cante cancioneiro 001 - cp jaimecortesão_1914

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Cante - Cancioneiro Popular de Jaime cortesão, 1914, com 563 cantigas seleccionadas... de 10.000 ou 40.000?

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CANCIONEIRO POPULARJaime Corteso (1884 1960) BIBLIOTECA LUSITANA Edio da RENASCENA POPULAR PORTO (1914)

(1914)

(Uma mostra das CANTIGAS deste CANCIONEIRO POPULAR (s com algumas referncia de origem da recolha) para se poderem comparar com as recolhas de outros autores e podermos ver as que se tornaram aceites por todo o territrio (como as Cantigas da Rua que so de toda a Gente... e as que tm marcas mais regionais e locais. H muitas destas no CANTE?)

(Um tragalho de JRG www.joraga.net em 2012 02

Antologia de 563 cantigas, distribudas por XVIII temas: I A Natureza e a Terra Natal II O Elogio do Trabalho e o Valor Herico III Ameaa e crime de Morte IV Mximas e Pensamentos V Ironias e Gracejos VI Amor filial VII Religiosidade Popular VIII A Criatura Amada IX Confisso d'Amr X Desejo e Posse XI Ironias, Sarcasmos e Pragas de Amor XII Amor XIII Fidelidade e Constncia XIV A Felicidade do Lar e a Ternura Maternal XV Saudade XVI Desgraa de amor XVII Tristeza XVIII A Morte e a Eternidade do Amor

Como deve ser importante ler e perceber a ideia de Jaime Corteso (1884 1960) e as suas opinies em estudo crtico, aqui fiva a ligao para o TEXTO completo: http://www.archive.org/stream/cancioneiropopul00cortuoft/cancioneiropopul00cortuoft_djvu.txt Para ver e ler em PDF Full text of "Cancioneiro popular : antologia precedida dum estudo critico" Cancioneiro Popular - Antologia Precedida dum Estudo Crtico

Alguns excertos da introduo e estudo crtico do autor... O FIM DESTA OBRAPARA que todos os Portugueses possam inteirar-se da sua prpria Alma, e fundamente sintam a prend-los e a dirigi-los os laos ntimos do Esprito, para que enfim se forme ou se torne clara a conscincia nacional dando-nos a possvel unidade finalista, indispensvel o conhecimento do Cancioneiro popular, porque nele se revela toda a alma do Povo. O estudo das canes populares, ramo dum outro mais vasto estudo as Tradies populares ha muito que preocupa todas as naes da Europa, movidas mais pelo sentimento nacional, do que pela pura curiosidade scientfica e tanto assim que as primeiras a iniciar esse movimento foram exactamente aquelas, como observa Gaston Paris, que procuravam, em meio da sua hesitao, formar uma conscincia histrica. ... Mas vamos devagar. - Sero 11.000? ...Quem quiser, porventura, conhecer a histria dessas investigais, consulte os Ensaios etnogrficos de Leite de Vasconcelos, onde o sbio fillogo e etnlogo reuniu as noticias de muitssimos desses trabalhos. Pelo que mais nos importa, o cancioneiro popular, diremos que vastssima a coleco de cantigas populares, hoje existentes, pois s os Cantos populares portugueses, de Tomaz Pires, contam mais de onze mil cantigas! - Sero 40.000? Tefilo Braga calcula em quarenta mil o numero das que at hoje foram guardadas nas nossas colecis. A seleco das centenas de quadras que constituem este pequeno cancioneiro foi realisada em dezenas de milhares delas, ainda que escrupulisamos em consultar apenas as colecis, cujos coordenadores oferecessem garantias de seriedade, tais como: Os cantos populares portugueses, de Tomaz Pires, o Cancioneiro popular e Cantos populares do Arquiplago aoreano, de Tefilo Braga, a Poesia amorosa do povo portugus, de Leite de Vasconcelos, as Canis populares da Beira e as Velhas canis e Romances populares portugueses, de Pedro Fernandes Tomaz, o Romanceiro e Cancioneiro do Algarve de Francisco Xavier de Atade Oliveira e as vastas colecis dispersas pela Revista Lusitana, Revista de Guimaris, Revista do Minho, etc. Algumas, mas poucas, foram por ns colhidas da boca do Povo, mas, por constiturem excepo, levaro nota especial... O que seria ento, se quizessemos fazer entrar tambm o nosso cancioneiro na rvore genealgica das canis populares, a engenhosa criao de Gaston Paris! Mais modestamente se poderia ainda fazer aqui o estudo comparativo das cantigas portuguesas, com o cancioneiro das outras nais, para, assim, fundamentar a originalidade do espirito, que anima as nossas.

Esse estudo tornaria demasiadamente erudito este livro, o que o afastava do fim a que o destinamos. Todavia, antes de chegar a qualquer concluso, estudamos tambm um pouco os cancioneiros hespanhol, francs, alemo e italiano em especial, e podemos afirmar desassombradamente a elevao e esprito original da nossa poesia popular... ... Aqueles que quiserem conhecer o Povo portugus, teem-no aqui, em ntima e profunda virtualidade. O Povo hoje o alicerce para todos os grandes edificios que se queiram construir nesta Ptria. Sem que se conheam bem a naturesa dos fundamentos, a sua fragilidade ou a sua resistncia, as suas afinidades e repulsas, no pode haver edifcio slido, por mais grandioso que se afigure. Debruem-se um pouco sobre o seu corao, auscultem-lhe os movimentos e o ritmo, que ho de ganhar com isso a maior das liis. II O POEMA DO POVO ESTE LIVRO, porque o Povo o canta, um POEMA, e porque nele est a sua vida, que uma ndole essencialmente afectiva leva a encarar com seriedade e paixo e que, merc do abandono a que o lanaram, tem profundidades amargas, no falando j do lado trgico de toda a Vida, tambm e essencialmente um Drama o Poema dramtico do Povo... Com efeito, tratmos de coligir e coordenar algumas centenas de quadras (563), de sorte que pela sua disposio natural formassem uma obra com entranhas de vida e o interesse dum drama, em cujo desfecho colaboram, conforme julgamos, o Destino impresso no sangue e a vontade contrria dos homens. UMA BREVE IDEIA SOBRE CADA UM dos XVIII TEMAS Estes so os Lusadas do Povo, os Lusadas eternos, porque daqui nascem e nascero os fastos de todas as nossas epopeias....

I A Natureza e a Terra Natal. Homem da beira-mar, em perptua simpatia com o murmurado ritmo das ondas, o portugus canta: Sou gaivota, sou gaivota E venho da beira-mar... A imensidade e a beleza do Oceano ensinaram-lhe a poesia, que ele quer oferecer a todos os que a no sabem, como uma ddiva preciosa: Trago cantigas na boca Pra quem no souber cantar. ... em horas de scisma ou tristeza, comunga a beleza da noite, concava de escurido: Oh! noite que vais crescendo, To cheia de escurido, Tu s a flor mais bela Dentro do meu corao! No admira, assim, que, num lampejo de intuio genial, o homem do povo adivinhe o seu parentesco com todo o Universo e tenha um momento de atnita confuso perante a sua prodigiosa imensidade, para logo adquirir uma tranquila certeza, ao descobrir-lhe uma lei ntima o Amor: Eu sou filho das estrelas, Junto do Cu fui criado, Perdi-me na noite escura, Fui em teu peito encontrado !

Esta pequena cantiga, pela sua puresa cristalina, profundeza e plenitude de sentido, j de si um poema inteiro.... II O Elogio do Trabalho e o Valor Herico, Junto do Universo, no seio duma Natureza, onde palpita um corao semelhante ao seu e na terra natal, que lhe deu as primeiras lies de beleza, o homem vive e trabalha, porque o trabalho uma condio de vida moral, que a prpria mulher lhe exige em nome do seu elevado amor, e que aos olhos dela, por mais rude que seja o mister, no faz seno exalt-lo. atentar na rasgada altivez com que ela proclama a esforada virtude do namorado: Todas me lavam a cara Do meu amor ser ganho ; bonito, gosto dele, honrado e ganha po. III. Ameaa e crime. Neste povo inculto a afectividade violenta transforma por vezes os mais belos sentimentos, pelos excessos passionais, em tragdias de sangue e perdio. O meu corao, por artes, Entrou no teu pensamento; como o crime de faca Que nunca tem livramento. IV. Mximas e pensamentos. No ha machado que corte A raiz ao pensamento ... Eu, cantando, estou calada, Chorando me estou a rir. Andando fico parada, Desperta estou a dormir. ... Toda a moa que namora Pelos olhos se conhece: So tristes pela manh, Alegres, quando anoitece. ... No cuides, por me deixares, Que no Cu ganhaste palma; Eu ca por inocente: Desgraada da tu'alma! ... Vai-se o dia, vem a noite, Vai-se a noite, o dia vem, S'tou gostosa de mim mesmo. No quero bem a ningum. V. Ironias e gracejos, O prolquio latino Ridendo csatigat mores, forma superior de ironia pela inteno moral, seria a melhor das epgrafes a este capitulo.... VI. Amor filial.

Se o Povo, em geral, no ri desintencionadamente, porque o primeiro e quasi exclusivo mbil de todas as suas acis o Amor... VII Religiosidade popular este um dos aspectos, sob que o cancioneiro popular mais afirmativo de verdades originais.... ORAO AO SOL Vou-me despedir de vs, Adeus, oh! Sol que te vais, Deixais-me ficar ssinha No meio dos pinheirais. Oh! Sol, torna amanh, Eu quero-te ver nascer, S a vs que eu adoro, S por vs quero morrer. A seguir ha esta nota: Esta orao s deve ser dita ao pr do Sol; a qualquer outra hora pecado.... OFERECIMENTO Soberana, divina Aurora Me do eterno Sole, Quem como vs pudera, Soccorrer-nos melhore! VIII A criatura amada. ... O Amor eis o primeiro, o maior e talvez o exclusivo principio de inspirao para o Povo: Todas as guas que correm Todas ao mar vo parar; Todas as minhas cantigas Ao meu amor vo a dar. ... s como a prata lavrada, Como o leite sem a espuma; s perfeita, oh! minha amada, Sem teres falta nenhuma. ... Os vossos peitos, menina, Ambos de dois so eguais: No so altos, nem so baixos, So como vs precisais. IX. Confisso d'amr. ... Quem embarca, quem embarca, Quem vem para o Mar, quem vem? Quem embarca nos meus olhos, Que linda mar que tem?! ... O sangue das minhas veias Gira no teu corao; Os teus braos so cadeias

E eu entrego-me priso. X. Desejo e posse. ... Deixai-me ir com as mos ambas Ao talho do teu colete, parte mais delicada, Onde pois o ramalhete. XI. Ironias, sarcasmos e pragas de amor. ... XII. O Amor ... S amando que se vive e quem no ama, triste dele, Vivo est na sepultura... ... Mais vale morrer d'amres, Do que sem eles viver. ... O dia tem duas horas, Duas horas, no tem mais: Uma quando eu vos vejo, Outra, quando me lembrais. ... Dois corais, que se amam, Unidos fazem um s; Ambos eles esto feridos: De qual dos dois terei d?! ... Quando Antnio vai missa A egreja resplandece, A herva que Antnio pisa, Se est seca reverdece! ... Subi com a minha amada T onde ningum se viu; As nuvens diziam: basta. At qui ningum subiu! ... Meu corao um rio, Cheio d'gua, mete medo; Seca-se o meu corao, Rega-se o teu arvoredo! ... Se os meus olhos te do pena, Tira-os e deita-os ao cho; No quero ter no meu corpo Coisa que te d paixo! ... Olhos, que sonhando vedes, Olhos para que acordais? Se vs, sonhando, estais vendo Tudo quanto desejais?! ... Oh! que calma est caindo Por cima dos ceifadores!

