cap 1 - livro - emílio e os lumens

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Livro: Emílio e os Lumens: O Quinto PoderAutor: Jackson BragaGênero: Literatura fantásticaPáginas: 350Formato: 14x21cmLouis Wallace, um misterioso professor de filosofia, procura Emílio D’Ara, estudante de 13 anos do 8º ano do Liceu, uma antiga escola pública. Ele salva a vida do aprendiz e o prepara para conhecer a Acrópole, um mundo fantástico de cidades-escolas governadas por cinco Ordens Acadêmicas, onde, desde a Grécia Antiga, preparam lumens – guardiões dos livros e da Acrópole – que defendem a humanidade dos sophistas. Estes são dissidentes que agem nas sombras de governos corruptos com o poder de Tékhne, uma força misteriosa que controla toda tecnologia. Emílio passa a viver na cidade-escola Luminous, é matriculado na Torre Menor e, para sua segurança, tem seu sobrenome verdadeiro oculto. Ele descobre que, como todo lumen, tem uma aura de poder alimentada pelo Cosmos; uma pena-viva que se transforma em pequenos objetos e numa poderosa espada-luz; e um protetor de estimação que aparece quando está em apuros. Com um grupo de amigos ele transita através de portas-passagens entre o Mundo das Nações e a Acrópole em incríveis aventuras enfrentando sophistas. Emílio é o lumen da aura dourada que só se manifesta a cada mil anos e o único capaz de encontrar o Livro do Quinto Poder escondido há quase três séculos e ligado a uma antiga profecia que envolve sua família. Seu inimigo é Wolfgang Septimus, chefe dos Wandarens, a mais poderosa linhagem dos sophistas. O que ele não sabe é que os Wandarens perseguem sua família há mais de sete gerações. Sua missão é encontrar o Livro do Quinto Poder antes dos Wandarens. Nessa trajetória, ele aperfeiçoará suas habilidades especiais; provará o valor da amizade e o poder do amor; e desvendará o mistério do desaparecimento de sua família.

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Page 1: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens
Page 2: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

Disponível para venda em: Bookess Editora:

http://www.bookess.com/read/17708-emilio-e-os-lumens-o-quinto-poder/

Livraria Cultura:http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?

nitem=17956982&sid=87182513915718520675292360

Blog do Livro:

http://emilioeoslumens.blogspot.com.br/

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

JACKSON BRAGA

Emílio e os Lumens:

o Quinto Poder

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Page 4: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

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Jackson Braga

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

Para Eliane, meu amor eterno.Para Letícia e Catarina, amadas filhas que inspiraram este sonho.Para Miguel Arcanjo, o mais novo tesouro de Deus em minha vida.

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Page 8: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

Agradeço a Marcos Freitas, um mestre das letras, o primeiro com quem compartilhei as ideias da Acrópole e que me deu a honra da revisão deste livro e frutuosas contribuições.

A todos os lumens que ainda estão por aí a espera de alguém que lhes ajude a revelar sua aura de poder, o meu sincero agradecimento. O amor e a sabedoria estejam com vocês!

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

SumárioPrólogo, 09

Capítulo 1 – O encontro no Liceu, 13

Capítulo 2 – O Morro dos Mil Becos, 55

Capítulo 3 – O encontro na Ágora e as mensagens do Lógos, 66

Capítulo 4 – Luminous, a Cidade-escola, 92

Capítulo 5 – As Três Torres e os primeiros amigos, 115

Capítulo 6 – A aula inaugural na Casa do Saber, 127

Capítulo 7 – O atentado na escada das Gárgulas, 159

Capítulo 8 – A Área Subterrânea e a Câmara de Biblion, 168

Capítulo 9 – O ataque dos dragões no Lago de Narciso, 188

Capítulo 10 – O passeio na floresta e o monge solitário, 212

Capítulo 11 – Aulas de portas-passagens e a perseguição pelo mundo, 240

Capítulo 12 – O relato de habilidades e Rugby na Nova Zelândia, 276

Capítulo 13 – Morte e fuga no hospital da Cracóvia, 313

Capítulo 14 – O banho nas fontes e a pista da ilha perdida, 337

Capítulo 15 – As chaves prateadas e os traidores de Luminous, 356

Capítulo 16 – Retorno à Área Subterrânea e a religiosa visitandina, 397

Capítulo 17 – O encontro na Casa dos Alfaiates e a festa na caverna, 423

Capítulo 18 – O grupo de estudo e a preparação para o Torneio, 446

Capítulo 19 – O Torneio de Auraball, 469

Capítulo 20 – A pista de Ermenonville, 508

Capítulo 21 – O acampamento na floresta e a arte da guerra, 546

Capítulo 22 – O jogo da mandala e o dragão europeu, 576

Capítulo 23 – As aulas do Trivium, Quadrivium e o cuidador traidor, 616

Capítulo 24 – A Torre do Relógio e o Quinto Poder, 633

Capítulo 25 – O confronto na Torre do Relógio, 653

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Page 10: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

Prólogo

EM 2 DE ABRIL DE 1762, em Paris, um jovem tipógrafo

chamado Rey atravessa os portões de ferro de um antigo orfanato

e dirige-se apressadamente às portas de entrada. Antes de tocá-las,

certifica-se em meio à escuridão se alguém o segue. Trêmulo,

assusta-se quando uma religiosa visitandina o acolhe.

– Não há ninguém aí. Tenha calma, sr. Rey!

– Desculpe, irmã. Receio que alguém tenha me seguido...

Você tem certeza que encontrou o primogênito dos irmãos?

– Sim, o sinal indicado pela mãe corresponde ao que eu

encontrei na mão direita da criança. E os quatro irmãos? Nada

devem saber?

– Não! Esse menino é apenas o portador da chave. Temos

que assegurar que ele e seus descendentes sejam preparados para

proteger a chave até a sua sétima geração, quando, então, o

guardião nascerá. Nós enviaremos ajuda para ele e os irmãos;

porém, esta é a última vez que a procuro.

– E os livros?

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Page 11: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

– Estão seguros. Nos próximos dias, dois novos livros serão

lançados. Com eles, inevitavelmente, a vontade de todos será

movida para o desejo de liberdade e de busca da sabedoria.

Finalmente, irmã, os sistemas de controle social vigentes entrarão

em colapso e virá uma nova ordem, um novo tempo, uma

sociedade do conhecimento; assim a chamam na Acrópole.

– E as cidades-escolas? Já sabem?

– Sim. Todas estão em festa... O primeiro livro já me foi

confiado. O segundo será publicado daqui a algumas semanas.

Eles nos permitirão propagar novas teorias sobre educação,

política e filosofia ainda não conhecidas que suscitarão grandes

homens e mulheres. Teremos uma mudança que surgirá no bojo da

revolução das máquinas criada pelos sophistas que estão na

Inglaterra.

– Pena que o pai das crianças não compreenda o que está

acontecendo...

– Nem mencione isso! Ele é incapaz de criá-los e não virá

buscá-los. Não espere! Os cinco irmãos serão adotados em breve.

Já providenciamos. Além disso, após a publicação dos dois livros,

a vida do pai deles correrá muitos riscos. Provavelmente, ele se

refugiará em Londres.

– Por Deus, o que pode justificar o abandono de cinco

filhos?

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Page 12: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

– Talvez o fato de ter perdido a mãe ao nascer e o exílio do

pai da tão amada Genebra quando criança o tenham marcado com

tanta intensidade que sua alma jamais encontrará repouso neste

mundo... É o que sei.

– Mesmo assim, não entendo.

– A mente humana, irmã, é cheia de labirintos e ainda não

há livros na Acrópole que expliquem seu funcionamento. O fato é

que não podemos julgá-lo... A história o julgará. Apenas faça o

que tem que ser feito, irmã.

– Não se preocupe, sr. Rey. Será feito. No momento certo

entregarei a chave à criança. Mas como ela saberá a localização do

terceiro livro?

– Não saberá até a sétima geração. O livro libertará o

Quinto Poder. O pai dele acha que o terceiro livro foi queimado.

Mas não foi. Eu o entreguei ao filósofo-rei da Acrópole que o

escondeu. A tradição oral que acompanhará a chave do livro será

uma profecia, assim como sempre foram as grandes verdades.

– Quem a conhece?

– Poucos em nosso mundo. Alguns Mestres das Ordens da

Cidade-Escola de Luminous foram escolhidos para propagá-la nos

anos vindouros.

