capitulo 8 - canais

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA AGRÍCOLA DISCIPLINA: AD0 195 HIDRÁULICA APLICADA CRÉDITOS: 4 Carga Horária: 64 Horas-aula PROFESSOR: Dr. Luís Camboim E-mail: [email protected] CAPÍTULO 8 8 CONDUTOS LIVRES OU CANAIS. MOVIMENTO UNIFORME 8.1 Condutos livres Até o presente capítulo, apenas foram considerados os condutos forçados. Os condutos livres estão sujeitos à pressão atmosférica, pelo menos em um ponto da sua seção de escoamento. São chamados livres os condutos sujeitos à pressão atmosférica. Eles também são denominados "canaise normalmente apresentam uma superfície livre de água, em contacto com a atmosfera. Na Figura 8.1 são mostrados dois casos típicos de condutos livres (a e b); em (c) está indicado o caso limite de um conduto livre: embora o conduto funcione completamente cheio, na sua gera triz interna superior atua uma pressão igual à atmosférica. Em (d) está representado um conduto forçado no qual existe uma pressão maior do que a atmosférica. Figura 8.1 Os cursos d'água naturais constituem o melhor exemplo de condutos livres. Além dos rios e canais, funcionam como condutos livres os coletores de esgotos, as galerias de águas pluviais, os túneis-canais, as calhas, canaletas etc. São, pois, considerados canais todos os condutos que conduzem águas com uma superfície livre, com secção aberta ou fechada

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Page 1: Capitulo 8 - Canais

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA AGRÍCOLA DISCIPLINA: AD0 195 – HIDRÁULICA APLICADA CRÉDITOS: 4 – Carga Horária: 64 Horas-aula PROFESSOR: Dr. Luís Camboim – E-mail: [email protected]

CAPÍTULO 8

8 CONDUTOS LIVRES OU CANAIS. MOVIMENTO UNIFORME

8.1 Condutos livres

Até o presente capítulo, apenas foram considerados os condutos

forçados. Os condutos livres estão sujeitos à pressão atmosférica, pelo menos em

um ponto da sua seção de escoamento.

São chamados livres os condutos sujeitos à pressão atmosférica. Eles

também são denominados "canais” e normalmente apresentam uma superfície livre

de água, em contacto com a atmosfera.

Na Figura 8.1 são mostrados dois casos típicos de condutos livres (a e b);

em (c) está indicado o caso limite de um conduto livre: embora o conduto funcione

completamente cheio, na sua gera triz interna superior atua uma pressão igual à

atmosférica. Em (d) está representado um conduto forçado no qual existe uma

pressão maior do que a atmosférica.

Figura 8.1

Os cursos d'água naturais constituem o melhor exemplo de condutos

livres. Além dos rios e canais, funcionam como condutos livres os coletores de

esgotos, as galerias de águas pluviais, os túneis-canais, as calhas, canaletas etc.

São, pois, considerados canais todos os condutos que conduzem águas com uma

superfície livre, com secção aberta ou fechada

Page 2: Capitulo 8 - Canais

8.2 Tipos de movimento

O escoamento em condutos livres pode se realizar de várias maneiras:

ESCOAMENTO

UNIFORME PERMANENTE (Secção uniforme, profundidade e velocidade

constantes) (Numa determinada secção a vazão permanece constante)

VARIADO (Acelerado ou Retardado)

Gradualmente

Bruscamente NÃO PERMANENTE (vazão variável)

Se ao longo do tempo o vetor velocidade não se alterar em grandeza e

direção, em qualquer ponto determinado de um líquido em movimento, o

escoamento é qualificado como permanente. Nesse caso as características

hidráulicas em cada secção independem do tempo. (Essas características podem, no

entanto, variar de uma secção para outra, ao longo do canal; se elas não variarem

de secção para secção ao longo do canal o movimento será uniforme.)

Considerando-se agora, um trecho de canal, para que o movimento seja

permanente no trecho é necessário que a quantidade de líquido que entra e que sai

mantenha-se constante.

Consideremos um canal longo, de forma geométrica única, com uma

certa rugosidade homogênea e com uma pequena declividade constante. A água

escoará ao longo desse canal pela ação da gravidade, com certa velocidade e

profundidade. Com essa velocidade fica balanceada a força que move o líquido e a

resistência oferecida pelos atritos interno e externo (este decorrente da rugosidade

das paredes).

