capítulo 1 - neurofisiologia

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Capítulo 1 N eurofisiologia :r PROPRIEDADES DESEJÁVEIS PARA OS ANESTÉSICOS LOCAIS A anestesio local é definida como uma perda de sensibili- dade, causada por uma depressão da excitação nas termina- ções nervosas ou uma inibição do processo de condução nos nervos periféricos numa área circunscrita do corpo.! Uma característica importante da anestesia local é a pro- dução da perda de sensibilidade sem indução da perda de consciência. Nesta área principal, a anestesia local difere dramaticamente da anestesia geral. Há muitos métodos de induzir anestesia local: 1. Trauma mecânico. 2. Baixa temperatura. 3. Anoxia. 4. Irritantes químicos. 5. Agentes neurolíticos, como o álcool e o fenol. 6. Agentes químicos, como os anestésicos locais. No entanto, somente aqueles métodos ou substâncias que induzem um estado transitório e completamentereversí- vel de anestesia têm aplicação na prática clínica. As seguin- tes são propriedades julgadas mais desejáveis para um anestésico local: 1. Não deve ser irritante para o tecido ao qual é aplicado. 2. Não deve causar qualquer alteração permanente da es- trutura nervosa. 3. Sua toxicidade sistêmica deve ser baixa. 4. Deve ser eficaz, independentemente de ser infiltrado no tecido ou aplicado localmente às mucosas. 5. O tempo de início da anestesia deve ser o mais breve possível. 6. A duração de ação deve ser longa o suficiente para per- mitir que se complete o procedimento, embora não tão longa que exija uma recuperação prolongada. A maioria dos anestésicos locais discutidos nesta seção satisfaz aos dois primeiros critérios: São (relativa- mente) não-in"itantes para os tecidos e completamente reversíveis. De fundamental importância éa toxicidade sistêmica, porque todos os anestésicos locais injetáveis e a maioria dos tópicos finalmente são absorvidos de seu ponto de administração para o sistema cardiovascular. A toxicidade em potencial de uma droga é fator impor- tante em sua consideração para uso como anestésico local. A toxicidade varia grandemente entre os anestési- cos locais atualmente em uso. A toxicidade é discutida mais minuciosamente no Capo 2. Embora seja caracte- rística desejável, nem todos os anestésicos em uso clí- nico hoje satisfazem ao critério de serem eficazes, independentemente de a droga ser injetada ou aplicada local- mente. Vários dos anestésicos locais mais potentes (p. ex., a procaína ou a mepivacaína) demonstram ser rela- tivamente ineficazes quando aplicados de maneira tópica à mucosa. Para serem eficazes como anestésicos tópicos, essas drogas precisam ser aplicadas em concen- trações que comprovadamente sejam irritantes local- mente para os tecidos e aumentem o risco de toxicidade sistêmica. A diclonina, um potente anestésico tópico, não é administrada por injeção devido às suas proprie- dades irritantes dos tecidos. Lidocaína e tetracaína, por outro lado, são anestésicos eficazes q,uando administra- dos por injeção ou aplicação tópica em concentrações clinicamente aceitáveis. Os últimos fatores, início de ação rápido e duração adequada da ação clínica, são satisfeitos pela maioria dos anestésicos locais clinicamente eficazes em uso atualmente. A duração clínica da ação realmente varia consideravelmente entre as drogas e também entre as diferentes preparações da mesma droga. A duração da anestesia necessária para completar o procedimento é uma consideração importante na seleção de um anesté- sico local. Além dessas qualidades, Bennerrl relaciona outras pro- priedades desejáveis na seleção de um anestésico local: 7. Deve ter potência suficiente para induzir anestesia completa sem o uso de soluções em concentrações prejudiciais. 8. Deve ser relativamente isento de produzir reações alérgicas. 9. Deve ser estável em solução e prontamente passar por biotransformação no corpo.

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Page 1: Capítulo 1 - Neurofisiologia

Capítulo 1 Neurofisiologia

:rPROPRIEDADES DESEJÁVEIS PARA OSANESTÉSICOS LOCAIS

A anestesio local é definida como uma perda de sensibili-dade, causada por uma depressão da excitação nas termina-ções nervosas ou uma inibição do processo de conduçãonos nervos periféricos numa área circunscrita do corpo.!Uma característica importante da anestesia local é a pro-dução da perda de sensibilidade sem indução da perda deconsciência. Nesta área principal, a anestesia local diferedramaticamente da anestesia geral.

Há muitos métodos de induzir anestesia local:1. Trauma mecânico.

2. Baixa temperatura.3. Anoxia.

4. Irritantes químicos.5. Agentes neurolíticos, como o álcool e o fenol.6. Agentes químicos, como os anestésicos locais.

No entanto, somente aqueles métodos ou substânciasque induzem um estado transitório e completamentereversí-vel de anestesia têm aplicação na prática clínica. As seguin-tes são propriedades julgadas mais desejáveis para umanestésico local:

1. Não deve ser irritante para o tecido ao qual é aplicado.2. Não devecausar qualquer alteraçãopermanente da es-

trutura nervosa.3. Sua toxicidade sistêmica deve ser baixa.

4. Deve ser eficaz, independentemente de ser infiltradono tecido ou aplicado localmente às mucosas.

5. O tempo de início da anestesia deve ser o mais brevepossível.

6. A duração de ação deve ser longa o suficiente para per-mitir que se complete o procedimento, embora não tãolonga que exija uma recuperação prolongada.A maioria dos anestésicos locais discutidos nesta

seção satisfaz aos dois primeiros critérios: São (relativa-mente) não-in"itantes para os tecidos e completamentereversíveis. De fundamental importância é a toxicidadesistêmica, porque todos os anestésicos locais injetáveis ea maioria dos tópicos finalmente são absorvidos de seu

ponto de administração para o sistema cardiovascular. Atoxicidade em potencial de uma droga é fator impor-tante em sua consideração para uso como anestésicolocal. A toxicidade varia grandemente entre os anestési-cos locais atualmente em uso. A toxicidade é discutida

mais minuciosamente no Capo 2. Embora seja caracte-rística desejável, nem todos os anestésicos em uso clí-nico hoje satisfazem ao critério de serem eficazes,independentemente de a droga ser injetada ou aplicada local-mente. Vários dos anestésicos locais mais potentes (p.ex., a procaína ou a mepivacaína) demonstram ser rela-tivamente ineficazes quando aplicados de maneiratópica à mucosa. Para serem eficazes como anestésicostópicos, essas drogas precisam ser aplicadas em concen-trações que comprovadamente sejam irritantes local-mente para os tecidos e aumentem o risco de toxicidadesistêmica. A diclonina, um potente anestésico tópico,não é administrada por injeção devido às suas proprie-dades irritantes dos tecidos. Lidocaína e tetracaína, poroutro lado, são anestésicos eficazes q,uando administra-dos por injeção ou aplicação tópica em concentraçõesclinicamente aceitáveis. Os últimos fatores, início de açãorápido e duração adequada da ação clínica, são satisfeitospela maioria dos anestésicos locais clinicamente eficazesem uso atualmente. A duração clínica da ação realmentevaria consideravelmente entre as drogas e também entreas diferentes preparações da mesma droga. A duração daanestesia necessária para completar o procedimento éuma consideração importante na seleção de um anesté-sico local.

Além dessas qualidades, Bennerrl relaciona outras pro-priedades desejáveis na seleção de um anestésico local:

7. Deve ter potência suficiente para induzir anestesiacompleta sem o uso de soluções em concentraçõesprejudiciais.

8. Deve ser relativamente isento de produzir reaçõesalérgicas.

9. Deve ser estável em solução e prontamente passar porbiotransformação no corpo.

Page 2: Capítulo 1 - Neurofisiologia

4 Medicamentos P A R TEU M

10. Deve ser estéril ou capaz de ser esterilizado pelo calorsem deterioração.

Nenhum anestésico local em uso atualmente satisfaztodos esses critérios; entretanto, todos os anestésicos real-mente satisfazem a maioria deles. Continuam as pesquisas,num esforço de produzir drogas mais modernas que pos-suam um máximo de fatores desejáveis e um mínimo defatores negativos.

-:I!FUNDAMENT_OS DE GERAÇÃO ETRANSMISSAO DE IMPULSOS

A descoberta, no final do século XIX, de um grupo desubstâncias quúnicas com a capacidade de impedir a dorsem induzir perda. de consciência foi um dos principaispassos no avanço das profissões médica e dentária. Os pro-cedimentos médicos e odontológicos, pela primeira vez,podiam ser executados facilmente na ausência de dor, fatorvirtualmente admitido pelos profissionais médicos e odon-tológicos contemporâneos e seus pacientes.

O conceito por trás das ações dos anestésicos locais ésimples: eles impedem a geração e a condução de um impulsonervoso. Com efeito, os anestésicos locais estabelecem umbloqueio de caminho quúnico entre a fonte do impulso (p.ex., a incisão do bisturi em partes moles) e o cérebro. Por-tanto, o impulso abortado, impedido de chegar ao cérebro,não é interpretado como dor pelo paciente.

Isso é semelhante ao efeito de acender o pavio numavareta de dinamite. A pavio é o "nervo", enquanto a dina-mite é o "cérebro". Se o pavio for aceso e a chama chegarà dinamite, ocorrerá uma explosão (Fig. 1-1). Quando onervo é estimulado, um impulso é propagado e interpre-

UI!

4IDó

Figura 1-1. O pavio é aceso e a chama chega à dinamite;ocorre uma explosão, e o paciente apresenta dor.

tado como dor quando chega ao cérebro. Se o pavio foraceso, mas for colocada "água" no meio do caminho, entrea ponta do pavio e a dinamite, o primeiro se queimará atéo ponto de aplicação da água e a chama se extinguirá. Adinamite não explodirá. Quando um anestésico local écolocado em algum ponto entre o estímulo doloroso e océrebro, o impulso nervoso vai até o ponto de aplicação doanestésico local e então "morre", jamais chegando ao cére-bro, não ocorrendo a dor (Fig. 1-2).

Como, de fato, os anestésicos locais, as drogas maiscomumente usadas em odontologia, funcionam para abolirou impedir a dor? A seguir, há uma discussão das atuaisteorias que buscam explicar o modo de ação dos anestési-cos locais. Para entender melhor sua ação, contudo, oleitor precisa ter familiaridade com os fundamentos dacondução nervosa. A seguir, há uma revisão das caracterís-ticas e propriedades relevantes da anatomia e fisiologianervosas.

Neurônio

O neurônio, ou célula nervosa, é a unidade estrutural dosistema nervoso. É capaz de transmitir mensagens entre osistema nervoso central (SNC) e todas as partes do corpo.Há dois tipos básicos de neurônio: o sensitivo (aferente) e

~c

..I..,

Figura 1-2. O anestésico local é colocado em algum pontoentre o estímulo doloroso e o cérebro (dinamite). O impulsonervoso vai até o ponto de aplicaçãodo anestésico local e então"morre", jamais alcançando o cérebro, e a dor não ocorre.

Page 3: Capítulo 1 - Neurofisiologia

o motor (eferente). A estrutura básica destes dois tiposneuronais difere significativamente (Fig. 1-3).

Os neurônios sensitivos capazes de transmitir a sensa-ção de dor consistem em três partes principais.3 O pro-cesso periférico (também conhecido como a ZOT1Ildendrítica),composto por uma arborização de terminações nervosaslivres, é o segmento mais distal do neurônio sensitivo.Estas terminações nervosas livres respondem à estimula-ção produzida nos tecidos em que se situam, provocandoum impulso que é transmitido centralmente ao longo donxônio. Este é uma estrutura fina semelhante a um cabo e

que pode ser muito longa (o axônio da lula gigante mede100 a 200 em). Em sua extremidade mesial (ou central), háuma arborização semelhante à observada no processo peri-férico. No entanto, nestes casos, as arborizações formamsinapses com vários núcleos no SNC para distribuir impul-sos que chegam (sensitivos) a seus locais apropriados noSNC para interpretação. O carpoceluJoré a terceira partedo neurônio. No neurônio sensitivo descrito aqui, o corpocelular está localizado a uma distância do axônio ou via

principal para transmissão de impulsos neste nervo. Ocorpo celular do nervo sensitivo, portanto, não está envol-vido no processo de transmissão de impulsos, sendo suafunção primária proporcionar o suporte metabólico vitalpara o neurônio inteiro (Fig. 1-3, H).

