capítulo 2: problemas entre os dois · — eu disse pra minha mãe que o nao também vai e ela...

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Sayonara Piano Sonata 1 | Light Novel Project Capítulo 2: Problemas Entre os Dois Na manhã seguinte, Mafuyu chegou à aula um pouco depois de mim. A expressão em seu rosto parecia um tanto complicada. Após me lançar uma olhadela, sentou-se em seu assento e fixou os olhos em sua mesa. — Nao. Nao. A representante de classe Terada e um bando de garotas que a seguiam vieram até mim. Ela então perguntou: — Ajude-me a dizer "Bom dia" para a Princesa. E diga a ela que a boa educação pede que ela cumprimente os outros de manhã. — Diga isso você. — Além disso, nós sentamos um ao lado do outro, então ela já deve ter ouvido. — Parece que a Princesa não está de bom humor hoje. Ou melhor, parece que ela não consegue dizer o que se passa na sua cabeça. — Ei, o Nao brigou com ela de novo? Ou aconteceu alguma coisa? Sobre o motivo por que todos chamavam a Mafuyu de "Princesa" e por que era meu o trabalho passar as mensagens da classe para ela - eu vou pular essa explicação, já que é um tanto complicado. Mas para resumir, a Mafuyu estava mais antissocial do que nunca - então por que o grupo de garotas liderado pela Terada continua se preocupando com ela? Seriam meus colegas uns anjos? Bom, não é como se eu tivesse em posição de perguntar isso.

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Page 1: Capítulo 2: Problemas Entre os Dois · — Eu disse pra minha mãe que o Nao também vai e ela concordou na mesma hora. E ... Não tive um bom pressentimento quanto àquilo, por

Sayonara Piano Sonata

1 | Light Novel Project

Capítulo 2: Problemas Entre os Dois

Na manhã seguinte, Mafuyu chegou à aula um pouco depois de mim. A expressão em seu

rosto parecia um tanto complicada. Após me lançar uma olhadela, sentou-se em seu assento e

fixou os olhos em sua mesa.

— Nao. Nao.

A representante de classe Terada e um bando de garotas que a seguiam vieram até

mim. Ela então perguntou:

— Ajude-me a dizer "Bom dia" para a Princesa. E diga a ela que a boa educação pede

que ela cumprimente os outros de manhã.

— Diga isso você. — Além disso, nós sentamos um ao lado do outro, então ela já deve

ter ouvido.

— Parece que a Princesa não está de bom humor hoje. Ou melhor, parece que ela não

consegue dizer o que se passa na sua cabeça.

— Ei, o Nao brigou com ela de novo? Ou aconteceu alguma coisa?

Sobre o motivo por que todos chamavam a Mafuyu de "Princesa" e por que era meu o

trabalho passar as mensagens da classe para ela - eu vou pular essa explicação, já que é um

tanto complicado. Mas para resumir, a Mafuyu estava mais antissocial do que nunca - então

por que o grupo de garotas liderado pela Terada continua se preocupando com ela? Seriam

meus colegas uns anjos? Bom, não é como se eu tivesse em posição de perguntar isso.

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Capítulo 02

2 | Light Novel Project

No fim, não consegui começar uma conversa com a Mafuyu, que estava emitindo uma

aura melancólica. A primeira pessoa que se aproximou dela naquele dia, na verdade, foi Chiaki,

que conseguiu entrar na classe antes que o sinal tocasse.

— Bom dia! Bom dia pra você também, Mafu-Mafu!

A mesa da Chiaki ficava na minha frente, por isso ela deu um tapinha nos nossos

ombros enquanto passava por nós.

— Ei, escuta só. Ontem eu contei pra minha mãe sobre o acampamento. Ela disse que,

já que não vamos precisar pagar pela casa, vou ter que pagar o resto das despesas com meu

próprio dinheiro. Não é horrível? Por isso, Nao, por favor, escolha comidas que sejam baratas e

gostosas!

— Ah. Eu ainda não disse nada pro Tetsurou. Estou com a impressão que ele vai ficar o

dia todo me enchendo por causa disso.

Tetsurou é o meu pai, a princípio, mas devido à sua falta de habilidade em relação à

vida cotidiana, é como se eu fosse o tutor dele. Embora a viagem fosse durar só três dias e

duas noites, minha casa vai virar uma bagunça sem eu por lá.

— Eu disse pra minha mãe que o Nao também vai e ela concordou na mesma hora. E

quanto à Mafu-Mafu?

Mafuyu encolheu os ombros quando a conversa se voltou para ela. Ela permaneceu

em silêncio por um tempo e continuou a olhar para o canto de sua mesa. Ela então disse sua

primeira frase do dia.

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3 | Light Novel Project

—... Papai disse que estou proibida de passar a noite fora de casa.

Eu e Chiaki trocamos olhares por um momento. Depois voltei meu olhar para o perfil

de Mafuyu.

Entendo. Ebichiri fica superprotetor quando se trata de coisas relacionadas à sua filha.

Será que ele não pode permitir que sua filha colegial passe a noite fora? Mafuyu

provavelmente estava chateada por isso. Para ser sincero, estou um pouco surpreso, já que a

Mafuyu não parecia muito a fim de ir viajar.

— Jura? Nossa, como o seu pai é rígido! O que a gente faz então? Vamos só os três? —

Chiaki olhou para mim quando fez a pergunta.

