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1 Gerenciando o crescimento rápido, crises e a recuperação Capítulo 17

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Gerenciando o crescimento rápido, crises e a recuperação

Capítulo 17

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Perguntas de preparação1. Avalie o pensamento e a liderança empreende-

dores de Dave Santolli na Faxtech e na TTI.2. Que lições e insights são mais importantes para

você aqui?3. Avalie o progresso e a situação que a TTI enfren-

tou em 2006. O que a empresa deve fazer? O que os investidores e diretores devem fazer?

A carreira empreendedora de Dave Santolli há muito havia incorporado a ideia de que a vida é uma jornada, e não um destino. Aos 42 anos de idade, ele experimentou tanto o brilho do sucesso do empreen-dimento quanto o ferrão do fracasso nos negócios. Ele ficou diante do terrível impacto de descobrir que sua esposa, Terry, estava enfrentando uma crescente bata-lha contra o câncer, e sentiu ondas de alívio quando ela se recuperou.

No início de 2005, parecia que tudo tinha sido apenas uma preparação para a atual enxurrada de de-safios. Seu último empreendimento — uma incrível inversão do destino — ainda o assombrava na forma de um processo movido por um investidor, e as custas com a defesa jurídica arrasaram seus recursos pessoais ao ponto de Dave e Terry agora estarem vivendo sem um lastro de segurança.

Como uma empresa jovem, com um potencial global, $ 50 milhões em receita, 650 funcionários e mais de $ 280 milhões em capitalização é forçada

a uma liquidação total através de uma falência da noite para o dia?

O novo empreendimento de Dave, a Telephony Translations, Inc. (TTI), ainda não estava dando lucro depois de cinco anos. Embora Dave insistisse que tais prejuízos poderiam ser esperados, seus inves-tidores o substituíram como CEO para terem uma segunda opinião e perspectiva sobre isso. Enquanto os negócios pareciam estar no caminho certo com uma complexa solução de tecnologia desenvolvida bem à frente de uma demanda prevista, esse era um período extremamente crítico no desenvolvimento da oportu-nidade.

E, mesmo assim, lá estava Dave, informando seu staff estupefato que ele tinha uma forma de câncer es-pecialmente maligno que o afastaria por alguns meses devido a um estado de desconforto que lhe impos-sibilitaria de oferecer um mínimo de orientação ou liderança. Ele garantiu ao grupo que voltaria e que sua empresa superaria a crise muito em breve. O que mais ele poderia dizer?

Uma paixão pelo empreendimentoEnquanto estudava engenharia industrial na Cor-

nell University, Dave Santolli desenvolveu uma publi-cação para os alunos que moravam no campus. Sob sua direção, a revista Student Life chegou a uma circulação controlada de 1,2 milhão. Em 1987, quatro anos depois

Telephony Translations, Inc. (A)1 Estudo de Caso

1 Este estudo de caso é parte integrante do livro Criação de novos negócios, de DORNELAS, J. C. A; TIMMONS, J.; SPI-NELLI, S. Está autorizada a sua utilização e distribuição desde que citada a fonte: <www.elsevier.com.br/josedornelas>.

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de se formar na Cornell, ele vendeu seu empreendimen-to para a Time. Inc., por aproximadamente $ 1 milhão e se mudou para a cidade de Nova York como parte de um atraente acordo de pagamento adicional com a editora. Embora gostasse de seu trabalho na cidade, não demo-rou para Dave sentir falta da vida tensa e frenética que ele conhecera como empreendedor de start-ups.

No ano seguinte, Dave entrou para a Harvard Bu-siness School (HBS), decidido a fazer com que sua próxima empresa estivesse pronta para o lançamento até a formatura. Dave não estava preocupado que sua busca por uma oportunidade atraente o deixasse de fora de seu universo imediato de entendimento:

O bom senso diz que você deve dar início a um empreendimento em um setor no qual tenha algu-ma experiência anterior, mas, considerando o rápi-do ritmo de crescimento nas tecnologias de infor-mação, é aí que eu queria estar. Eu tinha formação em engenharia, portanto, não fiquei intimidado pela tecnologia. Eu tinha certeza de que poderia começar um empreendimento de sucesso em uma área na qual não tinha experiência — consideran-do, é claro, que eu estivesse disposto a pesquisar a fundo o setor e a ideia.

Ao longo de seu segundo ano no programa, Dave metodicamente planejou, revisou e acabou rejeitando oito conceitos de empresa diferentes. Sua investigação final, que gerou um amplo projeto de pesquisa indepen-dente durante o último semestre, chegou a uma conclu-são semelhante: intrigante, mas não revolucionária.

Dave se formou em 1990 como HBS Baker Scholar — uma honra de alta distinção dada aos melhores 5% da turma que se forma. Como já era de se esperar, uma importante empresa de consultoria entrou em contato com uma lucrativa oferta de emprego. Embora Dave estivesse mais determinado do que nunca a lançar um novo empreendimento, ele também estava preparado para ser prático:

Eu os avisei que passaria o verão tentando encontrar uma oportunidade viável e, se não en-contrasse nada até setembro, aceitaria o emprego. Eles me deram muito apoio — ainda mais porque provavelmente calcularam que minhas chances de sucesso eram mínimas. Afinal, eu já estava procu-rando ideias havia quase dois anos.

Em meados de julho, um artigo no jornal de tec-nologia da AT&T chamou sua atenção:

Esse artigo descrevia os diversos tipos de in-formação que as pessoas estavam enviando pelas linhas telefônicas. As companhias telefônicas não tinham como saber se uma linha aberta estava sen-do usada para voz ou dados. Também dizia que os dados viajavam de maneira sete vezes mais eficien-te que a voz, significando que uma transmissão de fax utilizava apenas um sétimo da capacidade de determinada linha.

Liguei para o autor do artigo para confirmar a via-bilidade fundamental da ideia de que, com o equipa-mento certo, uma empresa poderia enviar muitas ve-zes o volume de dados de uma máquina de fax básica, transmitindo através das redes de voz comutada de empresas como AT&T, Sprint e MCI. Eu não esta-va a ponto de arriscar sem uma pesquisa muito mais aprofundada, mas estava muito certo de que essa era a oportunidade que eu estava procurando.

Ponto ideal pós-MBA: Faxtech InternationalAo final do verão de 1990, Dave havia respeitosa-

mente recusado o cargo de consultor em prol de desen-volver a Faxtech International, uma empresa que oferece-ria serviços de transmissão de fax muito superiores entre os Estados Unidos e as principais cidades internacionais, como Tóquio, Londres, Paris e Dubai. Sua primeira con-tratação logo se tornou sua primeira demissão:

Eu sabia que precisava de um diretor de en-genharia, e procurei por três meses até encontrar alguém. Ele permaneceu por um mês antes de eu tomar a difícil decisão de demiti-lo. Em fevereiro [de 1991], conheci John Tyler.

Aos 52 anos de idade, John tinha passado a maior parte de sua vida adulta na administração de proje-tos de engenharia ou desenvolvimento de produtos, incluindo 12 anos na AT&T Bell Labs e 4 anos da GTE. Quando seus caminhos se cruzaram, John es-tava vivendo bem como consultor administrativo de engenharia. Tão bem, na verdade, que Dave foi for-çado a revelar mais da empresa do que ele pretendia inicialmente:

4 Criação de Novos Negócios

John estava muito firme sobre aquilo de que precisava para embarcar na empresa, e isso se trans-formou em uma decisão muito difícil para mim. Eu precisava de sua experiência, parecia que tínhamos uma visão compartilhada do tipo de empresa que poderíamos ter, e eu sentia que nos entenderíamos bem. Concluí que não vale a pena ser ganancioso. É claro que eu poderia ter lutado mais e mantido mais algumas ações, mas uma porcentagem extra de nada ainda é nada. Eu precisava me concentrar em fazer o trabalho, e John era a pessoa certa na hora certa.

De sua parte, John lembrou que sua atração pela opor-tunidade ia além do que ele via no plano para a Faxtec:

Praticamente todas as empresa para as quais prestei serviços de consultoria me pediam para ficar com eles em tempo integral. A oferta de Dave foi a primeira que eu sequer considerei. Meu interesse tinha a ver com o modo como eu me sentia em rela-ção ao Dave e sua filosofia de tratar as pessoas. Acre-dito que há um enorme abismo em nossa sociedade entre o que se sabe sobre como as pessoas devem ser tratadas e a maneira com a maioria dos administra-dores realmente trata as pessoas na prática. Dave e eu concordávamos sobre a importância de tratar e recompensar as pessoas de maneira justa.

Mesmo depois da chegada de John, outros seis me-ses se passariam antes que a empresa preenchesse a equipe de engenharia, encontrasse sedes adequadas e começasse o desenvolvimento sério de sua tecnologia. Dave sorriu:

É engraçado; quando tive essa ideia pela primeira vez, eu realmente acreditava que poderia ter um pro-tótipo funcional até o fim de 1990. No final, só no verão de 1991 me senti com conhecimento suficien-

te sobre o que estava fazendo para sentar e escrever o plano... Não importa como você tenta calcular um cronograma rigorosamente, sempre leva mais tempo do que você pensa. Existem muitas incógnitas.