Aumentando-se a declividade, a velocidade aumentará, reduzindo-se a

profundidade e aumentando os atritos (resistência), sempre de maneira a manter o

exato balanço das forças que atuam no sistema.

Page 3: Capitulo 8 - Canais

Figura 8.2

Não havendo novas entradas e nem saídas de líquido a vazão será

sempre a mesma e o movimento será permanente (com permanência de vazão). Se

a profundidade e a velocidade forem constantes (para isso a secção de escoamento

não pode ser alterada), o movimento será uniforme e o canal também será chamado

uniforme desde que a natureza das suas paredes seja sempre a mesma.

Neste caso a linha d'água será paralela ao fundo do canal.

8.3 Carga específica

Pode-se, então, escrever para a carga total (HT) existente na secção:

O coeficiente cujo valor geralmente está compreendido entre 1,0 e 1.1

leva em conta a variação de velocidades que existe na secção. Na prática adota-se

o valor unitário, com aproximação razoável, resultando:

Em secções a jusante a carga será menor, pois o valor y vai se reduzindo

para permitir a manutenção do escoamento contra os atritos.

Passando se a tomar a referencia o próprio fundo do canal a carga na

secção passa a ser:

.......... (1)

He denomina-se carqa específico e resulta da soma da altura de água com

a carga cinética ou energia de velocidade.

Os canais uniformes e o escoamento uniforme não existem na natureza.

Page 4: Capitulo 8 - Canais

Até mesmo no caso de condutos artificiais prismáticos, longos e de pequena

declividade as condições apenas se aproximam do movimento uniforme.

Essas condições de semelhança apenas acontecem a partir de uma certa

distância da secção inicial e também deixam de existir a uma certa distância da

secção final. (Nas extremidades a profundidade e a velocidade são variáveis.)

É por isso que nos canais relativamente curtos não podem prevalecer as

condições de uniformidade.

Em coletores de esgotos, concebidos como canais de escoamento

uniforme, ocorrem condições de remanso e ressaltos de água onde o movimento se

afastada uniformidade.

Nos canais com escoamento uniforme o regime poderá se alterar

passando a variado em conseqüência de mudanças de declividade, variação de

secção e presença de obstáculos.

Figura 8.3

8.4 Lei de Chézy

Conforme será mostrado a velocidade no caso do escoamento uniforme

segue a lei de Chézy:

ou

Como Q = AV

= A2C2RI

Ou .......... (2)

Page 5: Capitulo 8 - Canais

Q = vazão, m3/s

A = secção de escoamento, m2

C = coeficiente

R = raio hidráulico, m

I = decIividade, em m por m

O coeficiente C de Chezy não é numérico (dimensional): para unidades

métricas e segundos o seu valor varia desde 40 para paredes rugosas até 100 caso

de paredes muito lisas.

8.5 Profundidade crítica

Denomina-se crítica a profundidade de água em um canal que corresponde

ao valor mínimo da carga específica (He) quando se tem certa vazão. Em ou

palavras: a profundidade crítica é aquela para a qual ocorre a maior vazão quase

tem uma carga específica estabelecida. (Neste caso o Número de Fraude é iguala a

1).

A carga específica é dada por:

Podendo se escrever:

De onde se tira:

.......... (3)

Pesquisando-se as condições de máximo e mínimo constata-se que se

anula sempre que h = (e também se A fosse 0). Derivando se a equação:

Como dA=Bdh ( v. Fig. 8.4) e considerando se uma profundidade média

,

Obtém-se

Page 6: Capitulo 8 - Canais

:

Figura 8.4

Esta derivada se anula para um certo valor de h que chamamos de

profundidade crítica . Então:

e

.......... (4)

Substituindo na expressão (3)

.......... (4)

8.6 Velocidade média crítica

A velocidade média critica passa a ser:

........ (5)

e ainda:

........ (6)

ou

E como

tem-se:

........... (7)

A vazão máxima em uma secção é alcançada quando a velocidade da água

igualar a velocidade crítica.

A velocidade crítica é igual à velocidade de propagação de uma onda

infinitamente pequena em um canal com profundidade média

Page 7: Capitulo 8 - Canais

Nos canais de forma retangular as expressões se simplificam:

hmc = h e hmc = hc

A equação (4) fica:

........ (8)

A equação (7) aplicada a unidade de largura de canal , com

Fica sendo

........... (9)

(onde q é a vazão máxima correspondente à profundidade crítica e relativa a I m de

largura de canal).