— Vocês não podem fazer isso!

A explosão repentina de Mafuyu fez com que não apenas eu e Chiaki, mas sim com

que a classe toda pulasse com o susto e se virasse para olhar. Mafuyu se levantou. Não sei se

foi porque ela percebeu que eu estava olhando, mas seu rosto ficou vermelho em um instante.

Ela então mordeu seu lábio com força e voltou a se sentar.

Eu não sabia o que tinha feito para deixá-la brava de novo, por isso tentei pensar em

algo para dizer. Mas bem nessa hora, os garotos vieram falar comigo.

— Que história é essa de acampamento? É melhor você explicar isso, Nao.

— Isso aí. Você tem obrigação de explicar as coisas direito.

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Capítulo 02

4 | Light Novel Project

— Eu nunca vou permitir que uma coisa tão invejável assim - como você ir viajar com o

pessoal do clube - aconteça.

Ah... lá vem os intrometidos de novo. Parece que os meus colegas estavam prestando

atenção na nossa conversa o tempo todo. Vocês têm tempo de sobra pra ficar cuidando da

vida dos outros, hein?

— Vocês vão treinar aonde?

— Na praia! Vamos ficar numa casa que parece aquelas casinhas de biscoito de

gengibre. — Chiaki respondeu antes que pudesse impedi-la. Ao mesmo tempo, pude sentir a

atmosfera ao meu redor esquentar em num instante.

— Praia? Você disse praia? O Clube de Pesquisa de Música Popular vai pra praia? Tá

zoando.

— E-espera um pouco! Nao, eu vou entrar no clube agora mesmo.

— Eu te empresto a minha câmera, então não esquece de tirar foto delas de biquíni!

— Nao, pelo amor de Deus, me contrata como office-boy do clube.

Quando eu estava prestes a expulsar o grupo de garotos animados que se inclinavam

cada vez mais em cima da minha mesa, o sinal da aula finalmente tocou. E com isso, nosso

professor entrou na classe.

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— Estamos com um problema e tanto.

Era raro todos os quatro se reunirem na sala do clube logo após o fim das aulas.

Kagurazaka-senpai cruzou os braços e disse:

— Ebisawa Chisato deveria estar indo pra Boston fazer uma gravação durante a nossa

viagem, por isso achei que fosse dar tudo certo.

— Como você sabe? — A originalmente silenciosa e emburrada Mafuyu levantou a

cabeça de repente e perguntou.

— Bom, eu consigo por minhas mãos nesse tipo de informação se elas são de interesse

dos meus amados companheiros. Por enquanto, vamos pensar apenas no período em que o

Ebisawa Chisato não vai estar no Japão e planejar nossa agenda de acordo com isso.

Como esperado da Senpai, seus preparativos são incrivelmente minuciosos - embora

eu não ache que eles tenham a ver com amor, como ela disse. Não, espere um pouco! Senpai,

você está pensando em continuar com a viagem mesmo sem a permissão do Ebichiri?

— Não adianta pedir a ele. Se ele soubesse que a filha vai passar a noite fora, com

certeza iria largar tudo para ir atrás da Mafuyu.

Lembrei do incidente no mês passado - esse pai tinha até cancelado uma apresentação

no último instante. Se soubesse que a filha ia passar a noite fora, ele com certeza abandonaria

as gravações.

— Eu estou bem... vocês podem ir sozinhos.

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Capítulo 02

6 | Light Novel Project

— Você não tinha acabado de dizer que a gente não podia?

— É p-p-porque...

Mafuyu me fitou com o rosto ruborizado. Ela então balançou vigorosamente a cabeça.

O que ela quer exatamente?

— Não faz sentido abandonarmos a Camarada Ebisawa e irmos sozinhos para a praia.

Só podemos praticar se nós quatro estivermos juntos.

Mafuyu abaixou a cabeça após ouvir as palavras da Senpai.

Pensei em algo de repente: talvez não tenha nada a ver com seu pai permitir que ela

vá viajar ou não, mas sim que talvez ela mesma não queira ir com a gente? De alguma forma,

pareceu que era mesmo isso, considerando sua expressão desde quando levantamos o

assunto da viagem no dia anterior.

Chiaki juntou as mãos e disse:

— Já sei! Por que a gente não treina na casa da Mafu-Mafu então?

Mafuyu lançou um olhar frio feito gelo na direção de Chiaki, um olhar frio o bastante

para congelar o barulho das cigarras. Kagurazaka-senpai não disse nada, em vez disso, afagou a

cabeça de Chiaki enquanto dizia "Calma, calma." Ela não abusou da Chiaki dessa vez - o que

significa que a Senpai pode ter consideração vez ou outra.

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— Acho que não temos escolha. Eu calculei mal dessa vez. Vou tentar pensar em

alguma coisa, mesmo não nos restando muito tempo.

— O que você quer dizer... com "alguma coisa"?

Ao notar o sorriso sinistro que surgiu no rosto da Senpai, tive um mau pressentimento

sobre aquilo.

— Hum? Não posso dizer ainda. Ei, eu já não disse? Tudo que estou fazendo é plantar

as sementes. Eu mesma não sei onde as sementes irão parar, como elas irão brotar ou quais

cores as flores terão.

Essas palavras podem soar como a letra de alguma música, mas ela não estava

brincando.

Poucos dias depois, vi as flores que brotaram das sementes que a Senpai havia

plantado, e não pude deixar de ficar chocado com o resultado.

