capítulo 14 - mobilidade não motorizada e o trânsito urbano

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Através da nossa página no Facebook vamos disponibilizar todos os ar-tigos do livro BRASIL NÃO MOTORIZADO. A cada semana um texto será editado. Desse modo, ao final de 16 semanas o livro estará completo e terá sido aberto mais um canal de leitura e discussão dos temas abordados.

A publicação dos artigos no formato eletrônico também se deve ao su-cesso da edição. Além das cotas dos patrocinadores, vendas em lançamentos e livrarias e doações a instituições de ensino, foram colocados mais de 1.000 exemplares. Isso demonstra o interesse pelo assunto “mobilidade urbana” e nos dá a certeza de continuarmos com a coleção. Está prevista ainda para 2015 a edição do nosso 2º volume – com alguns novos autores e novas abordagens.

Boa leitura

Vale lembrar que os interessados ainda podem adquirir o livro nas Li-vrarias Cultura; sob encomenda ou pela internet. www.livrariacultura.com.br

IMPORTANTE

Empresas e entidades que patrocinaram essa 1ª edição:

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Mobilidade não motorizada e o trânsito urbano.

Mobilidade não motorizada e o trânsito urbano

Rosângela BATTISTELLA 1

O parágrafo primeiro do Art. 1.º do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) define: “Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e ani-mais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga”. Portanto, trânsito é mobi-lidade urbana. E esta é constituída dos deslocamentos realizados a partir das necessidades das pessoas e de suas buscas por acesso às facilidades, aos serviços e às oportunidades que as cidades oferecem.

Os deslocamentos humanos podem ser feitos por diferentes modais de transporte. Os mais comuns são os deslocamentos a pé; por bicicleta; por ôni-bus; por motocicleta; por táxi; ou por automóvel. Cada cidadão tem o livre ar-bítrio na escolha do modo como pretende se locomover. No entanto, como as cidades são constituídas por aglomerados de pessoas, cabe aos administradores públicos a organização e a priorização dos espaços destinados à circulação, de forma a tentar proporcionar equilíbrio no uso dos espaços viários.

Em maio de 2007, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) comemorou o número histórico de 50 milhões de uni-dades de veículos automotores fabricados nos últimos 50 anos no Brasil. O tra-balho de milhares de pessoas fez do País o oitavo maior produtor mundial de automóveis, sendo o nono maior mercado interno e o décimo primeiro maior exportador de veículos do mundo. Daquele ano até 2013, esse número só cres-ceu, e o Brasil continua ostentando sua posição no ranking como a maior frota de veículos automotivos por população.

O resultado ruim da produção de veículos em 2012, com queda de 1,5% em relação a 2011, não deve se repetir neste ano de 2013, segundo as previsões da Anfavea. A aposta para este ano é de alta de 4,5%, atingindo cerca de 3,5 milhões de veículos produzidos. A recuperação está ancorada na projeção da nova alta nas vendas internas, que devem subir em relação ao ano anterior de 3,5% a 4,5%, estimando-se mais de 3,9 milhões de unidades comercializadas.

1 Engenheira Civil pela UFPR; Pós-graduada em Engenharia de Trânsito; Diretora de Trânsito da URBS-Curitiba, de 2007 a 2011; Assessora da URBS; Diretora Regional da ANTP-PR; Membro da Câmara Temática de Engenharia do CONTRAN, de 2003 a 2009. E-mail: [email protected]

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Registre-se que durante a vigência do IPI reduzido para a compra de au-tomóveis, situada entre junho e novembro de 2012, a média diária de vendas foi de 15,8 mil unidades, ante uma média que variou de 11,5 mil a 13,2 mil nos meses anteriores à medida.

Na cultura brasileira, o status do cidadão está diretamente relacionado ao fato dele possuir ou não seu veículo próprio. Até mesmo as classes menos favo-recidas procuram adquirir um automóvel, uma vez que as facilidades para tal são muitas. É bem por isso que muitos técnicos formulam a seguinte pergunta: como conciliar as diversas formas de deslocamentos com o número cada vez mais elevado de veículos privados circulando pelas ruas das cidades?