Superando as barreirasA pesquisa indicava que a chave para a adoção pelos

clientes seria um sistema fácil de usar, sem erros, que precisasse de pouca ou nenhuma mudança no modo como um fax era transmitido. A equipe de tecnologia de John projetou um rediscador ligado na eletricidade que escaneava toda ligação realizada.2 Esse dispositi-vo de ligação redirecionaria as chamadas destinadas para uma cidade estrangeira. Essas transmissões de fax viajariam através de linhas telefônicas regulares para um nó da Faxtech nos estados, onde elas se juntariam com outras transmissões destinadas à mesma cidade estrangeira. Uma vez no exterior, os faxes chegariam a seus destinos através de linhas telefônicas regulares.

Seu sistema proprietário proporcionaria aos consu-midores uma economia de 50% sobre as tarifas vigentes e geraria margens brutas de cerca de 60%. No entanto, a lucratividade exigiria não apenas margens substan-ciais, mas uma enorme base de volume de chamadas. Por esse motivo, Dave compreendeu que isso deveria ser uma longa caminhada envolvendo o estabelecimen-to de centros da Faxtech por todo o mundo.

Com base em uma análise do tamanho do mercado, da taxa de crescimento, do custo de entrada, do custo de aquisição de clientes e do potencial de lucro em curto e longo prazos, o objetivo inicial da Faxtech era estabelecer uma posição de liderança no mercado dos Estados Uni-dos para Tóquio, seguido de uma operação de Tóquio para os Estados Unidos. Uma vez garantido o circuito, a empresa estabeleceria operações em Paris e Londres.

Tendo economizado a maior parte do dinheiro que recebeu na venda de seu empreendimento editorial,

2 Um rediscador era um dispositivo simples, menor que um maço de cigarros, que se instala fisicamente entre um aparelho de fax e a parede. Seu único objetivo era capturar o tráfego do fax antes que ele chegasse ao comutador do sistema telefônico para uso privado (PBX) ou, em organizações menores, ao sistema telefônico que utiliza cabos de cobre para conduzir sinais de voz analógicos (PSTN), depois redirecioná-los para um bureau de serviços de fax ou ISP que enviaria o fax e a conta para quem enviou o fax. O rediscador da Faxtech era uma máquina altamente sofisticada que poderia diferenciar todos os tipos de chamadas, bloquear números de serviços pagos (no Brasil, iniciados com 0300), e não rerrotear números de discagem gratuita (no Brasil, iniciados com 0800). O sistema patenteado, que era totalmente programável à distância, reconhecia os números de fax alternativos junto com feriados locais e horários comerciais no ponto de destino, e, no caso de receber um sinal de ocupado, rerroteava os documentos e reprogramava o envio.

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Dave estava em uma boa situação para financiar o de-senvolvimento de IP inicial e as operações iniciais desse novo empreendimento. No entanto, ele estava determi-nado a usar não mais da metade de seu pé-de-meia:

Era importante levantar dinheiro de fontes exter-nas, porque, se eu não conseguisse convencer as pes-soas a investirem, provavelmente havia algo errado com a ideia ou com o modo como a estávamos apre-sentando. No início, tentei a abordagem que apren-di na HBS: levantar o máximo que puder logo no início. Logo descobri que os capitalistas de risco que estavam dispostos a investir nesse estágio inicial insis-tiam em ficar com a maioria das ações da empresa. Por outro lado, os investidores privados não estavam dispostos a assumir o risco no estágio da ideia.

Finalmente, ele concluiu que a melhor fonte de financiamento de start-up era sua equipe administrati-va. Depois de uma rodada interna de capital semente de $ 335.000, Dave planejou uma abordagem mar-cante para atrair investidores externos:

Decidi dispor nosso processo de start-up como uma série de obstáculos diferentes — como um protótipo completo ou uma aprovação do gover-no. Conforme progredíamos e atingíamos nossas metas, o projeto ganhava credibilidade, e gradual-mente conseguíamos encontrar investidores para compartilhar o risco.

As pessoas têm tanto medo de perder uma opor-tunidade de fazer dinheiro quanto têm de perder dinheiro. Quando você cumpre suas promessas e convence as pessoas de que as chances são razoa-velmente boas de que a ideia seja viável, levantar dinheiro se torna um desafio muito mais simples.

Em fevereiro de 1992, a empresa conseguiu o fi-nanciamento total de $ 1 milhão com o fechamento

de uma rodada com investidores privados. Para cobrir uma taxa de queima de capital mensal de $ 175.000,3 eles conseguiram fechar uma segunda rodada de $ 1 milhão até o final da primavera.

Sua tecnologia estava passando bem pelos testes, e a Faxtech estava planejando entrar em operação em março. Além de operar a partir de uma base de tecno-logia impecável, Dave acreditava que o sucesso de seu conceito dependeria criticamente do desenvolvimen-to de um departamento de serviços altamente eficaz e responsivo. Para liderar esse esforço, Dave contratou um indivíduo com quem havia trabalhado antes — Terry Carson, sua esposa:

Terry trabalhou de perto comigo na Cornell, em minha primeira empresa. Não apenas eu achava que ela era extremamente capaz, mas não passamos por nenhum dos problemas que muitos casais parecem encontrar em situações semelhantes. A respeito da Faxtech, eu sabia que poderíamos ter de buscar ao longo de meses até encontrar alguém tão qualificado quanto ela era para a função4 e, mesmo assim, levaria outros meses para que esse contratado compreendesse a empresa ou nossa visão do jeito que Terry já fazia.

Ter a Terry na empresa nos proporcionou a vantagem adicional de uma comunicação melhor com os outros funcionários. Não importa o quan-to eu tente ser aberto com todos aqui, sempre ha-verá coisas que os funcionários podem relutar em contar ao chefe. Terry era muito próxima de todos. Todo mundo sabia que, se alguma coisa os inco-modasse, eles poderiam dividir com ela e o assunto chegaria até mim imediatamente. Isso foi muito útil em temos de manter uma cultura de comuni-cação aberta e entendimento.

Apesar de desafios graves de fluxo de caixa e inter-rupções esporádicas do sistema, os sistemas proprie-tários da Faxtech funcionavam conforme o esperado

3 A taxa de queima de capital incluía salários ($ 60 K), despesas de ativos ($ 16 K), despesas operacionais do escritório ($ 15 K), despesas no Japão ($ 20 K), despesas fixas de comunicação ($ 25 K) e despesas diversas de start-up (advogados, instalação de rede, equipamento, viagem: $ 39 K).4 Terry se formou na Cornell com um bacharelado em engenharia mecânica em 1986 e entrou para a Força Aérea dos Estados Unidos como oficial. Terry saiu da Força Aérea em 1991 como capitã e se matriculou na faculdade de Harvard para conseguir o grau de mestre em história dos Estados Unidos. Após concluir o curso em Harvard, em 1992, Terry tomou a difícil decisão de deixar sua tese em suspenso para assumir o cargo de vice-presidente de serviços na Faxtech International. Após um desvio de seis anos na Faxtech International, Terry finalmente voltou a Harvard para concluir sua tese e recebeu o grau de mestre em 2001.

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e a empresa crescia rapidamente. No final de 1992, embora as operações nos Estados Unidos estivessem longe de ser estáveis, Dave achou que era hora de bus-car a próxima fase de sua visão.

Globalizando antes da globalização: Faxtech-Japão

Desde o começo, Dave acreditava que uma chave para o sucesso seria a abertura de um canal de comu-nicação bilateral entre os Estados Unidos e o Japão. Como isso utilizaria as conexões estabelecidas da Fax-tech, a nova rede conseguiria transportar o tráfego a um custo variável muito baixo. O sucesso no Japão também representaria o sinal verde para a Faxtech abrir escritórios no mundo todo.

Depois de considerar diversas estratégias,5 Deve decidiu trabalhar com empresas japonesas como par-ceiras enquanto mantinha a propriedade majoritária. Seu primeiro e mais importante contato foi Sachio Moto, cofundador e vice-presidente sênior de uma grande empresa de telecomunicações no Japão. Em-bora a apresentação inicial tenha vindo do antigo pro-fessor de finanças para empreendimentos de Dave na HBS, o experiente executivo lembrou que o entusias-mo de Dave havia chamado sua atenção:

Dave me enviou por fax um convite para uma reunião: queria meu feedback como empreendedor bem-sucedido que sempre esteve muito familiariza-do com as empresas de telecomunicações japonesas. Ele queria se encontrar comigo no Japão, mas como eu estaria em Atlanta no final daquela semana, su-geri que ele me encontrasse lá. Tive certeza de que o curto prazo e seu desejo de me encontrar em Tóquio seriam suficientemente desestimuladores. Mas eu também sabia que, se ele tivesse uma grande paixão por essa empresa, ele iria.

Quando ele chegou a Atlanta, eu soube que ele tinha o tipo de entusiasmo que se deve ter como em-preendedor para aproveitar todas as oportunidades que surgem. Eu também acrescentaria que, se Dave não tivesse ido a Atlanta, nunca nos encontraríamos.

