capítulo 17 - gnpapers · 2012-08-08 · de origem infecciosa ... (rna, ribonucleic acid), e o...

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Capítulo 17 Surdez Neurossensorial de Origem Infecciosa Carlos A. Oliveira • Fayez Bahmad Jr. • André Luís Lopes Sampaio • Mercedes Fabiana dos Santos Araújo Introdução Histórico Agentes infecciosos particularmente, vírus e bacté- rias, são comumente reconhecidos como causas de muitas desordens da orelha interna 1 . Cada ano, al- guns milhares de bebês nascem com algum grau de deficiência auditiva. Pelo menos 18% destes são sabidamente causados por infecção congênita viral e em porcentagem maior está a suspeita de apre- sentar uma causa infecciosa 1-3 . Schuknecht, a partir de análise clínicas e histo- patológicas, evidenciou que boa parte dos distúrbios da orelha interna, caracterizados por surdez súbita e alterações no equilíbrio, deveriam ter causa viral. O quadro geralmente é de distúrbios periféricos auditivos e vestibulares associados a doenças res- piratórias virais e, mais raramente, com doenças do sistema nervoso central 2 . Oliveira e Schuknecht 1 encontraram na coleção de ossos temporais da Massachusetts Eye and Ear Infirmary nove casos com perda auditiva profunda bilateral e cinco casos com perda unilateral, que foram detectados durante a infância. Seis dos nove casos de perda auditiva bilateral tinham a causa etiológica desconhecida do quadro de surdez, três apresentavam em seus prontuários diagnóstico de sarampo, dois na idade de 4 anos e um na idade de 5 anos. Um dos cinco casos de perda auditiva profunda unilateral tinha em seu prontuário diag- nóstico de caxumba, outro caso apresentou febre persistente de origem obscura e os últimos três casos de perda auditiva unilateral não tinham etiolo- gia definida. Os achados histopatológicos post mortem, por meio de análise dos ossos temporais destes indi- víduos, descartaram: (1) comprometimento vas- cular, (2) complexos imunes aderidos aos tecidos da orelha interna sugerindo doença autoimune (sem envolvimento de outros órgãos), (3) malfor- mações embrionárias e/ou defeitos de desenvol- vimento, (4) labirintite bacteriana meningocócica. Quando comparados com achados histopatológicos de pacientes com suspeita de etiologia viral, os achados dos casos sem suspeita dessa etiologia oferecem claras características de labirintite viral. De fato, esses 14 casos estudados apresentavam claros indícios de labirintite viral. Os pesquisa- dores concluíram então que não havia diferenças significativas entre a patologia da perda auditiva profunda, descoberta na infância, associada a doenças febris sem diagnóstico etiológico, quan- do comparada a casos que apresentam diagnósti- co etiológico confirmado de sarampo ou caxumba. Sugeriram, portanto, que a patologia da orelha interna poderia ser causada por labirintites virais subclínicas. A perda neuronal estava presente em

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Capítulo 17

SurdezNeurossensorialdeOrigemInfecciosaCarlosA.Oliveira•FayezBahmadJr.•AndréLuísLopesSampaio•MercedesFabianadosSantosAraújo

Introdução Histórico Agentesinfecciososparticularmente,vírusebacté-rias,sãocomumentereconhecidoscomocausasdemuitasdesordensdaorelhainterna1.Cadaano,al-gunsmilharesdebebêsnascemcomalgumgraudedeficiência auditiva. Pelo menos 18% destes sãosabidamentecausadosporinfecçãocongênitavirale em porcentagem maior está a suspeita de apre-sentarumacausainfecciosa1-3.

Schuknecht,apartirdeanáliseclínicasehisto-patológicas,evidenciouqueboapartedosdistúrbiosdaorelhainterna,caracterizadosporsurdezsúbitaealteraçõesnoequilíbrio,deveriamtercausaviral.O quadro geralmente é de distúrbios periféricosauditivos evestibulares associados adoenças res-piratóriasviraise,maisraramente,comdoençasdosistemanervosocentral2.

OliveiraeSchuknecht1encontraramnacoleçãodeossostemporaisdaMassachusettsEyeandEarInfirmarynovecasoscomperdaauditivaprofundabilateral e cinco casos com perda unilateral, queforamdetectadosduranteainfância.Seisdosnovecasos de perda auditiva bilateral tinham a causaetiológicadesconhecidadoquadrodesurdez, trêsapresentavam em seus prontuários diagnóstico desarampo,doisna idadede4 anos eumna idade

de 5 anos. Um dos cinco casos de perda auditivaprofunda unilateral tinha em seu prontuário diag-nóstico de caxumba, outro caso apresentou febrepersistentedeorigemobscuraeosúltimostrêscasosdeperdaauditivaunilateralnãotinhametiolo-giadefinida.

Osachadoshistopatológicospost mortem,pormeiodeanálisedosossostemporaisdestesindi-víduos, descartaram: (1) comprometimento vas-cular,(2)complexosimunesaderidosaostecidosda orelha interna sugerindo doença autoimune(semenvolvimentodeoutrosórgãos),(3)malfor-mações embrionárias e/ou defeitos de desenvol-vimento,(4)labirintitebacterianameningocócica.Quandocomparadoscomachadoshistopatológicosde pacientes com suspeita de etiologia viral, osachados dos casos sem suspeita dessa etiologiaoferecemclarascaracterísticasdelabirintiteviral.De fato, esses 14 casos estudados apresentavamclaros indícios de labirintite viral. Os pesquisa-doresconcluíramentãoquenãohaviadiferençassignificativasentreapatologiadaperdaauditivaprofunda, descoberta na infância, associada adoençasfebrissemdiagnósticoetiológico,quan-docomparadaacasosqueapresentamdiagnósti-coetiológicoconfirmadodesarampooucaxumba.Sugeriram, portanto, que a patologia da orelhainternapoderiasercausadaporlabirintitesviraissubclínicas.Aperdaneuronalestavapresenteem

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todos os casos em graus variados. Degeneraçãococleossacularfoiemregraapatologiaencontra-da em todos os casos estudados. Houve umacorrelaçãopositivaentreapreservaçãodapopu-laçãodosneurônioscoclearesevestibulares(Figs.17.1e17.2).

Cem casos de surdez neurossensorial súbitaforamrelatadoseevidenciaram-setítuloselevadosdeanticorposantiviraisemboapartedeles.Ovírusdacaxumbafoiisoladodefluidosdaorelhainter-nadeumpacienteapóscasodesurdezneurossen-sorialsúbita.

Epidemiologia e Definições todos os anos, 10 a cada 100.000 indivíduos sãoacometidosporsurdezsúbita,quepodeserunila-teral ou bilateral, do tipo neurossensorial, provo-cando surdez de variada intensidade. Novamente,osagentesinfecciosossãoosmaioressuspeitosdeseremacausa.Alabirintitebacterianacomsurdezprofundaocorreem10%daspessoascommenin-gitebacteriana.

Mesmocientesdequeosagentesinfecciosossãoimportantes causas etiológicas para desordens dolabirinto,émuitodifícilacomprovaçãodequeumdeterminado agente infeccioso foi de fato quem,isoladamente, causou toda a doença em questão(Quadros17.1e17.2).

Baseando-se em evidências clínicas e histopato-lógicas algumas etiologias virais de distúrbios daorelhainternaestãomaisbemestabelecidas(rubéo-la,sarampoeinfecçãoporcitomegalovírus).Outrasaindanãoestãomuitobemestabelecidascomoneu-ronitevestibular,infecçõesporvírusdoherpessim-ples(herpes simplex vírus),surdezsúbita.Aetiologiaviral foi proposta para justificar alguns outros dis-túrbios do labirinto, como síndrome de Ménière eotosclerose,porémestasnecessitamdemelhorcom-provaçãocausal3.

Concluindo,émuitodifícilestabelecerquandoumdeterminadovíruséacausadesurdezouvertigemdeumpaciente.

Reaçãoemcadeiadapolimerase(PCR, polyme-rase chain reaction) tornou-se uma ferramentamuitoútilnadetecçãodeácidosnucleicosdeagen-tes infecciosos em tecido humano. Infelizmente aPCRédifícildeusaremtecidos,comooossotem-poral, quedevemserfixadosemformalinaedes-calcificadospormesescomácidonítrico.Afixaçãocomformalinapromoveumeventochamadocross-links, que são ligações aleatórias tanto de ácidodesoxirribonucleico (DNA,deoxyribonucleic acid)e ácido ribonucleico (RNA, ribonucleic acid), e oácidonítricodanificaosácidosnucleicos.Entretan-to,aPCRéútilparaanalisarpequenasquantidadesde perilinfa fresca removida durante cirurgia ounecropsia.Atéomomento,permaneceumacontro-vérsiaemrelaçãoaovalordadetecçãodeDNAdeherpes-vírus latente nos tecidos humanos.Váriosestudos têm detectado o DNA de herpes-vírus emneurôniosemnecropsiasdeindivíduospreviamentesadios, assintomáticos, incluindo tronco cerebral,córtexcerebralegângliosespiralevestibular.

Figura 17.1 – Corte mediomodiolar em paciente com surdez neurossensorial profunda após quadro febril na infância. O quadro é compatível com cocleíte viral. (Publicada com permissão de Laryngoscope.)

Hidropisia

Perda neuronal

Figura 17.2 – Corte mediomodiolar de paciente com surdez profunda na infância sem história de quadro infeccioso. A histopatologia é idêntica à da Figura 17.1, que tinha história de infecção associada à surdez. (Publicada com permissão de Laryngoscope.)

Hidropisia

Perda neuronal

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Atéomomento,somentealgunspoucosagentesinfecciosos foram isoladosde tecidosdo labirintohumano.Citomegalovírus(CMV)evírusdacaxum-baforamisoladosdaperilinfa.AntígenosdoCMVtêm sido detectados por imuno-histoquímica emtecidosdaorelhainterna.Pormeiodeidentificação

morfológica de agentes infecciosos do labirintoforamdescritosalgumasbactérias,fungoseTrepo-nema pallidum.Célulagigantemultinucleadatípicadosarampofoiidentificadanaescalavestibular.

Acredita-sequeagentesinfecciososnãoestejamnormalmente presentes no labirinto membranoso;portanto,oisolamentodoagentenaorelhainternatemconsiderávelsignificadoetiológico.Entretanto,estalógicanãoétotalmentesegura.Cobaiassadiaspodem albergar o herpes-vírus em neurônios dogânglioespiral.

