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Texto publicado nos Anais do II Encontro de Estudos Sobre Quadrinhos e Cultura Pop, ocorrido na UFPE - Recife nos dias 29 e 30 de julho de 2012. Em tal evento, o texto foi apresentado na Mesa Redonda 2: Quadrinhos e Cultura: o social, o cultural e sua relação com as Histórias em Quadrinhos.

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Page 1: Capitão América e seus valores: a questão da sociabilidade capitalista - João Gabriel da Fonseca Mateus

CAPITÃO AMÉRICA E SEUS VALORES: A QUESTÃO DA SOCIABILIDADE CAPITALISTA1

João Gabriel da Fonseca Mateus Graduando em História

IFG/PIBID-Capes, [email protected]

1 Esta pesquisa tem financiamento da Fundação Capes via Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência, programa este em vigência no IFG – Goiânia desde 2010. A pesquisa empírica fora realizada no CEDOC (Centro de Documentação) da UEG/UnUCSEH e na Gibiteca Jorge Braga.

RESUMO

O universo dos quadrinhos representa uma ligação direta com o real já que essa produção está ligada a um contexto histórico social que transmite os valores e as concepções de quem as produziu. Nesse sentido, a materialidade das relações humanas afirma a visão de que a produção social é construída em relação com a totalidade social. Pensando assim, abordaremos a produção das HQ Capitão América como reprodutores de uma lógica estabelecida do momento de criação, fundamentada nos valores do seu contexto histórico reproduzindo valores axiológicos.Tomamos como análise da realidade, a construção dos super-heróis enquanto elemento desse mundo social. Os fatores de criação dos super-heróis estão ligados a uma necessidade social inerente ao sistema capitalista que é a reprodução da sociabilidade capitalista. Este texto visa apresentar uma interpretação sobre o Capitão América e os valores dominantes transmitidos pela sociabilidade capitalista e seus efeitos.

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Os quadrinhos constituem um palco de representações sociais surpreendente e ainda pouco explorado. Na produção dos quadrinhos, os Estados Unidos ainda lidera como o maior mercado consumidor e produtor do mundo. As obras das editoras estadunidenses Marvel Comics, Detective Comics e Image Comics (esta mais recentemente) representam ainda a maior parcela do mercado de produção mundial de quadrinhos. Isso reflete diversas determinações, dentre elas, a necessidade de reprodução social da sociedade estadunidense através de seres super poderosos em determinado contexto social específico. Assim, as Histórias em Quadrinhos constituem um terreno fértil para quem quer compreender, interpretar e resignificar um universo ficcional bastante complexo devido suas ligações com a necessidade de reprodução social.

O trabalho de interpretação, de análise e crítica será buscado nas linhas abaixo deste texto já que entendemos que as histórias em quadrinhos constituem um gênero complexo, em que os elementos narrativos de várias manifestações artísticas e linguagens estão manifestadas (VERGUEIRO, 2007, p. 18). Notadamente, os quadrinhos foram relegados a um ostracismo nas produções acadêmicas fruto de diversas determinações; de outro lado, a permanência, nas poucas produções, de uma hegemonia conservadora de interpretação dos quadrinhos que privilegia o formal (estético) em detrimento do conteúdo; e por último um avanço, onde portas estão sendo abertas para produções críticas e que valorizam as produções quadrinístas no lugar onde deve estar: na manifestação do consciente e do inconsciente (VIANA, 2002; 2005; 2011).

A necessidade de interpretação da sociedade capitalista pelos quadrinhos nos levou a produzir esse texto já que “não existem quadrinhos inocentes” (CIRNE, 1982, p. 11). Nesse âmbito, a plasticidade dos quadrinhos tem sido observada por muitos sociólogos, filósofos, semiólogos, historiadores, etc., com uma perspectiva predominantemente conservadora e, obviamente, limitada. Iremos, a partir da análise do Capitão América, fazer uma retomada crítica e reflexiva dos aspectos que julgamos mais pertinentes nessa produção quadrinística, sendo que, para tal, devemos atingir alguns conceitos, para fundamentar nossa análise de forma clara e objetiva, atingindo a explicação de significados específicos em um universo simbólico totalizante que os quadrinhos transmitem.

Antes de qualquer coisa, devemos deixar claro que algumas categorias, além dos conceitos, são imprescindíveis para que possamos fazer uma análise concreta. Entendemos que para compreender a nossa sociedade e sua produção cultural devemos partir de um panorama de interpretação de totalidade. A categoria que se torna fundamental em nossa perspectiva neste texto é a de totalidade. Assim, enfocaremos a categoria totalidade segundo a perspectiva de uma “(...) sociedade como totalidade concreta, a organização da produção num determinado nível do desenvolvimento social e da divisão de classes que opera na sociedade” (LUKÁCS, 2003, p. 140). A totalidade refere-se à sociedade moderna como um todo e às suas múltiplas determinações inter-relacionadas.

