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Pedro Cezar Dutra Fonseca 11 O Processo de Substituição de Importações

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Pedro Cezar Dutra Fonseca

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Substituição de

Importações

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Formação Econômica do Brasil

11.1 A controvérsia sobre as origens da substituição de importações

Um dos traços mais marcantes da economia brasileira a partir de 1930 é a expressiva expansão do seu setor industrial. Este, principalmente após 1933, começou a liderar as taxas de crescimento da renda e do emprego, ao mesmo tempo que as culturas de exportação so-friam os revezes da crise internacional. A crise da agroexportação criava condições para quea economia se direcionasse preponderantemente para o mercado interno, o que contou com a política econômica governamental a seu favor. Iniciou-se, assim, um período de aproximada-mente cinco décadas — que duraria até o final da década de 1970, com a conclusão dos inves-timentos do II PND, do governo Geisel — que é conhecido como Processo de Substituiçãode Importações (PSI).

A Crise dos Anos 1930 como Impulso para o ProcessoEmbora a origem da indústria brasileira remonte às últimas décadas do século XIX,

tendo continuidade durante a República Velha, foi na década de 1930 que o crescimento in-dustrial ganhou impulso e passou por certa diversificação, iniciando efetivamente o Processode Substituição de Importações (PSI). Convém salientar, portanto, que se entende por substi-tuição de importações simplesmente o fato de o país começar a produzir internamente o que antes importava, o que ocorrera no Brasil com certa expressão na República Velha. O que usualmente se denomina PSI, todavia, significa mais que isso: que a liderança do crescimento econômico repouse no setor industrial, que este seja responsável pela dinâmica da economia, ou seja, que crescentemente seja responsável pela determinação dos níveis de renda e de emprego. Assim, se na República Velha o setor industrial cresceu induzido pelo crescimento e pela diversificação do setor exportador, a partir de meados da década de 1930 a economia retomou o crescimento do produto a despeito da crise do setor exportador, sob a liderança dos setores voltados ao mercado interno.

A tese segundo a qual a industrialização dos países latino-americanos vincula-se às crises da agroexportação é atribuída aos economistas da CEPAL1, principalmente a Celso Furtado e Raúl Prebisch, e é vulgarmente conhecida como teoria dos choques adver sos.Esta, em sua versão mais simplificada, argumenta que as crises das atividades expor tadoras criavam condições para que a economia se voltasse ao mercado interno, sob a liderança do setor industrial, por várias razões:

a) a crise incide diretamente sobre o balanço de pagamentos, encarecendo as importações e diminuindo a demanda de exportações, deteriorando o preço dos bens exportáveis no mercado internacional e dificultando o acesso a capitais e empréstimos para financiar os déficits em conta corrente. Esse contexto leva os governos normalmente a recorrerem a desvalorizações da moeda nacional, o que contribui para encarecer as importações, criando um mercado interno à indústria

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nacional, ou seja, propiciando uma mudança de preços relativos favorável à pro-dução doméstica;

b) a crise, ensejando a contração da arrecadação de impostos, incita os governos a adotarem políticas monetárias expansivas para cobrir déficits orçamentários. A di-ficuldade de contrair gastos no mesmo montante da queda de impostos efeti va-se mesmo por razões políticas, já que as crises são normalmente acompanhadas pelo crescimento do descontentamento e aumento das pressões de diversos segmentos sociais, inclusive por crédito, por parte dos setores empresariais mais afetados. A política monetária expansiva contribui para baixar as taxas de juros, favorecendo os setores voltados ao mercado interno, e incentivando o investimento e a ampliação daprodução doméstica; e

c) a crise, ao estreitar a arrecadação de impostos e simultaneamente ocasionar déficits na balança comercial, cria condições para que os governos majorem as tarifas sobre os importados, contribuindo, em decorrência, para alterar os preços relativos em favor da produção nacional.

Evidencia-se, portanto, que a crise da agroexportação induz ao crescimento indus trial por forçar o governo a adotar políticas voltadas a resolver problemas em seu próprio âmbito, como os déficits público e do balanço de pagamentos. Para tanto, atua em variáveis básicas, como as taxas de câmbio, de juros e de impostos, contribuindo para incentivar a industriali-zação. Nesse caso, a teoria dos choques adversos não é restrita tão-somente à ideia de que a crise da agroexportação favoreceu, por si só, o crescimento industrial. Essa teoria só começa a dar conta do início do PSI quando se tem presente que, à crise estrutural da agroexportação, denunciada pelo mercado, somaram-se políticas econômicas capazes de, associadamente, empolgar uma ampla reorientação da economia.

No caso brasileiro, algumas peculiaridades ajudam a reforçar essa associação merca do/estado para imprimir novo direcionamento à economia, dentre as quais, destacam-se:

a) do lado do mercado, cabe salientar não só o crescimento, mas também a razoável diversificação da produção industrial ocorrida na República Velha, mesmo sem uma política governamental deliberadamente voltada a este objetivo, ao mesmo tempo que a economia cafeeira já manifestava tendência a crises cada vez mais frequentes e duradouras. Tratava-se de uma crise estrutural, de longo prazo, pois desde o início do século XX essa cultura precisava de medidas intervencionistas para garantir a lucratividade do setor, como o Convênio de Taubaté, de 1906, que consagrava o intervencionismo no mercado do café, as caixas de conversão e de estabilização, sem contar as desvalorizações cambiais recorrentes. As baixas elasticidade-preço e elasticidade-renda do café, associadas à expansão desenfreada da oferta, criavam uma situação insustentável a longo prazo. Nas palavras clássicas de Celso Furrado, “ao se prevalecerem desta situação semimonopolística para defenderem os preços, estavam eles destruindo as bases em que se assentará o seu privilégio”2;

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b) já do lado do governo, é preciso destacar que no Brasil, durante a República Velha, consagrara-se a fórmula do federalismo fiscal. Esta, associada a um presi-dencialismo que repousava em grande parte no controle do voto pelos gover nadores dos estados, significava, em matéria de tributação, que os impostos de exportação ficavam a cargo dos estados, enquanto cabia ao governo federal os impostos sobre importação. Isso foi praticamente uma exigência paulista por ocasião da procla-mação da República e resultava num alto grau de autonomia às oligarquias mais fortes frente ao governo federal, ao mesmo tempo que, atrelando as receitas deste aodesempenho das importações, atrelava-as indiretamente ao próprio desempenho do setor exportador.

Dessa forma, a crise no balanço de pagamentos tornava-se, ao mesmo tempo, uma crise nas finanças públicas. A desvalorização cambial, a expansão monetária e as tarifas alfande-gárias eram respostas do governo federal à deterioração de suas finanças, o que induz a crer que, pela teoria dos choques adversos, a industrialização não se constituía propriamente em uma opção, ou fruto de uma consciência política explícita de um grupo dirigente vinculado aos interesses industriais, mas na decorrência não planejada da forma com que as crises eram enfrentadas. As crises da agroexportação já se verificavam antes de 1930; mas foi justamente a desencadeada nessa década, por sua magnitude e profundidade, a crise capaz de redirecio-nar definitivamente a economia. Nas palavras de Prebisch,

A grande depressão mundial marca definitivamente o fim desta forma de desenvolvimento [...]. Ante a impossibilidade de manter o ritmo anterior de crescimento das exportações tra-dicionais, ou de o acelerar, impõe-se então a substituição de importações — principalmente das indústrias — para contrabalançar essas disparidades, e inicia-se assim o desenvolvi-mento para dentro dos países latino-americanos3.

Essas são também as linhas gerais da clássica interpretação de Celso Furtado nos capítu-los 30 a 33 do livro Formação econômica do Brasil. Segundo essa análise, o governo federal, ao comprar o excesso de café decorrente da crise, agiu de forma que os preços do produto se sustentassem, não permitindo que caíssem tanto quanto cairiam caso não houvesse essa intervenção. Assim, o governo teria optado por uma política de expansão creditícia para fazer frente à crise, em vez de implementar um programa de austeridade nos moldes ortodoxos. Como consequência, fazia uma política de cunho keynesiano de sustentação da demanda agregada e do emprego, não só na cultura cafeeira, mas, pelo efeito multiplicador, em todo o complexo econômico que crescera em sua volta.

Para implementar essa política expansiva em contexto de crise, o governo não po-dia contar com empréstimos externos. Daí resultava uma consequência indesejada, já que a expansão creditícia, ao manter relativamente o nível de renda nominal, mantinha o ní-vel de importações enquanto as exportações passavam por forte contração. Assim, a polí-tica expansiva acabava por repor o estrangulamento externo, forçando a desvalo rização do mil-réis, alterando os preços relativos entre os bens importados e os da produção

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doméstica. Criava-se, portanto, uma situação praticamente nova na economia brasileira, que era a preponderância do setor ligado ao mercado interno no processo de formação de capital4. Abria-se espaço, assim, para o rompimento com a Antiga Divisão Internacional do Trabalho (ADIT), que reservaria aos países periféricos, na linguagem da CEPAL, o papel de fornecedores de alimentos e matérias-primas agrícolas aos países centrais.

Os Limites da Crise para Explicar a IndustrializaçãoApesar da argumentação convincente das teses que defendem as crises e o estrangu-

lamento externo como fatores desencadeadores do PSI verificado a partir de 1930, várias crí-ticas surgiram enfocando seus fundamentos, inclusive com alternativas de interpretação. Boa parte delas explora a radicalidade simplificadora da dicotomia cepalina — economia agro-exportadora “versus” substituição de importações —, que tem 1930 como marco divisório, embora se possa objetar que os principais autores cepalinos, como Furtado, nunca tenham negado a existência de certo crescimento industrial anterior a 1930 (ver SZMRECSÁNYI, 2002). Mas essa dicotomia é o ponto básico da crítica inicialmente explicitada de forma inci-siva por C. M. Peláez, que foi enriquecida posteriormente com outros argumentos e aceita de modo parcial pelos economistas cepalinos.

Para embasar suas críticas à teoria dos choques adversos, um procedimento metodológi-co dessa abordagem crítica consiste em não só mostrar que a indústria já existia e tinha rela-tiva importância antes de 1930, como também negligenciar o crescimento industrial posterior a esse ano. Assim, perde sentido entender a substituição de importações como um processo iniciado em 1930, quando a indústria se transforma em centro dinâmico da economia: ao contrário, o PSI é visto como um processo lento e gradual, originado no seio da economia agroexportadora e em decorrência de seu crescimento e diversificação.

Essas teses podem, com certa licenciosidade, ser denominadas industrialização in-duzida pelas exportações. Em uma versão mais simplificada, elas advogam que o efeito renda das exportações de café, com a geração de riqueza, capital, mercado e infraestru-tura — estradas de ferro, portos, eletrificação e economia urbana em geral —, criava con-dições para a industrialização, associando-a à própria necessidade de diversificação da riqueza, principalmente do comércio importador e exportador, um dos setores de maior lucratividade no contexto da agroexportação. Em versões mais sofisticadas, mostram que a revolução burguesa brasileira, para usar a expressão de Florestan Fernandes, já estava em processo bastante adiantado no alvorecer do século XX, após contornar as principais barreiras que se antepunham a seu desenvolvimento, como a escravidão, em termos econômicos, e a monarquia, que lhe assegurava sustentação política. Em adição, cabe mencionar que vários estudos mais recentes têm mostrado a complexidade social das primeiras décadas do século XX, inclusive com movimentos sociais urbanos de vulto — como as greves de 1917, de alcance nacional — os quais seriam inconcebíveis numa economia estritamente agrária.

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Quanto à política econômica da década de 1930, Peláez procurou contestar Futtado no que tange às medidas que anteciparam a teoria keynesiana, voltadas à sustentação de gastos públicos como política anticíclica. Furtado argumenrava que se havia praticado no Brasil, “inconscientemente, uma política anticíclica de maior amplitude que a que se tenha sequer preconizado em qualquer dos países industrializados”5. Mas esta análise se sustentava na expansão monetária e creditícia como alternativa heterodoxa de financia-mento, já que aumentava o déficit em plena crise, violando o preceito clássico das finan-ças sadias.

Peláez, entretanto, procurou evidenciar que foi principalmente recorrendo a novos tri-butos sobre o café, e não ao crédito, que o governo financiara sua política. Assim, a solução foi buscada dentro do próprio setor cafeeiro. Já em fevereiro de 1931, o governo federal comprou parte do café estocado e o retirou temporariamente do mercado, tendo o Estado de São Paulo contribuído com parte do pagamento. A seguir, foram criados vários outros impostos sobre o café, numa clara intenção de conter a oferta.

Outros autores, posteriormente, procuraram melhor precisar esse debate sobre as fon-tes de financiamento da política de defesa do café. Fishlow, por exemplo, procurando certa equidistância entre Furtado e Peláez, argumentou que tal sustentação fora possível devido à inelasticidade da demanda do café no mercado internacional, a qual permitiu que parte significativa daqueles novos impostos fosse repassada aos consumidores estrangeiros. Simão Silber, por sua vez, concluiu que mais de 50% das compras do Conselho Nacional do Café no período de 1931-1934 foram financiadas por crédito, o que ajuda a avalizar a tese central de Furtado6.

Mas ainda há outro tipo de crítica não menos importante à teoria dos choques adver sosque, indo além da política econômica governamental, questiona a origem do capital industrial e do mercado de trabalho. A pergunra é clara: se é verdade que a substituição de importa-ção teve lugar nas crises do modelo agroexportador, mais especificamente na maior de suas crises, a da década de 1930, qual a origem dos bens de capital? O estrangulamento externo e a desvalorização cambial inerentes às crises, ao mesmo rempo que atuavam em benefício da produção industrial de bens de consumo, encareciam os bens de capital e intermediários necessários para que essa mesma produção se efetivasse.

O governo brasileiro, na década de 1930, de fato utilizou mecanismos de incentivo à indústria nascente. Cita-se, por exemplo, a criação, em 1937, da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, a qual, na ausência de bancos de fomento, ini-ciava oficialmente o que o Estado só de forma pontual fizera na República Velha: o fi-nanciamento de capital fixo e de giro à indústria. Menciona-se, ainda, que em 1935 o governo brasileiro assinou tratado de comércio com os Estados Unidos, o qual estabele-cia vantagens para alguns produtos de exportação brasileiros — café, borracha e cacau — em troca de reduções de 20% a 60% na compra de artigos industriais norte-ameri-canos, como máquinas, aparelhos e aço. Se, à primeira vista, pode parecer uma repro-dução da divisão internacional do trabalho tradicional, com o país periférico buscando

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mercado para seus produtos agrícolas, na verdade já dá para notar uma mudança: o país, além disso, procurava facilitar não a importação de bens de consumo, mas de bens de capital e insumos necessários para promover a industrialização. Não pode ser considerado, portanto, um acordo que visava reproduzir in totum a ADIT, constituindo-se ato que permitiu detectar uma nova postura do governo brasileiro.

Mas a resposta básica sobre a origem dessas máquinas e equipamentos vincula-se ao entendimento de que, já existindo indústrias no Brasil antes de 1930, não era preciso necessariamente importá-las com urgência, pelo menos nos primeiros anos da Grande Depressão, até a utilização plena da capacidade instalada. Assim, pondera Versiani, ana-lisando o caso da indústria têxtil algodoeira, um dos setores mais importantes à época, muitas máquinas já tidas como obsoletas voltaram a operar na década de 1930, pois a crise, encarecendo as importações, garantia uma reserva de mercado ao produtor local, viabilizando altos custos de produção e preços impensáveis na época do mil-réis valori-zado. Nesse sentido, as flutuações do câmbio, inerentes à instabilidade de uma economia agroexportadora, como a cafeeira da República Velha, possibilitavam que, nos momentos de mil-réis valorizado, houvesse facilidade às importações de bens de capital, enquan-to nos períodos de desvalorização cambial crescesse a produção de bens de consumo doméstico. Por isso, boa parte do empresariado nascente teve sua matriz no comércio importador/exportador, com experiência não só por seu conhecimento do mercado con-sumidor como também dos mercados fornecedores externos, além da familiaridade com as oscilações e peculiaridades do mercado cambial. Cabe ainda assinalar, com base em Versiani, que a crise não necessariamente foi crise para todos: os produtores com menor custo de produção beneficiaram-se na concorrência e lhes foi assegurada taxa de lucro compensadora, principalmente com a falência e a expulsão do mercado dos produto-res marginais. Os que estavam à frente desse processo certamente conseguiam acesso à importação de máquinas e equipamentos, inclusive porque a crise, sendo internacional, desvalorizava o preço dos bens de capital, muitas vezes mais que compensando o efeito altista do mil-réis desvalorizado7.

Esse tipo de abordagem certamente supera a dicotomia teoria dos choques adversos “versus” industrialização induzida pelas exportações, pois mostra que ambas podem ser asso ciadas para uma explicação mais completa das fases iniciais do PSI.

Mas, além dessas abordagens que apontam para uma relação mais complexa entre a agroexportação e o PSI, chamando atenção para variáveis tidas como de natureza estri-tamente econômicas — como a infraestrutura gerada (portos, estradas de ferro, eletri ficação), a expansão da economia urbana e do mercado, bem como os ciclos e as crises —, há outtas que, em confluência com abordagens sociológicas e antropológicas, chamam a atenção para aspectos não menos importantes, às vezes decisivos, para se ter uma visão mais acurada do processo histórico.

Cabe indagar, como questionamento: como as grandes crises, como a iniciada em 1929, foram internacionais, por que estas incitaram a industrialização em alguns países

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como Brasil, Argentina e México, e não em outros países da América Latina? Por que o Brasil superou positivamente a crise, aproveitando essa oportunidade histórica para alterar seu modelo de crescimento, enquanto outros países não tiveram outro caminho senão o da regressão?

