cap1 - análise estrutural

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 Capítulo 1 Introdução É familiar na mecânica denir  partícula  como sendo um ente físico sem dimensão mas com massa, e  corpo  como sendo um ente físico com dimensão e com distribuição contínua de massa no volume. Em cada  ponto material  do corpo, onde o conceito de dimensão ou de uma certa quantidade de massa não se aplica, é possível denir grandezas como massa especíca (= lim v0  ∆m/v  onde  ∆m é a massa de um volume  ∆v que reduz progressivamente, mas sempre contendo o ponto material) dada a hipótese da continuidade. A mecânica ocupa-se em descrever o comportamento de partículas e corpos sob a ação de forças. A mecânica é dividida em vários ramos. Além da  mecânica da partícula , existem outros ramos denidos em função da natureza do corpo em análise, com clara superposição entre ele s. Po r exe mplo, se o cor po em repouso não tem capaci dad e de resistir a ten sõe s de cisalhamento, ele é dito um  fluido  (gás ou líquido) e seu comportamento é analisado na mecânica dos uidos . Se, ao contrário, é capaz de oferecer em repouso resistência a tensões de cisalhamento, o corpo é dito um  sólido, passando a ser analisado pela  mecânica dos sólidos . Quando a deformação de um sól ido pode ser desprezad a, sua análise é feita na me c ânic a do co rp o rígido . Uma cole ção de sólidos arra njad os e apoiad os com a função de resistir e transmitir cargas é denominada  estrutura , cujo comportamento é analisado na mecânica das estruturas . A  mecânica dos meios contínuos  (mec ânica do contínuo  para os íntimos) é um ramo relativamente novo que contém a mecânica dos sólidos e a mecânica dos uidos tratadas de maneira unicada. O advento do computador acrescentou aos dois pilares clássicos do método cientíco, teoria e experimento, um outro que tem expandido as fronteiras do conhecimento muito além 1-1

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Cap1 do curso de análise estrutural do ITA.

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  • Captulo 1

    Introduo

    familiar na mecnica definir partcula como sendo um ente fsico sem dimenso mas com

    massa, e corpo como sendo um ente fsico com dimenso e com distribuio contnua de

    massa no volume. Em cada ponto material do corpo, onde o conceito de dimenso ou de uma

    certa quantidade de massa no se aplica, possvel definir grandezas como massa especfica

    (= limv0m/v onde m a massa de um volume v que reduz progressivamente, mas

    sempre contendo o ponto material) dada a hiptese da continuidade. A mecnica ocupa-se

    em descrever o comportamento de partculas e corpos sob a ao de foras.

    A mecnica dividida em vrios ramos. Alm da mecnica da partcula, existem outros

    ramos definidos em funo da natureza do corpo em anlise, com clara superposio entre

    eles. Por exemplo, se o corpo em repouso no tem capacidade de resistir a tenses de

    cisalhamento, ele dito um fluido (gs ou lquido) e seu comportamento analisado na

    mecnica dos fluidos. Se, ao contrrio, capaz de oferecer em repouso resistncia a tenses

    de cisalhamento, o corpo dito um slido, passando a ser analisado pela mecnica dos

    slidos. Quando a deformao de um slido pode ser desprezada, sua anlise feita na

    mecnica do corpo rgido. Uma coleo de slidos arranjados e apoiados com a funo de

    resistir e transmitir cargas denominada estrutura, cujo comportamento analisado na

    mecnica das estruturas. A mecnica dos meios contnuos (mecnica do contnuo para os

    ntimos) um ramo relativamente novo que contm a mecnica dos slidos e a mecnica dos

    fluidos tratadas de maneira unificada.

    O advento do computador acrescentou aos dois pilares clssicos do mtodo cientfico,

    teoria e experimento, um outro que tem expandido as fronteiras do conhecimento muito alm

    1-1

  • Introduo 1-2

    do que se podia imaginar. Na mecnica, particularmente, nasceu a mecnica computacional

    que procura solucionar os problemas por meio de simulaes numricas implementadas em

    computadores.

    Um ramo da mecnica pode aparecer subdividido em vrios outros. A teoria da elasti-

    cidade e a teoria da plasticidade so, por exemplo, ramos da mecnica dos slidos definidos

    com base no material que constitui o corpo. Por sua vez, a teoria de vigas, de placas ou de

    cascas so ramos da mecnica das estruturas definidos com base na geometria do corpo.