Quem fora ramo de palma, Que cobrira os meus amores! XIII. Fidelidade e constncia ... Eu fui aquela que disse: Ou contigo u com \a terra! S no cazasse contigo Queria morrer donzela. ... O meu corao do teu mui ruim de apartar; como a alma do corpo, Quando Deus a quer levar. XIV. A felicidade do lar e a ternura maternal XV. A Saudade ... As saudades so raizes, Que alcanam grande fundura... ... Como o vento para o fogo a ausncia pro amor: Se pequeno apaga-o logo, Se grande torna-o maior. ... Aonde no ha saudade No pode haver bem querer. ... De qualquer forma que existas s a mesma Divindade: Ventura, quando te vejo, Se te no vejo, Saudade. ... Quem adora o impossvel Que esperana pode ter? Vive numa saudade, Gosa pena at morrer. ... Passei pela tua porta, No te vi, oh! alma minha; Fiquei como a noite escura, Metida na nevoinha! ... Quem me dera estar to alto, Como a esteveira na serra, Que avistara o meu amor, Onde quer que ele estivera. XVI. Desgraa de amor ... J os atalhos tem herva Depois que aqui no vieste;

Dize-me, amor da minh'alma, Que agravo de mim tiveste? ... A minha amada morreu, Eu j no a torno a ver ; A flor no campo renasce, Ela no torna a nascer!

XVI Tristeza ... Sou feia, no tenho graa, disforme o corpo meu, No tenho bens de fortuna: Mas que culpa tenho eu?! ... Oh! quem me dera ter mi, Embora fosse uma silva, Inda que ela me arranhasse. Sempre eu era sua filha! ... Oh! triste sombra acompanha-me, Desgraados dai-me a mo; Venha tudo o que for triste Afligir meu corao! XVIII. A Morte e a Eternidade do Amor

Eis-nos chegados ao ltimo, ao supremo canto deste Poema... Tal como o Amor, a Morte uma lei natural, perante a qual o ser corpreo tem de se curvar com resignao... ... Debaixo da terra fria Todos ns somos eguais. ... Oh! adro, terra de egreja. Onde se enterram anjinhos, Oh! terra, que ests comendo Corpos to delicadinhos! ... Ns cuidamos que este mundo Que nos dura para sempre; uma luz que se acende E se apaga de repente! ... Antes da noite ser noite, Antes do dia ser dia. ... Chamaste-me tua vida, E eu tu'alma quero ser; A vida acaba coa morte, A alma eterna ha de ser! ... J morri, j me enterrei,

E agora j estou aqui; Nem a terra me comia Sem me despedir de ti! III CONCLUSO ... Oh! meu amor, meu amor. Quando me has de tu esquecer? Quando Deus me no der vida Nem olhos para te ver. ... Deita-te da abaixo, Meu sol, minha luz, meu bem. Eu te apararei nos braos. Ai! Jesus, que ela l vem! ... Abre-me a porta que eu morro; No abras que eu j morri: J que foste assim ingrata, Fica-te agora sem mim! J morri, j me enterrei E agora j estou aqu...

Estes so os Lusadas do Povo, os Lusadas eternos, porque daqui nascem e nascero os fastos de todas as nossas epopeias....

Estes so os Lusadas do Povo, os Lusadas eternos, porque daqui nascem e nascero os fastos de todas as nossas epopeias.... Jaime Corteso

ANTOLOGIA I A NATUREZA E A TERRA NATAL 1 Sou gaivota, sou gaivota E venho da beira-mar; Trago cantigas na boca Pra quem no souber cantar. 2 Oh! terra, que tudo crias, Oh! terra, que tudo comes, Oh! terra que has-de dar conta Das mulheres mais dos homens. 3 Quem disser que o sol que chora. Digam todos que mentira; Como pode o sol chorar. Se ele o rei da alegria?! 4 Oh! noite que vaes crescendo. To cheia de escurido. Tu s a flor mais bela Dentro do meu corao! 5 Eu sou filho das estrelas, Junto do Ceu fui criado, Perdi-me na noite escura, Fui em teu peito encontrado. 6 J chove gua das nascentes J correm os regatinhos; J os campos so contentes, J cantam os passarinhos. 7 Desceram do ceu terra Dois anjos embaixadores A buscar a Primavera, Que l no ceu no h flores. 8 Embarquei-me no mar largo, J perdi vistas terra, J no vejo seno Co Agua e vento que me leva!

9 Minha me uma ribeira. Meu pai um rio corrente; Sou filho das aguas claras, No tenho nenhum parente. 10 Oh! linda estrela do norte Para onde caminhais? Caminho para o nascente Pra onde correm as mais. 11 Muito lindo o Ceu, Todo cheio d'alegria; L no ha noite, nem sombra, Tudo um claro dia! 12 O passarinho no bosque Busca algum da sua cor; Mostra em tudo a Natureza A doce unio do amor. 13 O rouxinol canta alegre Por ter a dama no ninho; Olhem como constante O amor dum passarinho. 14 At os peixes no mar, Aqueles l mais no fundo, Tambm tm os seus amores, Como ns c neste mundo. 15 A flor do manjarico No abre seno de noite, Para no dar a saber Os seus amores a outrem. 16 At o milho mido Tem sua velhacaria Conserva a gua no bico Para beber todo o dia. 17 As pedras, com serem pedras, Senfos golpes que lhe do; Como no hei-de eu sentir Essa tua ingratido. 18 o Sol um lavrador O Sete-estrelo abego

A Lua o celeiro Onde o sol recolhe o po. 19 No cortes a oliveira, No lhe metas o machado, Que d fruto que alumia A Jesus crucificado. 20 Chamais amoreira triste: Mas que tristeza lhe achais?! A amoreira cria o sirgo Com que vs vos enfeitais. 21 Deitei-me e adormeci Debaixo da laranjeira, Caiu-me uma flor no rosto: Ai! Jesus, que tambm cheira! 22 Oh! ciprestre, verde-triste. Cofre da minha figura. Verde qual minha esperana, Triste qual minha ventura. 23 Lisboa por ser Lisboa E ter navios no mar, No como a minha terra, A mais linda em Portugal 24 Adeus bairro de Silvalde, Em te deixar bem me peza; Inda espero de tornar Ao centro da natureza. 25 D'aqui para a minha terra Tudo caminho cho; S ha rosas s ha cravos Que eu puz pela minha mo. 26 Chamaste-me trigueirinha, Isto de andar ao sol; Toda a fruta, que sombria, Nem por isso da melhor. 27 Oh! que vida regalada Hei-de eu levar este vero Pelos atalhos das vinhas Com meu amor pela mo!

28 Adeus campos, adeus vales. Adeus amor que eu amei; Inda hoje adoro o sitio. Onde comtigo falei. 29 Pena triste, pena triste, Oh! quem no ha-de chorar! Ver-me assim em terra alheia, Fora do co natural 30 Oh! ares da minha terra Vinde por aqui, levai-me. Que os ares da terra alheia No fazem seno matar-me. 31 Oh! Brazil, terra de enganos, Quantos l vo enganados; Tantos l vo por trs anos E l ficam sepultados. 32 O sol nasce de Castel: Queres amor que ns l vanios? No quero que o sol esteja Em poder dos castelhanos.

II O ELOGIO DO TRABALHO E O VALOR HERICO 33 Trabalhai, dobrai o corpo, Se quereis ter algum bem ; Olhai que nas eras de hoje Quem no trabalha no tem. 34 Toda a moa que no tem Seu amor trabalhador No moa, no nada, No tem prenda de valor. 35 Eu quero bem pobreza, A riqueza no me importa; Trabalho, mato o meu corpo. No devo contas morte. 36 Oh! Mar, tu s um leo, Que a todos queres comer;

No sei como os homens podem As ondas do Mar vencer. 37 A sorte do marinheiro uma verdade pura: Anda sempre a trabalhar Em cima da sepultura. 38 Meu amor marinheiro E' do Mar, por vida minha, Se elle no fora do Mar, No vinha aqui a sardinha. 39 Eu sou ganho de manzeira, E lavro em terras de barro, Trago junta carreteira, Onde passo tudo esgarro. 40 Eu sou ganho de manzeim E no no posso negar, Trago junto carreteira Que fao a terra estalar. 41 Todos me lavam a cara Do meu amor ser ganho; bonito, gosto dele, honrado e ganha po. 42 O meu amor carreiro, Tem uma vida arriscada, Ao descer uma ladeira, Ao cerrar duma carrada. 43 Alfaiate ou sapateiro, Isso sim que bom artista Trabalha ganha dinheiro, Sempre est nossa vista. 44 Eu hei de abalar pr' eira S p'ra casar c'um ratinho Q), S pr'a andar de feira em feira: Quem merca pano de linho! 45 Contrabandista valente, Corri campinas e vais Com guardas na minha frente. Com pistolas e punhais.

46 Trigueirinha e engraada, Sou filha dum lavrador. Vou ao mato vou lenha, Assim me quer meu amor. 47 No quero saia de chita, Que me ho de chamar senhora, Quero saia de estamenha. Que traje de lavradora.C) Ratinho o nome que no Alentejo se d aos jornaleiros, que do Minho ou da Beira para ali vo trabalhar.

48 O meu amor foi lenha De sapatos e de meias, Tamanho foi o carrego, Arrebentaram-lhe as veias! 49 Viva a malta e trema a terra, Daqui ningum arredou; Quem ha-de temer a guerra, Sendo homem como eu sou? 50 Eu sou como o gavio. Que no ar fao firmeza. Quando abaixo at ao cho, Nunca alevanto sem presa. 51 Oh! sol! oh! lua! oh! estrelas! Andae dae luz em meu peito. Vinde achar morada firme Em palcio to estreito. 52 Eu fui a primeira onda, Que no mar se levantou Trez dias choveu areia. Toda a praia se arrazou!

III AMEAA E CRIME DE MORTE 53 Se ha por ahi algum, Que na estrada se atravesse, Traga mortalha a vestir E confessor que o confesse. 54

Olha como ficam bem Na minha mo cinco dedos Para jogar bofetadas A quem andar com enredos. 55 Oh! cantador corta as barbas E semeia-as numa leira; Inda hoje has-de ficar Aos ps desta cantadeira. 56 Canta, camarada, canta, Canta que ningum te afronta. Que esta minha espada corta Dos copos at ponta. 57 Oh! rapaz enrola a esteira, Mete a espada na bainha; No has-de fazer poeira Em casa de gente minha. 58 Oh! quem me dera encontrar-te No caminho mais estreito Para eu brigar comtigo Com faca de peito a peito. 59 Tenho sina de morrer Na ponta d'uma navalha; Tod' vida ouvi dizer Morra o homem na batalha. 60 Eu hei-de morrer d'um tiro Ou d'uma faca de ponta, Se hei-de morrer amanh, Morra hoje, tanto monta. 61 Oh! meu amor quem me dera Uma faca bem aguda Para dar uma facada Na minha triste ventura! 62 O meu corao por artes Entrou no teu pensamento; E' como o crime de faca Que nunca tem livramento.

