capacidade relacional de jesus

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Olhando para os Evangelhos, Jesus é chamado de mestre 45 vezes, e outras 16 vezes por títulos equivalentes. Jesus nunca foi chamado de pregador. Ainda, Jesus aparece 45 vezes ensinando e apenas 11 vezes pregando, das quais, 9 estão acompanhadas do verbo ensinar. A mensagem de Jesus é chamada de ensino 39 vezes, e 6 vezes de sabedoria. Nunca Sua mensagem foi chamada de sermão.

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Marcelo Magalhães

São Paulo / 2012

Capacidade Relacionalde Jesus

Uma verdadeira lição de atitude, amor, tolerância, humildade, respeito e espiritualidade

Prefácio

Prefaciar uma obra não é tarefa fácil, pois compreende captar com precisão a intenção original do escritor e a ideia que ele tenciona transmitir aos seus leitores, reproduzindo-a de tal maneira que desperte nos mes-mos um senso aguçado de que realmente precisam ler a obra em questão. Prefaciar uma obra do professor Marcelo Magalhães é ainda mais complicado, devido a sua inteligência e profundidade. Seu ensino é maduro e equilibrado. O assunto é deveras importante para a prática equilibrada do Evangelho de Jesus. A igreja não é um lugar para experimentos, mas aprisco que se propõe a ajudar os crentes a viverem integralmente os ensinos do Mestre.

A presente obra inicia com a contextualização do Filho de Deus e sua consequente exaltação como o Mestre por excelência. Olhando para os Evangelhos, Jesus é chamado de mestre 45 vezes, e outras 16 vezes por títulos equivalentes. Jesus nunca foi chamado de pregador. Ainda assim, Jesus aparece 45 vezes ensi-nando e apenas 11 vezes pregando, das quais 9 estão acompanhadas do verbo ensinar. A mensagem de Jesus é chamada de ensino 39 vezes, e 6 vezes de sabedoria. Nunca Sua mensagem foi chamada de sermão. Jesus sempre ensinava em Seus encontros. Os Evangelhos

apresentam 184 relatos de encontros de Jesus com pes-soas, os quais sempre resultavam em ensino, desafio, exortação e consolo. O ministério de Jesus era marcado pela dinamicidade. Vários textos demonstram Jesus percorrendo incansavelmente as cidades e povoados no intuito de ensinar o Evangelho do Reino. Na Sua missão de ensinar, o fazia com autoridade, sendo reconhecido como Mestre por muitos dos Seus interlocutores.

O autor explora ainda a característica indelével de Jesus em se relacionar com as classes menos favorecidas e com os sumariamente rejeitados pela sociedade, dando voz aos que não tinham voz, e esperança aos desesperançados, sem comprometer a mensagem que ensinava, sem diminuí-la em sua significância para a salvação das pessoas. Jesus nunca comprometeu Sua idoneidade e nem maculou Sua inserção ministerial neste mundo, no intuito de buscar e encontrar os per-didos. As pessoas amavam estar próximas a Jesus, pois nele havia um diferencial. Ele as tratava com respeito e dignidade, despertando nelas sentimentos nobres de mudança e conserto, o que desembocava numa aliança perfeita com Deus.

A obra vai crescendo em brilho quando o autor insere Jesus no contexto da época, mostrando que Ele verdadeiramente se encarnou com um propósito, intera-gindo com as diversas classes sociais, grupos e facções, tanto de ordem religiosa quanto política. Vale a pena ler o capítulo que contém as narrativas e as devidas descrições características destes diversos segmentos. Jesus conseguiu passar por todos eles, mantendo o foco na cruz e na consequente salvação da humanidade.

Quando precisou criticar, não hesitou. Quando precisou falar de forma contundente, fê-lo sem perder a ternura e a docilidade. Elogiou quando necessário. Exortou em amor seguidamente.

O capítulo que trata do relacionamento de Jesus com as estruturas do templo é muito interessante. Jesus conseguiu usar as dependências do mesmo, cumprindo toda a lei, reverenciando a presença de Deus naquele lugar, sem macular a novidade de um ensino em que coloca o templo em função do homem e não o homem em função daquele. Jesus resgatou a centralidade da adoração no verdadeiro templo, que é o coração do homem relacional, mas sem prescin-dir das estruturas físicas como local estratégico de anúncio do arrependimento.