Além de ficar impressionado com o homem por trás da Faxtech-Japão, o Sr. Moto também ficou fas-cinado pelo conceito claramente definido de Dave. Ele concordou em ajudar o jovem empreendedor a entrar no mercado japonês de telecomunicações. Conforme as reuniões avançavam em 1993, o Sr. Moto continuava satisfeito com o impulso e com-prometimento de Dave:

Dave passava dias inteiros no hotel analisan-do as condições alteradas [a partir de reuniões de acompanhamento]. Ele era paciente e tremenda-mente flexível. Ele veio ao Japão sem data espe-cífica para voltar, o que era muito incomum para um empresário americano. Desse jeito, ele tinha um lastro para lidar com as mudanças urgentes nas condições previamente acordadas. Dave tam-bém prestou muita atenção a cada detalhe pessoal, como cumprimentar os outros de maneira adequa-da. Dave tem a colaboração sincera e o toque pes-soal e humano de que um bom executivo precisa.

Durante todo o ano de 1993, Dave se empenhou para garantir sólidos compromissos dos empresários ja-poneses que “nunca pretendiam dizer sim, mas também não estavam preparados para dizer não”. Dave explicava que, para dificultar as coisas, havia o fato de que todo o tempo e dinheiro que ele estava gastando para entrar no mercado japonês tinham se tornado uma força desestabi-lizadora em suas operações nos Estados Unidos:

A propósito, caso você pense que tudo estava tranquilo com a empresa sede durante esse perío-do, não era bem assim. A organização das vendas que tinha sido tão bem-sucedida nos primeiros seis meses [de 1993] se desintegrou totalmente em julho. O moral estava no fundo do poço; eles não seguiam uma estratégia nem sentiam confiança no diretor de vendas que tinham.

Substituir o diretor de vendas os colocou de volta nos trilhos, mas Dave observou que a economia era uma preocupação primordial:

5 As possibilidades estratégicas para o estabelecimento da FIJ incluíam o financiamento da etapa de start-up através de um sistema de franquia, permitindo que um sócio local possuísse uma grande parte da operação, e estabelecendo a Faxtech como empresa controladora para a operação japonesa.

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A Faxtech estava devorando cada vez mais capital conforme nosso crescimento acelerava, e nosso ponto de equilíbrio ainda estava fora de alcance e ficando mais distante o tempo todo.6 Acho que não tivemos mais de dois meses de dinheiro no banco em qual-quer momento naquele ano. Isso pode parecer im-possível ou extremamente estranho, mas era a nossa realidade. Enquanto eu estava tentando negociar a força no Japão, estávamos constantemente envolvi-dos no processo de levantar dinheiro para manter as operações nos Estados Unidos funcionando.

Enquanto as negociações no Japão se arrastavam até 1994, Dave podia ver que ele e sua equipe estavam travados em uma lei de equilíbrio delicada e frágil:

Podemos ser uma pequena operação com base nos Estados Unidos ou podemos ser uma empresa mundial de telecomunicações; não podemos viver em um ponto intermediário... O staff necessário para aumentar a empresa no mundo todo é grande de-mais para sustentar antes de instalarmos as operações em diversos países — e rapidamente.

Nosso objetivo não é ter lucro neste momento; nos-so objetivo é crescer o mais rápido possível, ao mesmo tempo que tentamos levantar dinheiro por preços de ação cada vez mais altos para que possamos proteger [nossa base de] investidores. Há uma luta constante entre o desejo que as pessoas têm de ver os lucros e o desejo que as pessoas têm de ver o crescimento. O ver-dadeiro truque está em equilibrar essas duas necessida-des dentro da limitação real de ficar constantemente sem dinheiro enquanto se tenta crescer.

Quando a Faxtech-Japão finalmente começou a fun-cionar, no final de 1994, ela abriu a oportunidade de ex-pansão global que Dave há tanto previa. No entanto, em 1995, a empresa de repente pareceu totalmente secundá-ria em relação a um desafio muito mais importante.

Uma realidade assustadoraEm 1995, Terry administrava um departamento

de serviços com mais de 200 pessoas. Com a Faxtech

se saindo bem e o futuro parecendo brilhante, Dave e Terry decidiram que era um bom momento para começar uma família. Terry se lembra que, durante um exame rotineiro de gravidez, seu médico fez uma descoberta chocante:

Era outubro de 1995, bem quando a empresa estava realmente começando a decolar. Basicamente, eles me disseram que eu não ia sair dessa. Era uma coisa ruim; eles chamavam de ALL — abreviação de leucemia linfócita aguda [em inglês, acute lymphocytic leukemia] — eu tinha ALL estágio 4 em todo o meu corpo. Eles diziam: “Mesmo que você tenha apenas 30 anos, é muito pouco provável que você consiga sobreviver a isso. Mas, se você não começar o trata-mento em uma semana, estará morta em um mês”.

Terry perdeu o bebê, mas passou pelo primeiro mês de tratamento e, depois, pelo seguinte. Incapaz de fazer muita coisa pela querida esposa e parceira en-quanto ela lutava pela vida em um hospital na região de Boston, Dave concentrou sua energia na empresa em crescimento. Além de suas próprias responsabili-dades com CEO, ele agora supervisionava o departa-mento de serviços até o retorno de Terry.

Contra todas as previsões médicas, Terry resistiu à dor aguda e aos rigores de um regime de quimiotera-pia extremamente invasivo por dois anos — e final-mente venceu o câncer. O lado negativo dessa notícia maravilhosa era um prognóstico de partir o coração: Terry jamais poderia ter filhos.

Ao mesmo tempo, após um esforço longo, enxuto e difícil, a Faxtech finalmente tinha atingido a massa crítica de que precisava para sobreviver e prosperar.

Excelência e execuçãoEm 1997, a Faxtech empregava 650 pessoas em 18

escritórios no mundo todo, incluindo Austrália, Canadá, Japão, Coreia e Estados Unidos. O crescimento anual estava em torno de 180% desde 1992, e em 1997 a em-presa constava como a número 20 na lista INC. 500 das empresas privadas de crescimento mais rápido nos Esta-

6 Em meados de 1993, sua estratégia de crescimento agressivo nos Estados Unidos aumentou a receita mensal líquida da Faxtech para pouco menos de $ 350.000, mas a taxa de fluxo de caixa negativo havia aumentado para $ 250.000/mês. O ponto de equilíbrio mensal cresceu a um ritmo igualmente agressivo de cerca de $ 502.000.

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dos Unidos. Até aquele momento, a Faxtech havia conse-guido um financiamento total de $ 105 milhões de uma ampla gama de fontes, incluindo amigos, família, anjos e corporações como a ORIX e a Singapore Airlines.

Dave e sua equipe estavam seguros de que esse era o momento certo para estabelecer uma posição domi-nante no mercado com um enorme esforço que in-cluiria o desenvolvimento de serviços avançados de fax e entregas e a expansão de sua rede internacional de comunicações para 27 países, incluindo Bélgica, Itália, Suíça e Indonésia. Bem consciente da ameaça tecno-lógica apresentada pelo espaço emergente da internet, a equipe da Faxtech estava desenvolvendo ativamente um portal on-line que permitiria que seus clientes co-locassem ordens de serviço e rastreassem seus faxes na internet, assim como a FedEx fazia com os pacotes.

Dave disse que eles também estavam se preparan-do para lidar com outro grande desafio no horizonte:

A desregulamentação no nosso setor era uma realidade para a qual estávamos nos preparando. O mundo todo sabia que ela estava vindo, e, como em-presa, estávamos investindo em novos produtos que antecipariam essa mudança. Dissemos: “Tudo bem, considerando que essas mudanças vão ferir claramen-te nossa proposta de valor essencial, como fazemos a transição e, ainda assim, fazemos isso acontecer?”.

Para sustentar sua exigência de dominância de mer-cado, a empresa precisava levantar mais $ 175 milhões.7 A estrada típica para atrair esses financiamentos poderia ter sido uma oferta pública; em vez disso, a equipe optou por uma oferta de títulos de garantias de dívida de alto rendimento (14%) — uma estratégia de preservação de patrimônio possibilitada pela crescente reputação global da Faxtech em termos de excelência e realização.

Com a questão dos títulos fechada, a dívida total e o financiamento de patrimônio ficaram pouco acima de $ 260 milhões (veja a Tabela 1). A empresa estava se aproximando do ponto de equilíbrio com vendas anu-ais de cerca de $ 50 milhões; a Faxtech finalmente tinha

se tornado uma força poderosa e aparentemente impos-sível de ser parada no setor de telecomunicações.