    A engenharia estrutural trata do projeto e da construo de estruturas. Existem es-

    truturas nas construes civis e nas mquinas, sejam elas guindastes, automveis, avies,

    foguetes, navios ou submarinos. Existem tambm estruturas naturais, como a formada pelo

    esqueleto e msculos dos corpos dos mamferos. A engenharia estrutural , portanto, uma

    rea comum a vrias modalidades de engenharia (aeronutica, civil, mecnica, naval, etc.)

    na qual muitos engenheiros se especializam.

    Uma estrutura pode ser construda em ao, alumnio, concreto armado, madeira, plstico,

    materiais compsitos em geral, dentre outros. Ela deve resistir a cargas que so impostas

    durante sua vida til, tais como o peso prprio, variaes trmicas, recalques de apoio,

    ventos, terremotos (desconsiderados no Brasil), etc. Entende-se por carga todas as causas

    que provocam deformao.

    Trs grupos de equaes compem qualquer modelo matemtico que descreve o compor-

    tamento de uma estrutura: as equaes de equilbrio, as relaes deformao-deslocamento

    e as equaes constitutivas, cuja soluo dever satisfazer certas condies de contorno. A

    anlise estrutural procura resolver o modelo adotado para determinar o campo de deslo-

    camento, deformao e tenso na estrutura devido ao das cargas aplicadas. O curso

    procurar apresentar as principais ferramentas de que dispe a anlise estrutural, aplicando

    a modelos matemticos mais simples e possibilitando que o aluno entenda os fundamentos

    envolvidos tanto nas ferramentas como nos modelos.

    O que determinamos de um modelo adotado corresponde exatamente ao que ocorre com

    a estrutura? Provavelmente no. Cada modelo fruto de hipteses e, consequentemente,

    sua aplicabilidade vai at onde as hipteses permitem. Saber identificar o limite da aplicao

    e, quando necessrio, transpor esse limite por meio de modelos mais refinados nos ensina

    a conviver com a incerteza. por no existir um modelo correto de forma absoluta que

  • Introduo 1-3

    prefervel focar a ateno nos fundamentos. Estes, sim, so universais por lastrearem

    todos os possveis modelos. Um modelo matemtico, mais do que uma receita para realizar

    clculos, precisa ser visto como um guia do pensamento para uma melhor compreenso dos

    fatos.

    1.1 PEAS ESTRUTURAIS

    Alm dos atributos fsicos do material, as dimenses das peas que compem uma estrutura

    esto intimamente ligadas sua flexibilidade e segurana contra runa. Considerando que a

    geometria de um slido possa ser delineada por meio de trs dimenses principais, fazemos

    a classificao a seguir.

    (a) Bloco: tem as trs dimenses principais da mesma ordem de grandeza.

    L1

    L2

    L3L1 L2 L3

  • Introduo 1-4

    (b) Estrutura de superfcie: tem duas dimenses principais da mesma ordem de grandeza

    e bem maiores do que a terceira.

    (b.1) Casca: estrutura de superfcie curva.

    L1 L2q L3

    L2

    L1L3

    (b.2) Placa: estrutura de superfcie plana, que tambm denominada laje quando

    de concreto. comum se reservar este nome para estrutura de superfcie plana

    solicitada flexo (indicada na figura abaixo esquerda), passando a ser denomi-

    nada chapa, ou parede quando de concreto, quando solicitada como membrana

    (indicada na figura abaixo direita).

    L3

    L1

    L2

    L1 L2q L3

    L3

  • Introduo 1-5

    (c) Barra: tem duas dimenses principais da mesma ordem de grandeza e bem menores do

    que a terceira.

    (c.1) Viga: barra solicitada, preponderantemente, flexo.

    L1 L2 L3q

    L2

    L3

    L1

    (c.2) Coluna (ou pilar): barra solicitada, preponderantemente, compresso.

    L1 L2 L3q L1

    L2

    L3

  • Introduo 1-6

    (c.3) Tirante: barra solicitada, preponderantemente, trao.

    L1 L2 L3q L1

    L2

    L3

    1.2 APOIOS

    Denominamos apoio qualquer restrio externa imposta ao movimento de uma estrutura. A

    fora exercida pelo apoio denominada reao.

    O movimento de corpo rgido , via de regra, inadmissvel nas estruturas empregadas na

    construo civil. Para evit-lo basta que se remova, por meio de apoios, suas trs compo-

    nentes independentes de translao e suas trs componentes independentes de rotao.

    Os apoios so classificados de acordo com o tipo de movimento que permitem ou res-

    tringem. Listemos os tipos de apoios mais comuns encontrados na prtica para movimentos

    num plano (duas translaes e uma rotao a restringir).