Muitosagentesinfecciosostêmsidoassociadosasurdezcongênitaevertigem.Emboapartedessesagentes infecciosos,aassociaçãosecriouapartirderelatosdecasodesurdezevertigemagudasquesedesenvolveramduranteumainfecçãosistêmica.Emalgunscasos(porexemplo,sarampo)aassocia-çãoepidemiológicaocorreentreinfecçãosistêmicadeumpacientecomsubsequentesurdezouvertigem.

Osautoresdestecapítulo sepropõemaatualizarosconceitosarespeitodeinfecçõesdeorelhainternapormeiodeumaamplaeatualrevisãodaliteratura.

Quadro 17.1 – Razões da dificuldade de comprovação da causa infecciosa para surdez congênita

• O exame otológico e a análise da audição demonstram o grau do déficit funcional da orelha interna, porém raramente estabelecem uma causa específica

• Tomografia computadorizada evidencia o labirinto ósseo, mas não é capaz de mostrar o labirinto membranoso e o nervo facial

• A resolução da ressonância nuclear magnética com contraste de conduto auditivo interno e labirinto membranoso atualmente ainda é insuficiente para demonstrar com clareza detalhes do labirinto que ajudem na elucidação diagnóstica do agente etiológico

• A orelha interna está incrustada dentro do osso mais denso de todo o corpo, fazendo com que os procedimentos, como isolamento e cultura viral de líquido da orelha interna ou de tecidos, como gânglio espiral ou vestibular, sejam praticamente impossíveis

• Surdez súbita e vertigem aguda raramente são fatais; portanto, necropsias de tecido da orelha interna são um procedimento raro

• O osso temporal leva vários meses para se descalcificar e possibilitar sua análise histopatológica; além disso, as substâncias químicas em geral utilizadas na preparação do tecido dificultam o estudo imuno-histoquímico

• Estudos sorológicos podem determinar se um indivíduo foi infectado por um determinado vírus, porém não provam se o vírus em questão causou dano ao labirinto

• Estudos sorológicos de vírus, como o do herpes simples (HSV), são difíceis de interpretar, pois estudos científicos evidenciaram que mesmo pacientes assintomáticos podem ter aumento do título e posterior queda durante a vida sem apresentar nenhuma doença9

• O isolamento viral na boca ou em secreção de nasofaringe não implica necessariamente em que este agente etiológico tenha sido o causador da alteração do labirinto; por exemplo, o HSV e o adenovírus são comumente latentes no homem e podem ser intermitentemente isolados na orofaringe10

• Os vírus do herpes simples e da varicela-zóster (e outros herpesvírus) podem ficar latentes na população neuronal e nunca se reativarem durante a vida do indivíduo; portanto, a detecção de ácido nucleico por reação em cadeia da polimerase (PCR) nesses neurônios não prova que o vírus tenha sido o causador da doença no labirinto

Quadro 17.2 – Critérios de provas de causalidade de infecção da orelha interna

• Associação clínica do agente infeccioso com uma síndrome vestibular e/ou coclear– Estudos epidemiológicos do agente infeccioso e da

síndrome– Estudos clínicos da síndrome e isolamento do

agente infeccioso em outros tecidos ou aumento nos títulos de anticorpos

• Evidência clara do agente infeccioso por isolamento do agente no tecido da orelha interna– Isolamento do agente infeccioso em perilinfa,

endolinfa, orelha interna, gânglios espiral e coclear– Demonstração imuno-histoquímica de antígenos

específicos em tecidos da orelha interna– Demonstração por reação em cadeia da polimerase

(PCR) do DNA de agentes infecciosos específicos (excluindo os vírus que podem estar latentes) em tecidos da orelha interna

– Demonstração por PCR do RNA (vRNA) ou RNA mensageiro (mRNA) (excluindo mRNA de fatores de transcrição associados a vírus latentes) em tecidos da orelha interna

– Demonstração histológica por microscopia eletrônica de agentes infecciosos ou pela microscopia comum, por meio de corpos de inclusão ou células características além do isolamento do agente em outros tecidos

• Em modelos animais, a demonstração de que o agente infeccioso sob suspeição é capaz de causar similar lesão auditiva ou vestibular, além de outras doenças da orelha interna

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OQuadro17.3 listaagentes infecciososque têmsidoassociadosasurdezevertigem,masaindaneces-sitamcompletarocritériodeprovadecausalidade.

Perda Auditiva Congênita Citomegalovírus Quadro Clínico Citomegalovírus(CMV)éacausainfecciosamaiscomum de surdez congênita nos Estados Unidos,somandomaisde4.000casosdesurdezneurossen-sorialacadaano.AincidênciadeinfecçãoporCMVéde1a2casospor100nascimentosvivos.Feliz-mente,<5%detodososcasosdeinfecçãocongê-nita pelo CMV levam à infecção grave, chamadadedoençade inclusãoporCMVcongênita.Nestecaso, trata-se de uma infecção que comprometemúltiplosórgãos,eaincidênciadesurdezneuros-sensorialchegaa50%emcriançasquesobrevivemao período neonatal.A perda auditiva é bilateral,relativamente simétrica e em geral severa. Ela épreferencialmenteemaltasfrequências.

Amaioriadasinfecçõescongênitas(>95%)peloCMVésilenciosa,eorecém-nascidoéaparentemente

normalaonascimento.Quando12.371recém-nascidospassaram por triagem para a presença de CMV naurina, o que comprovaria a condição de infecçãocongênita,aincidênciadeperdaauditivaneurossen-sorial foide1,1de1.000nascimentosvivos.Perdaauditiva bilateral severa foi encontrada em metadedestes pacientes (0,6 de 1.000 nascimentos vivos).Cincoa15%das criançasnascidas coma infecçãosilenciosa por CMV e audição normal no períodoneonatalapresentaramsubsequentementeperdasau-ditivas de leve a moderada de caráter progressivo.Ocasionalmente,essascriançasprogrediamparaper-daauditivaprofundaemumaouambasasorelhas.

Diagnóstico AinfecçãocongênitaporCMVédiagnosticadaemcrianças sintomáticas e assintomáticaspormeiodeisolamentodoCMVdaurinafrescaduranteasduasprimeirassemanasdevida.ODNAdoCMVtambémpodeserdetectadoporPCRdaurina,sangue,líquidocefalorraquidianoetecidosinfectados(Quadro17.4).Sessenta a75%das crianças infectadas apresentamníveis detectáveis de anticorpos imunoglobulina M(IgM)anti-CMVnocordãoumbilicalounosangue.AnticorposclasseIgMimplicamemsíntesefetal,por-queoanticorpoIgMmaternonãoatravessaaplacenta.Este teste sorológicoédifícil de realizar edeve serfeitosomenteemlaboratóriosqualificadosparaestaformadecoleta.Citomegalovírustemsidoisoladodefluido amnióticodemães com feto congenitamenteinfectado.Apósoprimeiroanodevida,odiagnósticodeCMVcongênito émuitodifícil.Crianças sadiaspodemadquirir a infecçãoviral assintomática, libe-randovíruspelaurinaecomaltostítulosdeanticorpos.Comomaioriadasinfecçõesmaternassãoassintomá-ticas, nenhum dado da história pode ser obtido daanamnesedamãe.

Patologia do Osso Temporal Histopatologiadoossotemporalfoirelatadaempa-cientescomdoençadeinclusãocitomegálica.Straus4

Quadro 17.3 – Agentes infecciosos associados à surdez neurossensorial e/ou vertigem adquiridas*

• Vírus– Caxumba– Vírus do herpes simples– Epstein-Barr– Varicela-zóster– Vírus da hepatite– Adenovírus– Enterovírus– Sarampo– Febre amarela– Catapora– Vírus da influenza B – Vírus da influenza A – Parainfluenza– Encefalite equina do oeste– Rubéola

• Bactérias– Borrelia burgdorferi– Treponema pallidum

•Rickettsia– Rickettsia prowazekii

* Em negrito as causas mais comuns.

Quadro 17.4 – Diagnóstico de citomegalovirose congênita

• Isolamento do citomegalovírus (CMV) da urina fresca durante as primeiras duas semanas de vida

• Detecção do DNA do CMV (PCR de urina, sangue, líquido cefalorraquidiano e tecidos infectados)

DNA = ácido desoxirribonucleico; PCR = reação em cadeia da polimerase.

978-85-7241-924-6

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encontrouemseisdenoveossostemporais,alteraçõespatológicas compatíveis com labirintite viral. Doisdestes apresentavam também comprometimento dapopulaçãoneuronal.Dentreosnoveossostemporais,doisnãodemonstraramnenhumaevidênciadeinfec-ção,porémoCMVfoi isoladoporculturadeperi-linfa.Nosossostemporaiscomevidênciadeinfecção,as inclusões citomegálicas foram vistas no epitéliodoductococlear.

Estudoshistopatológicosdecriançasquemorrerampordoençadeinclusãocitomegálicademonstraramlabirintite membranosa (Quadro 17.5). Células al-bergandoinclusõesforamidentificadasnasporçõesauditivaevestibulardaorelhainterna.Nacóclea,alesãoégeralmentemaisgravenogirobasal.Aaná-lise do órgão de Corti é sempre difícil devido àsalteraçõesdecorrentesdaautólisepost mortem,masas alterações mais comuns são a degeneração dascélulasciliadasepreservaçãodamembranatectorial.Ocorrecomprometimentodosnervoscocleareves-tibularnosgângliosespiralevestibular(deScarpa).Hidropisiadacócleaesáculo,alémdecolapsodamembranadeReissnertêmsidoobservados.Emumpacientecomdoençadeinclusãocitomegálica,umacamadaespessadecélulasalbergandoasinclusõesfoiencontradadentrodaparedemembranosadoutrículo.

Osossos temporaisdascriançascomgravedo-ença de inclusão citomegálica e surdez bilateral,quesobreviveram14anos,foramestudados.Alte-raçõespatológicascrônicasforamvistasemambosos tecidos neuronais e não neuronais cocleares evestibulares.A membrana de Reissner estava co-lapsadanosgirosapicais.Atrofiadaestriavasculareperdadecélulasciliadascocleares foramobser-vadasemtodoocomprimentodamembranabasilar.Regiõesdeneuroepitéliovestibularestavamdege-neradas, alémde teremmuitafibrosenosespaçosperilinfáticosvestibulares.Regiõesdecalcificaçõesisoladasnosespaçosperilinfáticoscocleareseves-tibularesestavampresentes.Afibroseeascalcifi-cações sugerem que alterações patológicas sedesenvolveram em meses ou anos após a lesãoagudaviralteracontecido.