Queda livreNo início de 1997, a Organização Mundial do Co-

mércio (OMC) chegou a um acordo com mais de 200 países para desregulamentar completamente as comu-nicações internacionais. Em menos de um ano, o pre-ço médio por minuto das chamadas internacionais em todos os mercados em que a Faxtech operava caiu de $ 0,75 por minuto para $ 0,25. Dave explicou como esse novo ambiente cortou as asas de sua empresa:

Nosso custo progressivo por minuto era de cerca de $ 0,15. Começamos 1997 cobrando $ 0,50 por minuto de ligação de fax internacional — uma eco-nomia de custo para o consumidor de 33% sobre o preço médio de $ 0,80 por minuto. Até o final do ano, fomos forçados a diminuir nosso preço para o novo preço de mercado de $ 0,25 por minuto. Embora ainda tivéssemos uma margem positiva a essa taxa, não tínhamos mais um modelo de vendas estimulante.

Antes da desregulamentação, podíamos contratar vendedores de rua e eles conseguiriam 15 clientes por mês — e todos esses clientes permaneceriam. Com os novos preços, eles estavam conseguindo cerca de 3 clientes ao mês, mas a rotatividade na base de clientes superava sua capacidade de aumentar.

O modelo essencial de nosso negócio existente estava totalmente quebrado. Percebemos que tí-nhamos entrado na ponta final [de um ciclo do setor]; havia um mercado enorme e toneladas de dinheiro parado ali. O lado negativo, evidente-mente, era que a oportunidade poderia desapare-cer muito rapidamente. A estrutura financeira dos negócios tinha de estar alinhada com a duração da oportunidade, e, com a Faxtech, tínhamos coloca-do um modelo financeiro de longo prazo em uma oportunidade de curto prazo.

7 No momento do fechamento, a empresa tinha menos de $ 1 milhão em caixa — e uma taxa de queima de capital mensal de mais de $ 3 milhões. Se a oferta de títulos não tivesse sido fechada em janeiro de 1997, a Faxtech teria sido forçada a iniciar a interrupção de suas operações dentro de algumas semanas.

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TABELA 1 – Capitalização da Faxtech

Época Rodada e Fonte Dívida @ TaxaPreferencial convertida @ Preço das ações

Total Levantado $

Outono de 1990

Financiamento semente e do fundador 200.000 12% 300.000

Outono de 1991

Série A: investidores privados @ $ 25.000 cada

500.000 12% 500.000 $ 1,00 1.000.000

Outono de 1992

Série B: diversos investidores anjo de grande porte

2.500.000 $ 1,00 2.500.000

Primavera de 1994

Financiamento da Faxtech-Japão; sócios tinham 49% de propriedade da subsidiária

10.000.000

Primavera de 1994

Série C: diversos fundos internacionais de participação privada de grande porte

3.000.000 $ 3,50 3.000.000

Primavera de 1995

Malasia Telecom Investment 30.000.000 12% 40.000.000 $ 3,50 70.000.000

Primavera de 1997

Oferta de dívida pública de alto rendimento

175.000.000 14% 175.000.000

Financiamento total 261.500.000

Depois de fechar recentemente a rodada de endi-vidamento com títulos a juros altos, a Faxtech estava cheia de dinheiro — o suficiente, pensava Dave, para financiar uma estratégia de transição que sua equipe estava conceitualizando havia meses. Dave disse que, no entanto, os portadores de títulos queriam sair:

Nossos atuais investidores estavam nos dizen-do: “Vejam, colocamos o dinheiro aqui pelo mo-tivo certo, o mundo mudou drasticamente, de um modo que vocês não poderiam prever, então precisamos fechar a empresa e devolver o dinhei-ro deles”. Eles queriam se reestruturar fechando a empresa; nós queríamos nos reestruturar trazendo novos investidores e pagando aos portadores de tí-tulos uma tarifa apropriada para trazê-los a uma posição de patrimônio. Não tínhamos obrigação jurídica de devolver os fundos e acreditávamos, é claro, que poderíamos produzir um resultado mui-to maior se eles nos deixassem concluir a estraté-gia. Os investidores iniciais, cujo dinheiro já tinha sido usado, estavam dispostos a nos deixar tentar.

O debate contínuo sobre como avançar melhor às pressas, as condições de mercado explodindo e ter de abrir mão de centenas de funcionários fiéis e ex-celentes estava colocando uma enorme pressão sobre a administração e sobre o conselho administrativo. No início de 1998, Dave havia substituído o CFO,

o COO e o vice-presidente de desenvolvimento por executivos que ele achava que tinham maior proba-bilidade de ter sucesso em fazer a empresa atravessar uma transição muito difícil:

Pedi aos novos COO e CFO que trabalhas-sem juntos para orientar um processo de redução sistemática de nossa equipe de vendas em 50%, com o objetivo de ajudar a preservar o caixa — sem fechar completamente nenhum de nossos escritórios internacionais de vendas.8 Enquanto minha equipe executiva se concentrava em escalar de volta e concluir o desenvolvimento de nossos novos produtos, desviei toda a minha atenção para encontrar uma forma de reestruturar e converter nossos portadores de títulos de juros altos em algu-ma forma de patrimônio parcial.

Em março de 1998, todos os diretores externos se demitiram do conselho — aparentemente, por ques-tões que envolviam uma filial esforçada na França, mas que parecia mais um voto final de desconfiança. Dave descreveu outro indicador especialmente nítido de como eles estavam caindo rápido:

Ao final de 1997, eu possuía aproximadamente 15% da empresa. Ao mesmo tempo que os diretores estavam saindo, eu estava comprando todas as ações de propriedade da Malasia Telecom, a fim de facili-

8 No outono de 1998, a Faxtech reduziu seu staff global de 750 para menos de 400 pessoas.

10 Criação de Novos Negócios

tar a saída da MalTel dos negócios. Inicialmente, a MalTel investiu $ 70 milhões ($ 30 milhões em pa-trimônio mais $ 40 milhões em dívida). Para dar à MalTel uma saída simples de sua posição de capital, concordei em comprar suas ações por $ 10.000. Ao final dessa transação, eu possuía mais de 50% das ações da empresa em circulação, mas, obviamente, as ações não estavam valendo nada naquele ponto, uma vez que tínhamos uma dívida pública de alto rendimento que superava $ 175 milhões.

Clark Thomas, diretor fiscal do grupo financeiro da Faxtech, lembrou que, mesmo diante de tantas rea-lidades claras, muitos funcionários ainda acreditavam que Dave encontraria um caminho:

Tínhamos um objetivo comum a respeito de para onde estávamos indo como empresa, e as coisas pareciam ir muito bem. Um dos melhores atributos de Dave é ser capaz de manter as pessoas seguindo em frente e acreditando. Acho que mui-tas pessoas sentiam como se algo pudesse ser feito para salvar a empresa — talvez em uma versão re-duzida. Eram pessoas dedicadas e aplicadas que ti-nham investido muito tempo na empresa. A coisa mais difícil era reconhecer que ela podia acabar.

Clark acrescentou que, embora os clientes prati-camente não soubessem da desordem na empresa, os investidores estavam muito insatisfeitos:

Quando algo assim vem à tona, eles certamente perguntam o por quê, e é claro que acreditam que algo deu errado internamente. Mas, até certo pon-to, havia alguns motivos reais e racionais no setor para isso estar acontecendo. Alguns investidores conseguiram entender, e outros ficaram um tanto amargos com a possibilidade de que o investimen-to que fizeram não lhes retornasse algo.

A pedido de um investidor inicial, o especialista em recuperação Steve Oldman entrou em cena para ver o que poderia ser feito para estabilizar a empresa. Steve disse que encontrou uma situação desesperadora:

Eu me reuni com Dave, [CFO] Tom Basinger, [diretor fiscal] Clark Thomas e alguns outros caras

importantes. Elaborei um modelo e expliquei que eles estariam falidos em 90 dias. O melhor que eu podia fazer naquele momento era dar uma série de recomendações e reestruturar suas previsões para lhes dar 9 a 10 meses, em vez de 90 dias.

Como isso aconteceu? A Faxtech identificou um nicho animador no gigantesco setor de comunica-ções globais, desenvolveu um produto que foi bem recebido pelos clientes no mercado, e teve sucesso ao levantar uma enorme quantidade de dinheiro para expandir o serviço para o mundo todo, na ten-tativa de garantir uma vantagem de pioneiro.

Pioneiro, a propósito, é um termo que quase nunca tinha sido usado antes de meados da década de 1990 com algumas empresas precoces de tecnolo-gia. Historicamente, o primeiro que chega no espaço compreende que é um negócio, mas depois morre porque normalmente não levantou capital suficiente para suportar a mudança no mercado. O segundo en-trante se sai um pouco melhor, e o terceiro em geral vence porque consegue ver as armadilhas e evitá-las. A Faxtech levantou muito dinheiro, mas não conse-guiu prever a rapidez com que os reguladores insti-tucionais estavam preparados para se mover a fim de afirmar sua autoridade sobre o sistema.

Steve acrescentou que o estado de espírito de Dave era comum para alguém naquela situação:

O Dave é um pensador muito lógico. Ele não foi emocional; ele teve a capacidade de convencer as pessoas, através de lógica, de que ele estava cer-to. Foi assim que ele conseguiu muito apoio dos gerentes e das pessoas ao redor para suas visões. Eles queriam seguir aquela estrela brilhante.

