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Nota: Este material foi desenvolvido pelo prof. Roland Veras Saldanha Jr, e representa uma primeira versão de material a ser transformado em livro didático. Reservam-se os direitos autorais sobre o mesmo, mas comentários e sugestões são bem vindas no e-mail [email protected] . Cap 3 Concorrência Perfeita e Análise de Bem Estar

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Nota: Este material foi desenvolvido pelo prof. Roland Veras Saldanha Jr, e representa uma primeira versão de material a ser transformado em livro didático. Reservam-se os direitos autorais sobre o mesmo, mas comentários e sugestões são bem vindas no e-mail [email protected].

Cap 3 Concorrência Perfeita e Análise de Bem Estar

2

Introdução

Inicia-se neste capítulo a discussão das estruturas de mercado que se prestam

como referência aos argumentos desenvolvidos na OI. De partida, é fundamental

evitar qualquer expectativa de encontrar firmas ou indústrias reais que se ajustem

perfeitamente a qualquer um destes referenciais ideais. Na prática, deve-se

entender estas estruturas como modelos estilizados e que precisarão ser

adaptados ou combinados caso a caso para refletir adequadamente cada situação

específica.

O uso destes referenciais teóricos, entretanto, costuma trazer importantes

esclarecimentos na análise de problemas concretos e específicos, o que justifica a

insistência em seu estudo. São instrumentos singelos, é verdade, mas sua

utilização não implicará em raciocínios simplistas ou inúteis, desde que se tenha

bom domínio sobre suas funções e limitações. Na Economia Industrial os bons

resultados dependerão da maestria no uso de ferramentas como estas, em

esforço similar ao que se precisa fazer para apertar parafusos de tamanhos e

formatos muito diferentes com poucas opções de chaves de fenda.

Neste capítulo ocupa-se da análise da concorrência perfeita, provavelmente a

mais abstrata e rara dentre as quatro estruturas de mercado a serem discutidas

nesta parte do livro. Associa-se esta estrutura de mercado ao pólo em que os

agentes econômicos envolvidos dispõem de pouco ou nenhum poder de interferir

nos resultados de mercado. No pólo oposto ao da concorrência perfeita

encontram-se os monopólios (e monopsônios), a serem discutidos no Capítulo 4,

3

nos quais se costuma esperar agentes com capacidade efetiva para alterar os

preços ou quantidades observadas no ambiente em que atuam. A lógica

econômica de operação em monopólios merecerá atenção também por

oportunidade da análise das políticas de regulação, cuja discussão se realiza na

última parte deste livro.

As situações de mercado mais frequentemente encontradas na realidade

empírica, entretanto, costumam guardar mais proximidade com as estruturas dos

oligopólios e da concorrência monopolística. Tais estruturas serão avaliadas nos

capítulos 6 e 7, respectivamente, reservando-se o capítulo 5 para uma

apresentação sucinta de elementos básicos da Teoria dos Jogos que são

importantes tanto para a análise dos problemas estratégicos entre oligopolistas,

como para a discussão de outras condutas estratégicas a serem tratadas na

segunda parte do manual.

Na avaliação das diferentes estruturas de mercado uma forte superposição aos

argumentos microeconômicos tradicionais é incontornável. Não obstante, o

enfoque aqui adotado procurará explorar com rigor as hipóteses e o contraponto

empírico destes referenciais teóricos, tentando mapear os limites dentro dos quais

cada uma das estruturas típicas pode servir como base segura para os objetivos

da OI.

O modelo de concorrência perfeita está baseado em diversas características

interessantes do ponto de vista didático, dele sendo extraídos elementos que

facilitarão a comparação com as outras estruturas de mercado no que concerne à

eficiência na utilização de recursos e à análise de bem estar. Assim, após uma

apresentação dos pilares lógicos e principais resultados do modelo concorrencial,

as bases da análise econômica de bem estar sob equilíbrio parcial são discutidas.

3.1 Concorrência Perfeita – Caracterização e Hipóteses

4

Se fosse necessário definir a concorrência perfeita através de um único

atributo teórico, a escolha mais adequada certamente recairia sobre a falta de

poder dos agentes neste ambiente competitivo para alterar os resultados de

mercado. De fato, em mercados perfeitamente competitivos, espera-se que todos os ofertantes e demandantes sejam tomadores de preços (price

takers), de forma que nenhum deles se sinta capaz, sozinho ou em combinação

com outros, de alterar os preços determinados nos mercados.

A maior parte dos consumidores já passou pela experiência de ser um tomador

de preços, bastando lembrar da última vez em que foi a um grande supermercado

ou magazine para fazer suas compras. Naquela oportunidade, a sensação de

impotência para negociar ou reduzir os preços das mercadorias se traduziu na

simplicidade das escolhas que o consumidor precisou fazer: quanto adquirir de

cada um dos itens em sua lista de compras. Os preços estavam ali pré-definidos

nas etiquetas, e nada (lícito) que o demandante fizesse poderia alterá-los.

Feliz ou infelizmente, esta estória muda bastante quando se observa que na

grande maioria das situações práticas encontram-se agentes, ofertantes ou

demandantes, dotados de capacidade de alterar as soluções de mercado. Os

casos práticos de concorrência perfeita, se existem, são extremamente raros. Não

obstante, ainda que exista, sempre que o poder para interferir nas soluções de

mercado for baixo, o modelo de concorrência perfeita será útil na tentativa de

destrinchar logicamente a situação envolvida.

Para justificar logicamente este cenário em que os ofertantes e demandantes

se sentem impotentes, incapazes de interferir nos preços dos produtos que

compram e vendem, algumas hipóteses teóricas sobre a estrutura de concorrência

perfeita precisam ser feitas.

Uma primeira suposição importante para a caracterização de um ambiente

perfeitamente competitivo está na ausência de barreiras à entrada e saída do

mercado. No capítulo sobre monopólios uma seção será dedicada exclusivamente

à análise destas barreiras e da contestabilidade dos mercados, mas intuitivamente

esta hipótese aponta para as dificuldades em se beneficiar com lucros econômicos

positivos por muito tempo se não houver obstáculos significativos à entrada de

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outros agentes no mercado. Se inexistirem barreiras importantes ao ingresso em determinado mercado, qualquer tentativa de abusar do poder de mercado, alterando preços ou quantidades em proveito próprio, tenderá a ser dissipada pelo ingresso de novos ofertantes ou demandantes. Uma alta

contestabilidade dos mercados aparece, ao menos logicamente, como fator que

reforça a impotência dos agentes em ambientes concorrenciais na manipulação

dos resultados da livre operação dos mercados.

No arcabouço ideal da Microeconomia, a de ausência de problemas

informacionais ou da informação perfeita é outra hipótese freqüentemente

empregada na discussão do modelo teórico da concorrência perfeita. Neste

contexto, por informação perfeita é de se entender que todos os agentes participantes do mercado conhecem todos os preços e a qualidade da totalidade dos produtos ali transacionados. A suposição de informação perfeita

tem bases tão frágeis quanto a proposição de que os seres humanos são

oniscientes, mas para muitas aplicações teóricas as vantagens de se abstrair dos

problemas de incerteza trazem uma relação benefício/custo bastante favorável.

Não se pode esquecer que os modelos teóricos sempre representam

simplificações da realidade para a qual apontam. Fosse necessária a total

identificação dos modelos e hipóteses teóricas com o mundo real para a aceitação

destas explicações, o único modelo aceitável seria a própria realidade que se

pretende explicar, num óbvio contra-senso. O uso de suposições como a da

informação perfeita certamente impede que muitos aspectos interessantes sejam

considerados, mas estas simplificações serão justificáveis e úteis caso o

fenômeno analisado não dependa intrinsecamente daquilo que se abstraiu, assim

como ocorre no modelo de concorrência perfeita.

A quarta hipótese usual nas apresentações do modelo competitivo é a da ausência de externalidades. Como o próprio nome indica, as “externalidades”

estão associadas a alguma forma de efeito externo, neste caso externo às

escolhas dos agentes econômicos. Externalidades são os efeitos das ações de um agente econômico sobre os demais, podendo ser positivas ou negativas.

Ocorre uma externalidade positiva, por exemplo, quando a escolha de um agente

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em criar abelhas, que se explica pelo objetivo individual de produzir mel e outros

produtos apícolas, acaba por beneficiar o vizinho que cultiva laranjas. A

polinização mais efetiva nos laranjais tende a fazer com que a atividade do

citricultor apresente maior produtividade ou menores custos em função das ações

de outro agente. A existência de externalidades positivas ou negativas tem

implicações sobre a eficiência na utilização dos recursos e gera impactos sobre as

avaliações de bem estar. Para evitar estas complicações a suposição de ausência

de externalidades aparece com freqüência nas apresentações preliminares do

modelo competitivo. Ainda neste capítulo, depois de discutidas as relações entre

concorrência perfeita, eficiência no uso dos recursos e bem-estar, o problema das

externalidades será formalmente retomado.

Para fazer um contraponto a outras estruturas de mercado típicas, é

interessante destacar uma suposição relativa à qualidade dos produtos

transacionados em ambientes perfeitamente competitivos. Por hipótese, os produtos ofertados pelas diferentes firmas nos mercados competitivos serão considerados homogêneos, vale dizer, perfeitamente substituíveis entre si.