Para responder a essas questões fica desde o início estabelecido que não bastam nem o estrangulamento externo nem as crises: é preciso que os países possuam certas precondiçõespara que as crises sejam superadas, voltando-se ao mercado interno e à indus trialização, criando condições ao PSI. Nesse aspecto, a riqueza, o capital e o mercado interno criados pela economia cafeeira, aproveitando-se da situação quase de monopólio do Brasil no merca-do internacional nas primeiras décadas do século XX, tornam-se indispensáveis para explicar as possibilidades, quase sem paralelo na América Latina, para que, no aprofundamento da crise, o país tivesse a alternativa concreta de voltar-se à produção industrial substitutiva de importações para atender o mercado interno. Outro exemplo que se pode lembrar é o da Argentina, com a vantagem da especialização em duas mercadorias mais nobres: a carne e o trigo.

Mais que isso: o crescimento e a expansão da economia cafeeira deu lugar ao apare-cimento de novos agentes, segmentos e classes sociais, sem os quais seria difícil ou inviável uma reorientação da economia tão profunda em tão curto período de tempo8.

Em primeiro lugar, a agroexportação de café, com todas as atividades que em torno dela se expandiram, caracterizando um processo de desenvolvimento capitalista, ensejou o surgimento de empresários. Nesse aspecto, vale ter presente que não basta que a renda esteja concentrada em mãos de um segmento social ou de uma classe para haver industrialização: é preciso que esses homens, como agentes individuais, estejam dispostos a investir, ou seja, aplicar essa renda monetária para reproduzi-la e expandi-la, isto é, investir seu capital, tendocomo lógica definidora sua própria expansão, por meio do lucro.

A economia cafeeira paulista desde cedo, já pela metade do século XIX, difundia o trabalho assalariado, em contraste com a antiga cafeicultura de base escravista, dos barõesdo café do Vale do Paraíba (RJ). Assim, ao contrário do clássico modelo europeu em que o capitalismo em seu nascedouro associou-se às atividades urbanas, contrastando com o campo feudal, no Brasil as atividades propriamente capitalistas, com base na busca do lu-cro e no trabalho assalariado, tiveram por epicentro uma atividade primária de expor tação. Nela surgiu um grupo de homens que, ao longo do tempo, expandiu seus capitais às ati-vidades urbanas, muitas vezes não como produtores diretos, mas como acionistas de fir-mas comerciais, de bancos e de empresas industriais, embora parte significativa dos em-presários industriais, pelos estudos realizados até agora, tenha sua origem vinculada mais diretamente ao comércio importador/exportador. Warren Dean defendeu que é nesse bur-guês imigrante — que já veio da Europa com algum capital e, dessa forma, não se con-funde com a massa dos imigrantes que veio para ser mão de obra das fazendas de café ou pequenos proprietários de terra do Rio Grande do Sul — que se encontra a matriz da burguesia industrial. Mas convém destacar que boa parte desses imigrantes enriqueceu

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no comércio importador/exportador, de maneira que foi nessa atividade, exercida já no Brasil, que o capital se expandiu, havendo a necessidade de diversificá-lo9.

A imigração, no entanto, colaborou para que pudesse se configurar plenamente um pro-cesso de substituição de importações no Brasil não só pelo lado do capital, mas também do trabalho, ao trazer grande massa de homens desprovidos de propriedade, aptos e dispostos ao trabalho assalariado. Há de ser assinalada a dificuldade para que a massa de escravos ou dos brancos pobres da sociedade escravista se constituísse em mercado de trabalho, portando-se como homens livres em busca de um emprego em troca de salário. Nas palavras de Cardoso de Mello10: “Há homens, mas o mercado de trabalho está vazio, porque os homens, em quan-tidade superabundante, não podem ser submetidos pelo capital”. Embora documentos mos-trem negros trabalhando em fábricas tanto em São Paulo como no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, a maioria expressiva era branca e com destaque para sobrenomes italianos e alemães, especialmente nos dois primeiros estados.

A transformação do escravo em assalariado industrial, embora possível, encontrava obstáculo tanto no preconceito do empresário que atribuía em boa medida os problemas so-cioeconómicos decorrentes da crise do escravismo à origem biológico-racial, bem como na dificuldade de os escravos, principalmente os do campo, sujeitarem-se à disciplina rígida do trabalho de uma fábrica.

A economia cafeeira, dessa forma, por meio da imigração e de sua própria expansão, re-sultante de seu efeito multiplicador nas atividades urbanas, foi capaz de gerar agentes e novos segmentos sociais indispensáveis para um efetivo processo de industrialização.

11.2 A substituição de importações como modelo de industrialização

O Estrangulamento Externo como Variável PropulsoraQuando se analisa a substituição de importações como um processo, está chamando-se

atenção para um fenômeno histórico bem-determinado, ocorrido no tempo e no espaço — por exemplo, no Brasil, no século XX —, sujeito a avanços, recuos e crises, circundado por motivações políticas e decisões humanas, governamentais ou de mercado. Mas o mesmo fenômeno pode ser analisado como modelo, em suas determinações mais gerais e abstratas, procurando reter o essencial de sua configuração e apreendendo suas características defini-doras básicas, para tentar entender sua lógica de desenvolvimento, sua dinâmica. Nesse caso, o modelo, sendo construído com alto grau de abstração, é capaz de abarcar várias situações históricas distintas e servir como alicerce para o entendimento do PSI em qualquer país latino-americano, ou mesmo em outras partes do mundo que tenham se industrializado pela via da substituição de importações. Claro que o modelo pouco tem a contribuir para a expli-cação da industrialização de países, mesmo tardiamente, no século XX, não propriamente

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substituindo importações, mas voltando-se a mercados externos, como os chamados tigresasiáticos.

Dessa forma, a análise da substituição de importações como modelo não dá conta da explicação mais completa de por que e de que forma o Brasil se industrializou ao longo do século XX, mas ajuda a entender determinados marcos essenciais para uma posterior investigação mais complexa, quando, aí sim, vêm à tona as particularidades de cada país, a correlação das forças políticas pró e contra a industrialização, o tipo de economia agrá-ria do qual partiu, o tamanho do mercado interno e a qualificação da mão de obra, dentre outros fatores.

A análise da substituição de importações como modelo foi realizada principal mente pelos economistas cepalinos, como Raúl Prebisch, Celso Furtado, Aníbal Pinto e Maria da Conceição Tavares, nas décadas de 1950 e 1960. Mesmo que vários estudos posteriores te-nham aperfeiçoado e criticado esses autores, suas análises consagraram-se como ponto de partida imprescindível para o debate. Esse é o caso do trabalho Auge e declínio do processo de substituição de importações no Brasil, divulgado inicialmente em 1963 por Tavares, de-pois publicado na coletânea de 1972 da autora, Da substituição de importações ao capita-lismo financeiro, o qual se tornou clássico por representar a mais bem-elaborada e profunda síntese do pensamento cepalino sobre o tema e que teve a particularidade de ser, posterior-mente, objeto de crítica da própria autora, como se verá mais adiante.

O ponto de partida definidor dessas análises consiste em entender a substituição de importações como resposta ao estrangulamento externo, a vulgarmente denominada teoria dos choques adversos. As crises da agroexportação, incidindo em cheio sobre a balança comercial, traziam à tona as contradições de uma economia que, embora voltada para fora, não conseguia gerar divisas para manter sua pauta de importações e pagar o serviço de sua dívida externa. Mesmo abordando esse lado financeiro do problema, os econo-mistas cepalinos centravam suas análises sobre o estrangulamento externo no lado real da economia, enfatizando os problemas estruturais que acabavam se manifestando na balança comercial, com consequências negativas que se alastravam para o conjunto da economia. Por exemplo: as dificuldades da balança comercial associavam-se à estrutura da pauta de exportações, centrada em um ou dois produtos primários, que, por sua vez, eram gerados de forma extensiva, com baixa produtividade, em grandes propriedades improdutivas. Assim, a estrutura agrária ajudava a explicar a pouca dinamicidade das exportações e as dificulda-des no balanço de pagamentos.

Mas por que as economias latino-americanas, nas primeiras décadas do século XX, sofriam com problemas de balança comercial, mesmo que voltadas para fora? Para res-ponder a essa pergunta, é preciso ter presente que os economistas cepalinos tinham em mente um modelo de economia mundial bipolarizado — os países centrais, industria-lizados e desenvolvidos, líderes no desenvolvimento tecnológico, e os países periféricos,agrícolas, atrasados e subdesenvolvidos. No modelo agroexportador, essa dualidade ma-nifestava-se internamente ao se constatar nas economias periféricas um setor exportador

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com vínculos ao exterior, ligado umbilicalmente aos países centrais, mas que não imprimia nenhum ou pouco dinamismo à economia interna11, que convivia com um setor de subsistên-cia produzindo basicamente alimentos para o mercado doméstico, normalmente com tecno-logia bastante rudimentar e com baixa produtividade.

As diferenças estruturais das exportações e importações dos países centrais e peri féricos ajudam a evidenciar por que estes últimos ocupavam um lugar subordinado na divisão inter-nacional do trabalho.

Quanto às exportações, é preciso notar que as economias centrais são também expor-tadoras, inclusive líderes mundiais em diversos itens. O problema, portanto, não reside na atividade exportadora em si, mas no que se exporta e na forma com que essas atividades se inserem no conjunto da economia, ou seja, que efeitos são capazes de desencadear no con-junto do sistema econômico. Ora, nos países centrais as exportações são importantes mas não determinam o nível de renda e de emprego quase exclusivamente, como nas economias periféricas, pois nelas o investimenro privado ou público — I e G, na equação da demanda agregada — são, tal qual as exportações (X), imprescindíveis para explicar o crescimento de longo prazo daqueles países. Isso porque os países centrais são líderes na inovação e na difusão de tecnologia: no fundo, é esse dinamismo tecnológico e os ganhos de produtivida-de dele decorrentes que determinam sua liderança econômica internacional, o que se reflete tanto na sua produção interna como na exportação. Nos países centrais não há o dualismo antes mencionado, já que a produção para o mercado interno não é substancialmente dife-rente da produção para o mercado externo; esta não é uma especialização, mas um desdo-bramento natural do progresso tecnológico dos países líderes. Neles não se pode distinguir um setor exportador quase à parte da economia interna, como nos países periféricos.

Tais condições contrastam com as exportações dos países periféricos, que, centradas geralmente em um ou dois produtos, pouco irradiam seu dinamismo internamente. Por isso, a dualidade da divisão internacional do trabalho reproduz-se internamente, pois se configuram dois setores, um exportador e outro de subsistência, um voltado para o exterior e outro para omercado interno, com pouca ou nenhuma interação entre ambos.

Mas as importações dos países centrais também contrastam com as dos periféricos. Os primeiros importam basicamente produtos primários e matérias-primas, enquanto os segundos buscam no exterior bens de consumo industriais, bens de capital e intermediários. Esse perfil de comércio exterior ensejou a mais famosa tese cepalina, a da deterioração dos termos de intercâmbio. Segundo essa tese, o comércio internacional prejudicava os países especializados na exportação de produtos primários nas relações de troca com os países industriais, pois os preços relativos dos produtos primários não só caíam mais que os da indústria nas crises, como havia uma tendência de longo prazo ao barateamento relativo deles. Os países periféricos, portanto, apresentavam capacidade de importar de-clinante — o que ajuda a explicar o recorrente estrangulamento externo das economias latino-americanas.

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CAPACIDADE DE IMPORTAR 5Q x ? Px

Pm

,

Sendo: Q x 5 quantidade exportada

Px 5 preço médio das exportações

Pm 5 preço médio das importações

Fica visível que, caso os preços relativos dos produtos exportados não se alterem com rela-ção aos importados, a capacidade de importar variará diretamente com a quantidade expor tada. Entretanto, se os preços dos importados crescerem mais rapidamente que os exportados, as quan-tidades exportadas deverão ser aumentadas para manter a mesma capacidade de importar. Assim, cada vez precisa-se vender mais produtos primários para comprar do exterior os mesmos pro-dutos industriais. Esta é a tese da deterioração dos termos de intercâmbio, antiga na lite ratura econômica, pois já defendida pelo alemão List, no século XIX, e que teve em Prebisch seu maior defensor no contexto latino-americano das décadas de 1950 e 1960, tornando-se marca do pen-samento cepalino.

A mensagem cepalina era clara: o modelo agroexportador condenava os países lati no- -americanos à estagnação e ao subdesenvolvimento. Eram suas crises (os choques adver sos)que possibilitavam romper com o modelo, pois o estrangulamento externo forçava o país a começar a produzir internamente os bens anteriormente importados. Assim, a incapacidade de manter o fluxo de importação de produtos industriais dava ensejo a uma mudança de mo-delo, e daí teve início um processo de substituição de importações, mesmo que isso não se desse por deliberação intencional dos governos latino-americanos, os quais, em geral, eram vistos como mais próximos dos interesses das oligarquias agrárias que dos setores indus-triais e urbanos.

O estrangulamento externo tornava-se, portanto, o principal fator desencadeador da substituição de importações. Para Prebisch, mais ainda, consistia na própria razão de ser da industrialização; tanto que, se fosse resolvido, não haveria por que insistir com a necessidade de mudança de modelo:

Com efeito, se um país em desenvolvimento, graças à expansão dos seus mercados exterio-res, consegue dar às suas exportações um ritmo similar ao da sua procura de importações, terá corrigido as disparidades do seu intercâmbio, e não necessitará de continuar com a política substitutiva de importações12.

O estrangulamento externo pode ser absoluto ou relativo. É absoluto quando a capacidade de importar é estagnada ou declinante, como acontece nas crises. E é rela-tivo quando a capacidade de importar cresce, mas em ritmo inferior ao da renda, uma tendência de longo prazo das economias especializadas na exportação de produtos pri-mários. Essa diferença não é apenas formal: se o estrangulamento externo for absoluto pode inviabilizar a própria substituição de importações, pois impede que o país adqui-ra do exterior máquinas, equipamentos, insumos e outros itens indispensáveis para a

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produção industrial. Por isso, pode-se dizer que o estrangulamento externo não é apenas o incentivo e a razão de ser da substituição de importações, mas pode transformar-se em seu limite, pois será barreira para o crescimento industrial caso atinja uma magnitude tal que impeça manter o fluxo mínimo de importações necessárias ao processo produti vo industrial.

Essa dupla face do estrangulamento externo, ser simultaneamente fator desencadeador e limitante, remete diretamente ao que significa substituição de importações. Trata-se de um processo de desenvolvimento que, antes de reduzir o quantum das importações, altera sua pauta, mudando o perfil do setor externo. Este deixa de ser o responsável último pela dinâmi-ca econômica — pela determinação da renda e do emprego, como no modelo agroexportador —, mas passa a ter uma nova função crucial, a de garantir o fluxo de divisas necessário para importar outros produtos, desta vez os necessários a garantir a produção industrial. O termo substituição de importações, por isso, pode gerar equívocos e até ser impróprio, pois pode dar a entender que se trata de um modelo ou estilo de desenvolvimento que visa levar os paí-ses à autarcia, quando, na verdade, para substituir algumas importações precisa-se partir para outras, fruto da demanda derivada, sem contar os novos itens que vão aparecendo interna-cionalmente e que tendem a ingressar na pauta de importação dos países de industrialização tardia, pois sua indús tria não acompanha o mesmo ritmo da inovação dos países centrais.

Dessa forma, pode-se dizer que no modelo de substituição de importações o pro blema da busca de divisas é constante, e o estrangulamento externo, antes de ser solucionado, rea-parece em cada conjuntura, o que estimula que sejam implementadas novas ondas de subs-tituição. A restrição da capacidade de importar exigirá dos governos constante atenção, com o risco de inviabilizar, potencialmente, a própria continuidade do desenvolvimento industrial substitutivo de importações. Nas palavras de Prebisch:

Em resumo, o processo de substituição tem de ser contínuo, enquanto não se corrigirem as tendências díspares, que não se poderão corrigir caso se mantenha o presente módulo de intercâmbio. Realizadas umas substituições, sobrevêm a necessidade de realizar outras, e cada vez surgem novos e crescentes obstáculos13.

O PSI começa geralmente pelos bens de consumo popular, de tecnologia mais sim ples e de mais fácil produção, exigindo investimentos mais acessíveis e com demanda cativa pre-existente. Poder-se-ia esperar que gradualmente o país fosse para os bens mais sofisticados, inicialmente de consumo, depois os intermediários e, finalmente, os bens de capital. Mas a dinâmica do modelo é mais complexa. Na consagrada metáfora de Tavares,

é praticamente impossível que o processo de industrialização se dê da base para o vértice da pirâmide produtiva, isto é, partindo dos bens de consumo menos elaborados e progredindo lentamente até atingir os bens de capital. É necessário — para usar uma linguagem figura-da — que o edifício seja construído em vários andares simultaneamente, mudando apenas o grau de concentração em cada um deles de período para período14.

Assim, o processo supõe uma complexidade que não pode ser entendida como li-near; embora as ondas possam se concentrar em algumas categorias de produtos, em cada

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período de tempo, o próprio processo produtivo exige que algumas outras categorias sejam substituídas concomitantemente, para viabilizar a continuidade da substituição de importações.

Deixaremos temporariamente a análise abstrata para ilustrar com um exemplo históri-co: no Brasil, o PSI seguiu bem de perto o modelo sugerido por Tavares. No período que vai do início da recuperação econômica da década de 1930 até 1955, muitas vezes denominado industrialização restringida, predominou a substituição de importações de bens de consu-mo popular; entretanto, na própria década de 1930, o crescimento industrial atingiu setores não tradicionais, como minerais não metálicos, metalúrgica, papel/papelão e química. Por sua vez, a construção da Usina Siderúrgica de Volta Redonda fazia o Brasil ingressar, em grande escala, na produção do aço, imprescindível para o próprio crescimento industrial. Do período que vai de 1956 a 1973, ou seja, de JK ao fim do Milagre (1968-1973), a pro-dução industrial voltou-se prioritariamente aos bens de consumo duráveis, os quais lidera-vam o crescimento industrial, mas consigo impulsionavam os setores de bens de consumo popular, os intermediários e de capital, cujas taxas anuais de crescimento foram menores, mas também significativas. Finalmente, o PSI completou-se no Brasil no final da década de 1970, com a implementação do II PND do governo Geisel, voltado a substituir importações de bens intermediários e de capital que ainda impunham barreiras à produção interna. Em cada uma dessas fases houve determinada categoria de bens que predominou, mas a cada onda de substituição, novos bens de todas as outras categorias eram substituídos, mos-trando a interdependência setorial do sistema econômico e as cadeias produtivas que iam se formando, envolvendo uma complexa inter-relação entre fornecedores, compradores e consumidores, das matérias-primas e insumos básicos aos bens finais.