Essa condição pode ser observada na Figura 1, que retrata um dia de chu-va na Avenida Visconde de Guarapuava, em Curitiba, com suas seis faixas das duas pistas tomadas por automóveis e poucos veículos de carga ao fim da ma-nhã.

Os órgãos planejadores e operadores do trânsito e do transporte nas cida-des são responsáveis pelo gerenciamento da mobilidade. Para que suas práticas e tomadas de decisão sejam corretas, devem respaldar-se na legislação existente e, ainda, se necessário, propor melhorias a quem possa editar essas normas, de forma a atualizá-las e/ou adequá-las, sendo o trânsito dinâmico.

A disputa pelo espaço nas vias públicas faz com que os modais de trans-porte motorizados prevaleçam aos não motorizados, criando-se uma inversão de valores. Todavia, o CTB, em seu Artigo 29, Item XII, parágrafo 2.º, estabelece a prioridade da circulação nas vias, a qual deve ocorrer na seguinte ordem: os veículos de maior porte devem respeitar os de menor porte, os motorizados devem respeitar os não motorizados e os pedestres deverão ter prioridade total sobre os demais.

Imagem 1: Filas de automóveis na Av. Visc. de Guarapuava, em Curitiba (junho de 2013)

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O CTB, em seus diversos artigos, assim como os Manuais de Sinalização Viária do Denatran – aliados à Lei n.o 12.587/2012, que trata da Política Na-cional da Mobilidade Urbana –, precisa ser respeitado, e as Prefeituras devem, efetivamente, dispor de políticas públicas que priorizem a mobilidade segura da população.

Citamos a seguir alguns artigos do CTB, Lei n.o 9.503/1997, que tratam diretamente da questão da responsabilidade voltada à mobilidade dos pedestres e ciclistas, que são os modais mais frágeis em circulação nas vias públicas das cidades brasileiras.

Art. 21. Compete aos órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

(…)II – planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos

de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e segurança de ciclistas. [Grifo meu.]

O Art. 24 dispõe o mesmo sobre os órgãos e entidades executivos de trân-sito dos Municípios:

Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;

II - planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas (…).[Grifo meu.]

E o artigo 29 diz:Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circula-

ção obedecerá às seguintes normas:(…)

Imagens 2, 3, 4 e 5: Três exemplos de manuais de sinalização e o CTB, todos publicados pelo Conselho Nacional de Trânsito. FONTE: Contran

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§ 2º Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sem-pre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres. [Grifo meu.]

Também constam do CTB artigos relacionados à fiscalização dos usuá-rios do Sistema, para que haja vida harmônica entre as partes motorizadas e não motorizadas que usam as vias públicas, conforme, ainda, o Art. 29:

(…)XI – todo condutor ao efetuar a ultrapassagem deverá:indicar com antecedência a manobra pretendida, acionando a luz

indicadora de direção do veículo ou por meio de gesto convencional de braço;

afastar-se do usuário ou usuários aos quais ultrapassa, de tal for-ma que deixe livre uma distância lateral de segurança;

retomar, após a efetivação da manobra, a faixa de trânsito de ori-gem, acionando a luz indicadora de direção do veículo ou fazendo gesto convencional de braço, adotando os cuidados necessários para não pôr em perigo ou obstruir o trânsito dos veículos que ultrapassou. [Grifo meu.]

(...)Art. 38. Antes de entrar à direita ou à esquerda, em outra via ou em

lotes lindeiros, o condutor deverá:(...)Parágrafo único. Durante a manobra de mudança de direção, o

condutor deverá ceder passagem aos pedestres e ciclistas, aos veículos que transitem em sentido contrário pela pista da via da qual vai sair, respeita-das as normas de preferência de passagem. [Grifo meu.]