– O senhor a leu?

– Sim. E é vontade do filósofo-rei que você a conheça. O

oráculo diz: “O terceiro livro está no meio do mundo, escondido

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

onde o tempo é contado, lá onde se viu o grande rompimento entre

o Homem e a Natureza. Na descendência do pai dos povos antigos

está o nome e a missão dos teus antepassados. Aquele que guarda

a chave abrirá o livro e o quinto poder será libertado para unir

mais uma vez corpo, alma e espírito a fim de que o mundo seja

salvo”. Isso está escrito em grego antigo neste pergaminho que lhe

confio junto com a chave do terceiro livro.

Despediram-se. A visitandina, antes de fechar a porta,

lançou o último olhar sobre Rey caminhando em direção ao portão

sob a fina camada de névoa em que desapareceu. Sentiu que o véu

do tempo cairia sobre suas vidas silenciando os acontecimentos de

então até o dia em que alguém receberia a chave para abrir as

páginas de um livro que mudaria os rumos da humanidade.

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Page 14: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

Capítulo 1O encontro no Liceu

NUMA TARDE DE INVERNO do mês de maio, no ano de

2012, Brasil, na Cidade Luz, Terra do Sol, um homem vestido à

francesa com elegante terno bege, um chapéu panamá, uma maleta

de couro ecológico e um guarda-chuva atravessa a rua em direção

ao Liceu, uma velha escola pública fundada, sob o domínio da

coroa portuguesa, em 1844 (a terceira daquele país). Ao subir as

escadarias, parou admirando com um discreto sorriso o lema da

escola escrito em latim: LUMEN AD VIAM.

Como se fosse esperado por todos, cumprimentou aqueles

que encontrou pelo caminho inclinando levemente a cabeça e

tocando sutilmente o chapéu. Sem demora, percorreu o corredor

direito e com precisão de tempo, ao toque do início da aula,

adentrou a sala 13 e foi direto à mesa do mestre, deitando sobre

ela seu guarda-chuva e sua maleta.

Os alunos entreolharam-se com risos e cochichos em razão

do traje incomum que usava. Não se intimidou; não disse uma só

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Page 15: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

palavra. Logo tirou o paletó, olhou-o à distância do braço, e

mergulhando na curiosidade dos estudantes, ensaiou um sorriso,

arremessando o casaco ao porta-chapéus no canto direito.

Ninguém se lembrava da existência daquele objeto antes de tê-lo

visto entrar.

O lançamento certeiro atraiu a atenção de todos. Lá atrás,

houve até quem comentasse: “Duvido que ele faça isso de novo!”.

Como se tivesse ouvido a provocação, tirou o chapéu, fez pontaria

e lançou-o com perfeição, arrancando aplausos e causando

verdadeira euforia. Parecia um bom truque de mágica. De braços

abertos, inclinou-se para a turma de adolescentes – agora uma

plateia sorridente – pronunciando em tom mediano: “Obrigado!

Obrigado! Obrigado!”. Em seguida, ele os saudou:

– Boa tarde, meninos e meninas! O amor e a sabedoria

estejam com vocês!

Eles acharam aquela saudação esquisita. Ninguém a

respondeu. Alguns riram baixinho perguntando se não estariam na

sala errada ou o que significaria o uso de palavras tão inabituais

para uma turma de adolescentes.

Ele, porém, abriu os braços, olhou para a calça e os sapatos

respingados de chuva e continuou:

– Que bela chuva para recepcionar o novo professor de

filosofia, hein?

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Page 16: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

Antes que pudesse continuar, alguém bateu à porta. Era o

diretor do Liceu, Hugo Casto. Homem bem-humorado, tranquilo,

senil, mas robusto, encorpado, vestia-se à moda antiga e era

sempre cheio de histórias para contar. Entrou com seu sorriso

costumeiro saudando os alunos e conferindo as horas num antigo

relógio de bolso.

– Boa tarde, permita-me entrar, professor. O senhor é

realmente muito pontual. Perdoe-me por não tê-lo precedido em

sala. A propósito... – ressaltou inspecionando o traje do novo

professor – belo terno! Há anos não vejo nenhum professor vir

trabalhar de forma tão elegante.

Ele agradeceu inclinando a cabeça.

Voltando-se à turma, disse o diretor:

– Olá, meus caros alunos! Quero que conheçam o professor

Louis Wallace. Ele irá substituir temporariamente nosso

convalescente professor Baltasar. Recebi inúmeras recomendações

de sua pessoa e de seu trabalho. Não sei de onde vieram tantas

cartas. Até mesmo o Procurador Geral do Estado o recomenda.

Aliás, além de professor de filosofia, ele é excelente poliglota.

Inclusive, sabe grego e latim, e já viajou mais pelo mundo do que

vocês todos juntos possam viajar a vida inteira.

– Fala sério! – exclamou um aluno com um ar de deboche.

– Bem, está no currículo dele! Ah, isso me faz lembrar que

meu bisavô também estudou nesta escola e...

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Page 17: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

– Senta que lá vem história! – gritou um engraçadinho no

fundo da sala, antes que o diretor terminasse sua fala.

– Foi professor de latim, uma língua morta – concluiu.

– Uma língua viva de onde venho! – comentou o novo

professor.

– Sério? – admirou-se o diretor, torcendo o pescoço para

trás, disfarçando sua descrença.

– Hum... sim. Mas temos tradução simultânea. Facilita a

assimilação – explicou constrangido passando a mão no cabelo.

O diretor não se convenceu. Os alunos também não.

– Ah... saibam, crianças, que essa língua é porta para

aprender rapidamente outros idiomas como esses que vocês

estudam hoje: português, francês, italiano, espanhol... Por isso,

aproveitem a estada do nosso professor substituto e o

acompanhem na busca pela sabedoria. É só isso e... boa aula a

todos!

– Agradeço por vir me receber, senhor diretor. Sei que é um

homem muito ocupado.

– É uma honra, professor – respondeu ele com as mãos

postas nas abas do velho paletó.

Antes de se retirar, ele deu um passo para trás, arregalou os

olhos e cochichou no ouvido do novo professor:

– Não se impressione com eles. Esta turma é... especial!

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Page 18: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

– Especial? Refere-se aos alunos do programa de

intercâmbio? – estranhou Wallace.

– Não exatamente. Eles são um tanto inquietos, se é que me

entende... – disse levantando as sobrancelhas com um ar descrente

e com o ombro encostado em Wallace.

– Ah, sim! Agora entendi! Agradeço o conselho.

O diretor encaminhou-se para a porta. Virou-se uma última

vez e perguntou:

– Desde quando aquele porta-chapéus está ali?

Os alunos abafaram o riso.

Após a saída do diretor, os estudantes começaram a fazer

barulho: abriam as mochilas, falavam alto, jogavam papel,

mexiam as carteiras e comentavam sobre o novo professor.

Irritado com a algazarra, ele franziu a testa e bradou

fortemente imobilizando a turma num invólucro de silêncio.

– Ei! Tenham calma! Vocês parecem soldados enfileirados

no momento em que o capitão autoriza “descansar” e, quando se

retira, tudo vira bagunça! – desabafou simulando gestos de um

soldadinho fazendo continência. – Parem! Agora, olhem comigo

para... – foi até a janela com o dedo elevado para o céu – o

Universo!

– É mais um maluco! – comentou ao acaso um aluno na

primeira fila.

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

– Sim, olhem para o Universo! – repetiu entusiasmado

enquanto a turma esticava o pescoço na esperança de se deparar

com alguma coisa extraordinária no janelão. – Olhem para o nosso

sistema solar, para a Lua, para as estações do ano... Percebam

como os antigos gregos, os primeiros filósofos, que há uma ordem

no mundo. Sim, eu repito: há uma ordem no mundo! E tudo ao

redor de vocês está em movimento e de forma cíclica, circular...

Entendem? Cíclica e circular...

O clima ficou esquisito. Ninguém se mexia. Ele continuou:

– Quero que imitem esse movimento do Universo. Mexam

as cadeiras! Façam um círculo! Vamos, façam! – repetiu com

autoridade, erguendo as mãos como um maestro diante da

orquestra.

