte lateral externa do pé.

Rabo de arraia: é um salto mortal dado para

frente. No giro, os calcanhares visam à cabeça ou o tórax do adversário. Pode ser aplicado com as mãos no solo ou não.

Asfixiante: é um golpe desferido com a mão fechada (soco), pegando entre o nariz e a boca.

Vôo do morcego: dá-se um salto para cima, distendendo uma ou as duas pernas contra o adversário.

conTRAgolPEsqueda de ladeira: é a aplicação de um con-

tragolpe, escora ou tranco, de um golpe solto no ar aplicado pelo adversário, desequilibrando-o.

Boca de calça ou arrastão: é um golpe no qual o praticante leva as duas mãos aos pés ou pernas do adversário, puxando-os com as mãos para frente, fazendo com que ele caia para trás. Uma cabeçada ajuda a derrubá-lo.

caçuá: contragolpe para a benção. Com a mão em forma de concha, procura-se encaixá--la no calcanhar do adversário e suspendê-lo, desequilibrando-o.

cutila (palma): é o ato de aparar ou contra-golpear um martelo com a mão fechada, contra a perna do adversário. Faz-se um movimento de giro com o antebraço, de cima para baixo e de dentro para fora. A parte que apara ou golpeia é a parte lateral externa do punho.

Passo da cegonha: contragolpe aplicado contra a armada. Aplica-se primeiramente um tranco e, imediatamente, um gancho.

floREios E oUTRosAú agulha: é um aú no qual o praticante leva

as duas mãos ao chão, subindo imediatamente as duas pernas e juntando-as no alto, esticadas. Ainda no alto, dá-se uma torção no corpo, to-cando o chão com a ponta dos pés. Inicia-se o aú de lado, mas ao tocar o chão, o capoeirista es-tará com a frente voltada para onde iniciou o aú.

s dobrado: chama-se “S dobrado” porque, para aplicá-lo, é necessário executar um mo-

-vimento em forma de S ao contrário. Inicia-se com uma rasteira, com a perna esquerda. Por exemplo: a perna esquerda sai de trás, faz três quartos de um giro, indo situar-se esticada, sem tocar no chão, no lado direito, ou seja, o lado contrário ao que se iniciou o movimento. Nesse momento fazem-se dois pontos de apoio, um com a mão esquerda colocada à frente e junto ao corpo, e o outro é o da perna direita, já do-brada. Aí temos uma posição bastante pareci-da com a negativa, sendo que estamos de lado para o adversário, e a perna esquerda não toca o chão. Iniciamos a primeira volta do S. Agora deve-mos dar um impulso para cima e para trás, rodando por cima da cabeça, tendo como base as duas mãos paralelas. A perna que toca pri-meiro o chão é a direita.

Macaco (foto 16): consiste na aplicação de um salto para trás, cujo movimento inicia-se com o agachamento, e a colocação da mão no chão, para trás, e próxima ao corpo. Dá-se um impulso no corpo para trás e executa-se um giro completo, terminando o movimento com a per-na oposta à da mão que tocou primeiro o chão.

Volta ao mundo: ritual existente na capoei-ra Regional. Quando um dos capoeiristas está cansado, convida o oponente para dar uma vol-ta na roda. É obrigatório acompanhá-lo, sendo que aquele que é convidado não deve atacar.

chamada ou passo a dois (foto 17): ritual existente na capoeira Angola, em que se reali-

za uma parada com os braços abertos, ligeira-mente elevados, e o adversário se dirige ao seu oponente apoiando as mãos nele. Por um breve tempo caminham compassadamente pela roda, até que o diretor da roda autorize o reinício do jogo.

Ponte (foto 18): se jogando para trás e apoiando as duas mãos no chão.

A aprendizagem da capoeira segue um pro-cesso que envolve todos os aspectos necessários para que o aluno não só aprenda os golpes, mas também os elementos que estão presentes desde a origem do jogo. Isso faz com que a disciplina seja fundamental para a assimilação dos golpes e a execução aconteça de forma correta. Afirma Mestre Leão:

Os primeiros golpes que a gente vai ensinar para o aluno seria o mo-vimento chamado benção, ele vai

aprender a gingar. Não estamos nem falando do exercício. Tem o aquecimento, nele vai aprender gin-gar e na ginga ele já vai aprender a fazer benção, a meia lua de frente, a queixada, a meia lua de compas-so, a armada, a chapa de lateral, a chapa giratória, o martelo, o espo-rão, a aú, a ponte e o macaquinho.

A sequência acima exposta por Mestre Leão serve como exemplo da quantidade de movimentos que o aluno em fase inicial tem de aprender, mas não se resume somente a eles, pois existem variações, bem como a or-dem dos movimentos pode ser diferentes en-tre as academias.

Agradecemos aos capoeiristas Leandro Santos Damasceno, Rodrigo Lopes Alves Silva e Valdemir Souza Ribeiro por colabo-rarem para a realização das fotos dos golpes.

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PARTE IIDesafios e conquistas da

capoeira em Suzano

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Capítulo V

A capoeira em Suzano

A cidade de Suzano passava por grandes transformações na sua paisagem urbana nos anos 1980, com os problemas causados pela au-sência de infraestrutura urbana, principalmen-te nos novos bairros, mais afastados da região central, que surgiam em função do forte cres-cimento populacional e demandavam políticas públicas mais eficazes. Esse fenômeno social ocorreu em várias partes do Brasil e nas regi-ões das grandes cidades, e não foi diferente em Suzano.

A pressão por emprego, segurança e habita-ção foram marcas características desse período histórico de transição do regime militar para a democracia representativa. Neste cenário, os ca-poeiristas passam a abrir as suas academias e re-alizar atividades públicas para atrair os interes-sados em praticar a capoeira. Os anos de 1980 são considerados como o período de maior efervescência da capoeira em Suzano, com o surgimento de várias academias, conforme re-lata o Mestre Morcego:

Na década de 1980 tinha muita capoeira, eu fazia as minhas rodas às quintas-feiras, porque às sextas--feiras tinha a roda do meu mes-tre e, no domingo, tinha a roda do Mestre Amaro.

A estratégia de realização de rodas de capo-eira na praça João Pessoa, no centro de Suzano, contribuiu para despertar o interesse da popu-lação pela modalidade, uma vez que a cidade é notabilizada pela quantidade de clubes de artes marciais, que passaram a contar com outra op-

ção de luta com a abertura das academias ca-poeira.

Entre os mestres mais citados como precur-sores da capoeira em Suzano surgem os nomes dos mestres Pinguim e Ari, que formaram a maioria dos mestres que atuam na região. En-tretanto, o pioneirismo é atribuído ao Mestre Pantera Negra, que esteve na cidade entre os anos de 1960 e 1970, e atualmente reside na ci-dade vizinha de Mogi das Cruzes.