Colocadas à disposição dos consumidores quantidades iguais de produtos

produzidos pelos diferentes ofertantes, pela hipótese de homogeneidade, estes se

mostrarão indiferentes em relação à origem dos produtos.

Outra suposição bastante comum em modelos de concorrência perfeita é a da

divisibilidade dos produtos ofertados. Pela hipótese de divisibilidade entende-se

que os produtos podem ser comercializados em quaisquer quantidades, inteiros

ou fracionados. Trata-se de uma suposição que elimina algumas dificuldades

analíticas que se poderia encontrar em mercados nos quais são comuns vendas

discretas, como no comércio de pianos. Quem compraria 1,5 pianos? Uma outra

forma de contornar esta dificuldade, e que dispensaria a referida hipótese, seria

trabalhar com transações que ocorrem por intervalo de tempo, já que não há nada

de estranho com vendas de 1,5 pianos/dia.

Como uma nota final, e fazendo uma oportuna ligação com o final do capítulo

anterior, é interessante perceber que se pelo menos duas das hipóteses mais

sensíveis apresentadas acima seriam desnecessárias caso se adotasse

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explicitamente a suposição de ausência de custos de transação. De fato, a hipótese de ausência de custos de transação é implicitamente usada na maior parte das apresentações tradicionais do modelo de concorrência perfeita, embora não se costume enfatizá-la em função das dificuldades lógicas

do modelo concorrencial que ela expõe, como a indeterminação do tamanho e a

própria necessidade da existência das firmas. De qualquer maneira, a suposição

de que os mercados possam ser usados sem quaisquer custos (de transação)

eliminaria a necessidade da hipótese de informação perfeita, já que a aquisição de

informações é um dos custos mais importantes para a utilização dos mercados,

assim como seria desnecessária a hipótese de ausência de externalidades pois,

seguindo o argumento de Coase (1960), na ausência de custos de transação

todas as externalidades seriam automaticamente internalizadas nos mercados.

Um quadro resumo das hipóteses subjacentes ao modelo de concorrência

perfeita é apresentado abaixo. Eventualmente o leitor sinta a falta de uma

previsão a respeito do número de ofertantes e demandantes envolvidos no

mercado, já que faz parte do imaginário econômico a idéia de que para que haja

concorrência perfeita seja necessária uma grande quantidade de agentes

pequenos, atomizados. Trata-se, entretanto, de hipótese desnecessária

tecnicamente e sem fundamento lógico. Ainda que o aumento na quantidade de

agentes envolvidos pelo lado da oferta ou da demanda tenda a reduzir o poder

para que se interfira nos preços, esta preocupação é desnecessária quando já se

supôs que nenhum agente é capaz de interferir nos resultados de mercado.

Adicionalmente, mesmo que um mercado seja caracterizado pela existência de

poucos e grandes ofertantes ou demandantes, a estrutura de concorrência perfeita

pode ser adequada para explicar seus comportamentos quando as barreiras à

entrada e saída forem suficientemente baixas.

Modelo de Concorrência Perfeita – Quadro Resumo das Hipóteses Básicas

Hipóteses

1) Ausência de Barreiras à Entrada

e Saída

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2) Ausência de Custos de

Transação

2.a) Informação Perfeita

2.b) Ausência de externalidades

3) Produtos Homogêneos

4) Produtos Divisíveis

3.1.1 Concorrência Perfeita

Esta apresentação do modelo de concorrência perfeita enfatizará as decisões

de oferta das firmas, sem tecer maiores considerações sobre o lado da demanda.

Entende-se, entretanto, que as firmas serão tomadoras de preços tanto quanto

ofertantes de produtos quanto como demandantes de insumos e fatores de

produção.

Neste contexto, serão analisadas as decisões de oferta para firmas uniproduto

no curto e no longo prazo, embora os resultados apresentados sejam

imediatamente extensíveis ao caso de firmas multiproduto. No intuito de simplificar

ao máximo a apresentação, desconsideram-se os problemas de conflitos de

interesses entre agentes e principais discutidos no capítulo anterior, o que

corresponde a imaginar que os responsáveis pelas decisões na firma escolham e

ajam como se fossem seus proprietários.

De forma rigorosa, o proprietário de uma firma deve estar preocupado com a

maximização do valor presente dos fluxos econômicos nela gerados. Isto significa

que a totalidade dos fluxos atuais e futuros necessários ou decorrentes da

atividade empresarial precisaria ser levada em conta por ocasião das decisões de

produção realizadas. Representando por ( )t tR q as receitas totais esperadas para

o período t, por ( )t tC q os custos econômicos realizados em t para a obtenção de

tais receitas, e tomando uma taxa de juros constante e igual a r por período, o

problema da firma seria o de escolher as quantidades a produzir em cada período

que maximizassem o valor presente da firma, VP, dado pela expressão (3.1):

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(3.1) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )( )

( ) ( )( )

1 1 1 1 2 2 2 20 0 0 0 21 1 1

T T T TT

R q C q R q C q R q C qVP R q C q

r r r− − −

= − + + + ++ + +

Formalmente, dada uma taxa de juros, r, o problema de escolha seria o da

maximização do VP, com a escolha das quantidades 1 2, , , Tq q q… :

(3.2) ( ) ( )( )0 1, , , 0

max1T

Tt t t t

tq q q t

R q C qVP

r=

−=

+∑…

O programa de otimização esboçado em (3.2) pode e costuma ficar bastante

complexo à medida que nele se introduzem os fluxos associados a investimentos,

depreciação e ganhos ou perdas esperadas de capital. Não obstante as

dificuldades adicionais que esta metodologia traz, é com base em raciocínios

similares a este que costumam ser calculados os valores das empresas na

realidade, especialmente quando se pretende estimar seu preço para aquisição ou

venda.

Deixando claro que o objetivo da firma é a maximização de seu valor

(presente), no argumento a seguir emprega-se uma metodologia bastante mais

singela, reduzindo os problemas de escolha a apenas um período. Via de regra,

esta última simplificação aparecerá como uma aproximação empiricamente

razoável e adequada do ponto de vista didático para explicar as escolhas de

produção das firmas. Na prática, entretanto, haverá inúmeras situações em que

esta suposição de comportamento de maximização dos lucros será inadequada,

merecendo aperfeiçoamentos conforme o caso.

A Decisão de Oferta no Curto-Prazo

Fixado o objetivo da firma na maximização dos lucros do período, a lógica

proposta para explicar a decisão de produção no curto-prazo passa a ser trivial.

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Imagina-se que, no curto-prazo, a única variável de escolha para a firma é a

quantidade a ser produzida, q. Escolhendo a quantidade a ser produzida, a firma

tanto determina a sua receita total, RT(q), como os seus custos totais de produção

no período, CT(q). Subtraindo-se das receitas totais os custos de produção,

encontra-se o lucro da firma no período, ( ) ( ) ( )q RT q CT qπ = − .

Admite-se que existe alguma quantidade, q*, para a qual o lucro seja máximo.

Para evitar desdobramentos formais, supõe-se ainda que esta quantidade seja

única, vale dizer, que o máximo seja global. Desta maneira, pode-se perceber no

gráfico 3.1 que o lucro máximo ocorre quando a inclinação de uma reta tangente à

função lucro tenha inclinação nula, ou seja, quando ( ) 0d q

dqπ

= .

Gráfico 3.1

Para qualquer quantidade diferente de q*, como mostra gráfico, o lucro poderia

ser aumentado pela alteração na quantidade produzida. Tome, por exemplo, o

ponto q0, em que a reta tangente à função lucro tem inclinação positiva. Se uma

firma estiver produzindo a quantidade q0, será possível aumentar o lucro

aumentando a quantidade produzida, de forma que em q0 o lucro não é máximo.

De forma análoga, em q1 existe a possibilidade de elevar o lucro reduzindo a

quantidade produzida, algo que acontecerá sempre que a inclinação da função

lucro no ponto considerado for negativa.

q

π

0q q∗1q

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No raciocínio marginalista, o que se faz é checar, para cada quantidade de

produção factível, o que aconteceria com o lucro em decorrência de uma pequena

variação na quantidade produzida. Esta informação é encontrada pela

quantificação da mudança observada dos lucros quando são realizadas pequenas

alterações, positiva ou negativas, nas quantidades produzidas. Geometricamente,

a variação marginal nos lucros corresponde à inclinação da reta que tangencia a

função lucro no ponto considerado.

De forma intuitiva uma outra linha de argumentação poderia ser apresentada,

comparando as variações nas receitas totais e nos custos totais à medida que se

altera marginalmente a quantidade de produção. Denominando por receitas

marginais, RMg, estas mudanças nas receitas, e lembrando da definição de custos

marginais, CMg, apenas três situações poderiam ser observadas:

( ) ( ) dRT q dCT q

RMg CMgdq dq

>= = =

<

Se as receitas marginais forem maiores que os custos marginais quando se

produz determinada quantidade, como ocorre em q0, no gráfico 3.1, os lucros

poderiam ser ampliados com o aumento na quantidade produzida. Na situação

contrária, quando os custos marginais forem maiores do que as receitas

marginais, vide q1 no gráfico, seria possível aumentar os lucros reduzindo a

produção. Apenas quando a produção de uma quantidade maior gerar receitas e

custos adicionais iguais, o lucro será máximo. Somente nesta última situação

alterar a quantidade produzida não traz qualquer vantagem para a firma, e o lucro

será máximo, como ilustra o ponto q*.