Dessa forma, o PSI pode ser entendido como responsável por mudanças de vulto nas economias em que ocorre, ampliando e diversificando a capacidade produtiva industrial. O centro dinâmico das economias gradualmente deixa de ser o setor exportador para repousar no mercado interno, sob a liderança do investimento privado (I) e/ou público (G). Nas pala-vras de Tavares, trata-se de um modelo fechado — pois se desenvolve praticamente no âm-bito de estados nacionais fechados —, e também parcial já que a base exportadora continua sem dinamismo, com as principais mudanças ocorrendo na economia urbana e industrial, mantendo a estrutura agrária arcaica e aprofundando os diferenciais de produtividade entre campo e cidade. O modelo, portanto, repõe um novo dualismo.

Por sua vez, o modelo, entendido inicialmente como uma saída para os países peri-féricos se contraporem à divisão internacional do trabalho que lhes era perversa, teve como resultante histórico não propriamente qualquer rompimento com a ordem econômica inter-nacional, antes disso, nova forma de inserção, em que qualitativamente alterava sua depen-dência. A nova divisão internacional do trabalho, que surge após a Segunda Guerra Mundial, enterrará de vez a antiga dicotomia entre países periféricos agrários e países centrais in-dustriais, já que alguns países latino-americanos passaram então a conviver com acelerado

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crescimento industrial, sem, todavia, romper com o subdesenvolvimento. Este subdesen-volvimento industrializado, na expressão de alguns autores, tem no Brasil o caso mais típico, onde a industrialização avançou sem reverter na mesma intensidade vários indicadores sociais, antes aprofundando a concentração da renda e trazendo consigo novas relações de dependên-cia, principalmente financeiras e tecnológicas.

Crises e Desequilíbrios Potenciais do ModeloJá foi assinalado que o modelo de substituição de importações tinha um limite reposto

em cada conjuntura, decorrente de sua própria lógica: ao voltar-se para o mercado interno e sem difundir a produtividade com a mesma intensidade e velocidade no setor exportador, geralmente centrado em poucos produtos primários, tornava o estrangulamento externo um problema a ser recorrentemente enfrentado, com frequência tornando-se barreira ao cresci-mento industrial acelerado — que, afinal, era o objetivo e a razão de ser do próprio modelo. À medida que o PSI avançava, era de se esperar que ficasse cada vez mais difícil substituir novas importações, pois crescia o volume de capital, a qualificação da mão de obra e o nível tecnológico necessários aos novos investimentos.

Dessa forma, conforme o PSI se desenvolvia, vários problemas e contradições come-çavam a aflorar, dificultando ou, em alguns países, até inviabilizando sua continuidade e expansão.

A esses problemas, além dos já mencionados antes, acrescentam-se os seguintes apontados pelos economistas cepalinos, principalmente Prebisch (1962), Furtado (1968) e Tavares (1972):

a) No início do PSI, o crescimento da economia trazia consigo a ampliação do em-prego e, com isso, do mercado consumidor. De fato, pode-se pressupor que a de-manda não era problema para a indústria nascente nas primeiras fases do PSI, já que justamente seu crescimento se prendia em vir a atender à demanda do-méstica preexistente, uma vez que, com o estrangulamento externo, não pode-ria ser mantido o fluxo de importações. Nesse sentido, a demanda preexistia à oferta: produzindo-se internamente, havia o mercado doméstico pronto a ser atendido.

Entretanto, ao avançar o processo, com a exigência de maior volume de capital e tecno-logias mais sofisticadas, poupadoras de mão de obra, o emprego não crescia a taxas capazes de garantir um mercado de massas. Em outras palavras, cresciam as relações capital/produto (K/Y) e capital/trabalho (K/L), implicando um descompasso entre a baixa absorção relativa de mão de obra e as necessidades de formação de um mercado consumidor capaz de absorver a produção doméstica.

b) À medida que o processo ia avançando, também cresciam as necessidades de fi-nanciamento e de poupança — argumentava-se que a falta desta eta parcial-mente amenizada pela concentração de renda —, já que cada vez era necessário maior volume de capital. O fato de a tecnologia ser importada gerava pressão

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sobre o balanço de pagamentos, aguçando o estrangulamento externo. Mesmo com o relativo fechamento do mercado interno, os produtores locais eram induzidos a utilizar as novas tec-nologias capital-intensivas, seja porque diminuíam custos, seja porque a compra de bens de capital do exterior geralmente era subsidiada, sem contar que os investidores estrangeiros, ao investirem, já traziam consigo as novas técnicas.

c) O avanço do PSI fazia tornar mais nítida a contradição do modelo de exigir, para sua reprodução, cada vez mais capital e mão de obra qualificada, justa-mente o que é escasso na América Latina, e liberar recursos naturais e mão de obra de baixa qualificação, exatamente o que era abundante. Nas palavras de Tavares, havia

um completo divórcio entre as funções macroeconômicas de produção (virtuais) que seriam mais adequadas a uma tal dotação de recursos e aquelas que resultam por agregação das funções microeconômicas efetivamente adotadas pelos empresários no processo de substi-tuição de importações, face ao sistema de preços relativos existentes15.

d) Esses problemas aprofundavam-se ainda mais com a baixa produtividade daagricultura, em contraste com a elevação da produtividade média das atividades urbanas e industriais. Assim, o dualismo campo/cidade aumentava e o êxodo rural, seja pela atração pela cidade, seja pela expulsão do homem do campo, con- tribuía para aumentar ainda mais o desemprego. Dessa forma, havia população mas não mercado (população com poder aquisitivo para adquirir os produtos industriais).

A baixa produtividade rural na maioria das análises cepalinas associava-se à pro priedade da terra, concentrada nas mãos de latifundiários pré-capitalistas, com mentalidade mais ren-tier e menos burguesa. Esse comportamento não-empresarial dos proprietários de terra — asoligarquias rurais — ajudava a endossar uma das mais caras teses do pensamento cepalino: a da inelasticidade da oferta agrícola. Esta propunha que, ao aumentarem os preços dos produtos primários, por exemplo, por pressão da demanda, os proprietários de terra não rein-vestissem a receita adicional na produção e na melhoria de produtividade, que poderia, num período seguinte, por meio do crescimento da quantidade ofertada, fazer os preços caírem. A oferta, nessa situação, era inelástica, ou seja, não respondia — ou era pouco sensível — ao estímulo da elevação dos preços. Não sendo os empresários os que buscavam maximizar lucros, os proprietários de terra não reinvestiam na produção, mas se comportavam como consumidores de bens de luxo, ou imobilizavam sua renda — e não lucro — comprando novas propriedades, preferencialmente imóveis ou terras, a exemplo da antiga nobreza. A reforma agrária tornava-se a palavra de ordem para reverter o quadro; fazia-se mister levar o capitalismo ao campo.

Esse conjunto de teses e proposições bastante articuladas entre si formava uma ex-plicação bastante convincente para a crise que as economias latino-americanas passavam

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no início da década de 1960. O próprio artigo de Maria da Conceição Tavares, publicado em 1963, busca entender não só o auge como o declínio do PSI, com a percepção de que essa erasua crise derradeira. Entretanto, tratava-se mais de uma crise no modelo que do modelo, já que na economia brasileira o mesmo duraria até o final da década de 1970, com a expressiva substituição de bens intermediários e de capital do governo Geisel, sem contar as altas taxas de crescimento do Milagre (1968-1973), quando ocorreu significativa substituição de impor-tações de bens duráveis de consumo.

Entretanto, a explicação cepalina para essa crise do início da década de 1960 deixava claro, de um lado, os problemas da industrialização substitutiva de importações, tal como vinha ocorrendo na América Latina, algo não negligenciável, já que a CEPAL con sagrara-se como porta-voz dos ideólogos da industrialização latino-americana. De outro lado, o conjun-to de teses possuía um forte poder de sedução por sintetizar todo um complexo de fenômenos em uma única explicação-síntese, já que todo o diagnóstico apontava para a perda de dina-mismo do modelo causada pela estreiteza do mercado vis-à-vis a alta tecnologia empregada, do que resultava uma tendência à estagnação ou subconsumo.

SubconSumiSmo

Nome pelo qual são designadas as teses que, sob diferentes argumentos, responsabilizam a falta de consumo como principal causa das crises. Geralmente, considera-se que o francês Sismondi, no início do século XIX, foi o precursor do subconsumismo, ao afirmar que na sociedade ca-pitalista industrial nascente havia uma tendência do crescimento da oferta, impulsionado pela produtividade, muito superior ao do mercado consumidor, pressionado pelos salários de subsis-tência. O subconsumo, assim, causaria crises de superprodução. O mais famoso subconsumista, no entanto, foi Malthus, que adicionou aos argumentos a tendência a poupar e a entesourar, que também conspirariam para a estreiteza dos mercados. Há versões marxistas das teses consumis-tas, que exploram a tendência à pauperização da classe trabalhadora em contraposição a uma tendência de aumento de produtividade impulsionada pela concorrência intercapitalista, o que geraria um excesso de produção sobre a demanda. Essa seria uma explicação para a acirrada busca de mercado por parte dos países líderes, responsáveis pelas guerras e pelo imperialismo.

As teses subconsumistas conseguiram adeptos na América Latina na década de 1950 a 1960. Defendia-se, então, que para a indústria latino-americana crescer era preciso ampliar o mercado interno: já que constituída majoritariamente por bens de consumo popular, argumentava-se que só poderia crescer e se expandir se houvesse aumentos salariais e/ou se se incorporassem no-vos segmentos ao mercado consumidor, por meio de medidas redistribuidoras de renda. Assim, faziam-se necessárias reformas estruturais voltadas à redistribuição de renda e à ampliação do mercado consumidor, como as reformas agrária e educacional. Note-se que, dentro desse diag-nóstico, o subconsumismo não se opunha ao capitalismo e à economia de mercado, mas propu-nha um conjunto de medidas redistributivas de maneira a viabilizá-lo e a torná-lo mais harmônico e equilibrado socialmente.

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Configurava-se, assim, uma análise crítica do modelo de substituição de importações. Diferentemente de seus tradicionais opositores, de vertente mais liberal, que sempre diag-nosticavam os problemas de desemprego, inflação e de balanço de pagamentos como de-correntes da própria lógica intervencionista do modelo, que violava a lei das vantagens comparativas no plano externo e criava um empresariado protegido e avesso à concor-rência, dependente de subsídios e tarifas alfandegárias, agora a crítica partia dos próprios cepalinos. Assinalava-se, por exemplo, e de forma muitas vezes idealizada, o contraste entre a industrialização tal como ocorrera na Europa, que iniciara com pequenas empresas, baixa tecnologia, mercado estreito e utilizando menos capital e mais mão de obra e que, gradualmente, adotava novas tecnologias à medida que o próprio mercado crescia, indo em direção a uma formação econômico-social mais harmônica e equilibrada, bastante diferentedo dualismo latino-americano.

Na América Latina, a tecnologia importada associava-se a um mercado estreito, a uma baixa organização sindical e a uma estrutura agrária arcaica, o que resultava um capita-lismo desequilibrado, em que o subconsumo coexistia com inflação e desemprego. Daí a existência de:

• inflação estrutural, pois decorrente da própria estrutura fundiária (a inelasticidade da oferta agrícola) e da incapacidade de o Estado aumentar as receitas, seja por pressão política dos segmentos de altas rendas, seja por sua incapacidade de cor tar despesas, frente à ampliação das demandas sociais decorrentes da rápida urbaniza-ção e da própria necessidade de estimular o desenvolvimento; e

• desemprego estrutural, pois mesmo nos países com as mais expressivas taxas de crescimento industrial, como Brasil, Argentina e México, o setor secundário não conseguia absorver a população que migrava para as cidades. Mesmo que todo o estoque de capital — máquinas e equipamentos — da indústria estivesse plena-mente empregado, havia uma parte da população estruturalmente desemprega da. Tratava-se de problema mais sério que o desemprego involuntário keynesiano, pois este supõe coexistência com capacidade ociosa, de modo que políticas de estímulo à demanda agregada poderiam, simultaneamente, aumentar o emprego do trabalho e do capital. O desemprego estrutural da mão de obra evidencia o desequilíbrio das economias latino-americanas, já que pode ocorrer com pleno emprego do capital. Reflete a escassez deste, de modo que só políticas de longo prazo, centradas no de-senvolvimento econômico, poderiam reverter esse quadro.

Dessa forma, seja nas etapas iniciais ou mesmo nessa primeira grande crise do PSI, ocorrida no início da década de 1960, a CEPAL não deixou de reafirmar sua proposta básica para reverter o subdesenvolvimento: a industrialização acelerada, mesmo que cada vez mais difícil. Para vencer esses obstáculos, fazia-se necessário um Estado atuante, capaz de plane-jar, antever e investir para evitar os pontos de estrangulamento que iriam aparecer à medida que o processo fosse avançando; por exemplo, a eletricidade, que precisa ter a demanda prevista antecipadamente para que a oferta possa se expandir em tempo de não obstar o cres-cimento dos demais setores da economia.

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Críticas ao Modelo CepalinoA previsão de estagnação econômica dos economistas cepalinos não se confirmava à

medida que passavam os anos da década de 1960, ao mesmo tempo que golpes militares em vários países latino-americanos inviabilizavam suas propostas reformistas. O Brasil, caso típico, começava um grande ciclo de crescimento econômico a partir de 1968, inclusive com inflação relativamente baixa e aumento expressivo da produção e da produtividade agrícolas, o que se chocava com as principais teses cepalinas, pois não se implementara a reforma agrária.

Dentro desse contexto, novas interpretações sobre a formação histórico-econômica latino-americana e sobre o PSI emergiram. As primeiras críticas à teoria dos choques ad-versos, mencionadas no início deste capítulo, remontam a essa época. Apenas para fins de ilustração, mencionar-se-ão outras teorias críticas às concepções cepalinas, prin cipalmente aquelas que mais de perto dizem respeito ao modelo de substituição de importações:

a) a teoria do bolo: afirma, em um aforismo, que é preciso crescer o bolo para depois dis tribuir, e foi largamente utilizada, implícita ou explicitamente, pelas equipes eco-nômicas dos governos militares tanto como forma de criticar as políticas sala riais consideradas populistas dos governos anteriores a 1964, quanto para legitimar o abandono das reformas distributivistas. Seus fundamentos básicos residem nas con-cepções clássicas que postulam ser a poupança pré-requisito ao investimento, bem como em teorias de desenvolvimento econômico como a de Rostow, que o entende como resultado de uma sucessão de etapas necessárias, sendo que as fases iniciais exigem sacrifícios sociais para que seja possível uma arrancada, capaz de romper o círculo vicioso do subdesenvolvimento. Havia forte apelo ao senso comum: nenhum país poderia distribuir renda sem tê-la, de modo que o sacrifício presente seria com-pensado pela geração futura;

b) a teoria da dependência: sua versão mais conhecida e completa, proposta por Cardoso e Faletto em 1970, inspirava-se em Marx e Max Weber para, numa aná-lise de cunho sociológico, repensar a formação histórico-social latino-ameri cana. Criticava os economistas cepalinos por subestimar as variáveis políticas em suas análises, como as classes sociais e suas relações com o Estado, entendendo este como vinculado à correlação de forças sociais que se organizam e se expres-sam por meio da política. A teoria da dependência chamava atenção para as for-ças internas como condicionantes do processo histórico que, com vínculos ao exterior, estabelecem elos de dependência e associação. Dessa forma, considera ultrassimplificado o modelo cepalino de centro “versus” periferia, deslocandoo foco da análise da polaridade país contra país — a questão nacional — para as classes e interligações concretas verificadas no processo produtivo, capazes de aproximar segmentos locais de associados externos. A teoria da dependên-cia, finalmente, passava a defender muitas economias latino-americanas, como a

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brasileira, que não estavam estagnadas nem condenadas à estagnação, antes pas-savam por acelerado processo de desenvolvimento capitalista ao longo do século XX, processo este capaz de mudanças históricas de vulto — como a industrialização e que ocorria sem romper com seu caráter subordinado na divisão internacional do trabalho, como prescrevera a CEPAL; ao contrário, desenvolvimento e dependênciaeram fenômenos antes coexistentes que excludentes;

c) a crítica à razão dualista: deve-se fundamentalmente a Francisco de Oliveira (1981), que, em uma perspectiva marxista, critica as teorias do subdesenvolvi mento cepalinas por ignorarem as determinações do modo de produção capitalista na for-mação do capitalismo periférico, marginalizando perguntas do tipo “a quem serve o desenvolvimento econômico capitalista no Brasil?”. O dualismo entre um setor moderno e outro atrasado é criticado, já que o moderno cresce e se alimenta da exis-tência do atrasado, devendo-se salientar não uma dicotomia formal entre ambos, mas a unidade de contrários;

d) as análises do ciclo endógeno: a primeira crítica às teses cepalinas de dentro apa-receu em 1972, com o trabalho Além da estagnação, de Tavares e Serra (1972). Tratava-se fundamentalmente de negar que haveria uma tendência à estagnação da economia, já que a relação K/Y não necessariamente cresceria sempre, pois as no-vas tecnologias podiam ser poupadoras de capital, uma vez que os preços relativos de novas máquinas e equipamentos podiam cair, com relação aos antigos, além de terem, geralmente, mais produtividade. Esse aumento de produtividade elevaria as taxas de lucro esperadas, mantendo o nível de investimen to e de produção.