Quando cheguei lá, ele estava com problemas graves e pessoalmente em negação: Isso não podia acontecer comigo, sempre tive sucesso, sempre es-tive certo, sempre fui o mais brilhante, o melhor. Foi um período interessante em sua vida — desco-brir que ele realmente poderia fracassar em algo.

Clark observou que alguns funcionários fiéis tam-bém estavam lutando com a realidade:

Eles agora percebiam que não iam conseguir transformar a situação. Ainda havia esperança, e

11Capítulo 17 Gerenciando o crescimento rápido, crises e a recuperação

conversas sobre algumas transações em andamento para tentar vender a empresa. Certamente havia um grupo essencial que achava que isso podia acontecer, que seus empregos ainda existiriam e eles poderiam continuar se houvesse algum tipo de fusão.

Os portadores de títulos agora estavam mais furio-sos. Sabendo que não poderiam forçar Dave a jogar a toalha, eles lhe garantiram que, se ele falisse e perdesse o dinheiro deles, certamente haveria medidas jurídi-cas contra ele. Dave se lembra que não apreciava to-talmente a situação:

Tenho de dizer que não compreendi o risco apre-sentado pela ameaça de me processar em caso de falência. Eu já estava no negócio há muito tempo; era meu segundo empreendimento. Eu tinha muita experiência, e tínhamos muitas pessoas esclarecidas ao nosso redor. Mas ninguém conseguiu articular o lado negativo do risco que eu estava correndo.

A equipe se empenhou por muitos meses para re-cuperar a base que havia perdido; mas em novembro eles perceberam que não seriam capazes de fazer a transição para um novo grupo de produtos antes que o dinheiro acabasse. Estava tudo acabado.

O tribunal de falência rapidamente iniciou os pro-cedimentos para forçar a Faxtech à liquidação com-pleta por menos de $ 0,01 por dólar investido. Antes da última neve naquele inverno, essa empresa, que ha-via levantado centenas de milhões em capital de inves-tidores experientes e, em seu auge, havia empregado 650 pessoas dedicadas, seria fechada para sempre.

Convergência de oportunidadesDe volta a meados da década de 1990, Dave iden-

tificou o que ele achava que seria uma separação fun-damental no setor de telecomunicações:

A Faxtech estava na fase inicial de fazer a ponte entre a rede de telefonia — uma rede de comuta-ção de circuitos — e a internet, que é uma rede de comutação de pacotes. Uma comutação de circui-tos é um sistema de comunicação física — como uma lata e um cordão — mais sofisticado que isso, mas essa é a ideia. Na internet, todos os bits de

comunicação são divididos em pequenos pacotes e roteados através de uma rede geral — é por isso que empresas de roteadores, como a Cisco, tive-ram tanto sucesso. Não há mais circuitos — ape-nas rotas através de uma rede eletrônica global.

A principal transição da comutação de circuitos para a comutação de pacotes começou no mundo das telecomunicações no início da década de 1990, e estávamos participando disso na Faxtech. Come-cei a perceber que, quando a transição começou de fato, um número de telefone — o endereço roteá-vel em uma rede de comutação de circuitos — não teria significado na internet.

Para muitos investidores, empreendedores e ob-servadores do setor da internet jovens e que conhe-cem tecnologia, isso não parecia uma preocupação; os números de telefone simplesmente se tornariam uma coisa do passado, como as réguas de calcular, os dis-quetes e as fitas cassete. Dave discordou:

As pessoas que cresceram [no mundo da tecno-logia] quase sempre exageram sua posição; é cres-cente, é empolgante, é novo, é a coisa do momento, é a coisa da moda... Eles se confundem ao pensar que tudo que estão fazendo fará sentido para todos. Mas ainda havia uns bons 50 anos ou mais de traba-lho bem impressionante para a construção da rede de comunicação global que conhecemos hoje.

Estou pensando que, com 6 bilhões de pes-soas no planeta — todas treinadas ao longo dos anos para discar os números de telefone — estou pensando que o número de telefone vai sobreviver — que isso será uma convergência, e não uma in-corporação. Apresentamos uma patente em torno do conceito de que dar significado aos números de telefone nessa nova rede exigiria uma complexa função de tradução dentro dessa rede.

Na época, não havia padrões nem nomes para o que estávamos descrevendo. Então inventamos nos-sa própria expressão para descrever o que estávamos fazendo, assim: O número de telefone terá de ser comparado com o banco de dados para descobrir os endereços de serviço na internet para os diferentes serviços associados àquele número... O título de nossa patente principal nessa área explicava o servi-ço da seguinte maneira: O método e o aparelho para

12 Criação de Novos Negócios

correlacionar um único identificador, como um nú-mero de telefone PSTN, com um endereço de internet para permitir comunicações via internet...

Com a Faxtech caminhando em direção à falência, Dave estava gastando cada vez mais tempo avaliando essa oportunidade convergente. Não demorou muito para ele receber conselhos incisivos de casa:

Minha mãe me ligou e disse: “Me diga que você não vai fazer isso de novo; arranje um emprego”. E que levou a uma conversa realmente franca com Terry sobre minhas opções de carreira. Ela me per-guntou o que estava disposto a considerar: Trabalho corporativo, consultoria? Eu tinha formação e ex-periência para fazer praticamente qualquer coisa. E analisamos a lista: Você consideraria isto, aquilo?

Finalmente, a decisão era sobre o que eu que-ria fazer da minha vida — independentemente de todas as coisas que eu não podia controlar. Essas coisas vão acontecer de qualquer maneira — eu só conseguiria controlar como passar minha vida... A única coisa que estou realmente interessado em fazer é começar um negócio que terá o objetivo de revolucionar um setor — ou participar desse pro-cesso de revolução. A resposta era óbvia: eu tinha de iniciar esse novo empreendimento, e a Terry me apoiou completamente nisso.

Em relação ao processo que se aproximava, Dave acrescentou:

Não havia como aliviar esse risco pessoal. A rea-lidade era que, se os credores da Faxtec me proces-sassem e ganhassem, eles poderiam vir buscar todos os meus bens, incluindo as ações de um novo negó-cio. Mas o que eu deveria fazer, não começar?

A fênix se ergue: Telephony Translations, Inc.Quando os procedimentos para dispor dos ativos

da Faxtech se iniciaram, em junho de 1999, Dave pas-sou para o especialista em recuperação Steve Oldman os detalhes da propriedade intelectual (PI) que entra-ria na oferta. Dave descreveu a situação:

Forneci ao Steve os detalhes de PI da Faxtech que eu achava que poderiam se tornar a base para

uma nova empresa no espaço do acesso a números de telefone convergidos. Minha esposa, Terry, e eu decidimos arriscar $ 26.000 para adquirir essa tec-nologia no leilão. Eram centavos de dólar do valor real, e nossa suposição era que o curador da falência e o público no leilão não teriam conhecimento dos anos de trabalho incluídos em algumas solicitações de patente importantes — e, por isso, não estariam dispostos a aumentar o preço desses ativos.

Depois de suas prolongadas discussões com Dave sobre esse portfólio de PI, Steve percebeu que ele sabia exatamente como abordar, administrar e orquestrar uma solução em que eles poderiam executar a compra dentro de uma estrutura completamente legal e ética:

Como Dave estava explicitamente excluído de participar do processo de leilão sob a direção do curador da falência, recrutamos seu velho amigo John Tyler [o primeiro vice-presidente de enge-nharia da Faxtech]. John Tyler concordou em participar do leilão e fazer ofertas para as paten-tes, compreendendo que as venderia de volta para Dave e Terry em troca de uma posição de capital na nova empresa.

Dave disse que isso funcionou com perfeição:

Embora várias pessoas tivessem aparecido para fazer ofertas para as solicitações de patente, John, que estava armado com uma pasta cheia de dinhei-ro, conseguiu comprar todas as patentes de que precisávamos (veja o Quadro 2).

Com suas principais patentes garantidas e com uma base de funcionários fiéis e altamente habilido-sos da Faxtech prontamente disponíveis para um novo desafio, Dave disse que o próximo empreendimento surgiu suavemente das cinzas do anterior:

Começamos com entusiasmo e sucesso a Tele-phony Translations (TTI). Essa era a vantagem de ter pessoas da equipe original e de ser a minha ter-ceira tentativa; quero dizer, a gente melhora nisso, certo? Foi rápido demais; seis meses desde escrever o primeiro plano até ter 20 pessoas escrevendo có-digos em um escritório.

13Capítulo 17 Gerenciando o crescimento rápido, crises e a recuperação

QUADRO 2 – Propriedade intelectual da TTI

As patentes e solicitações pendentes da TTI incluem centenas de reivindicações que cobrem processos e conceitos de implantação a respeito do uso de um diretório compartilhado nas comunicações com base em IP. Destacamos a seguir um resumo das três áreas de atividade de patente da TTI.