Vesículas contendoneurotransmissores

Corpo celular

Núcleo

SNC

Sinapse comoutro neurônio

SNC

Axônioou processocentral

CAPÍTULO 1 N eurofisiologia 5

As células nervosas que conduzem impulsos do SNCpara a periferia são denominadas neurônios motures e sãoestruturalmente diferentes dos neurônios sensitivos descri-

tos anteriormente, pois seu corpo celular fica interpostoentre o axônio e os dendritos. Nos neurônios motores, ocorpo celular não somente é componente integrante dosistema de transmissão de impulsos, mas também propor-ciona suporte metabólico para a célula. Perto de sua termi-nação, o axônio se ramifica com cada ramq, finalizandocomo terminação bulbosa do axônio (ou botão). As termi-nais do axônio fazem sinapse com células musculares (Fig.1-3,A).

Axônio

A fibra nervosa única, o axônio, é um longo cilindro decitoplasma neural (axoplasma), envolto numa bainha fina,a membrana nervosa ou axolema. Os neurônios têm um

corpo celular e um núcleo, como todas as outras células;entretanto, diferem de outras células por terem um pro-cesso axonal, do qual o corpo celular pode estar a umaconsiderável distância. O axoplasma, uma substância gela-tinosa, é separado dos líquidos extracelulares por umamembrana nervosa contínua. Em alguns nervos, a própria

Placa matara terminal

Célula de músculoesquelético

Corpo celular

Núcleo

PERIFERIA

Figura1-3. A,.Neurônio motor multipolar. B, Neurônio sensitivo unipolar. (Extraída de: Liebgott B:Anntomicolbosisof dentistry,ed 2, St. Loui, 2001. Mosby.)

Page 4: Capítulo 1 - Neurofisiologia

6 Medicamentos P A RTEU M

membrana isolante é coberta por uma camada de mielinarica em lipídeos.

Pensa-se atualmente que a excitabilidade e a conduçãonos nervos sensitivos são atribuíveis a alterações que sedesenvolvem no interior da membrana nervosa. O corpocelular e o axoplasma não são essenciais para a conduçãonervosa. São, contudo, importantes. O suporte metabólicoda membrana provavelmente é derivado do axoplasma.

A própria membrana nervosa (célula) tem aproximada-mente 70 a 80 (Á) de espessura. (Uma unidade de ângs-trom tem 1/10.000 de um micrômetro.) A Figura 1-4representa uma configuração atualmente aceitável. Todasas membranas biológicas são organizadasl para bloquea-rem a difusão de moléculas solúveis em água;2 para seremseletivamente permeáveis a certas moléculas através deporos ou canais especializados;3 e para transduzirem infor-mações por receptores protéicos responsivos à estimulaçãoquímica ou nsica por neurotransmissores ou hormônios(química) ou luminosa, vibratória ou por pressão (nsica).4A membrana é descrita como estrutura flexível não-disten-

sível, consistindo em duas camadas de moléculas de lipí-deos (camada bilipídicas de fosfolipídeos) e proteínas,lupídeos e carboidratos associados. Os lipídeos são orien-

Camadas biomoleculares

de lipídeos

A

Grupo polar

---Gruponão-polar

B

Figura1-4. A, Configuração de uma membrana biológica. B,Membrana lipoprotéica heterogênea, conforme sugerido porSinger e Nicholson.5 (Redesenhada de: Corvino BG, VassaloHG: Localanesthetics:mechanismof actionand clinicaluse,NewYork, 1976, Grune and Stratton.)

tados com suas extremidades hidrófilas (polares) voltadaspara a superncie externa e as extremidades hidrofóbicas(não-polares) projetando-se para o meio da membrana(Fig. 1-4, A). As proteínas são visualizadas como elemen-tos primários de organização das membranas (Fig. 1-4, B).5As proteínas são classificadas como proteínas de transporte(canais, transportadores ou bombas) e sítios receptores.Pensa-se que as proteínas de canais sejam poros contínuosatravés da membrana, permitindo que alguns íons (Na+,K+, Ca++)tenham fluxo passivo, enquanto outros canaistêm "portôes", permitindo o fluxo iônico apenas quando oportão estiver "aberto".4 A membrana nervosa situa-se nainterface entre o líquido extracelular e o axoplasma. Separaconcentrações iônicas altamente diversas no interior doaxônio daquelas do exterior. A membrana nervosaem repousotem uma resistência elétrica cerca de 50 vezes acima

daquela dos líquidos intracelular e extracelular, assim im-pedindo a passagem de íons sódio, potássio e cloreto nosentido decrescente de seus gradientes de concentração.No entanto, quando um impulso nervoso passa, a condu-tividade elétrica da membrana nervosa aumenta aproxima-damente 100 vezes. Este aumento de condutividade permitea passagem de íons sódio e potássio ao longo de seus gra;dientes de concentração através da membrana nervosa. Eo movimento desses íons que proporciona fonte de ener-gia imediata para a condução de impulsos nervosos aolongo do nervo.

Algumas fibras são cobertas por uma camada lipídicaisolante de mielina. Nos vertebrados, as fibras nervosasmielinizadas incluem todos os axônios, exceto os menores(Tabela 1-1).6 As fibras nervosas mielinizadas (Fig. 1-5)ficam encerradas em camadas de bainhas da lipoproteínamielina enroladas em forma de espiral, as quais realmenteconstituem uma forma especializada de célula de Schwann.Embora primariamente lipídica (75%), a bainha de mielinatambém contém algumas proteínas (20%) e carboidratos(5%).7 Cada fibra nervosa mielinizada está encerrada em suaprópria bainha de mielina. A camada mais externa de mie-lina consiste no citoplasma da célula de Schwann e em seunúcleo. Há constrições localizadas a intervalos regulares(aproximadamente a cada 0,5 a 3 mm) ao longo da fibranervosa mielinizada. Estes são os nados de Rnnvier e

formam um intervalo entre duas células de Schwann adja-centes e suas espirais de mielina.8 Nestes nodos, a mem-brana nervosa é exposta diretamente ao meio extracelular.

As fibras nervosas não-mielinizadas (Fig. 1-6) tambémsão cercadas por uma bainha das células de Schwann.Grupos de fibras nervosas não-mielinizadas compartilhama mesma bainha. As propriedades isolantes da bainha demielina possibilitam a um nervo mielinizado conduzirimpulsos numa taxa muito mais rápida do que um nervonão-mielinizado de igual tamanho.

Fisiologia dos Nervos Periféricos

A função de um nervo é carregar mensagens de umaparte do corpo para outra. Estas mensagens, sob a formade potenciais de ação elétricos, são chamadas impulsos. Ospotenciais de ação são despolarizações transitórias damembrana que decorrem de um breve aumento da per-meabilidade da membrana para o sódio e geralmentetambém de um aumento tardio na permeabilidade para

Page 5: Capítulo 1 - Neurofisiologia

CAPÍTULO 1 Neurofisiologia 7

TABELA 1-1

Classificação dos Nervos Periféricos de Acordo com o Tamanho das Fibras e as Propriedades Fisiológicas

Nodo de Ranvier ~r,

o potássio.9Os impulsos sãoiniciados por estímulos quí-micos, térmicos, mecânicosou elétricos.

Uma vez iniciado um estímulo em qualquer fibra ner-vosa em particular,a amplitude e a forma desseimpulsocontinuam constantes, independentemente das alteraçõesna qualidade do estímulo ou de sua força. O impulso con-tinua constante sem perder a força ao passar ao longo donervo porque a energia usada para sua propagação é deri-vadade energialiberadapela fibranervosaao longo deseucomprimento, e não unicamente pelo estímulo inicial. Oautor de Jong descreveu a condução do impulso comosendo semelhante ao progresso ativo de uma faísca aolongo de um pavio de pólvora.1OUma vez aceso, o pavioqueimacontinuamenteao longo deseucomprimento, comum segmento em fogo fornecendo a energia necessáriapara acender o vizinho. Tal é a situação com a propagaçãode impulsos ao longo de um nervo.

Célula de Schwann

Mielina

Eletrofisiologia da Condução Nervosa

É a seguinte a descrição de eventos elétricos que ocorremnum nervo durante a condução de um impulso. As seçõessubseqüentes descrevem os mecanismos precisos para cadauma dessas etapas:

Um nervo possui um potencial de repouso (Fig. 1-7,Etapa 1). Este é um potencial elétrico negativo de -70 mVque existeatravésda membrana nervosa,sendo produzidopor diferentes concentrações de íons a cada lado da mem-brana (Tabela 1-2). O interior do nervo é negativo em rela-ção ao exterior.

Etapa 1. Um estímuloexcitao nervo, levando à seqüênciade eventos abaixo:

A Uma fase inicial de despolarizaçãólenta. O potencialelétricono interior do nervo torna-se discretamentemenos negativo (Fig. 1-7, Etapa IA).

-/'

Figura 1-5. Estrutura deuma fibra nervosa mielini-

zada. (Redesenbada de: JongRM, Local anesthetics, St.

Louis, 1994, Mosby.)

Classede VelocidadedeFibra Subclasse Mielina Diâmetro, IJ condução (m/s) Localização Função

A alfa + 6-22 30 - 120 Merente para os e Motora,eferente dos -

propnocepçaomúsculos e

articulações. Motora,'beta + 6-22 30 - 120 Merente para os e

-propnocepçao

eferente dosmúsculose Tono musculararticulações.

gama + 3-6 15 - 35 Eferente para os Dor, temperatura,tatofusos musculares

delta + 1-4 5 -25 Nervos sensitivos Várias funçõesB aferentes autônomas

+ < 3 3 -15 Simpático Várias funçõesC pré-ganglionar autônomas

sC - 0,3 - 1,3 0,7 - 1,3 Simpático Várias funçõespós-ganglionar autônomas; dor,

d gamaC - 0,4 - 1,2 0,1 - 2,0 Nervos sensitivos temperatura, tatoaferentes

(Extr:úda de: Berde CB, Strichartz GR: Locolonesthetics.In Milter RD, editor: Anesthesia, ed. 5, Phi!adelphia, 2000, Churchill Livingsrone, pp. 491-521.)

Page 6: Capítulo 1 - Neurofisiologia

8 Medicamentos PA R TEU M

NÃO-MIELlNIZADA

Axônios

-~~- ---

Axônio

~Células de Schwann

figura1-6. Tipos de bainhas das células de Schwann. (Rede-

senhada de: WlldsmithJaw: Peripheral nerve and anaestheticdrugs, Br F Anaesthes58: 692-700,1986.)

B. Quando o potencial elétrico em queda chega a umnível crítico, resulta uma fase extremamente rápida

. de despolarização. Isto é denominado potencialdelimiarou limiar de descarga(Fig. 1-7, Etapa iB).

C. Esta fase de despolarizaçãorápida resulta numa inver-são do potencial elétrico através da membrana ner-vosa (Fig. 1-7, Etapa iC). O interior do nervo agoraé eletricamente positivo em relação ao exterior.Existe um potencial elétrico de + 4{) mV no interiorda célula nervosa.H

Etapa 2. Depois destas etapas de despolarização, ocorre arepolarização(Fig. 1-7, Etapa 2). O potencial elétrico gra-dualmente se toma mais negativo dentro da célula nervosaem relação ao exterior até que o potencial de repouso ori-ginal de -70 mV seja atingido novamente.

O processo inteiro (Etapas 1 e 2) exige 1 milissegundo(ms); a despolarização (Etapa 1) leva 0,3 ms; a repolariza-ção (Etapa 2) leva 0,7 ms.

Eletroquímica da Condução Nervosa

A seqüência de eventos precedente depende de dois fato-res importantes: a concentração de eletrólitos no axo-plasma (interior da célula nervosa) e dos líquidosextracelularesl e da permeabilidade da membrana nervosaaos íons sódio e potássio.2

A Tabela 1-2 mostra as diferentes concentrações deíons encontradas no interior dos neurônios e nos líquidosextracelulares. Existem diferenças significativas dos íons

entre suas concentrações intra e extracelular. Estes gra-dientes iônicos diferem porque a membrana nervosa exibepfffmeabilidodeseletiva.

Estado de Repouso. Em seu estado de repouso, a mem-brana nervosa fica:. Discretamente permeável aos íons sódio (Na+). Livremente permeável aos íons potássio (K+). Livremente permeável dos íons doreto (CI-)

O potássiocontinua dentrodo axoplasma,apesar de suacapacidade desedifundir livremente através da membrananervosa e de seu gradiente de concentração (geralmenteocorre difusãopassivade uma região com a concentraçãomaior para uma com concentraçãomenor) porque a carganegativa da membrana nervosa restringe os íons comcargas positivas por atração eletrostática.

