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CAPACITAÇÃO TECNOLÓGICA E COMPETITIVIDADE EMPRESARIAL NO SETOR DE MECÂNICA DE PRECISÃO NO RS.

Autores: Valmiria Carolina Piccinini e Cláudio Farias Resumo No Brasil, a partir dos anos 90, padrões de competitividade crescentes tem sido um dos itens mais exigidos das empresas, independente de seu ramo de negócio. Dessa forma, as vantagens competitivas resultam, de maneira geral, da capacitação acumulada ao longo do tempo, e das estratégias adotadas em função do processo concorrencial e do ambiente em que estão inseridos.

O objetivo principal deste trabalho é estabelecer a relação existente entre capacitação tecnológica e a competitividade empresarial no setor de mecânica de precisão do Rio Grande do Sul. A pesquisa caracterizou-se como do tipo levantamento, junto a dez empresas do setor. Entre as principais constatações, encontramos um setor com 80% das empresas analisadas de pequeno e médio porte, com exigências acentuadas na tecnologia do produto e do processo produtivo. Cerca de 80% das empresas possuem setor de P&D, tendo como atividades principais a realização de projetos e o desenvolvimento de produtos. Como resultados alcançados por influência das inovações tecnológicas (CAD, CAM, CLP, CNC etc.), os mais apontados foram: melhoria da qualidade dos produtos, racionalização de processos e aumento da produtividade.

INTRODUÇÃO A partir dos anos 90, padrões de competitividade crescentes tem sido exigidos das empresas brasileiras, independente de seu ramo de negócio. As vantagens competitivas resultam, de maneira geral, da capacitação acumulada ao longo do tempo, e das estratégias adotadas em função do processo concorrencial e do ambiente em que estão inseridos. Tal fato ocorre, de forma mais acentuada, em empresas de setores “dinâmicos”, de maior densidade tecnológica, como é o caso de empresas do ramo de mecânica de precisão.

O objetivo principal deste trabalho é estabelecer a relação existente entre capacitação tecnológica (seja ela industrial ou sócio-organizacional) e a competitividade empresarial no setor de mecânica de precisão do Rio Grande do Sul. Os dados utilizados para a elaboração deste artigo estão vinculados à pesquisa “Inovação Tecnológica e Sócio-Organizacional nas Indústrias de Plásticos de 3ª Geração e Mecânica de Precisão no Estado do Rio Grande do Sul”, realizada pelos pesquisadores do Grupo Interdisciplinar de Estudos da Inovação e do Trabalho (GINEIT) do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA/UFRGS). A pesquisa caracteriza-se como do tipo levantamento (survey), junto a dez empresas do setor analisado, contando com o apoio financeiro do CNPq e com a colaboração do Sebrae/RS e do SENAI/RS. Entre as principais constatações da pesquisa, encontramos um setor em que 80% das empresas analisadas, de pequeno e médio porte, com exigências acentuadas na tecnologia do produto e do processo utilizada pelas empresas do setor. Cerca de 80% das empresas que responderam ao questionário possuem setor de P&D próprios, tendo como atividades principais a realização de projetos e o desenvolvimento e aperfeiçoamento de produtos. Como resultados alcançados por influência das inovações tecnológicas (CAD, CAM, CLP, CNC etc.) foram mais apontados: melhoria da qualidade dos produtos, racionalização de processos e aumento da produtividade.