Algebricamente, o programa de otimização sob análise aparece em (3.3).

(3.3) ( ) ( ) ( )maxq

q RT q CT qπ = −

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A solução para este problema ocorre pela escolha da quantidade produzida

compatível com ( ) 0d q

dqπ

= . Derivando (3.3) em relação a q e forçando a condição

de lucro máximo, obtém-se:

( ) ( ) ( ) 0d q dRT q dCT q

dq dq dqπ

= − =

ou, rearranjado os termos:

(3.4) ( ) ( )RMg q CMg q=

A expressão (3.4) estabelece a condição para a maximização dos lucros de

forma bastante geral. De fato, a mesma condição (3.4) será usada para explicar a

decisão de oferta dos monopolistas, dos oligopolistas e das firmas em

concorrência monopolística, já que a maximização dos lucros permanecerá como

objetivo a ser perseguido independentemente da estrutura de mercado

considerada. As soluções específicas encontradas pela aplicação da regra geral

em (3.4) tenderão a mostrar diferenças conforme as firmas detenham ou não

poder para afetar os preços e quantidades de mercado, bem como em função das

barreiras à entrada e saída observadas nas distintas situações.

No caso de firmas que atuam em ambiente perfeitamente competitivo, a

condição expressa pela igualdade entre receita marginal e custo marginal pode

ser simplificada caso se relembre o fato de que, nesta estrutura de mercado, os

agentes são tomadores de preços. Sendo os preços determinados no mercado,

independentemente das escolhas de qualquer firma individual, percebe-se que

para a firma as receitas marginais são pré-determinadas e iguais ao preço vigente

no mercado, RMg p= . Imagine, a título de ilustração, que o produto da firma

tenha um preço unitário de mercado 1 $10p = e que ela esteja ofertando, a este

preço, 1 8000q = unidades por mês. Com estes valores, suas receitas totais seriam

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iguais a ( ) ( ) ( )1 1 1 $10 8.000 $80.000RT q p q= = = /mês. Considere, agora, que a firma

aumente sua produção em 1%, passando a ofertar 8.080 unidades/mês, com

receitas de vendas iguais a $ 80.800. Nota-se que as receitas totais variaram em

$80.800 $80.000 $800RT∆ = − = , em decorrência de uma mudança de

8.000 8.080 80q∆ = − = unidades na quantidade produzida. Tomando a razão

1$800 $1080

RT pq

∆= = =

∆, percebe-se que a variação nas receitas totais será igual ao

preço de mercado. Esta relação será sempre a mesma desde que o preço de

mercado não mude, qualquer seja a mudança na quantidade ofertada, de forma

que para a concorrência perfeita, a condição básica para a maximização do lucro,

apresentada em (3.4), pode ser reescrita da seguinte forma:

. (3.5) ( )p CMg q=

Numa primeira abordagem, portanto, percebe-se que para maximizar seus

lucros, uma firma sob concorrência perfeita precisa ofertar as quantidades que

façam com que os seus custos marginais de produção sejam iguais aos preços de

mercado. Para se obter uma relação mais segura e geral, entretanto, será

necessário avaliar a relação entre os preços de mercado, os custos totais médios

e os custos variáveis médios de produção da firma.

No raciocínio usado para a obtenção de (3.5) os custos inevitáveis são

desconsiderados, já que, por definição, aumentar ou reduzir a quantidade

produzida não traz qualquer mudança sobre custos fixos. Este será um problema

importante, pois quando os preços de mercado forem menores do que os custos

totais médios de produção, o uso mecânico da regra posta em (3.5) poderá gerar

soluções em que a firma terá lucros econômicos negativos (prejuízos). Enquanto

os preços de mercado forem superiores aos custos variáveis médios de produção,

pode ser conveniente à firma suportar prejuízos econômicos temporariamente,

desde que haja a perspectiva de elevação dos preços ou da redução dos custos

no futuro. Caso os preços de mercado sejam menores do que os custos variáveis

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médios de produção, a melhor decisão seria o fechamento da firma, que deixaria

de produzir de forma a minimizar seus prejuízos.

No lado esquerdo da Figura 3.1, encontram-se esboçadas as curvas de custos

no curto-prazo para uma firma individual, i, que ajudam a esclarecer estas

questões. Para simplificar a apresentação, supôs-se que todos os custos fixos são

inevitáveis, de forma que a curva de custos variáveis médios (CVMe) pode ser

identificada à curva dos custos evitáveis médios. Para este raciocínio, é crucial

saber encontrar no gráfico o lucro econômico da firma para as diferentes

quantidades produzidas.

Suponha que o preço de mercado seja igual a p1, de forma que a maximização

dos lucros indique como ótima a produção de CPiq unidades por período. Neste

nível de produção, as receitas totais são dadas por 1CPip q , o que corresponde à

área do retângulo que se inicia na origem, com altura 1p e tem base igual a CPiq .

Os custos totais para se produzir a quantidade CPiq também podem ser medidos

pela área de um retângulo, cuja altura é dada pelos CTMe para a produção deste

montante de produtos, e a base é novamente igual a CPiq [lembre-se que

CTMe q CT× = ]. Ora, ao preço p1, constata-se que a firma obtém um lucro

econômico positivo no curto prazo, dado pela diferença entre as receitas e custos

totais, conforme mostra a área hachurada no gráfico.

Quando o preço for igual a p0 na Figura 3.1, a quantidade produzida compatível

com o lucro máximo será dada por LPiq e, como se constata com facilidade, a firma

estará recebendo por unidade exatamente o seu custo total médio de produção,

ou seja, perceberá um lucro econômico nulo. Esta situação aparentemente

desoladora é, na verdade, aquela que se espera prevalecer no equilíbrio de longo

prazo em ambientes perfeitamente concorrenciais. Longe de ser um mau

resultado, um lucro econômico igual a zero traduz a idéia de que todos os

recursos empregados nas operações da firma estão sendo remunerados da

melhor maneira possível, tomando por referência as maiores remunerações que

eles receberiam caso fossem alocados fora da firma. Tema já discutido no

Capítulo 2, o cálculo dos lucros pela dedução dos custos econômicos implica um

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critério extremamente rigoroso para a avaliação dos resultados obtidos pela firma,

sendo anormais ou extraordinários os lucros econômicos positivos, e normais os

lucros econômicos nulos.

Os dois preços críticos a serem considerados no gráfico são, desta forma, p0 e

pE, pois a preços menores do que p0 a firma passará a ter lucros econômicos

negativos e abaixo de pE deixar de produzir será uma alternativa mais interessante

do que produzir qualquer quantidade positiva.

A situação em que o preço é igual aos custos variáveis médios mínimos,

estabelece o ponto de entrada da firma no mercado. A curva de custos marginais

cruza a curva de custos variáveis médios exatamente no ponto em que estes são

mínimos, de forma que produzir quantidades positivas a preços menores do que pE

seria um contra-senso, já que os prejuízos percebidos pela firma diminuiriam se

ela simplesmente cessasse a produção. O preço de entrada, pE , desta forma,

também é conhecido como preço de fechamento, e a curva de oferta da firma no

curto-prazo é definida pela regra:

(3.6) ( )p CMg q= se Ep p≥ , com 0q = , se Ep p≤ .

16

Figura 3.1

Ainda que o preço de mercado seja maior do que pE, a firma permanecerá

tendo prejuízo econômico enquanto o preço que recebe por unidade vendida for

menor do que os custos totais médios de produção. O custo total médio mínimo é

encontrado no cruzamento das curvas de custo marginal e custo total médio o

que, na Figura 3.1 ocorre quando a produção é igual a LPiq . Pode-se indagar por

que uma firma estaria disposta a produzir a preços inferiores a p0, já que estaria

sofrendo prejuízos econômicos. De fato, esta opção seria ilógica se os preços

fossem permanecer inferiores aos custos médios por muito tempo, mas em se

tratando de uma situação transitória ou caso a firma espere conseguir reduzir seus

custos de produção no futuro, seria razoável manter a firma aberta e produzindo

quantidades positivas no curto-prazo. É por este motivo que, na caracterização da

curva de oferta de curto-prazo para a firma individual, a regra ( )p CMg q= é

admissível para preços menores do que os custos totais médios, desde que os

custos variáveis médios estejam sendo cobertos. No longo-prazo, como se verá

mais adiante, esta peculiaridade deixa de ser importante já que neste horizonte de

p p

q Q Eiq E

inqLPiq

CMg

CTMe

CVMe

SCPQ

p1

p0

pE

Firma Mercado

0CPπ >

CPiq

CPinq

DQ

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planejamento mais dilatado todos os custos são variáveis e, desta forma, o ponto

de entrada e o de custo total médio mínimo coincidem.

