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CAPAS DA REVISTA BRAVO!: UM ESTUDO QUE APROXIMA IMPRENSA,
IMAGEM E HISTÓRIA DA ARTE.
Lislaine Sirsi Cansi
Programa de Pós-Graduação em Educação/UFPel
Resumo: Este texto nasce a partir de uma pesquisa de doutoramento no Programa de
Pós-Graduação em Educação (UFPel), na linha História e Filosofia da Educação, que
se encontra em andamento. Trata-se de um estudo que aborda um impresso brasileiro
como objeto e fonte de pesquisa, que tem como escopo a arte e a cultura, e que tange
particularmente à revista Bravo!, edição 1997 – 2013. Interessa discutir a respeito do
uso de imagens das capas da referida revista tendo o retrato como categoria conceitual.
Para isso, estudos da imprensa, da imagem e da história da arte serão apresentados.
Como fundamentação teórico-metodológica serão utilizadas as vozes de autores como
Tania Regina de Luca (2005), Jacques Aumont (2012), Martine Joly (2012), Peter
Burke (2017) e Kátia Canton (2004).
Palavras-chave: imprensa; revista Bravo!; imagem; história da arte; retrato.
Sobre a imprensa: histórico, impressos de cultura brasileiros e a revista Bravo!
A utilização da imprensa como fonte em trabalhos científicos é recente no
Brasil. Esse fato deve-se à idealização de busca da verdade, tangível aos documentos
nomeados como oficiais. Os jornais, portanto, eram considerados pouco adequados já
que continham “registros fragmentários do presente, realizado sob o influxo de
interesses, compromissos e paixões. Em vez (sic) permitirem captar o ocorrido, dele
forneciam imagens parciais, distorcidas e subjetivas” (LUCA in PINSKY, 2005, p.
112). Ao ponderar os conhecimentos do tempo presente, a crítica da Escola dos Annales
– proposição de novos objetos, problemas e abordagens, e a renovação do marxismo –
sobretudo com os estudos de Edward Palmer Thompson sobre a história de grupos e
camadas sociais até então ignoradas, a história vista de baixo, é possível questionar se
os documentos oficiais preservam a realidade objetiva de forma imparcial. Ademais,
considerando que a ação de documentar relaciona-se diretamente com a abordagem do
sujeito que documenta, passa a ser uma linha muito tênue demarcar ou compreender
aquilo que é classificado como subjetivo.
Depois da questão sobre a neutralidade e a fidedignidade da imprensa,
especificamente acerca dos jornais, o desprezo às pesquisas científicas utilizando a
imprensa como fonte passou a ser motivado pela compreensão de que o seu uso era
instrumental e ingênuo ao tomar os periódicos como “meros receptáculos de
informações a serem selecionadas, extraídas e utilizadas ao bel prazer do pesquisador”
(LUCA in PINSKY, 2005, p. 116). Desse modo, somente os investigadores que não
tinham fontes, tomavam a imprensa como fonte de suas pesquisas, às vezes de forma
subordinada, apoiada em outro tipo de documento, como algo ressonante.
Na década de 70, através de crítica rigorosa, buscou-se nos periódicos algo para
além daquilo que se podia confirmar. Trata-se de possibilidades ensejadas pelos jornais,
dados de natureza econômica ou demográfica e aspectos variados da sociedade
brasileira. Autores pioneiros como Ana Maria de Almeida Camargo, Gilberto Freyre,
Nelson Werneck Sodré contrapuseram à ideia de “ingenuidade do pesquisador” ao
tomar a imprensa como fonte primária de pesquisa (LUCA in PINSKY, 2005).
Através desse contexto que os jornais tornaram-se objeto da pesquisa histórica.
Ilustra esse cenário os estudos sobre Imprensa e ideologia em São Paulo (1973), de
Arnaldo Contier, sobre o jornal de grande circulação O Estado de S. Paulo como fonte
única de investigação e análise crítica aformatado no livro O bravo matutino (1980), de
Maria Helena Capelato e Maria Ligia Prado, e a pesquisa de Vavy Pacheco Borges
sobre as relações entre Getúlio Vargas e a oligarquia do estado, investigada em jornais
da imprensa paulistana. Ressalta-se que, a partir dos estudos de Maria Nazareth
Ferreira, a História do movimento operário encontrou suas fontes na imprensa, não em
jornais de cunho empresarial e sim na imprensa de pequenas oficinas sem receita
publicitária, de militantes abnegados (LUCA in PINSKY, 2005).