Ao utilizarmos a categoria de totalidade para compreender o mundo ficcional dos quadrinhos devemos lançar mão de tentar entender suas múltiplas determinações, ou seja, as multicausalidades que se inter-relacionam, já que o específico (as HQs) e o geral (o sistema capitalista) se encontram e se determinam mutuamente. Portanto, a especificidade do particular só pode ser compreendida na sua forma de relacionar com a totalidade social, portanto, da realidade concreta.

Nesse âmago, a interpretação do não verbal, ou seja, a interpretação imagética, assim como do verbal, pressupõe a relação com a cultura2, com o histórico, com a formação social do indivíduo na transmissão de seus valores, sentimentos e concepções de mundo. Nas HQs então, são veiculadas duas mensagens: uma que tem a centralidade no ícone, visual, formal, no imagético; e outra linguística, de conteúdo, que se relacionam, constituindo uma mensagem geral transmitindo a realidade concreta. Nas duas existe um combinado de relações que, conforme afirmamos, transmitem os interesses de quem a produziu.

2 Entendemos cultura como o conjunto das produções intelectuais de determinada sociedade.

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Entendemos o mundo ficcional dos quadrinhos como uma das formas de expressão e de reprodução da realidade concreta. Queremos dizer que abordaremos a produção das HQs do Capitão América como reprodutoras de uma lógica estabelecida do momento de criação, fundamentada em valores reproduzindo a sociabilidade capitalista. Nesse sentido, para não cairmos no fetichismo da mercadoria, deixemos claro que os valores expressos pelo Capitão América é expressão dos interesses de quem produziu (autores e editorias) esse super-herói.

Mas o que são valores? Podemos responder a tal indagação com essa definição correspondente de valor. Este: “é algo significativo, importante, para um indivíduo ou grupo social”. Já os valores “são o conjunto de ‘seres’(objetos, ações, ideias, pessoas, etc.) que possuem importância para os indivíduos ou grupos sociais” (VIANA, 2007, p. 20). Ora, se o valor é um atributo que fornecemos aos seres, o ato de atribuir o valor, é chamado de valoração.

Se em Marx encontramos que o ser humano é um ser social, desse modo, devemos compreender que trabalho e sociabilidade são atributos constitutivos do ser humano e assim, constituídos socialmente, podendo deixar de ser elementos da natureza humana e passando a ser sua negação, através dos interesses de determinadas classes sociais.

Nossa definição de “sociabilidade” está fundamentada enquanto “conjunto das relações sociais que realizam, no nível do cotidiano, a reprodução das relações de produção dominantes” 3. Assim, na sociedade capitalista existe a sociabilidade dominante, que é a capitalista. Esta é fundamentada na competição, na mercantilização e na burocratização das relações sociais, e gera uma mentalidade burguesa dominada por estes valores que realiza uma imobilização, no sentido de reproduzir estas mesmas relações sociais (VIANA, 2007, p. 97).

Se a sociabilidade capitalista é marcada por três elementos fundamentais (a competição social, a mercantilização e a burocratização das relações sociais), devemos explicá-las. Estes elementos constitutivos da sociabilidade capitalista estão intrínsecos ao modo de produção capitalista, sendo que, ele condiciona todas as outras esferas da vida social criando um modo de vida refletido pela fundamentação de nossa sociedade.

O primeiro elemento constitutivo da sociabilidade capitalista é a competição social. Essa concepção está relacionada com a mentalidade burguesa que a condiciona, afirmando a necessidade de práticas competitivas para sua existência. Ou seja, existe sempre a necessidade de ter conflitos entre os indivíduos, que não levam em consideração sua historicidade, abandonando o caráter histórico e social dos indivíduos, naturalizando as relações sociais. Deixemos claro que essa relação de atrito nunca é entre classes embora seja uma expressão da luta de classes, e sim, entre indivíduos em busca de status, ascensão, poder, acúmulo material, etc. Nesse sentido, competir atua como mecanismo naturalizado nos seres humanos na sociedade regida pelo capital.

Devemos explicar também o que entendemos por mercantilização. Esse fenônemo é o ato de transformação de tudo que é produzido socialmente em mercadoria. Assim, ocorre com o desenvolvimento da sociedade capitalista, uma mercantilização das relações sociais, e até momentos em que mercantilização se expande, além da cultura e da tecnologia, invadindo os espaços individuais, até mesmo no lazer. Veremos posteriormente o processo de mercantilização dos quadrinhos através da luta entre empresas oligopolistas pelo controle dos quadrinhos. Assim, a mercantilização ocorre na modernidade e esta, invade o tempo de trabalho4, a arte, a educação, etc. Nessas diferenciadas esferas da sociedade capitalista ocorre uma incessante luta entre as classes sociais que produziram formas de reprodução do modo de produção capitalista. A hegemonia posta da burguesia tenta dificultar essa visão de luta de classes ao naturalizar as relações humanas. Isso nos implica dizer em uma ideologia que busca sistematizar essa falsa consciência na tentativa de manutenção do status quo. Portanto, ao

3 (VIANA, 2008, p. 14) e para um maior aprofundamento, cf. VIANA, Nildo. Universo psíquico e reprodução do capital. In: Universo psíquico e reprodução do capital: ensaios freudo-marxistas. São Paulo: Escuta, 2008. 4 Para estudar um caso específico, o caso brasileiro da Primeira República, cf. SILVA, Josué Pereira. Três discursos, uma sentença: Tempo e Trabalho em São Paulo 1906/1932. São Paulo: Annablume/FAPESP, 1996.