Do lado direito do Figura 3.1 encontram-se as curvas de oferta e demanda de

mercado para o produto comercializado pela firma i. A curva de oferta de

mercado, SCPQ , inclui as quantidades ofertadas pela totalidade das firmas aos

diferentes preços. Supôs-se na construção desta curva de oferta de curto prazo a

existência de n firmas com estruturas de custos idênticas à da firma i. Neste caso,

fica fácil entender por que abaixo de pE a oferta de mercado é nula, havendo uma

quantidade ofertada igual a Einq assim que, ao preço pE, as n firmas entram no

mercado. Observa-se, ainda, que para a curva de demanda QD, o equilíbrio de

mercado indicado no gráfico está determinando preços iguais a p0, o que implica

que cada uma das n firmas esteja auferindo um lucro econômico positivo. A

situação de firmas em concorrência perfeita percebendo lucros extraordinários

contradiz outra imagem do imaginário econômico, pela qual apenas lucros

econômicos nulos ou “normais” seriam factíveis nesta estrutura de mercado. No curto-prazo não há nada de anormal com firmas perfeitamente competitivas ganhando lucros econômicos positivos. O que não se pode esperar é que, na

ausência de barreiras à entrada e saída, estes lucros extraordinários continuem a

ser observados por muito tempo.

A Mão Invisível em Ação: Equilíbrios de Curto-prazo e de Longo-Prazo

O processo pelo qual os lucros econômicos positivos (ou negativos) em

concorrência perfeita são dissipados leva a um quadro distinto do que se estava

analisando, conforme exibido na Figura 3.2. Do lado direito desta figura,

encontram-se as curvas de oferta e demanda de mercado para o longo prazo,

chamando a atenção o fato de a oferta no longo prazo ser perfeitamente horizontal

no nível de preços p0. Por trás deste formato da curva de oferta de longo prazo há

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duas pressuposições que merecem explicitação: (i) o fato de p0 ser igual aos

custos (totais) médios de produção e (ii) a ausência de economias ou

deseconomias de escala.

Efetivamente, só haverá equilíbrio de longo prazo em mercados perfeitamente

concorrenciais quando os lucros percebidos pelas empresas que nele atuam,

também denominadas firmas “incumbentes”, forem iguais a zero. Enquanto houver

lucros econômicos positivos, a entrada de novas firmas permanecerá ocorrendo e

se as incumbentes estiverem tendo prejuízos, elas sairão do mercado, de forma

que o preço de entrada ou de fechamento, no longo prazo, será igual ao custo

médio mínimo, como se pode observar do lado esquerdo da Figura 3.2.

Como se está supondo que todas as firmas neste mercado têm estruturas de

custo idênticas, a ausência de economias ou deseconomias de escala impõe uma

escala de produção eficiente com a produção de LPiq unidades por firma. A

quantidade total ofertada no mercado será, então, igual ao número de firmas que

ali ficarão produzindo, nLP, multiplicado por LPiq . De forma mais geral, seria

interessante considerar a possibilidade de ocorrência de economias ou

deseconomias de escala externas às firmas, eventualmente por razão da

presença de algum insumo com disponibilidade fixa, cuja intensificação no uso ou

aumento da demanda causasse alterações nos preços dos inputs. Neste caso, a

curva de oferta de longo prazo poderia ter inclinação positiva (deseconomias

externas) ou negativa (economias externas), mas o fim processo de entrada ou

saída de novas firmas permaneceria determinado pela ausência de oportunidades

de obtenção de lucros econômicos anormais.

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Figura 3.2

Na Figura 3.3 ilustra-se uma curva de oferta perfeitamente competitiva de

longo prazo com inclinação positiva. Conforme desenhada, a curva foi obtida pela

diferenciação dos ofertantes em dois grupos, os do tipo I e os do tipo II. A

existência de algum fator de produção fixo, como por exemplo, terras de alta

fertilidade, permite aos ofertantes do tipo I produzir a custos médios relativamente

menores do que os produtores do tipo II, que utilizam terras menos férteis. Por

simplicidade supôs-se que as curvas de custos marginais para os dois tipos de

produtores fossem iguais. Assim, ao preço p1, somente ofertantes do tipo I

estariam no mercado, ofertando em conjunto a quantidade n1q1. Estes produtores

permanecerão sozinhos no mercado até que os preços se elevem a p2, quando

passará a ser factível a entrada dos ofertantes do tipo II. A este preço maior, a

oferta conjunta será igual a ( )1 2 2n n q+ , e ninguém mais desejará entrar no

mercado, já que as terras mais férteis estão todas ocupadas e os lucros

econômicos dos produtores que ocupam terras menos férteis é igual a zero. Aos

preços p1, entretanto, observa-se que os produtores do tipo I estarão recebendo

por unidade vendida valores substancialmente maiores do que os seus custos

p p

q QCPiq LP

iq

CMg

CTMe

CVMe SLPQ

LPLP in q

p0

Firma Mercado

20

médios de produção: Como poderiam produtores competitivos auferir lucros

econômicos positivos no longo prazo?

Figura 3.3

Não podem, e os produtores do tipo I na Figura 3.3 não estão obtendo lucros

anormais. Reaparece aqui a importância do uso da noção econômica de custos ou

dos custos de oportunidade. De fato, observa-se que os produtores do tipo I

ingressam primeiro no mercado porque têm custos médios menores do que os

produtores do tipo II. Mas quando estão produzindo a quantidade q2, estes

produtores conseguiriam alugar ou arrendar suas terras férteis a outros produtores

por um valor máximo igual a estas receitas adicionais (anormais) que recebem por

usarem terras mais férteis, exibido pela área em destaque no gráfico da esquerda.

Este valor não é um lucro econômico derivado da produção, mas uma renda que

cabe àqueles que são proprietários dos recursos limitados, como são as terras de

alta fertilidade. Reitera-se, assim, que no longo prazo as firmas em um mercado perfeitamente competitivo percebem lucros econômicos nulos, ou

p p

q Q

CMg

CMe1

SLPQ

( )1 2 2n n q+

p2

p1

Firma Mercado

CMe2

1 1n q 1 2n q

Renda Econômica

1q 2q

21

normais. Situações como a ilustrada na Figura 3.3 para os produtores do tipo I não aparecem como exceções, desde que a noção econômica de custos seja usada.

A Curva de Demanda Residual

No início do capítulo colocou-se como suposição central no modelo de

concorrência perfeita o fato dos agentes serem tomadores de preços. Esta

hipótese foi usada para encontrar a oferta ótima das firmas e traduz bem o espírito

do modelo concorrencial, mas, mesmo dentro de uma estrutura de mercado

teórica e ideal, ela não é rigorosamente verdadeira. Pode-se mostrar que até uma

firma competitiva se defronta com uma curva de demanda negativamente

inclinada e, portanto, tem alguma capacidade para alterar os preços de mercado.

Ocorre que este poder em mercados competitivos é bastante pequeno, de forma

que a idéia de que os preços seja dados - ou de que demanda individual seja

horizontal - para firmas perfeitamente concorrenciais permanece sendo uma boa

aproximação. Dois conceitos serão discutidos para que se consiga esclarecer

estes pontos: o de elasticidade e o de curva de demanda residual.

As elasticidades são usadas em Economia como indicadores de sensibilidade. Elas medem a variação percentual no valor de uma variável trazida por mudanças percentuais em outra. A priori é possível encontrar a

elasticidade para qualquer par de variáveis quantitativas, mesmo que não sejam

econômicas. Por exemplo, a “elasticidade horas de estudo da nota obtida no

curso de OI” mediria a sensibilidade da variável “nota” a mudanças na “quantidade

de tempo” de estudo dedicado à matéria. Na prática, estas notas podem estar

numa escala de 0 a 10, mas há professores que usam critérios diferentes, como

avaliações de 0 a 5 ou de 0 a 100. Da mesma forma, o tempo de estudo pode ser

medido em dias, horas ou minutos, e para cada opção de unidades de medida se

obteria uma medida de sensibilidade diferente. É por isto que no cálculo das

elasticidades prefere-se trabalhar com variações percentuais nos valores das

22

variáveis envolvidas. O uso de mudanças em percentagem elimina problemas com

as unidades de mensuração, permitindo comparações mais abrangentes e de fácil

interpretação.

A fórmula para a “elasticidade tempo de estudo (t) da nota (g)”, poderia ser

expressa da seguinte forma:

,t g

gg tg

t t gt

∆∆

Ε = =∆ ∆

Como fica evidente da fórmula acima, o valor da elasticidade depende não

apenas das mudanças absolutas das variáveis envolvidas, t∆ e g∆ , mas também

dos valores com relação aos quais se calculam as variações percentuais, t e g. O

tempo de estudo e a nota a serem substituídos por t e g no cálculo de ,t gΕ são os

anteriores à mudança ou aqueles observados depois que o tempo de estudo foi

alterado? Este problema será importante sempre que se estiver calculando as

elasticidades com base em mudanças discretas (“grandes”), já que nestes casos

os valores iniciais e finais das variáveis envolvidas podem ser muito diferentes.

Elasticidades calculadas usando mudanças discretas nas variáveis são

denominadas elasticidades no arco, e neste caso não há uma regra única para a

escolha dos valores escolhidos para aferir a variação percentual, podendo ser os

iniciais, os finais ou, eventualmente, uma média de ambos.