Neste contexto, a capoeira se firmou como possibilidade de prática esportiva. O cresci-mento da procura pelas academias trouxe um problema: o aumento da rivalidade entre elas. Assim, não era difícil ocorrer episódios de bri-gas entre as academias, principalmente entre os mestres, que buscavam resolver as diferenças, enfrentando-se fora das rodas de capoeira ou mesmo promovendo ataque às academias ri-vais. Para o Mestre Quim, os possíveis motivos dessa rivalidade estão na origem da capoeira como a conhecemos hoje:

Começou a ter também esta riva-lidade na capoeira Angola com a capoeira Regional. Porque uma o [Mestre] Pastinha morreu defen-dendo, e a outra, o Bimba morreu defendendo, então criou esta rivali-dade – essa história das academias serem quebradas já vem desde o co-meço da década de 1930.

Os eventos de batizados dos formados, por vezes, se tornavam ringue para a medição de forças entre as academias, às vezes com a com-

placência de alguns mestres, que viam na opor-tunidade o momento de mostrar a pretensa su-perioridade. Conta Mestre Quim:

Antigamente era complicado, você abria a academia e os caras vi-nham fechar a sua academia. Aí era briga feia, os caras chegavam e metiam o pé no berimbau, no ata-baque, quebravam a academia, ba-tiam no professor e iam embora. Eu cheguei a passar por isso, com meu mestre José Aparecido da Fonseca, que no mundo da capoeira é conhe-cido como Mestre Pinguim.

Essa rivalidade entre as academias foi, por anos, um dos principais motivos da diminui-ção do número dos participantes em algumas delas, já que umas propagavam ser superiores em relação às demais. Essa rivalidade pode ser observada em várias modalidades de luta e artes marciais, que deixam de lado os fundamentos do esporte que praticam e acabam por incenti-var os alunos para uma conduta agressiva.

No entanto, nos últimos anos as desavenças entre as academias de capoeira se reduziram drasticamente com a criação da Liga Municipal de Capoeira de Suzano, em 2002, e do Conselho de Mestres, em 2005, que tinham como objetivo valorizar a capoeira cidade, conforme relata o Mestre João D’Barro, a respeito do conselho:

O projeto que o conselho se propôs era de valorização da capoeira. Esse era o propósito. A valorização

e desmistificação da prática da ca-poeira [em relação aos familiares], a valorização do profissional, para que o capoeirista não dependes-se dos espaços privados e tivesse a sua independência e maior contato com o poder público.

5.1. A organizaçãoda capoeira em Suzano

A Liga Municipal de Capoeira de Suzano (LMCS) foi fundada em 7 de setembro de 2002 pelos capoeiristas da cidade. A entidade orga-nizou e promoveu o 1º Encontro Folclórico, e em seguida, o Workshop de Capoeira Ango-la. Três anos mais tarde, em 2005, foi à vez da criação do Conselho de Mestres de Capoeira. Sob a inspiração da participação democrática, a entidade buscou proporcionar um espaço de discussão, em que os mestres pudessem trazer as dificuldades do dia a dia e propor soluções para a ampliação da capoeira como forma de manifestação cultural.

Como outras organizações, o espaço de discussão passa por constante reavaliações e críticas, tendo, por parte dos seus defensores, a necessidade de maior união entre os mestres para avançar na direção das soluções das diver-gências e, por parte dos críticos, a ausência de eficácia e agilidade na realização das propostas defendidas.

As opiniões divergentes trazem à baila a realidade de que a capoeira vive momentos distintos, que se opõem quando elencados os benefícios sociais, desportivos e educacionais diante da sua forma de organização institu-cional. Isso é não um demérito à capoeira, mas sim a demonstração de quanto ela é viva, apaixonante e atual.

A capoeira em Suzano busca superar as di-ficuldades históricas que enfrenta ao longo dos séculos, como falta de apoio institucional, opor-tunismo em período eleitoral e a descrença na organização coletiva. Indaga a Instrutora Alice:

O que é preciso ser feito para me-lhorar a capoeira dentro do muni-cípio? Cada qual esquecer o nome da sua academia, o nome do seu grupo e se reunir para melhorar a capoeira, a qualidade de vida dos alunos que estão envolvidos dentro da capoeira, porque cada mestre tem 50, 60, 100 alunos, e quando vai atrás da prefeitura, da liga, de alguma coisa, eles vão em prol da sua própria academia.

A necessidade da organização institucional se faz presente para os mestres de capoeira, que apesar das dificuldades apontadas não perdem de vista a criação de um cenário que possibilite a formação de um coletivo que dê reposta frente aos desafios que se apresentam para prática da capoeira e, assim, fortalecer de forma efetiva a capoeira em Suzano, congregando as diferenças e partilhando as similitudes. Completa a Instru-tora Alice:

Acho que o maior desafio da capo-eira dentro de Suzano, e não só Su-zano, a maioria das cidades, é fazer com que ela [capoeira] se unifique, que esqueça, como eu já disse, as placas de academia, e que ela se torne única.

Muito do que é feito até hoje, apesar dos apoios pontuais de organizações sociais e gover-nos, tem a marca da ação individual dos mes-tres, que necessitam de organização para obter

conquistas para o esporte, conforme aponta o Mestre João D’Barro:

O capoeirista também tem que se organizar para se aproximar do poder público, para poder transfe-rir para o povo o trabalho que pode ser feito. Antigamente o capoeiris-ta não tinha apoio de prefeitura, não tinha apoio nenhum. Hoje, em muitas cidades tem isso, inclusive a nossa. Mas o capoeirista ainda precisa se organizar para que esse apoio seja feito de maneira mais efetiva.

5.2. A ação do poderpúblico

Alguns projetos desenvolvidos pela Prefei-tura de Suzano, a partir de 2005, contribuíram para a difusão da capoeira no município, assim como a adoção, a partir de 2009, do feriado mu-nicipal em comemoração ao Dia da Consciên-cia Negra, em 20 de novembro, e a introdução da lei 10.639/03, que tornou obrigatório o en-sino da história e cultura afrodescendentes em todas as escolas do País.

Já no primeiro ano do primeiro mandato da atual gestão municipal, em 2005, a Prefeitura de Suzano, em parceria com os capoeiristas da ci-dade, realizou a Roda de Todos os Santos, even-to de valorização da cultura popular, que tem entre outras manifestações a capoeira. A Roda de Todos os Santos é um projeto premiado. A edição de 2007 foi contemplada pelo Ministério da Cultura com o “Prêmio Culturas Populares – Mestre Duda 100 Anos de Frevo”.