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falarmos de modernidade, estamos nos referindo a uma sociedade marcada de ideologias, exploração, divisão social do trabalho e etc., tal qual a contemporaneidade.

Relacionado com a mercantilização, ocorre também, a burocratização das relações sociais. Esse processo ocorre quando o capital organiza os elementos de sua organização, por exemplo, o Estado. Ele está organizado na relação entre dirigentes e dirigidos. Nesse sentido, o Estado opera, por exemplo, quando cria uma lei, na legitimação de novos privilégios, por mais que superficialmente ela possa estar a favor de classes exploradas. Ocorrem assim, os privilégios e os monopólios de produção e ao gozo dos benefícios da riqueza social para uns em detrimento de outros. E no caso dos quadrinhos, isto é claro quando ocorreu a criação de uma legislação específica para as HQs que determinava nos trâmites legais, o que era permitido e o que não era5 dando certa autonomia relativa a alguns grupos que disseminavam seus interesses e prejudicando outros.

De acordo com Viana (2007), na sociedade capitalista a classe dominante possui valores e os transmite para a sociedade com o intuito de regularizar as relações sociais. Tais valores são conceituados como dominantes, portanto, axiológicos. Refutando a axiologia como “ciência dos valores”, Nildo Viana, apresenta diversos sentidos que a axiologia tomou historicamente, sendo que ele utiliza tal termo transformando-o de um construto em conceito (enquanto expressão da realidade, conforme Marx, já que não é possível separar o conceito da realidade). Nesse sentido, como ponto de partida para se transformar de definição para concepção, a axiologia para Viana (2007) é “o padrão dominante de valores numa determinada sociedade” (idem, p. 33), sendo então, a ética dominante, fundamentada em uma axiologia. Mas, cabe-nos a refutar: o que são os valores dominantes? Responde o autor: “Os valores dominantes são aqueles valores que correspondem aos interesses da classe dominantes e, portanto, servem para regularizar as relações sociais” (idem, p. 34).

Nesse âmago, a hegemonia burguesa reproduz a consciência, os valores, os sentimentos correspondentes aos seus interesses reproduzindo-as para outras classes sociais. Mas, ocorre também uma luta contra a hegemonia burguesa no âmbito dos valores e das ideias: a valoração da produção axionômica6.

Após essa explanação teórica e conceitual podemos relacionar quadrinhos, superaventura, Capitão América, sociabilidade capitalista e valores.

O gênero chamado de superaventura surge no fim da década de 1930 (precisamente em junho 1938) e teve como marco fundador a criação do Super-Man (Super-Homem) e esteve por toda a parte da década de 1940 (KNOWLES, 2008, p. 235). O Super Homem foi criado por Jerome Siegel e Joseph Shuster onde estreou na Action Comics nº 1 em 1938 que logo após foi comprada pela Detective Comics (DC). De acordo com a história ficcional,

O Super-Homem é Kal-El, último filho de Krypton, enviado ao espaço quando bebê por seu pai, um cientista, pouco antes de seu planeta explodir. Sua cápsula espacial aterrisa na cidade de Smallville, situada no Meio-Oeste americano. Ele é encontrado por um casal de idosos, os Kent, que dão ao bebê o nome de Clark e criam como se fosse seu próprio filho. Clark, que desde o início demonstra uma força prodigiosa, sai de Smallville e vai para Metrópolis, onde trabalha como repórter para o Planeta diário. Em momentos de crise, ele veste seu uniforme azul e vermelho e usa seus poderes – voo, superforça e visão de raio x – para lutar pela verdade e pela justiça (KNOWLES, 2008, p. 141 – 142).

5 Ocorre um processo de burocratização dos quadrinhos em diversos momentos. Um deles é a criação da Comics Code Authority (Código dos Quadrinhos) que funciona como uma censura por intermédio da ação legal através da lei para disseminar ainda mais o caráter moralista de diversos quadrinhos. Porém a C.C.A. fora criada apenas 1954. Outro processo de burocratização é ainda anterior. O processo de burocratização e mercantilização da produção das HQ já havia se iniciado em 1915. Ocorre uma profissionalização e especialização de desenhistas e roteiristas marcando uma competição oligopolista com a emergência dos Syndicates – agências especializadas em fornecer matérias específicas e variadas, especialmente, o entretenimento (VIANA, 2005, p. 27). 6 Para a definição de “axionomia”, ver Viana (2002), (2005), (2007).