Se as variações envolvidas no cálculo das elasticidades forem suficientemente

pequenas, entretanto, esta dificuldade não existe. Elasticidades aferidas com base

em mudanças marginais são denominadas elasticidades no ponto, e como as

mudanças tendem a ser pequenas entre a situação inicial e a final, os valores

iniciais serão adequados para a aferição da elasticidade. Para o exemplo das

notas e tempo de estudo, a elasticidade no ponto seria:

, 0limt g t

g t dg tt g dt g

ε∆ →

∆= =

23

Uma aplicação do conceito mais próxima aos usos práticos na OI seria o

cálculo da elasticidade preço da quantidade demandada de um produto, aqui

apresentada na forma marginal (elasticidade no ponto). O que esta elasticidade

quantifica é a sensibilidade da quantidade demandada em determinado mercado

derivada de alterações no preço do produto, sempre em termos percentuais.

Como em resposta a uma elevação (redução) de preços espera-se que a

quantidade demandada de determinado produto em um mercado se reduza

(eleve), o sinal desta elasticidade é sempre negativo. Se uma alteração dos

preços de 1% causar uma mudança em sentido oposto da quantidade demandada

de 2%, o valor da elasticidade preço da demanda será igual a ,

2% 21%Dp Q

ε = − = − .

Os valores de , Dp Q

ε estão compreendidos em um intervalo entre −∞ e 0, de

maneira que a fórmula da elasticidade preço da demanda seria:

(3.7) , D

D

Dp Q

Q pp Q

ε ∂=

∂,

com, ,

0Dp Qε−∞ < ≤

Em termos absolutos, as elasticidades preço da demanda tendem a ser

maiores quanto mais substitutos houver para o produto em consideração, já que o

primeiro caminho usado pelos demandantes para se proteger de uma elevação

nos preços de um produto é a substituição por outros produtos cujos preços não

tenham se elevado. É por este motivo que se costuma usar o exemplo do sal de

cozinha para ilustrar o caso de um bem com demanda preço inelástica, pois diante

de uma elevação no preço do sal os consumidores encontram poucas alternativas

de substituição, reduzindo pouco a quantidade demandada1. Pelo mesma razão,

têm-se como “regra geral” que à medida que o tempo passa, mais fácil é para os

demandantes encontrar substitutos para os produtos que tradicionalmente

adquirem, pelo que as elasticidades preço costumam ser maiores (em valor

absoluto) no longo prazo do que no curto prazo.

24

Qualquer regra geral relativa às elasticidades deve ser percebida com cautela. O objetivo de se usar estas medidas de sensibilidade não é o de explicar

a realidade dos mercados, mas apenas organizar ou resumir informações

econômicas de forma simples e objetiva. Neste sentido, é interessante notar que

para os bens duráveis, como uma geladeira ou um automóvel, por exemplo, o

comportamento das elasticidades preço no curto e no longo prazo é exatamente o

oposto do preconizado pela “regra geral” acima. No curto prazo, uma elevação no

preço da geladeira induz o demandante substituir o refrigerador novo por aquele

que já possui, ou seja, a prolongar a vida da geladeira usada. Este comportamento

que eleva a elasticidade preço da demanda por geladeiras no curto-prazo,

entretanto, não pode ser mantido indefinidamente, já que a depreciação da

geladeira velha forçará, no longo prazo à aquisição de uma nova, mesmo a preços

mais elevados. Assim, as elasticidades preço da demanda por bens duráveis

tendem a ser maiores no curto prazo do que são no longo prazo.

Outro aspecto interessante com relação à elasticidade preço da demanda é

que um mesmo produto pode e costuma exibir valores diferentes para este

indicador à medida que os preços e quantidades variam. No gráfico 3.2 exibe-se

uma curva de demanda de mercado linear, aqui representada por DQ a bp= − . É

imediato perceber que qualquer variação em p leva a uma mudança na quantidade

demandada, DQ∆ , igual a b p− ∆ . Desta maneira, observa-se que DdQ b

dp= − , uma

constante negativa que pode ser substituída em (3.7), obtendo-se:

(3.8) , D Dp Q

pbQ

ε = −

Na mesma curva de demanda para um produto encontram-se elasticidades

preço da demanda distintas, a depender do ponto em que elas são calculadas. Um

1 As elasticidades preço da demanda também tendem a ser maiores (em valores absolutos) quando os dispêndios com os produtos a que se refere representarem uma proporção significativa dos gastos do demandante. O sal também é um bom exemplo desta regularidade, já que além de ter poucos substitutos, usualmente não representa uma fração importante dos dispêndios dos consumidores.

25

primeiro ponto interessante nesta curva é aquele para o qual a elasticidade-preço

é unitária, ,

1D Dp Q

pbQ

ε = − = − , que pode ser localizado nesta curva de demanda

linear ao preço DQp b= e à quantidade DQ bp= . No ponto de elasticidade

unitária, uma elevação de 1% no preço do produto faz com que a quantidade

demandada caia em exatos 1%. Note-se que para preços superiores a DQp b= ,

a elasticidade preço da demanda assumirá valores entre 1DpQε−∞ < < − , e a

preços inferiores aos da elasticidade unitária, 0 1DpQε> > − .

Gráfico 3.2

Não deve causar estranhamento o fato da elasticidade preço da demanda

aumentar (em valores absolutos) quando o preço do bem sobe. Isto ocorre porque

os preços mais altos funcionam como incentivos para que os demandantes

encontrem substitutos e pelo fato da redução no poder de compra dos

demandantes trazida pela elevação dos preços normalmente force uma redução

nas quantidades demandadas.

DQ a bp= −

p

0 1DpQε> > −

1DpQε−∞ < < −

1DpQε = −

1b

α = −

DQb

bp

26

A apresentação da noção de curva de demanda residual propicia um

interessante uso do conceito de elasticidade. Imagine que existam n firmas em

determinado mercado no qual se comercializa um produto perfeitamente

homogêneo. Por simplicidade supõe-se que todas elas têm estruturas de custos

exatamente iguais, e procura-se encontrar a curva de demanda “exclusiva” de

uma destas firmas, digamos a firma i. O raciocínio é ilustrado no gráfico 3.3, em

que se superpõem a curva de oferta de mercado das outras n-1 firmas e a curva

de demanda de mercado. Sem a oferta da firma i, o preço que equilibraria este

mercado seria p1. A este preço, a demanda residual da firma i seria igual a 0,

conforme se observa no gráfico da direita. Para preços inferiores a p1, entretanto,

observa-se que as quantidades demandadas no mercado são maiores do que a

oferta das outras firmas, e as diferentes combinações entre preços e excesso de

demanda de mercado abaixo de p1 constituem a curva de demanda residual da

firma i.

Gráfico 3.3

A fórmula para calcular a demanda residual da firma i é apresentada a seguir:

(3.9) ( ) ( ) ( )R D Si oq p Q p Q p= − , para ( ) ( )D S

oQ p Q p≥ e ( ) 0Riq p = , para

( ) ( )D SoQ p Q p<

p pSoQ

DQ Riq

P1

P0

( )0DQ p ( ) ( ) ( )0 0 0

R D Si oq p Q p Q p= − ( )0

SoQ p

27

Derivando-se (3.9) em relação a p, e multiplicando-se ambos os lados por i

pq

,

chega-se a uma expressão para a elasticidade preço da demanda individual da

firma i, Riε :

R SD

R i oi

i i i

dq dQp dQ p pdp q dp q dp q

ε = = −

Os dois termos do lado direito da expressão acima podem ser transformados

em elasticidades, bastando para tanto multiplicar e dividir o primeiro por QD e o

segundo por SoQ :

So

S S S SD D D DR o o o oi D S D S

i o i i o i

dQ Q dQ QdQ Q p p dQ p Q pdp Q q dp Q q dp Q q dp Q q

ε ε

ε = − = −

Representando a elasticidade preço da demanda de mercado por ε , a

elasticidade preço da oferta das outras firmas por Soε , e notando que

D

i

Q nq

= e

que 1So

i

Q nq

= − , chega-se a uma expressão mais sintética e de fácil interpretação:

(3.10) ( )1R Si on nε ε ε= − −

Por (3.10) percebe-se que a elasticidade preço da demanda individual da firma

i depende (i) da elasticidade preço da demanda de mercado, ε , (ii) do número de

firmas incumbentes, n, e da elasticidade preço da oferta das outras firmas, Soε .