Rapidamente, como por brincadeira, pareciam quebrar um

protocolo indesejado e formaram um círculo. Então, disse:

– Vocês não são mais um exército sob as ordens de um

general. Não. Esqueçam isso! Agora, vocês estão sentados e

organizados numa disposição celestial. Assumiram o mesmo

arranjo do Cosmos. Por isso, considerem-se cidadãos do Universo

dotados da capacidade de sentir, de pensar, de agir! Estão em

sintonia com tudo e todos. Compreendem isso?

– Sim! – gritaram unânimes.

Estavam encantados. Nunca imaginaram que um círculo

escolar tivesse tanto significado. Todavia, foi a segurança de suas

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Jackson Braga

palavras e a firmeza de seus gestos que os fizeram permanecer

calados.

Ele aproveitou a oportunidade e prosseguiu:

– Em minhas aulas, de hoje em diante, devem ficar

organizados assim! Deixem que a mesma força que perpassa todas

as coisas agora perpasse também a mente e o coração de vocês. E,

por favor, falem um de cada vez! Sintam e só depois falem!

– Professor, meu nome é Lavínia Gomez – disse,

levantando a mão, uma menina com deficiência visual na primeira

fila. – Sinto que o senhor é muito especial. O senhor vai nos falar

de Deus?

– É um prazer conhecê-la também, senhorita Lavínia

(sorriu). Você identificou a força que falei há pouco com a ideia

ou a pessoa de Deus – respondeu o professor com suavidade,

elevando o braço e cerrando o punho em direção a todos. –

Podemos, em minhas aulas, falar não de Deus propriamente, mas

da ideia que temos dele.

– Como assim?

– Os judeus, os mulçumanos, os cristãos e alguns filósofos

têm muito a nos dizer. Porém, noutro momento.

– Entendi, professor – respondeu Lavínia.

– Agora, peço a você e aos demais que sintam a afirmação

que vou escrever nessa ferramenta medieval que os professores

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

adoram – disse apontando para o quadro-negro. – Sintam esta

frase: “Conhece-te a ti mesmo!”.

Os alunos, com exceção de Lavínia que a repetia baixinho,

fitaram os olhos no quadro-negro como se olhassem para o

espelho do próprio universo interior.

– Não quero que apenas leiam ou raciocinem sobre essa

frase de mais de 2.500 anos. Conhece-te a ti mesmo! – afirmou

com intensidade. – Quero que a sintam! Conhece-te a ti mesmo! –

repetiu, mas desta vez com brandura. – Deixem-na pulsar dentro

de vocês! Conhece-te a ti mesmo! – frisou novamente em tom

baixo. – Façam exatamente o que fez Sócrates, o grande filósofo

da Grécia Antiga, ao lê-la no portal do Templo de Delfos.

Houve um silêncio...

– Saibam, meus queridos iniciantes, que vocês não são

“alunos” – escreveu no quadro. – Do latim alumnus ou “criança de

peito, lactente, discípulo”. Não! Bobagem! – riscou o quadro. –

Como filósofo, afirmo que não os vejo assim tão indefesos para

serem nutridos intelectualmente por seus professores. É um nome

inadequado à grandeza, ao brilho interior de vocês!

– É verdade, professor! – interrompeu Lavínia levantando a

mão. – A maioria não acredita que tenhamos algo a oferecer,

prefere encher nossa cabeça com fórmulas...

– Posso assegurar que Sócrates nunca usou um machado

para abrir a cabeça de ninguém! Numa situação como essa, ele

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Page 22: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

diria que o conhecimento já está dentro de vocês. Por isso,

comparou a missão do filósofo ou do professor à de uma parteira...

Como a parteira ajuda a mulher a dar à luz uma criança, assim,

compete ao professor ajudá-los a dar à luz o conhecimento, e não

enfiá-lo goela abaixo!

– Isso! – gritou uma garota próxima à porta de entrada.

– Fica quieta, Bianca! – exigiu sua amiga, batendo

levemente a mão na cadeira.

– Gosto de pensar que vocês são... – continuou o professor

– pontinhos de luz no mundo. Têm brilho próprio.

Eles sorriram.

– De onde venho, vocês são chamados de lumens, pois

iluminam o mundo. Posso dizer que minha missão aqui não é

transmitir verdades. Quero apenas que cada um conheça a si

próprio, conheça o mundo natural que existe antes de nós, o

cultural criado por nós e decida que tipo de sociedade quer

construir. Entendem?

Eles nem responderam.

– Dependendo da decisão que tomem... – insistiu – estarão

criando novas forças e mobilizando as que já existem! Elas se

unirão a vocês ou os combaterão, de forma que não há como

ninguém ficar indiferente nessa construção monumental que

levará toda a nossa vida, toda a nossa história e envolverá tudo e

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

todos, desde nossos pensamentos e sentimentos até nossas ações.

Mudar o mundo! Ouviram bem?

– Sim! – gritaram alguns admirados.

– Falando assim, professor, até parece que a filosofia é a

coisa mais importante da nossa vida – interferiu um aluno do

fundo da sala.

– Na verdade, não! Você, seja lá quem for, tem razão. Peço

apenas que considerem a filosofia como mais uma escada para

lhes ajudar a enxergar melhor e mais longe. Como diria Bernardo,

mestre inesquecível da famosa escola de Chartres da minha amada

França, no século XII: “Somos anões que subiram nos ombros de

gigantes. Desse modo, vemos mais e mais longe do que eles, não

porque a nossa vista seja mais aguçada ou a nossa estatura maior,

mas porque eles nos erguem no ar e nos elevam com toda a sua

altura gigantesca” – escreveu no quadro tão rapidamente que o giz

parecia estar se movendo sozinho. – As ideias desses gigantes, os

filósofos, estão vivas e iluminam nossa visão ainda hoje.

Acreditem! A verdade é que somos privilegiados, meus caros

pensadores do novo milênio. Somos privilegiados! Por fim,

saibam que a experiência em busca da sabedoria nos conduzirá,

em primeiro lugar, a perguntas como: “Quem somos? De onde

viemos? Para onde vamos?”. E cada um levará para casa a tarefa

de respondê-las... – encerrou seu discurso elevando os braços

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Page 24: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

acompanhados pelos olhos arregalados dos seus novos

admiradores.

Nesse momento, muitos abriram a boca num ar de

descontentamento, como se aquela tarefa fosse realmente para ser

respondida em casa. Ele então corrigiu:

– Claro que me refiro à tarefa de respondê-las durante a

vida! E quando encontrarem alguma resposta, não se esqueçam de

me enviarem. Eu também ainda estou à procura.

Mais uma vez, uma atmosfera de silêncio tomou conta da

sala. Dentro de cada um deles, no entanto, reinava o caos; um

turbilhão de ideias, de insegurança, de medo, de sonhos... muitas

perguntas fervilhando ininterruptamente, pois nunca suas mentes

tinham sido encurraladas no quarto escuro da busca pela sabedoria

e do conhecimento de si. Nunca alguém tinha mostrado o valor de

suas vidas de forma tão simples e em poucas palavras. Nunca

tinham percebido com tanta clareza que suas escolhas e ações de

hoje teriam tanta repercussão no amanhã, não somente de suas

vidas, mas na de outras pessoas e do próprio mundo que os

cercava...

Se a maioria, ensimesmada, contemplava no velho quadro-

negro aquela frase perturbadora, um aluno, atônito, com as mãos

geladas e com o coração trepidando, tocava repetidas vezes, com a

lapiseira, a perna do vizinho... Sinalizava que aquela era

justamente a frase que ele lera alguns dias atrás na biblioteca e que

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Page 25: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

não lhe saía da cabeça, embora tentasse esquecê-la. E o mais

incrível: ele havia acabado de escrevê-la aleatoriamente no

caderno, antes do professor Louis Wallace mencioná-la. Algo

estava errado. Mas seu amigo não conseguia compreender as caras

e bocas que fazia. Maior foi seu assombro, quando o professor

recomendou para casa a leitura do Mito da Caverna, no Livro VII

da “República”, de Platão, ressaltando que talvez fosse uma das

mais poderosas metáforas imaginadas pela filosofia. Tal livro

encontrava-se em suas mãos. Tamanho foi o susto que o deixou

cair. Trêmulo, esforçou-se para apanhá-lo, derrubando as coisas de

sua carteira, distraindo a todos.

O professor aproximou-se e perguntou-lhe:

– Qual o seu nome, rapaz? – indagou ao agachar-se para

apanhar o livro.

– Emílio, senhor. Emílio D’Ara.