A inauguração do Pavilhão da Cultura Afro-

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brasileira Zumbi dos Palmares, obra entregue pela Prefeitura no aniversário da cidade de 2 de abril de 2009, foi a concretização de um espaço cultural no município voltado às manifestações culturais populares. Instalado no Parque Muni-cipal Max Feffer, o pavilhão recebe exposições, encontros, shows e outras atividades de valo-rização do multiculturalismo e da diversidade cultural.

Capítulo VI

A capoeira na formação de criançase adolescentes

6.1. A capoeira e aeducação não formal

Apesar da necessidade premente de maior organização dos capoeiristas na região, as ações de alguns mestres e entidades sociais têm transformado a capoeira num importante instrumento de transformação social de co-munidades.

O trabalho em escolas da região e institui-ções sociais fortalece o aspecto inclusivo da ca-poeira como atrativo para jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Ao longo dos tempos, a prática da capoeira sempre esteve associada aos menos favorecidos. Atualmente, ela assume diferente papel como manifestação cultural, despertando o interesse de todas as ca-madas sociais.

Para quase a totalidade dos mestres de Suza-no, o trabalho social da capoeira não foi aban-donado. Eles veem na prática da capoeira uma forma de contribuir com a educação e com a transformação comportamental para além das atividades desportiva ou competitiva.

A realização de projetos em parceria comas escolas ganha força com a descoberta das unidades educacionais do potencial que a capo-eira revela a questões relacionadas à disciplina, trabalho em grupo, orientação para uma vida saudável, respeito aos colegas e aos mais velhos, as tradições e manifestações culturais brasilei-ras, a conduta de vida e a não-violência.

Esses aspectos são intrínsecos à prática da capoeira, passados de geração para geração

pelos mestres, e ganharam força com a criação da lei 10.963/03, que institui o ensino da cultura afrodescendente nos currículos escolares.

As entidades sociais de Suzano também já perceberam essa potencialidade e trabalham a capoeira com os jovens em situação de risco, como é o caso da Fundação Orsa. A entidade, que esta no município de desde 1994, tem como foco a formação integral da criança e do ado-lescente. A partir 2000, ampliou o escopo de atuação, enfocando o desenvolvimento comu-nitário, englobando a criança, o adolescente, a família, os idosos e as pessoas com deficiência.

Após realização de um diagnóstico, a Fun-dação Orsa identificou a situação de vulnera-bilidade social em que as crianças do distrito de Palmeiras se encontravam. Elas se desloca-vam 17 quilômetros até centro da cidade para ficarem nas ruas, olhando carros, trabalhando como flanelinhas ou engraxates. A partir daí, a entidade criou um projeto com para envolver essas crianças. A capoeira, por possuir elemen-tos atrativos e dinâmicos, passou a ser uma das atividades com grande aceitação e participação a entidade, por trabalhar de forma multidimen-sional aspectos fundamentais para o desenvol-vimento socioeducativo, conforme comenta a gestora da Fundação Orsa Leonice Ferreira:

[...] Com a capoeira você consegue trabalhar a questão racial, a ques-tão da diversidade, a questão tam-bém da integração, porque a capo-eira é uma roda, você interage com as pessoas. É um elemento funda-

mental para o desenvolvimento hu-mano e que vai ter um impacto na vida daquela criança, na vida da educação, na vida social, na vida pessoal. Ela estimula esse olhar co-letivo, porque você faz o trabalho em grupo.

A disciplina é outro aspecto apontado pelos mestres para envolver as crianças durante as aulas. Eles destacam ainda a relação de proxi-midade com os adolescentes, que veem no mes-tre uma pessoa de confiança, como alguém que olha para elas para além dos gestos, conforme atesta depoimento do Mestre Faísca:

Mas devido à capoeira ser [uma arte difícil], exige a disciplina que você tem que ter, tem um monte de regrinhas que você tem que [obede-cer], então essa criança muda. Você as ensina a ficarem fortes, chutar forte, bater, arrastar, tudo, mas dentro é uma criança [se referindo ao comportamento] e você começa a tratar com carinho, aquilo ali vai mudando aquela criança. Então, tenho relato já de criança que mu-dou muito.

A parceria entre escolas e academias tem aumentando muito nos últimos tempos em Su-zano, em virtude da escola se deparar com ques-tões sociais que, sozinha, não tem condições de enfrentar, como a violência. Os elementos que a capoeira trabalha fazem um contraponto im-portante a esses riscos, de modo a provocar no jovem um questionamento sobre sua identida-de, levando-o a considerar outros valores que estão presentes na sua convivência social e fa-miliar.

Esse trabalho tem sido realizado pelos mes-

tres, cada qual a seu modo, a partir da sua vi-vência e ensinamentos aprendidos na sua jorna-da. Destaca Mestre Leão:

A relação com a escola muda tam-bém por causa da educação moral. [...] Inclusive eu tenho uma direto-ra que ela fala assim: “seus alunos são nota dez”. E ela quer empurrar todos para treinar comigo [...]. Por-que ela não tem problema com os alunos do projeto. Nenhum proble-ma, nenhuma reclamação.

A importância da academia como um espa-ço que o jovem pode utilizar a sua e-nergia de forma disciplinada cria a possibilidade de trans-formação do seu comportamento nas suas rela-ções sociais, conforme relato da Instrutora Alice:

Eu observo que ali [nas aulas de capoeira] eles extravasam todo o corpo carente que eles têm, seja de raiva, ou de carinho, ou de ausên-cia. Ali eles jogam tudo para fora. E quando eles voltam para a resi-dência, eles voltam mais leves, mais tranquilos, começam a ir bem na escola, começam a se relacionar melhor com os coleguinhas. Até as professoras elogiam: “Pô, aque-le aluno me dava muito trabalho, agora ele está mais tranquilo”. En-tão, o trabalho na educação moral mesmo, na sociedade, na integra-ção com as outras crianças, prepa-rando eles para o amanhã.

Mestre Quim complementa, chamando atenção para a atuação dos mestres como educadores:

A capoeira é parceira da educação. Eu costumo dizer que o capoeirista não pode ser jogador de capoeira – tem o jogador de capoeira e tem o educador de capoeira. Eu prefiro ficar na condição de lutar para que tenha educadores de capoeira.

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Capítulo VII

Os mestres e a linhagem

Os mestres de Suzano Mestre leão (Rai-

mundo Nonato Cavalcan-te Barbosa) nasceu em 19 de dezembro de 1959 na cidade de Independência, no Ceará. Aos 12 anos, teve indicação médica para procurar uma academia por problemas de coluna. Veio para Suzano em 1977

e conheceu o Mestre Ari, mas diz ter começado a “paquerar” a capoeira em 1973, na inauguração da Federação Paulista de Capoeira, evento em que esteve presente. Como não existiam as academias, o treino de capoeira era feito nas praças. Mestre Leão treinou na Praça da Sé. Fundou a sua pri-meira academia, a Unidos da Raiz. Realizando projetos em favelas por conta própria, denominou o grupo como Perdidos na Rua. Com apoio da Es-cola de Samba Gaviões do Morro, sua academia foi “adotada” pela agremiação e, por este motivo, usa atualmente o mesmo nome em homenagem, Academia Gaviões do Morro. A partir de 2009 a academia passou a funcionar no Parque Maria Helena e conta com a Instrutora Alice, formada por Mestre Leão. Além das aulas em sua acade-mia, Mestre Leão trabalha em projetos nas escolas e realiza rodas de capoeira na praça João Pessoa. Dos vários formados por Mestre Leão, um deles vive no Japão desde 1991: o Contramestre Moleza, que é responsável pela filial da Academia Gaviões do Morro naquele país, com o objetivo de difundir o trabalho da capoeira.