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Como podemos notar, o gênero superaventura, exemplificado pelo Super-Man, carrega particularidades de seu contexto histórico. Dentre essas particularidades podemos notar a existência de diferença dos poderes utilizada pelos heróis7. Os heróis surgem em 1929 nos Estados Unidos e tem o Tarzan como modelo exemplar. O contexto específico dos anos de crise do regime de acumulação intensivo que culmina com a crise norte-americana de 1929 é a determinação fundamental de criação dos heróis. Nesse âmbito, uma nova demanda social é necessária criando a necessidade de criação dos heróis. Com a Crise de 1929, tem-se através da sociabilidade capitalista uma necessidade de um indivíduo forte, um verdadeiro herói, restaurador do bem, da ordem, desencadeando a derrota do mal e das trevas, presentes naquele momento de crise. Assim, emergência dos heróis como figura proeminente se dá pela ampliação do público alvo (juventude) e o novo papel social da HQ. A sociedade capitalista provoca uma valoração cada vez maior nos indivíduos fortalecendo uma necessidade de demandas sociais específicas fortalecendo ideias conservadoras (VIANA, 2005, p. 21).

Em 1929, com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, todo mundo capitalista se viu mergulhado numa grande recessão. Por volta de 1933, os Estados Unidos ainda passavam por um processo de reestruturação econômica. Seu novo presidente, Franklin Delano Roosevelt instituiu o New Deal – uma política de pesados investimentos estatais para a geração de empregos e recuperação da prosperidade financeira do país, que durou até 1945, cobrindo os quatro mandatos consecutivos que Roosevelt teve, interrompidos por seu falecimento. Essa política ganhou força a partir de 1941, quando teve início a participação dos EUA na II Guerra Mundial; finda a guerra em 1945, já com um novo presidente, Harry Truman, os EUA emergiram como a maior potência industrial e econômica do mundo (GUEDES, 2004, p. 14 – 16).

Assim, o gênero aventura se caracteriza pela centralidade da “aventura” e por uma narrativa sequencial longa, realizada por um herói, um indivíduo com capacidades humanas extraordinárias que deve realizar uma missão: lutar pela justiça.

Anterior e posterior a esse contexto de crise, ocorre um processo de burocratização dos quadrinhos em diversos momentos. Um deles é a criação da Comics Code Authority (Código dos Quadrinhos) que funciona como uma censura por intermédio da ação legal através da lei para disseminar ainda mais o caráter moralista de diversos quadrinhos. Porém a C.C.A. fora criada apenas em 19548. Outro processo de burocratização é ainda anterior. O processo de burocratização e mercantilização da produção das HQ já havia se iniciado em 1915. Ocorre uma profissionalização e especialização de desenhistas e roteiristas marcando uma competição oligopolista com a emergência dos Syndicates – agências especializadas em fornecer matérias específicas e variadas, especialmente, o entretenimento (VIANA, 2005, p. 27). Nesse sentido, os indivíduos, adentram à lógica das empresas oligopolistas, sujeitando-se a suas regras e produzindo para elas (MARQUES, 2011, p. 104).

Nessa prerrogativa, em um contexto de crise de um regime de acumulação (época de crise do regime acumulação intensivo9 nas décadas 1920 - 1930), o gênero da superaventura vem

7 Os heróis estão no gênero “aventura”, que se caracteriza pela aventura, uma narrativa sequencial longa, realizada por um herói, um indivíduo com capacidades humanas extraordinárias que deve realizar uma missão: lutar pela justiça (VIANA, 2005, p. 26). 8 Sobre a legislação das histórias em quadrinhos, Brenzel (2005) afirma: “Como já observaram, muitas vezes os analistas das revistas em quadrinhos, os quadrinhos de horror do início da década de 1950 provocaram uma onda de histeria antiquadrinhos tão forte que a pressão das audiências no Congresso de 1954 obrigou os grandes editores dessas revistas a criarem um código que todos deveriam seguir. Uma cláusula-chave do Código de Quadrinhos original declarava que: ‘Em todos os casos, o bem deve triunfar contra o mal e o criminoso [será] punido por suas más ações’ (...)” (op. Cit. 2005, p. 147 – 148). 9 Um regime de acumulação pode ser definido como “um determinado estágio do desenvolvimento capitalista, marcado por determinada forma de organização do trabalho (processo de valorização), determinada forma estatal e determinada forma de exploração internacional” (VIANA, 2009, p. 30). O regime de acumulação intensivo é a forma pela qual o capitalismo assume características particulares durante seu desenvolvimento, caracterizado no contexto do final do século XIX até a Segunda Guerra

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emergindo e se fortalecendo com alguns super-heróis (além do Super-Man) tais como Batman (em DC nº 27 em maio de 1939); Captain Thunder (“Capitão Trovão” que surgiu em janeiro de 1940 na Flash Comics); o primeiro agrupamento de super-heróis pela All Star Comics em 1940; a Mulher-Gavião; Wonder Woman (“Mulher Maravilha” em dezembro de 1941 pela All Star Comics); Namor, the Sub-Marine (Namor, o Príncipe Submarino que surgiu em outubro 1939 na revista Marvel Comics nº 1 e que fora criado pelo desenhista Bill Everett); Human Torch (no mesmo número de Namor); dentre vários outros.