Aconteceu em uma sexta-feira. O primeiro semestre estava prestes a acabar, por isso a

enxurrada de cursos pós-aula acabava com todo o tempo que eu tinha; nem tempo de ir para

o clube eu tinha. Depois da escola, o Sol poente parecia cozinhar no céu. Voltei para casa

exausto, enquanto era cozido pelos raios do Sol escaldante. Quando cheguei em casa, vi um

grande carro estrangeiro estacionado na nossa garagem.

Espera - eu lembro de ter visto esse carro em algum lugar.

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Não tive um bom pressentimento quanto àquilo, por isso abri a porta com cuidado.

Meu pai é um crítico de música que nunca limpa nada; ele também é o número seis na lista

dos homens mais inúteis do mundo. Por causa dele, a entrada e a passagem estavam lotadas

de CDs e discos misturados. Contudo, enquanto cuidadosamente entrava em casa, percebi que

não estava sendo recebido por uma rajada de música clássica vindo da sala de estar. Em vez

disso, ela foi substituída pelo barulho de uma conversa. Tem mais alguém lá além do

Tetsurou? Fazia meses que não recebíamos visitas em casa.

— Cheguei...

Abri a porta e fiquei sem palavras com cena que vi.

— Já chegou, Nao? Aproveita e faz um café pra mim, e coloque uma dose extra de

uísque. E pra esse cara aqui é um chá de alga com ameixa. Ah é, Ebichiri, por que você sempre

toca <Variações sobre um tema de Joseph Haydn>1 em todo bis? Deu vontade de dormir

quando ouvi aquilo. Toca <Abertura do Festival Acadêmico>2 da próxima vez!

Tetsurou continuava o mesmo de sempre - ele estava vestindo uma calça de moletom

e uma blusa, e estava folgadamente sentado no sofá com as pernas cruzadas. Do outro lado

estava Ebisawa Chisato, que exibia uma expressão irritada no rosto. Ele vestia um suéter preto

com detalhes coloridos e uma calça social bem passada. Embora seu traje fosse um pouco mais

casual, seu cabelo continuava parecendo a juba de um leão, como costumava aparecer nas

capas dos seus CDs - é, era mesmo o Ebichiri.

— Desculpe o incômodo. — Ele me cumprimentou, mas dei um passo para trás

inconscientemente.

— H-Haa... Bem-vindo.

1 https://www.youtube.com/watch?v=vB_5-LfF5y0

2 https://www.youtube.com/watch?v=dDDW7S8NySI

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— Nao, vai logo fazer o café. — Tetsurou me deu a ordem sem nem olhar para mim;

isso fez com que eu ficasse com vontade dar um tapa na cabeça dele. — Mesmo se for um

músico convidado, você não pode deixar ele escolher as peças que bem entender. Ou você

acha que, já que é um bis, você pode tocar de acordo com suas preferências pessoais?

— Se você não gosta, pode ir embora antes do bis. A editora é que paga o seu ingresso

mesmo. Não é verdade?

— Nossa, Nao, você ouviu isso? Você ouviu isso? Esse homem aqui disse uma coisa

dessas para o seu público.

O que isso tem a ver comigo? Fugi para a cozinha sem pensar duas vezes.

Tentei entender a situação enquanto a água fervia.

Por que o Ebichiri está aqui em casa?

Embora ele fosse um velho conhecido do Tetsurou, ainda era difícil para mim acreditar

que esses dois tinham se formado na Faculdade de Música no mesmo ano. Ebichiri exibia a

aura e a dignidade de uma maestro, e era o exemplo perfeito da palavra "experiente", que era

frequentemente usada para descrevê-lo. Em comparação, se eu mentisse e dissesse que o

Tetsurou é repetente e que está até hoje na faculdade, provavelmente todo mundo iria

acreditar em mim e lançaria olhares de pena para ele.

Quando levei as xícaras de café para eles, sua conversa estava ficando cada vez mais

acalorada.

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— Tudo o que você sabe fazer é quebrar a música que escutou e apreciá-la em

pequenos pedaços, então que arrogância toda é essa? O que eu enfatizo é a coerência do

ritmo da música! A pausa entre os movimentos não existe para que eu possa limpar a

garganta!

— Cala a boca, seu metido! Vou copiou o Furtwängler na <Sinfonia nº 4 em Mi

menor>3 do Brahms, não foi? Você não pode dar ênfase só no final e achar que vai ficar ótimo

assim. Nao, você também pensa assim depois de ter escutado aquilo, né?

Ei, para de me arrastar pro meio disso!

— Certo, também quero ouvir a sua opinião. Foi você quem escreveu sobre a minha

"Coleção Completa da Sinfonias de Brahms", não foi?

Quase derrubei o café no Ebichiri.

P-Por que ele sabe disso?

— Que cara de surpresa é essa? Acho que todos os meus amigos mais próximos já

sabem. É porque eu tenho muito orgulho disso.

— Quêêêêêêêêê?

Abracei a bandeja na mesma hora e me agachei.

3 https://www.youtube.com/watch?v=r5jMi9JbQ0g

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Às vezes eu ajudava o Tetsurou a escrever críticas musicais e comentários sobre CDs

para ganhar alguns trocados. Claro que, para esconder a verdade, eu imitava a letra do

Tetsurou. Que droga! Não é para contar para os outros! Ninguém mais vai acreditar em você

se fizer isso, não é?!