Mas a crítica mais acabada ao subconsumismo deu-se com a utilização, pela própria Tavares (1978, 1986), do modelo de Kalecki para interpretar a economia brasileira. Este conclui, de determinadas hipóteses — como curto prazo, em que tecnologia e estoque de capital são dados, além da existência de capacidade ociosa —, que os lucros independem dos salários, já que, para o conjunto do sistema econômico, os lucros se igualam ao inves-timento mais o consumo capitalista (ou: P 5 I 1 Cc). Dessa forma, poderia haver cresci-mento do produto mesmo com rebaixamento dos salários reais dos trabalhadores, pois a demanda efetiva poderia ser mantida pelos próprios capitalistas e pelas camadas de mais altas rendas além da exportação. Assim, não haveria mais espaço para o subconsumismo das teses cepalinas, que advogavam a ampliação do mercado interno como necessária para o crescimento econômico.

No modelo tridepartamental de Kalecki, o Departamento 1, D1 produz os bens de capital, o D2 produz os bens de consumo dos capitalistas e o D3, os bens de consu-mo dos trabalhadores; supõe-se que os bens intermediários sejam produzidos nos mes-mos departamentos dos bens finais a que se destinam. Somente o D3 perderia com a con-centração de renda, já que para seus capitalistas o salário era ao mesmo tempo custo e demanda. Num padrão de renda concentrada, em que o D1 articula-se com o D2 nos se-tores dinâmicos da economia — como sugeria ser a partir de 1955, como Plano de

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O Processo de Substituição de Importações

Metas de JK até, pelo menos, o final do Milagre —, os salários são apenas custos, pois os capitalistas não mais deles dependem para realizar sua produção:

Ou seja, o problema do antagonismo entre consumo dos trabalhadores e acumulação encon-tra uma solução dinâmica mediante uma aceleração da taxa de acumulação, que acarreta uma aceleração do consumo dos trabalhadores, embora em ritmo inferior 16.

O modelo de Kalecki, por sua vez, associou-se a contribuições de outros autores, como Marx e Schumpeter, para ensejar nova interpretação à economia brasileira, prin cipalmente durante o PSI. O período de 1933-1955 é visto como de industrialização restringida, pois, embora a liderança da acumulação estivesse no setor industrial, estava restrita ao D3, só reproduzindo o capital variável, ou seja, a força de trabalho. Nas palavras de Cardoso de Mello, a partir de 1933 pode-se dizer que,

Há industrialização, porque a dinâmica da acumulação passa a se assentar na expansão industrial, ou melhor, porque existe um movimento endógeno de acumulação de capital em que se reproduzem, conjuntamente, a força de trabalho e parte crescente do capital cons-tante industriais; mas a industrialização se encontra restringida, porque as bases técnicas e financeiras da acumulação não são suficientes para que se implante, num golpe, o núcleo fundamental da indústria de bens de produção, que permitiria à capacidade produtiva cres-cer adiante da demanda, autodeterminando o processo de desenvolvimento industrial17.

Somente com o bloco de investimentos do Plano de Metas, a partir de 1955, encerrar-se-ia essa fase da industrialização restringida, com a instalação da grande indústria de base, a qual permitia a reprodução do capital constante — os bens de capital. A partir de então, os ciclosda economia passariam a ser determinados endogenamente pela expansão e diversificação do setor industrial, como em qualquer economia capitalista.

Ressalta-se que essa nova concepção mantinha a periodização cepalina ao privilegiar a Grande Depressão como fundamental para o processo de industrialização do Brasil: não mais com a velha polaridade entre desenvolvimento para fora e para dentro, mas porque aí começava efetivamente um processo de industrialização, com o crescimento do setor industrial libertando-se da “depen-dência que o atrelava, direta ou indiretamente, pelo lado da realização dos lucros, à economia cafeeira”18. Entretanto, o rompimento é significativo em vários aspectos: a) ao trazer à baila, como central, não a substituição de importações em si, mas o entendimento do processo como constitui-ção das forças produtivas capitalistas, o que passa a privilegiar os fatores internos em busca da deter-minação de ciclos endógenos; b) ao admitir a importância da economia cafeeira para o surgimento das primeiras indústrias, ainda na fase agroexportadora; c) ao romper com a visão antes sintetizada com a metáfora do edifício, em que o PSI não poderia ir linearmente da base para o vértice da pi-râmide; a incisiva afirmação de que a indústria estava restringida aos bens de consumo surpreende ao negligenciar justamente uma das ideias mais ricas do processo expressas por Furtado, Prebisch e pela própria Tavares; d) mesmo que as novas teses não ignorem os condicionantes externos, ao lerem o processo histórico centrados na busca de ciclos endógenos, acabaram por negligenciar um aspecto fundamental que a CEPAL tinha a seu favor: trabalhar com economia aberta, mesmo

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com o modelo simplificado de relação centro/periferia, com o que ressaltava, já em primeira mão, a inserção internacional do país, o estrangulamento externo, os problemas recorrentes do balanço de pagamentos e as dificuldades de absorção tecnológica — questões cruciais no contexto histórico do PSI.

Como decorrência, o estrangulamento externo perde o papel-chave que ocupara nas teses cepalinas, e o PSI é enfocado não tanto com a singularidade que estas buscavam enfa-tizar da tardia industrialização latino-americana, já que o novo marco teórico é passível de reproduzir, com alto grau de abstração, qualquer economia capitalista.

11.3 O processo de substituição de importações na Era Vargas

O Período de 1930-1937 e a Mudança de ModeloQuando Vargas tomou posse como chefe do Governo Provisório, em novembro de

1930, fruto do movimento revolucionário iniciado no mês anterior, pois sua chapa, a Aliança Liberal, havia sido derrotada nas urnas pelo situacionista paulista Júlio Prestes, o Brasil já se encontrava mergulhado em profunda crise econômica, que internacionalmente já tinha sido iniciada há mais de um ano. Em 1931-1932, as importações perfaziam um terço de seu valor de 1928, e as exportações caíram quase a metade. A queda da capacidade de importar foi de cerca de 40%19.

Diante desse quadro, o governo federal, após uma breve tentativa de uma política cam-bial liberal, reintroduziu o monopólio cambial no Banco do Brasil e estabeleceu critérios de prioridades cambiais no mercado de divisas, dando preferência a compras oficiais, pagamen-to do serviço de dívida pública e importações oficiais, além de decretar sucessivas moratórias de dívidas em moeda estrangeira. Esse intervencionismo durou pelo menos até 1934, quando foi afrouxado. Além disso, promoveu a desvalorização do mil-réis, que perdeu mais de 50% do seu valor com relação ao dólar somente entre 1930 e 193120.

Enquanto isso, os estoques de café se avolumavam: somente no Estado de São Paulo, calcula-se, havia 18 milhões de sacas estocadas e a nova safra prevista para 1931 era de 17,5 milhões; diante de uma demanda externa de 9,5 milhões, o excedente de oferta sobre a demanda externa era de 26 milhões de sacas. O governo, em abril de 1931, decidiu criar um imposto de 10 shillings sobre cada saca de café exportada, receita com a qual faria um fundo para comprar o excedente; em dezembro do mesmo ano, elevou-o para 15 shillings.Estabeleceu ainda um imposto de 20%, em espécie, sobre o café exportado e outro de 1 mil-réis sobre cada novo cafeeiro plantado no Estado de São Paulo. Além disso, começou a destruição dos estoques, que iniciou em cerca de 10% da safra de 1931-1932 até alcançar 40% da de 1937-1938, estimando-se que, no total, foram destruídas 70 milhões de sacas. Assim, pode-se afirmar que o intervencionismo econômico da década de 1930 começou não pela indústria, mas no mercado do café, cuja política era traçada, a partir de 1933, pelo Departamento Nacional do Café, cujos diretores eram nomeados pelo ministro da Fazenda.

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A política do governo de proceder desvalorizações cambiais, ao mesmo tempo que tri-butava as exportações e tentava impedir o aumento da produção de café, afastava-se da tra-dicional prática da República Velha, de não sinalizar aos cafeicultores que sua atividade era problemática a longo prazo. Ao contrário, conseguia simultaneamente segurar em parte os preços sem estimular a oferta, ao mesmo tempo que colaborava para que o café perdesse peso na pauta de exportações e que esta se diversificasse. De fato, no período de 1934-1939 o café alcançou 47,8% do valor das exportações, em contraste com 72,5% do período de 1924-1929, enquanto o algodão crescia de 1,9% para 17,6%, de um para outro.

Os dois primeiros anos da década de 1930 foram os mais difíceis; em 1933, mesmo com o estrangulamento externo, a economia começava a se recuperar, sob a liderança do setor in-dustrial, que cresceu 11,2% anuais entre 1933-1939, enquanto a agricultura alcançava pouco mais de 2% entre 1934-1937, para uma taxa média da economia, neste último período, de 6,5% ao ano.

Embora os ramos tradicionais, como alimentos, têxtil e bebidas, representassem de 70% a 80% do valor agregado industrial, o que confirma a interpretação de que a econo-mia estava centrada na produção de bens não duráveis de consumo — o D3 de Kalecki —, de forma alguma pode-se concluir que estivesse restringida a ele. Os segmentos indus-triais que mais cresceram entre 1933-1939 — conquanto muitas vezes partissem de uma base pequena, o que torna qualquer crescimento percentualmente expressivo — foram os de papel e papelão, metalúrgica e minerais não metálicos, enquanto entre 1932-1937 a produção física de ferro-gusa aumentava 240%, a de aço em lingotes 123% e a de la-minados 142%21.

A política econômica do período não confere razão às teses que vêem ortodoxia na po-lítica econômica implementada pelo governo, como as de Peláez. Este fixa-se no orça mento superavitário proposto pelo governo entre 1931-1933 e em algumas declarações ministeriais, para defender que os déficits orçamentários existentes na execução orçamentária deveram-se à Revolução Paulista de 1932 e às secas do Nordeste daquele ano, que inclusive forçaram uma expansão monetária não planejada, pois o governo era comprometido com o princípio ortodoxo das finanças sadias. Assim, os déficits eram não planejados, nada tendo que ver com a política keynesiana enaltecida por Furtado. Entretanto, é preciso esclarecer que as declarações oficiais nem sempre foram ortodoxas, como mostram os discursos de Vargas no período, bem como não pode restar dúvida no que diz respeito à política econômica efetiva-mente implantada, profundamente intervencionista, principalmente no mercado cambial e da produção/exportação de café — portanto, do que havia de mais relevante à época para intervir e inovar, como na destruição do produto.

Apesar de todas as discussões na literatura, pode-se ainda concluir que a clássica in-terpretação de Furtado sobre o caráter anticíclico e keynesiano, mesmo antes da Teoria ge-ral, acerta no essencial, já que o governo, na prática, tolerava os déficits e intervinha no mercado para assegurar preços, embora não da forma típica proposta por Keynes, de in-vestimentos públicos não produtivos, mas comprando e destruindo estoques de café.

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Além disso, a proposta essencial de Furtado continua em pé, que é o efeito multiplicadordessa política no conjunto do sistema econômico e, em especial, na indústria, dirigindo-o para dentro, confirmando, apesar de todas as críticas e novas teses, que o estrangulamento externo da década de 1930, em países como o Brasil, contribuiu decisivamente para incre-mentar o PSI.

Entretanto, as evidências não corroboram as teses cepalinas segundo as quais a política econômica era executada exclusivamente como forma de o governo sobreviver aos choques adversos, administrando-os. Estas têm subjacentes a tese de que a política pró-industriali-zação foi não intencional, consequência inesperada, quando na verdade outras iniciativas governamentais revelam o contrário. Nesse aspecto, deve-se ter a precaução necessária ao analisarem-se declarações de autoridades, muitas vezes em tom moralista e austero, mais como exigência do cargo que reflexo de sua prática efetiva. Da mesma forma, não se pode-ria esperar que a condução das políticas monetária, cambial e fiscal tivesse de ser sempre linearmente expansiva e pró-industrializante, ignorando-se as dificuldades de conjunturas de crise, que às vezes exigem medidas restritivas por decorrência da política de estabilização, a despeito das convicções desenvolvimentistas dos dirigentes.

Quanto à consciência e à intencionalidade das políticas, vale assinalar: a) a reforma tributária de 1934, de caráter protecionista e em acordo com as propostas defendidas por lideranças empresariais da época; b) em 1931, o governo proíbe a importação de máqui-nas para certas indústrias e, por pressão empresarial, prolonga-a até 1937, numa clara proteção às indústrias já instaladas; c) a concessão de crédito ao setor industrial mostra-se uma tendência crescente na década de 1930, culminando em 1937 com sua oficializa-ção por meio da criação da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil; d) a criação de diversos órgãos, no aparelho do Estado e sob a hegemonia do executivo, voltados à diversificação agrícola e a beneficiar a agroindústria (Instituto do Açúcar e do Álcool, do Cacau da Bahia, de Biologia Animal, de Química, entre outros, numa política de praticamente criar para cada produto relevante um instituto); e) a reforma educacio-nal, proposta por Francisco Campos, que privilegiava o ensino técnico e profissional e reformava o ensino tradicional da República Velha, preparador de elites e centrado em disciplinas como Latim, Francês, Filosofia, Literatura e História, em prol de outro, mais voltado às ciências e formador de profissões (curso Normal, para preparar professores primários, cursos técnicos agrícolas e comerciais; ênfase às engenharias e a formação de mão de obra de escritório — economia e contabilidade — no nível superior); e f) a legis-lação trabalhista, implementada desde a criação, já em novembro de 1930, do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio — no dizer de Vargas, o Ministério da Revolução — e que mostra a consciência da necessidade de legalizar e administrar os conflitos sociais urbanos, apontando para um projeto de nação no mínimo bastante diverso da tradicional visão agrarista e exportadora das elites22.

Esse grau de consciência pró-industrializante não estava presente na formação da cha-pa oposicionista da Aliança Liberal, em 1929, mas foi sendo construído ao longo da

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década de 1930. Contou, de um lado, com o apoio decisivo do exército, por meio dos tenen-tes que, de rebeldes na República Velha, passavam a ocupar postos relevantes na política, à medida que parte dos antigos políticos oligarcas era excluída do centro do poder. Vale assinalar, então, que as forças políticas que constituítam a Aliança Liberal — políticos civis tradicionais, descontentes com o situacionismo e com a imposição, por parte de Washington Luís, do paulista Júlio Prestes para sucedê-lo — não coincidem com as que resolveram em 1930 partir para um levante armado, a revolução. Boa parte dos aliancistas não pretendia par-tir para essa aventura, final bem-sucedida, e sem o apoio das forças armadas dificilmente o golpe de estado se consolidaria. A partir daí, a participação dos militares na política torna-se uma constante, inclusive na deposição de Vargas, em 1945.

O governo procurou legitimar-se com nova Constituição, em 1934, atendendo à reivin-dicação da oligarquia paulista, mas a Constituinte elegeu Vargas presidente da República por meio do voto indireto. A nova Constituição consagrava o intervencionismo, a supremacia do executivo e a legislação social, mas foi insuficiente para acalmar os diversos focos oposicio-nistas que partiam seja dos antigos políticos oligarcas, seja dos integralistas ou dos comunis-tas, capazes de mobilizar massas urbanas.

O Estado Novo viria tirá-los de cena, reafirmando o projeto gestado pelo pró-prio governo.

Estado Novo e Pós-GuerraEm 10 de novembro de 1937, Vargas, com o apoio das forças armadas, deu o golpe

do Estado Novo, fechando as casas legislativas do país, em todos os níveis, nomeando interventores para os executivos estaduais e outorgando nova Constituição. O novo re-gime possuía forte cunho autoritário e intervencionista, consagrando a supremacia do poder executivo federal e algumas conquistas da Revolução de 1930, como a legislação do trabalho.

As justificativas oficiais para o golpe de estado não diferiam muito de suas ver-dadeiras razões: associavam-se motivos internos, como a polarização política do país entre integralistas e comunistas e a dificuldade de o governo, dentro dos marcos de regras democrático-liberais, constituir forças suficientes para consolidar seu projeto, até o con-texto de ameaça e, posteriormente, de guerra mundial, com a bipolarização internacional entre o Eixo e os Aliados. Ideologicamente, o Estado Novo aproximava-se do fascismo, embora não contasse com um partido único mobilizador, e respaldava-se na colaboração de ideias de vários pensadores, como Francisco Campos e Oliveira Vianna — os deno-minados pensadores autoritários dos anos 1930 —, que pregavam uma série de reformas modernizantes e pró-industrialização, contra o marasmo rural das oligarquias, julgando impossível implementá-la sem um estado forte e impessoal, que se impusesse sobre po-deres locais arcaicos, e sobre outros opositores, como os políticos tradicionais desgosto-sos com os rumos da Revolução e os comunistas. Por isso, alguns autores vêem no Estado Novo algo que lembra a revolução pelo alto de Bismark, em que a industrialização

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e a constituição da ordem econômica e política capitalista partiram mais de uma decisão política que de determinações econômicas emanadas do mercado.