IV MXIMAS E PENSAMENTOS

63 No ha machado que corte A raiz ao pensamento, No ha letrado que diga O que tenho no intento. 64 Eu cantando, estou calada, Chorando me estou a rir, Andando, fico parada, Desperta, estou a dormir. 65 Ningum descubra o seu peito Por maior que seja a dor. Quem o seu peito descobre a si mesmo traidor. 66 Oh! mar largo, oh! mar largo, Oh! mar largo sem ter fundo. Mais vale andar no mar largo Que andar nas bocas do mundo. 67 Desprezaste-me por pobre, A pobreza Deus a amou; No me penteio por ti, Assim pobre como sou. 68 Oh! meu amor no desprezes O pobre por nada ter, Pode a riqueza faltar-te E o pobre no te querer. 69 Oh! alta serra da neve. Onde se pinta a lindeza; Quem tem a alma no Co Para que quer mais riqueza? 70 Como alcatruzes da nora. So as vaidades do mundo; Os que enchem, vo acima, Os que vasam, vo ao fundo. 71 Valha-me Deus tanto luxo Com tanta ostentao! Tanto calote no povo; Quem ganha o esrivo. 72 Oh! meu amor, se tu queres

Toda a vida viver bem, Has-de ouvir, has-de calar, No dizer mal de ningum. 73 Fui chorar ao p da gua Lgrimas de sentimento, A gua me respondeu: Nada cura como o tempo. 74 Tod'a moa que bonita Mais valera no o ser, como a pra madura, Todos a querem comer. 75 Rapariga d-te ao mundo, No queiras morrer donzela, No queiras levar teu brio Para debaixo da terra. 76 Minha me case-me cedo. Enquanto sou rapariga. Que o milho sachado tarde, No d palha nem d espiga, 77 A rosa quer-se apanhada, Antes de sair o sol, O cravo ao meio dia P'ra seu cheiro ser melhor. 78 Quem pintou o amor cego No o soube bem pintar, O amor nasce dos olhos. Quem no v no pode amar. 79 Quem pintou o amor cego Soube bem o que pintou; Amor firme a nada atende, pr'a onde se inclinou. 80 Toda a moa que namora Pelos olhos se conhece: So tristes pela manh, Alegres quando anoitece. 81 Rapariga, se casares Toma conselho primeiro; Mais vale um rapaz sem nada De que um velho com dinheiro.

82 Namorados, falai baixo Que as paredes tem ouvidos, Os segredos mais secretos Esses so os mais sabidos. 83 Oh! amor procura agrado, No procures formosura. Formosura sem agrado peor que a noite escura. 84 Foste pedir-me a meu pai, Sem saberes o querer meu; Em tudo meu pai governa, Mas nisso governo eu. 85 Como pode um pai poribir Que uma filha queira bem? Se a lei do pai sagrada, O amor mais fora tem. 86 pais brbaros, cruis, Que uma filha, abandonais; Por ela cair num erro J ao mundo a entregais. 87 Quem tiver filhas no mundo, No fale das malfadadas, Pois as filhas da desgraa Tambm nasceram honradas. 88 No se riam de quem chora, Que podeis chorar tambm; Quem chora tambm se ria Dos males que agora tem! 89 No cuides, por me deixares, Que no cu ganhaste palma. Eu ca por inocente: Desgraada da tu'alma! 90 Quem nasce no triste fado Nunca pode ter bom fim; Quem mal anda mal acaba, Ponham os olhos em mim. 91 Vai-se dia, vem a noite,

Vai-se a noite, o dia vem, S'tou gostosa de mim mesmo. No quero bem a ningum.

V IRONIAS E GRACEJOS 92 Quatro coisas quer um amo Dum criado que o serve, Erguer cedo, deitar tarde, Comer pouco, andar alegre. 93 Minhas faltas me nomeias, S para s tuas, no olhas; Oh! lngua, que no semeias Semente, que no recolhas! 94 Aquela menina cuida Que no ha outra no mundo! No o poo to alto Que se lhe no veja o fundo. 95 Alm vem a presunosa Rua cheia, sem ningum. Ela cuida que bonita, Ela nada disso tem. 96 Alm vem a presunosa, At no andar tem brio, L vem o assucar em ponto, De doce mete fastio. 97 Entendo que na mulher A pequenez um dom; Uns dizem do mal o menos, Outros dizem pouco e bom. 98 As senhoras da cidade Teem grande opinio; No sabem como ho-de andar, Nem poisar os ps no cho. 99 Coitadinhas das mulheres. J vivem to desgraadas! Pra passearem nas ruas. Vo com as pernas atadas.

100 As senhoras com as modas Parecem umas serpentes; Andam metidas em sacos, Metem medo aos inocentes. 101 Diz-me l tu, cantador Quantas penas tem um pato, Quantos picos um ourio. Quantos cabelos um gato. 102 Est bem feita a pergunta, Agora respondo eu: Penas, picos e cabelos S tem os que Deus lhe deu. 103 Tu dizes que s poeta Na matria do cantar; Pois diz-me l, por cantigas, Quantos peixes ha no mar? 104 Quantos peixes ha no mar Eu to vou j a dizer: So metade e outros tantos, Fora os que esto por nascer. 105 Eu j vi um valento A brigar c'uma cidade; Logo ao primeiro encontro Derrubou mais de metade. 106 Chovam raios de toucinho, Centelhas de queijo mole, Venham quartilhos de vinho Que este maltez tudo engole.

VI AMOR FILIAL 107 Oh! minha mi da minh'alma, Oh! meu pai do corao, Duzentos anos que eu viva No lhes pago a criao. 108 Minha mi, minha misinha,

Minha misinha do Co, Que me trouxe nove mezes Debaixo do seu manto. 109 Minha mi, minha misinha, Oh! minha mi, minha amiga, Quem perde o amor de mi Perde tudo nesta vida. 110 Minha mi que me criou Ao peito com tanto mimo, Se um dia lhe pagar mal. No foi por falta de ensino. 111 No ha amor de mulher, Por mais pura e virtuosa, No ha amor que eu compare Ao duma mi carinhosa. 112 J me morreu minha mi, Minha doce companhia, Caixinha dos meus segredos. Espelho aonde eu me via. 113 Minha mi era uma santa. Por quem sempre chorarei. Porque amor egual ao dela Nunca mais encontrarei. 114 Quando deixei minha aldeia, Olhei para traz chorando: Minha mi do corao To longe me vais ficando. 115 Oh! morte, tirana morte, Que mataste minha mi! Deixaste-me ao desamparo, Sem abrigo de ningum.

VII RELIGIOSIDADE POPULAR 116 ORAO AO SOL Vou-me despedir de vs, Adeus, oh! Sol, que te vais,

Deixais-me ficar ssinha No meio dos pinheirais. Oh! Sol, torna amanh, Eu quero-te ver nascer. S a vs que eu adoro, S por vs quero morrer. 117 DO TERO DA AURORA Sob'rana, divina Aurora, Oh! Mi do eterno Sole, Quem como vs poder Soccorrer-nos melhore. 118 ORAO AO SOL NASCENTE Deus te salve, Sol divino! Tu corres o mundo inteiro; Viste l o rneu marido? Se tu o viste no mo negues, No mo negues, no negues, no. Esses raios que vens deitando, Ao teu nascimento, Sejam dores e facadas, Que atravessem o seu corao; Que ele por mim endoudea Que ele no possa comer, Nem beber, nem andar, nem amar, Nem com outra mulher falar, Nem em casa particular. Todas as mulheres que ele veja Lhe paream cabras negras, E bichas feias. S eu lhe parea bem no meio delas! 119 Nossa Senhora da Veiga pequenina e airosa; Vai a gente de to longe S p'ra ver to linda rosa. 120 Nossa Senhora da Pvoa, Minha boquinha de riso, Minha ma vermelhinha, Criada no Paraso. 121 Nossa Senhora da Veiga Ela l vae Douro, acima, Com a cestinha no brao Fazer a sua vindima. 122

Alm vem a barca nova, Que fizeram os pastores, Nossa Senhora vem dentro. Toda coberta de flores. 123 Oh ! mar largo, oh ! mar largo Cheirava que rescendia: Era o manto da Senhora, Que um marinheiro trazia. 124 A Senhora do Sameiro D um cheiro que rescende: o manto da Senhora, Que pelo mundo se estende. 125 A rola que vai rolando, Onde ir fazer o ninho? Aos ps de Nossa Senhora No mais alto do raminho. 126 Esta noite noite cheia, No noite de dormir. Das onze pra meia noite St a virgem pra parir. 127 Pastor do gado branco, No arranques rosmaninho, Pois onde a Virgem pura Estende os seus cueirinhos. 128 Cantai anjos ao Menino, Emquanto a Virgem dorme. Mas cantai-lhe de mansinho, Com que a Virgem no acorde. 129 ORAO DE NATAL A Virgem Nossa Senhora St no portal de Belm Co seu menino nos braos, Jesus! que est tanto bem! Cantou-lhe uma cantiguinha: Filho meu, que te farei ? No tenho cama nem bero. Em braos te embalarei. Com as lgrimas dos olhos, Filho meu, te lavarei. Na manguinha da camisa. Filho meu, te alimparei. Nas mantilhas do meu rosto.

Filho meu, te embrulharei.

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130 Eu hei-de ir para o prespio Assentar-me a um cantinho, S p'ra ver o Deus menino A nascer to pobresinho. 131 No presepe de Belm Quiz nascer o Deus menino Num tempo de tanto frio, Desprezado e pobresinho. 132 Pastores do verde prado, Deitai o gado verdura; Vinde ver o Deus menino Nos braos da Virgem pura. 133 Oh! meu amado Menino, Boquinha de sangue e leite; Vossa mi uma rosa. Vosso pai um ramalhete. 134 Oh! meu amado Menino, Boquinha de requeijo; Quem vo-la comera toda C*um bocadinho de po. 135 Oh! meu amado Menino, Oh! minha to bela flor; Quizestes ser pequenino. Sendo to alto senhor. 136 O Menino est dormindo Nas palhinhas, despidinho; Os anjos lhe esto cantando: Pobre amor to pobresiuho. 137 Eu hei de dar ao Menino Cinco pedras preciosas, Cada pedra cinco quinas, Cada quina cinco rosas. 138 Oh! meu menino Jesus, Quem vos deu, porque chorais?1

*Esta pequenina poesia lembra na forma os romances populares. Tefilo Braga classifica-a at de romance sacro. No a julgamos, todavia, descabida no Cancioneiro.

Deram-me as moas na fonte, No hei-de l tornar mais. 139 Oh! Anjo da minha guarda, Que dais aos vossos romeiros? Dou-lhe gua da minha fonte. Sombra dos meus castanheiros.2 140 Santo Antnio me acenou De cima do seu altar; Olha o maroto do santo. Que tambm quer namorar! 141 Fui ao mato cortar lenha, Santo Antnio me chamou, Quando o santo chama a gente, Que far quem j pecou! 142 L vem o Baptista abaixo, Vestido de azul ferrete. Numa mo traz a custdia E na outra um ramalhete. 143 Alm vem o barco novo, Que fizeram os pastores, Trazem dentro S. Joo, Todo coberto de flores. 144 Para fazer as fogueiras Na noite da sua festa, S. Joo traz l do monte Um braado de giestas. 145 Ai! meu rico S. Joo, Ouve as trovas dos festeiros Faz as moas bem doidas E os velhos bem gaiteiros. 146 S. Joo, quando era novo, Tinha uns sapatinhos brancos, Pra visitar as raparigas Domingos e dias santos. 147 S. Joo era bom moo, Se no fora to velhaco, Foi com trs moas fonte,2

Esta quadra canta-se na romaria anual do Anjo da Guarda em Alpedrinha (Beira-Baixa).