— Você também é um crítico, então deve ter uma opinião diferente da do Hikawa,

certo? O Hikawa sempre escreveu críticas que fogem do assunto principal - ele achou que era

desnecessário eu enfatizar o acento agógico e a dinâmica ao mesmo tempo.

— Desde quando eu fujo do assunto? O dedo anelar também se mexe quando você

tenta mexer o mindinho, não é? Viu, é tipo assim. Você misturou o acento agógico e a

dinâmica. Nao, diz pra ele você também.

— Hum... O que é acento agógico?

Eu era só um estudante do 1º ano, por isso ainda tinha que pesquisar muito quando

escrevia as críticas. Vai ser um grande problema se vocês começarem a jogar um monte de

termos musicais em cima de mim.

— Provavelmente é a versão rítmica da dinâmica — respondeu Tetsurou.

— ...E o que é dinâmica?

— A versão de intensidade do som do acento agógico — foi a explicação do Ebichiri. E

como é que eu vou entender isso?! É a mesma coisa que falar "a mão direita é o contrário da

mão esquerda" - bem que vocês podiam parar com essas explicações confusas!

— Bom... Acho que o Eugene Ormandy conduziu melhor a <Sinfonia nº 4> do Brahms...

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— Hum. Tentei repetir o modo com que ele fez as cordas tocarem uma oitava acima -

foi bem interessante. Só os alemães reclamariam que não era alemão o suficiente, de qualquer

forma.

— Eu também acharia! Falando nisso, isso parece bem interessante. Então você já fez

algo assim antes? Em qual concerto você fez isso? No de Boston? Você gravou? Que pena. Eu

ia ter feito uma crítica e tanto se isso tivesse saído em CD.

Ótimo, consegui fugir do assunto com sucesso.

Quando estava prestes a fugir da sala de estar, uma voz surgiu atrás de mim.

— Ah, espere um pouco. O motivo de eu ter vindo aqui hoje foi para falar com você

sobre um assunto.

Congelei por dois segundo antes de me virar lentamente.

— ...Hã? — Minha voz falhou.

— Hikawa, desculpe, mas você pode nos deixar a sós por um momento? Desejo falar

com ele em particular.

— Ei, espera... — Tetsurou estava muito mais surpreso do que eu. — Espera, o que

você quer falar com o Nao? Não é possível que você quer pedir a mão dele em casamento, né?

Isso não vai dar. Pra mim, o Nao é alguém que substitui o papel da minha esposa, entende?

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— Tetsurou, cala a boca e some daqui, vai...

— Já entendi, então nos dê licença por um momento, Hikawa.

Com duas pessoas o ignorando ao mesmo tempo, Tetsurou só pode pegar sua xícara

de café e se levantar deprimido. Ele foi andando até a cozinha enquanto assobiava <E Lucevan

le Stelle>4. Lembro de que tinha uma frase nessa música que era algo como "Eu não quero

morrer em desespero!" ou algo do tipo... Esse cara, ele sempre consegue fazer as pessoas se

sentirem desconfortáveis.

Mas para falar a verdade, por mais irritante que o Tetsurou fosse, não queria que ele

tivesse ido embora. Sentei de frente para o Ebichiri; a situação era tão estranha que eu não

ousava nem erguer a cabeça. Sobre o que ele quer falar comigo?... Alguma coisa a respeito da

Mafuyu? Não pude pensar em nada além disso.

— Você... — Ebichiri repousou a xícara e começou a falar - escreveu uma quantidade

considerável de artigos sobre mim. Faz pouco tempo que voltei para o Japão, por isso não

sabia nada sobre eles.

4 https://www.youtube.com/watch?v=4mX7ugJ5NM8

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— Certo...

O motivo de eu sempre escrever artigos sobre ele, era tudo porque o Tetsurou odiava

escrever críticas relacionadas ao Ebisawa Chisato. Deve ser porque muitas pessoas sabiam que

eles foram colegas durante o ensino médio e a faculdade, então ele deve ter achado

complicado escrevê-las. A fim de não receber nenhum trabalho que envolvesse Ebisawa

Chisato, Tetsurou o apelidou de "Ebichiri" e o criticou de maneira jocosa. No entanto, esse

plano saiu pela culatra e a crítica foi bem recebida. Graças a ele, eu era frequentemente

incumbido de escrever sobre o Ebichiri.

Apesar de tudo, essa era a primeira vez que eu ficava cara a cara com alguém que eu

havia criticado. Eu estava suando frio devido ao meu nervosismo.

— Para falar a verdade, não tenho o costume de ler esse tipo de artigo. Porém, alguém

me enviou artigos sobre mim há alguns dias. No fim de todos eles estava o nome de Hikawa

Tetsurou. Mas apesar disso, o remetente havia cuidadosamente apontado as diferenças entre

os seus artigos e os do Hikawa Tetsurou.

Ebichiri então começou a listar os títulos de algumas colunas e críticas - elas foram, de

fato, escritas por mim. Tudo o que eu podia fazer era encarar meus joelhos e não me mexer

nem um milímetro.

— Não tem necessidade de você ficar tão tenso. Você escreve muito melhor do que

seu pai.

— Ah, vai se ferrar... — disse a voz do Tetsurou da cozinha. Ele tem mesmo uns

ouvidos afiados – acabou não adiantando de nada pedir a ele que nos deixasse a sós. Contudo,

eu e Ebichiri continuamos a ignorar a presença do Tetsurou.