– Vejo que alguém aqui está bem adiantado no 8º Nível,

digo, 8ª ano – sinalizou à turma com o livro à mão. – É, meu caro,

muitas vezes parece que não escolhemos o livro, é o livro que nos

escolhe! Porém, o mais importante é que saiba que para ser feliz é

preciso resistir bravamente ao que querem fazer de você. Porque

você, e somente você pode empunhar a pena que vai escrever o

livro de sua vida, do mesmo modo que Platão escreveu o dele.

Compreende isso?

– Pena, professor? – perguntou um aluno confuso.

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Page 26: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

– Pena, caneta... dá no mesmo! – disse alguém.

– Voltando à pergunta: compreendeu o que eu disse, garoto?

– A-acho que sim, senhor! – balbuciou apreensivo.

– Muito bem, Emílio. E isso vale para vocês também!

O professor Wallace deu seguimento a sua aula, mas aquela

frase marcara profundamente a alma de Emílio, um adolescente

que estava despertando para a filosofia. O fato de vê-la escrita no

quadro não podia ser obra do acaso, pois há uma semana aquela

ordem que Sócrates tomou para si como missão de vida não lhe

saía da cabeça; intrigara-o verdadeiramente. E o que pensar do

livro de Platão em suas mãos? Coincidência? Algo realmente

inusitado estava acontecendo...

Ao término da aula, antes que Emílio pudesse aproximar-se

do intrépido professor, ele lhe escapou sumindo rapidamente entre

os alunos.

– Irado! Esse professor vai fazer história no Liceu! –

exclamou William Thompson, amigo inseparável de Emílio. –

Você viu o que ele fez com o chapéu?

– Vi o que ele fez com a minha cabeça! – murmurou para si

mesmo enquanto guardava apressadamente seu material escolar. –

A gente se fala mais tarde, Will! Preciso esclarecer umas coisas

com o sr. Wallace.

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Page 27: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

Somente no corredor conseguiu alcançar o professor que

caminhava a passos largos.

– Professor! Professor! – gritou entre a multidão de alunos.

– Preciso lhe fazer umas perguntas!

– Oh, muito bem, meu caro! O verdadeiro filósofo sempre

traz consigo boas perguntas e muitos “porquês”. Creio que sua

capacidade de espantar-se com o mundo não esteja adormecida

como a da maioria. Mas o que deseja?

– Enquanto falava, o senhor disse exatamente uma frase que

eu estava pensando, ou melhor, que eu havia acabado de escrever.

– Refere-se àquela frase escrita lá na entrada da biblioteca,

o lema socrático?

– Sim, senhor!

– Só coincidência, não?

– Mas e o livro do tal Mito da Caverna? Eu estava com ele

debaixo do caderno. Como o senhor sabia? Foi direto à minha

carteira.

– Talvez apenas tenha sido guiado pelo Bem, Emílio. Por

um Bem Maior que talvez desconheça.

– Como assim, o Bem? Existe um Bem Maior?

– Trata-se da força de que lhe falei em sala – disse

colocando a mão no ombro de Emílio. – Ela está presente em

todas as coisas. Pessoalmente, eu a chamo de Lógos. E garanto

que ela orientará você. É para isso que estou aqui.

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Page 28: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

– Mas como o Bem ou essa força, Lógos, pode orientar uma

pessoa, professor?

– Nós seremos interrompidos agora, Emílio. É necessário.

Mas não se preocupe. Voltaremos a conversar no momento

oportuno.

Mal fechara a boca, o diretor apareceu de súbito e tocou as

costas de Wallace. Emílio ficou espantado, deu um passo para trás

sem saber o que pensar. Novamente, fora surpreendido por algo

aparentemente sem explicação. O professor de filosofia sabia

exatamente o que iria acontecer.

– Prof. Louis Wallace! Queria mesmo falar com o senhor!

– Diretor Hugo Casto! – exclamou virando-se calmamente,

alargando seu sorriso acolhedor.

– Oh, vejo que conheceu Emílio! É um aluno brilhante. Ele

gosta muito de filosofia, esportes, adora livros, sonha em conhecer

o mundo e aprender outros idiomas. Na verdade... é igualzinho ao

que está escrito em seu currículo, professor! E vive reivindicando

novos livros para a biblioteca, o que já estamos providenciando –

comentou o diretor olhando para Emílio. – Mas está no intervalo.

Permita que o professor descanse um pouco, Emílio. Vamos à

minha sala, professor. Temos que acertar os detalhes de sua

permanência aqui.

– Permanência? – indagou.

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Page 29: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

– Quero tê-lo aqui por muito tempo... Que o professor

Baltasar não me escute!

Wallace sinalizou com as sobrancelhas, fazendo uma

expressão de quem é obrigado a retirar-se, e seguiu o comando da

mão do diretor que estava em seu ombro. Teve apenas tempo de

virar-se mais adiante e gritar:

– Vá à biblioteca ao final da aula! Lá você encontrará

respostas!

Emílio ficou inerte e engasgado com tanta coisa que tinha

para perguntar, contemplando passivamente sua única fonte de

esclarecimento desaparecer no meio do alunato.

Ficou intrigado mais ainda com as palavras do diretor ao

perceber sua semelhança com o professor: gostar de filosofia,

amar os livros, falar outros idiomas, conhecer o mundo... A

observação do diretor só aumentou sua confusão.

Enquanto pensava, Will lhe tocou as costas, assustando-o.

– E aí? Conseguiu falar com o professor Wallace?

– Consegui, sim. Mas não adiantou de nada.

– Por quê?

– O senhor Hugo apareceu e não tivemos tempo para

conversar.

– Que pena...

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Page 30: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

– Will, já teve a sensação de que o seu mundo não é apenas

o que você vê? Que há algo mais e que os limites podem ser

quebrados?

– Nossa! Que definição estranha! Uma aula de filosofia e

você já surtou! Mas a resposta sincera é sim. Algumas vezes. Por

acaso, isso vem acompanhado de uma sensação de que seu mundo

está para mudar radicalmente? – interpelou Will.

– É exatamente isso!

– Então... espere, cara! Deixe que as coisas aconteçam.

Sabe, assim, naturalmente.

– Naturalmente?

– É. Eu ainda estou aprendendo a dar conselhos como a

minha mãe. Ela foi uma boa guia de alunos... Algo que não sei

ainda. Mas acho que é só ter paciência. Esperar!

– Will, você fala como se já tivesse passado por essa

situação!

– Digamos... talvez. Mas não com a mesma intensidade.

Tudo o que achava estranho aprendi com meus pais. Eles sim, são

estranhos! Não pelo fato do meu pai ser africano, ou da minha

mãe ser neozelandesa, ou porque eu nasci no Brasil. Se você

pudesse entender...

– Estranhos? Como assim? Entender o quê?

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Page 31: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

Antes que Will pudesse contar, soou a sirene. Ambos

seguiram sem dizer nada pelo longo corredor que dava acesso às

salas de aula.

Emílio gostava de se definir como um adolescente comum.

Mas não era. Tinha 13 anos, acabara de largar a infância sofrida,

marcada pela pobreza e por trabalhos que às vezes ocupavam o

tempo da escola e do lazer e, mais ainda, pela ausência de uma

família. Diferente de todo garoto, esperava um dia apaixonar-se e

queria mudar o mundo. Dizia que a biblioteca era sua segunda

casa e a escola, a alegria de sua vida. Amava-a não pela “tortura”

diária do amontoado de conteúdos transmitidos nas aulas que era

obrigado a assistir sentado, inerte e passivamente. Mas sim pelas

amizades construídas nos curtos intervalos de cada dia, fosse

durante os desafios de atividades escolares realizadas em grupo ou

nos encontros na casa dos amigos. Amava-a, também, pela história

de vida e exemplo de alguns mestres que tanto admirava. Viver e

aprender com os outros eram os verbos mais conjugados por

Emílio. Morou em diversos lugares. Dizia-se cidadão do mundo

desde os 10 anos de idade, quando aprendeu o significado da

palavra cosmopolita numa aula de geografia.

