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Capítulo 2 – Semicondutor Intrínseco – Prof. Marco Aurélio Fregonezi – 28/08/2017 ENT 200 – Materiais Elétricos e Magnéticos 13 Capítulo 2 – SEMICONDUTOR INTRÍNSECO 2.1 CRISTAL SEMICONDUTOR Nem todos os cristais são semicondutores, como, por exemplo, um sal. Pode-se utilizar, como material semicondutor, qualquer semi-metal, mas, para fins elétricos, utiliza-se o Silício (Si) e o germânio (Ge), ambos da família 4A, sendo o primeiro muito mais empregado. O carbono não pode ser usado para esta finalidade por causa de suas características orgânicas. Também se em- prega, como semicondutor, o arseneto de gálio GaAs, um cristal de sal proveniente da reação de ionização descrita abaixo: base ácido sal água Ga(OH)3 + H3As GaAs + 3H2O Todo o resto deste capítulo se baseia no cristal de Silício. O Silício foi descoberto pelo quí- mico sueco Jöns Jacob von Berzelius em 1823. A palavra “Silício” provém de “silex”, que, em latim, significa “pedra dura”. O isótopo mais estável é o 28, referenciado por 28 Si, encontrado em 92,23% dos átomos, com 14 prótons e 14 nêutros, formando uma massa de 28 u.m.a.. Outros isótopos encontrados na natureza são o 29 e o 30, com 15 e 16 nêutrons, respectivamente. A distribuição eletrônica do Silício é 1s 2 , 2s 2 , 2p 6 , 3s 2 , 3p 2 , possuindo 2, 8 e 4 elétrons nas camadas K, L e M, respectivamente, num total de 14 elétrons (o seu número atômico). Para formar o cristal de Silício, são necessárias quatro ligações covalentes para cada átomo de Silício. Na figura abaixo, são mostradas apenas as quatro ligações covalentes de um átomo de Silício. Para cada átomo há quatro ligações covalentes, de forma que cada átomo de Silício fique com 8 EBVs. Estas ligações não são coplanares, mas formam um tetraedro. Os elétrons que for- mam ligações covalentes estão presos na ligação e não podem se mover. Na tabela abaixo, são mostradas as principais características do cristal de Silício. Característica Valor Número atômico 14 Átomos / cm 3 5 10 22 Peso atômico 28.09 u.m.a. Tensão de ruptura 3 10 5 V/cm Estrutura Diamante Densidade 2,328 g/cm 3 Ponto de fusão 1410C Ponto de ebulição 2355C Energia do gap a 300K 1,12 eV Tabela 2.1 – Características do Silício.

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Capítulo 2 – Semicondutor Intrínseco – Prof. Marco Aurélio Fregonezi – 28/08/2017

ENT 200 – Materiais Elétricos e Magnéticos 13

Capítulo 2 – SEMICONDUTOR INTRÍNSECO

2.1 CRISTAL SEMICONDUTOR

Nem todos os cristais são semicondutores, como, por exemplo, um sal. Pode-se utilizar, como material semicondutor, qualquer semi-metal, mas, para fins elétricos, utiliza-se o Silício (Si) e o germânio (Ge), ambos da família 4A, sendo o primeiro muito mais empregado. O carbono não pode ser usado para esta finalidade por causa de suas características orgânicas. Também se em-prega, como semicondutor, o arseneto de gálio GaAs, um cristal de sal proveniente da reação de ionização descrita abaixo:

base ácido sal água

Ga(OH)3 + H3As GaAs + 3H2O

Todo o resto deste capítulo se baseia no cristal de Silício. O Silício foi descoberto pelo quí-mico sueco Jöns Jacob von Berzelius em 1823. A palavra “Silício” provém de “silex”, que, em latim, significa “pedra dura”. O isótopo mais estável é o 28, referenciado por 28Si, encontrado em 92,23% dos átomos, com 14 prótons e 14 nêutros, formando uma massa de 28 u.m.a.. Outros isótopos encontrados na natureza são o 29 e o 30, com 15 e 16 nêutrons, respectivamente.

A distribuição eletrônica do Silício é 1s2, 2s2, 2p6, 3s2, 3p2, possuindo 2, 8 e 4 elétrons nas camadas K, L e M, respectivamente, num total de 14 elétrons (o seu número atômico).