O c/oretocontinua fora da membrana nervosa, em lugardemovimentar-se ao longo de seu gradiente de concentra-ção para a célulanervosa porque a influência eletrostáticaoposta e quase igual (gradiente eletrostático dedentro parafora) forçaamigraçãopara fora.A resultante é ausênciadedifusãodo doreto através da membrana.

O sódiomigra para dentro porque a concentração (maiorfora) e o gradiente eletrostático (íon positivo atraído porpotencial intracelular negativo) favorecem tal migração.Somente o fato de a membrana nervosa em repouso serrelativamente impermeável ao sódio impede um influxomaciço deste íon.

Excitação da MemúranaDespolarização. A excitação de um segmento de

nervo leva a um aumento da permeabilidade da mem-brana celular aos íons sódio. Isto é efetuado por um alar-gamento transitório dos canais iônicos transmembrana, osuficiente para permitir a passagem sem obstáculos deíons sódio hidratados (ver anteriormente). O rápido in-fluxo de íons sódio ao interior da célula nervosa causa

despolarização da membrana nervosa de seu nível derepouso até seu limiar de descarga de aproximadamente-50 a -60 mV (Fig. 1-7, Etapas iA eB).12O limiar de des-carga é realmente a mag;nitude da diminuição tÚJpotencialtransmembrana negativo necessáriopara iniciar um potencialde ação (impulso).

E necessária uma diminuição do potencial transmem-brananegativo de 15mV(p. ex.,de-70 para-55 mV) parachegar ao potencial de descarga; uma diferença de volta-gem inferior a 15 mV não iniciará um impulso. Numnervo normal, o limiar de descargascontinua constante.Aexposição do nervo a um anestésico local eleva seu limiardedescarga.Elevar o limiar de descargasignificaque maissódio precisará atravessar a membrana para diminuir opotencial transmembrana negativo até um nível em queocorra despolarização.

Quando é alcançado o limiar de descarga, a permeabi-lidade da membrana ao sódio aumenta dramaticamente, eos íons sódio entram no axoplasma. Ao final da despolari-zação (o pico do potencial de ação),o potencial elétrico donervo realmente seinverte;existeum potencial elétrico de+ 4{)mV (Fig. 1-7, Etapa i C). O processo inteiro de des-polarização requer aproximadamente 0,3 ms.

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Na+ ++++

Normal de -70 mV

(potencial de repouso)Repouso

CAPÍTULO 1 N eurofisiologia 9

líquido extracelularMembrana do nervo

WAxoplasma

v///////////////////////////////////////////A

~Lt~;;//~/~LLLLL//~~:///AK K+

v///////////////////////////////////////////A

C Na..----v/////// //:::~/ ///////////////////A

v///////////////////////////////////////////A

EtapalAeB

Etapa 1 C

Etapa 2

Descarregando em -50 a -60 mV(despolarização lenta até potenciallimiar)

Potencial de +40 (despolarizaçãorápida)

++++

Repolarização-60 a -90 mV

v///////////////////////////////////////////A

Figura 1-7. Superiur, Potencial de repouso. Etapa 1, A e B, Despolarização lenta até limiar. Etapa 1, C, Despolarização rápida. Etapa

2, Repolarização.

Repolarização. O potencial de ação é encerrado quandoa membrana se repolariza. Isto é causado pela extinção("inativação") do aumento de permeabilidade ao sódio. Emmuitas células, a permeabilidade ao sódio também aumenta,resultando no efluxo de K+ e levando a uma repolarizaçãotransmembrana mais rápida e retomo ao seu potencial derepouso (Fig. 1-7, Etapa 2).

O movimento dos íons sódio para o interior da céluladurante a despolarização e o subseqüente movimento dosíons potássio para fora da célula durante a repolarizaçãosão passivos (não exigem gasto de energia) porque cada íon

TABELA1-2Concentrações lônicas Intra e Extracelulares

íonIntracelular

(mEqjl)

Extracelular Proporção(mEqjI) (aproximada)

Potássio (K+) 110 a 170Sódio (Na+) 5 a 10Cloreto (CI -) 5 a 10

3a514()110

27:11:141:11

se movimenta ao longo de seu gradiente de concentração(mais alto ~ mais baixo). Depois do r~tomo do potencialde membrana ao seu nível original (-70 mV), existe umpequeno excesso de sódio dentro da célula nervosa, comdiscreto excesso de potássio extracelularmente. Começaentão um período de atividade metabólica e, nele, ocorretransferência ativa de íol}Ssódio para fora da célula atravésda "bomba de sódio". E necessário um gasto de energiapara movimentar os íons sódio para fura da célula nervosacontra seu gradiente de concentração; esta energia vem dometabolismo oxidativo do trifosfato de adenosina (ATP).Pensa-se que o mesmo mecanismo de bomba seja respon-sável pelo transporte ativo de íons potássio para dentro dacélula contra seu gradiente de concentração. O processode repolarização inteiro exige 0,7 ms.

Imediatamente depois de um estímulo ter iniciado um. potencial de ação, o nervo é incapaz, por algum tempo, deresponder a mais um estímulo, independentemente de suaforça. Isto é denominado período refratário absolutoe temmais ou menos a mesma duração da parte principal dopotencial de ação. O período refratário absoluto é seguidopor um períodorefratário relativo, durante o qual um novo

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10 Medicamentos PA R TEU M

Lado Fechadoextracelular Despolarizado---- .++;

I

++--- --\

-,1

i------

~ -- ++-- --Ladocitoplasmático

Aberto Inativo-------

r----- -~ J----- ++ ++. --~ ++

figura 1-8. Estágios de transição dos cauais de sódio. A despolarização inverte o potencial de membrana de repouso de negativointerior (esquerda)para positivo interior (centro).As proteínas do canal sofrem alterações de conformação correspondentes desde oestado de repouso (fechado) até o estágio de condução de íons (aberto). As alterações de estado continuam de aberto (centro)a ina-tivo (direiUl),onde a configuração do canal assume um estado diferente, mas ainda impermeável. Com a repolarização, o canalrefratário inativado reverte à configuração de repouso inicial (esquerda),pronto para a próxima seqüência. (Redesenhada de: Siel-gelbaum SA, Koester F: 1onchannels.In Kandel ER, editor: Principiesofneura/ science,ed 3, Norwalk, Conn, 1991, Appleton-Lange.)

impulso pode ser iniciado, mas somente por um estímulomais forte do que o normal. O período refratário relativocontinua a diminuir até que retome o nível normal deexcitabilidade, ponto em que se diz que o nervo está repo-larizado.

Durante a despolarização, a proporção mais importantedos canais de sódio iônicos é encontrada em seu estado

"aberto" (O) (deste modo, permitindo o rápido influxo deNa+). Isto é seguido por um declínio mais lento para umestado de "inativação" (1) dos canais para um estado não-condutor. A inativação converte temporariamente oscanais para um estado do qual não podem ser abertos emresposta à despolarização (período refratário absoluto).Este estado inativado é lentamente convertido de volta, de

modo que a maioria dos canais é encontrada em sua formade repouso fechada (C) quando a membrana é repolarizada(-70 mV). Com a despolarização, os canais mudam a con-figuração, primeiramente para um estado aberto condutorde íons (O) e depois para um estado inativo não-condutor(1).Embora ambos, C e I, correspondam a canais não-con-dutores, diferem em que a despolarização pode recrutarcanais para'o estado condutor O a partir de C, mas não de1.A Figura 1-8 descreve os estágios de transição dos canaisde sódio.13

Canais da Membrana. Poros aquosos discretos através damembrana nervosa excitável, os chamados canais de sódio(ou de íons), são estruturas moleculares que medeiam suapermeabilidade ao sódio. Um canal parece ser uma lipogli-coproteína firmemente situada na membrana (Fig. 1-4).Consiste em um poro aquoso que abarca a membrana que

seja estreita o suficiente pelo menos num ponto para dis-criminar entre íons sódio e outros; Na+ atravessa 12 vezesmais facilmente que K+. O canal também inclui uma parteque muda a configuração em resposta a alterações nopotencial de membrana, assim "controlando" a passagemde íons atravésdo poro (sãodescritosos estados C, O e 1).A presença destes canais ajuda a explicar a permeabilidadeou impermeabilidade da membrana a certos íons. Oscanais de sódio têm um diâmetro interno de aproximada-mente 0,3 x 0,5 nm.14

Um íon sódio é "mais fino" do que um íon potássioou cloreto e, portanto deve difundir-se livrementecontra seu gradiente de concentração através dos canaisda membrana, entrando na célula nervosa. No entanto,isto não ocorre porque todos estes íons atraem molé-culas de água e, deste modo, ficam hidratados. Os íonssódio hidratados têm um raio de 3,4 (Á), o que é aproxi-madamente 50% maior que os 2,2 (A) de raio dos íonspotássio e cloreto. Os íons sódio, portanto, são grandesdemais para atravessar os canais estreitos quando umnervo está em repouso (Fig. 1-9). Os íons potássio e clo-reto podem atravessar estes canais. Durante a despo/ari-zação, os íons sódio atravessam rapidamente a membrananervosa porque as alterações de configuração que sedesenvolvem no interior da membrana produzem umalargamento transitório desses canais transmembranaaté um tamanho adequado para permitir a passagem semobstáculos dos íons sódio contra seu gradiente de con-centração para o axoplasma (transformação de configu-ração C para O). Este conceito pode ser visualizadocomo a abertura de um portão durante a despolarização

Page 9: Capítulo 1 - Neurofisiologia

Líquido extracelular

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Axoplasma

F'lgUra 1-9. Os canaisda membrana estãoparcialmente ocluí-dos; o nervo está em repouso. Os íons sódio hidratados (Na+)

são grandes demais para passar pelos canais, embora os íons

potássio (K+)possam passar pelos não-impedidos.

que esteja ocluindo parcialmente o canal na membranaem repouso (C) (Fig. 1-10).

Evidênciasrecentes indicam que existeespecificidadedecanal, pois os canais de sódio diferem dos de potássiO.15Asportas no canal de sódio estão localizadas perto da super-fície externa da membrana nervosa, enquanto as do canalde potássio estão localizadas perto da superfície interna damembrana nervosa.

Propagação de Impulsos

Depois do início de um potencial deação por um estímulo,o impulso precisa se mover ao longo da superfície doaxônio. A energia para propagação do impulso é derivadada membrana nervosa da seguinte maneira:

O estímulo rompe o equihôrio de repouso da mem-brana nervosa; o potencial transmembrana é invertidomomentaneamente, mudando o interior da célula denega-tivo para positivo, e o exterior, de positivo para negativo.Este novo equihôrio elétrico neste segmento de nervoproduz correntes locais que começam com fluxo entre osegmento despolarizado e a área em repouso adjacente.Estas correntes locais têm fluxo de positivo para negativo,estendendo-se por vários milímetros ao longo da mem-brana nervosa.

Em decorrência deste fluxo de corrente, o interior daárea adjacente torna-se menos negativo, e seu exterior,menos positivo. O potencial transmembrana diminui,aproximando-se do limiar dedescarga para despolarização.Quando o potencial transmembrana diminui 15 mV a

CAPITULO 1 N eurofisiologia 11

Figura1-10. Canais da membrana estão abertos; ocorre adespolarização. Os íons sódio hidratados (Na+)agora passamdesimpedidosatravésdo canaldesódio.

partir do potencial de repouso, chega-se ao limiar de des-carga e ocorre despolarização rápida. O segmento re~ém-despolarizado estabelece correntes locais na membrana emrepouso adjacente, e o processo inteiro recomeça.

As condições no segmento que acaba de ser despolari-zado retomam ao normal depois dos períodos refratáriosabsoluto e relativo. Devido a isto, a onda de despolarizaçãopode se propagar somente em uma direção. O movimentoretrógrado é impedido pelo segmento refratário inexcitável.

Disseminação do Impulso

O impulso propagado trafega ao longo da membrana ner-vosa em direção ao SNC. A propagação deste impulsodifere, dependendo de ser um nervo mielinizado ou não.

Nervos Não-mielinizmros. Uma fibra nervosa não-mielini-

zada é basicamente um longo cilindro com membranacelular deresistência elétrica alta em torno de um centro de

axoplasma condutor com baixa resistência, tudo isto sendobanhado em líquido extracelular com baixa resistência.

