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1 Capítulo 2 Funções de uma variável complexa A origem dos números complexos repousa na solução de equações algébricas para . A solução da equação de 1º. grau: , remonta ao Egito antigo. Note que com os coeficientes reais a solução está totalmente imersa no conjunto de números reais. O conjunto dos números reais é composto pela união do conjunto de números racionais (que têm dízima periódica) e os números irracionais (que têm período infinito) e podem ser: transcendental (isto é, que não podem ser solução de equações algébricas com coeficientes racionais, como os números (razão entre o comprimento e o diâmetro da circunferência), o número de Napier , etc. e não transcendental como . O persa Abu Al-Kowarismi (783-850), cujo nome deu origem à palavra algarismo, determinou a solução da equação de 2º. grau. Obviamente, a equação de 2º. grau já traz a idéia de números complexos ou imaginários como solução, por exemplo, de . Mas somente a solução da equação de 3º. grau, com possíveis soluções (para coeficientes reais): 3 reais ou uma real, uma complexa e o seu complexo conjugado, deu aos números complexos o status de extensão ou ampliação dos números reais. A equação de 3º. grau reduzida: teve sua solução obtida, independentemente, por Scipione del Ferro (1465 1526) e Nicolo Fontana (1499 1557, também conhecido por Tartaglia, por ter defeito de fala em virtude de um golpe de sabre). A solução completa da equação de 3º. grau: foi obtida por Girolamo Cardano (1501-1576). A solução da equação de 4º. grau: veio logo em seguida e foi obtida por Ludovico Ferrari (1522-1565). A demonstração de que equações algébricas completas, de grau maior ou igual a 5, não têm solução através de radicais, foi primeiro feita por Niels Abel (1802- 1829) no âmbito da álgebra e por Evariste Galois (1811-1832), usando Teoria de Grupos. O uso do símbolo , foi introduzido por Leonhard Euler (1707-1783).

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1

Capítulo 2 – Funções de uma variável complexa

A origem dos números complexos repousa na solução de equações algébricas

para .

A solução da equação de 1º. grau:

, remonta ao Egito antigo. Note que

com os coeficientes reais a solução está totalmente imersa no conjunto de

números reais.

O conjunto dos números reais é composto pela união do conjunto de números

racionais

(que têm dízima periódica) e os

números irracionais (que têm período infinito) e podem ser: transcendental (isto

é, que não podem ser solução de equações algébricas com coeficientes

racionais, como os números (razão entre o comprimento e o

diâmetro da circunferência), o número de Napier , etc. e não

transcendental como .

O persa Abu Al-Kowarismi (783-850), cujo nome deu origem à palavra

algarismo, determinou a solução da equação de 2º. grau. Obviamente, a

equação de 2º. grau já traz a idéia de números complexos ou imaginários como

solução, por exemplo, de . Mas somente a solução da equação de

3º. grau, com possíveis soluções (para coeficientes reais): 3 reais ou uma real,

uma complexa e o seu complexo conjugado, deu aos números complexos o

status de extensão ou ampliação dos números reais.

A equação de 3º. grau reduzida: teve sua solução obtida,

independentemente, por Scipione del Ferro (1465 – 1526) e Nicolo Fontana

(1499 – 1557, também conhecido por Tartaglia, por ter defeito de fala em

virtude de um golpe de sabre). A solução completa da equação de 3º. grau:

foi obtida por Girolamo Cardano (1501-1576).

A solução da equação de 4º. grau: veio logo em

seguida e foi obtida por Ludovico Ferrari (1522-1565).

A demonstração de que equações algébricas completas, de grau maior ou igual

a 5, não têm solução através de radicais, foi primeiro feita por Niels Abel (1802-

1829) no âmbito da álgebra e por Evariste Galois (1811-1832), usando Teoria

de Grupos.

O uso do símbolo , foi introduzido por Leonhard Euler (1707-1783).

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Número Complexo

Se , o número é real puro e se , o número é imaginário puro.

Álgebra dos números complexos

Adição (Comutativa)

Sejam e

Multiplicação (Comutativa)

Complexo conjugado – definição

Se então

Módulo

Divisão

Geometria de números complexos – Plano Complexo

Podemos representar um número complexo qualquer por um ponto

no plano bidimensional (x,y) – a cada ponto deste plano corresponde a um

único número complexo e vice-versa.