Para formar o cristal de Silício, são necessárias quatro ligações covalentes para cada átomo de Silício. Na figura abaixo, são mostradas apenas as quatro ligações covalentes de um átomo de Silício. Para cada átomo há quatro ligações covalentes, de forma que cada átomo de Silício fique com 8 EBVs. Estas ligações não são coplanares, mas formam um tetraedro. Os elétrons que for-mam ligações covalentes estão presos na ligação e não podem se mover. Na tabela abaixo, são mostradas as principais características do cristal de Silício.

Característica Valor

Número atômico 14

Átomos / cm3 5 1022

Peso atômico 28.09 u.m.a.

Tensão de ruptura 3 105 V/cm

Estrutura Diamante

Densidade 2,328 g/cm3

Ponto de fusão 1410C

Ponto de ebulição 2355C

Energia do gap a 300K 1,12 eV

Tabela 2.1 – Características do Silício.

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ENT 200 – Materiais Elétricos e Magnéticos 14

Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si Si

Figura 2.1 – Ligações covalentes no Silício.

Diversos fatores limitam o uso do Ge como semicondutor:

• Band Gap reduzido EgGe = 0,66eV EgSi = 1,1eV.

• Alta corrente de junção reversa.

• Baixa temperatura de operação (<100oC).

• Difícil obtenção de óxido.

Algumas terminologias são explicadas mais adiante.

O GeO2 é difícil de ser formado, dissolve-se em água e dissocia-se a 800C. Embora a obten-

ção de cristais de Ge (fusão a 936C) seja mais fácil do que a de cristais de Si (fusão a 1420C), as propriedades superiores do Si compensam esta maior dificuldade. O Si responde por mais de 95% do mercado de semicondutores.

Vantagens do Si:

• EgSi = 1,1eV.

• Menor corrente de fuga de junção.

• Operação até 150C.

• É oxidável termicamente (permite uso de tecnologia planar).

• O Si é o segundo elemento mais abundante na natureza (perde, apenas, para o oxigênio), compões 25,7% da crosta terrestre.

• Custo reduzido para a formação do cristal em grau eletrônico (10% do custo do Ge). O Brasil produz Silício em grau metalúrgico, inferior ao grau eletrônico.

Vantagens do GaAs:

• Mobilidade eletrônica dez vezes superior à do Si.

• Menor ruído em altas freqüências.

• Maior resistência à radiação ionizante.

• Outras propriedades elétricas e óticas superiores à do Si.

Limitações do GaAs:

• Custo de obtenção sessenta vezes maior do que o do Si.

• Frágil mecanicamente.

• Condutividade térmica inferior à do Si, é difícil dissipar calor.

• Não se oxida termicamente.

Chama-se substância cristalina aquela cujos átomos estão dispostos em posições regulares repetidas no espaço. São cristais (quando solidificados) os metais, parte das cerâmicas e alguns

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Capítulo 2 – Semicondutor Intrínseco – Prof. Marco Aurélio Fregonezi – 28/08/2017

ENT 200 – Materiais Elétricos e Magnéticos 15

polímeros. A célula unitária é um poliedro que, transladado n vezes nas direções x, y e z gera toda a rede cristalina.

Há quatro tipos de rede cristalina:

• Rede cúbica simples (simple cubic) Ex.: CsCl

• Rede cúbica de corpo centrado (body centered cubic)Ex.: Cr, Li, Ba, Nb, Cs, W.

• Rede cúbica de face centrada (face centered cubic) Ex.: Al, Cu, Au, Pb, Ni, Ag, NaCl.

• Rede tipo diamante Ex.: Si, Ge, GaAs.

http://estagionaobra.blogspot.com.br/2013/03/hoje-na-aula_2926.html

Os átomos de um cristal definem uma série de planos (planos cristalográficos). Os cristais podem apresentar propriedades diferentes para cada plano. Os índices de Miller definem os pla-nos cristalográficos. São definidos três eixos coordenados (x, y e z) e trios ordenados que definem a orientação de um vetor que parte da origem (0,0,0). As principais orientações são aquelas ba-seadas nos versores de cada eixo coordenado.

Figura 2.2 – Os principais índices de Miller.

O plano cristalográfico é ortogonal ao vetor que o define.

Figura 2.3 – Os principais planos cristalográficos.