A membrana celular com alta resistência e os meios

intra e extracelular com baixa resistência produzem umadiminuição rápida da densidade de corrente numa curtadistância do segmento despolarizado. Em áreas imediata-mente adjacentes a este segmento despolarizado, o fluxode corrente local pode ser adequado para iniciar a despo-larização na membrana em repouso. Mais a distância, elaprovará ser inadequada para chegar ao limiar de descarga.

A propagação de um impulso numa fibra nervosanão-mielinizada é, portanto, caracterizada como um processo

Líquidoextracelular

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UAxoplasma

Page 10: Capítulo 1 - Neurofisiologia

12 Medicamentos PA R TEU M

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Mielina~

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Figura 1-1.1.. PropagJIção saltatória. Comparando propagaçãode impulsos em axônios não-mielinizados (alto) e mielinizados

(baixo). Nos axônios não-mielinizados, o impulso se move paraa frente por despolarização seqüencial de s~gmentos curtos demembrana adjacentes. A despolarização nos axônios mieliniza-

dos, por outro lado, é descontínua; o impulso salta para afrente de nado a nodo. Observe o quanto mais à frente oimpulso está no axônio mielinizado depois de quatro seqüên-cias de despolarização. (Redesenbada de: J ong RM: Local anes-

thetics, St. Louis, 1994, Mosby.)

anterógrado de arrastamento relativamente lento (Fig. 1-11). A taxa de condução em fibras C não-mielinizadas é de1,2 m/s, em comparação com 14,8 a 120 m/s em fibrasmielinizadas A-alfa e A-delta.16

Nervos mielinizmks. A propagação de impulsos nos nervosmielinizados difere daquela dos nervos não-mielinizadosdevido à camada de material isolante separando as cargasintra e extracelulares. Quanto mais distanciadas as cargas,menor a corrente necessária para carregar a membrana.Correntes locais, desse modo, podem trafegar muito maislonge num nervo mielinizado que num nervo não-mielini-zado antes de se tornarem incapazes de despolarizar asmembranas nervosas à frente de si.

Ocorre condução de impulsos em nervos mielinizadospor meio de saltos de corrente de no do a nodo, processodeterminado conduçãosaltatma (Fig. 1-11). Esta forma decondução de impulsos prova ser muito mais rápida e maiseficiente em energia do que a empregada nos nervos não-mielinizados. A espessura da bainha de mielina aumentacom o aume,nto do diâmetro do axônio. Ademais, a distân-cia entre os nodos de Ranvier adjacentes aumenta com omaior diâmetro axonal. Devido a estes dois fatores, a con-dução saltatória é mais rápida num axônio mais grosso.

A condução saltatória geralmente progride de um nodopara o seguinte de maneira gradual. No entanto, pode serdemonstrado que o fluxo de corrente no nodo seguinteainda exceda o necessário para chegar ao limiar de des-carga da membrana nodal. Se a condução de um impulsofor bloqueada num nodo, a corrente local saltará sobreaquele nodo e provará ser adequada para elevar o potencial

de membrana, no nodo seguinte, até seu potencial de des-carga e produção da despolarização. Um mínimo de talvez8 a.l O mm de nervo precisa ser coberto pela solução deanestésico para assegurar um bloqueio total.17

-ttJ:;

MODO f: PONTO DE AÇÃO DOSANESTESICOS LOCAIS

Deve-se discutir como e onde os anestésicos locais alteram

os processos de geração e transmissão de impulsos. É pos-sível que os anestésicos locais interfiram com o processo deexcitação numa membrana nervosa através de um ou maisdos seguintes modos:1. Alterando o potencial de repouso básico da membrana

nervosa.

2. Alterando o potencial de limiar (nível de descarga).3. Diminuindo da taxa de despolarização.4. Prolongando a taxa de repolarização.

Estabeleceu-se que os efeitos primários dos anestésicoslocais ocorram durante a fase de despolarização do poten-cial de ação.18Estes efeitos incluem diminuição na taxa dedespolarização, particularmente na fase de despolarizaçãolenta. Devido a isto, a despolarização celular não é sufi-ciente para reduzir o potencial de membrana de uma fibranervosa até seu nível de descarga, não se desenvolvendoum potencial de ação propagado. Não há alteração acom-panbando a taxa de repolarização.

Onde os Anestésicos Locais Funcionam?

A membrana nervosa é o ponto em que os anestésicoslocais exercem suas ações farmacológicas. Foram promul-gadas muitas teorias, no transcorrer dos anos, para explicaro mecanismo de ação dos anestésicos locais, incluindo aacetilcolina, o deslocamento do cálcio e as teorias dascargas de superfície. A teoriodo acetikolina afirmava que aacetilcolina estava envolvida na condução nervosa, além deseu papel como neurotransmissora nas sinapses nervosas. 19Não há evidências de que a acetilcolina esteja envolvida natransmissão neural ao longo do corpo do neurônio. Ateoriodo deslocamentodocálcio,que já foi popular, sustentavaque o bloqueio nervoso dos anestésicos locais era produ-zido pelo deslocamento de cálcio de algum ponto na mem-brana que controlasse a permeabilidade ao sódio.2OEvi-dências de que a variação da concentração de íons cálciobanbando um nervo não afeta a potência dos anestésicoslocais diminuíram a credibilidade dessa teoria. A teoriodos

cargasde superfície (repulsão)propunba que os anestésicoslocais atuassem por ligação à membrana nervosa e mu-dança do potencial elétrico na superfície da membrana.21Moléculas de drogas catiônicas (RNH+) (pág. 6) eram ali-nhadas na interface membrana-água e, como algumas dasmoléculas dos anestésicos locais carregavam uma cargapositiva resultante, tomavam o potencial elétrico na super-fície da membrana mais positivo, assim diminuindo a exci-tabilidade do nervo por aumento do potencial de limiar.Evidências atuais indicam que o potencial de repouso damembrana nervosa não se inaltera com anestésicos locais

(eles não se hiperpolarizam) e que os anestésicos locais

Page 11: Capítulo 1 - Neurofisiologia

convencionais atuam dentto dos canais de membrana, e

não na s~perfície da membrana. Igualmente, a teoria dascargas de superfície não consegue explicar a atividade dasmoléculas de anestésico sem carga para bloquear impulsosnervosos (p. ex., a benwcaína).

Duas outtas teorias, a da expansãodo membrana 'e a doreceptor específico,recebem um certo crédito hoje. Dasduas, a teoria do receptor específico é mais amplamentesustentada.

A teoria da expansãodo membrana declara que as molé-culas de anestésico local se difundem para regiões hidro-fóbicas das membranas excitáveis, produzindo um dis-túrbio geral da esttutura da membrana, expandindo-separa algumas regiões críticas na membrana e impedindoum aumento da permeabilidade aos íons sódio.22,13Osanestésicos locais que são altamente lipossolúveis podempenettar facilmente na parte lipídica da membrana celu-lar, produzindo uma alteração na configuração da matrizlipoprotéica da membrana nervosa. Isto resulta numadiminuição do diâmetto dos canais de sódio, o que leva auma inibição da condutância de sódio e da excitaçãoneural (Fig. 1-12). A teoria da expansão da membranaserve a uma possível explicação para a atividade anesté-sica local de uma droga como a benwcaína, que nãoexiste na forma catiônica, embora ainda exiba atividadeanestésica tópica potente. Foi demonsttado que as mem-branas nervosas, de fato, expandem-se e tomam-se mais

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Intracelular

FIgura1-12. Teoria da expansão da membrana.

CAPÍTULO 1 N eurotisiologia 13

"fluidas" quando expostas a anestésicos locais. Noentanto, não há evidência direta de que a condução ner-vosa seja inteiramente bloqueada pela expansão da mem-brana em si.

A teoria do receptor espedfico, a mais favorecida hoje,propõe que os anestésicos locais atuam por ligação comreceptores específicos no canal de sódio (Fig. 1-13).24 Aação da droga é direta, não mediada por alguma alteraçãonas propriedades gerais da membrana celular. Estudos bio-químicos e elettofisiológicos têm indicado que existe umsítio receptor específico para anestésicos locais no canal desódio em sua superfície externa ou na superfície axoplás-mica interna.25,16Uma vez que o anestésico local tenhaganhado acesso aos receptores, diminui ou é eliminada apermeabilidade aos íons sódio, e a condução nervosa éinterrompida.

Os anestésicos locais são classificados pela capacidadede reagir com sítios receptores específicos no canal desódio. Parece que há pelo menos quatto sítios no canal desódio em que as drogas podem alterar a condução nervosa(Fig. 1-13):

1. Dentto do canal de sódio (anestésicos locais que sãoaminas terciárias).

2. Na superfície externa do canal de sódio (tettodoto-xina, saxitoxina). ,

3-4. Em portões de ativação ou inativação (veneno deescorpião).

, Extracelular

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Intracelular

Page 12: Capítulo 1 - Neurofisiologia

14 Medicamentos PA RTEU M

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Anestésico local

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Axoplasma

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Bupivacaína

~ Veneno de escorpião LeirusVenenode anêmonado mar

Figura1-13. Anestésicoslocaisaminasterciáriasinibemo influxode sódiodurantea conduçãonervosapor ligaçãoa um recep-tor no canal de sódio (R-IA). Isto bloqueia o mecanismo de ativação normal (configuração O da porta, despolarização) e tambémpromove o movimento das portas de ativação e inativação (m e h) para uma posição que se assemelha à do estado inativado (I).Asbiotoxinas (R-I) bloqueiam o influxo de sódio num receptor de superfície externo; vários venenos o fazem por alteração da ativi-dade das portas de ativação e inativação; e a benzocaína (R-B) o faz por expansão da membrana. C, Canal na configuração fechada.(Redesenhada de: PaIlasch 1]: Dent Drug Serv Newsletter4:25, 1983.)

A Tabela 1-3 é uma classificação biológica dos anesté-sicos locais, com base em seu ponto de ação e na formaativa do composto. As drogas da Classe C existemsomente na forma sem carga (RN), enquanto as drogas daClasse D existem nas formas com carga e sem carga.Aproximadamente 90% dos efeitos de bloqueio dasdrogas da Classe D são causados pela forma catiônica dadroga; somente 10% da ação bloqueadora é produzidapela base (Fig. 1-14).

Fibras Nervosas Mielinizadns. Um fator adicional deve

ser considerado com relação ao ponto de ação dos anesté-sicos locais nos nervos mieIinizados. A bainha de mielina

isola o axônio elétrica e farmacologicamente. O únicoponto em que as moléculas do anestésico local têm acessoà membrana nervosa é nos nodos de Ranvier, onde oscanais de sódio são encontrados em abundância. As altera-

ções iônicas que se desenvolvem durante a condução dosimpulsos também se originam apenas nos nodos.

TABELA 1-3

Classificação das Substâncias Anestésicas Locais de Acordo com o Sítio Biológico e o Modo de Ação

Classificação

Classe A

Definição

Agentes que atuam num sítio receptor na superfícieexterna da membrana nervosa

Agentes que atuam em sítios receptores na superfícieinterna da membrana nervosa

Classe B

Classe C

Classe D

Agentes que atuam por um mecanismo nsico-químicoindependente do receptor

Agentes que atuam por combinação de mecanismospelo receptor e independentes do receptor

Substância Química

Biotoxinas (p. ex., tetrodotoxina e saxitoxina)

Análogos da lidocaína com amônio quatemárioVeneno de escorpião

Benzocaína

Anestésicos locais mais úteis clinicamente (p. ex.,articaína, lidocaína, mepivacaína, prilocaína)

(Modificada de: Covino BG, Vassallo HG: Local anesthetics: mechanisms of actUm and clinical use, New York, 1976, Grune and Strarton. Usada com permissão.)

Page 13: Capítulo 1 - Neurofisiologia

---C A P Í T U L O 1 Neurofisiologia

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Aberto Fechado Tampado

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Figura1-14. Entrada do canal. À esquerda, está um canal aberto; penneável à entrada para o íon sódio. O canal do centro está naconfiguração fechada em repouso; embora impenneável ao íon sódio aqui, o canal continua responsivo à voltagem. O canal àdireita, embora na configuração aberta, é impenneável porque tem um cátion de anestésico local ligado ao sítio receptor para con-trole de entrada e saída. Observe que o anestésico local entra no canal a partir do lado axoplásmico (inferior); o filtro do canalimpossibilita a entrada direta através da boca externa. O anestésico local toma a membrana impenneável ao íon sódio e, por isso,inexcitável por correntes de ação locais. (Redesenhada de:Jong RM: Locolonesthetú:s,St. Louis, 1994,Mosby.)