    (a) Apoio do 1 o gnero: impede o deslocamento na direo de y e permite o livre desloca-

    mento na direo de x, assim como a livre rotao em torno de z (eixo perpendicular

    ao plano xy).

    rolorolos

    pinoou

    x

    y

    O apoio ter a representao esquemtica a seguir, onde Ry a reao (as reaes de

    apoio aparecero no texto em tracejado).

  • Introduo 1-7

    Ry

    (b) Apoio do 2 o gnero: permite apenas a livre rotao em torno de z, assegurada pelo

    pino indicado.

    x

    ypino

    O apoio ter a representao esquemtica a seguir, onde Rx e Ry so as reaes.

    Ry

    Rx

    (c) Apoio do 3 o gnero ou engaste: impede todos os movimentos.

    x

    y

    estrutura

    apoio

    O apoio ter a representao esquemtica a seguir, onde Rx, Ry e Mz so as reaes.

    Ry

    Rx

    Mz

  • Introduo 1-8

    1.3 PROJETO DE UMA ESTRUTURA

    O projeto estrutural tem como objetivo a concepo de uma estrutura que atenda a todas as

    necessidades para as quais ser construda, satisfazendo condies de segurana, utilizao e

    economia.

    No faz sentido atualmente executar as tarefas envolvidas no projeto de uma estrutura

    sem o uso de computador. Hoje os engenheiros estruturais j separam o aspecto qualitativo

    do quantitativo, concentrando-se no primeiro e deixando o segundo para o computador. No

    projeto, visamos uma estrutura resistente o suficiente para no se romper, rgida o suficiente

    para no se deformar excessivamente e que tenha equilbrio estvel. Alm desses aspectos,

    que poderiam ser satisfeitos por diversas estruturas, devemos saber identificar aquela que

    apresente maior economia aps a construo. Assim, o projeto orientado pela resistncia,

    rigidez, estabilidade do equilbrio e, tambm, pela economia. As etapas envolvidas num

    projeto so listadas a seguir.

    (a) Definio da geometria e do material : uma etapa subjetiva no que concerne definio

    da geometria. A estrutura aqui definida pode resultar num projeto mais simples e

    conveniente para execuo, que envolve menores custos.

    (b) Avaliao das cargas: existem normas que orientam o engenheiro nesta etapa. Por

    exemplo, a NBR 6120 fixa as cargas para o clculo de estruturas de edificaes.

    (c) Anlise estrutural

    (c.1) Idealizao da estrutura: fase em que se decide que partes da estrutura sero

    consideradas como barras, placas, etc.; se as peas sero analisadas isoladamente

    ou simultaneamente como um todo; tipo de apoio; etc. Considere, por exemplo,

    a seguinte estrutura.

  • Introduo 1-9

    P

    A carga concentrada P uma forma aproximada de tratar a carga distribuda que

    atua numa pequena rea. A estrutura pode ser idealizada como sendo formada

    por barras. Podemos imaginar que as barras estejam trabalhando em conjunto

    como uma grelha, sobre apoios que impedem translao.

    P

    grelha

    barra 1

    barra 2

    Podemos, alternativamente, tratar as barras isoladamente supondo que a barra 1

    tenha a extremidade direita apoiada na barra 2.

  • Introduo 1-10

    P

    R

    barra 1

    R

    barra 2

    uma idealizao que obriga a barra 1 a ser analisada antes para a determinao

    da reao de apoio R, pois a anlise da barra 2 depender do conhecimento dessa

    fora.

    (c.2) Verificao da estabilidade do equilbrio: verificao feita, via de regra, somente

    em estruturas esbeltas (barras, placas e cascas) sujeitas a compresso.

    (c.3) Determinao do campo de deslocamento, deformao e tenso: os cursos de

    anlise estrutural esto, normalmente, focados neste tpico. Entram em cena

    com a estrutura j idealizada sob um carregamento j definido.

    (d) Dimensionamento: a anlise na etapa (c) requer um pr-dimensionamento da estrutura.

    Se houver um redimensionamento nesta etapa (d) devido estrutura, por exemplo, no

    satisfazer o critrio de ruptura adotado, a rigor deveria se voltar a etapa (c) para uma

    nova anlise.

    (e) Detalhamento: elaborao dos desenhos para a execuo da estrutura.

    As etapas de dimensionamento e detalhamento do projeto estrutural so abordadas em

    disciplinas especficas, tais como concreto estrutural ou estruturas de ao.