No que tange às revistas como impressos periódicos, objetos e fontes de
pesquisa, menciona-se a alargada investigação de Ana Luiza Martins (2001), Revista em
revista: imprensa e práticas culturais em tempos de República, São Paulo (1890-1922),
que conceituou esse gênero de impresso, esclareceu suas condições de produção,
mapeou o seu processo de difusão e inquiriu acerca da natureza de semanários e
mensários circulantes pela cidade de São Paulo. São relevantes também as abordagens
de Maria Celeste Mira, em O leitor e a banca de jornal, sob o qual discute acerca do
histórico da trajetória da revista no país, sobretudo na década de 60; Márcia Padilha, que
discorre sobre o caráter multifacetado da cidade de São Paulo, através da publicidade
contida nas páginas de Ariel e A Cigarra; e Ana Maria Mauad, através de perspectiva
histórico-semiótica das revistas Careta e Cruzeiro, analisa a representação social e os
códigos de comportamento da classe dominante carioca na primeira metade do século
XX (LUCA in PINSKY, 2005).
A partir disso, espraiam-se as pesquisas científicas que tem a imprensa como
fonte e objeto de pesquisa: Luca (in PINSKY, 2005) aponta estudos que envolvem
imbricações entre imprensa e questões do campo da literatura, de gênero, da infância, da
política e da censura. Nesse texto, importa a relação que há entre imprensa, cultura e
arte. As revistas O Espelho (1859 – 1860), Klaxon (1922 – 1923), Revista do Globo
(1929 – 1967), Senhor (1959 - 1964), José (1976 – 1978), Aplauso (1988), Cult (1998),
Revista Cultural Artpoesia (1999), Coyote (2002), Raiz (2005), Bólide (2012 – 2014),
Revista Arte Brasileira (2016), ilustram um breve levantamento histórico acerca da
publicação de revistas brasileiras, no setor de periódicos culturais – literatura e arte.
Em se tratando da revista Bravo! (1997 – 2013), a primeira edição foi lançada
em outubro de 1997 pela extinta editora D’Avila Comunicações Ltda. O periódico era
publicado mensalmente e denominava-se como uma revista brasileira inteiramente
dedicada a todas as artes e carregava consigo o slogan “o melhor da cultura em x mês de
x ano”. A produção e a disseminação de artigos focavam o campo da literatura e
diversas dimensões do universo artístico, especificamente Artes Visuais, Teatro, Dança,
Música e Cinema. Seu discurso abrangia a cultura de modo ensaístico-crítico. Em março
de 2004, a referida revista passou a ser publicada pela editora D’Avila sob gestão da
editora Abril e, em novembro de 2006, foi gerida e publicada somente pela editora
Abril, editora em que permaneceu até seu último periódico, em agosto de 2013.
Considerando os estudos acerca da imprensa, como fonte e objeto de pesquisa,
pensa-se em alguma categoria analítica. Em se tratando da revista Bravo!, do processo
de catalogação da edição 1997 – 2013, composta por 192 exemplares, foi possível
identificar a categoria retrato como relevante. Desse modo, o foco da análise neste
artigo trata-se de algumas imagens da revista Bravo!, especificamente de retratos das
capas. Nesse contexto, é importante destacar a investigação em nível de mestrado, de
Ana Luisa Cruz Suzigan (2012), a qual discute sobre os retratos das capas da revista
Bravo!, estritamente no que tange ao campo do design.
.
Sobre imagem
As imagens são artefatos onipresentes na história e cada vez mais abundantes na
contemporaneidade. Sua acepção, portanto, varia ao longo do tempo e abarca uma
multiplicidade de sentidos. Aqui, a teoria das imagens será voltada somente às imagens
visuais e será abordada de acordo com teorias da arte apresentadas pelos autores
franceses Jacques Aumont (2012) e Martine Joly (2012).