Mestre faísca (Al-fredo Amador) nasceu em Mandaguari, no Pa-raná. Seus primeiros contatos com a capoeira foram pela televisão e seu encantamento com os golpes, principalmen-te roda baiana, deixou--lhe impressionado e

apaixonado pela manfestação cultural por ser um jogo só das pernas. Seus primeiros conta-tos com a capoeira foram nos campos de vár-zea, onde treinava boxe e lutas orientais. Sua decisão de iniciar a formação na capoeira foi na inauguração de uma padaria, quando viu em uma roda de capoeira, o golpe voo do mor-cego. Matriculou-se aos 13 anos na Academia Filhos de Amaralina, em São Miguel Paulista, com o Mestre Raimundinho. Teve continui-dade no esporte com o Mestre Trindade, co-nhecido na capoeira como Mestre Facada. Em 1989, Mestre Faísca fundou a Academia Netos de Amaralina, em São Miguel Paulista. Em 1992 escolheu Suzano para morar e fundou a Academia NAZ (Netos de Amaralina Zindzi – Zindzi é o nome que Nelson Mandela deu à filha). Em 2000, fundou a Associação Cultural Luz do Amanhã e, em seguida, a Academia Fa-ísca, no centro de Suzano. Mestre Faísca tem três academias espalhadas na cidade: Esporte Faísca, no Colorado; Tigre Branco, na Casa Branca; e a Academia Faísca, no centro.

Foi um dos fundadores da Liga Suzanense de Capoeira, em 2002, entidade que presidiu

por dois anos. Além das academias, Mestre Faísca trabalha com a capoeira em entidades e escolas. Já representou Suzano nos Jogos Re-gionais. Atualmente, Mestre Faísca faz parte também do Grupo de Capoeira Meia Lua de Compasso, que é formado por mestres e rema-nescentes do NAZ, com atuação em Suzano e em academias de São Paulo, nos bairros do Ta-tuapé e Ibirapuera.

Mestre chico (Fran-cisco Gonçalves Filho) nasceu em 6 de julho de 1947 na cidade de Caja-zeiras (PB). Os primeiros contatos com a capoeira foram em 1971, com o Mestre Ferreirinha. Teve aulas também com o Mestre Carapau. Em

1981, escolheu Suzano para morar e fundou, no mesmo ano, a Associação Desportiva Prín-cipe de Angolinha, no distrito de Palmeiras. Em contato com o Mestre Melo, descobriu que suas habilidades na roça proporcionariam ha-bilidade na construção de instrumentos, prin-cipalmente berimbaus. Seu trabalho ganhou expressão fora do país e ele foi reconhecido por uma empresa do ramo. Mestre Chico teve muito instrumentos exportados para outros países e, em Suzano, é referência pelos capo-eiras no oficio de artesão de instrumentos mu-sicais, além de mestre de capoeira. Organizou em 2006 o 1º Curso de Capoeira de Angola, trazendo Mestre Meinha para Suzano. Foi um

dos fundadores da Liga Suzanense de Capoei-ra, entidade que atualmente preside, e membro do Conselho de Mestres de Suzano, criado em 2005. Além de sua academia, divulga a capoei-ra com apresentações em escolas e nas comu-nidades. Mestre Chico leva o nome da cidade de Suzano nas várias competições dos Jogos Regionais, onde já conquistou medalhas.

Mestre Amaro (Ama- ro Caetano de Souza) é de família baiana. De-vido a uma viagem de emergência a São Paulo, acabou por nascer aos sete meses, em 1962. Voltou à Bahia, onde morou até os 12 anos. Em meados de 1967,

tendo familiares capoeiristas, passou a tomar gosto pela arte e nunca mais parou sua trajetó-ria. Em 1974, voltou a São Paulo com a família e conheceu inúmeros capoeiristas, entre eles o mestre José Pereira, mais conhecido no mundo da capoeira como Mestre Pantera Negra, for-mado por Mestre Canjiquinha da Bahia. Em 1980, em comum acordo com seu mestre, fun-dou a Academia Marinheiro em Suzano. Sua academia é uma das mais antigas da cidade.

Mestre quim (Joa-quim Sebastião da Silva) nasceu em 21 de agosto de 1957 na cidade de Je-queri, em Minas Gerais. Formado por Mestre Pinguim, os seus primei-ros contatos com a capo-eira foram para se defen-der, na adolescência, nas

disputas de espaço de jovens nos bailes. Logo foi percebida sua sensibilidade para o berim-

bau. Mestre Quim fundou a Academia Poesia da Libertos, em Itaquaquecetuba. Seu trabalho tem expressão no Alto Tietê. Constituiu uma associação cultural no bairro Casa Branca, onde além da capoeira, desenvolve projetos.

Mestre João d’ Bar-ro (Mario Augusto Go-mes), nasceu em 1968. Iniciou-se na capoeira na década de 1980, por volta dos 13 anos. Per-cebia que alguns adultos do bairro que morava praticavam capoeira na rua, e isso lhe chamou a

atenção. Começou a aprender a bater palma no ritmo da roda: “Quando eu me dei conta, eu sabia fazer alguns movimentos”. Formado por Mestre Rosa. Membro do Conselho de Mestres de Suzano. Realiza aulas em academias da ci-dade.

Mestre Morcego (Geraldo Donizete Ma-chado) nasceu em 15 de outubro de 1957, na cidade de Estrela do In-daiá, em Minas Gerais. Iniciou-se na capoeira pelo interesse em reali-zar atividades esportivas que não tivessem foco na

violência e se encontrou na capoeira. Veio para Suzano em 1979, formado por Mestre Ari. Por muitos anos, deu aulas na Academia Mari-nheiro, de Mestre Amaro. É membro do Con-selho de Mestres de Suzano. Em 2009 fundou a Academia Discípulos da Raiz, na Casa Branca.