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2. NOTAS ACERCA DA COMPETITIVIDADE E DA CAPACITAÇÃO TECNOLÓGICA Embora freqüentes, os estudos de competitividade industrial apresentam dissonâncias conceituais e nas metodologias empregadas nestas avaliações. Em obra recente, Ferraz, Kupfer e Haguenauer (1995), explicitam a existência de duas linhas conceituais sobre competitividade. Na primeira, a competitividade é compreendida como uma medida do desempenho empresarial, também conhecida como competitividade revelada. Dessa forma, a posição competitiva da empresa está fortemente atrelada à sua participação e desempenho no mercado internacional. Este desempenho é caracterizado por fatores mensuráveis (nitidamente o preço do produto) e não mensuráveis (qualidade do produto, eficiência do sistema produtivo, atendimento aos clientes etc.). Na segunda, a competitividade é entendida como uma medida da eficiência empresarial. Dessa forma, a posição competitiva da empresa está relacionada à capacidade de transformar insumos em produtos, com um grau máximo de rendimento e utilização. Os indicadores mais empregados são os que comparam índices de produtividade de fatores, custos e preços, com as best practices verificadas no exterior. Ao contrário do “modelo” anterior, que avalia a competitividade como um fenômeno ex post à atitude empresarial, esta segunda visão apresenta-se como medida ex ante, refletindo o grau de capacitação detido pela empresa, traduzindo-se nas suas práticas gerenciais. Os mesmos autores posicionam-se contrários a esta diferenciação conceitual, entendendo que “tanto desempenho quanto eficiência são enfoques limitados por serem estáticos, analisando apenas o comportamento passado dos indicadores, sem elucidar as relações causais que mantêm com a evolução da competitividade” (Ferraz, Kupfer e Haguenauer,1995: 02). Para efeito das análises apresentadas neste trabalho, adotou-se metodologia e conceitos semelhantes aos utilizados no Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira (ECIB), que apresenta a competitividade como sendo “a capacidade de a empresa formular e implementar estratégias concorrenciais, que lhe permitam ampliar ou conservar, de forma duradoura, uma posição sustentável no mercado” (Coutinho e Ferraz, 1994). Neste trabalho privilegiaremos a análise da competitividade sob a ótica das estratégias organizacionais que garantem a capacitação tecnológica das unidades produtivas. Estas estratégias foram avaliadas a partir de quatro competências empresariais básicas: gestão, inovação, produção e recursos humanos. Quanto à capacitação, Ferraz e Coutinho (1994) conceituam como sendo o estoque de recursos, sejam eles tangíveis (materiais, humanos, financeiros etc.) ou intangíveis (imagem, qualidade percebida pelos clientes etc.), detidos pela empresa. Esta capacitação dificilmente é homogênea entre empresas, visto que está relacionada às experiências acumuladas pelas pessoas e os posicionamentos adotados pela empresa frente às situações estratégicas impostas pelo ambiente. Refletindo especificamente sobre a capacitação tecnológica, Passos e Lima (1996) tornam presente o envolvimento desta com um longo período temporal de aprendizagem, onde as empresas procuram ampliar seus conhecimentos e habilidades para a sustentação de suas rotinas de produção. No ambiente empresarial, vários são os mecanismos utilizados pelas organizações para ampliar suas capacidades tecnológicas, onde podemos citar a atualização dos equipamentos, a implantação de técnicas/sistemas sócio-organizacionais, investimentos em P&D, estabelecimento de acordos tecnológicos, licenciamento de tecnologia etc.

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Assim, as vantagens competitivas das empresas, em um dado momento, são resultantes de sua capacitação tecnológica e das estratégias empresariais empregadas diante das imposições de seu macro-ambiente. Dessa forma, podemos dizer que à medida que a empresa adota estratégias no sentido de ampliar suas capacitações em determinadas áreas, esta também serve de restrição à implementação de determinadas estratégias, visto que a organização somente é capaz de implantar estratégias em áreas que reúnem as competências necessárias. Assim, quanto maior o hiato entre as capacitações existentes e as desejadas, maior o volume de recursos necessário para fazer face à aquisição das competências exigidas. Uma característica da mecânica de precisão é a fabricação de equipamentos/ferramentas sob encomenda, em geral de maior complexidade tecnológica do que instrumentos padronizados. Tal fato faz com que essas empresas apresentem forte capacitação no desenvolvimento de projetos e para inovações em geral. Os produtos fabricados pela indústria de mecânica de precisão representam papel fundamental na operacionalização das atividades da eletromecânica1, devido ao importante mecanismo de transmissão de novas tecnologias, principalmente as que exercem influências sobre a qualidade e o custo dos produtos das empresas usuárias. Dessa forma, a indústria de bens de precisão desempenha um papel de centro difusor de inovações tecnológicas para o restante da matriz industrial. Tendo em vista avaliar a capacitação tecnológica e a competitividade empresarial do setor de mecânica de precisão do Rio Grande do Sul é que foi desenvolvida a pesquisa descrita a seguir.

3. METODOLOGIA UTILIZADA

Esta pesquisa caracteriza-se como do tipo levantamento, tendo sido enviados 31 questionários para empresas que utilizam mecânica de precisão, contendo questões abertas e fechadas. A seleção foi feita a partir do Anuário FIERGS2, do Cadastro Brasileiro de Empresas de Mecânica de Precisão do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) de 1988, e de entrevistas com profissionais e especialistas no setor. A totalidade das empresas do setor de mecânica de precisão foram consideradas, independentemente do porte, por considerarmos que, independente do tamanho, a sua existência está intimamente ligada ao avanço tecnológico.