(100) (110) (111)

(100) (110) (111)

1

1

1 x

y

z

1

1

1

x

y

z

1

1

1

x

y

z

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ENT 200 – Materiais Elétricos e Magnéticos 16

As características do semicondutor variam bastante de acordo com a orientação escolhida, ou seja, o plano cristalográfico mostrado na superfície do semicondutor. Quando se adquire um wafer para a construção de um circuito integrado, deve-se atentar para a orientação cristalina da superfície do wafer, informação obtida por meio de sinalizações colocadas no wafer pelo fabri-cante. De acordo com a orientação, o cristal semicondutor pode apresentar túneis triangulares, quadrados ou hexagonais.

A fabricação de Silício para a indústria de semicondutores passa por quatro etapas: 1. Quartzito 2. Silício policristalino 3. Silício monocristalino 4. Lâminas

O Silício policristalino (Si-Poli) é muito mais barato do que o monocristalino, porém apre-senta menores propriedades semicondutoras. O policristal é um sólido formado por diversas par-tículas monocristalinas, cada uma assumindo uma aleatória orientação espacial. O monocristal é um sólido no qual a orientação cristalina é a mesma em todo o volume. O monocristal pode pos-suir defeitos cristalográficos que afetam suas propriedades semicondutoras.

2.2 CARGAS E NÍVEIS DE ENERGIA

O aumento da temperatura e/ou a incidência de luz ou qualquer outro agente externo que provoque o aumento da energia (entropia) do sistema podem quebrar algumas ligações covalen-tes, causando a liberação de alguns elétrons. Estes elétrons, que não pertencem a nenhuma liga-ção covalente, estão livres e podem locomover-se, tal como ocorre nas ligações metálicas.

A quebra da ligação covalente se deve ao fato de que, ao adicionar energia a um EBV, sua energia cinética aumenta, sua velocidade tangencial aumenta, a força centrífuga aumenta, e a força centrípeta de atração não é mais suficiente para equilibrar o sistema, o elétron sai da órbita e deixa de gravitar sobre o núcleo.

Os EBVs energizados deixam a BV e vão para um outro nível de energia, maior, ao qual se dá o nome de banda de condução BC, pois nesta camada a condução de elétrons é feita. A palavra “banda” se refere ao fato se tratar de uma faixa de energia, e não de, apenas, um nível específico de energia. Estes elétrons na BC (EBCs) também são chamados de cargas móveis negativas. Nos metais, tem-se, apenas, condução de cargas negativas.

A BC possui este nome porque é nela que ficam os elétrons livres, que, por serem livres, fazem a condução de corrente elétrica. Quanto maior for o número de EBCs, maior será a condu-tividade do semicondutor.

• EBVs: menos energéticos, presos aos átomos pelas ligações covalentes.

• EBCs: mais energéticos, livres.

Quando um elétron deixa a BV, ela fica com um elétron a menos. Esse espaço deixado pelo elétron (ligação covalente rompida) é chamado de lacuna. A palavra “lacuna” representa o espaço vazio deixado por algo que ocupava tal espaço e que, por algum motivo, foi retirado. Esta lacuna na BV (LBV) é livre para se locomover, ou seja, ligações são rompidas e reestabelecidas, formando o movimento da lacuna. As LBVs também são chamadas de cargas móveis positivas (se um elétron é uma carga negativa, a ausência de um elétron é uma carga positiva).

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ENT 200 – Materiais Elétricos e Magnéticos 17

Uma lacuna pode ser vista como um elétron a menos na BV e isso acarreta na formação de um cátion. O Silício à temperatura ambiente pode ser visto como um “mar” de EBCs e de LBVs cujas cargas são compensadas, sendo a carga móvel total nula; mas, também, pode ser visto como um “mar” EBCs sobre uma superfície de cátions, sendo a carga total nula. Os átomos de Silício são fixos, presos à rede cristalina por meio das ligações covalentes, porém, uma vez que as liga-ções covalentes podem ser quebradas e refeitas, os átomos podem sofrer constantes ionizações (geração iônica) e neutralizações (recombinação iônica), de modo que a ligação quebrada pode mudar de posição, e a carga iônica se mova livremente. Isso permite abstrarir que as ligações quebradas sejam móveis, muito embora os átomos (ionizados ou não) sejam fixos. Esse pensa-mento somente pode ser feito porque os átomos de Silício estão todos lado a lado na estrutura cristalina e a ligação rompida pode se mover aleatoriamente em qualquer direção.