Mas, qual a definição de Super-Herói? Utilizaremos esta abaixo (evidentemente existem outras), que apresenta o seu caráter extraordinário e suas condições e habilidades sobre-humanas.

Um super-herói só é um super-herói quando tem que colocar em prática seus poderes e isto só pode ocorrer havendo uma população de seres poderosos num mundo em que ele vive e combate, ou seja, um super-herói só pode existir, ao contrário do herói, em constante relação com super-vilões e com outros super-heróis. Em poucas palavras, o super-herói só pode existir havendo um mundo habitado por seres superpoderosos (VIANA, 2005, p. 38).

Assim, os super-heróis têm três tipos de superpoderes: 1) poder tecnológico (com roupas, armas que permite voar, soltar raios, etc.); 2) poder mágico (que advém de um pensamento religioso juntamente com caráter misterioso de sua origem); 3) poder energético ou cósmico (onde o super-herói se apossa da natureza ou se apossa da energia cósmica) (idem, ibidem, p. 40). Ainda existem algumas características marcantes de um super-herói: o primeiro, é que ele possui poderes sobre-humanos e extraordinários, segundo, ele é um ser que existe na convivência com outros seres extraordinários e poderosos (por exemplo, um super-vilão) e por último, só pode existir um super-herói no interior da superaventura (idem, ibidem, p. 38 – 39).

O Capitão América se encaixa perfeitamente nessas qualidades. Vejamos abaixo.

O Capitão América tem seu surgimento subordinado à realidade social do período da Segunda Guerra Mundial. Com a entrada dos Estados Unidos no conflito, cria-se uma substituição da missão civilizadora dos super-heróis pela missão de guerra, em um contexto de estruturação do capitalismo de guerra. Assim, o mundo dos super-heróis se torna arma a serviço da propaganda de guerra. O Capitão América tem designação militar e hierárquica refletindo o seu caráter conservador e axiológico de ser super-herói (idem, ibidem, p. 33 – 36).

A relação do Capitão América com a Guerra é direta. Ele, como um super-soldado, foi criado e ganhou “um escudo poderoso, e através de um soro, ganhou força e habilidade física descomunal, além de ser um ser humano com capacidade de liderança e grande inteligência (...)” (VIANA, 2011, p. 21).

A sua origem, na ficção, ocorre durante a Segunda Guerra Mundial. Steve Rogers era um soldado que foi exposto a uma experiência científica que pretendia criar supersoldados norte-americanos para combater os seus inimigos na Segunda Guerra Mundial. Um soro foi criado para fornecer uma força sobre-humana aos soldados e a experiência com Steve Rogers apresentou os resultados esperados. O super-herói foi reforçado por um uniforme – que é inspirado na bandeira dos Estados Unidos – e um escudo poderoso. Ele foi responsável por inúmeras vitórias do exército norte-americano. Por fim, ele caiu numa geleira e ficou congelado por décadas, até que, por acaso, Namor, o Príncipe Submarino, em um momento de irritação com os seres humanos, joga para longe uma imensa geleira e esta derrete libertando o Capitão América, que passa a atuar em nossa época (VIANA, 2005, p. 45 – 46).

Mundial (1937-1945). De forma geral, este regime busca o aumento de extirpação do lucro través do taylorismo, pelo Estado Liberal-Democrático e pelo imperialismo financeiro (idem, p. 34).

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Fig. 1 – Capa do número 1 de Captain America de março de 1941 da Timely

Comics.

Joe Simon, primeiro editor da Timely Comics (posteriormente Marvel Comics) contratou o desenhista Jhon Kirby e idealizaram o Capitão América. Esse super-herói estreia em março de 1941 (nove meses antes do ataque japonês à Pearl Harbor) levando seu próprio nome com uma capa em que evidencia a “luta estadunidense contra o nazismo” quando o Capitão aparece socando Adolf Hitler.

De acordo com a história fictícia, O franzino recruta Steve Rogers experimentou uma fórmula química criada pelo Professor Reinstein – referência direta ao físico Albert Einstein – transformando-se num supersoldado. Pra variar, o Capitão também ganhou um companheiro mirim, trava-se de Bucky, mascote do quartel onde Steve Rogers atuava (GUEDES, 2004, p. 32).

Assim, as revistas tinham grandes tiragens e tão logo ascendeu ao sucesso. Eram usadas e distribuídas às tropas estadunidenses como forma de apoio moral. Nesse contexto também, surge o seu maior inimigo, Red Skull, O Caveira Vermelha (criado por Stan Lee e Jack Kirby), representante do nazismo e o super-vilão do Capitão América. A aparência do Caveira Vermelha é o contrário da aparência do Capitão; este primeiro, com uma fisionomia horrenda representando o nazismo e as forças do “mal” e de outro, o Capitão, com um estereótipo ariano, ocidental com as qualidades do defensor do bem, da ordem e da justiça. Caveira Vermelha ainda era o líder da H.I.D.R.A. uma organização nazista internacional.