Retornaram 10 questionários de empresas do setor, representando 30% da amostra. Através do SEBRAE/RS e SENAI/RS, juntamente com o questionário foi enviada uma carta solicitando a colaboração das empresas e explicando os objetivos do trabalho. Anteriormente, elas foram contatadas e solicitada a participação sendo enviado o questionário para a pessoa indicada neste contato. Caso os questionários viessem incompletos ou não fossem respondidos, era feito novo contato telefônico. Apesar deste esforço, só foram recolhidos 10 questionários dos 31 enviados. Com esta pesquisa intentamos atingir três objetivos básicos, a saber: a) reconhecer os tipos de inovações introduzidas nas empresas, os níveis de disseminação e estágios de implantação dessas inovações; b) identificar as características gerais das empresas que introduziram inovações; c) levantar os principais resultados alcançados pelas mesmas a partir da introdução das inovações tecnológicas e/ou sócio-organizacionais; e d) verificar, a relação entre a capacitação tecnológica e a competitividade das empresas do setor.

1 O complexo eletromecânico engloba a fabricação de produtos metálicos, máquinas não-elétricas, elétricas, material de transporte e instrumentos de precisão. 2 Para as empresas de mecânica de precisão a escolha neste Anuário seguiu o critério definindo estas empresas a partir de produtos tecnologicamente avançados, segundo a tipologia do IBGE.

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4. SETOR METAL-MECÂNICO - Subsetor Mecânica de Precisão Antes de tudo é preciso definir melhor Mecânica de Precisão. Segundo o Prof. Francisco Mazzei3, toda a mecânica é de precisão, variando apenas a tolerância metrológica sobre os produtos. Para fins de classificação definiu os níveis da mecânica como: 1- Mecânica Grosseira (baixa precisão, ex: confecção de portões de ferro etc.). 2- Mecânica Média (média precisão, ex: fabricação de implementos agrícolas). 3- Mecânica Fina (precisão de centésimos/milésimos de centímetros ex: fabricação de autopeças).

4- Mecânica Extra-Fina (precisão de décimos de microns, como é o caso da robótica). Assim quanto mais de “precisão” for a mecânica, maior o nível de tecnologia empregada na fabricação de seus produtos. Para melhor adequarmos os dados obtidos à pesquisa, trabalhamos o subsetor Mecânica de Precisão como Mecânica Fina. A produção é dirigida, predominantemente, ao mercado interno e os principais produtos são: parafusos de precisão, instrumentos médico-odontológicos, cabeças de impressoras térmicas, matrizes de injeção, lentes de precisão, espelhos de raio-x, fibras óticas, autopeças etc.4 Utiliza desde as tecnologias tradicionais (operadores convencionais) até as consideradas modernas, que utilizam CN, CNC, CAD/CAM5. Um problema para se traçar as características deste setor é a falta de uma definição única do mesmo. Com vistas a uma uniformização utilizaremos a de Cortopassi (1988:36) segundo o qual mecânica de precisão é “a área da mecânica que exige, nas diferentes fases do processo de produção (projeto, execução e aferição), de um elemento mecânico (peça, conjunto ou dispositivo), a utilização de medidas, tolerâncias, acabamentos e controle de qualidade com absoluta precisão". As empresas gaúchas estão concentradas em Porto Alegre e Região Metropolitana e no Nordeste do estado, com um número de empresas estimado em 31 (trinta e três), empregando cerca de 6.0006 trabalhadores. A mecânica de precisão depende, essencialmente, do desenvolvimento de um campo específico da engenharia, a engenharia de precisão, que vem se desenvolvendo há cerca de trinta anos para atender ao aumento crescente da aplicação da metrologia na fabricação. Essa nova área, de grande amplitude, objetiva a fabricação de componentes de precisão, o desenvolvimento de processos de fabricação, o projeto e a fabricação de máquinas-ferramentas de precisão, dispositivos e equipamentos de medição e sistemas de controle, pertencentes a uma classe comum em termos de precisões normatizadas (Di Giacomo, 1988). Os especialistas consideram a mecânica de precisão como uma área multidisciplinar, situada na intersecção de três campos distintos de conhecimento: mecânica, óptica e eletrônica. Apesar de serem as máquinas que impõem, geralmente, ritmo ao trabalho, na realidade, ritmo de produção e ritmo de trabalho estão estreitamente vinculados (Carvalho 1987:37). Este processo descontínuo, também conhecido como de formas, uma vez que imprimem formas às matérias-primas, visando à produção de produtos discretos, é o processo utilizado não só no setor metal-mecânico mas também, na eletroeletrônica e nas indústrias da construção naval e automobilística. No caso em estudo, as indústrias metal-mecânicas utilizam Mecânica de Precisão, mas, mesmo incorporando máquinas que substituem o trabalho humano em um amplo conjunto de operações, necessitam ainda da intervenção dos operários que se encarregam 3 Entrevista realizada em 02.04.96 com o Prof. Francisco Mazzei, Engenharia Mecânica - UFRGS. 4I Simpósio Brasileiro de Mecânica de Precisão, op.cit. 5I Simpósio Brasileiro de Mecânica de Precisão. São Paulo, MCT/Abimaq/SMP, 1988. 6Catálogo Industrial/RS 1994/1995. FIERGS, Porto Alegre, 1995 e dados da pesquisa.