Você realmente precisa ler esta obra. Mas não somente lê-la por ler. Precisa estudá-la com afinco, pois ela tem sido um presente de Deus para o enriquecimento daqueles que gostam de literatura de ensino com profundidade. Mas o mais importante de tudo fica para o final da obra, quando o autor parte para a prática, traçando paralelos com a igreja da pós-modernidade, chamando-a a voltar-se aos parâmetros estabelecidos pelo Senhor da igreja. A igreja não precisa ser reinventada. Ela apenas precisa ser aquilo que Jesus tencionou que ela fosse. E este livro, tenho certeza absoluta disso, será um referencial na literatura evangélica, tanto para questionar práticas errôneas, quanto para conclamar os cristãos sinceros a jamais mercadejarem o santo Evangelho de Cristo, e a não macularem a beleza da igreja do Senhor. Deus estará usando o professor Magalhães como profeta em tempos de crise de identidade da igreja. Eu amo a igreja.

Fui criado desde pequeno dentro dela. Sonho e oro para que esta igreja continue sendo a igreja diante da qual as portas do inferno jamais prevalecerão. O professor Magalhães deixa aqui conselhos práticos acerca do que os cristãos autênticos podem fazer para resgatar a dignidade desta igreja que tem um único dono: Jesus Cristo, a quem seja toda a honra, toda a glória e toda autoridade, no presente e no porvir.

Com temor e tremor diante de Deus,Pr. Markus Eberhart

Pastor da Igreja do Nazareno em Lages/SC

Introdução

Uma das questões mais complexas que envolve o ser humano refere-se aos problemas de relacionamento. Pessoas geralmente entram em conflitos no lar, no tra-balho, com vizinhos, na rua, no trânsito e até mesmo nas igrejas. Tais conflitos podem gerar outros se não forem administrados corretamente. Quando uma questão con-flituosa não se resolve nos padrões éticos com base na lógica do diálogo e respeito, pode se transformar numa reação em cadeia, causando danos tanto físicos quanto morais e espirituais, principalmente para o cristão e para o corpo de Cristo.

Nesses conflitos, o desafio não é resolvê-los, pois são de certo modo necessários e podem trazer benefícios, desde que sejam bem geridos por pessoas que aprendem com os erros. Quando isso não acontece, o rancor e o ódio tomam conta do ser humano, favorecendo, assim, o isolamento, o distanciamento e o acúmulo da mágoa, provocados pela ausência do perdão.

Muitas pessoas tornam-se individualistas. O indivi-dualismo vira egocentrismo em que cada qual vive num mundo em que se preocupa apenas consigo mesmo, não se importando com o outro. As lutas vão se tornando cada vez mais desiguais, e cada um exige somente seu direito, e sua razão é a que importa; a visão de mundo e de luta é inflacionária – eu contra os outros, todos contra mim.

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Na Bíblia, há várias passagens que enfocam indivi-dualidades e conflitos. Pela mesma forma de exemplo de pessoas que sofreram injustamente, Jesus foi o mais evidente. Ele só fez o bem e colocou em prática a von-tade de Deus, ensinou a Palavra, viveu o que ensinava, alimentou os famintos, curou as enfermidades e depois foi condenado à morte.

O Cristo, literalmente, viveu na pele a injustiça, a exclusão social e religiosa, mas nunca abandonou seus princípios. Tinha um caráter forte, uma personalidade formada e inabalável, era convicto da Sua missão e ministrava com autoridade e amor.

Mesmo com as passagens bíblicas, é complicado falar e descrever Jesus historicamente. Sua vida, obra e ensinamentos podem ser objeto de muita especulação por parte de gente que só visa ao lucro e ao status. Cientificamente, é como tentar desvendar o DNA em sua totalidade. O Mestre não foi um mero fenômeno no mundo, uma figura da história mundial, um ser no mundo e do mundo, mas uma manifestação do amor de Deus (Jo 3:16). O que há de concreto está registrado nos Evangelhos, e é nisso que se crê, pela fé nesse Jesus como o Cristo.

Os redatores dos Evangelhos não estavam muito preocupados com a história, pois não eram historiadores profissionais nem conheciam a metodologia apropriada. Esses homens estavam preocupados em preservar os ensinamentos do Mestre, as Boas-Novas, a Palavra Viva de nosso Senhor, que serviria de luz para a caminhada. Infelizmente, com o passar do tempo, foi necessária uma formação canônica por causa de muitas pessoas que procuravam enxertar outros tipos de filosofias e doutrinas no cristianismo apostólico, desvirtuando, assim, a sã doutrina.