Está claro que, a capa da Revista nº 1 é bastante clara em seus objetivos. Socar Hitler nada mais é do que propor um binômio entre bem e mal, onde o maniqueísmo reina e expressa um sentimento moralista exacerbado. Destaca Chagas (2008),

Ainda na capa, no primeiro plano da figura, existe uma mesa, com um mapa dos Estados Unidos e uma folha rosa embaixo, onde se podem ler

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algumas letras das palavras que nos levam a frase: “planos de sabotagem para os Estados Unidos” (tradução nossa). Atrelando isso à frase anterior, de que as “armas dos Estados Unidos funcionam”, e a toda composição da figura percebe-se a mensagem que se passa: o inimigo é fraco, pois precisa traçar planos de sabotagem e espionagem, todo o exército luta contra apenas um soldado estadunidense (CHAGAS, 2008, p. 12).

Fig. 2 - A figura horrenda de Caveira Vermelha em destaque no número 16 de “Os Poderosos Vingadores” na página 12. ©Marvel Comics. No balão da imagem, está em destaque: “Em breve, as legiões de meu glorioso Reich dominarão a eternidade! Toda a resistência será esmagada! O Universo será meu e só meu! Durante todas as épocas!”

Fig. 3 – A suástica apresentada juntamente com seu representante nos quadrinhos do Capitão América, o Caveira Vermelha. Está disponível no n. 17, p. 7 de “Os Poderosos Vingadores” em “A Trágica morte de um vingador”, ©Marvel Comics.

A criação do seu inimigo, O Caveira Vermelha, ocorre para explicitar os conflitos de interesses entre Estados Unidos e os nazistas. Além de seus aspectos formais e visuais, temos características em discursos, armas, etc., os ideais nazistas. Além das diferenças ideológicas, podemos perceber diferenças físicas entre eles, por exemplo, a virilidade do Capitão América, aspecto que não está presente no personagem Caveira Vermelha.

O maniqueísmo nas HQs do Capitão América se expressa na existência do seu inimigo e diversos outros10. Sendo assim, de um lado um super-herói, representando a democracia estadunidense, e de outro seu oposto, um super-vilão, representando o totalitarismo nazista. Porém, o Capitão teve ao seu lado historicamente vários aliados, dos quais, podemos destacar Buck, o Patriota; Tocha Humana Original, Namor.

Superior no Capitão América é o seu aspecto axiológico. Este é “(...) fundado numa determinada configuração dos valores dominantes, sem dúvida, exerce influência sobre os leitores mas em grau muito menor do que se pensa, pois a atenção do leitor fica mais presa não

10 Dentre os principais inimigos do Capitão América, além do Caveira Vermelha, destacamos: Barão Zemo, Víbora, Esquadrão Serpente (grupo de super-vilões), Doutor Faustus, Mecanus e a organização I.M.A. (de um grupo de cientistas dsipostos a conquista do poder mundial) que apareceu em 1966.

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nos detalhes da narrativa que expressam o seu caráter axiológico e sim nos aspectos fantásticos da história (...)” (VIANA, 2005, p. 65).

Nesse sentido, os aspectos axiológicos da superaventura, e das histórias em quadrinhos em geral, é palco de uma disputa política intensa e isto é tão verdadeiro que a intervenção do Estado neste tipo de produção, visando manter a “moral e os bons costumes”, produziu uma extensa legislação restritiva a respeito. Portanto, o mundo dos super-heróis fora criado a partir de um contexto histórico preciso e voltado para satisfazer necessidades de uma nação em guerra.

Stanley Martin Lieber (pseudônimo de Stan Lee) com 17 anos chegou na Timely Comics. No ano de 1941, foi designado a desenvolver “Captain America Foils The Traitor’s Revenge” – que acabou sendo publicada em Captain America Comics nº 3 em maio de 1941. Em pouco tempo foi promovido a editor-chefe da revista e afastou-se para servir o exército no período de 1942 – 1945.

Sobretudo nos primeiros números de Capitão América vemos a presença direta dos ideários da Segunda Guerra Mundial. O embate entre nazistas e norte-americanos está presente em todos os números do ano de 1941.

Outro elemento que merece uma atenção maior é o uniforme do Capitão América. O visual do Capitão é marcado por carregar as cores da bandeira estadunidense, como se nota na figura 2. Ele é um supersoldado, que carrega o nome de um posto da alta hierarquia do exército, vestido com a bandeira dos Estados Unidos. Sua arma é “um tanto interessante e diferente: um escudo, o que nos traz a idéia de defesa. Ou seja, esse super-ser só ataca para se defender” (CHAGAS, 2008, p. 9). Nesse sentido, ele carregando a bandeira estadunidense em seu traje e em sua arma (um escudo) vem demonstrar que os Estados Unidos têm em sua defesa o ataque, ou melhor, atacam apenas defendendo-se (REBLIN, 2008, p. 41).