Quanto à sua fisionomia, brincavam seus amigos: “Você é

filho do Velho Mundo ou do Novo Mundo?”. Ou então: “Tenho

certeza que seu pai ou sua mãe vieram de fora e você foi

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Page 32: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

despejado aqui para morar com os índios”. Isso porque a mãe

adotiva de Emílio era uma índia de idade avançada e ele tinha pele

branca, cabelos negros e lisos, nariz fino... Incomum nas cidades

quentes da região onde morava. Will costumava dizer: “Pelo

menos, amigão, seus olhos e seus cabelos combinam com a nossa

pele pintada pelo Sol”. Os olhos negros de Emílio eram espelhos

que irradiavam alegria e sinceridade, expressão viva da sua busca

pela verdade. Os amigos costumavam comentar que ele sabia

quando as pessoas estavam mentindo; logo fechava seu sorriso. O

segredo de sua estatura e corpo bem definidos devia-se aos

primeiros anos de vida nas florestas longe das cidades, à

alimentação indígena e, lamentavelmente, aos trabalhos duros que

se submetia às escondidas de sua mãe adotiva para ganhar algum

dinheiro, como o de entregador de jornais. Entretanto, o que

gostava mesmo era de testar sua força e suas habilidades

praticando todo tipo de esporte que tinha na escola. Não sabia

explicar, mas se sobressaia em todos eles; contudo, foi o futebol

da rua, a “pelada”, que o tornou ágil e conhecido pela destreza de

seus dribles e saltos.

Adorava usar roupas que não o colocassem em evidência,

sobretudo jeans preto. Sempre andava com uma mochila.

Costumava dizer que nela continha tudo o que precisava para dar a

volta ao mundo. Nunca lhe faltavam livros; defendia-se do mundo

cercando-se deles. Acreditava que, ao recorrer aos livros, poderia

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Page 33: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

compensar, pela leitura, a experiência que não tinha. E, se algo o

inquietava, mesmo que não os procurasse, de alguma forma, os

livros vinham a ele. Emílio achava-se muito independente, porque

Ara, sua mãe adotiva, preparara-o desde cedo para cuidar de si

mesmo caso ela lhe viesse a faltar. Ela o criou, parte da infância,

como um “menino da natureza” e lhe ensinou os segredos das

águas, das plantas, dos animais e de sua rica culinária milenar. Na

cidade, morava num casebre de alguns metros quadrados e

aprendeu a valorizar o pouco que tinha: a escola, algumas roupas,

brinquedos de madeira e cipó feitos por Ara, além de pouca

comida e muitos livros. Muitos livros velhos que eram doados aos

alunos de escolas públicas durante as feiras de literatura e

ciências. Sua dor maior, porém, era a família que não conheceu...

Will, o “irmão torto” de Emílio, dizia que ele era um

adolescente não tão estudioso quanto curioso e entusiasmado no

que se propunha a fazer. Tinha uma facilidade incrível de

relacionar-se com as pessoas e com os livros. Mas nem por isso se

mostrava falante ou sabichão. Não era daqueles que procuravam

estar em evidência, mas quando insistiam que respondesse algo,

arrastava olhares mesmo dos mais incrédulos. Contudo, sua

humildade impedia-o de envaidecer-se.

Na escola, alunos de grupos rivais caçoavam dele afirmando

que não foram poucas as vezes que o viram beijar livros ou

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Page 34: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

choramingar pelos cantos. Até armaram algumas ciladas na saída

da escola.

Os mais próximos diziam que seus olhos negros

comunicavam sinceridade e otimismo; bastava abraçar uma causa.

Às vezes, no entanto, era comum encontrá-los perdidos no

horizonte dos desejos, ou por sua capacidade de “espantar-se” com

as coisas mais simples, como afirmara Louis Wallace, ou porque

mergulhava sem medo em seus sonhos mais profundos: mudar o

mundo, alterar o curso da história, quebrar barreiras, lutar pela

justiça, promover o bem comum, encontrar um amor eterno...

Essas pérolas da alma eram verdadeiros tesouros herdados de

admiráveis mestres de sua escola, dos muitos livros de aventura

que leu e dos mitos e lendas indígenas que sua mãe adotiva

contava sobre os valentes guerreiros de sua tribo. Não é à toa que

muitos colegas da turma o apelidaram de “Dom Quixote”. Emílio

fazia pouco caso. No fundo, tinha certeza que eram mesmo esses

sonhos do início da adolescência a fonte de inspiração e superação

que lhe servia de energia, corria fluentemente em suas veias,

desintoxicando-o da rotina.

No silêncio, a natureza, a sabedoria de sua mãe adotiva, os

livros e os professores forjavam na alma do menino um homem de

valores, como se, por providência, uma força estranha o guiasse. E

apenas os mais próximos – como William Thompson e sua mãe

Ara – sabiam que esses sonhos vinham principalmente dos livros,

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Page 35: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

porque eles sempre o cercavam. Só as lembranças do passado

causavam-lhe palidez no olhar e o mergulhavam na escuridão...

Quando entrou em sala, Emílio sentou-se desligado das

coisas ao redor e não conseguiu acalmar a mente, só pensava em ir

à biblioteca, em acelerar o tempo. O que o aguardaria? Porventura,

o Prof. Wallace estaria lá? Finalmente, poderia esclarecer as

peripécias em que sua alma estava imersa?

Enquanto seus pensamentos vagavam impulsionados por

sua ansiedade à procura de respostas, assustou-se com o forte

barulho da mão do professor de física no birô da sala de aula

exigindo atenção. A batida ensurdecedora estilhaçou sua cortina

de isolamento e o arrastou para a dura realidade da sala de aula.

Ao observar as conversas paralelas, deu-se conta de que a

turma estava muito insatisfeita. Havia certa animosidade que

impedia a esmagadora rotina copia-escuta-escreve-aprende de

continuar.

Surpreendentemente, todos os alunos queixavam-se do

formato mecânico das aulas. Daqueles do programa de

intercâmbio, duas garotas à sua frente, a italiana de belos cabelos

pretos, Bianca Bravo – conhecida por ser impulsiva e arrogante –

e sua melhor amiga, a britânica de cabelos e olhos castanhos

claros, Margareth Green – delicada e inteligente –, perguntavam-

se por que deveriam ficar sempre em filas, pois mal podiam ver os

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Page 36: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

próprios pés. À sua direita, três garotos, o português Pedro

Coimbra, o espanhol Juan González e o norte-americano Martin

Mills, amigos da equipe de futebol da escola, reclamavam do

excesso de conteúdos e de sua falta de utilidade no cotidiano.

Outros, ainda, questionavam a passividade de alunos e pais, e sua

ausência nos momentos de planejar e decidir os rumos da escola.

Falavam com liberdade e consciência como se fosse hábito tratar

desses assuntos no velho Liceu; como se tivessem maturidade;

como se liberdade de expressão e diálogo fossem sementes

cultivadas naquele manicômio escolar. Até no fundo da sala,

mesmo os alunos conhecidos como baderneiros, discutiam o modo

como os professores ensinavam e propunham mudanças.

O professor de ciências não sabia explicar como se

desencadearam aquelas discussões. Sentado, de pernas cruzadas e

com a mão no queixo, questionava-se que verbo saíra de sua boca,

qual palavra escrevera no quadro-negro ou que ato de loucura

praticara em sala que se tornara o estopim daquele devaneio

juvenil. Estava assustado com o poder das ideias que

compartilhavam e, principalmente, com a harmonia com que

conduziam suas reivindicações. Percebendo que perdera o controle

e as queixas se multiplicavam para outras disciplinas, ele se

levantou, ergueu a mão e evocou sua autoridade magisterial ao

pronunciar, em latim, a célebre frase dos antigos manuais do

Liceu, conhecida por todos os alunos: Ego maxima auctoritate in

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Page 37: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

cathedra. De acordo com a tradição, depois de invocada, nenhum

aluno poderia falar sem permissão do professor, sob a pena de ser

excluído de sala.

Fez-se silêncio.

Ele se sentou lentamente com os olhos fixos na turma,

assombrado pelas exigências que faziam, como se a turma de

especiais não fosse capaz. Nunca os vira assim.

Emílio não achou exagero relacionar aquela manifestação

de descontentamento com a chegada do Prof. Louis Wallace. O

que mais o impressionou, contudo, fora o elevado grau de

consciência crítica que derrubou a muralha do mundinho

individualista da turma, integrando-a num sonho latente e insólito:

mudar a rotina da escola.