Diagrama de Argand

x

y

3

Representação trigonométrica

Em coordenadas polares:

logo, –

O ângulo pode ser escolhido em outros intervalos, por exemplo, .

A escolha desse intervalo implica no posicionamento corte (como veremos

mais adiante) no plano complexo z.

Em relação à Adição, os números complexos se comportam exatamente igual

aos vetores bidimensionais – obedecem à regra do paralelogramo.

Logo, valem as desigualdades geométricas

1)

Um lado de um triângulo é menor ou igual à soma dos outros 2 lados.

2)

A diferença de 2 lados de um triângulo é menor ou igual ao terceiro lado.

Obs: Não faz o menor sentido escrever ,pois só podemos comparar os

módulos de 2 números complexos, isto é,

Em relação à Multiplicação, os números complexos não se comportam nem

como o produto escalar nem como o produto vetorial de 2 vetores.

A Fórmula de Euler

Podemos expandir em série de Taylor, em torno de , a exponencial

ou

que é a famosa fórmula de Euler.

Logo, podemos escrever qualquer número complexo como

4

Fórmula de De Moivre

É consequência imediata da fórmula de Euler. Pois se ,

então

daí, a fórmula de De Moivre

Raízes

Seja

As N raízes de ,

, serão

Exemplo:

, tem 5 soluções (escrevendo

Exercícios:

1) Obtenha a parte real e imaginária do número complexo

logo, a parte imaginária é nula e a parte real tem infinitas soluções !

2) Obtenha a parte real e imaginária do número complexo

logo

ou seja, há infinitas soluções para a parte real e imaginária !

Em geral, chamamos de primeira determinação quando .

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Função Complexa de 1 variável complexa

A função complexa da variável complexa é um mapa de pontos do

domínio, isto é, do plano complexo para pontos da imagem, isto é,

para pontos no plano complexo .

Observe que não existe gráfico de função complexa, pois se colocarmos o

domínio e a imagem imersos no mesmo espaço precisaríamos de 4

dimensões!

Exemplo:

Logo,

Funções Elementares:

1) Exponencial –

A função é periódica ao longo do eixo y.

2) Trigonométricas –

da fórmula de Euler -

mas

logo

que é periódica ao longo do eixo x.

De maneira análoga obtemos

daqui seguem as outras funções:

Note que não é mais obrigatório que .Na verdade, na maior parte do plano

complexo , teremos .

x

y

u(x,y)

plano complexo z = x+iy

v(x,y)

plano complexo f(z) = u(x,y)+iv(x,y)

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Funções Ramificadas

Como acontece com variáveis reais, podemos perguntar se uma função

complexa é contínua em torno de um ponto . Para isso, deve

existir um disco arbitrariamente pequeno que leve todos os

seus pontos para dentro do disco . Muitas vezes isso

não acontece. Teremos então as chamadas funções ramificadas.

A função

tem 2 ramos, pois , gerando 2 ramos

Se fizermos o mapa utilizando somente o primeiro ramo então 2

pontos muito próximos no plano complexo :

são mapeados em pontos muito distantes no plano complexo

Logo,para que seja contínua, usando apenas 1 ramo,temos

que fazer um corte no plano complexo. O domínio passa a ser composto

por todos os pontos do plano complexo z menos aqueles situados no

corte. No caso em que , o corte estará sobre o semi-eixo real

negativo; se , o corte estará sobre o semi-eixo real positivo;

se – , o corte estará sobre o semi-eixo imaginário

negativo, etc.

Se utilizarmos os 2 ramos: então o domínio, isto é, o plano

complexo , tem que ter 2 folhas de Riemann (veja fig 2.6 e 2.7 do Butkov). Na

1ª folha atua e na 2ª. folha atua .

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Funções com infinitos ramos

Seja . Como , então

tem infinitos ramos. O ramo é chamado de ramo principal. É fácil ver que,

se , qualquer ramo terá o corte no semi-eixo real negativo (como a

função de 2 ramos vista anteriormente).

A superfície de Riemann tem infinitas folhas.

Seja . Então

.

Com 2 soluções

. Tomando o

logaritmo de , as expressões diferem apenas de um sinal (pois a função

cos(z) é par, cos(z) = cos(-z) , de modo que define-se

A função potência terá número finito de ramos se for

racional e infinito se for irracional.

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Derivadas de Funções Complexas

Da mesma maneira que se deriva função real em relação à variável real ,

pode-se derivar uma função complexa em relação à .