    Projetar um processo iterativo em que se procura otimizar o produto com relao ao

    custo: se num ciclo percebemos que o projeto invivel, retornamos a procura de um outro;

    se o projeto vivel, podemos igualmente retornar a procura de algo melhor. Um dado

    projeto apenas uma das solues de um problema que admite vrias solues. O ideal seria

    que a soluo final adotada coincidisse com a soluo tima. na fase de projeto que as

    modificaes podem ser introduzidas sem maiores transtornos.

    As cargas que atuam numa estrutura e as resistncias dos materiais constituintes seguem

  • Introduo 1-11

    uma certa distribuio de frequncia, geralmente a distribuio normal (de Gauss1). No

    existe um valor determinstico que caracterize essas quantidades. por isso que se diz

    ser ilusria a procura por um projeto de uma estrutura 100% segura, dada a natureza

    probabilstica das cargas e resistncias. Todo projeto envolver uma dose de risco que se

    procura fixar dentro de padres aceitveis seguindo orientaes normativas.

    1.4 ILUSTRAES

    As peas estruturais podem ser interligadas de vrias maneiras, formando diferentes tipos

    de estruturas. Observe as ilustraes apresentadas nas figuras a seguir.

    1Carl Friedrich Gauss, astrnomo, matemtico e fsico alemo nascido em Braunschweig em 1777, falecido

    em Gttingen em 1855.

  • Introduo 1-12

    Figura 1.1 Sistema Financeiro Sudameris, na avenida Paulista em So Paulo. So mostra-

    dos os cortes transversal e longitudinal do edifcio. Tem quatro pavimentos no subsolo

    para estacionamento, almoxarifado, etc., e dezesseis pavimentos-tipo, fora pilotis, cobertura,

    caixa-dgua, etc. De uma maneira simplista, podemos imaginar que as lajes se apoiam nas

    vigas (nem sempre verdade), as vigas nos pilares (nem sempre verdade) e os pilares nas

    fundaes (nem sempre verdade). Finalmente, as fundaes transmitem ao solo as cargas

    recebidas. Este modelo nos d uma ideia da maneira como as cargas andam de cima

    para baixo e do grau de importncia das peas estruturais, na seguinte ordem decrescente:

    fundaes, pilares (as sees inferiores so mais crticas), vigas e lajes.

  • Introduo 1-13

    Figura 1.2 Museu de Arte de So Paulo. um projeto de 1957 que envolveu a arquiteta

    Lina Bo Bardi e o escritrio Figueiredo Ferraz. Os dois prticos foram pintados de vermelho

    para realar o vigor da estrutura. Para amenizar dificuldades estruturais, aparentemente

    cada prtico foi idealizado como duas vigas (superior e inferior) simplesmente apoiadas em

    dois pilares. A viga superior apoia a laje de cobertura e a viga inferior apoia as lajes

    intermediria e inferior (suspensa por meio de tirantes metlicos).

  • Introduo 1-14

    Figura 1.3 Reservatrio dgua. Mostrado em fotografia e corte, o reservatrio consiste

    de uma casca cnica apoiada num pilar de seo transversal circular vazada. A casca de

    concreto protendido por cabos dispostos circunferencialmente. Sua construo se d no solo,

    empregando-se posteriormente macacos hidrulicos para i-la at a posio final. No topo

    existe uma plataforma de observao. Construes deste tipo tornam-se, muitas vezes, um

    smbolo para a regio.

  • Introduo 1-15

    Figura 1.4 Cobertura de um hangar. possvel que o exagero na quantidade de barras se

    deva esttica e no necessidade estrutural.

    Figura 1.5 Ponte em trs vos.

  • Introduo 1-16

    Figura 1.6 Ponte em vrios vos. O arqueamento para passagem de embarcaes.

    Figura 1.7 Ponte com tabuleiro superior. As barras, em compresso, transmitem a carga

    do tabuleiro para a estrutura principal em arco.

  • Introduo 1-17

    Figura 1.8 Ponte com tabuleiro inferior. As barras, em trao, transmitem a carga do

    tabuleiro para a estrutura principal em arco. Era uma construo de 1930 sobre o rio Tiet,

    em Pereira Barreto, desaparecida sob as guas com a construo da barragem de Trs Irmos.

    Figura 1.9 Ponte pnsil. As barras verticais, em trao, transmitem a carga do tabuleiro

    para os cabos, que retransmitem para os pilares e apoios extremos.

  • Introduo 1-18

    Figura 1.10 Ponte estaiada. As barras, em trao, transmitem a carga do tabuleiro para

    os pilares.

    Figura 1.11 A estrutura de apoio da ponte idealizada em prtico.