Foi com trs, veio com quatro. 148 S. Joo, por ver as moas, Fez uma fonte de prata; As moas no vo fonte S. Joo todo se mata. 149 S. Joo se adormeceu Nas escadinhas do coro, Deram as freiras com ele Depenicaram-no todo. 150 L vem o Baptista abaixo. Comendo num cacho d'uvas, Dando os bagos s solteiras, Os engaos s viuvas. 151 L vem o Baptista abaixo, Subindo aquellas ladeiras, Dando abraos s viuvas, E beijinhos s solteiras. 152 Minha av tem l em casa Um Santo Antnio velhinho; Em as moas no me querendo. Dou pancadas no santinho. 153 Canta o pardal no loureiro, O rouxinol na silveira; Os padres cantam no coro, Rogam a Deus por dinheiro. 154 Todos os padres de missa Aos infernos so chamados; Inda eles tem mais filhos Que os homens que so casados. 155 No ha padre que no seja Amigo de namorar: desforra que lhe tiram Prs no deixarem casar. 156 Menina se fores missa Pe-te para o p do coro. Que o padre muito rato, Tambm busca o seu namoro. 157

O padre quando namora Logo pe a mo na cra, Namora padre, namora. Que Roma tudo perdoa. 158 O meu amor um padre. Padre a quem eu quero tanto; Inda hei-de ir a p a Roma Pedi-lo ao Padre Santo. 159 Tomei amores com um padre, Nunca melhor coisa fiz: Logo me fez uma saia Da sua sobrepeliz. 160 ELEGIA DA VIDA DE FREIRA J no ha, no pode haver Uma vida to penosa! Sendo eu a mais formosa, Me encerram, me encerram. A meu pai aconselharam Que me no desse o meu dote, Que era a minha melhor sorte O ser freira, o ser freira. Avisaram a Rodeira, E juntamente a Abadessa, Que me metesse em cabea Que casaria, que casaria. Eu como tolinha cria. Cuidando que era verdade, Que qualquer freira ou frade Casar podia, casar podia. Cuidando que assim seria. Que, depois de professar, Inda podia casar. Ca no lao, ca no lao. Agora que aqui me acho Metida nesta clausura, Parece-me noite escura O meio-dia, o meio-dia! J no tenho alegria. Que alegria, posso ter?! Lembrar-me eu que hei-de ir comer Ao refeitrio, ao refeitrio! sombra do dormitrio. Onde dormem outras madres

Suspiram por seculares C entre ns, c entre ns. Cuidar que dormimos ss Nos causa grande agonia. Sempre toda a noite fria Me alevanto, me alevanto. Acordo, fao o meu pranto Toda me lavo em choro, Em ouvir tocar ao coro E s matinas, e s matinas. Resando resas divinas L por certos corredores. Me lembram os meus amores Por quem morro, por quem morro! Toda a minha cela corro, E vejo-me ao meu espelho; Vejo o meu rosto j velho... Malfadada! malfadada! O regalo das casadas lograr os seus amores, De contnuo os seus favores, Mas eu nada, mas eu nada! Antes ser mulher casada, De noite embalar meninos, Do que ser freira professa Tocar os sinos, tocar os sinos!3

VIII A CRIATURA AMADA 161 Todas as guas que correm, Todas ao mar vo parar; Todas as minhas cantigas Ao meu amor vo a dar. 162 Toda a moa que solteira Pelo andar se conhece; Poisa o p miudinha, Todo o corpo lhe estremece. 163 Graas a Deus para sempre!3

Ha outros cantos populares com esta mesma forma, como a Elegia da Vida de frade, no Cancioneiro Popular de Tefilo Braga e a Pardia do Pelo Sinal, canto patritico, cheio de sarcasmo, que se refere s invasis dos franceses, no Cancioneiro politico de Tomaz Pires. at um dos raros cantos patriticos ou polticos, dignos de meno.

J vi a quem eu queria; E j se defez a nuvem, Que o meu corao trazia. 164 Deus te salve rosa branca, J que foste aparecida! Ha tanto tempo que andavas Entre as nuvens escondida. 165 Muito bonita a chita, Amor, do teu avental; s a cara mais bonita, Que passeia em Portugal! 166 O meu amor mais lindo Do que a rosa quando abre. Todo o mundo mo cubica. Nossa Senhora mo guarde! 167 s como a prata lavrada. Como o leite sem a espuma; s perfeita, oh! minha amada. Sem teres falta nenhuma! 168 No dia em que tu nasceste Todas as flores brotaram, T na pia do batismo Lindos rouxinis cantaram. 169 Uma estrela se perdeu, Que no co no aparece, No teu peito se meteu, No teu rosto resplandece. 170 Vossos cabelos, menina, que vos do toda a graa ; Parecem meadas de ouro Aonde o sol se embaraa. 171 Lindos cabelos que tendes, Qe vos do pela cintura, noite servem de cama, De dia d formosura. 172 Que o teu cabeio entranado Diz bem de toda a maneira, Quem me dera te-lo breve Sobre a minha travesseira.

173 Tens o rosto cor de rosa. Os olhos da cor do Co, Tens o cabelo to Hndo, No precisas de chapu. 174 Tua boca me parece Um botosinho de rosa; Tenho visto bocas lindas, Mas nenhuma to airosa. . 175 Os olhos do meu amor So dois navios de guerra; Quando vo para o mar largo. Alumiam toda a terra. 176 Hei de te mandar dourar Os arcos das sobrancelhas; So laos de finas fitas, Que prendem duas estrelas. 177 Quando abres os teus olhos, Parece que nasce o dia; Fui cguinho at agora, Antes de os ver nada via. 178 Graas a Deus para sempre Que j ouvi tua fala: Parece que vem do co E os anjos a acompanha-la. 179 Cantas bem, no cantas mal, Garganta de pura neve, Fonte d'agua cristalina, Onde o Sol divino bebe. 180 Tendes garganta de neve. Nela se pode escrever; Quem me fora estudantinho Que nela aprendera a ler! 181 Vossos ombros engraados, (Engraados que eles so!) So apoio desses braos, Firmeza das vossas mos. 182 Tuas mos so branca neve.

Teus dedos so lindas flores Teus braos cadeia douro. Laos de prender amores. 183 A forma desse colete E' o que mais me namora Revela coisas bonitas, C por dentro e l por fora. 184 Esses vossos lindos peitos Ambos de dois so eguais, No so altos, nem so baixos, So como vs precisais. 185 Nunca vi cara mais linda, Nem corpo mais delicado, Nem andar com mais decncia. Nem falas com mais agrado. 186 Vossos ps so doiro fino. So doiro puro e mais no, Doiro toda sois formada Prenda do meu corao. 187 Com fios doiro eu entrei A notar vossos sinais. Pois que menina sois doiro. Oiro sois e assim ficais.

IX CONFISSO D'AMOR 188 Quem embarca, quem embarca, Quem vem para o mar, quem vem? Quem embarca nos meus olhos? Oh! que linda mar tem! 189 Entre o dizer e o calar Ha guerra viva em meu peito, O amor manda que fale, Que cale diz o respeito. 190 Se eu te no amo deveras, Deus do co me no escute, Estrelas no m'alumiem, A terra me no sepulte!

191 Eu amo-te sem mau fim E' nobre a minha paixo Sigo a lei da Natureza, Oio a voz no corao. 192 Nas partes que o sol descobre, Nas que o sol no chega a ver, Em toda a parte do mundo Hei-de amar-te at morrer! 193 Tenho dentro do meu peito Mil velas, mil castiais, No altar onde tu moras Ests tu e ningum mais. 194 Olhei pr meu lado esquerdo, No achei meu corao; De repente me lembrei Que estava na tua mo. 195 Aqui tens meu corao E a chave para o abrir; No tenho mais que te dar, Nem tu mais que me pedir. 196 Aqui tens meu corao, Se o queres mat-lo podes; Olha que ests dentro dele. Se o matas tambm morres. 197 Oh! meu Deus dai-me juizo E dai-me fora e valor, Que no posso resistir Contra a fora deste amor. 198 Ribeirinha, ribeirinha Ao largo ribeiro, Tambm tu s pequenina. Mas chegas ao corao. 199 Quanto mais fundo o poo, Mais frescas lhe so as guas, Quanto mais falo contigo, Mais te aprecio as palavras. 200 Quem me dera a liberdade. Que a restea do Luar tem:

Entrava pela janela, Ia falar ao meu bem. 201 Quem me dera ser pombinho Ou rolinho do serto, Que queria fazer o ninho Dentro do teu corao. 202 Os meus olhos esto cegos Mas no o sei confessar. Se foi o Sol que deu neles, Se ser de te fitar. 203 Aqui tens a minha mo, Ajunta-a palma com palma. Domina o meu corao, Toma posse da minfi' alma. 204 O sangue das minhas veias Gira no teu corao; Os teus braos so cadeias, Eu j me entrego priso. 205 Passei pela tua porta, Meu corao se assustou; Poisei os olhos em terra, Toda a gente reparou. 206 Que queres, meu bem, que queres Que queres tu deste meu peito? Se queres o meu corao, Mete a mo, tira-o com geito. 207 Em te ver eu vejo a Deus No sei se peco ou se no; Trago a Deus na minh'alma, A ti no meu corao. 208 O corao, alma e vida, Tudo, tudo eu j te dei; Se tens tudo o que me anima. Como sem ti viverei?

X DESEJO E POSSE 209

Oh! fonte, quem te chegara, Oh! gua, quem te bebera. Oh! cravo, quem te cheirara, Oh! rosa, quem te colhera! 210 Oh! mina, quem te minara. Toda por baixo do cho, Oh! amor, quem te lograra Sem haver murmurao ! 211 A verdizela enleio, Que se enleia pelo trigo; Ai! quem fora verdizela. Que se enleara contigo. 212 Quem me dera ser o Hnho, Que vs menina fiais, Que vos dera tanto beijo, Como vs no linho dais. 213 Quem me dera ser as contas Desse teu lindo colar Para dormir em teu seio E nunca mais acordar. 214 Tendes o cravo na boca Com a raiz na garganta, Quem vo-lo tirara a beijos hora em que o galo canta. 215 Eu venho a esta funo Pra lograr os teus carinhos: chegado o gavio, Fujam, fujam passarinhos. 216 Francisquinho, cacho d'uvas, Oh! quem te depenicara, De baguinho em baguinho, Nem um bago te deixara. . 217 Quando eu te vi logo disse Lindos olhos para amar, Linda boca para beijos... Ai! quem tos pudera dar! 218 Oh minha pombinha branca, Oh! minha branca pombinha. Quando ha-de chegar a hora

Em que te hei-de chamar minha? 219 Se o teu retrato falasse, Se o teu retrato sentisse, Ele mesmo te dizia O que fiz e o que lhe disse. 220 Cravo roxo em teu peito, Que sepultura to rica! Quem morre nesses teus braos No morre, que ressuscita! 221 O meu corao terra, Hei-de manda-lo lavrar Para dispor os desejos, Que eu tenho de te lograr. 222 Defronte de mim esto olhos, Olhos que me esto matando, Que contas daro a Deus Das penas que m'esto dando ? 223 Eu aonde estou bem vejo Olhos que me esto matando; Matai-me devagarinho, Que estou morrendo, penando. 224 Os meus olhos mais os vossos De longe se esto mirando; Os vossos dizem-me: sim; Os meus perguntam-lhe: quando? 225 Daqui onde estou bem vejo Correr as bicas da fonte; Ai ! de mim que morro sede, Tendo o remdio defronte. 226 Esta noite sonhei eu Que te estava dando beijos; Acordei, achei-me s, Tive dobrados desejos. 227 Dai-me uma gotinha d'gua, Da lnngua fazei a bica; Quanto mais gua me dais, Tanto mais sede me fica.