Conclui-se, portanto, que quando se tem uma vazão dada (Q ou q), a

profundidade crítica h, é invariável.

No caso de escoamento uniforme a profundidade que a água apresenta

vai depender da declividade I.

Tratando-se de condutos de secção circular funcionando parcialmente

cheios a profundidade crítica pode ser calculada pela fórmula:

2/3

Que é válido para:

8.7 Declividade crítica

Partindo-se da equação (2) para as condições críticas,

Page 8: Capitulo 8 - Canais

cc RIAQ22

e da equação (4)

e como

B

Ahmc

B

gAQ

32 ........ (10)

Igualando-se as duas expressões. que dão Q2:

B

gARICA cc

322

BRC

gA

BRAC

gAI c

c

c 222

3

E como m

c hB

A

RC

ghI m

c 2 ........ (11)

Sempre que a declividade de um canal ultrapassar a declividade critica

(Ic) a profundidade nesse canal será inferior à profundidade crítica e o movimento da

água será torrencial1.

8.8 Variação da vazão em função da profundidade (para uma certa carga Hc

dada.)

A equação (3)

)(2 hHcgAQ

sendo representada graficamente (valores de Q resultantes de valores admitidos

para h):

1 Não se deve confundir o escoamento torrencial com o movimento turbulento. Nos canais o

movimento é sempre turbulento, mesmo no caso de regime fluvial.

Page 9: Capitulo 8 - Canais

Figura 8.5

Pode-se observar que o ponto crítico divide a curva em dois ramos. Para

qualquer valor de Q, inferior ao que é dado pela altura crítica, existem 2 valores

possíveis para a profundidade de água, ambos correspondendo à mesma carga He

Para a profundidade h1, maior do que a profundidade crítica, a velocidade V1 será

menor do que a velocidade crítica e menor do que a velocidade das ondas

infinitamente pequenas.

Neste caso as ondas infinitamente pequenas poderiam se propagar tanto

para montante, como para jusante e o regime se denomina fluvial. (tranqüilo).

No outro caso a velocidade V2 será mais elevada do que mcgy e as

ondas infinitamente pequenas somente podem se propagar para jusante, dando

lugar a um regime torrencial (ou supercrítico).

As duas profundidades possíveis (na Figura h1 e h2) são denominadas

profundidades alternadas ou conjugadas.

Resumindo:

- Para valores fixos de He e h há um único valor possível de Q.

- Para valores fixos de Q e h há um único valor possível de He.

- Para valores fixos de Q e He podem existir 2 valores possíveis de h (e

excepcionalmente I ou nenhum valor).

8.9 Como causar o regime supercrítico?

O escoamento tranqüilo ou fluvial pode se transformar em escoamento

supercrítico ou torrencial mudando-se a secção do canal ou aumentando-se

consideravelmente a declividade (V. Declividade crítica).

Page 10: Capitulo 8 - Canais

Para que seja formado um ressalto hidráulico é necessário que a

velocidade de montante seja supercrítica.

8.10 Movimento retardado

A existência de um obstáculo no canal (uma barragem, por exemplo)

causa a elevação da profundidade, redução da velocidade e, conseqüentemente, o

movimento variado retardado. Forma-se, dessa maneira, um remanso.

A variação de profundidade no caso de um remanso sempre é muito

gradual, abrangendo longo trecho do canal (distâncias grandes).

8.11 Variação da carga específica (He) em função da profundidade h da

água

Partindo-se de uma certa vazão conhecida Q pode-se traçar uma curva

que mostra a variação de He em função de h. Obtém-se, assim, um outro tipo de

curva para mostrar a ocorrência dos dois tipos de escoamento:

Figura 8.6

A carga específica é:

g

VhH e

2

2

...... (12)

2

2

2gA

QhH e

Calcula-se He e depois determina-se

emc Hh3

2

Determina-se então

mcc ghAQ

Mantendo-se o valor de Q, traçam-se os pontos

correspondentes a vários valores arbitrados para 11,

obtendo-se os resultados para He segundo a

expressão (12).

Page 11: Capitulo 8 - Canais

EXEMPLO 8.1 - Um canal de concreto mede 2,00 m de largura e foi projetado para funcionar

com uma profundidade útil de 1,00 m. A declividade é de 0,0005 m/rn. Determinar a vazão e

verificar as condições hidráulicas do escoamento.