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Jesus não foi um super-herói nem um homem com poderes anormais, criado pela imaginação e emoções humanas. Nem tampouco foi um mistagogo que en-sinava ritos, usos e costumes dos mistérios sagrados da religião. Uma coisa é certa: se a história de Jesus é ficção, seu autor foi a mente mais brilhante, em toda história na literatura da humanidade, pelo conteúdo harmonioso e traços perfeitos.

Seria muita ingenuidade duvidar racional e cientifi-camente da história de Jesus, dos ensinos e dos atos de cura, das mensagens acerca do Reino, das grandes controvérsias e inimizades que tinha em seu tempo; tanto foi assim, que Ele morreu sob o império romano numa cruz, instrumento de suplício destinado a bandidos.

Neste trabalho, não se pretende analisar a Bíblia nem o Evangelho de forma Horizontal, muito menos averiguar sua base no Evangelho de Q, sua harmonia ou discordância, como fazem os críticos. Focar se é mito-logia, história ou ficção, como fez o historiador inglês R. L. Fox1, que tentou jogar a Bíblia por terra, buscando provas com base em achados históricos e arqueológicos como evidências concretas e utilizando as teorias da coerência e da correspondência.

Também não se pretende mostrar a Palavra como um dossiê, como fazem alguns teólogos, traçar ou expor, como dizem os alemães, Formgeschichte ou a crítica das formas. Tais estudos foram e continuam proveitosos, tiveram grande participação na formação da teologia moderna e proporcionaram uma visão panorâmica aos estudos dos Evangelhos. Com base nesses princípios,

1 Fox, R. L. Bíblia: verdade ou ficção. Companhia das Letras, 1993.

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percebeu-se a necessidade de uma leitura em conjunto dos evangelhos, nascendo assim o método da história da redação.

Não é o objetivo se ligar ao Jesus histórico como fizeram criticamente Bultmann, Barth, Cerfaux, Crossan, Brown, entre outros. Também não é o objetivo se ligar à historiografia ou a uma simples biografia, fazendo uma apologia ao Jesus teológico ou uma ligação ao Jesus confessional.

Aceitamos como cristãos os ensinamentos e manda-mentos de Jesus pela fé, pois nosso Senhor, Suas palavras e ensinos são para a compreensão e prática humanas uma prova do amor de Deus. Sua história não pode ser medida pela lógica carnal. Ela é incomensurável, pois é escândalo para os judeus e loucura para os gentios (1 Co 1:23). Negar a existência de Jesus e seus ensinos é negar e recusar a validade da fé, o amor de Deus e a nossa própria existência como seres humanos, registrado para todos por meio da genialidade autoral dos evangelistas.

Esta obra tem por ponto-chave “relacionamento”. O referencial principal é a Bíblia, principalmente os Evan-gelhos, que tratam sobre a vida, a obra e os ensinos de Jesus Cristo, que viveu num tempo conturbado, numa nação que estava sob o domínio imperial romano, cheio de homens com propósitos revolucionários e manipula-tivos. A Palestina era um verdadeiro barril de pólvora pronto para explodir.

Naquela época, Jerusalém era a capital político-reli-giosa e vivia cheia de pessoas e turistas, gente de várias etnias e religiões. O local sagrado, o Templo, era uma mega obra arquitetônica religiosa e a principal atração turística, um pilar do judaísmo de que se orgulhavam

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os judeus. Muitas disputas religiosas se viam por gente filiada a partidos e seitas como as dos saduceus, fariseus e dos zelotes. Como em qualquer metrópole, havia desigualdades sociais, exclusão de pessoas portadoras de doenças e necessidades especiais e uma verdadeira exploração dos menos favorecidos.

Havia também o desprezo étnico e o fundamentalismo religioso por parte dos judeus radicais destinados aos estrangeiros, chamados de goim, tidos como pecadores, e aos samaritanos, considerados párias, ou seja, uma raça impura, excluída do judaísmo.

Nesse contexto, o Senhor Jesus, diante da decadência moral e espiritual de seu tempo, tentou trazer a paz, a harmonia e o verdadeiro caminho para a vida eterna. Viveu, ensinou e liderou pelo exemplo e deixou grandes ensinamentos a serem seguidos sobre religiosidade, perdão, fé e atitude para com nosso próximo. Para isso, usou vários recursos: aulas expositivas e dialogadas, parábolas, autoridade e firmeza de atitude, domínio da situação e de conteúdos. Usou também o olhar diretamente nos olhos das pessoas enquanto falava e demonstrava sentimento e dedicação a todos aqueles que queriam aprender algo.