Como um impulso pode saltar ou se desviar de um oudois nodos bloqueados e continuar em sua trajetória, serãonecessários pelo menos dois ou três nodos imediatamenteadjacentes para que a solução de anestésico seja bloqueadapara assegurar uma anestesia eficaz, um comprimento deaproximadamente 8 a 10 mm.

As densidades dos canais de sódio diferem nos nervos

mielinizados e não-mielinizados. Em pequenos nervosnão-mielinizados, a densidade dos canais de sódio é decerca de 3S/prn2, enquanto, nos nodos de Ranvier nasfibras mielinizadas, pode chegar a 20.000/prn2. Combase num comprimento de nervo médio, há relativa-mente poucos canais de sódio nas membranas nervosasnão-mielinizadas. Por exemplo, no nervo olfatório dopeixe-agulha, a proporção entre canais de sódio e molé-culas de fosfolipídeos é de 1:60.000, correspondendo auma distância média entre os canais de 0,2 prn, en-quanto, nos nodos de Ranvier densos, os canais são sepa-rados por apenas 70 Á.27,28

Como Funcionam os Anestésicos Locais

A ação primária dos anestésicos locais na produção de umbloqueio de condução é diminuir a permeabilidade doscanais iônicos aos íons sódio (Na+). Os anestésicos locaisinibem seletivamente a permeabilidade máxima do sódio,cujo valor normalmente é de cerca de cinco a seis vezesmaior que o mínimo necessário para condução dos impul-sos (p. ex., há um fator de segurança para a condução de Sxa 6X).29OS anestésicos locais reduzem este fator de segu-rança, diminuindo a taxa de elevação do potencial de açãoe sua velocidade de condução. Quando o fator de segu-;-ança cai abaixo da unidade,1O a condução falha e ocorre~!oqueio nervoso.

Os anestésicos locais produzem uma diminuição dis-creta e virtualmente insignificante da condutância depotássio (K+)através da membrana nervosa.

Pensa-se que os íons cálcio (Ca++), que existem, naforma ligada no interior da membrana celular, exerçam umpapel reguiatório no movimento de íons sódio através damembrana nervosa. A liberação de íons cálcio ligados aosítio receptor dos canais iônicos pode ser o fator primárioresponsável pelo aumento da permeabilidade da mem-brana nervosa ao sódio. Isto representa a primeira etapa nadespolarização da membrana nervosa. As moléculas deanestésico local podem atuar por antagonismo competi-tivo com o cálcio por algum local na membrana nervosa.

A seqüência abaixo é um mecanismo proposto da açãodos anestésicos locais:!

1. Deslocamento dos íons cálcio do sítio receptor doscanais de sódio,,() quepermite...

2. Ligação da molécula de anestésico local a este sítioreceptor, o que entãoproduz...

3. Bloqueio do canal de sódio, e uma....4. Diminuição da condutância de sódio, que levo a...5. Depressão da taxa de despolarização elétrica, e a uma...6. Falha em obter o nível do potencial de limiar, junta-

mente CO1ll11ma...

7. Falta de desenvolvimento dos potenciais de ação propa-gados, o que é chamado...

8. Bloqueio de condução.O mecanismo pelo qual os íons sódio ganham entrada

ao axoplasma do nervo, assim iniciando um potencial deação, é alterado por anestésicos locais. A membrana ner-vosa continua num estado polarizado porque os movimen-tos iônicos responsáveis pelo potencial de ação deixam dese desenvolver. Como o potencial elétrico da membranacontinua inalterado, as correntes locais não se desenvol-

Page 14: Capítulo 1 - Neurofisiologia

16 Medicamentos PA RTEU M

vem, e o mecanismo autoperpetuante de propagação doimpulso é protelado. Um impulso que chega a um seg-mento nervoso bloqueado é parado porque não é capaz deliberar a energia necessária para continuar sua propagação.O bloqueio nervoso produzido por anestésicos locais échamado bloqueio nf:Ji)OSOnão-despolorizante.

t1t:FORMAS ATIVAS DOS ANESTÉSICOSLOCAIS

Moléculas dos Anestésicos Locais

A maioria dos anestésicos locais injetáveis é de aminas ter-ciárias. Apenas algÚmas (p. ex., a prilocaína e a hexilcaína)são aminas secundárias. A estrutura típica dos anestésicoslocais é mostrada nas Figuras 1-15 e 1-16. A parte lipofí-lica é a maior porção da molécula. Aromática em estrutura,é derivada do ácido benzóico, da anilina ou do tiofeno(articaína). Todos os anestésicos locais são anfipáticos, ouseja, possuem características lipofílicas e hidrófilas, emgeral em extremidades opostas da molécula. A parte hidró-fila é um aminoderivado do álcool etílico ou do ácido acé-

tico. Os anestésicos locais sem parte hidrófila não sãoadequados para injeção, mas são bons anestésicos tópicos(p. ex., a benwcaína). A estrutura do anestésico se com-pleta por uma cadeia de hidrocarboneto intermediáriacontendo uma ligação de éster ou de amida. Outras subs-tâncias químicas, especialmente os bloqueadores da hista-mina e os anticolinérgicos, compartilham esta estruturabásica com os anestésicos locais e comumente exibem pro-priedades anestésicas locais fracas.

Os anestésicos locais são classificados como aminoésteres

ou aminoamidas, de acordo com suas ligações químicas. Anatureza da ligação é importante para definir várias pro-priedades do anestésico local, inclusive a modalidadebásica de biotransformação. Os anestésicos locais ligados aésteres (p. ex., a procaína) são prontamente hidrolisadosem solução aquosa. Os anestésicos locais ligados a amidas(p. ex., a lidocaína) são relativamente resistentes à hidró-lise. Uma porcentagem maior de uma droga ligada aamidas é excretada inalterada na urina do que de uma

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Parte. Cadeia. Partelipofnica i interme- i hidrofnica

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Figura 1-15. A, Anestésico local típico. B, Tipo éster. C,Tipo arnida.

droga ligada a ésteres. A procainamida, que é a procaínacom uma ligação amida substituindo a ligação éster, é umanestésico local tão potente quanto a procaínaj aindaassim, devido à sua ligação amida, é hidrolisada muito maislentamente. A procaína é hidrolisada no plasma em apenasalguns minutos, mas apenas aproximadamente 10% daprocainamida é hidrolisada num dia.

Preparados no laboratório, os anestésicos locais são com-postos básicos, pouco solúveis em água e instáveis na expo-sição ao ar.30Seus valores de pI<"variam de 7,5 a 10. Nestaforma, têm pouco ou nenhum valor clínico. No entanto,sendo fracamente básicos, eles se combinam prontamentecom ácidos para formar sais de anestésico local, forma emque são muito solúveis na água e comparativamente estáveis.Desse modo, os anestésicos locais usados para infiltração sãodispensados como sais, mais comumente o sal cloridrato,dissolvido em água destilada ou soro fisiológico.

Sabe-se bem que o pH de uma solução de anestésico local(e o pH do tecido em que é infiltrado) influencia grande-mente sua ação no bloqueio nervoso. A midificofíiodo tecidodiminui a eficácia do anestésico local. Resulta numa aneste-

sia inadequada quando os anestésicos locais são infiltradosem áreas inflamadas ou infectadas. O processo inflamatóriogera produtos ácidos: o pH do tecido normal é de 7,4; o pHde uma área inflamada é de 5 a 6. Os anestésicos locais con-

tendo adrenalina ou outros vasopressores são acidificadospelo fabricante para inibir a oxidação do vasopressor (pág.18). O pH das soluções sem adrenalina é de cerca de 5,5; assoluções contendo adrenalina têm um pH de cerca de 3,3.Clinicamente, este pH mais baixo tem mais probabilidade deproduzir uma sensação de queimação na infiltração, bemcomo um início da anestesia um pouco mais lento.

O aumento do pH (alcalinização) de uma solução deanestésico local agiliza o início de sua ação, aumenta suaeficácia clínica e torna sua infiltração mais confortável. Noentanto, a base do anestésico local, como é instável, preci-pita nas soluções alcalinizadas, tornando estas preparaçõespouco adequadas para seu uso clínico. Anestésicos locaiscarbonatados receberam muita atenção nos últimos anos.O bicarbonato de sódio ou o dióxido de carbono (COz)acrescentados à solução de anestésico imediatamente antesda infiltração proporcionam maior conforto e um início deanestesia mais rápido (ver Capo 19).31.32

Apesar da ampla variação de pH dos líquidos extracelu-lares, o pH no interior de um nervo continua estável. Afunção normal de um nervo, portanto, é afetada muitopouco pelas alterações no ambiente extracelular. Noentanto, a capacidade de um anestésico local de bloquearimpulsos nervosos é profundamente alterada por modifi-cações no pH extracelular.

Dissociação dos Anestésicos Locais

Conforme discutido, os anestésicos locais estão disponíveiscomo sais (geralmente o cloridrato) para uso clínico. O salde anestésico local, hidrossolúvel e estável, é dissolvido emágua destilada ou em soro fisiológico. Nesta solução exis-tem simultaneamente moléculas sem carga (RN),Itambém chamada a base,e moléculas com cargas positivas(RNH+), o chamado cótion.

RNH+HRN +H+

Page 15: Capítulo 1 - Neurofisiologia

Cadeia : Terminaçãointermediária: amina

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ResídlWa1Tll1I1Ítico

FSTERES

CAPÍTULO 1 N eurofisiologia 17

ResídlW: Cadeia 'Terminaçãoa1Tll1rático: intermediária: amino, ,

: AMIDAS:, ,CH3 ' ,

~ ' : C2H5I , /O NHCOCH2--'-N, , '\: : C2H5

CH ' ,3 , ,

, Lidocaína 'J ,, ,

~CH3: :

, J /C3H7O I NHCOCH~N: I: '\c H, C2H5' 25

CH ' I3 , J

: Etidocaína:I ,

CH3: :

~ ,CH3I , /O ' NHCOCH~N

. : \: >CH3: :

: Mepivacaína :J ,, ,

CH3 ' ,

~ ' : C4H9, , /O NHCOCH~N

: \ : >CH I ,3 , ,

: Bupivacaína :, ,, ,CH3 ' ,

@+-'CH3:H, I, /O J NHCOCH~NJ , '\J ,C3H7

: Prilocaína :, I, ,

CH3' ,

rh-CH3 ' H

~: I: //. NHCOCH~N

S // , , '\:' : C3H7

H3COOC : Articaína :, ,J

Diclonina é uma cetona.

Figura1-16. Configuração química dos anestésicos locais (Extraída de: YagielaJA, Neidle EA, Dowd FJ: Phormacologyond thero-peutisf(ff dentistry,ed 5, St. Louis, Mosby.)

A proporção relativa de cada forma iônica na solu-ção varia com o pH da solução ou dos tecidos emtorno. Na presença de alta concentração de íons hidro-gênio (pH baixo), o equiHbrio desvia para a esquerda, ea maior parte da solução anestésica existe na formacatiônica:

RN1f+ > RN" + H+

À medida que a concentração do íon hidrogênio dimi-nui (pH mais alto), o equihôrio se desvia para a forma embase livre:

RN1f+ < RN" + H+

A proporção relativa de forma iônicas também dependedo pK., ou constante de dissociação, do anestésico local

Page 16: Capítulo 1 - Neurofisiologia

18 Medicamentos P A R TEU M

específico. O pI<. é medida da afinidade de uma moléculapelos íons hidrogênio (H+). Quando o pH da solução temo mesmo valor que o pI<. do anestésico local, exatamente50% da droga existem na forma RNH+ e 50% na formaRN. A porcentagem de droga existente em qualquer dasduas formas pode ser determinada pela equação de Hen-derson- Hasselbach:

Log Base =pH - pI<.

Ácido

A Tabela 1-4 relaciona os valores de pI<. para os anes-tésicos locais comumente usados.

Ações sobre as Membranas Nervosas

Os dois fatores envolvidos na ação de um anestésico localsão a difusão da drogaatravés da bainha nervosa e ligaçãonosítio receptorno canal iônico. A forma inalterada lipossolú-vel em base livre (RN) do anestésico é responsável peladifusão através da bainha nervosa. Estç processo é expli-cado no seguinte exemplo:1. Mil moléculas de um anestésico local com pI<. de 7,9

são injetadas nos tecidos fora de um nervo. O pH dotecido é normal (7,4) (Fig. 1-17).