Figura 8.7

A = 2,00 x 1,00 = 2,00 m2

P = 2,00 + 1,00 + 1,00 = 4,00 m

RH = 2,00/4,00 = 0,5 m

I = 0,0005 m/m

= 016 (fórmula de Bazin)

71

1

87

HR

C

IR

R

V H

H

1

87

sm

I

V /12,10005,05,0

5,0

16,0

87

Q = AV = 2,00 x1,12 = 2,24 m3/s.

Carga específica: mg

064,12

12,100,1

2g

Vh=H

22

e

Profundidade crítica: mH e 709,03

064,12

3

2h

Velocidade crítica: smgxghmc /85,13545,0Vc

Declividade crítica sm

x

gx

xRnC

ghm /00194,050,071

50,0I

22c

Conclui-se que o regime é fkuvial (tranqüilo)

Traçado da curva para a Carga Específica constante

)(2 hHcgAQ

Hc = 1,064 m

Page 12: Capitulo 8 - Canais

Traçado da curva para a Vazão Máxima constante

Q = 3,73 m3/s

2g

Vh=H

2

e

* A profundidade crítica poderia ser comprovada usando-se a expressão

3 3

2

71,073.150,0

mgg

qhc

Page 13: Capitulo 8 - Canais

As duas curvas estão apresentadas nas Figuras 8.8 e 8.9.

Figura 8.8

Figura 8.9

Admitindo-se agora que o canal, com a mesma forma e dimensões

estruturais, fosse construído com uma declividade muito maior - 0,004 m/m -, como

resultariam as condições de escoamento?

Tem-se que Q = 2,24 m3/s e I = 0,004 m/m.

Como não se conhece a altura da lâmina d'água para a vazão com essa

declividade, resolve-se o problema por tentativas.

Tomando-se inicialmente h = 0,50 m tem-se:

A = 2,00 x 0,50 = 1,00 m2 p = 2,00+ 0,50 + 0,50 = 3,00 m

mRh 33,000,3

00,1

671,67

33,0

16,01

87

C

mxIRCV n 44,2004,033,06,67

Q = AV – 1,00 x 2,44 = 2,44 m3/s

Tomando-se, numa segunda tentativa, um valor pouco menor para h:

H = 0,46 m V = 2,44 m/s

mRh 317,092,2

92,0

Page 14: Capitulo 8 - Canais

Q = AV = 2,22 m3/s (muito próximo)

Carga específica: mg

756,02

44,246,0

2g

Vh=H

22

e

Profundidade crítica: mHe 504,0,03

756,02

3

2h c

Velocidade crítica: smgxghmc /1865252,0Vc

Declividade crítica sm

x

gx

xRnC

ghm /0015,0317,06,67

23,0I

22c

8.12 Projeto de pequenos canais com fundo plano horizontal

Em certas instalações, como por exemplo, estações de tratamento, são

comuns canais e canaletas relativamente curtos, com fundo sem declividade, assim

construídos por facilidade ou conveniência estrutural.

Freqüentemente são projetados com uma secção determinada para

manter a velocidade de escoamento com um valor conveniente. Há dois casos a

considerar:

1. Canais "afogados", cujo nível d'água a jusante é predeterminado por uma

condição de chegada. Neste caso calcula-se a perda de carga e. partindo-se do

N.A. conhecido de jusante pode-se obter o nível de montante;

2. Canais "livres", que descarregam livremente a jusante, onde o nível é bem mais

baixo. Neste caso sabe-se que na extremidade do canal a profundidade do líquido

cairá abaixo da profundidade crítica. Partindo-se da profundidade crítica determina-

se a profundidade pouco acima delas (H = 3/2 hJ A partir desse ponto calcula-se a

perda de carga para se encontrar o nível de montante.

Se o canal receber contribuições pontuais ao longo da sua extensão ele

poderá ser subdividido em trechos para efeito de cálculo.

8.13 Observações sobre projetos de canais (com escoamento permanente

uniforme)

1. O projeto de canais pode apresentar condições complexas que exigem a

Page 15: Capitulo 8 - Canais

sensibilidade do projetista e o apoio em dados experimentais.

O projeto de obras de grande importância deve contar com a colaboração

de um especialista.

2. Sabendo-se que os canais uniformes e o escoamento uniforme não existem na

prática, as soluções são sempre aproximadas, não se justificando estender os

cálculos além de 3 algarismos significativos.

3. Para os canais de grande declividade recomenda-se a verificação das condições

de escoamento crítico.

4. Em canais ou canaletas de pequena extensão não se justifica a aplicação de

fórmulas práticas para a determinação da profundidade ou da vazão.