Método e aparelho para correlacionar um único identificador, como um número de telefone PSTN, a um endereço de internet para permitir comunicações via internetEsta série de patentes emitidas (Patente dos Estados Unidos 6.539.077, Patente dos Estados Unidos 6.748.057, Patente europeia 1142286) e solicitações pendentes inicialmente apresentadas em dezembro de 1999 descreve o uso de um “Serviço de Diretório” (DS) compartilhado para converter um número de telefone PSTN em informações de endereços na internet. Essas informações permitem a criação de um link de comunicação sobre uma rede de dados entre duas plataformas de comunicação não relacionadas usando apenas números de telefone padrão para encaminhamento. A solicitação contém reivindicações que se relacionam especificamente ao uso de um diretório compartilhado para permitir comunicações de voz em tempo real, mensagens de voz, impressão remota e aplicativos de mensagem unificados pela internet usando os números de telefone padrão para encaminhamento.

Método e aparelho para identificar e responder a um chamadorEste conjunto de patentes emitidas (Patente dos Estados Unidos 6.292.799, Patente chinesa ZL 99807952.9, Patente australiana 748758) inicialmente apresentadas em junho de 1998, se aplica a um diretório de internet compartilhado para serviços de mensagem de voz globais. Especificamente, a patente descreve o uso de um diretório compartilhado que permite que os usuários finais utilizem uma rede IP para “responder gratuitamente” às mensagens de correio de voz. O diretório converte um número de telefone de retorno em um endereço de resposta para qualquer sistema de correio de voz, e-mail ou mensagem unificada habilitado para a internet. A patente foi concedida com diversas reivindicações, cobrindo vários aspectos dos serviços de mensagem de voz e diretório da internet.

Método e aparelho para acessar um computador em rede para estabelecer uma sessão aperte para falar.Esta solicitação de patente (continuação parcial das patentes dos Estados Unidos 6.539.077, 6.748.057, 6.292.799) descreve uma arquitetura de comunicação em que um usuário de telefone sem fio registrado para os serviços aperte para falar (PTT) deseja uma sessão PTT com uma parte em um computador em rede acessível através de uma rede de dados pública que não esteja registrada com qualquer serviço PTT. O usuário de telefone sem fio inicia uma sessão inserindo um identificador exclusivo como endereço de destino para o computador em rede. O servidor PTT do operador sem fio pesquisa um Serviço de Diretório, disponível na rede pública de dados, para obter um endereço de PTT para o computador de destino, permitindo, assim, que o servidor de PTT descubra qualquer número de aperte para falar habilitado nos PCs disponíveis na rede pública de dados.

Fonte: <www.TTI.com>.

Dave foi um cara que era um pensador e estrategis-ta brilhante, mas talvez não um operador capacita-do. Também era um cara que tinha a coragem de se levantar de novo mesmo depois dos problemas terríveis pelos quais passou.

A melhor habilidade de Dave, como é o caso de todos nós, também pode ser uma responsabilida-de. Ele acredita em si mesmo com tanta força e é tão brilhante que pode entrar em um armário so-zinho e refletir sobre as 40 zilhões de combinações diferentes de estratégia e sair e dizer: “Eu sei a res-posta e é isso”. Aquele processo desencavou coisas mais profundas do que qualquer um, e, depois de alinhado na direção certa, Dave pode contribuir melhor para uma nova ideia e transmiti-la a uma comunidade e ao resto da equipe de modo que eles possam construir um produto em torno disso, me-lhor do que qualquer pessoa que já vi.

O lado negativo, é claro, é que essa certeza tor-na Dave tão teimoso quanto alguém pode ser. Es-sas são as coisas boas e ruins de um empreendedor. Eles raramente veem o mercado não alinhado com a estratégia que eles definiram.

Para financiar o esforço, Dave sabia que precisava conseguir sangue novo:

Uma das verdadeiras dificuldades para a Fax-tech não ter sucesso foi que perdi muitos grandes contatos financeiros. Levantei dinheiro no mun-do todo — o problema foi que perdi dinheiro no mundo todo. Por mais que esses investidores gos-tem de dizer que apostaram pelo motivo certo, que eu trabalhei muito e eles gostaram de tudo que fiz, a verdade é que eu perdi o dinheiro deles.

O pai de Dave, executivo aposentado da AT&T, estendeu a mão para sua rede de contatos e encontrou um amigo que tinha um amigo no ramo do capital de risco: Bob Cooper, da Signit Ventures. Bob se lembra de suas primeiras impressões:

Várias coisas me impressionaram na época. A Faxtech foi claramente uma oportunidade com ja-nela de tempo que Dave não tinha compreendido. Ele tentou levá-la até a lua no momento em que deveria ter procurado um comprador. O que vi em

14 Criação de Novos Negócios

Eu também lhe diria que vi Dave como diretor de marketing e nunca previ que ele seria o CEO da-quela empresa no longo prazo. Combinei com ele que eu o observaria no papel de CEO por um tem-po, mas apenas fecharia o negócio se tivesse escolha a respeito de quando precisaríamos contratar um CEO para ser seu parceiro, não para substituí-lo.

Dave estava animado por ter encontrado um novo apoio:

Portanto, eu estava sendo perseguido por ter perdido muitos milhões de dólares, e, ainda assim, Bob e seu grupo estavam dispostos a ouvir. A Sig-nit deve receber os créditos por ter a perspicácia e a disposição para aceitar que a experiência sempre vem com obstáculos e fracassos. Se você realmente vai entrar em um jogo e vai realmente dar tudo de si, nem tudo vai dar certo.

Os resultados positivos (e negativos) são resul-tantes de uma combinação de muitos fatores — sendo que você só controla alguns deles — e, dessa forma, se você se avalia com base exclusivamente nos resultados, não está sendo realmente honesto. A avaliação deve ser realmente baseada na qualida-de de seu trabalho durante aquele longo período daquela época — independentemente do resulta-do. Bob compreendia isso.

Dava acrescentou que a Signit estava muito in-trigada com sua visão de que, em algum ponto no futuro, o setor de telecomunicações chegaria a procu-rar uma ponte técnica para fazer a transição entre as antigas estruturas físicas e a era digital:

Os números de telefone precisam sobreviver porque é assim que as pessoas estão acostumadas a fazer uma ligação, mas eles não têm qualquer significado real na rede digital. Para ligar os dois, deve haver uma solução altamente complexa no meio. Quando as grandes empresas de telecomu-nicação perceberem que precisam dessa ponte, elas comprarão essa solução de alguém. Como novo entrante, a única maneira de ter qualquer chan-ce de participar é elaborar [a tecnologia] quando ninguém a quer — então, quando a quiserem, você já a tem. Por outro lado, se você não estiver lá

quando eles a quiserem, eles entrarão em contato com nomes conhecidos, como Ericsson, Lucent, Siemens ou Nortel, e pagarão a um deles para de-senvolver a tecnologia.

Esses grandes nomes não estão construindo agora porque ninguém está disposto a pagá-los para fazer isso. Então temos de continuar gastan-do dinheiro de capital de risco para construir essa tecnologia, e isso levará anos. E não sei quando vai acontecer. Mas, quando acontecer, será um grande negócio por 30 anos, porque as pessoas não fazem essas transições muito rapidamente. Os clientes precisam de estabilidade. A indústria precisa de estabilidade. Mas o problema é: como você sabe quando eles precisarão dela? Não sei. Se acontecer de eles precisarem em seis meses, estamos ferra-dos, porque não conseguimos construí-la em seis meses. Se acontecer de não precisarem dela por 10 anos, também estamos ferrados, porque não pode-mos ficar esperando tanto tempo.

A Signit concordou em investir $ 10 milhões por 40% da empresa (totalmente diluídos) — em paga-mentos mensais, a fim de amenizar o risco da nuvem negra jurídica que pairava sobre o empreendedor líder no acordo. Em junho de 2000, apenas três dias antes do prazo do estatuto, o processo jurídico veio com tudo. Embora Dave estivesse se preparando para essa eventu-alidade, os documentos ainda tiravam seu fôlego.

Confie — mas confirmeUm grupo de credores levados pelo curador da

falência entrou com um processo credor de $ 80 mi-lhões contra os diretores e executivos da empresa. Em-bora Dave e os outros executivos não tivessem bens suficientes para garantir o pagamento aos credores, o processo da Faxtech nasceu de um desejo dos credores de terem acesso a uma apólice de seguro de diretores e executivos (D&O) no valor de $ 10 milhões, man-tida pela empresa. O conselho inteiro era citado no processo, mas Dave podia ver que ele era o único que teria de brigar. Quando Dave remeteu a ação para sua empresa de seguros, as notícias não foram boas:

A primeira coisa que aconteceu foi que a empre-sa de seguro disse: “Não é uma reivindicação válida,8 então não vamos pagar por ela”. Estou tentando

15Capítulo 17 Gerenciando o crescimento rápido, crises e a recuperação

construir a TTI e, ao mesmo tempo, estou colocan-do pressão sobre a empresa de seguros — enquanto batalho e vendo bens para pagar minha própria de-fesa. Quando a empresa de seguro concordou em arcar com o processo, eu já havia pagado $ 140.000 — descontados os impostos — em custas legais.