Aumont (2012, p. 7), em seu livro A Imagem, tem como foco a análise acerca do
que é comum a “todas as imagens visuais”, independente de sua natureza, forma, uso e
modo de produção. Para isso, propõe discutir sobre cinco problemas da teoria das
imagens concernentes à visão ou percepção visual, ao espectador, ao “dispositivo” –
“fatores que regulam a relação do espectador com a imagem” (AUMONT, p. 9), o
funcionamento próprio da imagem – representação e significação, e sobre
especificidades de imagens artísticas. Nesse texto, interessam os problemas que se
referem à visão e às especificidades de imagens artísticas.
A visão ou percepção visual é o processamento de operações ópticas, químicas e
nervosas, três operações distintas e sucessivas, que nos chegam por intermédio da luz. A
luz atinge todos os objetos que, por sua vez, refletem inúmeros feixes luminosos
(comprimento de onda) em todos os sentidos. Os objetos, particularmente os
cromáticos, se “manifestam” pelos fluxos de feixes luminosos dirigidos aos olhos (às
pupilas). Nos olhos, são as células fotossensíveis – 130 milhões de cones e de
bastonetes, que transformam a energia luminosa em energia elétrica que é enviada pelo
nervo óptico ao cérebro. Dessa forma, a retina é o ponto final do caminho percorrido
pela luz na construção da imagem (ARNHEIM, 1988; AUMONT, 2012; PEDROSA,
2014). Considera-se que “não há imagem sem percepção de uma imagem”, esta
compreendida como “um objeto cultural e histórico por excelência” (AUMONT, 2012,
p. 72).
No que concerne às especificidades das imagens artísticas, Aumont (2012, p.
271) explicita que tais imagens são associadas permanentemente às esferas da invenção
e da descoberta e que as considera “implicitamente mais interessantes (mais originais,
mais fortes, mais agradáveis, mais duráveis)”, sendo as demais imagens entendidas
como “cópia” da imagem artística.
Se, a partir das discussões de Aumont (2012), é possível refletir acerca do
significado da imagem, combinado à percepção visual, e das especificidades das
imagens artísticas, com Martine Joly (2012), faz-se relevante ressaltar a sua proposição
quanto à acepção da imagem e sua análise.
Joly (2012, p. 55), na esteira dos campos da semiótica e da linguística, concebe a
imagem como “signo icônico”1, como uma linguagem, como uma ferramenta de
expressão e de comunicação, e assegura que para analisar uma mensagem visual, em
primeiro lugar devemos nos colocar do lado ao qual nos situamos, o lado da “recepção”.
Frente à mensagem visual, a autora sugere que:
[...] devemos contemplá-la, examiná-la, compreender o que suscita em nós,
compará-la com outras interpretações; o núcleo residual desse confronto
poderá, então, ser considerado como uma interpretação razoável e plausível
da mensagem, num momento X, em circunstâncias Y (JOLY, 2012, p. 44-
45).
Analisar a imagem sendo o sujeito “receptor” implica em buscar pontos de
referência, operar com base em certo repertório visual, descrever a imagem,
mobilizando tanto a consciência quanto a inconsciência desse sujeito que se faz
espectador. Considerada a imagem como uma mensagem para o outro, o “receptor”,
1 O conceito de signo designa “algo que se percebe – cores, calor, formas, sons – e a que se dá uma
significação” (JOLY, 2012, p. 30). O ícone, segundo Joly (2012, p. 36) embasada em Peirce, corresponde
“à classe dos signos cujo significante tem uma relação analógica com o que representa”, sendo possível
distinguir diversos tipos de analogia e diversos tipos de ícone (imagem – analogia qualitativa; diagrama –
analogia de relação; metáfora – paralelismo qualitativo).
Joly (2012) concorda com Aumont (2012) ao compreender a imagem como
“instrumento de intercessão entre o homem e o próprio mundo”. Apoiada em pesquisas
de autores como Roland Barthes, de Georges Péninou e de Jacques Durand, a autora
propõe analisar a mensagem visual a partir das três partes que a constituem: a
mensagem plástica, a mensagem icônica e a mensagem linguística.
A mensagem plástica abarca as ferramentas plásticas da imagem, a exemplo:
suporte, quadro, enquadramento, ângulo de tomada e escolha de objetiva (para imagens
fotográficas), composição/diagramação, formas, cor, iluminação, textura. A mensagem
icônica corresponde aos elementos de representação ou elementos figurativos
reconhecíveis nos motivos. A mensagem linguística relaciona-se a “imagem das
palavras” (JOLY, 2012, p. 110), tipografia, escolha da cor dos tipos, escolha dos
caracteres, e ao conteúdo linguístico. É relevante destacar que essa abordagem de
análise pressupõe significantes (signo) e significados (conceito). As conotações de
segundo nível para significados de primeiro nível são dados importantes para a análise
da mensagem icônica2.