Emcriançasquefalecerampeladoençadeinclusãocitomegálica,oantígenodoCMVfoiidentificadonointeriordascélulasdolabirintomembranosopormeiodecoloraçãodeanticorpospor imunofluorescência.PartículasdevíruspertencentesàfamíliaHerpesvirustêmsidoevidenciadasnointeriordecélulasdolabi-rintomembranosopormicroscopiaeletrônica.

CMV tem sido isolado da perilinfa obtida pornecropsiadecriançasportadorasdedoençadein-

clusãocitomegálica.Alémdisso,CMVfoiisoladodaperilinfadeumbebêde5mesesquemorreuporinfecçãocongênitaporCMV,emqueamorfologiadaorelhainternaestavanormalàmicroscopiaóp-tica.Emoutroestudodecaso,entretanto,oCMVnão foi isolado da perilinfa, e não foi encontradanenhuma evidência de inclusões citomegálicas naorelhainternadeumacriançacomCMVesurdezbilateral,quesobreviveu14anos.

Tratamento Ganciclovir temsidoadministradoacriançassinto-máticas com infecção por CMV congênito. Geral-mente,ocorrereduçãodaexcreçãourináriadeCMVquepodevoltaraaumentarcomadescontinuaçãodadroga. Infelizmente, amaioriadas lesõesnaorelhainternaeencéfalopeladoençadeinclusãocitomegá-lica ocorre na vida intrauterina. Dessa forma, osmedicamentosantiviraistêmpoucoefeitoempreve-niroumelhoraraperdaauditivanessespacientes.

Emumestudode30bebêscomdoençadeinclu-sãocitomegálica,queforamsubmetidasaganciclo-vir, 8mg/kg ou 12mg/kg endovenoso (EV) por 6semanas,etiveramaaudiçãoavaliadaperiodicamentepor6meses,aaudiçãoestavainicialmentenormalesemantevenormalemdoisbebês;estavaanormalesetornounormalemtrês;estavainicialmenteanor-malesemanteveanormalem14 eestava inicial-mentenormalesetornouanormalem11.

Infecções Experimentais da Orelha Interna por Citomegalovírus AlinhagemhumanadoCMVnãofoicapazde in-fectarolabirintodepequenosanimais.AlinhagemdoCMVdeporquinhos-da-índiarevelou-secapazdeinfectar primariamente estruturas perilinfáticas dacócleaevestíbulocomgrausvariadosdedegeneração

Quadro 17.5 – Achados histopatológicos mais comuns na citomegalovirose

• Na cóclea, a lesão geralmente é mais grave no giro basal• Degeneração das células ciliadas e preservação da

membrana tectorial• Degeneração dos neurônios cocleares e vestibulares• Hidropisia da cóclea e do sáculo• Colapso da membrana de Reissner• Células albergando as inclusões citomegálicas na

parede membranosa do utrículo

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doórgãodeCorti.Emporquinhos-da-índia,oCMVfoi inoculadodiretamenteno interiordogirobasaldacóclea,resultandoemamploprocessoinflamató-rio e inclusões citomegálicas no interior do ductoperilinfático com graus variáveis de degeneraçãosecundáriadoórgãodeCorti.Essaslinhagensviraisforamcapazesdeinfectarneurôniosnogânglioes-piral evestibular.OCMVemcobaiasdemonstrousercapazdealcançaracócleaatravésdasviasen-dovenosaetransplacentária.Aanáliseeletrofisioló-gicadacócleaedoVIIInervocranianodemonstraramobjetivamenteaperdaauditivaemcobaiasinfectadas.

Imunização prévia de cobaias com o CMV foicapazdeprotegeranimaisadultosdaperdaauditivaapósinfecçãoviralprovocada.Ganciclovir,quandoadministradoantesdocontatocomovírus,tambémprotegeuacócleadealteraçõeshistopatológicaseconsequenteperdaauditiva.

CMV murino também foi capaz de infectar in vitroculturasde labirintosfetaisexplantados.En-tretanto,ovírusinfectouprincipalmentecélulasnãoepiteliais fora da membrana basal, contornando oespaçoendolinfático.

Atéomomento,todososmodelosexperimentaisdiferemdainfecçãodaorelhainternahumana,poisnosmodelosanimaisovírusinfectaprimariamentecélulasdosistemaperilinfático,enquantonainfec-ção humana pelo CMV ele infecta primariamenteascélulasdosistemaendolinfático.

Rubéola Quadro Clínico Ainfecçãoporrubéolaemgestantes,comocausadesurdez neonatal, foi reconhecida pela primeira vezduranteaepidemiaaustralianaem1939.Foidescri-tapelaprimeiravezporSwanet al.,em1943.Entre1964e1965duranteaepidemianorte-americanaderubéola,>12.000criançasapresentaramperdaaudi-tivaerubéolacongênita.Desdeaintroduçãodava-cina para rubéola, o número de casos em paísesdesenvolvidos temdiminuídodramaticamente,masaindaocorrem.Empaísesemdesenvolvimento,comooBrasil,oscasoscontinuamaocorrer,principalmen-te em locaisonde avacina aindanão édistribuídagratuitamenteparaapopulação.NosEstadosUnidos,de 1990 até 1999, 117 casos de rubéola congênitaforamidentificados.Amaioriadasmãesdascriançasinfectadaseramjovens,hispânicaseestrangeiras.

Ainfecçãomaternapelarubéola,duranteoprimei-rotrimestredegestação,põeofetoemaltoriscode

infecçãocongênitaeconsequenteperdaauditiva.Alémda perda auditiva, essas crianças frequentementeapresentammalformaçõescardíacas,déficitauditivoeretardomental.Aproximadamente50%dascriançasnascidascomrubéolacongênitasintomáticaapresen-tamperdaauditiva.Criançasinfectadascomrubéoladuranteosegundoeterceirotrimestrescomfrequên-cianascemcominfecçãosilenciosaeaparentamestarsaudáveis ao nascimento. Infelizmente 10 a 20%dessas crianças posteriormente são diagnosticadascomoportadorasdeperdaauditiva.

Perda Auditiva A infecção congênita por rubéola envolvendo aorelhainternageralmenteresultaemperdaauditivabilateral,comfrequênciaassimétrica.Emumasériede8.168criançascomperdaauditivadecorrentederubéolacongênita,55%apresentaramperdaauditi-va profunda (91dB ou mais – ISO [InternationalOrganizationforStandardization]),30%perdaau-ditivasevera(71a90dB)e15%perdaauditivaleveamoderada(<70dB).Osaudiogramasdamaioriadascriançaseramemplatô,comperdasemtodasas frequências, mas alguns casos apresentaramperdaauditivaprincipalmenteemfrequênciasmédiasentre500e2.000Hz,áreadefrequênciasdafala.

Crianças com surdez por rubéola apresentampobre discriminação de fala, e em alguns casosperdaauditivaprogressiva.Algumascriançasapre-sentam déficit no desenvolvimento da fala, masaindapodemtermédiastonaispróximasdonormal,o que sugere comprometimento neuronal ou falhana percepção auditiva central. Raramente, adultosqueapresentaraminfecçãoporrubéoladesenvolvemperdaauditiva.

O sistema vestibular parece ser comprometidoemmenoresproporçõesqueosistemaauditivo.Aestimulação calórica com água fria evidencia quealgumas crianças apresentam respostas calóricasdiminuídasemumaouambasasorelhas.Criançasmaisvelhascomrubéolacongênitatêmdemonstra-do incoordenação motora, quando comparadas acriançasdemesmaidade.Amaioriadessascriançastem retardo mental e espasticidade, tornando aanálisevestibularaindamaisdifícil.

Diagnóstico Rubéolacongênitapodeserdiagnosticadapor:(1)isolamentodovírusdarubéolaoudetecçãodoRNAespecíficodarubéoladaurinaouculturadeorofarin-

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geduranteasprimeirassemanasdevida;(2)identi-ficaçãodeanticorposIgMcontrarubéolanosanguedeneonatos;ou(3)títulosaumentadosdeanticorposantirrubéolaemumacriançanãovacinadaduranteosprimeirosmesesdevida(Quadro17.6).

AidentificaçãodeanticorposIgMcontrarubéolaédifíciledeveserrealizadaapenasemlaboratóriosqualificados. Em crianças com mais de 1 ano deidade,arubéolacongênitaédifícildediagnosticar,porquemuitasdessas crianças receberamavacinacontraarubéola.Ahistóriamaternaderashcutâneoduranteagravidezéinsuficienteparaestabeleceroudescartarodiagnóstico.Arubéolacongênitaédiag-nosticadaintraúteropormeiodeisolamentoviraldofluidoamniótico.

Infelizmente não há tratamento específico paraessespacientes,poisnãoexistemdrogasantivirais,antirrubéolaàdisposição.O tratamentoédirecio-nado de forma a minimizar as consequências daperdaauditiva.

Patologia do Osso Temporal Alteraçõeshistopatológicasemossostemporaisdeportadoresdesurdezporrubéolacongênita,eviden-ciamachadoscaracterísticosdainfecção,porémnãoespecíficos(Quadro17.7).Aalteraçãopredominan-teéadegeneraçãococleossaculareatrofiaemdi-ferentes graus da estria vascular.A membrana deReissnereaparededosáculopodemestarreduzidasemvolumeouatécolapsadas(Fig.17.3).

AmembranatectorialéfrequentementeanormaledeslocadadoórgãodeCortiemdireçãoaolimbo.A estria vascular mostra vários graus de atrofia.Geralmenteestãopresentescélulasinflamatóriasnacóclea.Célulascomcorposdeinclusãonãoocor-rem. O neuroepitélio vestibular e seus nervos ge-ralmenteestãosaudáveis.

Atéaelaboraçãodestecapítulonãoexistiammo-delosanimaisdescritosnaliteraturapararubéo-lacongênita.

Perda Auditiva Neurossensorial Adquirida Surdez Neurossensorial Súbita Quadro Clínico Muitas causas de surdez neurossensorial súbita(SNSS) têm sido descritas em crianças e adultos.Apesardeexistiremmuitasdefinições,amaioriadosautores considera SNSS quando existe uma perda>30dBemtrêsfrequênciascontíguasequeocorreematé3dias.Surdezsúbitaafetaentre5e20pes-soaspor100.000acadaano,ouaproximadamente4.000novoscasosanualmentenosEstadosUnidos.