Havia nos colegas de classe uma vontade comum guiada

pelo sincero desejo de praticar o bem. Nem por um instante

considerou aquilo natural. Recordou que o Prof. Wallace dissera

que estava ali guiado pelo bem e que a mesma força que o

trouxera à escola também o guiaria. Imaginou que essa força

desconhecida fosse a razão do estranho comportamento. Mesmo

assim, não estava satisfeito. “Tantos questionamentos... Eles

nunca agiram assim”, pensou. Mas como relacionar este novo fato

ao professor de filosofia? Como explicar que eles, os mais

indisciplinados da escola, mostravam-se tão unidos e conscientes?

Emílio começou a acreditar que não podia ser obra do acaso e,

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Page 38: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

num instante, repassou em sua mente as palavras e as ações de

Wallace. Talvez tivesse deixado escapar um importante detalhe ou

esquecido algo que arrancaria o véu do mistério que o cercava.

De repente, deu-se conta de que o porta-chapéus não estava

mais no canto direito. Soltou um leve sorriso.

O professor, atento, percebeu o sorriso de Emílio; tomou o

gesto como uma afronta pessoal e logo estourou:

– Emílio, por que ri? Por acaso, está me desafiando? Saiba

que não é à toa que meu nome é Walter. Sou eu quem está no

comando!

– Não, senhor!

– Como ousa dizer que não sou eu quem está no comando?

– Quero dizer que acredito que o senhor esteja interpretando

mal – justificou.

– Acha que estou maluco? Eu avisei, rapazinho! Vamos!

Levante-se! Excludere! Expulsione! – sentenciou em latim a saída

de Emílio.

– Mas professor... – retrucou boquiaberto.

– Nem mais uma palavra, seu fedelho! Ordenei a sua

exclusão desta classe! Fora da minha sala! Agora!

Transtornado, Emílio pegou sua mochila e saiu sob os

olhares de protesto da turma que não acreditava no que estava

acontecendo. Ele sentiu o medo da autoridade do Prof. Walter

espalhar-se como uma onda invisível e se apoderar da vontade

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Page 39: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

comum que pulsava no coração dos seus amigos, reduzindo-os ao

silêncio e apagando a chama do sincero desejo de mudança das

velhas coisas que eram inculcados de fazer.

No percurso do longo corredor, refletia como o mundo

desabara em sua cabeça numa única tarde. Queria de qualquer

forma compreender a reviravolta que se insurgia em sua vida. Só

tinha uma certeza: os inexplicáveis acontecimentos que

testemunhara estavam impreterivelmente relacionados à chegada

do novo professor. Não havia outra explicação. Entretanto,

perguntava-se por que o mundo conspirava contra ele. E sempre

que procurava respostas era interrompido ou desviado de seu

propósito.

Na sala da direção, foram longas horas de espera,

explicações, broncas e comunicados de advertência para casa. O

próprio diretor precisou ir até a sala para acalmar a turma.

Finalmente, ao toque da sirene, recebeu permissão para sair.

Já era quase noite. Lembrou-se da recomendação de Wallace,

correu no contrafluxo dos alunos, entrou no pavilhão de acesso ao

subsolo e desceu as escadarias até chegar à biblioteca, quase sem

fôlego. Por sorte, ainda encontrou Dora, uma bibliotecária que o

conhecia muito bem e sabia de sua paixão pelos livros. Ela o

iniciara na arte de encontrar bons deles pelos sebos da cidade.

– Nem pense em pegar livros numa hora dessas, Emílio.

Você é o rato de biblioteca mais conhecido desta escola. Já

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Page 40: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

encerramos. Agora, só amanhã! – explicou Dora fechando seu

livro de anotações e abrindo a portinhola do velho balcão.

– Pelo amor de Deus, Dora! Só preciso ver uma coisa! Serei

breve! Eu prometo! – exclamou ofegante.

Dora pensou, moveu a mão ao queixo e fechou um olho,

num gesto de brincadeira, como se não fosse ceder à insistência de

Emílio.

– Tem sorte, rapazinho, que eu esteja de bom humor hoje.

Vou à diretoria e volto logo. Você tem alguns minutos. O sensor

de segurança está ligado. Não passe com livros, não saia sem mim

e não deixe ninguém entrar. Ouviu bem?

– Ouço e obedeço! – respondeu encenando uma postura de

soldadinho sob o indicador de Dora em seu nariz.

Enquanto esperava, colocou-se diante da grande comenda

prateada na ala esquerda próxima ao balcão. Fitou seu olhar no

famoso lema socrático que o atormentara ao longo da semana

mencionada por seu professor de filosofia: “Conhece-te a ti

mesmo”. Sua imagem refletia na comenda. Sentia seu coração

pulsar apreensivo à procura de respostas. Virou-se e contemplou

os livros enfileirados em enormes estantes de madeira

envelhecida. “O que fazer? Aguardar? O que devo procurar? Onde

estão as respostas?”, perguntou a si mesmo.

Deu alguns passos e aproximou-se das prateleiras e mesas

de leitura. Sem que pudesse esperar, sentiu chegar uma ventania

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

que envergou as dobradiças das portas de entrada da biblioteca

abrindo e fechando-as. Emílio, assustado, contemplou aquela força

revestida de vento percorrer os corredores e tomar conta do local.

Por onde passava alguns papéis caíam; estantes inteiras se

mexiam; dezenas de livros se repaginavam sequenciais e repetidas

vezes. Somente Emílio, imóvel, ora abria a boca e arregalava os

olhos admirando aquele espetáculo, ora engolia em seco o próprio

medo extasiado, sem acreditar no que estava acontecendo. A voz

trancafiada na garganta nem ousava emitir som. Não conseguia

pensar em nada de concreto, apenas acompanhava, estupefato,

aquela força fantasmagórica presente na ventania; embora,

inutilmente, sua lógica tentasse acalmá-lo repetindo seguidas

vezes: “É uma alucinação, seu tolo!”.

Com muito esforço, conseguiu dar alguns tímidos passos.

Imediatamente, a força misteriosa o cercou com diversos livros

deslocados das estantes, dos balcões e de algumas mesas.

Percebeu que todos eram livros de antigos filósofos. Eles

revezavam-se à altura de seus olhos, de alto a baixo, trocando de

lugar e revirando as páginas numa harmonia impressionante, até

que um deles destacou-se e caiu a seus pés.

Emílio olhou-o com irresistível desejo de apanhá-lo. A

vontade não era sua. Parecia que algo orientava sua vontade e sua

mente para aquela ação. Lembrou-se das palavras do professor:

“Muitas vezes parece que não escolhemos o livro; é o livro que

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Page 42: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

nos escolhe!”. Era como se o próprio livro o convidasse a tocá-lo.

Intitulava-se “Metafísica”, de Aristóteles. Agachou-se e estendeu

o braço. Um friozinho na barriga impelia-o a desistir; reteve a

mão. No entanto, a curiosidade e seu deslumbramento diante do

mistério transformaram-se em coragem e, por impulso, agarrou-o.

Ao tocar levemente na capa, todos os outros livros que o

circundavam imediatamente caíram no chão, a força cessou e o

silêncio tomou conta do lugar.

Enquanto tentava acalmar-se no meio da bagunça e

encontrar explicações para o ocorrido, seus pensamentos

misturavam-se à alegria do extraordinário e ao sentimento de que

o Prof. Wallace sabia que a força que tanto comentou em sala:

“Movia o Universo; ordenava todas as coisas; manifestava-se de

forma cíclica...” estava ali. Ameaçou sorrir, porém a mais

impertinente das perguntas começou-lhe a martelar o juízo: “Por

que eu?”. Um sentimento de não merecimento invadiu-lhe a alma.

Somente o abandonou quando evocou para si os conselhos do

Prof. Wallace afirmando que ele era, assim como Platão, o único

que tinha nas mãos a pena que escrevia a sua própria história.

“Talvez a resposta esteja neste livro!”, disse em voz alta.

Nem tinha ideia, contudo, do que se tratava. O título já o intrigara:

METAFÍSICA. “Deve ser algo de outro mundo, coisa de religião

ou de física quântica...”, pensou. O desejo de abri-lo era contido

somente pelo receio de que algo fugisse novamente ao controle.

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

Por um momento, achou que Dora, a bibliotecária, ou mesmo

professores, quem sabe até o diretor Hugo fossem as pessoas mais

indicadas para abri-lo e transmitir-lhe o significado das palavras,

pois era só um adolescente inculto... Um garoto no lugar e na hora

errada testemunhando o extraordinário que jamais poderia ser

compreendido por outra pessoa, por mais que explicasse a

experiência ali manifesta.