Os metais são formados por um “mar” de EBCs e de uma superfície de cátions, ou seja, exatamente o que acontece com o Silício excitado energeticamente, motivo que explica a boa condutância do Silício em altas temperaturas. Porém os metais não apresentam ligações covalen-tes e, sim, ligações metálicas, motivo pelo qual eles não possuem LBVs. Os metais possuem, ape-nas, cargas móveis negativas, enquanto os semicondutores apresentam cargas móveis positivas e negativas.

O termo carga negativa e positiva podem ter três significados, dependendo do contexto:

Interpretação Carga negativa Carga positiva

Atomística Elétron Próton

Ionização Elétron(s) a mais (ânion) Elétron(s) a menos (cátion)

Portador EBC LBV

Tabela 2.2 – Significado das cargas.

A adição de energia no cristal semicondutor por qualquer motivo (temperatura, luz, defor-mação, etc) provoca o surgimento de EBCs e de LBVs. A liberação desta energia, por parte do semicondutor, provoca a formação de EBVs. Mantendo a analogia, poderia-se imaginar que, junto com a formação de EBVs no semicondutor, também se formam LBCs. Porém, uma lacuna é definida como uma ligação covalente rompida, e, como não há ligações covalentes na BC (nem nenhuma outra forma de ligação química), as LBCs não existem.

Os EBVs (e as fictícias LBCs), como não transportam cargas, são bem menos importantes do que os EBCs e as LBVs no estudo da condução de corrente elétrica. Menos importantes, ainda, são os elétrons nas demais órbitas dos átomos, menos energéticas e mais internas (K e L).

No semicondutor, há dois tipos de elétrons:

• EBV: menos energético, preso às ligações covalentes.

• EBC: mais energético, livre.

Ao contrário dos elétrons, que estão nas duas bandas (BV e BC), as lacunas só existem na BV, pois, como já foi dito antes, elas correspondem a ligações covalentes rompidas e estas liga-ções só existem na BV. A lacuna só é definida para semicondutores. Para fins didáticos, pode-se imaginar que, tal como o elétron, a lacuna exista, também, nas duas bandas. Esta ficção pode facilitar o entendimento dos fenômenos ocorridos nos semicondutores. Pode-se imaginar a LBC como sendo a ausência de um EBC, elétron este que migrou para a BV, tornando-se um EBV, eliminando uma LBV.

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Há dois tipos de lacunas conceituais:

• LBV: mais energética, livre, ligação covalente rompida.

• LBC: fictícia, menos energética, representando um elétron a menos.

Quanto mais externo for o orbital, mais energético é o elétron e menos energética é a la-cuna. A superfície do núcleo é a região de energia zero para o elétron e máxima para a lacuna. Trata-se de uma energia de posição (potencial) onde a força restauradora provém do campo elé-trico entre elétron (–) e próton (+). A BC é a região mais energética para os elétrons, e, se existis-sem LBCs, seria a região de energia zero para as lacunas.

O acréscimo de energia, por meio de luz, deformação geométrica ou calor, faz o elétron migrar da BV para a BC e a lacuna abstrata migrar da BC para a BV, ou seja, para o elétron, a BC é uma órbita mais energética que a BV; e para a lacuna, a BV é uma órbita mais energética que a BC. Para o elétron, a banda mais energética é a mais externa e para a lacuna é a mais interna.

O conceito de energia dos elétrons e das lacunas pode ser comparado com um aquário, onde a água são os elétrons e as bolhas de ar as lacunas, a força de atração eletrostática é a gravidade. Devido à ação da gravidade e ao fato da água possuir densidade superior à do ar, a água tende a ir para o fundo, ou seja, quanto maior for a altura, maior é a energia potencial da água. As bolhas, devido ao empuxo (por serem mais leves que a água), tendem a ir para cima, ou seja, sua energia potencial é tanto maior quanto menor for sua altura. Quando a bolha chega à superfície (a BC), ela estoura e desaparece, ou seja, não existem bolhas na superfície, tal como não existem LBCs.

Da mesma forma que não existem bolhas de água suspensas no ar, não existem ligações covalentes rompidas na BC. Porém, para efeito de cálculo das massas, é possível abstrair o con-ceito do ar que compõe a bolha submersa ser liberado na superfície. Igualmente, para efeito de balanço de cargas elétricas, é possível considerar, matematicamente, a existência das LBCs.