Quadro 17.6 – Diagnóstico etiológico de rubéola congênita

• Isolamento do vírus da rubéola ou detecção do RNA específico da rubéola na urina ou cultura de orofaringe durante as primeiras semanas de vida

• Identificação de anticorpos IgM contra rubéola no sangue de neonatos

• Títulos elevados de anticorpos antirrubéola em uma criança não vacinada durante os primeiros meses de vida

RNA = ácido ribonucleico.

Quadro 17.7 – Achados histopatológicos mais comuns na rubéola congênita (Fig. 17.3)

• Degeneração cocleossacular

• Atrofia em diferentes graus da estria vascular

• Membrana de Reissner e a parede do sáculo podem estar reduzidas em volume ou até colapsadas

• A membrana tectorial costuma ser deslocada do órgão de Corti em direção ao limbo

• Em geral existem células inflamatórias na cóclea

• Não há células com corpos de inclusão

• O neuroepitélio vestibular e seus nervos geralmente estão saudáveis

Figura 17.3 – (A e B) Corte histológico de osso tem-poral de pacientes com múltiplas malformações e com surdez profunda por rubéola materna. A membrana tectorial é totalmente deformada e não funcionante. Há apenas 40% dos neurônios do gânglio espiral. Em (B) a parede do sáculo está colapsada sobre as otocô-nias que estão degeneradas, bem como a mácula do sáculo. (Publicada com permissão de Laryngoscope.)

Membrana tectorial

Células pilosas

Parede sacular

Epitélio sensorial

A

B

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220 ■ Capítulo 17 Surdez Neurossensorial de Origem Infecciosa

CAPí

tULO

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Aperdaauditivaéquasesempreunilateraleéco-mumenteassociadaazumbidoeplenitudeauricular.AverdadeiraincidênciadasurdezsúbitanoBrasilé provavelmente subestimada, porque muitos querecuperamaaudiçãoprecocemente(empoucosdias)emgeralnãoprocuramauxíliomédico.

AincidênciadeSNSSgraveéde10em100.000pessoasporano.Muitospacientessimplesmenteacor-damcomaperdaauditivaouaperdasedesenvolveentre minutos e algumas horas.A perda auditiva éunilateralem90%doscasos.Aproximadamenteme-tadedospacientesapresentavertigemacompanhandoa surdez súbita.A taxa de recuperação da audiçãovariade45a60%.Operíodode recuperaçãousual

variadediasasemanas.Apósoprimeiromês,are-cuperaçãoémínima.

Pacientes portadores de vertigem, em estudorealizado em nosso departamento, apresentaramtaxasderecuperaçãoinferior,quandocomparadasaos pacientes que não apresentaram vertigem.Apresença de vertigem tem sido associada ao piorprognósticoemváriosoutrosestudos.

Ito et al.5 avaliaram 90 pacientes tratados parasurdezsúbita:pacientescomrecuperaçãoematé2semanas tinhammaiores chancesde termaior re-cuperação posterior, pacientes com recuperaçãopobreem2semanasapresentarammelhorasinsig-nificantesemacompanhamentossuperioresa1mês.Lefebre6reportouque100%dospacientestratadoscomcorticoterapiaparasurdezsúbitaneurossenso-rialapresentaramrecuperaçãoematé7dias.

Ograuderecuperaçãoestáassociadoa idadeeseveridadedaperdaauditivainicial.Pacientesnãotratadoscom<40anosde idade têmmelhor taxaderecuperação.Paraindivíduoscom>40anosdeidade,ataxaderecuperaçãogeralmenteépequena,chegandoa30%.

A etiologia, história natural e tratamento destaentidadetêmsidoalvosdemuitadiscussãoháváriosanos.Oatualnúmerodepacientesqueapresentamrecuperação espontânea da surdez súbita sem ne-cessidadedeatendimentomédicoaindaédesconhe-cido.Aaltaincidênciaderecuperaçãoespontânea,emalgunsestudosacimade65%,tambémconfun-de as revisões sobre a eficácia terapêutica de umúnicoagenteouumanovaintervençãoterapêutica.Qualquerintervençãodeveapresentartaxasdeme-lhora superiores às supostas taxas de recuperaçãoespontâneade65%,emcasodenenhumainterven-çãoterapêutica.Otratamentodepacientesportado-res de surdez súbita permanece variável entre osdiferentescentrosotológicoscomaausênciadeumprotocolouniversalmenteaceitoepraticado.

Mesmoqueessaentidadenãosejaumadasmaiscomunsetiologiasdesurdez,ointeressedestinadoaoestudodasurdezsúbitaaindaémuitopequeno,talvezdevidoàsuacaracterísticareversívelemboapartedoscasos.

Patologia do Osso Temporal Osmecanismosenvolvidosnasurdezsúbitaaindanãoestãobemclaros,umadasrazõeséofatodeexistiremapenasalgunspoucosestudosemossostemporaisdepacientesquemorreramduranteoperíodoagudo.trêshipótesestêmsidomaisestudadas(Fig.17.4).

Figura 17.4 – (A a C) Corte médio modiolar da cóclea de paciente com história de surdez súbita. Há grande atrofia da estria vascular, perda total do órgão de Corti em turnos basais, perda acentuada de neurônios no gânglio espiral.

Acentuada atrofia da estria vascular

Perda acentuada de

neurônios cocleares

1mm

Giro apical

Célula ciliada interna

Células ciliadas externas

Giro basal

Atrofia completa do órgão de Corti

A

B

C

Capítulo 17 Surdez Neurossensorial de Origem Infecciosa ■ 221CA

PítULO

17

Ummecanismopropostoéodeoclusãovasculargerandoisquemiaenecrosedacócleaougânglioes-piral.UmasegundahipótesesugerequeaSNSSde-correde rupturasnasmembranasda janelaovalouredonda,oudamembranadeReissnerentreaescalamédia(endolinfa)eaescalavestibular(perilinfa),comcolapso secundário dos compartimentos da orelhainternaedegeneraçãosubsequentedoórgãodeCorti.

A terceira hipótese é uma infecção viral dasestruturasendolinfáticascoclearesougânglioes-piral. Schuknecht2 examinou os ossos temporaisde12pacientes,emsuacoleção,comsurdezneu-rossensorialsúbitaidiopáticaerevelouosachadosa seguir:vertigemem47%doscasos; alteraçõeshistológicasforamidentificadasnoórgãodeCor-ti(76%),membranatectorial(53%),estriavascu-lar(62%),neurônioscocleares(48%),sáculo(43%),fibrosecomneoformaçãoósseaectópica(10%)erupturasnamembranadeReissneroujanelaovale redonda (10%). Ele concluiu que a infecçãoviral do sistema endolinfático era a patogênesemaisprovável.Osprincipaisachadoshistopatoló-gicosencontradosemossostemporaisdeportado-resdeSNSSestãorelacionadosnoQuadro17.8

Muitosestudostêmtentadodefinircausasinfeccio-sasparaasurdezneurossensorialsúbitaidiopática.Doisagentesetiológicos,caxumbaesarampo,têmsidoreconhecidosháséculoscomocausadeperdaauditivaadquiridaemcrianças.Nocasodeoutrosvírus,assuspeitaseassociaçõesaocasoclínicosãofeitascombaseemelevaçõesdosníveisséricosdetítulosdeanticorposnoperíododeconvalescençaouemrelatosdecasocomisolamentodovíruscandida-todanasofaringeouboca.Alémdestes,asífilisésabidamentecausadoradesurdezsúbita,eadoençadeLymetambémpodecausarquadrosemelhante.

Atéomomento,asassociaçõescomagentesin-fecciosos têm representado apenas uma pequenafraçãodonúmerototaldecasosdesurdezneuros-sensorialsúbita.

Tratamento Emumestudoduplocego,placebo-controlado,Wil-son7demonstrouumbenefícioestatisticamentesig-nificante com o uso de corticosteroides sistêmicosnarecuperaçãodaaudiçãoempacientesportadoresde surdez neurossensorial súbita. Outros estudostambémcomprovaramobenefíciodacorticoterapiasistêmicana recuperaçãodaperdaauditivadepor-tadoresdesurdezneurossensorialsúbita.Entretanto,algunspesquisadorespublicaramresultadosdesani-madoresemrelaçãoaobenefíciodousodecorticos-teroidessistêmicos,quandocomparadosaoplacebo.

Oexatomecanismopeloqualosesteroidespodemmelhorar a audiçãoaindaédesconhecido.Ambosreceptores glicocorticoides e mineralocorticoidesestão presentes na orelha interna.Alguns estudostêmdemonstradoqueopapelfundamentaldousodeesteroidesno tratamentodasurdezsúbitaseriao de proteger a cóclea dos efeitos deletérios dosmediadores inflamatórios como fator de necrosetumoralalfa(tNF,tumor necrosis factorαefatornuclear kappa B, NF-kB) que estão aumentadosdurante processo infeccioso ou inflamatório pro-priamente, aumentar o fluxo sanguíneo coclear,proteger contra isquemia coclear, proteger contraperdaauditivainduzidapeloruídoeregularasín-tesedeproteínasnaorelhainterna.

Estudos têmdemonstradoqueaestriavascular,quemantémaregulaçãodasecreçãodeNa/Kneces-sáriaparaamanutençãodopotencialendococlear,éumsítiodelesãonasurdezsúbita.Acorticoterapiasistêmicamelhoraafunçãodaestriavascularepodepreservarsuamorfologiae,assim,teriaopotencialde promover a recuperação da perda auditiva queocorrenasurdezsúbita.

Muitosestudostêmreveladoqueacorticoterapiaintratimpânicaéummétodoseguroenãohánenhu-maevidênciadealteraçõeshistológicasdecorrentesdesseprocedimento6.temsidodemonstradoqueacorticoterapiaintratimpânicaaumentaofluxosan-guíneococlear,previneatoxicidadeporaminogli-cosídeo, melhora a homeostase iônica necessáriapara a adequada função coclear.A corticoterapiaintratimpânica revela-se com efeito protetor daestria vascular após otite média8. Em estudos depacientes portadores de zumbido, dexametasonaintratimpânica revelou-se ineficaz para a cura dosintoma,porémsemefeitosadversosparaafunçãococlearavaliadaatravésdeemissõesotoacústicas.