228 A silva prendedia Prende na terra lavrada. Tambm os meus olhos prendem Na parte mais delicada. 229 Deixa-me ir com as mos ambas Ao talho do teu colete, parte mais delicada. Onde pus o ramalhete. 230 Os pombinhos inocentes Namoram-se e do beijinhos: Faamos amor, faamos. Como fazem os pombinhos. 231 Aperta-me esses meus dedos T que eu diga: deixa, amor; Quem mais aperta mais quer, Quem mais quer mais sente dor. 232 Amor com amor se paga E no ha coisa mais justa; Paga-me comtigo mesmo, Meu amor, pouco te custa. 233 Boa herva o poejo, Que se deita na aorda, Racha-me a cara com beijos, Tem cautela no me mordas. 234 Antnio vem a meus braos Unirmos peito com peito; Ao depois dessa unio Ter-te amor no defeito. 235 Quando o meu amor me beija, No sei dizer o que sinto; Fico parva, fico doida, Falo verdade, no minto. 236 O beijo, que tu me deste, Nunca mais me ha-de esquecer: Inda tenho a boca doce, Inda me est a saber. 237 Oh! madre-silva cheirosa, Aonde deixaste o cheiro?

Nas ondas do mar, l longe. Nos lbios dum marinheiro. 238 Esta noite estive, estive, conversa com o amor, Co'a tua boca na minha, Como o orvalho na flor. 239 Quem vive junto ao seu bem No pode ter mais desejos; Mata a fome com amor, Apaga a sede com beijos. 240 Meu amor, dei-te os meus beijos. Tu com beijos me pagaste. Ai! Deus te pague a alegria. Todo o bem que me causaste! 241 No posso comer sem dar-te. Nem beber sem dar a ti: Nem fazer a minha cama Sem dizer: deita-te aqui. 242 V l meu bem se te lembras Daquela noite de vento Que te tive desmaiada Nos meus braos tanto tempo. 243 Lembras-te daquela noite, Que contamos, ao Luar, Eu as areias do cho, Tu as estrelas do ar? 244 Dois amantes que se amam, Quando chegam a unir seu rosto. Morrem de consolao; No pode haver melhor gosto.

XI IRONIAS, SARCASMOS E PRAGAS DE AMOR 245 s gua, no matas sede, s pimenta, no queimais; s uma, pareces outra, Quando comigo falais.

246 No te quero bern nem mal. Corao no mesmo ser, Nem morro por te adorar, Nem desgosto de te ver. 247 Perguntais-me como passo; Obrigado passo bem. Ando com os ps pelo cho. Como vs andais tambm. 248 Oh! senhor juiz de fora, Faa justia brincando; Prenda-me aqueles dois olhos, Que me esto desafiando. 249 J furtaram ao moleiro A sua filha Isabel, Cuidando que era o cortio Que estava cheio de mel. 250 O amor diz que firme, Que firme no amar, Com' vento no bulir, Com' vidro no estalar. 251 O amor do estudante como a pomba ferida; Pelo ar derrama o sangue. Chega terra, acaba a vida. 252 So tantas as saudades Que eu tenho de ti s vezes; Em sendo os dias pequenos, No como seno trez vezes. 253 Dizes tu que tenho amores, Jesus! cruzes! anjo bento! Nem os tenho, nm espero, Nem me vem ao pensamento. 254 O teu pai diz que no quer, Porque eu no tenho fazenda; Nem o teu pai to rico. Nem tu s to boa prenda. 255 O meu amor, de polido,

No assenta o p no cho; Assenta, meu bem, assenta. No ds passadas em vo. 256 Menina, no te namores, De homem que j viuvou. Uma fala, duas falas: Mulher que Deus me levou! 257 Dois pobres a uma porta Ambos co'a mesma teno, Qual ser o desgraado, Que levar o perdo? 258 Toda a vida meu pai disse: Filho no sejas maroto. Foge sempre das mulheres. Como a camisa do corpo. 259 Se pensas que eu por ti morro. Eu nem por ti adoeo. J me teem oferecido Panos de mais alto preo. 260 No domingo fui missa. Vi os teus olhos em praa; Disse prs minhas amigas: Lancem naquela fogaa. 261 s bonita como a morte, Alegre como um enterro, Direita como um anzol, Delicada como um cerro. 262 Chamaste pobre ao meu pai, Tu s rico, s abonado. Tens uma terra no campo, Onde cabe um co deitado.4 263 O meu amor me deixou Para amar outra mais rica; Menos honra, mais fazenda, Tudo em casa lhe fica. 264 Foste dizer mal de mim Ao meu amor por desprezo.4

Recolhida por mim em S. Joo do Campo.

Deitaste azeite no lume, Inda ficou mais aceso. 265 Ingrato, que me vendeste. Quanto te deram por mim? Que das galas que compraste Co dinheiro que eu rendi? 266 s alsa, trez vezes falsa, Que assim te quero dizer; Quanto te deram por mim, Quando me foste vender? 267 Murmurai, murmumdeiras, Murmurai todas de mim, Deus vos dar o castigo, Uma pena sem ter fim. 268 A sepultura se me abra, A vida me caia dentro, Se eu tenho outros amores. Seno tu no pensamento. 269 Justia de Deus te caia, Do Co te venha o castigo, Pois se tens novos amores, Para que falas comigo? 270 Olhos, que me querem mal. Tirados os visse eu, Apresentados num prato. Pedindo perdo aos meus. 271 Apartada eu veja a vida E o corpo do corao A quem foi o causador Da nossa separao. 272 Meu amor abandonou-me, No sei qual fosse a razo: Ao beber lhe falte a gua, Ao comer lhe falte o po. 273 J que s ingrata comigo, Contra ti, o tempo vejas, A fortuna de ti fuja, No logres o que desejas.

XII AMOR

274 O Mar pediu a Deus peixes, O campo pediu-lhe flores, O Co pediu as estrelas E a mulher pediu amores. 275 No devia amar-te e amo-te, Confesso a minha fraqueza; A culpa no s minha, tambm da Natureza. 276 O Co se vista de galas, As estrelas tenham vo, Se j tenho amores novos, justo se alegre o Co. 277 J fui cravo, j fui rosa, J stive num alegrete, Agora stou no teu peito, Servindo de ramalhete. 278 Nasce o Sol para adorar-te. D volta ao mundo por ver-te, Quando o sol deseja amar-te. Como no hei-de eu querer-te. 279 O dia tem duas horas. Duas horas no tem mais ; Uma , quando vos vejo. Outra, quando me lembrais. 280 Quem no ama e no adora Vivo est na sepultura; S amando que se vive. Sem amar no ha ventura. 281 Dizem que o amor morte Oh! quem me dera morrer! Mais vale morrer de amores, Do que sem eles viver. 282 Para que quero eu os olhos. Senhora Santa Luzia,

Se no hei de ver meu bem A toda hora do dia. 283 Eu sou cavaco do rio, Veio a cheia e levou-me; A gua fez um remanso, tua porta deixou-me.5 284 Cantae-me uma cantiguinha, D'essas tantas que sabeis: Espalhai folhas de rosa, Que nessa boca trazeis. 285 O Sol posto vai doente E se o sangram logo morre. Pois o sangue como o amor. Por todas as veias corre. 286 Dois coraes que se amam. Unidos fazem um s: Ambos eles esto feridos De qual dos dois terei d? 287 Ai, que linda troca de olhos Fizeram agora ali! Trocaram dois olhos pretos Por dois azues, que eu bem vi. 288 Amor, se queres, faamos, Uma troca sem lezo, trocar alma por alma. Corao por corao. 289 Costumei tanto os meus olhos A namorarem os teus. Que de tanto confundi-los, Nem j sei quais so os meus. 290 Oh! gua tem-te nos vales No sejas to corredia; Quem namora no se ausenta, Quem quer bem no se desvia. 291 Dizes que amar pecar... Ai de mim que j pequei! Se em amar se perde o Co,5

Recolhida por mim em S. Joo do Campo.

Ai! no se salva ningum. 292 Repara meu bem, repara, Olha c p'r peito meu: Unamos as nossas almas. Vamos ambos pr co. (Voemos ambos pr ceu.) 293 Quando Antnio vai missa A igreja resplandece; A terra que Antnio pisa. Se est seca reverdece. 294 Anda c meu amor morto, Dize l quem te matou; Se te matou minha ausncia, Ressuscita que aqui estou. 295 Aqui tens meu corao. Mete a mo tira-o com geito; L vers que amor to grande Em palcio to estreito. 296 Oh! bela rosa encarnada, Como tu nenhuma cheira; Por ti se salvam as almas E a minha seja a primeira. 297 Oh! corao, toma azas, Oh! azas, tomai valor, Que havemos de ir esta noite Ao resgate duma flor. 298 Subi com a minha amada T onde ningum se viu; As nuvens diziam: basta. At que ningum subiu! 299 Oh! mar, que andas to bravo. Que assim andas furioso Oh! mar, se fosses casado. Serias mais amoroso. 300 Os meus olhos no so olhos, Quando os teus esto defronte: So dois rios de gua turva, Quando vo de monte a monte.

301 Amar e saber amar So dois pontos dehcados. Os que amam so sem conta, Os que sabem so contados. 302 O amor nasce de dar, Meu amor, que te darei? O amor que no dispende, certo que no tem lei. 303 O meu corao rio, Cheio d'gua mete medo: Seca-se o meu corao, Rega-se o teu arvoredo! 304 Eu, vivendo, por vs morro, Vs por mim viveis, morrendo, Quizera acabar a vida Para ficares vivendo. 305 Tira-me a seta do peito, Deixa o meu sangue correr; Se tu por mim ds a vida. Eu por ti quero morrer. 306 Choro lgrimas de sangue Para teu divertimento; Quero que vivas alegre, A custa do meu tormento. 307 Se os meus olhos te encomodam Quando esto na tua frente, Eu prometo de arranca-los Para te amar cegamente. 308 Eu quero tanto ao meu bem, Amo-o com tanta paixo, Que at chego a adorar Sua prpria ingratido. 309 No choro por me deixares. Que o jardim mais flores tem. Choro que no has-de achar Quem te queira tanto bem. 310 Se os meus olhos te do pena, Tira-os e deita-os ao cho;

No quero ter no meu corpo Coisa que te d paixo. 311 Trago dentro do meu peito Um boto de rosa a abrir: So os olhos do meu bem, Que pra mim se esto a rir. 312 Tenho dentro do meu peito Uma capela de flores, Rosas, cravos, violetas, Martrios, chagas e amores. 313 No ha flor como a perptua, Que nasce de madrugada. Nem amor como o primeiro. Porque nasce dentro d'alma. 314 Oliveira arreda a rama. Que eu quero passar alm. Trago o meu peito a arder, No quero queimar ningum. 315 s espelho, onde me vejo Cada vs que te visito. s egual ao meu desejo. No ha nada mais bonito. 316 Tudo o que verde se seca. Em vindo o pino do v'ro. S meu amor reverdece Dentro do meu corao. 317 Anoiteceu-me no campo Num sitio desconhecido; Abracei-me prpria terra. Cuidando que era contigo. 318 Chamaste-me fala s, Oh! que falsa opinio, Estava a falar contigo, Falando ao meu corao. 319 Olhos, que sonhando vedes. Olhos, para que acordais? Se vs, sonhando, estais vendo Tudo quanto desejais!