Para que um elétron se mantenha em sua órbita, é preciso que a força centrípeta (que o puxa para o centro) seja do mesmo módulo que a força centrífuga (que o puxa para longe do centro). Isso determina sua velocidade angular e tangencial; quanto maior for o raio, menor é a velocidade angular e tangencial, ou seja, menor é a energia cinética. Se for acrescentada uma energia cinética que aumente a força centrífuga, o elétron vai para uma órbita superior. Se tal elétron estiver na última órbita (BV), ele se desprende do átomo e se torna um elétron livre (EBC). Se energia cinética for removida, o elétron é atraído por um átomo que tenha perdido um elétron (cátion), e entra em órbita novamente, ficando preso ao átomo, em uma ligação covalente, tor-nando-se EBV.

Os ânions e os cátions são chamados de cargas fixas, pois correspondem a átomos da rede cristalina, onde está quase toda a massa, não podendo mover-se devido às ligações covalentes. Os EBCs e as LBVs são chamados de cargas móveis ou portadores de carga elétrica e sua massa é quase zero para o elétron e zero para a lacuna. Os cátions existem nos metais e nos semicondu-tores puros. Os ânions, no contexto dos semicondutores, aparecem em situações descritas mais adiante.

• EBCs: portadores n

• LBVs: portadores p

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Negativo Positivo

Móvel EBC LBV

Fixo Ânion Cátion

Tabela 2.3 – Tipos de cargas.

Quando um portador n é criado devido à adição de energia, um portador p é criado simul-taneamente, de modo que a soma das cargas móveis é sempre zero. Este fenômeno é chamado de geração. Quando os portadores gerados perdem suas energias, eles retornam a um átomo de Silício, eles desaparecem, é restabelecida a situação inicial, menos energética; a este fenômeno dá-se o nome de recombinação.

Figura 2.4 – Os dois estados do semicondutor.

No semicondutor monocristalino puro, sem impurezas ou contaminações, chamado de se-micondutor intrínseco, à temperatura de 0K, sem nenhuma falha na rede cristalina, todos os EBVs formam ligações covalentes com outros átomos de Silício. O átomo possui 8 EBVs e 8 imaginárias LBCs. Se energia é acrescentada por um agente externo, elétrons irão para a BC, rompendo liga-ções covalentes. Uma vez que um elétron migra da BV para a BC, uma imaginária lacuna migra da BC para a BV. Os elétrons livres na BC e as lacunas livres na BV permitirão o fluxo de corrente elétrica, ou seja, o aumento de temperatura e da luminosidade aumenta a condutividade do se-micondutor.

A expressão abaixo sintetiza este fenômeno:

EBV,LBC* energia EBC,LBV *imaginária

Quando um EBV, ao receber energia, migra para a BC, ele automaticamente gera uma LBV. Tem-se, então, o inseparável par EBC-LBV e o inseparável par EBV-LBC*.

• Par EBC LBV: mais energético, livre, chamados de portadores

• Par EBV LBC*: menos energético, fixo

No cristal de Silício, embora os átomos possam formar cátions devido à perda de elétrons em função do aumento de energia, não se costuma utilizar esta denominação. O cátion de Silício de fato existe, mas como no cristal de Silício os átomos de Silício estão dispostos de forma contí-gua, tais átomos podem trocar elétrons, de forma que a carga positiva pode mover-se; esta carga positiva é a LBV, o portador p. A carga elétrica positiva do cátion é a carga elétrica positiva da LBV, porém, por causa da mobilidade, somente a LBV é observada para o cálculo da corrente elétrica.

Estado neutro Menor energia

Estado ionizado Maior energia

Geração Acréscimo de energia

Ionização

Recombinação Decréscimo de energia

Neutralização

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Capítulo 2 – Semicondutor Intrínseco – Prof. Marco Aurélio Fregonezi – 28/08/2017

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Diferentemente, no metal, embora também haja cátions (junto com o mar de EBCs), todos os átomos formam cátions, de modo que não se pode definir um movimento de cargas positivas. O fato de, no cristal de Silício, pequena parcela dos átomos estar ionizada, permite que se defina o movimento de LBVs por meio da quebra e reconstituição de ligações covalentes entre átomos visinhos. O átomo de Silício que perde o par EBV-LBC* e ganha o par EBC-LBV torna-se um cátion, fica com, apenas, sete EBVs.