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diretamente de muitas das operações de transformação, e os investimentos no processo produtivo não podem, apenas, relacionar-se com a modernização das máquinas e equipamentos. Assim, tem-se observado uma preocupação crescente na formação dos recursos humanos da empresa, principalmente na área de produção, devido às exigências de qualificação desta mão-de-obra (sobretudo operadores de máquinas). A introdução das inovações tecnológicas e organizacionais tem causado um impacto sobre o perfil desses trabalhadores, especialmente os de “chão de fábrica”. As exigências de conhecimentos práticos e teóricos, assim como atitudes e habilidades, tem se tornado cada vez maiores. Dessa forma, grande parte das empresas estão retreinando a sua mão-de-obra, afim de adequá-la ao novo perfil tecnológico. Geralmente estes treinamentos são voltados para os programas de qualidade. Em muitos casos, anterior a implantação desses cursos, foi necessária a implementação de cursos básicos de formação escolar, devido ao grande número de trabalhadores com precária formação escolar o que dificultava o treinamento. Percebe-se, também, a utilização de inovações organizacionais aliadas à introdução dessas novas tecnologias de produção. Essas novas práticas gerenciais são, na sua grande maioria, de origem japonesa (JIT, KANBAN, TQC, etc.), introduzidas principalmente para dar suporte a essas máquinas, que, por terem um custo muito elevado e pela natureza dos produtos fabricados, exigem um maior índice de qualidade e produtividade dos produtos. A natureza destas novas tecnologias (tanto industriais, quanto organizacionais) é responsável pelo surgimento de um novo padrão de relacionamento entre a gerência e o trabalhador neste setor. A maior sofisticação das máquinas e o novo papel assumido pelo trabalhador da produção (basicamente de monitoramento dos equipamentos), impõe, ao mesmo tempo, um alto nível de confiança na capacidade produtiva e de envolvimento do trabalhador, e um maior controle por parte das gerências imediatas. Esta exigência e “confiança” vai além do nível individual do trabalhador, visto que muitas destas fábricas trabalham, hoje em dia, em sistema de grupos ou células de produção. Tendo em vista a própria natureza das empresas e dos produtos, aliados à necessidade de certificação da ISO, nos últimos anos essas empresas vêm passando por um processo de reestruturação de seu quadro funcional. No início, a redução do número de empregados se deu pela aquisição de equipamentos mais sofisticados, que reduziram, o número de trabalhadores necessários à fabricação desses produtos. Com o quadro de funcionários já reduzido, foram implementados novos modelos de gestão, exigindo dos trabalhadores escolaridade e qualificação. Por essas razões, o acesso ao mercado de trabalho neste setor se torna cada vez mais seletivo, sendo que a grande maioria dos empregados saem de cursos técnicos e/ou profissionalizantes, do tipo SENAI etc. Esta restrição do mercado de trabalho provoca um aumento médio na remuneração dos trabalhadores, que é formada de uma parte fixa, o salário, e uma parte variável, geralmente mais representativa, constituída por abonos, prêmios de produtividade etc. Segundo Coriat (1991:21-22), estes incentivos financeiros são um forte estímulo a uma maior participação dos trabalhadores, porém, não representam nenhum acordo negociado com os operários, mas, sim, um acordo tácito entre estes e as gerências. Sendo uma das características do trabalho o acompanhamento de máquinas e processos, com o controle das irregularidades maiores feitas pelos supervisores, é possível empregar os trabalhadores menos qualificados. Mas, para uma maior produtividade e qualidade é necessária uma maior confiabilidade no desempenho dos trabalhadores, razão pela qual o trabalho é organizado em equipes, que atuam com certa autonomia, para poderem reagir de forma adequada quando defrontados com situações críticas. Se existe uma maior exigência sobre o trabalhador da produção em termos de qualificação, envolvimento, escolaridade etc., o mesmo se verifica em relação aos gerentes. A qualificação da gerência neste setor é alta, sendo a grande maioria dos cargos ocupados por