Mestre Yuna (Francisco Solurri) nasceu em 26 de outubro de 1957, em Salvador, Bahia. O

contato com a capoeira era bastante presente em sua família, que jogava na praia. Sua motivação já se deu em sua origem fami-liar. Chegou a Suzano em 1990. Em 1992 fundou a Academia Tradicional de Capoeira do Brasil, no Jardim Europa. Formado

por Mestre Noronha. Mestre Yuna tem participação intensa em

seminários e congressos sobre a capoeira, fa-zendo intercâmbios com outras cidades.

Professor camaleão (Marcelo Ricardo da Silva Sales) nasceu em Suzano em 31 de agosto de 1980. Seus primeiros contatos com a capoei-ra foram feitos pelo pai, que praticava o esporte. Achava bonito e tinha orgulho de ter o pai ca-

poeirista. Trabalhou como voluntário na Fun-dação Orsa, como professor de capoeira. É for-mado pela Associação Desportiva de Capoeira Príncipe de Angolinha, por Mestre Chico. Faz parte do Grupo Contemporâneo Beija-Flor.

instrutora Alice (Maria Alice Rocha) nas-ceu na cidade de Osasco, região metropolitana de São Paulo. Ela afirmar ter iniciado no espor-te como espectadora, acompanhando aulas de capoeira com crianças aos domingos, realizadas

pelo Mestre Leão. Logo percebeu seu interesse

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em compreender como as crianças se desen-volviam, e o que as levava num domingo de manhã, dia da semana em que poderiam dor-mir até mais tarde, às aulas de capoeira. “Eu me apaixonei porque elas iam para conversar, para treinar, às vezes até para comer. Falavam o que acontecia na semana na vida delas, até mesmo da vida particular delas, com o pai, com a mãe, a ausência do pai e da mãe”. Alice foi formada por Mestre Leão, com quem desenvolve aulas de capoeira na Academia Gaviões do Morro e nos projetos das escolas e entidades. Buscou formação na área educacional para desenvol-vimento de metodologia da pedagogia infantil.

Linhagem dosmestres de Suzano

A ancestralidade na capoeira aparece em varias aspectos, como na música, na dança, no próprio jogo, mas também é revelada na importância dada à figura do mestre, que de-sempenha papel fundamental na vida do ca-poeirista. Ele é quem orienta e (re)passa os fundamentos básicos para o aprendizado da capoeira. Como afirma Mestre Quim, o mestre é “como um pai que segura o filho nos primei-ros passos na vida”. Dessa forma tão impor-tante quanto os demais aspectos da capoeira, a preservação da linhagem revela a trajetória re-alizada pelo capoeirista, que faz com que esta manifestação cultural se perpetue como uma forma de vida e de ensinamento para as novas gerações.

MestreCanjiquinha

MestreSuaSSuna

MestreItabuna

Mestrepinguim

Mestre ari(in memorian)

Mestreleão

Mestremorcego

Instrutoraalice

Contramestremoleza

Mestrequim

MestreJoão Barrão

ProfessorQueixinho

MestreCanjiquinha

da Bahia

MestrePantera negra

Mestreamaro

MestrePastinha

Mestreaberê

MestreSilveStre

Mestremirão

MestreRaimundo

MestretRindade (Facada)

Mestrefaísca

Mestre FerreirinhaMestre Carapau

Mestre melo

Mestrechico

Professorcamaleão

Mestrerosa

ProfessorJoão D’Barro

MestreCaiçara

Mestrenoronha

Mestreyuna

A história da capoeira é marcada por de-safios e conquistas que nem sempre possuem a mesma proporção e intensidade. Os desafios enfrentados pelos mestres e capoeiristas datam a sua origem como prática de manifestação cul-tural. Como toda atividade oriunda das cama-das sociais menos providas de recursos ou re-conhecimento social, busca, por meio da ação afirmativa, restabelecer um equilíbrio que per-mita a sua existência e continuidade.

Nos anos 1930, a tentativa de Mestre Bim-ba de popularizar a capoeira, inserindo novos elementos e modificando outros, pode ser vista como um gesto nesta direção, apesar das críti-cas que recebera. Mestre Pastinha fez o mesmo, criando um centro de formação de capoeira Angola. Ambos buscaram formas de perpetuar a capoeira e nos presentear décadas mais tarde com essa prática que combina jogo, luta, ritual, música e instrumentos musicais simples, mas de complexa intensidade sonora, que nos reme-tem a uma ancestralidade única.

O respeito e a tradição estão vivas e vívidas na capoeira, principalmente na forma como se ensina em cada academia, que segue de forma imperiosa a aprendizagem e o manejo dos ins-trumentos, a ginga dos movimentos e a cultura, que narram as dificuldades e superações dos antigos capoeiras, independentemente de qual o estilo será ensinado ou jogado.

A maneira sutil e, ao mesmo tempo, direta de apresentar uma parte da história do Brasil, onde vencedores e vencidos são confrontados, repercute na vida dos alunos de capoeira, que

passam a refletir no comportamento que assu-mem nos locais que frequentam. Desta forma, a família, a escola e as entidades socioassistenciais acabam por adotar a capoeira como uma aliada no processo de formação desses jovens.

Esse talvez seja um importante legado que a capoeira vem construindo diariamente na vida de várias crianças, jovens e adultos: o reconhe-cimento de uma identidade cultural, que con-tribui de forma definitiva para o surgimento de um indivíduo pleno de cidadania.

Como em todo agrupamento social, a difi-culdade de organização se faz presente também na capoeira. A cada ano, este problema vem se reduzindo, devido às tentativas da consolida-ção de uma entidade que venha a representar os capoeiras da região de forma mais efetiva. Mas como todo processo, o que remete à pró-pria história da capoeira, ele acontece de forma gradual, com momentos de maior intensidade e outros menos ativos.

Um aspecto positivo é que os mestres conti-nuam realizando as suas atividades e buscando, por meio do diálogo, a superação das diferenças e mirando as convergências.

A capoeira vem resistindo ao tempo, e se antigamente superou as perseguições, as proibi-ções, os castigos e prisões, hoje os capoeiristas e mestres buscam novas formas de integração e participação na vida da cidade, como maior presença na elaboração de políticas culturais que deem conta das demandas da capoeira como manifestação cultural e patrimônio ima-terial da cultura brasileira.

Considerações finais

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ANEXO I

A evolução históricada capoeira no Brasil

A capoeira foi reconhecida em 2008 como patrimônio imaterial da cultura brasileira, ou seja, uma importante manifestação que deve ser preservada. Mas nem sempre foi assim. Os ca-poeiras foram vítimas de preconceito, persegui-ções e proibições da prática em espaços públicos ou mesmo fechados. Os praticantes de capoeira eram marginalizados e punidos, sempre com a justificativa de um ser um esporte violento. Além disso, era vista como uma cultura inferior.