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Capítulo 02

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— Porém, não parece que foi o Tetsurou quem enviou aqueles artigos para mim... Foi

você?

— Hã? Não mesmo, eu não faria isso.

A cabeça de Ebichiri pendeu para o lado. Ele parecia estar bem surpreso.

Se não foi o Tetsurou, quem poderia ter feito uma coisa dessas? Alguém na área da

música que tem tempo de sobra?

— Deixa pra lá. Enfim, eu vim aqui porque queria falar com você, já que não irei ficar

no Japão por muito tempo.

Quê? Não pode ser que agora a gente vai falar sobre música, né? Não, não, me poupe

disso, por favor - enquanto eu pensava isso, Ebichiri falou de repente de uma forma um tanto

rígida.

— Vamos deixar as críticas para outro dia. Na verdade... meu motivo para vir aqui foi

para falar sobre a Mafuyu.

Ah - Claro.

— Hum... Eu sinto muito pelo que aconteceu daquela vez.

— Está tudo bem. Já está tudo no passado. Além disso, depois do incidente a Mafuyu

começou a falar comigo de vez em quando.

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— Sei... Bom, para falar a verdade, a Mafuyu só fala "de vez em quando". Então, se ela

fala com você, é algo que realmente só acontece de vez em quando.

— Contudo, continuo a não ter a menor ideia do que a minha filha está pensando. Mas

agora ela está disposta a continuar o tratamento no hospital, e ela não foge mais de casa

quando lhe convém, como costumava fazer.

— Isso não é bom?

— Mas ela me ignora quando pergunto se ainda quer tocar piano.

Piano - hã?

Isso foi algo que Mafuyu havia perdido, e por enquanto, ela continuava pretendendo

não o tocar novamente.

— Se seus dedos se recuperarem, é claro que espero que ela volte para a cena musical

como pianista. Já que a causa principal da sua doença é psicológica, se ela estiver disposta a

continuar tocando piano, talvez ela possa se recuperar muito mais rápido. Você também pensa

assim, certo?

— Hã... Ah... Não...

Levantei a cabeça surpreso. Uma expressão sincera apareceu no rosto inflexível de

Ebichiri.

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Capítulo 02

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— Na verdade, eu disse a ela que queria ouvir ela tocar piano de novo.

Ah, eu contei.

Ebichiri se inclinou quase em cima de mim.

— Hum, mas a Mafuyu nunca... Quero dizer, a Mafuyu-san nunca me respondeu. Ela

não disse nada.

Eu quase chamei a Mafuyu pelo nome enquanto falava com o Ebichiri. Ebichiri cruzou

os braços e deixou escapar um suspiro.

— Sua situação já é bem melhor do que a minha. Ela se trancaria no quarto se eu

tocasse nesse assunto.

— Ah... sei.

Parece que o nó que se formou em seu coração ao longo dos anos não é algo que seria

desfeito tão facilmente.

— Na verdade eu falo isso com o seu bem-estar em mente, mas aquela menina não

parece entender isso.

Não pude deixar de pensar que todos os pais do mundo são assim. Quase nenhum pai

agiria sem ter o bem-estar dos filhos em mente, apesar disso, eles não conseguem transmitir

esse sentimento para os filhos. Eu já vivenciei algo assim quando tinha seis anos. Depois de se

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divorciar do Tetsurou, minha mãe disse algo do gênero antes de sair de casa: "Vem comigo! É

para o seu próprio bem." Foi isso o que a Misako me disse.

Tetsurou nunca disse nada do tipo, e esse foi um dos motivos de eu ter ficado nessa

casa.

— Tudo o que aquele menina me diz são coisas sobre a banda.

Eu estava perdido em pensamentos quando as palavras de Ebichiri me trouxeram de

volta para a realidade.

— Eu perguntei a ela várias coisas sobre a escola, se ela está se dando bem com os

colegas e tal. Porém, aquela menina só sabe falar de relacionadas a você.

Engoli com força. Coisas relacionadas a mim? Eu realmente não conseguia imaginar a

Mafuyu conversando com alguém sobre coisas que tinham a ver comigo.

— Bom, pode parecer estranho perguntar isso a você, mas... como é a Mafuyu na

escola?

— Hã? Como ela é, né...

Embora eu entendesse o que Ebichiri estava perguntando, não sabia como responder.

— Não é como se a eu e a Mafuyu...-san nos déssemos muito bem. Nós mal nos

falamos na classe, e se falamos, são sobre coisas relacionadas a guitarras ou a banda.

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— É... mesmo? Estranho. Você e a Mafuyu deveriam ser bem mais próximos, não?

Quero dizer, ela veio na sua casa quando fugiu, não veio?

—Quê, quêêêê?

Eu e a Mafuyu parecemos próximos um do outro? Para falar a verdade, esse pode ser

mesmo o caso.

— Qual é a relação entre vocês dois, exatamente? Aconteceu alguma coisa entre você

e a Mafuyu quando vocês fugiram de casa...?

— Já disse que não aconteceu nada, tá legal?!

Seu olhar era realmente assustador, o que me fez pular de susto e me esconder atrás

do sofá. Com isso, Ebichiri limpou a garganta e continuou:

— De qualquer forma, ela deve ficar mais disposta a falar se a pessoa com quem ela

estiver falando for você, certo?