Num segundo, descartou prontamente a ideia. Certamente,

iria parar em um hospício. Só a hipótese de o terem por louco o

fizera desistir.

Quando achava que as coisas tinham acabado, foi

surpreendido pelo pressentimento de que alguém estava vindo...

Levantou-se, olhou as alas e o corredor de entrada, mas não viu

ninguém.

Na parte superior da centenária biblioteca, ao lado da

escadaria serpentiforme, havia um cômodo onde eram colocados

os livros antigos para restauração. Sobre as guarnições da velha

porta de altura desmedida e de cor escura formou-se, aos poucos,

um feixe de luz. A porta simplesmente se abriu e um personagem

bizarro saiu. Emílio ficou espantado. Era um homem de aspecto

robusto, omoplatas dilatadas, alto, olhos azuis e com uma

cabeleira loira até os ombros. Trajava uma indumentária preta

esquisita: botas de couro, látego, cano longo e bico fino; suas

calças de veludo eram coladas ao corpo; sua camisa de mangas

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Jackson Braga

longas mais parecia uma armadura de couro e confundia-se com a

capa que descia até os pés. Estava de luvas e trazia nas mãos um

cajado de luxo. Na ponta, uma cabeça de lobo com uma pedra de

cristal entre os dentes.

O inesperado visitante olhou com desprezo para Emílio. A

soberba em seus olhos e a imponência dos seus movimentos

revelava que sabia exatamente o que fazia ali.

– Ora, ora, ora. Você deve ser... Emílio. Finalmente, eu o

encontrei! Pensei que fosse mais forte e mais velho e que algo o

diferenciaria dos outros membros de sua família. Mas é só um

garoto de jeans com um livro idiota nas mãos. Sabia que nós o

procuramos há 250 anos?

– Quê?! – espantou-se Emílio.

– Vejo que você não sabe de nada ainda. Isso é desleal. Que

prazer pode existir em derrotar um pirralho que nem sabe por que

vai morrer? Não podia ser mais cômico! No entanto, devo admitir,

eles o esconderam muito bem! Não costumo subestimar meus

inimigos. Afinal, “é nos fracos e ignorantes que se esconde a

verdadeira sabedoria!”. Não é assim que está escrito no livro que

deu origem aos demais?

– Não sei do que está falando, senhor... – respondeu

hesitante.

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

– É um perfeito idiota! Comovente! – aplaudiu

ironicamente com o cajado debaixo do braço. Emílio ficou

espantado quando o cajado diminuiu de tamanho.

– Mas quem... quem é o senhor? Co-como chegou aqui? E

sabe meu nome?

– Como eu disse, você desconhece as razões por que terá de

me enfrentar. Não agora. O fato de estarmos aqui também foi

intencional, não foi? – indagou olhando para Emílio e para os

livros – Porque se bem me lembro das velhas regras da Acrópole,

aqui você está protegido. Não posso atacá-lo, os livros não

deixariam...

Emílio respirou fundo.

– Sou da família dos Wandharens. Meu nome é Wolfgang

Septimus. Guarde este nome, rapaz. Ele o atormentará nas noites

sombrias como um lobo uivando na madrugada.

Emílio olhou para o livro de Aristóteles em sua mão,

apertou-o junto à cintura. Observou tudo ao seu redor e, com

medo, traçou uma rota de fuga... Nunca sua agilidade seria tão útil

como naquele momento.

– Não se preocupe. Este não será seu último dia. Ainda verá

o Sol acropoliano. Não precisa fugir como seus antepassados. Só

vim confirmar uma coisa. Para tanto, permita-me descer... – disse

caminhando lentamente para a escadaria. – Nossa estirpe não

precisa das escadas construídas pelos filhos das nações. Nós

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Page 46: Cap 1 - Livro - Emílio e os Lumens

Jackson Braga

sempre fizemos nosso próprio caminho! Ou você nunca ouviu a

máxima: “Saber é poder”?

O desconhecido apontou seu cajado para uma estante e a

pedra de cristal se transformou numa esfera negra movendo uma

pilha de livros pesados que começaram a levitar, deslocando-se

para a escadaria. Formaram, então, degraus sobrepondo-se aos

velhos batentes de madeira. O estranho visitante colocou seu

cajado debaixo do braço e pôs-se a descer uma escada de livros

que levitavam. Se as coisas pareciam ilusão, agora beiravam o

absurdo.

Emílio sentiu sua vida ameaçada e sob o controle de um

desconhecido. Perguntava-se como poderiam procurá-lo há 250

anos se era apenas um adolescente de 13. Se sabiam seu nome e

conheciam sua escola, deviam também conhecer onde morava, sua

rotina e as pessoas que amava. Podiam machucar Ara, Will ou

Dora. Mil coisas se passaram em sua cabeça: de onde vinha o

poder que testemunhava? Qual a sua origem? E o livro em suas

mãos? Sabedoria? Magia? O poder que se manifestou sob a força

do vento seria o mesmo que fez os livros servirem de escada para

aquele desconhecido descer e atormentá-lo? O bem e o mal teriam

a mesma força?

“Não pode ser a mesma força que há pouco moveu os

livros! Eu não sinto isso!”, concluiu. Uma angústia o afligia

impedindo-o de acreditar na igualdade de poder entre o bem e o

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

mal. Apesar do medo, nunca experimentara com tanta clareza a

distinção da força que promove o bem daquela que pratica o mal.

Não sabia, no entanto, explicar a origem da clareza de sua

consciência. Sentia, apenas, de alguma forma, que estava cercado

pela força do bem, rodeado pelos livros. A certeza provinha de sua

alta sensibilidade em sentir o ambiente; uma habilidade preciosa

que sua mãe ensinara na infância, quando ainda vivia nas florestas.

Subitamente, o medo que lhe invadia a alma convertia-se

em coragem, em vontade de reagir, mas não sabia como. Apenas

gritava dentro de si por socorro e rezava para que Dora chegasse

ali e o salvasse.

– Vejamos se realmente é poderoso como diziam na cidade-

escola. Ouvi tanto falar de sua família e de você que sinto nojo do

seu nome! – exclamou o estranho aproximando-se de Emílio. –

Qual a sua aura de poder, garoto? Vamos! Revele-a!

– Aura? O senhor deve estar enganado, eu nunca comprei

nada isso.

– Inocente patético! – replicou apontando seu cajado para

uma pilha de livros que se lançaram sobre Emílio.

Ele abaixou-se, protegendo a cabeça, agarrado ao livro de

metafísica. Os outros livros pararam no exato momento de atingi-

lo.

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Jackson Braga

No mesmo instante, resplandeceu sobre seu corpo uma

finíssima camada de luz dourada. Os livros, mais uma vez, caíram

no chão.

Ainda agachado, Emílio pôs-se a olhar suas mãos, sua

roupa, seus pés encobertos por aquela luz... Uma alegria jorrava de

seu coração: “Não fui atingido! Mas como? Incrível!”,

comemorou baixinho. Levantou-se enfurecido e encarou

Wolfgang.

– Garoto... você devia me agradecer! Eu lhe ajudei a

descobrir sua aura. Ela é dourada. Raríssima. A última dessas que

se teve notícia foi na Idade Média. Um tal de Pedro Abelardo,

professor de Lógica. Um religioso tolo e romântico. É. E ele foi...

Foi castrado!

– Hã? – assustou-se Emílio com a boca escancarada

perdendo, aos poucos, o brilho dourado de sua aura.

O olhar fulminante de Wolf o consumia e o medo o

aterrorizava.

– Preocupe-se, rapaz! Eu vou fazer pior – afirmou,

rangendo os dentes.

Quando se preparava para levantar seu cajado, a pedra de

cristal enegreceu novamente, mas antes que usasse seu poder, uma

voz forte veio do fundo do corredor e o impediu:

– Ameaçando um adolescente em área proibida? Esqueceu

as regras, Wolf? Você não é bem-vindo a este templo!

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

Emílio reconheceu a voz e, com um sorriso, virou-se

rapidamente, sem conseguir pronunciar uma palavra.

– Louis Wallace! O guerreiro glorioso da Acrópole... –

disse batendo palmas ironicamente. – Não poderiam ter enviado

melhor guardião. Como vão suas aulas de filosofia? Empolgantes?