8.14 Forma dos condutos

Os condutos livres podem ser abertos ou fechados, apresentando-se, na

prática, com uma grande variedade de seções.

Os condutos de pequenas proporções geralmente são executados com a

forma circular.

A seção em forma de ferradura é comumente adotada para os grandes

aquedutos.

Os canais escavados em terra normalmente apresentam uma seção

trapezoidal que se aproxima tanto quanto possível da forma semi-hexagonal. O

talude das paredes laterais depende da natureza do terreno (condições de

estabilidade).

Os canais abertos em rocha são, freqüentemente, de forma retangular,

com a largura igual a cerca de duas vezes a altura.

As calhas de madeira ou aço são, em geral, semicirculares.

8.15 Distribuição das velocidades nos canais

A variação de velocidade, nas seções dos canais, vem sendo investigada

há muito tempo. Para o estudo da distribuição das velocidades consideram-se duas

seções.

Page 16: Capitulo 8 - Canais

a) Seção transversal

A resistência oferecida pelas paredes e pelo fundo reduz a velocidade. Na

superfície livre, a resistência oferecida pela atmosfera e pelos ventos também

influência a velocidade. A velocidade máxima será encontrada na vertical (1) central,

(Figura 8.10) em um ponto pouco abaixo da superfície livre.

Figura 8.10

Podem ser consideradas as curvas isotáquicas, que constituem o lugar

geométrico dos pontos de igual velocidade.

Figura 8-11 -Velocidades constatadas no canal de Sudbury (valores em pés/s).

b) Seção longitudinal

A Figura 8.12 mostra a variação da velocidade nas verticais (1), (2) e (3),

indicadas na Figura 8-10.

Considerando-se a velocidade média em determinada seção como igual a

1.0, pode-se traçar o diagrama de variação da velocidade com a profundidade

(Figura.8-13).

Page 17: Capitulo 8 - Canais

Figura 8.13

Figura 8.13

8.16 Relações para a velocidade média

O Serviço Geológico dos Estados Unidos (United States Geological Survey)

apresenta as relações dadas a seguir, que são de grande utilidade nas e

terminações e estimativas de vazão.

a) A velocidade média numa vertical geralmente equivale de 80 % a 90 % da

velocidade superficial;

6,0méd.V V

b) A velocidade a seis décimos de profundidade é, geralmente, a que mais se

aproxima da velocidade média;

2V

8,02,0

méd.

VV

c) Com maior aproximação do que na relação anterior, tem-se

4

2V

2,02,0

méd.

8,0 VVV

d) A velocidade média também pode ser obtida partindo-se de

Essa última expressão é mais precisa. Sobre o assunto, veja a Secção

8.17.

8.17 Seção molhada e perímetro molhado

Como os condutos livres podem apresentar as formas mais variadas,

Page 18: Capitulo 8 - Canais

podendo, ainda, funcionar parcialmente cheios, torna-se necessária a introdução de

dois novos parâmetros para o seu estudo.

Denomina-se seção molhada de um conduto a área útil de escoamento

numa seção transversal. Deve-se, portanto, distinguir S, seção de um conduto

(total), e A, área molhada (seção de escoamento).

Figura 8.14

O perímetro molhado é a linha que limita a seção molhada junto às

paredes e ao fundo do conduto. Não abrange, portanto, a superfície livre das águas.

8.18 Equação geral de resistência

Torne-se um trecho de comprimento unitário. O movimento sendo

uniforme, a velocidade mantém-se à custa da dec1ividade do fundo do canal,

declividade essa que será a mesma para a superfície livre das águas. Sendo o

peso específico da massa líquida, a força que produz o movimento será

F = Asen

Figura 8.15

Desde que o movimento seja uniforme, deve haver equilíbrio entre as

forças aceleradoras e retardadoras, de modo que a força F deve contrabalançar a

resistência oposta ao escoamento pela resultante dos atritos. Essa resistência ao

escoamento pode ser considerada proporcional aos seguintes fatores:

a) peso específico do líquido;

Page 19: Capitulo 8 - Canais

b) perímetro molhado;

c) comprimento do canal (= 1);

d) uma certa função (V) da velocidade média; e,

Res. = P(V

Igualando-se as Equações. (1) e (2),

Asen = P(V

Na prática, em geral, a declividade dos canais é relativamente pequena,

10º

permitindo que se tome

sem tg = I (declividade)

)(VIP

A

A relação P

A; é denominada raio hidráulico ou raio médio

molhadoperímetro

molhadaáreaRH

chegando-se, então, à expressão

)(VIRH

que é a equação geral de resistência.