Outras etiologias para surdez súbita certamenteexistem.Em1981,Oliveira9embolizoucapilaresda

Quadro 17.8 – Achados histopatológicos mais comuns em SNSS (Fig. 17.4)

• Destruição de células ciliadas internas e externas• Atrofia de membrana tectorial• Atrofia de estria vascular• Degeneração de neurônios cocleares e vestibulares• Degeneração sacular• Fibrose com neoformação óssea ectópica• Rupturas na membrana de Reissner, janela oval e

redondaSNSS = surdez neurossensorial.

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222 ■ Capítulo 17 Surdez Neurossensorial de Origem Infecciosa

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cócleapormeiodainjeçãodepartículasdepoliesti-renocopolímeronoventrículoesquerdodechinchilas,demonstrou apresençadaspartículasnos capilaresdacócleaempreparaçõesdesuperfíciecoradascomazuldemetileno injetadonaaorta(Fig.17.5)ede-monstrouacomposiçãoiônicadaperilinfaeendolin-faemváriosintervalosdetempoapósaembolização(Fig. 17.6).As alteraçõesda composição iônicadaperilinfaeendolinfaapósembolizaçãodoscapilarescertamentecausariamperdasúbitadopotencialen-dolinfáticoe,portanto,surdezsúbita.Esteé,portan-to,ummodeloexperimentaldesurdezsúbita.

Caxumba Quadro Clínico Ovírusda caxumba foi reconhecidopelaprimeiravezcomocausadordeperdaauditivaem1860.Des-de então é estimado que 5 entre 10.000 pacientescomcaxumbadesenvolvamperdaauditiva.Adisse-minaçãodaadministraçãodavacinacontraacaxum-baempaísesdesenvolvidosfezaincidênciadovíruscair dramaticamente. Infelizmente a perda auditivapelovírusdacaxumbacontinuaaocorrerempaísesemdesenvolvimentocomooBrasil,ououtrospaí-ses ainda menos favorecidos que não apresentemgrandescampanhasdevacinaçãoemmassa.

Aperdaauditivaassociadaàcaxumbageralmen-tesedesenvolveemcriançasjánofinaldoquadrodeparotidite,maspodeocorrertambémdeinfecçõessubclínicasnaausênciadeparotidite.

O iníciodaperda auditiva égeralmente rápidoeunilateralem80%doscasos.Aperdaauditivaépro-fundanas frequências agudas.Zumbidoeplenitudeauriculargeralmenteestãopresentesnaorelhaacome-tida.Emumpacientecomcaxumbaaguda,aresso-nâncianuclearmagnéticadecondutoauditivointernocomcontrastereveloucomprometimentodolabirintoeVIIInervocraniano.Aperdaauditivaégeralmenteprofundae irreversível.Entretanto,umestudopros-pectivo realizadoporVuoriet al.10encontrouqueaperda auditiva era transitória em alguns pacientes.Algunspacientesapresentamvertigemqueusualmen-temelhoraemsemanas,maspodemmanterrespostascalóricasreduzidasouausentesnaorelhaacometidapermanentemente.Aausênciaderespostascalóricastambéméencontradaempacientescomsurdezasso-ciadaàcaxumbacomousemhistóriadevertigem.

Diagnóstico Caxumba é diagnosticada por: (1) isolamento dovírus da caxumba de saliva ou liquor ou detecçãodoRNAdovíruse/ou(2)elevaçãodequatrovezesoumaisdostítulosséricosdeanticorposanticaxumbaentreamostrasdafaseagudaedoperíododeconvales-cença(Quadro17.9).Ovírusdacaxumbafoiisola-dodofluidoperilinfáticodeumpacientecomperdaauditivaneurossensorialunilateralassociadaàparo-tidite.Atualmente,nãohámedicaçãoantiviralespe-cíficaparatratamentodaperdaauditiva,oqueestáàdisposiçãosãooscorticosteroidesquegeralmenteestãoassociadosaàmelhoraauditivaemboapartedoscasos,apesardeserumtratamentoinespecífico.

Figura 17.5 – Preparação de superfície da membrana basal mostrando êmbolo no vaso do lábio timpânico. Coloração com azul de metileno.

Figura 17.6 – Concentrações iônicas da perilinfa e da endolinfa em vários intervalos de tempo depois de embolização dos capilares da cóclea.

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0

% d

os v

alor

es n

orm

ais

Na+

K+

PerilinfaEndolinfaEndolinfaPerilinfa

2h 24h 2 mesesTempo depois de injeção de microêmbolos

Capítulo 17 Surdez Neurossensorial de Origem Infecciosa ■ 223CA

PítULO

17

Aadministraçãodavacinaparacaxumba,nainfân-cia,vaiefetivamenteprevenirsubsequentesinfecçõesporcaxumbanaadolescênciaefaseadulta.

Patologia do Osso Temporal Pacientescomperdaauditivaassociadaàcaxumbaforam examinados.A cóclea evidenciou atrofiagravedoórgãodeCortieestriavascular,comco-lapso parcial da membrana de Reissner no girobasal.A membrana tectorial, em um dos casos,estavaespessadaedeslocadadoórgãodeCorti.Osgiros apicais da cóclea mostraram menor grau delesões, apenas comperdaocasionalde células ci-liadas.Neurônioscoclearespodemestarreduzidosnaáreadogirobasal,justificandoaperdaauditiva

principalmenteemfrequênciasagudas.Lesõesves-tibulares mínimas foram observadas (Fig. 17.7 eQuadro17.10).

Modelos Experimentais de Labirintite Viral pelo Vírus da Caxumba Ovírusdacaxumbafoiinoculadonaorelhainternade hamsters, porquinhos-da-índia e macacos, einfectaramprincipalmentecélulasnão-euroepiteliaisdo labirinto membranoso, que incluem as célulasdamembranadeReissner,estriavasculareascélu-lasdesuportedoórgãodeCorti.Nogirobasaldacóclea,degeneraçãodoórgãodeCortielesãodaes-triavascularforamaslesõesmaiscomuns.Ascé-lulas da orelha interna poderiam se infectar, se ovírusfosseinoculadodiretamentenaorelhainternaou se o vírus entrasse na via perilinfática atravésda escala timpânica pelo aqueduto coclear, apósinoculação intracerebral. Porque o vírus poderiaalcançaraperilinfaatravésdoliquornestemodeloanimal,aquestãoquenosapareceéseestarotadainfecçãotambémpoderiaocorreremsereshumanos.

Existemváriosdadosqueapoiamessahipótese.Ovírusdacaxumbaprovocameningoencefaliteematé um terço das crianças infectadas. O aquedutococlearémaisfrequentementepatenteemcriançasdoqueemadultos,eaquedutoscoclearesdilatadostêmsidoreconhecidosportomografiacomputado-rizada(tC)emmaisde6%dascriançascomperdaauditiva neurossensorial congênita. Finalmente, aperdaauditivafrequentementesedesenvolveapar-tir do final da primeira semana de parotidite, umtempoconsistentecomadisseminaçãodovírusdacaxumba a partir do liquor infectado pela via doaquedutococleareescalatimpânica.Adissemina-ção do vírus através do liquor da orelha internapoderia também ocorrer pela via doVIII nervocraniano, pela via do conduto auditivo interno e

Quadro 17.9 – Diagnóstico etiológico de caxumba

• Isolamento do vírus da caxumba da saliva ou liquor ou detecção do RNA viral

• Elevação de quatro vezes ou mais dos títulos séricos de anticorpos anticaxumba entre amostras da fase aguda e do período de convalescença

RNA = ácido ribonucleico.

Quadro 17.10 – Achados histopatológicos mais comuns na caxumba

• Atrofia grave do órgão de Corti e estria vascular• Colapso parcial da membrana de Reissner

principalmente no giro basal• Membrana tectorial espessada e deslocada do órgão

de Corti• Giros apicais da cóclea mostram menor grau de

lesões, apenas com perda ocasional de células ciliadas• Neurônios cocleares reduzidos na área do giro basal

Figura 17.7 – (A e B) Corte histológico de osso tempo-ral de paciente com surdez associada à caxumba. O órgão de Corti encontra-se totalmente atrofiado. Outra figura mostra as estruturas normais para comparação.

Giro basal inferior

Atrofia completa do órgão de Corti

100mm

Células ciliadas externas

Célula ciliada interna

100mm

A

B

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224 ■ Capítulo 17 Surdez Neurossensorial de Origem Infecciosa

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pelogânglioespiral.Contraestashipótesesexisteapenas um estudo que não encontrou correlaçãoentreaperdaauditivaeameningitenacaxumba.

Sarampo Quadro Clínico Umparamixovírusaltamentecontagiosoéacausado sarampo. Desde 1928, o sarampo é conhecidocomopossívelcausadeperdaauditivaneurossen-sorial principalmente em crianças.A surdez porsarampocontinuasendoumacausa importantedeperdaauditivaneurossensorialadquiridaprincipal-menteempaísesemdesenvolvimento.Easuain-cidência após sarampo é de cerca de 1 em 1.000novoscasosdiagnosticadosdesarampo.

Antesdaintroduçãodavacinacontraosarampoempaísesemdesenvolvimento,ovírusdosaram-po causava 3 a 10% de todas as perdas auditivasemcrianças.Agoraosarampoocorrebasicamenteempaísespobressemprogramasdeimunização.

Ocomprometimentodolabirintopelovírusge-ralmenteocorrecomo início súbitodeperdaau-ditiva neurossensorial bilateral concomitante aorashcutâneo;podeocorrerperdaauditivaunilate-ralemalgumascrianças,maséincomum.Emumestudoabrangente,45%dascriançasapresentaramperdaauditivaneurossensorialprofundabilaterale55% apenas perda auditiva leve a moderada. Oaudiogramatípicoevidenciaperdaauditivaneuros-sensorialbilateralquepodeserassimétricaeprin-cipalmenteemaltasfrequências.Aperdaauditivageralmenteéirreversíveleemsuafaseagudapodeestar acompanhada de vertigem e zumbido. Maisde 70% dos pacientes vão apresentar respostasausentes ou diminuídas aos testes calóricos nasduasorelhas.

Diagnóstico Sarampopodeserdiagnosticadopor(1)isolamen-todovírusmedianteculturade secreçãodeoro-faringe; (2) detecção do RNA viral em tecidoafetadodoindivíduo;(3)identificaçãodosantíge-nosdovírusdo sarampopor coloraçãopor imu-nofluorescência de células epiteliais esfoliadasobtidas de swab de orofaringe, conjuntiva, oucavidadebucal;e/ou(4)demonstraçãodeaumen-tonostítulosdeanticorposporsorologiadequa-trovezes,quandocomparadasàsamostrasdafaseagudacomafasedeconvalescença(Quadro17.11).Atéomomento,nenhumamedicaçãoantiviralde-monstrou ser eficaz no tratamento da surdez porsarampo.Aindanãoestáclaroseaadministraçãodecorticosteroidesseriabenéfica.