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funcionários com nível superior completo e/ou pós-graduação, cuja atividade é, na maioria das vezes, de monitoramento e acompanhamento do trabalho dos grupos, das máquinas e processos. Também é tarefa do gerente o controle e a manutenção dos parâmetros de qualidade e produtividade exigidos pela empresa, apesar de que, aos poucos, estas responsabilidades estejam sendo transferidas para as células de produção. Um exemplo deste alto grau de exigência sobre as chefias intermediárias é o emprego de gerentes com uma faixa etária de 28 a 40 anos, medida esta que visaria diminuir a postura autoritária que predominaria entre gerentes mais antigo.

5. RESULTADOS DA PESQUISA

Das 10 empresas que responderam ao questionário objeto de nossa análise, 4 são de pequeno porte, 4 são de médio porte e 2 de grande porte. São empresas de capital nacional, e apenas uma empresa afirmou que parte é estrangeiro. A grande maioria destas (90%) destina entre 76% a 100% de sua produção para o mercado interno.

Do total, quatro das empresas observadas possuem a totalidade da sua tecnologia do processo produtivo enquadrada como nacional desenvolvida, adquirindo toda sua tecnologia no Brasil e nas demais se diversifica entre nacional desenvolvida e nacional adquirida. Isso decorre do fato de trabalharem basicamente com equipamentos que devem se adaptar às especificações técnicas exigidas pelos produtos, devendo estas empresas, em alguns casos, desenvolver seus próprios equipamentos e ferramentas de trabalho. Interessante destacar que a metade das empresas de pequeno porte observadas desenvolvem, tanto sua tecnologia do produto como do processo produtivo. Cabe ressaltar que, empiricamente, percebe-se a forte proximidade entre estas tecnologias, onde o processo interfere em muito no produto e vice-versa.

Comprovando o observado acima, verificou-se que 80% das empresas possuem setor de P&D, tendo como atividades principais a realização de projetos e o desenvolvimento e aperfeiçoamento de produtos. Consoante a presença deste setor nas empresas pesquisadas, observou-se que cinco implantaram inovações tecnológicas que se referem à melhoria dos produtos. Isso demonstra que o setor de P&D nestas empresas detém uma forte influência sobre as políticas tecnológicas destas, até pela própria característica deste segmento industrial (empresas de grande capacitação tecnológica, grandes exigências de qualidade etc.).

Quando questionadas sobre as tecnologias e equipamentos implantados, os mais citados são o CAD, CAM, CNC e CLP nesta ordem de freqüência de uso, refletindo uma forte preocupação com o processo produtivo e com o projeto do produto. Apenas duas das empresa pesquisadas afirmaram terceirizar a utilização de tais tecnologias.

Dos resultados alcançados por influência das inovações tecnológicas, os mais apontados foram: melhoria da qualidade dos produtos, racionalização de processos e aumento da produtividade. Interessante destacar os resultados que foram apresentados pelas pequenas empresas, que além dos anteriormente citados, incluíram: melhorias no ambiente físico da fábrica e uma maior participação dos empregados nas decisões operacionais.

À respeito da implantação de inovações sócio-organizacionais (ou de gestão, ou administrativas), cinco empresas implantaram tais inovações, três ainda não implantaram e duas estavam em fase de implantação. Quanto aos setores da empresa abrangidos por tais inovações, os mais freqüentes foram P&D, Engenharia Industrial, Suprimentos e Marketing.