Sobre o retrato na História da Arte
O retrato é compreendido como um gênero artístico3. Trata-se de uma
representação gráfica do ser humano, podendo ser de caráter privado, real ou oficial e
realizada nas mais diversas e distintas linguagens artísticas, desde as tradicionais pintura
e escultura, até a mais recente, a fotografia.
O retrato pintado, “é composto de acordo com um sistema de convenções que
muda lentamente com o tempo. A postura e gestos dos modelos e os acessórios e os
objetos a sua volta seguem um padrão e estão frequentemente carregados de sentido
simbólico. Nesse sentido, um retrato é uma forma simbólica.” (BURKE, 2017, p. 42).
Burke (2017, p. 43) indica que “as convenções de gênero possuem um propósito:
apresentar os modelos de uma forma especial, usualmente favorável”. Nesse contexto,
2 Para melhor entendimento, um exemplo: significante icônico – couro macio; significantes de primeiro
nível – produto natural; conotações de segundo nível – calor, sensualidade, resistência, proteção (JOLY,
2012). 3 Compreende-se gênero artístico como categorias relacionadas ao conteúdo de obras de arte. Além do
retrato, há o gênero mitológico, a paisagem, a arte sacra, a natureza-morta, a alegoria e cenas da vida
cotidiana (PRETTE, 2008).
considera-se a existência de possibilidades de que os retratados estivessem vestindo as
suas melhores roupas – e não as habituais, expressando o seu melhor comportamento,
no sentido de elaborar gestos, gestos mais elegantes que os costumeiros, e ainda, há
indícios de que alguns pintores disfarçassem as deformidades físicas dos retratados4.
O retrato pintado, nesses casos, pode ser entendido como um registro de
“apresentação do eu” em que artista e modelo eram cúmplices, retrato enquanto
elaboração cênica, não registro (do) real (BURKE, 2017, p. 43)5. Tal elaboração cênica
é testemunhada pelo uso de acessórios junto aos modelos, os quais eram
compreendidos, segundo Burke (2017, p 44), como “‘propriedades’ no sentido teatral
do termo”, indicando realeza, papeis sociais específicos, fidelidade. Maria Carla Prette
(2008, p. 16) concorda com Burke ao reconhecer que “a postura da figura representada,
o ambiente que a cerca, os objetos particulares que lhes estão próximos contam quem é,
qual a sua função social, quais os seus méritos e o seu poder”. Sobre essas questões,
Burke complementa:
Sejam eles pintados ou fotografados, os retratos registram não tanto a
realidade social, mas ilusões sociais, não a vida comum, mas performances
especiais. Porém, exatamente por essa razão, eles fornecem evidência
inestimável a qualquer um que se interesse pela história de esperanças,
valores e mentalidades sempre em mutação (BURKE, 2017, p. 44).
Apoiando-se na disciplina da História da Arte, é possível pensar nos retratos no
sentido da performance, como evidência para criar e/ou recriar em Arte e para
compreender especificidades em História. As obras O Casal Arnolfini (c. 1434), de Jan
Van Eyck (Figura 1), Mona Lisa (c. 1503-06), de Leonardo D’ Vinci, Os Embaixadores
(1533), de Hans Holbein, o Jovem, Autorretrato como alegoria da pintura (c. 1638-39),
de Artemisia Gentileschi, Autorretrato (c. 1665), de Rembrand Van Rijin, O senhor e a
senhora Andrews (c. 1750), de Thomas Gainborough, A banhista de Valpinçon (1808),
de Jean-Auguste-Dominique Ingres, Arranjo em cinza e preto nº1 (1871), de James
Mcneild Whistler, O senhor e a senhora Clark e Percy (1970-71), de David Hockney
(Figura 2), Marilyn (1967), de Andy Warhol, correspondem a um breve levantamento
histórico da arte pelo qual permeia questões relacionadas à performance no modo de
4 Segundo Burke (2017, p. 43) “a mandíbula protuberante do imperador Carlos V é conhecida pela
posteridade apenas através dos relatos nada lisonjeiros de embaixadores estrangeiros, uma vez que
pintores (incluindo Ticiano) disfarçavam a deformidade”. 5 Apoiado em Erving Goffman.
criação e de representação dos modelos. Essas obras dão a ver características sociais,
emocionais, religiosas e de trabalho, crenças, princípios morais, identidade, convenções
estéticas, épocas e influências culturais, através da ambientação, dos trajes, das poses,
dos acessórios do modelo e das técnicas empregadas pelo artista.