Hoje, a prática da capoeira é celebrada em todo mundo com um esporte, dança ou mani-festação cultural. A capoeira passou a ser um exemplo de resistência, como podemos observar a seguir na cronologia oficial:

Cronologia Oficialda Capoeira23

1577 – Primeiro registro do vocábulo “ca-poeira” na língua portuguesa: Pe. Padre Fernão Cardim (SJ), na obra: “Do Clima e da Terra do Brasil”. Conotação: vegetação secundária, roça abandonada.

1640 – Início das invasões holandesas. De-sorganização social no litoral brasileiro. Evasão dos escravos africanos para o interior do Brasil. Aculturação afroindígena. Organização de cente-nas de quilombos. Surgem as expressões: “negros das capoeiras”, “negros capoeiras” e “capoeiras”.

1770 – A mais antiga referência da capoeira enquanto uma forma de luta.

1821 – Decisão de 31 de outubro determinou sobre a execução de castigos corporais em praças públicas a todos os negros chamados capoeiras.

1821 – Decisão de 5 de novembro determi-nou providências que deveriam ser tomadas con-tra os negros capoeiras no Rio de Janeiro.

1822 – Decisão de 6 de janeiro mandava cas-tigar com açoites os escravos capoeiras presos em flagrante delito.

1824 – Decisão de 28 de maio dava providên-cias sobre os negros denominados capoeiras.

1824 – Decisão de 14 de agosto mandava empregar nas obras do dique os negros capoei-ras presos em desordem, cessando as penas de açoites.

1824 – Decisão de 13 de setembro declara que a portaria de número 30 do mês de agosto compreende somente escravos capoeiras.

1824 – Decisão de 9 de outubro declara que os escravos presos por capoeiras devem sofrer, além da pena de três meses de trabalho, o castigo de 200 açoites.

1831 – Decisão de 27 de julho manda que a junta policial proponha medidas para a captura e punição dos capoeiras e malfeitores.

1832 – Postura de 17 de novembro proibia o jogo da capoeira: “... trazem oculto em um pe-queno pau escondido entre a manga da jaqueta ou perna da calça uma espécie de punhal...”... “to-mam providências contra todo e qualquer ajun-tamento junto às fontes, onde provocavam ar-ruaças e brigas; próximo a Igreja do Rosário, no Largo da Misericórdia, onde à noite as mulheres de reuniam...”.

1834 – Decisão de 17 de abril solicita provi-dências a respeito dos operários do arsenal de marinha que se tornaram suspeitos de andar ar-mados (faz referência a uma acusação de assas-sinato feita contra um negro, e mencionou que já haviam sido dadas ordens ao chefe de polícia sobre os capoeiras).

1834 – Decisão de 17 de abril dá providências

a respeito dos pretos que depois do anoitecer fo-rem encontrados com armas ou em desordens.

1834 – Postura de 13 de dezembro dá mais providências contra os capoeiras.

1888 – Lei Áurea. Abolição da escravatura em 13 de maio.

1888 – Surge o primeiro livro sobre a capo-eira: o romance “Os Capoeiras”, de Plácido de Abreu.

1889 – Proclamação da República. Deporta-ção dos capoeiras considerados criminosos para o arquipélago de Fernando de Noronha. Nasce a proposta da Ginástica Nacional, como instru-mento de Educação Física, a partir do reaprovei-tamento dos movimentos da capoeira. Esta for-ma desportiva foi liberada pela polícia.

1890 – Decreto 847. Introdução da capoeira no Código Penal da República, no Capítulo XIII “Dos Vadios e Capoeiras” em seus artigos 402, 403 e 404. Continuidade ao processo de prisão e deportação dos capoeiristas criminosos para o Presídio de Fernando de Noronha e para a Co-lônia Correcional de Dois Rios na Ilha Grande.

1904 – Luta do capoeirista Ciríaco, contra o lutador de jiu-jítsu Sada Miako. Este evento foi realizado por meio de alvará autorizado pela po-lícia, dentro do contexto da Luta Brasileira.

1907 – Edição do livreto apócrifo: “Guia do Capoeira ou Gymnástica Brasileira”.

1928 – Surge no Rio de Janeiro o primeiro Código Desportivo de Capoeira sobre o nome de Gymnástica Nacional (Capoeiragem) Me-thodizada e Regrada. Este trabalho, de autoria de Annibal Burlamaqui (Zuma), trouxe uma nomenclatura ilustrada de golpes e contragolpes, área de competição, regulamento de competição, critérios de formação de árbitros, fundamentos históricos, uniformes e outras informações.

1933 – Fundação em 5 de novembro, por in-tervenção de Annibal Burlamaqui, do Departa-mento de Luta Brasileira (Capoeiragem) da Fe-deração Carioca de Boxe.

Bibliografia consultadaBOMFIM, Camila Carrascoza. Ginga urba-

na: apontamentos sobre a capoeira na cidade de São Paulo. Dissertação de mestrado, Instituto de Artes da Unesp. SP, 2002

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos. 7ª ed. Companhia das Letras, 1999.

__________. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004

CARNEIRO, Edison. Capoeira. Cadernos do Folclore, n° 1, 1975.

COUTINHO, Daniel. O ABC da Capoeira An-gola: Os manuscritos do Mestre Noronha / Daniel Noronha- DEFER – Centro de informação e docu-mentação sobre Capoeira – CIDOCA / DF. 1993.

DECANIO FILHO, Angelo A. A herança de Mestre Bimba. 2ª ed. Em PDF. 1997.

MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de histó-ria oral. 5ª ed. São Paulo. Edições Loyola. 2005.

SOARES, Carlos Eugênio Líbano. Dos nagoas e gaiamus: a formação das maltas. A negrada institui-ção: os capoeiras no Rio de Janeiro do Século XIX. Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Cultura, 1994.

THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. 1992.

VIEIRA, Sergio Luiz de Souza. Da capoeira: como patrimônio cultural - Tese de doutorado, PUC/SP – 2004.

FONTES/DEPOIMENTOS

Joaquim Sebastião da Silva (Mestre Quim). De-poimento concedido a Simone Ciraque e Mauro Bonfim. Itaquaquecetuba, março de 2009.

Francisco Gonçalves Filho (Mestre Chico). De-poimento concedido a Simone Ciraque. Palmeiras – Suzano, abril de 2009.

Francisco Ernesto Solurri (Mestre Yuna). Depoi-mento concedido a Simone Ciraque e Mauro Bon-fim. Suzano, março de 2009.

Raimundo Nonato Cavalcante Barbosa (Mestre

Leão). Depoimento concedido a Simone Ciraque. Suzano, abril de 2009.

Alfredo Amador (Mestre Faísca). Depoimento concedido a Simone Ciraque. Suzano, abril de 2009.

Mario Augusto Gomes (Mestre João D’Barro). Depoimento concedido a Simone Ciraque. Suzano, maio de 2009.

Maria Alice Machado (Instrutora Alice). Depoi-mento concedido a Simone Ciraque. Suzano, junho de 2009.