A intervenção econômica iniciada em 1930 aprofundou-se durante o Estado Novo; mesmo que não houvesse um plano de governo, no moderno sentido da palavra, o gover no deixaria claro seu projeto industrializante e em prol da diversificação do setor primário e das exportações. A complexidade do aparelho estatal fez surgir novo segmento social: a bu-rocracia. Para tanto, criou-se o DASP — Departamento Administrativo do Serviço Público, para recrutar por concurso os funcionários públicos, substituindo as antigas nomeações po-líticas dos coronéis e políticos, tirados parcialmente de cena com a ditadura. Nos Estados foram criados órgãos para executar as mesmas funções — os daspinhos. Mas a maioria desses órgãos dizia respeito diretamente à indústria e às riquezas estratégicas (Conselho Nacional do Petróleo, Aparelhamento de Defesa, Conselho de Águas e Energia, Comissão de Defesa da Economia Nacional, Fábrica Nacional de Motores, Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, Companhia Siderúrgica Nacional, Comissão de Combustíveis e Lubrificantes, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial — SENAI, Comissão do Vale do Rio Doce, Companhia Nacional de Álcalis, Serviço Social da Indústria — SESI, Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial). Alguns se voltavam ao fomento de culturas específicas (Instituto de Mate e do Pinho, Serviço Nacional do Trigo) e outros, à racionalização administrativa e de tomada de decisões (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Plano de Obras Públicas, Conselho Nacional de Ferrovias, Coordenação de Mobilização Econômica, Comissão de Planejamento Econômico e Superintendência da Moeda e do Crédito — SUMOC).

Apesar das intenções governamentais, nos primeiros anos do Estado Novo a econo mia desacelerou seu ritmo de crescimento, principalmente entre 1939 e 1942, quando cresceu apenas 0,4% e a indústria, 1,6%. As dificuldades de importação, decorrentes da guerra, são apontadas geralmente como causa, mas as taxas são recuperadas a partir de 1942, com a in-dústria voltando a crescer em média 9,5% e o PIB, 6,4% entre 1942-1945.

Os primeiros anos do Estado Novo ajudam a evidenciar a correlação entre o volu-me de divisas e as taxas de crescimento. O estrangulamento cambial obrigou o gover no a suspender o pagamento da dívida externa e a estabelecer controles de câmbio, além de manter uma taxa cambial única e desvalorizada. Mas a guerra encarregar-se-ia de reverter esse quadro: enquanto permanecia a dificuldade de importar e o governo esta-belecia racionamento para o trigo e a gasolina, as exportações cresciam para os países aliados e o preço do café se recuperava. Assim, obteve-se saldo positivo nas transações correntes, passando-se então a adotar políticas mais liberais, como a possibilidade de os exportadores poderem vender até 70% das divisas no mercado (30% deviam ser vendi-das ao Banco do Brasil à taxa oficial de câmbio). A política monetária mais apertada dos primeiros anos do Estado Novo também foi substituída por outra mais frouxa; a inflação, então, começou a se acelerar, ficando entre 15% e 20% ao ano. Mais importanteque as taxas de crescimento em si, destacou-se, sem dúvida, a construção da siderúr-gica de Volta Redonda, tornando-se um marco simbólico dessa época, pois inaugurou

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a forte presença estatal na produção de insumos básicos, fato que seria uma das mais relevantes características do PSI brasileiro.

A entrada do Brasil na guerra junto aos Aliados e o fato de o equilíbrio de forças ter pendido a favor destes tornaram a ditadura estado-novista insustentável. A partir de 1943 já eram evidentes as contradições entre as políticas interna e externa do regime. Após uma tentativa de redemocratização com a continuidade de Vargas no poder — o queremismo —, ele é derrotado por um golpe militar em 1945. Antes, havia criado dois partidos, o Partido Social Democrático (PSD), mais conservador, e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com base na estrutura sindical e no eleitorado urbano, enquanto a oposição aglutinava-se na União Democrática Nacional, a UDN. Em eleição realizada em 2 de dezembro de 1945, foi eleito com 55% dos votos o general Eurico Gaspar Dutra (PSD), que fora ministro de Guerra de Vargas.

O final da guerra consagra a hegemonia norte-americana, cujas bases foram estabe-lecidas no acordo de Bretton Woods em 1944. Este condena os protecionismos vigentes des-de a crise de 1929 e consagra o abandono do padrão ouro por parte dos países, com exceção dos Estados Unidos, estabelecendo o dólar como padrão internacional, para o qual os demais países deveriam estabelecer taxas fixas de câmbio. No Brasil, a paridade cambial mantém-se fixa em Cr$ 18,50 por dólar, enquanto a inflação brasileira fora o dobro da norte--americana durante a guerra. Essa valorização do cruzeiro, associada à demanda de importações e ao forte crescimento econômico dos últimos anos do Estado Novo, explica a elevação das im-portações, que logo se manifestou no balanço de pagamentos e na perda de reservas, prin-cipalmente de moedas conversíveis. Isso obrigou o governo, em julho de 1947, a retornar aos controles cambiais e adotar o sistema de contingenciamento das importações, pelo qual concedia licenças prévias para importar de acordo com prioridades preestabelecidas. Mas a taxa de câmbio permaneceu fixa enquanto a inflação crescia (aproximadamente 15% ao ano); isso, entretanto, não causou imediato problema na balança comercial devido à recuperação dos preços do café, que em parte amenizaria as consequências.

Não se pode dizer que Dutra tenha abandonado a prioridade pró-indústria de Vargas. Houve a continuidade e expansão de crédito ao setor; além disso, essa política cambial, em última instância, significava transferência de renda do setor exportador para o mercado in-terno, e principalmente para a indústria, pois barateava as importações de bens de capitale intermediários ao mesmo tempo que restringia as de bem de consumo, pelo sistema de licenciamentos.

O PSI, assim, não sofreu solução de continuidade.

O Segundo Governo Vargas e o NacionalismoO retorno de Vargas ao poder, em 1951, significou a reafirmação do projeto indus-

trializante e desenvolvimentista que implementara já em seu primeiro governo. Seu principal adversário foi Eduardo Gomes, da UDN, que obteve menos da metade dos

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votos de Vargas, que concorrera como candidato do PTB tendo como vice Café Filho, do PSP — Partido Social Progressista. O PSD lançara candidato próprio, Cristiano Machado, mas que foi gradualmente abandonado pelos próprios correligionários à me-dida que a campanha de Vargas conseguia mais uma vez recompor a ampla aliança for-madora do chamado pacto populista, que incluía desde parte dos proprietários de terra e o empresariado industrial até os trabalhadores urbanos, com os sindicatos pelegos — atrelados ao oficialismo estatal —, além dos políticos tradicionais que haviam apoiado a ditadura do Estado Novo. Essa era a base da sustentação política do chamado projeto nacional desenvolvimentista.

Pode parecer estranho que os segmentos agrários fizessem parte da ampla aliança de sustentação a esse projeto, cuja prioridade à indústria era indiscutível. Mas é preciso, em primeiro lugar, ter presente que desde que assumiu o governo, em 1930, Vargas, embora tenha tirado do centro do poder os antigos oligarcas e os segmentos voltados à agroexpor-tação, sempre manifestou a disposição de com eles pactuar, no sentido de que a base de sua força política e econômica — a propriedade da terra — não sofresse qualquer alteração. Um compromisso implícito foi firmado entre o governo e esses segmentos, que receberam em troca a não-realização da reforma agrária e a não extensão da legislação trabalhista ao campo, sem contar outros benefícios, como crédito. Ademais, os segmentos agrícolas vol-tados ao mercado interno beneficiavam-se com a política diversificadora do governo, com seus líderes sendo cooptados para participar nos institutos governamentais especializados em sua promoção.

Mas, mesmo sem apelar a motivações políticas, num ponto de vista estritamente econômico, pode-se argumentar que o setor primário não poderia ser abandonado, pois, se isso ocorresse, transformar-se-ia num ponto de estrangulamento, com repercussões negativas nas atividades urbanas. Para viabilizar o próprio projeto de industrialização acelerada, a ele estavam destinadas novas funções, como produzir matérias-primas e bens da cesta de consumo dos trabalhadores urbanos — algo fundamental no controle da inflação e com incidência direta nos salários reais e na taxa de lucro do setor industrial. O desestímulo às culturas de exportação poderia voltar-se também contra o crescimen to industrial, aguçando o estrangulamento externo e inviabilizando a importação de bens de capital e insumos básicos. Assim, a agricultura integra-se ao projeto do PSI, não mais como a variável por excelência de determinação da renda da época do crescimento para fora, mas para cumprir novas funções; há uma integração subordinada aos interesses enecessidades do setor industrial23.

Apesar de contar com um discurso muitas vezes nacionalista radical, principal-mente quando a crise econômica se aprofundava, a partir de 1953, o nacional desen-volvimentismo não pode ser considerado xenófobo: ao contrário, aceitava o capital estrangeiro, desde que viesse a participar do projeto de industrialização acelerada e de modernização agrícola encampado pelo governo. O nacional-desenvolvimentismo, todavia, criticava a ADIT, que reservava aos países periféricos o papel de fornecer

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matérias-primas e alimentos aos países centrais em troca de produtos industrializados; em linhas gerais, aproximava-se das ideias cepalinas, defendendo maior intervencionis-mo e planejamento e rejeitando as teses liberais de vantagens comparativas no comér-cio internacional, sem todavia pretender romper com o capitalismo, antes modernizá-lo e reformá-lo. Por isso, sua ideologia é também conhecida como reformismo, em con-traposição ao socialismo revolucionário apregoado pela esquerda mais radical aglutina da majoritariamente no então ilegal PCB — Partido Comunista Brasileiro.

Logo que assumiu, Vargas estabeleceu um plano de cooperação com os Estados Uni dos no qual técnicos dos dois países fariam um diagnóstico da economia brasileira, que resultou em 41 projetos setoriais de desenvolvimento, os quais contariam, para sua imple mentação, com capital norte-americano. Da equipe da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos partici-param técnicos ligados à CEPAL, e o diagnóstico inspirava-se fortemente nas teses dessa instituição, detectando pontos de estrangulamento e reafirmando a prioridade de inversõesem infraestrutura, como transporte e energia elétrica. Iam ao encontro, também, do Plano de Reaparelhamento Econômico que o ministro Lafer, da Fazenda, propusera como plano de governo. Nesse contexto, criou-se o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico — BNDE, futuro BNDES, que se encarregaria da captação, gerenciamento e alocação de verbas provenientes dos programas de fomento.

A eleição do republicano Eisenhower, em 1952, substituindo o democrata Truman, al-teraria as relações do Brasil com os Estados Unidos, com este país passando a adotar uma política de linha dura com relação àqueles governos dúbios, nacionalistas ou com restrições ao capital estrangeiro, como era o caso do Brasil. Dessa forma, dos 500 milhões prometidos para financiar os projetos da Comissão Mista, apenas 63 milhões foram recebidos; além disso, o Banco Mundial só se propunha a financiar projetos específicos, exatamente o oposto do pretendido pelo governo brasileiro, que preferia que coubesse a ele as decisões quanto à ordem para a execução dos projetos.

Nesse contexto, a Campanha do Petróleo viria a contribuir para ainda mais acirrar os ânimos. Embora inicialmente Vargas e sua Assessoria Econômica — da qual faziam par-te reconhecidos defensores do planejamento e da industrialização, como Ignácio Rangel e Rômulo de Almeida — tenham se inclinado pela participação da iniciativa privada, nacional ou estrangeira, na criação de uma empresa encarregada da pesquisa, lavra e produção do petróleo, sob a alegação de que não havia internamente condições de levantar capital para obra de tamanha envergadura, a campanha, radicalizando-se, teve como resultante a criação de uma estatal — a Petrobrás. Embora às empresas estrangeiras fosse permitido participar na comercialização do petróleo e de seus derivados, as relações com o governo Eisenhower pio-raram. Vargas parecia querer repetir a mesma política de barganha da época do Estado Novo, mas o novo contexto internacional, de guerra fria e absoluta hegemonia norte-americana, sem a divisão do mundo capitalista em dois blocos, poucas chances dava a barganhar. Além do mais, a prioridade dos Estados Unidos era, então, a reconstrução europeia e japonesa, e não a América Latina, onde a situação política parecia mais sob controle.

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A situação do balanço de pagamentos agravava-se, principalmente pela escassez de moedas conversíveis. O governo, em outubro de 1953, viu-se obrigado a abandonar o sistema de taxa cambial fixa. Pela Instrução 70 da SUMOC, embora a paridade de Cr$ 18,50 por 1 dólar continuasse referência, na prática houve uma desvalorização do cruzeiro, adotando-se o sistema de taxas múltiplas de câmbio. Estas ocorreriam: a) nas exportações, que foram divididas em várias categorias, com sobretaxas visando estimu-lar a diversificação, em detrimento do café; b) nas importações, as quais foram divididas em cinco faixas de acordo com a essencialidade, priorizando insumos agrícolas, far-macêuticos e para a indústria em geral, enquanto encareciam sobretudo os bens de con-sumo, duráveis ou não; e c) nas operações financeiras e certas importações especiais, que passavam a ter taxas cambiais próprias.

A política cambial adotada afastava-se da preconizada pelo Acordo de Bretton Woods, e foi criticada pelo FMI. Mas representava, na prática, a tentativa do governo de administrar a crise cambial, ferindo ao mínimo os interesses desenvolvimentistas. De fato, a taxa efetiva de câmbio era estabelecida pela concorrência entre os importadores, por meio de leilões, nos quais a cada faixa ou categoria o governo estabelecia previamente um montante de divisas. Dessa forma, o governo, na compra de divisas dos exportadores, pagava a taxa oficial acres-cida de uma sobretaxa ou bonificação e, na venda aos importadores, recebia, além da taxaoficial, o ágio decorrente do leilão de câmbio. O resultado líquido entre bonificações pagas e ágios recebidos foi positivo para o governo — uma espécie de imposto sobre o comércio exterior, já que entrava na receita fiscal.

A situação econômica do país, entretanto, continuava a se agravar. O índice de preços ao consumidor, do Rio de Janeiro, mais que dobrou de 1950 a 1954 — 9,4% em 1950, 12,1% em 1951, 17,3% em 1952, 14,3% em 1953 e 22,6% em 1954. Em 1953, a taxa de cresci-mento continuou alta — 4,7%, mas abaixo dos 7,3% de 1952, principalmente devido à taxa de 0,2% obtida na produção agrícola. Gradualmente o governo abandonava seu lema inicial, sanear para depois crescer, inspirado na fórmula Campos Salles/Rodrigues Alves (pelo qual o ajuste ortodoxo do primeiro, na República Velha, criara condições para o crescimento do quadriênio seguinte), para reafirmar seu viés desenvolvimentista. Sem alcançar os resultados almejados pela política de estabilização, o governo optou pela continuidade do crescimento, radicalizando seu discurso desenvolvimentista e nacionalista, mas sem dispensar a tentativa de negociação com o governo norte-americano.

O ano de 1953 representou uma sucessão de tentativas do governo de recompor sua base política, à medida que a crise cambial se aguçava e a inflação crescia. As dificul-dades para administrar os conflitos antecipam a agonia que resultaria no fim trágico de Vargas, que se suicidou no ano seguinte. O encaminhamento para buscar uma solução aos problemas cambiais só foi adotado em outubro de 1953, com a Instrução 70 da SUMOC. Mas em março estourara em São Paulo a maior greve então ocorrida no Brasil — a greve dos 300 mil —, que se alastrou rapidamente pelos grandes centros urbanos e pelo interior desse Estado. Vargas tentou, inicialmente, reprimi-la; em seguida, e sob o

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risco de perder o apoio sindical que lhe restava, nomeou João Goulart, forte liderança no meio sindical e presidente nacional do PTB, ministro do Trabalho, ao mesmo tempo que Osvaldo Aranha, de reconhecido trânsito nos Estados Unidos, era convidado a substi tuir Lafer na pasta da Fazenda.

Gradualmente, todavia, o Ministério do Trabalho iria ocupar o centro do debate político e econômico. O governo já havia, em 1952, elevado nominalmente o salário mínimo em porcentagem não desprezível, que no Rio de Janeiro e São Paulo alcança-va 300%. Na prática, isso significava retornar a seu valor de 1940, sem ganhos reais. Goulart, aceitando as reivindicações sindicais, passava então a propor um novo aumento, de 100%, para o salário mínimo, ao mesmo tempo que estimulava a sindicalização em massa e propunha ampliar os benefícios da previdência social, inclusive estendendo-os aos trabalhadores rurais, profissionais autônomos e domésticos. Em fevereiro de 1954, o Manifesto dos Coronéis exigia a destituição de Goulart, evidenciando o veto militar ao populismo. Vargas cede, mas em 1o de maio do mesmo ano anuncia a duplicação do salá-rio mínimo e as demais medidas trabalhistas e previdenciárias. A partir daí, o governo foi perdendo o controle da situação; sua base parlamentar dividiu-se e a oposição, liderada pela UDN, radicalizou-se cada vez mais, tendo como clímax o suicídio de Vargas em agosto do mesmo ano.

Encerrava-se, dessa forma, a primeira fase do PSI, com a crise política coincidindo com a quase já completa substituição de importações dos bens de consumo não-duráveis. A partir daí o aprofundamento do processo substitutivo poderia seguir por dois caminhos: a) ingres-sar com mais força nos bens de capital e intermediários, o que já iniciara com a siderurgia na época do Estado Novo, e que poderia se consubstanciar em um projeto de ampliação do mercado de consumo interno, o que tudo indica era a opção preferida pela equipe do governo Vargas; ou b) partir para a substituição de importações dos bens duráveis de consumo, aten-dendo o mercado doméstico que, afinal, continuava com renda concentrada, dentre outros motivos, porque nas etapas iniciais do PSI a demanda era assegurada mesmo sem repor osaumentos de produtividade nos salários, já que o crescimento econômico acelerado ampliava o mercado de bens de consumo popular com a adição de novos trabalhadores/consumidores, prescindindo de crescimento dos salários reais.

O Plano de Metas de JK consagraria a segunda alternativa, inaugurando uma nova fase no PSI.

Questões de Revisão1. Originalmente, duas grandes teses polarizaram o debate sobre o início do processo de

substituição de importações, as quais podemos denominar, com certa licenciosidade, teo-ria dos choques adversos e industrialização induzida pelas exportações. Explicite seus fundamentos teóricos e as possíveis evidências históricas que, na economia brasileira,

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corroboram com a defesa de cada uma delas. A seguir, avalie-as criticamente, discutindo a possibilidade de conciliá-las.