— Não... Não é mesmo como você está pensando.

Afundei no sofá. Parte do que acabei de dizer era mentira. Quando estávamos fugindo

de casa, Mafuyu tinha conversado um pouco comigo sobre coisas que tinham a ver com piano

e com seus pais. Provavelmente, fui a primeira pessoa para quem Mafuyu contou essas coisas,

né?

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Esses eram assuntos que Mafuyu só podia falar quando estava longe de seu pai, por

isso eu não podia contar essas coisas para ele em uma hora como essa.

— Entendo... se é assim... — Ebichiri dirigiu o olhar para a xícara de café. — Se é

assim... então não posso mais pedir a sua ajuda. Eu realmente quero saber o que a Mafuyu

está pensando mas, como seu pai, é bem vergonhoso ter que pedir a alguém favores como

esse.

Então por que você tá me pedindo? Esse é um problema entre você e a sua filha, não é?

Embora fosse isso o que eu estivesse pensando, não pude dizer nada depois que vi a expressão

angustiada no rosto de Ebichiri.

Nessa hora, a voz do Tetsurou surgiu mais uma vez da cozinha.

— Você é idiota? O único jeito de lidar com uma filha assim é deixar ela sozinha até

que fique com vontade de falar!

Ebichiri lançou um olhar ameaçador em direção à entrada da cozinha.

— Eu já te disse - você tem que dar mais espaço pra sua filha. Ah é, e se ela casasse

com alguém da nossa família? Ela está prestes a fazer 16, não tá? Já está mais do que na hora

de eu arrumar uma mãe nova pro Nao...

— Cala a boca, Tetsurou!

— Não nos interrompa, Hikawa!

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Capítulo 02

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Tetsurou bufou, então começou a assobiar uma vez mais. Era a <La Finta Giardiniera>5

de Mozart — "Mesmo se você me rejeitar, meu coração nunca irá mudar". Nossa, como ele é

irritante.

Contudo, eu achava que era exatamente como o Tetsurou havia dito, e que o Ebichiri

já devia ter percebido isso faz tempo, né? Embora ele provavelmente não fosse se permitir

ficar de braços cruzados, mesmo sabendo que a única coisa que poderia fazer era esperar a

Mafuyu falar por vontade própria. Talvez todos os pais sejam assim...

O silêncio desconfortável durou por um bom tempo. Não consegui evitar e dei uma

espiada no rosto de Ebichiri.

Talvez eu deva falar alguma coisa? Mesmo se eu dissesse a mesma coisa que o

Tetsurou, ele provavelmente não iria aceitar de qualquer forma. Além do mais, se ele

conseguisse esperar até a Mafuyu decidir falar por vontade própria, não teria vindo até aqui. E

então, ele poderia ter inventado uma desculpa, dizendo que veio aqui para elogiar as minhas

críticas tão bem escritas.

...Hum? Desculpa?

— ...Ah!

Ebichiri levantou a cabeça após ouvir o barulho estranho que eu fiz.

— Quer falar alguma coisa?

— Hã? Ah, não, nada.

5 https://www.youtube.com/watch?v=T2kUGWuX7PU

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Agitei as mãos para por aquele assunto de lado. Então cerrei os punhos, abaixei a

cabeça e me perdi em meio a pensamentos.

O que está acontecendo aqui? Quer dizer que eu deveria fazer isso?

Hesitei por um momento, então falei.

— Hum... Vou tentar falar com a Mafuyu de novo, mas pode ser que eu não entenda o

que ela está pensando. Vou dizer que você está preocupado de verdade e tentar fazer com

que ela tenha uma boa conversa com seu pai. Isso serve?

O canto dos lábios de Ebichiri se afrouxaram um pouco e ele lentamente concordou

duas vezes com a cabeça.

— Está ótimo.

— É mesmo? Mas... — Umedeci um pouco os lábios. — Não posso conversar com ela

sobre essas coisas na escola, já que as férias estão pra começar.

— Hum?

— Hum, o que significa que... Acho... que na viagem eu vou ter a chance de falar com

ela sobre isso.

A expressão relutante de Ebichiri estava à mostra para todo mundo ver. O motivo de a

Mafuyu ser tão fácil de se ler era porque ela herdou isso do pai?

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Capítulo 02

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— Mas isso significa passar a noite fora. — Bom, é assim que são as viagens. — E eu já

disse, vocês são só colegiais, certo? Além do mais, os dedos da Mafuyu são um inconveniente,

e seu estado mental não anda muito estável no momento. É muita pressão.

— É por isso... Acho que não é bom ficarmos pressionando ela assim - ela pode acabar

ficando ainda mais teimosa. Se você deixar ela ir viajar, então talvez - ela comece a dizer o que

sente aos poucos.

Escolhi as palavras com cuidado enquanto secretamente perscrutava a expressão dura

de Ebichiri. Eu queria que a Mafuyu fosse na viagem também; ela era o último membro que

nós tivemos tanto trabalho de achar.

— Por que uma banda de rock? Eu não consigo entender. — Ebichiri continuou de

forma desagradável — Eu entendo que ela queira ficar longe do piano por um tempo, mas por

que ela escolheu tocar guitarra?

Mergulhei em um momento de silêncio. O que fez ela escolher a guitarra? Eu também

não sei. No começou pensei que isso era só uma desculpa para ela fugir do piano; porém,

parece que esse não era o caso.