2. A partir da Tabela 1-4 e da equação de Henderson-Hasselbach, pode ser determinado se, em pH de tecidonormal, 75% das moléculas de anestésico local estãopresentes na forma catiônica (RNH+) e 25% na formade base livre (RN).

3. Teoricamente, todas as 250 moléculas lipofilicas de RNse difundem através da bainha nervosa para chegar aointerior (axoplasma) do neurônio.

4. ~xtracelularmente, o equiHbrio entre RNH+ e RN foirompido pela passagem das formas em base livre para ointerior do neurônio. As restantes 750 moléculas extra-

celulares de RNH+ agora se reequilibram de acordocom o pH do tecido e o pI<. da droga.

RNH+(750) ~ RN(180) + H+

Figura 1-17. Mecanismo de ação da molécula de anestésicolocal. pI(. do anestésico de 7,9; pH do tecido de 7,4.

5. As 180 moléculas RN lipofilicas recém-criadas sedifundem para a célula, iniciando o processo inteiro(Fase 4) novamente. Teoricamente, isto continua atéque todas as moléculas de anestésico se tenham difun-dido para o axoplasma. Na realidade, contudo, nemtodas as moléculas de anestésico local chegam ao inte-rior do neurônio devido ao processo de difusão eporque algumas são absorvidas nos vasos locais e naspartes moles extracelulares no ponto de infiltração.

6. O interior do nervo deve ser visto a seguir. Depois dapenetração da bainha nervosa e entrada no axoplasmapela forma RN lipofilica do anestésico, tem lugar umreequiHbrio dentro do nervo porque o anestésico localnão pode existir somente na forma RN num pH intra-celular de 7,4. Setenta e cinco por cento das moléculasRN presentes no axoplasma revertem à forma RNH+;os restantes 25% de molécula continuam na forma RN

sem carga.7. A partir do lado axoplásmico, os íons RNH+ entram

nos canais de sódio e se ligam ao sítio receptor doscanais e finalmente são responsáveis pelo bloqueio dacondução que resulta (Figs. 1-13 e 1-14).Dos dois fatores, a difusibilidade e a ligação, responsá-

veis pela eficácia do anestésico local, o primeiro é extrema-mente importante na prática real. A capacidade de umanestésico local de se difundir através dos tecidos em torno

de um nervo é de significância crítica porque, em situaçõescHnicas, o anestésico local não pode ser aplicado direta-mente à membrana nervosa como pode ser feito noambiente do laboratório. As soluções de anestésicos locaismais capazes de se difundir através das partes moles têmvantagem na prática cHnica.

Um anestésico local com valor pI<. alto tem pouquíssi-mas moléculas disponíveis na forma RN no pH tecidual de7,4.,O início da ação anestésica desta droga é lento porqueexistem pouquíssimas moléculas de base disponíveis para

pH 7,4Extracelular

750 250RNH+

.RN. -

Bainha do nervo!

pH 7,4 Intracelular RN RNH+RNH+ . RN 250

180 70

- -- - -

TABB.A1-4Constantes de Dissociação(pK,,)dos Anestésicos Locais

Percentual de Início de AçãoBase (RN) Aproximado

Agente pKa em pH 7,4 (min)

Benzocaína 3,5 100

Mepivacaína 7,7 33 2a4Lidocaína 7,7 29 2a4Prilocaína 7,7 25 2a4Articaína 7,8 29 2a4Etidocaína 7,9 25 2a4

Ropivacaína 8,1 17 2a4

Bupivacaína 8,1 17 5a8Tetracaína 8,6 7 10 a 15Cocaína 8,6 7 -

Clorprocaína 8,7 6 6 a 12

Propoxicaína 8,9 4 9 a 14Procaína 9,1 2 14 a 18Procainamida 9,3 1

Page 17: Capítulo 1 - Neurofisiologia

18 Medicamentos PA RTEU M

específico. O pI<. é medida da afinidade de uma moléculapelos íons hidrogênio (H+). Quando o pH da solução temo mesmo valor que o pI<. do anestésico local, exatamente50% da droga existem na forma RNH+ e 50% na formaRN. A porcentagem de droga existente em qualquer dasduas formas pode ser determinada pela equação de Hen-derson-Hasselbach:

Log Base =pH - pI<.

Ácido

A Tabela 1-4 relaciona os valores de pI<. para os anes-tésicos locais comumente usados.

Ações sobre as Membranas Nervosas

Os dois fatores envolvidos na ação de um anestésico localsão a difusão da drogaatravés da bainha ~ervosa e ligaçãonosítio receptorno canal iônico. A forma inalterada lipossolú-vel em base livre (RN) do anestésico é responsável peladifusão através da bainha nervosa. Este processo é expli-cado no seguinte exemplo:1. Mil moléculas de um anestésico local com pI<. de 7,9

são injetadas nos tecidos fora de um nervo. O pH dotecido é normal (7,4) (Fig. 1-17).

2. A partir da Tabela 1-4 e da equação de Henderson-Hasselbach, pode ser determinado se, em pH de tecidonormal, 75% das moléculas de anestésico local estãopresentes na forma catiônica (RNH+) e 25% na formade base livre (RN).

3. Teoricamente, todas as 250 moléculas lipofílicas de RNse difundem através da bainha nervosa para chegar aointerior (axoplasma) do neurônio.

4. Extracelularmente, o equiHbrio entre RNH+ e RN foirompido pela passagem das formas em base livre para ointerior do neurônio. As restantes 750 moléculas extra-

celulares de RNH+ agora se reequilibram de acordocom o pH do tecido e o pI<. da droga.

RNH+(750) ~ RN(180) + H+

Figura 1-17. Mecanismo de ação da molécula de anestésicolocal. pl(. do anestésico de 7,9; pH do tecido de 7,4.

5. As 180 moléculas RN lipofílicas recém-criadas sedifundem para a célula, iniciando o processo inteiro(Fase 4) novamente. Teoricamente, isto continua atéque todas as moléculas de anestésico se tenham difun-dido para o axoplasma. Na realidade, contudo, nemtodas as moléculas de anestésico local chegam ao inte-rior do neurônio devido ao processo de difusão eporque algumas são absorvidas nos vasos locais e naspartes moles extracelulares no ponto de infiltração.

6. O interior do nervo deve ser visto a seguir. Depois dapenetração da bainha nervosa e entrada no axoplasmapela forma RN lipofílica do anestésico, tem lugar umreequiltôrio dentro do nervo porque o anestésico localnão pode existir somente na forma RN num pH intra-celular de 7,4. Setenta e cinco por cento das moléculasRN presentes no axoplasma revertem à forma RNH+;os restantes 25% de molécula continuam na forma RN

sem carga.7. A partir do lado axoplásmico, os íons RNH+ entram

nos canais de sódio e se ligam ao sítio receptor doscanais e finalmente são responsáveis pelo bloqueio dacondução que resulta (Figs. 1-13 e 1-14).Dos dois fatores, a difusibilidade e a ligação, responsá-

veis pela eficácia do anestésico local, o primeiro é extrema-mente importante na prática real. A capacidade de umanestésico local de se difundir através dos tecidos em torno

de um nervo é de significância crítica porque, em situaçõesclínicas, o anestésico local não pode ser aplicado direta-mente à membrana nervosa como pode ser feito noambiente do laboratório. As soluções de anestésicos locaismais capazes de se difundir através das partes moles têmvantagem na prática clínica.

Um anestésico local com vall">rpI<. alto tem pouquíssi-mas moléculas disponíveis na forma RN no pH tecidual de7,4..O início da ação anestésica desta droga é lento porqueexistem pouquíssimas moléculas de base disponíveis para

pH 7,4Extracelular

750 250RNH+

.RN. -

,

Bainha do nervo

pH 7,4 Intracelular RN RNH+RNH+ . RN 250

180 70

-

TABELA14Constantes de Dissociação (pK.,)dos Anestésicos Locais

Percentualde Início de AçãoBase (RN) Aproximado

Agente pKa em pH 7,4 (min)

Benwcaína 3,5 100 -

Mepivacaína 7,7 33 2a4Lidocaína 7,7 29 2a4Prilocaína 7,7 25 2a4Articaína 7,8 29 2a4Etidocaína 7,9 25 2a4

Ropivacaína 8,1 17 2a4

Bupivacaína 8,1 17 5a8Terracaína 8,6 7 10 a 15Cocaína 8,6 7

Clorprocaína 8,7 6 6 a 12

Propoxicaína 8,9 4 9 a 14Procaína 9,1 2 14 a 18Procainamida 9,3 1

Page 18: Capítulo 1 - Neurofisiologia

se difundirem atravésda membrana nervosa (p. ex., pro-caína,com pI<. de 9,1).A taxa de inícioda açãodoanestésicoestárelacionadacom opK" doanestésicolocal(Tabela 1-4).

Um anestésico local com pI<. inferior « 7,5) temnúmero muito grande de moléculas lipofílicas com baselivre que são capazes de se difundir através da bainha ner-vosa; entretanto, a ação anestésica desta droga também éinadequada porque, num pH intracelular de 7,4, apenasum número muito pequeno demoléculasde basesedisso-cia de volta para a forma catiônicanecessáriapara ligar-seao sítio receptor.

Em situações clínicas reais com os anestésicos locaisatualmente disponíveis, o pH do líquido extracelulardeter-mina a facilidade com que um anestésico local se movimentado ponto de sua administração para o axoplasma da célulanervosa.O pH intracelularcontinuaestávele independentedo pH extracelular. Isto porque os íons hidrogênio (H+),como os cátions dos anestésicos locais (RNH+), não sedifundem prontamente pelos tecidos. O pH do líquidoextracelular, portanto, pode diferir daquele da membrananervosa. A proporção dos cátions de anestésicos para asmoléculascom basesemcarga (RNH+/RN) também podevariar grandemente nestes pontos. Diferenças de pH doextracelulare do intracelularsão altamentesignificativasnocontrole da dor onde há inflamação ou infecção.33 Oefeito de uma diminuição do pH tecidual sobre as açõesde um anestésicoestá descrito na Figura 1-18. Isto podeser comparado com o exemplo na Figura 1-17, envol-vendo pH de tecido normal.1. Aproximadamente 1.000 moléculas de um anestésico

localcom pI<.de 7,9 são depositadasfora deum nervo.O tecido está inflamado e infectado e tem pH de 6.

2. Neste pH tecidual, aproximadamente 99% das molé-culas do anestésico local estão presentes sob a formacatiônica com carga (RNH+), com aproximadamente1% na forma base livre lipofílica (RN).

3. Aproximadamente10moléculasRN se difundem atra-vés da bainha nervosa para chegar ao interior da célula(contrastandocom 250 moléculasRN no exemplosau-dável). O pH do interior da célula nervosa continuanormal (p.ex.,7,4).

Figura1-18. Efeito da diminuição do pH tecidual sobre asações de um anestésico local.

CAPÍTULO 1 Neurofisiologia 19

4. Extracelularmente, o equilíbrio entre RNH+ e RN, quefoi rompido, fica restabelecido. As relativamentepoucas moléculas RN recém-criadas se difundem paraa célula, iniciando o processo inteiro novamente. Noentanto, uma soma total de menos moléculas RN con-segue finalmente atravessar a bainha nervosa, em con-traste com o que ocorreria em pH normal, devido àabsorção grandemente aumentada das moléculas deanestésico para os vasos na região (há aumento da vas-cularidade na área de inflamação e infecção).

5. Depoisda penetração da bainha nervosa na forma debase,ocorre o reequihôrio. Aproximadamente75% dasmoléculas presentes no intracelular revertem à formacatiônica (RNH+), ficando 25% na forma de baselivresem carga (RN).

6. As moléculas catiônicas ligam-se aos receptores nointerior do canal desódio, o que resulta no bloqueio dacondução.O bloqueio adequado do nervo é mais difícil de obter

em tecidos inflamados ou infectados devido ao númerorelativamente pequeno de moléculas capazes de atravessara bainha nervosa (RN) e ao aumento da absorção dasmoléculasrestantes de anestésiconos vasosdilatadosnestaregião. Embora seja um problema em potencial em todosos aspectos da prática da odontologia, esta situação é vistamais freqüentemente em endodontia. Os possíveis medi-camentos são descritos no Capo16.