Fazendo a suposição extremamente conservadora2 de que a oferta das outras

firmas seja totalmente preço inelástica, 0Soε = , algumas simulações apresentadas

28

na Tabela 3.1 revelam que mesmo para produtos com baixa elasticidade preço da

demanda, digamos, 2ε = − , a elasticidade preço da demanda residual para um

firma específica assume valores bastante altos ainda que o número de firmas seja

pequeno, com 16Riε = − para n=8 e 32R

iε = − caso hajam 16 firmas. Para se ter

uma idéia, com 16Riε = − se a firma elevasse seus preços em 1% perceberia uma

redução na quantidade demandada de 16%, o que torna esta opção de

interferência nos preços pouco atrativa.

eRi 2 8 16 64 128 512-1 -2 -8 -16 -64 -128 -512-2 -4 -16 -32 -128 -256 -1024-4 -8 -32 -64 -256 -512 -2048-8 -16 -64 -128 -512 -1024 -4096

-16 -32 -128 -256 -1024 -2048 -8192-32 -64 -256 -512 -2048 -4096 -16384-64 -128 -512 -1024 -4096 -8192 -32768El

astic

idad

e Pr

eço

da

Dem

anda

de

Mer

cado

e

Número de Firmas (n)

Tabela 3.1

Eficiência e Bem-Estar

A alusão a mercados perfeitamente competitivos traz imediatamente à mente

dos economistas as imagens da maximização do bem-estar social e do uso

eficiente de recursos. Estas associações são pertinentes desde que se conheça

com rigor os limites do instrumental teórico disponível na análise econômica de

bem-estar, já que é relativamente fácil cometer equívocos de interpretação nesta

área em que as vertentes positiva e normativa do pensamento econômico se

encontram. 2 Esta suposição de completa inelasticidade preço da oferta indica que elevações no preço do produto não trazem qualquer alteração na quantidade ofertada pelas outras firmas, o que dificilmente ocorre na prática. (continuação da nota de rodapé)

29

Quantificar e fazer proposições sobre o bem-estar de uma sociedade é mesmo

tarefa delicada. O primeiro ponto a se notar é que as medidas de bem-estar são

obtidas a partir de um determinado referencial teórico usado para explicar como

são resolvidos os problemas econômicos, aquilo que se costuma denominar por

Economia Positiva. É com base nestas explicações sobre a operação dos

mercados e comportamento dos agentes econômicos que se estruturam as

proposições de Economia Normativa, vale dizer, as recomendações técnicas ou

de política econômica voltadas à satisfação de determinados objetivos sociais.

Dizer que os indivíduos responsáveis pelas decisões das firmas escolhem de

forma a maximizar o valor presente da empresa ou os lucros do período é propor

uma lógica teórica de operação para o sistema econômico, uma explicação de

natureza positiva voltada a esclarecer quais são os problemas econômicos e como

são resolvidos. Proposições como estas têm natureza positiva porque seu objetivo

é tentar encontrar uma lógica científica para os comportamentos observados na

realidade, sem a intenção imediata de interferir sobre o fenômeno estudado. Algo

bastante diverso ocorre quando se propõe ações específicas para alterar ou

conformar a realidade que se observa. Nos argumentos de natureza normativa há

uma pretensão de controle e a fixação de objetivos práticos a serem atingidos, o

que transforma o cientista “isento” em um agente que sugere aperfeiçoamentos ou

mudanças cuja implementação ele considera adequada. Ao se defender um

conjunto de objetivos ou ações econômicas em detrimento de outras, realiza-se

uma escolha diante de possibilidades alternativas e a “isenção” científica abre

espaço para uma opção valorativa.

Os problemas e valores envolvidos na análise de bem estar dependerão das

situações concretas consideradas. Não obstante, dispõe-se de uma metodologia

relativamente padronizada e simples para a estruturação lógica de problemas de

bem estar relacionados ao funcionamento dos mercados, que passa agora a ser

discutida. Trata-se da análise de bem estar sob equilíbrio parcial, cujos

Como a elasticidade preço da oferta é positiva, num contexto mais realista as estimativas da elasticidade preço da demanda residual para a firma i seriam ainda maiores em termos absolutos.

30

antecedentes remontam a Dupuit3 (1804-1866). Para este autor, a curva de

demanda mostraria os preços máximos que os consumidores estariam dispostos a

pagar para adquirir as diferentes quantidades de um bem ou serviço. Supondo que

os preços máximos que os consumidores voluntariamente pagariam para adquirir

determinada quantidade de uma mercadoria guardem uma relação direta com o

bem estar por ela propiciado, Dupuit associou a área compreendida abaixo da

curva de demanda à utilidade total que os consumidores atribuem ao consumo ou

uso desta mercadoria.

Alfred Marshall (1842–1924) aperfeiçoou e disseminou os insights de Dupuit. A

partir de Marshall os conceitos de excedente dos consumidores e seu análogo, o

excedente dos produtores, popularizam-se como medidas de bem estar

associadas ao uso de determinado mercado. Baseados em curvas de oferta e

demanda para mercados específicos, estes indicadores de bem estar se

enquadram na análise de equilíbrio parcial, pois não pretendem avaliar o bem

estar da sociedade como um todo, mas apenas aquele relacionado aos agentes

participantes de determinado mercado. Max Corden (1974) associa a análise de

equilíbrio parcial ao estudo de uma ou poucas peças de um grande quebra-

cabeças, numa metáfora esclarecedora. O fenômeno econômico é único quer se

tente analisá-lo de perto, identificando as “peças” isoladamente, quer se escolha

estudá-lo em sua inteireza, como um sistema organizado e complexo do quebra

cabeças completo. Aproximando-se de cada peça, problemas e situações

imperceptíveis para quem está em posição distante, contemplando toda a figura,

passam a ser visíveis. Na análise de equilíbrio parcial, “destaca-se” um ou poucos

mercados para estudá-los detalhadamente, mas este ganho cognitivo tem como

contrapartida a perda de informações sobre as relações entre o mercado

“destacado” e o resto do sistema econômico. As análises de equilíbrio parcial

serão, desta forma, sempre imperfeitas ou, como o próprio nome diz, “parciais”.

Justificam-se, entretanto, já que a tentativa de estudar todos os mercados

simultaneamente, uma empreitada típica da análise de equilíbrio geral, exige um 3 Conhecido como um “engenheiro-economista”, Dupuit foi um francês que ofereceu notáveis contribuições à teoria econômica, especialmente no que concerne à relação entre a curva de demanda e a (continuação da nota de rodapé)

31

esforço de abstração e traz uma complexidade analítica que dificulta sobremaneira

a obtenção de resultados práticos aplicáveis. Por este motivo o nobel Gary Becker

(1973) qualifica a análise de equilíbrio parcial como uma análise de equilíbrio geral

aplicada.

A grande vantagem do uso dos conceitos de excedente dos consumidores e

dos produtores está exatamente na facilidade do seu uso ou de aplicabilidade. A

partir de estimativas confiáveis das curvas de oferta e demanda envolvidas, é

possível extrair um indicador do “grau” de bem estar associado ao uso do mercado

em consideração. É preciso sempre ter em mente, entretanto, que nesta análise

desconsideram-se, ao menos em primeiro contato, as relações entre o que ocorre

neste mercado e nos demais, de forma que a medida de bem estar obtida será

parcial e incompleta.

Ainda numa avaliação preliminar deste instrumental, uma outra questão a ser

notada decorre de seu caráter estático ou de estática comparativa. Os processos

e ajustes observados nos mercados podem levar um tempo considerável para se

estabilizarem, ou seja, as mudanças entre posições de equilíbrio não precisam ou

costumam ser instantâneas. Este fato é importante quando se entende que nas

análises de bem estar sob equilíbrio parcial comparam-se apenas situações que

pressupõem estabilidade ou “equilíbrio estático”. Ora, enquanto tais situações de

equilíbrio estático não forem efetivamente atingidas, os valores dos excedentes

dos agentes econômicos estarão se alterando, assim como estarão as medidas de

bem estar neles baseadas. Trata-se de um problema de fundo ainda não

solucionado pelo corpo teórico da Economia atual e que revela a fragilidade dos

conhecimentos disponíveis sobre a dinâmica dos processos econômicos. Se ainda

não se dispõe de respostas adequadas para estas questões, ter consciência dos

limites da análise estática empregada é um bom começo para evitar equívocos de

avaliação ou a super-estimativa do poder deste instrumental.

A forma mais intuitiva e direta para apresentar os conceitos de excedente dos

consumidores e produtores é gráfica. Ao preço 0 10p = unidades monetárias e à

utilidade marginal dos consumidores.

32

quantidade 0 100Q = mil unidades por mês, o mercado perfeitamente concorrencial

representado no Gráfico 3.4 está em equilíbrio, vale dizer, a este preço não há

nenhum agente insatisfeito com as quantidades que demanda ou oferta desta

mercadoria. Pela observação da curva de demanda nota-se, entretanto, que

haveria consumidores dispostos a pagar mais do que $10 por unidade do bem ou

serviço. Mais precisamente, no gráfico analisado o preço máximo que alguém

estaria disposto a pagar para ter uma unidade desta mercadoria seria igual a $20,

o intercepto da curva de demanda com o eixo em que se medem os preços. Como

todos os consumidores estão pagando exatamente $10 por unidade adquirida,

pode-se dizer que os consumidores neste mercado percebem uma vantagem, um

ganho definido pela diferença entre o valor máximo que estariam dispostos a

pagar e o que realmente pagam.

À diferença entre o valor máximo que os demandantes em conjunto estariam dispostos a pagar por determinada quantidade de uma mercadoria e o valor que efetivamente pagam denomina-se excedente dos consumidores (EC). Supondo que todos os demandantes pagam exatamente o

mesmo preço pelos produtos adquiridos, o EC pode ser quantificado pela área

compreendida abaixo da curva de demanda e acima da linha de preços, o que no

Gráfico 3.4 equivale à área do triângulo retângulo com base (b) 0 100Q = mil e

altura (h) 20Maxp = - 0 10p = = 10 unidades monetárias. Como a área de um

triângulo é igual a *2

b h , o valor do EC no caso analisado seria de

100*$10 $5002

= mil/mês.