Amaro Caetano de Souza (Mestre Amaro). Por opção do entrevistado, a entrevista foi enviada e res-pondida por e-mail.

Leonice Ramos Ferreira (Gestora de projetos grupo Orsa). Depoimento concedido a Simone Ci-raque e Mauro Bonfim. Suzano, junho de 2009.

Marcelo Ricardo da Silva Sales (Professor Cama-leão). Depoimento concedido a Simone Ciraque e Mauro Bonfim. Suzano, junho de 2009.

Geraldo Donizete Machado (Mestre Morcego). Depoimento concedido a Simone Ciraque e Mauro Bonfim. Suzano, Julho de 2009.

Sites consultados www.capoeira-fica.org. Acesso em abril de 2011

e abril 2012.www.cultura.gov.br/site/2008/07/18/capoeira-

-vira-patrimonio-cultural-do-brasil/. Acesso em abril de 2011 e abril de 2012.

www.capoeirabrasileira.com. Acesso em 15 de junho de 2010.

http://capoeiradabahia.portalcapoeira.com/con-tent/category/10/118/194/. Acesso em 15 de junho de 2010.

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http://capoeira-bauru.sites.uol.com.br/mestre-bimba.htm. Acesso em 15 de julho de 2010.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Mestre_Pastinha. Acesso em 15 de julho de 2010.

http://www.kimcapoeira.com/capoeira/grandes--mestres/. Acesso em 15 de julho de 2010.

h t t p : / / a l m a n a q u e . f o l h a . u o l . c o m . b r /ilustrada_16dez1974.htm. Acesso em 20 de abril de 2012.

http://educacao.uol.com.br/cultura-brasileira/camara-cascudo.jhtm. Acesso em 15 de novembro de 2011.

http://estudodacapoeira.blogspot.com/2010/02/edison-carneiro-cadernos-de-folclore-1.html. Aces-so em 15 de julho de 2010.

http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/ca-mille-adorno/a-arte-da-capoeira-6.php. Acesso em 15 de novembro de 2011.

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http://www.cultura.gov.br/site/2010/10/18/en-tenda-o-culto-aos-orixas/. Acesso em 1 de outubro de 2010.

http://www.revistacapoeira.com.br/site/index.php?m=noticia&id=206. Acesso em 15 de julho de 2010.

http://blogcoisasnossas.blogspot.com/2008/04/capoeira.html. Acesso em 15 de julho de 2010.

http://www.capoeiradobrasil.com.br/jogo.htm. Acesso em 15 de julho de 2010.

http://www.dancasafricanas.com/. Acesso em 15 de julho de 2010.

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http://360graus.terra.com.br/geral/default.asp?did=2059&action=geral. Acesso em 20 de abril de 2012.

http://portalcapoeira.com/Publicacoes-e--Artigos/o-abc-da-capoeira-angola-os-manuscri-tos-de-mestre-noronha. Acesso em 20 de abril de 2012.

http://capoeiraafrobrasileiratamoios.arteblog.com.br/301591/Graduacao-da-Confederacao-Brasi-leira-de-Capoeira/. Acesso em 20 de abril de 2012.

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1936 – Em 13 de março, o jornal A Gazeta da Bahia trouxe um depoimento de Manoel dos Reis Machado (Mestre Bimba) afirmando que “a polícia regulamentará estas exibições de capoei-ras de acordo com a obra de Annibal Burlamaqui (Zuma) editada em 1928”.

1936 – Fundação do Departamento de Luta Brasileira (Capoeiragem) da Federação Paulista de Pugilismo, em 4 de novembro, por influência da Annibal Burlamaqui.

1937 – Mestre Bimba funda o Centro de Cul-tura Física e Luta Regional, por meio do Alvará n° 111, da Secretaria da Educação, Saúde e As-sistência de Salvador. Enfocando seu trabalho no campo esportivo, obtém aceitação social, passan-do a ensinar para as elites econômicas, políticas, militares e universitárias.

1940 – Decreto 2.848. Instituiu o novo Có-digo Penal Brasileiro. Não é citada a capoeira. A partir desta data o uso da palavra “Capoeira” foi liberado.

1941 – Decreto 3.199 assinado pelo Presiden-te Getúlio Vargas estabeleceu as bases da orga-nização dos desportos no Brasil. Por meio dele, foi constituída a Confederação Brasileira de Pu-gilismo, que já na fundação teve o Departamento Nacional de Luta Brasileira (Capoeiragem), em-brião da Confederação Brasileira de Capoeira. Este foi o primeiro reconhecimento desportivo oficial da modalidade.

1945 – Dando prosseguimento ao Proje-to da Ginástica Nacional, o professor Inezil Penna Marinho publica o livro “Subsídios para o Estudo da Metodologia do Treina-mento da Capoeiragem”. Esta obra também foi inspirada em Annibal Burlamaqui.

1952 – Fundação do Centro Esportivo Capo-eira Angola, em Salvador, celebrizado por ter à frente o mestre Vicente Ferreira Pastinha.

1953 – O Conselho Nacional de Desportos expede a Resolução 071, estabelecendo critérios para a prática desportiva da capoeira. Este foi o

segundo reconhecimento desportivo oficial.1966 – Participação dos representantes da

chamada capoeira Angola, sob a liderança de Mestre Pastinha, no Primeiro Festival de Artes Negras de Dakar. A delegação brasileira volta do Senegal afirmando que não existia capoeira na África. Passam então a reivindicar uma posição nacional, afirmando que a capoeira Angola é a verdadeira luta brasileira, uma vez que Mestre Bimba a havia registrado com o nome “luta re-gional”.

1967 – A Força Aérea Brasileira organizou o Primeiro Congresso Nacional de Capoeira.

1969 – A Força Aérea Brasileira organizou o Segundo Congresso Nacional de Capoeira.

1972 – Terceiro reconhecimento oficial da capoeira como uma modalidade desportiva, por ato do Conselho Nacional de Desportos. Inicia--se a fundação das Federações Estaduais de Ca-poeira, sob a jurisdição do Departamento Nacio-nal de Capoeira da Confederação Brasileira de Pugilismo.

1981 – O professor Inezil Penna Marinho apresenta o Projeto Técnico-Científico da Gi-nástica Brasileira, inspirada na capoeira, ao Con-gresso Mundial da Associação Internacional de Escolas Superiores de Educação Física.

1992 – Fundação da Confederação Brasilei-ra de Capoeira, a partir do desmembramento do Departamento Nacional de Luta Brasileira (Ca-poeira) da Confederação Brasileira de Pugilismo.

1993 – Realização do Primeiro Congres-so Técnico Nacional de Capoeira, ocorrido em Guarulhos (SP). Objetivo: padronização de pro-cedimentos técnicos, culturais, desportivos e ad-ministrativos.