320 Esta noite buliu vento Com pontinhos de suo; (Com pontinhas de suo) Abriram-se as rosas todas Dentro do meu corao.6 321 Suspiro, que nasce d'alma, Que flor dos lbios morreu, Corao, que o no entende, No o quero para meu. 322 Ontem era meia noite, A meia noite seria. Ouvi cantar um anjinho No corao de Maria. 323 Cartas, cartas so papeis, Os papeis falsos sero, Mas as palavras dos olhos So vozes do corao. 324 Amavas-me e no dizias, Junto a mim ficavas mudo; Tua boca no falava, Os olhos diziam tudo. 325 Tenho dentro do meu peito Um frasquinho de licor. Quando o corao tem sede Diz o frasco bebe amor. 326 Os teus olhos, oh! menina, Quando se encontram co'os meus. Dizem coisas, dizem coisas... Ai! Jesus ! valha-me Deus! 327 Toma l colchetes doiro, Aperta o teu coletinho: Corao, que de ns dois. Deve andar conchegadinho. 328 O amor, quando se encontra, Causando pena, d gosto, Sobresalta o corao, Faz subir a cor ao rosto.

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Colhida por mim em An.

329 Eu passei e bem te vi Stavas janela lendo As cartinhas do amor... Tu a chorar e eu vendo. 330 J que me chamaste estrela, Dai-me Ceo, onde eu me ponha, Que as estrelas neste mundo Padecem muita vergonha. 331 No tronco da verde faia O teu nome fui gravar; A mesma faia chorou, S de me ver suspirar. 332 Como juntos e unidos Os teus cabelos esto, Permita o Ceo que se una O meu ao teu corao. 333 A sombra d'esse teu corpo Quando eu a vejo no cho... Aperto, pra no fugir, O meu pobre corao. 334 Aqui tens meu corao Vinga nele os meus delitos, Crava-lhe um punhal agudo. No te embaracem meus gritos. 335 A roseira com a rosa Toda se humilha ao cho, Quando a rosa se humilha, Que fala meu corao?! (Que far meu corao?!) 336 Cada vs que vou missa E no adro te no vejo, Enchem-se-me os olhos d'gua. Fico cego, nada vejo. 337 Amar e no ter cimes. Isso no querer bem; Quem no zela o que bem ama Muito pouco amor lhe tem. 338 Pergunta a quem sabe amar

Qual mais para sentir? Se amar, vivendo ausente. Se ver e no possuir. 339 Rosa, que ests em boto, Deixa-te estar fechadinha. Que eu vou para a minha terra. Quando eu vier sers minha. 340 Olhos verdes, cr de esperana. Olhos verdes, cr da hera, Quem espera sempre alcana. Por isso minha alma espera. 341 Quatro coisas so precisas Para saber namorar, Olho vivo e p leve, Cautela, saber falar. 342 O meu amor to lindo! Com quem o compararei? Com as estrelas no posso, Com Jesus do Ceo no sei. 343 Eu no sei que simpatia Minh'alma contigo tem; Quando te vejo a chorar, Meto-me a chorar tambm. 344 Meu amor, se tu te vires No deserto sem ningum. D um ai com sentimento Que eu sou contigo, meu bem. 345 No se cance a Natureza A criar coisas em vo; Se no para te amar. De que serve o corao? 346 Oh! que calma est caindo, sombra me estou queimando; Que ser do meu amor La na eira trabalhando. 347 Pe-te, pe-te Sol divino, Mas no te ponhas parado, Meu bem trabalhador E chega noite enfadado.

348 Vem c minha pequenina Que o vento quer-te levar, Pela manh vento norte, noite vento do mar. 349 Oh! que calma est caindo Por cima dos ceif adores! Quem fora ramo de palma, Que cobrira os meus amores! 350 Menina tu s a tumba, Eu serei o corpo morto; No se me dava morrer, Sendo tumba o vosso corpo.

XIII FIDELIDADE E CONSTNCIA 351 Oh! meu amor, meu amor, Quando me has-de tu esquecer? Quando Deus me no der vida, Nem olhos para te ver. 352 Esta noite sonhei eu Que me morria o meu bem; Sonhando, pedi a Deus Que me levasse tambm. 353 Jurei pelo junco verde. Que a jura dos pastores, Que, enquanto tu me quizeres. Serei firme aos meus amores. 354 A neve na serra alta. Faz a maior assistncia; O amor quanto mais firme. Mais querido na ausncia. 355 Bem pode a Terra mover-se, Bem pode o Mundo acabar, Tudo pode ter mudana, Menos eu em te adorar. 356 O meu corao teu

Aqui e em toda a parte; Antes cegar que no ver-te, Antes morrer que deixar-te. 357 J fui roseira cada, Trs anos stive no cho; De todos fui esquecida E s do meu amor, no. 358 Se querer-te bem delito, Venha o juiz que me prenda. Abra as portas da priso, Que eu no quero ter emenda. 359 No mais terrvel deserto Contigo q'ria viver, E juro-te pela minh'alma De ser firme at morrer. 360 Para amar-te eternamente Eu eterno q*ria ser; Ja que eterno ser no posso, Hei-de amar-te at morrer. 361 Se te aborrece eu querer-te, E foroso desprezar-te, Ensina-me a aborrecer-te, Que eu no sei seno amar-te. 362 O amor que nasce dalma Nunca poder ter fim; A tens tu a razo De me no 'squecer de ti. 363 Hei-de amar-te, que meu gosto, Ningum nisso tem que ver; Amar-te e casar com outro, Mais me valera morrer! 364 Tenho o meu peito fechado, Sto as chaves no Brazil; O meu peito no se abre, Sem as chaves de l vir. 365 Amar, emquanto atendido. No fineza de amante: Amar, depois de ofendido. S o faz quem constante.

366 Eu fui aquela que disse: Ou contigo ou com a terra, Seno cazasse contigo, Queria morrer donzela. 367 Firme, por firme, me assino Firme, constante serei, Firme, leal 't morte, Por ti firme morrerei. 368 Se cuidas que eu amo outra Perde essa desconfiana; Antes sepultar-me em vida Que eu em amor ter mudana. 369 Oh! olhos de amante firme. Bem te entendo o teu olhar; Podes viver-no seguro Que eu outro no sei amar. 370 Meu amor chorando disse. Com lgrimas prometeu: Emquanto o mundo existir. No deixarei de ser teu. 371 O meu leal corao Ao teu falso obedece, Se o meu leal te no lembra, O teu falso no me esquece. 372 Inda que meu pae me mate Minha me me tire a vida Minha palavra est dada Minh'alma est promettida. 373 Teu pai, tua mi, no querem Cara linda que te logre; Queira eu e queiras tu, Contra o amor ningum pode. 374 Nunca o amor se conhece Seno depois da tormenta; Quanto mais se contraria. Mais ele, o amor, aumenta. 375 Bem pode o norte ventar,

A nau fazer-se em pedaos, Mas p'ra deixar de te amar, Nem que haja mil embaraos. 376 Quando as pedras soltem gritos E o sol deixe de girar E o mar deixe de ter gua, Deixarei eu de te amar. 377 No prazer sinto tristeza, Parece-me a noite o dia, O mesmo dia um pranto. Sem a tua companhia. 378 Triste sorte foi eu ver-te, Atrevimento falar-te, Delito era pretender-te. Pena de morte deixar-te. 379 Eu, se te no amo, morro. Se te adoro, ha quem me mate, Se de toda a sorte morro, Quero morrer e adorar-te. 380 Impossvel, sem ser Deus, Haver quem de ti me aparte, Se ele tem esse poder. Antes venha a mim, me mate. 381 p meu corao do teu mui ruim de apartar, como a alma do corpo. Quando Deus a quer levar.

XIV A FELICIDADE DO LAR E A TERNURA MATERNAL 382 O casal que bem unido Vive bem e com prazer; Por pouco que o homem ganhe, Sempre chega pra comer. 383 Minha sogra quer-me muito, Minha cunhada tambm. Meu sogro muito me quer E o filho mais que ningum.

384 Eu casei-me e cativei-me, Inda no me arrependi; Quanto mais vivo contigo, Menos posso estar sem ti. 385 No tempo em que era solteira Usava fitas e laos. Agora que sou casada Uso os meus filhos nos braos. 386 O meu amado menino Tem soninho e quer dormir, Venham os anjos do Co Ajuda-lo a dormir. 387 Quando uma creana dorme, Esto os anjos a sorrir, Abrem-se as portas do Co Para Deus a ver dormir. 388 Lindo cantar o dos anjos... Quem cantara como eles, Quem estivera cantando, Cantando no meio deles! 389 Quem tem meninos pequenos Por fora lhe ha-de cantar: Quantas vezes as mais cantam. Com vontade de chorar! 390 Quem tem meninos pequenos Alivia o corao: De dia tem-nos nos braos, noite no corao. 391 O menino est no bero, Coberto co'o cobertor. Os anjos lhe esto cantando: Bemdito seja o Senhor! 392 O meu menino tem sono, Tem soninho e quer dormir, Venham os anjos do'Co Com roupa para o cobrir. 393 Uma mi que um filho embala. Todo o seu fim chorar,

S por no saber a sorte, Que Deus tem para lhe dar! 394 O meu menino um anjo, E o teu um passarinho, O meu voa para o Co, E o teu voa para o ninho. 395 Oh! meu filho, dorme, dorme, Olha o papo que alem est... Oh! papo vae-te embora, Que o menino dorme j! 396 Vae-te embora, passarinho. Deixa a baga ao loureiro, Deixa dormir o menino. Que est no sono primeiro.