2. “A tese segundo a qual a Grande Depressão da década de 1930 criou condições propí cias ao processo de substituição de importações pode ser verificada na economia brasileira, mas dificilmente pode ser generalizada para outros países latino-americanos.” Explique a afirmação, levantando hipóteses sobre por que o Brasil pôde superar a crise industria-lizando-se, o que não se verificou em outros países latino-americanos.

3. O estrangulamento externo pode ser entendido ao mesmo tempo como motivação e limi-te ao processo de substituição de importações. Por que motivação? Por que limite?

4. Na explicação do processo de substituição de importações, as teorias cepalinas con-sagraram várias teses, tais como: a) a deterioração dos termos de intercâmbio; b) a inelasticidade da oferta agrícola; c) a inflação estrutural; d) o desemprego estrutural; e e) o dualismo campo/cidade. Explique o significado de cada uma delas e discuta sua vali dade para o entendimento da economia brasileira atual.

5. Analise o crescimento industrial das décadas de 1930 e 1940 e discuta a pertinência do conceito de industrialização restringida para caracterizá-lo.

6. Um dos pontos polêmicos sobre a economia brasileira na década de 1930 refere-se à consciência do governo com respeito às medidas pró-indústria, se havia intencionali-dade com respeito às políticas implementadas ou se estas foram tomadas por exigências da conjuntura, marcada por profunda crise. Liste os principais argumentos de cada um dos lados do debate, mostrando quem, em sua opinião, tem razão.

7. Analise a inserção do setor primário no processo de substituição de importações no Brasil. Mostre como a agricultura se inseria no novo modelo e qual o comportamento do governo com relação ao setor. Pode-se afirmar que os setores agrários se opunham ao projeto industrializante de Vargas?

8. Exponha as principais mudanças na política cambial brasileira do período do Estado Novo a 1953, quando há a Instrução 70 da SUMOC. Para tanto: a) mostre qual o impacto da Segunda Guerra Mundial na balança comercial; b) quais as consequências da manutenção da taxa cambial fixa no pós-guerra; c) por que o governo foi forçado a mudar a política cam-bial em 1953; d) quais as principais alterações trazidas pela Instrução 70 da SUMOC, e que possíveis traços de continuidade ela representou com relação à política cambial anterior.

9. No início da década de 1960, vários economistas defenderam a tese de que a economia brasileira tendia a uma estagnação, a qual representaria a crise do processo de substitui-ção de importações. Explicite os principais argumentos utilizados na defesa desse ponto de vista e, posteriormente, analise-os de maneira crítica.

10. As afirmações abaixo manifestam duas opiniões opostas ao proceder um balanço do processo de substituição de importações no Brasil. Discuta-as, mostre até que ponto cada uma delas tem razão e, caso se julgue apto, tome partido no debate.a) “Não fosse a firme decisão de algumas nações latino-americanas de substituir impor-

tações, até hoje países como Brasil e Argentina seriam exportadores de matérias-pri-

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20. Id.21. VILLELA, Annibal; SUZIGAN, Wilson. Política

do governo e crescimento da economia brasilei-ra. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1973. p. 216.

22. FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Vargas: o capi-talismo em construção — 1906-1954. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 204-12.

23. Ibid., p. 374.

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Quando se trata da montagem do parque industrial no Brasil, do caminho para a cons-tituição de uma economia industrial madura neste país, da criação de uma economia livre de constrangimentos externos e internos para o seu desenvolvimento, em geral, o que primeiro vem à mente é a chamada substituição de importações.

O termo substituição de importações, no entanto, não pode ser entendido no sentido literal das palavras, expressando simplesmente o ato de substituir a oferta estrangeira pela doméstica. Quando o termo é utilizado no sentido literal das palavras que o compõem, não se tem uma teoria, não se tem uma explicação, mas uma mera descrição, uma simples constatação de fatos. No sentido literal cons-tata-se o óbvio, descreve-se o que se viu: deixamos de importar produtos industrializados e passamos a produzi-los domesticamente. A utilização do termo substituição de importações, no sentido literal, leva a explicações do tipo empírico-casuísticas, de onde se deduz que, sem o acaso, materializado nos problemas externos, o Brasil, provavelmente, não se teria industrializado.

O relevante é explicar por que, em algum momento, de maneira significativa e sis-temática, se deixou de importar e passou-se a produzir domesticamente os bens industria-lizados. O ato de deixar de importar e produzir domesticamente só tem relevância quando constituir o modo predominante de a economia crescer. É preciso, no entanto, ir além e identificar o que faz com que a substituição de importações ocorra de maneira significativa e sistemática, ou seja, constitua-se num processo. Só nesse caso pode-se falar de substi tuição de importações como um modelo de desenvolvimento ou como um processo.

O termo substituição de importações tampouco se refere a um único processo. É na-tural, portanto, que ocorram divergências quanto ao início, à conclusão e às conse quências do chamado processo de substituição de importações. É igualmente natural que surjam in-terpretações críticas alternativas para explicar a montagem do parque industrial brasileiro. A literatura sobre esse tema, consequentemente, contempla: 1) diferentes concepções para o termo substituição de importações; 2) questionamentos de que essa montagem tenha sig-nificado liberdade para crescer; e 3) hipóteses alternativas para explicar a montagem dessa economia madura.

O presente capítulo contém uma pequena amostra dessa variedade de interpretações sobre o tema conclusão da montagem do parque industrial no Brasil. Não se pretende substi-tuir a leitura dos textos citados, ao contrário, o esforço despendido para escrever este capítulo será bem-sucedido se conduzir o leitor para a leitura dos trabalhos originais. Resumos e co-mentários podem ser uma boa iniciação no sentido de facilitar a compreensão do tema, mas nunca substituem a leitura dos textos originais. O texto original é insubstituível, seja pela impossibilidade de reproduzir a riqueza de informações e de raciocínios, seja pela dificuldade em comentar ou resumir, com isenção, ideias alheias.

12.1 Processo de substituição de importações: início e dinâmica

Albert Hirschman lista o que correntemente se entende como sendo a origem da indus-trialização por substituição de importações: a) guerras; b) dificuldades de balanço de paga-

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mentos; c) expansão do mercado doméstico, resultante do crescimento das exportações; e d) políticas governamentais de desenvolvimento2. Esse autor, no entanto, vai além da simples constatação e trata o tema utilizando-se de um conceito apresentado na sua obra clássica,intitulada A estratégia de desenvolvimento reconsiderada3.

Hirschman foi buscar na teoria da produção um conceito ali bastante difundido, efeito de encadeamento (linkage effect) e o aplicou à teoria de desenvolvimento. Aceita-se, na teoria da produção, que investimentos realizados em um momento sejam a principal força motriz de investimentos realizados em momentos subsequentes. Ocorre efeito de encadea-mento para frente (forward linkage) quando um investimento induz a novos investimentos na linha de distribuição do produto. Tem-se efeito de encadeamento para trás (backward linkage) quando o investimento no produto induza a novos investimentos na linha de su-primento de insumos4.

Os chamados efeitos de encadeamento constituem um tipo especial de registro de como uma coisa conduz a outra; enfatiza certas características inerentes ao processo produtivo que está operando em determinado tempo, em determinado país. Hirschman, numa obra pos-terior, intitulada A generalized linkage approach to development, with special reference to staple5, no entanto, amplia o conceito para abrigar investimentos que foram induzidos pela ação governamental, pela expansão do consumo doméstico etc.

O termo substituição de importações, na obra clássica de Celso Furtado, intitula da Formação econômica do Brasil6, só aparece no Capítulo 32 — Deslocamento do centro di-nâmico. É importante prestar atenção na seguinte sequência presente nessa obra: 1) antes do Capítulo 32, o termo utilizado é criação do mercado interno; 2) no Capítulo 32, que trata do deslocamento do centro dinâmico da economia, passando do café para a indústria, do merca-do externo para o interno, Furtado utiliza pela primeira vez o termo substituição de importa-ções; 3) o título do Capítulo 33 é O desequilíbrio externo e sua propa gação. Essa sequência mostra que a dinâmica da indústria provocada pelo desequilíbrio externo só predominou, na economia brasileira, depois de 1930.

O início do processo de substituição de importações, na obra clássica de Maria da Conceição Tavares, Auge e declínio do processo de substituição de importações no Brasil7, depende da ocorrência simultânea de três condicionantes: a) um estrangula-mento externo duradouro (reserva de mercado); b) uma pauta de importações ampla e diversificada (tamanho do mercado); e c) uma base industrial prévia (efeito multiplica-dor dos investimentos substituidores de importações). Historicamente isso ocorreu em 1930. Apenas depois dessa data é que o estrangulamento externo passou a induzir uma onda de inversões substituidoras de importações, que gera um novo estrangulamento externo, leva a uma nova onda de inversões substituidoras de importações, e assim sucessivamente.

Celso Furtado, em texto posterior intitulado Diagnóstico da crise brasileira8, ressal-ta que a dinâmica do processo de substituição de importações dependia das transferências

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de renda para os industriais, mediante confiscos salarial (poupança forçada ou arrocho sala-rial) e cambial. Permitia a superação da dificuldade imposta pela elevação capital-produto, que exigia um maior esforço de capitalização para a realização dos novos inves timentos substituidores de importações.

A dinâmica do processo de substituição de importações, em Formação, em Diagnós ticoe em Auge e declínio, é interna à economia brasileira e endógena ao processo. O estrangula-mento nas contas externas é gerado pelos investimentos substituidores de importações, que expandem a renda interna e, como a produção doméstica é feita com tecnologia importada, expandem também a demanda por importações, mas a oferta das divisas necessárias para o pagamento dessas importações não se expande na mesma intensidade, em razão de um mo-tivo de longo prazo, a deterioração dos termos de troca, e de um motivo de curto prazo, as crises cíclicas do mercado internacional de produtos primários.

O problema fundamental do chamado processo de substituição de importações, na versão exposta, está na produção com tecnologia importada, na ausência de desenvol-vimento tecnológico autônomo, em suma, na dependência tecnológica. Tecnologia é a solução para problemas práticos e imediatos. Nos países industrializados a dotação de fatores e a constelação de recursos naturais são diferentes da que prevalece nos países da América Latina (AL), onde vigorou o processo de substituição de importações. A tecno-logia importada, portanto, é intensiva na utilização de fatores e de recursos naturais que são abundantes nos Estados Unidos e na Europa e escassos nos países da AL. A produção doméstica, consequentemente, fica muito cara e não tem competitividade no mercado internacional, nem gera muito emprego (não cria um mercado de massa). A substituição de importações, sem um desenvolvimento tecnológico autônomo, não é solução para os problemas de balanço de pagamentos do país. Sem um desenvolvimento tecnológico na-cional a concentração de renda é inerente ao modelo de desenvolvimento por substituição de importações.

O dinamismo da economia está, quase exclusivamente, na indústria que produz para o mercado interno, constituindo-se, portanto, num modelo de desenvolvimento parcial (afeta apenas uma parte da economia) e fechado (exportações industriais são pouco im-portantes para o crescimento da economia). A agricultura desempenha papel pouco re-levante em razão da já referida deterioração dos termos de troca e das crises cíclicas no mercado internacional. O desenvolvimento tecnológico é mais fácil na indústria do que na agricultura.

Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, no clássico sobre a teoria da dependên-cia9, afirmam que, com a passagem da dependência da Inglaterra para os Estados Unidos, perde-se o impulso para o crescimento da periferia, em razão dos abundantes recur-sos naturais e do amplo mercado interno desse país. A substituição de importações, con-sequentemente, era um esforço doméstico dos países da AL mediante dos Estados po-pulistas, industrialistas e nacionalistas. Na década de 1950, no entanto, os Estados

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Unidos abrem-se para o mundo, iniciando uma nova fase de substituição de importações e tornando o Estado populista desnecessário, pois o motor da expansão passa a ser o investi-mento externo nos países da AL.

Lídia Goldenstein, num livro que reproduz sua tese de doutorado em economia na Unicamp, intitulado Repensando a dependência10, acompanha a periodização do clássico Dependência. Em 1950 inicia-se um processo de substituição de importações viabilizado pela empresa multinacional que, tendo consolidado sua expansão nos países centrais, des-locou-se para a periferia, transferindo plantas industriais para os países então chamados de subdesenvolvidos. Tal expansão internacional foi uma solução (o grifo é da autora) para os problemas causados pela concorrência interna nos países centrais.

Com grande volume de capitais acumulados, pressionadas pela concorrência interna e contando com enorme estabilidade nas instituições financeiras, as empresas nada mais fize-ram do que atuar segundo o padrão de competição adequado ao paradigma tecnológico em vigor, o fordismo. O motor da industrialização e da internacionalização foi o investimento direto promovido, inicialmente, pelas corporações norte-americanas nos anos 1950.

O termo substituição de importações, em Cardoso e Faletto e em Goldenstein, não expressa o mesmo processo exposto em Tavares e em Furtado. O que Cardoso e Faletto (Dependência) e Goldenstein (Repensando) denominam substituição de importações é des-crito melhor como um mecanismo utilizado pelas grandes empresas dos países centrais, para fugirem à saturação/maturidade de seus mercados internos. Isso é uma dinâmica radicalmen-te diferente da que foi exposta em Furtado (Formação) e em Tavares (Auge e declínio). Nestes é a dinâmica da própria indústria doméstica que, em função da dependência tecnológica, leva ao estrangulamento nas contas externas que, por sua vez, leva a novos investimentos substituidores de importações, e estes levam à expansão da renda, a novos estrangulamentos externos, e, consequentemente, a novos investimentos substituidores de importações. Em Hirschman (Generalized approach), o estrangulamen to nas contas externas é apenas um dos fatores que desencadeiam investimentos substi tuidores de importações.

12.2 Conclusão do processo de substituição de importações

O processo de substituição de importações, conforme Maria da Conceição Tavares, em Auge e declínio, não concluiu a montagem do parque industrial brasileiro, tendo-se esgotado na virada dos anos 1950 para 1960. A pauta de importações, nessa época, tinha passado a constituir-se, basicamente, por bens de demanda derivada, e o estrangulamento externo dei-xou de ser sinônimo de reserva de mercado, de oportunidades lucrativas e de inversões subs-tituidoras de importações. A criação do mercado, das oportunidades lucrativas de inversões substituidoras de importações dependeria, então, por exemplo, dos gastos governamentais.

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A Propósito do Chamado Processo de Substituição de Importações

A substituição de importações pós anos 1960, segundo Tavares (Auge e declínio), não deveria ser confundida com a substituição de importações que vigorou entre 1930 e 1960.Se o parque industrial brasileiro fosse completado, não o seria repetindo o processo do período anterior.

O processo de substituição de importações, conforme Celso Furtado, em Diagnós tico,teve uma parada ao findar a década de 1950, porque o esforço de capitalização nos novos investimentos (em infraestrutura) sofreu expressiva elevação não acompanhada pelo aumento da concentração de renda com os industriais. A queda do preço do café no mercado inter-nacional e o avanço da sindicalização esgotaram os confiscos cambial e salarial, impedindo que a taxa histórica de poupança acompanhasse o salto da relação capital-produto dos novos investimentos.

Já naquela que talvez seja a segunda obra mais conhecida de Celso Furtado, Análise do modelo brasileiro11, o processo de substituição de importações pôde continuar nos anos 1960, porque houve rápida expansão da demanda. A expansão da demanda por bens durá-veis (bens de consumo para os capitalistas) foi conseguida com o arrocho salarial e a cria-ção de um sistema de financiamento ao consumo de bens duráveis. A expansão da demanda por bens não duráveis (bens de consumo para os trabalhadores) foi conseguida com os subsídios à exportação e os estímulos à construção civil. Furtado, nesse texto, apresentou uma metáfora que ficou famosa: num país com 100 milhões de habitantes e uma renda per capita de US$ 400, concentrando-se a renda nos 5% mais ricos cria-se um mercado com cinco milhões de pessoas com uma renda média de US$ 2.700, aproximadamente o mercado da Suécia.

Bonelli e Malan12, num artigo bastante influente, afirmam que, em meados dos anos 1970, ainda faltava completar o setor de bens de capital. Isso, no entanto, como dependia da forte participação das empresas estrangeiras, encontraria sérios problemas, que iam da excessiva desnacionalização da economia brasileira até a incapacidade para solucionar os problemas de balanço de pagamentos13.

Textos escritos a partir de meados dos anos 1980, no entanto, sustentam que a con clusão da montagem do parque industrial brasileiro ocorreu no segundo lustro da década de 1970, com o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PNB), elaborado e implementado no período Geisel. O processo de substituição de importações, em qualquer das suas concepções, teria, então, sido completado com o II PND.

Antônio Barros de Castro, num texto intitulado Ajustamento e transformação: a econo-mia brasileira de 1974 a 198414, afirma que, depois do II PND, a economia brasileira havia rompido a barreira do subdesenvolvimento. Alexandre Schwartsman15, numa premiada dis-sertação de mestrado intitulada Auge e declínio do Leviathan: mudança estrutural e crise naeconomia brasileira16, afirma que o II PND é a derradeira onda substitutiva de importações porque, depois dele, não serão mais necessárias importações para sustentar a produção corrente. Goldenstein (Repensando) afirma que o Brasil era fruto das decisões tomadas no II PND, que foi uma tentativa de completar a matriz de relações industriais.

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12.3 Liberdade para crescerAntônio Barros de Castro, no já referido Ajustamento e transformação, afirma que o

II PND foi uma bem-sucedida tentativa de superar, simultaneamente, a crise externa e o subdesenvolvimento, cujo estigma é a atrofia dos setores produtores de insumos básicos e de bens de capital. Como resultado do programa de desenvolvimento adotado em 1974, a ca-pacidade de produção de petróleo e eletricidade, de insumos básicos e de bens de capital foi drasticamente ampliada, e a indústria de bens de consumo duráveis deu sinais de ter atingido plenas condições de acesso ao mercado internacional. A economia brasileira passou, então, a dispor de um avantajado núcleo (energia, metalurgia, química e bens de capital) que, por sua versatilidade, pôde ser posto a serviço de diferentes estratégias de crescimento. A economia brasileira passou a dispor, também, de um setor de bens de luxo com crescente acesso ao mercado externo. Em suma, desde então, o parque manufatureiro brasileiro não cabe, sequer como caso limite, dentro do perímetro do subdesenvolvimento.