Na geração do par EBC-LBV, ocorre o absorção de energia, que foi fornecida por uma fonte externa. A energia recebida pelo EBC é a mesma energia recebida pela LBV, não são duas ener-gias. A tendência do par EBC-LBV é extinguir-se, liberando a energia nele acumulada. Estes pares são inseparáveis somente quando forem gerados por variação na energia cinética. Mais adiante, será mostrada uma forma de gerar portadores despareados de modo que as quantidades de EBCs e de LBVs não sejam as mesmas.

A região energética entre a BC e a BV é chamada de band gap ou banda proibida (“gap”, em inglês, significa “região de separação”), é uma faixa de energia que o elétron (e a imaginária lacuna) não podem assumir em caráter estacionário, somente transitório. O EBV somente se torna EBC se receber uma energia suficiente para fazê-lo ultrapassar o gap.

A ação gap pode ser comparada à de um disjuntor cujas molas impedem que a chave sele-tora assuma uma posição intermediária que poderia provocar o surgimento de um arco voltaico (quebra da rigidez dielétrica do ar) que provocaria o aquecimento dos contatos diminuindo a vida útil do dispositivo.

No cristal de Silício, o fenômeno da transformação do par EBV-LBC* para o par EBC-LBV por meio de uma fonte de energia externa é chamado de ionização do Silício. A energia que o par EBV-LBC* necessita para transformar-se em par EBC-LBV é chamada de energia de ionização (ou geração) do Silício (EG(Si)). No semicondutor intrínseco, essa energia indica um intervalo (gap) energético onde não pode existir nenhum elétron nem lacuna, a faixa proibida.

Quando a temperatura é diferente de 0K, uma determinada porcentagem dos átomos de Silício está ionizada. Os átomos ionizam-se e voltam ao estado natural aleatoriamente, mas a quantidade total de átomos ionizados (em qualquer instante e lugar) é sempre constante (gera-ção e recombinação). A geração (ionização) cria um portador n (EBC) e um portador p (LBV), con-sumindo energia (EG(Si)); a recombinação (das cargas) libera esta energia.

Geração: EBV-LBC* EBC-LBV

Recombinação: EBC-LBV EBV-LBC*

O átomo que gerou o par EBC-LBV (geração, consumo de energia) assume a característica de condutor (estado ionizado); o átomo que não está ionizado (o par EBV-LBC*), menos energé-tico) comporta-se como isolante (estado combinado). O semicondutor será tão mais condutor quanto for a sua porcentagem de átomos ionizados.

O índice de ionização do Silício (iiSi) é a porcentagem de átomos de Silício que se ionizaram. Quanto maior for a temperatura, maior será o iiSi. Em temperatura ambiente, na ligação metálica, este índice está próximo de 100%. Por maior que seja a temperatura, o iiSi no semicondutor é sempre baixo, mesmo próximo à sua temperatura de fusão. Acima desta temperatura, o material perde suas características semicondutoras, e, mesmo se não perdesse, tal temperatura torna o uso do Silício inviável para fins elétricos.

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Capítulo 2 – Semicondutor Intrínseco – Prof. Marco Aurélio Fregonezi – 28/08/2017

ENT 200 – Materiais Elétricos e Magnéticos 21

SiSi

SiSi

NcNi

Niii

iiSi : Índice de ionização do Silício NiSi : Número de átomos de Silício ionizados NcSi : Número de átomos de Silício combinados

O iiSi é diretamente proporcional à temperatura e inversamente proporcional à EG(Si) e o número total de átomos (densidade). Quando o iiSi for diferente de 1 (100%), e sempre é, ocorrerá uma constante geração e recombinação do Silício, de forma que a quantidade instantânea destes pares sempre é constante.

Embora o Silício possa sofrer duas ionizações, ou seja, perder dois EBVs, a energia necessá-ria para que esta segunda perda ocorra é muito maior do que a da primeira, e, como sempre há muito mais átomos de Silício não ionizados, a probabilidade de ocorrência desta segunda ioniza-ção é ínfima.

A energia que gera os pares normalmente é proveniente da temperatura ambiente, que sempre é maior que o zero absoluto (0 kelvin). No zero absoluto, não há formação de pares. A quantidade de pares formados depende, dentre outros fatores, da temperatura, de forma não linear.

2.3 EFEITO DA TEMPERATURA

A temperatura de operação é um fator determinante no comportamento do semicondutor. Diz-se que o semicondutor está em equilíbrio termodinâmico quando sua temperatura é cons-tante no tempo embora possa sofrer variação espacial. Esta condição permite a aplicação de di-versas simplificações na análise do comportamento do semicondutor, como será mostrado nos demais capítulos.