Para os produtores, entendendo que nas curvas de oferta encontram-se os

preços mínimos que eles estariam dispostos a receber para ofertar as diferentes

quantidades de um produto, define-se o excedente dos produtores (EP) como a diferença entre o valor mínimo que os ofertantes em conjunto estariam dispostos a receber por determinada quantidade de uma mercadoria e o valor que efetivamente recebem. O triângulo que mede o EP no Gráfico 3.4 tem

33

base igual a 0 100Q = mil e uma altura igual a 0 10p = - 6Ep = = $4, pelo que seu

valor é igual a 100*$4 $2002

= mil/mês.

Gráfico 3.4

Nesta análise, entende-se que a soma do EC ao EP é igual ao valor do bem-

estar dos agentes (demandantes e ofertantes) que participam deste mercado, pelo

que a utilidade ou felicidade destes agentes teria um valor igual a EC+EP = $700

mil/mês. Não cabe aqui a realização de uma prova formal a respeito deste

resultado, facilmente encontrada em bons manuais de Microeconomia. É de se

notar, entretanto, que para tomar o valor dos excedentes como indicador do bem-

estar dos agentes participantes em determinado mercado assume-se que $1

equivale a 1 “utilidade” ou “felicidade” para todo e qualquer indivíduo neste

mercado. Trata-se de uma suposição bastante forte, já que admitir que $1 a mais

de renda representa a mesma utilidade adicional para um indivíduo bastante

abastado que para um assalariado de baixa renda é pouco plausível. Esta

hipótese de “utilidade marginal da renda constante”, não obstante, permanece

EC

EP

SQ

DQ

p

Q 0 100Q =

0 10p =

6Ep =

20Maxp =

34

sendo efetivamente usada quando se calcula o bem estar dos envolvidos em

determinado mercado com o auxílio dos conceitos de EC e EP4.

Chama-se novamente a atenção para o fato de o Gráfico 3.4 representar um

mercado perfeitamente competitivo, em que todos os agentes são tomadores de

preços e inexistem barreiras à entrada/saída. Nesta situação, admitindo que as

curvas de oferta e de demanda ali expostas são representações adequadas dos

problemas enfrentados pelos ofertantes e demandantes, pode-se observar que

em qualquer combinação factível entre preço e quantidade diferente da que

equilibra este mercado, o bem estar dos agentes envolvidos será reduzido. Posto

de outra forma, em equilíbrio, o mercado competitivo determina uma situação de bem estar máximo, já que a soma dos EC e EP será sempre menor do que

$700 mil/mês se os preços ou quantidades forem diferentes daqueles

determinados na intersecção das curvas de oferta e demanda.

4 É fato que se pode realizar ajustes posteriores para dar mais peso às unidades monetárias de excedente em função do nível de renda de cada agente separadamente, mas persistiremos com a hipótese de utilidade marginal da renda constante por ora, de forma a evitar complicações didaticamente desnecessárias.

35

Gráfico 3.5

No Gráfico 3.5 esboçam-se os efeitos de uma política de preços mínimos

voltada a “estimular” a produção neste mercado. A equipe responsável pela

política industrial neste país resolve estabelecer um preço mínimo 1 15p = para o

produto em questão, tomando as medidas administrativas necessárias para coibir

qualquer tentativa de venda deste produto abaixo do piso fixado. Qual o impacto

desta medida sobre o bem estar dos indivíduos atuantes neste mercado5?

Observa-se que com os preços mais elevados, a quantidade demandada cai

para 50 mil de unidades/mês, de forma que o novo valor do EC passa a ser a área

do triângulo A, cuja base mede 1 0 $5p p− = , e altura é igual a 1 50DQ = . Sendo a

5 Para o leitor interessado, as funções oferta e demanda de mercado usadas nos gráficos 3.4 e 3.5 têm as

seguintes especificações: 200 10150 25

D

S

Q pQ p

= −

= − +

E

A

SQ

DQ

p

Q 0 100Q =

0 10p =

6Ep =

20Maxp =

1 15p =

C

D

1 50DQ = 1 225SQ =

B

2 8, 4p =

36

área do triângulo A igual a $5*50 $1252

= mil/mês, constata-se que o preço mínimo

reduziu o EC de $500 para $125 mil/mês, uma perda de bem estar mensal para os

demandantes equivalente a $375 mil. A perda de excedente sofrida pelos

consumidores pode ser percebida graficamente pela soma das áreas do retângulo

B e do triângulo C, cada qual merecendo justificativa própria. O retângulo B tem

base 1 50DQ = e altura igual a 1 0 $5p p− = , e sua área (= $250 mil/mês) quantifica a

transferência de excedente dos consumidores para os produtores decorrente da

política. Já o triângulo C, com base 0 1 100 50 50Q Q− = − = mil/mês e altura

1 0 $5p p− = , aparece como uma perda de EC associada à redução no consumo da

mercadoria em função da elevação artificial de seu preço. Aos preços maiores,

alguns demandantes preferirão deixar de adquirir a mercadoria, substituindo-a por

outra ou simplesmente poupando seus recursos. Esta mudança de escolhas,

causada pela interferência no livre funcionamento do mercado, é denominada

perda de eficiência ou perda peso-morto (deadweight loss) para os consumidores,

e seu valor aqui é igual a $62,5 mil/mês.

O EP também foi alterado, pois os ofertantes passaram a vender uma

quantidade menor de unidades por mês, em contrapartida recebendo um preço

unitário maior. Pode-se calcular o novo valor do EP achando a área do trapézio de

área B + D, cuja base maior (B) mede 1 $15 $6 $9Ep p− = − = , com base menor (b)

dada por 1 2 $15 $8, 4 $6,6p p− = − = e altura (h) igual a 1 50DQ = . Lembrando que a

área do trapézio é dada por ( ) ( )$9 $6,6 50$390

2 2B b h+ +

= = mil/mês, observa-se

que os produtores obtiveram um aumento no EP igual a $190 mil/mês. Este valor

também poderia ser obtido pela soma da área B ao EP anterior à política de

preços mínimos, com a subtração da área do triângulo D. Já se sabe que B

representa uma transferência de renda mensal dos consumidores para os

produtores igual a $250 mil, faltando apenas perceber que o triângulo D, com base

0 1 100 50 50Q Q− = − = e altura igual a 0 2 $10 $8, 4 $1,6p p− = − = , implica uma perda

37

de EP igual a $40 mil/mês. Ora, a soma dos ganhos de $250 mil com as perdas

peso morto dos produtores de $40 mil leva à variação no EP igual a $210 mil/mês.

Os efeitos da política de preços mínimos discutida aparecem resumidos na

Tabela 3.2. Sempre que se tomar por referência o equilíbrio em mercados

competitivos ideais, qualquer solução diferente da encontrada na intersecção entre

as curvas de oferta e demanda trará perdas de eficiência e de bem estar social, ao

menos enquanto se supuser que a utilidade marginal da renda é constante e igual

para todos os agentes econômicos. No exemplo considerado, a política de preço

mínimo fez com que a soma dos excedentes diminuísse em $165 mil/mês, que

podem ser encontrados adicionando as áreas dos triângulos de perda peso morto,

C e D.

Bem-Estar (mil/mês)

Sem a Política (I)

Com a Política (II)

Variação (I) – (II)

EC $ 500 $ 125 - $ 375 EP $ 200 $ 410 + $ 210 EC+EP $ 700 $ 535 - $ 165 Perda de Eficiência

- $ 165 +$ 165

Tabela 3.2

As perdas peso morto decorrem de distorções nas decisões que os ofertantes

e demandantes fariam caso o mercado fosse perfeitamente concorrencial. Pode-

se, desta forma, intuir que este tipo de perda ocorrerá sempre que não se verificar

a solução perfeitamente competitiva, o que leva aos interessantes temas das

falhas de mercado e da intervenção pública no sistema econômico. O equilíbrio

que seria determinado em mercados perfeitamente competitivos, ideais, serve

como referencial teórico para o que os economistas costumam denominar de

“solução de primeiro melhor” ou “first best solution”. Neste contexto hipotético, o

bem estar econômico,medido pela soma dos excedentes dos consumidores e

produtores seria máximo, sendo impossível melhorar a situação de um agente

econômico qualquer sem piorar a de outro, o que caracteriza uma situação de

“ótimo de Pareto”.

38

Se todos os mercados fossem concorrenciais e perfeitos, nada haveria a ser

feito para melhorar o bem estar social como definido acima. Políticas públicas

como as de preço mínimo, impostos, e qualquer forma de intervenção estatal no

domínio econômico seriam desnecessárias e, em última instância, inúteis. Em um

mundo ideal como este, talvez fosse desnecessário um curso de Economia

Industrial e, se ele existisse, provavelmente teria a natureza de uma discussão

filosófica e puramente abstrata, já que todos os problemas práticos estariam

sendo automaticamente resolvidos nos mercados. Mas o mundo em que vivemos

não é assim, os mercados têm falhas e as soluções de primeiro melhor são

extremamente raras, se é que existem.