Patologia do Osso Temporal Apenasalgunspoucosossostemporaisforamana-lisadosdepacientescomperdaauditivaassociadaao sarampo8. O principal achado histopatológicoé a degeneração neurossensorial na cóclea e nosistemavestibular.Adegeneraçãococlearémaisgrave no giro basal.A membrana tectorial apre-senta-seespessadaedistorcida.Aatrofiadaestriavascular foi observada principalmente no girobasal.Osáculoapresenta-secolapsadoeaparedemembranosaestáaderidaaoepitéliomacularde-generado.A mácula utricular e a crista ampulargeralmentedemonstramalteraçõespequenas.Célu-lasgigantesmultinucleadassãocaracterísticasdainfecçãoporsarampo(Fig.17.8eQuadro17.12).

Quadro 17.11 – Diagnóstico de sarampo

• Isolamento do vírus por cultura de secreção de orofaringe

• Detecção do RNA viral em tecido afetado do indivíduo

• Identificação dos antígenos do vírus do sarampo pela coloração por imunofluorescência de células epiteliais esfoliadas obtidas de swab de orofaringe, conjuntiva ou cavidade bucal

• Aumento demonstrado nos títulos de anticorpos por sorologia de quatro vezes quando comparadas com amostras da fase aguda e da fase de convalescença Figura 17.8 – Corte histológico da cóclea de pa-

ciente com surdez profunda ligada a sarampo. Há hidropisia endolinfática, tecido fibroso na scala vestibuli, deformidade da membrana tectorial e perda de neurônios no modíolo. (Publicada com permissão de Laryngoscope.)

Tecido fibroso

HidropisiaMembrana tectorial

Perda neuronal

978-85-7241-924-6

Capítulo 17 Surdez Neurossensorial de Origem Infecciosa ■ 225CA

PítULO

17

Modelo Experimental de Labirintite pelo Vírus do Sarampo Infecçõesexperimentaiscomovírusdosarampoem hamsters demonstraram que o vírus causainfecção na orelha interna principalmente vistanas estruturas sensoriais da cóclea, utrículo, sá-culoecanaissemicirculares.Ambososneurônioscocleares e vestibulares foram infectados e osantígenos virais foram identificados na extremi-dadedistaldacóclea.CélulasgigantestípicasdovírusforamvistasnointeriordoórgãodeCortieneurônioscocleares.

Otosclerose Muitosestudos11mostramque:

• Focosdeotosclerosecontêmcélulasimunocom-petentes.

• Presença de autoanticorpos contra colágenos IIeIXnosorodepacientescomotosclerose.

• Osteoblastosepré-osteoblastosdefocosdeotos-clerose têmestruturasfilamentares semelhantesaonucleocapsídeodeparamixovírus.

• Estudos imunológicos confirmam expressão denucleocapsídeosdovírusdosarampoemcondró-citos,osteócitos,osteoblastosetecidoconjuntivodefocosdeotosclerose.

Existe,portanto,apossibilidadedeotosclero-seser,dealgummodo,ligadaaovírusdosaram-po.Entretanto:

• tentativasdecultivarovírusdosarampoapartirdefocosdeotosclerosefalharam.

• tentativas de localizar o vírus do sarampo porhibridização in situ em focos de otosclerosetambémfalharam.

A otosclerose seria uma doença com predis-posição genética e o vírus do sarampo seria ofatordesencadeante.

Estaéumadiscussãoativanomomento,algunspesquisadores acreditam que esta ligação existeefetivamente,masnadaestádefinitivamentecompro-vado.Detalhesdestadiscussãoserãoomitidosdestetextoporrazõesdeespaço.Maisdetalhesaparece-rãonocapítulo14sobreOtosclerosecertamente.

Hidropisia Endolinfática Tardia (DelayedEndolymphaticHydrops) Schuknechtet al.11descreveramosachadoshisto-patológicos em dois casos de aparecimento desurdez contralateral anos após a perda profundadeaudiçãoemumaorelha.Osachadoseramcom-patíveiscomosdadoençadeMénière(hidropisiaendolinfática)eelesaventaramahipótesedadoen-çadeMénièresercausadaporvírus.Istonuncafoiprovado,masahidropisiaendolinfáticaretardadaéuma entidade clínica aceita amplamente hoje emdia:depoisdeanosdeperdaneurossensorialpro-funda em uma orelha, por causa provavelmentevirótica,sintomasdehidropisiaendolinfáticaapa-recemnaorelhacontralateral.

Febre Lassa AfebreLassaéumaadenovirose típicadaÁfricaOcidentalequeincideemaproximadamente100.000indivíduos anualmente12. O contágio ocorre pormeiodaurinacontaminadaderoedores.

Quadro Clínico trata-sedeumafebrehemorrágicaquecursacommeningiteasséptica.Adoençaécaracterizadaporsinaisesintomassistêmicos, taiscomofebre, fra-queza,seguidasdedorlombar,tosseefaringite.

Aproximadamente15%dosindivíduosacometi-dosevoluemparaoóbito.Cercade30%dossobre-viventesapresentarãoperdaauditivaneurossensorialmoderadaagrave(55dB)nafasedeconvalescençaquenãoserelacionacomaintensidadedossintomasda fase aguda. Metade dos pacientes acometidospelaperdaauditivarecuperaráoslimiaresem3a4meses do início dos sintomas12.A perda auditivaemgeraléprogressiva,emboraexistamrelatosdeperdasúbitadaaudição13.

Quadro 17.12 – Achados histopatológicos mais comuns no sarampo

• Degeneração neurossensorial da cóclea e do sistema vestibular

• A degeneração coclear é mais grave no giro basal• A membrana tectorial apresenta-se espessada e

distorcida• Atrofia da estria vascular principalmente no giro basal• Células gigantes na endolinfa aderidas à estria vascular

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226 ■ Capítulo 17 Surdez Neurossensorial de Origem Infecciosa

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17 Patologia do Osso Temporal

Apatogênesedoacometimentococlearnãoéconheci-da pela falta de estudos em ossos temporais, masacredita-sequeestejacorrelacionadacoma infecçãodiretadoadenovírusnacócleacomtrombosesvascu-lares,hemorragiaoucomarespostaimunenacóclea13.

Varicela-zóster Vírus AsíndromedeHamsay-Huntouvaricela zoster oticuséumainfecçãocausadapelovírusvaricela-zósterqueficaemestadolatentedentrodogângliogeniculadoapósumepisódioagudodevaricela3.Emdetermina-dassituações,estevírussaidoestadolatenteecausaumainfecçãoaguda.Inicialmentereplicando-seden-trodogângliogeniculado,ovírusmigraparaperiferiaatravés do nervo facial, causando paralisia facialperiférica.Cercade25%dospacientes apresentamalteraçõescoclearesevestibularescausadaspelami-graçãodecélulasinflamatóriasparaaorelhainterna,gânglioespiralevestibular3,14.

Quadro Clínico Caracteriza-sepeloaparecimentodevesículasdo-lorosasnopavilhãoauditivoeaolongodocondutoauditivoexterno,quepodemviraapresentarinfec-ção bacteriana secundária. Um a dois dias apósaparecem os primeiros sinais de paralisia facialperiféricaque com frequência evolui rapidamenteparaumquadrodeparalisiafacialcompleta.Vinteecincoporcentodospacientesapresentamsinaisesintomasotoneurológicoscaracterizadosporverti-gem,zumbido,nistagmoseperdaauditivaneuros-sensorial. Embora muitos pacientes apresentemqueixas de hipoacusia, somente cerca de 6% dosafetadosterãoperdaneurossensorial.

Diagnóstico Odiagnósticoéfeitomuitasvezespelasuspeitaclíni-caemumpacientecomparalisiafacialagudaprece-didapelaformaçãodelesõesvesicularesnatopografiadocondutoauditivoexternoepavilhãoauricular.

AsuspeitaéreforçadapelorealcenatopografiadogângliogeniculadoenervofacialnaRMNcomgadolínio15. Há estudos mostrando realce à RMNna região distal do conduto auditivo interno e nosegmentolabirínticodonervofacialqueapresentaumaboacorrelaçãocomosachadosintraoperatóriosdurantedescompressõesdonervo.

Aconfirmaçãodiagnósticaérealizadapelaveri-ficaçãodeDNAviralpelatécnicadePCRnaslesõesvesiculares eno líquido cefalorraquidiano (LCR),assimcomopelapresençadecélulasgigantesmul-tinucleadasnosesfregaçosdoconteúdovesicular.

Tratamento O tratamento clínico deve ser realizado precoce-mentecomaintroduçãodealtasdosesdeaciclovir(800mgviaoral,5vezesaodia,durante7dias),oufanciclovir,3vezesaodia,durante7dias)ouainda,valaciclovir(1gviaoral,3vezesaodia,durante7dias)16.Recomenda-seaassociaçãocomesteroidesiniciando-se na dose de 1mg/kg/dia16. Evidênciasapontamparaomelhorprognósticoentreospacien-tesqueiniciaramotratamentomaisprecocemente.Entretanto,devemsempreserconsideradososefei-tosadversosdosantiviraisnarelaçãorisco-benefício,poisnãoháevidênciassólidasdequeseuusonasín-dromedeHamsay-Huntsejasuperioraousoisoladodecorticosteroide.

Aparalisiafacial,avertigemeaperdadeaudiçãotendemamelhorarnoperíododesemanasoualgunsmeses17.Em38a66%dospacientesocorrea re-cuperaçãocompletadaperdaauditiva.

Patologia do Osso Temporal Oestudodeespécimesprocedentesdepacientescomherpes zoster oticus nafasesubagudaevidenciaramneurite facialpróximadogângliogeniculado,pre-servandoonúcleomotordonervonosistemaner-vosocentral(SNC)18.Infiltradoinflamatório,edemacomáreasdehemorragiaforamvisualizados,assimcomodegeneraçãoaxonal.Infiltradoinflamatórioaolongo doVIII nervo, particularmente nas raízesvestibulares,nasampolasdosáculoedoutrículo19.A perda de células ciliadas nas cristas dos canaissemicirculareslateraistambémfoirelatada.