A diferença é que o incremento a partir de um ponto qualquer e arbitrário

pode-se realizar em qualquer uma das infinitas direções possíveis no plano

complexo . Para que a derivada exista no ponto é necessário que todas as

infinitas direções tenham o limite exatamente igual.

Vejamos em quais condições uma função complexa tem derivada num

ponto qualquer .

O incremento da variável independente a partir de será

.

O incremento de será

Como e são funções reais teremos (para incrementos

infinitesimais)

Como qualquer direção tem que dar o mesmo limite, vamos escolher 2

direções independentes: 1) ao longo do eixo real , portanto e

e 2) ao longo do eixo imaginário , portanto e .

1) e ;

e

2) e ;

e

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Igualando (1) e (2) teremos as condições necessárias e suficientes para que

exista a derivada de no ponto que são conhecidas como as

Condições de Cauchy-Riemann (CCR)

Exemplo 1: . Logo

e

das CCR, temos (para qualquer ponto )

Logo, a função tem derivada e todos os pontos do plano complexo .

Exemplo 2:

Logo, essa função só tem derivada num único ponto:

Exemplo 3:

Donde

Logo, é diferenciável em todo o plano complexo .

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As propriedades usuais de derivadas continuam valendo:

1) Regra da Soma:

2) Regra do Produto:

3) Regra da Divisão:

4) Regra da Cadeia:

Funções Analíticas

Definição: “Uma função complexa é analítica em se ela tem

derivada nesse ponto e em todos os pontos de uma vizinhança arbitrariamente

pequena em torno de ”.

A função tem derivada em , mas não é analítica em nenhum

ponto.

Definições:

Curva simples – não tem auto-cruzamento em nenhum ponto.

Curva simples fechada suave por pedaços – tem derivada em todos os seus

pontos exceto em um número finito onde os pedaços se juntam.

Domínio simplesmente, duplamente, triplamente,... conexo – não tem nenhum

buraco, tem 1 buraco, tem 2 buracos,... respectivamente.

duplamente

conexo

triplamente

conexo

simplesmente

conexo

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O Teorema de Cauchy

Se é uma função analítica em um domínio simplesmente conexo D e C é

uma curva simples fechada por pedaços, então

A demonstração do Teorema de Cauchy se baseia inteiramente no Teorema de

Stokes, que envolve integral de linha e de superfície

onde é um vetor qualquer, é o vetor

deslocamento, uma curva simples fechada, uma superfície qualquer que se

apoia nessa curva , é um vetor infinitesimal de área cujo módulo é ,

direção perpendicular ao plano que oscula a superfície no ponto e sentindo

exterior (“para fora”) da superfície e

Para o plano complexo (2 dimensões) teremos ,

,

, . Logo,

Por outro lado, e . Logo,

Se, na parte real de (5), identificarmos e , o Teorema

de Stokes (4) nos fornece

Se, na parte imaginária de (5), identificarmos e , o

Teorema de Stokes (4) nos fornece

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Portanto, se uma função é analítica no interior de uma curva simples fechada

então vale o Teorema de Cauchy:

.

Se é analítica então a sua primitiva

também será

analítica, pois

donde:

e

. Logo,

satisfazem as CCR.

Exemplo: , então

, onde é uma constante

complexa.

Teorema de Morera

Se é contínua em um domínio e se para todo caminho

simples e fechado em , com interior também em , então é analítica em

.

Claro, o teorema acima não é a melhor maneira de se analisar analiticidade de

uma função .

Considere a integral

.

Chamando

, será que

satisfaz o Teorema de Cauchy?

(isto é, a integral se anula?). A resposta depende da curva fechada . Se essa

curva envolver o ponto , a função não será analítica no interior da

curva (na verdade, a própria função não existe nesse ponto, nem tampouco a

sua derivada) de modo que o Teorema de Cauchy não se aplica. Por outro

lado, se essa curva não envolver o ponto , a função será analítica e o

Teorema de Cauchy terá validade.

Obs: A menos que se diga o contrário, a curva será percorrida no

sentido anti-horário !!

a a

C C plano

complexo z

plano

complexo z

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para fazer a integral no 2º. caso, vamos escolher uma circunferência de raio

(de valor constante e arbitrário) centrada em . Então e

. Donde

Será que o valor obtido acima depende da forma da curva C ?