Tabela 28.1 - Área molhada, perímetro molhado e raio hidráulico de algumas seções usuais

Page 20: Capitulo 8 - Canais

A declividade, nesse caso, corresponde à perda de carga unitária (J) dos

condutos forçados.

Além da equação de resistência, tem-se a equação da continuidade,

Q = AV

Essas duas equações permitem resolver os problemas práticos de

maneira análoga à dos condutos forçados; conhecidos dois elementos, é sempre

possível determinar os outros dois.

8.19 Fórmula de Chézy

Em 1775, Chézy propôs uma expressão da seguinte forma:

IRCV H

O valor de C era, nessa época, suposto independente da rugosidade das

paredes.

É interessante notar que, para um conduto de seção circular, funcionando

com a seção cheia,

4

DRH

Tomando-se I = J e fazendo-se as substituições na fórmula de Chézy,

resulta

22

4VC

DJ

expressão análoga à de Darcy, em que o expoente de D é a unidade e a

resistência varia com a segunda potência da velocidade.

8.20 Movimento turbulento uniforme nos canais

A maioria dos escoamentos em canais ocorre com regime turbulento. À

semelhança do número de Reynolds, calculado para tubos de seção circular, pode-

se calcular esse adimensional para os canais. Assim, para os condutos circulares, o

raio hidráulico vale

Page 21: Capitulo 8 - Canais

4

DRH

sendo D o diâmetro do conduto

Para o cálculo do número de Reynolds para os canais, adota-se,

freqüentemente, como dimensão linear característica, o valor D = 4RH. Assim, se o

conduto for uma seção circular cheia, esse valor coincidirá com o diâmetro D.

Então, para os canais, usualmente tem-se a seguinte expressão para o número de

Reynolds:

)4( RHVRe

RHRe

4

Calculando-se o número de Reynolds, na grande maioria dos

escoamentos considerados em Hidráulica, esse valor será superior a 105. Assim, só

serão considerados, neste capítulo, escoamentos em regime turbulento.

Para o caso particular dos movimentos laminares (Re < 1.000), o raio

hidráulico e a área da seção não são os únicos elementos geométricos do canal que

influem na equação do movimento do fluido; há que considerar um outro parâmetro

que depende, também da forma da seção.

Neste capítulo, só serão considerados os movimentos uniformes, ou seja,

aqueles em que a declividade da superfície livre corresponde à declividade do

fundo, isto é, área, raio hidráulico, vazão e declividade do fundo constantes.

8.21 - Fórmula de Chézy com Coeficiente de Manning

Qualquer expressão de movimento turbulento uniforme poderia ser

utilizada para os canais, desde que o elemento geométrico característico fosse D =

4RH, uma vez que, nos movimentos turbulentos, a forma da seção, praticamente,

não influi na equação do movimento.

Entretanto, a fórmula de Chézy, com coeficiente de Manning, é a mais

utilizada por ter sido experimentada desde os canais de dimensões minúsculas até

os grandes canais, com resultados bastante coerentes entre o projeto e a obra

construída.

Page 22: Capitulo 8 - Canais

Trata-se da Equação

3/2

HARI

nQ

Sendo

n = coeficiente de rugosidade de Ganguillet e Kutter;

Q = vazão (m3/s);

I = declividade do fundo do canal (m/m);

A = área da seção do canal (m2);

RH = raio hidráulico (m).

A única objeção que se faz à fórmula de Chézy com Coeficiente de

Manning é que o coeficiente n é um dimensional. Contudo o valor adimensional da

rugosidade D

K da chamada fórmula universal, seria calculado através das alturas

das asperezas (K), (sem se preocupar com vários outros fatores que influem na

rugosidade, como, por exemplo, a orientação das asperezas), altura essas

dificilmente medidas ou adotadas com precisão.

O valor do coeficiente n de rugosidade de Ganguillet e Kutter é pouco

variável, como se pode ver pelas Tabelas. 22.3 e 22.5.

8.22 Problemas hidraulicamente determinados

Diz-se que um problema é hidraulicamente determinado quando dos

dados deduz-se (apenas com a equação do movimento e a equação da

continuidade), de maneira unívoca, o elemento desconhecido.