Se for assim...

— ...Você não gosta de rock?

Foi só depois de ter perguntado que senti vergonha. Eu fiz uma pergunta dessas para

um maestro reconhecido no mundo todo? Porém, a resposta de Ebichiri provou também ser

surpreendente.

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— Não sou arrogante a ponto de poder responder essa pergunta.

— ...Hã?

— Independente de ser "rock" ou "música clássica", isso são só rótulos que as

gravadores e as lojas de música usam para facilitar a identificação e a classificação nas

prateleiras. Não é verdade? Você deve saber muito bem que é perigoso criticar uma peça de

música com base apenas no compositor, certo? Mesmo eles sendo quase da mesma época, o

Beethoven que escreveu <Sinfonia do Destino>6 era uma pessoa diferente do Beethoven que

escreveu <Sinfonia Pastoral>7. Se isso se aplica até para peças da mesma pessoa na mesma

época, então se aplica mais ainda para inúmeras peças de música criadas por milhares de

pessoas diferentes. Você não acha que seria arrogante se eu apontasse o dedo para uma

prateleira - organizada e classificada por alguma gravadora em prol da conveniência - e

dissesse se eu gosto ou não dela?

Bom... Pode ser que seja mesmo como ele disse...

— Eu nunca escutei o que vocês costumam chamar de "rock", por isso não tenho mais

nada a declarar. Só posso dizer - que eu não sei.

Ele não sabe. Essa pessoa aqui não sabe onde sua filha está no momento - é isso o que

ele está tentando dizer?

Se for assim...

6 https://www.youtube.com/watch?v=eEKkY43FESQ

7 https://www.youtube.com/watch?v=dbfa86bTD34

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Levantei do sofá, fui até o aparelho de som e comecei a procurar por algo entre as

pilhas de fita cassete. Só havia uma data (06/07) escrita na etiqueta da fita.

Era o dia em que nós quatro tínhamos oficialmente formado a banda.

Coloquei a fita no aparelho e apertei o play. Pude ouvir vários barulhos abafados ao

fundo, entre os quais havia a respiração da Senpai, assim como a realimentação da guitarra.

Depois havia a Chiaki fazendo a contagem regressiva batendo quatro vezes as baquetas. Mas

uma vez eu fui arrastado de volta no tempo, para a tarde do dia 06 de julho.

Haviam as batidas pesadas do bumbo. As ondas de calor, assim como o baixo grave,

enchiam a sala mal ar condicionada. Meus dedos tocavam a pulsação da música. Fechei os

olhos e várias cenas repassaram na minha cabeça: o reflexo dos pratos brilhando na sala

levemente escura; o rosto vermelho de Chiaki, sentada atrás da bateria; à minha esquerda, os

cabelos negros da Kagurazaka-senpai balançando ao ritmo da música; e à minha direita, os

cabelos castanhos de Mafuyu, que pareciam cintilar um fraco tom dourado. Era como se os

riffs da Senpai tivessem aberto as areias do deserto - a Stratocaster da Mafuyu respondia ao

canto da Senpai tocando a fanfarra da música.

Era <Kashmir>8 do Led Zeppelin.

Essa foi a música que me deixou em chamas, que marcou o começo da minha relação

com outras duas pessoas.

Se a Mafuyu estivesse aqui - esse era o meu verdadeiro desejo naquela hora, o

principal motivo para eu ter lutado.

8 https://www.youtube.com/watch?v=hW_WLxseq0o

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No dia 06 de julho, esse meu desejo finalmente se tornou realidade. Esse foi o primeiro

ensaio da banda depois que a Mafuyu entrou no Clube de Pesquisa de Música Popular. Não

houve conversa ou qualquer tipo de comunicação - aquela música sozinha foi o bastante para

nos sugar. Mafuyu provavelmente nunca tinha ouvido a música antes, mas apesar disso, ela se

lançou na música um instante antes dos prelúdios da Senpai. Sua melodia forte e distinta

pareceu estilhaçar meu coração; ela deixou a sala do clube em chamas.

Esses sons não eram mais os da velha Mafuyu, aquela que se trancafiava na sala para

tocar peças de piano. Embora eles fossem tão irascíveis quanto antes, seus espinhos não mais

atacavam qualquer um que tentasse se aproximar dela. Ao invés disso, eles perfuravam

profundamente os corações dos outros e transferiam sua paixão direto a eles.

Nós quatro éramos um só. No breve momento em que eu e a Senpai trocamos olhares,

pudemos ver que nós dois estávamos pensando a mesma coisa. Nossas mãos direita e

esquerda estavam finalmente unidas.

Para Mafuyu, este não era um lugar para o qual ela podia fugir.

Coloquei as mãos nas caixas de som e trouxe minha consciência, que estava na sala do

clube encoberta pelo calor, de volta para a sala de estar.

A música acabou. Depois que a fita parou, permaneci em pé de frente para o aparelho

de som e, por um instante, não pude me mover. Era porque eu ainda podia sentir o calor no

meu rosto.

Olhei para os lados e vi Ebichiri com a testa apoiada nas mãos, metade de seu rosto

enterrado nelas. Deixei escapar um suspiro. Ainda não era o suficiente para ele entender? De

alguma forma pensei que, como colegas na área da música, ele seria capaz de entender.

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No momento em que eu voltava timidamente até o sofá, Ebichiri falou, seus olhos

continuavam fechados.