Implicações Clínicas do pH e da Atividade doAnestésico Local

A maioria das soluções de anestésicos locais preparadascomercialmente sem um vasoconstritor tem um pH entre5,5 e7. Quando injetadas no tecido, a ampla capacidade detamponamento dos líquidos teciduais rapidamente faz opH retomar, no ponto de injeção, a um 7,4 normal. Assoluções anestésicas locais contendo vasopressor (p. ex.,adrenalina)são acidificadaspelo fabricantepara retardar aoxidação do vasoconstritor, assim prolongando o períodode eficáciada droga (ver discussãodo uso apropriado devasoconstritores em anestesia local no Capo 3).

A adrenalina pode ser acrescentada a uma solução deanestésicolocal imediatamenteantes desuaadministraçãosem o acréscimo de antioxidantes; entretanto, se a soluçãonão for usada num curto tempo, oxidará, transformando-se em castanho-avermelhada.

A oxidação rápida do vasopressor pode ser adiada,assim aumentando a vida útil do produto, através doacréscimo de antioxidantes. O bissulfito de sódio é co-mumente usado numa concentração entre 0,05% e 0,1 %.Uma solução a 2% de HCI de lidocaína, com um pH de6,8, é acidificada até 4,2 pelo acréscimo de bissulfito desódio.

Mesmo nesta situação, a grande capacidade de tampo-namento dos tecidos tende a manter um pH tecidualnormal; entretanto, realmente é preciso um tempo maislongo para fazer isso depois da infiltração de uma soluçãocom pH 4,2 do que com uma solução de pH 6,8. Duranteeste tempo, o anestésico local não é capaz de ter seu efeitocompleto, resultando num início mais lento da ação clínica

.- ..- -- .-.

pH6Extracelular

990 10RNW . . RN-

Bainhado nervo.

pH7,4 Intracelular RN RNWRNW . RN 10

7,5 2,5

Page 19: Capítulo 1 - Neurofisiologia

20 Medicamentos P A R TEU M

para anestésicos locais com vasoconstritores, em compara-ção com seus correlatos "simples".

Os anestésicos locais são clinicamente eficazes nos

axônÍos e nas terminações nervosas livres. As terminaçõesque se situam abaixo da pele intacta podem ser alcança-das somente pela infiltração de anestésico abaixo da pele.A pele intacta forma uma barreira impenetrável à difusãode anestésicos locais. A recém-formulada EMLA (mis-tura eutética de anestésicos locais) possibilita que osanestésicos locais penetrem na pele intacta, se bem quelentamente.34

As mucosas e pele lesada (p. ex., queimaduras e abra-sões) não possuem a proteção fornecida pela pele intacta,permitindo que os anestésicos locais aplicados topica-mente se difundam até chegar às terminações nervosaslivres. Os anestésiéos tópicos podem ser empregados efe-tivamente onde quer que a pele ou a mucosa (p. ex.,córnea, gengiva, faringe, traquéia, laringe, esôfago, reto,vagina e bexiga) já não esteja intacta dévido a lesão.35

A capacidade de tamponamento da mucosa é pequena;deste modo, a aplicação tópica de um anestésico local compH entre 5,5 e 6,5 reduz o pH regional para um nívelmenor do que o normal, sendo formada menos base deanestésico local. A difusão da droga através da mucosa,chegando às terminações nervosas livres, é limitada e obloqueio nervoso não tem efeito. Aumentar o pH da drogaproporciona uma quantidade maior da forma RN, assimelevando a potência do anestésico tópico; entretanto, adroga nesta forma é mais rapidamente oxidada. A vida útileficaz do anestésico local diminui à medida que aumenta opH da droga.30

Para aumentar a eficácia clínica dos anestésicos tópi-cos, usa-se comumente uma forma mais concentrada dadroga (lídocaína a 5% ou 10%) do que para infiltração(lídocaína a 2%). Embora somente uma pequena percen-tagem da droga esteja disponível na forma de base, elevara concentração fornece mais moléculas RN para difusãoe dissociação para o cátion ativo nas terminações nervo-sas livres.

Alguns anestésicos tópicos (p. ex., a benzocaína) não sãoionÍzados em solução; deste modo, seu efeito anestésiconão é afetado pelo pH. Devido à pouca solubilidade emágua da benwcaína, sua absorção a partir do ponto de apli-cação é mínima e raramente são encontradas reações sistê-micas (p. ex., superdosagens).

VCINÉTICA DO INíCIO E DURAÇÃO DEA~ÃO DOS ANESTÉSICOS LOCAIS

Barreiras à Difusão da Solução

Um nervo periférico é composto por centenas a milharesde axônÍos firmemente acondicionados. Estes axônÍos são

protegidos, sustentados e nutridos por várias camadas detecidos fibrosos e elásticos. Os vasos sangüíneos e linfáti-cos nutrientes trafegam pelas camadas.

Fibras nervosas individuais (axônÍos) são cobertaspelo endoneuro e também separadas entre si por ele. Operineuro então reúne estas fibras nervosas em feixeschamados fascículos. O nervo radial, localizado nopunho, contém entre cinco e 10 fascículos. Cada fascí-

culo contém entre 500 e 1.000 fibras nervosas indivi-

duais. Cinco mil fibras nervosas ocupam aproximada-mente 1 mm2 de espaço.

A espessura do perineuro varia com o diâmetro dofascículo que circunda. Quanto mais espesso o peri-neuro, mais lenta a taxa de difusão do anestésico localatravés dele.36 A camada mais interna do perineuro é operilema. É coberto por uma membrana mesoteliallisa.O perilema representa a principal barreira à difusãonum nervo.

Os fascículos são contidos numa rede ttouxa de tecido

conjuntivo areolar chamado epineuro. Este constitui entre30% e 75% da secção transversal de um nervo. Os anesté-sicos locais são prontamente capazes de se difundir atravésdo epineuro devido à sua consistência ttouxa. Os vasos elinfáticos nutrientes atravessam o epineuro. Estes vasosabsorvem moléculas de anestésico local, deste modo remo-vendo-as do ponto de infiltração.

A camada externa do epineuro que circunda o nervo émais densa e mais espessa, formando o que é denominadobainha epineural ou bainha nff1Josa.A bainha epineural nãoconstitui uma barreira à difusão do anestésico local a umnervo.

A Tabela 1-5 resume as camadas de um nervo periféricotípico.

Indução de Anestesia Local

Depois da administração de um anestésico local naspartes moles perto de um nervo, as moléculas do anesté-sico local atravessam a distância de um ponto a outro, deacordo com seu gradiente de concentração. Durante afase de indução da anestesia, o anestésico local se movede seu ponto extraneural de deposição para o nervo (bemcomo em todas as outras p~ssíveis direções). Este pro-cesso é denominado difusão. E a migração sem obstáculosde moléculas ou íons através de um meio líquido sob ainfluência do gradiente de concentração. Ocorre penetra-ção de uma barreira anatômica quando uma droga atra-vessa um tecido que tende a restringir o movimentomolecular livre. O perineuro é a maior barreira à pene-tração de anestésicos locais.

TABELA1-5

Organização de um Nervo Periférico

Estrutura Descrição

Célula nervosa isolada

Cobre cada fibra nervosaFeixes de 500 a 1.000 fibras nervosasCobre fascículos

Camada externa do epineuro

'Tecido conjuntivo alveolar que

sustenta os fascículos e carregavasos nutrientes

Camada mais interna do perineuro

Fibra nervosaEndoneuroFasáculosPerineuro*Perilema*

Epineuro

Bainha epineural

'0 perineuro e o perilema constimem as maiores barreiras anatômicas para adifusão num nervo periférico.

Page 20: Capítulo 1 - Neurofisiologia

Difusão. A taxa de difusão é governada por vários fatores,o mais significativo dos quais é o gradiente de cUTU:entração.Quanto maior a concentração inicial do anestésico local,mais rápida é a difusão de suas moléculas e mais rápido oinício de ação.

Os fascículos que estão localizados perto da superfíciedo nervo são denominados feixes do monto (Fig. 1-19, A).Os feixes do manto são os primeiros alcançados pelo anes-tésico local e ficam expostos a uma concentração mais altadele. Os feixes do manto geralmente são bloqueados com-pletamente logo depois da infiltração de um anestésicolocal (Fig. 1-19, B).

Os fascículos encontrados mais perto do centro donervo são chamados feixescentrais.Estes recebem o contatode um anestésico local somente depois de muita demora epor uma concentração mais baixa de anestésico devido àmaior distância que a solução precisa percorrer e ao maiornúmero de barreiras que precisa atravessar.

À medida que o anestésico local se difunde ao nervo,torna-se cada vez mais diluído por líquidos teciduais,sendo parte dele absorvida por capilares e linfáticos. Osanestésicos de ésteres sofrem hidrólise enzimática quaseimediata. Deste modo, as fibras centrais ficam expostas auma concentração diminuída de anestésico local, fato quepode explicar a situação clínica de anestesia pulpar inade-quada que se desenvolve na presença de sintomas subjeti-vos de anestesia adequada das partes moles. O bloqueiocompleto da condução de todas as fibras nervosas numnervo periférico exige que sejam depositados um volumeadequado, bem como uma cUTU:entrllÇÕoadequada do anes-

Feixesdo manto

.1\1\I \I \

~~.; -~

':,-.~ T -<

~Perineuro", ,~- ---:::~

=- .. '- - ",,'~ --- ~

l ~~ , , Feixes do centro"-'- - ~-_"!.~~-"'-. ::::.=---~, ::-.. \ , . --'l-'C"I \~"=?-..~-,. - J'

~ - '-----. - ...

,\1'1-"" "' ~ - '\..c.

',--, - ... ~ F-,?l-nn- Epineuro':::- ~-....-_nnn- Bainha epineural

A

CAPÍTULO 1 N eurofisiologia 21

tésico local. Em nenhuma situação clínica 100% das fibrasnum nervo periférico são bloqueadas, mesmo nos casos decontrole da dor clinicamente excelente.37 As fibras próxi-mas da superfície do nervo (fibras do manto) tendem ainervar regiões mais proximais (p. ex., a área molar comum bloqueio nervoso alveolar inferior), enquanto as fibrasnos feixes centrais inervam os pontos mais distais da distri-buição do nervo (p. ex., os incisivos e caninos com blo-queio alveolar inferior).

Processo de Bloqueio. Depois da deposição do anestésicolocal o mais próximo possível do nervo, a. solução sedifunde em todas as direções, de acordo com os gradientesde concentração que prevalecem. Uma parte do anestésicolocal infiltrado se difunde em direção ao nervo e nelepenetra. No entanto, uma parte significativa da drogainfiltrada também se difunde para longe do nervo. Ocor-rem então as seguintes reações:1. Uma parte da droga é absorvida por tecidos não-neu-

rais (p. ex., músculo e gordura).2. Uma parte é diluída por líquido intersticial.3. Uma parte é removida por capilares e linfáticos a partir

do ponto de infiltração.4. Anestésicos do tipo éster são hidrolisados.

A soma total desses fatores incide para diminuir a con-centração de anestésico local fora do nervo; entretanto, aconcentração de anestésico local dentro do nervo continuaa se elevar à medida que progride a difusão. Estes proces-sos continuam até que resulte um equilíbrio entre as ~on-centrações intra e extraneurais de solução anestésica.

Rbras do centro

\

Bainha donervo

\

.~ ~rFibras domanto

--B

Figura 1-19. A, Composição das fibras nelYosas e feixes dentro de um nelYO periférico. B, Num grande nelYO periférico (contendocentenas ou milhares de axônios), a solução de anestésico local precisa se difundir para dentro, em direção ao centro do nelYO, a partirdo local extraneural de infiltração. As moléculas de anestésico local são removidas por captação em tecidos, enquanto o líquido teci-dual se mistura com o solvente portador. Isto resulta numa diluição gradual da solução de anestésico local quando ele penetra no nervo

em direção ao centro. OcoITe um gradiente de cORcentração durante a indução, de modo que as fibras do manto externo ficam soli-damente bloqueadas, enquanto as fibras mais internas do centro ainda não estão bloqueadas. As fibras do centro não somente ficam

expostas a uma concentração de anestésico local mais baixa, mas a droga também chega mais tarde. A demora depende da massa detecido a ser penetrada e da difusão do anestésico local. (Redesenhada de: Jong RM: Local anesthetú:s,51. Louis, 1994, Mosby.)