– perguntou Wolfgang com um ar debochado.

– Melhor a cada dia! Quer saber por que, Wolf? Porque os

professores das Cinco Ordens têm coragem de preparar pessoas

livres, pessoas que pensam, pessoas que amam. E elas não temem

você! Estão prontas para derrotar seus seguidores! – respondeu

aproximando-se de Emílio.

– Essa é uma questão antiga, acropoliano. Não esqueça que

somos em maior número, estamos em toda parte, temos mais

escolas, manipulamos os Três Poderes. Dominamos o Quarto

Poder e controlamos a vontade comum dos filhos das nações. E

quem controla a vontade deles... controla o mundo! E não haverá

um Quinto Poder!

– Por que veio, então, Wolf? Não é só um adolescente? Por

acaso, sente-se ameaçado? – inquiriu Wallace com uma expressão

também irônica.

– Prof. Wallace... – O sorriso sarcástico quase fez Emílio

vomitar. – Meus olhos estão dentro da Acrópole. Ando nos

corredores da cidade-escola noite e dia. Contudo, surpreende-me o

fato de você acreditar que esse menino pode mudar os sistemas de

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Jackson Braga

controle e os poderes estabelecidos ao longo de quase três séculos!

O sistema de Tékhne já colonizou o mundo das nações. Tékhne é a

Força! Tékhne é a Razão, é o Instrumento que controla este

mundo e em breve controlará o seu!

– Não, se depender de mim.

– Não se iluda, Wallace. A força do bem não é uma Razão

Universal. Não há Verdade Absoluta debaixo dos céus! Provamos

que o Lógos é apenas uma força dispersa no Universo!

– Não provou nada, Wolf! Sinto ódio, mas também medo

correndo em suas veias, porque você sabe que a mudança começa

aqui! Ela está bem diante de seus olhos! – disse colocando as

mãos sobre os ombros de Emílio, que levantou a vista temeroso.

Wolf olhou furioso para Emílio.

– Tem sorte de estarmos neste lugar, guardião! Muita sorte

mesmo! Do contrário, eu apagaria sua luz e a desse pirralho! Mas

oportunidade não me faltará. A propósito, dê minhas

recomendações ao diretor Abner Stanislaw. Diga-lhe que acho

pretensão demais a construção de escolas acropolianas aqui. Não

será necessário porque, em breve, estaremos colonizando também

sua cidade-escola – afirmou Wolfgang apontando sua pedra negra

para Emílio.

Wolfgang colocou seu cajado debaixo do braço.

Simultaneamente, os livros se organizaram para lhe servir de

escada até a porta do andar superior que se iluminou e abriu

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

novamente. Antes de entrar, porém, fixou seu olhar em Emílio e

disse:

– Só por curiosidade, Emílio. Nunca sentiu a escuridão

consumir todo o seu passado? Não lhe faltam lembranças?

Após sua entrada, a porta fechou-se sozinha fazendo grande

barulho; os livros, ao mesmo tempo, despencaram no chão.

Emílio mergulhou no silêncio, fitando seus olhos negros em

seu passado obscuro...

A mão amiga do professor forasteiro tocou-lhe o ombro

trazendo-o de volta da escuridão interior.

– O que está acontecendo, sr. Wallace? Coisas estranhas

ocorreram na minha sala de aula hoje. Vi livros voarem. Meu

corpo irradiou uma luz dourada e eu senti como se os livros

quisessem falar comigo.

– Eu sei, Emílio. E não é de hoje que os livros tentam falar

com você. É uma longa história e será uma longa jornada... Há

muito que aprender em pouco tempo!

– Por que só agora? Por que o senhor não me procurou

antes, professor?

– Infelizmente, não foi possível vir ao seu encontro quando

ainda era uma criancinha. Nessa fase, temos mais sucesso na

preparação dos guardiões da Acrópole. Mas quero que saiba que

sua mãe lhe ajudou a desenvolver bem suas duas asas. Elas estão

prontas.

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Jackson Braga

– Minhas asas? Prontas? Como assim?

– A primeira asa de uma criança é a vida na natureza e a

segunda é a sua imaginação. Soube que, graças à sua mãe adotiva,

Ara, seus primeiros anos foram de plena harmonia com a natureza.

Quanto à sua imaginação... Bom, os livros cuidaram de você. Por

isso, se saiu tão bem hoje. Prometo que amanhã vamos conversar

sobre sua preparação...

– Por que não agora?

– A srta. Dora já está a caminho. Ela é uma dádiva, um

presente em sua vida.

– Um presente?

– Não se lembra? Foi ela quem o fez se apaixonar pela

leitura logo que chegou ao Liceu.

– Ah, verdade! Pensando assim, ela é mesmo um presente!

– Os livros a protegem também. Agora, convém arrumar

tudo antes que ela chegue. Se não vai ter muito que explicar.

– Nem me fale!

– Amanhã, algumas coisas serão esclarecidas. Hoje, mais

nada vai lhe acontecer. Fique tranquilo e vá para casa.

– Não sei se vou conseguir dormir... – disse ao acaso, dando

um suspiro de desabafo.

Por impulso, Emílio pôs-se a juntar os livros do chão com

muita pressa. Wallace interrompeu:

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

– Não, Emílio! Não é necessário. Você agora é um dos

nossos. Já deve saber que os livros são nossos melhores amigos.

O professor de filosofia deu alguns passos para trás

ensaiando um sorriso, abriu os braços suavemente, como se fosse

um maestro pronto para iniciar a sinfonia e, para deslumbre de

Emílio, uma aura prateada irradiou de seu corpo. Apontou para os

livros como se pedisse para que retornassem a seus lugares. E foi

o que aconteceu. Exceto com o livro de Metafísica, que continuou

no chão, desde o momento em que Emílio tentou proteger-se.

– Como fez isso? É magia?

– Magia? Não, meu caro aprendiz. Apenas somos um!

– Nós e os livros, professor?

– Nós, os livros e o Universo!

– Ah, entendo! – exclamou Emílio descrente.

– Sei que não entendeu nada. Acho que minha próxima aula

será sobre o holandês Baruch de Spinoza e você compreenderá

como fiz isso.

– Baruch de quê? – franziu a testa. – Outro filósofo,

imagino.

– E um dos bons! Aliás, ele ganhava a vida polindo lentes

para lunetas. É um pouco do nosso trabalho. Queremos que as

pessoas enxerguem melhor o mundo à sua volta. Tenha certeza de

que amanhã você enxergará diferente o mundo! – disse o professor

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Jackson Braga

de filosofia com seu sorriso costumeiro, enquanto subia as

escadarias.

Na entrada da biblioteca, Dora, chateada, empurrou as

portas, gritando aos quatro cantos do mundo: “Que diretor

ignorante! Quem ele pensa que é? Quanto mais eu fujo de

trabalho, mais trabalho eu levo para casa! Ele está pensando o

quê? Que eu sou professora? Deus me livre de um karma como

esse! Eu não levo trabalho para casa!”.

Emílio ficou apreensivo, pois temia que Dora visse a saída

de Wallace. No entanto, quando olhou para trás, viu apenas a porta

da sala do andar superior encostar e apagarem-se os raios de luz

que a circundavam.

– Oh, esqueci! Perdoe-me. Você ainda está aqui –

desculpou-se Dora admirando-se da organização do lugar. – Tem

alguém aí com você?

– Não. Só os livros. – respondeu apanhando o livro de

Aristóteles. – Posso levá-lo?

Ela sorriu sem graça.

– Você já levou um de Platão. Não venha com desculpas,

engraçadinho. Conhece as regras. Não pode acumular livros!

– Sabe o que é, Dora? Uma coisa liga à outra... e Aristóteles

foi alguma coisa de Platão e... – disse balançando os indicadores e

olhando de um lado para o outro.

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Emílio e os Lumens: o Quinto Poder

– Sei! Sei! Tudo bem, sr. Emílio. Tudo bem. Mas só desta

vez! Você já tem mais livros do que pode ler!

– Valeu, Dora! – exclamou – Ah, mais uma coisa. Por

acaso, você tem fácil aqui um tal... Baruch de Espinhosa?

– Emílio! BOA NOITE! – despediu-se Dora acenando com

um sorriso jocoso para obrigar a saída do rapaz mais assíduo da

biblioteca.

Emílio sorriu, apanhou sua mochila e saiu correndo para

buscar sua bicicleta.

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