Dave lembrou que o ataque legal, em si, era mui-to mais doloroso que as preocupações financeiras que causava:

O fato de ser processado é muito pior do que eu estava preparado. Eu não considero que fiz algo errado, mas isso não os impediu de me processar e não os impediu de escrever documentos realmente longos que me descreviam como a escória abso-luta; ele é mau por esse motivo, ele é realmente mau por esse motivo, e imagine o quanto ele deve ser mau por esses outros motivos. Tive de dizer ao conselho [da TTI]: “Olhem, desculpem, estou sendo processado em $ 80 milhões por violar a responsabilidade fiduciária”. Isso soava muito mal: violar a responsabilidade fiduciária!

E é claro que desestabiliza o conselho. De re-pente, o conselho não tinha certeza de nada: Você está certo sobre essa direção [para a TTI]? Você acha que devemos fazer desse jeito? Talvez deva-mos fazer de outra maneira.

Lembre-se: essas são pessoas realmente boas que apostaram em mim por todos os motivos cer-tos. No entanto, ter uma força externa que envia documentos enormes dizendo que sou uma pessoa terrível e um gerente desonesto é uma causa com-preensível de preocupação para o investidor.

O conselho acreditou, quando a empresa de seguro finalmente o fez, que o processo contra Dave seria ter-minado ou resolvido antes mesmo de chegar a um júri. Apesar disso, todo o assunto terrível havia aumentado as preocupações do investidor sobre qual figura central seria Dave no investimento deles na TTI. Dave se lem-brou de uma reunião especialmente estressante:

Eles disseram: “Veja, você é o maior acionista. Você inventou toda a tecnologia; você é portador de todas as patentes; você trouxe toda a equipe; e essa equipe está comprometida com você e partiria a qualquer momento que você lhes falasse para fa-zê-lo. Você levantou todo o dinheiro. Você é o fun-dador e o CEO, e é o único com quem podemos falar. Como sabemos que você está certo? Supos-tamente somos o conselho, mas o que exatamente diríamos? Como temos um debate de verdade?”

Esse era um ponto realmente interessante e vá-lido. Não havia maneira de se ter um equilíbrio de poder. Qual é o poder deles? Tudo que podiam fazer era dizer: “Eu não sei... Não sei se o que você me disse está certo”.

Dave explicou que o conselho também estava pre-ocupado que mesmo o plano de tecnologia (veja a Fi-gura 3) tinha de ser aceito com muito apoio na fé:

O que fazemos é muito inteligente. Não estou brincando — não existem 50 pessoas no planeta que entendem o que fazemos bem o suficiente para ava-liar nosso potencial. Nem perco tempo para explicar. Simplesmente confie em mim: os números de tele-fone não funcionam na internet, o mundo precisará de números de telefone, então de alguma forma você tem de conseguir essa transição. Nossa solução de tec-nologia é o tempero especial que realiza essa função.

Novo CEODave engoliu a seco quando o conselho apresen-

tou o que parecia uma solução cruel para amenizar o risco deles:

A resposta deles foi: “Contrate alguém que eles conheçam e em quem confiem para ser CEO da TTI”, e eu simplesmente tinha de aceitar isso. E ha-verá alguém aqui que pode lhes assegurar que eu sei o que estou fazendo e que eu posso fazer o que estou dizendo. Dessa forma, George Marsh chegará para me substituir (!) como CEO.9 Seu trabalho será admi-

9 A Faxtech mantinha uma apólice de seguro para diretores e executivos (D&O) no valor de $ 10 milhões. Pela perspectiva de Dave, a apólice protegia os membros do conselho contra todas as reivindicações externas. No entanto, a apólice tinha uma cláusula de exclusão para reivindicações apresentadas pela empresa contra seus próprios membros. Essa exclusão “se-gurado versus segurado” era a cláusula que o seguro citou quando se recusou a proteger os diretores contra um processo que foi instaurado pelo curador da falência em nome dos credores da empresa. A empresa de seguros alegou que o curador da falência estava agindo “em nome da empresa”, e isso desencadeava a cláusula de exclusão “segurado versus segurado”.

16 Criação de Novos Negócios

nistrar o lado dos negócios: preços, vendas, contratos, atendimento. Como fundador, ficarei encarregado da estratégia e do desenvolvimento do produto.

Bob Turner não se surpreendeu por Dave estar tão con-fiante de que não havia necessidade de um novo CEO:

Isso aconteceu cerca de um ano depois do iní-cio do processo, então não demorou muito. Digo o mesmo para todos os empreendedores com quem começo: que eu o levarei o mais longe pos-sível, que eu o cercarei com todas as habilidades que acho que o tornarão melhor e capaz de durar o máximo que puder. Se, em algum momento no tempo, eu vir que a mistura não está dando cer-

to, acrescentaremos rapidamente as pessoas certas com as habilidades certas. Quase sempre eles ficam chocados com a velocidade da mudança depois que tomamos essa decisão.

Bob explicou seu raciocínio para fazer a mudança:

A habilidade de Dave é sua grande capacidade de conceitualizar uma empresa que ainda não foi formada e onde não há regras. Mas, para ter suces-so, uma pessoa dessas precisa de alguém que possa equilibrar seu forte intelecto e sua mente brilhante com sua absoluta devoção à sua mente brilhante. Ele precisa de alguém que diga “não”, que diga “agora não”, e alguém que discuta com ele.

Figura 3 – Multiaplicação da arquitetura de endereçamentoA plataforma TITAN® é uma infraestrutura de endereçamento altamente flexível, com nível de portadora, multiprotocolar, de última geração, que os provedores de serviço e portadoras de interconexão licenciam para suportar diversos serviços de resolução de endereço de IP e SS7/C7. O endereçamento de aplicações suportadas no TITAN inclui, entre outros: portadora-ENUM, portabilidade de número, nome de chamada, SPID e GTT.Os protocolos de consulta apoiados na plataforma incluem ENUM, SIP, DNS, SOAP/XML e diversos protocolos SS7/C7 (AIN 0.2, PCS-1900, IS-41, GSM/MAP) via SIGTRAN ou link de baixa velocidade.Esta plataforma é licenciada para provedores como um pacote de software que pode ser configurado ou personalizado para suportar diversos serviços de resolução de endereço em uma variedade de plataformas de hardware e sistemas operacionais de alto desempenho, prontos para uso.

Classe 5

AIN 0.2 & IS-41

PCS-1900 & GSM

GTT

DNS

ENUM

ENUM

SIP or ENUM

IP or SS7

SS7/C7network

Endereçamento E.164 (LRN e SPID)

Repetição de dados

Fluxo de solicitação

Fluxo de provisionamento

Serviços SOAP/XML

por assinatura

HTTP

Banco de dados externo (IMSI, LNP/MNP, CNAM etc.)

SIG

TRAN

T1/E

1

PlataformaTTI

Backbone do operador de IP

STP

OSS

Outras fontes de dados

MSC

SMS

MMS

x-CSCF

VolP

LSMS

Administrador

17Capítulo 17 Gerenciando o crescimento rápido, crises e a recuperação

George é um dos meus parceiros mais antigos, meu melhor estrategista e um dos meus melhores executo-res de negócio. Ele administrou 4 ou 5 empresas para mim — de dezenas de milhões a bilhões. Eu confiava no potencial de George, mas disse aos dois: “Nenhum de vocês pode prosseguir a menos que ambos concor-dem. Respeito muito os dois, e essa é uma área que precisará de julgamento, de percepção sobre como uma indústria pode ser formada, e de uma tremenda ligação um com o outro para fazer acontecer”.

A decisão do conselho não foi aberta a discussões, e, a esse respeito, Dave achou que a situação estava sendo mal negociada. Dave lembrou que não se pas-sou muito tempo, no entanto, até que ele abraçasse o acordo de todo o coração:

George10 era uma escolha excelente: inteligen-te e flexível. Nós dois fomos jogados nisso, e tem funcionado realmente bem. Sua capacidade de ser CEO depende totalmente de sua capacidade de manter uma ligação comigo, e minha capacida-de de continuar sendo empreendedor e condutor dessa empresa depende completamente da minha capacidade de manter uma relação com ele.

Você sabe, é preciso ter duas pessoas para se ter um grande relacionamento, e ambos trabalhamos nisso todo dia. Não é algo doloroso, é como qual-quer coisa — você tem de continuar trabalhando nisso. Tenho total respeito pela área dele, ele tem total respeito pela minha área, e passamos muito tempo em sincronia um com o outro e com Sam Walker,11 chefe da nossa equipe de desenvolvi-mento. E funciona.

Como a equipe da TTI se ajustou com sucesso à nova dinâmica administrativa, uma gigante das tele-comunicações na Europa estava chegando à conclusão de que sua rede digital do século XXI precisaria de uma ligação complexa de software que preservaria o número de telefone “sem sentido”.

Sucesso ao tentarNo início de 2000, Terry parecia e se sentia muito

recuperada da longa doença. Embora eles ainda qui-sessem começar uma família, Terry lembrou que nin-guém acreditava que isso seria possível:

Os médicos diziam que, após passar por dois anos de intensa quimioterapia, não havia a menor possibilidade de eu ter um bebê. Fomos a clínicas de fertilização que nos mandavam embora quan-do tomavam conhecimento de meus tratamentos contra o câncer — eles nem mesmo nos avaliavam, porque tudo o que faríamos era uma confusão nas estatísticas [de taxa de sucesso] da clínica.