Na figura abaixo as curvas formam uma curva fechada que não

contém . Logo, pelo Teorema de Cauchy a integral se anula.

Na figura representam “canais” que vão e voltam praticamente pelo

mesmo caminho (podemos fazer tão próximos quanto queiramos) de

modo que se cancelam mutuamente

Com os canais tão próximos quanto queiramos, as curvas se

transformam em curvas fechadas percorridas anti-horária e horariamente,

respectivamente.

ou

Portanto,o resultado é sempre o mesmo, independentemente da forma

da curva fechada, desde que ela envolva o ponto .

Em resumo,

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Consideremos agora a integral

Se

Caso contrário, chamando

Consideremos agora a integral

Se utilizarmos o ramo principal

. Note

que para – , há um corte no semi-eixo real negativo, onde a função

ramificada não é nem sequer contínua quanto mais analítica – o Teorema

de Cauchy não pode ser aplicado.

Por outro lado, a integral

pelo Teorema de Cauchy.

A Fórmula Integral de Cauchy

Se é analítica no interior e sobre uma curva , e se o ponto está no

interior de , então

A expressão acima é conhecida como a Fórmula Integral de Cauchy.

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Demonstração:

Vemos que o integrando

só tem singularidade em posto que, por

hipótese é analítica. Qualquer que seja a forma curva fechada

(percorrida no sentido anti-horário), sempre podemos deformá-la até se

transformar numa circunferência de raio (percorrida no sentido horário),

arbitrariamente pequeno, em torno de (usando a idéia dos “canais”).

Mas,

Como

onde . Como é contínua (é até mais que isso,

analítica) na circunferência de raio R, então para R suficiente e arbitrariamente pequeno

teremos ou seja, vale a fórmula integral de Cauchy

Se derivarmos a expressão acima n vezes teremos

Séries de Números Complexos

Seja uma série qualquer

Ela será convergente se for finito.

Dizemos que a série é absolutamente convergente se

Claro, toda série que é absolutamente convergente converge.

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Muitas vezes pode ser difícil provar se uma série converge ou não. Três testes

são bastante úteis:

1) Teste da Comparação

Se converge então converge absolutamente.

2) Teste da Razão

Se

para suficientemente grande então

converge (diverge) absolutamente.

3) Teste da Raiz

Se para suficientemente grande então

converge (diverge) absolutamente.

4) Teste do n-ésimo termo

Se não tende a zero então a série diverge.

A série geométrica

Pelo teste da razão vemos que a série converge para e diverge para

. Quando temos o raio de convergência da série. Pelo teste do n-

ésimo termo concluímos que a série diverge em .

Para a série geométrica pode ser somada, pois

O 2º. termo do 2º. membro da eq. (4) tem, para , o denominador

constante e o numerador indo a zero com . Logo,

Fazendo , temos

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Série de funções

A soma parcial define uma sequência de funções .

Dizemos que essa sequência converge uniformemente se existe tal que,

para , existe tal que

Série de Taylor

Toda função analítica em pode ser desenvolvida em uma série de

potências

chamada de série de Taylor, válida em uma certa vizinhança do ponto e

coeficientes de Taylor dados por

Demonstração:

Seja uma circunferência, centrada em , e raio arbitrariamente pequeno

onde é analítica. Seja um ponto qualquer interior a . Pela fórmula

integral de Cauchy, temos

Podemos reescrever

Substituindo em (5), temos

Portanto , onde

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Série de Laurent

Toda função analítica num anel pode ser desenvolvida

em Série de Laurent

com

Demonstração

Seja analítica no anel . Podemos percorrer o anel em 2

circunferências (anti-horário) e (horário) de maneira que, usando os

“canais” que ligam , a curva resultante será fechada e o ponto está no

seu interior (veja figura)

Como as integrais sobre os canais se anulam, da integral fechada envolvendo

só sobrevivem 2 integrais

Para a primeira integral temos, como na série de Taylor,

Logo,

Para a segunda integral temos,

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Mas,

Logo

Fazendo a integral anti-horária (trocando o sinal) e renomeando

Somando (6) e (7) teremos

Com

Q.E.D

A parte da série de Laurent com é chamada parte regular e a parte com

é chamada parte principal.

Uma função pode ter diferentes séries de Laurent para diferentes regiões.

Vejamos um exemplo:

Ela não é analítica em 2 pontos e .

na região , teremos

na região , teremos

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