Ele foi e é um exemplo notável para qualquer pro-fissional da área das ciências humanas, sejam psicólogos, terapeutas ocupacionais, pedagogos, professores ou li-deranças diversas. O ensino de Cristo se baseia no amor, no amor a Deus e ao próximo, isto é, em “relacionamen-to”. Apresenta uma nova possibilidade de vida. Seus ensinos não são leis, mas dom de Deus, Palavra Viva.

Esta obra se ocupa disso: o exemplo que deixou Jesus ao se relacionar com religiosos, doentes, mulheres,

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crianças, teólogos, políticos, gentios e com os excluídos samaritanos. Todas as ações do Mestre são exemplos de como se relacionar e do comportamento correto para o cristão.

Como destacou Manson, é hábito fazer de Jesus objeto da religião e se esquecer de que ele foi um homem religioso, um homem que teve responsabilidade e comprometimento com o Reino para que Deus fosse reconhecido como Pai. Seus ensinamentos não foram argumentos, porque era óbvio que o Pai era a suprema realidade da sua própria vida.2

A tarefa é descobrir o que Jesus realmente ensinou a respeito do relacionamento do homem com Deus e do homem entre os homens, ou seja, as relações inter-pessoais, e não averiguar se os ensinos estão de acordo com a moderna teologia. Muitos dos conteúdos e da mensagem de Jesus fogem ao alcance da exegese. Cristo deu grandes ensinos a todos e, principalmente, exem-plos do modo de vida a ser seguido pela igreja. Nesse ponto, afirma-se novamente que o aceitamos pela fé.

Todo assunto aqui tratado tem como base a Bíblia, usando como fonte de pesquisa e consulta a versão Almeida Revista e Corrigida, a Linguagem de Hoje, a Bíblia de Jerusalém e a Pão Nosso. As referências de relevância são as Escrituras judaicas, a Tanah, o texto grego de Nestle e Aland , a impressa pela UBS e a Vulgata Latina. As formas de transliterações para o hebraico seguem o sistema fonético luso-brasileiro do professor Perez.

2 Manson, T. W. O ensino de Jesus, pp.116-117.

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Capítulo I

A idoneidade de Cristo para ensinar e se relacionar

Jesus era mestre por excelência, um exemplo para aqueles que se dispõem a ensinar e modelo para ser seguido por todos que querem transmitir algo e que estão dispostos a educar. Entre suas grandes qualidades de mestre e líder está seu exemplo de perspicácia, vontade, hombridade, e principalmente da ética que faz parte da religião judaica e também é base do cristianismo original.

Os registros de Jesus nos Evangelhos nos mostram um homem com objetivos, com um projeto e plano de vida. Na Sua infância, seu desenvolvimento não era só corpóreo, mas de conhecimento e sabedoria. Ele chamava a atenção dos outros, que viam nessa criança virtude (Lc 2:40-52). Ainda criança, na época do Bar-Mitzvá1

já se mostrava um verdadeiro mestre no Templo de Jerusalém (Lc 2:46-47).

Ele era diferente dos grandes mestres. Poder-se-ia até encontrar alguma semelhança, mas seu estilo era

1 O Bar Mitzvá é uma palavra aramaica que significa “filho do mandamento”. É celebrado quando uma criança do sexo masculino alcança a maioridade religiosa judaica a partir dos 13 anos.

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inconfundível. Ele não tinha um ponto fixo para ensinar, não se encontra nele a sucessão de alguma Iexivá, uma escola talmúdica para formação rabínica, passada de mestre a discípulo, não era como os soferins (escribas em hebraico) nem como os profissionais darxanim (prega-dores) fixos das Beit há-knésset (sinagogas), era simples e humilde, e todo local era próprio para o ensino. Essas atitudes, para uma mente exclusivista voltada para a promoção social, eram de um mestre duvidoso a quem ninguém deveria dar créditos.

O Cristo terreno andou por esse mundo cheio de prazeres e gozos. Ele usou o que oferecia a sociedade daquela época com liberdade, mas não se contaminou com o pecado e com os exageros. Manteve uma vida casta e imaculada (Hb 7:26; 9:14; 1Pe 1.19).