O casal se recusou a perder a esperança. Contra todas as chances, em janeiro de 2001, Terry deu à luz sua primeira filha. Um ano e meio depois, eles se tor-naram uma família de quatro pessoas, com duas me-nininhas saudáveis.

Em abril de 2001, a TTI formou uma parceria estratégica com a Indica Software, uma empresa de infraestrutura de internet com sede em Los Angeles, para “facilitar a implantação de tecnologias de criação números de acesso de rede, totalmente transparente”. Em agosto, o empreendimento fechou uma rodada de $ 15 milhões com a participação de uma subsidiária de capital de risco da Science International Corp. e da VeriSign, uma empresa de segurança na internet. Os vice-presidentes de cada uma das empresas receberam um lugar no conselho administrativo da TTI.

Dave lembrou que os trágicos eventos de 11 de setembro tiraram tudo do cronograma:

Estávamos há cerca de um ano [no empreen-dimento], e, de repente, o mundo passou por um desastre total das telecomunicações. Ninguém es-tava comprando nada. A Lucent demitiu 40.000 pessoas! Era um desastre inacreditável... e estava acontecendo no mundo todo. Felizmente, nossa

10 Antes de se juntar à TTI, George era diretor executivo, presidente e copresidente de uma empresa pública de tecnologia de processamento de vídeo. Antes disso, foi presidente e CEO de uma prestadora de serviços de mensagens sem fio com 9 milhões de assinantes. Mais cedo, George foi vice-presidente de uma prestadora mundial líder de processamento de tran-sações de cartões de crédito, processamento de reclamações de planos de saúde e serviços de administração/digitalização de documentos, com uma receita que ultrapassava os $ 3 bilhões.11 Sam era diretor técnico da TTI e vice-presidente de desenvolvimento e operações. Na Faxtech, Sam trabalhava no setor de arquitetura e tecnologia.

18 Criação de Novos Negócios

parceria com a Indigo nos permitiu penetrar em um nicho existente e aplicar nossa tecnologia para prestar esse serviço de modo mais eficiente. Era apenas uma ratoeira melhor, mas isso nos deu al-gum dinheiro enquanto esperávamos a indústria se recuperar.

No início de 2002, a equipe ofereceu ao ex-gerente da Faxtech, Clark Thomas, o posto de vice-presidente de finanças e administração. Clark, que estava cons-truindo uma carreira de sucesso como consultor fiscal e de finanças para start-ups de alta tecnologia, obser-vou com atenção antes de dizer sim:

Acho que Dave tem muitas habilidades para ad-ministrar uma empresa e para agrupar pessoas e con-centrar as pessoas em uma direção específica. Ele é um grande líder dinâmico e é um visionário muito bom, mas acho que existem algumas coisas que ele precisa aprender com a experiência [da Faxtech].

Acho que algumas coisas que estavam faltan-do na Faxtech eram um conselho administrativo realmente forte, e algumas opiniões divergentes realmente fortes na equipe executiva. Percebi que, com a TTI, Dave reconheceu esses pontos fracos, e dessa vez ele está muito aberto a receber conselhos de outras pessoas para fazer tudo funcionar.

Por volta do mesmo período, Dave começou a ter algumas conversas interessantes sobre o futuro:

Em fevereiro, viajei para me encontrar com um dos grupos de P&D da British Telecom [BT] fora de Londres. Achei que havia conseguido um ver-dadeiro encontro de mentes com Ned Saxon, um jovem do grupo. A BT ainda estava longe de preci-sar da solução da TTI, e ainda estávamos no meio de sua construção, mas eu conseguia ver como tudo poderia se unir.

Ned fez um ótimo trabalho de encontrar o gru-po certo dentro da BT. Esse grupo estava projetan-do a “Rede do Século XXI” — um projeto de $ 20 bilhões para fazer a transição de saída das tecnolo-gias de comutação de circuito. Ned conseguiu que eu me reunisse com o grupo de projeto apesar de relutância deles em se reunir com uma pequena empresa de Massachusetts. Durante a reunião ini-

cial, analisamos o espaço do problema completo e exploramos como nossa tecnologia poderia resolver os problemas de roteamento. Expliquei a eles por que os [grandes participantes] do setor não podem fazer isso, e por que o que estamos construindo é, na verdade, a resposta que eles estão procurando.

Ao final da reunião, eles disseram: “Essa história é incrível, mas simplesmente não temos informa-ções suficientes para saber se está certa ou errada”. O chefe do grupo disse: “Posso lhe dizer com certe-za que é uma história impressionante, mas também posso lhe dizer que não compramos coisas de em-presas de 30 pessoas em Massachusetts”.

Dave lhes agradeceu pela atenção. Ele estava deter-minado a se encontrar de novo com eles:

A BT era a única operadora de primeira linha no planeta que planejava uma transição completa. Eu sabia uma coisa: Tínhamos de conseguir aquele contrato. Na verdade, o motivo todo para estar-mos aqui é conseguir aquele contrato. E, se não o ganharmos, não conseguiremos o aprendizado. E, se não o conseguirmos, esse aprendizado irá para alguém chamado Siemens ou Ericsson — empre-sas com recursos infinitos. Se perdermos para uma delas, estamos acabados.

No início de 2004, Dave teve outra reunião com o grupo da British Telecom:

Eles pareciam um pouco irritados. Eles disse-ram: “Isso deveria funcionar assim: a BT vai até uma grande empresa — como a Ericsson — e a Ericsson contrata você. Você não vem até nós”. Depois disseram que a Ericsson lhes garantiu que tem a tecnologia. Balancei a cabeça e disse: “OK, compreendo que vocês não têm como saber se es-tou dizendo a verdade ou se é apenas uma histori-nha. Entendo isso”.

Então lhes entreguei meu cartão e disse: “Em algum momento no futuro, vocês descobrirão que a Ericsson não pode fazer isso, e será doloroso, porque eles vão enrolar vocês, e será no último mi-nuto, e eles finalmente terão de confessar que não conseguem fazer isso. E quando isso acontecer, po-dem me ligar”.

19Capítulo 17 Gerenciando o crescimento rápido, crises e a recuperação

Conforme um grupo confiante dentro da Erics-son começou a trabalhar para desenvolver sua pró-pria versão dessa solução intrincada, a TTI começou a colocar em campo ofertas de outros participantes do setor que estavam interessados em apostar em algo que poderia ser uma capacidade lucrativa. Dave e a equipe achavam que ainda era cedo demais para considerar uma colheita:

Não estávamos interessados em vender antes de achar que alguém estava supervalorizando o negó-cio, ou de a dinâmica mudar e nossa real vantagem competitiva ser reduzida. Acreditamos que mesmo que [um concorrente] esteja trabalhando realmen-te pesado agora, eles ainda estão alguns anos atrás de nós. Acabaremos vendendo para alguém que es-teja planejando administrar isso por 30 anos. Mas primeiro queremos agregar valor colocando nossa solução no mercado.

Uma licença repentinaEm dezembro de 2004, com sua empresa bem no

meio da fase de desenvolvimento mais crítica, o mun-do de Dave deu uma virada desagradável:

Eles chamaram de câncer de cabeça e pescoço, estágio 3. Eles acreditavam que tinha origem em algo na região da minha garganta — sínus, lín-gua, garganta, algo por ali — e passou para o meu sistema linfático. Mas, como não conseguiam en-contrar a origem exata, os médicos teriam de tratar o câncer aplicando a radiação máxima em tudo, desde meu tórax superior até o alto no nariz.

Nesse ponto, o problema não era o câncer — eu parecia estar me entendendo muito bem com

o câncer! Eu sabia, por observar o que Terry havia passado, que os tratamentos contra o câncer são o problema. Eu estava me preparando para um ter-rível período de muitos meses de tratamento com radiação e recuperação, e sabia que teria de desapa-recer por um tempo.

A onda do choque inicial foi seguida de perto por uma grande tristeza, porque as estatísticas mostravam que a taxa de sobrevivência em cinco anos para o tipo de câncer de Dave era de apenas 40%. Clark disse que a notícia foi um grande golpe para a empresa, mas que Dave lidou bem com tudo:

Ele tem uma característica singular de ser ca-paz de colocar uma visão positiva em quase tudo. Ele estava totalmente aberto para o que estava en-frentando. Ele tinha uma reunião e explicou com muitos detalhes o que teria de enfrentar, e explicou todo o processo de tratamento de atacar o câncer de forma agressiva. Sua franqueza e sua disposição para deixar as pessoas saberem o que ele estava en-frentando ajudaram as pessoas a lidar com isso da melhor maneira possível.

Com a empresa ainda em fase de desenvolvimento e com as receitas ainda indeterminadas, a equipe pre-cisava avaliar o impacto dessa terrível notícia e decidir qual era o melhor caminho para seguir em frente.

Este estudo de caso foi preparado por Carl Hed-berg, sob a orientação do professor Jeffry Timmons. © Copyright Jeffry Timmons, 2007. Todos os direitos reservados.