Figura 1: O Casal Arnolfini (c. 1434), de Jan Van Eyck.
Fonte: https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/o-casal-arnolfini-jan-van-eyck/
Figura 2: O senhor e a senhora Clark e Percy (1970-71), de David Hockney.
Fonte: https://www.tate.org.uk/art/artworks/hockney-mr-and-mrs-clark-and-percy-t01269
A artista e professora de arte Katia Canton (2004), em seu livro intitulado
Espelho de artista [autorretrato], apresenta artistas de distintos espaços-tempo a fim de
discutir e propor questões sobre o autorretrato, especificamente sobre questões que
remetem à História, à identidade dos artistas no que concerne ao processo de produção
artística, às formas do rosto e do corpo e à liberdade. Conotações de segundo nível
indicam questões relacionadas ao estado social, emocional, psicológico e espiritual, à
personalidade, aos desejos, a aspectos físicos e expressões faciais, ao tempo.
Dentre os destaques de Canton, faz-se relevante citar artistas como Albrecht
Dürer, Benedito Calixto, Tarsila do Amaral e Sandra Cinto. Dürer reconhecido por
realizar uma série de autorretratos no período renascentista, pintou seu Autorretrato com
casaco de peles (1500), se representando com a aparência de Jesus Cristo por crer que,
de acordo com Canton (2004, p. 9) “um artista, quando se tornava um verdadeiro
mestre, tinha tanta importância quanto Deus ou Jesus”. A análise da obra Autorretrato
(1923), de Benedito Calixto, discorre sobre a profissão do artista, ser pintor, através de
características como a pose, o olhar, a vestimenta e o objeto que o modelo segura.
Canton (2004, p. 16) declara que “Calixto parece olhar intensamente para nós, com
orgulho de si e de sua profissão”. Já, em relação ao autorretrato Manteau Rouge (1923),
de Tarsila do Amaral, ressalta-se a elegância da artista, a sua beleza e o seu status
social. Por fim, a obra de Sandra Cinto, autorretrato sem título (1999), caracteriza-se
por ser um autorretrato contemporâneo unindo suportes e materiais, em que sua análise
remete a coexistência de sonho e realidade.
A seguir, serão apresentados os retratos da revista Bravo!, bem como as
respectivas considerações, atendendo as discussões anteriormente referidas sobre o
gênero retrato e sobre as demais categorias de pesquisa, imagem e imprensa.
Sobre o retrato na revista Bravo!: algumas considerações
Durante o processo de catalogação dos 192 exemplares que compõem a edição
1997 – 2013, processo que se encontra em andamento, foi possível identificar a
quantidade significativa de retratos presentes nas capas. De um total de 123 exemplares
catalogados, 64% da edição 1997 – 2013, há 95 retratos nas capas (77,23%), tendo a
representação de homens em 65 exemplares, de mulheres em 24 exemplares e em 6
exemplares há a coexistência de homens e de mulheres. Nesse texto, interessa tratar
sobre os retratos compostos por mulheres. As edições aqui consideradas serão as
seguintes: número 93, 186 e 189. A tabela (Figura 3) a seguir explana informações
sobre dados relacionados à sua identificação, dados técnicos da capa e da edição.
Volume 8 15 15
Nº 93 186 189
Mês Jun Fev Mai
Ano 2005 2013 2013
Páginas
(quantidade)
114 98 98
Valor (R$) 9,50 15,00 15,00
Dimensão (cm) 22,8 x 27,3 22,8 x 27,3 22,8 x 27,3
Editora D’Avila sob gestão
Abril
Abril Abril
Presidente - Roberto Civita Roberto Civita
Direção geral Michel Laub Claudia Giudice Claudia Giudice
Redator-chefe Almir de Freitas Armando Antenore Armando Antenore
Editores Gisele Kato, Hélio
Ponciano, Marco
Frenette, Mauro
Trindade
- Lúcia Monteiro
Direção de Arte Elisabeth Slamek - Thiago Bolotta
Designer Noris Lima Renata Miwa e Thiago
Bolotta
Renata Miwa
Fotografia Valéria Mendonça Valéria Mendonça Ricardo Corrêa
Repórter Nina Rahe Nina Rahe
Tema da capa O Brasil que o
mundo vê
Regina Duarte: “Eu me
arrependo de haver
interpretado personagens
de modo tão exagerado”
Mulheres ainda são
minoria na arte?