A preocupação dos economistas com as falhas de mercado não é nova, já

havendo certo consenso que os mercados não resolvem bem os problemas de

alocação social ótima de recursos quando há:

1) Presença de Externalidades;

2) Problemas Informacionais;

3) Poder de Mercado;

4) Bens públicos;

5) Problemas de Distribuição de Renda.

Como visto no início deste capítulo, as externalidades decorrem dos efeitos

das ações de um agente econômico sobre os demais. Na maior parte dos modelos

econômicos, supõe-se que os agentes tomadores de decisão desconsideram os

efeitos de suas ações sobre os demais indivíduos, numa postura “egoística” e

auto-interessada com interessantes desdobramentos práticos. Uma maneira

simples de ilustrar este tópico é distinguir entre os custos privados e sociais de

produção, digamos, de tecidos. Considere uma situação em que um grupo de

empresários do setor têxtil resolve construir um complexo industrial na periferia de

uma cidade, por coincidência próximo de uma clínica médica. Supondo que o

mercado de tecelagem seja competitivo, após o início das operações, as firmas

estarão produzindo de forma a maximizar seus lucros, observando a regra p=CMg,

conforme ilustrado pela curva PCMg no gráfico. Para uma curva de demanda

dada, o equilíbrio neste mercado seria encontrado no Gráfico 3.6 ao preço p0 e à

39

quantidade Q0. A produção destas firmas, entretanto, causa ruídos altos o

suficiente para dificultar a auscultação dos pacientes e os exames clínicos em

geral, pelo que há custos para terceiros que não são considerados pelas

tecelagens. Imagine, por um momento, que os médicos proprietários da clínica

fossem também os donos das empresas de tecido. Nesta situação, eles levariam

em consideração como custos produtivos da fabricação de tecidos as perdas de

receitas ou aumentos de custos em suas atividades médicas, e as curvas de

custos apropriadas estariam representadas por SCMg , que levaria a um equilíbrio

no mercado ao preço 1p e à quantidade 1Q .

Gráfico 3.6

Evidentemente, se os médicos fossem os proprietários das tecelagens não

haveria externalidades, já que os efeitos da produção de tecidos sobre as

atividades médicas seriam naturalmente levadas em consideração e o ótimo de

Pareto seria atingido com a produção menor e os preços mais altos. Quando as

PCMg

DQ

p

Q 0Q

0p

SCMg

1Q

1p

40

diferentes atividades são administradas por agentes diferentes, entretanto,

observa-se uma solução em que o bem estar da sociedade não é maximizado.

A correção deste problema poderia se dar pelo próprio uso de mercados, caso

não fosse muito caro fazê-lo. Afinal, de quem é o direito sobre o “silêncio

ambiental”, dos médicos, dos donos de tecelagem ou de nenhum deles? Se os

médicos fossem proprietários de direitos ao silêncio, poderiam vendê-los aos

fabricantes por um preço que compensasse suas perdas com o barulho. Da

mesma forma, se fossem os donos das tecelagens os proprietários dos direitos ao

silêncio, encontrariam médicos dispostos a adquirí-los por valores iguais ou

menores dos prejuízos que vêm sofrendo, de uma forma ou de outra solucionando

o problema das externalidades. O grande obstáculo para a ocorrência destas

transações de mercado está na dificuldade em estabelecer direitos de propriedade

sobre o “silêncio”. Pode-se imaginar que negociações alternativas, envolvendo a

possível construção de isolamentos acústicos nas fábricas ou na clínica ou a

própria mudança das instalações que eliminassem as externalidades, mas quem

arcaria com os custos? À proporção em que os custos de transação aumentam,

trocas mutuamente benéficas podem deixar de ser viáveis, o que implica a

manutenção das ineficiências ou, alternativamente, dá motivo para que se crie

uma tecnologia alternativa para resolver os problemas não solucionados bem pelo

uso dos mercados.

Esta linha de raciocínio deve muito à teoria dos custos de transação de Ronald

Coase, apresentada nos capítulos anteriores. De fato, se não houver custos de

transação, espera-se que os mercados forcem automaticamente a internalização

de todas as externalidades, o que levaria à solução socialmente ótima. Como

estes custos para o uso dos mercados existem e não são desprezíveis, alguns

economistas entendem que se justifica a ação estatal no sentido de mitigar os

efeitos das falhas de mercado sobre o bem estar. Uma lei do silêncio, ou regras

administrativas que limitem a um nível aceitável de decibéis os ruídos em

determinadas regiões urbanas, por exemplo, elimina a necessidade de longas e

onerosas negociações e, se bem delineadas, aproximam o equilíbrio de mercado

da situação ótima.

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Raciocínios similares podem ser feitos para todas as outras falhas de mercado,

mas haverá ainda oportunidades específicas nos capítulos subseqüentes para

tratar dos problemas associados a bens públicos, ausência ou assimetria de

informações, poder de mercado e distribuição de renda. Na medida em que estes

tópicos forem tratados, remissões e complementações aos fundamentos da

análise de bem estar aqui lançados serão realizadas.

Palavras-Chave

Estrutura de Mercado

Concorrência Perfeita

Poder de Mercado

Externalidade

Homogeneidade de produto

Informação Perfeita

Maximização do valor presente

Maximização dos lucros

Receita Marginal

Custo Marginal

Ponto de entrada ou fechamento

Renda econômica

Elasticidade

Demanda residual

Economia positiva

Economia normativa

Análise de bem estar

Equilíbrio parcial

Equilíbrio geral

Excedente dos consumidores

Excedente dos produtores

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Perda peso morto

Equilíbrio Estático

Solução de primeiro melhor

Ótimo de Pareto

Eficiência

Custo Marginal Social

Custo Marginal Privado

Exercícios Sugeridos

1. Quais as principais hipóteses teóricas usadas para caracterizar a

estrutura de Concorrência perfeita?

2. Já que situações práticas de concorrência perfeita parecem ser raras,

por que motivo este modelo abstrato e ideal permanece sendo usado na

Economia Industrial?

3. No gráfico 3.1, encontrou-se uma quantidade ótima supondo (1) que

existia um ponto de lucro máximo e (2) que este máximo era global.

Conforme desenhada, aquela função lucro assemelhava-se à forma de

um sino. Refaça aquele gráfico de forma que a função lucro se pareça

com dois sinos com alturas diferentes. Identifique os pontos que

satisfazem a condição de igualdade entre receita marginal e custo

marginal neste novo gráfico, e discuta a importância das suposições (1)

e (2).

4. Para uma firma em concorrência perfeita, qual a importância dos custos

inevitáveis para definir o ponto de entrada ou fechamento? Sua resposta

é a mesmo caso se esteja falando do de um longo prazo ou de curto

prazo? Por quê?

5. Desenhando as curvas de custo marginal total médio e custo marginal

variável médio para uma firma competitiva, ilustre uma situação em que

esta firma aufere lucros econômicos positivos no curto prazo. Isto não é

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contraditório com a hipótese de ausência de barreiras á entrada/saída?

Explique.

6. “Na ausência de economias ou deseconomias de escala externas, a

renda econômica de firmas competitivas não pode ser positiva”. É Falso,

verdadeiro ou incerto? Por quê?

7. Explique o que são e para que servem as elasticidades em Economia.

Supondo uma curva de demanda linear, mostre que mesmo

mercadorias que apresentam poucos substitutos e representam uma

fração pequena dos gastos totais dos demandantes pode exibir

elasticidades-preço da demanda bastante elevadas.

8. Suponha que a demanda de mercado por certo produto seja

representada por QD = 100 – p. Neste Mercado, existem 50 firmas

idênticas, cada qual com custos marginais iguais a q. Encontre a curva

de demanda residual para uma destas firmas.

9. Ao preço que equilibra o mercado descrito na questão anterior, supondo

apenas 49 firmas incumbentes, quais são as elasticidades preço da

demanda de mercado e da demanda residual para a 50ª firma

(considere que a elasticidade preço da oferta das outras firmas seja

igual a 0).

10. Suponha que o mercado de maças possa ser descrito pela seguintes

equações:

Demanda: P=20-q

Oferta: P=q-4

Onde p é o preço em unidades monetárias de cada caixa de maças e q é

um número de caixas da fruta em milhares de unidades.

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a) se este mercado for perfeitamente competitivo, que preço e quantidade

serão observados?

b) Qual o valor dos excedentes dos consumidores e produtores neste

mercado?

11. As autoridades públicas após terem conhecimento dos benefícios que o

consumo de maças traz à saúde dos consumidores, entendem que seria

interessante estimular o consumo deste produto em sociedade. Para

tanto, contratam você para realizar uma análise do impacto sobre o bem

estar das seguintes alternativas:

a) a imposição de um preço máximo, p=8 para garantir o acesso de

mais consumidores a este produto

b) a concessão de um subsídio de $4 por mil caixas produzidas.

c) Calcule e mostre graficamente a variação dos excedentes dos

consumidores e produtores para as duas alternativas

consideradas. Qual delas, se alguma, mereceria seu apoio.

Leituras Sugeridas