As filosofias/sistemas sócio-organizacionais mais utilizadas referiam-se ao Controle da Qualidade Total (TQC) e Reengenharia. Algumas empresas, principalmente as de médio e grande porte, citaram também Gestão Participativa e Qualidade de Vida no Trabalho. Quanto

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aos métodos e técnicas empregados, os mais citados foram os Grupos de Melhorias (GMs) e 5S (House-Keeping). Outras técnicas como os Círculos de Controle da Qualidade (CCQs), Células de Produção e Trabalho Polivalente/Multifuncional também foram mencionadas. Os possíveis motivos para implementação de tais métodos/técnicas podem ser, a necessidade de se promover resultados de curto prazo e de impacto visual à organização.

Como resultado das inovações sócio-organizacionais implantadas foram apontados: racionalização de processos, melhoria do ambiente físico e maior comprometimento com as metas da organização. Destacaram também, as melhorias das relações de trabalho, maior participação dos empregados nas decisões operacionais e aumento da produtividade

Oito das empresas declararam desenvolver algum tipo de técnica ou programa participativo. No entanto, quando questionados sobre a adoção de programas de incentivo à participação específicos aos trabalhadores, cinco responderam não adotar programas participativos. Isso coloca em dúvida se estas empresas realmente adotam algum tipo de programa, pois entendemos que estas não podem ser implementados efetivamente sem a existência de algum programa de incentivo à participação do trabalhador. Quanto a treinamento e/ou formação básica a seus empregados, oito das empresas declararam possuírem algum programa neste sentido.

A competitividade do setor de mecânica de precisão é dependente da sua capacidade de desenvolvimento dos produtos, de atualização tecnológica e da sinergia entre fornecedores, produtores e consumidores. É importante, também, a especialização das plantas e o aprendizado obtido com o próprio processo de produção, pela geração de inovações incrementais e o aperfeiçoamento do próprio processo produtivo. Um fator que pode inibir a competitividade é o fato de que grande parte dessas empresas, sobretudo as pequenas, são de estrutura familiar, sendo o proprietário o centralizador do conhecimento técnico dificultando, assim, a introdução de novas técnicas de organização da produção.

6. CONCLUSÕES As empresas de mecânica de precisão, por suas características de difusores de tecnologia, têm como função principal a capacitação, geração e fornecimento, aos demais setores, de instrumentos/ferramentas tecnologicamente atualizados. Dessa forma, o crescimento e posicionamento dessas empresas no mercado está condicionado ao papel desenvolvido pelo setor de P&D, bem como do volume de investimentos realizados. Alguns dos mecanismos utilizados pelas empresas pesquisadas, a fim de promover o incremento de sua capacitação tecnológica, são geralmente apresentados como a atualização dos equipamentos, o controle rígido da qualidade durante o processo de produção, a constante interação com os clientes e as fontes formais de capacitação profissional (SENAI, Escolas Técnicas, Universidades etc.), além do emprego de inovações sócio-organizacionais no planejamento e controle da produção e do trabalho. No que se refere à ampliação da capacitação tecnológica dos produtos fabricados, estas empresas valem-se do estreito relacionamento estabelecido com seus clientes. O atendimento das suas necessidades configura-se não só como um diferencial competitivo, mas também importante fonte de incentivo à inovação tecnológica. Da mesmo forma, a participação em feiras e exposições do setor, tanto no Brasil quanto no exterior, aliado às parcerias e consultas ao centros tecnológicos (como é o caso do Centro Tecnológico de Mecânica de Precisão - CETEMP/RS), se apresentam como caminhos importantes para obtenção de informações tecnológicas. Sendo uma característica do setor a produção de bens sob encomenda, em geral com um agregado tecnológico maior, a sofisticação e o atendimento às especificações dos clientes