Assim, conhecidos n, A e RH há uma infinidade de vazões Q que

satisfazem à equação do movimento; ficando associada a cada vazão, uma

declividade I. Então o problema de cálculo da vazão, com os valores de n, A e R

como dados, é hidraulicamente indeterminado.

São três os problemas hidraulicamente determinados, que, para qualquer

tipo de canal, ficam resolvidos com a fórmula de Chézy com coeficiente de Manning.

Dados n, A, RH e I, calcular Q; ou, dados n, A, RH e Q, calcular I.

Page 23: Capitulo 8 - Canais

Esses problemas são resolvidos com meras aplicações da fórmula de

Chézy com coeficiente de Manning. São problemas de cálculo de vazão ou

declividade de canal.

Dados n, Q e I, calcular A e RH

Já esse problema apresenta uma dificuldade de ordem prática, pois a

solução da equação

3/2

HARI

nQ

mesmo nos casos mais simples, é bastante laboriosa. É o problema de

dimensionamento geométrico do canal. Resolve-se o problema como segue.

Seja dado um canal de forma qualquer, porém conhecida (Figura 8.8).

)(

_)()(

xP

xAxRH

Calcula-se inicialmente

I

nQ

Figura 8.16

Pode-se organizar uma tabela como a do tipo mostrado a seguir para

calcular f(x) = ARH2/3

.

Page 24: Capitulo 8 - Canais

Representa-se graficamente [f(x)] x(x); entra-se com o valor I

nQ em

ordenadas e tira-se o valor de xo em abscissa, o que resolve o problema. (Daí pode-

se calcular A e RH.)

EXERCÍCIO 8.2 - Calcular a altura de água x em um canal, cuja seção transversal

tem a forma da Figura. 8.18. A vazão é 0,2 m3/s. A declividade longitudinal é 0,0004.

O coeficiente de rugosidade n, da fórmula de Manning, é 0,013.

Figura 8.17

Figura 8.18

Calcula-se inicialmente

I

nQ 13,0

0004,0

02013,0

x

Organiza-se a seguinte tabela:

Da curva [f(x)] x(x), entrando-se com o valor I

nQ= 0,13, tira-se o valor

de x procurado (Figura 8.19).

Page 25: Capitulo 8 - Canais

8.23 Método de Bandini para cálculo de canais

O Eng. Alfredo Bandini. ex-profcssor da Universidade de São Paulo,

desenvolveu um método de cálculo de canais que visa facilitar a aplicação da

fórmula de Chézy com coeficiente de Manning. Descreve-se o método a seguir.

Seja um canal qualquer. Seja uma dimensão linear característica do

canal; isto é, dado , pode-se desenhar o canal, pois todas as demais dimensões

são função de x.

Figura 8.19

Figura 8.20

Pode-se, sempre, determinar parâmetros adimensionais a e b para

formas fixadas de canais, tais como

A = a2

RH = b

Assim, para os canais circulares à meia-seção, tem-se

2

8DA

DRH4

1

Ora, se = D, tem-se 8

a e

4

1b

EXERCÍCIO 8.3 - Seja por exemplo, um canal retangular com relação altura de água

x para largura I igual a 2x.

A = ax2

xRH2

1

Ora, se = x, tem-se a = 2 e 2

1b substituindo na equação abaixo tem-se

Page 26: Capitulo 8 - Canais

3/22 )( baI

nQ

3/83/2 abI

nQ

O Prof. Bandini denominou a e b de parâmetros de forma e o produto R =

ab2/3 de coeficiente de forma.

Como, dada a forma do canal, ficam fixados a e b, também R só é função da

forma do canal. Assim,

3/8RI

nQ

8/3

IR

nQ

A Equação acima) é a expressão de Bandini, que facilitará a resolução

dos problemas de dimensionamento de canais. I

nQD foi denominado

coeficiente dinâmico por reunir as grandezas dinâmicas do problema. A mesma

equação também pode ser escrita

8/3

8/3

R

D

O Prof. Alfredo Bandini, em precedentes memórias e em seus livros

Hidráulica, Vol. I (publicado pela EESC, USP, em 1957), e Il Calcolo dei Canali

(Coperti-Edizioni DEI, Roma, 1948), publicou tabelas dos coeficientes e parâmetros

de forma, além de outras funções de utilidade para cálculo de canais para as formas

1. trapezoidal (incluindo retangular);

2. com fundo circular e lados inclinados;

3. circular;

4. ovoidal tipo Philips;

5. ovoidal tipo Latham;

6. semi-ovoidal tipo Philips;

7. semi-ovoidal tipo Latham;

8. semi-elíptica;

9. de ferradura.