(…)Art. 170. Dirigir ameaçando os pedestres que estejam atravessando

a via pública, ou os demais veículos:Infração – gravíssima;Penalidade – multa e suspensão do direito de dirigir;Medida administrativa – retenção do veículo e recolhimento do

documento de habilitação. [Grifo meu.](…)Art. 192. Deixar de guardar distância de segurança lateral e fron-

tal entre o seu veículo e os demais, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade, as condições climáticas do local da circulação e do veículo:

Infração – grave;Penalidade – multa. [Grifo meu.](…)Art. 214. Deixar de dar preferência de passagem a pedestre e a veí-

culo não motorizado:

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Mobilidade não motorizada e o trânsito urbano.

I – que se encontre na faixa a ele destinada;II – que não haja concluído a travessia mesmo que ocorra sinal

verde para o veículo;(…)Infração – gravíssima;Penalidade – multa.IV – quando houver iniciado a traves-

sia mesmo que não haja sinalização a ele destinada; V – que esteja atravessando a via transversal para onde se dirige o veículo:

Infração – grave;Penalidade – multa. [Grifo meu.](…)Art. 201. Deixar de guardar a distância lateral de um metro e cin-

qüenta centímetros ao passar ou ultrapassar bicicleta:Infração – média;Penalidade – multa. [Grifo meu.](…)Art. 220. Deixar de reduzir a velocidade do veículo de forma com-

patível com a segurança do trânsito:(…)XIII – ao ultrapassar ciclista:Infração – grave;Penalidade – multa. [Grifo meu.]

Todos os artigos antes mencionados fornecem subsídios legais necessá-rios à colocação em prática de políticas públicas com priorização aos modais de transporte coletivos e aos não motorizados. Assim, basta ter vontade política e garantia de que a aplicação dos recursos oriundos das multas de trânsito seja, de fato, destinada à sinalização, à segurança, à educação e à fiscalização do trânsito das cidades.

A prática mostra que trânsito é uma equação com muitas variáveis. Com-pete aos técnicos que atuam no setor gerenciar as variáveis para que o resultado da operação seja equilibrado, considerando que as medidas a adotar nunca se-rão “exatas”.

As cidades precisam priorizar o transporte coletivo, proporcionando qualidade ao serviço, com tarifas honestas, cobertura de atendimento dos ser-viços em todas as direções e territórios urbanos e com frequência adequada, principalmente nos horários de pico, de forma a atrair usuários para o sistema. Pode-se medir a “evolução” de uma cidade pela quantidade e qualidade dos modais de transporte que ela oferece à sua população.

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Incentivar o uso do modal bicicleta não somente pode melhorar signi-ficativamente a qualidade de vida da população, como representa uma opção de transporte para pequenos e médios percursos de deslocamentos entre casa/escola/trabalho.

Brasileiros em viagem à Europa costumam ficar encantados com tantas opções de transporte e com o convívio harmônico entre diferentes modais nas cidades. É comum verificar metrôs, trens urbanos, trens metropolitanos, ôni-bus elétricos, bondes, ônibus convencionais, motocicletas, bicicletas e pedestres circulando todos ao mesmo tempo, fazendo uso do mesmo espaço viário ou território. Entretanto, o respeito coletivo entre os diversos modos é o ponto que mais salta aos olhos dos observadores.

Os viajantes sempre se perguntam: isso ocorre apenas devido a uma questão cultural? De fato, a Europa está muito adiantada em relação a tal convi-vência, comparando-se suas cidades às cidades brasileiras. No entanto, é preciso que se pense em diversificar no Brasil, de modo que no País tenhamos cidades melhor planejadas, mesmo que para isso haja necessidade de mudança de para-digmas, mudando conceitos, vencendo preconceitos.