1993 – Primeiro Seminário Técnico de Ela-boração do Regulamento Nacional de Capoeira, ocorrido, em Salvador (BA).

1995 – Reconhecimento da capoeira e vincu-lação da Confederação Brasileira de Capoeira ao Comitê Olímpico Brasileiro.

1997 – Organização do Segundo Congresso Técnico Nacional de Capoeira. Avanço nas pa-dronizações técnicas e desportivas.

1999 – Realização do Terceiro Congresso Técnico Nacional e Primeiro Congresso Téc--nico Internacional de Capoeira, na Cidade de São Paulo. Aprofundamento das padronizações técnicas e difusão para o exterior.

1999 – Fundação da Federação Internacional de Capoeira, em São Paulo.

1999 – Fundação da Associação Brasileira de Árbitros de Capoeira, em São Paulo.

2002 – Introdução da Capoeira como moda-lidade oficial nos Jogos Regionais e Abertos dos estados de São Paulo e de Goiás.

2002 – Realização do Quarto Congresso Técnico Nacional e Segundo Congresso Técni-co Internacional, realizado em novembro, em Vitória (ES). Estabelecimento do Regulamento Internacional de Capoeira e dos saberes, com-petências e habilidades para os técnicos, treina-dores e alunos.

2002 – A Federação Internacional de Capoei-ra torna-se fundadora da União Mundial de Ar-tes Marciais, em evento ocorrido em outubro, na cidade de Chung Ju, Coréia do Sul.

2003 – A Federação Internacional de Capoei-ra sagra-se bicampeã no VI Festival Mundial de Artes Marciais, realizado na cidade de Chung Ju, Coréia do Sul.

2003 – A Federação Internacional de Capo-eira funda a Universidade Livre de Capoeira e Artes Marciais.

2008 – A capoeira é reconhecida como patri-mônio imaterial cultural brasileiro pelo Institu-to do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

__________________________________________________

23 Baseado na Federação Internacional de Capoeira

Anexo II

Linha do tempoda capoeira em Suzano

década 1970 – Mestre Pinguim inicia for-mação de mestres em Suzano

1978 – Mestre Amaro se instala em Suzano 1979 – Mestre Morcego chega a Suzano 1979 – Mestre Amaro inaugura a Academia

Marinheiros, na região central de Suzanodécada 1980 – há pelo menos dez acade-

mias de capoeira na zona leste de São Paulo (números não oficiais)

1981 – Mestre Chico chega a Suzano e fun-da, no mesmo ano, a Associação Desportiva Príncipe de Angolinha, no distrito de Palmeiras

1982 – Mestre Leão inicia trabalho com a capoeira

1983 – Mestre Morcego abre a Academia Discípulos da Raiz, no bairro da Casa Branca

1987 – Chegada do Mestre João D’ Barro a Suzano

década de 1990 – Chegada do Mestre Yuna a Suzano

2000 – Fundada a Academia Tradicional de Capoeira do Brasil, de Mestre Yuna

2002 – A Liga Municipal de Capoeira de Su-zano é fundada pelo Mestre Faísca e pela moni-tora Andorinha

2003 – Realizado o Festival de Capoeira e o Primeiro Festival Folclórico de Capoeira em Suzano

2004 – Realizado em Suzano o primeiro curso de capoeira Angola. Realizado o Segundo Festival Folclórico de Capoeira

2005 – Criação do Conselho dos Mestres de Suzano

2005 – Realização da primeira edição da Roda de Todos os Santos, evento de cultura po-

pular organizado pela Prefeitura de Suzano, que inclui apresentações de capoeira

2007 – Mestre Chico realiza o Primeiro Fes-tival Técnico de Capoeira

2008 – Mestre Chico realiza o Segundo Fes-tival Técnico de Capoeira

2009 – Mestre Leão inaugura a Academia Gaviões do Morro, no Parque Maria Helena

2009 – Mestre Chico promove o Terceiro Festival Técnico de Capoeira

2009 – Inaugurado pela Prefeitura de Suza-no o Pavilhão da Cultura Afrobrasileira Zumbi dos Palmares, no Parque Marx Feffer, dentro das comemorações do aniversário da cidade

Anexo III

Marcos legais da capoeira• O Código Penal do Brasil, instituído pelo

Decreto nº487, de 11 de Outubro de 1890, esta-belecia em seu capítulo XIII:

Artigo 402 - Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e des-treza corporal conhecido pela denomi-nação de capoeiragem. Pena de dois a seis meses de reclusão.

Parágrafo Único - É considerado cir-cunstância agravante pertencer à ca-poeira, alguma Banda ou Malta. Aos chefes, ou cabeças, impor-se-á pena em dobro.

Artigo 403 - No caso da reincidência será aplicada ao capoeirista, no grau máximo, a pena do artigo 400 (reclu-são por três anos, em Colônias Penais e Presídios Militares na Fronteira).

Artigo 404 - Se nesse exercício de ca-poeira, perpetrar homicídio, provocar lesão corporal, ultrajar o poder público ou particular, e perturbar a ordem, a tranquilidade e a segurança pública ou for encontrado com armas, incorrerá nas penas cominadas para tais crimes.

• A Lei foi aplicada com rigor. No início do Governo Provisório, foram perseguidos pelos chefes de polícia, presos e deportados em gran-de número para Fernando de Noronha. Daí em diante, a tendência foi o desaparecimento de ca-poeiristas. A redução foi grande e vários foram presos.

• No ano de 1937, a capoeira voltou a existir sem a perseguição de outrora. O então presi-dente Getúlio Vargas reabilitou a capoeira, der-rubando o Decreto-Lei nº487 e assegurou sua existência em “espaços fechados”. O controle institucional passava a existir em troca de sua legalidade.

• A finalidade da legalização da capoeira foi a de permitir a constituição de um campo de apoio à uniformização social que o Estado Novo implementaria.

• Diferentemente da República dos Coro-néis, a República de Vargas foi subsidiada por uma retórica do corpo. Este discurso está mar-cado pela política desportiva e pela proposta de formação do professor de Educação Física.

• Lei 10.639/2003 – de 9 de janeiro de 2003: altera a lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB) e estabelece as diretrizes para a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afrobrasileira no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áre-as de Educação Artística, Literatura e História Brasileira.

• Na mesma lei foi incluída a instituição, no calendário escolar, o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra.

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desaFios no BRasil e eM suzano

IDEALIZAçãOWalmir Pinto

PESQuISA, ENTREVISTAS E TEXTOSMauro Bonfim e Simone Ciraque

EDIçãOTaís Aranha (Secom)

REVISãOMayara Francine (Secom)

FOTOSWanderley Costa (Secom)

Acervo Habilitis Consultoria - 2009

PROJETO GRÁFICO

Aluísio Barbosa (Secom)

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