Aqui, refez-se o tabelamento para as três primeiras formas utilizando-se o

Page 27: Capitulo 8 - Canais

computador IBM 1130, do Centro de Processamento de Dados da EESC, USP.

As dimensões características e os demais dados necessários ao

entendimento das tabelas são dados a seguir.

8.23.1 Canais trapezoidais (e retangulares)

Nas Tabelas. 8.2, têm-se

a) q variando de 0,0 a 3,5; de 0,1 em 0,1;

b) z variando de 0,5 a 42; de 0,5 em 0,5;

c) R=ab2/3;

d) S = R3/8.

Observações.

a) Mostra o Prof. Bandini que as formas dos canais trapezoidais que dão mínimo

perímetro molhado têm )1(2 2 qqz . Assim, para os canais retangulares (q = O),

z = 2 é a condição de mínimo perímetro molhado.

b) Para as aplicações, utilizar n, Tabela abaixo, vazão em m3/s e I em m/m.

Page 28: Capitulo 8 - Canais

Figura 8.22

Figura 8.23

8.23.2 Canais com fundo circular e lados inclinados

Nas Tabelas. 22.3 tem-se

a) q variando de 0,0 a 3,5; de 0,1 em 0,1;

b) z variando de 0,05 a 4,20; de 0,05 em 0,05;

c) R = ab2/3;

d) S = R3/8.

Observações:

a) O Prof. Bandini demonstra que a condição de mínimo perímetro molhado é z = 1.

b) Quando o valor de x for inferior a CD (Figura 8.23), o canal será de forma circular.

Nas tabelas, os asteriscos indicam esse caso.

c) Para as aplicações, utilizar n da Tabela 8.3, vazão em m/s, e I em m/m.

8.23.3 Canais de forma circular

Na Tab. 22.4, têm-se

a) I

nQcom n dado pela Tabela 23-3, sendo Q vazão em litros por segundo, I é

dado em metro por metro (notação da tabela = F);

b) D em metro variando de 0,05 a 3,00 metros: de 0,05 em 0,05;

c) D

Xz (adimensional) variando de 0,05 a 1,00, de 0,05 em 0,05.

Observações:

Page 29: Capitulo 8 - Canais

a) Mostra o Prof. Bandini que o máximo da função I

nQ ocorre para z = 0,938.

b) Tomar o cuidado de utilizar a vazão em l/s.

Figura 8.24

Figura 8.25

EXERCÍCIO 8.4 - Calcular a vazão de um canal trapezoidal com as dimensões da

Figura 8.17, cuja declividade longitudinal seja 0,0004, com uma rugosidade R =

0,013.

Q = ctg 30º = 1,732,

5,20,1

5,2z

Com os valores de q e z e com o auxílio da Tabela 22.2, tira-se, por interpolação, o

valor de R.

R = 3,179

Mas, pela Equação abaixo,

3/2

HARI

nQ

0004,0179,3

013,00,1 3/8 Q

Daí Q = 4,9 m3/s

EXERCÍCIO 8.5 - Dimensionar um canal de fundo circular e lados inclinados (45°)

para uma vazão de 10,0 m3/s, com uma declividade de 0,0005, sabendo-se que o

revestimento terá uma rugosidade n = 0,012. Deve-se fazer a maior economia

Page 30: Capitulo 8 - Canais

possível no revestimento.

De acordo com a observação (anterior, o valor 1,0, que resulta para essa

forma de canal um perímetro molhado mínimo (portanto máxima economia), é z =

1,0. Com o valor de z = 1 e q = 1 (ângulo de 45°), têm-se, na Tabela 22.3.

R = 1,125,

S = R3/8 = 1,045,

53,6 I

nQ

Daí pela equação abaixo temos,

8/3

IR

nQ m26,4

045,1

449,4

045,1

6,53

Figura 8.26

Figura 8.27

EXERCÍCIO 8.6 - Calcular a altura de água x que terá um canal circular de 2 m de

diâmetro, com uma vazão de 3,0 m 3/s, com uma declividade de 0,005, e uma

rugosidade n igual a 0,012.

Calcula-se

509005,0

000.3012,0

x

I

nQF

(observa-se que o valor de Q foi utilizado em L/s).

Da Tab. 22-4, com os valores de F = 509 e D = 2,0 m, obtém-se, por inter-

polação,

Daí, X = 0,6914 m.