O melhor suporte empírico para a tese de Castro, em Ajustamento e transformação, está no trabalho de Maria Helena Zockun, intitulado A queda das importações e o ajustamento da indústria na recessão17. O referido texto aponta que as importações brasileiras de produtos in-dustriais não alimentícios alcançaram a casa dos 16,3 bilhões de dólares em 1979, reduzindo-se para 13,7 bilhões de dólares em 1983 (que a preços de 1979 representam 9,1 bilhões de dólares). Houve, então, entre 1979 e 1983, uma redução real de 7,2 bilhões de dólares, correspondentes a 44% do valor alcançado em 1979. Dos US$ 7,2 bilhões de redução real nas importações de produtos industriais não alimentícios, cerca de 62,4% ocorreu nos bens intermediários e cerca de 33,2% nos bens de capital, objeto da atuação do II PND. Isso representa uma redução de 44,3% no total das importações de bens intermediários e de 61% nas de bens de capital.

No caso da redução real de 4,5 bilhões de dólares em bens intermediários, 54,1% deveu-se ao aumento da produção doméstica (substituição de importações), 23,6% por causa da altera-ção na composição setorial (encarecimento e consequente redução das importações dos bens com maior coeficiente de importações) e 22,3% pela redução das importações resultantes da queda no nível de renda. No caso da redução real de 2,4 bilhões de dólares em bens de capital, 48,9% ocorreu pela substituição de importações, 57,5% pela queda no nível de ren-da da economia, havendo um aumento de 3,9% nas importações causado pela alteração da composição setorial.

Em suma, baseado em Castro (Ajustamento e transformação), pode-se afirmar que, com a conclusão do processo de substituição de importações, o país estava livre das barreiras ex-ternas e internas ao crescimento.

Alexandre Schwartsman, no já referido Leviathan, apesar de fundamentar-se forte-mente no Ajustamento e transformação, escrito por Antônio Barros de Castro, conclui que, após o II PND, a economia brasileira não estava livre para crescer. O fundamento da diver-gência está na forma de financiamento do II PND.

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A necessidade de financiar as importações de petróleo, insumos básicos e bens de capital indispensáveis para a continuidade do crescimento econômico, e a necessidade de financiamento a longo prazo para as inversões do II PND, visto que a estrutura dis-torcida do sistema financeiro não gerava recursos de longo prazo na magnitude requeri da pela estratégia de desenvolvimento adotada, produziram um aumento do endividamentoexterno e a estatização dessa dívida externa aumentada. O resultado, então, foi uma crise fiscal e financeira do Estado brasileiro, que o impediu de continuar a estimular o cresci-mento econômico.

A grave crise fiscal obrigou a um corte significativo nos investimentos públicos que, no caso brasileiro, não desempenha só a função keynesiana de manter elevado o nível da demanda agregada. O gasto público, no Brasil, é particularmente importante pela sua função schumpeteriana de sinalização aos empresários do setor privado sobre as possibi-lidades e os rumos do desenvolvimento. O investimento público é uma parte importantís-sima da política industrial do país. A forte participação do Estado ao longo do processo de industrialização brasileira inibiu a criação de um empresariado dinâmico. Sem o Estado e sem o empresário, ou seja, sem um agente com características schumpeterianas, o país não estava livre para crescer.

Lídia Goldenstein, em Repensando, também concorda que a culminação da montagem do parque industrial, com o II PND, não significou liberdade para o crescimento da economia brasileira. A razão para tanto é a de que o II PND cristalizou-se numa posição tecnológica atrasada. O mundo estava passando por verdadeira revolução tecnológica, produtiva e finan-ceira, que tornava obsoleto o nosso padrão de industrialização.

As bases materiais do mundo foram transformadas em menos de vinte anos. A infraestru-tura fornecida pelo desenvolvimento das tecnologias de informação (microeletrônica, infor-mática, telecomunicações), em torno das quais foi surgindo uma enorme gama de descobertas (biotecnologia, novos materiais, laser, energias renováveis etc.), permitiram a transformação da economia mundial em um espaço único de pro dução e de troca.

A revolução tecnológica que está ocorrendo inaugurou um novo estilo de desen-volvimento, baseado em novas formas de produção e administração, no qual o motor da acumulação não é mais o lançamento de novos blocos de investimentos, mas a inovação sistêmica. O que antes era grande atrativo, a enorme desigualdade na distribuição de renda e o baixo nível de educação, que garantiam mão de obra farta, desorganizada e barata, passou a ser um empecilho para o desenvolvimento. Exige-se, hoje, mão de obra qualificada, cérebros e estrutura organizacional dificilmente encontráveis na maior parte dos países.

O II PND leva ao limite um determinado padrão de financiamento. A explosão da dívida pública externa expressa a incapacidade de o estado brasileiro deixar de privile-giar velhos setores, a dificuldade para disciplinar o processo de acumulação de capi-tal rompendo com interesses estabelecidos18. O fluxo do movimento de capitais passou a concentrar-se entre os países desenvolvidos. Não se deve contar com o desenvolvimento

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fomentado pelos empréstimos externos, porque a reestruturação dos países industria lizados tem absorvido montantes significativos de recursos. Capitais de curto prazo, altamente espe-culativos, impõem sérias restrições às políticas econômicas domésticas e não são adequados para financiar a modernização dos países em desenvolvimento. Não há, portanto, mecanis-mos capazes de financiar os investimentos modernizadores da estrutura produtiva dos moldes da segunda revolução industrial.

Apesar de Maria Helena Zockun, em Ajustamento da indústria, fornecer subsídios para Antônio Barros de Castro, em Ajustamento e transformação, quanto a se ter um parque industrial completo, a referida autora, num outro texto, intitulado Mercado interno: principais aspectos do mercado industrial brasileiro19, não aceita que essa conclusão tenha significado liberdade para o crescimento da economia brasileira. A política de industrialização por substituição de impor-tações, segundo Zockun (Mercado interno) tinha sido eficaz em construir no Brasil um dos 10 maiores parques industriais do mundo, mas esse parque industrial tinha características que, alia-das a certas particularidades institucionais, dificultavam o crescimento da economia brasileira.

As características do parque industrial a que se refere Zockun são: a) grande diver-sificação em termos de produtos fabricados (pouco especializada); b) concentração em pou-cas empresas (atuando num mercado interno com grau muito baixo de concorrência); c) re-sulta em oferta de bens e serviços de custo elevado; d) incompatível com o perfil de demanda interna; e) sem escala, também não era competitivo no mercado internacional. Adicionem-se a isso distorções que constituíam riscos e desestímulos adicionais aos investimentos priva-dos: a) excesso de regulamentação dos mercados (controle de preços, de salários, de câmbio); b) instabilidade das regras e normas (congelamento de preço, proibição de importações, pa-cotes tributários); c) recrudescimento da inflação (intensificando ainda mais a concentraçãode renda e a redução do mercado interno).

A economia brasileira, então, organizada num modelo de desenvolvimento quase au-tárquico, buscando a autossuficiência em todos os setores produtivos, oferecia poucas opor-tunidades de investimento rentáveis. Não se ofereciam oportunidades competitivas de inves-timento, compatíveis com a organização da produção e do comércio internacional que se vinha reorganizando. Isso constituía-se em um forte desestímulo ao capital externo de risco. O fluxo desses capitais, em termos mundiais, já vinha crescendo muito na metade dos anos 1980, mas passava ao largo do Brasil.

O modelo de substituição de importações, segundo Zockun (Mercado interno) completa o parque industrial brasileiro, mas não deixa nossa economia livre para crescer, em razão da redução de oportunidades atraentes de investimento no país, fruto de uma configuração insti-tucional que já não era adequada para o cenário internacional dos anos 1980.

Em suma, baseados em Schwartsman (Leviathan), que enfatiza a ausência de empresá-rios de tipo schumpeteriano, em Goldenstein (Repensando), que enfatiza o atraso tecnológico e em Zockun (Mercado interno), que enfatiza o ambiente institucional, pode-se afirmar que a conclusão do parque industrial, via o processo de substituição de importações, não libertou o país das barreiras externas e internas ao seu crescimento.

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12.4 Hipóteses alternativas ao chamado processo de substituição de importações

A obra de Ignácio Rangel intitulada A inflação brasileira20 contém inúmeras refe rências ao processo de substituição de importações, o que levou alguns a classificarem-na como uma vertente do chamado processo de substituição de importações21. O autor do presente capítulo, no entanto, tem interpretação oposta.

O estrangulamento externo, no Inflação, é fruto do rápido aumento da produtividade no campo, que expande a produção agrícola para exportação e que, devido à proibição de co-mercialização com os países socialistas, satura o mercado dos países imperialistas e provocaa deterioração dos termos de troca. As inversões industriais substituidoras de importação (no sentido literal do termo) são estimuladas pela inflação e não pelos estrangulamentos externos.

A crise agrária, que significa a modernização do campo não acompanhada adequada-mente pelo crescimento da cidade, produzia um desmesurado exército industrial de reserva de mão de obra, achatando os salários e comprimindo o consumo. Sendo assim, o cresci-mento da economia dependia, essencialmente, das imobilizações (produtivas e improdutivas de mais-valia). A inflação, na presença de um sistema financeiro muito pouco desenvolvido (papel-moeda e depósitos à vista eram as únicas maneiras de manter riqueza na forma lí-quida), servia para desestimular a manutenção de riqueza na forma líquida e estimular sua manutenção na forma imobilizada. A inflação foi o mecanismo encontrado pela sociedade para elevar a taxa de imobilização do sistema econômico e fomentar o seu desenvolvimento22.A repercussão “econômica” desse processo é a forte tendência para a criação de capacidade ociosa e a necessidade urgente de destruí-la.

O Inflação não é um livro só sobre inflação ou sobre substituição de importações, ainda que esses temas sejam ali tratados. É, fundamentalmente, um trabalho bastante original sobre o desenvolvimento tardio do capitalismo no Brasil, mostrando a rapidez com que a grande produção capitalista se impunha tanto na cidade quanto no campo, transformando o latifún-dio semifeudal em latifúndio capitalista e desenvolvendo, de um lado, a burguesia industrial e, de outro, a classe operária urbana e rural23. A dimensão econômica do texto não deve impe-dir a percepção de que seu objetivo era orientar o comportamento político da classe operária nos eventos de então (início dos anos 1960). O estudo do desenvolvimento, ou melhor, das irracionalidades do desenvolvimento da economia brasileira tinha por objetivo mostrar que a chegada do socialismo seria antecipada com a substituição do pacto de poder vigente (entre o latifúndio semifeudal e a burguesia industrial, sob comando do primeiro). Esse pacto de poder já tinha esgotado suas potencialidades, estando pronto para ser substituído por outro que acelerasse o desenvolvimento das forças produtivas. Tal pacto se daria entre a burguesia industrial (sob a hegemonia desta) e o latifúndio capitalista (dissidência progressista do lati-fúndio semifeudal), aumentando a capacidade de luta contra o imperialismo, o arqui-inimigo da nossa industrialização.

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Rangel pode ser visto como um precursor da linha que foi desenvolvida especial mente por João Manuel Cardoso de Mello na sua tese de doutorado, intitulada O capitalismo tardio: contribuição à revisão crítica da formação e do desenvolvimento da economia brasileira24.Essa tese afirma que o desenvolvimento da economia brasileira deve ser entendido como parte do processo de constituição de forças produtivas capitalistas no Brasil, inserido no processo mais geral de transição do feudalismo para o capitalismo. A fonte da problemática da industrialização é a sua origem colonial. Como, então, dar o salto tecnológico, ter acesso à tecnologia e mobilizar e centralizar capitais para montar o departamento de bens de produção capaz de libertar a acumulação da fragilidade da estrutura técnica do capital?

Assim, entre os anos 1930-1955, em lugar de uma industrialização por substituição de importações, ocorreu a industrialização restringida. Industrialização porque a dinâmica da acumulação estava assentada na indústria. Restringida, pela limitação da capacidade para importar, porque ainda não tinha sido montado um departamento de bens de produção capaz de libertar a acumulação da fragilidade da estrutura técnica do capital25.

O processo de constituição de forças produtivas capitalistas, no Brasil, foi comple-tado com a industrialização pesada, iniciada com o Plano de Metas, no período de go-verno de Juscelino, quando se montou o setor de ponta do departamento de bens de produção e o setor pesado do departamento de bens de consumo para capitalistas. Isso foi conseguido com a forte participação do Estado e, principalmente, com a vinda da grande empresa europeia, fugindo da competição das norte-americanas que, no bojo do programa de reconstrução da Europa, em razão da superioridade técnica e financeira, havia invadido seu território26.

A instalação dos setores acima referidos, amparada pelo investimento público (energia, transportes etc.), gerava demanda dentro da própria fração já existente do departamento de bens de produção, operando mecanismos de reforço e de retroalimentação. Foram, então, estabelecidas relações entre os departamentos de bens de produção, de bens de consumo assalariado e de bens de consumo capitalista, constituindo integralmente as bases técnicas necessárias para a autodeterminação do capital e impondo uma dinâmica especificamente ca-pitalista ao processo de acumulação. Esta, desde então, estava livre da fragilidade da estrutura técnica do capital e o próprio processo de acumulação produzia, endogenamente, a oferta e a demanda por meios de produção e por força de trabalho27. João Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, num texto intitulado Reflexões sobre a crise atual28, afir-mam que, desde o período Juscelino, a acumulação, no Brasil, só encontra barreiras que ela própria se coloca.

Maria da Conceição Tavares e Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, num texto inti-tulado Notas sobre o processo de industrialização recente no Brasil29, afirmam que a industrialização pesada, sob a liderança dos setores de bens de consumo duráveis e de bens de capital (particularmente material de transporte e material elétrico), não consegue autossustentar-se por um período prolongado, em razão do seu reduzido impacto sobre a produção corrente da estrutura industrial preexistente. A industrialização atrasada, por mais

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moderna e internacionalizada que seja, em razão do baixo peso absoluto e relativo do setor de bens de capital, impedia que o “milagre” econômico brasileiro tivesse qualquer seme lhança com os “milagres” japonês e alemão30. O II PND, portanto, foi self-defeating31, porque os projetos públicos não conseguiam manter o ritmo de crescimento da indústria pesada e, muito menos, da demanda do resto da indústria. O II PND, em vez de solucionar os problemas de demanda efetiva, ampliou o problema da capacidade ociosa existente. O II PND não libertou a economia brasileira de seus entraves ao crescimento.

Outra hipótese alternativa ao processo de substituição de importações está na tese de doutorado do autor deste capítulo, Paulo de Tarso Presgrave Leite Soares, intitulada Um es-tudo sobre Lênin e as defesas da reforma agrária32. O que promoveu a formação do parque industrial, no Brasil, segundo Estudo sobre Lênin, foi a exportação de capitais, resultado da queda da taxa de lucro nos países centrais, fruto da elevação da composição orgânica docapital. A exportação de capitais é, simultaneamente, uma maneira de aprisionar o país, os recursos naturais, o mercado, aos interesses dos monopólios que ali se instalam. Os meca-nismos de proteção à produção doméstica nada mais são do que proteção para o monopólio que se instalou primeiro no país. Esses mecanismos de proteção não são constituídos para atender aos interesses dos consumidores nacionais mas aos interesses dos produtores es-trangeiros aqui instalados. A nacionalização da produção é a melhor forma de aprisionar um mercado. O que alguns pensaram ser um processo original de substituição de importa-ções, comandado por uma dinâmica endógena e interna, foi uma parte do mecanismo pelo qual o monopólio capitalista se espalhou pelo mundo, mediante um grande movimento de alargamento do capital33.

Estudo sobre Lênin também questiona a relação entre completar o parque industrial e alcançar a liberdade para crescer. Esta só é alcançada quando se tem capitalismo pleno, quan-do o padrão predominante de extração de mais-valia é o relativo. Significa que a acumulação ocorre com a redução do custo de reprodução da força de trabalho. O que liberta o crescimento são os ganhos de produtividade nos setores que produzem para o consumo dos trabalhadores. Quer dizer que os trabalhadores custam mais barato, mas vivem melhor, porque os preços dos produtos que consomem ficaram mais baratos como decorrência dos ganhos de produtividade.

O que moderniza a agricultura é sua submissão à indústria, à cidade. A industriali zação do campo exige a especificação bem-definida dos produtos agrícolas, a padronização, a apli-cação da ciência à produção, fomentando a renovação tecnológica e facilitando o triunfo da grande produção capitalista no campo. O sentido do desenvolvimento é o desaparecimento da agricultura, que se torna um ramo da indústria. A montagem de um parque industrial com-pleto no Brasil, no entanto, não significou completar o processo de submissão da agricultura à indústria. O país não consegue crescer melhorando as condições de vida da massa traba-lhadora. O modelo brasileiro de desenvolvimento, necessariamente, é excludente de amplas camadas da população34.

Norma Casseb, na sua tese de doutorado, intitulada Perfil dos investimentos e dis-tribuição de renda na economia brasileira (1970-1993)35, fornece evidências de que, na eco-

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nomia brasileira, não predomina a extração de mais-valia relativa. Casseb estudou a relação entre o perfil dos investimentos e a distribuição de renda, tendo como ponto de partida um modelo em que a distribuição de renda é determinada pela relação entre os setores de bens de consumo e de bens de investimento. Ela, no entanto, a esse modelo básico incorporou o setor governo e o setor externo, vinculando, neste último caso, a taxa de mark up ao grau de abertura da economia. Para comprovar a consistência empírica desse modelo, a autora recor-reu a dois compostos de ramos industriais, um para representar o setor de bens de produção, e outro, o setor de bens de consumo.