O “modo de vida americano”, no caso, caracteriza-se pela ênfase no papel do indivíduo e no esforço pessoal como caminho para o sucesso. Nele está embutida a ideia de que o equilíbrio das necessidades individuais é condição necessária para o convívio social e para o benefício comum (VERGUEIRO, 2011, p. 147).

As questões da aparência física do super-herói já aparecem nitidamente seu caráter axiológico. Entre eles, destaca Marny (1970) apud Viana (2005): “corpo perfeito, musculatura impecável, fisionomia aberta e simpática, nariz curto, maxilares quadrados, típico o modelo ariano”. O Capitão América ainda representou o comprometimento dos Estados Unidos com a causa dos Aliados. Assim, a evidente criação do Capitão América em 1941 antecipou e concretizou o anseio intervencionista e de influência buscada pelo cidadão estadunidense.

Capitão América expressa o modo de produção capitalista de forma direta e clara. A sociedade competitiva é facilmente identificada em suas histórias. Assim, a luta pela hegemonia mundial, em nome da justiça e da ordem, compõem as páginas do super-herói mais axiológico do mundo da superaventura. Notamos isso claramente na história do Caveira Vermelha, quando o quadrinho narra a ressurreição do Caveira que se passa nos Alpes Suíços no laboratório de Arnim Zola, cientista que serviu Hitler durante a Segunda Guerra Mundial onde preservava a consciência dos indivíduos após a morte (a necessidade de manter a consciência dos indivíduos é para reproduzir o ideário nazista). Em uma das tiras tem-se expresso:

Ele [Johann Shmidt – Caveira Vernelha] era um alcoólatra que atormentava a mulher. Estava furioso por que ela havia encontrado um meio de fugir a suas agressões. O homem teria afogado a criança... Não fosse a rápida intervenção do obstetra (...) Fugindo para Berlim, ele consegue seu melhor emprego... o de atendente num Hotel de luxo... E tem oportunidade de servir Hitler, que afirmava ao chefe da

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Gestapo que poderia transformar qualquer pessoa num grande nazista, inclusive um reles atendente de hotel. Ele então fita os olhos do atendente e enxerga todo o ódio e ressentimento em seu coração. Nos meses seguintes, o Führer supervisiona pessoalmente o treino do jovem. Juntos, eles criam uma nova identidade para o nazista perfeito... uma figura aterradora... para expressar tudo aquilo que um líder popular como Hitler não poderia manifestar... O CAVEIRA VERMELHA [grifos do autor] 11.

Fig. 4 - Capa do número 2 de Capitão América. Neste número, o Capitão vem para salvar seu companheiro Bucky dos poderes de A. Hitler. Tal número foi lançado em 10 de maio de 1941. Devemos notar que a análise de Nildo Viana também expressa um outro significado sobre a superaventura: a manifestação do inconsciente coletivo. O autor diz: “Isto é necessário devido ao fato de que o mundo dos super-heróis é um mundo de fantasia, produzido pela imaginação, e por isso mesmo é lócus de manifestação do inconsciente, tal como afirma a psicanálise” (VIANA, 2002, p. 55).

Mas então, o que seria esse inconsciente coletivo e onde ele se expressaria? De acordo com ele, o “inconsciente coletivo é o conjunto de necessidades reprimidas em todos os indivíduos que formam uma coletividade (grupo, classe). É no mundo da fantasia, dos sonhos, etc., que ele se manifesta mais constantemente” (idem, ibidem, p. 56; 2005, p. 59). Nesse sentido, o desejo reprimido por nossa sociedade sobre os indivíduos de expressar a liberdade e superar esses limites impostos por uma sociedade repressiva é onde se encontra o inconsciente coletivo nos quadrinhos.

Na super-aventura a imaginação ganha autonomia na narrativa e isso permite uma manifestação mais forte do inconsciente. Porém, além do inconsciente

11 Encontra-se em: As aventuras do Jovem Capitão América. A História completa do Caveira Vermelha e toda a verdade por trás de sua ressurreição. Abril Jovem, nº 165.

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individual derivado da repressão individual que se manifesta em cada obra individual, também se manifesta o inconsciente coletivo, derivado da repressão coletiva. Tal repressão coletiva é a do mundo burocrático e mercantil que vivemos (VIANA, 2002, p. 57).

Nesse sentido, ao ultrapassar o limite do ser humano, as super-aventuras dos super-heróis expressam uma fantasia que é expressão do inconsciente coletivo: o desejo de poder (VIANA, 2005, p. 60).

Nos anos 40 do século XX, houve um significativo declínio do gênero da superaventura. Sobretudo nos anos pós-Segunda Guerra, ocorre uma significativa diminuição da vendagem dos super-heróis já que esses estavam no contexto do conflito e as histórias saiam do prestígio por não ter mais tanto sentido.