• Se a temperatura do sistema é de 0k (zero absoluto), não há geração de portadores e o semicondutor se comporta como isolante; todos os átomos estão recombinados, ne-nhum está ionizado, todos os elétrons de valência estão presos às ligações covalentes. No zero absoluto, todos os elétrons ficam na BV e todas as lacunas (fictícias) ficam na BC, não há EBCs em LBVs, o semicondutor se comporta como um isolante.

• Se a temperadora é muito alta, porém inferior à temperatura de fusão, muitos portado-res são formados, e o semicondutor se comporta como condutor médio, pois o mar de EBCs exerce a função condutora das ligações metálicas. Sob altas temperaturas (superi-ores às temperaturas usuais de operação dos dispositivos semicondutores), muitos elé-trons vão para a BC e muitas lacunas vão para a BV e o Silício age como um bom condu-tor.

• Na temperatura ambiente, o comportamento é intermediário, o Silício assume a carac-terística de semicondutor. Esse comportamento limita a faixa de temperatura sob a qual os dispositivos semicondutores podem operar adequadamente para fins elétricos.

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Capítulo 2 – Semicondutor Intrínseco – Prof. Marco Aurélio Fregonezi – 28/08/2017

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O gradiente térmico também é importante na análise do semicondutor.

• Se o gradiente térmico temporal é nulo (temperatura constante), a geração é igual à recombinação; isto significa que, para um determinado intervalo de tempo, o número de átomos que se ioniza é igual ao número de átomos que se recombina, a quantidade de portadores e a condutividade permanecem inalteradas.

• Se o gradiente térmico temporal é positivo (elevação da temperatura), a geração é maior do que a recombinação; isto significa que, para um determinado intervalo de tempo, o número de átomos que se ioniza é superior ao número de átomos que se recombina, a quantidade de portadores e a condutividade aumentam.

• Se o gradiente térmico temporal é negativo (diminuição da temperatura), a recombina-ção é maior do que a geração; isto significa que, para um determinado intervalo de tempo, o número de átomos que se recombina é superior ao número de átomos que se ioniza, a quantidade de portadores e a condutividade diminuem.

• Se há gradiente térmico espacial, mas este gradiente é constante no tempo, a geração ocorre em mesma intensidade que a combinação ponto a ponto. Para um determinado intervalo espacial, o número de átomos que se ioniza é igual ao número de átomos que se recombina, porém a parte quente tem mais portadores que a parte fria, possui maior condutividade. Surge, então, um gradiente espacial na concentração de portadores.

• Se a temperatura é constante no tempo e no espaço e diferente de 0k, ocorrerá uma constante geração de portadores e recombinação de portadores (fenômeno chamado de geração e recombinação), de forma que a distribuição de portadores ao longo do semicondutor é constante no tempo e no espaço.

2.4 ISOLANTES E CONDUTORES

Nos materiais isolantes, a formação do par EBC-LBV (desde que haja ligação covalente) re-quer o fornecimento de muita energia. Em termos elétricos, a corrente é muito baixa, quase sem-pre desprezível, a menos que a tensão seja demasiadamente elétrica e a rigidez dielétrica do ma-terial seja rompida, provocando aquecimento e deterioração do material. Pode, também, ocorrer processo de eletrólise, provocando alteração da estrutura química do material.

Isolante Semicondutor Condutor

BC BC BC

BC+BV

BV BV BV

Figura 2.5 – Níveis de energia.

No condutor, há uma superposição entre a BC e a BV, ou seja, um elétron pode migrar para a BC e uma lacuna pode migrar para a BV sem o acréscimo de energia. Nos metais, não há lacunas; alguns elétrons estão na BV mas não na BC, são aqueles que estão ligados aos outros átomos por

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meio de ligação metálica; outros elétrons, porém, continuam pertencendo aos átomos, conti-nuam na BV, porém estão fora de órbita, pois não puderam formar ligação metálica, e constituem o mar de elétrons, estes elétrons estão na BV e na BC simultaneamente.

O semicondutor é o meio termo, podendo assumir os três comportamentos dependendo da temperatura. Na temperatura, ele assume o comportamento de semicondutor, ou seja, possui uma separação entre a BC e a BV que pode ser superada por meio da ionização dos átomos atra-vés do acréscimo de energia termodinâmica.