XV SAUDADE 397 Desgraado malmequer, Onde vieste nascer! Aonde no ha saudades, No pode haver bem querer. 398 De qualquer sorte que existas. s a mesma divindade, Ventura, quando te vejo. Se te no vejo, Saudade. 399 Quero dar-te as despedidas, Quero da-las e no posso; Tenho o meu corao prezo Por um fio d'oiro ao vosso. 400 Quanto se sente na morte, Quanto se sente na ausncia, A morte ausncia eterna, A ausncia, morte aparente. 401 Uma saudade me mata, Uma ausncia me detm, Uma esperana me anima: Sobre tempo, tempo vem. 402

Quanto se sente na morte, Quanto se sente na ausncia, A morte ausncia eterna, A ausncia, morte aparente. 403 Tudo quanto o mar encerra, Tudo quanto a terra cria. Tudo nada no Mundo, Sem a tua companhia. 404 Oh! meu amor, meu amor. Nada me alegra o sentido, Ningum sabe o bem que perde. Seno depois de perdido. 405 Se fossem pedras as lgrimas. Que eu por ti tenho chorado. J formavam um castelo No centro do mar salgado. 406 Ausente dum bem que adoro. No posso viver com gosto; Nasce o Sol e pe-se o Sol, Para mim sempre Sol posto. 407 Passei pela tua porta, No te vi, oh! alma minha, Fiquei como a noite escura, Metida na nevoinha. 408 Como o vento para o fogo, a ausncia pro amor. Se pequeno, apaga-o logo. Se grande, torna-o maior. 409 Vejo mar, no vejo terra. Vejo espadas a luzir; Vejo o meu amor em guerra E no lhe posso acudir. 410 Oh! meu amor, se te vires Nas ondas do mar aflito. Brada por mim que eu irei Logo ao teu primeiro grito. 411 Atrevido pensamento, Onde me foste levar? Alm do mar outro tanto,

Como daqui ao mar. 412 Se o meu corao tivera Azas, que fora voando. Achavas tu quem stivera Sempre contigo falando. 413 Nas azas do pensamento Vai beijinho, vai voando, Visitar o meu amor. Que por mim st esperando. 414 Quando eu te chamar, acode, Manda c teu corao, No queiras tu que eu padea. Tendo o remdio na mo. 415 A pena do meu martrio Mais cruel no pode ser: Ter boca no te falar, Ter olhos e no te ver. 416 Este meu coraosinho, To pequenino que ; um mar de saudades, Onde no entra a mar. 417 O meu amor me deixou Sosinha neste deserto; Hei de me ir deitar ao mar, Levam-me as ondas decerto. 418 Abra-se uma sepultura Na terra forte e valente; Var mais estar sepultado Que viver de ti ausente. 419 Se ouvires tocar os sinos, No perguntes quem morreu, Ausente do meu amor, Ningum morreu seno eu. 420 Abre este meu peito lana Vers meu corao morto, E vers a tua ausncia O estado em que me tem posto.

421 Eu no quero viver mais Que o tempo que tu existes; Que me serve viver tanto, Se os dias sero to tristes? 422 Se tu fores, eu hei-de ir Se ficares, ficarei ; Quando no, tira-me a vida, Que eu apartar-me no sei. 423 Oh! olhos, preparem lenos. Oh! lenos, preparem fios; chegada a ocasio De os meus olhos serem rios. 424 Mal o haja o querer bem, A mim prpria me praguejo! No ha um Deus que me leve Nas horas que te no vejo! 425 Quem disser que uma saudade Que no leva sepultura Coma pouco, viva triste, Ver o tempo que dura. 426 Ai! Jesus, arde-me o peito Em labaredas de fogo; Se eu no vejo um bem que adoro, Ai! Jesus do Co, que morro. 427 Nesta cruel despedida Diz amor, que hei-de fazer; Levar-te no possivel, Deixar-te no pode ser. 428 Diz algum que a despedida Nada custa ao corao; Quem tal diz que se despea E ver se custa ou no. 429 Amor, no digas adeus Com esse adeus me matais; Parece que me dizeis Adeus para nunca mais. 430 Meu amor na despedida Nem s um ai poude dar;

Apertou-me a mo ao peito E depois pz-se a chorar!

431 Se os meus suspiros podessem Tua jornada impedir, As lgrimas dos meus olhos No te deixavam l ir. 432 Vai-te que o teu bem c fica, Suspirando, amor, por ti ; Vai tu a ver outros climas. Mas no te esqueas de mim. 433 Oh! triste segunda-feira Da semana que ha-de vir? O meu amor diz que embarca: Quem o ha-de ver sair! 434 Meu amor diz que me deixa, Digam-me o que hei-de eu fazer? Deixa-me, vai para longe. No o torno mais a ver! 435 Estes campos por aqui Talvez j os no aviste; Adeus amor da minh'alma. Que despedida to triste! 436 Quem me dera ver agora Quem a minh'alma deseja; Quem os meus braos apertam, Quem a minha boca beija. 437 J l vai de barra fora Quem no meu colo dormia! Deus te leve, Deus te traga Para a minha companhia. 438 Ausente dum bem que adoro, No tenho gosto de nada. Na solido em que vivo Somente o chorar me agrada. 439 Adeus, meu pai, minha mi Adeus, oh! minha saudade. Eu vou a servir o rei. Cativar a liberdade.

440 Adeus, oh! minha saudade. Espelho do meu sentido; Por ver vossa magestade Eu ando cego e perdido. 441 Adeus, oh! minha saudade, J voc por c no vem? Venha como vinha dantes. No lhe importe de ningum. 442 Cada vez que considero Que de ti me hei-de apartar. Meus olhos se arrazam d'gua, No fao seno chorar. 443 Vistam-se os campos de luto, Toquem os clarins de prata, Saiba-o quem o no souber: Meu amor de mim se aparta. 444 Dei um ai entre dois montes, Responderam-me as montanhas; Ai! Jesus, que eu j no posso Sofrer ausncias tamanhas. 445 Abre-te centro da terra Que me quero meter dentro, Na ausncia do meu amor Quero mostrar sentimento. 446 Amor, Deus te d sade Prs terras aonde fores, A gua, que tu beberes. Ela se cubra de flores. 447 O meu amor foi-se embora, Sem se despedir de mim, O mar se lhe torne em rosas, O navio num jardim. 448 Oh! Sol, que te vais cair L para as bandas de Chaves, Dize ao meu amor que venha, Porque eu morro de saudades. 449 Oh! rio, que vais correndo,

Passa a ver o bem que adoro; Se te faltarem as guas Leva as lgrimas que eu choro. 450 Carta, vae onde te eu mando, Lindos olhos vais a ver; Carta pi-te de joelhos. Quando te quiserem ler. 451 Vai-te carta, vai-te carta, Entra na primeira sala. Se te no quiserem ler, Abre-te carta e fala. 452 Vai-te carta venturosa, Olha se sabes falar. Os olhos que te escreveram C ficaram a chorar. 453 Vai-te embora dia de hoje No queiras mais dia ser. Que estou espera do amor. Que noite me ha-de vir ver. 454 Triste sou, triste me vejo, Sem a tua companhia. Tanto que nem me lembro Se fui alegre algum dia! 455 Tanto ai, tanto suspiro, Do fundo d'alma me vem! No so ais nem so suspiros, So ausncias do meu bem. 456 A ausncia tem uma filha, Que se chama saudade Eu sustento mi e filha. Bem contra minha vontade. 457 O meu amor foi ceifa P'ra l de Campo Maior, Mandei-lhe um leno encarnado Para ahmpar o suor. 458 Oh! meu amor, se tu fores, Leva-me na tua alminha; Eu sou como a primavera, Onde quer vou metidinha.

459 Eu ausente e tu ausente. Qual de ns mais penas tem? Se o que vae para voltar, Se o que espera por quem vem? 460 Eu hei-de mandar fazer Torres com altas varandas, J que te no vejo amor. Vejo as terras por onde andas. 461 Puz-me a chorar saudades Ao p d'uma fonte fria; Mais choravam os meus olhos Que a triste fonte corria. 462 O meu amor foi-se, foi-se, Foi-se para no voltar; Deus lhe deparasse um rio, Que o no pudesse passar. 463 No chores amor, no chores Eu inda aqui stou contigo, Chorars, quando me vires No mar largo e em perigo. 464 Coitadinho de quem tem Seu amor pra l do rio, Vai pra falar e no pode, Faz do corao navio. 465 O cego, que nascer cego, A sua vida cantar; Eu que te via e no vejo, A minha vida chorar. 466 Meu amor, que ests to longe, Chega-te c para o perto; J me doi o corao De te ver nesse deserto. 467 Quem me dera estar to alto, Como a esteveira na serra, Que avistara o meu amor. Onde quer que ele estivera.

XVI DESGRAA DE AMOR 468 Os nossos dois coraes, Uni-los o Co no quiz, foroso separa-los, Pouco tempo fui feliz. 469 Deixaste-me, amor, por pobre Outra falta no na tinha; Como hade o Sol romper Uma manh de neblina? 470 entrada desta rua Levantei meus olhos, vi Meu amor nos braos doutro, No sei como no morri! 471 Eu me queixo, tu te queixas. Qual de ns ter razo? Tu te queixas dos meus erros, Eu da tua ingratido. 472 Oh! que ai to dolorido Que o meu bem agora deu! Meu corao estava morto Deu um gemido, tremeu. 473 J no tenho corao, J o dei ao meu amor, E ele foi da-lo a outro! No seu logar fica a dor! 474 Amar a quem me no ama No ha caso mais tirano: Conhecer o prprio erro E viver do mesmo engano. 475 Se eu te via bem casada, Que gosto seria o meu! Vejo-te mal empregada Choro o meu mal e o teu. 476 Oh! rio dos desenganos. Engrossa, faze-te mar; Que eu desejo em tuas guas O meu amor afogar.

477 Eu sofro, se te no vejo, E se te vejo tambm; Primeiro sofro da ausncia E depois do teu desdm. 478 J os atalhos tem herva Depois que c no vieste; Dize-me, amor da minh'alma, Que agravo de mim tiveste? 479 Nem contigo, nem sem ti Tem remdio o pesar meu; Contigo porque me matas, Sem ti porque morro eu. 480 Oh! ingrato quem poder Viver sem ter corao ! Eu arrancaria o meu P'ra no sentir a paixo! 481 Aqui tens meu corao. Todo ensanguentado; Ingrato, pelos teus erros, que ele anda maltratado. 482 Coitadinho do meu peito, Que deita sangue pisado; A culpa tive-a eu Em te amar demasiado. 483 Eu sou sombra e tu s Sol, Qual de ns ser mais firme? Eu, como sombra a buscar-te, Tu, como o Sol a fugir-me? 484 Por te amar perdi a Deus, Por teu amor me perdi; Agora vejo-me s, Sem Deus, sem amor, sem ti. 485 Oh! meu amor no maltrates Uma mulher que foi tua; Para castigo j basta; Se teu gosto continua. 486 Eu puz-me a chorar, chorei.

Este rio fiz correr. Em me pr a imaginar Onde o meu brio foi ter. 487 Perdi-me, fiquei perdida. Mal haja quem me perdeu! Venceu-me, fiquei vencida Dum amor, que era s meu. 488 Minha mi chamou-me Rosa Para eu ser mais desgraada, Que no ha rosa no Mundo, Que no seja desfolhada. 489 Sou casada, vivo triste, Casara eu a meu gosto, Mais vale pobre e alegre Que rico e viver sem gosto. 490 Qrido filho, porque choras? Por tua me ser errante? Se teu pai te desprezar O Deus do Co bastante. 491 Inda que o lume se apague, Na cinza fica o calor; Inda que o amor se ausente, No corao fica a dor. 492 O Co se cobriu de luto, A mesma Terra tremeu; Os ares se escureceram, A minha jia morreu! 493 Abre-te, porta, que eu morro; No abras que eu j morri; J que s assim to ingrata Fica-te agora sem mim. 494 Sepultura, sepultura. Quantos corpos tens em ti? J l tens o meu amor. Quando me levas a mim? 495 Minha amada j morreu. Eu j no a torno a ver; A flor no campo renasce. Ela no torna a nascer.