Uma das formas para se começar o respeito aos modais não motoriza-dos seria, por exemplo, criar a cultura do compartilhamento entre veículos e bicicletas em vias locais. No caso de pretender ter somente vias exclusivas para a utilização do modal bicicleta, certamente o poder público acabará refém da divisão dos recursos destinados à melhoria do trânsito das cidades, os quais são escassos para atender a todas as vertentes das demandas de todos os modais.

Compartilhar vias que têm velocidades operacionais reduzidas, seja por sua classificação viária, seja pelo tipo de uso e zoneamento do solo lindeiro, pode ser uma das soluções para proporcionar uma melhora na mobilidade das cidades.

Imagem 6: Convívio compartilhado entre bicicletas e ônibus em Paris, 2010.

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Mobilidade não motorizada e o trânsito urbano.

Considerando-se um mesmo espaço viário, é possível deslocar muito mais pessoas por minuto em bicicletas do que em automóveis. Isso ocorre por-que elas não sofrem as consequências dos congestionamentos, por fluírem me-lhor, porque um mesmo espaço comporta mais de uma bicicleta, e pelo fato de os carros transportarem geralmente uma única pessoa.

Reduzir as velocidades regulamentadas nas vias a serem compartilhadas é fundamental, e isso é possível fazendo-se sinalização ostensiva a cada quadra da via, aliando-se a regulamentação com a educação e, ainda, utilizando-se a fiscalização eletrônica. Com tais medidas, certamente será possível, de fato, ge-rar redução significativa das velocidades no trânsito das cidades.

O que preocupa, tanto aos administradores quanto à população, são os possíveis acidentes que poderiam acontecer ao longo das vias onde for implan-tado o compartilhamento. Contudo, se as velocidades forem compatíveis, a cul-tura do respeito estará instalada.

Os órgãos de trânsito têm obrigação de garantir a segurança dos ciclistas e pedestres. Pedestres têm prioridade sobre os ciclistas e ciclistas têm prioridade sobre os demais veículos. Com a Lei da Mobilidade Urbana, sancionada e pu-blicada pela Presidência da República em abril de 2012, as cidades que possuem população acima de 20 mil habitantes precisam fazer um Plano Diretor de Mo-bilidade ou adequar os Planos Diretores à nova lei. Importante frisar que esse plano deverá visar à prevenção de acidentes de trânsito, além de criar medidas para atender ao crescimento e à demanda da população.

Assim, está colocada a oportunidade de as cidades se organizarem, de tomarem consciência da necessidade de adotar medidas que possam elencar prioridades entre os modais, estabelecendo critérios para implantação de siste-mas que supram as demandas de acessibilidade na circulação viária e nos equi-pamentos públicos.

Aos gestores públicos, cabe o diálogo com as classes e as entidades que gerenciam o sistema de trânsito e de transportes públicos, assim como junto aos usuários dos diferentes sistemas, para saber os seus anseios, de forma que as propostas possam estar calcadas em parâmetros sustentáveis e sejam efetiva-mente aplicáveis nas diferentes áreas urbanas do Brasil.

Referências bibliográficas

BRASIL. Ministério das Cidades. Conselho Nacional de Trânsito. De-partamento Nacional de Trânsito. Código de Trânsito Brasileiro e Legisla-ção Complementar em Vigor. Brasília: Denatran, 2008. Disponível em: http://www.denatran.gov.br/publicacoes/download/ctb.pdf. Acesso em: 14/09/2013.

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BRASIL. Presidência da República, Casa Civil, Governo Federal do Bra-sil, Lei n.o 12.587, 03/01/2012, Diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12587.htm

CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito, Manuais de Sinalização http://www.capacidades.gov.br/biblioteca/detalhar/id/120/titulo/Manual+Brasileiro+de+Sinalizacao+de+Transito%2C+volume+4+-++Sinalizacao+Horizontal/pagina/2; http://www.capacidades.gov.br/biblioteca/detalhar/id/118/titulo/Manual+Brasileiro+de+Sinalizacao+de+Transito%2C+volume+1+-++Sinalizacao+Vertical+de+Regulamentacao.