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são atributos valorizados, que acabam por influenciar na formulação das estratégias empresariais empregadas por estas organizações. Neste caso, o domínio da capacitação no desenvolvimento do projeto e para inovações em geral é fator importante na busca de um diferencial competitivo entre as empresas. Outra característica que promove uma diferença significativa entre as empresas do setor é o “segredo” tecnológico dos produtos/projetos desenvolvidos em parceria com as empresas-clientes, visto que as especificidades destes projetos conferem a vantagem competitiva dos usuários destes equipamentos em seus mercados. As empresas, sendo de pequeno e médio porte, geralmente de caráter familiar e concentradas espacialmente na região metropolitana de Porto Alegre e nos arredores de Caxias do Sul, adotam uma postura de integração vertical de suas plantas, bem como de redução dos custos no processo produtivo. Este processo também é caracterizado pela alta qualificação dos funcionários e dos gerentes e proprietários, que em geral, são engenheiros ou técnicos, com experiências adquiridas em outras empresas do mesmo ramo. No que se refere aos custos de produção, além de relacionar-se à estratégia de produto, as empresas também são forçadas a adequar-se à abertura do mercado interno à compra de equipamentos e ferramentas no exterior, aquisições estas que se dão principalmente pelas empresas que atuam com MFCN. No entanto, sobretudo nas empresas de mecânica de precisão, a qualificação dos trabalhadores e gerentes mostra-se crucial diferencial competitivo, apresentando-se como principal item sobre o qual as empresas centram suas estratégias. Constata-se neste estudo, coincidindo com os realizados nos mesmos setores (Carvalho, 1987; Diaz, 1988, Guimarães, 1995) que as empresas do setor metal-mecânico, que utilizam Mecânica de Precisão, percebem a necessidade de um trabalhador mais qualificado e envolvido com os objetivos da organização. Pelo interesse e necessidade de manterem e ampliarem sua participação no mercado precisam estar preparadas para a concorrência de outras empresas nacionais ou das importações. O nível de qualificação exigido dos trabalhadores não é apenas para suprir suas deficiências na busca da competitividade, mas também, atender as demandas de qualidade do mercado, decorrentes do alto nível tecnológico que vem sendo empregado neste setor. Em estudos de caso realizados em etapas precedentes desta pesquisa, observou-se que em algumas destas empresas, uma das estratégias adotadas foi a ampliação da exigência de um maior nível de escolaridade de seus funcionários como forma de ser competitiva. Outras, que já possuem um corpo técnico de nível superior muito elevado, e também, técnicos de nível médio, para alcançar o credenciamento da ISO 9000, realizaram treinamento com seus operários, pois não possuíam um programa formalizado neste sentido. Constatou-se que as organizações que trabalham com mecânica de precisão apostam na alta qualificação das gerências e sobre estas parece estar concentrada verdadeiramente as responsabilidades e o controle do processo. No entanto é sobre a gerência de linha que se concentra a responsabilidade do controle. Resta saber se esta concentração de responsabilidade na gerência é para, efetivamente, manter o controle em mãos da gerência ou se os trabalhadores não podem assumir maiores responsabilidades, por seu baixo nível de formação profissional, ou por não aceitarem o aumento de responsabilidades em relação ao seu trabalho, sem uma melhor remuneração para este esforço. Nos processos industriais descontínuos estas “inovações favoreceram o controle e a intensificação do trabalho, a desqualificação das ocupações ligadas diretamente à produção e a utilização da rotatividade como instrumento de controle” (Carvalho 1987: 37). Nas indústrias de processo contínuo, segundo Schmitz (1985), aumentou a relação de confiabilidade entre a gerência e o trabalhador, proporcionando a adoção de políticas empresariais voltadas para a participação dos mesmos. E, que esta “confiabilidade”, isto é, a

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exigência de maior eficiência por parte dos trabalhadores passa a ser mais coletiva que individual. Observou, também, que nas indústrias de fibras sintéticas, em que as paradas acarretam grandes prejuízos, a confiança nos trabalhadores é fundamental. Como apresentamos, a competitividade no setor de mecânica de precisão está fortemente atrelada à capacitação tecnológica, em geral, e à qualificação profissional de trabalhadores e gerentes, em particular. Isto ocorre não por um processo de diferenciação competitiva, mas sim por exigência do mercado consumidor de equipamentos e ferramentas de precisão. Da mesma forma, a abertura comercial promovida pelo governo desde o início da década de 90, acentuou as ineficiências produtivas, tanto das empresas produtoras quanto das consumidores de bens com alta agregação tecnológica. Reagindo a este cenário, as empresas de microeletrônica incentivaram um maior relacionamento com os seus clientes e fornecedores, bem como a redução dos custos ligados à produção. Atualmente as empresas têm se conscientizado da necessidade de contratarem um força de trabalho bem qualificada, além de adotarem uma política de parceria junto a instituições de ensino, tanto de nível técnico, como superior. Além disso, mesmo as pequenas empresas compreendem a necessidade de implantarem novos modelos gerenciais, voltados à busca da melhoria das relações de trabalho e de um maior comprometimento dos funcionários com as metas da organização, pois é através deles que podemos alcançar os objetivos de capacitação tecnológica e competitividade empresarial.

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