Com a vitória das Forças aliadas e o fim da II Guerra Mundial, demorou um pouco para as editoras se tocarem que grande parte do apelo pelos chamados super-heróis já era! Com suas aventuras extremamente calcadas no grande conflito – enfrentando sabotadores, espiões, japoneses, nazistas e traidores – o que restou para os coloridos justiceiros fazerem? Alguns medalhões deixaram de circular já em 1944, caso de Sr. Destino, Spectro, Steel Sterling (Zaz-Traz, no Brasil) (...) Na América do pós-guerra, super-heróis não eram mais um bom negócio. No ressoar da bomba de Hiroshima, eles já não convenciam e, tampouco, fascinavam mais ninguém... (GUEDES, 2004, p. 36).

Chagas (2008) aponta que não há necessidade de heróis quando não há ameaça para a sociedade estadunidense. No fim da Guerra, os Estados Unidos mantém uma hegemonia mundial e assim, o Capitão volta para os Estados Unidos sem um inimigo definido. Anos após ele aparece em os Vingadores. Mas, indaga a autora: “Qual seria a solução?”

Transformaram-no em combatente do crime, como tantos por aí - bem mais competentes, diga-se de passagem. Tanto é que o herói não agüentou a concorrência na nova "linha de trabalho", e sua revista foi cancelada em 1948, em meio a crise de vendas que também seria uma das causas do fim da chamada "Era de Ouro das HQs (SOUZA, 2003 apud CHAGAS, 2008).

Sendo assim, termina alguns anos após a Segunda Guerra Mundial, na segunda metade da década de 40 do século XX, a primeira fase do Capitão América que arquitetou “o simulacro do Super-soldado das trincheiras” (CHAGAS, 2008, p. 13). Lembramos que o Capitão, Caveira Vermelha e diversos outros super-heróis ainda estão nas bancas sendo consumidos por leitores vorazes que identificam nas suas histórias aquilo que está reprimido em si. Suas reproduções ideológicas não estão apenas nas revistas antigas e sim, nas novas histórias em quadrinhos e nas telas do cinema12. A competição social, burocratização e mercantilização, fenômenos característicos da sociabilidade capitalista perduram. A competição social, por exemplo, não só está presente no cotidiano e na mentalidade dos indivíduos, mas também, é expresso pelas produções culturais. Assim, o individualismo também está presente na forma de manifestação do super-heroísmo do Capitão América. Nesse sentido,

(...) a super-aventura reproduz a sociedade capitalista contemporânea e somente surgiu devido as condições sociais originadas dela. Mas a

12 Em 1979, foram lançados dois telefilmes na emissora CBS, Captain America e Captain America II: Death Too Soon no qual Reb Brown interpretou Steve Rogers; Em 1990 foi lançado um filme com o título Captain America, estrelando Matt Salinger no papel do Capitão. Em 2011, a Paramount Pictures sob direção de Joe Johnston, produção de Kevin Feige lançou o filme Captain America: The First Avenger. Para mais informações: www.captainamerica.marvel.com.

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permanência da estrutura da super-aventura (e da própria super-aventura, o que é a mesma coisa) é resultado das contradições da própria sociedade contemporânea e o conservadorismo seria a ilusão de que não há mais contradições sociais e que, por isso, não há mais necessidade de super-heróis e super-aventuras (VIANA, 2002, p. 54).

Demasiado curto nosso espaço e nosso objetivo, deixemos para analisar o Capitão América e suas fases posteriores à Segunda Guerra em outro momento.

Conclusão

À guisa de conclusão, podemos afirmar que estes personagens e suas narrativas, que há décadas participam da cultura da juventude e do mundo ficcional dos quadrinhos, serviram como registro da história ocidental, das representações e referências simbólicas de um público cada vez maior e mais diversificado. A figura do super-herói adquire mais sentido e consegue desenvolver-se melhor em culturas individualistas, nas quais o papel do indivíduo tem preponderância sobre o coletivo. Esta é mais uma característica axiológica do gênero superaventura e da sociedade capitalista. Por esses e outros motivos o Capitão América é tão venerado de forma acrítica.

Neste caso, identificar as causas desse confronto é um exercício tanto de reflexão histórica como de percepção da arte enquanto instrumento ideológico, que legitimaria ou conservaria as estruturas sociais vigentes. Muitas vezes os povos caracterizados apenas realizam suporte para relações maniqueístas no presente (fazendo a juventude e os demais públicos consumidores de quadrinhos a cultuar o modelo superior de sociedade dos estadunidenses). Uma herança conservadora dos aspectos de criação dos quadrinhos (principalmente a superaventura) reduz suas análises a apenas identificar os aspectos formais e estéticos (imagens, entretenimento, etc.), mas uma crítica libertária deve questionar seus motivos de existência e interesses por trás deles.

Acreditamos que a riqueza simbólica que os super-heróis expressam permitem várias interpretações acerca dos super-heróis, porém, caracterizadas como axiológicas, quando naturalizam a sua existência e não o historicizam, não demonstrando seus interesses, valores e concepções expressas. Assim sendo analisado, o Capitão América vira um mero reprodutor da axiologia, com características marcantes da sociabilidade capitalista. Os super-heróis só podem ser desmistificados e colocados em uma interpretação crítica se for identificados neles os elementos estéticos, éticos e morais.

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