XVII TRISTEZA 496 Nem s de alegre se canta, Nem s de triste se chora, De alegre tenho eu chorado, E de triste canto agora. 497 Oh! penas no venhais tantas. Vinde mais poucas e poucas; Vinde mais bem repartidas, Dai logar umas s outras. 498 Passarinhos meus amigos, Eu tambm sou vosso irmo: Vs tendes penas nas azas, Eu tenho-as no corao. 499 Passarinhos, que cantais Nas manhsinhas serenas, A todos aliviais. S a mim dobrais as penas. 500 As nuvens no Co se tingem Num arco de sete cores; So sete as dores de Maria, So setenta as minhas dores. 501 Oh! fonte, que ests correndo. No tardars a secar; Tambm meus olhos so fontes, Que no param de chorar. 502 As ondas do Mar coalham Em perlas todos os dias, E, se o meu pranto coalhasse, Que lindo colar fazias. 503 Oh ! meu amor, pede a Deus Terra para um pomar, Os meus olhos so dois rios. Do gua para o regar. 504 Abre-te penha constante. Sers minha sepultura

E se os meus ais no te abrandam, Fecha-te penha, que s dura. 505 Oliveiras, oliveiras. Ao longe so olivais, Trago o corao mais negro Que a azeitona que vs dais. 506 A serpente larga a pele, Tambm larga a l o gado, S a mim nunca me largam Os meus dias desgraados. 507 Oh! olhos da minha cara No olheis para ningum; J que perdestes a graa, Perdei o olhar tambm. 508 Hei-de embarcar os meus olhos Para o Rio de Janeiro, Olhos mal afortunados Que vo pra reino estrangeiro. 509 A alegria dos meus olhos, Nem eu sei quem ma levou, To alegre que era dantes, To triste que agora sou! 510 Penas, que eu tenho no peito. No as dou a conhecer; Eu as fiz, eu as causei. Eu as quero padecer. 511 O corao mais os olhos So dois amantes leais. Quando o corao tem penas. Logo os olhos do sinais. 512 Oh! corao, corao, Oh! corao, coitadinho! Andas coberto de penas. Pareces um passarinho. 513 Quando eu nasci, nasceram, Nascemos quatro num dia: Nasci eu, nasceu desgraa. Tristeza, melancolia.

514 Hei-de subir a um outeiro, Onde a terra for mais dura. Para enterrar os meus olhos. Olhos de pouca ventura. 515 Ternas aves, que me escutam. Chorosas me vem cantar; No ha mortais que no chorem. Depois de me ver chorar. 516 O Sol para todos nasce. S para mim escurece; Desgraada criatura. Que at o sol me aborrece. 517 tal a minha desgraa Que nem a esperana me resta De ver um dia acabar A minha sorte funesta, 518 Se queres saber a glria Que alcana um pobre ganho, a mo cheia de cabos Do cabo do enxado. 519 Ando desde pequenino Pelas casas a servir, No tenho nada de meu Mais que a roupa de vestir. 520 Quem me dera dar um ai, Que chegasse minha terra, Que dissesse a minha mi Que tal filho no tivera. 521 rf, ssinha no mundo, Vida assim ser viver? Para quem desgraada Mais lhe valera morrer. 522 Sou feia, no tenho graa, disforme o corpo meu. No tenho bens de fortuna Mas que culpa tenho eu?! 523 Oh! quem me dera ter mi Embora fosse uma siva,

Inda que ella me arranhasse. Sempre eu era sua filha!

524 Tudo o que triste no Mundo, Tomara que fosse meu, Para ver se tudo junto Era mais triste do que eu. 525 Das lgrimas fao contas, Por onde rezo s escuras; Oh! morte, que tanto tardas, Oh! vida, quo tanto duras! 526 Alegria, no a tenho. Sou um poo de paixo; Toda a tristeza tem fim. S a minha, essa, no. 527 Eu quero bem desgraa Que sempre me acompanhou, E tenho dio ventura, Que no melhor me deixou. 528 Mas que me quer a desgraa. Que atraz de mim corre tanto?! Hei de parar e mostrar-lhe Que de v-la no me espanto. 529 Oh! triste sombra, acompanha-me, Desgraados dai-me a mo; Venha tudo o que for triste Afligir meu corao. 530 Meus males, minhas desditas Remdio no podem ter; S deixarei de ser triste, Quando acabar de viver. 531 Oh! alcachofra, tu ardes, Ardes para florescer. Eu sou diversa de ti Ardo s para morrer. 532 de noite, de noite. . . Quer seja noite, quer no, Para mim sempre de noite Dentro do meu corao.

533 Desgraa e pouca ventura S em mim caiu a sorte! Haja quem me tire a vida Que eu lhe perdoarei a morte. 534 Quem era, como eu era, E se v como eu me vejo! Da vida no fao caso, A morte j a desejo. 535 Se pensas que, por cantar, A vida alegre me corre, Eu sou como o passarinho. Que at canta, quando morre.

XVIII A MORTE E A ETERNIDADE DO AMOR 536 J fui alegre, cantei, Agora sou desta sorte: J fui retrato da vida Agora o serei da morte. 537 Meu corao j no bate No sei o que quer dizer, Devem ser sinais de morte: Amor, vem-me ver morrer. 538 Devo a minha vida morte, A alma a Deus que me criou, O meu corpo terra forte: Ai! Jesus que nada sou! 539 Debaixo do frio cho, Onde o Sol no tem entrada, Abre-se uma sepultura, Mete-se uma desgraada. 540 Oh! morte, traidora morte, Contra ti tenho mil queixas ; Quem has-de levar, no levas. Quem has-de deixar, no deixas. 541 Com o blsamo cheiroso Hei-de embalsamar meu bem;

No quero que a terra coma To lindos sinais que tem. 542 Oh! adro, terra de egreja, Onde se enterram anjinhos. Oh! terra, que ests comendo Corpos to delicadinhos. 543 Quando eu morrer enterrai-me Ao p dum vale sombrio. Onde no chova, nem vente No d sol, nem faa frio. 544 O dinheiro e mais dinheiro Faz a paz e mais a guerra ; Belos condes e marquezes, Em morrendo, tudo terra. 545 No ha nada como a morte Pr'cabar a presuno, Com quatro varas de chita E sete palmos de cho. 546 Abre-se uma sepultura Na terra mais recalcada, Enterra-se a criatura, Fica a terra como estava. 547 Oh! morte, para que levas Desejosos de viver? Oh! morte, leva-me a mim Que bem desejo morrer. 548 No te faas mais do que eu Que no s menos nem mais; Debaixo da terra fria Todos ns somos eguaes. 549 Ns cuidamos que este mundo Que nos dura para sempre, uma luz que se acende Que se apaga de repente. 550 Se Deus me agora levava. Depois da palavra dada. Nem a terra me comia Que o amor c me ficava.

551 Quando eu era pequenina Que minha mi me embalava. J uma voz me dizia Que eu para ti me criava. 552 Antes da noite ser noite, Antes do dia ser dia, J meu corao te amava, Minh'alma por ti morreria. 553 Eu no amo como os mais, Que eu no amar sou diferente; Todos amam por emquanto, Eu amo eternamente. 554 Ferros d'El-rei so grilhis, Inda o amor mais forte; Para os ferros inda ha lima, Para o amor nem a morte. 555 Quanto mais estou contigo, Menos posso estar sem ti. Que a paixo, que nasce d'alma, Tem principio e no tem fim. 556 Hei de amar-te at morte, At depois de morrer. At l, na outra vida. Te hei-de amar, podendo ser. 557 Amar-te na sepultura, Oh! meu amor, quem poder! Seria a ltima coisa, Que por teu amor fizera. 558 Hei-de deixar que me enterrem Aonde tu fores missa, Que inda depois de enterrado Quero estar tua vista. 559 Puz um p na sepultura, Uma voz me respondeu; Tira o p que ests pisando Um amor, que j foi teu. 560 Quem disser que a vida acaba, Digo-lhe eu que nunca amou:

Quem morre e deixa saudades Nunca a vida abandonou. 561 Chamaste-me tua vida E eu tua alma quero ser, A vida acaba co'a morte, A alma no pode morrer! 562 Pelo amor de Deus te peo: Move de vagar teus passos ; Debaixo desses teus ps Anda meu corpo em pedaos. 563 J morri, j me enterrei E agora j estou aqui: Nem a terra me comia, Sem me despedir de ti!

ndice Estudo Critico I O Fim desta Obra II O Poema do Povo Concluso Antologia I A Natureza e a Terra Natal II O Elogio do Trabalho e o Valor Herico III Ameaa e crime de Morte IV Mximas e Pensamentos V Ironias e Gracejos VI Amor filial VII Religiosidade Popular VIII A Criatura Amada IX Confisso d'Amr X Desejo e Posse XI Ironias, Sarcasmos e Pragas de Amor XII Amor XIII Fidelidade e Constncia XIV A Felicidade do Lar e a Ternura Maternal XV Saudade XVI Desgraa de amor XVII Tristeza XVIII A Morte e a Eternidade do Amor

BIBLIOTECA RENASCENA PORTUGUESA A guia (2/ srie) Revista mensal 10 centavos. A Vida Portuguesa Boletim l.** volume de 162 pginas, 40 centavos. Regresso ao Paraso Teixeira de Pascoaes - IVol., 50 centavos. A Evocao da Vida Augusto Casimiro \ vol., 40 centavos. Esta Historia para os Anjos - Jaime Corteso 1 vol., 10 centavos. O Esprito Lusitano Teixeira de Pascoaes 1 vol., 10 centavos. A Sinfonia da Tarde Jaime Corteso 1 vol., 10 centavos. O Criacionismo Leonardo Coimbra 1 vol., 80 centavos. Romarias A. Correia d'Oliveira 1 vol., 10 centavos. A Educao dos povos peninsulares Ribera y Rovira 1 vol., 10 centavos. A Primeira Nau Augusto Casimiro 1 vol., 10 centavos. Cintra - Mrio Beiro 1 vol., 10 centavos. O Doido e a Morte Teixeira de Pascoaes 1 vol., 20 centavos. ... Daquem e dalm Morte (Contos com ilustraes de Cervantes de Haro e Cristiano de Carvalho) Jaime Corteso 1 vol., 60 centavos. O ltimo Lusada Mrio Beiro l vol., 50 centavos. O Gnio portugus na sua expresso potica, filosfica e religiosa Teixeira dePascoaes 1 vol., 20 centavos. Elegias Teixeira de Pascoaes 1 vol., 30 centavos. Camilo Indito Prefcio e notaes de Vila-Moural vol., 50 centavos. S Antnio Nobre {3. edio, esgotada). A Morie Leonardo Coimbra 1 vol., 40 centavos. A Teoria da Mutao Armando Corteso1 vol., 70 centavos. Doentes da Beleza Vila-Moural vol. de 160 pginas, 50 centavos. Glria Humilde Jaime Corteso 1 vol. de 192 pginas, 50 centavos. Verbo Escuro Teixeira de Pascoaes l vol., 50 centavos. Catalunha Augusto Casimiro l vol., 20 centavos.

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ACABOU DE SE IMPRIMIR NA TIPOGRAFIA DA RENASCENA PORTUGUESA PRAA DA REPUBLICA, 160, 161, 162. PORTO. AOS 6 DE JUNHO DE 1914, TIRANDO-SE DEZ EXEMPLARES EM PAPEL DE LINHO NUMERADOS E RUBRICADOS PELO AUTOR. SOB A DIRECO DE JAIME CORTESO e ALFREDO COELHO DE MAGALHES COM A COLABORAO DE Tefilo Braga D. Carolina Micaelis de Vasconcelos Ricardo Jorge Leite de Vasconcelos ]os Pereira de Sampaio (Bruno) Joaquim de Vasconcelos Teixeira de Pascoaes Antnio 5rgio Afonso Lopes Vieira Virglio Correia Jos Teixera Rego Francisco Torrinha etc. etc.

(Capa da dio de 1914) (digitalizao das 563 cantigas distribudaas por XVIII temas www.joraga.net ) Corroios, 2012 - 02