— ...Era você tocando as notas Ré, Sol e Lá? A parte do baixo não requer nenhuma

técnica.

— Hã... Ah, e-era. Você acertou. — Bom, eu sou horrível tocando, desculpa aí.

— Não, esse deve ser o modo correto de tocar. Além do mais, também pareceu que a

guitarra da Mafuyu estava especialmente sintonizada com a outra guitarra. Acredito que esse

é o motivo da harmonia soar tão bem.

Abri meus olhos, surpreso. Como o Ebichiri havia dito, <Kashmir> usava um método

não convencional de afinação, que fazia a guitarra usar Ré-Lá-Ré-Sol-Lá-Ré. Ele descobriu isso

depois de ouvir só uma vez? No começo eu pensei que ele era só um pai chato que era

superprotetor com a Mafuyu, mas acho que ele provou seu valor como maestro.

Dessa vez, Ebichiri pousou as mãos ao redor da boca e olhou em direção ao aparelho

de som por um tempo considerável. Receoso, dei uma espiada na expressão em seu rosto.

Meu plano saiu pela culatra...?

— Esse... é o lugar onde a Mafuyu está no momento?

Ouvi ele murmurar para si mesmo. Eu ouvi mesmo.

Depois, Ebichiri soltou um suspiro.

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— Continuo sem ter muita certeza, já que vocês ainda estão no ensino médio. Escuta,

a presidente do seu clube é uma pessoa confiável?

— Hã? Ah, sim, ela é confiável. — Minha voz ficou mais fina sem querer. Mesmo se eu

caísse duro, não diria a ele que foi a presidente quem levou a Mafuyu embora do aeroporto. —

Não se preocupe. Ela é uma pessoa muito confiável. Ela não apenas ganhou a confiança de

todos os professores, como também sabe tomar conta dos outros. Além do mais, sua relação

com a Mafuyu é muito boa.

Soltei uma ou duas mentiras sem hesitar - na verdade, nenhum professor confiava na

Senpai.

— Como foi algo que decidimos de última hora, não conseguimos a aprovação da

escola. Também foi a Senpai quem conseguiu o lugar para ficarmos. Mesmo assim...

— Se você ainda está preocupado, o que acha de eu seguir eles? Eu não sou só

responsável, também sou muito bom em tomar conta dos outros. — A voz do Tetsurou surgiu

da cozinha mais uma vez, mas eu e Ebichiri o ignoramos completamente.

— ...Entendo. Então não tem jeito.

— Vou deixar as coisas relacionadas à Mafuyu em suas mãos. Por favor, tente falar

com ela sobre isso.

— C-Certo.

Apertei a mão estendida de Ebichiri com cuidado. Afundei no sofá mais do que aliviado

- parecia que minhas costas estavam derretendo. Isso é mesmo ótimo.

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Porém, o que Ebichiri disse a seguir fez com que eu engolisse o meu suspiro aliviado.

— Certo, você chamou a Mafuyu pelo primeiro nome várias vezes agora há pouco. É

assim que você costuma chamá-la? Qual é exatamente a relação entre vocês dois?

Quê? Ah, drooooooga!

Tentei inventar tudo que era desculpa, mas foi um pouco difícil fazer com que o

Ebichiri finalmente fosse embora. Depois de me certificar que o carro estrangeiro já tinha

desaparecido no fim da rua, peguei meu celular e viu uma chamada da Senpai. Ela também

estava pra me ligar, é?

— O Ebisawa Chisato já foi embora?

Do outro lado da linha estava a voz com um leve tom de desculpas da Senpai.

— Então foi mesmo a Senpai quem envio as críticas pro Ebisawa Chisato?

Não pude deixar de soltar um suspiro.

— Hum, mas eu não esperava que ele fosse te visitar tão rápido. Desculpa por não te

avisar sobre isso antes.

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— Nah, tudo bem. Consegui resolver tudo, de qualquer forma. Parece que agora a

Mafuyu vai poder ir viajar com a gente.

De repente, me arrependi de contar isso a ela pelo telefone, porque o que se seguiu foi

um silêncio esquisito. Eu realmente queria ter visto a cara de surpresa da Senpai com meus

próprios olhos.

— ...Estou aqui pensando se eu devo converter minha emoção em uma música e

cantar ela pra você agora mesmo! Sério, você conseguiu entender o que eu estava pensando

sem eu nem dizer nada. Você é bem impressionante, não acha?

Não, Senpai, você que é impressionante por ter tido a ideia de mandar os meus

artigos para o Ebichiri. Mais uma vez, essas eram as sementes plantadas pela Kagurazaka-

senpai; eu só havia descoberto o que eu tinha que fazer para passar pela crise e realizei

algumas contramedidas necessárias.

— Se esse é o caso, posso me focar em compor as músicas. Espero conseguir compor

seis músicas até o fim da viagem. Até porque são 50 minutos de apresentação.

— ...O que você disse sobre ser 50 minutos?

— É que a gente vai se apresentar com mais duas bandas, por isso precisamos de 50

minutos.

Hum... Do que é que ela tá falando?

— É o show da nossa banda! Acabaram de decidir a data. Vai ser dia 4 de agosto.

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Capítulo 02

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*Piiiii*, a voz da Senpai desapareceu. Derrubei o telefone no sofá quando o meu

cérebro parou de funcionar.

Show? Ela acabou de dizer que vamos fazer um show?