Subtítulo do tema
da capa
Em meio a um ano
de homenagens na
França, o país discute
a força e os clichês
de sua cultura
Em uma longa e
amalucada entrevista, a
atriz reflete sobre os 50
anos de carreira, nega ser
tucana e questiona o fato
de sair na capa de
BRAVO!: “Vocês
enlouqueceram? Os
leitores vão rejeitar!”
Com trabalhos de
Frida Kahlo, Nan
Goldin, Louise
Bourgeois, Lygia Pape
e outras 61 artistas,
exposição do Rio de
Janeiro reacende a
questão:
Imagem da capa Fotografia: retrato;
Marília Pêra em foto
de Nino Andrés
Fotografia: retrato;
Regina Duarte, com um
arranjo de flores sugerido
por ela
Pintura - Retrato de
Frida; El marco
(1938), obra de Frida
Kahlo
Seção do tema Especial Teatro Artes Visuais
Proveniência do A autora José Luiz de Pellegrin A autora
Figura 3 – Dados de identificação das edições sob nº 93, 186 e 189.
Fonte: elaborada pela autora tendo o objeto de estudo como base
A escolha desses exemplares foi definida através da percepção visual
relacionada ao montante dos retratos, algo em comum nas imagens, a saber: mulher,
plano e uso de adereços na modelo. As considerações teóricas, aqui em tom breve, será
realizada em dois momentos, seguindo a metodologia de análise de imagem de Joly
(2012): o primeiro momento remete à descrição e o segundo, às análises das mensagens
plástica, icônica e linguística, sendo somente a mensagem plástica analisada. A seguir,
imagens das capas das edições 93, 186 e 189, e suas respectivas descrições.
Figura 4 – Capa da revista Bravo! nº 93. Fonte: A autora.
A imagem da capa do exemplar nº 93 apresenta a fotografia de uma mulher,
branca, com olhos azuis e cabelos escuros, vestida elegantemente com um blazer branco
com detalhes em vermelho, seu tecido aparenta ser grosso, estruturado e confortável. A
mulher encontra-se maquiada, com cílios postiços e batom vermelho escuro, e usa
adereços em excesso em seu corpo, brincos de argola de pérolas, vários e grandes anéis,
muitas correntes no pescoço, um broche no casaco e um grande adereço amarelo e
verde, formando uma flor, na cabeça. A mulher está enquadrada em um plano médio
exemplar
curto (cabeça até o meio do peito), sua pose indica que seu corpo está inclinado para a
esquerda, apoiado pelo braço que se dobra em direção ao queixo. A expressão facial
denota um leve sorriso. Trata-se de uma mulher famosa por sua atuação como atriz:
Marília Pêra. Os pontos de cor verde formam um triângulo, equilibrando a imagem.
Figura 5 – Capa da revista Bravo! nº 186.
Fonte: A autora
A imagem da capa do exemplar nº 186 apresenta a fotografia de uma mulher,
branca, sorridente, com olhos escuros, cabelos escuros e presos, vestida de forma
simples, com uma blusa de cor neutra, bege clara, sem detalhes, seu tecido aparenta ser
leve, com várias dobras. A mulher encontra-se com uma maquiagem sutil, com rímel
nos olhos e batom da cor de sua pele. Em sua cabeça, há o uso de um grande adereço:
trata-se de um arranjo de flores de cores quentes. A mulher não usa brincos. Há um
colar dourado em seu pescoço, com um pingente arredondado. A mulher está
enquadrada em um plano médio curto (cabeça até o meio do peito), sua pose é frontal e
equilibrada. Trata-se de uma mulher famosa por sua atuação como atriz: Regina Duarte.
Figura 6 – Capa da revista Bravo! nº 189.