Vírus do Herpes Simples Humano Aindaécontrovertidanaliteraturaaassociaçãodainfecção pelo vírus do herpes simples (HSV) hu-manoeodesenvolvimentosubsequentedeperdadeaudição. Existem, entretanto, relatos de crianças,queapósrecuperaçãodeepisódiodeencefalitepeloHSV,apresentaramperdadeaudição,assimcomoem adultos. Há mais de trinta anos a suspeita da

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associaçãoentreainfecçãopeloHSVeodesenvol-vimento de perda de audição é debatida.Até apresente data, não há análise de ossos temporaishumanosapósepisódiodeencefalitepeloHSV.

Afavordaassociação,existeofatodadetecçãodeDNAviral nogânglio espiral emmaisde50%dasnecropsiasestudadaspelatécnicadePCReidentifica-çãodeDNAviralemamostrasdeperilinfadepacien-tescomperdaauditiva20.Aindaforamvistosaumentosnostítulosdeanticorposanti-HSVdepacientescomsurdez súbita.Há relatosdeaumentonaprevalênciade anticorpos anti-HSVemadultos e crianças comperdaauditivaneurossensorial, comparadoscompa-cientessemperdaauditiva21.Finalmente,estudosex-perimentaismostramacapacidadedoHSVdeinfectarcélulasdoespaçoendolinfáticoedosgângliosvesti-bulareespiraldemacacos,cobaias,hamsterseratos22.Acredita-sequeoHSVtenhaacapacidadedeinfectarogânglioespiraletornar-selatente.

Westerberget al.,emumarevisãosistemáticadaliteratura,encontraramapenastrêsrelatosdecincocriançasqueapresentavamsinaisdeinfecçãoagudapeloHSVeaudiogramaconfirmandoperdadeau-diçãodeinícioincertopelahistóriaclínicaavaliada.OsautoresconcluemqueosdadossãoinsuficientesparaseestabelecerarealassociaçãoentreainfecçãopeloHSVeaperdaauditiva,assimcomoahistórianaturaldessesupostoacometimentolabiríntico23.

Entretanto,HSVnãofoiisolado,atéomomento,defluidosdaorelhainternadepacientescomperdasúbitadaaudição,assimcomoostípicoscorposdeinclusãodainfecçãoporHSVnãoforamvistosnosespécimesavaliados.Ainda,asflutuaçõesnostítulosdeanticorposcontraHSVsãocomunsempacienteshígidos. É válido ressaltar que as característicasclínicasderecorrênciadasinfecçõeshumanaspeloHSVnãoseenquadramnascaracterísticasdasperdasneurossensoriaisque,emgeralnãosãorecorrentes.Sendo assim, a associação da infecção pelo HSV,comperdasdeaudiçãoneurossensorial,aindaéumcapítuloextremamentecontrovertidonaliteratura.

Por fim, ensaios clínicos aleatórios mostraramnão haver diferenças no tratamento de pacientescomperdadeaudiçãoneurossensorialcomaciclo-vireprednisolonaouprednisolonaisolada24.

Labirintites Bacteriana e Fúngica Outros agentes microbiológicos também podematingiro labirinto e causar alteraçõesvestibulares

eauditivas.Esteéocasodasbactériasedosfungos.Estes agentes podem causar lesões no aparelhovestibular periférico e auditivo por meio de umalabirintitesupurativaemqueosagentesinfecciososlesamdiretamenteasestruturasdolabirintomem-branoso,deumexsudatotóxicoemquetoxinasdoagente infeccioso ou citoquinas das células infla-matórias atingem a escala timpânica através dajanela redonda ou do modíolo, por um exsudatopurulentoenvolvendooVIIInervocranianoecau-sando infarto e destruição, de um exsudato puru-lento ou pelo agente infeccioso envolvendo oespaçoperilinfático,atravésdoductococlear,pro-cedendodoespaçosubaracnoídeooudoLCRe,porfim,aselevadasconcentraçõesdeantibióticosparao tratamento da infecção podem também causaralteraçõessensoriaisnolabirinto.

Namaioriadasvezes,oprocessodecorredeumalabirintitepurulentaemqueoagenteatingeaesca-latimpânica,procedendodoespaçosubaracnoídeo(meningite),doossotemporal(osteomielite)oudaorelhamédia(otitemédiaaguda).Nocasodame-ningite,abactériaouofungoatingeaescalatim-pânica através do ducto coclear patente ou docondutoauditivointernoatravésdosespaçosperi-vasculareseperineurais25.

Nocasodainvasãodolabirintoporbactérias,apatogênese ébemdescrita.Umprocesso inflama-tório agudo ocorre pela presença maciça de uminfiltradoneutrofílicocomimportanteacometimen-todolabirintomembranoso.

Aperdadeaudiçãoépermanenteeodanoaola-birinto,emboracauseumquadrovertiginosotran-sitório, gera uma prova calórica alterada indefi-nidamente. Já para os fungos, os relatos são bemescassos,umavezqueelessãoraramenteosgermescausadoresdeinfecçõesdasmeninges.

Ospacientesimunocomprometidosconstituemapopulação de risco. Estudos histopatológicos sãorarosemostramque,emdecorrênciadameningitefúngica,podeocorreraformaçãodegranulomasnocondutoauditivo internoenocanaldeRosenthal.Embora os dados audiológicos desses pacientessejamtambémescassos,aperdadeaudiçãotambémpode ser retrococlear ao contrário das labirintitesbacterianas.Háapenasumrelatodequea surdezpós-meningitecriptocócicafoireversível.

Apósotratamentodoepisódioagudosupurativoe purulento com antibióticos, há a migração demacrófagosparaoespaçoperilinfático,dandoori-gemàformaçãodegranulomas.Aolongodesema-nasemesesháainvasãodolabirintomembranoso

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porfibroblastoseaformaçãodetecidocicatricial.Células primitivas perimodiolares totipotentes in-vademolabirintoparasetransformarememosteo-blastos que promovem a formação de espículasósseasnointeriordolabirinto.Estastuberosidadespodem apresentar neoformação vascular comple-tandooprocessodeossificaçãodoantigolabirintomembranoso26.Nocasodas infecções fúngicas, amucormicose e a coccidiodomicose são as maiscomuns,entretantooprocessodeossificaçãonãoétãocomumquantonaslabirintitesbacterianas27.

Emumestudorecente,Douglaset al.verificaramnãohaverdiferenças significativasna incidênciadeossificaçãoapóslabirintitecausadaporNeisseria me-ningitidis,Streptococcus pneumoniaeouHaemophilus28.

Meningites Bacterianas Introdução e Epidemiologia Meningiteéainflamaçãodaaracnoide,dapia-máteredolíquidocefalorraquidiano.Ameningitepiogê-nicaégeralmenteumainfecçãoagudacombactériasquedesencadeiamuma resposta polimorfonuclearno liquor. Os germes que com mais frequênciacausammeningitebacterianasão,emordemdecres-cente de incidência, Streptococcus pneumoniae,Haemophilus influenzaeeNeisseria meningitidis.

Nadécadade1990,onúmerodecasosdemenin-gite bacteriana comunitária caiu cerca de 55%,principalmenteporcontadaintroduçãodaimuniza-çãoderotinadascriançascomasvacinasanti-Hae-mophilus influenzae. Desta forma, a incidência demeningiteporessetipodebactériafoireduzidaem94%.Apesarde,ainda,S. pneumoniae seroagentemaiscomum,isoladoemcercade80%dospacientescommeningite, tem-seobservado tambémumare-dução dessa incidência como resultado do uso davacinaconjugadapneumocócica-heptavalente.

Ematéumterçodoscasos,asurdezneurossensorialadquiridaapósonascimentodeve-seacomplicaçõesde meningite bacteriana.A surdez neurossensorialpermanenteocorreemcercade10%doscasosdeme-ningiteagudabacteriana(2,4a20%)ecercade16%apresentamperda auditiva condutiva transitória.Noentanto, considerando os germes separadamente, aincidênciadeperdaauditivavariadeumagenteetio-lógicoparaoutro.Oriscodesurdezémaiorquandoo Streptococcus pneumoniae é isolado do líquidocefalorraquidiano (20%), independentementede suasuscetibilidadeàpenicilina,havendomaiorprobabi-lidadedesurdezpermanente.Jáquandoameningite

é causadaporHaemophilus influenzae, a incidênciadesurdezchegaa12%enãoultrapassa5%nainfec-çãoporNeisseria meningitidis.

Asurdezresultadodanoporexsudatopurulentonacócleaenogânglioespiral.Achadoshistopatoló-gicosdemonstrarampresençade labirintitesupura-tivanacócleaem49%dosossostemporaisestudadosenoórgãovestibularem25%.Aregiãomaissusce-tível,aparentemente,éascala tympanidogirobasaldacócleacomdegeneraçãodoórgãodeCortiedolabirintomembranosocomposteriorossificação.Apatogênesedasurdezpareceresultardapassagemdecélulasinflamatóriasebactériasdoespaçosubarac-noídeo para a perilinfa da scala tympani do girobasaldacócleaatravésdeumaquedutococlearpa-tenteouporextensãodainflamaçãoparaocondutoauditivointernoalcançandoomodíolo.Nascriançasmenoresoaquedutococlearéfrequentementepaten-te e se fecha com o crescimento da cabeça, o queajudaaexplicaramaiorsuscetibilidadedascriançasàperdaauditivaapósmeningite.

Quadro Clínico Nocursodeumameningite,asurdezcostumaapa-recerprecocemente,maspodeocorreremqualquerfase da doença. Crianças de todas as idades sãoigualmente suscetíveis à surdez, quepode ser uniou bilateral e caracteristicamente afeta todas asfrequências emgrauprofundo.Noscasosemqueaperdaauditivainicialéparcialpodeocorrerme-lhoraemalgunspacientes.

Opotencialauditivoevocadodotroncoencefálico(PEAtE)podemostrarprecocementeapresençadesurdezneurossensorialemcriançasnãocooperativas.Sintomasvestibulares,comovertigem,náuseas,vô-mitoseataxia,costumamestarpresentesemcriançasindependentementedodesenvolvimentodesurdez.

Tratamento O tratamento clínico comantibióticode largo es-pectroequecruzeabarreirahematoencefálicadeveseriniciadoomaisprecocementepossível,tãologoapunçãolombartenhasidorealizadaemodificado,senecessário,deacordocomoresultadodacultu-radolíquidocefalorraquidiano.