No seu magistério, usava todos os recursos dis-poníveis que tinha ao seu alcance para ensinar. Como um grande pedagogo, guiava as pessoas no caminho certo2, fazia as pessoas pensarem e refletirem as suas ações, atitudes e práticas no cotidiano. Suas aulas eram para as pessoas que estavam in loco. Ele “não lia e copiava coisas dos outros”, mas vivia e aprendia com a vida alheia. Assim ministrava. Também “não ouvia dizer”, mas produzia seu conhecimento a par-tir da vida e de estudos sérios com pessoas sérias e competentes. Sentia na pele os problemas e as dificul-dades das pessoas sofridas (Lc 4:18) em cumprimento à profecia de Isaías 61:1.

2 Este é o significado etimológico do termo pedagogo, que deriva do grego paidagogos: “aquele que guia a criança“, com sentido moderno de “teoria e prática da educação”.

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Jesus poderia até ter conhecimento dos métodos gregos de ensino e filosofia. Ter base dos métodos socráticos e dos caminhos distintos de Platão e Aristóteles, em que a dúvida era a base do saber e do conhecimento; no questionamento e na tentativa de dar respostas positivas; na crítica das certezas e, por fim, concluir que todo conhe-cimento é impossível. Poderia basear sua prática no modelo cínico, fundado por Antístenes e seu discípulo Diógenes, para quem todo conhecimento era duvidoso.

Os Cínicos e os Céticos cogitavam sair do convívio dos homens. Procuravam viver na natureza, alegando as inutilidades das coisas e que o mundo era ilusório. Focavam o desapego aos bens materiais, zombavam dos códigos humanos, e seus discípulos não levavam nada nem usavam sandálias. Alguns estudiosos, críticos e historiadores que se dizem ateus, comparam o modelo de ensinar e de viver de Jesus com esses modelos filo-sóficos. Fundamentam teses sobre Ele ser antilegalista, pois fazia ataques contra a Lei de Moisés, e pelo falar de Jesus e de seus discípulos, além de não usarem sandálias nem desperdiçarem tempo com saudações às pessoas.

Jesus, segundo esses ateus, pela mesma forma, poderia conhecer o modelo filosófico estoico, fundado por Zenão no século IV a.C., perdurando até o século II d.C., que se baseava no ensino da matéria como inerte e do logos como princípio ativo, no desdém pela dor, na recusa aos sentimento e às paixões.

Ao analisar o Novo Testamento com um olhar mais aguçado, vê-se que o Mestre não tinha nada desses mo-delos, pois ele procurava o convívio social e interagia com as pessoas, fosse em festas de casamento, religio-sas, nas sinagogas, no templo. Cristo não zombava dos Escritos, pois ele sabia que eram sagrados, e observava

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os preceitos como um verdadeiro judeu sincero. Seu ensino era voltado para a humildade, para pessoas real-mente necessitadas de cura, libertação e salvação; todo procedimento era desenvolvido com diálogo, respeito, sinceridade, sem perder tempo com conversas fúteis ou olhar o que o outro tinha ou usava.

Cristo ensinava a certeza, o ânimo, o não desanimar ou desistir do objetivo de dias melhores (Mt 9:2-22; 14:31; Lc 8:48; 18:42). Estimulava a fé, o pensamento positivo, e que não se duvidasse de que, para Deus, nada é impossível (Mt 8:26; 15:28; 17:20; 21:21; Mc 11:22). Transmitia por Suas palavras a iniciativa e o sentimento altruísta (Mc 4:40). Essa atitude é que domina a vida do cristão autêntico compreendida como fé.

Todas essas coisas e muito mais não são saberes, dons adquiridos e moldados por Jesus, mas são Seus dons naturais, herdados diretamente do Eterno e Imutável Pai.

Assim, pode-se afirmar que, para os padrões inte-lectuais da época, Jesus era um sonhador, um louco e imaturo homem, com um destino pobre e um fim miserável, com uma decadência rápida. Mas não. Seu pensamento, modelo de ensino e de vida, estava além dos padrões morais e intelectuais de Sua época.

Assim, ele foi um estranho para o mundo, com um ensinamento que muitos não compreendiam, e suas palavras mal entendidas, como no caso de Nicodemos, da mulher samaritana e de seus discípulos. Os judeus, pela cegueira, não puderam entender a questão da des-truição do templo, servindo de pretexto para a condenação na cruz.

Pacientemente, a todos quantos quiseram realmente aprender, Ele se colocou à disposição, revelando-se como o caminho, a verdade e a vida.