Fonte: A autora
A imagem da capa do exemplar nº 189 apresenta uma pintura de uma mulher,
branca, séria, com olhos escuros, cabelos escuros e presos, com uma roupa verde, com
detalhe amarelo ocre. O rosto da mulher ressalta as suas características: as sobrancelhas
espessas e escuras e o buço. Sua boca é apresentada em tom alaranjado. Há uma trança
e um arranjo de flores amarelas em seu cabelo. A mulher não usa brincos. A mulher está
enquadrada em um plano médio curto (cabeça até o meio do peito), com pose três
quartos. A imagem apresenta muitas cores vibrantes. Flores e pássaros emolduram o
retrato da mulher. Trata-se de uma mulher famosa por sua atuação como pintora: Frida
Kahlo.
O segundo momento de análise das imagens é apresentado na tabela (Figura 7):
Análise de imagem:
Mensagem plástica
(Significantes)
Exemplar nº 93
(Significados)
Exemplar nº 186
(Significados)
Exemplar nº 189
(Significados)
Quadro Ausente, fora de
campo: imaginário
Ausente, fora de
campo: imaginário
Ausente, fora de
campo: imaginário
Enquadramento Fechado:
proximidade
Fechado:
proximidade
Fechado:
proximidade
Ângulo de tomada Leve câmera alta,
de cima para
baixo: domínio do
espectador
Ângulo à altura da
modelo e de frente:
igualdade
Ângulo à altura da
modelo e de frente:
igualdade
Composição Em forma de “z”:
apreensão
Em forma de “z”:
apreensão
Em forma de “z”:
apreensão
Forma Linhas orgânicas:
excesso, força
Traços: leveza,
suavidade
Linhas orgânicas,
linhas verticais:
profusão, rigidez
Dimensão Grande Grande Grande
Cores Dominante quentes Dominante
primárias
Dominante frias
Textura Lisa: visual Lisa: visual Lisa: visual
Figura 7 – Dados de análise de imagem das edições sob nº 93, 186 e 189.
Fonte: elaborada pela autora tendo o objeto de estudo como base.
Percebe-se que foi estabelecido um quadro relacional, que em alguns itens se
distingue e em outros, se assemelha. A composição somada ao enquadramento e a
dimensão, dá a ver o sentido da leitura, apreendendo o olhar para imaginar o que existe
para além do quadro da imagem, para refletir sobre os pormenores em destaque, e
também para os detalhes que passam despercebidos no primeiro momento do ver.
A análise da mensagem icônica seria necessário identificar os significantes
icônicos das imagens (mulher, pássaro, flor, brinco, pose, etc), para em seguida apontar
para os significados de primeiro nível e para as conotações de segundo nível. No que diz
respeito à análise da mensagem linguística, seria imprescindível analisar a tipografia, a
hierarquia tipográfica, as cores e tamanhos utilizados nos tipos, além de refletir acerca
do conteúdo linguístico.
Considerações finais
Foi proposto, nesse artigo, me ocupar de pensar sobre a revista que estudo, a
revista Bravo!, a partir do que ela propõe em suas capas, especificamente os retratos.
Para isso, estudos teóricos no que diz respeito à imprensa, à imagem e à História da
Arte foram discutidos. A análise das imagens escolhidas das capas da revista Bravo!, os
exemplares d nº 93, 186 e 189 foi realizada em parte. Ressalta-se que uma análise
aprofundada seria necessária para a construção da síntese para melhor aproximá-la às
categorias de pesquisa.
Referências
ARNHEIM, Rudolf. Percepção Visual. São Paulo: Pioneira, 1988.
AUMONT, Jacques. A imagem. 16 ed. Campinas, SP: Papirus, 2012.
BURKE, Peter. Testemunha ocular: o uso de imagens como evidência histórica. São
Paulo: Editora Unesp, 2017.
CANTON, Kátia. Espelho de artista: autorretrato. 3 ed. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
Grandes Pinturas / Dorling Kindersley. Tradução de Maria da Anunciação
Rodrigues. São Paulo: Publifolha, 2012.
JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. 14 ed. Campinas, SP: Papirus, 2012.
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY,
Carla Bassanenzi. (org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tania Regina de. (org). História da imprensa no
Brasil. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2013.
PEDROSA, Israel. Da cor à cor inexistente. 10. ed. Rio de Janeiro: Senac, 2014.