Atualmenteestábemestabelecidoqueaassociaçãode corticoterapia reduz a incidência de surdez emcriançaseadultos,especialmentequandointroduzidaprecocemente.Combase emevidênciasde estudoscontrolados29pode-seafirmarqueousodecorticoi-

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desemcriançasdiminuisignificativamenteoriscodesurdezneurossensorial,quandooagenteéH. influen-zae.Esteresultadopositivocomoscorticosteroidespodeserexplicadopelareduçãonaliberaçãodeci-toquinas inflamatórias(interleucina-1efatordene-crosetumoral)provocadaporsubstânciasdaparedebacteriana.Destaforma,háumamenorlesãovascu-lar e também melhora da perfusão cerebral e doedema.Adosededexametasona,queéocorticoiderecomendado,éde0,15mg/kg(10mgendovenosoemadultos),administradaacada4ou6h,preferencial-menteantesdaintroduçãodaantibioticoterapia.

Sífilis Congênita e Adquirida Asífilisnasuaformacongênitaouadquiridapodelevaràsurdezneurossensorial,nesteúltimocasonosestádiossecundárioeterciário.Aincidênciaestima-da de perda auditiva chega a 80% na neurossífilissintomática,29%naneurossífilisassintomática,25%nasífilistardialatentee17%nasífiliscongênita.

Antes,consideradaumadoençarestritaapaísespobres,vemapresentandoumprogressivoaumentona sua prevalência em países como os EstadosUnidos30.Comoaumentodaincidênciadadoença,os casos de sífilis congênita têm aumentado. Emtodoomundo,acadaano,cercade2milhõesdemulheresgrávidasadquiremsífilis,doençacausadapelainfecçãocomaespiroquetaTreponema pallidum.Ainfecçãoocorrepormeiodocontatodiretocomsecreçõeshumanasinfectadaspelapráticadesexooral,analouvaginal.Quandoamãeéinfectada,orisco do feto adquirir a doença é de 50%, o quepoderesultaremmortefetal,natimortoeinfecçãocongênita.Aformacongênitadadoençapodelevarà surdez neurossensorial precocemente (logo aonascimentoouaté3anosdeidade)outardiamente(dos8aos20anos).Jánasífilisadquirida,asurdezaparececommaisfrequêncianoestádiosecundário.

Quadro Clínico A sífilis congênita precoce caracteriza-se por ex-tensodanoamúltiplosórgãos,surdezneurossenso-rialprofunda,bilateralesimétricaepoucosachadosvestibulares.Noscasosemqueadoençasemani-festa mais tardiamente (sífilis congênita tardia), aperdaauditivacostumaserprogressiva,masflutu-ante e assimétrica.Comosintomasassociados,ospacientes podem apresentar zumbido intermitenteeepisódiosagudosdevertigemlembrandodoençadeMénière.Outrossinaisqueacompanhamasífilis

congênitatardiasãoosdentesdeHutchinson,mo-laresemformatodemulberry equeratiteintersticial.

A avaliação audiológica costuma mostrar curvaplana e baixa discriminação vocal desproporcionalaos limiares auditivos. O sinal de Hennebert (testepositivodefístulacommembranatimpânicaintacta)pode estar presente. O achado de resposta calóricadiminuídaécomumenteencontradonaavaliaçãodosistemavestibular.

Nasífilissecundária,aperdaauditivaéumacha-docomum,deiníciosúbito,progressivaebilateralcom poucos sintomas vestibulares.A presença deoutrossintomas,comocefaleia,rigidezdepescoço,e sinais, comoparalisiadenervos,neuriteóptica,linfadenopatia e rash sifilítico secundário, fazempartedoquadroclínicodadoença.

Oexamedoliquorcostumaserinespecíficocomconcentraçãodeglicosenormal,pleocitoselinfoci-táriaeproteínaselevadas.

Pacientes com sífilis terciária também podemdesenvolversurdezdeformamuitosemelhanteaospacientescomsífiliscongênita tardia(perdaaudi-tivaneurossensorialprogressiva,flutuanteeassimé-trica).Damesmaforma,aocorrênciadezumbidoecrisesdevertigemnãoéincomum.

No estádio terciário, a avaliação audiológica evestibulartambémseassemelhaàsífiliscongênitatardia com baixa discriminação, provas calóricascomrespostadiminuídaetestedefístulapositivo.A eletrococleografia pode mostrar resultados dehidropisiaendolinfáticamuitoparecidoscomaque-lesvistosempacientescomdoençadeMénière.Noliquorseencontraproteínascomconcentraçãonor-malouelevada.

Diagnóstico Odiagnósticodesurdezporsífilissefaznapresençadeperdaauditivaneurossensorialdeaparecimentore-cente,associadaaotesteRPR(rapid plasma reagin)sérico positivo e FtA-ABS positivo (fluores cent treponemal antibody-absorption)ouVDRL-CFSpo-sitivo([VDRL]Venereal Disease Research Labora-tory). No exame microscópico em campo escuropodemservistasasespiroquetasobtidaspormate-rialcolhidoemlabirintectomiadiagnóstica.

Tratamento Otratamentorecomendadoparaneurossífilisépe-nicilina G cristalina, na dose de 2 a 4 milhões deunidades,porviaendovenosa,administradaacada

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4h,durante10dias,associadaàprednisolonaoral,semprequenãohouvercontraindicaçãoduranteaprimeirasemanadetratamento,nadosede30a60mgaodia.Algunspacientespodemnecessitardemanutençãodacorticoterapiaportempoprolongadoemdosemaisbaixa,quandoaperdaauditivarecor-reapóssuasuspensão,especialmentenoscasosdesífilis congênita ou adquirida na forma tardia. Pa-cientescomsífiliscongênitatardiaouadquiridatêmprognósticomelhorecercade50%delesevoluemcommelhoradegrausvariadosapóstratamento.

Considerandoqueaperdaauditivaempacientescomsífiliscongênitaprecocetemprognósticoruim,faz-senecessárioressaltaraimportânciadosexamespré-natais como prevenção, uma vez que o trata-mentodagrávidainfectadacompenicilinaimpedequeelatransmitaadoençaaofeto.

Patologia do Osso Temporal Oexamedoossotemporalmostraachadosdelabi-rintite inespecífica com infiltração de linfócitos, edestruiçãodolabirintoedoVIIInervocranianonasífiliscongênitaprecoce.Épossívelrecuperarespi-roquetasemnecropsias,quandoosossostemporaissão corados com prata. Na sífilis congênita tardiaocorreosteíteda cápsulaótica e envolvimento se-cundáriodolabirintomembranoso,oqueexplicaosachadosclínicosdehidropisiaendolinfática.

Noscasosdesífilisadquiridaprecoce,encontra-sefundamentalmentemeningitebasilarqueenvolveoVIIInervocranianonoseuramococlear.Quandoa surdez se manifesta na doença adquirida tardiaencontra-seosteítedoossotemporaledegeneraçãodoórgãodeCorti,alémdeacometimentodolabi-rintomembranoso.

Perda Auditiva em Pacientes Imunocomprometidos Os pacientes imunocomprometidos podem desen-volverinfecçõesfúngicasoubacterianasdaorelhainterna por apresentarem maior suscetibilidade aotites médias.A imunodeficiência primária, porexemplo,manifesta-sefrequentementecomsusce-tibilidade aumentada a bactérias piogênicas en-capsuladas, como Streptococcus pneumoniae eHaemophilus influenzae. Aagamaglobulinemia li-gadaaoXouagamaglobulinemiaautossômicare-cessivaeimunodeficiênciacomumvariávelsãoasapresentaçõesmaiscomunsdedeficiênciadeanti-

corposesemanifestamcomotitemédia,sinusites,bronquiteepneumonia.Assim,aorelhainternapodesercontaminadaapartirdajanelaovalouredonda,ouporextensãodeosteomielitedoossopetroso.

Nospacientesportadoresdesíndromedaimuno-deficiênciaadquirida(AIDS),asurdezneurossen-sorial pode estar presente em até 49% em grausvariadoseasqueixasvestibularessãomenoscomuns.Aaudiometriacostumamostrarsurdezneurossen-sorialemfrequênciasaltaseadisfunçãococleoves-tibular aumenta proporcionalmente à duração egravidade da doença, possivelmente pelos danoscumulativosaosistemanervosocentral,promovidospordoençasoportunistasoupeloprópriovírusdaimunodeficiênciahumana(HIV).OPEAtEjápodeapresentaralteraçõesnosestádiosmaisprecocesdainfecçãopeloHIVdevidoaodanodiretodovíruseefeitossecundáriosdaimunossupressão.Poroutrolado,olabirintonãoéumsítiocomumdedoençarelacionada ao HIV, comparado com o sistemanervoso central, assim, poucos achados anormaissãoencontradosnoossotemporal.

EmpacientesportadoresdovírusHIV,aotossí-filis deve ser pesquisada sempre que existiremqueixas cocleovestibulares, até mesmo pela formacomumdecontágiodasduasdoenças.Asmanifes-taçõescocleovestibularesdadoençasãosimilaresàdospacientesnãoportadoresdoHIV.Odiagnósticosegue também as recomendações já anteriormentedescritas e é conveniente ressaltar que a suspeitadeve levaràpronta investigação,poisnestecasoécomumqueospacientes evoluamde formamuitorápidadasífilisprimáriaparaotossífilisouneuros-sífilis. O tratamento também é semelhante ao jádescritoparaotossífiliscomaparticularidadequeousodecorticosteroidespodeaumentaroimunocom-prometimentodessespacientes.

Ameningiteporcriptococos,causadapelofungoCryptococcus neoformans, éconsideradaumado-ençaoportunistaquasepatognomônicadaAIDSeapresenta-secomsurdezneurossensorialsúbitaouprogressivaegeralmentebilateral.Nahistopatolo-giadoossotemporal,ocorredestruiçãodefibrasedogânglioespiraldonervococlear,compreserva-çãorelativadeestruturascoclearesevestibulares.Odiagnósticoéfeitopeladetecçãodeantígenosaocriptococoouisolamentodofungoemcultura,eotratamentosefazcomanfotericinaB,fluorcitozinaefluconazol.

Exames de necropsia em pacientes comAIDSdemonstraram a existência de citomegalovírus,adenovírusevírusdoherpessimplesnaperilinfa.

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No entanto, o dano coclear costuma ser mínimonessas infecçõescausadasporessesvíruse talvezisto se explique pelo estado imunocomprometidodospacientes,quenãoconseguemdesenvolverumaresposta imune inflamatória, preservando assim aorelhainternademaioreslesões.

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