O primeiro foi representado pelos seguintes ramos da indústria: metalurgia, mecânica, material elétrico, de comunicações e de transportes. Com exceção dos anos 1981 a 1983, o valor da produção desse composto, que representa o setor de bens de produção, cresceu siste-maticamente entre 1970 e 1986, quando representou oito vezes o valor que tinha em 1970. De 1986 em diante a tendência de queda é evidente, chegando em 1993 a um valor semelhante ao que havia alcançado em 1980. Não é demais ressaltar: o valor da produção do composto que representa o setor de bens de produção, em 1993, está próximo do valor que tinha em 1980, ou seja, regrediu 13 anos.

O segundo, uma indicação do setor de bens de salário, foi representado pelos seguintes ramos: produtos alimentares, vestuário, calçados, bebidas e têxtil. O valor da produção desse composto, que representa o setor de bens de consumo, cresce sistematicamente entre 1970 e 1980, multiplicando-se por três entre o primeiro e o último ano desse período. De 1980 em diante, a tendência de queda é evidente, chegando em 1992 e 1993 abaixo do valor que tinha em 1976. Não é demais ressaltar: o valor da produção do setor de bens de consumo, em 1993, estava abaixo do valor que tinha em 1976, ou seja, regrediu 17 anos.

O valor da produção do setor de bens de produção, em 1970, era cerca de 70% do valor da produção do setor de bens de consumo. Essa proporção, em 1980, passa para cerca de 190%. A característica do período 1970-1993 é um crescimento do valor da produção do setor de bens de produção que, a partir de 1980, não foi acompanhado pelo crescimento do valor da produção do setor de bens de consumo.

Em termos de indicação sobre a produtividade — valor da produção dividido pelo número de empregados — os dados não são mais animadores. O valor dessa razão, no composto que representa o setor de bens de produção, em 1993, é 3,5 vezes maior que em 1970. No caso do composto que representa o setor de bens de consumo, essa mesma razão, em 1993, é apenas 1,7 vez o valor que tinha em 1970. Olhando para toda a série de dados observa-se: 1) no setor de bens de capital, a produtividade cresce até 1986, estagnando-se daí em diante; 2) no setor de bens de consumo a produtividade cresce até 1977, mantendo--se estagnada até 1984 e reduzindo-se até 1991 (quando voltou para os níveis que mantinha antes de 1974).

Casseb, em Perfil, fornece indicações de que, no período 1970-1993, no setor de bens de produção (metalurgia, mecânica, material elétrico, de comunicações e de trans-portes), os valores da produção e da produtividade do trabalho têm uma tendência

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crescente. No setor de bens de consumo (produtos alimentares, vestuário, calçados, bebidas e têxtil), desde o início dos anos 1980 o valor da produção tem uma tendência de queda. A ten-dência de queda no valor da produtividade do trabalho, nesse mesmo setor, começa em 1984. Além disso, também mostra que esse período caracteriza-se, do ponto de vista da balança comercial, como sendo de superávits obtidos com crescimento expressivo das exportações e constância nas importações.

A conclusão que se extrai de Perfil é que o II PND pode ter completado a montagem do parque industrial no Brasil, mas não gerou encadeamentos de produtividade com o setor de bens de consumo. A produção total cresce, mas não em quantidade de bens de consumo à dis-posição da economia. O ganho de produtividade no setor de bens de produção não está sendo transferido para o setor de bens de consumo, mas para o exterior. O crescimento da economia brasileira continua, portanto, sendo obtido em detrimento de melhorias nas condições de vida da massa assalariada. Apesar de se completar o parque industrial, está-se reproduzindo uma característica do modelo primário exportador: os ganhos de produtividade não são apropria-dos internamente, mas trans feridos para o exterior36.

12.5 ConclusãoQuem está com a razão? Em qual desses autores encontra-se a explicação mais con-

vincente? A resposta para essas indagações vai depender do posicionamento político e ideológico de cada leitor/analista. A conclusão óbvia a que se chega é que a controvérsia sobre o modelo de desenvolvimento e sobre as consequências da industrialização está lon-ge de ser encerrada. A segunda conclusão relevante é que se equivocam os que imaginam não encontrar, nessa controvérsia sobre a formação econômica do Brasil, ensinamentos que nos ajudem a entender o presente. Sem a atenção para as considerações aqui apre-sentadas não se pode responder adequadamente à seguinte questão: o Brasil pode (ou não pode) dispensar o Estado e depender apenas do mercado para o seu desenvolvimento? Uma observação final, no entanto, não se poderia deixar de fazer: a eliminação dos entraves estruturais ao desenvolvimento brasileiro aqui referidos, necessariamente, só será obtida no plano político.

Questões de Revisão1. Discuta até que ponto são divergentes e/ou complementares as visões de Maria da

Conceição Tavares (Auge e declínio do processo de substituição de importações no Brasil) e de Celso Furtado (Diagnóstico da crise brasileira) sobre o processo de substi-tuição de importações.

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Daniel Suzarte
Realce
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2. Por que Antônio Barros de Castro, em Ajustamento e transformação: a economia brasi-leira de 1974 a 1984, considera que o II PND foi uma tentativa de superar, simultanea-mente, a crise externa e o subdesenvolvimento?

3. Por que razão Alexandre Schwartsman e Lídia Goldenstein não são partidários dessa tese? (Ver questão anterior.)

4. Resuma as hipóteses alternativas para o processo de substituição de importações em João Manuel Cardoso de Mello, Paulo de Tarso Presgrave Leite Soares e Norma Casseb.

Notas

1. O conteúdo deste capítulo resume o que o autor vem ministrando na disciplina de Economia Brasi-leira, no curso de graduação em Economia da FEA/ USP e reproduz alguns argumentos expostos num texto intitulado A propósito da onda liberal na economia brasileira, apresentado, em junho de 1996, no I Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Política, e num Relatório de Pesquisa para a Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo. O autor agradece aos colegas Gilberto Tadeu Lima e Maria Helena Zockun pelos comentários, eximinando-os dos erros e omissões remanescentes.

2. HIRSCHMAN, Albert O. The political economy of import-substituting industrialization in Latin America. The Quartely Journal of Economics,v. LXXXII, n. 1, Feb. 1968, de agora em diante referido como Political Economy.

3. HIRSCHMAN, Albert O. A estratéegia de desen-volvimento reconsiderada. Rio de Janeiro: Fundo de Culturta, 1960, de agora em diante referida como Estratégia.

4. Não confundir efeitos de encadeamento com a relação insumo-produto. Os primeiros requeremtempo para atuar e os segundos são sincrônicos, atuam ao mesmo tempo.

5. HIRSCHMAN, Albert O. A generalized linkage approach to development, with special reference to staple. In: Economic development and cultural change, v. 25, Supplement: Essays in Economic

Development and Cultural Change. Chicago: The University of Chicago Press, 1977, de agora em diante referido como Generalized approach.

6. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1959, de agora em diante referido como Formação.

7. TAVARES, Maria da Conceição. Auge e declí-nio do processo de substituição de importações no Brasil. In: ______. Da substituição de impor-tações ao capitalismo financeiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972, de agora em diante referido como Auge e declínio.

8. FURTADO, Celso. Diagnóstico da crise brasilei-ra. In: ______. Dialética do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964, de agora em diante referido como Diagnóstico.

9. CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970, referido como Dependência.

10. GOLDENSTEIN, Lídia. Repensando a depen-dência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994, de ago-ra em diante referido como Repensando.

11. FURTADO, Celso. Análise do modelo brasileiro.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972, de agora em diante referido como Análise.

12. BONELLI, Régis; MALAN, Pedro S. Os limites do possível: notas sobre balanço de pagamentos e

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A Propósito do Chamado Processo de Substituição de Importações

indústria nos anos 1970. Pesquisa e Planejamento Econômico — IPEA, Rio de Janeiro: ago. 1976, de agora em diante referido como Balanço de paga mentos e indústria.

13. A questão da dependência tecnológica, salienta-da em TAVARES (Auge e declínio), aparece em BONELLI e MALAN (Balanço de pagamentos e indús tria) sob o nome de viés importador da empresa estrangeira e explica por que a conclu-são do parque industrial não livraria o país dos problemas externos.

14. CASTRO, Antônio Barros de. Ajustamento e Transformação: a economia brasileira de 1974 a 1984. In: CASTRO, A. B. de; SOUZA, F. E. P. de. A economia brasileira em marcha força-da. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, de agora em diante referido como Ajustamento e trans-formação.

15. Prêmio BNDES às melhores dissertações de mes-trado em economia, no ano de 1990.

16. SCHWARTSMAN, Alexandre. Auge e declí-nio do Leviathan: mudança estrutural e crise na economia brasileira. 1990. 306f. Dissertação (Mestrado em Economia) — FEA/USP, São Paulo. Mimeografado, de agora em diante referi-da como Leviathan.

17. ZOCKUN, Maria Helena G. P. A queda das importações e o ajustamento da indústria na re-cessão. In: ROCA; BRAGA; CACCIAMALI; CASTRO (Org.). Brasil 1980: os desafios da cri-se econômica. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1988, de agora em diante referido como Ajustamento da indústria.

18. Note-se a profunda divergência entre GOLDEN-STEIN (Repensando) e SCHWARTSMAN (Levia -than) quanto à força do Estado brasileiro.

19. ZOCKUN, Maria Helena Garcia Palhares. Mer-cado interno: principais aspectos do mercado in-dustrial brasileiro. In: ______. Economia e mer-cado, cadernos de economia, São Paulo, FIPE/USP, 1994, de agora em diante referido como Mercado interno.

20. RANGEL, Ignácio Mourão. A inflação brasilei-ra. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1978, de agora em diante referido como Inflação.

21. Ver, por exemplo, MAMIGONIAN, Armem; REGO, José Márcio (Org.). O pensamento de Ignácio Rangel. São Paulo: Editora 34, 1998. Note-se que o próprio Rangel imaginava estar colaborando para esclarecer aspectos do processo de substi tuição de importações no Brasil.

22. Não se deduza daí uma defesa da inflação, mas uma denúncia da irracionalidade resultante do pacto de poder entre o latifúndio semifeudal e a burguesia industrial, que presidia os destinos do país.

23. Se for para fazer algum paralelo entre Rangel e qualquer outro autor, o mais adequado é en-fatizar a vinculação com a magistral obra de LÊNIN, Vladimir I. O desenvolvimento do ca-pitalismo na Rússia: o processo de formação do mercado interno para a grande indústria, São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Coleção Os Economistas).

24. MELLO, João Manuel Cardoso de. O capitalismo tardio: contribuição à revisão crítica da formação e do desenvolvimento da economia brasileira. 1975. 20 f. Tese (Doutorado em Economia), IFCH/Unicamp, Campinas. Mimeografado, de agora em diante referido como Capitalismo tardio.

25. MELLO, 1975, p. 116, revela que o conceito de industrialização restringida foi desenvolvido por ele e por Maria da Conceição Tavares. Note-se, então, a profunda alteração que esta autora pro-move em relação ao já referido Auge e declínio.Não é demais ressaltar que, no processo de subs-tituição de importações, o estrangulamento exter-no estimula as inversões mas, na industrializaçãorestringida, ele limita a acumulação.

26. Note-se aqui a diferença entre RANGEL (Inflação)e MELLO (Capitalismo tardio), no tratamento do que é chamado impropriamente de imperialismo. No primeiro, ele é o arqui-inimigo da nossa indus-trialização e, no segundo, é ele quem a completa. O termo imperialismo, rigorosamente, não deveria ser aplicado às empresas, mas, exclusivamente, para denominar uma fase do desenvolvimento do capitalismo. Tal impropriedade não está presente em Capitalismo tardio.

27. Capitalismo tardio pode ser considerada a pri-meira obra fundamental para a constituição de um

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Formação Econômica do Brasil

partido social-democrata no Brasil, ao defender que, desde Juscelino, o país já conta com bases técnicas capazes de sofrer uma intervenção go-vernamental transferindo renda para a redução das desigual dades sociais.

28. MELLO, João Manuel Cardoso de; BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello. Reflexões sobre a crise atual. In: COUTINHO, R.; BELLUZZO, L. G. M. (Org.). Desenvolvimento capitalista no Brasil: en-saios sobre a crise. São Paulo: Brasiliense, 1982. v. 1, de agora em diante referido como Reflexões.

29. TAVARES, Maria da Conceição; BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello. Notas sobre o processo de industrialização recente no Brasil. In: COUTI-NHO; BELLUZZO (Org.), de agora em diante referido como Industrialização recente.

30. TAVARES e BELLUZZO chamam a atenção para a divergência com a corrente cepalina, que atribui tal limitação à dependência tecnológica.

31. Conforme dicionário Michaellis Executivo Eletrôni-co, o termo significa literalmente autoderrota em re-lação a algo que atue contrariamente ao que se tem em vista.

32. SOARES, Paulo de Tarso P. L. Um estudo sobre Lênin e as defesas da reforma agrária. 1992. 317f. Tese (Doutorado em Economia) — FEA/USP São Paulo, de agora em diante referida como Estudo sobre Lênin.

33. Note-se a diferença entre Estudo sobre Lênin, por um lado, e Dependência e Repensando, por outro. A exportação de capitais, no primeiro, é considera-do fruto da queda da taxa de lucro, produzida pela elevação da composição orgânica do capital e a

tentativa de monopolização de mercados, recur-sos naturtais etc. e, tanto em Dependência quanto em Repensando, é tida como fruto da saturação do mer cado nos países centrais.

34. Estudo sobre Lênin, tratando da relação cidade-campo no processo de desenvolvimento do capi-talismo, mostra que não há qualquer base, em Lênin, para a defesa da reforma agrária, seja ela coletivista ou de agricultura familiar. Se o objeti vo é fazer a revolução burguesa no campo, segun do Lênin, a única proposta possível é a de abolição total da propriedade privada da terra, para eliminar os entraves que esta coloca para a penetração do capital no campo. Estudo sobre Lênin, fundamentado em obras de autores nacio-nais, como as de Ignácio Rangel, conclui que nem essa proposta faz sentido na perspectiva leninia-na, pois a revolução burguesa no campo já havia sido feita.

35. CASSEB, Norma Cristina B. Perfil dos investimen tos e distribuição de renda na eco-nomia brasileira (1970-1993). 1995. 244f. Tese (Doutorado em Economia) — FEA/USP, São Paulo, de agora em diante referida como Perfil.

36. Note-se que o conjunto de pontos extraídos de SCHWARTSMAN (Leviathan), GOLDENSTEIN (Repensando), TAVARES e BELLUZZO (Indus-trialização recente), SOARES (Estudo sobre Lênin)e CASSEB (Perfil), levanta dúvidas sobre a possibi-lidade e as potencialidades de políticas distributivas, no Brasil. Quanto o chamado Plano Real alterou esse quadro, se é que promoveu alguma alteração, não só foge ao escopo deste capítulo como exigiria um espaço aqui não disponível.

ReferênciasBONELLI, Régis; MALAN, Pedro S. Os limites do possível: notas sobre balanço de pagamentos e indústria nos anos 1970. Pesquisa e planejamento Econômico — IPEA, Rio de Janeiro, ago. 1976.CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO Enzo. Dependência e Desenvolvimento na América Latina:

ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970.CASSEB, N. C. B. Perfil dos investimentos e distribuição de renda na economia brasileira (1970-1993). [199-]. Tese (Doutorado em Economia) — FEA/USP, São Paulo.

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A Propósito do Chamado Processo de Substituição de Importações

CASTRO, A. B. de. Ajustamento e transformação: a economia brasileira de 1974 a 1984. In: CASTRO, A. B. de & SOUZA, F. E. P. de. A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.COUTINHO, R.; BELLUZZO (Org.). Desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaios sobre a crise. São Paulo: Brasiliense, 1982. v. 1.FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1959.______ . Diagnóstico da crise brasileira. In:______ . Dialética do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964.______ . Análise do modelo brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972.GOLDENSTEIN, L. Repensando a dependência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.HIRSCHMAN, Albert O. A estratégia de desenvolvimento reconsiderada. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1960.______ . The political economy of import-substituting industrialization in Latin America. The Quarterly Journal of Economics, v. LXXXII, n. 1, Feb. 1968.______ . A generalized linkage approach to development, with special reference to staple. In: Economic development and cultural change, v. 25, Supplement: Essays in economic development and cultural change. Chicago: The University of Chicago Press, 1977.MELLO, J. M. C. de. O capitalismo tardio:contribuição à revisão crítica da formação e do desenvolvimento da economia brasileira. 1975. Tese (Doutorado em Economia) — IFCH/Unicamp, Campinas. Mimeografado.

______ ; BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello. Reflexões sobre a crise atual. In: COUTINHO, R.; BELLUZZO, L. G. M. (Org.). Desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaios sobre a crise. São Paulo: Brasiliense, 1982. v. 1.

RANGEL, Ignácio Mourão. A inflação brasileira.3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1978.

SCHWARTSMAN, A. Auge e declínio do Leviathan:mudança estrutural e crise na economia brasileira. 1990. Dissertação (Mestrado em Economia) — FEA/USP, São Paulo, Mimeografado.

SOARES, Paulo de Tarso P. L. Um estudo sobre Lênin e as defesas da reforma agrária. 1992. 317f. Tese (Doutorado em Economia) — FEA/USP, São Paulo.

______. A propósito da onda liberal na economia brasileira. In: I Encontro Nacional de Economia Clássica e Política. Anais... . Niterói: SEP, 1996.

TAVARES, M. C. Auge e declínio do processo de substituição de importações no Brasil. In: ______ .Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

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ZOCKUN, Maria Helena G. P. A queda das importações e o ajustamento da indústria na recessão. In: ROCA; BRAGA; CACCIAMALI; CASTRO (Org). Brasil 1980: os desafios da crise econômica. São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas, 1988.

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