Page 21: Capítulo 1 - Neurofisiologia

TABELA1-6Estrutura Química, Propriedades Físlco-químlcas e Propriedades Farmacológlcas dos Anestésicos Locais

Configuração Química Propriedades Físlco-químlcas Propriedades FarmacológlcasAromática Cadela Amina Peso pKa Iníciode Solubilidade Concentro Eficaz LIgação Duração

Agente (lIpofillca) Intermediária (hidrofilica) Molecular (base) (36°C) Ação Aprox.em Upídeos Habitual % Protélca do Efeito

ÉSTERES

Procarna

-@- /H5

236 9,1 Lento 1,0 2a4 5 CurtaH-N O COOCI12CI12-N

"H5

-<9ê. /C,H;

Clorprocarna H- N O COOCI12CI12-N 271 8,7 Rápido ND 2 ND CurtaI "H CI H5

-@- /CTetracarna HgC4N O CI12-N 264 8,4 Lento 80 0,15 85 LongaI "CHH 3

AMIDAS

@t"' OMepivacaÚ1a O NHCO- N 246 7,9 Rápido 1,0 2a3 75 Moderada

CH3 ÓH3

@i:."'

/HPrilocaÚ1a O NHCOCI12-N 220 7,7 Rápido 1,5 4 55 ModeradoI "

CH3CH3

Page 22: Capítulo 1 - Neurofisiologia

TABELA1-6Estrutura Química, Propriedades Físlco-químlcas e Propriedades Farmacológlcas dos Anestésicos Locais

Configuração Química Propriedades Físlco-químlcas Propriedades Farmacológlcas,

Aromática Cadela Amlna Peso pK. Iníciode Solubilidade Concentro Eficaz LIgação DuraçãoAgente (lIpofillca) Intermediária (hidrofillca) Molecular (base) (36°C) Ação Aprox.em Upídeos Habitual % Protélca do Efeito

ÉSTERES

Procarna

-@- /H5

236 9,1 Lento 1,0 2a4 5 CurtaH- N O COOCH:2CH:2-N

I "HH 5

-<Q( /Clorprocarna H- N O COOCH:2CH:2-N 271 8,7 Rápido ND 2 ND Curta

I "HH CI 5

-@- /CH3Tetracarna HgC4N O COOCH:2CH:2-N 264 8,4 Lento 80 0,15 85 Longa

I "CH3H

AMIDAS

@i:"' OMepivacaína O NHCO- N 246 7,9 Rápido 1,0 2a3 75 Moderada

CH3 6H3

@i:"'

/HPrilocaína O NHCOCH2-N 220 7,7 Rápido 1,5 4 55 ModeradoI "

CH3 CH3 G.3

Page 23: Capítulo 1 - Neurofisiologia

l,juucaína 234 7,7 Rápido 4,0 2 65 ModeradaH'

/H5O NHCOC-N

"HCH3 5

Ropivacaína

H' HÚ

274 8,1 Moderada 2,8 0,2a 0,5 94 Longa

O NHCO- /NCH3 C3H7

Bupivacaína

H' O288 8,1 Moderada ND 0,5a 0,75 95 Longa

O NHCO- N

CH3 64Hg

Etidocaína H' CH 276 7,9 Rápido 140 0,5a 1,5 94 Longa/ 2 5

O NHd-N" C3H7CH3 2Hs

Articaína rt- H

320 7,8 Rápido 17 4 95 Moderada-:;;-'" I /

fi NHCOCH----N"C3H7

H3COOC

(Modificada de: Rogers MC et aI, editors: Principiesandpracticeofanesthesiolog;y,St. Louis, 1993, Mosby.)ND, Não disponível.

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24 Medicamentos P A R TEU M

Tempo de IndUfão. O tempo de induçãoé definido como operíodo da deposição da solução anestésica até o bloqueiocompleto da condução. Vários fatores controlam o tempode indução de uma dada droga. Aqueles sob o controle dooperador são a concentração da droga e o pH da soluçãode anestésico local. Fatores que não ficam sob o controledo clínico são a constante de difusão do anestésico e as bar-reiras anatômicas à difusão no nervo.

Propriedades Fisicas e Ações Clínicas. Há outros fatoresfísico-químicos de um anestésico local que influenciamsuas características clínicas.

Foi descrito o efeito da constante de dissociação(pK.)sobre a taxa de início da anestesia. Embora ambas as

formas moleculares da anestesia sejam importantes no blo-queio neural, as drógas com um pK" mais baixo possuemum início de ação mais rápido do que aquelas com pK"mais altO.38

A solubilidadenos lipídeosde um anestésico local pareceestar relacionada com a sua potência intrínseca. A estima-tiva de solubilidades dos vários anestésicos locais nos lipí-deos são apresentadas na Tabela 1-6. O aumento dasolubilidade nos lipídeos permite que a anestesia penetrena membrana nervosa (que, em si mesma, é constituídaem 90% de lipídeos) mais facilmente. Isto é refletido bio-logicamente no aumento da potência do anestésico. Osanestésicos locais com maior solubilidade nos lipídeosproduzem bloqueio de condução mais eficaz em concen-trações mais baixas(soluções percentuais mais baixasou volu-mes menores depositados) do que os anestésicos locaismenos lipossolúveis.

6 grau de ligação protéica da molécula de anestésicolocal é responsável pela duração da atividade do anestésico.Depois da penetração na bainha nervosa, ocorre um ree-quiliôrio entre as formas de base e catiônica do anestésicolocal. Agora, no próprio canal de sódio, os íons RNH+ligam-se ao sítio do receptor. As proteínas constituemaproximadamente 10% da membrana nervosa, e os anes-tésicos locais (p. ex., etidocaína, ropivacaína e bupivacaína)que possuem grau maior de ligação a proteínas (Tabela 1-6) do que outros (p. ex., procaína) parecem fixar-se maisseguramente aos sítios receptores de proteínas e possuiruma duração de atividade clínica mais longa. 39

A vasoatividadeafeta a potência do anestésico e a dura-ção da anestesia proporcionada por uma droga. A infiltra-ção de anestésicos locais, como a procaína, com maiorespropriedades vasodilatadoras aumenta a perfusão do localcom sangue. O anestésico local infiltrado é absorvido nocompartimento cardiovascular mais rapidamente e trans-portado para longe do ponto de infiltração e do nervo,assim proporcionando uma duração mais curta de aneste-sia, bem como diminuição da potência da droga. A Tabela1-7 resume a influência de vários fatores sobre a ação anes-tésica.

Recuperação do Bloqueio com AnestésicoLocal

A emergência de um bloqueio nervoso com anestesia localsegue os mesmos padrões de difusão que a indução; entre-tanto, faz isso na ordem inversa.

A concentração extraneural de anestésico local sofrecontínua depleção por difusão, dispersão e captação dadroga, enquanto a concentração intraneural do anestésicolocal continua relativamente estável. O gradiente de con-centração, deste modo, é revertido, com a concentraçãointraneural excedendo a concentração extraneural, e asmoléculas de anestésico passam a se difundir para fora donervo.

Os fascículos no manto começam a perder o anestésicolocal muito antes que os feixes centrais. A recuperação daanestesia com bloqueio aparece primeiro nas regiões pro-ximalmente inervadas (p. ex., os terceiros molares antesdos incisivos centrais). As fibras centrais gradualmenteperdem sua concentração de anestésico local. A recupera-ção geralmente é um processo mais lento do que a induçãoporque o anestésico local fica ligado ao sítio receptor dadroga no canal de sódio e, portanto, é liberado mais lenta-mente do que é absorvido.

Reinfiltração de Anestésico Local

Freqüentemente, um procedimento odontológico ultra-passa a duração do controle da dor clinicamente eficaz,sendo necessário repetir a infiltração de anestésico local.Geralmente esta infiltração repetida imediatamenteresulta em retomo de anestesia profunda; em algumas oca-siões, contudo, o clínico pode encontrar maior dificuldadepara restabelecer o controle adequado da dor.

Recorrência do Anestesia Profundo Imediata. Nomomento da reinfiltração, a concentração de anestésicolocal nas fibras do manto fica abaixo daquela das fibraslocalizadas mais centralmente. As fibras do manto parcial-mente recuperadas ainda contêm um pouco de anestésicolocal, embora não o suficiente para proporcionar anestesiacompleta. Depois da deposição de uma nova concentraçãoalta de anestésico perto do nervo, as fibras do manto maisuma vez ficam expostas a um gradiente de concentraçãopara dentro em direção ao nervo. Esta combinação deanestesia local residual (no nervo) e o suprimento recém-depositado resulta em início rápido de anestesia profundacom um volume menor de anestésico local administrado.

Dificuldade em Reobter Anestesia Profundo. Nestasegunda situação, como na primeira, o procedimentoodontológico ultrapassou a eficácia clínica do anestésicolocal, e o paciente está apresentando dor. O profissionalreadministra um volume de anestésico local mas, diferen-temente do primeiro cenário, não ocorre controle eficazda dor.

Taquifilaxia. Nesta segunda situação clínica, ocorreum processo conhecido como taquifilaxia. Esta é defi-nida como um aumento da tolerância a uma droga queseja administrada repetidamente. É muito mais provávelque se desenvolva se for permitido que a função nervosaretome antes da reinfiltração (p. ex., se o paciente sequeixar de dor). A duração, a intensidade e a propagaçãoda anestesia com a reinfiltração reduzem-se grande-mente.40

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TABELA 1-7

Fatores que Afetam a Ação dos Anestésicos Locais

CAP ÍTUL O 1 N eurofisiologia 25

Fator DescriçãoAção Afetada

pI{. maisbaixo=Iníciode açãomaisrápido,maismoléculasRN presentespara se difundirem através da bainha nervosa; deste modo, o tempo deinício de ação diminui.

Aumento da solubilidade em lipídeos = Aumento da potência (exemplo:procaína = 1; etidocaína = 14D)

A etidocaína produz bloqueio de condução em concentrações muito baixas,enquanto a procaína pouco suprime a condução nervosa, mesmo em con-centrações mais altas.

Aumento da ligação protéica pennite que os cátions anestésicos (RNH+) sefixem de maneira mais finne às proteínas localizadasnos sítios receptores;deste modo, a duração de ação aumenta.

Aumento da difusão =Diminuição do tempo de início

pI{. Início de ação

Solubilidade nos lipídeos Potência anestésica

Ligação protéica Duração

Difusão em tecidonão-nervoso

Atividade vasodilatadora

Início de ação

Potência anestésicae duração

Maior atividade vasodilatadora = Aumento do fluxo sangiiíneo para a região= Remoção rápida das moléculas de anestésico a partir do local de infiltra-ção; deste modo, diminuem a potência anestésica e a duração da ação.

(De Cohen S, Bnrns RC: Puthways of th, prdp, ed 6, St. Louis, 1994, Mosby.)

Embora difícil de explicar, a taquifilaxia provavelmenteé ocasionada por algum ou todos os seguintes fatores:edema, hemorragia localizada, formação de coágulo, tran-sudação, hipematremia e diminuição do pH dos tecidos.Os primeiros quatro fatores isolam o nervo do contatocom a solução de anestésico local. O quinto, a hipematre-mia, eleva o gradiente iônico de sódio, assim se contra-pondo à diminuição de condução do íon sódio ocasionadapelo anestésico local. O último fator, uma diminuição dopH dos tecidos, é ocasionado pela primeira infiltração deanestésico local ácido. O pH ambiente na área da infiltra-ção pode ser um tanto mais baixo, de modo que menosmoléculas de anestésico são transformadas em base livre(RN) na reinfiltração.

Duração da Anestesia

À medida que o anestésico local é removido do nervo, afunção deste último retoma rapidamente a princípio, masdepois o retomo gradualmente se toma mais lento. Emcomparação com o início do bloqueio nervoso, que érápido, a recuperação do bloqueio nervoso é muito maislenta porque o anestésico local se liga à membrana nervosa.Anestésicos locais com ação mais longa (p. ex., bupivacaína,ropivacaína e tetracaína) ligam-se mais firmemente à mem-brana nervosa (aumento da ligação protéica) do que asdrogas de ação curta (p. ex., procaína e lidocaína) e, por-tanto, são liberadas dos sítios receptores nos canais de sódiomais lentamente. A taxa em que o anestésico é removido deum nervo tem um efeito sobre a duração do bloqueioneural; além do aumento da ligaçãoprotiiaJ, outros fatoresque influenciam a taxa de remoção da droga do ponto deinfiltração são a vascularidmletÚJponto de infiltraçãoe a pre-sençaou ausmcia de U11Ulsuhstânciavasoativa. A duração daanestesia aumenta nas áreas da vascularidade diminuída, e oacréscimo de um vasopressor reduz a perfusão tecidual parauma área local, assim aumentando a duração do bloqueio.

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